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Geografia Urbana
Volume 1
1ª Edição
Belo Horizonte
Poisson
2019
Editor Chefe: Dr. Darly Fernando Andrade
Conselho Editorial
Dr. Antônio Artur de Souza – Universidade Federal de Minas Gerais
Msc. Davilson Eduardo Andrade
Msc. Fabiane dos Santos Toledo
Dr. José Eduardo Ferreira Lopes – Universidade Federal de Uberlândia
Dr. Otaviano Francisco Neves – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Dr. Luiz Cláudio de Lima – Universidade FUMEC
Dr. Nelson Ferreira Filho – Faculdades Kennedy
Msc. Valdiney Alves de Oliveira – Universidade Federal de Uberlândia
Formato: PDF
ISBN: 978-85-7042-056-5
DOI: 10.5935/978-85-7042-056-5
CDD-577
O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são
de responsabilidade exclusiva dos seus respectivos autores.
contato@poisson.com.br
Sumário
Capítulo 1: Metropolização do rural: urbanidades e ruralidades no território de
Ravena, MG.......................................................................................................... 6
Caroline Cristiane Rocha, Lúcia Karine de Almeida
Capítulo 13: Proyectar desde la esencia del habitante. form follows life. ............ 151
Ignacio Abad Cayuela, Juan Moreno Ortolano
4
Foi necessário um recorte espacial para a
extração aurífera, principalmente nos estados de aplicação das entrevistas, devido à dimensão
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, e teve seu territorial do distrito, escolhido por ser a
início no final do séc. XVII. centralidade histórica e simbólica de Ravena.
Assim temos uma abordagem que foge da que a ideia de urbanização rural dificulta a
visão homogeneizadora em que cidade e compreensão dos processos em curso, como
campo se verão fundidos numa única o caráter híbrido das identidades territoriais
espacialidade “urbanizada”, permanecendo construídas e as múltiplas dimensões das
essa dicotomia dos espaços periféricos/rurais relações sociais. Para compreender essas
e centrais/urbanos. Hespanhol (2013) coloca relações sociais geradoras de território, é
que a consolidação das relações de necessário também compreender a
proximidade entre espaços rurais e urbanos identidade territorial dos habitantes, a
está associada às condições de acesso à dimensão simbólica-cultural daquele lugar,
infraestrutura (viária principalmente) e para os que ali vivem.
serviços à população rural que garantam a
cidadania e a autonomia. As pessoas que
vivem no campo hoje mantêm estreitas 3 O LUGAR DO LOCAL NO
relações e vínculos com as cidades e o modo METROPOLITANO
de vida urbano. Também Talaska, Silveira e
Para tratar dos conceitos urbano e rural em
Etges (2014) irão abordar esses vínculos,
uma abordagem concreta, analisando um
colocando que na contemporaneidade, existe
território, é necessário compreender as
um processo de complexização do modo de
interfaces da divisão territorial administrativa.
organização socioespacial, o que dificulta a
Os limites administrativos se configuram como
definição de urbano e rural. Esses autores
grandes influenciadores nas decisões de
consideram a superposição das formas
planejamento e gestão, pois esses são
urbanas e rurais, através de um continuum
potenciais ou limitadores do desenvolvimento
espacial (conceito de Robert Redfiel, 1930),
dos territórios. Os estados brasileiros são
partes de uma mesma totalidade, onde não
divididos em municípios, que podem ou não
se pressupõe o desaparecimento do campo e
ser divididos em distritos, os quais podem
sim a constituição de áreas de transição,
apresentar apenas perímetros urbanos ou
onde mesmo com a aproximação entre rural e
perímetros urbanos e rurais. A cidade é o
o urbano, não desaparecem suas
perímetro urbano mais desenvolvido de um
particularidades. (TALASKA, SILVEIRA,
município, os outros perímetros urbanos são
ETGES, 2014).
chamados de povoados e sedes de distritos.
Não se trata também de enxergar o rural Para que ocorra a ligação entre as diversas
apenas como um conjunto de bens regiões do território, deve-se prever uma rede
simbólicos e de práticas culturais a serem urbana bem articulada, não só referente à
consumidos pela sociedade urbano- infraestrutura, mas também à oferta de bens e
capitalista, que deseja uma relação com a serviços.
natureza e fuga do centro caótico. Se trata
Dessa forma, ao compreender a criação de
porém, de enfatizar a diferença dos territórios
regiões metropolitanas como uma grande
e que cada um tem sua própria história, que
expressão dessas redes, em escala
se materializa em
intermunicipal, torna-se necessário questionar
espacialidades/territorialidades próprias.
qual o lugar do local, daquilo que é específico
Rural e urbano integram-se, mas sem se
e característico do território. A possibilidade
tornarem a mesma coisa (coexistência), já
de entender sua relevância metropolitana sem
que preservam suas especificidades
deixar de olhar para a suas origens e
(multiplicidade). O rural incorpora
possíveis ruralidades pode abrir portas para
“urbanidades” que com ele vão interagir e dar
políticas públicas com foco nas identidades
lugar a territorialidades outras. (RUA, 2010).
do lugar.
Essa abordagem nos interessa pois coloca
Essa rede é perceptível pela mudança da bairro Capitão Eduardo – Belo Horizonte (2).
paisagem – figura 3 –, apesar da curta Ambas as situações mostram a pressão
distância no trajeto realizado em via de imobiliária, principalmente de famílias de
ligação interestadual (BR-381) que cumpre baixa renda e a expansão metropolitana, a
papel de via urbana em vários municípios da cidade em direção ao ambiente mais
RMBH. Percebe-se que as ocupações ruralizado. Já em Sabará, neste mesmo trajeto
limítrofes de Belo Horizonte (no caso da mobilidade diária metropolitana, e logo
estudado, na regional nordeste, altura do após a ponte sobre o Rio das Velhas (3) – um
bairro Jardim Vitória) é extremamente precária dos limites entre os municípios –, é nítida a
(1). Vilas e favelas ocupam a faixa de domínio transformação sequencial da paisagem, de
da rodovia e outros resquícios da histórica pequenos bairros, ainda pouco adensados e
ocupação periférica da capital mineira - próximos à rodovia, a sítios isolados e depois
quanto mais afastado do centro, mais barata vastos campos de agropecuária, agricultura
é a moradia. Por outro lado, aparecem pelo típica da região (bananeira) e mata natural
caminho empreendimentos habitacionais que preservada por legislação (Serra da Piedade
reforçam a dependência do centro ao (4)). Por fim chega-se no distrito, que se
implantar moradias em locais isolados, como desenvolveu ocupando o território rural de
é o caso do condomínio Parque Real, no Sabará.
Figura 3 - Percurso Belo Horizonte-Ravena: foto de satélite revela núcleos urbanos espraiados.
Fonte: Elaborado pela autora sobre base do Google Earth, 2017. Obs.: numeração de acordo com os
aspectos citados no texto
.
As origens do município de Sabará são exploração de ouro nos arredores. Segundo o
registradas na época do Ciclo do Ouro em Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Minas Gerais e a sede do município tem em Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG), o
seu traçado aspectos remanescentes de sua antigo povoado denominado Lapa
ocupação inicial, a partir do final do século “provavelmente, contava com razoável
XVII. Salomão Vasconcellos (1945) relaciona a número de habitantes pois, um documento de
formação do primeiro núcleo urbano no 1727 comprova que a capela local se
território a grupos vindos de várias partes do encontrava em atividade regular, com
Brasil em busca do ouro descoberto em Ouro capelão designado.” (MINAS GERAIS, 2014,
Preto e que se dirigiram para Sabará, Caeté, p.75).
Itabira do Campo, Santa Bárbara, e outros
Devido a época de seu surgimento, o distrito
locais próximos. Entre 1701 e 1703, a
apresenta construções do período colonial
população de Sabará era de “quase todos
mineiro que tem valor simbólico e cultural
baianos, paulistas, pernambucanos e
para o município e para o estado. O conjunto
portugueses”. (VASCONCELLOS, 1945).
arquitetônico e paisagístico da Igreja de
Assim como o distrito sede, Ravena surgiu em Nossa Senhora da Assunção da Lapa,
inícios do século XVIII em decorrência da construída de pedra e madeira com
Figura 4 - Distrito de Ravena à esquerda e Adro da Igreja Nossa Senhora da Assunção da Lapa à
direita. Data desconhecida.
Fonte: (MEMÓRIA…,2017)
O nome do distrito vem de uma homenagem Muito do traçado urbano original desse
ao frei italiano Luís de Ravena, responsável núcleo urbano, que configura-se de maneira
por uma das principais reformas da igreja orgânica, pode ainda ser percebido – figura
matriz em 1853. (MINAS GERAIS, 2014). 5.
Uma questão relevante a se ressaltar foi o que foram demolidas devido a processos de
entendimento de Ravena como município pela deterioração pela ação do tempo e descuido
maioria dos entrevistados, o que por um lado por parte das autoridades responsáveis. Ao
demonstra o grau de importância que os falar sobre a importância do patrimônio
moradores dão ao distrito – ao fator cultural para o distrito, o entrevistado 2 relatou
isolamento geográfico em relação à sede a relevância dos marcos históricos,
municipal e ao papel de centralidade regional definidores da ocupação do lugar, como as
metropolitana –, mas que por outro revela o casas coloniais, da época do ouro, que se
baixo conhecimento geopolítico da perderam no tempo.
população, o que gera uma dificuldade de
Dessa forma, nota-se que os traços de
cobrança frente aos administradores
ruralidade que remontam às origens da
públicos. Esse contexto é agravado pela falta
ocupação do território são relevantes para a
de vínculo da população com Sabará que
população, principalmente os relacionados
costuma frequentar a cidade para resolver
aos laços históricos e familiares. Os atuais
questões burocráticas relacionadas à
moradores de Ravena, não se reconhecem
prefeitura ou para eventos ocasionais. Vínculo
como há 20, 30 anos atrás, muito em
esse que é suprido pela proximidade da
decorrência da expansão da mancha urbana,
capital mineira, já que esta oferece mais
através de chacreamentos e ocupações
opções de lazer e diversidade de comércio
irregulares que fragmentam o tecido urbano
com mercadorias de menor custo.12
em contínuo e desordenado processo de
Alguns dos entrevistados relacionam o atual transformação. Entretanto, ainda se
crescimento da mancha urbana e conservam certos hábitos rurais, como a
populacional de Ravena ao número de conversa na porta de casa ou produção
pessoas de Belo Horizonte que está migrando agrícola local para comercialização de
para o distrito, em busca de menor custo de produtos típicos da culinária rural como
vida. Entretanto muitas vezes essa opção está queijo, cachaça, linguiça, além da
relacionada a precárias condições de manutenção de festejos tradicionais locais
urbanização, já que localidades no interior do como a cavalgada, festa de santos e festa da
distrito possuem dificuldades de acesso a banana.
serviços públicos de saneamento, iluminação
4 LIMITES, ZONEAMENTOS E TERRITÓRIOS
e transporte, o que demonstra o
DE SOCIABILIDADES
desenvolvimento desigual da centralidade do
mesmo. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
(PDDI) está sendo desenvolvido com o
Outro problema recorrente ressaltado pelos
objetivo de definir um macrozoneamento da
moradores é a falta de policiamento e a falta
RMBH, para promoção de um planejamento
de segurança. Além da necessidade de mais
municipal integrado e que possibilite a
investimentos na saúde13 e na educação,
manutenção de interfaces metropolitanas
alguns pontuaram os chacreamentos
regionais comuns. Ele deverá estabelecer as
irregulares e o crescimento desordenado
diretrizes para o uso e ocupação dessas
como problemas graves. O tema patrimônio
áreas através de parâmetros que poderão se
cultural também foi destacado pelos
transformar em legislação15. O propósito
entrevistados, já que falta incentivo público
último, de maneira geral, é incentivar o
para preservação do casario antigo e de valor
desenvolvimento de novas centralidades na
simbólico, como a própria Igreja Matriz que
RMBH para diminuir a dependência da
está com o processo de restauro paralisado.
centralidade belorizontina, suprir
O entrevistado 314 conta que a Igreja Nossa
necessidades da população sem grandes
Senhora do Rosário possuía capelas laterais,
deslocamentos e promover identidades
regionais. Centralidade é entendida como
12
Marcia e Higno ressaltaram que a ligação viária uma área urbana acessível com concentração
Ravena-Belo Horizonte é muito ruim e que os
congestionamentos diários são comuns, mas que
15
acreditam que a duplicação da BR-381poderia A elaboração do PDDI da Região Metropolitana
minimizar esse transtorno na mobilidade. de Belo Horizonte se iniciou em 2009 e atualmente
13
Segundo Álvaro, o distrito possui apenas um há um projeto de lei na assembleia legislativa para
posto de saúde com um médico geral. Isso para a aprovação da legislação referente ao
ele é inadmissível, porque “tem 12 mil habitantes macrozoneamento urbanístico, fruto desse
em Ravena. Isso aqui é uma cidade!”. trabalho. Maiores detalhes em:
14
Geraldo, 97 anos. www.rmbh.org.br/pddi.
Capítulo 2
17
Este artigo é inspirado nas reflexões desenvolvidas na pesquisa “URBANIZAÇÃO E DESASTRE: O caso de
reassentamento de Paracatu de Baixo, Mariana, Minas Gerais” orientado pelo professor Tiago Castelo
Branco Lourenço e na disciplina Arquitetura e Urbanização Contemporâneas ministrada pela professora
Simone Parrela Tostes.
O rompimento da barragem de Fundão (...) O ‘lugar’, aqui neste livro, não é ‘qualquer
alterou significativamente o distrito. A lugar’, um sinônimo abstrato de localidade;
proporção da destruição do povoado com ele é um espaço dotado de significado e
fortes características rurais foi tão impactante carga simbólica, ao qual se associam
que não permitiu a permanência das suas imagens, muitas vezes conflitantes entre si:
populações naquele lugar. Neste artigo lugar de ‘boa fama’ ou de ‘má fama’,
trabalhamos com o conceito de lugar de hospitaleiro ou perigoso, e assim segue. O
Marcelo Lopes de Souza (2013, p.36): lugar é, em princípio, um espaço vivido:
vivido, claro, pelos que lá moram ou responde por ela e conduz os procedimentos
trabalham quotidianamente. (...). (Souza, de restituição de direitos dos atingidos, a
2013, p.36) Fundação Renova, como parte dos acordos
com o Estado para a resolução dos
Logo após o desastre, o Ministério Público de
problemas gerados pelo rompimento da
Minas Gerais - MPMG, através de sua
barragem. Esta entidade tem a missão de
representação em Mariana, assumiu um
implementar e gerir os programas de
importante protagonismo na busca de
reparação, restauração e reconstrução das
resoluções para a restituição dos direitos da
regiões impactadas pelo desastre.
população atingida. Esses primeiros
momentos foram essenciais para colocar esse O procedimento da Samarco, o mesmo
ator como um dos mais importantes na adotado pela Fundação Renova, de dar
condução de várias ações que têm sido agilidade a reconstrução e reassentamento
realizadas no município, para a resolução dos dos lugares atingidos foram marcados por
problemas advindos com o rompimento da uma grande violência. Estas violações ficaram
barragem. Nos primeiros meses foram vários evidentes no modo com que a empresa
os grupos políticos, movimentos e ativistas atuava e ainda atua, contratando profissionais
sociais, cidadãos de diferentes origens, que para conduzir os procedimentos num formato
se dirigiram a Mariana para, num ato de burocrático, que rejeita possibilidades
solidariedade, auxiliar nas questões imediatas colaborativas que valorizem os modos de vida
que envolviam o acontecido. dos atingidos no cotidiano dos lugares
afetados. É importante frisar que a busca por
Após esses primeiros momentos de forte
uma rápida resolução da situação tem gerado
comoção que levaram a este expressivo
padrões de urbanização e de produção do
afluxo de pessoas para a cidade, alguns
espaço que desrespeitam as características
movimentos e ativistas sociais além de grupos
locais do distrito atingido. O processo
de extensão e pesquisa vinculados a
realizado de forma acelerada tem sido pouco
universidades instaladas em Minas Gerais,
cuidadoso e tem acentuado ainda mais a
foram se aproximando da situação com uma
violência do desastre ocorrido.
perspectiva de realizar uma atuação de longo
prazo, já que os problemas gerados pelo Para exemplificar como tem ocorrido esse
desastre eram de grande complexidade. processo, apresentamos como tem se dado
os encaminhamentos para o reassentamento
Em um segundo momento foi percebido pelo
da população atingida no Novo Bento
MPMG e estes grupos a necessidade da
Rodrigues. A primeira fase de planejamento
formação de uma assessoria técnica que
da reconstrução por parte da Fundação
acompanhasse os atingidos nas diferentes
Renova foi um estudo para escolha do local
reuniões e audiências que eles estavam
de construção do novo distrito. A escolha do
sendo submetidos pela Samarco. A empresa,
terreno apresentado pela mineradora
logo após o desastre, começou a mobilizar
aconteceu após um período de
recursos de variadas naturezas para resolver
aproximadamente três meses após o
imediatamente o ocorrido e com isso voltar a
desastre, onde os atingidos não contavam
operar suas atividades de extração de minério
com técnicos que pudessem representar seus
de ferro.
interesses e instigar discussões utilizando de
Em resposta à falta de representatividade das tecnologia e linguagem acessível. Os
populações atingidas, a Cáritas Brasileira foi documentos foram entregues apenas cinco
contratada pelo MPMG, em outubro de 2016, dias antes da assembleia marcada para a
como assessoria técnica que representasse e votação. O documento que fundamentou esta
acompanhasse os atingidos, dispondo de escolha era, como é recorrente no setor
advogados, arquitetos, engenheiros, técnico, formatado e apresentado com uma
assistentes sociais, psicólogos dentre outros linguagem complexa, situação que gerou
profissionais. A Samarco, empresa da BHP várias dúvidas e dificuldade de entendimento
Billliton18 e Vale19, criou uma entidade que em relação ao seu conteúdo e consequente
decisão sobre os terrenos.
18
BHP Billiton é uma mineradora e petrolífera anglo-
australiana com atividades em todo o mundo, no
19
Brasil ela é proprietária associada com a Vale da Vale, antiga Companhia Vale do Rio Doce (2007)
empresa Samarco. É considerada a maior empresa é uma mineradora multinacional brasileira. É uma
de mineração do mundo. das maiores empresas de mineração do mundo.
relação aos parâmetros urbanísticos que importante papel para que ocorra de fato uma
atualmente regem a legislação urbana reparação dos danos causados pelo
municipal. O lugar que antes se conformava desastre.
como um pequeno núcleo num meio rural é
O caderno apresenta o processo de
tratado como mais uma área urbana, uma
construção do reassentamento do novo Bento
cidade, que na verdade não existia. Em um
Rodrigues através de uma sequência de
primeiro momento, o caderno traz a definição
mapas e imagens de satélite que ilustram
de um projeto urbanístico, como sendo “(...) o
desde o traçado e a conformação do antigo
desenho do distrito no novo terreno, com a
(Fig. 3) até o novo território deste distrito.
distribuição das ruas, dos limites dos
quarteirões e dos lotes onde serão Na leitura do caderno evidencia-se que o
construídas as casas, igrejas, escola, posto traçado do Novo Bento Rodrigues terá como
de saúde, praças, entre outros equipamentos referência o antigo, numa tentativa pouco
públicos” (Caderno reconstrução de Bento eficiente de reproduzir o que existia, sendo
Rodrigues, projeto urbanístico, 2016, p.3). que o terreno escolhido para o
Essa afirmação, além de subestimar a reassentamento tem características
complexidade de uma urbanização, reduz a morfológicas completamente diferentes: o
reparação às questões físicas e legais que antigo Bento Rodrigues se encontrava
envolvem um processo de urbanização, não implantada na margem de um curso d’água
considerando outras questões importantes num grande fundo de vale, o terreno
que dizem respeito aos elementos imateriais e escolhido é uma meia encosta recortada por
intangíveis, que neste caso assumem um pequenos vales com córregos estreitos.
O exercício de apresentação dos parâmetros com suas ruas tortuosas, abertas com o
urbanísticos contemporâneos da cidade de passar dos anos sem o compromisso com um
Mariana, que serão aplicados no traçado desenho ortogonal e retificado, construídas
urbano do Novo Bento, é realizado através da cotidianamente por seus moradores, sem o
apresentação do sistema viário do Bento auxílio de técnicos especializados na
Rodrigues original, este que se configurava produção do espaço (Fig. 4).
Figura 5: “Ajustando o desenho antigo de Bento, de acordo com a lei que existe hoje”
Este caderno é uma evidência de como tem empoderamento dos moradores no processo
acontecido os procedimentos da Fundação de discussão do reassentamento.
Renova para promoção da “participação” dos
Elaborou-se uma oficina com a população de
atingidos nas decisões que envolvem o
Bento Rodrigues, cujo conceito baseava-se
reassentamento do distrito.
na escala - corpo, casa, espaço. A criação
desta oficina ocorreu durante quatro
encontros, no EI e na cidade de Mariana,
3 UMA POSSÍVEL ALTERNATIVA PARA A
compatibilizando as ideias sugeridas e
CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA DE
propiciando a participação de todos. Nesta
REASSENTAMENTO DOS ATINGIDOS DOS
concepção, o participante vivenciaria as
DISTRITOS DE MARIANA
distintas escalas, buscando entender a
Frente a esse cenário de discussões pouco espacialidade do terreno escolhido, a
colaborativas, a Cáritas Brasileira em parceria Lavoura, e do plano urbanístico - Masterplan -
com a ASF Brasil e o Escritório de proposto para a área.
Integração21, elaboram uma tecnologia social
Visando a materialização da proposta, a
capaz de facilitar o diálogo entre técnicos e
Cáritas especificou que a oficina deveria ser
atingidos, de modo a promover o
pensada para aproximadamente cem
pessoas, e nesse sentido o formato de
21
EI - Escritório de Integração; pertencente ao circuito seria o mais adequado, já que permite
departamento de Arquitetura e Urbanismo, ligado à a divisão dos participantes em grupos
prática de extensão. Atua na articulação entre menores. A oficina ocorreu em Mariana, nos
ensino, pesquisa e extensão. dias 10, 13, 14 e 15 de março de 2017, com a
A terceira etapa foi a mais vivenciada pelos A representação da figura humana na mesma
atingidos (Fig. 12), que por meio da “escala escala mostrou-se importante para entender
corpo”, puderam compreender e identificar os principalmente a largura proposta para as
prós e contras da nova implantação. Nessa vias. Ao comparar a escala do corpo e a
oficina, os moradores apontaram oposições e largura da sala onde ocorria a oficina,
desejos para a Nova Bento, como uma capela concluíam, por exemplo, a extensa largura
velório no cemitério, uma ciclovia na estrada das ruas propostas e o impacto que geraria
externa ao distrito, além da reivindicação de esse tipo de configuração, como a falta de
que seus lotes fossem alocados com a interação entre os vizinhos - chamados antes
mesma configuração a que estavam pelas janelas frontais.
acostumados - de frente a praça, na esquina,
fazendo divisa com o vizinho antigo, entre
outros.
Figura 12: Estado final da uma parte da planta utilizada na terceira etapa
cotidiano das classes destituídas com uma É comum não considerarmos as diferenças
atuação que busca garantir seus direitos – de origem na mobilização para restituição de
não valorizam o cotidiano e a autoprodução direitos como no caso dos atingidos de
como possibilidade de emancipação política, Mariana, criando essa “ilusão” de que somos
econômica, social e cultural das populações iguais. Com a consolidação das negociações
atingidas. para o reassentamento dos atingidos estas
diferenças vão se evidenciando e nunca são
Esta constatação justifica a necessidade dos
discutidas, vão sendo neutralizadas por
arquitetos e urbanistas rediscutir seus
outras questões até que ocorrem momentos
procedimentos para dar conta de uma
de ruptura, ou a construção de novos distritos
situação como essa criada pelo desastre
que ficam desprovidos de significados para
tecnológico da Samarco.
aquelas pessoas que lá irão morar.
