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Editora Poisson

Geografia Urbana
Volume 1

1ª Edição

Belo Horizonte
Poisson
2019
Editor Chefe: Dr. Darly Fernando Andrade

Conselho Editorial
Dr. Antônio Artur de Souza – Universidade Federal de Minas Gerais
Msc. Davilson Eduardo Andrade
Msc. Fabiane dos Santos Toledo
Dr. José Eduardo Ferreira Lopes – Universidade Federal de Uberlândia
Dr. Otaviano Francisco Neves – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Dr. Luiz Cláudio de Lima – Universidade FUMEC
Dr. Nelson Ferreira Filho – Faculdades Kennedy
Msc. Valdiney Alves de Oliveira – Universidade Federal de Uberlândia

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


G345
Geografia Urbana - Volume 1/
Organização: Fabiane dos Santos Toledo
Belo Horizonte - MG: Poisson,
2019 – 167p

Formato: PDF
ISBN: 978-85-7042-056-5
DOI: 10.5935/978-85-7042-056-5

Modo de acesso: World Wide Web


Inclui bibliografia

1. Meio ambiente 2. Gestão. I. Toledo,


Fabiane dos Santos

CDD-577

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de responsabilidade exclusiva dos seus respectivos autores.

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Sumário
Capítulo 1: Metropolização do rural: urbanidades e ruralidades no território de
Ravena, MG.......................................................................................................... 6
Caroline Cristiane Rocha, Lúcia Karine de Almeida

Capítulo 2: Urbanização e desastre: o processo de reassentamento da população


de Bento Rodrigues, Mariana, Minas Gerais........................................................ 18
Breno Fonseca de Araujo, Gabriela Mara Batista de Sousa, Paula Pires Santos Pereira Thomaz

Capítulo 3: A criação e efetivação da região metropolitana de Palmas-TO: Critérios


e processo de institucionalização ........................................................................ 31
Dalva Marçal Mesquita Soares, Celene Cunha Monteiro Antunes Barreira

Capítulo 4: Relações de usos e consumos de espaços públicos de lazer e turismo


na cidade de Aracaju/SE...................................................................................... 42
Cristiane Alcântara de Jesus Santos, Larissa Prado Rodrigues

Capítulo 5: Macaé como cidade média pela atração de mobilidades pendulares


............................................................................................................................. 57
Célio Fidelis Quintanilha, Felipe Ricardo Branco do Nascimento, Lucas Gomes Maia

Capítulo 6: Arranjos institucionais híbridos e os projetos da copa do mundo Fifa


2014 na região metropolitana do Recife (RMR): Uma abordagem situacional até o
ano de 2017 ......................................................................................................... 68
José Geraldo Pimentel Neto, Keilha Correia da Silveira, Flavio Antônio Miranda de Souza, Ana
Cláudia Rocha Cavalcanti

Capítulo 7: Uma geografia histórica urbana/ regional da província fluminense...


............................................................................................................................. 80
Valter Luiz de Macedo

Capítulo 8: A instrumentalização do estado em favor do mercado na produção do


espaço urbano: do planejamento estratégico ao “Modelo Odebrecht” de inserção
nas operações urbanas consorciadas, Rio de Janeiro - Salvador....................... 91
Piero Carapiá Lima Baptista

Capítulo 9: A importância do porto seco para a economia regional contemporânea


do Brasil: Anápolis (GO) e Porto Franco (MA) como referências......................... 104
João Gabriel da Silva Oliveira, Antonio José de Araújo Ferreira
Sumário
Capítulo 10: Governança interfederativa na RMVPLN/SP: Um caminho de
colaboração dos entes federados ....................................................................... 117
Priscila Maria de Freitas

Capítulo 11: Mobilidade e responsabilidade social: Uma análise sob a perspectiva


do desenvolvimento orientado pelo transporte como indutor de equidade e coesão
urbana .................................................................................................................. 126
André Luiz Bezerra da Silva

Capítulo 12: As ocupações estudantis no município de Curitiba e segregação


urbana: a escola entrando em cena na luta pelo direito à cidade ....................... 139
Anna Paula Scherer Lino, Kauê Avanzi

Capítulo 13: Proyectar desde la esencia del habitante. form follows life. ............ 151
Ignacio Abad Cayuela, Juan Moreno Ortolano

Autores: ................................................................................................................ 161


Capítulo 1

Caroline Cristiane Rocha


Lúcia Karine de Almeida

Resumo: O presente trabalho pretende discutir as identidades urbanas e rurais


existentes em Ravena, distrito de Sabará, Minas Gerais, para além dos limites
territoriais ou das dicotomias que reduzem a complexidade e especificidades do
espaço. Deve-se analisar a totalidade na qual o objeto de estudo está inserido,
método que foi pretendido através da pesquisa e da investigação em campo. O
estudo de caso foi escolhido devido ao interesse de se compreender qual é a
relação do lugar com seus aspectos rurais, intrínsecos em suas relações históricas,
além de refletir sobre as consequências da sua atual expansão urbana. Finalmente,
considerando a legislação como um agente produtor do espaço, defende-se a
necessidade de pensar políticas de planejamento e refletir sobre estratégias de
fortalecimento desses espaços.

Palavras-chave: Identidades rurais e urbanas. Limites metropolitanos. Políticas de


planejamento.

* Trabalho apresentado no XV Simpósio Nacional de Geografia Urbana, 2017


7

1 INTRODUÇÃO considerando principalmente as atividades


econômicas ali desenvolvidas, a densidade
O planejamento urbano existe para que a
demográfica do lugar e os aspectos
organização espacial do território seja
ambientais relevantes. Dessa forma surge um
adequada aos modos de vida das
questionamento pertinente ao tema deste
sociedades. Nas cidades contemporâneas,
trabalho: existe algum planejamento territorial
muitas delas planejadas sob os princípios do
que faça a integração entre áreas rurais e
urbanismo moderno, a forma urbana deve
urbanas, principalmente nesses territórios em
trabalhar para que os quatro pilares desse
que existe maior interface entre o campo e a
urbanismo1, morar-trabalhar-divertir-
cidade? Como a população que não se insere
locomover, aconteça de forma mais
na categoria urbano2 é contemplada pelas
equilibrada. As políticas públicas deveriam
políticas públicas de planejamento do seu
visar a melhor qualidade de vida para a
município?
população e prever densidades e usos
adequados à infraestrutura urbana, O estudo de territórios que apresentem de
promovendo espaços públicos e atendimento alguma forma, seja na identidade coletiva, ou
a serviços em todo o território. Técnicos, mesmo em políticas de planejamento,
representantes políticos, cidadãos, todos interface com o rural, pode trazer à luz uma
deveriam ser responsáveis pelo espaço em discussão relevante para o campo da
que vivem e participar do planejamento Arquitetura e do Urbanismo, temática essa
urbano de seus territórios. ainda muito restrita aos estudos de
especialistas da área de Geografia. Essa
O cerne da questão é que o termo
discussão sobre o rural e o urbano deve estar
planejamento tende a associar-se com
presente na elaboração de planos
adjetivo urbano. Isso quer dizer que tudo o
urbanos/rurais/regionais/metropolitanos que
que foi dito anteriormente refere-se ao
estruturam esses lugares através de
território cidade, pois as cidades são a
instrumentos como os Planos Diretores e as
expressão máxima do modo de vida urbano.
Leis de Uso, Ocupação e Parcelamento do
Mas e os outros territórios? A geopolítica atual
Solo (LUOPS). Isso mostra que o tema,
brasileira determina que o país deve ser
apesar de pouco tratado dentro das escolas
dividido em entes federados: distrito federal,
de arquitetura, é pertinente para profissionais
estados e municípios, sendo que este último
e estudantes (e claro, cidadãos) que
pode ou não ser subdividido em distritos. Nos
pretendem contribuir para discussões que
territórios municipais existem, além das
promovam políticas públicas mais próximas
cidades, áreas de menor porte, mas que
das especificidades dos lugares.
concentram população, como os pequenos
povoados ou vilas, que correspondem ou não O objeto de análise deste estudo foi escolhido
às sedes de distritos, e são micro devido ao histórico de evolução da ocupação
urbanidades ou pequenas centralidades nos e os atuais problemas enfrentados pela
grandes espaços rurais. A administração população. O território de Ravena, distrito do
municipal, conforme regras federativas e município de Sabará, em Minas Gerais, tem
através de legislações, organiza o seu uma relevância histórica devido às origens de
território em áreas urbanas e rurais, sua ocupação, que assim como o distrito
sede do município, estão ligadas à época do
1
O urbanismo tem quatro funções principais, que Ciclo do Ouro em Minas Gerais3. Além disso,
são: primeiramente, assegurar aos homens
2
moradias saudáveis, isto é, locais onde o espaço, O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
o ar puro e o sol, essas três, condições essenciais (IBGE), órgão responsável pela coleta e
da natureza, lhe sejam largamente asseguradas; publicação de estatísticas oficiais sobre o território
em segundo lugar, organizar os locais de trabalho, nacional, lança mão dos termos rural e urbano para
de tal modo que, ao invés de serem uma sujeição definir a localização domiciliar. Nesse sentido, rural
penosa, eles retomem seu caráter de atividade e urbano são estritamente categorias do que os
humana natural; em terceiro lugar, prever documentos oficiais denominam de situação de
instalações necessárias à boa utilização das horas domicílio [...] os domicílios são considerados de
livres, tornando-as benéficas e fecundas; em situação urbana quando estão em área assim
quarto lugar, estabelecer o contato entre essas denominada pela legislação vigente. A população
diversas organizações mediante uma rede rural, por seu turno, corresponde ao restante da
circulatória que assegure as trocas, respeitando as população residente em área para além desses
prerrogativas de cada uma. (IPHAN, Carta de limites. (COSTA; SANTOS; COSTA, 2013. p. 110).
3
Atenas de 1933, p.29). O Ciclo do ouro é considerado o período em que
o Brasil tem como principal atividade econômica a

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existe uma interface metropolitana do distrito, busca da compreensão do território em


que se encontra diretamente ligada à capital diversas escalas de planejamento: municipal,
mineira pela Rodovia Federal Fernão Dias - regional e metropolitano. Além disso, foram
BR 381. Observa-se constantes modificações feitas entrevistas4 para avaliar a possibilidade
da paisagem entre a capital e o território de de manutenção de traços de ruralidade do
estudo, que não é contínua, mas sim uma território, com o objetivo de descobrir se estes
mistura de ruralidades e urbanidades onde as ainda resistiam nas relações sociais e nos
ocupações acontecem de maneira espraiada modos de vida da população.
e descontínua. Tal processo é verificado
Pretende-se aqui não apenas fazer uma
devido à estagnação do crescimento de Belo
reflexão teórica sobre as questões que
Horizonte e pressão populacional sobre os
envolvem o tema, mas apresentar, sob a
municípios limítrofes, que crescem e
perspectiva histórica e do planejamento atual,
configuram áreas conurbadas, apresentando
aspectos relevantes que devem ser
como característica principal a periferização
considerados pelos técnicos e governantes
da pobreza e a ocupação urbana de áreas
ao planejar ou elaborar políticas públicas que
antes consideradas rurais ou de interesse
considerem esses territórios ainda não
ambiental.
completamente urbanizados. Dessa forma,
A discussão sobre as relações entre o rural e reflete-se também sobre o papel do arquiteto
o urbano, que se estruturou por muito tempo e urbanista para o entendimento das
sobre uma dicotomia e principalmente sobre interfaces entre os aspectos físico-ambientais,
a ideia de que o urbano seria o rural alterado, culturais e econômicos das urbanidades e
uma espécie de evolução onde a cidade seria ruralidades.
o último estágio da urbanização, toma forma
na contemporaneidade sob a busca de uma
compreensão da coexistência desses 2 IDENTIDADES PARA ALÉM DOS LIMITES
territórios, e mais, da existência de outros que TERRITORIAIS
não podem ser classificados apenas como
Antes da abordagem do território porém, faz-
rurais ou urbanos. O objeto de análise deste
se necessário a discussão dos conceitos.
trabalho - o distrito de Ravena - pode ser
Afinal, o que é rural? O que é urbano?
considerado um desses territórios, que a
Empiricamente, pode-se perceber que ambos
princípio considerado majoritariamente rural
os espaços são distintos em suas formas e
pela organização territorial e zoneamentos do
processos socioculturais. Roberto Luís Monte-
município, vem passando por constantes
Mór (2005) irá tratar da dicotomia cidade-
transformações que promovem alterações nas
campo, onde o campo seria um espaço
leis de uso e ocupação do solo. Isso mostra
natural circundante a alguma centralidade
que as áreas urbanas não param de crescer e
urbana, na qual ele dependeria e
que tal crescimento, não previsto pelo
desempenharia o papel de um território
planejamento do município, promove
complementar. O conceito urbano estaria se
soluções tardias de compensações e
referenciando a tudo o que é próprio da
mitigações com elevados gastos públicos e
cidade, centro político e mercantil, e o rural
impactos para a população.
seria tudo que é próprio do campo, a
Assim, uma das questões norteadoras deste produtividade. Entretanto, com a chegada da
trabalho seria compreender quais são as produtividade na cidade - industrialização -
atuais interfaces urbanas e rurais do território, aumenta a subordinação do campo e
trazendo a discussão sobre as rapidamente a cidade se torna o locus, meio
especificidades desses lugares que não são urbano capitalista, privilegiado da reprodução
tratadas no planejamento regional. Para isso coletiva da força de trabalho. (MONTE-MÓR,
foi necessário uma pesquisa conceitual, 2005). Nesse momento, como destaca o
histórica e da legislação em vigor, onde se autor, o tecido urbano-industrial se estenderia
encontra a definição de áreas urbanas e para além das cidades, sobre o campo:
rurais feitas pelo município, e a legislação
Em pouco tempo, essa extensão das relações
proposta, bem como o Plano Diretor de
de produção capitalistas e das condições
Sabará e o Plano Diretor Metropolitano, na

4
Foi necessário um recorte espacial para a
extração aurífera, principalmente nos estados de aplicação das entrevistas, devido à dimensão
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, e teve seu territorial do distrito, escolhido por ser a
início no final do séc. XVII. centralidade histórica e simbólica de Ravena.

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gerais de produção (e de reprodução da olharmos de forma mais ampla, veremos um


força de trabalho) atingiu virtualmente todo o território onde o urbano se manifesta
espaço nacional. Essa percepção de um ideologicamente e comportamentalmente,
futuro dominado pelo tecido urbano-industrial com representações homogeneizadoras dos
[...]. O que parecia não mais existir, espaços. No entanto, um recorte geográfico
virtualmente, eram os problemas rurais menor ou mais específico, revela que existem
ligados à rusticidade, ao isolamento, à interações urbano-rurais “em que espaços
desarticulação e exclusão do campo face ao híbridos serão gerados como frutos
mundo moderno. Virtualmente, o meio rural particulares de tais interações.” (RUA, 2010,
estaria, ao final da década de 1970, também p.46).
integrado ao meio urbano-industrial no Brasil.
Rua irá abordar o conceito de espaços ainda
(MONTE-MÓR, 2005. p.15).
não classificados e territorialidades que ainda
Essa integração do rural ao meio urbano- estão por definir, devido às possíveis
industrial, em que o rural perde o seu caráter múltiplas interações entre o rural e urbano.
de isolamento, é chamada pelo autor de Além dessas interações, o autor coloca a
urbanização extensiva, a extensão da práxis importância da compreensão do espaço
urbana, que nasce nas grandes cidades e territorializado, ou seja, socialmente
que “transborda sobre seu espaço imediato, construído e lugar de relações, apropriações
mas se estende (virtualmente) pelo espaço e dominações. (RUA, 2010). Isso se torna
regional e nacional como um todo, todo ele extremamente relevante quando se pretende
cortado e integrado a essa centralidade compreender as relações da população com
urbano industrial”. (MONTE-MÓR, 2005. p.16). o local, principalmente em espaços
Se em um primeiro momento isso ocorreu metropolizados, como é o caso da Região
através da industrialização (no caso do Metropolitana de Belo Horizonte5, onde
município de Sabará, principalmente através características e problemas antes exclusivos
da atividade minerária), percebe-se que do meio urbano, vão se reproduzir nos
agora isso acontece pelos meios espaços rurais.
informacionais: computadores, celulares,
Além disso, o autor refere-se a espaços
televisores.
híbridos nos quais urbano e rural integram-se,
Essa extensão do modo de vida urbano a o que é chamado por ele de “urbanidades no
todo o espaço social e humano acontece rural”. Em um primeiro momento pode-se
devido ao poder cultural e social da cidade compreender que isso seria uma oposição às
em relação ao campo que, segundo o “ilhas de ruralidades” de Monte-Mór.
geógrafo João Rua (2010), se reflete na Entretanto, em espaços tão complexos onde o
representação do espaço. urbano e o rural encontram-se em uma única
espacialidade, esbarrando em questões
Esse poder, centrado na cidade moderna
culturais, históricas e de desenvolvimento
capitalista, vem impondo símbolos, códigos e
econômico, é necessário considerar ambos
signos territorializados tanto ao “rural” quanto
pontos de vista, na expectativa de
ao “urbano”, que têm, como vimos, seus
compreender como o território se apresenta:
papéis alterados pelos atores produtores
em uma série de “mistos”, como coloca Rua,
dessas espacialidades redefinindo suas
em que “o rural não é (mais) plenamente rural
identidades em cada momento do movimento
porque incorpora ‘urbanidades’ que com ele
do todo social. (RUA, 2010, p.45).
vão interagir e dar lugar a territorialidades
É o poder centrado na cidade moderna outras, que resta por definir.” (RUA, 2010,
capitalista que introduz ao espaço rural modo p.50); ou em espaços em que as relações
de viver, pensar e agir urbano. Entretanto, sociais no espaço expressam ruralidades
Monte-Mór coloca ainda que existem “ilhas de únicas, onde população e território possuem
ruralidades”, os seja, locais onde a características relevantes e que devem ser
urbanização ou “as forças modernizadoras do fomentadas pelo planejamento.
capitalismo industrial” não modificou
completamente o espaço e ainda existem
processos socioespaciais de organização da
vida cotidiana e da produção que respondem 5
A Região Metropolitana de Belo Horizonte
a dinâmicas de um meio rural. (MONTE-MÓR, (RMBH) é uma subdivisão administrativa do
2005). Nesse aspecto, Rua coloca a estado de Minas Gerais composta por 34
importância da escala de análise pois, se municípios, dentre eles o município de Sabará.
(MINAS GERAIS, 2011).

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Assim temos uma abordagem que foge da que a ideia de urbanização rural dificulta a
visão homogeneizadora em que cidade e compreensão dos processos em curso, como
campo se verão fundidos numa única o caráter híbrido das identidades territoriais
espacialidade “urbanizada”, permanecendo construídas e as múltiplas dimensões das
essa dicotomia dos espaços periféricos/rurais relações sociais. Para compreender essas
e centrais/urbanos. Hespanhol (2013) coloca relações sociais geradoras de território, é
que a consolidação das relações de necessário também compreender a
proximidade entre espaços rurais e urbanos identidade territorial dos habitantes, a
está associada às condições de acesso à dimensão simbólica-cultural daquele lugar,
infraestrutura (viária principalmente) e para os que ali vivem.
serviços à população rural que garantam a
cidadania e a autonomia. As pessoas que
vivem no campo hoje mantêm estreitas 3 O LUGAR DO LOCAL NO
relações e vínculos com as cidades e o modo METROPOLITANO
de vida urbano. Também Talaska, Silveira e
Para tratar dos conceitos urbano e rural em
Etges (2014) irão abordar esses vínculos,
uma abordagem concreta, analisando um
colocando que na contemporaneidade, existe
território, é necessário compreender as
um processo de complexização do modo de
interfaces da divisão territorial administrativa.
organização socioespacial, o que dificulta a
Os limites administrativos se configuram como
definição de urbano e rural. Esses autores
grandes influenciadores nas decisões de
consideram a superposição das formas
planejamento e gestão, pois esses são
urbanas e rurais, através de um continuum
potenciais ou limitadores do desenvolvimento
espacial (conceito de Robert Redfiel, 1930),
dos territórios. Os estados brasileiros são
partes de uma mesma totalidade, onde não
divididos em municípios, que podem ou não
se pressupõe o desaparecimento do campo e
ser divididos em distritos, os quais podem
sim a constituição de áreas de transição,
apresentar apenas perímetros urbanos ou
onde mesmo com a aproximação entre rural e
perímetros urbanos e rurais. A cidade é o
o urbano, não desaparecem suas
perímetro urbano mais desenvolvido de um
particularidades. (TALASKA, SILVEIRA,
município, os outros perímetros urbanos são
ETGES, 2014).
chamados de povoados e sedes de distritos.
Não se trata também de enxergar o rural Para que ocorra a ligação entre as diversas
apenas como um conjunto de bens regiões do território, deve-se prever uma rede
simbólicos e de práticas culturais a serem urbana bem articulada, não só referente à
consumidos pela sociedade urbano- infraestrutura, mas também à oferta de bens e
capitalista, que deseja uma relação com a serviços.
natureza e fuga do centro caótico. Se trata
Dessa forma, ao compreender a criação de
porém, de enfatizar a diferença dos territórios
regiões metropolitanas como uma grande
e que cada um tem sua própria história, que
expressão dessas redes, em escala
se materializa em
intermunicipal, torna-se necessário questionar
espacialidades/territorialidades próprias.
qual o lugar do local, daquilo que é específico
Rural e urbano integram-se, mas sem se
e característico do território. A possibilidade
tornarem a mesma coisa (coexistência), já
de entender sua relevância metropolitana sem
que preservam suas especificidades
deixar de olhar para a suas origens e
(multiplicidade). O rural incorpora
possíveis ruralidades pode abrir portas para
“urbanidades” que com ele vão interagir e dar
políticas públicas com foco nas identidades
lugar a territorialidades outras. (RUA, 2010).
do lugar.
Essa abordagem nos interessa pois coloca

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Figura 1: Inserção do município de Sabará na Região Metropolitana de Minas Gerais.

Fonte: Elaborado pela autora com dados do IBGE, 2017.

3.1 ORIGEM DE RAVENA: GEOGRAFIAS E urbana a partir da centralidade de Belo


HISTÓRIAS Horizonte (MINAS GERAIS, 2011).
O objeto de análise deste trabalho é o distrito Sabará é um município limítrofe à metrópole,
de Ravena, um dos quatro distritos portanto a dependência de seus habitantes
pertencentes ao município de Sabará, com a capital é grande, que ocorre até
composto também pelos territórios de mesmo em detrimento à cidade de Sabará. O
Carvalho de Brito e Mestre Caetano, além do distrito de Ravena tem um acesso direto a
distrito sede – figura 2. Sabará insere-se na Belo Horizonte através da BR-381. O percurso
Região Metropolitana de Belo Horizonte Belo Horizonte-Ravena, que leva
(RMBH), que configura-se como uma divisão aproximadamente 35 minutos,
administrativa do estado de Minas Gerais. A desconsiderando os constantes
contextualização metropolitana é relevante congestionamentos ocorrentes na rodovia,
para o estudo, já que verifica-se atualmente mostra como o território se modifica e se
vários processos de conturbação e impactos transforma em uma mistura de redes de
dessa expansão desordenada da mancha urbanidades e ruralidades.

Figura 2 - Distritos do município de Sabará com principais eixos viários.

Fonte: Elaborado pela autora com dados do IBGE, 2017.

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Essa rede é perceptível pela mudança da bairro Capitão Eduardo – Belo Horizonte (2).
paisagem – figura 3 –, apesar da curta Ambas as situações mostram a pressão
distância no trajeto realizado em via de imobiliária, principalmente de famílias de
ligação interestadual (BR-381) que cumpre baixa renda e a expansão metropolitana, a
papel de via urbana em vários municípios da cidade em direção ao ambiente mais
RMBH. Percebe-se que as ocupações ruralizado. Já em Sabará, neste mesmo trajeto
limítrofes de Belo Horizonte (no caso da mobilidade diária metropolitana, e logo
estudado, na regional nordeste, altura do após a ponte sobre o Rio das Velhas (3) – um
bairro Jardim Vitória) é extremamente precária dos limites entre os municípios –, é nítida a
(1). Vilas e favelas ocupam a faixa de domínio transformação sequencial da paisagem, de
da rodovia e outros resquícios da histórica pequenos bairros, ainda pouco adensados e
ocupação periférica da capital mineira - próximos à rodovia, a sítios isolados e depois
quanto mais afastado do centro, mais barata vastos campos de agropecuária, agricultura
é a moradia. Por outro lado, aparecem pelo típica da região (bananeira) e mata natural
caminho empreendimentos habitacionais que preservada por legislação (Serra da Piedade
reforçam a dependência do centro ao (4)). Por fim chega-se no distrito, que se
implantar moradias em locais isolados, como desenvolveu ocupando o território rural de
é o caso do condomínio Parque Real, no Sabará.

Figura 3 - Percurso Belo Horizonte-Ravena: foto de satélite revela núcleos urbanos espraiados.

Fonte: Elaborado pela autora sobre base do Google Earth, 2017. Obs.: numeração de acordo com os
aspectos citados no texto
.
As origens do município de Sabará são exploração de ouro nos arredores. Segundo o
registradas na época do Ciclo do Ouro em Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Minas Gerais e a sede do município tem em Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG), o
seu traçado aspectos remanescentes de sua antigo povoado denominado Lapa
ocupação inicial, a partir do final do século “provavelmente, contava com razoável
XVII. Salomão Vasconcellos (1945) relaciona a número de habitantes pois, um documento de
formação do primeiro núcleo urbano no 1727 comprova que a capela local se
território a grupos vindos de várias partes do encontrava em atividade regular, com
Brasil em busca do ouro descoberto em Ouro capelão designado.” (MINAS GERAIS, 2014,
Preto e que se dirigiram para Sabará, Caeté, p.75).
Itabira do Campo, Santa Bárbara, e outros
Devido a época de seu surgimento, o distrito
locais próximos. Entre 1701 e 1703, a
apresenta construções do período colonial
população de Sabará era de “quase todos
mineiro que tem valor simbólico e cultural
baianos, paulistas, pernambucanos e
para o município e para o estado. O conjunto
portugueses”. (VASCONCELLOS, 1945).
arquitetônico e paisagístico da Igreja de
Assim como o distrito sede, Ravena surgiu em Nossa Senhora da Assunção da Lapa,
inícios do século XVIII em decorrência da construída de pedra e madeira com

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provimentos da exploração aurífera e os pelo IEPHA/MG em 1977 – figura 4.


engenhos de cana de açúcar, foi tombado

Figura 4 - Distrito de Ravena à esquerda e Adro da Igreja Nossa Senhora da Assunção da Lapa à
direita. Data desconhecida.

Fonte: (MEMÓRIA…,2017)

O nome do distrito vem de uma homenagem Muito do traçado urbano original desse
ao frei italiano Luís de Ravena, responsável núcleo urbano, que configura-se de maneira
por uma das principais reformas da igreja orgânica, pode ainda ser percebido – figura
matriz em 1853. (MINAS GERAIS, 2014). 5.

Figura 5 - Vista do núcleo urbano de Ravena.

Fonte: Acervo do IEPHA/MG, p. 76.

Sobre a relevância histórica do distrito, o 3.2 NOVAS URBANIDADES E VELHAS


IEPHA destaca: RURALIDADES
O distrito guarda da época colonial, a O levantamento de informações em campo
fisionomia urbana, com uma única rua que se mostra-se imprescindível quando se trata de
desenvolve na cumeada do morro e se alarga planejamento, pois o diagnóstico do local é
em extensa praça no entorno da Matriz. Ao de extrema importância para que as
esgotarem as jazidas locais, esse primitivo propostas levantadas sejam adequadas aos
núcleo minerador entrou em decadência e aspectos físicos-ambientais, culturais e
passou a desenvolver atividades agrícolas. históricos dos locais de intervenção. Além
No núcleo urbano, a maioria do casario disso, torna-se fundamental o papel dos
primitivo arruinou-se, restaram apenas alguns planejadores para o entendimento e
exemplares, uns em péssimas condições e promoção das interfaces entre demandas
outros poucos mantidos apenas pela ação sociais e interesses públicos. Dessa forma, o
dos proprietários. (Minas Gerais, 2014, 75). reconhecimento dos anseios e desejos da

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população constituem importantes eixos entrevistada 18 contou que quando chegou


norteadores da pesquisa empírica qualitativa em Ravena ainda não havia asfalto, luz, água
adotada neste trabalho. e que trabalhava no correio. Ela e o marido,
que fora vereador, participaram ativamente
A visita à campo6 teve o objetivo de avaliar a
pela instalação de energia elétrica no distrito,
possibilidade de manutenção de traços de
em 1968. Como lideranças, o casal também
ruralidades no território, principalmente
lutou pela configuração da Regional
através da cultura, história e dos modos de
Administrativa Ravena, implantação do Posto
vida da população. O público alvo foram
de Saúde, pela ampliação da escola de
pessoas que morassem em Ravena, a sede
ensino fundamental e da construção da
do distrito. O recorte espacial, necessário ao
escola de ensino médio. Também grande
tamanho do território, foi escolhido pelo visível
parte dos entrevistados compreendem que o
papel de centralidade, além do seu caráter
lugar possui fortes características urbanas,
histórico e simbólico (Rua Sabará, Rua Arco
como o movimento do comércio nas ruas, a
da Lapa e Rua Benedito Saturnino da Rocha).
quantidade de carros, etc., mas que alguns
Para metodologia de abordagem foram
aspectos rurais permanecem. Alguns
selecionados tópicos sobre o universo
relacionam esses aspectos rurais a
pessoal do indivíduo (história, memórias) e
proximidade com a natureza.9 Nesse sentido,
depois sobre o contexto geral de vida na
foi questionado o papel dos elementos
comunidade (local de vivência, relação direta
naturais da paisagem como presença de rios
com o território). As primeiras perguntas
ou córregos na região. Alguns disseram que a
envolviam laços históricos-familiares com o
água é poluída.10 O entrevistado 211 apontou
lugar e o motivo de residência. As discussões
que considera o lugar ainda rural, devido ao
seguintes envolviam o entrevistado na sua
contexto paisagístico no qual está inserido,
identidade territorial, ao buscar compreender
mas entende que os processos de
se a comunidade se identifica mais com o
urbanização transformaram Ravena em um
rural ou com o urbano e se apresenta algum
espaço urbano. Quando questionado sobre a
tipo de relação com os outros territórios
proposta do novo zoneamento do município
limítrofes, principalmente Belo Horizonte e a
de Sabará, onde todo o território de Ravena
cidade de Sabará. Para completar a pesquisa
aparece como única zona urbana, ele disse
qualitativa, também foram realizadas
que acredita que não dará certo devido a
conversas sobre a relação da comunidade
desorganização municipal. Segundo ele,
com os rios e córregos (patrimônio
antigamente a igreja católica possuía muitos
ambiental), patrimônio cultural e edificações
terrenos e quando houve a venda desses
tombadas. Além disso, foi importante também
terrenos as pessoas não receberam toda a
captar o grau de satisfação do entrevistado
documentação necessária, ou seja, o distrito
com a realidade da qualidade de vida urbana
tem muitos terrenos irregulares.
em relação aos temas da pesquisa, bem
como angústias e demandas.
8
A partir da análise dos resultados foi possível Maria das Dores Ferreira Pinto, 91 anos, mora em
perceber que os laços familiares são Ravena há 70 anos e toda a família é do lugar.
9
mantidos no distrito e para manutenção Segundo a entrevistada Márcia, ela considera
Ravena um território rural “por causa dos pássaros,
destes a relação com a comunidade e o
da mata no fundo do quintal, das galinhas e do
senso de pertencimento7 são fundamentais. A córrego que passa pertinho.”
10
Meire Mariangela, 58 anos, relatou que
costumava lavar roupa no córrego, mas que hoje
6
Visita de campo realizada no dia 15 de abril de em dia a água é muito poluída. Álvaro Martim
2017. O método aplicado no trabalho focou em Ribeiro, 72 anos, apontou que os rios e córregos
uma pesquisa qualitativa e não quantitativa, não são tratados, que é despejado esgoto no Rio
buscando entrevistar moradores de destaque na vermelho e a COPASA (Companhia de
comunidade pelo papel social e memória local. O Saneamento de Minas Gerais), que seria
número de entrevistados poderá ser ampliado para responsável pelo tratamento desse esgoto, não o
aferir melhores resultados em estudos futuros. faz.
7 11
Segundo os entrevistados Márcia e Higno, o Álvaro foi o primeiro administrador da regional de
motivo pelo qual eles moram em Ravena é porque Ravena, onde nasceu e hoje, mora em Belo
“é um lugar tranquilo e todo mundo conhece todo Horizonte. No entanto, mantém vínculos com o
mundo”. Seu Geraldo, de 97 anos, disse que todos lugar devido a sua família que permanece em
(família e comunidade) o ajudam a resolver Ravena e por ser presidente do time de futebol e
questões que devido a idade ele não consegue da banda de música do distrito - Sociedade
mais. Musical Lira da Paz.

Geografia Urbana – Volume 1


15

Uma questão relevante a se ressaltar foi o que foram demolidas devido a processos de
entendimento de Ravena como município pela deterioração pela ação do tempo e descuido
maioria dos entrevistados, o que por um lado por parte das autoridades responsáveis. Ao
demonstra o grau de importância que os falar sobre a importância do patrimônio
moradores dão ao distrito – ao fator cultural para o distrito, o entrevistado 2 relatou
isolamento geográfico em relação à sede a relevância dos marcos históricos,
municipal e ao papel de centralidade regional definidores da ocupação do lugar, como as
metropolitana –, mas que por outro revela o casas coloniais, da época do ouro, que se
baixo conhecimento geopolítico da perderam no tempo.
população, o que gera uma dificuldade de
Dessa forma, nota-se que os traços de
cobrança frente aos administradores
ruralidade que remontam às origens da
públicos. Esse contexto é agravado pela falta
ocupação do território são relevantes para a
de vínculo da população com Sabará que
população, principalmente os relacionados
costuma frequentar a cidade para resolver
aos laços históricos e familiares. Os atuais
questões burocráticas relacionadas à
moradores de Ravena, não se reconhecem
prefeitura ou para eventos ocasionais. Vínculo
como há 20, 30 anos atrás, muito em
esse que é suprido pela proximidade da
decorrência da expansão da mancha urbana,
capital mineira, já que esta oferece mais
através de chacreamentos e ocupações
opções de lazer e diversidade de comércio
irregulares que fragmentam o tecido urbano
com mercadorias de menor custo.12
em contínuo e desordenado processo de
Alguns dos entrevistados relacionam o atual transformação. Entretanto, ainda se
crescimento da mancha urbana e conservam certos hábitos rurais, como a
populacional de Ravena ao número de conversa na porta de casa ou produção
pessoas de Belo Horizonte que está migrando agrícola local para comercialização de
para o distrito, em busca de menor custo de produtos típicos da culinária rural como
vida. Entretanto muitas vezes essa opção está queijo, cachaça, linguiça, além da
relacionada a precárias condições de manutenção de festejos tradicionais locais
urbanização, já que localidades no interior do como a cavalgada, festa de santos e festa da
distrito possuem dificuldades de acesso a banana.
serviços públicos de saneamento, iluminação
4 LIMITES, ZONEAMENTOS E TERRITÓRIOS
e transporte, o que demonstra o
DE SOCIABILIDADES
desenvolvimento desigual da centralidade do
mesmo. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
(PDDI) está sendo desenvolvido com o
Outro problema recorrente ressaltado pelos
objetivo de definir um macrozoneamento da
moradores é a falta de policiamento e a falta
RMBH, para promoção de um planejamento
de segurança. Além da necessidade de mais
municipal integrado e que possibilite a
investimentos na saúde13 e na educação,
manutenção de interfaces metropolitanas
alguns pontuaram os chacreamentos
regionais comuns. Ele deverá estabelecer as
irregulares e o crescimento desordenado
diretrizes para o uso e ocupação dessas
como problemas graves. O tema patrimônio
áreas através de parâmetros que poderão se
cultural também foi destacado pelos
transformar em legislação15. O propósito
entrevistados, já que falta incentivo público
último, de maneira geral, é incentivar o
para preservação do casario antigo e de valor
desenvolvimento de novas centralidades na
simbólico, como a própria Igreja Matriz que
RMBH para diminuir a dependência da
está com o processo de restauro paralisado.
centralidade belorizontina, suprir
O entrevistado 314 conta que a Igreja Nossa
necessidades da população sem grandes
Senhora do Rosário possuía capelas laterais,
deslocamentos e promover identidades
regionais. Centralidade é entendida como
12
Marcia e Higno ressaltaram que a ligação viária uma área urbana acessível com concentração
Ravena-Belo Horizonte é muito ruim e que os
congestionamentos diários são comuns, mas que
15
acreditam que a duplicação da BR-381poderia A elaboração do PDDI da Região Metropolitana
minimizar esse transtorno na mobilidade. de Belo Horizonte se iniciou em 2009 e atualmente
13
Segundo Álvaro, o distrito possui apenas um há um projeto de lei na assembleia legislativa para
posto de saúde com um médico geral. Isso para a aprovação da legislação referente ao
ele é inadmissível, porque “tem 12 mil habitantes macrozoneamento urbanístico, fruto desse
em Ravena. Isso aqui é uma cidade!”. trabalho. Maiores detalhes em:
14
Geraldo, 97 anos. www.rmbh.org.br/pddi.

