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Abstract
The Cerrado (Woodland Savanna) of Brazil’s
Central-West region continues threatened as a
result of the occupation of its soil by exportable
products, which have been fundamental,
Resumo from 1970 onwards, to the development of
Os Cerrados do Centro-Oeste continuam the region. The production of commodities
ameaçad os pela ocupação de seu solo com replaced the natural vegetation with soy
produtos exportáveis, determinantes, a par- beans, maize, sorghum and pastures, which
tir de 1970, para o desenvolvimento da re- do not feed the ground waters of the Cerrado,
gião. A produção de commodities substituiu affecting more than 300 watercourses. Two
a vegetação natural por soja, milho, sorgo e distinct moments marked the occupation of
pastagens e estas não alimentam os lençóis the Central-West region: the 1970-1980
freáticos dos cerrados, afetando mais de 300 period, when the economic transformations
cursos d’água. São dois momentos distintos imposed a process of perverse occupation
dessa ocupação: de 1970 a 1980, período on the biome, as a result of agriculture and
em que as transformações econômicas impu- farming modernization, and the decade of
seram um processo de ocupação perversa ao 1990, when the effects of this occupation,
bioma cerrado; na década de 1990, os efeitos associated with the transformations provoked
dessa ocupação se manifestam de forma mais by globalization, manifested themselves more
contundente, provocando um processo de strongly, leading to an extensive process of
concentração urbana de grandes proporções. urban concentration.
Palavras-chave: ocupação dos cerrados; Keywords : occupation of the cerrado;
commodities; Centro-Oeste; concentração ur- commodities; Brazilian Central-West region;
bana; desenvolvimento regional. urban concentration; regional development.
de convivência mais profunda, enfim, sau- faz com que a vegetação e a vida animal
dades das raízes ligadas essencialmente ao nos cerrados sejam mais importantes
cultivo da terra. sob o solo do que acima de sua superfí-
Outro aspecto tem a ver com a forma cie (Floresta de cabeça para baixo), aju-
como se utiliza o solo e os problemas am- da a explicar a ausência de campanhas
bientais derivados de seu uso. Sendo assim, públicas voltadas a sua preservação. (o
cabe uma pergunta: existe uma correlação grifo é nosso).
entre ocupação e desigualdades sociais nas
cidades, frutos de um processo desordena- Ao se fazer uso intensivo de pivôs, 2
do e perverso de ocupação do cerrado no colocam-se em risco as fontes perenes de
Centro-Oeste? água, muitas delas provenientes de “águas
Primeiramente, por que perverso? O profundas”. A esse respeito, Abramovay
“perverso” pode ser explicado a partir de (1999, p. 9) estima que o consumo de água
três variáveis que se complementam e são em pivôs, em certas épocas, chega a 3,45
indispensáveis no processo de transforma- bilhões de litros utilizados em irrigação dia-
ção da região numa grande produtora de riamente, apenas no estado de Goiás – cer-
commodities (grãos, cana-de-açúcar, car- ca de 20 vezes o consumo doméstico diário
nes e algodão, entre outros): ver o cerrado do milhão de pessoas que vive em uma ci-
como área de fronteira; utilizar largamen- dade como Goiânia. “É um risco, uma vez
te pivôs de irrigação e usar intensivamente que não se tem conhecimento confiável dos
fertilizantes, sobretudo agrotóxicos. Inú- aqüíferos da região, suas áreas de recarga e 201
meros estudos, principalmente do Centro descarga, seus ciclos internos e sua capaci-
de Pesquisas Agropecuárias dos Cerrados dade de suporte”.
(CPAC) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Em 2003, essa situação de conflito
Agropecuária (Embrapa), têm apontado as entre irrigação e abastecimento urbano
fragilidades do cerrado no que se refere à fez com que o Ministério Público de Goiás
sua forma de ocupação, ou seja, ocupar esse lacrasse pivôs centrais, para que não se
bioma como área de fronteira é exaurir dele comprometesse o abastecimento de cidades
toda a fertilidade que possui, fertilidade es- inteiras.
