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CONTEMPORÂNEAS
ORGANIZAÇÃO
Caroline Filla Rosaneli
TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE
E DINÂMICA NA ABORDAGEM
DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL
Walter Belik
Aspectos históricos1
O uso do conceito de segurança alimentar dá origem a diferentes interpre-
tações. Nos países ricos autossuficientes em alimentos e com grandes produ-
tores agrícolas, costuma-se alegar razões de segurança alimentar para impor
barreiras à importação e aumentar artificialmente os preços dos alimentos.
Nos países pobres, governados por líderes populistas, a segurança alimentar é
utilizada para tabelar os preços e impor pesadas perdas aos produtores agrícolas,
a fim de satisfazer seus constituintes. Da mesma forma, o conceito de segurança
alimentar é utilizado por interesses particulares para promover a destruição do
meio ambiente ou, pior ainda, a destruição dos hábitos culturais dos povos ou de
uma nação. De modo geral, a importância e a força do alimento não podem ser
ignoradas como catalisadores para a dinâmica das forças produtivas.
No Brasil, desde os tempos coloniais, há uma preocupação por
parte dos governantes com a alimentação da população que estava
sujeita à importação e aos pequenos produtores locais. Os problemas
de abastecimento eram, naquela época, basicamente problemas de
produção. Como destaca Guimarães (1982, p. 73), “o tradicional
desprezo votado pelo latifúndio às culturas alimentares, consideradas
uma “mesquinha plantação” desde os tempos coloniais, colocava quase
toda a dieta do povo na dependência de importações do estrangeiro”.
Com a baixa acentuada dos preços dos produtos exportados, diminuía cada
vez mais a capacidade de importação de alimentos e, na virada do século
XIX, a situação já era de crise. Estudos mostram que diante da disfunciona-
lidade do sistema alimentar brasileiro, diversos governos – do Império até a
República Velha, passaram a se utilizar de intervenção direta para aumentar
a oferta de alimentos e, por outro lado, moldar aspectos da demanda.
1
Baseado na parte inicial de Belik (2003).
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A pedido dos Estados-Membros participantes da Cúpula Mundial da Alimentação de 1996,
o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas emitiu o seu
“Comentário Geral 12 - O Direito à Alimentação Adequada.” Este documento tornou-se
uma referência para organizações de direitos humanos e um norte para toda a comunidade
internacional. O Comentário 12 insiste na necessidade e na obrigação de que todos os
Estados devem “respeitar, proteger e realizar o direito”. O documento afirma explicitamente
em seu parágrafo 15 “[...] desde que um indivíduo ou grupo não seja incapaz, por razões
além de seu controle, de usufruir o direito à alimentação adequada com os recursos à sua
disposição, os Estados teriam a obrigação de satisfazer (prover) este direito diretamente.
Esta obrigação também deve existir no caso de vítimas de desastres naturais ou causadas por
causas diferentes”. Portanto, o direito de se alimentar regular e adequadamente não deve ser
o produto de benevolência ou o resultado de ações de caridade, mas pelo contrariamente,
como uma prioridade, de uma obrigação que é exercida pelo Estado que, em última análise, é
a representação da nossa sociedade.
3
Historicamente, o final da década de 1980 e início dos anos 90, é o período de maior
dificuldade em termos de SAN. Esse é o período de mais elevada taxa de inflação, desemprego
e choques cambiais, influenciando diretamente na disponibilidade e no acesso ao alimento.
Em 1992, foi lançada a Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria pela Vida, a campanha
do Betinho, que mobilizou a sociedade brasileira e reuniu as mais diversas correntes políticas e
religiosas. Em 1993, o Governo Federal, por sua vez, apresentou o primeiro programa público
mais abrangente de combate à fome, ao mesmo tempo que se instalou pela primeira vez o
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
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famintas pela metade até 2015. Basicamente, esse mesmo compromisso foi
incorporado aos Objetivos do Milênio e reiterado na Cúpula de 2002 com a
presença de 182 países.
As dimensões da Segurança
Alimentar e Nutricional
A mudança na abordagem da Segurança Alimentar que ocorre nos anos
90 amplia o seu conceito incorporando novos elementos ao alimento. Desta
feita, estabelece-se quatro pilares sobre os quais está estruturada a definição de
SAN, a saber: disponibilidade, acesso, estabilidade e utilização. Essas quatro
dimensões procuram cobrir todos os aspectos ligados a forma de produzir o
alimento, sua distribuição e consumo, sob uma perspectiva de atendimento ao
Direito Humano à Alimentação Adequada. Por entender que a definição de SAN
possui a abrangência necessária, a FAO e muitos dos países signatários da Decla-
ração de Roma de 1996 resistiram (e continuam a resistir) quanto à inclusão da
expressão alternativa “Soberania Alimentar” nos seus documentos oficiais.
A definição de Soberania Alimentar destaca as relações de poder entre
países e privilegia a autonomia das populações no sentido de poderem esco-
lher a sua dieta, de acordo com os seus hábitos sociais e a sua cultura.
Durante a Cúpula Mundial da Alimentação de 1996, no fórum paralelo
organizado pela sociedade civil, também realizado em Roma, a exigência da
adoção das diretrizes de soberania alimentar aparece de forma recorrente.
A Soberania Alimentar privilegia a autonomia alimentar dos países e está
associada à geração de emprego no país, menor dependência de importações e
flutuações nos preços do mercado internacional. A Soberania Alimentar atribui
grande importância à preservação da cultura e dos hábitos alimentares de um
país. Essa posição em torno da Soberania Alimentar encontrou adeptos entre
os representantes dos povos indígenas na América Andina, da América Central,
produtores africanos e entre os pequenos produtores europeus. O termo foi acla-
mado no encontro paralelo à Cúpula do Milênio, que as organizações sociais de
várias partes do mundo realizaram em Cuba, em 2001, no I Fórum Mundial
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4000
3500
3000
2500
2000
1500
China Indonésia Índia Nigéria Brasil
EUA Vietnam Paquistão Mianmar Bangladesh
4
Disponível em: http://189.28.128.100/nutricao/docs/geral/guia_alimentar_bolso.pdf. Acesso
em: 22 maio 2018.
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Considerações finais
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REFERÊNCIAS
CASTRO, J. The Geography of Hunger. London: Victor Gollanez, 1952.
DEVEREUX, S. Realizing the Right to Social Security and the Right to Food. The
Contribution of National Social Protection Floors Towards Food Security and the Reali-
zation of the Right to Adequate Food for All. Extension of Social Security - Working
Paper - ESS 51, 2015. Disponível em: https://www.ilo.org/secsoc/information-
resources/publications-and-tools/Workingpapers/WCMS_431741/lang--en/index.
htm. Acesso em: 24 dez. 2019.
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PLOEG, J. D. The Food Crisis, Industrialized Farming and the Imperial Regime.
Journal of Agrarian Change, v. 10, n. 1, p. 98-106, 2010.
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