Discutir esse espaço construído no cotidiano
Como essas diferenças não são discutidas, o
se apresenta como um desafio necessário de
receio e os atingidos ao retomarem as suas
ser enfrentado para que se potencialize as
práticas cotidianas, abandonam as supostas
estratégias de apropriação por parte dos
conquistas das lutas pela garantia de
atingidos dos novos lugares que serão
restituição de direitos, retomando então
erguidos para o reassentamento.
práticas que remetem ao imaginário
Ao não tomar cuidado com o discurso técnico capitalista ao qual estavam submetidas,
e criticá-lo quando necessário numa agora muito mais dependentes e com
assessoria técnica sobre um lugar que foi elementos que eles não sabem manipular já
construído a partir de outros valores numa que foram criadas soluções para situações
outra temporalidade, preocupados somente que antes não existiam.
com a restituição de direitos a partir dos
A intenção deste artigo é chamar a atenção
valores contemporâneos, de uma urbanidade
para a necessidade de romper com essa
que nos distritos atingidos não existia, acaba-
lógica perversa que mantém o cotidiano como
se não sendo dada a devida atenção aos
um elemento desconsiderado, buscando dar
procedimentos de autoprodução que os
voz para aqueles que destituídos de tudo tem
moradores destes lugares apresentavam no
que retomar suas vidas e reconstruir seus
espaço vivido cotidianamente.
lugares no mundo.
[3] Kapp, Silke. Direito ao espaço cotiano: [8] Usina Ctah’e Rede Justiça nos Trilhos. As
moradia e autonomia no plano de uma metrópole. vacas têm para onde ir, o povo de Piquiá não: O
Caderno Metrópole, São Paulo, v.14, n.28, 2012. reassentamento do Piquiá de Baixo e os caminhos
do desenvolvimento brasileiro, in: Usina: Entre o
[4] Marx, Karl; Engels, Friedrich. A ideologia Projeto e o Canteiro. – São Paulo: Edições Aurora,
alemã (Feuerbach). 10. ed. São Paulo: Editora 2015.
Hucitec, 1996.
Capítulo 3
Porém Santos (2001) ressalta que a metrópole urbana, formada pelo agrupamento de certos
é corporativa e fragmentada, compõe-se de municípios que mantém uma
espaços luminosos, expressão máxima da complementaridade funcional e integração
modernização e de espaços opaco-periferias, das dinâmicas geográficas, ambientais,
lugares da exclusão dessa modernização. políticas e socioeconômicas.
Sobre aglomeração urbana ou aglomerado
urbano, Villaça (2001, p. 52) enfatiza que se
3. CARACTERIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DA
refere ao núcleo urbano que “apresenta um
RMP
mínimo de atividades centrais, sejam
religiosas, administrativas, políticas, sociais ou A Região Metropolitana de Palmas (RMP) foi
econômicas”. instituída por meio da Lei nº 2.824/13,
aprovada pela Assembleia Legislativa do
De acordo com Estatuto da Metrópole,
Estado e sancionada pelo então governador
aglomeração urbana apresenta-se como
do estado do Tocantins. A referida Lei,
“unidade territorial urbana constituída pelo
posteriormente, foi corrigida para ordem
agrupamento de 2 (dois) ou mais municípios
numérica da Lei Complementar nº 90, de 30
limítrofes, caracterizado por
de dezembro de 2013, e publicada no Diário
complementaridade funcional e integração
Oficial do Estado nº 4.042.
das dinâmicas geográficas, ambientais,
políticas e socioeconômicas” (BRASIL, 2015, De acordo com o Art. 2º da Lei Complementar
p. 1). nº 90, a RMP possui como recorte geográfico
espacial a capital, Palmas, e demais
Segundo Matos (2000), o conceito de
municípios que integram a RMP. Ao todo, a
aglomeração urbana no Brasil é relativamente
RMP é composta de 16 municípios: Aparecida
novo. Para o autor, “reporta-se a um conjunto
do Rio Negro, Barrolândia, Brejinho de
de pessoas ou atividades que se concentram
Nazaré, Fátima, Ipueiras, Lajeado, Miracema
em espaços físicos, relativamente pequenos,
do Tocantins, Miranorte, Monte do Carmo,
daí a sua acepção mais eminentemente
Oliveira de Fátima, Paraíso do Tocantins,
urbana, não rural (MATOS, 2000, p. 1). O
Porto Nacional, Pugmil, Silvanópolis e
autor ressalta que esse termo já foi
Tocantínia.
incorporado pelo IBGE em suas pesquisas
censitárias e reporta-se a núcleos localizados Também, segundo parágrafo único do Art. 2º
fora da sede municipal (cidade). da referida Lei, integram a RMP os municípios
tocantinenses situados entre os paralelos de
Assim, o conceito de região metropolitana
11º00’ e 09º00’S cujos interesses sociais,
está muito associado ao de metrópole. A
econômicos e políticos convirjam para a
região metropolitana identifica-se como uma
metrópole de Palmas. Embora o parágrafo
rede de aglomerados urbanos, na qual a
único, do Art. 2º mencione também os
cidade principal e os municípios que a
municípios tocantinenses situados entre os
constituem mantêm um fluxo de relações e
paralelos citados acima, esses municípios, até
inter-relações administrativas, econômicas,
o momento, não fazem parte da RMP, mas
políticas, sociais com as periferias próximas, a
futuramente poderão ser inseridos,
partir das diferentes atividades econômicas
dependendo dos interesses dos municípios
desenvolvidas. Assim, identifica-se como uma
contemplados nesse recorte, bem como da
unidade territorial polarizada por uma
cidade-núcleo, Palmas.
metrópole. A metrópole, portanto, é um
espaço urbano com continuidade territorial, Portanto, atualmente integram a RMP apenas
que mantém diferentes influências, enquanto os municípios citados no Art. 2º, conforme
capital regional. Todavia a aglomeração apresenta a Figura 1.
urbana constitui-se como unidade territorial
A Lei Complementar nº 90, de 2013, encontra- cooperação entre os três níveis de governo,
se em conformidade com a Constituição de com máximo aproveitamento dos recursos
1988, Art. 25, § 3º, no qual prevê que os públicos; a utilização equilibrada do território,
“Estados poderão, mediante lei do pessoal, dos recursos naturais e culturais e
complementar, instituir regiões a proteção do meio ambiente; a integração do
metropolitanas, aglomerações urbanas e planejamento e da execução das funções
microrregiões, constituídas por agrupamentos públicas de interesse comum; e a redução
de municípios limítrofes, para integrar a das desigualdades sociais e regionais.
organização, o planejamento e a execução de
No que se refere à população dos municípios
funções públicas de interesse comum”
que compõem a RMP, incluindo Palmas,
(BRASIL, 1988).
enquanto município sede, conforme censo
Em conformidade com a Lei Complementar nº demográfico de 2010 e estimativa
90, Art. 3º, a organização da RMP tem como populacional de 2016 do IBGE apresenta-se
objetivo promover: o planejamento regional; a de acordo com o quadro de nº 1.
22 23
Conforme explicação do Procurador Geral da De acordo com Regimento Interno da Casa
Assembleia, não possuía elementos legais para ser avocou, refere-se a uma solicitação feita por meio
proposto na forma de Lei na Assembleia, uma vez de Requerimento do Presidente da Assembleia,
que seria de competência do Governador do solicitando a retirada de um processo do arquivo
Estado, conforme prevê a Constituição Federal de da Assembleia para ser colocado em pauta
1988, Art. 25, § 3º. novamente e ser votado.
legitimidade dos agentes, de uma permissão dos estados essa prerrogativa, que se
para agir “em nome do consenso”, em nome materializa, mediante aprovação de lei
da união. Assim, quando se diz que alguém complementar estadual, oferecem abertura
está no poder, explica Arendt (1994), na para a criação de grande número de regiões
realidade, refere-se ao fato de que ele foi metropolitanas pelos governos estaduais, que
empossado por certo número de pessoas muitas vezes nem se caracterizam como tal, e
para agir em seu nome. O poder aqui acima de tudo sem a mínima condição de
referendado reside não na vontade individual, serem implementadas e efetivadas. Isso se
mas na vontade coletiva. deve à falta de observância das diretrizes
gerais da política urbana, especialmente da
Daí surge o seguinte questionamento: quem
inobservância de critérios consistentes quanto
são os atores público-políticos que são
ao número da população a ser atendida; o
indicados para gerir os espaços de poder em
grau de urbanização; os bens e serviços
prol do bem comum? Que lutam a favor da
prestados; as relações e interações existentes
melhoria dos espaços urbanos com igualdade
entre a metrópole e os municípios e entre
de direitos e deveres? Que pensam no uso
próprios municípios e a caracterização da
coletivo e não no individual? Que,
centralidade regional. Elementos esses que,
independentemente de partidos políticos,
deveriam ser observados ao caracterizar
procuram planejar e estabelecer diretrizes
essas unidades regionais, e não os fatores
gerais, pensando em proporcionar
políticos, ao planejar instituir as regiões
atendimento às necessidades básicas da
metropolitanas. Daí surge à necessidade de
população, que atualmente se encontra à
se estabelecerem parâmetros legais para a
mercê dos seus direitos?
criação das regiões metropolitanas e de
Assim, reforça-se a necessidade de outras aglomerações urbanas.
sustentabilidades que permeiam as decisões
Ao analisar os debates em plenária, por meio
das políticas territoriais, uma vez que a
das notas taquigráficas e das falas dos
garantia do sucesso de qualquer ação política
entrevistados, fica evidente que a RMP foi
está vinculada ao resultado da
instituída a partir de discussões políticas e
responsabilização dos que recebem o poder
que não foram feitos estudos tanto de
de gerir os espaços territoriais. A sociedade
caracterização dos municípios, quanto das
carece de justiça social, principalmente de
interações entre os municípios. Quando
benefícios que dão sustentabilidade nos
solicitados os estudos para análise, não são
espaços territoriais.
apresentados, haja vista a existência do
Nesse sentido, Garson (2009) chama atenção tempo transcorrido. Portanto, na prática, o
da existência de uma grande inabilidade no que ficou comprovado é que a RMP apenas
trato político e institucional no país, que é foi instituída, que os critérios adotados para
provocada pelas falhas apresentadas na sua institucionalização não ficaram visíveis e
legislação, principalmente quando se que apenas uma ação foi desenvolvida,
consideram as disparidades territoriais confirmando, assim, que não foi efetivada.
encontradas na gestão de uma região
Os estudos, a partir desse momento, deverão
metropolitana.
ser realizados no sentido de responder aos
Quando se analisam os termos Constituição seguintes questionamentos: como se
Federal (BRASIL, 1988), do Art. 25, § 3º, é apresenta a configuração da RMP, enquanto
possível prever que cabe ao Estado, por meio aglomeração urbana ou como região
de lei complementar, instituir regiões metropolitana? de acordo com os critérios
metropolitanas, aglomerações urbanas e utilizados para institucionalização das regiões
microrregiões, formadas por agrupamentos metropolitanas do Brasil, a RMP possui um
de municípios limítrofes, para integrar a caráter metropolitano ou não? Palmas, capital
organização, o planejamento e a execução de do estado do Tocantins pode ser considerada
funções públicas de interesse comum. Dessa uma metrópole ou não? Existe em Palmas
maneira, não apresenta nenhuma referência uma região metropolitana ou não?
ou órgão que deva legislar e estabelecer
Caso os estudos não comprovem esses
critérios específicos sobre a criação das
questionamentos, então devem ser
regiões metropolitanas no Brasil.
direcionados para uma visão de uma
Nesse sentido, as falhas apresentadas na aglomeração urbana em Palmas e não uma
legislação, no que se refere à criação de Região Metropolitana.
regiões metropolitanas, quando deixa a cargo
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[8] Lecioni, Sandra. A metrópole de São
Paulo: o anúncio de um novo mundo de
Capítulo 4
com impostos e não possuem direito às às regras do jogo e mercado imobiliário por
benesses e à cidade que “pagam” para meio do alicerce das políticas estratégicas e
morar. coniventes do Estado, que negligenciam
setores e esferas de demasiada importância
Desta forma, devido ao fato da produção do
na sociedade para prestar assistência aos
espaço ser fundamentada em um processo
lobbys, cada vez mais recorrente no âmbito
desigual, “o urbano se apresenta, ao
da proposição e execução da política pública
contrário, como lugar dos enfrentamentos e
brasileira.
confrontações, unidade das contradições. É
nesse sentido que seu conceito retoma o Deste modo, o modo de consumo das áreas
pensamento dialético [...]” (LEFEBVRE, produzidas no espaço urbano é refletido no
2008b, p. 157), considerando que a (re) uso que se torna cada vez mais privativo
produção espacial atual e impacta dado às forças do mercado que transfere a
diretamente nos usos destinados e propriedade do espaço urbano à demanda
configurados que perpetuam a injustiça solvável, uma vez que esta demanda pode
espacial, sendo, deste modo, a produção e arcar com os custos propostos no valor de
consumo indissociáveis, bem como situados troca e do valor de uso no que concerne às
em uma relação dialética. Diante disso, pode- manutenções. Em resumo, “o espaço-
se auferir que os parques são elementos que mercadoria, cada vez mais preso no universo
influenciam na produção do espaço, e por da troca, fragmentado pelo processo de
esta são influenciados, traduzindo-se os compra e venda, impõe importantes
impactos na forma e momento de uso e transformações no plano do uso e do
consumo. consumo do espaço” (CARLOS, 1999, p.
176), com predominante segregação no
Após o processo conflituoso, contraditório,
acesso do espaço urbano a determinadas
desigual e de segregação na produção do
classes, refletindo em aspectos de moradia,
espaço urbano, este enquanto mercadoria é
saúde e lazer das populações mais pobres,
posto ao consumo dos indivíduos que podem
postas à margem dos processos
ter acesso às porções produzidas, levando à
desenvolvimentistas e, mais que isso, das
constatação de que “as cidades são criadas
centralidades e funcionalidades das cidades.
para a economia e não para os cidadãos”
(SANTOS, 1997, p. 48). Assim, adentramos, Neste problemático contexto, os parques
nesse momento, na perspectiva do espaço- públicos tornaram-se locais propiciadores de
mercadoria, em que o espaço urbano é recreação, bem-estar, qualidade de vida e de
colocado à venda nas “prateleiras”, satisfação àqueles que o frequentam. Dentre
sobretudo, do mercado imobiliário. As suas possibilidades de usos no momento do
cidades passam a ser vendidas sob o slogan consumo a partir da perspectiva
do crescimento e, mais recentemente, do contemporânea, podem-se destacar as
desenvolvimento sustentável, visando em práticas de atividades esportivas e de lazer
realidade, favorecer os processos da (caminhadas, cooper, futebol, skate, patins,
acumulação do capital, no qual “isso significa ciclismo); atividades lúdicas (em playgrounds,
dizer que o espaço torna-se mercadoria, entra em espaços livres: jogos, brincadeiras,
no circuito da troca, e com isso espaços antes danças, contemplação, encontros, leitura);
desocupados se transformam em mercadoria, alimentação (lanches, feiras, bares,
entrando na esfera da comercialização” lanchonetes, e mais recentemente food
(CARLOS, 1999, p. 175). trucks); consumo de elementos paisagísticos
(arborização, o verde, flores, gramados, lagos
Neste contexto, parte-se da perspectiva do
e lagoas); consumo de elementos
espaço de consumo – enquanto o pedaço da
arquitetônicos e urbanísticos (monumentos,
terra que favorece a produção, distribuição,
quiosques, iluminação, pontes, espelhos
circulação, troca e consumo de mercadorias –
d’água, sanitários, bancos, lixeiras); com
para o consumo do espaço – em que os
segurança e manutenção (espaços seguros,
fragmentos deste são submetidos
tranquilidade, guardiões, zeladores,
constantemente às especulações de compra
policiamento) e/ou atividades culturais
e venda para a reprodução da vida, tanto no
(eventos, peças de teatro ao ar livre,
âmbito das atividades laborais, quanto nas
movimentos, práticas religiosas, festividades)
práticas de lazer (CARLOS, 1999). Assim,
(LOBODA, 2009).
podemos afirmar que estes espaços são
apropriados, dominados e controlados pelos Mediante as possibilidades supracitadas de
agentes promotores imobiliários, atendendo utilização desses espaços tidos como
de qualidade para que possa usufruir nos pela atividade turística. Por outro lado, os que
seus momentos do não-trabalho. afirmam que há o uso turístico opinam que,
apesar de haver a visitação por parte da
Neste sentido, durante os dias úteis os grupos
demanda turística, esta ainda é pouca (61%).
com poder aquisitivo para residir nas
Estes também afirmaram o alto potencial que
proximidades do Parque da Sementeira o
a área apresenta para o aproveitamento e
usufruem, e aos finais de semana são menos
desenvolvimento de atividades turísticas
presentes, uma vez que a classe dominada
(também) pelos eventos que são realizados
está a consumir os espaços – de propriedade
no interior do parque.
quase privada das grandes construtoras,
transferida para os condôminos no ato da Quando questionados acerca dos usos e
compra dos imóveis –, gerando usos e contra- atividades que os turistas realizam nas
usos que geram estranhamentos e reforço de dependências do Parque da Cidade, os
estereótipos construídos para inferiorizar a residentes que apontaram que há uso do
classe proletária. Por conseguinte, conflitos e parque pela demanda turística (82%) afirmam
entraves são traçados no espaço urbano, que os turistas visitam o zoológico, o
referenciando que a luta de classes teleférico, apreciam a natureza e a paisagem,
permanece na contemporaneidade. tiram fotos, repousam e fazem piqueniques.
Desses questionados, 54% já presenciaram
Já no que tange especificamente aos usos
turistas no parque e 46% nunca os notaram.
designados ao Parque da Cidade, a demanda
Os que já visualizaram os turistas no parque
residente aponta que quando estão
indicaram que o turista estava realizando
usufruindo das áreas do parque desenvolvem
atividades de visitação ao zoológico, passeio
atividades de visitação ao zoológico,
no teleférico e tirando fotos (dos animais do
caminhadas, gincanas, leituras e
zoológico e da natureza).
“evangelizações”25, socialização, observam a
paisagem e a natureza, realizam piqueniques, Já em pesquisa com a demanda turística na
descanso, levam as crianças para brincar, Orla de Atalaia, adotando-se o mesmo
etc. Pouco é citado o uso e consumo do método utilizado para o Parque da
passeio do teleférico por essa demanda, uma Sementeira, os dados mostram que 20% dos
vez que os mesmos relatam o alto valor na turistas apontaram ter algum conhecimento
taxa para ter acesso ao equipamento, o que acerca do Parque da Cidade. Ademais, 16%
levaria ao uso exclusivo deste pela atividade dos inquiridos afirmaram já ter visitado o
turística, cabendo a administração do parque parque frente a 84% que nunca estiveram no
adotar medidas de inclusão e democratização equipamento. Deste modo, nota-se a
do uso, levando-se em consideração que o ausência de divulgação do Parque da
público é majoritariamente desprovido de Cidade, bem como a não inclusão deste nos
recursos financeiros para ter acesso ao passeios das agências de turismo de
teleférico. Ademais, também se notou que os receptivo. Além disso, embora se tenha
moradores não se apropriam do parque para apresentado um grande quantitativo de
usos relacionados à atividade física (como turistas que não visitaram o Parque da
corridas a pé e utilizando a bicicleta, por Cidade, observa-se que este é mais visitado
exemplo), o que é comum em parques por turistas frente ao Parque da Sementeira.
públicos e recorrente no Parque da
Acerca dos 16% que já haviam visitado o
Sementeira, conforme constatado.
Parque da Cidade, destes, 50% visitaram o
No tocante à relação entre o Parque da espaço através das informações que
Cidade e a atividade turística, 82% dos obtiveram na internet, sobretudo nas redes
residentes questionados opinam que o sociais. Igualmente, 50% visitaram o parque
parque é utilizado por turistas versus 18% que através da indicação de amigos e parentes.
não acreditam nessa apropriação. Em Novamente, os dados apontam que o Parque
justificativa para não utilização do espaço do da Cidade é apropriado pelos turistas de
parque por turistas, os 18% afirmam que não modo autônomo e independente das
há divulgação, segurança, atrativos, agências de turismo de receptivo, tendo em
infraestrutura, bem como pela vista que toda a amostra esteve em visitação
desorganização ligada à má administração ao espaço motivado por outros meios. Cabe
dos equipamentos e atrativos, fatores esses aqui também apontar o potencial de
que contribuem para o não uso do parque disseminação de informações através da
propaganda boca-a-boca, conforme
25
Atividade ligada diretamente a rituais religiosos. supracitado; e o poder da internet na
sul e centro-oeste (Mato Grosso do Sul, renda justificado pelos “usos inadequados”
Paraná e Brasília). dados por esses indivíduos aos espaços do
parque público, no qual deve ser mantida a
Nas avaliações, os visitantes apontam para o
distância e distinção, tendo como resultado
teleférico enquanto um atrativo turístico e
final a mudança nas relações entre os
elogiam o espaço por ser “arborizado, verde,
cidadãos e a cidade. Com isso, ao
amplo, limpo”. Ainda, relatam que as tarifas
enfatizarmos as utopias que estão associadas
do teleférico são baixas; a dificuldade de
ao direito à cidade, apontamos para uma
acesso pelo parque encontrar-se um pouco
crítica radical ao planejamento tecnocrático
afastado do centro da cidade, como também
realizado pelo Estado e suas formas de
pela ausência de sinalização; etc. Entretanto,
reducionismo dos espaços públicos a meros
severas críticas acerca do zoológico são
objetos do mercado, como no caso do Parque
citadas recorrentemente, bem como à
da Sementeira, em que o equipamento é
aparência de abandono do Parque da Cidade
entendido como mercadoria, servindo,
com ressalvas para a segurança e
maiormente, à especulação imobiliária e,
infraestrutura. Neste sentido, observa-se que
consequentemente à lógica do capital.
o turista possui também um olhar crítico tanto
quanto os residentes da localidade, e de Já no caso do Parque da Cidade, apesar de
mesmo modo, informados quanto aos se configurar como um atrativo e de receber
aspectos relacionados à segurança que está visitação pela demanda turística percebe-se
suscetível a ação de meliantes. que há necessidade de se estabelecer
estratégias e ações que visem à melhoria do
espaço não somente para os turistas, mas,
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS sobretudo, para os residentes, visto que o
parque público ainda é majoritariamente
O presente estudo teve por objetivo investigar
apropriado para o lazer dos moradores da
as relações de consumo e usos – incluindo
cidade de Aracaju. No entanto, medidas
não usos e contra-usos – estabelecidos,
cabíveis podem ser tomadas no que concerne
especificamente, em dois parques públicos
à divulgação e exposição do potencial que o
(Parque da Sementeira e Parque da Cidade)
parque apresenta viabilizando a visitação por
da cidade de Aracaju, Sergipe, selecionados
parte dos turistas.
considerando a posição antagônica que
ocupam em termos tanto de localização, Neste sentido, é crucial o despertar dos
quanto no que concerne aos processos de agentes públicos e privados para perceber
produção e consumo. Em análise que os parques públicos podem se constituir
comparativa, comprovou-se que as dinâmicas em atrativos turísticos importantes de um
em relação à apropriação desses espaços destino ao levar em consideração que estes
públicos são distintas, até mesmo em exprimem em sua paisagem a história,
equipamentos que apresentem fins similares e herança, construções sociais e características
que estejam alocados na mesma cidade, intrínsecas da localidade, ou seja, os parques
como é o caso do Parque da Cidade e o possuem unicidade em suas configurações. O
Parque da Sementeira. Além disso, o fator planejamento no que tange aos roteiros
localização influencia por completo as formas turísticos deve partir do objetivo de estreitar e
de consumo desses espaços públicos de aproximar a atividade turística dos parques
lazer e turismo na contemporaneidade. públicos da cidade a partir das parcerias e
diálogos e de perspectivas inovadoras, não
A tônica dos espaços-mercadoria geram
sendo apenas configurados com base em
diversos desdobramentos sobre as relações
comissionamentos ou em grandes atrativos
sócio-espaciais, nos quais o elitismo
monopolizados que não permitem a
exacerbado predominante configura vínculos
diversificação da oferta turística.
de contra-usos, levando-se em consideração
que a camada de alto poder aquisitivo
repudia a presença das classes de baixa
Capítulo 5
relação entre o homem e seu meio natural, no Retomar o estudo das regiões produtivas
qual as “divisões naturais” seriam dotadas de (SANTOS, 1985) é fundamental para o melhor
densidade histórica e cultural. conhecimento das particularidades de um
fenômeno estudado; tendo em vista que, por
Em sua obra “Las divisiones fundamentales
meio da inserção no todo, busca-se o
del territorio francès”, la Blache sugere que os
entendimento do todo graças à compreensão
nomes das “divisões naturais” fossem
de uma de suas partes. Para isso, torna-se
empregados e reconhecíveis por qualquer
necessária a análise de sua estrutura interna
camponês. Nesse sentido e à luz dessa
ao longo das articulações do fenômeno
interpretação, região seria uma entidade
estudado com outros fenômenos, e com a
espacial concreta, existente
totalidade correspondente. Tais
independentemente da consciência humana.
especificidades se relacionam diretamente
Embora o termo pertença ao campo de com o território. Esse, por sua vez, é formado
estudo da Geografia, a definição de região por frações funcionais que se articulam no
não ficou restrita aos geógrafos. Com a sua decurso de fluxos que são criados em função
teoria dos “polos de crescimento e das atividades desempenhadas, da
desenvolvimento”, o economista François sociedade e da herança espacial. Nesse
Perroux exerceu grande influência sobre os sentido, e em atenção às proposições
economistas regionais e também sobre os anteriormente apresentadas, acredita-se ser
geógrafos (em especial os brasileiros). imprudente e impreciso tecer uma análise
espacial sem levar em consideração o fator
“tempo”, isto é, a geo-história dos fenômenos.