Geografia Urbana – Volume 1


16

diversificada de emprego, comércio, serviços território. É preciso avaliar quais são os


públicos e privados, habitação e pontos positivos e negativos da pressão do
equipamentos de cultura e lazer. (PDDI, aumento de ocupação urbana existente e
2013). Uma centralidade deve estar promovida, principalmente, do
conectada a uma rede urbana de qualidade, transbordamento de assentamentos precários
que facilite a interface do local com as de Belo Horizonte (PDDI, 2013), que reforça a
diferentes escalas - regional, municipal, dicotomia centro e periferia. A legislação
metropolitana. Como já discorrido municipal deve ser pensada de maneira a
anteriormente, Ravena se insere na RMBH e é integrar as três camadas constituintes do
considerada centralidade, segundo o PDDI, e território: infraestrutura, mesoestrutura e
por isso a análise dessa macro escala superestrutura16. (CARVALHO, 1999). Esse
também é relevante. Se o rural sempre se aumento populacional, se não pensado dessa
colocou como periferia, ou para além do forma, poderá acarretar em os possíveis
centro tradicional, agora com essa proposta, conflitos com o patrimônio histórico e
todo o território do distrito seria promovido ambiental, além de afetar o sistema de rede
como grande centralidade do vetor leste da (mobilidade) já saturado. Assim, corre-se o
RMBH. Esse estudo de caso emerge como risco de lugares rurais repetirem os mesmos
exemplo da importância da discussão das problemas das cidades já consolidadas e os
novas perspectivas para o urbano e rural na traços culturais que deram origem às
RMBH. Se hoje os espaços são um misto de primeiras ocupações se perderem nas novas
cidade e campo, como diria Monte-Mór, eles urbanidades. Torna-se necessária a
sofrem com a “emergência e extensão do integração entre políticas de planejamento
tecido urbano enquanto continente de uma regional metropolitana com as políticas locais,
práxis social” (MONTE-MÓR, 2005, p.19), e de governo municipal, que ainda enfrentam
estariam submetidos a essa interface sérios problemas para serem implementadas
metropolitana, já que além do território, existe na RMBH, principalmente relacionadas à
também as relações sociais ditadas pelo fiscalização da gestão desses territórios e
modo de vida urbana. cumprimento de demandas vinculadas às
especificidades, como preservação do
Pelo diagnóstico realizado pelo PDDI, Ravena
patrimônio cultural e ambiental.
é classificada como sub-centro metropolitano,
o que o categorizou na mancha de
macrozoneamento metropolitano como Zona
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
de Interesse Metropolitano (ZIM) de eixo
estruturante, que se relaciona com a Esse artigo destacou a importância da
mobilidade devido a presença da BR-381 e a discussão sobre as transformações nos
intenção de ampliação futura da via através territórios na contemporaneidade no campo
da proposta do Rodoanel metropolitano. da arquitetura e urbanismo, mas é fato que a
Ravena também faz parte da Trama Verde e temática é multidisciplinar e que o papel do
Azul, macrozoneamento pensando em técnico é estabelecer canais de discussão
promover a conectividade entre áreas entre população e governo. Dessa forma,
ambientalmente importantes (Serra da deseja-se apontar reflexões para futuras
Piedade, no caso), e busca assegurar a contribuições de arquitetos urbanistas e
proteção de mananciais para o demais profissionais para a manutenção
abastecimento de água, fundos de vale e de dessas ruralidades e articulação desses
matas ciliares. Por tais aspectos, Ravena foi espaços a processos mais contextualizados
também demarcado como Área de Interesse
Metropolitano (AIM) de complexos ambientais 16
O termo infraestrutura refere-se aqui a tudo que
e culturais, cujo objetivo é delimitar projetos diz respeito à plataforma natural do território:
de relevância metropolitana que envolvam relevo, vegetação, hidrografia, solo, etc. O termo
temas como cultura, turismo, lazer e meio mesoestrutura refere-se a tudo que diz respeito aos
ambiente. sistemas que possibilitam a ocupação do território:
malha urbana, sistema de drenagem, esgotamento,
Essas definições em escala metropolitana são rede de água, luz, etc. Já o termo superestrutura
importantes para o desenvolvimento da diz respeito a todas as edificações construídas e
região, entretanto é necessário questionar se ao modo de vida das sociedades. Esses conceitos
a criação de um macrozoneamento e o são adotados pelo geólogo Edézio Teixeira de
conceito de centralidade podem assegurar Carvalho (1999), que coloca a cidade como a
resquícios de ruralidade que ainda existem no sobreposição de três camadas: infraestrutura,
mesoestrutura e superestrutura.

Geografia Urbana – Volume 1


17

de urbanização, que promovam a interface envolvimento de qualquer processo de


das três camadas de território. planejamento, para o desenvolvimento de
políticas públicas que referenciem suas
Ao considerar a infraestrutura como elemento
identidades.
primordial à manutenção da paisagem desses
lugares, é necessário prever em lei áreas de Até então, o PDDI e as legislações municipais
preservação ambiental, bem como a procuram reforçar o papel do distrito como
manutenção dos eixos de rios e córregos que uma centralidade, muito devido a sua posição
fazem parte da identidade local. Pensando na estratégica em importante eixo viário
mesoestrutura como elemento de manutenção estadual. Entretanto é importante questionar
do fluxo das redes fundamentais à ocupação, se o conceito de centralidade e a própria
é necessário apontar caminhos para que os noção de macrozoneamento do PDDI podem
seus diversos sistemas sejam direcionados assegurar os aspectos rurais existentes no
de forma igualitária à toda a população. território. O apontamento de questões
Sendo a superestrutura a camada relacionada regionais relevantes, especificidades e
à própria ocupação no âmbito material e evolução histórica da ocupação é
imaterial, é importante considerar que em fundamental para a definição de políticas de
áreas com traços rurais ainda preservados planejamento em territórios com forte
existem questões culturais relevantes e por presença de traços físicos e imateriais de
isso deve-se adotar ações para que a história ruralidades, na tentativa de minimizar o efeito
e a cultura tradicional não se percam. da urbanização “predatória” capitalista que
Destaca-se também o papel essencial da não considera o contexto ambiental, social e
participação cidadã no reconhecimento e cultural dos territórios.

REFERÊNCIAS tombados Iepha/Mg. Volume 1, 2. ed. Belo


[1] Carvalho, Edézio Teixeira de. Geologia horizonte, 2014. 296p.
urbana para todos: uma visão de Belo Horizonte.
[8] Monte-Mór, Roberto Luís. A Relação
Belo Horizonte: 1999.
Urbano-Rural no Brasil Contemporâneo. II
[2] Costa, Geraldo Magela; Santos, Reinaldo Seminário Internacional sobre Desenvolvimento
Onofre dos; Costa, Heloisa Soares de Moura. Regional. Programa de Pós-Graduação em
Reflexões metodológicas sobre a relação rural- Desenvolvimento Regional. Mestrado e Doutorado.
urbano a partir da teoria e de evidências Santa Cruz do Sul, RS – Brasil, 2005.
socioespaciais da RMBH. Geografias, artigos
[9] Pddi, Construindo um macrozoneamento
científicos (periódico). Vol. 9, nº 2, Belo Horizonte,
metropolitano (cartilha). Belo Horizonte: 2013/2014.
2013.
Disponível em:
[3] Hespanhol, Rosangela Ap. de Medeiros. <http://www.rmbh.org.br/arquivos_biblioteca/MZ_c
Campo e cidade, rural e urbano no Brasil artilha.pdf>. Acesso em mai. de 2017.
contemporâneo. Publicado em: Mercator,
[10] Rua, João. A resignificação do rural e as
Fortaleza, v. 12, número especial (2), p. 103-112,
relações cidade-campo: uma contribuição
set. 2013.
geográfica. Núcleo de Estudos da Geografia
[4] Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Fluminense (Negef) do Departamento de Geografia
Artístico Nacional. Carta de Atenas. 1933. da UERJ. Revista da Anpege, v.2, n.2, p.45-66,
Assembléia do Ciam – Congresso Internacional de 2010.
Arquitetura Moderna. 38p.
[11] Talaska, Alcione; Silveira, Rogério Leandro
[5] Memória Arquitetura. Projeto de Lima da; Etges, Virginia Elisabeta. Cidade e
restauração em Ravena, Sabará, MG. Disponível campo: para além dos critérios e atributos, as
em: relações e contradições entre o urbano e o rural.
<http://memoriaarquitetura.com.br/projetos/projeto- Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y
de-restauracao-em-ravena-sabara/>. Acesso em Ciencias Sociales. Vol. XIX, nº 1090. Barcelona:
mar. de 2017. Universidad de Barcelona, 2014.
[6] Minas Gerais. Governo do Estado. Áreas [12] Vasconcellos, Salomão. Como nasceu
urbanas centrais RMBH: Confins, Lagoa Santa, Sabará. Revista do Iphan, Rio de Janeiro, n. 09,
Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia. Minas p.291-330, 1945. (Iphan, Rio de Janeiro).
Gerais: Governo do Estado de Minas Gerais, 2011. Disponível em:
195p. <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/Rev
Pat09_m.pdf>. Acesso em mai. de 2017
[7] Minas Gerais. Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico. Guia de bens

Geografia Urbana – Volume 1


18

Capítulo 2

Breno Fonseca de Araujo


Gabriela Mara Batista de Sousa
Paula Pires Santos Pereira Thomaz

Resumo:O artigo irá apresentar e investigar as estratégias adotadas pela


mineradora Samarco, responsável pelo rompimento da Barragem de Fundão, em
05/11/2015, Mariana, Minas Gerais, para promover as discussões do projeto urbano
para o reassentamento da população atingida de Bento Rodrigues. Analisaremos
também a atuação de outros atores como Ministério Público de Minas Gerais,
ativistas e movimentos sociais, universidades dentre outros. O artigo parte das
discussões sobre urbanização extensiva para interpretar tanto o evento do desastre
tecnológico bem como as soluções de projeto apresentadas até o momento para a
população atingida, verificando e analisando as contradições que têm ocorrido
dentro deste processo. Posteriormente, uma alternativa para a discussão da
proposta de reassentamento será apresentada.17

Palavras-chave: Urbanização Extensiva; Reassentamento; Processo colaborativo

GT-1: Reestruturação Urbana: agentes, redes, escalas e processos espaciais

17
Este artigo é inspirado nas reflexões desenvolvidas na pesquisa “URBANIZAÇÃO E DESASTRE: O caso de
reassentamento de Paracatu de Baixo, Mariana, Minas Gerais” orientado pelo professor Tiago Castelo
Branco Lourenço e na disciplina Arquitetura e Urbanização Contemporâneas ministrada pela professora
Simone Parrela Tostes.

Geografia Urbana - Volume 1


19

1 INTRODUÇÃO flora e impediu a captação de água do rio em


várias cidades de Minas Gerais e Espírito
Em 05 de novembro de 2015, a barragem de
Santo. Este evento é desde então
rejeitos de minério de ferro de Fundão,
considerado um dos maiores desastres
propriedade da mineradora Samarco,
ambientais ocorridos no mundo, e o maior
localizada próximo aos distritos de Mariana,
dentre os que envolvem as atividades de
Minas Gerais, rompeu-se despejando
extração de minério de ferro em todo o
resíduos minerários no Rio Gualaxo do Norte,
planeta. Dentre os distritos atingidos, o mais
atingindo logo em seguida o Rio Carmo e
afetado foi o de Bento Rodrigues (Fig. 1 e 2),
posteriormente o Rio Doce. O resíduo soterrou
no município de Mariana, que ficava à
casas, escolas e pessoas, dizimou fauna e
margem do Rio Gualaxo do Norte.

Figura 1: Bento Rodrigues em 07/07/2013

Fonte: Google Earth (acesso em 02. jun. 2017).

Figura 2: Bento Rodrigues em 26/07/2016

Fonte: Google Earth (acesso em 02. jun. 2017).

O rompimento da barragem de Fundão (...) O ‘lugar’, aqui neste livro, não é ‘qualquer
alterou significativamente o distrito. A lugar’, um sinônimo abstrato de localidade;
proporção da destruição do povoado com ele é um espaço dotado de significado e
fortes características rurais foi tão impactante carga simbólica, ao qual se associam
que não permitiu a permanência das suas imagens, muitas vezes conflitantes entre si:
populações naquele lugar. Neste artigo lugar de ‘boa fama’ ou de ‘má fama’,
trabalhamos com o conceito de lugar de hospitaleiro ou perigoso, e assim segue. O
Marcelo Lopes de Souza (2013, p.36): lugar é, em princípio, um espaço vivido:

Geografia Urbana - Volume 1


20

vivido, claro, pelos que lá moram ou responde por ela e conduz os procedimentos
trabalham quotidianamente. (...). (Souza, de restituição de direitos dos atingidos, a
2013, p.36) Fundação Renova, como parte dos acordos
com o Estado para a resolução dos
Logo após o desastre, o Ministério Público de
problemas gerados pelo rompimento da
Minas Gerais - MPMG, através de sua
barragem. Esta entidade tem a missão de
representação em Mariana, assumiu um
implementar e gerir os programas de
importante protagonismo na busca de
reparação, restauração e reconstrução das
resoluções para a restituição dos direitos da
regiões impactadas pelo desastre.
população atingida. Esses primeiros
momentos foram essenciais para colocar esse O procedimento da Samarco, o mesmo
ator como um dos mais importantes na adotado pela Fundação Renova, de dar
condução de várias ações que têm sido agilidade a reconstrução e reassentamento
realizadas no município, para a resolução dos dos lugares atingidos foram marcados por
problemas advindos com o rompimento da uma grande violência. Estas violações ficaram
barragem. Nos primeiros meses foram vários evidentes no modo com que a empresa
os grupos políticos, movimentos e ativistas atuava e ainda atua, contratando profissionais
sociais, cidadãos de diferentes origens, que para conduzir os procedimentos num formato
se dirigiram a Mariana para, num ato de burocrático, que rejeita possibilidades
solidariedade, auxiliar nas questões imediatas colaborativas que valorizem os modos de vida
que envolviam o acontecido. dos atingidos no cotidiano dos lugares
afetados. É importante frisar que a busca por
Após esses primeiros momentos de forte
uma rápida resolução da situação tem gerado
comoção que levaram a este expressivo
padrões de urbanização e de produção do
afluxo de pessoas para a cidade, alguns
espaço que desrespeitam as características
movimentos e ativistas sociais além de grupos
locais do distrito atingido. O processo
de extensão e pesquisa vinculados a
realizado de forma acelerada tem sido pouco
universidades instaladas em Minas Gerais,
cuidadoso e tem acentuado ainda mais a
foram se aproximando da situação com uma
violência do desastre ocorrido.
perspectiva de realizar uma atuação de longo
prazo, já que os problemas gerados pelo Para exemplificar como tem ocorrido esse
desastre eram de grande complexidade. processo, apresentamos como tem se dado
os encaminhamentos para o reassentamento
Em um segundo momento foi percebido pelo
da população atingida no Novo Bento
MPMG e estes grupos a necessidade da
Rodrigues. A primeira fase de planejamento
formação de uma assessoria técnica que
da reconstrução por parte da Fundação
acompanhasse os atingidos nas diferentes
Renova foi um estudo para escolha do local
reuniões e audiências que eles estavam
de construção do novo distrito. A escolha do
sendo submetidos pela Samarco. A empresa,
terreno apresentado pela mineradora
logo após o desastre, começou a mobilizar
aconteceu após um período de
recursos de variadas naturezas para resolver
aproximadamente três meses após o
imediatamente o ocorrido e com isso voltar a
desastre, onde os atingidos não contavam
operar suas atividades de extração de minério
com técnicos que pudessem representar seus
de ferro.
interesses e instigar discussões utilizando de
Em resposta à falta de representatividade das tecnologia e linguagem acessível. Os
populações atingidas, a Cáritas Brasileira foi documentos foram entregues apenas cinco
contratada pelo MPMG, em outubro de 2016, dias antes da assembleia marcada para a
como assessoria técnica que representasse e votação. O documento que fundamentou esta
acompanhasse os atingidos, dispondo de escolha era, como é recorrente no setor
advogados, arquitetos, engenheiros, técnico, formatado e apresentado com uma
assistentes sociais, psicólogos dentre outros linguagem complexa, situação que gerou
profissionais. A Samarco, empresa da BHP várias dúvidas e dificuldade de entendimento
Billliton18 e Vale19, criou uma entidade que em relação ao seu conteúdo e consequente
decisão sobre os terrenos.
18
BHP Billiton é uma mineradora e petrolífera anglo-
australiana com atividades em todo o mundo, no
19
Brasil ela é proprietária associada com a Vale da Vale, antiga Companhia Vale do Rio Doce (2007)
empresa Samarco. É considerada a maior empresa é uma mineradora multinacional brasileira. É uma
de mineração do mundo. das maiores empresas de mineração do mundo.

Geografia Urbana - Volume 1


21

Para o andamento dos trabalhos a Fundação rural, desconsiderando os processos sociais


Renova inventariou bens, quantificou e que existiam nos territórios arrasados pela
mapeou os atingidos, realizou levantamentos lama de rejeitos minerários. A oportunidade
cadastrais, na tentativa de identificar as de estender a lógica e inclusive o tecido
características populacionais, considerando o urbano é perceptível nos planos urbanísticos
procedimento como participativo e suficiente apresentados para a população atingida para
como referência para nortear as diretrizes do o novo território, conhecido como Lavoura.
projeto de reassentamento. Em assembleias
O nosso contato com essa situação se deu a
gerais, sem uma escuta atenta, utilizando de
partir da nossa experiência como
estratégias quantitativas e massivas, que
extensionistas do Escritório de Integração do
desconsideram as individualidades, eram
curso de Arquitetura e Urbanismo, e foi
discutidos e aprovados terrenos e projetos
ampliado pela disciplina Metodologias
urbanísticos, por meio de placas de
colaborativas: o caso de Mariana. Tomando
sinalização dos desejos de cada atingido que
como ponto de partida as experimentações
indicavam “sim” (na cor verde) ou “não” (na
acima citadas, desenvolvemos uma pesquisa
cor vermelha).
como bolsistas do PROBIC20, desde março de
Para pensar essa condição entendemos que 2017. Tal pesquisa denominada
as discussões sobre a “urbanização “URBANIZAÇÃO E DESASTRE: O caso de
extensiva” desenvolvida por Roberto Luís de reassentamento de Paracatu de Baixo,
M. Monte-Mór, serão úteis para a Mariana, Minas Gerais”, investiga como tem
problematização das relações e fronteiras sido elaborado e apresentado o projeto para
entre o espaço urbano e rural transformados o novo núcleo urbano a ser construído para
pelas forças capitalistas. No caso analisado, os atingidos que moravam em Paracatu de
partimos do princípio de que o próprio Baixo.
desastre é fruto desse processo de
Neste artigo será apresentado o material
urbanização extensiva. Embora Bento
referente ao Novo Bento Rodrigues, apesar
Rodrigues fosse núcleo urbano isolado dentro
da pesquisa se debruçar sobre outro lugarejo,
da área rural do município de Mariana, ele
tem se evidenciado que os procedimentos
participava de uma expansão do urbano,
aplicados pela Fundação Renova para as
advindo do avanço da industrialização e da
discussões com a população de Bento
consequente urbanização (extensiva), com
Rodrigues serão replicados para outros
grande influência sobre o território.
lugares, dentre eles Paracatu de Baixo.
Com o evento do rompimento da barragem de
Fundão, a lógica da urbanização se impõe
apagando os resquícios de uma outra 2 A PROPOSTA DA FUNDAÇÃO RENOVA
urbanidade construída durante 300 anos a PARA REASSENTAMENTO DOS ATINGIDOS
partir de outros pressupostos de cidade, DE MARIANA
promovendo então a desterritorialização.
Neste artigo iremos exemplificar o processo
Nesse sentido, entendemos que “(...) uma
de encaminhamento das propostas,
territorialização ou desterritorialização é,
apresentando trechos de um caderno
sempre e em primeiro lugar, um processo que
entregue aos atingidos, “Reconstrução de
envolve o exercício de relações de poder e a
Bento Rodrigues - Projeto Urbanístico”. O
projeção dessas relações no espaço (...)”
intuito deste caderno era o de apresentar aos
(Souza, 2013, p.102).
moradores o plano urbano que estava sendo
Do desastre analisado, entendemos que as estudado para implantação no terreno
formulações teóricas que cercam a escolhido no início de abril de 2016.
concepção da “urbanização extensiva”
A linguagem gráfica adotada pelo material
acentuam a violência das ações para a
indica uma certa infantilização dos sujeitos,
restituição dos direitos da população atingida,
buscando uma linguagem que os desqualifica
tornando ainda mais drástica a ruptura com
e os coloca como indivíduos não aptos a
os modos de vida existente antes do
realizar aquela discussão “técnica”. Observa-
rompimento da Barragem de Fundão.
se a tentativa de convencer os atingidos em
A Fundação Renova e seus técnicos
conduzem a resolução dos problemas 20
Programa de Bolsas de Iniciação Científica
gerados pelo desastre como uma patrocinado pela FAPEMIG - Fundação de Amparo
oportunidade de superar o “atraso” da vida à Pesquisa

Geografia Urbana - Volume 1


22

relação aos parâmetros urbanísticos que importante papel para que ocorra de fato uma
atualmente regem a legislação urbana reparação dos danos causados pelo
municipal. O lugar que antes se conformava desastre.
como um pequeno núcleo num meio rural é
O caderno apresenta o processo de
tratado como mais uma área urbana, uma
construção do reassentamento do novo Bento
cidade, que na verdade não existia. Em um
Rodrigues através de uma sequência de
primeiro momento, o caderno traz a definição
mapas e imagens de satélite que ilustram
de um projeto urbanístico, como sendo “(...) o
desde o traçado e a conformação do antigo
desenho do distrito no novo terreno, com a
(Fig. 3) até o novo território deste distrito.
distribuição das ruas, dos limites dos
quarteirões e dos lotes onde serão Na leitura do caderno evidencia-se que o
construídas as casas, igrejas, escola, posto traçado do Novo Bento Rodrigues terá como
de saúde, praças, entre outros equipamentos referência o antigo, numa tentativa pouco
públicos” (Caderno reconstrução de Bento eficiente de reproduzir o que existia, sendo
Rodrigues, projeto urbanístico, 2016, p.3). que o terreno escolhido para o
Essa afirmação, além de subestimar a reassentamento tem características
complexidade de uma urbanização, reduz a morfológicas completamente diferentes: o
reparação às questões físicas e legais que antigo Bento Rodrigues se encontrava
envolvem um processo de urbanização, não implantada na margem de um curso d’água
considerando outras questões importantes num grande fundo de vale, o terreno
que dizem respeito aos elementos imateriais e escolhido é uma meia encosta recortada por
intangíveis, que neste caso assumem um pequenos vales com córregos estreitos.

Figura 3: Autodelimitação dos lotes do antigo Bento Rodrigues

Fonte: Caderno Reconstrução de Bento Rodrigues - Projeto Urbanístico

Geografia Urbana - Volume 1


23

O exercício de apresentação dos parâmetros com suas ruas tortuosas, abertas com o
urbanísticos contemporâneos da cidade de passar dos anos sem o compromisso com um
Mariana, que serão aplicados no traçado desenho ortogonal e retificado, construídas
urbano do Novo Bento, é realizado através da cotidianamente por seus moradores, sem o
apresentação do sistema viário do Bento auxílio de técnicos especializados na
Rodrigues original, este que se configurava produção do espaço (Fig. 4).

Figura 4: Poligonal de Bento Rodrigues

Fonte: Caderno Reconstrução de Bento Rodrigues - Projeto Urbanístico

que marcam o desenho viário das cidades


contemporâneas, reforçando a ideia de
Posteriormente é apresentado o mesmo Bento
desconsiderar os processos de autoprodução
Rodrigues original, agora com as ruas
de núcleos urbanos como Bento Rodrigues
retificadas, rotatórias nas ruas sem saída,
(Fig. 5).
dentre outros atributos de traçados urbanos

Geografia Urbana - Volume 1


24

Figura 5: “Ajustando o desenho antigo de Bento, de acordo com a lei que existe hoje”

Fonte: Caderno Reconstrução de Bento Rodrigues - Projeto Urbanístico

Uma das principais questões a serem deixando evidente os elementos polêmicos


levantadas é a forma como o projeto foi para que o atingido possa tomar suas
apresentado, em nenhum momento é decisões para a reparação dos danos
evidenciado as diferenças morfológicas entre causados pelo desastre. Esta situação chama
o terreno do antigo Bento (fundo de vale) e o a atenção no caso do terreno da “Lavoura”
novo Bento (meia encosta). Esse tipo de (Fig. 6), (escolhido para o reassentamento
apresentação, em duas dimensões, restringe dos atingidos de Bento Rodrigues), nas
a leitura da real inserção das construções no proximidades do terreno está em operação o
terreno escolhido, ludibriando a interpretação aterro sanitário da cidade de Mariana, como
dos moradores e suas relações com o todo. este fato é polêmico e pode gerar empecilhos
para a decisão, ele é negado nos desenhos
O material encaminhado ainda apresenta a
deste encarte. Estão destacados os
estratégia de comunicação que remete aos
elementos que agregam valor para escolha
encartes publicitários de lançamentos
do terreno pelos atingidos, elementos como
imobiliários, com desenhos sedutores que
cachoeiras, cavernas, árvores frutíferas
pouco esclarecem o que de fato importa, não
centenárias.

Geografia Urbana - Volume 1


25

Figura 6: Ilustração do terreno da Lavoura

Fonte: Caderno Reconstrução de Bento Rodrigues - Projeto Urbanístico

Este caderno é uma evidência de como tem empoderamento dos moradores no processo
acontecido os procedimentos da Fundação de discussão do reassentamento.
Renova para promoção da “participação” dos
Elaborou-se uma oficina com a população de
atingidos nas decisões que envolvem o
Bento Rodrigues, cujo conceito baseava-se
reassentamento do distrito.
na escala - corpo, casa, espaço. A criação
desta oficina ocorreu durante quatro
encontros, no EI e na cidade de Mariana,
3 UMA POSSÍVEL ALTERNATIVA PARA A
compatibilizando as ideias sugeridas e
CONSTRUÇÃO DA PROPOSTA DE
propiciando a participação de todos. Nesta
REASSENTAMENTO DOS ATINGIDOS DOS
concepção, o participante vivenciaria as
DISTRITOS DE MARIANA
distintas escalas, buscando entender a
Frente a esse cenário de discussões pouco espacialidade do terreno escolhido, a
colaborativas, a Cáritas Brasileira em parceria Lavoura, e do plano urbanístico - Masterplan -
com a ASF Brasil e o Escritório de proposto para a área.
Integração21, elaboram uma tecnologia social
Visando a materialização da proposta, a
capaz de facilitar o diálogo entre técnicos e
Cáritas especificou que a oficina deveria ser
atingidos, de modo a promover o
pensada para aproximadamente cem
pessoas, e nesse sentido o formato de
21
EI - Escritório de Integração; pertencente ao circuito seria o mais adequado, já que permite
departamento de Arquitetura e Urbanismo, ligado à a divisão dos participantes em grupos
prática de extensão. Atua na articulação entre menores. A oficina ocorreu em Mariana, nos
ensino, pesquisa e extensão. dias 10, 13, 14 e 15 de março de 2017, com a

Geografia Urbana - Volume 1


26

duração de 3 horas e teve participação de primeiras de reconhecimento e a última delas


aproximadamente 35 famílias por dia. uma síntese das reivindicações e mudanças
no plano de reassentamento. A seguir,
O plano urbanístico de Bento Rodrigues foi
apresentaremos as etapas da oficina
dividido em setores, (Fig. 7) de forma que os
realizada.
moradores de uma mesma região pudessem
participar juntos, em um mesmo dia.
Nessas oficinas, os atingidos passaram por
quatro diferentes etapas, sendo as três

Figura 7: Ilustração dos setores de Bento Rodrigues

Fonte: Relatório final da Oficina elaborado pela Cáritas Brasileira

3.1 PRIMEIRA ETAPA se tratar de uma grande área sem


construções, também dificultou o
Visando o entendimento dos moradores
entendimento dos atingidos. Foi necessário
acerca do novo terreno - a Lavoura - a
que se apontasse para alguns atingidos onde
primeira etapa consistiu na apresentação de
estaria a estrada, em qual sentido ficava
uma filmagem de sobrevôo produzida com o
Mariana, entre outras referências.
auxílio de um drone.
Em suma, a primeira etapa (Fig. 8) foi válida
Na prática, porém, a presença dos eucaliptos
para que aqueles que ainda acreditavam ser
existentes no terreno mascarou um relevo
possível replicar o distrito antigo no novo
consideravelmente íngreme, além dos
terreno percebessem que isso não
limitados recursos hídricos da região.
aconteceria: o traçado deverá se adequar ao
Ademais, a falta de um referenciamento, por
novo local, assim como todo o Masterplan.

Geografia Urbana - Volume 1


27

Figura 8: exibição do vídeo do sobrevôo na área da Lavoura

Fonte: Arquivo do Escritório de Integração

3.2 SEGUNDA ETAPA Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e


Brasília. ) sobreposto às curvas de nível.
Na segunda etapa, os trabalhos se resumiram A segunda etapa da oficina (Figuras 9 e 10)
no reconhecimento do terreno, por meio da cumpriu seu propósito quando os moradores
comparação de maquetes que contemplavam perceberam a dinâmica do espaço,
a estrutura dos lotes antigo e novo. Foram observando onde as novas ruas passariam no
dispostas, lado a lado, as duas maquetes na terreno, as relações de alturas e os
escala de 1:1000, em que uma estampava a empecilhos impostos pelo relevo da região. A
imagem aérea de Bento antes do desastre e a leitura de um terreno “palpável” possibilitou
outra a imagem aérea da Lavoura, com a aos moradores visualizar a composição do
divisão de lotes e o sistema viário elaborado novo espaço, questionando as distâncias,
pela Dávila Arquitetura (Dávila Arquitetura; é tamanhos e posicionamentos das edificações
uma empresa de projetos de arquitetura e
coletivas - igreja, escola, cemitério - e dos
urbanismo contratada pela Fundação Renova para
o desenvolvimento do plano urbano do Novo Bento loteamentos.
Rodrigues. A empresa encontra-se sediada em

Figuras 9 e 10: Segunda etapa da oficina do dia 14 de março de 2017.

Fonte: Arquivo do Escritório de Integração

3.3 TERCEIRA ETAPA aproximadamente 5x7 metros (Fig. 11), onde


cada metro no papel corresponde a 200
A terceira etapa do circuito compreendeu a
metros de terreno “real”. Desta forma, os
experiência de imersão do plano urbanístico
participantes puderam andar sobre o sistema
do Novo Bento. A proposta se concretizou
viário proposto, entender o loteamento e a
através de uma planta baixa na escala de
localização de áreas de uso público, e ainda
1:200, o que gerou uma imagem de

Geografia Urbana - Volume 1


28

desenhar ou escrever na planta qualquer mudança.


observação/reivindicação/sugestão de

Figura 11: Terceira etapa da oficina do dia 11 de março de 2017.

Fonte: Arquivo do Escritório de Integração.

A terceira etapa foi a mais vivenciada pelos A representação da figura humana na mesma
atingidos (Fig. 12), que por meio da “escala escala mostrou-se importante para entender
corpo”, puderam compreender e identificar os principalmente a largura proposta para as
prós e contras da nova implantação. Nessa vias. Ao comparar a escala do corpo e a
oficina, os moradores apontaram oposições e largura da sala onde ocorria a oficina,
desejos para a Nova Bento, como uma capela concluíam, por exemplo, a extensa largura
velório no cemitério, uma ciclovia na estrada das ruas propostas e o impacto que geraria
externa ao distrito, além da reivindicação de esse tipo de configuração, como a falta de
que seus lotes fossem alocados com a interação entre os vizinhos - chamados antes
mesma configuração a que estavam pelas janelas frontais.
acostumados - de frente a praça, na esquina,
fazendo divisa com o vizinho antigo, entre
outros.

Figura 12: Estado final da uma parte da planta utilizada na terceira etapa

Fonte: Arquivo do Escritório de Integração.

3.4. QUARTA ETAPA 1:400, referente ao setor onde moravam no


antigo lugarejo (Fig. 13). Fazendo uso de
A quarta e última etapa se configurou como
canetinhas e lápis de cor, eles sintetizariam
síntese do processo, em que os moradores
suas observações feitas ao longo do circuito
retomavam a proposta da oficina se
focando no seu setor específico e no
debruçando sobre uma planta, em escala
interesse da coletividade.

Geografia Urbana - Volume 1


29

Alguns participantes não seguiram o caminho enfraqueceu a capacidade de síntese da


proposto para o circuito, seja porque o grupo etapa, que serviu para muitos como um
estava dividido ou porque não estavam tão material de entendimento do plano
interessados na dinâmica. Essa ruptura urbanístico, assim como a etapa anterior.

Figura 13: Um grupo discute o projeto utilizando a representação na escala 1:400

Fonte: Arquivo do Escritório de Integração.