sa que tem como função garantir o futuro Outro problema está relacionado ao
do próprio bioma. uso de fertilizantes e agrotóxicos, sobre os
Mais uma vez, vale registrar as obser- quais só recentemente o Congresso Nacional
vações de Abramovay (1999, p. 5) quanto à produziu legislação específica visando o con-
abundância de água nos cerrados e sua fun- trole de sua utilização. Ainda assim, um con-
ção irrigadora do próprio solo: trole mais efetivo esbarra na morosidade e
deficiência do aparato de fiscalização. Surge,
Essa concentração do período das chu- portanto, a hipótese de que também é perti-
vas sucedida por uma prolongada seca nente relacionar as desigualdades sociais nas
(4 a 7 meses) determina a estratégia cidades às questões ambientais advindas de
adaptativa das plantas de buscar água um processo produtivo não sustentável do
a dez metros de profundidade, o que ponto de vista ecológico, não as associando
apenas às formas clássicas de explicação das melhoria das precárias estradas rodoviárias
desigualdades que, em parte, estão rela- e a implantação de infra-estrutura, ao longo
cionadas ao forte processo migratório e ao do tempo, foram importantes para a con-
êxodo rural. formação dos núcleos urbanos, porém insu-
Migrar, num primeiro momento, não é ficientes para dar a densidade demográfica
uma decisão que se faz de forma tranqüila, necessária à ocupação do Centro-Oeste.
pois significa romper com laços familiares, Reconhece-se, também, que o inves-
com relações de vizinhança. Na verdade, é timento maciço do setor público, principal-
uma profunda ruptura com o modus viven- mente nas esferas federal e estadual, pro-
dus no qual se estava inserido por um longo duziu estímulos à formação de uma rede
período de tempo. Num segundo momento, urbana que se configurou de forma dispersa
quando o migrante já está novamente ins- na maior parte do território, porém densa
talado, ainda que em situação precária, ele em pontos específicos como Brasília, Goiâ-
se engaja no propósito de promover trans- nia, Campo Grande e Cuiabá. A decisão do
formações pessoais e familiares, buscando Estado de atuar como principal agente es-
obter melhores condições de vida. truturador da região se acentuou, sobretu-
No caso do cerrado, o processo perver- do a partir dos anos 30, com a política de-
so de preparo da terra, visando ampliar a nominada “Marcha para o Oeste” e a criação
produção de grãos e de carne, está exaurin- da Superintendência de Desenvolvimento do
do as potencialidades naturais de seu solo e Centro-Oeste (Sudeco) em 1967, que pas-
202 tornando o acesso à água cada vez mais di- sou a coordenar as ações e investimentos
fícil, na medida em que o lençol freático vai públicos destinados ao Centro-Oeste.
ficando mais profundo. Como conseqüência, Como destaque de ações concretas,
várias nascentes secaram.3 deve-se salientar a construção de Goiânia,
cuja pedra fundamental foi lançada em 24
de outubro de1933. Já nos anos 50, antes
mesmo da construção de Brasília, Goiânia já
Formação da rede era um núcleo urbano expressivo, com uma
urbana no Centro-Oeste população acima de 100 mil habitantes e
um comércio dinâmico, sinalizando que ti-
Apesar de o Centro-Oeste, no seu conjunto, nha vocação e assumiria muito brevemente
se apresentar como um território de baixa a condição de núcleo polarizador, o que de
densidade demográfica, pode-se dizer que, a fato ocorreu.
partir dos anos 70, formou-se aí uma rede A construção de Brasília, a partir da se-
urbana que desempenha papel importante gunda metade dos anos 50, consolidada no
na estruturação do espaço regional-urbano. início da década de 1960, intensificou ainda
No processo histórico, identificam-se alguns mais o processo de ocupação da região, na
vetores que dinamizaram a ocupação do medida em que atraía um contingente signi-
Centro-Oeste. Assim, estímulos endógenos ficativo de imigrantes. A implantação dessas
como as atividades mineradoras, a pecuá- duas capitais planejadas no Planalto Central
ria extensiva, a implantação de ferrovias, a possibilitou a formação do “eixo” Goiânia-
1940 1950
1977 1989
204
estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Gros- tariamente nas cidades. Esse grau eleva-
so do Sul e pelo Distrito Federal. do de urbanização vem ocorrendo a partir
O Centro-Oeste brasileiro ocupa 18,8% dos anos 1970. Até então, a população do
do território nacional e possui uma popula- Centro-Oeste era predominantemente ru-
ção de mais de 11,5 milhões de habitantes, ral. Isso significa que a dinâmica econômica
representando 6,9% da população total das cidades existentes era determinada pelo
brasileira. Desse contingente, 86,7% resi- setor rural, cuja base econômica era cons-
dem nas cidades, conforme Tabela 1. tituída por uma economia de subsistência,
Percebe-se que todos os estados da o que, em termos de renda, empobrecia a
região têm sua população vivendo majori- economia de toda a região.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Depto. de População e Indicadores Sociais, Censos Demográfico.