Das reflexões de Perroux derivam as ideias
referentes a três tipos de “região”: a
“região homogênea” (uma área com 3- CIDADE MÉDIA, O QUE É?
características que a diferenciam das
Há, no meio acadêmico, uma “dificuldade em
áreas circunvizinhas ou circundantes), a
definir cidade média, quer seja pela
“região funcional” (significando,
heterogeneidade das realidades, quer seja
principalmente, uma área polarizada por
pela temporalidade dos fenômenos
um determinado centro nos marcos de
econômico-sociais, cujas constantes
uma rede urbana) e a “região-programa”
mudanças condicionam o enquadramento
(a área de aplicação de um determinado
dos territórios não metropolitanos” (COSTA:
plano de “desenvolvimento regional”)
2002, 102). Existem, portanto, especificidades
(SOUZA, 2013, p.139).
que contribuem para essa dificuldade do
conceito em dar conta do que seja,
efetivamente, uma cidade média. Os
Ainda hoje, o debate sobre o conceito de
obstáculos para o entendimento desse
região é necessário, pois dentro de uma
conceito correspondem aos critérios
região, os capitais são geografizados em
utilizados pelos autores das pesquisas e
conformidade com a lógica do contexto
também pelas particularidades de cada
histórico e geográfico de sua criação. Com os
cidade.
avançar do tempo, o que se convencionou
chamar de região aparece como equivalente A terminologia “cidade média” é a mais
à ideia de “melhor lugar”; ou seja, região é utilizada no Brasil, porém cabe ressaltar que
uma espécie de objeto de desejo, de autores de outras nacionalidades utilizam
intencionalidade geopolítica e de realizações termos diferentes para o emprego desse
de determinado número de intervenções no conceito e, em alguns países, elas aparecem
espaço. como “cidades intermediárias”. De qualquer
forma, o pensar sobre a cidade média pode
O geógrafo brasileiro Milton Santos (1985)
ser análogo a uma reflexão que considere sua
corrobora essa teoria ao afirmar que uma
dimensão quantitativa na escala urbana, ou a
região é o locus de determinadas funções da
uma reflexão que a relacione com as políticas
sociedade total em um dado momento. Isso
de ordenamento e desenvolvimento,
poderia ser evidenciado pelo fato de que, no
interligando-a com a escala regional.
passado, o mesmo fenômeno se produziu e
as divisões espaciais do trabalho criaram Na década de 70, cidade média era uma
instrumentos de trabalho fixos, ligados às terminologia mais conhecida por utilizar o
diversas órbitas do processo produtivo. caráter quantitativo e figurava no que
estivesse entre a grande e a pequena cidade.
Para isso, do ponto de vista de Silva (2013), conceito. Além das metodologias
eram levados em consideração o porte quantitativas, também são utilizadas as de
demográfico e a extensão física da cidade caráter qualitativo, em que questões como a
como variáveis mais importantes na sua oferta de empregos, bens e serviços, a
delimitação. Porém, essas variáveis, distância das áreas metropolitanas, a
atualmente, são consideradas rígidas e circulação de linhas de transportes regulares
estáticas. e a relevância regional são importantes
fatores de contribuição à análise.
Alguns estudos que partem de dados
populacionais sugerem que as cidades Assim como a de Castello Branco (2006),
médias são aquelas que possuem um número pesquisas enfatizam a centralidade como
específico de habitantes e com intervalo definidora das cidades médias. Para a autora,
limitado, geralmente, por instituições de a relevância do estudo deve estar situada nos
estatísticas que priorizam uma hierarquia tamanhos populacional e econômico, no grau
quantitativa entre as cidades. Segundo o de urbanização e na qualidade de vida.
IBGE, cidades médias são as que possuem
Em outra perspectiva, as cidades médias são
entre 100 mil e 500 mil habitantes e, de
“aquelas que, além de terem tamanho
acordo com a Organização das Nações
demográfico correspondente a este porte,
Unidas (ONU), são as que possuem entre 100
desempenham claros papéis intermediários
mil e um milhão de habitantes. Outros estudos
entre a(s) metrópole(s) e as cidades
já sugerem o limite de 350 mil habitantes por
pequenas que compõem uma rede urbana”
considerarem todo centro urbano que
(SPOSITO: 2004, 126). A rede urbana e a
contenha um número maior como possuidor
interação entre cidades apresentam funções
de características de grandes concentrações
diferenciadas para elas, e essas funções
urbanas.
podem auxiliar na percepção da cidade
Santos (1993) recomenda cautela com o uso média que polariza as demais. Com isso, da
de quadros estatísticos para classificar uma combinação desses fatores diferenciados
cidade média, pois um mesmo número surge a necessidade de examinar as
quando analisado em épocas diferentes pode diferentes escalas para fins de análise das
adquirir significados distintos. É relevante cidades médias. De acordo com Corrêa
notar também que duas cidades com número (2006), cada cidade da rede tem um modo e
igual de habitantes não serão equivalentes se uma intensidade de participação no
estiverem em regiões cujos processos de processo; do contrário, teria sua existência
urbanização possuem diferenças inviabilizada.
consideráveis. A questão demográfica,
Sposito (2001) enfatiza a relevância do papel
portanto, é importante, mas possui limitações
que a cidade desempenha regionalmente e
e não deve ser o elemento fundamental da
afirma a importância da posição na divisão do
análise, pois há cidades pequenas cumprindo
trabalho e da posição geográfica nas
funções centrais na região onde se
relações espaciais entre as cidades,
encontram. Desse modo, não há uma relação
principalmente nos âmbitos econômico e de
entre o tamanho populacional de uma cidade
consumo. Para a autora, cidades médias são
e o papel dela na rede urbana.
centros regionais importantes que funcionam
Não obstante, a demografia não deve ser como ligação entre pequenas e grandes
desprezada nos estudos; deve ser inserida às cidades. Porém, para Leitzke e Fresca (2009,
demais variáveis que possibilitam a apud SILVA, 2013) a ideia de elo entre
compreensão das cidades médias, já que, cidades menores maiores não é suficiente
sozinha, a demografia atribui um caráter que para definir uma cidade média, pois
refere-se mais ao porte da cidade do que
propriamente às suas relações e funções. E
existem diferenças entre uma cidade de porte [...] atualmente a globalização permite-nos
médio e uma cidade média. ir além da simples relação entre duas
cidades separadas apenas por um nível
Diversos podem ser os critérios para a
hierárquico. Ou seja, a população de uma
definição de uma cidade média e, por isso,
cidade pequena não precisa recorrer mais
talvez haja maior dificuldade em identificá-las
à cidade média como elo à grande. A
como tais. Algumas metodologias diferentes
evolução dos meios de transporte e das
são usadas para que a união de fatores possa
comunicações permite que se vá
produzir um resultado mais próximo desse
Nos anos 90, superando o município de Do ponto de vista das migrações, vários
Campos dos Goytacazes, Macaé despontava movimentos são percebidos ao analisar a
como principal destino do norte do estado, no cidade de Macaé. O primeiro deles é o que
que se refere à dinâmica da metrópole se refere à migração do campo para a
fluminense. Nos primeiros anos deste século, cidade. Em 1970, de acordo com o IBGE,
a ocupação dos trabalhadores em Macaé, aproximadamente 40% da população
especialmente os qualificados, mostrava uma macaense morava nas áreas rurais. Em
considerável diferença sobre vagas de restrita paralelo a esses dados, o Censo de 2010
especificidade técnica quando comparada (IBGE) mostra que apenas 1,87% da
com a dos trabalhadores não migrantes e não população mora no campo.
qualificados. De acordo com Paganoto
A valorização imobiliária da cidade de Macaé
(2008), 78% dos trabalhadores que recebiam
manteve seu ritmo de aceleração e promoveu
mais de 10 salários mínimos eram migrantes,
algumas movimentações dentro e fora do
enquanto o índice de desemprego era maior
município. No âmbito intramunicipal, observa-
entre os trabalhadores nascidos na cidade.
se a setorização das classes sociais que
Na leitura de Mota et al. (2007), corrobora-se acompanha a setorização dos bairros – fato
que os altos investimentos tecnológicos e de que evidencia a prioridade dada aos
modernização que a indústria do petróleo trabalhadores das empresas multinacionais
carrega puderam ser percebidos na região instaladas para a prestação de serviços à
como um todo, mas com maior força em Petrobrás. Já em eixos de expansão que
Macaé onde foram gerados novos padrões seguem uma linha diferente da expansão dos
demográficos e de migrações. Em um espaço bairros nobres, surgem bairros pobres e
temporal relativamente curto, esse conjunto favelas. Compreende-se, portanto, que o
de fatores foi responsável por um processo crescimento da urbanização macaense
de urbanização intensificado, na medida em ocorreu de forma desordenada e, no que
que tange os valores dos imóveis, promoveu a
segregação sócio espacial. Como descrito
por Mota et al. (2007), a população local, os
[...] as cidades médias apresentam-se empresários e funcionários das indústrias
como espaços privilegiados de alocação elegeram a especulação imobiliária como um
destes investimentos, dos quais decorre o dos principais problemas da cidade.
fortalecimento do papel destas cidades no
O segundo movimento de migrações
que tange ao oferecimento de funções,
percebido para Macaé ocorre na escala
bens e serviços aos moradores da sua
intermunicipal, cuja movimentação acontece
hinterlândia e de áreas rurais ou urbanas
pela pendularidade diária que trabalhadores
mais ou menos distantes. Assim, este
fazem de casa para o trabalho. Normalmente,
processo implica no reforço ao papel das
eles escolhem morar em um município vizinho
cidades médias como espaços de
devido à oferta de moradia mais barata.
consumo locais e regionais, reforçando a
Nesse sentido,
centralidade e intermediação destas
cidades.(OLIVEIRA JÚNIOR, 2008, p.217)
Essas centralidades também sugerem um
processo de (re)valorização do espaço
Com a rápida urbanização da cidade e a
urbano, na medida em que a atração
chegada de novas empresas e pessoas de
exercida por estas áreas implica em
vários lugares fluminenses, nacionais e
alterações no preço e acesso à terra
internacionais, a valorização imobiliária
urbana, principalmente no entorno
aconteceu no mesmo ritmo. Juntamente com
imediato a estas novas
a mão de obra técnica e especializada que
centralidades.(OLIVEIRA JÚNIOR, 2008,
justifica maiores salários, novos bairros foram
p.210)
criados para este público recente. Mas não
foram somente os trabalhadores técnicos que
chegaram a Macaé, pois grande quantidade
A crescente economia do petróleo e as
de pessoas, que contavam com a própria
mudanças nas legislações que distribuem
sorte, migrou também de diversos lugares em
royalties para as administrações federal,
busca de oportunidade de trabalho.
estaduais e municipais fizeram surgir na
década de 90 algumas emancipações e a
O total de ônibus que deixam o Rio de Janeiro espacial de deslocamento como também
em direção a Macaé é 63% maior nas apresenta uma escala temporal de
segundas-feiras de manhã, em relação aos pendularidade estendida” (PAGANOTO:
outros dias da semana, principalmente em 2008, 17).
horários que permitem os trabalhadores
chegarem ao destino antes da abertura das
empresas. Pois, às onze partidas normais são 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
somadas sete partidas extras. O mesmo
O rápido crescimento de uma cidade é
número ocorre na sexta-feira, porém, no
repleto de complexidades e contradições, e
sentido contrário e no período da tarde.
entre elas estão o recrutamento de pessoas
Significa, portanto, que o número de pessoas
qualificadas aos novos postos e a atração de
que se dirige a Macaé no início da semana e
trabalhadores que se deslocam em busca de
que deixa a cidade nos fins de semana,
oportunidades, ainda que sem certezas.
utilizando o transporte rodoviário, é 63%
Ademais, o fenômeno migratório em Macaé
superior ao normal; ou seja, há uma
torna-se ampliado e ressalta a necessidade
mobilidade pendular de mão de obra de
de análises sobre a sua realidade que se
frequência semanal polarizada pela cidade
aproxima sistematicamente das
média de Macaé e que atinge municípios da
características de um município
Região Metropolitana, uma vez que os ônibus
metropolitano.
que saem da capital também recolhem
passageiros nos municípios de Niterói, São A cidade média de Macaé convive com
Gonçalo e Itaboraí. Há, portanto, um “fluxo eventos de ordem espacial dos mais diversos
pendular que não só tem ampliada sua escala e, boa parte deles, está relacionada ao fato
dela ser o destino da migração de milhares esteja inserida, uma vez que as exigências
de pessoas. Entre esses movimentos, estão por qualificação são maiores, Macaé
as migrações definitivas para Macaé e para consegue criar tais dependências em
os municípios vizinhos. Os dados mostram municípios mais distantes e até mesmo em
que as cidades que cresceram juntamente outros estados.
com a atividade petrolífera, o fizeram mais
Desse modo, uma questão é levantada a
pela chegada de novos residentes do que
partir dessas conclusões. Existem migrações
propriamente pelo crescimento vegetativo.
pendulares diárias e semanais para Macaé,
Há, portanto, pessoas que migraram para
contudo, existe um tipo de trabalho exercido
Macaé e lá permaneceram. Porém, há
na atividade petrolífera que não demanda de
aquelas que migraram pela atividade, mas
residência na cidade sede, bem como nas
decidiram residir em outras cidades e fazem
cidades vizinhas: o trabalho dos embarcados.
diariamente a mobilidade pendular até o
Estes trabalhadores ficam em média 14 dias
trabalho. E, ainda, há o grupo de
em alto mar (nas plataformas), e retornam
trabalhadores que, mesmo envolvidos com as
para o período de descanso de mais 14 dias,
atividades do ramo extrativista, residem nas
também em média, nas suas cidades de
suas cidades de origem, sejam elas nas
origem. Boa parte das pessoas que exercem
outras regiões do estado ou até mesmo do
essas funções trabalha em Macaé (nas
país.
plataformas), mas não passa nenhum dia na
O presente trabalho pretende mostrar a cidade. Fica, portanto, a análise desse outro
influência de Macaé junto aos municípios tipo de migração como proposta para
vizinhos, evidenciando-a como uma cidade pesquisas futuras.
média que centraliza e aglomera serviços e
O crescimento das cidades e da economia do
cria dependências, polarizando as demais.
petróleo cria empregos, mas não
Porém, considerou-se necessário apresentar
necessariamente estabelece vínculos com a
que o poder de alcance dessa polarização
dinâmica produtiva local que possam garantir
exercida por Macaé está além das
maior variação das atividades, diminuindo a
municipalidades próximas. Talvez pelo
dependência que existe sobre um setor
específico tipo de economia em que ela
econômico instável e finito.
Capítulo 6
estado. Este cenário pernambucano foge de destaque, principlamente por que estas
uma regra globalizada, que segundo Fiori impulsionaram significativamente o
(2005) as escalas intermediárias entre o local crescimento econômico do estado, registrado
e o global não possuem tanta força no no início da década de 2010. Foi
desenvolvimento e gestão das ações prioritariamente num contexto político que
públicas. grandes projetos estruturais foram concluídos
e/ou iniciados.
Fatores históricos de formação territorial
ajudam a explicar a importânica e A política federal de maior expressão em
centralidade de Pernambuco na escala Pernambuco é representada pelo Programa
regional (Nordeste), e em alguns aspectos de Aceleração do Crescimento - PAC I e II,
nacional. Destaca-se a capacidade de que aportou investimentos de R$ 31 bilhões,
atração de mercadorias, serviços e pessoas, até o ano de 2010, e, aproximadamente,
de Recife, a capital do estado, que polariza as R$ 32 bilhões, para os anos seguintes, para
capitais Maceió-AL, João Pessoa-PB e Natal- projetos de desenvolvimento do Estado como:
RN (REGIC, 2007). Enquanto infraestrutura, a estradas, portos, ferrovias, hidrovias,
malha rodoviária do estado é ponto de aeroportos, abastecimento, irrigação, energia
passagem para, praticamente, todo fluxo de elétrica, revitalização de bacias e entre outros.
carga vinda do Centro-Sul do país.
Abaixo estão indicados os principais
Mais recentemente, as relações políticas do investimentos no Estado de Pernambuco entre
estado com o governo nacional merecem 2007 a 2010.
Fonte: http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/e57c8636825fc69302e23b82a01c6282.pdf
(iii) Fábrica da Fiat que concluiu os estudos listagem/mapeamento estadual, que recebem
para instalação de sua unidade industrial no algum tipo de ajuda institucional, sendo que
município de Goiana-PE, e será a segunda da oito deles recebem políticas específicas de
empresa no Brasil. Este empreendimento tem APL e seis claramente recebem um tipo de
como objetivo ser um polo automotivo apoio equivocado com um desenho de
altamente integrado. A fábrica da Fiat poderá política voltado para o setor ou, na melhor das
produzir entre 200 mil e 250 mil unidades por hipóteses, para a cadeia produtiva.
ano, com investimentos entre R$ 3 bilhões e (MOUTINHO, 2010, p.4)
R$ 3,5 bilhões. O número de empregos
Essa estrutura para o apoio aos APLs de
diretos deve superar os 3,5 mil postos
Pernambuco tem na sua base diversos
inicialmente projetados. O acionamento da
agentes que atuam na execução de
linha de produção previsto para o início de
programas ou ações pontuais, são eles:
2014, foi realizado em 2015 com o nome da
Governos Federal e Estadual, Prefeituras,
marca Jeep.
entidades do Sistema S, associações,
(iv) Arco Metropolitano, obra de estruturação cooperativas, sindicatos, federações,
estão sendo desenvolvidas para melhorar as instituições de C&T, ONGs e empresas.
conexões viárias do Estado de Pernambuco
Visto toda infraestrutura e ações no Estado de
visando o desenvolvimento territorial da RMR,
Pernambuco (implementadas e em
dentro de uma lógica econômica e social, que
desenvolvimento), além de grandes empresas
gere benefícios aos residentes, à economia
públicas e privadas é verificado novas
local, à economia do setor público e
oportunidades de crescimento econômico
possibilite a integração das cadeias
para o Estado. Uma delas foi à participação
industriais e dos processos logísticos de
da Região Metropolitana do Recife como cede
forma eficiente e competitiva. Sua função
da para o grande evento – A Copa do Mundo
principal é aumentar a mobilidade dos fluxos
FIFA de 2014 no Brasil.
de cargas e pessoas em um eixo viário,
tangenciando toda a RMR e integrando três
grandes estruturas de desenvolvimento
4.MATRIZ DE VIABILIDADE PARA A COPA
econômico: complexo Portuário de SUAPE,
DO MUNDO FIFA 2014
Refinaria Abreu e Lima, no Litoral Sul, e a
empresa FIAT, no Litoral Norte. Resumindo, (1) Cidade da Copa (1ª Smart City da América
está obra facilitará a integração entre a RMR e Latina): de acordo com o RIMA (2012) da
todos os seus principais empreendimentos Cidade da Copa sua estrutura teria cerca de
localizados nesta área. 240 hectares com um percurso entre qualquer
um dos seus polos, terminais integrados de
Além das ações já mencionadas, o governo
ônibus e metrô, além das faixas exclusivas
do estado teve investimento de recursos
para pedestres e ciclistas. Essa nova
específicos para o desenvolvimento
estrutura teria como objetivo, de acordo com
econômico dos Arranjos Produtivos Locais
o RIMA, criar uma nova centralidade urbana,
(APL), pelo Ministério de Desenvolvimento
planejada e adequada às necessidades do
Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Trata-se
Grande Recife, objetivando um novo destino
de políticas públicas de grande potencial de
para inovar conceitos e oferecer um novo
desenvolvimento, pois são estimuladas pelo
padrão de qualidade de vida.
ambiente político-institucional e pelos fatores
de competitividade, complementaridade e Essa era para ser a estrutura da Cidade da
cooperatividade sistêmica da economia local- Copa na cidade de São Loureço da Mata,
regional do estado de Pernambuco. Região Metropolitana de Recife (ver figura
abaixo). O grande problema no cenário atual
Segundo o MDIC, entre 2007 e 2008, o estado
é que não há previsão do andamento do
possuía 7 APL (Lacticínio, fruticultora, gesso,
projeto sendo uma possibilidade dele nem
tecnologia da informação, confecções,
sair da perspectiva do projeto, ou seja, o
apicultura e caprinovinocultura). Em 2010,
projeto ficar como uma obra em um papel.
Moutinho (2010) identifica 14 APL, na
Fonte: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/07/10/no-recife-maior-legado-da-copa-
espera-licencas-e-so-fica-pronto-em-2030.htm
A justificativa para tal situação é a falta de responsabilidades, mas por conta da falta de
investimentos, pois como a estrutura é de recurso a atual situação da cidade da copa
grande magnitude gera muitos custos para o no município de São loureço da Mata é de
seu desenvolvimento e implementação total incerteza, pois não se sabe se o projeto
(Quadro 3). Essa matriz de responsabilidade terá continuidade, por este motivo, é a única
indica que os arranjos institucionais estavam matriz que foi desenvolvida pelo RIMA.
bem definidos, cada um com suas
possível perceber isso a partir do quadro III Mundo para a população do Grande Recife
que indica pesquisa no portal da eram os corredores de BRT Norte/Sul e
transparência da Copa do Mundo de 2014 e Leste/Oeste que ainda não foram concluídos,
da imagem de março de 2016 como mostra a adequadamente. Um exemplo são as
figura IV. É de grande importância ressaltar estações de integração que ainda não foram
que um dos principais legados da Copa do concluídas.