A oficina buscou uma estratégia colaborativa, desastre tecnológico do rompimento da


buscou a linearidade dos saberes técnicos e Barragem de Fundão quando não deram a
a experiência dos atingidos, ainda que, devida atenção aos elementos de segurança
mesmo com esses esforços, o objetivo não que impediriam o crime do dia 05/11/2015. O
tenha sido completamente atingido. Os que mais preocupa nos processos que
encontros contribuíram para o entendimento envolvem a restituição dos direitos dos
do local e do projeto urbano proposto para a atingidos, é que o espaço vivido continua não
área de reassentamento, embora algumas sendo considerado como dimensão a ser
questões precisam ser revistas em restituída aos atingidos dos distritos de
assessorias técnicas subseqüentes, além da Mariana. A Fundação Renova e em alguma
busca por novos métodos de trabalho e novas medida também os representantes do Estado
tecnologias sociais. Em síntese, os atingidos tem atuado de tal forma preocupados em
se interessavam mais com as questões restituir os elementos tangíveis que foram
individuais, como a casa e o lote, do que com perdidos com o desastre e dado pouca
as questões coletivas como é necessário atenção aos elementos intangíveis; elementos
numa discussão do Masterplan do novo estes que davam sentido para as
distrito. espacialidades que se perderam.
Durante o acompanhamento à população
atingida de Mariana, observa-se que mesmo
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
os movimentos e ativistas sociais bem como
O espaço vivido foi um elemento representantes do Ministério Público –
desconsiderado pelos responsáveis do instituição do Estado mais atentas ao

Geografia Urbana - Volume 1


30

cotidiano das classes destituídas com uma É comum não considerarmos as diferenças
atuação que busca garantir seus direitos – de origem na mobilização para restituição de
não valorizam o cotidiano e a autoprodução direitos como no caso dos atingidos de
como possibilidade de emancipação política, Mariana, criando essa “ilusão” de que somos
econômica, social e cultural das populações iguais. Com a consolidação das negociações
atingidas. para o reassentamento dos atingidos estas
diferenças vão se evidenciando e nunca são
Esta constatação justifica a necessidade dos
discutidas, vão sendo neutralizadas por
arquitetos e urbanistas rediscutir seus
outras questões até que ocorrem momentos
procedimentos para dar conta de uma
de ruptura, ou a construção de novos distritos
situação como essa criada pelo desastre
que ficam desprovidos de significados para
tecnológico da Samarco.
aquelas pessoas que lá irão morar.
Discutir esse espaço construído no cotidiano
Como essas diferenças não são discutidas, o
se apresenta como um desafio necessário de
receio e os atingidos ao retomarem as suas
ser enfrentado para que se potencialize as
práticas cotidianas, abandonam as supostas
estratégias de apropriação por parte dos
conquistas das lutas pela garantia de
atingidos dos novos lugares que serão
restituição de direitos, retomando então
erguidos para o reassentamento.
práticas que remetem ao imaginário
Ao não tomar cuidado com o discurso técnico capitalista ao qual estavam submetidas,
e criticá-lo quando necessário numa agora muito mais dependentes e com
assessoria técnica sobre um lugar que foi elementos que eles não sabem manipular já
construído a partir de outros valores numa que foram criadas soluções para situações
outra temporalidade, preocupados somente que antes não existiam.
com a restituição de direitos a partir dos
A intenção deste artigo é chamar a atenção
valores contemporâneos, de uma urbanidade
para a necessidade de romper com essa
que nos distritos atingidos não existia, acaba-
lógica perversa que mantém o cotidiano como
se não sendo dada a devida atenção aos
um elemento desconsiderado, buscando dar
procedimentos de autoprodução que os
voz para aqueles que destituídos de tudo tem
moradores destes lugares apresentavam no
que retomar suas vidas e reconstruir seus
espaço vivido cotidianamente.
lugares no mundo.

REFRÊNCIAS [5] Monte-Mór, R. L. As teorias urbanas e o


planejamento urbano no Brasil. Belo Horizonte:
[1] Bittencourt, Epaminondas. A tragédia de Editora UFMG, 2006.
Mariana: o narcisismo gerencial na pós-
modernidade – 1. ed. São Paulo: Chiado Editora, [6] Souza, Marcelo Lopes de. Os conceitos
2017. fundamentais da pesquisa sócio-espacial. 1. ed. –
Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2013.
[2] Feyerabend, Paul. A Ciência em uma
sociedade livre. 1. Ed. São Paulo: Editora UNESP, [7] Thompson, Paul. A voz do passado:
2011. 288p. História Oral. Petrópolis: Editora Vozes, 1992.

[3] Kapp, Silke. Direito ao espaço cotiano: [8] Usina Ctah’e Rede Justiça nos Trilhos. As
moradia e autonomia no plano de uma metrópole. vacas têm para onde ir, o povo de Piquiá não: O
Caderno Metrópole, São Paulo, v.14, n.28, 2012. reassentamento do Piquiá de Baixo e os caminhos
do desenvolvimento brasileiro, in: Usina: Entre o
[4] Marx, Karl; Engels, Friedrich. A ideologia Projeto e o Canteiro. – São Paulo: Edições Aurora,
alemã (Feuerbach). 10. ed. São Paulo: Editora 2015.
Hucitec, 1996.

Geografia Urbana - Volume 1


31

Capítulo 3

Dalva Marçal Mesquita Soares


Celene Cunha Monteiro Antunes Barreira

Resumo: Este artigo origina-se da tese de doutorado em Geografia na Universidade


Federal de Goiás. Nele se objetiva discutir o processo de criação e efetivação da
Região Metropolitana de Palmas (RMP), bem como os critérios e o processo de sua
institucionalização. A partir de pesquisas realizadas na Assembleia Legislativa do
Estado do Tocantins, na Unidade Estadual do Tocantins do IBGE, na Secretaria
Estadual de Planejamento e Orçamento, de Infraestrutura, Habitação e Serviços
Públicos e na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação de
Palmas, apresenta-se como ocorreu o processo de institucionalização da RMP e
quais critérios foram utilizados. Assim, por meio de entrevistas e de um estudo
analítico e dialético dos desenhos traçados pelos entrevistados, verificou-se que a
RMP foi criada mediante interesses políticos e, no processo de sua
institucionalização, não foram estabelecidos critérios para identificar sua
configuração e verificar seu verdadeiro caráter metropolitano.

Palavras-chave: Região Metropolitana de Palmas (RMP); critérios e processo de


institucionalização; configuração e caráter metropolitano.

Geografia Urbana - Volume 1


32

1.INTRODUÇÃO do estado do Tocantins criou a Região


Metropolitana de Palmas (RMP). Por meio da
O processo de metropolização
Lei Complementar nº 90, de 30 de dezembro
contemporânea representa uma verdadeira
de 2013, sua criação foi aprovada pela
transformação no modelo de urbanização.
Assembleia Legislativa do Estado e
Essa nova fase tem como foco o novo sistema
sancionada pelo então Governador Siqueira
tecnológico e o modelo de governança
Campos.
baseado na liberação econômica. Dessa
forma, os pólos urbanos tornam-se os centros O governo do Tocantins, imbuído do espírito
de tomadas de decisões, direção e gestão, político partidário e por meio de propostas de
que representam as principais articulações angariar recursos financeiros para o Estado e
das bases econômicas nacionais (LECIONI, para os municípios, fez indicações dos 16
2011). O processo de metropolização decorre municípios que compõem a RMP, sem
do resultado da polarização ao redor de uma estudos prévios e observância dos critérios
grande cidade e considera as dimensões para delimitação da região de influência da
populacionais, estruturais e físicas. Assim, capital regional. Também, sem analisar a sua
esse processo vislumbra-se de forma configuração e seu caráter metropolitano. No
planejada ou não planejada. que se refere a sua configuração, diz respeito
a sua composição, a forma e a organização
A capital do Estado do Tocantins, Palmas,
territorial e espacial, logo, está ligada aos
representa um modelo de metropolização
seguintes critérios: à estrutura viária e aos
planejada, por ter sido criada em 1989, com
fluxos decorrentes da dinâmica econômica e
intuito de abrigar o aparelho administrativo do
populacional, as quais redimensionam e
referido Estado, que foi instituído por meio da
interferem consecutivamente nos usos e
Constituição Federal de 1988, com a
funções associados ao comércio, aos
separação do extremo Norte Goiano, hoje
diferentes tipos de serviços, à indústria e à
Tocantins, do então sul de Goiás.
habitação, conforme estruturação de uma
Atualmente, Palmas apresenta-se como a verdadeira região metropolitana (CUNHA,
mais nova capital planejada do país e vem 2017). Quanto ao caráter metropolitano, alude
atraindo um grande índice populacional de à obediência dos critérios adotados para
quase todas as regiões do Brasil. Também instituição das regiões metropolitanas, dos
conta com uma posição geográfica favorável, quais comprovam a existência ou não de uma
por estar localizada no Planalto Central região metropolitana.
Brasileiro e permitir uma maior integração
Neste estudo, não se questiona a legalidade
com os demais estados da Federação.
da criação da região metropolitana de
Conforme censos demográficos publicados Palmas, uma vez que tem amparo legal, pois
pelo IBGE, a capital apresentou entre 2000 e foi criada com base na Constituição Federal.
2010 a maior taxa de crescimento anual de O que se questiona neste trabalho é a forma
população entre as demais capitais do Brasil. de criação, o processo de institucionalização,
Na capital do Tocantins, a taxa de bem como os critérios estabelecidos para
crescimento foi de 5,2% em dez anos, identificação dos municípios que fazem parte
proporcionando um processo de urbanização da Região Metropolitana Palmas, assim como,
muito rápido. Ainda, segundo censo realizado a sua configuração e o seu caráter
pelo IBGE em 2010, Palmas apresentou uma metropolitano.
população de 228.332 habitantes e uma
Assim, a RMP por ter sido criada antes da
densidade demográfica de 102,9 hab/km²,
aprovação do Estatuto da Metrópole de 2015,
enquanto estimativa de 2016, do mesmo
pelo Governo Federal e, também, por ainda
órgão, destaca uma população de 279.856
não ter sido efetivada, conforme pesquisas,
habitantes.
faz-se necessário que a sua Lei de criação e
Destarte, com intuito de promover a melhoria seu processo de institucionalização sejam
da qualidade de vida da população da região; adaptados ao novo Estatuto. Também, devem
a utilização de forma equilibrada do território, ser realizados estudos, no sentido de verificar
dos recursos naturais e do meio ambiente; um a sua configuração e seu caráter
planejamento regional condizente com a metropolitano, a fim de analisar forma
realidade; um aproveitamento máximo dos enquanto uma verdadeira região
recursos; um melhor desenvolvimento metropolitana e a existência ou não de uma
socioeconômico, etc., com base na região metropolitana em Palmas.
Constituição de 1988, Art. 25, § 3º, o governo

Geografia Urbana - Volume 1


33

Vale lembrar que o Estatuto da Metrópole, em Infraestrutura, Habitação e Serviços Públicos


seu Art. 1º, estabelece diretrizes gerais para o (SEINF) e da Secretaria Municipal de
planejamento, a gestão e a execução das Desenvolvimento Urbano e Habitação de
funções públicas de interesses comuns das Palmas (SEDUH).
regiões metropolitanas e em aglomerações
urbanas instituídas pelos estados. Também
institui as normas gerais sobre o plano de 2.CONCEITOS DE REGIÃO
desenvolvimento integrado e outros meios e METROPOLITANA, METRÓPOLE E
ações que envolvem a governança AGLOMERAÇÃO URBANA
interfederativa.
Primeiramente, vale estabelecer um
Portanto, devem-se considerar os critérios balizamento que circunscreve as abordagens
para identificação, organização e instituição teóricas sobre região metropolitana,
de uma metrópole, estabelecidos no Estatuto metrópole e aglomeração urbana, uma vez
da Metrópole que, resumindo, destacam: alta que esses elementos conceituais dão escopo
taxa de urbanização; alta densidade a este trabalho.
demográfica; relações e inter-relações entre a
Conforme Art. 2º, § VII, do Estatuto da
cidade núcleo e os municípios e, entre os
Metrópole de 2015, região metropolitana
próprios municípios, que compõem a região
refere-se a “uma aglomeração urbana que
metropolitana, considerando bens e serviços
configure uma metrópole” (BRASIL, 2015, p.
fornecidos pela cidade à região. Entre esses
02).
critérios, abrangem-se: produtos industriais,
educação, saúde, serviços bancários, Na visão de Matos (2000, p. 1), região
comércio empregos, bem como outros itens metropolitana pressupõe “a existência de uma
considerados pelo IBGE e a formação de um de uma cidade principal que organiza,
núcleo metropolitano ao redor desta cidade. econômica e funcionalmente, localidades
periféricas próximas”. Como consequência,
Trata-se de trabalho que se origina de tese de
surge uma densa rede urbana onde se
doutorado. Há uma abordagem teórica sobre
instalam diversas atividades industriais,
região metropolitana, de maneira sucinta, e
comerciais e de serviço. Assim, concentram
uma análise das leis concernentes à
capital, força de trabalho e poder político.
institucionalização das regiões metropolitanas
no Brasil. Enfatiza a discussão sobre Para Moura, Firkowski (2001, p. 112), a região
processo de institucionalização e a efetivação metropolitana alude-se a
da Região Metropolitana de Palmas e discute
[...] uma unidade territorial, polarizada por
se o caso em exame é uma região
uma metrópole, definida programaticamente
metropolitana ou se constitui como uma
para o atendimento a objetivos
aglomeração urbana.
fundamentalmente de ordem político-
Para a coleta de dados, foram realizadas administrativa, executáveis ordenados por
entrevistas semiestruturadas e abertas, com o modelos de planejamento e gestão que
objetivo de apresentar como se deu o articulem o espaço a políticas públicas.
processo de criação, institucionalização e
O conceito de metrópole, referendado no
efetivação da Região Metropolitana de
Estatuto da Metrópole, Art. 2º, § V, identifica-
Palmas. Também foram realizadas pesquisas
se como um “espaço urbano com
em notas taquigráficas (registros) das
continuidade territorial que, em razão de sua
sessões de votação dos dias que ocorreu a
população e relevância política e
votação da criação da RMP na Assembleia
socioeconômica, tem influência nacional ou
Legislativa do Estado. Ainda formam
sobre uma região que configure, no mínimo, a
realizados estudos do Estatuto da Metrópole e
área de influência de uma capital regional”
em outras fontes bibliográficas, tendo em vista
(BRASIL, 2015 p. 2).
aclarar os conceitos utilizados neste estudo e,
principalmente, em relação aos principais Já Moura e Firkowski (2001, p. 109)
critérios de institucionalização das regiões conceituam metrópole como uma qualificação
metropolitanas do Brasil. Para realização da dada às “grandes aglomerações urbanas,
pesquisa, foram feitas entrevistas com: três com milhões de habitantes e capazes de se
deputados; o ex-governador e um servidor de relacionar economicamente com inúmeras
dos seguintes órgãos: do IBGE; da Secretaria outras cidades, sendo em essência
Estadual de Planejamento e Orçamento do multifuncionais”.
Estado (SEPLAN); da Secretaria Estadual de

Geografia Urbana - Volume 1


34

Porém Santos (2001) ressalta que a metrópole urbana, formada pelo agrupamento de certos
é corporativa e fragmentada, compõe-se de municípios que mantém uma
espaços luminosos, expressão máxima da complementaridade funcional e integração
modernização e de espaços opaco-periferias, das dinâmicas geográficas, ambientais,
lugares da exclusão dessa modernização. políticas e socioeconômicas.
Sobre aglomeração urbana ou aglomerado
urbano, Villaça (2001, p. 52) enfatiza que se
3. CARACTERIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DA
refere ao núcleo urbano que “apresenta um
RMP
mínimo de atividades centrais, sejam
religiosas, administrativas, políticas, sociais ou A Região Metropolitana de Palmas (RMP) foi
econômicas”. instituída por meio da Lei nº 2.824/13,
aprovada pela Assembleia Legislativa do
De acordo com Estatuto da Metrópole,
Estado e sancionada pelo então governador
aglomeração urbana apresenta-se como
do estado do Tocantins. A referida Lei,
“unidade territorial urbana constituída pelo
posteriormente, foi corrigida para ordem
agrupamento de 2 (dois) ou mais municípios
numérica da Lei Complementar nº 90, de 30
limítrofes, caracterizado por
de dezembro de 2013, e publicada no Diário
complementaridade funcional e integração
Oficial do Estado nº 4.042.
das dinâmicas geográficas, ambientais,
políticas e socioeconômicas” (BRASIL, 2015, De acordo com o Art. 2º da Lei Complementar
p. 1). nº 90, a RMP possui como recorte geográfico
espacial a capital, Palmas, e demais
Segundo Matos (2000), o conceito de
municípios que integram a RMP. Ao todo, a
aglomeração urbana no Brasil é relativamente
RMP é composta de 16 municípios: Aparecida
novo. Para o autor, “reporta-se a um conjunto
do Rio Negro, Barrolândia, Brejinho de
de pessoas ou atividades que se concentram
Nazaré, Fátima, Ipueiras, Lajeado, Miracema
em espaços físicos, relativamente pequenos,
do Tocantins, Miranorte, Monte do Carmo,
daí a sua acepção mais eminentemente
Oliveira de Fátima, Paraíso do Tocantins,
urbana, não rural (MATOS, 2000, p. 1). O
Porto Nacional, Pugmil, Silvanópolis e
autor ressalta que esse termo já foi
Tocantínia.
incorporado pelo IBGE em suas pesquisas
censitárias e reporta-se a núcleos localizados Também, segundo parágrafo único do Art. 2º
fora da sede municipal (cidade). da referida Lei, integram a RMP os municípios
tocantinenses situados entre os paralelos de
Assim, o conceito de região metropolitana
11º00’ e 09º00’S cujos interesses sociais,
está muito associado ao de metrópole. A
econômicos e políticos convirjam para a
região metropolitana identifica-se como uma
metrópole de Palmas. Embora o parágrafo
rede de aglomerados urbanos, na qual a
único, do Art. 2º mencione também os
cidade principal e os municípios que a
municípios tocantinenses situados entre os
constituem mantêm um fluxo de relações e
paralelos citados acima, esses municípios, até
inter-relações administrativas, econômicas,
o momento, não fazem parte da RMP, mas
políticas, sociais com as periferias próximas, a
futuramente poderão ser inseridos,
partir das diferentes atividades econômicas
dependendo dos interesses dos municípios
desenvolvidas. Assim, identifica-se como uma
contemplados nesse recorte, bem como da
unidade territorial polarizada por uma
cidade-núcleo, Palmas.
metrópole. A metrópole, portanto, é um
espaço urbano com continuidade territorial, Portanto, atualmente integram a RMP apenas
que mantém diferentes influências, enquanto os municípios citados no Art. 2º, conforme
capital regional. Todavia a aglomeração apresenta a Figura 1.
urbana constitui-se como unidade territorial

Geografia Urbana - Volume 1


35

Figura 1 - Localização da Região Metropolitana de Palmas

A Lei Complementar nº 90, de 2013, encontra- cooperação entre os três níveis de governo,
se em conformidade com a Constituição de com máximo aproveitamento dos recursos
1988, Art. 25, § 3º, no qual prevê que os públicos; a utilização equilibrada do território,
“Estados poderão, mediante lei do pessoal, dos recursos naturais e culturais e
complementar, instituir regiões a proteção do meio ambiente; a integração do
metropolitanas, aglomerações urbanas e planejamento e da execução das funções
microrregiões, constituídas por agrupamentos públicas de interesse comum; e a redução
de municípios limítrofes, para integrar a das desigualdades sociais e regionais.
organização, o planejamento e a execução de
No que se refere à população dos municípios
funções públicas de interesse comum”
que compõem a RMP, incluindo Palmas,
(BRASIL, 1988).
enquanto município sede, conforme censo
Em conformidade com a Lei Complementar nº demográfico de 2010 e estimativa
90, Art. 3º, a organização da RMP tem como populacional de 2016 do IBGE apresenta-se
objetivo promover: o planejamento regional; a de acordo com o quadro de nº 1.

Geografia Urbana - Volume 1


36

Quadro de nº 1 - Crescimento da população dos municípios que compõem a RMP


Média do
Densidade
Cidades que compõem Censo Densidade cresc.
Estimativa pop dem. de
a RMP conf. pop. de dem. de Demog. da
de 2016 2016
Lei 90, de 30/12/2013 2010 2010 hab/km² Pop. 2010 a
hab/km²
2016 em %
Palmas 228.332 102,9 279.856 126,12 23,22
Aparecida do Rio
4.213 3,63 4.672 4,03 0,4
Negro
Barrolândia 5.349 7,5 5.622 7,88 0,38
Brejinho de Nazaré 5.185 3,01 5.475 3,17 0,16
Fátima 3.805 9,94 3.882 10,13 0,19
Ipueiras 1.639 2,01 1.918 2,35 0,34
Lajeado 2.773 8,6 3.059 9,48 0,88
Miracema do TO 20.684 7,79 19.340 7,28 -0,51
Miranorte 12.623 12,24 13.363 12,95 0,71
Monte do Carmo 6.716 1,86 7.654 2,11 0,25
Oliveira de Fátima 1.037 5,04 1.104 5,36 0,32
Paraíso do TO 44.417 35,03 49.727 39,21 4,18
Porto Nacional 49.146 11,04 52.510 11,80 0,76
Pugmil 2.369 5,9 2.621 6,52 0,62
Silvanópolis 5.068 4,03 5.372 4,26 0,23
Tocantínia 6.736 2,59 7.387 2,83 0,24
Total de habitantes da RMP conforme Censo de 2010 = 400.092
Total de habitantes da RMP, de acordo com estimativa pop. de 2016 = 463.562
Média de crescimento demográfico da população de 2010 a 2016 = 15,16%
Fonte: IBGE – Censo Populacional de 2010 e Estimativa 2016. Organizado pelas autoras.

Analisando a Tabela 1, verifica-se que a vez que em 2010, apresentou-se uma


cidade de Palmas foi a que mais cresceu população de 400.092 habitantes e de
durante o período de 2010 a 2016. Esse acordo estimativa de 2016, 463.562
crescimento está associado à criação do habitantes. Isto significa, que em 6 (seis) anos
Estado em 1988, à sua constituição enquanto o crescimento percentual foi de apenas,
capital, ao processo de urbanização, o qual 15,16%.
passou o Estado, bem como pela busca da Assim, considerando que o processo de
população por um melhor poder econômico e, metropolização surge da intensificação da
consequentemente, por melhor qualidade de urbanização, cujo reflexo de desenvolvimento
vida (LIRA, 2011). do núcleo urbano central atinge todos os
núcleos a ele articulados. Ainda que, a partir
Já a cidade de Miracema apresentou, nesse
desse processo deva haver uma integração
mesmo período, uma taxa negativa de
territorial, na qual as diferentes funções de
crescimento populacional. Essa cidade foi
interesses comuns possam ser
sede provisória do Governo do Estado, desde
compartilhados entre os diferentes municípios
a promulgação da Constituição Estadual do
que compõe a Região. Entende-se que
Estado do Tocantins, em 5 de outubro de
Palmas e os 16 municípios que compõem a
1989, até a data de 1º de janeiro de 1990,
região, não se efetivem, realmente, como uma
quando ocorreu a transferência da sede do
região metropolitana e sim como uma
Governo de Miracema do Tocantins para
aglomeração urbana.
Palmas. Portanto, nesse período a cidade
recebeu grande número populacional e Nesse contexto, IPEA (2011) justifica que o
também perdeu grande contingente processo de metropolização deve expressar a
populacional com a estruturação da capital e concentração de pessoas, investimentos,
a transferência dos trabalhadores para a atividades e poder em uma cidade.
cidade de Palmas.
Quando se analisa o quadro populacional nº
1, que apresenta o crescimento populacional
dos municípios que compõem a RMP verifica-
se que o mesmo não foi tão significativo, uma

Geografia Urbana - Volume 1


37

4.AS DISCUSSÕES DO PROCESSO DE governador, avocou23 o processo e, por meio


CRIAÇÃO DA RMP do Art. 180 do Regimento Interno, solicitou a
inclusão do PLC 06/2013 na Ordem do Dia da
Como de praxe, todos os processos de
Sessão Extraordinária já solicitada. Nesse
autoria dos deputados e do governador
sentido, o Presidente da Assembleia justifica
encaminhados para votação na Assembleia
que, como Presidente da Casa e por ser uma
Legislativa do Estado do Tocantins devem
matéria importante para o desenvolvimento do
seguir os mesmos trâmites legais definidos.
Estado, a matéria foi evocada, uma vez que o
No entanto não foi o que ocorreu com o
Regimento Interno da Casa o permitia fazê-lo.
Projeto de nº 01/2013, que se tratava da
Assim, o Presidente da Assembleia acatou o
criação da Região Metropolitana de Palmas
pedido em regime de urgência e colocou o
de autoria de um deputado, haja vista que do
Projeto em votação.
Setor de Protocolo não foi repassado ao Setor
das Comissões para que fosse constituída O Regimento Interno da Assembleia prevê,
uma comissão para estudos, discussões e em seu Art. 180, do Capítulo II, que os
pareceres, seguindo diretamente para Projetos de Iniciativa do Governo do Estado
Comissão de Constituição, Justiça e Redação com solicitação de urgência podem ser
(CCJ). Foi indicado o relator do processo, incluídos na pauta do dia. Assim, conforme
logo em seguida a relatoria repassou ao Regimento Interno da Casa, deveriam ser
Procurador Geral para ser avaliado e dar votados em dois turnos, ou seja, em duas
parecer. Após análise, o Procurador Geral, sessões.
alegando vício de iniciativa22, solicitou o
Conforme registros das notas taquigráficas
arquivamento.
(registros, gravações), das duas sessões de
Informado desse parecer, o então governador votação da Assembleia do Tocantins do dia
do Estado, em 8 de outubro de 2013, após 27 de dezembro de 2013 verificou-se que o
alterações no projeto, principalmente no que projeto foi bastante questionado quanto ao
se refere aos municípios indicados para pedido de urgência de votação, pela falta de
comporem a RMP, deu entrada no protocolo debate, de diálogo e de entendimento quanto
da Assembleia Legislativa de um Projeto de aos critérios e processo para instituição de
Lei Complementar (PLC), solicitando uma região metropolitana. Embora alguns
aprovação para instituir a Região tenham destacado em seus discursos que: a
Metropolitana de Palmas, o qual foi registrado região metropolitana é uma das melhores que
pelo Setor de Protocolo com o nº 06/2013. existe; que entendem o benefício que a região
metropolitana pode trazer para o Estado; que
Para relatoria do processo na Assembleia, foi
a criação da Região Metropolitana poderia
nomeado o mesmo deputado que relatou o
tirar as prefeituras das dificuldades
Processo de nº 01/2013 da Comissão de
financeiras e que compreendem a sua
Constituição e Justiça que determinou, por
importância e a necessidade de criá-la,
meio de parecer, que o Projeto de Lei 01/2013
necessitaria aprofundar os debates e as
da autoria do deputado fosse apensado
pesquisas, uma vez que não foi estipulado
06/2013 ao do então governador, ficando o
nenhum critério para seleção dos municípios.
deputado como autor e o então governador
como co-autor. Desse modo, foi encaminhado Dessa forma, as duas sessões de votação do
à Procuradoria Geral da Assembleia, a qual dia 27 de dezembro de 2013 instituíram a
recusou o parecer do CCJ, alegando que o Região Metropolitana de Palmas –
PLC 01/2013 pela existência de vício de Metropalmas, referente ao projeto de lei de nº
iniciativa impedia-o de tramitar e, portanto, 06/2013 de autoria do Governador do Estado.
deveria ser arquivado. Na reunião da 37ª, na sessão extraordinária
2013/2015, realizada na mesma data, no
Contudo, no dia 27 de dezembro de 2013, no
primeiro turno, de 21 parlamentares
último dia de sessão legislativa, o Presidente
presentes, com quorum de maioria absoluta,
da Assembleia Legislativa, a pedido do então
15 votaram sim, 2 não e 4 se abstiveram de

22 23
Conforme explicação do Procurador Geral da De acordo com Regimento Interno da Casa
Assembleia, não possuía elementos legais para ser avocou, refere-se a uma solicitação feita por meio
proposto na forma de Lei na Assembleia, uma vez de Requerimento do Presidente da Assembleia,
que seria de competência do Governador do solicitando a retirada de um processo do arquivo
Estado, conforme prevê a Constituição Federal de da Assembleia para ser colocado em pauta
1988, Art. 25, § 3º. novamente e ser votado.

Geografia Urbana - Volume 1


38

votar. Enquanto que, na 38ª sessão aprovação do Projeto de Lei, muitos


extraordinária do segundo turno, de 18 deputados questionaram a falta de estudos no
parlamentares presentes, 14 votaram sim, 2 que tange aos critérios de definição de uma
não e 2 se abstiveram de votar. região metropolitana, questões
socioeconômicas e ambientais, também da
Assim, em 30 de dezembro de 2013, foi
falta de discussões sobre o projeto e a
instituída a RMP por meio da aprovação da
necessidade de realizá-las, haja vista a
Lei nº 2.824/2013, pela Assembleia Legislativa
importância e a grandeza do projeto.
do Estado e sancionada pelo então
governador do estado do Tocantins. Tendo No que se refere aos critérios de escolhas
em vista uma correção para se adequar a utilizados para selecionar os municípios da
ordem numérica, a referida Lei foi alterada RMP, conforme respostas obtidas, os
para Lei Complementar nº 90 e publicada no municípios foram selecionados por meio de
Diário Oficial do Estado nº 4.042, na mesma um levantamento das necessidades comuns e
data. a parceria em busca de recursos públicos
para melhorar a qualidade de vida de seus
Nas entrevistas, verificou-se que o interesse
moradores. Assim, foram adotados critérios
pela criação da região surgiu de uma
técnicos que identificam os interesses dos
possibilidade viável de valorização do serviço
gestores municipais pela busca de recursos
público em prol de seus municípios,
públicos para investir em cada município, as
vislumbrando a interligação das regiões afins.
relações políticas e suas necessidades
Principalmente, se implementada, a RMP
financeiras. Também registraram que a
promoveria a cooperação entre os três níveis
caracterização dos municípios selecionados
de governo, com o máximo aproveitamento de
para compor a RMP teve como base os dados
recursos para as áreas de educação, saúde e
publicados pelo SEPLA, pelo IBGE e por
transporte. Porém, verificou-se ainda que, no
outros órgãos. Ainda se verificou nas falas
ano seguinte da aprovação da Lei, em 2014,
que um dos principais critérios utilizados para
seria um ano político/eleitoral, uma vez que
seleção foi a aproximação das áreas,
haveria eleições para governadores,
especialmente as áreas limítrofes de cada
senadores, deputados estaduais e federais e
município.
que, mais especificamente no segundo
semestre, iniciariam as campanhas eleitorais Assim, nota-se a ausência de adoção de
que, de certa forma, justificavam a urgência critérios de seleção para a escolha dos
da aprovação da Lei Complementar nº municípios que integraram a RMP,
90/2013, a qual instituía a RMP. apresentando, de forma visível, que foram os
critérios políticos que intermediaram a escolha
dos municípios para integrarem a RMP. Não
5.DOS CRITÉRIOS E PROCESSO DE foram destacadas, em nenhum momento, a
CRIAÇÃO, EFETIVAÇÃO E formação de núcleo urbano e a
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA RMP complementaridade funcional e ou a
integração entre a capital Palmas e os
Tendo como referência as falas dos
municípios e entre os próprios municípios que
entrevistados, o processo de criação foi
fazem parte da RMP.
realizado com base Constituição Federal, a
qual prioriza aos estados a criação da região No que diz respeito aos estudos que
metropolitana. O processo de criação comprovem as relações de interdependência,
apresentou-se de forma tumultuada, uma vez por meio da prestação de diferentes serviços,
que as questões políticas permearam todas como educação, saúde, transporte, comércio
as discussões. Conforme descrições, o etc., entre a metrópole e os municípios que
processo de criação refere-se a uma iniciativa integram a RMP, de acordo com os
de um deputado da Assembleia que foi entrevistados, há uma relação de
julgado como vício de iniciativa e depois, a interdependência entre os municípios que
partir do mesmo projeto, com algumas integram a RMP, uma vez que seus
alterações, no que tange à relação dos moradores procuram a metrópole de Palmas
municípios que integravam a região, o então para obtenção de diversos serviços públicos.
Governador, por meio da exclusão e inclusões
Sobre existência de uma região metropolitana
de outros, conforme interesses dos
em Palmas, para muitos, as relações entre os
administradores dos municípios e partidos
municípios e a metrópole são visíveis diante
políticos, fez alterações e foi aprovada a
da procura dos municípios pelos diferentes
criação da RMP. Devido à urgência de

Geografia Urbana - Volume 1


39

serviços em Palmas. No entanto alguns metropolitanas, aglomerações urbanas e


entrevistados consideram que o processo de microrregiões por meio do Art. 25, § 3º.
metropolização encontra-se em fase de Portanto, a RMP é legítima, uma vez que está
desenvolvimento, enquanto outros ainda não assegurado esse direito aos estados.
visualizaram a existência de uma metrópole,
No entanto nota-se a falta de conhecimento
mas acreditam que ela ainda pode
dos critérios a serem adotados para
apresentar.
identificação e reconhecimento da existência
Quanto à existência de uma de uma Região Metropolitana em Palmas. Os
complementaridade funcional e a formação critérios para a seleção da região de
de uma aglomeração urbana/núcleo influência de uma capital regional devem
metropolitano no entorno da cidade de apresentar, por meio de estudos,
Palmas-TO, alguns entrevistados confirmaram comprovações de um espaço urbano com
a existência em face da grande quantidade continuidade territorial, em razão de sua
de serviços que são oferecidos pela capital população e relevância política e
aos municípios que integram a RMP. Outros socioeconômica, considerando bens e
ressaltam a necessidade de realizar serviços fornecidos pela cidade à região,
pesquisas e estudos para essa comprovação, como produtos industriais, educação, saúde,
uma vez que não foram feitos. comércio, serviços bancários, transporte etc.
Enfim, o processo de institucionalização da
Tendo em vista as respostas obtidas e a falta
RMP deve adequar-se ao Estatuto da
de acesso aos relatórios dos estudos
Metrópole, assim como deve fazer uma
realizados, conforme descrição de alguns,
revisão na Lei Complementar de nº 90, de
explicitados mediante tempo decorrido,
2013, a qual institui a RMP.
verificou-se a falta de entendimento desses
critérios, principalmente em relação à seleção
dos municípios, uma vez que muitos
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
descrevem sobre a necessidade de estudos
para comprovação da existência ou não dos Numa perspectiva analítico-dialética, quando
referidos critérios. Enquanto que para outros são analisadas as ações políticas edificadas
esses critérios estão visíveis, quando da em um território e, especialmente as
procura da população pelos serviços vivenciadas em Palmas Tocantins, é
oferecidos em Palmas. Assim, nota-se a não necessário reviver os conceitos de Brito
realização desses estudos, embora não fique (2002, p. 12) sobre o território quando afirma
comprovado. que é uma fração do espaço na qual
“determinados agentes sociais se relacionam
No que tange às ações que foram
com o intuito de reproduzi-lo segundo seus
desenvolvidas para efetivação da RMP e dos
próprios interesses (condição que manifesta o
benefícios a serem recebidos com a
uso do território), mediante consensos
efetivação, de acordo com os entrevistados,
estabelecidos tácita e/ou formalmente”.
não se comprova a realização de ações para
efetivação da RPM, visto que essas ações são Embora não defina, como via de regra, as
de responsabilidade tanto do Estado, como ações políticas de poder, nem tão pouco
dos municípios. No que se refere aos como uma coalizão de forças de interesse
benefícios, os entrevistados apontam que são comum, explícito e pré-planejado, poderão
vários. Os principais são a realização de um aparecer como primeiros sinais de
planejamento regional, cooperação entre as configuração no território, como um tipo de
três esferas de governo (municipal, estadual e mercadoria, dominada pela força do poder, a
federal), visando ao aproveitamento dos partir das formas de processos de gestão,
recursos públicos e à utilização equilibrada mediados pelas relações políticas com os
do território, ou seja, toda a região do estado agentes sociais, tendo em vista a reprodução
do Tocantins será beneficiada por meio de de interesses de ambas as partes.
recursos financeiros que serão
Assim, identifica-se que, quando se trata de
disponibilizados.
um território mediado pelas relações de poder
A partir das descrições das falas, identifica-se político com diferentes agentes sociais,
que o processo de criação da RMP foi refere-se a um fenômeno intrínseco das
realizado com base na abertura dada pela relações sociais, sem violência, vinculado à
Constituição Federal de 1988, a qual prevê, disciplina e à livre adesão dos atores sociais.
mediante lei complementar, instituir regiões Dessa maneira, o poder necessita da

