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SEMI-ÁRIDO: PROPOSTA

DE CONVIVÊNCIA
COM A SECA

João Suassuna

Caracterização da região deste com pouca energia, tornando extre-


Representando 18,3% do território bra- mamente variáveis não apenas os volumes
sileiro, o Nordeste é formado por nove es- das precipitações caídas mas principalmen-
tados: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande te, os intervalos entre as chuvas. No Semi-
do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, árido chove pouco (as precipitações variam
Sergipe e Bahia. entre 500 e 800 mm, havendo, no entanto,
A região semi-árida nordestina é, funda- bolsões significativos de 400 mm) e as chu-
mentalmente, caracterizada pela ocorrência vas são mal distribuídas no tempo, sendo
do bioma da caatinga, que constitui o ser- uma verdadeira loteria a ocorrência de chu-
tão. O sertão nordestino apresenta clima vas sucessivas, em pequenos intervalos.
seco e quente, com chuvas que se concen- Portanto, o que realmente caracteriza uma
tram nas estações de verão e outono. A re- seca não é o baixo volume de chuvas caí-
gião sofre a influência direta de várias das e sim a sua distribuição no tempo. O cli-
massas de ar (a Equatorial Atlântica, a Equa- ma do Nordeste também sofre a influência
torial Continental, a Polar e as Tépidas Atlân- de outros fenômenos, tais como: El Nibo, que
tica e Calaariana) que, de certa forma, interfere principalmente no bloqueio das fren-
interferem na formação do seu clima, mas tes frias vindas do sul do país, impedindo a
essas massas adentram o interior do Nor- instabilidade condicional na região, e a for-

Engenheiro agrônomo e Pesquisador da Fundação


Joaquim Nabuco.
mação do dipolo térmico atlântico, caracte- classificadas para irrigação, de acordo com
rizado pelas variações de temperaturas do normas internacionais de RIVERSIDE, aci-
oceano Atlântico, vadações essas favoráveis ma de C353 e que apresentam, normalmen-
às chuvas no Nordeste, quando a tempera- te, resíduos secos médios da ordem de
tura do Atlântico sul está mais elevada do 1.924,0 mg/1 (média geométrica obtida atra-
que aquela do Atlântico norte. vés da análise de 1.600 poços fissurais es-
A proximidade da linha do Equador é ou- cavados no estado de Pernambuco), com
tro fator natural que tem influência marcante valor máximo de 31.700 mgIl. Além da qua-
nas características climáticas do Nordeste. As lidade inferior da água, os poços apresen-
baixas latitudes condicionam à região tempe- tam baixas vazões, com valores médios de
raturas elevadas (média de 26° C), número 1.000 litros/h.
também elevado de horas de sol por ano (es- Nas bacias sedimentares, os solos, ge-
timado em cerca de 3.000) e índices acentu- ralmente, são profundos (superiores a 2 m,
ados de evapotranspiração, devido à podendo ultrapassar 6 m), apresentando alta
incidência perpendicular dos raios solares capacidade de infiltração, baixo escorrimento
sobre a superfície do solo (o Semi-árido eva- superficial e boa drenagem natural. Essas
potranspira, em média, cerca de 2.000 mmi/ características possibilitam a existência de
ano, e em algumas regiões a evapotranspira- um grande suprimento de água de boa qua-
ção pode atingir cerca de 7 mm/dia). lidade no lençol freático que, pela sua pro-
Em termos geológicos, o Nordeste é cons- fundidade, está totalmente protegido da
tituído por dois tipos estruturais: o embasa- evaporação. Apesar de possuírem de um sig-
mento cristalino, representado por 70% da nificativo volume de água no subsolo, as ba-
região semi-árida, e as bacias sedimentares. cias sedimentares estão localizadas de
No embasamento cristalino, os solos ge- forma esparsa no Nordeste (verdadeiras
ralmente são rasos (cerca de 0,60 m), apre- ilhas distribuídas desordenadamente no li-
sentando baixa capacidade de infiltração, alto toral e no interior da região), com seus volu-
escorrimento superficial e reduzida drenagem mes distribuídos desigualmente. Para se ter
natural. Numa comparação grosseira, é como uma idéia dessa problemática, estima-se que
se estes solos estivessem sobre um prato, 70% do volume da água do subsolo nordes-
onde a pouca quantidade de água que con- tino estejam localizados nas bacias do Piauí/
segue se infiltrar é armazenada no fundo. Maranhão. Semi-árido:
Os aqüíferos dessa área caracterizam- Em termos volumétricos, estima-se, no proposta de
convivência
se pela forma descontínua de armazenamen- embasamento cristalino, um potencial de ape- com a seca
to. A água é armazenada em fendas/fraturas nas 80 km 3 de água/ano, enquanto nas regi-
na rocha (aqüífero fissural) e, em regiões de ões sedimentares esse volume pode chegar João Suassirna
solos aluviais (aluvião) forma pequenos re- a valores significativos, como os existentes
servatórios, de qualidade não muito boa, su- nas seguintes bacias: São Luís/Barreirinhas
jeitos à exaustão devido à ação da com 250 km3/ano, Maranhão com 17.500 km31
evaporação e aos constantes bombeamen- ano, Potiguar/Recife com 230 km31ano, Ala-
tos realizados. As águas exploradas em fen- goas/Sergipe com 100 krn31ano e JatobálTu-
das de rochas cristalinas são, em sua cano/Recôncavo com 840 km31ano.
maioria, de qualidade inferior, normalmente O relevo do sertão é marcado pela pre-
servindo apenas para o consumo animal; às sença de depressões interplanálticas trans-
vezes, atendem ao consumo humano e ra- formadas em verdadeiras planícies de erosão,
.ramente prestam-se para irrigação. As águas devido à grande extensão dos pediplanos
que têm contato com esse tipo de substrato secos bem conservados, embora em proces-
se mineralizam com muita facilidade, tornan- so de erosão. Os solos são, em geral, pedre-
do-se salinizadas. São águas cloretadas, gosos e pouco profundos. Seus principais