Atualmente, ainda existe projetos na área de conta da falta de uso algumas estruturas já
mobilidade urbana inacabados, um exemplo é estão necessitando de reforma. Outro ponto
o BRT: Corredor Caxangá (Leste/Oeste) que negativo é que essas estações estão sendo
deveria ter suas estações de integração usadas por usuários de droga tornando-a uma
prontas para atender a população, mas região perigosa. Essa situação pode ser
nenhuma delas foi finalizada e o pior é que verificada na figura IV.
todas estão necessitando de reparos, pois por
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aeroporto_Internacional_do_Recife
No que tange as ações das políticas públicas Turistas (CAT) – Recife e Sinalização turística
para a Copa do Mundo de 2014 as grandes nos atrativos turísticos – Recife. Essas
referências de investimento são para as sinalizações estão relacionadas para
infraestruturas de acessibilidade nos atrativos acessibilidade aos atrativos turísticos na orla
turísticos – Recife; implantação, reforma e de Olinda e foi a ministério do turismo que
adequação de Centros de Atendimento aos executou o projeto.
O quadro de responsabilidade indica que casos o recurso não foi usado na sua
algumas ações na área do turismo e plenitude e, logicamente, que os produtos
aeroportuária não foram desenvolvidas e que que deveriam ser entregues também não
algumas delas não possui todas as foram desenvolvidos em sua totalidade. Um
informações no portal da transparência os exemplo são os casos das sinalizações para o
arranjos institucionais em quase todas as Estádio que deveriam ser uma constante na
ações estão bem definidos, porém isso não RMR, porém não há essa referência,
significou um bom desenvolvimento das indicando que houve ineficiência no uso,
políticas públicas na área do turismo, visto gestão e aplicação dos recursos nessa ação
que boa parte das ações não foram de política pública na área do turismo.
concluídas, algumas já possuem
Essa uma constância para todos os temas
determinadas implementações, porém
dos empreendimentos para a Copa do
nenhuma delas na sua totalidade.
mundo. Na verdade, é preciso verificar qual o
Um ponto importante dessas identificações no motivo de tanta ineficiência entre esses
portal da transparência foi que em muitos dos
REFRÊNCIAS
[1] Aragão, C. V. de. Burocracia, eficiência e [10] Harvey, David. Condição Pós-Moderna:
modelos de gestão pública: um ensaio. Revista do uma pesquisa sobre as origens da mudança
Serviço Público – RSP, N° 3, 1997. cultural. 6 ed. São Paulo: Loyola, 1996.
[2] Barbosa, M. Prometidas para a Copa, [11] Ibge - Instituto Brasileiro De Geografia e
obras de mobilidade ficam para 2015 em PE. G1 Estatística. Regiões de influência das cidades
PE. 2014. 2007. Rio de Janeiro, 2008.
[3] Barbosa, M. Um ano após a Copa, [12] Linhares, P.T.F.; Mendes, C.C.; Lassance,
Pernambuco tem 4 obras de mobilidade A. (Org.) Federalismo à Brasileira: questões para
inacabadas. G1 PE. 2015. discussão. 1. ed. Brasília: IPEA, v. 1, p.249, 2012.
[4] Barclay, J. Predicting the costs and [13] Melo, Marcus Andre. Crise federativa,
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olympic proportions? Economic Affairs, v. 29, n. 2, Guedes. (Org.). Política e Contemporaneidade no
p. 62-66, jun. 2009. Brasil, p. 11-143, 1997.
[5] Brasil. Constituição Federal de 1988. [14] Moutinho, L. M. G. Análise do
Constituição da República Federativa do Brasil. mapeamento e das políticas para arranjos
Brasília, DF: Senado. 1988. produtivos locais no Norte, Nordeste e Mato Grosso
e dos impactos dos grandes projetos federais no
[6] Domingues, E. P.; Betarelli JUNIOR, A. A.;
Nordeste. 2010.
Magalhaes, A. S. Quanto Vale o Show? Impactos
Econômicos dos Investimentos da Copa do Mundo [15] North. D.I. The Journal of Economic
2014 no Brasil. Estudos Econômicos (USP. Perspectives, Vol. 5, No 1.(Winter, 1991), p. 97-112,
Impresso), v. 41, p. 409-439, 2011. 1991.
[7] Fiori, José Luís. O poder global e a nova [16] Pires Advogados e Consultores (2012).
geopolítica das nações. São Paulo: Boitempo, Relatório de Impacto Ambiental – RIMA: Projeto
2007. Cidade da Copa. 2012. Disponível em:
http://www.cprh.pe.gov.br/downloads/RIMA-
[8] Fudação Getúlio Vargas. Elaboração de
cidade-da-copa.pdf. Acessado em: 20/03/2016.
estudos que promovam aprimoramentos do
programa estadual de parcerias público-privadas, [17] Sportv. TCE: Arena Pernambuco custou
a partir do caso da concessão administrativa para R$ 90 mi a menos que dito por empreiteira. SporTV.
exploração para a arena multiuso da Copa de Rio de Janeiro. 2016.
2014. 2015.
[18] The Economist. The Pernambuco model.
[9] Gomide, A.A.; PIRES, R.R.C. (Org.). Disponível em:
Capacidades estatais e democracia: arranjos <http://www.economist.com/news/americas/215652
institucionais de Políticas públicas. 1. ed. Brasília: 27-eduardo-campos-both-modern-manager-and-
IPEA, v. 1, p.385, 2014. old-fashioned-political-boss-his-success>. Acesso
em 30 out. 2012.
Capítulo 7
No caso brasileiro, a idéia de “imaginação” é diante irá fazer-se passo lento de sorte que só
central como ferramenta explicativa da em meados do século pode dizer-se
construção ideológica e material da nação no consumado” (Holanda, 1962, p. 16).
que diz respeito, sobretudo, às concepções
A despeito dos movimentos separatistas e
de patriotismo e ao estabelecimento das
revolucionários no Império, foi notória a união
fronteiras do Império. Parece-nos que tal idéia
dos interesses dos senhores de terras e da
confirma, por exemplo, a expressão
economia ao poder central e, para a
“comunidade imaginada” de Anderson (1989).
compreensão deste fato, vale registrar o
No que concerne à fundação imaginária e argumento trazido por Mattos (1994). O autor
simbólica da nacionalidade brasileira se concentra no período de meados da
lembremos de Marilena Chauí quando nos década de 1830 até o início da década de
fala que “para realizar tal tarefa, o poder 1860 e postula um bloco de fazendeiros de
político precisa construir um semióforo café recentemente enriquecidos, da região do
fundamental, aquele que será o lugar e o Rio de Janeiro, liderados por um pequeno
guardião dos semióforos públicos. Esse grupo de políticos/estadistas ativos, ou saídos
semióforo-matriz é a nação” (Chauí, 2000, p. daquele bloco ou ligados a ele por laços de
14). Neste sentido, ressaltamos que o poder casamento, esforçando-se com sucesso para
político utiliza a ideia de nação para produzir absorver líderes de outras regiões, formando
uma unidade pretendida, inclusive, para a uma classe única. Esta classe se definia por
sociedade a ser integrada por valores que sua oposição a outras classes, especialmente
emanariam, por exemplo, da escola, do aos escravos, mas também à plebe urbana
patrimônio histórico e geográfico e artístico a rude e inquieta. Para ele, essa classe
ser construído a exemplo dos monumentos senhorial abraçou uma ideologia da ordem
celebratórios previamente pensados. desenvolvida e defendida por advogados,
juízes, jornalistas, professores, médicos,
Antes de qualquer coisa, semióforo é imagem
empresários, políticos e burocratas, isto é, os
e representação e, como fica evidente nas
“intelectuais orgânicos” (conceito trazido por
palavras da autora, o poder político aparece
Gramsci). Através do próprio processo de
como agente principal na sua produção e
formação de uma classe poderosa que
reprodução. A questão dos mitos neste
dominava todo o Brasil, prossegue o autor,
processo também merece ser observada e,
emergiu um forte Estado centralizado. Mattos
neste sentido, devemos pensar a construção
entende esse Estado não como um simples
da nação brasileira como um processo de
aparato coercitivo, mas como um instrumento
escolha de narrativas e de mitos a serem
de orientação intelectual e moral. Por meio
contadas como organizadores da nossa
dele, a classe senhorial construiu sua própria
história.
unidade e expandiu seu poder, tanto
Destas considerações, constatamos o papel horizontalmente, por todo o território brasileiro,
central do Estado na construção da narrativa quanto verticalmente sobre maiores
da nação brasileira e, assim, confirmamos a segmentos da população livre, não impondo a
assertiva de Hobsbwm (1990) na qual “as submissão, mas incorporando esses grupos à
nações não fazem Estados e nacionalismo, “civilização”. Assim, através da aceitação de
mas o contrário”. A esse respeito, Graham um Estado centralizado foi a premissa para a
(1997), ao observar em parte de seu livro a formação de uma nação. Interesses materiais
questão dos Estados-nacionais no contexto e econômicos forjaram um Estado
da América Latina, reafirma que “a nação não centralizado e a unidade nacional pretendida
teria existido sem o Estado, que o moldou no discurso imperial.
através dos séculos XIX e XX” e ainda repete
Seguindo Moraes (2005), lembremos que, nos
que o mesmo ocorreu no subcontinente como
países de formação colonial, a dimensão
um todo.
espacial adquire considerável importância na
Sobre a centralização no Brasil promovida explicação de suas dinâmicas históricas, pois
pelo Estado, Barman (1988) declara que a a colonização é um processo em si que
unidade nacional foi, em grande parte, criada relaciona sociedade e espaço. A partir desta
por um governo central e Sérgio Buarque de lembrança e das mudanças anunciadas e
Holanda destaca que “a unidade nacional (...) discutidas até aqui, destacamos que a
estará ao ponto de esfacelar-se nos dias que questão da unidade territorial, necessidade
imediatamente antecedem e sucedem à da nação como “semióforo”, sugere que
proclamação da Independência. Daí por argumentos de índole geográfica possibilitam
colonial, em comarcas, unidades de controle indicados por lista elaborada pelas Câmaras
jurídico, e em distritos, para fins eleitorais. Municipais, mas seriam diretamente
nomeados pelo Imperador ou pelos
De tradição colonial no Brasil, as freguesias
presidentes de província para cargos agora
passaram a se configurar como uma unidade
com tempo indeterminado. Além do mais,
elementar da partilha e da administração
cada comarca contaria agora com apenas um
pública, sendo dotada de autoridade militar e
promotor e não mais quantos fossem os seus
policial e de relativa autonomia jurídica. Cada
termos. Apenas nos casos das comarcas
uma delas, também denominada de paróquia,
mais importantes, poderia haver a nomeação
recebia o nome de um santo católico e seu
de mais de um promotor.
poder se expressava pela influência
ideológica da Igreja e, economicamente, pela Segundo o CIDE (1988), se ainda no início de
produção agrícola, pastoril e de serviços, século XIX existiam apenas as comarcas de
além do acúmulo de propriedades imobiliárias Rio de Janeiro, Ilha Grande, Paraíba Nova,
dos grandes senhores de terra localizados Cantagalo, Cabo Frio e Campos dos
sob sua jurisdição. Se no início do século XIX, Goytacases, em um total de 6, este número
já se podia falar em pelo menos 46 freguesias passou para 9 em 1835 (com o novo arranjo
instaladas na província do Rio de Janeiro, territorial, surgem novas denominações como
Chrysóstomo (2006) nos mostra que este total Resende, Vassouras, Angra dos Reis,
chegara a 81 no ano de 1849 e a 119 em Município Neutro, Niterói e Itaboraí) e para 13
1870. em 1866 (a nova configuração faz surgir
comarcas como a de São João Príncipe,
Tal expansão nos mostra a necessidade de
Magé e Estrela), denotando subdivisões
especialização das medidas de administração
sucessivas do território que, pelo crescimento
territorial e, neste sentido, é importante
em importância, deveria ser administrado de
tecermos algumas considerações sobre a Lei
forma mais próxima. Para Fridman (2005),
de Terras de 1850. Através dela, legitimava-se
“esse aumento do número de comarcas pode
a aquisição pela posse no Brasil, mas esta
ser interpretado como uma preocupação por
apenas teria validade, isolando-se do domínio
parte do Governo Provincial com a gestão
público, se levada ao Registro do Vigário, livro
política, judiciária, fiscal e militar do território
de notas da paróquia ou freguesia em que a
fluminense, isto é, com uma divisão regional
terra estava localizada. Entre outros tantos
atrelada ao surto urbano.”
aspectos importantes, cabia, portanto, ao
pároco das freguesias do Império a indicação Neste contexto, eram os municípios mais
das terras que passariam a ser consideradas importantes que funcionariam como “cabeça
privadas e aquelas chamadas de devolutas de comarca” e teriam sua influência mais uma
ou do patrimônio das províncias, vindo daí o vez confirmada sobre determinadas regiões
caráter obrigatório do registro e a importância da província. E o processo de criação de
administrativa das freguesias. novas comarcas e elevação do status de
determinados núcleos urbanos seguia a ponto
Quanto às comarcas, é sabido que foram
de Chrysóstomo (2006) indicar que, em 1885,
instituídas pelo Código de Processo Criminal
já eram 25 as comarcas instaladas na
de 16 de dezembro de 1832, que extinguiu os
província. Delas, além da Corte, destacavam-
Juízes Ordinários e estabeleceu a seguinte
se, sem dúvida alguma, a de Campos dos
estrutura para cada uma delas: um Juiz
Goytacazes e a de Vassouras.
Municipal, um Promotor Público, um Conselho
de Jurados, um Escrivão das Execuções e Tecidas estas considerações até aqui, é
demais oficiais. Como expressão de força das importante observarmos que municípios
elites ao redor do Imperador, é importante realmente se destacavam neste território em
observarmos que, para o caso do Ministério expansão (visto que assumiriam funções de
Público, uma lista tríplice deveria ser primazia na rede urbana que se estruturava,
apresentada pelas Câmaras Municipais para refletindo, segundo nossa análise, a forma
que os promotores fossem nomeados por um através da qual o Império organizava
período de três anos pelo governo na Corte e administrativamente a Nação). Também se faz
pelos presidentes de província. necessária a análise do processo de
ocupação das terras do interior fluminense
Tal decisão passou a ser ainda mais
desde o seu início, durante o século XVIII,
centralizada através da reforma do Código de
quando da atividade mineradora no interior da
Processo Criminal de 03 de dezembro de
Colônia.
1841, quando os promotores não seriam mais
Capítulo 8
Portanto, diante desta problemática maior, 90% dos municípios brasileiros com mais de
faz-se a ressalva desde já dos limites de 20 mil habitantes já possuem um plano diretor
instrumentos como o Plano Diretor (e por (bem como a totalidade dos municípios com
extensão outras tipificações de planejamento mais de 100 mil habitantes)34 e ainda assim
cada vez mais prolíferas, como plano nossas problemáticas urbanas permanecem
estratégico, plano diretor estratégico e plano em grande parte, sejam elas antigas ou
sustentável). Ao analisarmos a questão atuais, o que denota a necessidade não de
segundo um olhar contemporâneo e em ignorar o instrumento, mas aproveitá-lo,
perspectiva histórica, fica claro que o criticá-lo construtivamente, construí-lo de
planejamento, ou a tarefa de urbanistas, forma participativa e ir além dele.
geógrafos, arquitetos, entre tantos outros
profissionais e técnicos, não dão conta
isoladamente da produção de uma cidade 3 A REFORMA DO APARELHO ESTATAL E
equilibrada, sobretudo em cidades OS FUNDAMENTOS DO PLANEJAMENTO
vulneráveis como Salvador ou Rio de Janeiro, ESTRATÉGICO (E SEUS DERIVADOS)
cujas recentes OUCs analisaremos mais
Esta nova etapa de imbricamento entre o
adiante neste trabalho.
poder público e o setor privado a que
Aparentemente estamos diante de mais um queremos abordar tem raízes na
“urbanismo em fim de linha” (ARANTES, desconfiança acerca da eficiência do Estado
1998), não mais sobre as decepções em frente às mudanças de paradigmas, à
relação às promessas modernistas; agora globalização e aos limites de certos modelos
temos de lidar com um fim de linha pós- de gestão, administração e planejamento nas
moderno, globalizado e cada vez mais sujeito últimas décadas do século XX, de modo que
às vicissitudes do mercado financeiro e dos é importante revisitar seus fundamentos
interesses imobiliários, pior, sob a constante gerais. Neste “vácuo” propiciado pelo
sombra da crise econômica e da necessidade esfacelamento de antigos princípios, o
de superá-la a qualquer custo. Mesmo assim discurso de promoção do Planejamento
é comum a confiança um tanto ingênua de Estratégico ganha força, garantindo
que o PDDU sozinho seja resposta para tal. crescimento e certo protagonismo da visão
Assim, ainda é válida a fala de Heliodório empresarial de gestão urbana.
Sampaio quando afirmou
Internacionalmente, a execução e a gestão
[...] o conceito do Plano Diretor vem sendo dos planos urbanos nos países
ampliado e repassado para o grande público desenvolvidos/ricos centrais eram
- incluindo-se aí alguns neófitos do predominantemente realizadas pelos Estados
planejamento urbano -, como um instrumento até a década de 1970, ou seja, o predomínio
de gestão tão poderoso que não reconhece do modelo econômico fordista entre as
os limites estruturais, ou conjunturais no afã décadas de 1940 e 1970 garantiu o chamado
de promover o tal desenvolvimento urbano, Welfare State, ou Estado do Bem-Estar social.
agora dito sustentável” (SAMPAIO, 2010, p. No entanto, com a crise do petróleo na
34). década de 1970 (pondo em “cheque” o estilo
de vida nos subúrbios, muito dependente dos
Como foi visto, a cidade e o urbano são
carros), as cidades e metrópoles viram o fluxo
construídos segundo arranjos de interesses e
de verbas nacionais ou federais praticamente
oportunidades criadas; não parte
cessarem, e por consequência a matriz
simplesmente do poder estatal ou de
modernista/funcionalista, levando a um
legislação específica sua definição concreta.
colapso do planejamento urbano estatal
Mais ainda, as experiências recentes
(CHESNAIS, 1995; ARANTES; VAINER;
comprovam possibilidades de flexibilizações
MARICATO, 2000). Diante deste quadro,
e exceções legais para atender interesses
vários países iniciaram programas de reforma
particulares locais, internacionais, políticos e
do Estado, tais como o National Performance
empresariais, como no caso dos
Review, nos EUA (1993) e o Programa de
megaeventos esportivos (BAPTISTA, 2014),
Reforma do Aparelho do Estado (1995), no
bem como interpretações várias de um
mesmo instrumento e sua função social, a 34
exemplo do próprio PDDU e de instrumentos No Brasil, segundo dados de 2015, já contavam
com um plano diretor 89,2% dos municípios com
como Transcon (SAMPAIO, 2010) ou as
mais de 20 mil habitantes, sendo que todos os
OUCs. Aproximando-se da meta definida pelo municípios com mais de 100 mil habitantes já
Estatuto da Cidade (2001), atualmente quase haviam sido contemplados (TODOS, 2016).
tem a premissa de levar a eficiência do setor construção civil acharam nesta postura um
privado para a administração pública, com nicho de mercado e uma parceria bastante
empresários de diversos setores no Brasil duradoura.
atuando como “mentores” no
empreendedorismo urbano de cidades como
Campinas (SP), Curitiba (PR), Teresina (PI), 4 A ODEBRECHT NO JOGO POLÍTICO: DA
entre outras. Ou seja, consultores DITADURA MILITAR ÀS DOAÇÕES
internacionais, lideranças locais carismáticas ELEITORAIS - A CONSOLIDAÇÃO DO
e alinhadas com o “empreendedorismo FISIOLOGISMO DE ESTADO.
urbano” e com o empresariado continuam na
Das recentes experiências com os
moda, reforçando a ideia de que a atuação
megaeventos esportivos em casos
do Estado e as questões político-ideológicas
extremamente desbalanceados de PPPs42 aos
pertinentes à produção do espaço urbano
escândalos de corrupção que por fim levaram
possam ser reduzidas a soluções técnicas de
grandes empreiteiras à posição de réus da
expertise empresarial.
Operação Lava Jato43 - metade das arenas da
Ainda sobre o empreendedorismo urbano, é Copa 2014 estão suspeitas de irregularidades
possível perceber este discurso desde as (METADE, 2017), como favorecimentos
teorias de Administração da década de indevidos, bem como o fisiologismo flagrante
198040, ou seja, o planejamento estratégico levou à cadeia funcionários, executivos,
urbano (conhecido pela influência da Harvard empresários como Marcelo Odebrecht e
Business School) é uma entre tantas outras mesmo o ex-governador Sergio Cabral44-, o
expressões deste “pensamento único” Brasil começa a perceber a dimensão de uma
(ARANTES, VAINER, MARICATO, 2000) máquina que atravessou mandatos e as
voltado ao mercado e firmado em relações diversas instâncias de governo. A parceria de
estabelecidas entre o Estado e um suposto grandes empreiteiras como a Odebrecht com
cidadão-cliente41. Controverso, tais princípios o Estado revelava-se extremamente lucrativa
no Brasil deram margem, por exemplo, às à particulares, porém às custas da sociedade.
constantes denúncias de “cartas marcadas” Sobre as empreiteiras, a página da operação
em licitações e o apoio financeiro das Lava Jato explica que as empreiteiras se
grandes empresas às campanhas políticas. cartelizaram em um “clube” para substituir
Este tipo de relação implica em questões uma concorrência real por uma concorrência
práticas na malha urbana, direcionando aparente. Os preços oferecidos à Petrobras
políticas públicas cada vez mais difundidas (bem como em várias outras licitações) eram
nas grandes cidades e pautada em interesses calculados e ajustados em reuniões secretas
particulares, especialmente do mercado nas quais se definia quem ganharia o contrato
imobiliário, que se beneficia no planejamento e qual seria o preço, inflado em benefício
local das “fatias de cidade”, em detrimento do privado e em prejuízo dos cofres da estatal45.
enfoque na totalidade dinâmica característico
do ideal dos Planos Diretores (SAMPAIO.
2010). As grandes empresas locais e
nacionais, em especial ligadas ao mercado 42
Na Copa 2014, a conta final divulgada pelo
financeiro, ao capital imobiliário e à Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 –
GECOPA chega a quase R$ 26 bilhões, com
apenas 14% do capital privado (BAPTISTA, 2014).
43
que em 2009 a Cosan foi incluída na “lista-suja” do A operação Lava Jato é a maior investigação de
trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho, corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já
tornando questionável os critérios desta iniciativa. teve. Inicialmente investigando os escândalos de
40
Neste âmbito, um dos livros mais importantes da corrupção envolvendo a maior estatal brasileira, a
década de 1980 é Reinventando o Governo: Como Petrobras, atualmente a operação chegou a outras
o Espírito Empreendedor está Transformando o frentes criminosas.
44
Setor Público, de Osborne e Gaebler (1992). Envolvido em um esquema de propinas para
41
Na gestão pública gerencial o cidadão é tratado fechar contratos públicos com prejuízo estimado
como se fosse um cliente, tal como o fazem as ao erário em mais de R$ 220 milhões. Entre as
empresas do setor privado, ou seja, o cliente tem o acusações está em favorecer que a construtora
direito de participar e sua avaliação é importante Andrade Gutierrez se associasse à Odebrecht e à
na definição dos critérios de qualidade da gestão. Delta, no consórcio que disputaria a reforma do
Na prática este princípio parece também englobar Maracanã, em 2009.