Geografia Urbana - Volume 1


40

legitimidade dos agentes, de uma permissão dos estados essa prerrogativa, que se
para agir “em nome do consenso”, em nome materializa, mediante aprovação de lei
da união. Assim, quando se diz que alguém complementar estadual, oferecem abertura
está no poder, explica Arendt (1994), na para a criação de grande número de regiões
realidade, refere-se ao fato de que ele foi metropolitanas pelos governos estaduais, que
empossado por certo número de pessoas muitas vezes nem se caracterizam como tal, e
para agir em seu nome. O poder aqui acima de tudo sem a mínima condição de
referendado reside não na vontade individual, serem implementadas e efetivadas. Isso se
mas na vontade coletiva. deve à falta de observância das diretrizes
gerais da política urbana, especialmente da
Daí surge o seguinte questionamento: quem
inobservância de critérios consistentes quanto
são os atores público-políticos que são
ao número da população a ser atendida; o
indicados para gerir os espaços de poder em
grau de urbanização; os bens e serviços
prol do bem comum? Que lutam a favor da
prestados; as relações e interações existentes
melhoria dos espaços urbanos com igualdade
entre a metrópole e os municípios e entre
de direitos e deveres? Que pensam no uso
próprios municípios e a caracterização da
coletivo e não no individual? Que,
centralidade regional. Elementos esses que,
independentemente de partidos políticos,
deveriam ser observados ao caracterizar
procuram planejar e estabelecer diretrizes
essas unidades regionais, e não os fatores
gerais, pensando em proporcionar
políticos, ao planejar instituir as regiões
atendimento às necessidades básicas da
metropolitanas. Daí surge à necessidade de
população, que atualmente se encontra à
se estabelecerem parâmetros legais para a
mercê dos seus direitos?
criação das regiões metropolitanas e de
Assim, reforça-se a necessidade de outras aglomerações urbanas.
sustentabilidades que permeiam as decisões
Ao analisar os debates em plenária, por meio
das políticas territoriais, uma vez que a
das notas taquigráficas e das falas dos
garantia do sucesso de qualquer ação política
entrevistados, fica evidente que a RMP foi
está vinculada ao resultado da
instituída a partir de discussões políticas e
responsabilização dos que recebem o poder
que não foram feitos estudos tanto de
de gerir os espaços territoriais. A sociedade
caracterização dos municípios, quanto das
carece de justiça social, principalmente de
interações entre os municípios. Quando
benefícios que dão sustentabilidade nos
solicitados os estudos para análise, não são
espaços territoriais.
apresentados, haja vista a existência do
Nesse sentido, Garson (2009) chama atenção tempo transcorrido. Portanto, na prática, o
da existência de uma grande inabilidade no que ficou comprovado é que a RMP apenas
trato político e institucional no país, que é foi instituída, que os critérios adotados para
provocada pelas falhas apresentadas na sua institucionalização não ficaram visíveis e
legislação, principalmente quando se que apenas uma ação foi desenvolvida,
consideram as disparidades territoriais confirmando, assim, que não foi efetivada.
encontradas na gestão de uma região
Os estudos, a partir desse momento, deverão
metropolitana.
ser realizados no sentido de responder aos
Quando se analisam os termos Constituição seguintes questionamentos: como se
Federal (BRASIL, 1988), do Art. 25, § 3º, é apresenta a configuração da RMP, enquanto
possível prever que cabe ao Estado, por meio aglomeração urbana ou como região
de lei complementar, instituir regiões metropolitana? de acordo com os critérios
metropolitanas, aglomerações urbanas e utilizados para institucionalização das regiões
microrregiões, formadas por agrupamentos metropolitanas do Brasil, a RMP possui um
de municípios limítrofes, para integrar a caráter metropolitano ou não? Palmas, capital
organização, o planejamento e a execução de do estado do Tocantins pode ser considerada
funções públicas de interesse comum. Dessa uma metrópole ou não? Existe em Palmas
maneira, não apresenta nenhuma referência uma região metropolitana ou não?
ou órgão que deva legislar e estabelecer
Caso os estudos não comprovem esses
critérios específicos sobre a criação das
questionamentos, então devem ser
regiões metropolitanas no Brasil.
direcionados para uma visão de uma
Nesse sentido, as falhas apresentadas na aglomeração urbana em Palmas e não uma
legislação, no que se refere à criação de Região Metropolitana.
regiões metropolitanas, quando deixa a cargo

Geografia Urbana - Volume 1


41

REFERÊNCIAS
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André Duarte. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, Desenvolvimento, Curitiba n. 120, p. 133-148,
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[9] lira, E. R. A gênese de Palmas – Tocantins:
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a geopolítica de (re)ocupação territorial na
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Amazônia Legal. Goiânia: Kelps, 2011.
Metrópole. Presidente da República, em 10 de
[10] Matos, R. Aglomerações urbanas, rede de
janeiro de 2015.
cidades e desconcentração demográfica no Brasil.
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2000. Disponível em:
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<http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/
2010): configuração e interações espaciais entre os
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municípios. Tese (Doutorado) Universidade Federal
2016.
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[11] Moura, R.; Firkowski, O. L. C. de F.
(IESA), Programa de Pós-Graduação em Geografia,
Metrópoles e regiões metropolitanas: o que isso
Goiânia, 2017.
tem em comum? Anais: Encontros Nacionais da
[5] Brito, C. C. T. Revisitando o conceito de
ANPUR, v. 9, 2001.
território. Revista de Desenvolvimento Econômico,
[12] Santos, M. A urbanização brasileira. 5. ed.
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São Paulo: Edusp, 2001.
[6] Garson, S. Regiões metropolitanas: por
[13] Tocantins. Lei de nº 90, de 30 de
que não cooperam? São Paulo: Letra Capital, 2009.
dezembro 2013. Institui a Região Metropolitana de
[7] Ibge. Censo Pop. 2010 e Estimativa 2016.
Palmas.
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[14] Villaça, F. Espaço intra-urbano no Brasil.
https://cidades.ibge.gov.br/v4/brasil/to/barrolandia/
São Paulo: Nobel, 2001.
panorama. Acesso em: 24 out. 2016
[8] Lecioni, Sandra. A metrópole de São
Paulo: o anúncio de um novo mundo de

Geografia Urbana - Volume 1


42

Capítulo 4

Cristiane Alcântara de Jesus Santos


Larissa Prado Rodrigues

Resumo: Situados em uma relação dialética, as formas de produção e consumo se


realizam e concretizam indissociavelmente no e a partir do espaço, permeadas por
inúmeras e complexas contradições. Deste modo, os espaços públicos urbanos,
em meio aos processos supracitados impulsionados pela hegemonia do capital,
estão imersos em inúmeros paradoxos, conflitos e tensões latentes que devem ser
explicitados em suas especificidades, com vistas à superação de problemáticas
que transformam a vida nas cidades em privação mediante a crise urbana
instaurada. Diante desse contexto, o presente artigo tem por objetivo identificar e
analisar as relações de usos e consumos denotados aos espaços públicos de lazer
e turismo, atendo-se, especificamente, aos parques públicos da cidade de Aracaju,
Sergipe, Brasil, a partir das suas dinâmicas sócio-espaciais. Para isto, utilizamos a
metodologia baseada na pesquisa quanti-qualitativa que incluiu o levantamento
bibliográfico, pesquisas de campo com aplicação de questionários estruturados, e
observações diretas e netnográficas. Em análise comparativa, averiguou-se que as
dinâmicas dos espaços públicos são distintas, até mesmo em equipamentos que
apresentam fins similares e estão alocados na mesma cidade, como é o caso dos
parques investigados, de modo que o fator localização incide significativamente
sobre as configurações destes últimos.

Palavras-Chave: Parques Públicos. Usos. Consumo. Lazer. Turismo.

Geografia Urbana - Volume 1


43

1 INTRODUÇÃO todos os cidadãos, valores sociais e morais se


impõem sobre a forma de uso desses
Os parques públicos são equipamentos que
espaços, fruto da racionalidade advinda e
compõem o contexto de produção e consumo
imposta pela lógica do consumo.
do espaço urbano contemporâneo. Deste
modo, são elementos que estão imersos tanto Assim, no momento em que indivíduos ou
na paisagem, quanto na dinâmica urbana. Os grupos sociais rompem com os usos
mesmos possuem origem na busca e anseio programados e destinados para os
do homem urbano pelo refúgio, pelas equipamentos públicos, rapidamente são
características do campo, pelo retorno e (re) apontados como geradores de contra-usos
encontro com a natureza (GOMES, 2013). (LEITE, 2007). A partir disso, inúmeros
conflitos e disputas se estabelecem no
Neste sentido, os parques públicos
espaço urbano, fortalecendo as relações de
apresentam grande importância social, uma
poder e incentivando, por exemplo, a prática
vez que são entendidos como espaços com
de políticas higienistas com vistas a
acesso livre para práticas de lazer em meio
potencializar o valor de troca sobre esses
ao cenário urbano. Estes equipamentos
espaços mediante a estipulação do valor de
proporcionam àqueles que os visitam a
uso.
aproximação com a natureza, a prática de
atividades físicas e de sociabilização, tidos Levando-se em consideração as presunções
pelos usuários como uma forma eficaz, supracitadas, torna-se de suma importância
mesmo que temporária, de fuga dos males da analisar as dinâmicas sócio-espaciais dos
modernidade que assola a vida cotidiana parques públicos na tentativa de contribuir
citadina que, na contemporaneidade, se para a minimização de problemáticas, a fim
caracteriza pela exacerbação de privações. de que estes possam resultar em espaços
públicos, de fato, democráticos, sendo
Concomitantemente, são espaços com
utilizado e apropriado tanto por moradores,
grande potencial para as práticas turísticas,
quanto por turistas, com aproveitamento
tendo em vista que os turistas podem
máximo de sua infraestrutura custeada com
conhecer novos espaços de lazer que
recursos públicos.
caracterizam e revelam aspectos identitários
de destinos turísticos. Entretanto, na realidade Neste sentido, este artigo tem por objetivo
da cidade de Aracaju, capital do estado de identificar e analisar as relações e formas de
Sergipe, localizada na região nordeste do usos e consumos denotados aos espaços
Brasil, há a problemática instaurada no fato públicos de lazer e turismo, atendo-se,
de que a maioria dos parques públicos não especificamente, aos parques públicos da
apresenta visitação por parte dessa demanda cidade de Aracaju/SE, a partir das suas
por diversos fatores, caracterizando uma dinâmicas sócio-espaciais. Com isso, visamos
forma de não uso desses espaços, neste compreender e explicitar os usos, não usos e
caso, pela atividade turística. contra-usos existentes e configurados no
Parque da Sementeira e no Parque da
No âmbito do lazer, emergem as questões
Cidade, a fim de perceber contradições, (des)
acerca dos recortes de uso dos parques
semelhanças e identificar os fluxos que se
públicos pelos moradores da localidade, uma
destinam para esses espaços públicos
vez que surge a problemática da apropriação
urbanos. Os dois parques estão localizados
dos espaços públicos de, para e por todos,
em zonas distintas e antagônicas da cidade
intrinsicamente relacionado à ausência do
(FIGURA 1), fator que exerce grande
direito à cidade aos cidadãos. Isto porque
influência no que tange às relações que são
apesar dos espaços públicos serem
estabelecidas no interior dos parques assim
entendidos constitucionalmente como de/para
como nos espaços circunvizinhos.

Geografia Urbana - Volume 1


44

Figura 1: Aracaju – Localização da área de estudo

Fonte: EMURB/PMA. Atlas SRH/SE, 2016;


Elaboração: As autoras, 2018.

Considerando as complexidades envoltas aos identificar os usos manifestados por estes


processos de produção e consumo dos indivíduos durante a visitação aos
espaços públicos das cidades equipamentos investigados. Em suma, tais
contemporâneas, bem como mediante os procedimentos foram de fundamental
objetivos estabelecidos, elegeu-se como importância para verificar as formas de usos,
procedimentos metodológicos a pesquisa não usos e contra-usos dos dois parques
quanti-qualitativa e do tipo exploratória. A públicos, tanto no âmbito das práticas
princípio realizou-se o levantamento turísticas, como na rotina e práticas de lazer
bibliográfico acerca dos espaços públicos dos cidadãos aracajuanos.
com ênfase nos parques urbanos.
Posteriormente, foram realizadas pesquisas
2 OS PROCESSOS DE PRODUÇÃO E
de campo nos objetos de estudo, propondo
CONSUMO DOS PARQUES PÚBLICOS
uma análise a partir da observação direta dos
URBANOS: BREVES DISCUSSÕES
usos, não usos, contra-usos e potencialidades
de consumo. Ainda, foram aplicados in loco Historicamente, os parques públicos remetem
questionários estruturados para moradores e à Antiguidade. No decorrer dos anos, estes
turistas. Designaram-se 100 questionários ganharam novas dimensões e significados
para serem aplicados em cada parque oriundos da Idade Média até estabelecerem-
investigado, sendo 50 destinados ao público se na era e cidade moderna. Contudo, os
morador e 50 ao público turista; entendendo- aspectos de proporcionar lazer, contato com
se que esse quantitativo traria resultados a natureza e a representação de poder
diversificados para o desenvolvimento das sempre estiveram presentes (GOMES, 2013).
análises necessárias e, portanto, a elucidação Quando criados, os parques tinham o
da problemática de pesquisa. propósito de embelezar os espaços das
cidades, proporcionar qualidade de vida e
Também foi realizada, a partir da observação
lazer para a aristocracia, embora em
netnográfica, a análise no site TripAdvisor de
concepções distintas das difundidas
avaliações realizadas pelos usuários-turistas
atualmente pela sociedade moderna. Capel
acerca dos parques públicos, visando a
(2002, p. 5) menciona que até o século XVIII,
coleta de dados que tornassem possível

Geografia Urbana - Volume 1


45

os jardins e parques públicos eram “paraísos como um modo de retratar a natureza em


privados, construídos pela realeza, meio às cidades, mesmo que de forma
aristocracia e, mais tarde, a burguesa para artificial e espetacularizada, portanto,
seu uso particular. Lugares para o descanso e espaços verdes repletos de representações
o retiro deleitoso, para a alegria privada e o urbanísticas, constituindo um substituto
jogo amistoso, para a ostentação e o medíocre da natureza, ou seja, simulacros
repouso”. degradados do espaço livre (LEFEBVRE,
2008a), na tentativa de se contrapor ao
Após décadas e com o fim do feudalismo, os
cenário urbano.
parques públicos passaram a receber
influências da era da produção capitalista e, A partir da lógica capitalista associada aos
por conseguinte, da supervalorização da movimentos de urbanização engendrados no
propriedade privada e outros valores século XVIII, os parques públicos tornaram-se
intrínsecos. Somente em meados do século elementos de valorização da terra, sendo
XVIII se tornaram espaços públicos a serem justificativa e estratégia da especulação
utilizados coletivamente. Assim, imobiliária para o aumento do valor de imóveis
posteriormente à revolução industrial, os nas proximidades desses espaços verdes de
parques públicos passaram a ter grande encontro à natureza, constituindo os bairros
importância social quando os trabalhadores de status (GOMES, 2013). Automaticamente,
em meio ao espaço urbano buscam o lazer, a esses espaços acabam por ter seus usos
qualidade de vida e satisfação, pois a rotina apropriados por aqueles que residem nas
laboral de cunho altamente exploratório nas proximidades, ou seja, por classes dotadas
indústrias originou uma série de problemas de maior poder de compra (e troca) e que
psíquicos em decorrência do trabalho acabam por possuírem maior acessibilidade.
incessante nas fábricas. Sob essa perspectiva,
Sob esse prisma, Melo e Dias (2012, p. 7) Os parques são elementos da paisagem
ressaltam que os parques públicos tornaram- urbana que se inscrevem no espaço
se “importantes para a qualidade de vida das construído. Ocupam área especifica,
pessoas, preservação da natureza, história da demarcada no espaço, sobre a qual se realiza
vida cotidiana, configuração espacial e trabalho, obras que permitem o seu uso
influenciam na estrutura urbana das grandes efetivo. Este trabalho, obras, altera a
cidades”. Neste mesmo sentido, Gomes característica do lugar, espaço onde está
(2013, p. 62) afirma que o parque público na inserido. [...] No entanto, dependendo da
atualidade “é um produto da cidade moderna. localização, são apropriados privadamente
Constitui uma reação aos desprazeres da por classes e interesses específicos (GOMES,
cidade, aos ‘males’ e às precárias condições 2013, p.61).
de vida comuns à cidade industrial”. Deste
Por conseguinte, os parques urbanos
modo, os parques públicos são espaços de
públicos estão, em sua maioria, implantados
lazer, sociabilidade e/ou preservação
em locais específicos das cidades e
ambiental constituintes da paisagem urbana
raramente abrangem periferias, subúrbios e
que se encontram em meio às características,
locais de população de baixa renda.
elementos, funções, configurações,
Diferentemente dos espaços públicos das
processos, paradoxos, conflitos, contradições
regiões menos valorizadas pelos agentes do
e também das complicações e crises das
capital, os parques públicos inseridos e/ou
cidades contemporâneas.
cercados por áreas privilegiadas recebem
Pelo viés preservacionista, os parques constantemente assistência pelo Estado no
públicos constituem-se em espaços de que concerne a investimentos para
preservação ambiental, de proteção à manutenção do seu interior. Isso demonstra
natureza “pura”, de forma a introduzir as para onde se direcionam os fluxos de
tendências de uso racional dos recursos investimentos públicos, apontando que existe
naturais, como a partir de práticas de uma arbitrariedade excludente na produção e
educação ambiental. Especialmente no final organização espacial das cidades para o
do século XVIII, surgem ideais de retorno e lazer. Como consequência, a segregação
valorização a áreas de natureza verde devido sócio-espacial é gerada juntamente com a
à grande exploração do espaço para a ausência do direito ao lazer para os
concretização e expansão dos processos de moradores de regiões menos favorecidas. No
urbanização, tornando a paisagem cinzenta. entanto, a contradição emerge no ponto em
Em locais já explorados, os parques surgiram que estes moradores contribuem igualmente

Geografia Urbana - Volume 1


46

com impostos e não possuem direito às às regras do jogo e mercado imobiliário por
benesses e à cidade que “pagam” para meio do alicerce das políticas estratégicas e
morar. coniventes do Estado, que negligenciam
setores e esferas de demasiada importância
Desta forma, devido ao fato da produção do
na sociedade para prestar assistência aos
espaço ser fundamentada em um processo
lobbys, cada vez mais recorrente no âmbito
desigual, “o urbano se apresenta, ao
da proposição e execução da política pública
contrário, como lugar dos enfrentamentos e
brasileira.
confrontações, unidade das contradições. É
nesse sentido que seu conceito retoma o Deste modo, o modo de consumo das áreas
pensamento dialético [...]” (LEFEBVRE, produzidas no espaço urbano é refletido no
2008b, p. 157), considerando que a (re) uso que se torna cada vez mais privativo
produção espacial atual e impacta dado às forças do mercado que transfere a
diretamente nos usos destinados e propriedade do espaço urbano à demanda
configurados que perpetuam a injustiça solvável, uma vez que esta demanda pode
espacial, sendo, deste modo, a produção e arcar com os custos propostos no valor de
consumo indissociáveis, bem como situados troca e do valor de uso no que concerne às
em uma relação dialética. Diante disso, pode- manutenções. Em resumo, “o espaço-
se auferir que os parques são elementos que mercadoria, cada vez mais preso no universo
influenciam na produção do espaço, e por da troca, fragmentado pelo processo de
esta são influenciados, traduzindo-se os compra e venda, impõe importantes
impactos na forma e momento de uso e transformações no plano do uso e do
consumo. consumo do espaço” (CARLOS, 1999, p.
176), com predominante segregação no
Após o processo conflituoso, contraditório,
acesso do espaço urbano a determinadas
desigual e de segregação na produção do
classes, refletindo em aspectos de moradia,
espaço urbano, este enquanto mercadoria é
saúde e lazer das populações mais pobres,
posto ao consumo dos indivíduos que podem
postas à margem dos processos
ter acesso às porções produzidas, levando à
desenvolvimentistas e, mais que isso, das
constatação de que “as cidades são criadas
centralidades e funcionalidades das cidades.
para a economia e não para os cidadãos”
(SANTOS, 1997, p. 48). Assim, adentramos, Neste problemático contexto, os parques
nesse momento, na perspectiva do espaço- públicos tornaram-se locais propiciadores de
mercadoria, em que o espaço urbano é recreação, bem-estar, qualidade de vida e de
colocado à venda nas “prateleiras”, satisfação àqueles que o frequentam. Dentre
sobretudo, do mercado imobiliário. As suas possibilidades de usos no momento do
cidades passam a ser vendidas sob o slogan consumo a partir da perspectiva
do crescimento e, mais recentemente, do contemporânea, podem-se destacar as
desenvolvimento sustentável, visando em práticas de atividades esportivas e de lazer
realidade, favorecer os processos da (caminhadas, cooper, futebol, skate, patins,
acumulação do capital, no qual “isso significa ciclismo); atividades lúdicas (em playgrounds,
dizer que o espaço torna-se mercadoria, entra em espaços livres: jogos, brincadeiras,
no circuito da troca, e com isso espaços antes danças, contemplação, encontros, leitura);
desocupados se transformam em mercadoria, alimentação (lanches, feiras, bares,
entrando na esfera da comercialização” lanchonetes, e mais recentemente food
(CARLOS, 1999, p. 175). trucks); consumo de elementos paisagísticos
(arborização, o verde, flores, gramados, lagos
Neste contexto, parte-se da perspectiva do
e lagoas); consumo de elementos
espaço de consumo – enquanto o pedaço da
arquitetônicos e urbanísticos (monumentos,
terra que favorece a produção, distribuição,
quiosques, iluminação, pontes, espelhos
circulação, troca e consumo de mercadorias –
d’água, sanitários, bancos, lixeiras); com
para o consumo do espaço – em que os
segurança e manutenção (espaços seguros,
fragmentos deste são submetidos
tranquilidade, guardiões, zeladores,
constantemente às especulações de compra
policiamento) e/ou atividades culturais
e venda para a reprodução da vida, tanto no
(eventos, peças de teatro ao ar livre,
âmbito das atividades laborais, quanto nas
movimentos, práticas religiosas, festividades)
práticas de lazer (CARLOS, 1999). Assim,
(LOBODA, 2009).
podemos afirmar que estes espaços são
apropriados, dominados e controlados pelos Mediante as possibilidades supracitadas de
agentes promotores imobiliários, atendendo utilização desses espaços tidos como

Geografia Urbana - Volume 1


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parques públicos das cidades, torna-se Em outras cidades, a exemplo da capital


possível pensar sua apropriação não apenas Aracaju, o não uso desses espaços pelos
por moradores/residentes, mas também por turistas está associado a deficiente
turistas que estejam em visitação à divulgação dos parques públicos, assim
localidade. Os parques públicos, além de como a não inserção desses equipamentos
propiciar lazer aos seus cidadãos, “também nos roteiros turísticos locais, principalmente
pode cumprir um papel de atrair turistas, nos cities tours ofertados pelas agências de
contribuindo para a valorização da paisagem, turismo receptivo (RODRIGUES; SANTOS,
melhoria da infraestrutura e da qualidade de 2018). Ainda, torna-se importante ressaltar a
vida” (LAPA et.al., 2010, p. 37). Contudo, influência do guia de turismo na não visitação
esses espaços públicos de lazer ainda são, desses espaços, tendo em vista que são
em sua maioria, desconsiderados como profissionais que guiam e encaminham os
constituintes da oferta turística de uma visitantes aos atrativos turísticos. Desta forma,
localidade, o que caracteriza o não uso o turista opta e/ou é direcionado a visitar os
desses espaços pelos turistas por diversos principais atrativos da cidade e os parques
fatores. públicos acabam não sendo considerados
atrativos turísticos primários.
Para o turismo, os parques públicos se
destacam por oferecer atratividades
relacionadas à paisagem, manifestações
3 CONSUMOS, USOS, NÃO USOS E
culturais, historicidade, arquitetura e
CONTRA-USOS DOS PARQUES PÚBLICOS
atividades lúdicas, características que são
DE ARACAJU/SE
enfatizadas e estão presentes nos elementos
constituintes da oferta turística. Com isso, o A partir de intervenções urbanas realizadas
turista ao visitar os parques públicos de uma na cidade de Aracaju, os parques públicos
localidade pode experienciar e vivenciar não emergiram e consolidaram-se. Diante das
somente momentos de lazer e recreação, mas problemáticas anteriormente citadas, esses
também passar por processos de espaços públicos de lazer e turismo devem
aprendizagem ao apreciar a natureza ter seus usos e apropriações analisados e
diferenciada do seu local de origem, além dos discutidos tendo em vista que, apesar de
fatores relacionados aos aspectos sócio- serem bens públicos e de usufruto dos
histórico-culturais. cidadãos aracajuanos, em alguns casos são
direcionados indiretamente às classes de
De mesmo modo, ao se deparar com a forma
maior poder aquisitivo em razão de
como os parques públicos urbanos estão
acessibilidade em caráter de exclusividade,
estruturados, o turista pode (re) conhecer o
fruto de processos de especulação imobiliária
modo de vida e cultura da localidade através
engendrada que geram impactos demasiados
das manifestações culturais, dos elementos
sobre o caráter público desses espaços.
históricos e arquitetônicos, e as atividades
lúdicas que compõem esses equipamentos, o Além disso, ao vislumbrarmos as alternativas
que contribui para apontar e reforçar a de usos desses espaços, torna-se possível
identidade local, a fim de tornar a experiência pensar sua apropriação não apenas por
e vivência dessa demanda mais rica dentro residentes, mas também por turistas que
da cidade e do contexto do destino turístico, estejam em visitação à localidade. Diante de
auxiliando na criação e/ou fortalecimento da atratividades relacionadas à paisagem,
imagem do mesmo. aspectos sócio-histórico-culturais e atividades
lúdicas nesses equipamentos, bem como
Neste sentido, a função turística exercida
considerando as particularidades de cada
pelos parques públicos urbanos já é realidade
parque, ratifica-se o potencial turístico de
em muitos destinos turísticos. Em escala
todos os dois abordados com vistas a
internacional, o Central Park, nos Estados
tornarem-se efetivos e consolidados atrativos.
Unidos, é sobremaneira salientado enquanto
Deste modo, é preciso averiguar o atual grau
um dos parques urbanos mais visitados em
de uso pela atividade turística a fim de
todo o mundo. Entre as cidades brasileiras se
instaurar medidas plausíveis em resolução ao
destacam Curitiba, capital do estado de
cenário anteposto.
Paraná, com os Parques Tanguá, Tingui e
Barigui, alvos de forte estratégia de promoção
turística; e São Paulo, com o Parque do
Ibirapuera, consolidado atrativo turístico.

Geografia Urbana - Volume 1


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3.1 O Parque da Sementeira constituir potencial para diversidade de usos


do local. Dentre os atrativos estão quiosques
O Parque Augusto Franco, popularmente
para piqueniques, lagos, eventos culturais,
conhecido como Parque da Sementeira está
Casa da Ciência e Tecnologia Galileu Galilei
localizado no bairro 13 de julho, área nobre
(CCTECA, Planetário), uma vasta área verde
da cidade de Aracaju. No momento de sua
com uma horta, parque infantil, espaços
implantação, o Parque da Sementeira foi
específicos para práticas de atividades físicas
contemplado com diversos elementos que
e ainda projetos como o Natal Luz, dentre
podem atrair a variados públicos, como a
outros (FIGURA 2).
demanda turística e os residentes, de forma a

Figura 2 – Espaços do Parque da Sementeira em Aracaju/SE

Fonte: Das autoras, 2016.

Em análise dos questionários aplicados aos sentem-se “incomodados” com a presença


usuários do Parque da Sementeira, percebe- desses indivíduos e grupos sociais
se que os frequentadores (64%) constituem- (majoritariamente jovens de baixa renda) que
se daqueles que residem nas adjacências. utilizam o parque para proposição de
Esses residentes utilizam o parque, em suma, encontros que visem à interação, paqueras, o
para práticas de sociabilização e de atividade consumo de bebidas alcoólicas, fazer novas
física durante os dias entre segunda e sexta- amizades etc. Percebe-se envolto aos
feira. As populações de perfil com menor nível discursos dos moradores dos grandes
de escolaridade e renda, oriundas de bairros condomínios ao redor do parque que, não
mais distantes e regiões desfavorecidas da apenas os usos diferenciados e
cidade, apenas utilizam o parque em finais de “inapropriados” dados por esses jovens são
semana e feriados. É certo que isso ocorre em repudiados, mas também o fato de ser
virtude dos residentes das adjacências terem oriundo de localidades periféricas, fator que
mais facilidade de acessibilidade e poder amedronta aos primeiros dado o enorme
aquisitivo para residir nas proximidades, imaginário social imbuído de preconceito para
resultando assim em um maior direito a com esses grupos que resulta em práticas
usufruir de um espaço público da cidade de discriminatórias e de cunho racista.
Aracaju que deveria ser entendido como um
Diante desse cenário, encontra-se a
direito, igual, de e para todos.
justificativa para o consumo do parque pelos
Neste contexto, destacamos os conflitos que moradores, sobretudo nos dias entre segunda
surgem entre o consumo dos agentes e sexta-feira, pois os mesmos evitam estar no
adjacentes e o uso do espaço do parque equipamento nos finais de semana, período
público pelos residentes de bairros mais em que outros públicos vindos de localidades
distantes em determinados dias da semana – mais distantes da cidade de Aracaju estão
sobretudo de sábado, domingo e feriados – usufruindo do espaço das mais diversas
uma vez que os moradores do entorno formas. Sob essa perspectiva, a luta de

Geografia Urbana - Volume 1


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classes é vislumbrada ao evidenciar-se que o Já no campo do turismo, observa-se que o


Parque da Sementeira, por muitas vezes, é Parque da Sementeira não é destacado
entendido como extensão e área de lazer enquanto item e atrativo da oferta turística da
semi-privativa dos condomínios localizados ao cidade de Aracaju, uma vez que não houve
redor do mesmo. Esse fator é desencadeado percepções de uso e apropriação do parque
pelas construtoras que, ao ofertar pela atividade turística durante observação in
apartamentos nas proximidades do Parque da loco. Porém, é importante destacar que foi
Sementeira, apropriam-se de um espaço comprovado que há, mesmo que mínima, a
público de lazer para elevar o valor de troca visitação por parte da demanda turística
dos imóveis, interiorizando ao comprador que através do livro de registros de visitação do
o equipamento é elemento constituinte da Planetário localizado no interior do parque; e
propriedade adquirida, fazendo com que este da ferramenta TripAdvisor com avaliações
estabeleça domínios territoriais – online dos turistas que visitaram o espaço do
principalmente ideológicos – sobre e no parque.
parque. Neste sentido, o parque é convertido
Ao questionarmos os moradores sobre a
em uma mercadoria a ser consumida por
utilização do parque por turistas, observa-se
aqueles que podem “compra-lo”.
que há um quantitativo significativo daqueles
Deste modo, há de se considerar que o que afirmam o não uso do parque pelo turista.
parque é um território e produto daqueles que Esses apontam que os principais fatores que
residem em suas margens e, portanto, contribuem para não utilização do espaço
passível de ser permeado por inúmeras pelo turista são: a) a falta de divulgação; b)
relações de poder arbitrárias advindas da ausência de infraestrutura e, c) inexistência
ideia de posse e propriedade que levam os de atrativos capazes de atrair a demanda
donos dos imóveis a designarem, conforme turística. Contudo, um quantitativo semelhante
os seus valores e de modo velado, as práticas apresenta uma percepção positiva para a
aceitáveis versus as atividades entendidas atividade turística no Parque da Sementeira,
como contra-usos baseados, igualmente, na tanto de existência desta, quanto para
hegemonia da lógica do consumo imposta. potencialidade de visitação por turistas.
De acordo com Leite (2002, p. 121), os
Diante da pesquisa realizada com turistas
contra-usos se caracterizam pelos “[...] usos
encontrados nos principais atrativos da
que podem alterar a paisagem e imprimir
cidade de Aracaju, – sobretudo na Orla de
outros sentidos às relocalizações da tradição
Atalaia, uma vez que o fluxo de turistas
e aos lugares nos espaços da cidade”. Com
especificamente nesse atrativo é constante –
isso, o consumo do Parque da Sementeira por
observou-se que o Parque da Sementeira é
esses grupos são entendidos como contra-
pouco ou não apropriado pela atividade
usos, ou seja, usos inadequados segundo os
turística, caracterizando assim o seu não uso
valores oriundos da hegemonia do consumo
e não aproveitamento de sua potencialidade
que devem ser controlados pela gestão do
em decorrência da falta de divulgação e
parque através da figura dos guardas
transmissão de informações da existência do
municipais que se encontram no interior do
mesmo seja por meio de folders, via Web ou
parque24.
outros meios comunicacionais para aqueles
A partir desse contexto, os fluxos se que vêm à cidade e poderiam realizar
configuram: os moradores situados ao redor visitação. Esta afirmação é corroborada por
do parque não o frequentam e/ou utilizam aos 69% dos turistas questionados que afirmaram
finais de semana e feriados por se que não visitaram o parque em razão de não
autoconsiderarem uma classe superior frente saberem da existência desse espaço.
ao outro tipo de público usuário do parque, e
É importante ressaltar também a não
que, por conseguinte não deve usufruir dos
importância dada aos elementos do parque
mesmos espaços, mas sim, consumir aqueles
como sendo um atrativo turístico da cidade de
que gerem distinção. Assim, estes estão mais
Aracaju pelo trade turístico da localidade,
assiduamente no parque nos dias em que
abarcando as agências de turismo receptivo
esses indivíduos se fazem ausente do espaço
que promovem os cities tours, e os guias de
por não poderem usufrui-lo dada sua rotina
turismo que não os encaminham os turistas
laboral.
para visitação ao parque (mesmo com 81%
24 destes demonstrando interesse em conhecer
Informações extraídas dos questionários
esse espaço) levando-os apenas aos atrativos
aplicados aos moradores da cidade de Aracaju no
ano de 2015. escolhidos caracterizados como principais e

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representativos da localidade, esquecendo-se próximo da Orla de Atalaia, tem lagos,


da importância que os parques públicos ciclovia, lugares para caminhada, ideal para
possuem, assim como o seu potencial. famílias. Vale conferir” (TripAdvisor, junho de
2015). Outros turistas que avaliaram o parque
Ademais, não fora possível aplicar
na ferramenta do TripAdvisor são oriundos do
questionários aos turistas no campo do objeto
Rio de Janeiro, Pernambuco, Rondônia e
de estudo, tendo em vista a dificuldade em
Alagoas, e afirmam com frequência a
encontrá-los nas dependências do parque,
possibilidade da prática de esportes, contato
podendo-se pressupor que estes não
com a natureza, ademais de ressaltarem que
utilizam/utilizaram do Parque da Sementeira
o parque é um espaço para estar com a
em suas visitações à Aracaju. Em decorrência
família e propício para a sociabilização.
desse fato, bem como considerando que na
amostra supracitada nenhum turista apontou Em síntese, as atividades que podem ser
ter visitado o parque, não fora possível obter desenvolvidas pelos turistas durante visita e
dados referentes às formas de uso dadas por permanência nos espaços e dependências do
essa demanda. Quando em exercício Parque da Sementeira se constituem em
comparativo às percepções dos moradores, visitar o Centro da Ciência e Tecnologia
de fato não houve a comprovação de Galilei Galileu (CCTECA, Planetário); visitar a
atividade turística realizada no Parque da horta; participar de eventos diversos que
Sementeira, como afirmado por 50% dos ocorrem no parque; e desenvolver atividades
residentes entrevistados, ratificada juntamente físicas diversas. Juntamente, realizar práticas
com as razões para não visitação pelos de sociabilização como encontros com
turistas, em que esses apontaram a ausência amigos, cônjuges, piqueniques, dentre outros;
de divulgação e informação acerca do apreciar e deslumbrar a grande área verde
equipamento como principal razão para não que há no parque, bem como o lago em sua
uso do parque. forma original e com decoração natalina ao
final do ano com o Projeto Natal Luz.
Contudo, a partir da realização de pesquisa
Comprova-se, assim, que o Parque da
de campo a um dos equipamentos que
Sementeira apresenta potencial turístico dado
compõem o parque, o Centro de Ciência e
sua infraestrutura para o lazer mediante os
Tecnologia Galileu Galilei (CCTECA, mas
atrativos diferenciados, capazes de converter
popularmente conhecido como Planetário),
esse espaço em um novo atrativo turístico da
fora encontrado um livro com registros de
cidade de Aracaju que poderá ser inserido
visitação que comprovou que há a utilização,
nos roteiros turísticos locais com amplas
ao menos do planetário, por alguns turistas
possibilidades de despertar, atrair e
oriundos de Salvador, João Pessoa, Goiânia,
recepcionar a demanda turística.
São Paulo, Distrito Federal, São Luís, dentre
outras localidades. Entretanto, a maior Contudo, diante das análises realizadas
visitação se dá por pessoas da localidade, ou buscando-se evidenciar os não usos do
seja, por residentes da cidade de Aracaju. Parque da Sementeira, identificou-se que este
Sendo assim, apesar de não ter havido é pouco apropriado pela atividade turística,
percepções de uso e apropriação do parque conforme destacado anteriormente. Isto
pela atividade turística, foi-se comprovado porque nenhum dos turistas abordados
que há fluxo a partir dos dados levantados no durante a pesquisa havia visitado o parque
livro de visitação do planetário. em questão, afirmando que as agências de
turismo de receptivo e os guias de turismo
Ressaltamos também que detectamos
não se apropriam do espaço para a
visitação por parte dos turistas a partir das
realização de atividades com os turistas que
avaliações dos usuários do Parque da
chegam à cidade de Aracaju, sendo assim
Sementeira na plataforma do TripAdvisor.
utilizado em maioria pela população local que
Percebe-se através das análises das
reside, em suma, nas adjacências do
avaliações que existem distintas percepções
equipamento.
acerca do Parque. De acordo com uma turista
de Ilhéus, o parque da Sementeira é Já no que tange ao direito à cidade, apoiado
“tranquilo, com área verde para pedalar ou nos dados empíricos coletados por meio de
fazer caminhadas. Ambiente agradável. Tem questionários estruturados aos usuários do
um riozinho com pedalinhos, excelente para Parque da Sementeira, observou-se que este
levar crianças” (TripAdvisor, março de 2016). ainda permanece sendo uma utopia, uma vez
Já um turista de Minas Gerais afirma que o que o público predominante que consome e
parque da Sementeira é “muito legal, fica apropria-se do espaço são aqueles que

Geografia Urbana - Volume 1


51

residem nas proximidades do equipamento, Realizado o levantamento bibliográfico e a


fazendo uso constante durante os principais pesquisa de campo, constatou-se a partir do
dias da semana para práticas de atividade inventário proposto que o Parque da Cidade
física e lazer. apresenta enquanto equipamentos e atrativos
de/para visitação: o Zoológico com animais
diversos; o Teleférico que encaminha os
3.2 O PARQUE DA CIDADE visitantes em um passeio para o ponto mais
alto do parque; um pequeno haras em que
O Parque Governador José Rollemberg Leite,
estão alocados alguns cavalos que auxiliam
conhecido popularmente como Parque da
nas práticas de equoterapia; dois
Cidade, está localizado em uma área de
bares/restaurantes, estando apenas um em
residência de indivíduos de baixa renda e
funcionamento; um espaço não pavimentado
com grande carência de investimentos
utilizado para práticas de futebol; e espaços
públicos. Mediante esses fatores, evidencia-
livres diversos apropriados de diversas
se que o Parque da Cidade está situado em
formas pelos usuários do parque (FIGURA 3).
uma zona totalmente oposta (zona norte) em
No espaço do parque também é possível
relação ao Parque da Sementeira (zona sul),
realizar trilhas, sendo que uma delas dá
principalmente no que tange às configurações
acesso a um ponto aonde praticantes de asa
sócio-espaciais e relações de uso e consumo
delta saltam, com vista para a cidade de
engendradas.
Aracaju, o Rio Sergipe e a cidade de Barra
dos Coqueiros.