Esses dados, para Milton Santos (1996, Esse estudo reconhece, portanto, que a
p. 61), mostram a região Centro-Oeste co- região tinha como característica uma popu-
mo um espaço muito receptivo aos fenô- lação rarefeita, o que lhe conferia um aden-
menos de urbanização, dado, segundo ele, samento pouco significativo e uma economia
o seu caráter de despovoamento. Por isso, assentada em formas arcaicas de relações
descobre que a região: sociais (pecuária extensiva, agricultura de
subsistência, regime de posse da terra e de
Pode, assim, receber uma infra-estru- trabalhadores agregados), o que implicava
tura nova, totalmente a serviço de uma “uma relação socioeconômica com grande
economia moderna, já que em seu ter- capacidade de resistência aos estímulos do
ritório eram praticamente ausentes as mercado”.
marcas dos precedentes sistemas técni- Observando-se os dados da população
cos. Desse modo, aí o novo vai dar-se em termos absolutos (Tabela 3), pode-se
com maior velocidade e rentabilidade. E verificar que, até a década de 1960, a popu-
é por isso que o Centro-Oeste conhece lação do Centro-Oeste representava menos
uma taxa extremamente alta de urbani- de 5% da população brasileira. A partir da
zação, podendo nele se instalar, de uma década de 1970, esse percentual se ampliou,
só vez, toda a materialidade contem- passando de 5,4% para 6,9%, conforme o
porânea indispensável a uma economia Censo 2000. Verifica-se que 60,6% da po-
exigente de movimento. pulação do Centro-Oeste está concentrada
206 no estado de Goiás e no Distrito Federal.
Outra interpretação, mais recente, não De 1940 até o final dos anos 60, as
reconhece a região como um vazio econô- taxas de crescimento populacional, apresen-
mico ou demográfico, na medida em que o tadas na Tabela 4, foram superiores às das
ciclo mineratório possibilitou a emergência demais regiões do país. A partir dos anos
de núcleos urbanos necessários às ativida- 70, continuaram ascendentes, porém em ín-
des econômicas da mineração. Segundo dices menores. Cabe destacar que as taxas
estudo do IPEA, IBGE, Unicamp/IE/Nesur de crescimento do Centro-Oeste só perdem
(2002, p. 163), para o Norte do país, o que evidencia o pa-
pel desempenhado pela região como “porta
[...] não se tratava de uma área até en- de passagem” para o processo de interiori-
tão desocupada, ou um grande vazio, zação do desenvolvimento.
como é suposto freqüentemente. Em A partir de 1970, portanto, com exce-
função do legado histórico, a região ção da região Norte, as taxas de crescimento
dispunha de núcleos e experiências de anual da população total do Centro-Oeste
vida urbanas importantes, ainda que foram superiores à taxa nacional e às das de-
dispersas, tipificando uma ocupação mais regiões do país. Ressalte-se que todos
descontínua e sustentada por uma ba- os estados do Centro-Oeste também tive-
se econômica tradicional, subproduto ram incremento populacional acima do con-
característico da atividade mineratória junto das demais regiões do país, sendo que
originária. o Mato Grosso, puxado por aglomerações
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Depto. de População e Indicadores Sociais. Censo Demográfico.
Fonte dos Dados Básicos: IBGE, Censos Demográficos de 1940 a 1991. Tabela extraída do Relatório MPO/
SEPRE “Revisão das Estratégias de Desenvolvimento do Centro-Oeste: Relatório Final da Coordenação
(1998)”. 1991/2000 – IBGE – Download – Censo/Dados do Universo
como Sinop e Alta Floresta, registrou taxa expulsão existentes na dinâmica econômica
de crescimento geométrico de 5,4% no pe- capitalista de outras regiões, com efeitos
ríodo 1980-91, reduzindo para 2,4% no perversos em uma economia como a brasi-
período 1991-2000. Nesse período, Goiás e leira, quanto de atração, existentes no Cen-
o Distrito Federal obtiveram as maiores ta- tro-Oeste. Sem a combinação desses dois fa-
xas, 2,5% e 2,8% respectivamente. tores, atração de um lado e expulsão de ou-
Ora, manter taxas expressivas de cres- tro, o “fenômeno” não teria transformado a
cimento populacional e sustentá-las duran- região num espaço econômico e urbanizado,
te um longo período (de 1950-1980) jus- integrado à economia nacional e internacio-
tifica-se tanto pela existência de fatores de nal e integrador da região Norte.