45
nessa “clientela” as grandes empresas, estas, no Página da Lava Jato, disponível em:
entanto, com muito mais penetrabilidade na gestão <http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso>,
pública. acesso: 17 jun. 2016.
Figura 01- Doações realizadas pelas “Quatro Irmãs” a partidos políticos do Brasil, entre 2002 e 2012.
Quanto à Odebrecht, uma das “irmãs”, Acesso à Informação Pública (Lei Nº 12.527,
responsáveis pelo consórcio OAS/Odebrecht de novembro de 2011), destaca ainda que,
da Arena Fonte Nova, bem como pela reforma além dos contratos de obras públicas, estas
do Maracanã, pela PPP e OUC do Porto empresas são beneficiadas pelo poder
Maravilha (por meio do Consórcio Porto Novo, público através do BNDES, de modo que
junto à OAS e à Carioca Engenharia), entre entre 2004 e 2013 o banco realizou 1665
outras participações, a empresa teria doado transferências para as “quatro irmãs”, sendo
no período citado R$ 12,1 milhões ao PSDB, as maiores beneficiadas a Odebrecht e a
R$ 10,5 milhões ao PMDB e R$ 10 milhões ao Andrade Gutierrez.
PT (figura 02). A pesquisa, utilizando a Lei de
Figura 02- Doações do grupo Odebrecht, por partido, entre 2002 e 2012.
46
O valor das contraprestações anuais (mais de R$
107 milhões ao ano, durante 15 anos), somado ao global para mais de R$ 2,1 bilhões (BAPTISTA,
custo da obra de R$ 689 milhões eleva o custo 2014).
MAPA 01- A enorme poligonal (5,5 milhões de m²) da Operação Urbana Consorciada que coincide
com Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) da Região Portuária do Rio de Janeiro.
empresa sejam incertas, sobretudo pela bairros e 387.964 pessoas (segundo o censo
instabilidade provocada pela Lava Jato, a do IBGE de 2010), de modo que, ainda que
coincidência entre as áreas previamente sob a coordenação do poder municipal, a
estudadas pela Odebrecht e as poligonais de empresa privada que assumir o planejamento,
OUCs (Chamadas de OUC Centro gestão e definição das prioridades e
Histórico/Tororó, OUC Ribeira e OUC Orla interesses de investimento em cada uma
Atlântica.) apresentadas no novo PDDU de destas áreas terá para si grande poder sobre
2016 (figura 04) deixa claro que a empresa foi a transformação e os rumos do espaço
vital na definição destes espaços – mesmo urbano. Assim sendo, enquanto o decreto nº
que este fato não tenha sido externalizado 23.935 previa que os estudos da Odebrecht
pela Prefeitura em nenhum momento. As três Properties poderiam ser ressarcidos em até
OUCs somam a extensa área de 3.909 R$ 12 milhões, o mais provável é que a
hectares (ou seja, 39 milhões de metros empresa fosse buscar, após acolhimento das
quadrados, dimensão muito superior à da propostas, executar as ações das OUCs, tal
OUC do Porto Maravilha), abarcando 45 como fez no Porto Maravilha.
Mapa 02 - As OUC apresentadas no PDDU de Salvador, de 2016. Em destaque a OUC Centro Histórico/Tororó
(em amarelo), a OUC Orla Atlântica (em verde) e a OUC Ribeira (em magenta).
[16] Metade dos estádios da Copa tem Prefeitura Municipal de Salvador, 2016. Disponível
suspeitas de irregularidades, segundo delações da em: < http://www.sucom.ba.gov.br/wp-
Odebrecht. Globo.com, 15 abr. 2017. Disponível content/uploads/2016/07/LEI-n.-9.069-PDDU-
em: <http://g1.globo.com/politica/operacao-lava- 2016.pdf>. Acesso: 28 abr. 2017.
jato/noticia/metade-dos-estadios-da-copa-tem-
[22] Sampaio, A. H. L. 10 necessárias falas:
suspeitas-de-irregularidades-segundo-delacoes-
cidade, arquitetura e urbanismo. Salvador:
da-odebrecht.ghtml>, acesso: 16 jun. 2017.
EDUFBA, 2010.
[17] Oliveira, N. G. O Poder dos Jogos e os
[23] Santos, M. Ensaios sobre a Urbanização
Jogos de Poder: os interesses em campo na
Latino-americana. São Paulo: Edusp, 2010. 200p.
produção de uma cidade para o espetáculo
esportivo. Tese (Doutorado em Planejamento [24] Todos os municípios com mais de 100 mil
Urbano e Regional) -Universidade Federal do Rio habitantes possuem Plano Diretor. Portal
de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Federativo, 28 abr. 2016. Disponível em:
Urbano e Regional, 2012. <http://www.portalfederativo.gov.br/noticias/
destaques/todos-os-municipios-com-mais-de-100-
[18] Osborne, D. & Gaebler, T. Reinventando o
mil-habitantes-possuem-plano-diretor>. Acesso: 15
Governo: Como o Espírito Empreendedor está
jun. 2017.
transformando o Setor Público. Brasília, DF: Editora
MH Comunicação, 1992 [25] Topalov, C. La urbanización capitalista:
algunos elementos para su analisis. México: Edicol,
[19] Pereira, L. C. B. Uma reforma gerencial da
1979.
Administração Pública no Brasil. RSP, ano 49, n. 1,
1998, p. 5-42. [26] Vainer, C. Pátria, empresa e mercadoria:
Disponível:<https://revista.enap.gov.br/index.php/R notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento
SP/article/ view/360>. Acesso: 28 abr. 2014. Estratégico Urbano. In: ARANTES, O.; VAINER, C.;
MARICATO, E. A cidade do pensamento único:
[20] Piquet, R. Cidade-empresa: presença na
desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes,
paisagem urbana brasileira. Rio de Janeiro: Jorge
2000, p. 75-103.
Zahar Editor, 1998. 166p.
[27] Vainer, C. Cidade de exceção: reflexões a
[21] Salvador, Prefeitura Municipal de. Lei nº
partir do Rio de Janeiro. Apresentação Mesa
9.069 /2016. Dispõe sobre o Plano Diretor de
Redonda “Política Urbana / Planejamento territorial”.
Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador
Anais XIV Enanpur – Rio de Janeiro, maio de 2011.
– PDDU 2016 e dá outras providências. Salvador:
Capítulo 9
Resumo: Os portos secos são recintos alfandegados de uso público, que são
importantes para a economia nacional, regional e local uma vez que podem ser
indutores de áreas pouco dinâmicas, cuja importância atual pode ser indicada por
existirem 63 unidades nas 5 macrorregiões brasileiras, sendo que se utiliza como
referências empíricas os portos de Anápolis (GO) e Porto Franco (MA) tendo com
objetivo geral analisar e comparar o impacto desses equipamentos. Para tanto,
procedeu-se: pesquisa bibliográfica, cartográfica e documental; interpretação
visual de documentos cartográficos selecionados; participação em eventos técnico
e científicos; análise, seleção, tabulação e interpretação dos dados e informações
obtidos. Os resultados revelam que os portos secos de Anápolis e o de Porto
Franco concorreram para o incremento econômico desses municípios e da região
em que estão inseridos. Conclui-se que ambos tenderão a crescer à medida que se
ampliarem as demandas do MATOPIBA e políticas públicas forem efetivadas como
indutoras de todo o processo.
cidades de Anápolis e Porto Franco a partir Entre os objetivos dos recintos alfandegários,
da instalação de seus portos secos; além de aliviar o fluxo de mercadorias
existente na zona primária, destaca-se o de
3) Interpretação visual dos documentos
encorajar o comércio internacional através da
cartográficos selecionados;
flexibilização das regras de importação e
4) Participação em eventos técnicos e exportação. A utilização de recinto
científicos em que a temática portuária foi alfandegado por uma empresa permite que a
debatida, a exemplo do Encontro sobre a mesma faça importação de mercadoria e
“Cadeia Produtiva do Estado do Maranhão e deixe-a armazenada lá, por um determinado
sua Integração com o Corredor Centro Norte”; período de tempo, com suspensão temporária
de tributos. Segundo Louzada (2005), um
5) Análise, seleção, tabulação e intepretação
exemplo para a utilização de recintos
das informações e dados obtidos conforme as
alfandegados nas zonas secundárias é o
técnicas anteriores.
descongestionamento de portos e aeroportos,
pois estes seriam, em termos de concepção
da sua utilização, lugares apenas de
3 PORTO SECO
passagem das mercadorias. Assim, a
Primeiramente conhecidos como Estação instituição e operação de recintos
Aduaneira Interior (EADI), os Portos Secos alfandegados representará a criação de
tiveram início na década de 1970, pelo então novos postos de trabalho.
Ministro Antônio Delfim Netto, e foram
Os Portos Secos devem dispor de boa
concebidos para serem terminais
infraestrutura para atraírem as empresas que
alfandegados de uso público, localizando-se
trabalham com importação e exportação,
em zonas secundárias, com o objetivo de
oferecendo diversos tipos de serviços:
aliviar o fluxo de mercadorias existente nas
zonas primárias. Antes deles, existiam apenas [...] como o de desembaraço aduaneiro;
os Terminais Retroportuários Alfandegados desova; serviços comuns como a estadia de
(TRA), os quais eram cognominados de veículos e unidades de carga, pesagem,
portos secos com calado e tinham a limpeza; consolidação e desconsolidação
finalidade de superar o afogamento dos documental; serviços exclusivos como a
portos perante a maré de importações etiquetagem e marcação de produtos, testes
(LOUZADA, 2005). de funcionamento, acondicionamento e
reacondicionamento e montagem e
De acordo com o Regulamento Aduaneiro
beneficiamento do bem; entrepostagem;
Brasileiro, que determina as regras
movimentação de contêineres e de
específicas para a administração,
mercadorias em geral; manutenção ou reparo
fiscalização, controle e tributação das
de aeronaves ou embarcações; entre outros.
atividades aduaneiras quanto às operações
(LOUZADA, 2005, p. 36-37).
de comércio exterior, os portos secos são
recintos alfandegados de uso público nos Portanto, os Portos Secos assumem papel de
quais são executadas operações de operadores logísticos na cadeia de
movimentação, armazenagem e despacho suprimentos, assemelhando-se a uma
aduaneiro de mercadorias e de bagagem sob empresa prestadora de serviços de logística,
controle aduaneiro (BRASIL, 2003, artigo 11). haja vista que é responsável pelo controle de
estoques, armazenagem e gestão de
Convém sobressair, que recintos
transportes que inter-relaciona um conjunto
alfandegários são entendidos como aqueles:
de organizações, criando valor na forma de
[...] localizados em determinadas regiões produtos e serviços, desde os fornecedores
dentro do país, mas que, para efeitos de de matéria prima até o consumidor final
alfândega, são considerados como “fora do (ABML, 1999). Isso implica que os portos
país”. São áreas fisicamente segregadas e secos são importantes para qualquer país
seladas onde sua operação é aprovada via que quer se desenvolver e dispor de
especificação do governo federal. São alternativas para tal, conforme ressaltado por
espaços físicos sob controle alfandegário. Araújo (2011). Tal fato é corroborado por
Existem recintos alfandegados tanto nas FIESP (2018) que revela que no Brasil existem
zonas primárias quanto nas zonas 63 portos secos nas 5 macrorregiões, sendo
secundárias. (LOUZADA, 2005, p. 27). que 35 unidades localizam-se em 14 estados,
uma está no Distrito Federal e 27 ficam em
São Paulo.
O município de Anápolis possuía, segundo incentivos fiscais, para atrair indústrias para o
estimativa do IBGE em 2018, 381.970 território goiano. Assim, impulsionou-se a
habitantes e uma extensão territorial de instalação de empresas nesse estado, através
933,156 km²; em 2014, seu Produto Interno da concessão de crédito de ICMS. Com isso,
Bruto era de mais de R$ 12,5 bilhões, que devido à sua localização estratégica, que
correspondiam a 7,2% do PIB do estado de facilitaria o escoamento dos produtos, a
Goiás, ficando atrás apenas de Goiânia que cidade de Anápolis foi escolhida por algumas
concentrava pouco mais de 27% do PIB empresas visando à implantação de
estadual, enquanto o PIB per capita era de indústrias de diferentes ramos. Logo, a partir
R$ 35.127,00 (IBGE, 2016). de 1990 a política industrial goiana obteve
melhores resultados, revelando um relativo
O citado município, portanto, tem contribuído
sucesso do mencionado programa e o
para a crescente economia goiana,
crescimento do DAIA.
principalmente a partir dos anos 1970 com a
implantação do Distrito Agroindustrial de Sobre os fatores que contribuíram para a
Anápolis (DAIA). Este é resultado de políticas ampliação e o desenvolvimento do referido
nacionais de desenvolvimento durante o DAIA, sobressaem-se:
período do regime militar (1964-1985),
[...] os incentivos fiscais fornecidos através
reestruturando o espaço urbano e levando ao
dos fundos de fomento estadual, como o
fim boa parte das indústrias localizadas
Fundo de Participação e Fomento à
próximas à vila fabril (BERNARDES, 2011).
Industrialização do Estado de Goiás
Embora o DAIA tenha oferecido melhores
(FOMENTAR), instituido pela Lei Estadual nº.
condições para que novas empresas se
9.489 de 19 de julho de 1984, depois, pelo
instalassem em Anápolis, esse não foi o único
Programa de Desenvolvimento Industrial do
fator que atraiu as novas indústrias. A partir
Estado de Goiás (PRODUZIR), Lei Estadual
dos anos 1980, com uma crise fiscal instalada
nº. 13.591 de 18 de janeiro de 2000; dos
no Brasil, a política de desenvolvimento
recursos disponibilizados pelo governo
industrial, que antes era feita pelo governo
federal através do Fundo Constitucional para
federal, passou a ser elaborada pelos estados
o Centro-Oeste (FCO), regulamentado pela
(PASCHOAL, 2012). Dessa forma, efetivou-se
Lei Federal nº 7.827 de 27 de setembro de
o programa Fundo de Participação e Fomento
1989; além da inserção por tempo variável
à Industrialização do Estado de Goiás
(FOMENTAR), em 1984, como política de
dos tributos municipais. (DIAS, 2011, p. 76- Goiânia, que o PIB cresceu continuamente.
77). Porém, quando se trata da cidade de
Anápolis, foco da comparação com o
Visando ao fortalecimento do setor industrial
município maranhense de Porto Franco, o PIB
de Anápolis, foi instalado na década de 1990
entre os anos de 1970 e 1980 registra
o Porto Seco Centro-Oeste – Estação
incremento de 190%, passando de R$ 737
Aduaneira de Interior – (EADI), importante
milhões, em 1970, para R$ 2,1 bilhões, em
infraestrutura logística. Surgiu, em 2000, o
1980; já no período entre 1980 e 1985 a
programa PRODUZIR, sucessor do
ampliação do PIB foi de apenas 10%. Em
FOMENTAR, almejando melhores incentivos
relação ao período entre 1985 e 1996 há um
para a instalação de novas empresas.
decréscimo do valor do PIB de
Durante essa década e no início da segunda
aproximadamente 18%, passando de R$ 2,3
do século XXI, desenvolveu-se o projeto e a
bilhões em 1985 para R$ 1,9 bilhão em 1996
construção da Plataforma Logística
(Tabela 1). Assim, nota-se que ao instituir o
Multimodal de Goiás (PLMG), com a intenção
programa FOMENTAR, em 1984, o governo
de ser mais um atrativo e uma relevante
de Goiás já previa uma queda do valor do
infraestrutura para o escoamento de cargas
PIB, que só voltou a crescer no final da
produzidas nesse estado, articulando-se
década de 1990 e início de 2000, quando
também ao Porto Seco (RODRIGUES, 2004).
chegou a R$ 3,5 bilhões, o correspondente a
Assim, se nos primeiros anos de 79% a mais que 1996. A partir dos anos 2000,
funcionamento, final da década de 1970 e com a instalação do Porto Seco Centro-Oeste
inicio de 1980, o DAIA contava apenas com e com o novo programa de incentivo fiscal, o
14 empresas, em 2008 o mesmo possuía 110 PRODUZIR (substituto do FOMENTAR), o PIB
unidades ativas, implicando em um acréscimo de Anápolis registrou incremento de forma
de mais de 785% (DIAS, 2011). Tais contínua e isso decorreu da instalação do
empresas distribuiem-se em segmentos como Distrito Agroindustrial de Anápolis; assim, de
indústrias químicas e farmacêuticas, de 2000 a 2010 o PIB ampliou aproximadamente
fertilizante e de adubo, de gêneros 150%, passando de R$ 3,5 bilhões em 2000
alimentícios e laticínios, do setor metalúrgico, para R$ 8,9 bilhões em 2010. E, mais
além de empresas especializadas em recentemente, em 2014, o PIB municipal de
distribuição e logística, entre outras. Anápolis alcançou R$ 12,7 bilhões, o que
representa 40% em relação a 2010.
Ao analisar o Produto Interno Bruto do eixo
Goiânia-Anápolis-Brasília, entre os anos de
1970 e 2014, percebe-se, em Brasília e em
Na Tabela 2 observa-se a importância dos desse total, 62,6% dos empregados recebiam
programas de incentivos fiscais do estado de menos de dois salários mínimos e a média
Goiás para a geração de empregos. Dentre salarial era de R$ 1.415,57. Verifica-se,
os vários programas de incentivos fiscais, também, que o número de empregados com
dois são principais, ou seja, o PRODUZIR e o nível superior é de apenas 7,7%, o que
FOMENTAR. Juntos, esses programas de mostra uma baixa qualificação profissional
incentivos fiscais geraram, até 2012, mais de dos trabalhadores, interferindo diretamente na
108 mil empregos diretos no território goiano; média salarial citada anteriormente.
Com efeito, ao analisar o PIB nos anos 2000 e 177 milhões para R$ 1,66 bilhão” (PEREIRA;
2013, constata-se que “houve crescimento de PORCIONATO; CASTRO, 2018, p. 49), o que
542% no PIB do Matopiba, com destaque estava acima da média desse espaço
para algumas microrregiões, como [...] Porto geográfico.
Franco (Maranhão), com 832%, saindo de R$
7 O PORTO SECO EM PORTO FRANCO – MA [...] 200 milhões de reais, com unidade que
possui modernos equipamentos numa área
A cidade de Porto Franco se localiza no meio
de 200.000 m² e capacidade para armazenar
do caminho entre o MATOPIBA e o Porto do
120 mil toneladas de soja e esmagar 500 mil
Itaqui, em São Luís, que é o porto brasileiro
toneladas de grão. Prevendo-se através deste
mais próximo do Hemisfério Norte. Cidade
investimento a instalação de uma indústria de
privilegiada, por ser cortada pelas BRs 010 e
refinamento de envase de óleo de soja, com
226 e pela ferrovia Norte-Sul, que, via Estrada
investimentos na casa dos 77 milhões de
de Ferro Carajás, a interliga ao citado
reais. O projeto conta com matéria-prima
equipamento portuário organizado (OLIVEIRA;
advinda de plantios de soja na microrregião
FERREIRA, 2017).
de gerais de Balsas e Porto Franco. Hoje a
Tendo em vista que o principal produto de Algar Agro é a segunda maior exportadora do
exportação do MATOPIBA é a soja, tem-se Maranhão. Toda a produção é transportada
que Porto Franco é um importante corredor via ferrovia Norte-Sul, que segue até o Porto
para o escoamento dessa cultura para o do Itaqui em São Luís. (ALGAR AGRO 2012
mercado internacional via Porto do Itaqui. apud DIAS FILHO, 2013, p. 133).
Assim, pela localização e pelas perspectivas,
Em entrevista concedida ao Jornal Pequeno,
a região de Porto Franco passou a atrair
em 18 de Dezembro de 2006, o então prefeito
empresas nos últimos anos, a exemplo do
do município de Porto Franco, Deoclides
grupo Algar Agro52, o qual em 2007 investiu:
Macedo (PDT), lembrou que, antes, o que
havia nessa cidade era apenas um pátio da
Ferrovia Norte-Sul, que fazia transbordo da
52
O Grupo Algar é sediado em Uberlândia, Minas soja e, a partir de 2005 e 2006, foram feitos
Gerais, e tem empresas como Instituto Algar, investimentos que resultaram na instalação da
UniAlgar (Universidade), Algar Telecom, Algar primeira processadora de soja do Maranhão.
Tech, Algar Farming, Algar Agro, Algar Mídia e Rio Depois, foi iniciada a operação de
Quente (Turismo); atua na Argentina, Chile,
esmagamento de soja, o que resultou em uma
Colômbia e Brasil; neste, efetua compra no Distrito
Federal (0,6%), e nos estados do Piauí (5%),
fábrica de ração, que teve grande impacto na
Tocantins (10%), Pará (9%), Minas Gerais (16%) e economia da região, ampliando a bacia
Maranhão (31%). Cf. FERREIRA, 2017, p.98. leiteira e impulsionando, sobretudo, as
atividades de suinocultura e avicultura nessa pois no inicio dos anos 2000, quando as
municipalidade. primeiras empresas começaram a se instalar
a economia local era baseada,
De acordo com a Valec, atualmente são cinco
principalmente, no setor de serviços. Já em
empresas que possuem contrato de
2008, quando o processo de esmagamento
arrendamento e operação no Porto Seco de
de soja entrou em operação, antes exportada
Porto Franco, a exemplo da Cargill (2000),
toda in natura, o setor industrial passou a
Ceval (1999), ABC Inco (Algar Agro) (2005),
comandar a economia, sendo responsável
Multigrain (2002) e Ceagro (2005). Apesar de
por mais de 60% do PIB municipal. Isso, em
ter sido a última a se instalar na cidade em
função dos citados grandes investimentos
destaque, a Algar Agro foi a empresa que
nesse setor econômico. Em 2014, registrou-se
mais impulsionou a economia de Porto
a redução de investimentos e forte queda em
Franco, pois as demais apenas operam
2011 a qual derivou da crise mundial de 2008
armazenagem e transbordo de soja, não
e que concorreu para o arrefecimento da
agregando valor ao produto e gerando,
exportação das commodities de soja. Com
assim, poucos empregos, e
efeito, o setor industrial voltou a crescer,
consequentemente, o efeito multiplicador para
porém lentamente. O setor de serviços, que
a cidade ainda não registra incremento
teve boa evolução desde o início dos anos
exponencial (OLIVEIRA; FERREIRA, 2017).
2000, passou novamente a ser o maior
Ao analisar a Tabela 3 percebe-se que a responsável pela economia porto-franquina,
criação do Distrito Agroindustrial teve grande correspondendo a mais de 43% da economia
importância para o crescimento econômico local em 2014, enquanto o setor industrial
da cidade e do município de Porto Franco, correspondeu a 29%.
que ela seja mais inclusiva a fim de reduzir as desigualdades sociais e espaciais.
Capítulo 10
Resumo:As Regiões Metropolitanas são uma realidade cada dia mais evidente no
território brasileiro. E para compreender a composição e gestão dessas regiões se
faz necessário analisar o contexto político e socioeconômico brasileiro e perceber
que os municípios possuem atributos e propostas de ações distintas. Assim sendo,
este trabalho parte da hipótese de que é possível se propor outro olhar para os
arranjos metropolitanos visando à governança interfederativa. Buscando em
pesquisa bibliográfica como cidades com diferentes características nas suas
realidades, participam do processo de gestão da Região Metropolitana do Vale do
Paraíba e Litoral Norte/SP. Demonstrando que o atual modelo existente acentua as
disparidades municipais, considerando assim a cooperação entre os pares um
caminho possível para uma efetiva governança interfederativa.
num mesmo território, visando o atendimento (STEINBERGER, 2013, p. 33); ou mesmo Marx
das funções públicas de interesse comum ou Weber que trazem uma visão mais política
nesse território. sobre o Estado.