Figura 3 – Espaços e atrativos do Parque da Cidade em Aracaju/SE.

Fonte: Das autoras e Blog Meu Destino, 2016

Em polo completamente antagônico, o Parque de receptivo e guias de turismo; ou


da Cidade enfrenta inúmeros problemas desintermediados que souberam do parque
estruturais por não fazer parte do rol de através de amigos, parentes e da internet.
investimentos do Estado, privilégio do Parque
O Parque da Cidade, por sua vez,
da Sementeira que está “bem localizado” (em
diferentemente do Parque da Sementeira,
zona de grande interesse para o capital
apresenta-se como a principal área de lazer –
privado). No entanto, embora possua
dada a proximidade das residências – das
deficiências estruturais, instaura-se o
classes desprovidas de capital,
paradoxo por ser o parque que mais recebe
marginalizadas dos processos
demanda turística intermediada por agências
desenvolvimentistas urbanos. A partir da

Geografia Urbana - Volume 1


52

aplicação da técnica de observação in loco equipamentos (senão o único) em que esses


foi perceptível que são dados diversos usos indivíduos podem usufruir o tempo do não-
ao Parque da Cidade. Os indivíduos trabalho de forma produtiva, caracterizando-
acompanhados de amigos, familiares e se como um mínimo acesso ao que lhes
cônjuges praticam ações de sociabilização, pertence por direito: as práticas e espaços de
piqueniques, pequenas caminhadas e entram lazer.
em contato com os animais livres e
Diante dessa realidade, constata-se que
enclausurados.
essas comunidades marginalizadas enquanto
Deste modo, diversos usos são dados pelos cidadãs não possuem direito à cidade,
moradores ao espaço amplo e verde do justificado pela negligência do poder público
equipamento, no qual ocorrem principalmente em prover locais de entretenimento e vivência
aos finais de semana com a predominância da cidade (também) para esses moradores
destes usuários e, contrariamente, oriundos de regiões não privilegiadas. Por
consumidos por turistas durante os dias úteis. conseguinte, estes ficam privados de
Assim, torna-se interessante perceber como o participar e compor a dinâmica urbana no que
turista está mais presente no Parque da concerne ao lazer, havendo a necessidade de
Cidade e demonstra mais entusiasmo em busca de outros espaços não pensados,
visitá-lo do que em relação aos demais planejados e direcionados para atender aos
parques, sendo que por diversas vezes na usos e ao próprio público dessas regiões visto
aplicação de questionários notou-se que a que seguem a tônica do capital privado,
demanda turística não sabia que existiam processo que engendra os ditos “contra-usos”
outros parques públicos na cidade de a partir da lógica do consumo imposta sob
Aracaju. Por conseguinte, a relação do esses espaços-mercadoria – fato esse
Parque da Cidade com o turismo se destaca recorrente no Parque da Sementeira,
frente ao Parque da Sementeira, uma vez que conforme observamos anteriormente.
este último é pouco apropriado pela demanda
Ademais, constatou-se que poucos usuários
turística e pelo próprio trade turístico
do Parque da Cidade são oriundos da zona
(principalmente as agências de viagens e os
sul da cidade, sendo representados por
guias de turismo).
apenas 8% da amostra. Entretanto, quando
Por meio da aplicação de questionários realizamos o cruzamento com os dados de
estruturados aos usuários do parque que demanda obtidos no Parque da Sementeira é
residem na cidade de Aracaju ou adjacências possível captar as contradições existentes na
da mesma, verificou-se inicialmente o perfil dinâmica urbana de Aracaju. Isto porque se
desses indivíduos. Enquanto resultados, observou que as pessoas oriundas de bairros
destacamos o nível de escolaridade desses distantes e segregadas no que tange às
visitantes que se constitui majoritariamente em políticas públicas de lazer estão
ensino médio, diferentemente do Parque da frequentemente presentes no Parque da
Sementeira, onde os moradores adjacentes Sementeira usufruindo de seus equipamentos,
possuem alto nível de escolaridade. Com sobretudo, aos finais de semana e feriados.
relação ao local de procedência, 54% são Todavia, o movimento contrário de indivíduos
oriundos da zona norte da cidade de Aracaju da zona sul se direcionando ao Parque da
englobando os bairros que estão localizados Cidade – zona norte – para suas práticas de
no entorno do Parque da Cidade. A partir lazer não ocorre.
desses dados de perfil levantados algumas
Diante disso, corrobora-se com a perspectiva
hipóteses e questões urgem. Primeiramente, é
da luta de classes materializada, de forma
interessante perceber a escolaridade dos
intangível e velada, na dimensão espacial
inquiridos atrelada aos bairros de
urbana no qual a classe burguesa detentora
procedência, regiões da cidade de Aracaju
de capital não se direciona para os (poucos)
com extrema carência de serviços públicos
espaços de lazer de populações de baixa
de qualidade, bem como onde estão e
renda, tendo em vista toda a construção
residem os indivíduos de baixa renda.
social envolta desses indivíduos, e,
Além disso, a proximidade desses bairros ao sobretudo, da classe. Todavia, essa última
Parque da Cidade atrai consideravelmente classe desfavorecida busca nos espaços da
essa demanda, partindo da hipótese de que a classe dominante usufruir do seu momento de
ausência de espaços públicos de lazer para lazer, pois é privado pela máquina estatal de
essas comunidades não privilegiadas pelas ideologia burguesa de possuir equipamentos
políticas públicas os leva a um dos poucos

Geografia Urbana - Volume 1


53

de qualidade para que possa usufruir nos pela atividade turística. Por outro lado, os que
seus momentos do não-trabalho. afirmam que há o uso turístico opinam que,
apesar de haver a visitação por parte da
Neste sentido, durante os dias úteis os grupos
demanda turística, esta ainda é pouca (61%).
com poder aquisitivo para residir nas
Estes também afirmaram o alto potencial que
proximidades do Parque da Sementeira o
a área apresenta para o aproveitamento e
usufruem, e aos finais de semana são menos
desenvolvimento de atividades turísticas
presentes, uma vez que a classe dominada
(também) pelos eventos que são realizados
está a consumir os espaços – de propriedade
no interior do parque.
quase privada das grandes construtoras,
transferida para os condôminos no ato da Quando questionados acerca dos usos e
compra dos imóveis –, gerando usos e contra- atividades que os turistas realizam nas
usos que geram estranhamentos e reforço de dependências do Parque da Cidade, os
estereótipos construídos para inferiorizar a residentes que apontaram que há uso do
classe proletária. Por conseguinte, conflitos e parque pela demanda turística (82%) afirmam
entraves são traçados no espaço urbano, que os turistas visitam o zoológico, o
referenciando que a luta de classes teleférico, apreciam a natureza e a paisagem,
permanece na contemporaneidade. tiram fotos, repousam e fazem piqueniques.
Desses questionados, 54% já presenciaram
Já no que tange especificamente aos usos
turistas no parque e 46% nunca os notaram.
designados ao Parque da Cidade, a demanda
Os que já visualizaram os turistas no parque
residente aponta que quando estão
indicaram que o turista estava realizando
usufruindo das áreas do parque desenvolvem
atividades de visitação ao zoológico, passeio
atividades de visitação ao zoológico,
no teleférico e tirando fotos (dos animais do
caminhadas, gincanas, leituras e
zoológico e da natureza).
“evangelizações”25, socialização, observam a
paisagem e a natureza, realizam piqueniques, Já em pesquisa com a demanda turística na
descanso, levam as crianças para brincar, Orla de Atalaia, adotando-se o mesmo
etc. Pouco é citado o uso e consumo do método utilizado para o Parque da
passeio do teleférico por essa demanda, uma Sementeira, os dados mostram que 20% dos
vez que os mesmos relatam o alto valor na turistas apontaram ter algum conhecimento
taxa para ter acesso ao equipamento, o que acerca do Parque da Cidade. Ademais, 16%
levaria ao uso exclusivo deste pela atividade dos inquiridos afirmaram já ter visitado o
turística, cabendo a administração do parque parque frente a 84% que nunca estiveram no
adotar medidas de inclusão e democratização equipamento. Deste modo, nota-se a
do uso, levando-se em consideração que o ausência de divulgação do Parque da
público é majoritariamente desprovido de Cidade, bem como a não inclusão deste nos
recursos financeiros para ter acesso ao passeios das agências de turismo de
teleférico. Ademais, também se notou que os receptivo. Além disso, embora se tenha
moradores não se apropriam do parque para apresentado um grande quantitativo de
usos relacionados à atividade física (como turistas que não visitaram o Parque da
corridas a pé e utilizando a bicicleta, por Cidade, observa-se que este é mais visitado
exemplo), o que é comum em parques por turistas frente ao Parque da Sementeira.
públicos e recorrente no Parque da
Acerca dos 16% que já haviam visitado o
Sementeira, conforme constatado.
Parque da Cidade, destes, 50% visitaram o
No tocante à relação entre o Parque da espaço através das informações que
Cidade e a atividade turística, 82% dos obtiveram na internet, sobretudo nas redes
residentes questionados opinam que o sociais. Igualmente, 50% visitaram o parque
parque é utilizado por turistas versus 18% que através da indicação de amigos e parentes.
não acreditam nessa apropriação. Em Novamente, os dados apontam que o Parque
justificativa para não utilização do espaço do da Cidade é apropriado pelos turistas de
parque por turistas, os 18% afirmam que não modo autônomo e independente das
há divulgação, segurança, atrativos, agências de turismo de receptivo, tendo em
infraestrutura, bem como pela vista que toda a amostra esteve em visitação
desorganização ligada à má administração ao espaço motivado por outros meios. Cabe
dos equipamentos e atrativos, fatores esses aqui também apontar o potencial de
que contribuem para o não uso do parque disseminação de informações através da
propaganda boca-a-boca, conforme
25
Atividade ligada diretamente a rituais religiosos. supracitado; e o poder da internet na

Geografia Urbana - Volume 1


54

contemporaneidade enquanto influenciadora conversas informais com os moradores


dos próximos pontos a serem visitados pela usuários do Parque da Cidade. Nos discurso
demanda turística informatizada e foi recorrente a preferência por outros
globalizada. parques de Aracaju – como o Parque da
Sementeira –, sem justificativa aparente. Os
Quando questionados acerca das atividades
questionados também lamentam pelas atuais
realizadas em visitação ao Parque da Cidade,
condições do Parque da Cidade, uma vez
os 16% apontam ter praticado a visualização
que, segundo os residentes, o parque deveria
e contemplação da paisagem, utilizaram o
ser mais valorizado, levando-se em
teleférico, visitaram o zoológico, registros
consideração seu espaço in natura com
fotográficos, e caminhadas. As atividades
reserva de mata atlântica.
apontadas pelos turistas demonstram que o
potencial do Parque da Cidade não tem sido Diante disso, alguns levantaram
apropriado por essa demanda. Esse fator questionamentos e apontamentos no que
pode se dar em decorrência das baixas concerne à supervalorização do Parque da
informações existentes e divulgadas sobre as Sementeira no imaginário coletivo frente ao
possibilidades de usos desses espaços Parque da Cidade, tendo em vista que o
públicos de lazer e de grande potencial último apresenta mais atributos e atrativos.
turístico – afirmação alicerçada nas respostas Partindo de análises anteriormente realizadas
obtidas pelos próprios residentes. tendo por base o Parque da Sementeira,
pressupõe-se que a localização deste pode
Por fim, o turista que visitou o Parque da
contribuir e ser um fator de impacto para a
Cidade avalia que o espaço é bom tanto para
preferência deste espaço frente aos outros
o lazer, quanto para o turismo por ser
parques, levando-se em consideração que
diferente, pela natureza, paisagem e
está alocado em uma área com alto valor de
teleférico. Os turistas afirmam que o espaço é
troca estabelecido pelo mercado, agregando
“importante tendo em vista a preservação da
imaginários e construções sociais que atraem
natureza”; “interessante e bonito”, entre
as populações de diversos pontos da cidade.
outros26. Assim, analisa-se que o turista
(também) apresenta percepção positiva para No entanto, é interessante perceber como o
o potencial turístico do espaço do parque, turista está mais presente no Parque da
evidenciando por diversas vezes o aspecto Cidade e apresenta mais interesse em visitá-
de aproximação com a natureza, lo do que em relação ao Parque da
corroborando com as afirmações de Gomes Sementeira, sendo que por diversas vezes na
(2013) da busca constante do homem urbano aplicação de questionários notou-se que a
contemporâneo pelos espaços ditos e demanda turística não sabia que este
vendidos como naturais pelos discursos equipamento existia na cidade de Aracaju.
hegemônicos, enquanto representações do Assim, observa-se que o morador percebe o
campo. Parque da Sementeira como espaço
preferencial; já o turista tem o Parque da
Pressupõe-se, perante as informações e
Cidade como sua principal referência de
dados coletados, que o Parque da Cidade
parque público na cidade de Aracaju; ou seja,
apresenta grande potencial para o
turista e morador apresentam percepções
desenvolvimento e aperfeiçoamento das
distintas acerca dos mesmos espaços
práticas turísticas em suas dependências
urbanos.
dado os atrativos que apresenta, sendo
reconhecido pelos próprios usuários, muito Posteriormente à pesquisa de campo realizou-
embora haja inúmeras considerações no que se a observação netnográfica na plataforma
tange à necessidade de melhorias desse do Tripadvisor, no qual foram encontradas
espaço. Todavia, a relação do Parque da 473 avaliações de usuários acerca do Parque
Cidade com o turismo se destaca frente ao da Cidade. Dessas, 17 avaliações foram
Parque da Sementeira, uma vez que este é selecionadas para compor a pesquisa de
pouco apropriado pela demanda turística e acordo com critérios de distinção nas
pelo próprio trade turístico. percepções. Nelas encontram-se críticas,
sugestões, em suma, percepções positivas e
Para além dos dados obtidos com base nos
negativas das experiências dos turistas
questionários estruturados, concretizaram-se
nesses espaços. São visitantes oriundos,
majoritariamente, da região sudeste (São
26 Paulo e Rio de Janeiro), seguido da região
Informações extraídas dos questionários
aplicados aos turistas em Fevereiro de 2017. nordeste (Bahia e Pernambuco) e da região

Geografia Urbana - Volume 1


55

sul e centro-oeste (Mato Grosso do Sul, renda justificado pelos “usos inadequados”
Paraná e Brasília). dados por esses indivíduos aos espaços do
parque público, no qual deve ser mantida a
Nas avaliações, os visitantes apontam para o
distância e distinção, tendo como resultado
teleférico enquanto um atrativo turístico e
final a mudança nas relações entre os
elogiam o espaço por ser “arborizado, verde,
cidadãos e a cidade. Com isso, ao
amplo, limpo”. Ainda, relatam que as tarifas
enfatizarmos as utopias que estão associadas
do teleférico são baixas; a dificuldade de
ao direito à cidade, apontamos para uma
acesso pelo parque encontrar-se um pouco
crítica radical ao planejamento tecnocrático
afastado do centro da cidade, como também
realizado pelo Estado e suas formas de
pela ausência de sinalização; etc. Entretanto,
reducionismo dos espaços públicos a meros
severas críticas acerca do zoológico são
objetos do mercado, como no caso do Parque
citadas recorrentemente, bem como à
da Sementeira, em que o equipamento é
aparência de abandono do Parque da Cidade
entendido como mercadoria, servindo,
com ressalvas para a segurança e
maiormente, à especulação imobiliária e,
infraestrutura. Neste sentido, observa-se que
consequentemente à lógica do capital.
o turista possui também um olhar crítico tanto
quanto os residentes da localidade, e de Já no caso do Parque da Cidade, apesar de
mesmo modo, informados quanto aos se configurar como um atrativo e de receber
aspectos relacionados à segurança que está visitação pela demanda turística percebe-se
suscetível a ação de meliantes. que há necessidade de se estabelecer
estratégias e ações que visem à melhoria do
espaço não somente para os turistas, mas,
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS sobretudo, para os residentes, visto que o
parque público ainda é majoritariamente
O presente estudo teve por objetivo investigar
apropriado para o lazer dos moradores da
as relações de consumo e usos – incluindo
cidade de Aracaju. No entanto, medidas
não usos e contra-usos – estabelecidos,
cabíveis podem ser tomadas no que concerne
especificamente, em dois parques públicos
à divulgação e exposição do potencial que o
(Parque da Sementeira e Parque da Cidade)
parque apresenta viabilizando a visitação por
da cidade de Aracaju, Sergipe, selecionados
parte dos turistas.
considerando a posição antagônica que
ocupam em termos tanto de localização, Neste sentido, é crucial o despertar dos
quanto no que concerne aos processos de agentes públicos e privados para perceber
produção e consumo. Em análise que os parques públicos podem se constituir
comparativa, comprovou-se que as dinâmicas em atrativos turísticos importantes de um
em relação à apropriação desses espaços destino ao levar em consideração que estes
públicos são distintas, até mesmo em exprimem em sua paisagem a história,
equipamentos que apresentem fins similares e herança, construções sociais e características
que estejam alocados na mesma cidade, intrínsecas da localidade, ou seja, os parques
como é o caso do Parque da Cidade e o possuem unicidade em suas configurações. O
Parque da Sementeira. Além disso, o fator planejamento no que tange aos roteiros
localização influencia por completo as formas turísticos deve partir do objetivo de estreitar e
de consumo desses espaços públicos de aproximar a atividade turística dos parques
lazer e turismo na contemporaneidade. públicos da cidade a partir das parcerias e
diálogos e de perspectivas inovadoras, não
A tônica dos espaços-mercadoria geram
sendo apenas configurados com base em
diversos desdobramentos sobre as relações
comissionamentos ou em grandes atrativos
sócio-espaciais, nos quais o elitismo
monopolizados que não permitem a
exacerbado predominante configura vínculos
diversificação da oferta turística.
de contra-usos, levando-se em consideração
que a camada de alto poder aquisitivo
repudia a presença das classes de baixa

Geografia Urbana - Volume 1


56

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Geografia Urbana - Volume 1


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Capítulo 5

Célio Fidelis Quintanilha


Felipe Ricardo Branco do Nascimento
Lucas Gomes Maia

Resumo:O presente trabalho tem como objetivo analisar a polarização exercida


pelo município de Macaé em relação a outros municípios a fim de enquadrá-la ao
conceito de cidade média, a partir de dados referentes às migrações de
trabalhadores oriundos de diferentes cidades – principalmente no que tange as
mobilidades pendulares de frequências distintas. Para tanto, a pesquisa engloba o
período desde a definição de Macaé como sede das atividades petrolíferas da
Região Norte Fluminense (na década de 70) até o ano de 2016, quando as
dinâmicas do setor petrolífero na região apresentaram sinais de desaquecimento
em consequência da conjuntura econômica mundial e nacional.

Palavras-chave: Macaé, cidade média, migração.

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58

1- INTRODUÇÃO Janeiro permitiu que o estado fluminense


aumentasse a sua atuação, por meio do
A Constituição de 1988 possibilitou a
dinamismo econômico de alguns municípios
transferência de maiores responsabilidades e
que passaram a assumir uma centralidade
autonomia aos municípios brasileiros. Em
local, polarizando municípios menores no seu
alguns casos, as metrópoles perderam
entorno. Nesse sentido, “a base territorial das
centralidade, enquanto outros municípios
atividades que sustentam a reestruturação da
conseguiram atingir uma posição de
industrialização e a consequente retomada do
referência em seus respectivos estados. Esse
crescimento econômico do estado é o
fato pode ter contribuído para promover o
interior” (OLIVEIRA: 2008, 158), onde é
fenômeno da descentralização, sobretudo a
encontrada a maioria dessas novas
industrial.
centralidades municipais.
Além da descentralização, os últimos 40 anos
Como descrito por Santos (2006), entre os
apresentaram um ritmo de crescimento das
anos de 1985 e 2005 a capital do Rio de
metrópoles inferior ao que se via desde o
Janeiro perdeu mais de 67 mil postos de
processo de industrialização nos anos 30. Por
trabalho formal, enquanto o estado ganhou
outro lado, o ritmo de crescimento de cidades
mais 517 mil novos empregos; por outro lado,
de médio porte tem aumentado. No estado do
no que tange as novas contratações, as
Rio de Janeiro, por exemplo, após um período
cidades que assumiram centralidade
de estagnação entre as décadas de 80 e 90,
econômica no interior ficaram acima da média
observa-se que o dinamismo econômico é
nacional. De acordo com Santos, até a
retomado através do desempenho de
década de 90, Macaé (núcleo da economia
algumas cidades do interior.
do petróleo) teve um crescimento de 380%
Apesar da descentralização ter ocorrido em relação a novas vagas formais, enquanto
também em escala regional, retirando do a média fluminense foi de 119% e a nacional
sudeste parte da sua participação no PIB do de 171%.
país, a retomada econômica do Rio de

Mapa 1: Mapa político do estado do Rio de Janeiro

Fonte: CEDERJ (adaptado)

Geografia Urbana - Volume 1


59

Até a década de 70, “a economia de Macaé Goytacazes, que historicamente apresentava-


fundamentava-se no plantio de cana-de- se como centro econômico da região, perdeu
açúcar e de café, na pecuária e na extração importância com a decadência da produção
de pescado (MOTA, et al: 2007, 290). sucroalcooleira e com a afirmação de Macaé
Segundo dados do Instituto Brasileiro de como polo petrolífero.
Geografia e Estatística (IBGE), com 65.318
Uma vez que Campos dos Goytacazes é
habitantes, o município de Macaé era, até
maior que Macaé nos aspectos territorial e
então, de pequeno porte. Em consequência
populacional, evidencia-se, portanto, que
da descoberta de petróleo na Região Norte
assumir uma posição estratégica na
do estado do Rio de Janeiro, em 1974 o
articulação com as condições de produção
município foi definido como sede das
não tem a ver com o tamanho da cidade.
atividades extrativistas e iniciou um novo ciclo
Diante dessa perspectiva, entende-se que a
econômico, atraindo empresas e pessoas.
posição estratégica de Macaé faz parte de
Essa mudança provocou o rápido
uma rede que enfatiza a sua dependência em
crescimento demográfico e o levou a atingir o
relação aos demais municípios, pois é fato
número de 206.728 habitantes, de acordo
que ela não transformou-se sozinha. Logo,
com o Censo de 2010 (IBGE).
compreende-se que toda centralidade é
Além de Macaé, houve o crescimento relativa e que, para haver o centro, deve
populacional de outros municípios das haver a periferia. Sendo assim, a dinâmica
Regiões Norte Fluminense e das Baixadas exercida entre Macaé e o seu entorno sugere
Litorâneas. Para Oliveira (2008), a demanda enquadrá-la ao conceito de cidade média –
por novas residências dos trabalhadores ainda que esta concepção seja, na
ligados às atividades extrativistas gerou tal atualidade, objeto de diversos estudos
crescimento, sobretudo na cidade de Rio das acadêmicos que buscam o aperfeiçoamento
Ostras. Essa demanda surgiu com a dessa definição.
crescente valorização da propriedade privada
Com a finalidade de discorrer sobre
em Macaé e pelo fato da atividade petrolífera,
“hierarquia urbana” e toda e qualquer
em relação aos salários dos trabalhadores,
construção social, é preciso destacar e
não promover o desenvolvimento igualitário
articular conceitos fundamentais do saber
de toda a cadeia produtiva. Nesse sentido,
geográfico que dão suporte ao presente
ressalta-se que
trabalho. Entender a lógica de determinado
espaço geográfico, que polariza uma ou mais
regiões do seu entorno (e até mesmo
[...] as atividades industriais ligadas ao
municípios mais distantes), é entender a
setor extrativista, diante das novas
prática social de produção e reprodução do
tecnologias e dos equipamentos que
espaço em determinado contexto histórico.
utilizam, não são fechadas em si mesmas,
Para tanto, torna-se necessária apresentação
explorando os recursos existentes no
de um breve ensaio sobre o conceito de
território até o seu esgotamento, com uma
região.
força de trabalho localizada no seu
entorno. São atividades que estruturam
uma economia que se regionaliza, uma vez
2- REGIÃO, QUAL A SUA RELEVÂNCIA
que há uma conjugação de forças e
CONTEMPORÂNEA?
interesses que põem em relações
constantes e trocas regulares os recursos O conceito de região, um dos mais
técnicos e humanos existentes em vários tradicionais da Geografia, foi alvo de
lugares ao mesmo tempo, aproximando inúmeras críticas no final do século XX por
pessoas e lugares, sobretudo nas cidades não abranger o papel do Estado e a
dessa região (OLIVEIRA, 2008, 182). existência das classes sociais em sua
definição. Em correspondência com essa
acepção, Yves Lacoste (1988), cuja crítica era
A centralidade perante os municípios das feita a uma determinada leitura (clássica) da
regiões Norte Fluminense e Baixadas região de Paul Vidal de la Blache, utilizou o
Litorâneas dá à cidade de Macaé o exercício termo “conceito-obstáculo”.
de polarização do entorno, pois nela os
A região lablacheana, além de ter a sua
serviços são aglomerados e dependências e
unidade enraizada na própria percepção
interações são estabelecidas com os demais
popular, fornece indícios de uma harmoniosa
municípios. Até mesmo Campos dos

Geografia Urbana - Volume 1


60

relação entre o homem e seu meio natural, no Retomar o estudo das regiões produtivas
qual as “divisões naturais” seriam dotadas de (SANTOS, 1985) é fundamental para o melhor
densidade histórica e cultural. conhecimento das particularidades de um
fenômeno estudado; tendo em vista que, por
Em sua obra “Las divisiones fundamentales
meio da inserção no todo, busca-se o
del territorio francès”, la Blache sugere que os
entendimento do todo graças à compreensão
nomes das “divisões naturais” fossem
de uma de suas partes. Para isso, torna-se
empregados e reconhecíveis por qualquer
necessária a análise de sua estrutura interna
camponês. Nesse sentido e à luz dessa
ao longo das articulações do fenômeno
interpretação, região seria uma entidade
estudado com outros fenômenos, e com a
espacial concreta, existente
totalidade correspondente. Tais
independentemente da consciência humana.
especificidades se relacionam diretamente
Embora o termo pertença ao campo de com o território. Esse, por sua vez, é formado
estudo da Geografia, a definição de região por frações funcionais que se articulam no
não ficou restrita aos geógrafos. Com a sua decurso de fluxos que são criados em função
teoria dos “polos de crescimento e das atividades desempenhadas, da
desenvolvimento”, o economista François sociedade e da herança espacial. Nesse
Perroux exerceu grande influência sobre os sentido, e em atenção às proposições
economistas regionais e também sobre os anteriormente apresentadas, acredita-se ser
geógrafos (em especial os brasileiros). imprudente e impreciso tecer uma análise
espacial sem levar em consideração o fator
“tempo”, isto é, a geo-história dos fenômenos.
Das reflexões de Perroux derivam as ideias
referentes a três tipos de “região”: a
“região homogênea” (uma área com 3- CIDADE MÉDIA, O QUE É?
características que a diferenciam das
Há, no meio acadêmico, uma “dificuldade em
áreas circunvizinhas ou circundantes), a
definir cidade média, quer seja pela
“região funcional” (significando,
heterogeneidade das realidades, quer seja
principalmente, uma área polarizada por
pela temporalidade dos fenômenos
um determinado centro nos marcos de
econômico-sociais, cujas constantes
uma rede urbana) e a “região-programa”
mudanças condicionam o enquadramento
(a área de aplicação de um determinado
dos territórios não metropolitanos” (COSTA:
plano de “desenvolvimento regional”)
2002, 102). Existem, portanto, especificidades
(SOUZA, 2013, p.139).
que contribuem para essa dificuldade do
conceito em dar conta do que seja,
efetivamente, uma cidade média. Os
Ainda hoje, o debate sobre o conceito de
obstáculos para o entendimento desse
região é necessário, pois dentro de uma
conceito correspondem aos critérios
região, os capitais são geografizados em
utilizados pelos autores das pesquisas e
conformidade com a lógica do contexto
também pelas particularidades de cada
histórico e geográfico de sua criação. Com os
cidade.
avançar do tempo, o que se convencionou
chamar de região aparece como equivalente A terminologia “cidade média” é a mais
à ideia de “melhor lugar”; ou seja, região é utilizada no Brasil, porém cabe ressaltar que
uma espécie de objeto de desejo, de autores de outras nacionalidades utilizam
intencionalidade geopolítica e de realizações termos diferentes para o emprego desse
de determinado número de intervenções no conceito e, em alguns países, elas aparecem
espaço. como “cidades intermediárias”. De qualquer
forma, o pensar sobre a cidade média pode
O geógrafo brasileiro Milton Santos (1985)
ser análogo a uma reflexão que considere sua
corrobora essa teoria ao afirmar que uma
dimensão quantitativa na escala urbana, ou a
região é o locus de determinadas funções da
uma reflexão que a relacione com as políticas
sociedade total em um dado momento. Isso
de ordenamento e desenvolvimento,
poderia ser evidenciado pelo fato de que, no
interligando-a com a escala regional.
passado, o mesmo fenômeno se produziu e
as divisões espaciais do trabalho criaram Na década de 70, cidade média era uma
instrumentos de trabalho fixos, ligados às terminologia mais conhecida por utilizar o
diversas órbitas do processo produtivo. caráter quantitativo e figurava no que
estivesse entre a grande e a pequena cidade.