oportuna a argumentação de Borges (1999, Esse tipo de economia tem suas espe-
p. 8) de que, com os incentivos e financia- cificidades assentadas numa dinâmica que
mentos governamentais, a produção no exige, de um lado, cada vez mais capital (ca-
campo passou a atuar sob a lógica capita- pital inovado) e, de outro, cada vez menos
lista no complexo grãos e carne, com bus- mão-de-obra (especialmente qualificada) e,
ca crescentes de produtividade, voltando-se por conseqüência, novos produtos em que
prioritariamente à exportação. se incorporam cada vez mais trabalho mor-
to em detrimento do trabalho vivo.
As mudanças que ocorreram no pro-
cesso de reprodução do capital na região fo-
Conformação de uma ram radicais, pois evoluíram de um processo
rede urbana concentrada de acumulação simples para um processo de
acumulação ampliada, ou seja, se antes pro-
O processo de desenvolvimento urbano do duziam valores de uso, passaram a produzir
Centro-Oeste revestiu-se de uma dinâmica praticamente valores de troca. Isso não sig-
contraditória marcante. De um território nifica que sua economia tenha sido fechada,
pouco adensado e com uma base econômi- havendo comercialização apenas entre os
ca extremamente precária, evoluiu para um seus próprios membros e nunca com o ex-
processo acelerado de urbanização sustenta- terior, mas sim que o porte de sua produção
do por uma economia voltada para o abas- e, conseqüentemente, de sua comercializa-
210 tecimento do mercado externo. A economia, ção (ou seja, as transações comerciais) foi
até o final dos anos 60, atraía um tipo de insuficiente para assegurar a continuidade
mão-de-obra que demandava tecnologia de de um processo ininterrupto de produção e
baixo custo e, portanto, não era poupadora de consumo de escala.
de força de trabalho. Os migrantes que para Em outros termos, a produção ante-
cá se dirigiam estavam ligados às atividades rior tinha como objetivo principal abaste-
de natureza tradicional e eram basicamente cer a própria região e, muito raramente, o
constituídos de trabalhadores despojados de mercado externo, já que produzia excedente
meios de produção. apenas para os mercados locais, portanto,
Com o advento da modernização da insuficientes para atender à demanda exter-
agricultura e a intensificação industrial das na. Isso permite concluir que as disparidades
economias urbanas, num quadro de de- regionais não seriam superadas enquanto os
pendência, alterou-se o perfil do migrante. investimentos públicos se dirigissem predo-
Entraram em cena os migrantes vindos do minantemente para o grande capital.
sul do país, detentores de capital, de novos No que se refere ao desenvolvimento
conhecimentos e apoiados por incentivos da produção para o mercado externo, os
governamentais. A combinação de capital, dados da Tabela 5 ajudam a entender essa
trabalho mais qualificado para lidar com dinâmica, na medida em que mostram o
equipamentos modernos e incentivos fiscais crescimento expressivo das exportações de
engendraram uma nova economia, voltada excedentes do Centro-Oeste pós-1970, so-
para o mercado externo. bretudo de produtos semimanufaturados e
Semi-
Brasil e regiões Básicos Manufaturados Total
manufaturados
Brasil 3,45 9,58 3,86 4,62
Região Norte 9,62 23,59 5,13 12,7
Região Nordeste -1,05 8,28 2,4 3,01
Região Sudeste 3,54 8,28 3,26 4,03
Região Sul 2,43 9,02 6,22 5,01
Região Centro-Oeste 16,48 20,85 11,99 16,82
Mato Grosso 22,23 48,08 9,02 20,82
Mato G. do Sul 19,61 39,29 15,21 20,88
Goiás 8,76 10,96 21,57 10,39
Distrito Federal -5,72 – 2,37 6,49
Fonte dos Dados Básicos: Ministério da Indústria e Comércio e do Turismo. Elaboração: Atlas Regional das
Desigualdades. IPEA/DIPES, IBGE.