Para que seja possível atingir essa
governança interfederativa, esse processo de
Marx introduz o 'Estado Classista' afirmando
gestão deve ocorrer de forma cooperativa,
que ele não é um poder criado fora da
pois cada município possui uma significação
sociedade de classes antagônicas, mas um
diferente. Ou seja, cada município de uma
produto dela que assume certa
mesma região possui realidade distinta dos
independência para garantir o interesse
demais, sendo fruto de um conjunto de
comum e mantê-la dentro dos limites da
relações sociais dadas nesses espaços,
ordem. Weber considera o Estado como
como também cada território municipal visa a
resultado do processo histórico-sociológico
uma forma distinta de se inserir no mercado
da concentração de poder de um
econômico nacional e internacional. Assim, os
agrupamento político que reivindica o
municípios possuem atributos distintos e
monopólio da coação física em um
intencionalidades de ações diferentes.
determinado território geográfico.
Ao se estudar o caso específico da Região STEINBERGER, 2013, p. 33.
Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
Assim, podemos afirmar que o Estado é fruto
Norte, ficam nítidas essas diferenças de
do contexto social no qual está inserido,
significação. Para exemplificar tais
sendo responsável por zelar pelos espaços
disparidades, foram analisados mapas e
públicos e pelos habitantes; regulamentando
dados dessa região, PIB, área urbanizada e
os espaços públicos e privados, e as ações
densidade demográfica.
dos indivíduos de um determinado território.
As Regiões Metropolitanas brasileiras partem Atualmente, somado aos conceitos iniciais, o
do pressuposto que terão governança Estado está envolto ao sistema capitalista e
interfederativa, contudo ao se analisar o mais especificamente ao momento neoliberal
contexto político brasileiro e os atuais deste sistema, desta forma o Estado se vê
instrumentos de planejamento e gestão frente a um forte agente que também atua no
metropolitanos nota-se que não são território e demanda a diminuição da ação do
considerados os diferentes atributos dos Estado, o mercado. Sob a lógica do livre
entes federados entre si e que compõem a mercado, há a solicitação pelos agentes
mesma região. O atual modelo acaba por hegemônicos da diminuição do alcance do
reafirmar e acentuar estas diferenças Estado, ou seja, que o Estado não atue tão
municipais. Desta forma, considera-se que a incisivamente e que se mantenha distante das
cooperação entre os pares, possibilitando relações sociais e econômicas dadas no
instrumentos de gestão cooperativos dos território.
entes federados díspares, seja um caminho
Contudo o sistema capitalista vivencia crises
para uma efetiva governança interfederativa.
frequentes e nestes momentos no qual a
sociedade se encontra num estado de
colapso social e, principalmente econômico, o
2.GOVERNANÇA INTERFEDERATIVA
Estado é convocado a restaurar a ordem, ou
METROPOLITANA
melhor, a estrutura mínima necessária para a
O Estado é um agente social num manutenção das atividades mercadológicas.
determinado espaço, na medida em que tem Sob este contexto o Estado tem a perspectiva
o papel de regulador das atividades dos de ações por meio de políticas públicas, que
demais agentes que atuam no território. A podem gerar ora a manutenção e
definição de Estado pode ser dada por um (re)produção das condições do sistema
conjunto de pensadores, como Platão, que neoliberal, ora a estruturação, dentro da
“ao propor um modelo de 'Estado Ideal', democracia representativa e participativa, de
separa o público do privado para dizer que o políticas redistributivas.
Estado é o único responsável por zelar pelo
Nesse contexto encontra-se o Estado
público” (STEINBERGER, 2013, p. 33); e
Brasileiro que, até 2014, demonstrava a
Espinoza que “trata o Estado como instância
busca pela valorização cultural e a afirmação
de poder reguladora das individualidades e
de um estado democrático com políticas
voltada para a coletividade dos homens que
redistributivas, mesmo inserido num momento
residem em um mesmo território”
de globalização neoliberal, de foco ao
tempo, a cada distrito, a cada bairro, a cada visando à plena execução das funções
rua. SANTOS 1994, p. 134 (grifos da autora). públicas de interesse comum. Esses
instrumentos descritos no artigo 9º da lei
Milton Santos nos ajuda a compreender que
federal incluem a elaboração de um Plano de
cada território, exemplificado pelo autor por
Desenvolvimento urbano Integrado (PDUI),
um distrito, um bairro ou uma rua, possui uma
fundos públicos, convênios de cooperação,
significação diferente. Essas diferenças se
entre outros. Enquanto no artigo 8º são
dão pela seletividade na apropriação de bens
abordados os quatros tópicos da estrutura da
e serviços produzidos coletivamente. Esse
governança interfederativa, que são: instância
conceito auxilia na compreensão de que os
executiva dos entes federados, instância
territórios, ou mesmo entes federados,
deliberativa com representação da sociedade
possuem uma significação diferente.
civil, agência técnico-consultiva e sistema
A significação diferente, específica, para alocação de recursos e prestação de
diferencial entendida por Milton Santos nos contas.
auxilia a compreender o motivo pelo qual a
Desta forma, para a realização da governança
cidade de São José dos Campos foi
interfederativa além dos desafios referentes
selecionada para ser a capital da Região
ao território e quanto à gestão do Estado
Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
brasileiro, a RM deve seguir os regulamentos
Norte. Esta RM é composta por 39 municípios,
normativos e enfrentar as diferenças de
destes a cidade de São José dos Campos
significação entre seus entres federados, fato
não se encontra geograficamente
este que acentua as diferenças das
centralizada na metrópole, nem mesmo
realidades socioeconômicas existentes.
possui acesso ou formas de diálogo com os
demais 38 municípios. A escolha da capital
dessa RM se deu pela significação que a
3. CIDADES DÍSPARES COMPONDO UMA
cidade de São José dos Campos possui em
METRÓPOLE: O CASO DA RMVPLN
relação às demais cidades. Na próxima seção
iremos demonstrar alguns os dados que No Estado de São Paulo foram instituídas seis
compõem a construção dessa significação. Regiões Metropolitanas e duas aglomerações
urbanas. A RMVale foi instituída pela Lei
A governança interfederativa de forma
Complementar Estadual n. 1.166/2012. O
cooperativa corresponde à gestão realizada
artigo 2º afirma que o objetivo da RMVale é
de modo colaborado entre entes federados,
possibilitar a cooperação entre os diversos
compartilhando responsabilidades e ações
níveis de governo, integração do
num mesmo território, visando o atendimento
planejamento e redução das desigualdades
das funções públicas de interesse comum
regionais, além de citar o Conselho de
nesse território e gerando benefícios para os
Desenvolvimento, a localização e
habitantes desta metrópole.
funcionamento da agência técnico-consultiva,
O atual marco regulatório da política urbana na forma de autarquia. Nota-se que a Lei que
contemporânea brasileira, o Estatuto da institui a RMVale contempla as ferramentas
Cidade (Lei Federal 10.257/2001) que institucionais legalmente instituídas, como
estabelece diretrizes gerais da política também traz para sua instrumentalização o
urbana, já prevê dentre suas diretrizes no princípio de cooperação entre os entres
inciso III do artigo 2º a cooperação entre os federados.
governos em atendimento ao interesse social.
Este estudo buscou compreender a
Assim a cooperação entre entes federados
governança interfederativa especificamente
visando a um bem comum já é prevista em
da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e
norma legislativa desde 2001.
Litoral Norte (conhecida oficialmente como
O Estatuto das Metrópoles (Lei Federal RMVPLN, mas será aqui citada como
13.089/2015) traz orientações para a RMVale). O território dessa região, com 39
institucionalização de novas Regiões municípios, possui uma extensão de
Metropolitanas e de Aglomerações Urbanas e 16.192,67 quilômetros quadrados, conforme
outras diretrizes para o planejamento, gestão dados do IBGE de 2014, além de possuir
e execução dos instrumentos de muitas divergências, tanto física quanto
desenvolvimento integrado para as RM socioeconômicas.
Fonte: Emplasa
(https://www.emplasa.sp.gov.br/Cms_Data/Sites/EmplasaDev/Files/Conselhos/Vale/Imagens/mapa_RMVPLN.jpg
)Acesso: 29maio2017
A Figura 1 demonstra que a cidade de São as demais cidades que hoje compõem essa
José dos Campos não está situada de forma RM. E tal fato gerou um atrativo para
centralizada, fato que possibilitaria uma empreendedores e geradores de bens e
equidade de acesso e comunicação entre os serviços; estes por sua vez geraram uma
municípios que compõem uma mesma região, concentração de PIB e um elevado índice de
ou seja, se a sede de uma região está densidade populacional
centralizada geograficamente, ou possui uma
Essas diferentes significações entre os entes
estrutura de comunicação tal que permita o
federados vêm de uma resultante histórica,
acesso as informações geradas pela agência
que influencia as atuais dinâmicas postas.
técnico-consultiva e um diálogo equânime
Assim, em virtude de conjunturas históricas,
entre os entes federados e suas demandas.
hoje a cidade de São José dos Campos é a
Contudo a sede foi determinada como uma
cidade da RMVale que possui a maior
cidade deslocada, pendendo para uma das
densidade populacional e o maior PIB;
extremidades dessa RM, mais
portanto esta cidade foi determinada pela lei
especificamente na direção da cidade e RM
que instituiu a RMVale para ser a sede e o
de São Paulo. Isto se deve ao fato das
local de instalação da agência técnico-
diferentes significações, ou seja, São José
consultiva. Desta forma, a significação entre
dos Campos recebeu ao longo do tempo mais
os entes federados se torna base para
investimentos financeiros e incentivos para
tomada de decisões e direcionamento de
um avanço no processo de urbanização que
ações entre estes.
Figura 3 – gráfico comparativo da densidade dos cinco municípios mais extensos da RMVale
[1] Brenner, Neil. A globalização como [4] Lefebvre, Henri. A produção do espaço. 4
reterritorialização: o reescalonamento da ed. Tradução: Doralice Barros Pereira e Sérgio
governança urbana na União Européia. Cadernos Martins. Paris: Éditions Anthropos, 2006.
Metrópoles, São Paulo, v.12, n. 24, p. 535-564,
[5] Santos, Milton. Por uma economia política
jul/dez 2010.
da cidade. São Paulo: Hucitec, 1994.
[2] Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do
[6] Souza, Jessé. (Não) Reconhecimento e
Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
subcidadania, ou o que é "ser gente"? Lua Nova, n.
1995.
59, p. 51-74, 2003.
[3] Klink, Jeroen Johannes. Novas
[7] Steinberger, Marília (org.). Território,
governanças para as áreas metropolitanas. O
Estado e Políticas Públicas Espaciais. Brasília :
panorama internacional e as perspectivas para o
Libri Editorial, 2013
Capítulo 11
Resumo:A mobilidade, que durante muito tempo foi tratada por um viés numérico-
quantitativo, passa, nos últimos anos, a ser um tema de investigação privilegiado
também no campo das chamadas ciências sociais. Amplia-se assim as
possibilidades de aplicação desse conceito no seio de políticas urbanas atuais, a
partir do estreitamento de relações com conceitos como responsabilidade social,
equidade e coesão urbana. No Rio de Janeiro, as recentes políticas de mobilidade
e transporte público, apesar de apresentarem-se ainda como não fazendo parte de
um planejamento mais amplo e sistêmico, podem revelar boas oportunidades para
a realização de projetos e ações voltados para as áreas menos privilegiadas da
cidade, amenizando um quadro histórico de desigualdade sócio-espacial,
atribuindo um outro e mais amplo papel para os sistemas de transportes públicos.
*Artigo apresentado no XV Simpósio Nacional de Geografia Urbana (2017) e na Revista Chão Urbano
Durante muito tempo os termos mobilidade e recente, e seu surgimento nessas áreas não
acessibilidade55 foram tratados sem nenhuma aconteceu em substituição a nenhum dos
distinção, sendo entendidos como tendo o demais termos já tratados desde longa data,
mesmo significado, o que é considerado um mas vai além destes. Segundo o autor:
grande equívoco atualmente, pois embora
Deve-se ter claro, entretanto, que a noção de
ambos conceitos guardem estreitas relações
mobilidade supera a ideia de deslocamento
e façam parte de um mesmo debate sobre
físico, pois traz para a análise suas causas e
circulação, dizem respeito à objetos
consequências – ou seja, a mobilidade não se
diferentes.
resume a uma ação. Em vez de separar o ato
Neste sentido, Vasconcellos (2001) sinaliza de deslocamento dos diversos
que a ideia de mobilidade se refere sobretudo comportamentos individuais e de grupo –
às pessoas e não aos lugares, sendo presentes tanto no cotidiano quanto no tempo
reconhecida como uma habilidade humana histórico –, o conceito de mobilidade tenta
de movimentar-se em decorrência de integrar a ação de deslocar, quer seja uma
condições físicas, culturais, sociais e ação física, virtual ou simbólica, às condições
econômicas individuais, algo que foi durante e às posições dos indivíduos e da sociedade
muito tempo negligenciado e/ou (BALBIM, op. cit.).
desconsiderado pela engenharia de
Reconhecendo-se o fato de que a mobilidade
transportes, cujas ações e projetos
esteja ligada à fatores como motivação
fundamentavam-se basicamente em
pessoal, limitação financeira, imposições
instrumentos matemáticos e estatísticos, por
físicas, desejos, dentre outros, acredita-se
sinais de grande e fundamental importância,
também que esses fatores estão
mas de pouca flexibilidade.
estreitamente ligados às diversas
Kleiman (2011) defende que o conceito de possibilidades que a sociedade apresenta,
mobilidade é mais amplo e complexo que o assim como também em razão dos lugares
ato de deslocar-se no espaço físico, sendo onde tais possibilidades estão ou não
antes de tudo uma condição de participação presentes. Isso amplia, dentro da discussão
no mundo urbano e na vida social, uma sobre mobilidade, a importância de fatores
capacidade de interagir em diferentes como a organização do espaço, as condições
âmbitos sociais, mas que para efetivar-se sócio-econômicas, culturais, políticas, o
precisa de um conjunto de fatores, como contexto simbólico, as características de
entre outros o nível de renda, a existência de acessibilidade e o desenvolvimento científico
modais de transporte coletivos e particulares e tecnológico (BALBIM, op. cit.).
e sua acessibilidade segundo o nível de
Tem-se assim que pensar em mobilidade, no
renda, de modo que podem existir
campo exclusivo das ciências sociais, seja,
deslocamentos sem mobilidade. Para o autor,
antes de tudo, pensar para além da
a mobilidade pode ser atribuída como um
otimização dos movimentos em si, buscando
recurso social importante e integrante da
o reconhecimento mesmo de uma condição
sociedade, isto é, diretamente relacionado ao
humana, um direito, uma forma de inserção
deslocamento de pessoas entre as diferentes
social, uma ação e uma condição das
hierarquias sócio-espaciais. Acredita-se hoje
pessoas e dos lugares, que facilite e permita
que os fatores principais que vão interferir na
uma melhor participação no mundo do
mobilidade são a renda, ocupação laboral,
trabalho, na vida social e cultural, no debate
gênero, idade e o tipo de modal de transporte
político, na busca do conhecimento, na
disponível, diferenciando, assim, as
descoberta do possível, no pensar sobre a
condições de mobilidade de cada grupo
cidade e sua condição nela, na capacidade
social ou pessoa (KLEIMAN, op cit.).
de conhecer e transitar por diferentes
Balbim (2016) nos diz que o uso do termo concepções sociais e culturais.
mobilidade nas ciências em geral é algo
A partir desse entendimento, a mobilidade
vem ganhando espaço como elemento de
55
Capacidade que um lugar tem de ser alcançado a grande importância para as políticas públicas
partir de outros lugares com diferentes localizações urbanas. Ela mesma, a mobilidade, torna-se
geográficas e configurações sociais. Em outras palavras, um elemento catalisador de diversas e
a acessibilidade seria a qualidade de deslocar-se de um
ponto ou de uma área sem ou com redução de barreiras
variadas ações e projetos. Relativiza um
na comunicação dos componentes de um sistema pouco a importância de objetos fixos e
espacial (CASTIELLO; SCIPPACEROLA, 1998, apud estanques, valorizando os movimentos
KLEIMAN, 2011).
práticas que gerem melhoria para o meio esse conceito acaba gerando diversas
ambiente e a comunidade, valorizando interpretações e adaptações sobre o mesmo.
aspectos éticos.
A definição apresentada por Calthorpe (1993)
No contexto contemporâneo, marcado por é comumente considerada como a mais
uma economia globalizada e aberta, pelo aceite dentre os estudiosos do tema. Para o
menos até certo ponto, e em certos lugares, autor, o DOT é uma área mista de elevada
seguido sobretudo a partir da década de densidade residencial, comercial e de
1990, emerge um certo ativismo social, onde serviços, cujo núcleo, verticalmente integrado
palavras como cidadania e cooperação e no qual existe um equipamento de
denunciavam um apelo por outras formas de interface, é facilmente acessível a partir das
organização e ações e projetos urbanos. O áreas urbanas próximas (NELSON, 2001,
conceito de responsabilidade social torna-se apud FERNANDES, op. cit).
assim mais amadurecido e abrangente,
Para o Transit Cooperative Research Program
passando a incorporar também, de forma
(TCRP) o DOT consiste em parcerias para
mais efetiva, o campo das políticas públicas,
projetos específicos entre a iniciativa privada
exigindo do próprio poder público uma
e a pública, com um padrão de ocupação
postura diferenciada em relação à sociedade,
denso e diversificado em termos do uso do
onde o ganho exclusivamente pautado no
solo, pontual e impulsionado pela valorização
econômico cede lugar a uma dimensão mais
imobiliária em uma dada localidade,
sistêmica que inclui uma incorporação do
comumente relacionado aos nós da
social e do ambiental. Isso, de certa forma,
infraestrutura de transporte público, que
leva à produção de discursos que valorizam
pode, em alguns casos, se traduzir em mais
as práticas responsáveis, o capital social e a
desenvolvimento para algumas áreas (TCRP,
validação pública.
2002, apud NETO, 2011). Jacobson e Forsyth
Ainda que dirigida por uma ótica capitalista, (2008, apud NETO, op. cit.) definem o DOT
reconhece-se aqui que essa visão mais como uma estratégia para integração dos
expandida da ideia de responsabilidade investimentos em transporte público e boas
social, alcançando o campo da esfera práticas de uso do solo, no sentido de se criar
pública, permite um olhar diferenciado sobre ambientes urbanos acessíveis e
algumas políticas urbanas, influenciando num diversificados em termos de formas e uso,
repensar de projetos e ações, como as tanto em áreas centrais como em
políticas de Desenvolvimento Orientado pelo parcelamentos periféricos. Neto (op. cit.)
Transporte (DOT), que passam a serem assevera que o DOT consiste basicamente
entendidas e compreendidas nas em estratégias de planejamento e de ações
proximidades de sua totalidade, a partir de relativas ao desenho urbano e de
um caráter mais interrelacional e uma ótica planejamento de transportes tratadas de
mais ampla, capazes, assim, de participarem forma integrada, realizadas por meio de
mais ativamente na busca de um equilíbrio na políticas ou de instrumentos urbanísticos.
relação de forças entre as áreas econômica e
Os estudos de Fernandes (2011) ressaltam
social.
que o DOT pode ser promotor de diversas
Embora os princípios que norteiem as vantagens, como: mobilidade, estilo de vida,
políticas de DOT sejam bem mais antigos56, é econômica/ambiental e dinâmicas urbanas.
sobretudo a partir da década de 1990 que se Também são apontadas algumas limitações
constitui uma literatura voltada nos projetos, como: desenho inapropriado de
exclusivamente para essa temática. algumas redes, preocupações e temores das
Fernandes (2011) afirma que com base na comunidades locais, desinteresse dos
literatura disponível, a definição do DOT ainda investidores e dificuldades na obtenção de
não se apresenta consensual, assumindo financiamentos. Lembra o autor que essas
vários contornos dentre os autores que tratam vantagens e limitações não podem ser
do assunto. Para o autor, o fato de não existir consideradas isoladamente, tampouco se
uma definição claramente elucidativa sobre resumirem apenas à esses aspectos. A
relação entre essas vantagens e limitações
56
Alguns autores referem a sua origem associada ao pode ser resumida, sob o ponto de vista
desenvolvimento de bairros de Nova Iorque ao longo das econômico, na relação custo-benefício, sendo
linhas de caminho de ferro elevadas, outros recuam mais o sucesso ou insucesso do DOT comumente
no tempo e admitem a gênese do DOT na localidade de medido pela maior ou menor preponderância
Ur associado ao transporte fluvial (CARLTON, 2009, apud
FERNANDES, 2011). dos benefícios obtidos com sua implantação,
Além do apelo do ITDP, vários outros órgãos conectado à Transcarioca (fig. nº 2), vem
e pesquisadores isolados, vêm discutindo e revelando, através de estudos e
mostrando a necessidade de que as áreas do levantamentos de campo, um enorme
entorno dos equipamentos de interface desse potencial de redefinição do eixo rodoviário
corredor de BRT recebam um plano especial sobre o qual se instalará, a Avenida Brasil,
de desenvolvimento orientado ao transporte, com 58 km de extensão e marcada hoje por
estimulando a criação de bairros de uso misto imensas áreas urbanas degradas ou
(residencial e comercial). Cada vez mais subutilizadas. O Sistema de BRT da
alerta-se ao fato de que esse projeto de Transbrasil vem como uma oportunidade
transporte tem de estar integrado a um histórica para a reestruturação de imensas
planejamento urbano mais amplo, que áreas urbanas, sobretudo próximo aos seus
distribua melhor as oportunidades da cidade equipamentos de interface, fazendo com que
e que diminua as necessidades de deixem de ser espaços somente de
deslocamento, sob risco de se perder uma passagem, e se tornem espaços de trabalho,
valiosa oportunidade de desenvolvimento vivência, educação, inovação tecnológica,
urbano para a cidade. cultura e lazer.
Outro importante sistema de BRT que vem
sendo implantado na cidade, a TransBrasil,
Através de um plano específico e uma na cidade do Rio de Janeiro, futuro este que
intervenção controlada no entorno dos para ser melhor não pode prescindir da ideia
principais equipamentos de interface da de mobilidade em um novo paradigma,
TransBrasil, pensa-se, através das abordando a relação dos deslocamentos
características físicas, sociais, culturais e das pessoas com o planejamento das
econômicas existentes em cada área, que cidades para um desenvolvimento mais
estes sejam capazes de oferecer condições harmônico e justo, de modo a propiciar o
para uma melhor interatividade de projetos, acesso universal da população às
ações e atores, interligando e aproximando oportunidades oferecidas pela cidade.
pessoas, serviços e equipamentos nessas
Com a implantação dos Sistemas de BRT
áreas, abrindo possibilidades de amenização
Transcarioca e TransBrasil, seguidos de uma
de um quadro de fraca equidade e coesão
necessária otimização de seus aspectos
urbana
operacionais59, cria-se, acredita-se, novas
Conquanto não seja o único caminho possível possibilidades de relações dos transportes
para auxiliar no desenvolvimento de um públicos com a cidade, relações que não
pretenso quadro de melhor equidade e apenas de trabalho, consumo ou
coesão urbana, dependendo inclusive de lucratividade, mas também de incentivar
outras ações para sua eficácia, como misturas, expectativas, sonhos, desejos,
segurança e renda, por exemplo, vale a pena esperanças, diminuindo esquemas de
considerar, e as experiências em outros segregação e disparidades sócio-espaciais.
contextos urbanos confirmam, as ações e Esta característica nunca esteve presente nas
projetos no entorno dos equipamentos de políticas de transporte público no Rio de
interface do sistema de transportes coletivos, Janeiro, marcadas comumente por suas
como uma alternativa visando a valorização e funções econômicas e objetivos de lucro,
dinamização de muitas áreas da cidade, impedindo um papel dos transportes coletivos
sendo um instrumento fundamental e de enquanto instrumento produtor de espaços
imenso potencial, merecedor de tratamento e
atenção especial.