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tipos são o bruno-não-cálcico, os planosso- O Semi-árido corresponde a 53% da área
los, os solos Iftólicos e os regossolos, todos do Nordeste, e é uma zona sujeita a perío-
inadequados a uma agricultura convencional. dos cíclicos de secas. Estudos realizados
Porém ocorrem, também, vários tipos de so- sobre a distribuição de chuvas no globo ter-
los com vocação agrícola. A caatinga, vege- restre atestam que essa aridez é determina-
tação xerófita aberta, de aspecto agressivo da pelo processo de circulação atmosférica
devido à abundância de cactáceas colunares global, exógeno à região, estabelecido, pos-
e, também, pela freqüência dos arbustos e sivelmente, no final da era glacial, com efei-
árvores com espinhos, distingue fisionomica- tos avassaladores. Entre suas vítimas estão
mente essa região. No entanto, encontram- essencialmente o homem e suas atividades
se, encravadas nessa extensa região, áreas produtivas agroextrativistas e pecuárias. Há
privilegiadas por chuvas orográficas, isto é, previsão, do Centro Técnico Aeroespacial de
causadas pela presença de serras e outras São José dos Campos (CTA), de novo cicio
elevações topográficas, que permitem a exis- de seca no Nordeste, já a partir de 2003, sen-
tência de matas úmidas, regionalmente co- do que, os piores anos tendem a estar entre
nhecidas como brejos. São os brejos de 2004 e 2008.
altitude do Nordeste. O século XX inaugurou nova forma de li-
A economia agrícola do sertão é caracte- dar com a seca. O governo, com vistas a com-
rizada por atividades pastoris, predominando bater seus eleitos, criou uma dotação
a criação extensiva de gado bovino e de pe- orçamentária para tal e instalou três comis-
quenos ruminantes (caprinos e ovinos), e a sões: a de açudes e irrigação, a de estudos e
cultura de espécies resistentes à estiagem, obras contra os efeitos das secas e a de per-
como o algodão e a carnaúba nas áreas mais furação de poços. Dessas três, apenas uma
secas; e a produção de grãos (milho e feijão) permaneceu: a de açudes e irrigação. Não
e mandioca nas áreas mais úmidas. A cana- tendo desempenho satisfatório, ensejou a cri-
de-açúcar é bastante cultivada nos brejos de ação da Inspetoria de Obras Contra as Se-
altitude, como em Triunfo, Pernambuco. cas, hoje denominado Departamento Nacional
O agreste, como faixa de transição entre de Obras Contra as Secas - DNOCS.
a Zona da Mata e o sertão, caracteriza-se Conviver com a seca passava, quase
por uma diversidade paisagística, contendo exclusivamente, pela construção de grandes
feições fisionomicamente semelhantes à obras de engenharia para represar água,
Semi-árido:
proposta de mata, à caatinga, e às matas secas. Essa reputada recurso natural mais importante,
convivência faixa estende-se desde o Rio Grande do tomando a sua acumulação condição neces-
com a seca
Norte até o sudeste da Bahia. E no agreste sária e suficiente para fixar o homem no
João Suassuna que desenvolvem-se atividades agropasto- Nordeste semi-árido. O resultado foi priori-
ris caracterizadas por sistemas de produção zar a implantação do Programa de Açudes
gado/policultura, sendo a zona responsável Públicos (aqueles que têm capacidade sufi-
por boa parte do abastecimento do Nordes- ciente para ultrapassar um período de seca
te. Nela são produzidas hortaliças, frutas, sem se exaurirem, embora com suas águas
ovos, leite e seus derivados, além de gado em constante uso).
de corte e aves. Ela fornece, também, fibras Devido à facilidade de escorrimentos
de algodão, sisal e óleo vegetal como maté- superficiais e à baixa capacidade de infiltra-
ria-prima para a indústria. ção da água no solo, as características do
O Nordeste tem, aproximadamente, 47 escudo cristalino possibilitaram a construção
milhões de habitantes, dos quais 17 milhões de um número expressivo de açudes e bar-
vivem na região semi-árida. No exacerbar ragens em todo o Semi-árido nordestino,
de uma seca, 10 milhões de habitantes pas- estimado em mais de 70 mil, que represam
sam sede e fome. cerca de 30 bilhões de m3 de água. Isso re-