Obs.: No campo onde não constam valores, não foi possível calcular a taxa de crescimento, pois, em alguns
anos, não ocorreram exportações. Tabela extraída do Relatório MPO/SEPRE “Revisão das Estratégias de De-
senvolvimento do Centro-Oeste: Relatório Final da Coordenação (1998)”.
manufaturados. Esses produtos são resul- externos e, num segundo momento, funcio- 211
tado dos novos processos produtivos im- naram como “imãs”, atraindo para si e para
plantados, advindos dos vários complexos seus respectivos entornos grandes contin-
agroindustriais de grãos-carnes, evidencian- gentes populacionais, já como fruto de uma
do o amadurecimento econômico da região mobilidade mais interna do que externa.6
no sentido de cumprir o papel de que fora Essa dinâmica resultou num processo
incumbida como região de fronteira, ou se- de “urbanização concentrada”, o que im-
ja, produzir excedentes para exportação e, plicou a existência de poucas cidades com
com isso, contribuir para o equilíbrio da ba- população elevada, ou seja, apenas 2,6 dos
lança comercial brasileira. municípios possuem população superior a
A mudança do perfil econômico da re- 100 mil habitantes. No entanto, estes, jun-
gião, evidenciada pelo comportamento das tos, detêm metade do contingente popula-
exportações, trouxe elementos que altera- cional da região (49,9%), lembrando que
ram a dinâmica das cidades e seus respecti- nesse quantitativo existem duas capitais:
vos funcionamentos. O processo de urbani- Brasília, capital nacional, e Goiânia, capital
zação, visto sob o aspecto populacional, foi regional, ambas com população acima de
extremamente acelerado em todo o Centro- 1 milhão de habitantes. No outro extremo,
Oeste, principalmente nas cidades médias encontram-se 32,1% dos municípios com
e grandes. Num primeiro momento, elas população de até 3 mil habitantes, onde re-
tiveram sua população aumentada em fun- sidem apenas 4,2% da população. Se, por
ção dos vários fluxos migratórios internos e um lado, esses números revelam a força de
Nº de
Distribuição por Estados População por Estado População total
Classes de municípios
população Resi-
MS MT GO DF MS MT GO DF Nº % %
dentes
até 3 mil 0 9 40 – 0,0 20,5 96,9 – 49 11,0 117,4 1,0
de 3 a 5 mil 8 22 64 – 33,5 89,2 246,1 – 94 21,1 368,9 3,2
de 5 a 10mil 20 34 55 – 146,9 250,1 390,9 – 109 24,4 787,9 6,8
de 10 a 20 mil 28 39 36 – 394,5 554,7 499,4 – 103 23,1 1.448,7 12,4
de 20 a 50 mil 16 15 31 – 438,8 469,2 959,7 – 62 13,9 1.867,8 16,1
de 50 a 100 mil 3 4 10 – 235,7 271,6 729,3 – 17 3,8 1.236,6 10,6
de 100 a 500 mil 1 3 5 – 164,9 848,9 987,9 – 9 2,0 2.001,7 17,2
de 500 a 1 milhão 1 0 0 – 663,6 0,0 0,0 – 1 0,2 663,6 5,7
mais de 1 milhão 0 0 1 1 0,0 0,0 1.093,0 2.051,1 2 0,4 3.144,2 27,0
Total 77 126 242 1 2.078,0 2.504,4 5.003,2 2.051,1 446 100 11.636,7 100
atração das médias e grandes cidades, de isso, reduzir a pressão migratória sobre os
outro, fica evidente a incapacidade das po- municípios maiores.
líticas locais e regionais no sentido de reter Já as cidades pequenas, com menos de
212 nos municípios menores sua população. Em 20 mil habitantes, têm sistematicamente ce-
outros termos, a modernização agrícola dos dido sua população para as cidades médias,
anos 70 desencadeou um processo de de- e estas, para as cidades grandes. Mesmo os
sertificação populacional que afetou grande municípios com menos de 100 mil habitan-
parte dos municípios do Centro-Oeste. tes possuem capacidade limitada de reten-
Ressalte-se que no Centro-Oeste, se- ção de seus moradores, certamente por não
gundo o Censo 2000, existem 446 municí- possuírem uma rede de serviços e de comér-
pios, sendo: 242 no estado de Goiás, onde cio capaz de atender às suas expectativas.