59
Integração físico-tarifária com outros sistemas de
Muito além de uma reordenação de formas e transporte, intervalo entre os veículos, segurança,
deslocamentos, está em jogo neste momento conforto e informação junto aos equipamentos do
um futuro de novas e melhores oportunidades sistema de transporte.
equânimes, dotados de boa urbanidade e não políticas e os projetos para essas áreas
tão desiguais. Há uma importante lacuna a precisam ser caracterizados por objetivos
ser preenchida quanto ao papel dos definidos a priori, marcados por uma
transportes coletivos e seus equipamentos de transparência do início ao fim e por um
interface no Rio de Janeiro, que inclui não acompanhamento permanente, a fim de não
apenas a otimização e eficiência dos se desvirtuarem seus objetivos e propostas
deslocamentos, mas principalmente a centrais. Acredita-se, com isto, que o poder
vinculação desses equipamentos à produção público deva ser o principal coordenador
de espaços capazes de propiciarem dessas ações.
mudanças futuras e novas oportunidades na
A importância da coordenação central do
vida de muitas pessoas, e nesse aspecto os
poder púbico reside no fato de que as
sistemas de BRT precisam ser repensados
políticas e ações devem manter como foco
em seus efeitos sobre a cidade.
principal a contribuição que podem oferecer
na construção de um quadro de melhor
equidade e coesão urbana, ainda que para
5. POSSÍVEIS AÇÕES PARA OS PODERES
isto dependam também de outros fatores,
PÚBLICO E PRIVADO
procurando evitar a predominância de
Na questão que aqui vem sendo pensada, as objetivos estreitos e limitados. Essa atuação
ações e projetos no entorno dos central do poder público não impede que
equipamentos de interface do sistema de relações sejam estabelecidas envolvendo
transporte coletivo no Rio de Janeiro, o que poder público e privado, diferentes setores
está em jogo é principalmente a possibilidade privados entre si e também diferenciados
de se criar condições para que grupos menos setores e níveis do poder público (local,
favorecidos possam ter novas oportunidades municipal, regional e nacional).
e viver melhor, numa cidade menos desigual. Desenvolvendo e coordenando programas
Isto implica uma redefinição das políticas que impulsionem a renovação e a
públicas60 e das prioridades de investimentos, multifuncionalidade de áreas no entorno dos
em função da realidade local e da equipamentos de interface, com projetos de
manifestação da população, o que confere requalificação que permitam melhorar a
uma certa legitimidade necessária para qualidade do ambiente urbano e a integração
inverter a ordem da destinação dos recursos, de distintos espaços da cidade, tem o poder
das obras e serviços públicos para atender os público uma boa oportunidade de promover e
reais interesses da população. Por isso, articular a integração de diferentes políticas
acredita-se que paralelamente às novas setoriais, voltadas para áreas já ocupadas e
relações de gestão urbana, marcadas por mais desfavorecidas, principalmente aquelas
uma forte intervenção do setor privado, o já providas de infra-estrutura de transporte
papel do poder público deve ser coletivo rodo-metro-ferroviário.
permanentemente reinventado, e não
Para isto, torna-se importante e fundamental
diminuído ou secundarizado, a fim de poder
que as áreas no entorno61 de alguns
agir criando as oportunidades para reduzir
equipamentos de interface tornem-se Áreas
tensões e desigualdades nos espaços
de Intervenção Especial e Controlada (AEIC),
partilhados das relações urbanas.
passíveis de aplicação, por parte do Estado,
Entendendo o entorno dos equipamentos de de alguns instrumentos de política urbana,
interface como espaços capazes de reunirem instrumentos estes já previstos pelo Estatuto
atividades diversificadas e multifuncionais, as da Cidade62, sobretudo aqueles de cunho
jurídico e político, como: Instituição de zonas
60
Diretrizes, princípios norteadores de ação do poder
público, regras e procedimentos para as relações entre
poder público e sociedade, mediações entre atores da
61
sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas Tendo por base o que comumente é considerado nos
explicitadas, sistematizadas ou formuladas em estudos sobre DOT, sugere-se que esse entorno esteja
documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) delimitado inicialmente por um raio de 600m a partir da
que orientam ações que normalmente envolvem boca dos equipamentos de interface.
62
aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta o
compatibilidade entre as intervenções e declarações de capítulo "Política Urbana" da Constituição Federal,
vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser detalhando e desenvolvendo os artigos 182 e 183. Seu
consideradas também as “não-ações”, ou seja, as objetivo é garantir o direito à cidade como um dos
omissões, como formas de manifestação de políticas, direitos fundamentais da pessoa humana, para que todos
pois representam opções e orientações dos que ocupam tenham acesso às oportunidades que a vida urbana
cargos (TEIXEIRA, 2002). oferece.
de uso do solo, até que ambas, num segundo agora para se buscar o diferente, o coletivo,
momento, se tornem uma só, se complementar e se redescobrir, e não
institucionalizada e promotora de somente para se separar ou dividir. Essa
comunicação entre os diversos atores busca e complementaçâo viabilizaria novas
urbanos, debatendo a forma como estes experiências, motivando e enriquecendo a
aspectos se articulam com os objetivos reconstrução de ideias e sentidos e criando
urbanos mais amplos. afetos, na construção da cidade mais
equânime, coesa, plural e tolerante.
Há uma importante limitação a ser superada
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
quando se fala de mobilidade e transporte
No contexto recente, que vem sendo marcado público no Rio de Janeiro, superação esta
pela implementação de alguns projetos de que levaria o debate e as propostas para
mobilidade e transporte público no Rio de além da eficiência dos deslocamentos,
Janeiro, coloca-se em perspectiva as áreas vinculando esses conceitos à produção de
da cidade marcadas pela carência de espaços capazes de propiciarem não só o
serviços, espaços públicos e equipamentos consumo e a alocação deste ou daquele
urbanos, cujos grandes projetos de grupo nesta ou naquela parte da cidade, mas
"revitalização", à exceção de algumas ações que possibilitem mudanças e novos rumos à
muito pontuais, tem relegado ao vida de muitas pessoas.
esquecimento.
O modelo que trata a mobilidade e os
Ainda que reconhecendo o fato de que a sistemas de transportes coletivos separado
cidade não seja apropriada por todos em sua das ideias de responsabilidade social,
plenitude, é também reconhecida a equidade e coesão, precisa ser superado,
necessidade e importância de que esses não precisamente por outro modelo, mas por
projetos mais recentes de mobilidade e uma prática constante de tentar identificar
transportes públicos no Rio de Janeiro, como todas as reais possibilidades e questões que
os Sistemas de BRTs, incluam como perpassam as políticas de transporte, em
fundamental a utilização planejada do entorno todos os seus níveis e aspectos.
dos equipamentos de interface, enquanto
Pensar a mobilidade e o transporte coletivo na
uma ação específica e coordenada pelo
contemporaneidade exige antes pensar a
poder público em parceria com o privado e a
cidade que se quer ter, compreendendo seus
sociedade civil, permitindo o desenvolvimento
desafios, necessidades e limites. Não se trata
orientado de atividades e serviços diversos,
apenas de pensar o sistema de circulação e
facultando que muitos possam se apropriar
transporte vinculado a outras ações no
desses espaços e das benesses e vantagens
território, pois isso já se faz desde muito
que possam ali ser implementadas, criando
tempo, mas sim de pensar como essas ações
laços de identificação e convivência entre
podem ajudar na construção de uma cidade
grupos sociais diversos, propiciando assim
mais justa e melhor para viver, com políticas
uma urbanidade mais rica e ampla, sobretudo
concebidas para a concretização de um
em áreas menos favorecidas.
objetivo constitucional universalmente
O transporte coletivo seria assim o grande reconhecido – o da efetiva igualdade de
meio dessa experiência, pois viabilizaria o oportunidades a que todos devem ter direito.
acesso de grandes áreas da cidade a esses Isso abre inúmeras possibilidades de ações e
espaços e desses espaços com toda a coloca a discussão sobre mobilidade e
cidade, diminuindo o forte efeito divisor que transporte num outro e mais elevado patamar
sempre permeou seu papel - deslocar-se-ia da questão urbana.
[3] Barbosa, Jorge Luiz. O significado da [5] Chamusca, Pedro Miguel Magalhães
mobilidade na construção democrática da cidade. Nunes. Governança e regeneração urbana: entre a
teoria e algumas práticas. 2012. 378 f. Tese [12] Neto, Vicente Correia Lima.
(Doutorado em Geografia) - Faculdade de Letras Desenvolvimento Orientado ao Transporte: o
da Universidade do Porto, Porto 2012. potencial de aplicação pela Companhia Brasileira
de Trens Urbanos. IPEA, Boletim Regional, Urbano
[6] Davey, K ; Devas, N. Urban Government
e Ambiental, nº 5, junho de 2011.
Finance. In Davey, K (ed.) Urban Management, the
Challenge of Growth. Avebury: Aldershot, 1996. [13] Oliveira, Chirles Virgínia A. de. O Discurso
da Sustentabilidade e da Responsabilidade Social
na Estratégia Corporativa: comunicação em rede,
[7] Fernandes, António Rui Gonçalves. consumo e cidadania. Dissertação de mestrado.
Transit-Oriented Development - um ensaio 155 p. (Mestrado em Comunicação e Práticas de
metodológico para o Porto. Dissertação (Mestrado Consumo). São Paulo: Escola Superior de
em Sistemas de Informação Geográfica e Propaganda e Marketing, 2011.
Ordenamento do Território) - Faculdade de Letras
[14] Santinha, Gonçalo. O princípio de coesão
da Universidade do Porto, Portugal, 2011.
territorial enquanto novo paradigma de
[8] Harvey, David. Social justice and the city. desenvolvimento na formulação de políticas
London: Edward Arnold and The Johns Hopkins públicas: (re)construindo ideias dominantes. In:
University Press, 1973. Revista EURE (Santiago) vol.40, nº 119, Santiago
ene. 2014
[9] Instituto de políticas de transporte e
desenvolvimento (itdp). Papel do brt transcarioca [15] Teixeira, Elenaldo Celso. O Papel das
na redução da desigualdade social e acesso à Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na
cidade do rio de janeiro. Brasil: itdp, 2016. Transformação da Realidade. in: Políticas Públicas
Disponível em http://itdpbrasil.org.br/pesquisabrt/. - O Papel das Políticas Públicas, 2002.
Acessado em 27abr2017.
[16] Vasconcellos, Eduardo Alcântara..
[10] Kleiman, Mauro. Transportes e mobilidade Transporte Urbano, Espaço e Eqüidade: análise
e seu contexto na América Latina. Série Estudos e das políticas públicas. 3ªed. São Paulo:
Debates (IPPUR-UFRJ), n° 61, p. 1-10. 2011. Annablume, 2001.
[11] Massey, D. Spatial Divisions of Labour:
Social Structures and the Geography of Production.
Basingstoke : Macmillan, 1984.
Capítulo 12
Resumo: O artigo a seguir pretende esboçar uma reflexão acerca das ocupações
estudantis no Paraná à partir das experiência vividas por professores e estudantes
dos Colégios Estaduais Alfredo Parodi e Rodolpho Zaninelli. Para tal, nos utilizamos
da Teoria da Implicação (BAITZ, 2006, 2013) para chegar ao nível do cotidiano,
buscando compreender o que havia de luta pelo direito à cidade que extravasava
as pautas contra a reforma do Ensino Médio e a PEC do congelamento de gastos
públicos. Foi possível perceber, à partir da mobilização estudantil, o quanto as
precariedades da escola refletiam, no geral, uma miséria vivida nas periferias da
cidade de Curitiba, expressas e refletidas na escola de maneira geral.
base teórica para dar conta de explicar um fenômeno social que explodiu levando em
processo de movimentação social do qual conta a reivindicação de uma série de
fizemos parte. carências que ultrapassavam o âmbito das
reformas de governo proposta pelos Projetos
E o que é o conceito de implicação senão
de Emenda Constitucional 55 e 281. Vivemos
esta proximidade – consciente – do sujeito
na pele o morador periférico, e as questões
com seu objeto, este envolvimento com o
sociais, raciais e de gênero que esta
outro que retira a distância criada
condição implica. Entramos no íntimo das
artificialmente pelo método formal? (BAITZ,
escolas para pensá-las desde dentro. A vida
2013)
cotidiana articula Espaço e Tempo71 .
Somos pesquisadores, vivemos na cidade.
Como podemos pensá-la ignorando nossas
vivencias nesta mesma cidade? Como PRIMEIRA IMPLICAÇÃO: O COLÉGIO
podemos construir um pensamento ESTADUAL ALFREDO PARODI
geográfico ignorando a classe da qual
Localizado na parte conhecida como
viemos, nossos interesses pessoais em
“Uberaba de baixo”, pertencente ao bairro de
investigar tal ou qual questão, a nossa
mesmo nome (Uberaba), cuja área abrange a
vivência pessoal com a cidade? A ciência que
bacia das nascentes do rio Iguaçu, o Colégio
se esconde atrás da máscara da neutralidade
Alfredo Parodi situa-se na periferia da região
oprime as classes mais baixas, uma vez que
leste de Curitiba, próximo à divisa com o
o desenvolvimento de conceitos produzidos à
município de São José dos Pinhais, residido
partir de seus dogmas é usado como
por uma população de classe média baixa e
ferramenta nas mãos de uma burguesia que o
baixa, com renda média mensal de 1 a 2
utiliza para ampliar seus lucros. Quantos
salários mínimos per capita, conforme o
pesquisadores não se desculparam ou se
IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento
lamentaram pelos usos que foram dados a
Urbano de Curitiba – (2010).
suas criações? Então cabe-nos perguntar,
porque manter-se como distante daquilo que Para chegar ao colégio, há basicamente duas
estudamos? Porque como pretensos sujeitos, formas: via Terminal do Hauer ou pelo
nos negamos a nos colocar também como Terminal do Centenário com o
objeto de investigação e reflexão? Porque não ônibus“Centenário/Hauer”. Este ônibus passa
refletirmos sobre o nosso próprio exercício pela avenida principal da região, a “Avenida
enquanto pesquisadores? dos Trabalhadores”, o qual, entre ônibus
lotados e antigos, transporta diariamente a
A implicação trata-se disto, de romper com
população para o centro e os demais bairros
esta – frágil – fronteira existente entre sujeito e
da cidade. Levando em consideração que o
objeto, buscando um movimento de
Uberaba é o quinto bairro mais populoso de
pensamento que supere a ambos. Assim, é
Curitiba, com 72.056 habitantes (IBGE, 2010),
possível pensarmos o vivido, a vida cotidiana.
a oferta de ônibus para o “Uberaba de baixo”
Esse método não diretivo trás em seu bojo é baixa, sendo o Centenário/Hauer a única
a possibilidade de todos serem linha que faz a interligação com outros
pesquisadores, pois a medida que ela dita bairros. Ressalta-se além do mais que a
que aspectos mínimos e íntimos do região engloba várias áreas de ocupações
pesquisador podem – e devem – vir à tona, irregulares.
todas as pessoas são convidadas a fazer
De acordo com dados fornecidos pelo IPPUC
ciência, a serem cientistas, e o importante:
(2010), das 381 ocupações existentes em
a refletir sobre esta atividade. É um duro
Curitiba, 22 situam-se no Uberaba. Outro
golpe à ciência burguesa e aos
dado comparativo é a relação da população
pesquisadores de sangue puro. (BAITZ,
por cor, idade e gênero: enquanto que em
2006 p. 41-2)
Curitiba 78% da população é branca e 18% é
Para isso, descemos até a vida parda e preta, com idade média de 33 anos e
cotidiana, convivemos com misérias e majoritariamente feminina (52,33%), no
carências dos diversos tipos, e pudemos
sentir o tamanho do peso que cai sobre o 71 “O cotidiano urbano prolonga e explicita o
morador de periferia em uma cidade como sentido da urbanização capitalista pela generalização de
Curitiba. Pudemos compreender que as um modo de vida no qual foram sendo aprofundadas as
ocupações de escola ainda não foram separações no âmbito da vida social.” SEABRA, Odette
Carvalho de Lima. Territórios de uso: cotidiano e modo de
devidamente compreendidas como um vida. In: CIDADES. v. 1, n. 2, 2004, p. 183.
Uberaba tais índices se destoam em alguns que o processo de ocupação feito pelos
aspectos. No referido bairro 23% da estudantes perpassa os muros da escola,
população é parda e preta e 75% branca, uma vez que pode ser encarado como o
com idade média de 31 anos e também em estopim de uma ação sinalizadora,
sua maioria do sexo feminino. Apesar de não reivindicadora de visibilidade por parte
apresentar grandes mudanças se analisada desses jovens – pois a Medida Provisória
comparativamente com Curitiba, o maior mexeu com o espaço de maior convívio e
índice de pardos e negros se verifica no troca de relações dos jovens: a escola –, que,
padrão de alunos que freqüentam o Colégio durante suas vidas têm sofrido violência (das
Alfredo Parodi, cujos, segundo o Projeto mais diversas formas) exclusão aos seus mais
Político Pedagógico da escola (PPP, 2012): direitos básicos, como o acesso a transporte
público, moradia, educação de qualidade.
Em sua maioria residem em área de
ocupação irregular, o que os condiciona a É nesse sentido que, ocupado entre o mês de
uma situação de violência, abuso, outubro e novembro pelos seus estudantes, o
drogadição, alcoolismo, prostituição e “Alfredo”, ou “Parodi”é o típico e
privação do direito a satisfação de suas estigmatizado perfil de escola pública de
necessidades básicas. A maioria das famílias periferia, uma vez que apresenta graves
é assistida por programas sociais (bolsa problemas de evasão escolar, violência, falta
família, leite das crianças, dentre outros), ou de professores, recursos e estrutura física.
ainda, sua atividade de trabalho se faz pelo
Boa parte dos educandos que ali estudam
serviço doméstico, coleta de materiais
são moradores das ocupações localizadas no
recicláveis, auxiliares de produção, o que os
entorno da linha do trem que corta o bairro e
permite a uma renda básica que varia de
da várzea do Iguaçu, conhecidas como Vila
meio salário a três salários mínimos. (PPP
Itibere e Vila Icaraí.
ALFREDO PARODI, 2012, p.16)
O Alfredo Parodi é o colégio mais próximo
Os dados podem revelar algumas
dessa região e por conta disso é o principal
particularidades da segregação e exclusão
local onde as famílias residentes dessas vilas
socioespacial em Curitiba, submetida à
estudam ou estudaram. Devido a isso, a
população pobre, negra e periférica, cabendo
relação de proximidade e parentesco entre os
a escola (e isto inclui nós professores) a
estudantes é muito grande, criando assim um
receber esses educandos, aprender a lidar
forte elo de amizade e união entre os mesmos
com suas realidades e tentar contribuir com a
que se mostra em momentos como os
formação social desses adolescentes.
horários de entrada e saída da escola
Ademais, como uma forma de se “resolver” as (chegam e vão embora juntos e em grupos) e
problemáticas sociais e a violência da região, no cotidiano das aulas (se conhecem e
inspirado nas Unidades de Polícia possuem amigos de turmas e turnos
Pacificadoras do Rio de Janeiro, em 2012, diferentes).
fora implantada no bairro a primeira Unidade
Ademais, a escola atende, segundo a
Paraná Seguro (UPS) do Estado do Paraná. O
Secretaria de Estado da Educação do Paraná
objetivo seria levar as políticas públicas para
a 1068 alunos, com idade média entre 10 e 40
a região, com ações sociais, de geração de
anos, possuindo em sua administração, 1
renda, atividades em contra-turno escolar e
diretor geral, 2 diretores auxiliares, 3
melhoria da infraestrutura.72 No entanto,
pedagogas, 60 professores e 18 funcionários.
desde então, não houve melhoria na
Além disso, um acontecimento comum é a
disponibilidade de serviços para os
alta rotatividade de professores e a
moradores. Conforme relato dos próprios
contratação de funcionários temporários para
educandos do Alfredo Parodi, o que se
trabalharem nas funções administrativas e nos
verificou fora apenas o aumento da repressão
serviços gerais. Entre os motivos que podem
policial, principalmente com os moradores
explicar tal processo destacam-se a
negros e advindos das áreas de ocupação
localização da escola no extremo leste de
irregular do bairro.
Curitiba, a falta de opção de ônibus no
Enfim, o intuito de se descrever brevemente a transporte público e a difícil realidade dos
realidade do bairro onde se encontra o alunos (que se espelha no comportamento).
Colégio Estadual Alfredo Parodi é demonstrar
Ao entramos no “Alfredo Parodi”, vemos que
72 carência de espaço físico para serem
http://exame.abril.com.br/brasil/policia-ocupa-bairro-
de-curitiba-para-implantar-upp-3/ realizadas atividades com os educandos. As
mau cheiro que envolve o bairro todas as diretores auxiliares, 1 secretária, 7 pedagogas
manhãs. As ruas, em sua maioria já 83 professores e 24 funcionários oferecendo
asfaltadas, apresentam construções simples e cursos do Ensino Fundamental II, Médio e
por vezes inconclusas. São casas construídas Técnico de Administração e Mecânica.
pelos próprios trabalhadores que ali vivem Apresenta também apoio financeiro escasso
desde que este terreno fora ocupado, no ano para adequar as instalações e materiais às
de 1991, quando à partir da atual rua Emílio necessidades de educadores e educandos
Romani passaram a construir as casas e as além da alta rotatividade de professores.
estruturas básicas do bairro na forma de
Ao entrar, pode-se surpreender com a
mutirões. Trata-se de um bairro estigmatizado
quantidade de cadeados e portões que
por uma imagem, veiculada cotidianamente
existem delimitando os diferentes espaços.
nas redes de TV e jornais, ligada à pobreza,
Para evitar com que os educandos fujam das
ao tráfico de drogas e à violência urbana. No
salas de aula, portões são trancados por
entanto, ao desvendar as entranhas do bairro,
correntes e cadeados, onde há uma agente
as pessoas reais que vivem e trabalham todos
escolar responsável por abrir e fechar para
os dias, sustentam suas famílias à duras
que os professores possam trocar de turma, e
penas. Observamos que grande parte dos
também para que um ou outro que precise ir
habitantes aqui ou são migrantes, ou são
ao banheiro. O espaço físico também não é
descendentes diretos destes que vieram de
dos mais agradáveis. As paredes são
áreas rurais das mais variadas no Brasil, em
pintadas em tons de azul que, no entanto, nos
especial do interior do Estado do Paraná.
pontos onde estão descascadas se expõe
Existem poucas estruturas de cultura e lazer uma miscelânea de outras cores que estas
para que os jovens possam desfrutar, entre mesmas salas de aula já possuíram. À
elas está o Bosque da Vila Verde, um campo exceção das paredes e portas que foram
de futebol, localizado na Rua Ney Pacheco, e desenhadas por um projeto da professora
o teatro Peça por Peça, mantido pela Silvia, de Artes, falta bastante cor por aqui.