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presenta a maior reserva superficial de água das secas e ao desenvolvimento regional.
artificialmente acumulada em região semi- Estava baseado na filosofia de que a irriga-
árida do mundo. Porém, apenas 30% desse ção constitui o núcleo do desenvolvimento
volume são utilizados na irrigação e no abas- rural, representando, dessa maneira, um
tecimento das populações, consubstancian- mecanismo muito importante de moderniza-
do-se uma evidente falta de planejamento ção da vida rural.
na gestão dos recursos hídricos da região. Com relação à prática irrigacionista, ape-
Por outro lado, as descargas dos rios sar de vários estudos sobre solos e recur-
nordestinos representam uma infiltração de sos hídricos no Nordeste, não existe, ainda,
água nós seus aqüíferos da ordem de 58 uma estimativa confiável da área irrigável da
bilhões de ml/ano, significando dizer que a região contando com as águas que podem
extração de apenas 1/3 dessas reservas re- ser transpostas do rio São Francisco. As áre-
presentaria potenciais suficientes para abas- as efetivamente irrigáveis no Nordeste Semi-
tecer a população nordestina atual, com a árido, inseridas no polígono das secas, são
taxa de 2001litros/habitante/dia, preconiza- de cerca de 2.200.000ha, e é imprudente
da pela Organização Mundial de Saúde, e esperar que esse potencial supere
irrigar mais de 2 milhões de hectares com 2.500,000ha.
uma taxa de 7.000 m3/ha/ano. Tomando-se por base essa última esti-
A exploração dos açudes foi planejada mativa mais otimista, a conclusão a que se
em duas vertentes: uma envolvendo ativida- chega é a de que, aproximadamente, ape-
des agrárias e de abastecimento populacio- nas 2% da área do Nordeste são passíveis
nal e outra qualificada de complementar, de irrigação, devido às limitações existentes
abrangendo a atividade pesqueira. A partir em termos de qualidade de solos e, o que é
dos açudes, foi dado o primeira passo na mais grave, de quantidade e qualidade de
definição das áreas a serem irrigadas. Des- água (o Nordeste, incluindo o norte de Mi-
se modo, a água represada seda distribuída nas sob a jurisdição da Sudene tem, aproxi-
através da instalação dos perímetros irriga- madamente, 1.640.000 km2).
dos. Pretendia-se induzir a passagem da Apesar dessa constatação, as ações de
agricultura extensiva para a intensiva, dimi- governo, notadamente as de âmbito estadu-
nuindo os seus riscos diante dos efeitos da al, têm sido freqüentemente voltadas para o
seca. Foram implantados os perímetros irri- desenvolvimento da pequena irrigação nos Sem!-árido:
gados do Cedro, no Ceará, Sumé e São 98% restantes da área, localizada, na maio- proposta de
convivência
Gonçalo, na Paraíba, Cruzetas e Pau dos ria das vezes, em terrenos de aluvião sobre o com a seca
Ferros, no Rio Grande do Norte. A região embasamento cristalino, aproveitando-se a
conta atualmente com aproximadamente 50 existência de fontes de água, como: poços João Suassuna
perímetros irrigados e cerca de 300 açudes amazonas, pequenos açudes, dos etc. para
públicos. realizar os bombeamentos necessários.
A política de irrigação, como uma estra- Ações dessa natureza foram implemen-
tégia de intervenção governamental, só foi tadas no estado de Pernambuco, em proje-
considerada prioritária nos fins da década tos voltados a produtores de baixa renda, a
de 1960, apartir da criação do Grupo Exe- exemplo do Chapéu de Couro, Asa Branca,
cutivo para Irrigação e Desenvolvimento e Água na Roça, bem como o projeto Ca-
Agrícola - GEIDA. Porém, foi com o Progra- naã, na Paraíba, ou mesmo projetos como o
ma de Integração Nacional - PIN que a polí- Sertanejo, GAT/PDCT-NE e Pólo Nordeste,
tica de irrigação tomou maior impulso. Nesse na esfera federal, tendo em vista a preocu-
âmbito, foi criado o Programa de Irrigação pação, sempre constante, dos governantes,
do Nordeste - PROINE, 197211974, associ- de buscar alternativas viáveis para a fixa-
ando-o às medidas de combate aos efeitos ção do homem no campo.

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Sustentabilidade no Semi-árido tária, apresentam desvantagem acentuada,
A síntese histódca da ocupação e uso no que diz respeito ao uso da terra para a
das terras no Semi-árido vai nortear a refle- agricultura. Otimizar a utilização da água
xão sobre as ações antrópicas instaladas existente passou a ser uma grande preocu-
desde a colonização até os nossos dias, e pação. E nesse contexto que o Programa de
as medidas estruturadoras necessárias, a Grande Açudagem aparece como empreen-
serem empreendidas, visando ao desenvol- dimento do governo federal.
vimento da região. Os grandes açudes públicos provocam
O primeiro momento se estabelece quan- o aparecimento de verdadeiros oásis. As fa-
do a civilização canavieira alija os rebanhos zendas assumem aspecto grandioso mani-
de seus domínios e o homem se adentra no festado na casa do fazendeiro, nos currais e
Nordeste, em busca de condições para criá- na habitação do vaqueiro. Espalhadas por
los. Encontra, no sertão, o meio propício para toda a fazenda estão, também, as casas dos
desenvolver a pecuária. Grandes extensões moradores. Essa complexa paisagem ex-
de terras, cobertas por uma vegetação ar- pressa toda uma conjuntura eco-sociológi-
bórea esparsa, entremeada por extrato gra- ca própria do Semi-árido. E a reorganização
minóide. Essas gramíneas constituíam o do espaço com produção e reprodução das
pasto natural, base da alimentação para o relações sociais.
gado. Introduziram-se os rebanhos acompa- A grande açudagem representou, por um
nhados pela mão-de-obra necessária aos lado, a presença do governo no Semi-árido,
seus cuidados. Esse momento foi marcado dentro de uma estratégia já descrita. Por
por uma conivência. Utilizava-se o que es- outro, foi um agente exógeno responsável
tava disponível na natureza. A transforma- pela introdução de profundas modificações
ção do espaço dava-se pelo uso direto da na paisagem. O represamento de grandes
caatinga. massas de água subtrai elementos impor-
O segundo momento tem lugar quando tantes do ambiente, como solo e vegetação.
se inicia o desmatamento da caatinga com Nesse caso, foi subtraída uma boa parte de
o objetivo de intensificar a formação de pas- solo aluvial, constituindo, assim, um proble-
tagens artificiais, respondendo à demanda ma mais qualitativo do que quantitativo. En-
do rebanho. Inicia-se um processo maciço tretanto, essa situação seria minimizada se
de desorganização/reorganização das comu- a proposta de exploração dos grandes açu-
Semi-árido:
proposta de nidades naturais. Não havia a preocupação des atendesse às reais necessidades da
convivência população ali existente. Isso não aconteceu.
com a seca com o manejo, nem tampouco com a pre-
servação da caatinga. Concomitantemente, A açudagem vai desempenhar, também,
João Suassuna o aumento da população provoca a expan- um papel importante na passagem de uma
são das culturas alimentares, mobilizando, agricultura dependente das chuvas, sazonal,
assim, novas áreas. No primeiro caso, há um para uma agricultura intensiva, irrigada. Den-
acelerado processo de sucessão, com re- tro da proposta do DNOCS para manejo de
flexos para a fauna. E, no segundo, há subs- grandes massas de água represada, está a
tituição por verdadeiros agroecossistemas, instalação dos perímetros irrigados. Esses
dispersos por toda a área sertaneja. O uso perímetros ampliaram a base das interven-
do solo é, pois, intensificado. ções no ambiente. Os elementos flora e fau-
Diante desse fato, a água no Semi-árido na já experimentaram os mais graves níveis
passou a ser um elemento escasso, porém de degradação. A vegetação nativa está hoje
com um papel fundamental no processo de restrita a pequenas áreas.
intervenção ali instalado. Apesar de as zo- Os efeitos antrópicos se diversificaram. A
nas de "stress" hídrico terem vantagens no vegetação natural é largamente substituída
tocante à formação de pasto e proteção sani- pelo sistema agropastoril. O solo vai perden-