Geografia Urbana - Volume 1


61

Para isso, do ponto de vista de Silva (2013), conceito. Além das metodologias
eram levados em consideração o porte quantitativas, também são utilizadas as de
demográfico e a extensão física da cidade caráter qualitativo, em que questões como a
como variáveis mais importantes na sua oferta de empregos, bens e serviços, a
delimitação. Porém, essas variáveis, distância das áreas metropolitanas, a
atualmente, são consideradas rígidas e circulação de linhas de transportes regulares
estáticas. e a relevância regional são importantes
fatores de contribuição à análise.
Alguns estudos que partem de dados
populacionais sugerem que as cidades Assim como a de Castello Branco (2006),
médias são aquelas que possuem um número pesquisas enfatizam a centralidade como
específico de habitantes e com intervalo definidora das cidades médias. Para a autora,
limitado, geralmente, por instituições de a relevância do estudo deve estar situada nos
estatísticas que priorizam uma hierarquia tamanhos populacional e econômico, no grau
quantitativa entre as cidades. Segundo o de urbanização e na qualidade de vida.
IBGE, cidades médias são as que possuem
Em outra perspectiva, as cidades médias são
entre 100 mil e 500 mil habitantes e, de
“aquelas que, além de terem tamanho
acordo com a Organização das Nações
demográfico correspondente a este porte,
Unidas (ONU), são as que possuem entre 100
desempenham claros papéis intermediários
mil e um milhão de habitantes. Outros estudos
entre a(s) metrópole(s) e as cidades
já sugerem o limite de 350 mil habitantes por
pequenas que compõem uma rede urbana”
considerarem todo centro urbano que
(SPOSITO: 2004, 126). A rede urbana e a
contenha um número maior como possuidor
interação entre cidades apresentam funções
de características de grandes concentrações
diferenciadas para elas, e essas funções
urbanas.
podem auxiliar na percepção da cidade
Santos (1993) recomenda cautela com o uso média que polariza as demais. Com isso, da
de quadros estatísticos para classificar uma combinação desses fatores diferenciados
cidade média, pois um mesmo número surge a necessidade de examinar as
quando analisado em épocas diferentes pode diferentes escalas para fins de análise das
adquirir significados distintos. É relevante cidades médias. De acordo com Corrêa
notar também que duas cidades com número (2006), cada cidade da rede tem um modo e
igual de habitantes não serão equivalentes se uma intensidade de participação no
estiverem em regiões cujos processos de processo; do contrário, teria sua existência
urbanização possuem diferenças inviabilizada.
consideráveis. A questão demográfica,
Sposito (2001) enfatiza a relevância do papel
portanto, é importante, mas possui limitações
que a cidade desempenha regionalmente e
e não deve ser o elemento fundamental da
afirma a importância da posição na divisão do
análise, pois há cidades pequenas cumprindo
trabalho e da posição geográfica nas
funções centrais na região onde se
relações espaciais entre as cidades,
encontram. Desse modo, não há uma relação
principalmente nos âmbitos econômico e de
entre o tamanho populacional de uma cidade
consumo. Para a autora, cidades médias são
e o papel dela na rede urbana.
centros regionais importantes que funcionam
Não obstante, a demografia não deve ser como ligação entre pequenas e grandes
desprezada nos estudos; deve ser inserida às cidades. Porém, para Leitzke e Fresca (2009,
demais variáveis que possibilitam a apud SILVA, 2013) a ideia de elo entre
compreensão das cidades médias, já que, cidades menores maiores não é suficiente
sozinha, a demografia atribui um caráter que para definir uma cidade média, pois
refere-se mais ao porte da cidade do que
propriamente às suas relações e funções. E
existem diferenças entre uma cidade de porte [...] atualmente a globalização permite-nos
médio e uma cidade média. ir além da simples relação entre duas
cidades separadas apenas por um nível
Diversos podem ser os critérios para a
hierárquico. Ou seja, a população de uma
definição de uma cidade média e, por isso,
cidade pequena não precisa recorrer mais
talvez haja maior dificuldade em identificá-las
à cidade média como elo à grande. A
como tais. Algumas metodologias diferentes
evolução dos meios de transporte e das
são usadas para que a união de fatores possa
comunicações permite que se vá
produzir um resultado mais próximo desse

Geografia Urbana - Volume 1


62

diretamente à grande cidade, ou mesmo à relações de troca ou, em certos domínios,


metrópole. (LEITZKE; FRESCA, 2009, p.7). vivem em concorrência; portanto, as
cidades participam numa estrutura
horizontal. Em terceiro lugar, há cidades
Sendo ou não um elo, a cidade média está modestas – pela sua dimensão, nível ou
inserida em uma divisão territorial do trabalho. natureza dos seus equipamentos – que
Santos e Silveira (2001) argumentam que esta podem depender de cidades mais
divisão “[...] cria uma hierarquia entre lugares favorecidas: pertencem, então, a uma
e redefine, a cada momento, a capacidade de estrutura vertical; esta conduz à noção de
agir das pessoas, das firmas e das classificação e de rede. (BEAUJEU-
instituições”. Para os autores, as funções do GARNIER, 1997, p.47-48).
novo espaço geográfico são configuradas
pela distribuição das indústrias, dos serviços
e da agricultura; pelas normas financeira, Podem ser diversas as formas de apresentar
fiscal e civil; e pelos movimentos da a centralidade de uma cidade média em
população. comparação às outras cidades da mesma
rede. Porém, neste trabalho, Macaé é
As diversas formas de enquadrar uma cidade
mostrada como cidade média a partir da
no conceito de cidade média exigem que o
análise dos movimentos pendulares feitos
presente trabalho defina uma como sendo a
pelos trabalhadores que entram e saem da
sua diretriz. Por essa razão, é importante
cidade diariamente e semanalmente.
afirmar que, apesar de empregar dados
referentes às migrações de diferentes A desconcentração industrial (fenômeno que
pendularidades que a cidade de Macaé atrai, está acontecendo durante as últimas décadas
não serão utilizados para tal enquadramento em diversas partes do mundo) é um dos
somente os seus números demográficos, bem fatores fundamentais para compreendermos a
como seu tamanho populacional. Serão dinâmica demográfica das cidades médias.
consideradas as relações da cidade com o Mediante a definição de Macaé como centro
seu entorno mais imediato e também com da produção petrolífera, diversos outros
municípios vizinhos – o que caracteriza sua fenômenos espaciais puderam ser
relevância regional na divisão do trabalho. Em observados: entre eles, a geração de novos
contrapartida, não será destacada a sua postos de trabalho formais e informais. Por
posição como elo entre a metrópole e as representar um mercado de trabalho
municipalidades menores e dependentes da flexibilizado que se mostra cada vez mais
sua rede de serviços, pois os municípios da presente no cotidiano, julga-se significativo
Região Norte do estado não necessariamente destacar a importância da informalidade. No
são dependentes de Macaé para acessarem entanto, devido à dificuldade de encontrar
a metrópole fluminense. dados que a representem, o presente
trabalho não considera esse aspecto.
Em razão da instalação da Petrobrás na
4- MACAÉ COMO CIDADE MÉDIA A PARTIR
cidade e, consequentemente, das empresas
DAS MIGRAÇÕES
prestadoras de serviços, proporcionou-se
A cidade média desempenha um papel uma considerável atração de mão de obra em
específico na rede urbana em que está Macaé. Para Mota et al. (2007), o território sob
inserida e este papel se apresenta nas a influência da indústria petrolífera sofre a
influências que exerce sobre as demais imposição de uma reorganização espacial
cidades. Forma-se, portanto, uma rede de das atividades, por conta do específico
interações condicionada pelas dependências dinamismo desse tipo de indústria, que atrai,
e pelas trocas. Analisando os papeis das além de grande contingente populacional,
cidades, concorda-se que, uma série de atividades complementares.
Contudo, a atividade extrativista de petróleo
requer qualificação dos trabalhadores. Sendo
Primeiramente, a cidade transforma o uma cidade cuja economia era baseada em
espaço onde está implantada, quer agricultura, pecuária e pesca, Macaé não
diretamente, quer pela influência conseguiu atender àquela demanda de
periférica, positiva ou negativa, que imediato e, por essa razão, a mão de obra
exerce. Em segundo lugar, as cidades não técnica surge do seu exterior.
vivem isoladas; mantém entre elas

Geografia Urbana - Volume 1


63

Nos anos 90, superando o município de Do ponto de vista das migrações, vários
Campos dos Goytacazes, Macaé despontava movimentos são percebidos ao analisar a
como principal destino do norte do estado, no cidade de Macaé. O primeiro deles é o que
que se refere à dinâmica da metrópole se refere à migração do campo para a
fluminense. Nos primeiros anos deste século, cidade. Em 1970, de acordo com o IBGE,
a ocupação dos trabalhadores em Macaé, aproximadamente 40% da população
especialmente os qualificados, mostrava uma macaense morava nas áreas rurais. Em
considerável diferença sobre vagas de restrita paralelo a esses dados, o Censo de 2010
especificidade técnica quando comparada (IBGE) mostra que apenas 1,87% da
com a dos trabalhadores não migrantes e não população mora no campo.
qualificados. De acordo com Paganoto
A valorização imobiliária da cidade de Macaé
(2008), 78% dos trabalhadores que recebiam
manteve seu ritmo de aceleração e promoveu
mais de 10 salários mínimos eram migrantes,
algumas movimentações dentro e fora do
enquanto o índice de desemprego era maior
município. No âmbito intramunicipal, observa-
entre os trabalhadores nascidos na cidade.
se a setorização das classes sociais que
Na leitura de Mota et al. (2007), corrobora-se acompanha a setorização dos bairros – fato
que os altos investimentos tecnológicos e de que evidencia a prioridade dada aos
modernização que a indústria do petróleo trabalhadores das empresas multinacionais
carrega puderam ser percebidos na região instaladas para a prestação de serviços à
como um todo, mas com maior força em Petrobrás. Já em eixos de expansão que
Macaé onde foram gerados novos padrões seguem uma linha diferente da expansão dos
demográficos e de migrações. Em um espaço bairros nobres, surgem bairros pobres e
temporal relativamente curto, esse conjunto favelas. Compreende-se, portanto, que o
de fatores foi responsável por um processo crescimento da urbanização macaense
de urbanização intensificado, na medida em ocorreu de forma desordenada e, no que
que tange os valores dos imóveis, promoveu a
segregação sócio espacial. Como descrito
por Mota et al. (2007), a população local, os
[...] as cidades médias apresentam-se empresários e funcionários das indústrias
como espaços privilegiados de alocação elegeram a especulação imobiliária como um
destes investimentos, dos quais decorre o dos principais problemas da cidade.
fortalecimento do papel destas cidades no
O segundo movimento de migrações
que tange ao oferecimento de funções,
percebido para Macaé ocorre na escala
bens e serviços aos moradores da sua
intermunicipal, cuja movimentação acontece
hinterlândia e de áreas rurais ou urbanas
pela pendularidade diária que trabalhadores
mais ou menos distantes. Assim, este
fazem de casa para o trabalho. Normalmente,
processo implica no reforço ao papel das
eles escolhem morar em um município vizinho
cidades médias como espaços de
devido à oferta de moradia mais barata.
consumo locais e regionais, reforçando a
Nesse sentido,
centralidade e intermediação destas
cidades.(OLIVEIRA JÚNIOR, 2008, p.217)
Essas centralidades também sugerem um
processo de (re)valorização do espaço
Com a rápida urbanização da cidade e a
urbano, na medida em que a atração
chegada de novas empresas e pessoas de
exercida por estas áreas implica em
vários lugares fluminenses, nacionais e
alterações no preço e acesso à terra
internacionais, a valorização imobiliária
urbana, principalmente no entorno
aconteceu no mesmo ritmo. Juntamente com
imediato a estas novas
a mão de obra técnica e especializada que
centralidades.(OLIVEIRA JÚNIOR, 2008,
justifica maiores salários, novos bairros foram
p.210)
criados para este público recente. Mas não
foram somente os trabalhadores técnicos que
chegaram a Macaé, pois grande quantidade
A crescente economia do petróleo e as
de pessoas, que contavam com a própria
mudanças nas legislações que distribuem
sorte, migrou também de diversos lugares em
royalties para as administrações federal,
busca de oportunidade de trabalho.
estaduais e municipais fizeram surgir na
década de 90 algumas emancipações e a

Geografia Urbana - Volume 1


64

formação de novas sedes de municípios. É sabido que outros municípios, tanto da


Duas delas no limite imediato com a cidade Região Norte Fluminense, quanto das
de Macaé: Rio das Ostras, em 1992; e Baixadas Litorâneas, também são impactados
Carapebus, em 1997. Além dessas, e sem pela pendularidade de trabalhadores em
fazer limite com Macaé, foi fundado o direção a Macaé. Sendo assim, na tentativa
município de Quissamã, em 1989. Tais de deixar a análise mais próxima da
localidades são impactadas diretamente pela realidade, consideraram-se como referência
proximidade com a sede das atividades os dados do IBGE para os municípios de
extrativistas de petróleo da região e, dentre os limites mais imediatos, tais como Rio das
impactos, encontram-se os movimentos Ostras, Carapebus, Conceição de Macabu,
pendulares feitos diariamente pelos Casimiro de Abreu e Quissamã, uma vez que
trabalhadores. a gravitação desses municípios na cidade de
Macaé é mais perceptível.

Tabela 1: Dados de população, migração e deslocamentos.


Não residiam no Trabalham no Trabalham
População População
Município município até próprio em outro
Total Urbana
2005 município município
Macaé 206.728 202.859 29.910 100.153 2.154
Rio das
105.676 99.905 35.611 35.519 14.492
Ostras
Carapebus 13.359 10.542 1.958 3.604 2.449
Conceição
21.211 18.337 1.310 6.282 3.341
de Macabu
Casimiro
35.347 28.521 6.934 12.265 4.774
de Abreu
Quissamã 20.242 12.996 1.919 7.198 1.303
Fonte: IBGE – Censo 2010

Os números da tabela 1 mostram para trabalhar. Apenas 2,1% dos


primeiramente o caráter urbanizado das trabalhadores residentes em Macaé exercem
referidas cidades e, em seguida, o movimento suas funções fora do município. Nos demais
populacional em direção a esses municípios municípios, essa proporção tem outros
após o ano de 2005. Neste caso, Rio das resultados: em Rio das Ostras são 28,9% os
Ostras conseguiu atrair o maior número de que saem do município todos os dias; em
novos moradores, ficando à frente da própria Carapebus são 40,4%; em Conceição de
Macaé – o que nos permite sugerir que, nos Macabu são 34,7%; em Casimiro de Abreu
últimos anos, a preferência por residir fora da são 28% e em Quissamã são 15,3% (de
cidade de Macaé tenha aumentado. Em acordo com os dados do IBGE, entre os
relação ao exame desses dados, Paganoto setores que mais atraem a movimentação de
(2008) alega que o custo elevado da moradia trabalhadores, estão as atividades industriais
provoca maior procura em municípios ligadas à extração, transformação e
vizinhos, em especial Rio das Ostras. Estes construção).
municípios terminam por desempenhar o
Por outro lado, nota-se que a pendularidade
papel de “diques populacionais”
intermunicipal de trabalhadores em direção a
(PAGANOTO: 2008, 14), absorvendo
Macaé não está restrita a municípios vizinhos.
migrantes que antes se dirigiam diretamente
Este trabalho indica que, por conta da
para Macaé.
necessidade de especialização da força de
Por essas razões, torna-se evidente a atração trabalho exigida pelas atividades petrolíferas,
que Macaé exerce sobre o movimento dos uma parte dos trabalhadores migra de outras
trabalhadores dos municípios vizinhos, ao localidades mais distantes, como é o caso da
mesmo tempo em que se vê a permanência capital fluminense. Porém, em decorrência da
de trabalhadores macaenses na própria distância, não o fazem diariamente. Existe,
cidade, pois, comparativamente, é baixa a portanto, mais um tipo de migração pendular
quantidade de pessoas que saem de Macaé em Macaé, a de frequência semanal.

Geografia Urbana - Volume 1


65

Na tentativa de tornar plausível a úteis. No sentido “Rio x Macaé”, foram


possibilidade de se comprovar a analisadas as partidas em um intervalo de
pendularidade semanal, utilizaram-se dados cinco horas no período da manhã (das 3:00h
da única empresa rodoviária que disponibiliza às 8:00h) e, no sentido “Macaé x Rio”, foram
o serviço entre a capital do Rio de Janeiro e a analisadas as partidas no intervalo de cinco
cidade de Macaé: a frequência das partidas horas no período da tarde (das 14:00h às
dos ônibus nos dois sentidos durante os dias 19:00h).

Tabela 2 – Partidas dos ônibus entre Rio de Janeiro e Macaé


Sentido: Rio de Janeiro x Macaé SENTIDO: Macaé x Rio de Janeiro
Partidas normais: Partidas extras: Partidas normais: Partidas extras:
2ª a 6ª feira Somente 2ª feira 2ª a 6ª feira Somente 6ª feira
- 3:00h 14:10h -
3:30h - 14:30h -
- 3:50h - 15:00h
4:00h - 15:10h -
- 4:20h - 15:20h
- 4:41h 15:30h -
5:01h - - 15:40h
- 5:20h - 15:50h
5:30h - 16:10h -
- 5:40h 16:20h -
5:41h - 16:30h -
6:01h - - 16:40h
6:30h - - 17:00h
6:50h - 17:10h -
7:01h - - 17:20h
7:41h - 17:30h -
- 7:50h 18:10h -
8:00h - 18:30h -
Fonte: www.autoviacao1001.com.br (acessado em 28/07/2016)

O total de ônibus que deixam o Rio de Janeiro espacial de deslocamento como também
em direção a Macaé é 63% maior nas apresenta uma escala temporal de
segundas-feiras de manhã, em relação aos pendularidade estendida” (PAGANOTO:
outros dias da semana, principalmente em 2008, 17).
horários que permitem os trabalhadores
chegarem ao destino antes da abertura das
empresas. Pois, às onze partidas normais são 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
somadas sete partidas extras. O mesmo
O rápido crescimento de uma cidade é
número ocorre na sexta-feira, porém, no
repleto de complexidades e contradições, e
sentido contrário e no período da tarde.
entre elas estão o recrutamento de pessoas
Significa, portanto, que o número de pessoas
qualificadas aos novos postos e a atração de
que se dirige a Macaé no início da semana e
trabalhadores que se deslocam em busca de
que deixa a cidade nos fins de semana,
oportunidades, ainda que sem certezas.
utilizando o transporte rodoviário, é 63%
Ademais, o fenômeno migratório em Macaé
superior ao normal; ou seja, há uma
torna-se ampliado e ressalta a necessidade
mobilidade pendular de mão de obra de
de análises sobre a sua realidade que se
frequência semanal polarizada pela cidade
aproxima sistematicamente das
média de Macaé e que atinge municípios da
características de um município
Região Metropolitana, uma vez que os ônibus
metropolitano.
que saem da capital também recolhem
passageiros nos municípios de Niterói, São A cidade média de Macaé convive com
Gonçalo e Itaboraí. Há, portanto, um “fluxo eventos de ordem espacial dos mais diversos
pendular que não só tem ampliada sua escala e, boa parte deles, está relacionada ao fato

Geografia Urbana - Volume 1


66

dela ser o destino da migração de milhares esteja inserida, uma vez que as exigências
de pessoas. Entre esses movimentos, estão por qualificação são maiores, Macaé
as migrações definitivas para Macaé e para consegue criar tais dependências em
os municípios vizinhos. Os dados mostram municípios mais distantes e até mesmo em
que as cidades que cresceram juntamente outros estados.
com a atividade petrolífera, o fizeram mais
Desse modo, uma questão é levantada a
pela chegada de novos residentes do que
partir dessas conclusões. Existem migrações
propriamente pelo crescimento vegetativo.
pendulares diárias e semanais para Macaé,
Há, portanto, pessoas que migraram para
contudo, existe um tipo de trabalho exercido
Macaé e lá permaneceram. Porém, há
na atividade petrolífera que não demanda de
aquelas que migraram pela atividade, mas
residência na cidade sede, bem como nas
decidiram residir em outras cidades e fazem
cidades vizinhas: o trabalho dos embarcados.
diariamente a mobilidade pendular até o
Estes trabalhadores ficam em média 14 dias
trabalho. E, ainda, há o grupo de
em alto mar (nas plataformas), e retornam
trabalhadores que, mesmo envolvidos com as
para o período de descanso de mais 14 dias,
atividades do ramo extrativista, residem nas
também em média, nas suas cidades de
suas cidades de origem, sejam elas nas
origem. Boa parte das pessoas que exercem
outras regiões do estado ou até mesmo do
essas funções trabalha em Macaé (nas
país.
plataformas), mas não passa nenhum dia na
O presente trabalho pretende mostrar a cidade. Fica, portanto, a análise desse outro
influência de Macaé junto aos municípios tipo de migração como proposta para
vizinhos, evidenciando-a como uma cidade pesquisas futuras.
média que centraliza e aglomera serviços e
O crescimento das cidades e da economia do
cria dependências, polarizando as demais.
petróleo cria empregos, mas não
Porém, considerou-se necessário apresentar
necessariamente estabelece vínculos com a
que o poder de alcance dessa polarização
dinâmica produtiva local que possam garantir
exercida por Macaé está além das
maior variação das atividades, diminuindo a
municipalidades próximas. Talvez pelo
dependência que existe sobre um setor
específico tipo de economia em que ela
econômico instável e finito.

REFERÊNCIAS e região no Brasil: o desafio da abundância. Rio de


Janeiro: Garamond, 2007.
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urbana. Tradução de Raquel Soeiro de Brito. 2ª ed. [8] Oliveira, Floriano José Godinho de.
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estado do rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
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Brasil. In: Sposito, E. S; Sposito, M. E. B.; Sobarzo,
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[5] La Blache, Paul Vidal de. Las divisiones setembro a 03 de outubro de 2008. Disponível em:
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em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas: [12] Santos, Angela Moulin S. Penalva.
Papirus, 1988. Reestruturação espacial e desenvolvimento local:
[7] Mota, Ailton; Pontes, Carla; Tavares, Érica; estudo de caso de sete municípios do interior
Carvalho, Leonardo de; Totti, Maria Eugênia. fluminense. Revista Rio de Janeiro, n 18-19, janeiro
Impactos socioeconômicos e espaciais da e dezembro de 2006.
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PIQUET, Rosélia; SERRA, Rodrigo (orgs). Petróleo Janeiro: Livraria Nobel, 1985.

Geografia Urbana - Volume 1


67

[14] Santos, M. A Urbanização Brasileira. São [18] Sposito, M. E. B. As cidades médias e os


Paulo: Hucitec, 1993. contextos econômicos contemporâneos. In:
Sposito, M. E. B. (org.). Urbanização e cidades:
[15] Santos, M.; Silveira, M. L. O Brasil:
perspectivas geográficas. Presidente Prudente:
Território e sociedade no início do século XXI. Rio
UNESP, 2001.
de Janeiro: Record, 2008.
[19] Sposito, M. E. B. Novos conteúdos nas
[16] Silva, Andresa Lourenço da. Breve
periferias urbanas nas cidades médias do estado
discussão sobre o conceito de cidade média.
de São Paulo, Brasil. Revista Investigaciones
Geoingá: Revista do Programa de Pós Graduação
Geográficas, Boletín del Instituto de Geografia-
em Geografia. Maringá, v.5, n.1, p.58-76, 2013.
UNAM, Cidade do México, n.54, 2004. p. 114-139
[17] Souza, Marcelo Lopes de. Os Conceitos
Fundamentais da Pesquisa Sócio-espacial. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.

Geografia Urbana - Volume 1


68

Capítulo 6

José Geraldo Pimentel Neto


Keilha Correia da Silveira
Flavio Antônio Miranda de Souza
Ana Cláudia Rocha Cavalcanti

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal discutir a importância do


governo estadual na formação de arranjos institucionais híbridos (relação entre o
público e o privado) para desenvolvimento e gerenciamento dos projetos
relacionados à Copa do Mundo FIFA 2014 na Região Metropolitana de Recife
(RMR). Para isso verifica-se a matriz de responsabilidade e os portais da
transparência (Federal e Estadual) para os indicadores de mobilidade urbana,
infraestrutura aeroportuária, a arena de Pernambuco (estádio) e as ações voltadas
para o turismo, até o ano de 2017. Esses indicadores possibilitaram a interpretação,
resultados e conclusões sobre o processo de modificação e (re)estruturação da
RMR por conta desse grande evento. Direcionando o debate para o gerenciamento
urbano-regional das parcerias público-privadas (PPP) ou simplesmente das ações
entre o público e privado que normalmente viabilizam o empreendedorismo urbano
que tem como foco o planejamento estratégico, transformando a cidade-região (ou
parte delas) em uma mercadoria que poderá interagir com os grandes agentes
globais, viabilizando novas formas de articulação e de desenvolvimento econômico
para essas localidades.

Palavras-chave: Arranjos Institucionais; Copa do mundo FIFA 2014; RMR.

*O presente artigo integra o projeto de pesquisa intitulado Desenvolvimento urbano e regional:


mudanças e desafios nos arranjos institucionais e territoriais para a Copa do Mundo FIFA de 2014,
na RMR, financiado pela FACEPE, e desenvolvido por pesquisadores, bolsistas graduação e
doutorando de Pernambuco

Geografia Urbana - Volume 1


69

1.INTRODUÇÃO do artigo, além de subsidiar as análises do


projeto relacionado.
O Brasil, a partir de 1988, promove uma
mudança na administração integrada, o
estado é fragmentado possibilitando a
2.OS ARRANJOS INSTITUCIONAIS NA NOVA
geração de articulações com outros agentes
GESTÃO PÚBLICA
institucionais. Essa “nova” realidade de
interações e articulações é denominada A partir da constituição de 1988, a gestão
arranjos institucionais, na qual se destacam pública incorpora de forma gradativa um
as relações híbridas (pública e privada). Com modelo mais gerencial com o intuito de
esse novo formato constitucional, os governos otimizar os processos de maneira eficiente e
locais-estaduais assumem um papel eficaz. Trata-se de um modelo que minimiza a
importante na coordenação, liderança e burocracia nas instituições públicas federais,
tomada de decisão, mobilizando agentes estaduais e municipais. O tema se insere em
institucionais governamentais (municipais, um debate ideológico sobre estado mínimo,
estaduais, federais e supranacionais) e não sobre o papel do Estado na gestão da
governamentais (empresas locais, regionais e economia.
globais, terceiro setor, entre outros) que tem
A preocupação explicita por teóricos e
como objetivo estabelecer processos de
governo é a capacidade gerencial e de
gerenciamento em diferentes focos de
execução das políticas públicas pelo Estado,
atuação, atuando em diversos interesses
considerando o cumprimento dos princípios
(recíprocos e/ou estratégicos) para essas
administrativos da gestão pública (legalidade,
localidades.
impessoalidade, moralidade, publicidade e
O estado de Pernambuco está inserido nessa eficiência27) e a relação com os atores
nova realidade de articulação gerencial que afetados na tomada de decisão, na promoção
pode ser verificado pela sua participação da accountability28 e no controle de
como um dos estados sedes para os eventos resultados. (PIMENTEL, 2017)
da Copa das Confederações de 2013 e da
Nessa discussão, os arranjos institucionais
Copa do Mundo FIFA de 2014, foram
ganham força, uma vez que permitem que
planejadas diversas obras estruturantes,
instituições democráticas interajam com os
principalmente, para a Região Metropolitana
atores envolvidos para desenvolvimento das
do Recife (RMR), onde inclusive foi construído
políticas públicas de forma rápida e eficiente.
a Arena de Pernambuco no município de São
Esses arranjos institucionais são
Loureço da Mata. Nesse contexto, o presente
compreendidos como sendo:
artigo busca discutir a importância do
governo estadual na formação de arranjos O conjunto de regras, mecanismos e
institucionais para desenvolvimento e processos que definem a forma particular
gerenciamento dos projetos relacionados à como se coordenam atores e interesses na
Copa do Mundo FIFA 2014 na RMR. implementação de uma política pública
específica. São os arranjos que dotam o
Para tanto, adotou-se uma metodologia mista
Estado de capacidade de execução de seus
que se convencionou chamar de pesquisa
objetivos. Ou, em outras palavras, são os
multimétodos, sendo utilizado o método de
arranjos que determinam a capacidade do
pesquisa indutivo. Quanto aos procedimentos
Estado de implementar políticas públicas.
metodológicos foram estabelecidas três
(GOMIDE e PIRES, 2014, p. 20).
etapas. Etapa I: Pesquisa bibliográfica e
documental. Orientada para localizar e revisar Assim, o Estado deverá possuir as
textos científicos, relatórios e entrevistas, habilidades necessárias para implementar
sobre arranjos institucionais, Copa do Mundo seus objetivos. Ele detém as capacidades
FIFA 2014. Etapa II: Coleta de dados
estatísticos. Dirigida para a construção de um 27
O princípio da eficiência foi inserido na
banco de dados secundário, utilizado como Constituição Federal de 1988, a partir da Emenda
base para leitura preliminar do perfil Constitucional nº 19, e permitiu flexibilizar a
socioeconômico, da infraestrutura e dinâmica articulação público-privado. (BRASIL, 1988)
28
da RMR e dos projetos relacionados à Copa É um termo da língua inglesa, que remete à
do Mundo FIFA 2014. Etapa III: Análise dos obrigação de membros de um órgão administrativo
dados e interpretação. Etapa final dos ou representativo de prestar contas a instâncias
controladoras ou a seus representados. Outro
procedimentos metodológicos, que permitiu a
termo usado numa possível versão portuguesa é
análise comparativa dos dados e a produção responsabilização

Geografia Urbana - Volume 1


70

técnico-administrativas e políticas derivam representativos que podem ser instituições de


das relações entre as burocracias do Poder cunho privado. Essa afirmativa está
Executivo com os atores dos sistemas representada a seguir.

Figura 1 - Modelo Analítico Adotado Para Analisar Os Arranjos Institucionais

Fonte: Gomide e Pires (2014)

Nesta atual fase da gestão pública, os relacionar o que se imaginava desenvolver


arranjos institucionais são grandes pelo projeto da Copa do Mundo FIFA de 2014
articuladores e detentores dos grandes na RMR e comparar com o que de fato, até o
projetos urbanos territoriais do país. Essa momento, foi feito (desenvolvido).
articulação entre público e privado
Para uma melhor identificação dos projetos
promoveram diversas ações públicas nos
será desenvolvido uma apresentação
últimos anos. E uma delas foi a Copa das
sequencial de todas as obras, com seus
Confederações de 2013 e a Copa do Mundo
respectivos arranjos institucionais, tendo
FIFA de 2014 que ocorreram no Brasil.
como foco uma breve análise do que se era
Uma primeira análise das possibilidades e imaginado desenvolver (antes do período) e a
efeitos da Copa do Mundo FIFA, Betarelli atual situação dos projetos.
Junior et al (2011) enfatiza que os benefícios
econômicos que serão trazidos por esse
evento é de difícil estimação, pois existem 3.O CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DE
muitas ações correlacionadas tais como: PERNAMBUCO
obras de infraestrutura urbana,
O Estado de Pernambuco liderou os
reformas/construção de estádios, fluxos
indicadores econômicos no nordeste
turísticos, investimentos privados (rede
brasileiro com um crescimento de 5,4% do
hoteleira, por exemplo) e divulgação
PIB da indústria, no terceiro trimestre do ano
internacional do país.
de 2011, superando o índice nacional que
Domingues et al (2011) indica que os ficou em 1% e as respostas negativas do
organizadores geralmente alegam que Estado do Ceará, com -6,2%, e da Bahia, com
eventos, como a Copa do Mundo FIFA, geram -1,7% (CEPLAN, 2012). Outros indicadores
estímulos para os negócios domésticos (ex.: confirmam o crescimento econômico de
restaurantes, hotéis e outros negócios) e, Pernambuco, registrado no início da década
portanto, benefícios econômicos maiores que de 2010 e por meio da dinamicidade da
os custos. Um exemplo, segundo o autor, foi o agenda de políticas públicas voltada para a
que aconteceu com o comitê organizador da diversificação setorial e interiorização do
Olimpíada de Atlanta que estimou um impulso crescimento econômico do estado, num
de $ 5,1 bilhões na economia e um aumento contexto muito virtuoso para atração de
de 77.000 empregos (BARCLAY, 2009). investimentos e de constantes presenças nas
discussões nacionais e internacionais.
Essa compreensão será desenvolvida a partir
de agora, pois serão identificadas as obras da Por exemlo, o estado foi objeto de análise em
Copa do Mundo de 2014 na RMR, um artigo na revista internacional The
desenvolvendo a análise da matriz de Economist em 2012 que mostrou justamente
Responsabilidades para as seguintes áreas: sua importância econômica e a
mobilidade urbana, Infraestrutura potencialidade do crescimento econômico
Aeroportúaria, Estádio e Turismo. Tentando diante das especificidades regionais do

Geografia Urbana - Volume 1


71

estado. Este cenário pernambucano foge de destaque, principlamente por que estas
uma regra globalizada, que segundo Fiori impulsionaram significativamente o
(2005) as escalas intermediárias entre o local crescimento econômico do estado, registrado
e o global não possuem tanta força no no início da década de 2010. Foi
desenvolvimento e gestão das ações prioritariamente num contexto político que
públicas. grandes projetos estruturais foram concluídos
e/ou iniciados.
Fatores históricos de formação territorial
ajudam a explicar a importânica e A política federal de maior expressão em
centralidade de Pernambuco na escala Pernambuco é representada pelo Programa
regional (Nordeste), e em alguns aspectos de Aceleração do Crescimento - PAC I e II,
nacional. Destaca-se a capacidade de que aportou investimentos de R$ 31 bilhões,
atração de mercadorias, serviços e pessoas, até o ano de 2010, e, aproximadamente,
de Recife, a capital do estado, que polariza as R$ 32 bilhões, para os anos seguintes, para
capitais Maceió-AL, João Pessoa-PB e Natal- projetos de desenvolvimento do Estado como:
RN (REGIC, 2007). Enquanto infraestrutura, a estradas, portos, ferrovias, hidrovias,
malha rodoviária do estado é ponto de aeroportos, abastecimento, irrigação, energia
passagem para, praticamente, todo fluxo de elétrica, revitalização de bacias e entre outros.
carga vinda do Centro-Sul do país.
Abaixo estão indicados os principais
Mais recentemente, as relações políticas do investimentos no Estado de Pernambuco entre
estado com o governo nacional merecem 2007 a 2010.

Figura 2 - principais investimentos do programa de aceleração do crescimento (pac) no estado de


pernambuco, entre os anos de 2007 a 2010.