residem 43,0% da população da região; Dentre as cidades mais receptoras,
77 no Mato Grosso do Sul, com 17,9% da encontram-se as que estão na faixa de 100
população; 126 no estado de Mato Grosso, a 500 mil habitantes. Essas cidades recebe-
com 28,3% da população e o Distrito Fede- ram população da própria região e de ou-
ral, com 17,6% da população centroestina. tras regiões do país. No entanto, o topo da
Outro aspecto a ser considerado é que, “urbanização concentrada” está também nas
nos municípios de porte médio, as possibili- cidades com população acima de 500 mil ha-
dades de vida mais digna e com menos de- bitantes e menos de 1 milhão. Nesse pata-
sigualdades sociais são maiores. Nesse sen- mar, apenas duas cidades, Cuiabá (com me-
tido, políticas públicas voltadas para muni- nos de 483 mil) e Campo Grande (com 663
cípios desse porte deveriam ocupar priorita- mil). A Região Metropolitana de Goiânia e
riamente a agenda dos governantes, com o a Região de Desenvolvimento Integrado do
objetivo de fortalecer sua economia e, com Entorno (RIDE-Brasília) possuem, juntas,
mais de 4,5 milhões, ou seja, mais de 1/3 da mais disperso, apesar da existência de cen-
população (39,5%) de todo o Centro-Oeste. tros polarizadores como as capitais e outras
A concentração fica mais evidente quando aglomerações urbanas de menor porte, que
se observa a população residente urbana, foram importantes enquanto espaço estra-
em que aproximadamente 65% moram em tégico para alavancar a fase seguinte. A par-
Goiáse no Distrito Federal. tir dos anos 70, o perfil da região alterou-
Quanto à evolução da população urbana se com o crescimento acelerado de algumas
no Centro-Oeste, verifica-se que, com exce- cidades e a dinamização de centros urbanos
ção de Mato Grosso, a taxa de crescimento é de pequeno porte existentes em seu entor-
superior à média nacional. As maiores taxas no, ensejando o surgimento de uma rede ur-
de crescimento ocorreram em Goiás no pe- bana sem a construção de mecanismos que
ríodo de 1950-70, devido à construção de assegurassem a articulação e a complemen-
Goiânia e de Brasília, e no Mato Grosso no taridade entre as cidades (ver Michel Roche-
período de 1980-91. A explicação tem a ver fort, 1998, p. 19).
com a anexação de parte do estado do Ma- A idéia de “rede urbana” estimula
to Grosso ao recém-criado estado do Mato pensar na possibilidade concreta de que é
Grosso do Sul. necessário que as cidades se articulem em
Todo esse processo resultou na eleva- função de objetivos comuns, criando verda-
ção da taxa de urbanização da região, que deiras “redes de cidades”, o que implica ne-
passou de 21,5% em 1940, 48% em 1970 cessariamente romper com as formas ver-
para 86,7% em 2000, sendo que no Distrito ticalizadas e hierarquizadas ainda hoje pre- 213
Federal essa taxa atinge 95,6% (Tabela 1). dominantes e evoluir para formas que pri-
Obviamente, a população rural, em vilegiem o poder sinergético que há nessas
termos absolutos, vem decrescendo a taxas “redes”, em maior escala, e nas cidades, em
elevadas, refletindo um processo rápido de escala menor. Isso significa que as cidades,
deslocamento da população rural para as ao invés de competirem entre si, devem es-
periferias das cidades pequenas, médias e tabelecer relações de complementaridade,
grandes. de modo que “o específico” de cada cidade
Vale destacar que as ações governamen- da rede seja potencializado e não sufocado,
tais, de um lado, estimularam o desenvol- neutralizado.7
vimento da região, sobretudo as atividades A Tabela 7 mostra em quais centros
agropastoris e agroindustriais a partir dos urbanos está concentrada a grande maio-
anos 70; de outro lado, porém, provocaram ria da população total do Centro-Oeste.
grandes impactos nos espaços urbano e ru- Observa-se que 57,4% estão concentrados
ral, alterando sobremaneira o seu perfil. em apenas 40 municípios, o que correspon-
O conjunto dos dados disponibilizado de a 9,0% dos 446 municípios da região.
para a região dá a medida do quanto a rede Só as capitais dos estados abrigam mais de
urbana no Centro-Oeste está concentrada 4 milhões de habitantes, correspondendo a
em poucas cidades, onde as relações se dão 36,9% da população total do Centro-Oeste.