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do progressivamente a matéria orgânica e nossolo- solódicos e solonetz-solodizados.
instala-se, na paisagem, um acentuado pro- Todos apresentam problemas de drenagem
cesso de erosão. Observam-se campos de devido ao teor e qualidade de argila no hori-
pastos, amplas extensões com culturas de zonte B, agravados, ainda, pela afta quantida-
algodão, entremeadas com milho e feijão. Ao de de sais presentes no planossolo-solódico e
longe, ou próximo delas, manchas de caatin- solonetz. Portanto, todos favorecem altamen-
ga com indícios de devastação crescente. te a salinização.
A proposta de zoneamento de uso do O problema se agrava quando se atenta
solo tem sido qualificada como ineficaz para para o fenômeno da evapotranspiração que,
elevar a qualidade de vida dos trabalhado- no Semi-árido, tem uma importância crucial.
res rurais no Semi-árido. Apontam, como A evapotranspi ração depende do teor de
principais problemas, a dimensão da área água no solo, apesar de ser esta analisada,
destinada a cada família e a falta de desa- quase sempre, como dependente exclusiva-
propriação das terras. Esse último fato faci- mente da atmosfera. A quantidade de água
litou, sobremaneira, a apropriação, por parte adicionada ao solo, pela precipitação ou irri-
dos fazendeiros, de toda a faixa de influên- gação, vai promover uma maior evapotrans-
cia do açude. Em alguns casos, a cerca es- piração se a drenagem for eficiente. Esse
tendeu-se até a lâmina d'água. Esse fato aumenta a propensão à salinização. A
prolongamento da propriedade mostra que dimensão do problema de salinização tem
a açudagem beneficiou bastante o latifundi- assumido proporções assustadoras. A título
ário, criando condições para suprir as ne- de exemplo, o perímetro irrigado de Moxo-
cessidades de seu rebanho. tó, em Pernambuco, apresenta mais de 30%
Boa parte dos solos encontra-se hoje de suas terras salinizadas, em quarenta anos
abandonada, seja por esgotamento dos nu- de funcionamento. Dados de pesquisa ates-
trientes, em decorrência do uso intensivo, tam que esse percentual se estende aos
seja devido à instalação de processos ero- demais perímetros irrigados no Nordeste.
sivos resultantes da devastação da cobertu- Outro problema grave nos perímetros ir-
ra vegetal, seja ainda pela salinização. rigados é a contaminação das águas e, con-
Núcleos de desertificação já começam a seqüentemente, dos solos por agrotóxicos,
aparecer no Nordeste, como aqueles em algas e bactérias. As culturas irrigadas são
Gilbués, no Piauí. de ciclo curto: tomate, melão e milho. No
Semi-árido:
O terceiro momento é marcado pela in- caso do Moxotó, foi constatado que as cul- proposta de
turas de tomate e melão recebem uma car- convivência
trodução da irrigação no Semi-árido, a qual, com a seca
iniciada de forma planejada em 1968, assu- ga violenta de agrotóxicos. Não há
me grandes proporções, em 1985, com o Pro- orientação para a população aplicar adequa- João Suassuna
grama de Irrigação do Nordeste - PROINE. damente, nem tampouco é supervisionado
Esse momento, então se caracteriza pela o uso desses venenos. O plantio das cultu-
pressão sobre os recursos naturais, cau- ras nas bordas do açude tende a agravar o
sada pela irrigação, cujos efeitos atingem, problema. O excesso de água bombeada
de modo particular, o solo e a água. A sali- para irrigação volta à represa e, com ela,
nização e a contaminação são visivelmente estão partículas de argila em suspensão e
marcantes. pesticidas. Através desse mesmo mecanis-
A irrigação depende da topografia, da mo, a água da chuva carreia para o interior
drenagem e da constituição física e química das represas algas e bactérias nocivas ávida
do solo. No Semi-árido, em geral, predomi- humana, provenientes, muitas vezes, das
nam solos rasos e de difícil drenagem. carcaças de animais mortos deixadas ao
Como solos predominantes, encontram- relento. O resultado de tudo isso é a conta-
se os bruno-não-cálcicos, planossolos, pIa- minação das águas (na década de 90, em