Fonte: http://www.pac.gov.br/pub/up/relatorio/e57c8636825fc69302e23b82a01c6282.pdf

Destaca-se alguns empreendimentos: (i) O Preservação Ecológica e de Preservação


Porto de SUAPE é um dos maiores complexos Cultural.
portuários do país, apresenta estrutura
(ii) A Refinaria Abreu e Lima localizada nas
moderna, com profundidades entre 15,5m e
proximidades de Suape, no qual suas
20,0m e grande potencial de expansão. Sua
estruturas físicas estão com mais de 75% de
localização estratégica em relação às
implementadas. Conforme estabelecido no
principais rotas marítimas de navegação o
Plano de Negócios da Companhia, que prevê
mantém conectado a mais de 160 portos em
investimentos totais de US$ 236,7 bilhões
todos os continentes, com linhas diretas da
para o período 2013-2017, a refinaria será um
Europa, América do Norte e África. Ele está
dos grandes parceiros, junto com Suape, para
situado na RME, possui área de 13.500
o desenvolvimento do setor de metal-
hectares, distribuída em zonas Portuária,
mecânica do Estado de Pernambuco.
Industrial, Administrativa e Serviços, de

Geografia Urbana - Volume 1


72

(iii) Fábrica da Fiat que concluiu os estudos listagem/mapeamento estadual, que recebem
para instalação de sua unidade industrial no algum tipo de ajuda institucional, sendo que
município de Goiana-PE, e será a segunda da oito deles recebem políticas específicas de
empresa no Brasil. Este empreendimento tem APL e seis claramente recebem um tipo de
como objetivo ser um polo automotivo apoio equivocado com um desenho de
altamente integrado. A fábrica da Fiat poderá política voltado para o setor ou, na melhor das
produzir entre 200 mil e 250 mil unidades por hipóteses, para a cadeia produtiva.
ano, com investimentos entre R$ 3 bilhões e (MOUTINHO, 2010, p.4)
R$ 3,5 bilhões. O número de empregos
Essa estrutura para o apoio aos APLs de
diretos deve superar os 3,5 mil postos
Pernambuco tem na sua base diversos
inicialmente projetados. O acionamento da
agentes que atuam na execução de
linha de produção previsto para o início de
programas ou ações pontuais, são eles:
2014, foi realizado em 2015 com o nome da
Governos Federal e Estadual, Prefeituras,
marca Jeep.
entidades do Sistema S, associações,
(iv) Arco Metropolitano, obra de estruturação cooperativas, sindicatos, federações,
estão sendo desenvolvidas para melhorar as instituições de C&T, ONGs e empresas.
conexões viárias do Estado de Pernambuco
Visto toda infraestrutura e ações no Estado de
visando o desenvolvimento territorial da RMR,
Pernambuco (implementadas e em
dentro de uma lógica econômica e social, que
desenvolvimento), além de grandes empresas
gere benefícios aos residentes, à economia
públicas e privadas é verificado novas
local, à economia do setor público e
oportunidades de crescimento econômico
possibilite a integração das cadeias
para o Estado. Uma delas foi à participação
industriais e dos processos logísticos de
da Região Metropolitana do Recife como cede
forma eficiente e competitiva. Sua função
da para o grande evento – A Copa do Mundo
principal é aumentar a mobilidade dos fluxos
FIFA de 2014 no Brasil.
de cargas e pessoas em um eixo viário,
tangenciando toda a RMR e integrando três
grandes estruturas de desenvolvimento
4.MATRIZ DE VIABILIDADE PARA A COPA
econômico: complexo Portuário de SUAPE,
DO MUNDO FIFA 2014
Refinaria Abreu e Lima, no Litoral Sul, e a
empresa FIAT, no Litoral Norte. Resumindo, (1) Cidade da Copa (1ª Smart City da América
está obra facilitará a integração entre a RMR e Latina): de acordo com o RIMA (2012) da
todos os seus principais empreendimentos Cidade da Copa sua estrutura teria cerca de
localizados nesta área. 240 hectares com um percurso entre qualquer
um dos seus polos, terminais integrados de
Além das ações já mencionadas, o governo
ônibus e metrô, além das faixas exclusivas
do estado teve investimento de recursos
para pedestres e ciclistas. Essa nova
específicos para o desenvolvimento
estrutura teria como objetivo, de acordo com
econômico dos Arranjos Produtivos Locais
o RIMA, criar uma nova centralidade urbana,
(APL), pelo Ministério de Desenvolvimento
planejada e adequada às necessidades do
Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Trata-se
Grande Recife, objetivando um novo destino
de políticas públicas de grande potencial de
para inovar conceitos e oferecer um novo
desenvolvimento, pois são estimuladas pelo
padrão de qualidade de vida.
ambiente político-institucional e pelos fatores
de competitividade, complementaridade e Essa era para ser a estrutura da Cidade da
cooperatividade sistêmica da economia local- Copa na cidade de São Loureço da Mata,
regional do estado de Pernambuco. Região Metropolitana de Recife (ver figura
abaixo). O grande problema no cenário atual
Segundo o MDIC, entre 2007 e 2008, o estado
é que não há previsão do andamento do
possuía 7 APL (Lacticínio, fruticultora, gesso,
projeto sendo uma possibilidade dele nem
tecnologia da informação, confecções,
sair da perspectiva do projeto, ou seja, o
apicultura e caprinovinocultura). Em 2010,
projeto ficar como uma obra em um papel.
Moutinho (2010) identifica 14 APL, na

Geografia Urbana - Volume 1


73

Figura 3 - Cidade Da Copa – Smart City

Fonte: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/07/10/no-recife-maior-legado-da-copa-
espera-licencas-e-so-fica-pronto-em-2030.htm

A justificativa para tal situação é a falta de responsabilidades, mas por conta da falta de
investimentos, pois como a estrutura é de recurso a atual situação da cidade da copa
grande magnitude gera muitos custos para o no município de São loureço da Mata é de
seu desenvolvimento e implementação total incerteza, pois não se sabe se o projeto
(Quadro 3). Essa matriz de responsabilidade terá continuidade, por este motivo, é a única
indica que os arranjos institucionais estavam matriz que foi desenvolvida pelo RIMA.
bem definidos, cada um com suas

Quadro 1 - Matriz De Responsabilidade – Cidade Da Copa


Arranjo institucional
Ação Fase Recurso (r$) Instrumento
E responsabilidade
 Governo Federal: Financiador
 Governo Estadual: Financiador
e gestão (controle e poder de
polícia)
Em projeto não  Governo municipal: gestão do
Cidade
se sabe se vai Previsão de Parceria público- uso do solo
da
ser 1.053.826.000 privada (PPP)  Criação de um Conselho
Copa
desenvolvido Gestor da Cidade da Copa (Sem
fins lucrativos - OS)
 Empresa contratada:
Odebrecht e outras de menor
porte (consórcio)
Fonte: RIMA – Cidade da Copa (2012)
( Pesquisado no sítio - http://www.cprh.pe.gov.br/downloads/RIMA-cidade-da-copa.pdf)

(2) Estádio - Arena Pernambuco: De acordo O investimento inicial cotado era de


com o RIMA da cidade da Copa na qual está aproximadamente de R$ 500 milhões, porém
inserido a Arena Pernambuco a construção e por conta de diversos fatores gerenciais o
operação da arena é uma Parceria Público investimento teve um total de,
Privada (PPP) entre o Governo de aproximadamente, R$ 900 milhões, sendo,
Pernambuco e o Consórcio Arena aproximadamente, R$ 700 milhões, financiado
Pernambuco. Essa PPP possui uma pelo governo federal. Esse dado pode ser
concessão de 33 anos, incluindo os três anos verificado no quadro II que objetiva analisar a
de obras e o período de operação do espaço. matriz de responsabilidade da obra.

Geografia Urbana - Volume 1


74

Quadro 2 - Matriz De Responsabilidade – Arena Pernambuco


Arranjo institucional
Ação Fase Recurso (r$) Instrumento
E responsabilidade
 Governo Federal Financiamento –
BNDES e BNB
Parceria
Arena  Governo estadual: executor
Finalizado 890.835.424,65 público-
Pernambuco  Governo local: gestão do uso do solo
privada (PPP)
 Empresa contratada: Odebrecht e
outras de menor porte (consórcio)
Fonte: Portal da transparência (2016).
(Pesquisado no sítio - http://transparencia.gov.br/copa2014/cidades/home.seam?cidadeSede=9)

Da mesma forma que a cidade da copa a desenvolveu adequadamente, pois houve um


matriz de responsabilidade da Arena gasto bem maior que o previsto e ainda existe
Pernambuco apresentou os arranjos uma indicação de corrupção entre as partes
institucionais bem definidos (tecnicamente e envolvidas. Por este motivo, é necessário um
juridicamente). O seu desenvolvimento foi a maior controle (em todo processo) das ações
partir do instrumento parceria público-privada do desenvolvimento do empreendimento, pois
que tem por objetivo geral atender grandes este tipo de controle pode evitar perdas e
obras diminuindo as burocracias do poder outras atividades inoportunas no processo.
público. Um ponto positivo, possível de ser
(3) Mobilidade urbana: Talvez um dos maiores
verificado na figura III, mesmo pelo fato que
problemas da Região Metropolitana do Recife
tinha de haver os jogos, foi que as obras para
(RMR) seja a mobilidade urbana que, com
o Estádio foram finalizadas para a Copa das
certeza, seria um dos grandes legados
Confederações e Copa do Mundo de 2014.
positivos na melhoria das estruturas viárias e
Atualmente ela atende a eventos esportivos
transporte público, mitigando os problemas já
locais-regionais, na qual o time que usufrui da
existentes no que se refere à mobilidade
estrutura é o Clube Náutico Capibaribe.
urbana no RMR. As principais obras para a
Nos últimos meses o Governo do Estado de Copa do Mundo de 2014 eram: 1) Obras da
Pernambuco a partir de um estudo da Estação de Metrô Cosme e Damião, 2) Obras
Fundação Getúlio Vargas (FGV) que teve do Viaduto da BR-408, 3) BRT: Corredor
como objetivo analisar os aspectos Caxangá (Leste/Oeste), 4) BRT: Norte / Sul -
econômicos do contrato da parceria público- Trecho Igarassu / Tacaruna / Centro do
privada, seus custos, suas receitas, indicaram Recife, 5) BRT: Leste / Oeste - Ramal Cidade
como o caminho mais sensato rescisão da Copa, 6) Corredor da Via Mangue.
contratual. Por este motivo o Governo do
Esses cenários das obras de mobilidade
Estado resolveu romper o contrato de
urbana inacabadas já eram identificados por
concessão, pois segundo matéria do jornal PE
matéria de Barbosa (2014) como uma
360º em março de 2016, ele indicou uma
pesquisa de campo ela verificou que grande
frustração de receitas e da subutilização e
parte das obras não ficou pronta para o
manutenção do empreendimento, por isso, foi
evento da Copa do Mundo de 2014 e que
tomada a decisão de rescindir o contrato.
segundo a matéria só iriam terminar no outro
Outro problema grave que ajudou na decisão ano – 2015. Essa informação, inclusive, foi
de rescisão contratual foi, segundo Estudo admitida pela Secretaria das Cidades de
desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Pernambuco.
Estado de Pernambuco (TCE), o apontamento
Um ano após o evento da Copa do Mundo,
de vinte e uma (21) irregularidades no
Barbosa (2015) e Passo (2015)
contrato de construção e exploração da Arena
desenvolveram, um diagnóstico situacional
Pernambucano. O relatório constatou que
das principais obras relacionadas à
foram gastos na obra R$ 389 milhões. Uma
mobilidade urbana e o resultado conclusivo
diferença de R$ 90 milhões em relação ao
foi que boa parte dessas obras ainda estão
gasto calculado pelo consórcio liderado pela
inacabadas ou se quer adequadas para o uso
Odebrecht (R$ 479 milhões).
da população.
Essa situação mostra que mesmo os arranjos
Mesmo no momento atual deste artigo,
institucionais estando bem definidos
praticamente, todas as estruturas debatidas
tecnicamente e juridicamente a ação não se
nas matérias ainda estão inacabadas é

Geografia Urbana - Volume 1


75

possível perceber isso a partir do quadro III Mundo para a população do Grande Recife
que indica pesquisa no portal da eram os corredores de BRT Norte/Sul e
transparência da Copa do Mundo de 2014 e Leste/Oeste que ainda não foram concluídos,
da imagem de março de 2016 como mostra a adequadamente. Um exemplo são as
figura IV. É de grande importância ressaltar estações de integração que ainda não foram
que um dos principais legados da Copa do concluídas.

Quadro 3 - Matriz De Responsabilidade – Mobilidade Urbana


Arranjo institucional
Ação Fase Recurso (r$) Instrumento
E responsabilidade
 Governo Federal: financiador – Caixa
Econômica Federal;
Contrato
Estação de  Governo Estadual: Financiador e
com o
Metrô Cosme Inacabada 26.271.859,70 executor
Governo do
e Damião  Governo municipal: manutenção e
Estado
gestão do solo
 Jag Empreendimentos LTDA
Viaduto da  Governo Estadual: financiador e
Concluído 25.000.000,00
BR-408 executor (não há outras informações).
 Governo federal: financiador – Caixa
Econômica Federal
Contrato  Governo Estadual: financiador e
BRT: Corredor
com o executor
Caxangá Inacabada 157.612.163,25
governo do  Governo municipal: gestão do uso do
(Leste/Oeste)
Estado solo
 Empresa contratada: Mendes Junior
Trading e Engenharia S. A.
BRT: Norte /  Governo Federal: financiador – Caixa
Contrato
Sul - Trecho Econômica Federal
consócio
Igarassu /  Governo Estadual: Financiador e
Inacabada 151.113.293,56 com o
Tacaruna / executor
governo do
Centro do  Empresa contratada: EMSA Empresa
Estado
Recife Sul Americana De Montagens S A
 Governo Federal: financiador – Caixa
BRT: Leste / Contrato Econômica Federal
Oeste - Ramal com o  Governo Estadual: Financiador e
Inacabada 131.014.036,10
Cidade da governo do executor
Copa Estado  Empresa contratada: Mendes Junior
Trading e Engenharia S. A.
 Governo Federal: Financiador – Caixa
Contrato Econômica Federal
Corredor da com o  Governo do Estado Financiador
Inacabada 394.616.706,44
Via Mangue governo do  Governo municipal: executor
Recife  Empresa contratada: Construtora
Queiroz Galvão S.A
Fonte: Portal da transparência (2016) e desenvolvido pelo autor.

Atualmente, ainda existe projetos na área de conta da falta de uso algumas estruturas já
mobilidade urbana inacabados, um exemplo é estão necessitando de reforma. Outro ponto
o BRT: Corredor Caxangá (Leste/Oeste) que negativo é que essas estações estão sendo
deveria ter suas estações de integração usadas por usuários de droga tornando-a uma
prontas para atender a população, mas região perigosa. Essa situação pode ser
nenhuma delas foi finalizada e o pior é que verificada na figura IV.
todas estão necessitando de reparos, pois por

Geografia Urbana - Volume 1


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Figura 4 - Estação Integração Da Caxangá – Recife-Pe

Fonte: próprio autor (2016)

O quadro das matrizes de responsabilidade essa preocupação com a eficiência das


para mobilidade urbana indica que os seus ações, já que ela é um dos princípios
arranjos institucionais foram adequadamente administrativos.
distribuídos pelas suas funções técnicas e
(4) Infraestrutura Aeroportuária e Turismo:
jurídicas, porém somente uma das ações
Essas duas ações públicas estão juntas
propostas teve sua finalização por completa.
porque no portal da transparência, quadro IV,
E mesmo ela, no portal da transparência, não
há certas inconsequências nas informações,
há muita informação, por este motivo que o
por este motivo algumas informações ficaram
quadro III não possui certas informações para
incompletas e se terá uma maior dedicação
essa ação.
para encontrá-las em outro momento da
As principais obras para melhoria da pesquisa. Um exemplo dessa incongruência é
mobilidade urbana na RMR ainda não a ação instalações complementar para o tema
terminaram e pior não tendo, atualmente, infraestrutura aeroportuária existe a
nenhuma previsão de término. A pergunta que informação do investimento, porém não há
fica é qual foi o grande problema, pois visto nenhuma referência para o que se foi
que houve a distribuição das respectivas desenvolvido, se suspeita que esteja
responsabilidades, todas as ações jurídicas relacionado à construção da passarela do
para as implementações dos projetos aeroporto-metrô (figura abaixo). Porém, não
aparentavam estar adequadas, pelo menos é há como afirmar essa hipótese visto que não
o que indica no portal da transparência. Então existe nenhuma informação sobre esse
qual foi o problema para tanta ineficiência, empreendimento.
visto que até na constituição de 1988 existe

Figura 5 - Passarela de ligação do aeroporto para o metrô

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aeroporto_Internacional_do_Recife

Geografia Urbana - Volume 1


77

No que tange as ações das políticas públicas Turistas (CAT) – Recife e Sinalização turística
para a Copa do Mundo de 2014 as grandes nos atrativos turísticos – Recife. Essas
referências de investimento são para as sinalizações estão relacionadas para
infraestruturas de acessibilidade nos atrativos acessibilidade aos atrativos turísticos na orla
turísticos – Recife; implantação, reforma e de Olinda e foi a ministério do turismo que
adequação de Centros de Atendimento aos executou o projeto.

Quadro 4 - Matriz De Responsabilidade – Infraestrutura Aeroportúaria E Turismo


Arranjo Institucional e
Ação Fase Recurso (R$) Instrumento
responsabilidade
 Governo Federal: financiador
- Secretaria de Portos da
Contrato com Presidência da República
Porto do Recife Parcialmente
28.075.606,21 o município  Governo municipal: Porto do
S/A finalizada
do Recife Recife S/A
 Empresa contratada:
Concrepoxi Engenharia Ltda
 Governo estadual: executor e
Instalações
Indefinido 33.900.000 financiador (não há outras
complementares
informações)
 Governo Federal: financiador
e executor – ministério do
Acessibilidade 487.500,00 turismo
nos atrativos Não (projeto)  Empresa contratada:
turísticos – Recife concluído 7.000.000,00 Colmeia Arquitetura e
(Olinda) (obra) Engenharia. LTDA (projeto)
 TEP Construturoa LTDA -
EPP (Obra)
 Governo federal financiador –
Adequação de Contrato com Ministério do turismo
Centros de Não o governo  Governo municipal - executor
499.200,00
Atendimento aos concluído municipal do  Empresa contratada: GR
Turistas (CAT) Recife Projetos e Empreendimentos
IMOBILIÁRIOS LTDA
 Governo federal financiador–
Sinalização
ministério do turismo
turística nos
Contrato com  Governo Estadual: executor –
atrativos Não
3.000.000,00 o governo secretaria de turismo
turísticos (Olinda concluído
Estadual  Empresa contratada: SN
e São Lourenço
Sinalizadora Nacional e Serviços
da Mata)
LTDA
Fonte: Portal da transparência (2016). O organizado pelos autores.

O quadro de responsabilidade indica que casos o recurso não foi usado na sua
algumas ações na área do turismo e plenitude e, logicamente, que os produtos
aeroportuária não foram desenvolvidas e que que deveriam ser entregues também não
algumas delas não possui todas as foram desenvolvidos em sua totalidade. Um
informações no portal da transparência os exemplo são os casos das sinalizações para o
arranjos institucionais em quase todas as Estádio que deveriam ser uma constante na
ações estão bem definidos, porém isso não RMR, porém não há essa referência,
significou um bom desenvolvimento das indicando que houve ineficiência no uso,
políticas públicas na área do turismo, visto gestão e aplicação dos recursos nessa ação
que boa parte das ações não foram de política pública na área do turismo.
concluídas, algumas já possuem
Essa uma constância para todos os temas
determinadas implementações, porém
dos empreendimentos para a Copa do
nenhuma delas na sua totalidade.
mundo. Na verdade, é preciso verificar qual o
Um ponto importante dessas identificações no motivo de tanta ineficiência entre esses
portal da transparência foi que em muitos dos

Geografia Urbana - Volume 1


78

arranjos institucionais, qual é a instituição29 de própria página ou ficam faltando materiais


maior culpa? Qual é a mais eficiente e qual é (documentos) para se ter uma melhor análise
a menos eficiente? Esses questionamentos dos usos dos recursos no projeto. Os dois
ajudarão a entender o motivo das políticas melhores exemplos são: 1) em infraestrutura
públicas não funcionarem, pois mesmo com aeroportúaria (Instalações complementares) e
essa articulação entre o público (com suas 2) mobilidade urbana (Viaduto da BR-408).
diversas escalas) e o privado não é verificado
Em contrapartida as melhores informações
uma maior eficiência entre a proposta do
estão, para o caso da Copa do Mundo de
projeto e sua implementação.
2014 em Pernambuco, no nível do município
(nível municipal de execução). Os exemplos
são: 1) turismo (Adequação de Centros de
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atendimento aos Turistas (CAT)) e Mobilidade
O entendimento do que sejam os arranjos urbana (avenida via mangue). Em ambos os
institucionais se torna essencial na gestão casos se há a informação e diversos
pública porque a maioria das articulações documentos do processo e controle nas
(ações de política pública) entre as ações do empreendimento. Porém, isso não
instituições dependerá de um arranjo quer dizer que as ações foram desenvolvidas
institucional. Além disso, outro ponto relevante adequadamente, o ponto, nesta questão, é no
ao debate é a forma como se gerenciam hoje processo da difusão da informação que é um
os projetos na administração pública dos principais pontos do portal da
Atualmente, de acordo com Linhares (2012), a transparência.
dinâmica do Estado federativo, na nova
De todos os processos analisados apenas
gestão pública30, é impulsionada por
dois foram finalizados. O primeiro, por motivos
mecanismos de responsabilidade e
óbvios, é o estádio a Arena de Pernambuco e
accountability em todas as esferas
outro foi o viaduto da BR 408. Mas, isso não
governamentais. Por este motivo, é de
quer dizer que os processos foram eficientes,
estrema importância entender os arranjos
em pelo menos um dos casos, a Arena da
institucionais, pois serão eles que
Copa de Pernambuco, é possível fazer a
desenvolverão as políticas públicas do país.
seguinte verificação; o seu custo previsto era
Analisando especificamente as matrizes de de R$ 532.600.000,00, porém se gasto foi de
responsabilidade a partir do portal da R$ 890.835.424,65. Indicando, no mínimo,
transparência da Copa do Mundo é possível uma péssima análise de planejamento para
afirmar, de forma geral, que os definição de uma obra.
empreendimentos que tem como o Estado
Por fim, se devem responder algumas
(nível estadual de execução), normalmente,
perguntas: qual é a instituição de maior culpa
para o caso na Copa do Mundo de 2014 em
nesse processo? Qual é a mais eficiente e
Pernambuco, as informações ficam a desejar,
qual é a menos eficiente? Os arranjos
detalhando, ou ficam faltando informações na
institucionais são eficientes e a solução para a
gestão pública no país? Essas perguntas vão
29
Segundo North (1991) instituições são: consistem permear ainda, por um bom tempo, mas um
de duas restrições informais (sanções, tabus, ponto importante e que para os próximos
costumes, tradições e códigos de conduta) e grandes projetos ou mesmo os de menor
regras formais (constituições, leis, direitos de magnitude, é preciso implementar uma forma
propriedade). Ao longo da história, as instituições adequada de controle, que permeei todo
foram criadas pelos seres humanos para criar processo e seus monitoramentos e avaliações
ordem e reduzir a incerteza em troca. Junto com as sejam feitos rotineiramente. Acredito que
limitações normais da economia, eles definem o
desenvolvendo dessa forma a eficiência tão
conjunto de escolhas e, portanto, determinar a
transação e os custos de produção e,
procurada na gestão pública chegará para os
consequentemente, a rentabilidade e a viabilidade projetos de política pública no país.
de se engajar em atividade econômica. (NORTH,
1991, p.1).
30
A nova gestão pública teve início a partir dos
anos setenta do século passado, nos Estados
Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália, entre outros.
Segundo Aragão (1997) houve uma crítica/crise ao
modelo econômico/financeiro vigente da época,
que era voltado a uma gestão pública burocrática
weberiana.

Geografia Urbana - Volume 1


79

REFRÊNCIAS
[1] Aragão, C. V. de. Burocracia, eficiência e [10] Harvey, David. Condição Pós-Moderna:
modelos de gestão pública: um ensaio. Revista do uma pesquisa sobre as origens da mudança
Serviço Público – RSP, N° 3, 1997. cultural. 6 ed. São Paulo: Loyola, 1996.
[2] Barbosa, M. Prometidas para a Copa, [11] Ibge - Instituto Brasileiro De Geografia e
obras de mobilidade ficam para 2015 em PE. G1 Estatística. Regiões de influência das cidades
PE. 2014. 2007. Rio de Janeiro, 2008.
[3] Barbosa, M. Um ano após a Copa, [12] Linhares, P.T.F.; Mendes, C.C.; Lassance,
Pernambuco tem 4 obras de mobilidade A. (Org.) Federalismo à Brasileira: questões para
inacabadas. G1 PE. 2015. discussão. 1. ed. Brasília: IPEA, v. 1, p.249, 2012.
[4] Barclay, J. Predicting the costs and [13] Melo, Marcus Andre. Crise federativa,
benefits of mega-sporting events: mis judgement of guerra fiscal e hobbesianismo municipal. In: M.
olympic proportions? Economic Affairs, v. 29, n. 2, Guedes. (Org.). Política e Contemporaneidade no
p. 62-66, jun. 2009. Brasil, p. 11-143, 1997.
[5] Brasil. Constituição Federal de 1988. [14] Moutinho, L. M. G. Análise do
Constituição da República Federativa do Brasil. mapeamento e das políticas para arranjos
Brasília, DF: Senado. 1988. produtivos locais no Norte, Nordeste e Mato Grosso
e dos impactos dos grandes projetos federais no
[6] Domingues, E. P.; Betarelli JUNIOR, A. A.;
Nordeste. 2010.
Magalhaes, A. S. Quanto Vale o Show? Impactos
Econômicos dos Investimentos da Copa do Mundo [15] North. D.I. The Journal of Economic
2014 no Brasil. Estudos Econômicos (USP. Perspectives, Vol. 5, No 1.(Winter, 1991), p. 97-112,
Impresso), v. 41, p. 409-439, 2011. 1991.
[7] Fiori, José Luís. O poder global e a nova [16] Pires Advogados e Consultores (2012).
geopolítica das nações. São Paulo: Boitempo, Relatório de Impacto Ambiental – RIMA: Projeto
2007. Cidade da Copa. 2012. Disponível em:
http://www.cprh.pe.gov.br/downloads/RIMA-
[8] Fudação Getúlio Vargas. Elaboração de
cidade-da-copa.pdf. Acessado em: 20/03/2016.
estudos que promovam aprimoramentos do
programa estadual de parcerias público-privadas, [17] Sportv. TCE: Arena Pernambuco custou
a partir do caso da concessão administrativa para R$ 90 mi a menos que dito por empreiteira. SporTV.
exploração para a arena multiuso da Copa de Rio de Janeiro. 2016.
2014. 2015.
[18] The Economist. The Pernambuco model.
[9] Gomide, A.A.; PIRES, R.R.C. (Org.). Disponível em:
Capacidades estatais e democracia: arranjos <http://www.economist.com/news/americas/215652
institucionais de Políticas públicas. 1. ed. Brasília: 27-eduardo-campos-both-modern-manager-and-
IPEA, v. 1, p.385, 2014. old-fashioned-political-boss-his-success>. Acesso
em 30 out. 2012.

Geografia Urbana - Volume 1


80

Capítulo 7

Valter Luiz de Macedo

Resumo: O texto, que analisa aspectos da formação territorial fluminense no


período imperial brasileiro, reforça a premissa de que uma análise de fato
geográfica dos espaços deve incorporar uma dimensão também temporal visto que
toda forma social é produto historicamente construído em um espaço e que este, a
cada momento, denota processos de diferentes expressões de tempo. A pesquisa
entende que analisar o território fluminense durante o século XIX, quando se institui
no Brasil um projeto nacional, significa observar como determinadas frações desse
território passaram a configurar espaços diferenciados no contexto político,
econômico e social da província, notadamente em seu viés urbano. E como
premissa, adota a ideia de que o projeto nacional pretendido, de lastro
fundamentalmente territorial, considera o espaço citadino como mecanismo
articulador de esferas regionais. É, neste sentido, que o texto associa os conceitos
de cidade e região em suas discussões sobre uma possível geografia histórica do
atual estado do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Província fluminense, cidade e região, geografia histórica

Geografia Urbana - Volume 1


81

1.INTRODUÇÃO Pensamos que a província fluminense,


entorno imediato da capital imperial, demanda
O período imperial brasileiro marcou o
estudos sobre a relação cidade e região no
surgimento de um projeto de Nação que,
contexto da política territorial do Império
realizado pelas elites políticas e econômicas,
brasileiro. Dados dão conta de que a área do
mantinha as características estruturais da
atual Estado do Rio de Janeiro, que até o fim
sociedade colonial a exemplo da
do período colonial contava com 15 núcleos
centralização do poder, da forte desigualdade
urbanos, registrava na década de 1890 um
de classes, da manutenção de privilégios e,
total de 48, além de uma série de “fixos”
sobretudo, da escravidão. Tal período deve
instalados em seus distintos centros urbanos
ser visto como um momento em que se forja
que vão se constituir em “centralidades” no
uma unidade nacional através da formação de
território que se apropriava. Tais números
uma hierarquia brasileira de valores e pela
precisam ser investigados. E investigados de
nobilização dos senhores rurais agrupados
maneira a considerar as especificidades do
em torno do Imperador. Este arranjo
estudo sobre o espaço em tempos pretéritos.
sociopolítico determinou uma ordem imperial
marcada por um Estado conservador que via
no território o elemento de coesão das elites e
2. O TEMPO NOS ESTUDOS GEOGRÁFICOS
no mote ideológico de “construção da nação”
a retórica para a manutenção do controle Buscando alinhar-se aos debates mais
tanto da unidade quanto do controle territorial recentes no campo da Geografia Histórica,
nas formas até então consagradas. este texto reforça a premissa de que uma
análise de fato geográfica dos espaços
A manutenção efetiva da unidade territorial do
incorpora necessariamente uma dimensão
império pressupunha o seu efetivo controle,
também temporal visto que toda forma social
sobretudo, em se tratando de uma imensa
é produto historicamente construído em um
extensão física ocupada de forma
espaço e que este, a cada momento, denota
descontínua ao longo do tempo. Para além
processos de diferentes expressões de
das atividades de ordem econômica
tempo. No falar de Santos (2004, p. 159),
assentada na produção agrícola, a gerência
inclusive, “a simultaneidade das diversas
do espaço interno e o controle de suas
temporalidades sobre um pedaço da crosta
relações e fluxos nos moldes pretendidos
da Terra é o que constitui o domínio
passaram a ser uma questão essencial para a
propriamente dito da Geografia”. Por isto, não
própria manutenção de um poder centralizado
apenas a pertinência mas a própria
como o foi o monárquico no Brasil. É, nestes
necessidade de se considerar as relações
temos, que nosso trabalho sinaliza para uma
entre espaço e tempo no âmbito da Geografia
política imperial voltada para o fortalecimento
como um todo em seu exercício de análise
da unidade territorial através da instituição de
dos espaços geográficos.
vilas e cidades como base levada à prática
quando da configuração adotada pelo Neste sentido, e na linha do que indicou
emergente espaço nacional. Abreu (2014), pontuamos que, ao se estudar
o espaço no tempo pretérito, é importante
Investigamos, portanto, o uso político das
adequar para o entendimento do passado as
cidades (ou assentamentos urbanos de
variáveis que operacionalizam as categorias
natureza e magnitude distintas) que passam a
de análise da Geografia (estas sim
ser tomadas como centros do exercício de
universais), contextualizando os processos
tais funções (no plano administrativo e de
estudados através tanto da análise do que se
controle) e como nós na rede de
produziu sobre eles (nos recortes temporal e
comunicações e transportes que havia de ser
espacial adotados) quanto da investigação
montada nos padrões estabelecidos pelo
necessária às fontes primárias de informação
nível técnico disponível na época pelo império
(entendendo-as sempre como fragmentos da
brasileiro. Falamos aqui de uma rede de
realidade e como narrativas de poder).
assentamentos urbanos com funções
específicas (repetimos: rede incipiente, é bem Tais pontos configuram, portanto, a busca por
verdade, mas integradoras uma vez que um “enquadramento espaçotemporal”
possibilitavam as comunicações pretendidas sugerido pelo referido autor para os estudos
naquele momento) como forma de regulação do espaço no tempo para que tal quadro
e controle sobre uma dada região e de um referencial possa ser efetivamente analisado à
projeto nacional visto como ações territoriais luz dos conceitos e variáveis trazidos como
nestas escalas geográficas em essência. adequados à pesquisa geográfica pretendida.