de forma verticalizada e hierarquizada. Até Outro espaço de grande concentração po-
os anos 60, as cidades assumiam um perfil pulacional é o denominado eixo Goiânia-
214
Aristides Moysés
Economista pela Universidade Católica de Goiás. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Professor Titular do Departamento de Ciências Econômi-
cas e Coordenador do Mestrado em Desenvolvimento e Planejamento Territorial da Univer-
sidade Católica de Goiás. Professor do Mestrado em Ecologia e Produção Sustentável. Coor-
denador e Pesquisador do Observatório das Metrópoles: Núcleo Goiânia/Instituto do Milênio-
CNPq. Técnico do Departamento de Ordenação Socioeconômico da Secretaria Municipal de
Planejamento da Prefeitura de Goiânia (Goiás, Brasil).
arymoyses@uol.com.br
Notas
* Trabalho apresentado no XII Encontro Nacional da Anpur – Associação Nacional de Pós-
graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional - ST 2 - Rede urbana e estrutura
territorial em Belém, Pará – 21 a 25 de maio de 2007, com o título “Ocupação e urba-
nização dos Cerrados do Centro-Oeste e a formação de uma Rede urbana concentrada e
desigual”.
(1) Os cerrados, segundo Abramovay (1999), ocupam um quarto do território brasileiro, num
total superior a 200 milhões de hectares. Desse total, 155 milhões de hectares estão no
Planalto Central e 38,8 milhões de hectares no Nordeste (Freire, 1997, p. 201), dos quais a
maior parte (30,3 milhões de hectares) na região Meio-Norte; 43,3% da superfície do Ma-
ranhão é composta de cerrados e 64,7% da do Piauí (Rocha, 1997, p. 63). Existem áreas de
cerrados ainda em Rondônia, Roraima, Amapá e Pará, bem como em São Paulo.
(2) Dentre as técnicas de irrigações utilizadas na agricultura moderna, cujos objetivos princi-
pais são o fornecimento controlado de água e a fertilização do solo com a deposição de
elementos necessários para torná-lo mais produtivo, destaca-se o Pivô Central. Trata-se de
um sistema de tubulação metálica com aspersores, montado sobre uma estrutura metálica
com rodas, sendo uma das extremidades o ponto central (ponto do pivô) de onde é bom-
beada água, fertilizantes, inseticidas e fungicidas. Esse sistema se move como hélice e é
capaz de irrigar áreas ente 50 e 130 hectares
(3) O ITS estima que mais de 300 cursos d’água secaram no Centro-Oeste em conseqüência da
forma de ocupação do cerrado.
(5) “Grande parte deste dinamismo está associado às características de fronteira aberta do Cen-
tro-Oeste, à sua extensão territorial e às potencialidades naturais e sociais de sua região,
tais como a vasta vegetação típica do cerrado, recursos hídricos em abundância, recur-
sos minerais, taxas crescentes de população alavancadas por um fluxo migratório intenso”
(Moysés et alii, 1999).
(6) Esse fenômeno foi chamado de “desconcentração urbana” por vários autores, dentre eles
Luiz César de Queiroz Ribeiro (1994).
(7) Com a emergência das cidades globais, fala-se hoje em rede de cidades globais. Trata-se de
um espaço em que um conjunto de atividades econômicas e de integração sociocultural
ocorre em tempo real, graças ao avanço da tecnologia computacional e das telecomuni-
218 cações. A esse respeito, existe vasta literatura. Nesse novo contexto, a cidade ocupa papel
central. Autores como Sassen (1991; 1998; 1999), Borja (1998), Castells (1999), Ascher
(1998), Ianni (1994), Hall (1998), de leitura obrigatória, focalizam a cidade como o novo
ponto cardeal das questões urbanas.
(8) Não há consenso entre os estudiosos do bioma cerrado, para os quais as áreas de cerrados
preservadas variam de 20 a 50%; na década de 1990 e nos anos 2000, a situação vem se
agravando com o uso intensivo de tecnologias defensivas para os interesses econômicos,
mas agressivas para o meio ambiente. Entretanto, há consenso quanto às possibilidades de
seu desaparecimento no futuro, caso as reservas ainda existentes não sejam preservadas.
(9) No caso de regiões onde ocorreu desmatamento para permitir a expansão da agricultura, a
recuperação exige a intervenção humana, ou seja, o replantio de espécies nativas do cerra-
do. Para recuperar totalmente essas áreas a estimativa é de 50 a 100 anos.
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Recebido em maio/2008
Aprovado em ago/2008
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