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clínicas de hemodiálise no município de Ca- a prioridade que tem a criação de gado so-
ruaru - PE, ocorreram óbitos ocasionados bre outros tipos de práticas agrícolas.
pela existência de uma microalga presente Traçando um paralelo desse fato com o
na água utilizada no processo de filtragem que ocorre na área pernambucana do sub-
do sangue dos pacientes) e, em longo pra- médio São Francisco, onde está concentra-
zo, o assoreamento do açude. da boa parte do programa de irrigação, a
Os pontos levantados até o presente questão não muda. Enquanto a população
demonstram a magnitude do problema am- apresbnta um crescimento vegetativo da or-
biental no Semi-árido. Ao desmatamento dem de 4%, os estabelecimentos com área
excessivo juntam-se a erosão, a salinização superior a 200ha cresceram de 556% para
e a contaminação do solo e da água. O qua- 600% no período de 1970 a 1980.
dro é agravado pela situação de pobreza Diante desse quadro, percebe-se que o
absoluta a que está submetida a população Nordeste necessita urgentemente de um pro-
daquela área, além de incipientes serviços grama de intervenção no Semi-árido, com
públicos de saúde e de educação. medidas de médio e curto prazos, de abran-
É importante considerar que, no sertão, gência não só nas questões estruturadoras
está a estrutura fundiária mais concentrada de produção agrícola mas, e principalmen-
do País, além de relações sociais muito atra- te, no que diz respeito à conservação e re-
sadas. O processo de modernização da agri- cuperação ambiental.
cultura, no sertão, pouco tem contribuído Ações estruturadoras para o Semi-árido
para resolver o problema crucial daquele Diante dos ciclos de secas que costu-
espaço. A estrutura fundiária continua bas- mam ocorrer naturalmente no Nordeste, sem
tante concentrada. O destino da produção que existam meios de evitá-los, o homem,
dos perímetros irrigados é prioritariamente através do uso de tecnologias apropriadas,
a agroindústria, a qual mantém uma forte tem promovido esforços no sentido de en-
dominação sobre os pequenos agricultores, frentar seus efeitos, tomando possível sua
tendo o Estado como mediador. Outro im- convivência com o meio árido da região.
portante benefício desse processo é consti- Quando se trata de tecnologias agríco-
tuído pelas empresas produtoras de insumos las para o Semi-árido - entendidas aqui como
agrícolas e agrotóxicos. aquelas fixadoras do homem no campo -
A agricultura no Semi-árido caracteriza- deve-se ter em mente um ponto que é fun-
Semi-árido:
proposta de se como uma atividade subordinada à indús- damental: a exploração da capacidade de
convivência tria, quer como consumidora de produtos,
com a seca suporte da região. Nesse aspecto, pode-se
quer como fornecedora de matéria-prima. encarar a questão com muito otimismo.
João Suassuna Nesse particular, as políticas públicas têm- Como já foi visto anteriormente, apenas
se revelado ainda insuficientes para a ade- 2% da área do Nordeste são passíveis de
quada proteção e conservação dos recursos irrigação. Apesar de restrita, devido a pro-
naturais ali existentes. No que se refere ao blemas de qualidade de solos, bem como
aspecto demográfico, a situação parece crí- de quantidade e qualidade de água, a re-
tica. O incremento populacional do Nordes- gião poderá vir a ser um dos maiores pólos
te foi de cerca de 25%, no período de 1940 de fruticultura do mundo. Estima-se o poten-
a 1980. Por sua vez, dados sobre a estrutu- cial irrigado do Vale do Rio São Francisco
ra fundiária revelam que apenas 5,5% das em aproximadamente 1 milhão de hectares.
terras pertencem a fazendeiros com menos Como termo de comparação, o Chile, país
de lOha, enquanto as propriedades com com clima temperado, vem produzindo anu-
mais de 1 ,000ha detêm 30%. Além disso, os almente, em aproximadamente 200 mil hec-
grandes proprietários destinam suas terras, tares irrigados, algo em torno de 1,5 bilhões
em grande parte, à pastagem, confirmando de dólares em frutas. Temos, seguramente,