Fundação Bosch. No restante, faltam opções Faltam também alguns vidros nas janelas de
para além das igrejas (Comunidade Santa parte das salas de aula, o que no inverno
Clara, Deus é Amor, Assembléia de Deus e curitibano torna a experiência de
Universal do Reino de Deus) e bares, que assistir/ministrar aulas bastante desagradável.
pipocam em cada rua por aqui. O bairro
O lanche não é tão diversificado
conta também com uma creche municipal;
nutricionalmente, tendo em vista que boa
duas escolas municipais (E.M. João Cabral de
parte dos educandos precisa se alimentar na
Melo Neto e E.M. América da Costa Sabóia); e
escola. É frequente que tenham apenas
o Colégio Estadual Rodolpho Zaninelli. No
bolacha e água e sal e chá mate como
entanto, aqui começa-se a trabalhar desde
merenda para suportar 5 horas de aula. Para
muito cedo. Desde antes de entrarem no
muitos dos que estudam e trabalham, uma
Ensino Médio muitos jovens trabalham, desde
boa comida na hora do lanche faz toda a
programas de estágio como o Jovem
diferença, ainda mais para aqueles jovens
Aprendiz até trabalhos informais, como caixas
que ficam sozinhos em casa com os irmãos,
de mercados locais e vendedores de frutas e
sem a presença dos responsáveis – que
doces em semáforos. O número de pessoas
precisam trabalhar o dia todo – e não
negras no bairro é evidentemente expressivo,
possuem acompanhamento para que
se contar que Curitiba se vende com a
realizem suas refeições de maneira
imagem de uma cidade europeia.
adequada. É uma escola com o estigma da
O “Rodolpho”, como é chamado pelos “escola que deu errado”.
moradores, é o local onde grande parte da
A partir notícia da ocupação da Escola
população desta região estuda ou estudou. É
Estadual Arnaldo Jansen73 – no município de
comum que pais e filhos tenham assistido
aulas com os mesmos professores. Nas listas
73 “Alunos que ocupavam escolas estaduais
de chamada muitos sobrenomes se repetem deixaram na tarde desta sexta-feira (4) dois colégios em
de uma sala para outra. São primos, tios, São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de
irmãos, enfim, grande parte do núcleo familiar Curitiba, após o cumprimento de mandado de
das pessoas que aqui vivem que passam um reintegração de posse por oficial de justiça. A primeira
desocupação foi no Colégio Estadual São Cristóvão. Em
bom pedaço de suas trajetórias de vida. seguida, os estudantes saíram do Colégio Estadual
Atende um número de alunos de 1604 com Arnaldo Jansen, o primeiro a ser tomado por
faixa etária entre 10 e 40 anos com 1 diretor, 2 secundaristas no Paraná. A unidade estava ocupada há
31 dias.” Em Gazeta do Povo no dia 04/11/2016 com o
acessá-lo. Ou roubar e matar para conseguir classes, uma separação e uma diferença
dele alguns restos. A gestão e a “governança” entre os sujeitos que é, também, social, e esta
irradiados dos centros das grandes cidades – diferença, própria da “sociedade civil”,
Av. Paulista em São Paulo, Centro Cívico em segundo a inversão lógica feita por Marx
Curitiba, Brasília, etc.) são a própria negação (2006) mostra um Estado que, apesar de uma
do urbano (LEFEBVRE, 1980). Basta observar pretensa igualdade jurídica - “identidade
as miseráveis periferias urbanas, os sem teto, ilusória” - recria nesta esfera – Estatal,
os sem terra. Aqui, de perto, podemos jurídica, etc. - as desigualdades presentes
enxergar uma relação íntima entre as nesta mesma sociedade de classes. A forma
representações do poder e a organização do jurídica, portanto, encobre e, ao mesmo
trabalho no modo de produção capitalista. tempo legitima as diferenças sociais
administradas e mantidas pelo Estado. Se
Tratam-se de um sem número de indivíduos
pensarmos conforme SEABRA (2004).
que vivem o mínimo, as sobras do modo de
produção no corriqueiro da vida. Existe uma O cotidiano urbano prolonga e explicita o
interação íntima entre a colonização, o sentido da urbanização capitalista pela
desenvolvimento técnico e assim chamado generalização de um modo de vida no qual
subdesenvolvimento, tanto ao nível da foram sendo aprofundadas as separações no
economia global capitalista, quanto no tecido âmbito da vida social. (SEABRA, 2004. p. 2)
da vida cotidiana. A vida cotidiana aparece,
A escola, como parte da sociedade, não está
neste modo de produção, como repetição
alheia a isto. Já que esta é a principal
espacial não só dos tempos de trabalho, mas
responsável por transmitir os valores da
também do ócio e da consciência, criando um
sociedade vigente, é nela, também, que se
processo que podemos chamar de alienação
materializam grande parte das misérias
espacial. É o subdesenvolvimento da vida
vividas no cotidiano dos moradores de
cotidiana (LEFEBVRE, 1980).
periferia em grande parte deste país. Para
Se pensarmos conforme Marx, em sua crítica uma cidade pretensamente europeia, qual o
da filosofia do direito de Hegel (2006), no interesse em revelar os conteúdos e
momento da constituição do Estado moderno reivindicações de uma juventude em grande
suprime-se as particularidades locais – o parte negra e nordestina? A estes jovens, de
direito comunitário, a autonomia política das escolas públicas de bairros pobres, nunca foi
vilas, etc. - no sentido de uma dada a oportunidade de pensar o bairro e a
homogeneização das diferenças sob uma escola como problemas muito maiores que a
ordem única: o direito continental. E isso mera relação entre professor e aluno. Foi na
independente das necessidades relação destes em um movimento maior,
comunitárias, com o objetivo de quebrar os autogerido, é que surgiram questionamentos
laços estáveis comunitários, instituindo acerca da própria realidade onde vivem.
relações sociais pautadas no individualismo Onde estão as áreas de lazer do bairro? E os
(a ideia de individualidade é moderna!) e equipamentos que deveriam existir na escola
ampliar, assim, as trocas comerciais. A e não são encontrados? E porque a escola
alienação política é essencial na constituição tem equipamentos que não são utilizados?
deste processo, uma vez que uma Porque as formas pedagógicas utilizadas em
organização política que se dê desde a base nossas escolas são as piores possíveis?
– formas autogestionárias – questiona a Conseguirei uma boa inserção no mundo do
estrutura Estado-Capital em seus trabalho com a escola que tenho? Como
fundamentos objetivos e subjetivos. A escala posso superar, junto a outros, a minha
do Estado deve, necessariamente, negar condição?
todas as outras escalas da política que não
Alguns meses após as ocupações de escolas
são as do Estado e do Capital. (RAFFESTIN,
no Paraná, surge uma efetiva mudança na
1993).
vida destes jovens, que decidiram questionar,
Para Hegel – na leitura feita por Marx (2006) por vias autogestionárias, o Estado, que
há uma identidade abstrata – que podemos propunha reformas que tornam ainda mais
entender como uma igualdade jurídica – miserável a educação que tinham. No retorno
criada entre os sujeitos e os “estamentos” às aulas, apesar das pressões sobre os
sociais em torno do Estado. A separação professores para que tudo se mantivesse
entre a política e a vida cotidiana evidencia , a como antes, algo se transformou. De repente
partir do momento em que se pensa tínhamos debates sobre gênero, raça, casse
concretamente em uma sociedade de social e educação popular partindo dos
social capitalista não é capaz de organizar políticas e táticas apriorísticas que conduzem
cidades a não ser para garantir a obtenção a uma subestimação e incompreensão da
de lucro para os rentistas e proprietários potência desses movimentos para deflagrar
fundiários. No entanto existem fissuras que uma mudança não apenas radical, mas
expõem as contradições gerais da sociedade revolucionária. Os movimentos sociais
vigente e encontram a resistência dos grupos urbanos são constantemente vistos como
que são afetados de maneira negativa por algo, por definição, separado ou subordinado
esses projetos. A resistência mais radical vêm às lutas de classe e anticapitalistas que têm
daqueles que necessitam resistir pra raízes na exploração e alienação do trabalho
sobreviver, dos que não tem outra alternativa. vivo na produção. Se é que os movimentos
sociais urbanos chegam a ser, de fato,
Portanto, a luta social, que a princípio evoca
levados em consideração, são tipicamente
a um reformismo (direito à moradia,
interpretados como meros desdobramentos
mobilidade urbana, reforma agrária, etc.),
ou desvios dessas lutas fundamentais. Na
apesar de negligenciada pela esquerda
tradição marxista, por exemplo, as lutas
tradicional, desenvolve, no próprio processo
urbanas tendem a ser ignoradas ou
de resistência, uma consciência política que
repudiadas como desprovidas de potencial
transcende a luta por direitos e muda seu
ou importância revolucionária. Essas lutas
sentido para uma luta por outra vida, um outro
são interpretadas como algo mais voltado
projeto de sociedade, onde enxerga-se mais
para questões de reprodução do que de
claramente a luta de classes. A luta por uma
produção, ou sobre direitos, soberania e
casa, por escola, por alimentação tem o seu
cidadania, e, portanto, não sobre classe
valor no momento em que, no próprio
(HARVEY, 2014 p. 217).
processo de luta por direitos, rompe-se com o
cotidiano totalmente envolvido com a lógica Em Curitiba, onde boa parte do jogo de
do trabalho. Os participantes de coletivos e poderes que paira sobre a disputa atual pelo
movimentos sociais constroem processos Estado brasileiro se desenrola; onde a
autogestionários interessantíssimos que são questão da técnica e da ciência sempre se
pedagógicos para que se almeje uma luta colocaram como superiores a qualquer outra
mais ampla de superação do capitalismo e do forma de raciocinar; teve dilatadas suas
modo de produção. Para Harvey: fissuras pelo movimento secundarista que
expôs os limites da forma e da lei sobre a vida
Para muitos na esquerda tradicional (o que
cotidiana. O povo fala, cabe ao pensamento
para mim significa principalmente partidos
de esquerda ouvir, e criar estratégias sobre
políticos socialistas e comunistas e a maioria
como agir espacialmente, levando em conta
dos sindicatos), a interpretação da geografia
as reais necessidades e projetos destes
histórica dos movimentos políticos urbanos
sujeitos periféricos. Estamos sentados sobre
vem sendo prejudicada por suposições
um barril de pólvora, e ele há de explodir.
Capítulo 13
"La casa parece ser una extensión y un refugio de nuestra constitución y de nuestro
cuerpo."
Juhani Pallasmaa
74
El presente artículo amplía y completa algunas de las cuestiones presentadas en el pasado Congreso ALTEHA V Buenos
Aires, 2017, y en el Fórum Habitar Belo Horizonte, 2018.
75
Metodología que aquí pretende mostrarse como aplicable fundamentalmente al campo proyectual de la vivienda y el
territorio residencial, entendiendo la vivienda como aquel espacio de cobijo existencial que alberga y recoge de manera
más próxima la condición intima, personal, vivencial, familiar e identitaria del hombre, con todos los matices asociados a
esta idea. "Una reflexión sobre la esencia de la vivienda nos aleja de las propiedades físicas del hogar para introducirnos
en el territorio psíquico de la mente. Nos enfrenta a cuestiones de identidad y memoria, de lo consciente y lo inconsciente,
a los remanentes del comportamiento biológico y de las reacciones y los valores condicionados por la cultura."
PALLASMAA, Juhani. Habitar. Barcelona: G. Gili. 2016. Págs. 18 y 19.
DEL HOMBRE TIPO AL HOMBRE CONCRETO de contacto con nuestra propia naturaleza
básica78, dando lugar al extendido fenómeno
El hombre, a diferencia del resto de las
de homogeneización social. Los años iniciales
criaturas vivientes que se conocen, es un ser
de condicionamiento dejan profundas huellas
bio-cultural76. En su proceso adaptativo y
en los registros personales de la memoria. De
evolutivo va desarrollando formas de
esta manera quedamos atrapados en una
expresión cada vez más complejas y
estructura repetitiva y predecible de
sofisticadas, que dan lugar a muy diversos
personalidad, que nos aleja de nuestra
modos de organización y relación con el
naturaleza esencial, pasando a afirmarnos
mundo. Construimos códigos y símbolos;
como sujetos previsibles, manipuladores y
lenguajes que nos permiten elaborar
manipulables; víctimas de programas
territorios comunes para el encuentro, cuyo fin
mentales que nos arrastran a vivir desde un
último sería facilitar el intercambio, y una
profundo sentimiento de carencia que en la
comunicación más abierta, rica, fluida y
mayor parte de los casos es inconsciente.
potenciadora con nuestro entorno vital. Sin
embargo, paradójicamente, no es frecuente Por este motivo, consideramos que resulta
que se produzcan avances en esta dirección. apremiante poner en valor las características
innatas de cada individuo, sus fuerzas vitales,
Nos encontramos inmersos en una red
para que pueda llevarse a cabo una gestión
sorprendentemente compleja, constituida por
consciente79 del torrente energético que lo
capas y capas de condicionamiento, de
diferencia del resto de sus semejantes:
influencias intergeneracionales y
disponemos de unos mecanismos de
multiculturales. Por fortuna, ya disponemos de
funcionamiento propios que nos convierten en
cartografías que nos capacitan para ver, tanto
absolutamente únicos, diseñados de tal
el núcleo emergente de cada vida humana,
manera que cada existencia es valiosa para
como la forma velada que prevalece en cada
desempeñar determinadas funciones dentro
individuo, reforzada desde la infancia como
de la comunidad humana de la que
consecuencia de la necesidad vital de crecer
constituimos una parte esencial80.
en relación y convivencia con los demás
seres humanos. Esta cubrición se
corresponde con una fijación o distorsión 78
ALMAAS explica: "En su libro, Ennea-type Structures
cognitiva que es debida a la interferencia (Naranjo, 1990), Naranjo presenta el Eneagrama en forma
organísmica77 propia del contexto familiar y de método para la autoobservación y el estudio, como
parte de un trabajo de realización espiritual más amplio.
cultural en el que se ha desarrollado durante Elabora el modo en que las características de la
los primeros siete años de vida. personalidad de los nueve ego-tipos (que Naranjo
denomina "enea-tipos") son expresiones de pérdida de
El sistema educativo predominante -que no contacto con el Ser, nuestra naturaleza básica, y al
está adaptado a la singularidad del individuo- hacerlo, muestra que el verdadero valor de dicho
provoca en cada uno de nosotros la pérdida conocimiento estriba en ayudarnos a restablecer ese
contacto." ALMAAS, A.H. Facetas de la Unidad.
Barcelona: La Liebre de Marzo. 2002. Pág. 22.
76
"Decir que el hombre es un ser biocultural, no es 79
Señalamos la importancia vital de la toma de
simplemente yuxtaponer estos dos términos, es mostrar conciencia de que sucede, en cada ser humano, un
que se coproducen el uno al otro y que desembocan en despliegue natural de sus ciclos: "La evolución no es un
esta doble proposición: proceso continuo y uniforme. Se produce más bien a
- todo acto humano es biocultural (comer, beber, dormir, saltos, con ocasión de ciertos acontecimientos y/o tomas
defecar, aparearse, cantar, danzar, pensar o meditar); de conciencia. Incluye también regresiones, vueltas
- todo acto humano es a la vez totalmente biológico y sobre los mismos pasos, o lo que parecen ser los mismos
totalmente cultural." pasos.
MORIN, Edgar. La unidualidad del hombre. Este proceso no es ni necesariamente ni siquiera
Disponible en: http://www.gazeta- frecuentemente consciente. El ciclo tiene lugar con
antropologia.es/?p=3508 independencia de la voluntad del interesado. Sin
77
Recogemos aquí la cita entera: "La psicología de los embargo, padecerlo o tomar conciencia de él, producen
eneatipos es un mapa del carácter o de la neurosis o, resultados muy diferentes." CAUVIN, Pierre / CAILLOUX,
dicho en otras palabras, de las variaciones del malestar Geneviève. Sé tú mismo. De la tipología de Jung al MBTI.
humano por el oscurecimiento existencial. La visión del Bilbao: Ediciones Mensajero. 1997. Pág. 90.
doctor Naranjo es transpersonal, y se basa en que la 80
Ken Wilber apunta: "Los elementos constitutivos de
personalidad se forma debido a una interferencia estas jerarquías son los holones, totalidades que, al
organísmica que implica una deficiente experiencia del mismo tiempo, forman parte de otras totalidades.(...) la
Ser, ante lo que la persona desarrolla una pasión, o realidad no está compuesta de totalidades ni de partes,
emoción exagerada, que trata de cubrir ese agujero sino de totalidades/parte u holones. En cualquier dominio
existencial y que acaba perpetuando esa personalidad." que la consideremos, la realidad está básicamente
LLORENS, Antoni. La estructura de la nada. Una raíz compuesta de holones.". Puede verse: WILBER, Ken. Una
común entre el eneagrama y el árbol de la vida. teoría de todo. Barcelona: Kairós. 2001. Pág. 36.
Barcelona: Ediciones La Llave. 2016. Pág. 133.
92
Op. Cit. Diseño Humano... Pág. 286.
Finalmente señalamos los aspectos más casa, de un entorno sin aparente urbanidad.
destacados que, desde el diseño, Se origina una vivienda que emerge desde su
acompañan la naturaleza esencial de condición maciza frente las orientaciones
Roberto: norte y oeste con muros ciegos de gran
espesor para combatir la contaminación
Ambivalencia: el habitante ermitaño y
acústica, proteger del fuerte viento dominante
enormemente social, dependiendo de sus
“el cierzo” y preservar la privacidad.
estados de ánimo, se siente protegido, en su
Figura 5. Desde el acceso, la vivienda se muestra, se hace porosa, ofrece escenarios. Fuente:
Nicolás Buendía Roca
· Vinculación con el flujo natural de la vida: la que constituyen una segunda protección. Esta
creación de pautas espaciales y de atmósfera que desdibuja los límites interior–
atmósferas que lo conectarán con el presente exterior, potencia la conexión del habitante
y favorecerán la sincronización de sus propios con los estratos más profundos, más íntimos y
ritmos con los ciclos de la naturaleza. casi abandonados de su naturaleza. Las
Conseguimos que todas las estancias queden aperturas hacia el sur, nos permiten
orientadas hacia el sur mediante una aprovechar la energía pasiva del sol: en
disposición radial que al mismo tiempo verano, las hojas de parra protegen el vidrio
permite una secuencia espacial de espacios de la radiación solar directa, y al
intermedios o umbrales. De esta manera se desprenderse, llegado el invierno, permiten el
intensifica la relación directa con el paisaje paso de los rayos solares hasta el interior de
natural, con las estaciones y los ciclos la vivienda. La leve inclinación de la parcela
solares; con la vida: la luz, la tierra, el aire, el favorece las vistas a las colinas cercanas.
agua y la sombra matizada por los árboles
más abierta y luminosa; será recorrido con dobles o individuales, por lo que posibilitan
frecuencia a lo largo del día. La presencia de distintas opciones de ocupación que permitan
los libros, va a ser una constate que envuelva adaptarse a la futura familia. Mientras llegan
al habitante en un escenario propicio para los niños, quedarán disponibles para amigos,
sentirse seducido e invitado a saborear el familiares o invitados.
placer de la lectura de manera espontánea.
· Su proceso de maduración natural, pausado,
Sus hijos crecerán en un paisaje que los
en tres fases, entra en sintonía y sincronía con
acompañará a integrar el hábito de aprender
la elección de materiales nobles, que
leyendo, de manera casi natural desde sus
envejecen bien con el paso del tiempo. La
primeros pasos. Parece fácil imaginar
vivienda se ha pensado utilizando una paleta
momentos mágicos compartidos en familia
reducida de materiales tradicionales como la
propiciados por la cercanía de los cuentos
madera natural y la piedra que acentúan y
infantiles.
orquestan el acompañamiento de los ciclos
· En esta fase, se encuentra en el momento de naturales con el ciclo global de duración de
crear familia, de expandirse. Las estancias su propia vida.
han sido dimensionadas para que puedan ser
En líneas generales, acabamos de exponer mismo planeta que él. En este caso, la acción
las directrices organizativas del proceso de arquitectónica se revela como una extensión
investigación que estamos llevando a cabo en de las energías primigenias de cada ser
nuestro estudio durante años, dejando ver la humano, encauzadas mediante la aplicación
clara intención de defender al Hombre a de las cartografías mencionadas a través de
través de la arquitectura, en su condición un proyecto que ofrece entornos de libertad y
incuestionable de ser absolutamente único y protección, y favorece un despliegue vital en
al mismo tiempo proyectado irremisiblemente consonancia con la verdadera naturaleza de
a confrontar su unicidad -a través de su quien está dispuesto a reconocerse, a
propia experiencia y autoexpresión- con el habitarse y a permitirse un viaje en conexión
resto de seres humanos que cohabitan en el con su propia esencia.
[5] CHAVES, Norberto (2005). El diseño [14] PALLASMAA, Juhani (2015). Una
invisible. Siete lecciones sobre la intervención culta arquitectura de la humildad. Barcelona: Fundación
en el hábitat humano. Buenos Aires: Paidós. Caja de Arquitectos.
[6] FERNÁNDEZ COX, Cristián (2005). El [15] PALLASMAA, Juhani (2012). La mano que
orden complejo en la arquitectura. Teoría básica piensa. Sabiduría existencial y corporal en la
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[7] CAUVIN, Pierre / CAILLOUX, Geneviève Barcelona: Gustavo Gili.
(1997) Sé tú mismo. De la tipología de Jung al
[17] PUENTE, Moisés (2010). Jorn Utzon.
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Conversaciones y otros escritos. Barcelona:
[8] LE CORBUSIER (1998). Hacia una Gustavo Gili.
arquitectura. Barcelona: Apóstrofe.
[18] SERRA, Rafael (2009) Arquitectura y
[9] LLORENS, Antoni. (2016). La estructura de climas. Barcelona: Gustavo Gili.
la nada. Una raíz común entre el eneagrama y el
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árbol de la vida. Barcelona: Ediciones La Llave.
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[10] NARANJO, Claudio (2013). La revolución
[20] WILBER, Ken (2012). La conciencia sin
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Barcelona: Kairós.
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símbolos. Barcelona: Luis de Caralt Editor.
[13] PALLASMAA, Juhani (2006). Los ojos de
la piel. Barcelona: Gustavo Gili.
CÉLIO QUINTANILHA
Graduado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com licenciatura
concluída em 2016 e graduando no curso de Bacharel em Geografia. Pós-Graduando no
curso de Especialização no Ensino de Geografia pela Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ). Professor da rede privada de ensino.
FELIPE NASCIMENTO
Graduado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com licenciatura
concluída em 2016 e graduando no curso de Bacharel em Geografia. Professor da rede
privada de ensino.
KAUÊ AVANZI
Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, educador no Ensino Básico, poeta e músico.
Gosta de escrever, se divertir e confraternizar.
KEILHA CORREIA DA SILVEIRA
Bacharel em geografia (2006), licenciada em geografia (2013), mestra em geografia (2010) e
doutora em Geografia (2018), todos as formações desenvolvidas na UFPE. Trabalhou como
professor substituta na Graduação do curso Licenciatura em Geografia e curso de Turismo
ambos da UFPE. Atualmente é professora da Faculdade de Ciências Humanas de Igarassu
(FACIG).
LUCAS MAIA
Graduado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com licenciatura
concluída em 2016. Pós-Graduando no curso de Mestrado em Geografia pela Universidade
Federal Fluminense (UFF).
Gerais (2003), Especialização em Urbanismo pelo Instituo Metodista Izabela Hendrix (2005) e
mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009).
Professora Assistente I do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, desde 2012, arquiteta e urbanista efetiva da Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte, na Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano. Experiência em
planejamento urbano e regional, licenciamentos de empreendimentos de impacto urbanístico
e ambiental, parcelamento do solo, desenho urbano, planos de inventário de bens culturais
municipais e arquitetura.