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nas margens do São Francisco, a capacida- exploração intensa das águas do subsolo.
de de produzir cinco vezes mais do que o Para se ter uma idéia do problema, 70% do
Chile, com uma vantagem adicional: o Semi- Semi-árido encontram-se sobre um emba-
árido nordestino é urna das poucas regiões samento cristalino, no qual as únicas possi-
do mundo com clima tropical, significando bilidades de acesso à água ocorrem através
dizer que não há ocorrência de neve nos in- de fraturas nas rochas cristalinas e nos alu-
vernos. Esse aspecto, aliado à intensa inso- viões próximos a rios e riachos. Em geral,
lação - o Semi-árido tem aproximadamente essas águas são poucas e extremamente
3.000 horas de sol por ano - possibilita, com salinizadas.
técnicas avançadas de irrigação, até 3 co- Paralelamente à questão da água do sub-
lheitas por ano. A uva, a manga e o melão solo da região, fala-se muito, nos dias de hoje,
são bons exemplos de produção nas mar- na polêmica transposição das águas do Rio
gens do São Francisco. São Francisco como alternativa redentora
Ainda com relação à irrigação, deve-se para mitigar a sede dos nordestinos. Esta
levar em conta tanto os solos irrigáveis, o questão precisa ser tratada com cuidado. As
relevo, as disponibilidades hídricas, como as prioridades iniciais do Rio São Francisco fo-
lavouras a serem irrigadas. Inclusive, deve- ram para gerar energia elétrica e irrigar. Isso
se considerar as especificidades de cada deveria ser encarado como uma questão de
sub-área na ampliação do espaço sertane- segurança nacional. O rio, por ter o seu curso
jo. Dessas definições, dependem um plane- no Semi-árido, inteiramente sobre regiões cris-
jamento correto e uma política ajustada para talinas, apresenta, como de regra, afluentes
a área. Somente sabendo, com razoável com caráter temporário. Esse aspecto traz,
aproximação, o quanto se pode de fato irri- como conseqüência, uma redução de sua
gar, será possível definir uma política corre- vazão no período de estiagem. Para solucio-
ta que atenda às reais possibilidades de nar esse problema, a Companhia Hidrelétri-
irrigação em todo o Semi-árido nordestino. ca do São Francisco - CHESF construiu a
Fala-se muito em um extenso lençol de represa de Sobradinho para manter a vazão
água no subsolo do Nordeste, e que sua ex- do rio em patamares adequados à geração
ploração poderia ser a solução para resolver de energia elétrica no complexo de Paulo
de vez os problemas hídricos da região. Não Afonso. Sabe-se, no entanto, que Sobradinho
é bem assim. Nesse particular, é preciso um tem operado em regimes críticos - em novem- Semi-árido:
pouco de cautela. Agua de subsolo só existe bro de 2001 chegou a apresentar apenas proposta de
convivênda
quando a geologia assim o permite. 5,8% de sua capacidade útil de acumulação - com a seca
As áreas sedimentares, que possibilitam voltando à tona as ruínas das cidades que
a acumulação de água no subsolo, são mui- foram submersas com o represamento de João Soassona
to esparsas na região. No Semi-árido, o es- suas águas, significando dizer que o rio prati-
tado do Piauí é o que apresenta um maior camente havia voltado ao leito normal como
percentual de áreas sedimentares (pratica- antes de ser represado. Somado a esse pro-
mente todo o estado) e tem demonstrado blema da vazão, é importante esclarecer que
exemplos de fartura hídrica, como os poços o uso da água do São Francisco na irrigação
jorrantes no município de Cristino Castro. é consuntivo, ou seja, a água não retoma ao
Quando houver possibilidade de exploração rio após ser levada até as culturas. Nesse qua-
das águas dessas áreas no Semi-árido, as- dro de penúria hídrica, pretender subtrair mais
sim deve ser feito. O que não se pode é ex- água do tio para abastecimento das popula-
trapolar o exemplo do Piauí para o Nordeste ções é, na melhor das hipóteses, uma ação
como um todo. Nos demais estados, as áre- inconseqüente. O racionamento de energia
as sedimentares são por demais esparsas, ora vigente é uma prova de que não teremos
não justificando aquela premissa inicial de água para atender a tudo isso (geração, irri-

142
gação e abastecimento). Caso a sociedade zar os problemas de abastecimento das re-
concorde na necessidade de serem planeja- giões sedentas nordestinas.
dos os usos múltiplos das águas do São Fran- E preciso que se dê continuidade ao pro-
cisco, através de um orçamento que garanta cesso de construção de grandes represas
os volumes necessários para tal, seda de bom na região, fazendo-se, sempre que possí-
termo que essa decisão fosse tomada com vel, a interligação de suas bacias, como
certa antecedência, para possibilitar, ao setor forma de utilizar melhor as suas águas. A
elétrico, tempo suficiente para se organizar e perfuração de poços em regiões sedimen-
alterar a origem da energia (mais de 90% da tárias é outra alternativa importante, a qual
energia gerada no Nordeste são oriundos das deve ser apoiada conjuntamente com a
hidrelétricas existentes no São Francisco). ampliação do programa de construção de
Essas medidas são indispensáveis, pois aju- cisternas no meio rural, principalmente para
darão a população a se conscientizar da im- o atendimento das comunidades carentes
portância da questão - Agua - no contexto (uma cisterna de 15.000 litros abastece,
desenvolvimentista do país, em particular da com água potável, uma família de 5 pesso-
região nordeste. as durante os oito meses sem chuvas na
Ação muito mais coerente, quanto a esse região), e as pesquisas na reutilização de
aspecto, seria a de propiciar um melhor ge- águas servidas para usos menos nobres,
renciamento no uso das águas das grandes tais como aguar jardins, lavar calçadas,
represas do Nordeste. Orós, no estado do automóveis, dar descargas em sanitários
Ceará, por exemplo, que possui 2 bilhões etc.. E preciso, contudo, pôr em prática a
de m3 de água, até hoje não justificou o por- cobrança da água, prevista no Código das
quê da sua construção. As águas estão lá Águas de 1934, que já estabelecia a água
se evaporando e não se conhece um proje- como um bem público e, portanto, sujeita à
to de envergadura que justifique a sua con- outorga e à cobrança, prevendo-se o desti-
dição de maior represa do Ceará. O estado no do dinheiro cobrado em aplicações nas
da Paraíba assumiu a vanguarda na cam- próprias bacias.
panha de um bom gerenciamento das águas Outro aspecto importante e merecedor de
de represas. Está para ser concluído o ca- atenção é o setor extrativista vegetal. Tem-se
nal Redenção, que irá transportar as águas no Semi-árido uma riqueza enorme de plan-
dos açudes Coremas/Mãe D'água para irri- tas adaptadas ao ambiente seco que poderi-
Semi-árido:
proposta de gação nas várzeas do município de Souza. am ser economicamente exploradas. Alguns
convivência A represa Armando Ribeiro Gonçalves, no exemplos podem ser citados: as produtoras
com a seca
Rio Grande do Norte, que chega a ser um de óleos, Catolé, Faveleira, Marmeleiro e Oi-
João Suassuna pouco maior que Orós (possui 2,2 bilhões ticica; de látex, Pinhão, Maniçoba; de ceras,
de m3), está irrigando os municípios de Açu Carnaúba; de fibras, Bromeliaceas; medici-
e lpanguaçu e tem gerado o surgimento de nais, Babosa, Juazeiro; frutíferas, Imbuzeiro
vários pólos interessantes de fruticultura na e, de um modo geral, as forrageiras. Tem-se
região. Essa represa, sozinha, teria condi- um número enorme de plantas e, pratica-
ções de abastecer, com 200 litros/habitante/ mente, não se conhece nada sobre elas. Por-
dia, toda a população norte-rio-grandense, tanto, a conservação da caatinga e o manejo
nos próximos vinte anos. O bom uso das florestal, no sentido de proporcionar a per-
águas das represas, seria uma alternativa manência de tais espécies no ambiente, e,
mais coerente na atual conjuntura, em detri- conseqüentemente, o seu usufruto pela po-
mento da alternativa de transposição das pulação, são caminhos que precisam ser per-
águas do São Francisco. seguidos com vistas à recuperação da
Outras questões também são merecedo- cobertura vegetal. Ações de governo, nesse
ras de apoio, como forma de tentar minimi- sentido, são importantíssimas.

143
No tocante ao reflorestamento, com plan- sucesso. Esse percentual é muito baixo se
tas exóticas, necessita-se de melhor estudo se considerar que a fome dos animais, aí
para se ter maior segurança ao introduzi-Ias incluído o homem, ocorre em 100% dos ca-
no Semi-árido. Na área do sertão do Moxo- sos. Atualmente, basta a ocorrência de uma
tó, já existem exemplos de reflorestamento única chuva para levar os governos estadu-
com eucalipto, com conseqüências danosas ais a abarrotarem o Semi-árido com semen-
para o solo. tes selecionadas, e acharem4que essa
A pecuária talvez seja a mais importante prática é sinônimo de boa administração. O
das alternativas para a região seca, principal- que ocorre, na maioria das vezes, é que ou-
mente por se tratar de uma região carente em tras chuvas demoram a cair e todo o traba-
proteína. Ações realizadas com sucesso no lho do nordestino no preparo do solo e plantio
Cariri paraibano, especificamente no municí- é desperdiçado, e o que é pior, ele normal-
pio de Taperoá, têm demonstrado que o culti- mente não dispõe de outra alternativa que
vo da palma e a fenação de forrageiras lhe garanta o sustento e a vida. Muitas ve-
resistentes à seca, como é o caso do capim zes, termina por se alimentar de cactáceas -
Buifel e do Urocloa, aliados à criação de um alimento que é fornecido aos animais em pe-
gado igualmente resistente e de dupla apti- ríodos críticos - como única opção de alimen-
dão (carne e laticínios), a exemplo do Guzerá to disponível, a exemplo do que se verificou,
e do Sindi ohundos dos desertos da índia e por várias vezes, em Pernambuco. Como
de pequenos ruminantes melhorados geneti- produzir grãos numa região com problemas
camente (caprinos e ovinos), têm possibilita- climáticos tão severos, se há condições de
do a sobrevivência digna do homem na região. se produzir, e com competência, a proteína
A piscicultura é outra alternativa que poderá animal em termos de carne, leite, ovos e
ser desenvolvida através da utilização do po- peixes e, a partir desses produtos, adquirir
tencial de açudes já instalado. Ações gover- os grãos necessários à alimentação, produ-
namentais que dêem suporte aos produtores, zidos em outras localidades do país, em con-
sejam eles pequenos, médios ou grandes, dições mais propícias para assim fazê-lo? E
principalmente no setor de crédito rural, são uma questão de adequar uma política agrí-
importantes e oportunas. cola, (da qual efetivamente não se dispõe) a
É igualmente importante o suprimento de uma realidade regional.
volumoso para os animais nos períodos de Finalmente, procedida a avaliação das Semi-árido:
estiagem. Para tanto, seria indispensável uma possibilidades reais de irrigação e reformula- proposta de
convivência
política de fornecimento de bagaço de cana, da, em profundidade, a política de interven- com a seca
oriundo das usinas de açúcar localizadas nas ção do Estado referente a outras alternativas
regiões úmidas do Nordeste, para ser hidroli- de produção agrícola, torna-se necessário João Suassinia
zado e ofertado aos animais nas fazendas. planejar soluções gerais e locais que impli-
É preciso olhar com reservas o cultivo quem opções culturais adequadas à irrigação,
de grãos nos limites do Semi-árido. A insta- às práticas agrícolas de uma maneira geral,
bilidade climática da região é severa e torna e à comercialização da respectiva produção.
a produção de grãos uma verdadeira lote- Sobre essas questões é de fundamental im-
ria. Não se pode expor o homem nordestino portância a criação de um programa de crédi-
a situações vexatórias de preparar o solo, to rural que harmonize a política agrícola com
plantar as sementes e ver, posteriormente, a realidade regional e que propicie aos pro-
a produção se perder com a seca. Estudos dutores nordestinos a possibilidade de pagar
da EMBRAPA atestam que as colheitas se- suas dividas com o produto gerado nas suas
guras, nos limites do Semi-árido, ocorrem em propriedades.
apenas 20% dos casos. Em 10 anos agríco- Em qualquer circunstância, impõe-se
las, apenas 2 apresentam colheitas com condicionar qualquer obra pública de irri-

144
gação à prévia desapropriação das áreas levantamento preciso do potencial irri-
a serem beneficiadas. As terras irrigadas gável de todo o Nordeste, incluindo as
pelo poder público, bem como aquelas com áreas aluviais e aquelas localizadas em
melhores solos, devem ser destinadas ao regiões sedimentárias;
pequeno agricultor. Deixam-se, portanto, • Apoio para o melhor gerenciamento do
aquelas que demandam manejo sofistica- uso das águas das grandes represas
do para as empresas que dispõem do capi- nordestinas, tanto para irrigação como
tal e dos meios para torná-las produtivas. para o abastecimento das populações,
E necessário, ainda, um grande esforço, no incluindo a interligação de suas baci-
âmbito da pesquisa agrícola, no sentido de as, como forma de utilizar melhor as
desenvolver sistemas de produção, con- suas águas;
templando, de modo integrado, as culturas, • Apoio a programas de instalação de cis-
os cultivares, as raças específicas de ani- ternas no meio rural, principalmente
mais para criação em ambiente árido, o uso
para o atendimento às comunidades
de insumos, a nutrição das plantas e dos
carentes e, dependendo da situação de
animais, as necessidades hídricas, os as- precariedade na oferta hídrica, a sua
pectos fitossanitários, etc. utilizando, inici-
extensão para o meio urbano;
almente, o estoque de conhecimentos já
desenvolvido pelas instituições de pesqui- • Estudos voltados para a reutilização de
sa da região. águas servidas para fins menos nobres,
tais como: na irrigação de jardins, nos
Proposta de ações lava-jatos, na lavagem de calçadas, em
Crédito rural descargas sanitárias e em alguns usos
• Criação de um programa de crédito, ade- industriais;
quando a política agrícola à realidade • Cobrança pelo consumo da água, con-
regional, que possibilite aos produtores, forme prevista no Código das Águas de
sejam eles pequenos, médios ou gran- 1934, que já estabelecia a água como
des 1 a quitação de suas dívidas com o um bem público e, portanto, sujeito à
produto gerado nas propriedades. outorga e à cobrança.
Irrigação e abastecimento Extrativismo vegetal
• Desenvolvimento de estudos e pesqui- • Aprofundamento de estudos das plantas
Semi-árido: sas que promovam um melhor conhe-
proposta de da caatinga, que permita o levantamen-
convivência cimento dos fatores causadores da to do potencial fruticola, forrageiro e de
com a seca salinização em ambientes áridos; produção de fármacos, bem como o de
• Desenvolvimento de planos de manejo extração de óleos, látex, ceras e fibras,
João Suassuna
para uso de águas salinas; com vistas a evitar a extinção de espéci-
• Promoção de pesquisas visando à de- es na região e, conseqüentemente, pos-
terminação do comportamento de cer- sibilitar o seu uso pela população;
tas culturas quando submetidas à • Desenvolvimento de estudos sobre o
irrigação com águas salinas; plantio de espécies florestais exóticas,
• Seleção de espécies halófilas (plantas com vistas a contar com mais seguran-
que se desenvolvem em ambientes sali- ça na sua introdução, principalmente no
nos), e seu cultivo em locais comprova- que diz respeito aos danos causados
damente degradados pela ação dos sais; ao meio.
• Desenvolvimento de técnicas de recu- Pecuária
peração de solos salmos que sejam • Desenvolvimento de ações que fortale-
economicamente viáveis; çam o processo de criação de raças bo-
• Desenvolvimento de estudos visando ao vinas adaptadas à região, oriundas dos

145
desertos da Índia (Guzerá e Sindi), bem hidrólise do bagaço de cana para ser
como de pequenos ruminantes melho- ofertado aos animais.
rados geneticamente, com vistas a pos- Produção de grãos
sibilitar a sobrevivência digna do • Incentivo ao plantio de culturas de grãos
homem nos períodos de estiagem; (milho e feijão) nas regiões com carac-
• Ampliação do cultivo da palma forrageira terísticas de umidade compatível ao de-
com suas novas técnicas de produção, senvolvimento de tais culturas, como
bem como o de forrageiras perenes, a por exemplo, nos brejos de altitude.
exemplo dos capins buifel e urocloa, Necessidade de pesquisas
como forma de estabelecer suporte ali- • Aproveitamento do conhecimento gera-
mentar suficiente aos animais no perío- do nas instituições e centros de estudos
do de seca; da região, para promover o apoio às pes-
• Estabelecimento de políticas que pos- quisas que visem ao desenvolvimento de
sibilitem aos fazendeiros do Semi-ári- sistemas de produção de forma integra-
do a aquisição de bagaço de cana das da, contemplando as culturas, os culti-
usinas de açúcar, em volume suficien- vares, os espaçamentos, a pecuária
te para o atendimento às necessidades adaptada a ambientes secos, o uso de
dos animais no período de estiagem; insumos, a nutrição das plantas e dos
• Desenvolvimento de pesquisas para animais, as necessidades hídricas, e os
determinação do melhor processo de aspectos fitossanitádos.

Semi-árido:
proposta de
convivência
com a seca

João Suassuna

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Semi-árido:
proposta de
convivência
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João Suassuna

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