Geografia Urbana - Volume 1


82

Em outras palavras, não é apenas a alguns) constituídos no território denotavam


recuperação das formas morfológicas e dos fins regionais, buscando perceber os marcos
“fixos” (Santos, 2004) construídos no espaço administrativos e/ou de serviços que
que deve basear tal pesquisa. Para além da conferiam “centralidade” a alguns núcleos
sua dimensão material, o que deve iluminar os urbanos na província fluminense: comarcas,
estudos (mesmo diante das dificuldades distritos eleitorais, freguesias, mercados,
inerentes) é a compreensão do que o referido sedes policiais, tribunais, escolas/liceus,
autor chamou de “dimensão dos hospitais, fluxos, etc..
comportamentos obrigatórios” que são, em
Junto ao desafio de levantamento de tais
última análise, as formas jurídicas e sociais
formas materiais do/no espaço, interessa-nos
vigentes numa dada sociedade e em um
também a compreensão sobre determinados
dado tempo.
aspectos do contexto social e discursivo da
Neste caminho a ser seguido por pesquisas época para discutirmos, à luz de uma
históricas em Geografia, de imbricação da Geografia Urbana e Regional em perspectiva
materialidade do espaço com os processos histórica, o que tornava, naquele tempo e de
em distintas escalas temporais, há de se fato, um núcleo urbano central (se assim o
destacar o papel instrumentalizador das podemos dizer) ou, em outras palavras,
técnicas humanas (desiguais no decorrer do importante em um dado recorte territorial,
tempo e entre distintas sociedades, inclusive, elencando elementos importantes para o
em um mesmo momento histórico) como estudo sobre a gênese do território fluminense
necessidade colocada para tais estudos. a partir do entendimento de um arranjo
espacial fruto de um plano regional de
Está na base da Geografia como ciência
urbanização.
renovada e crítica a consideração de que é
através do uso das técnicas que, de fato, a
relação entre homem e meio se estabelece. E
3.REDE URBANA NO TEMPO PASSADO
isto independe do tempo analisado, variando
sobremaneira em sua complexidade. Assim, é Observar teoricamente a constituição das
correto formular a premissa de que as cidades brasileiras em momentos pretéritos,
técnicas (desde as mais simples) são os no que diz respeito às suas características e
meios através dos quais os homens relações, não é tarefa elementar. O arcabouço
historicamente estabelecem seus processos e conceitual sobre o tema e sobre a área do
formas de vida, estabelecem meios de conhecimento humano em que ele está
subsistência ou de produção econômica inserido apenas se institucionaliza a partir do
avançada, estabelecem enfim formas final do século XIX. Lembremos, por exemplo,
específicas de produção do espaço em última que na tradição geográfica, são numerosos os
análise. E este caráter é fundamental para os estudos sobre hierarquia e natureza das
estudos de geografia histórica uma vez que redes urbanas. No entanto, tais
“as técnicas, de um lado, dão-nos a questionamentos apenas foram colocados a
possibilidade de empiricização do tempo e, partir das primeiras décadas do século
de outro lado, a possibilidade de uma passado e têm na “Teoria dos Lugares
qualificação precisa da materialidade sobre a Centrais”, elaborada por Christaller por 1933,
qual as sociedades humanas trabalham” sua principal referência teórica. Assim, a
(Santos, 2004, p. 54). despeito do fato de que muitos autores têm
dado contribuições importantes para as
É este o caminho que adotamos na pesquisa:
discussões, a questão dos conceitos a serem
uma tentativa de “empiricização” do tempo
considerados para a análise das formações
através do levantamento dos “fixos”
urbanas do passado continua posta.
construídos no espaço em momento pretérito
(documentados em fontes primárias e No contexto de uma ex-colônia que se torna
secundárias de informação) como Império quando o mundo, liderado por forças
possibilidade de sistematização e econômicas provenientes do continente
compreensão de características, discursos e europeu, caminha para a afirmação e
ideias vigentes no recorte temporal tomado expansão do capitalismo em sua fase
como objeto de pesquisa. industrial, tomamos a cidade como um ponto
do espaço geográfico que, considerada
No contexto que efetivava a ideia de construir
expressão de controle sobre um território
a nação como ocupação do solo,
conquistado e símbolo de poder, avança na
investigamos se os núcleos urbanos (ou
apropriação dos excedentes agrícolas,

Geografia Urbana - Volume 1


83

canalizando e controlando a produção rural em outras palavras, para a viabilização dos


rumo à sua exportação. Mais: se seguirmos ciclos de exploração da economia capitalista
Corrêa (2006) e utilizarmos o termo “rede (ibdem).
urbana” como o conjunto de núcleos urbanos
Na escala regional, há de se observar que
funcionalmente articulados entre si ou a um
muitas cidades não tardaram em funcionar
núcleo principal através de acessos
como local de consumo da renda fundiária,
materializados no território, poderemos falar
uma vez que pelo fato dos proprietários rurais
em uma “divisão territorial do trabalho” que
nela residirem, parcela importante do valor
enfatiza o papel da rede urbana através das
excedente produzido no campo era
funções de suas cidades.
transferida para o ambiente urbano.
Na rede, cada cidade assume um papel Exatamente, neste ponto, reforçamos a
específico, através de diferentes modos e importância de estudos em geografia histórica
intensidades, e a sua existência tornar-se-á que analisem a estruturação do território a
inviabilizada quando este papel, por um partir das redes estabelecidas em diferentes
motivo qualquer, não puder mais ser tempos como expressão da drenagem da
desempenhado ou deixar de ser necessário. renda fundiária no Brasil, estudo este que
necessariamente põe lado a lado a ação do
Essencial para nosso estudo é perceber, nos
Estado e das oligarquias rurais com a
moldes definidos pelo autor em tela, que as
configuração espacial resultante e
cidades no Brasil configuraram desde o início
condicionante de tais relações.
um modelo espacial mais simples de rede
urbana geralmente orientada pela rede fluvial Sabemos que a constituição de uma rede
existente e caracterizada pela primazia de urbana brasileira ocorreu de forma muito lenta
única cidade e sua hinterlândia. Assim, para nos quatro primeiros séculos, ao ritmo da
Corrêa (2006), há de se constatar que tanto exploração do vasto território e caracterizada
mediações e fluxos pouco complexos neste por baixas densidades. Apenas no XIX, esta
modelo de rede acabam por beneficiar a dinâmica sofre alterações significativas.
cidade principal em detrimento de outras Assim, tomamos o território fluminense e sua
quanto o fato de que a herança deixada no sociedade nobiliárquica e estratificada como
espaço pela forma dendrítica original da rede realidade para nossos estudos sobre a
urbana no Brasil não desapareceu totalmente estruturação de um território no que se refere
com o padrão mais complexo que o processo às relações estabelecidas através dos
evolutivo da organização espacial da rede sistemas de transportes implantados e da
urbana brasileira viria a tomar. natureza dos núcleos urbanos que surgem no
contexto da política territorial do Império
Tais considerações reforçam nosso objetivo
brasileiro.
de estudos. Em nosso olhar sobre o Brasil do
passado, um caminho metodológico que nos
parece oportuno relaciona cidade e região
4. IMPÉRIO BRASILEIRO: UNIDADE E
através dos circuitos ou redes “dendríticas”
CONTROLE DO TERRITÓRIO
criadas entre os núcleos que emergiam no
território, mostrando como determinada A apropriação do ideário de nação moderna
cidade espelhou a região em que estava pelas elites políticas e econômicas brasileiras
inserida e, por outro lado, como determinadas no período imperial consubstancia uma
regiões refletiram a ação dos atores percepção de país associado apenas ao seu
hegemônicos urbanos a elas associados. território e tal retórica contextualiza as práticas
de base territorial também no caso da
Quando se pensou em um projeto nacional
província fluminense. Moraes (2005, 97), a
para o Brasil, as redes criadas
esse respeito, sentencia que “ali onde a
desempenharam papel primordial na unidade
história pouco fornece para a elaboração de
territorial e na articulação do Império ao
uma identidade regional, os argumentos de
circuito econômico que se mundializava.
índole geográfica vão possibilitar a
Através de sua função de intermediação,
elaboração de discursos legitimadores onde o
podemos olhar as redes urbanas regionais
país é visto como um espaço, e mais, um
como parte da divisão internacional do
espaço a ser conquistado e ocupado”.
trabalho visto que, no contexto das
Ressalta-se a importância das ideias e das
sociedades modernas, a rede urbana foi a
ações políticas.
forma espacial adotada para a criação,
apropriação e circulação do excedente ou,

Geografia Urbana - Volume 1


84

No caso brasileiro, a idéia de “imaginação” é diante irá fazer-se passo lento de sorte que só
central como ferramenta explicativa da em meados do século pode dizer-se
construção ideológica e material da nação no consumado” (Holanda, 1962, p. 16).
que diz respeito, sobretudo, às concepções
A despeito dos movimentos separatistas e
de patriotismo e ao estabelecimento das
revolucionários no Império, foi notória a união
fronteiras do Império. Parece-nos que tal idéia
dos interesses dos senhores de terras e da
confirma, por exemplo, a expressão
economia ao poder central e, para a
“comunidade imaginada” de Anderson (1989).
compreensão deste fato, vale registrar o
No que concerne à fundação imaginária e argumento trazido por Mattos (1994). O autor
simbólica da nacionalidade brasileira se concentra no período de meados da
lembremos de Marilena Chauí quando nos década de 1830 até o início da década de
fala que “para realizar tal tarefa, o poder 1860 e postula um bloco de fazendeiros de
político precisa construir um semióforo café recentemente enriquecidos, da região do
fundamental, aquele que será o lugar e o Rio de Janeiro, liderados por um pequeno
guardião dos semióforos públicos. Esse grupo de políticos/estadistas ativos, ou saídos
semióforo-matriz é a nação” (Chauí, 2000, p. daquele bloco ou ligados a ele por laços de
14). Neste sentido, ressaltamos que o poder casamento, esforçando-se com sucesso para
político utiliza a ideia de nação para produzir absorver líderes de outras regiões, formando
uma unidade pretendida, inclusive, para a uma classe única. Esta classe se definia por
sociedade a ser integrada por valores que sua oposição a outras classes, especialmente
emanariam, por exemplo, da escola, do aos escravos, mas também à plebe urbana
patrimônio histórico e geográfico e artístico a rude e inquieta. Para ele, essa classe
ser construído a exemplo dos monumentos senhorial abraçou uma ideologia da ordem
celebratórios previamente pensados. desenvolvida e defendida por advogados,
juízes, jornalistas, professores, médicos,
Antes de qualquer coisa, semióforo é imagem
empresários, políticos e burocratas, isto é, os
e representação e, como fica evidente nas
“intelectuais orgânicos” (conceito trazido por
palavras da autora, o poder político aparece
Gramsci). Através do próprio processo de
como agente principal na sua produção e
formação de uma classe poderosa que
reprodução. A questão dos mitos neste
dominava todo o Brasil, prossegue o autor,
processo também merece ser observada e,
emergiu um forte Estado centralizado. Mattos
neste sentido, devemos pensar a construção
entende esse Estado não como um simples
da nação brasileira como um processo de
aparato coercitivo, mas como um instrumento
escolha de narrativas e de mitos a serem
de orientação intelectual e moral. Por meio
contadas como organizadores da nossa
dele, a classe senhorial construiu sua própria
história.
unidade e expandiu seu poder, tanto
Destas considerações, constatamos o papel horizontalmente, por todo o território brasileiro,
central do Estado na construção da narrativa quanto verticalmente sobre maiores
da nação brasileira e, assim, confirmamos a segmentos da população livre, não impondo a
assertiva de Hobsbwm (1990) na qual “as submissão, mas incorporando esses grupos à
nações não fazem Estados e nacionalismo, “civilização”. Assim, através da aceitação de
mas o contrário”. A esse respeito, Graham um Estado centralizado foi a premissa para a
(1997), ao observar em parte de seu livro a formação de uma nação. Interesses materiais
questão dos Estados-nacionais no contexto e econômicos forjaram um Estado
da América Latina, reafirma que “a nação não centralizado e a unidade nacional pretendida
teria existido sem o Estado, que o moldou no discurso imperial.
através dos séculos XIX e XX” e ainda repete
Seguindo Moraes (2005), lembremos que, nos
que o mesmo ocorreu no subcontinente como
países de formação colonial, a dimensão
um todo.
espacial adquire considerável importância na
Sobre a centralização no Brasil promovida explicação de suas dinâmicas históricas, pois
pelo Estado, Barman (1988) declara que a a colonização é um processo em si que
unidade nacional foi, em grande parte, criada relaciona sociedade e espaço. A partir desta
por um governo central e Sérgio Buarque de lembrança e das mudanças anunciadas e
Holanda destaca que “a unidade nacional (...) discutidas até aqui, destacamos que a
estará ao ponto de esfacelar-se nos dias que questão da unidade territorial, necessidade
imediatamente antecedem e sucedem à da nação como “semióforo”, sugere que
proclamação da Independência. Daí por argumentos de índole geográfica possibilitam

Geografia Urbana - Volume 1


85

discursos legitimadores do Brasil como mais importantes a ser compreendida. Dito


espaço a ser conquistado. E esta isto, resta-nos também considerar a
necessidade perseguida coloca em evidência observação clássica da cidade como nó
uma outra face do processo: a que nos articulador de uma rede regional e/ou
mostra que o padrão discursivo básico do nacional. E, neste sentido, destacamos o seu
século XIX estruturou-se em torno do conceito caráter regional como profícuo caminho para
de “civilização” e da empreitada monárquica a compreensão das determinações históricas
que se imbuiu de uma missão civilizadora. E, analisadas até aqui em seu rebatimento no
nesta nova frente, o papel dos núcleos território fluminense.
urbanos é mais uma vez essencial. Eles
passariam a ser tomados como espaço dos
semióforos desejados mais do que simples 5. APONTANDO DINÂMICAS URBANO-
pontos de conexão de uma rede para REGIONAIS NA PROVÍNCIA FLUMINENSE
articulação regional e do Império como um
Vimos afirmando que a unidade de controle
todo.
territorial alvejada pelo poder central era, em
Martins (2005) revela como um outro viés essência, a região. E esta era atingida, na
importante, o jurídico-institucional, nos ajuda a prática, através das cidades e redes para
entender a monarquia constitucional brasileira que, subjugadas, tais porções maiores do
a partir de um longo processo de organização espaço viessem a se tornar realmente
de uma autoridade central no qual a território imperial. Cabe aqui, portanto, elencar
instituição do Conselho de Estado algumas das medidas de ordenamento
desempenhou papel fundamental. Este territorial vigentes na província (a exemplo
Conselho, estudado pela autora, foi das freguesias e comarcas) e as principais
responsável pela montagem da estrutura dinâmicas econômicas desenvolvidas no
jurídico-administrativa que fortaleceu as bases território fluminense no período imperial
do Estado Imperial, constituindo-se em (notadamente as questões do café e do
espaço de negociações, acomodação dos açúcar), bem como a importância dos
conflitos e conciliação de interesses das caminhos para “fluidez” no território e,
elites. Para ela, a compreensão das ações e sobremaneira, o a instituição das grandes
do comportamento das elites imperiais propriedades de terra na província.
brasileiras (que não representavam um todo Comecemos pela questão dos “fundos
uno nem um grupo isolado) pode ser territoriais” (no dizer de Moraes, 2005) que
alcançada através da análise da dinâmica congregaram elites e impuseram dinâmicas
desta instituição e da identificação de suas espaciais importantes.
redes de sociabilidade e parentesco que
A partir de 1821, com o fim deste regime de
eram estruturalmente confirmadas a cada
sesmarias e a transformação de boa parte
momento. Em última análise, os membros do
das capitanias em províncias, abre-se um
Conselho de Estado integravam diferentes
hiato na atividade legislativa sobre as terras
grupos de relacionamentos que se
no Brasil que se prolonga até a Lei de Terras
perpetuavam e se constituíam desde o século
de 1850. Neste intervalo, observou-se uma
anterior baseados em grupos familiares
progressiva ocupação do solo sem qualquer
tradicionais e suas alianças clientelistas
título e mediante a simples tomada da posse,
(poderes regionais submetidos ao poder
por vezes através da força e refletindo a forte
central). Gravitando, assim, em torno dos
presença dos senhores na sociedade da
cargos mais importantes, a elite brasileira em
época.
suas diferentes representações acabava por
sustentar o equipamento do Estado, tornando- A este momento, uma das grandes
o a sua própria razão de ser. Vale enfatizar discussões entre a elite imperial era a escolha
aqui que, nesta lógica, a população, de uma dos critérios que definiriam a repartição dos
forma geral, foi pensada apenas como territórios de maneira a contemplar os
instrumento do processo, e não o próprio poderes do Estado, da Igreja e entes
objetivo da nação. econômicos, salvaguardando o discurso dos
interesses nacionais. Em termos
Resta-nos reafirmar o papel representado
administrativos, o grande território foi dividido,
pelos núcleos urbanos com espaço
como dissemos, em províncias e a este tempo
preferencial para a manifestação e
também foi legitimada a divisão dos territórios
reprodução dos semióforos nacionais ante ao
em freguesias, atendendo às estruturas
projeto proferido como uma de suas funções
eclesiásticas de poder que vinham do período

Geografia Urbana - Volume 1


86

colonial, em comarcas, unidades de controle indicados por lista elaborada pelas Câmaras
jurídico, e em distritos, para fins eleitorais. Municipais, mas seriam diretamente
nomeados pelo Imperador ou pelos
De tradição colonial no Brasil, as freguesias
presidentes de província para cargos agora
passaram a se configurar como uma unidade
com tempo indeterminado. Além do mais,
elementar da partilha e da administração
cada comarca contaria agora com apenas um
pública, sendo dotada de autoridade militar e
promotor e não mais quantos fossem os seus
policial e de relativa autonomia jurídica. Cada
termos. Apenas nos casos das comarcas
uma delas, também denominada de paróquia,
mais importantes, poderia haver a nomeação
recebia o nome de um santo católico e seu
de mais de um promotor.
poder se expressava pela influência
ideológica da Igreja e, economicamente, pela Segundo o CIDE (1988), se ainda no início de
produção agrícola, pastoril e de serviços, século XIX existiam apenas as comarcas de
além do acúmulo de propriedades imobiliárias Rio de Janeiro, Ilha Grande, Paraíba Nova,
dos grandes senhores de terra localizados Cantagalo, Cabo Frio e Campos dos
sob sua jurisdição. Se no início do século XIX, Goytacases, em um total de 6, este número
já se podia falar em pelo menos 46 freguesias passou para 9 em 1835 (com o novo arranjo
instaladas na província do Rio de Janeiro, territorial, surgem novas denominações como
Chrysóstomo (2006) nos mostra que este total Resende, Vassouras, Angra dos Reis,
chegara a 81 no ano de 1849 e a 119 em Município Neutro, Niterói e Itaboraí) e para 13
1870. em 1866 (a nova configuração faz surgir
comarcas como a de São João Príncipe,
Tal expansão nos mostra a necessidade de
Magé e Estrela), denotando subdivisões
especialização das medidas de administração
sucessivas do território que, pelo crescimento
territorial e, neste sentido, é importante
em importância, deveria ser administrado de
tecermos algumas considerações sobre a Lei
forma mais próxima. Para Fridman (2005),
de Terras de 1850. Através dela, legitimava-se
“esse aumento do número de comarcas pode
a aquisição pela posse no Brasil, mas esta
ser interpretado como uma preocupação por
apenas teria validade, isolando-se do domínio
parte do Governo Provincial com a gestão
público, se levada ao Registro do Vigário, livro
política, judiciária, fiscal e militar do território
de notas da paróquia ou freguesia em que a
fluminense, isto é, com uma divisão regional
terra estava localizada. Entre outros tantos
atrelada ao surto urbano.”
aspectos importantes, cabia, portanto, ao
pároco das freguesias do Império a indicação Neste contexto, eram os municípios mais
das terras que passariam a ser consideradas importantes que funcionariam como “cabeça
privadas e aquelas chamadas de devolutas de comarca” e teriam sua influência mais uma
ou do patrimônio das províncias, vindo daí o vez confirmada sobre determinadas regiões
caráter obrigatório do registro e a importância da província. E o processo de criação de
administrativa das freguesias. novas comarcas e elevação do status de
determinados núcleos urbanos seguia a ponto
Quanto às comarcas, é sabido que foram
de Chrysóstomo (2006) indicar que, em 1885,
instituídas pelo Código de Processo Criminal
já eram 25 as comarcas instaladas na
de 16 de dezembro de 1832, que extinguiu os
província. Delas, além da Corte, destacavam-
Juízes Ordinários e estabeleceu a seguinte
se, sem dúvida alguma, a de Campos dos
estrutura para cada uma delas: um Juiz
Goytacazes e a de Vassouras.
Municipal, um Promotor Público, um Conselho
de Jurados, um Escrivão das Execuções e Tecidas estas considerações até aqui, é
demais oficiais. Como expressão de força das importante observarmos que municípios
elites ao redor do Imperador, é importante realmente se destacavam neste território em
observarmos que, para o caso do Ministério expansão (visto que assumiriam funções de
Público, uma lista tríplice deveria ser primazia na rede urbana que se estruturava,
apresentada pelas Câmaras Municipais para refletindo, segundo nossa análise, a forma
que os promotores fossem nomeados por um através da qual o Império organizava
período de três anos pelo governo na Corte e administrativamente a Nação). Também se faz
pelos presidentes de província. necessária a análise do processo de
ocupação das terras do interior fluminense
Tal decisão passou a ser ainda mais
desde o seu início, durante o século XVIII,
centralizada através da reforma do Código de
quando da atividade mineradora no interior da
Processo Criminal de 03 de dezembro de
Colônia.
1841, quando os promotores não seriam mais

Geografia Urbana - Volume 1


87

Atendo-se ao caso do Vale do rio Paraíba do desempenhar papel de referência no “mapa


Sul, observamos que a ocupação se deu pela das interações possíveis”, ostentando a
“empresa povoadora” controlada direta ou riqueza que sustentou o Império. Na
indiretamente pelo Estado que visava a contrapartida, áreas da província como o
conquista do solo para satisfação do mercado litoral sul (Angra dos Reis e Parati) viveu
interno e estrangeiro. Com objetivos similares, momento de decadência e isolamento com a
e partindo da cidade do Rio de Janeiro ou abertura das novas dinâmicas econômicas e
chegando até ela, importantes caminhos seus correspondentes eixos espaciais. Como
desenhavam o mapa das comunicações já havíamos apontado, ocorreu com esta
estabelecidas até então entre a Capital e sua porção sul da província o caso em que a
hinterlândia, seja em traçado “direto” rumo às importância de uma cidade em uma dada
minas (através de localidades como rede tornar-se inviabilizada quando seu papel,
Petrópolis e Três Rios, por exemplo) ou mais por um motivo qualquer, não pode mais ser
“circulares” como os que atingiam São Paulo desempenhado ou deixa de ser necessário.
ou os que exploravam o baixo curso do rio
Sobre estas questões, ressaltamos a
Paraíba do Sul, na atual região norte do
articulação de um capital fundiário brasileiro e
Estado.
um capital produtivo internacional para a
Fridman (1999) indica a importância de tais construção de ferrovias que viriam agilizar a
caminhos no estabelecimento de produção e consolidar uma infraestrutura de
comunicações e fluxos de mercadorias entre transportes. O ponto a ser considerado é
diversas localidades, enfatizando que eles aquele que marca um processo de integração
foram abertos por particulares por cláusula entre distintas regiões, entre produção e
nas cartas de sesmarias e, em muitos casos, comércio, potencializado pelo advento das
aproveitavam o traçado derivado de antigas ferrovias, mas não iniciado através delas. As
vias de circulação indígena. Ressaltou vias de circulação e de comunicação, mesmo
também que, por estes caminhos, surgiram que mais lentas, já estavam delineadas como
aglomerados, pontos de feiras periódicas, testemunho da lógica social, política e
vilas, cidades, sítios, fazendas, além de outras econômica em vigor no território em tempos
estradas tributárias, e que a prática de pretéritos. No entanto, e o caso fluminense
abertura de novas vias de circulação se nos mostra, a “rede” pensada e estabelecida
intensificou com a atividade cafeeira. não fugia de sua definição teórica e afirmava
seu caráter seletivo do espaço tornado
Observamos que um comércio de gêneros
território.
alimentícios e de animais que, originário das
Minas Gerais se articulava com o Rio de É Fridman (2005) quem busca indicar a
Janeiro, originou um setor de subsistência ocupação territorial de caráter planejado na
mercantil também responsável pela ocupação região fluminense conhecida por “sertão
do interior fluminense. Os recursos e os d’oeste”, que teve sua expansão no período
caminhos das tropas tiveram destaque na associada ao café e que compreendia as
expansão da economia cafeeira e de seus localidades de Resende, Paraíba do Sul, Piraí,
valores sociais. Por estas vias de penetração, Paty do Alferes, Sacra Família do Tinguá,
fornecia-se à capital considerável parte dos Vassouras, Mendes e Miguel Pereira. Para ela,
gêneros agrícolas que consumia, circulavam tal planejamento, consubstanciado em um
informações e estabeleciam-se engenhos projeto de colonização, está reportado
produtores de açúcar e as primeiras fazendas também à fundação de comarcas que
de café. A articulação entre produção e compuseram a hinterlândia da cidade do Rio
comércio, viabilizada pelo crescente número de Janeiro. E, nestes termos, propõe uma
de caminhos propiciou inclusive a formação volta ao tema urbanização articulado a projeto
de núcleos de povoamento, como já dito. de colonização.
Desta forma, podemos entender que, desde Após lembrar a “onda” colonizadora desta
os primórdios da ocupação e exploração do parte do território fluminense por obra da
território fluminense, as atividades realizadas chamada “civilização do café”, com nítido
encontravam como eixo principal as estradas plano regional de urbanização que avançava
coloniais, tendência que persistiu durante o a interiorização já pensada desde metade do
século XIX quando as grandes fazendas século XVIII ainda por Portugal, a autora
cafeicultoras (no Vale do Paraíba), o enfatiza que “durante o século XIX alterações
dinamismo açucareiro (na “região” de territoriais ocorreram através da política oficial
Campos dos Goytacazes) passaram a de povoamento vinculada a interesses

Geografia Urbana - Volume 1


88

particulares da exploração agrícola” (Fridman, sobretudo os núcleos que assumiam papel de


2005). E complementa com precisão tais liderança nesta nova rede regional, passaram
características do processo que marcamos a receber os próprios senhores de terra que,
aqui quando se refere ao Vale do Paraíba ampliando suas atividades econômicas (eram,
fluminense como representativo da “expansão sobretudo financistas e banqueiros) e seus
da fronteira agrícola através dos latifúndios, horizontes culturais com os modismos
da violência dos brancos contra os escravos modernos e “civilizados” passaram a optar
negros e nativos, da fundação de colônias de por estabelecerem residência em palacetes
parcerias e da criação de freguesias, vilas e citadinos.
comarcas como polos de poder político”
Outra dinâmica regional importante no
(ibdem).
período em tela e já mencionada faz
Destacamos ainda que, neste contexto de referência à opulência do norte fluminense
afirmação cafeeira, os eixos dinâmicos da capitaneada pela cidade de Campos dos
economia fluminense (e nacional) partiam da Goytacases, significativa área produtora de
cidade de Rio de Janeiro e se dirigiam para açúcar e gêneros diversos voltados para o
Resende (no sertão d’Oeste), para São abastecimento interno da Província.
Gonçalo (no sertão do leste) e para Chrysóstomo (2006) discute a produção da
Cantagalo, nas serras do centro-norte d a rede urbana no na província no contexto de
província. Ao longo dos caminhos abertos, a afirmação da política centralizadora do
expansão da fronteira agrícola dinamizava as Império, identificando o papel assumido pela
economias regionais, fazendo, inclusive, antiga cidade no comando político,
expandir os contingentes urbanos e suas econômico e social da região. A autora
atividades. assume o pressuposto de que este núcleo
constituiu-se em espaço privilegiado de
Sobre a questão específica do trato do
legitimação do poder estatal e, nesse sentido,
território neste momento, é fundamental
a política administrativa do Estado também
destacar que a marca da espontaneidade dos
pode ser entendida como uma política de
lugares, registrados em diversos pontos do
ordenamento territorial nos espaços urbanos.
território, cede vez para uma ação cada vez
O texto investigou os aparatos administrativos
mais planejada. Fala-se agora em um aparato
instalados na cidade e em seus distritos e
burocrático que alia companhias de
freguesias voltadas para o controle produtivo,
colonização e grandes proprietários fundiários
político e social da população. Esta rede de
de forma que novos pontos do território vão se
poder, materializada através de uma rede
constituir em centros de administração da
urbana que conectava Campos e sua
vida econômica e social. Este surto urbano no
hinterlândia à capital do Império, subjugando
território fluminense trouxe mudanças
esta região, transformou as relações
significativas como a valorização do solo e a
estabelecidas em seu interior e denotava o
sua concentração, a expulsão dos posseiros
recorte regional das políticas territoriais do
das terras e a transformação de significativa
Império.
parte deste contingente em agregados das
grandes fazendas de café e a criação de vilas Por fim, ressaltamos que tais dinâmicas de
ou elevação de pequenos núcleos urbanos a base urbano-regionais trazidas pelo texto (o
esta categoria. São exemplos ocorridos no norte fluminense capitaneado por Campos, o
período imperial: Valença (1823), Mangaratiba “sertão d’oeste”, a espacialização das
(1831), São Sebastião de Barra Mansa (1832), medidas de administração territorial como o
Vassouras (1833), Paraíba do Sul (1833) e instituto das freguesias e comarcas, o
Sant’ Anna do Piraí (1837). retalhamento da província através de grandes
propriedades e os caminhos abertos para
Este dinamismo também se refletia no
conexão entre estas, os núcleos urbanos e a
aumento da população urbana na região e o
capital) envolviam grupos de poder
exemplo de Vassouras é bastante ilustrativo:
localizados em diferentes espaços da
20.589 habitantes em 1840 (sendo 14.333
província e impunham uma dinâmica territorial
escravos) e mais de 35.000 em 1850 (20.158
que confirmará a instalação dos semióforos
escravos). E o aumento populacional
da nação, como aqui apresentados.
condicionava uma maior complexidade na
vida econômica e social através, por exemplo, Tais dinâmicas foram responsáveis pela
da vinda de diferentes artífices, portugueses, instalação de diversos aparatos
imigrantes e mascates para estes novos administrativos de controle político e de
territórios. Além do mais, estes espaços, veiculação de ideias (tais como escolas,

Geografia Urbana - Volume 1


89

cadeias, distritos eleitorais, mercados, sedes território trazidos no texto (abertura de


policiais, tribunais, hospitais, postos de caminhos, aparatos de ensino, de fiscalização
fiscalização de rendas) que efetivamente de receitas, limites jurisdicionais, etc.), o texto
asseguraram o controle do território por parte ressaltou a subjugação de recortes regionais
dos “nobres” do império. Controle este a determinadas dinâmicas urbanas por
exercido a partir do alcance regional (possível natureza.
através de “fixos” e “fluxos” como ressaltamos
Reafirmamos que, no território fluminense, os
oportunamente) dos instrumentos políticos e
distintos níveis de acessibilidade em
ideológicos a serviço do projeto aqui
diferentes regiões denotavam um embrionário
engendrado de nação e que se localizavam
processo de divisão espacial do trabalho que
preferencialmente nos espaços urbanos
indicava, na escala da província, a existência
constituídos para tal finalidade.
de um comércio interno e do surgimento de
Todas estas questões, que ressaltam das um processo de urbanização, e, em escalas
análises do “enquadramento espaçotemporal” maiores, a confirmação do uso seletivo de
adotado no texto, evidenciam, a nosso ver, a espaços articulados à expansão do
importância dos conceitos de cidade e de capitalismo europeu e a confirmação do papel
região para o estudo do espaço fluminense no do Brasil como ofertador de matérias-primas
tempo pretérito imperial e confirmam a na divisão internacional do trabalho que se
necessária continuidade de pesquisas consubstanciava. Novamente na escala
geográficas sobre a relação Estado, provincial, vimos que a dinâmica urbana e a
oligarquias rurais e configuração espacial em alocação das infraestruturas administrativas a
tempos outros. seu serviço consolidaram o poder político dos
agentes econômicos mais importantes
relacionados às atividades agrícolas,
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS comerciais e manufatureiras. Foram também
determinantes para o fortalecimento estatal na
Dinâmicas territoriais que evocam as escalas
regulação dos fluxos e na ampliação de sua
geográficas do urbano e do regional foram
rede administrativa.
aqui elencadas e observadas em conjunto
para percebermos o processo mais amplo de O caso da província fluminense nos permite
controle da província fluminense. Mais, tais investigar sobre a configuração de uma rede
dinâmicas foram investigados de maneira a (simples, é verdade) e seus nós e sobre a
considerar as especificidades do estudo importância das suas cidades e vilas, seus
sobre o espaço em tempos pretéritos, visto momentos de apogeu e de declínio, em
ser o período imperial o recorte temporal da alguns casos. Tal perspectiva nos permite
pesquisa apresentada. Assim, buscamos entender, no pretérito, algumas das causas
analisar ações “planejadoras” do território e das configurações seguintes do território
observamos tal questão a partir de um viés analisado, chegando até a nos ajudar a
que se junte aos esforços por uma geografia entender, por exemplo, a constante
histórica do atual estado do Rio de Janeiro. desarticulação estabelecida entre o interior do
Estado do Rio de Janeiro e a sua região
No caminho indicado para o texto, buscamos
metropolitana (o que poderia, inclusive,
contextualizar nossos objetos de pesquisa
fomentar novas e futuras frentes de pesquisa).
(materialidades espaciais, ideias e ordens)
em um cenário maior do país e as Por ora, marquemos que os conceitos de
determinações geográficas de sua formação, cidade e de região se imbricam na nossa
notadamente o processo explicativo a pesquisa histórica em Geografia e que a ideia
respeito da nossa formação territorial em meio de instrumentos técnicos disponíveis a cada
à nação pretendida. momento nos permite elencar materialidades
constituídas pelos representantes do poder
No caso da província fluminense, observamos
vigente em suas estratégias de controle
a constituição de um poder administrativo
territorial. Assim, tal caminho investigativo nos
como garantia de disseminação dos
permitiu afirmar o caráter regional que as
interesses de determinados grupos que, por
cidades detinham no contexto da província
sua vez, expressaram tentativas de
fluminense e, em última análise, do próprio
ordenação do território e da sociedade. Aliado
Estado imperial brasileiro. Discutir cidade
aos outros mecanismos de dinâmica do
naquele momento era discutir região.

Geografia Urbana - Volume 1


90

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Geografia Urbana - Volume 1


91

Capítulo 8

Piero Carapiá Lima Baptista

Resumo: O imbricamento entre o Estado e as empresas privadas é um fato


bastante conhecido no Brasil, chegando mesmo às vias do fisiologismo. Entende-se
que não se trata mais de um desvio de percurso, derivada da insuficiência de
ferramentas anticorrupção; tem em verdade definido o mais recente modelo de
produção do espaço urbano brasileiro. Assim, este trabalho propõe apresentar
como o Estado adapta-se em favor dos interesses do mercado nesta produção,
processo próprio ao capitalismo e que no Brasil estaria tomando forma por meio de
um “modelo Odebrecht” de captura, planejamento, prática, gestão e inserção na
coisa pública. Este processo será retratado na forma proativa, mas nem sempre
explicita, em que a empreiteira se inseriu na recente criação de Operações
Urbanas Consorciadas no Rio de Janeiro e em Salvador.

Palavras-chave: produção do espaço urbano no Brasil, modelo Odebrecht,


Operações Urbanas Consorciadas

*O trabalho foi apresentado no XV SIMPURB e na revista Brazilian Journal of Development da qual


existe autorização para a publicação nesse livro.

Geografia Urbana - Volume 1


92

1 INTRODUÇÃO dos princípios de governança corporativa


(MATIAS-PEREIRA, 2010), atualmente o que
O imbricamento entre a gestão pública e as
se percebe é a extrapolação destes princípios
empresas privadas é um fato bastante
em função de benefícios e ônus assimétricos
conhecido no Brasil, chegando mesmo às
na sociedade, convertendo o poder público
vias do fisiologismo. Tanto a perspectiva
não em um parceiro, mas em um facilitador,
histórica quanto os recentes escândalos de
promotor e mesmo garantidor de lucros a
corrupção envolvendo diversas instâncias
interesses particulares. Ao mesmo tempo em
públicas e empresas privadas comprovam
que as cidades brasileiras padecem de
que a prática já não é mais entendida como
déficits históricos em sua urbanização,
um desvio pontual dentro do processo, nem
distribuição de investimentos e regularização
mesmo como um tipo de desvio recorrente,
fundiária, motivos que, junto à insatisfação e
fruto da insuficiência de meios de controle e
descrédito na política participativa muito
de ferramentas anticorrupção; tem em
contribuíram para as crescentes crises e
verdade definido o mais recente modelo de
disputas urbanas32 (MARICATO, 2013;
produção da cidade contemporânea
BAPTISTA, 2016), o poder público lança a
brasileira e destacado o protagonismo de
urbe como território de especulação
grandes empreiteiras, tal como a Odebrecht.
imobiliária, como atrativo para o mercado
Ao tornar-se cada vez mais naturalizado e
financeiro e mesmo como canteiro de obras e
cristalizado dentro do modelo de gestão,
programas controversos como o Minha Casa,
planejamento, legislação urbanística e prática
Minha Vida (MCMV) e o Programa de
na produção da cidade, do urbano e do
Aceleração do Crescimento (PAC)33 que, a
direcionamento dos investimentos, é possível
despeito dos investimentos, em razão de
afirmar que nossas cidades têm ganhado
obras questionáveis e muitas vezes precárias,
novos contornos e paisagens fruto da
em verdade parecem funcionar mais como
agudização dessas relações entre o poder
meios de vazão da capacidade produtiva de
público e os grandes interesses privados. É
empreiteiras (BAPTISTA, 2014). Considerando
sob esta égide que se pretende indicar neste
a concepção de cidade-empresa, cidade-
trabalho indícios de um modelo de inserção
mercadoria e cidade-pátria (VAINER, 2000),
proativo na coisa pública, nem sempre
bem como os reflexos práticos de uma
explícito, presente na participação da
“cidade de exceção” (VAINER, 2011), é
Odebrecht no caso da Operação Urbana
necessário constantemente investigar a
Consorciada (OUC) do Porto Maravilha, no
Rio de Janeiro, e também no processo que
32
levou a consolidação das poligonais de OUC Em meio à efervescência dos debates pós
em Salvador, definidas no Plano Diretor de “Jornadas de Junho de 2013”, Maricato aponta
Desenvolvimento Urbano (PDDU) de 2016. que as razões da crise se encontram na questão
Para entender este contexto, vale considerar urbana brasileira: a) os tradicionais clientelismos
políticos que agarram-se na manutenção da
também a recente experiência dos
pobreza sem jamais retornar ao tema inacabado
megaeventos esportivos31, que por da reforma urbana; b) na luta do capital privado
favorecerem enormemente algumas pela posse das terras formais e terras públicas,
empreiteiras, abarcar grandes quantias de levando a expansão da fronteira urbana para a
dinheiro público e flexibilizar diversos pontos “periferia da periferia”; c) dos capitais que “se
na legislação ajudou - entre financiamentos, assanham na pilhagem dos fundos públicos,
frequentes aditivos e o conveniente “caráter deixando elefantes brancos para trás” (MARICATO,
de urgência” - a oportunizar e prolongar este 2013) - no que podemos facilmente enquadrar o
modelo de produção da cidade caso dos equipamentos produzidos apenas em
função dos megaeventos.
contemporânea orientado pela vontade das 33
Segundo o governo, o PAC ajudou a dobrar os
empreiteiras e do mercado. investimentos públicos brasileiros (de 1,62% do
Assim, considerando as transformações e a PIB, em 2006, para 3,27% do PIB, em 2010) e a
consolidação da visão gerencial/empresarial ajudar o Brasil a gerar 8,2 milhões de postos de
trabalho, que teria ajudado o Brasil a minorar os
na administração pública por meio de
efeitos da crise financeira mundial de 2008-2009,
reformas no aparelho estatal (FRESNEDA, mantendo a continuidade do consumo de bens e
1998; PEREIRA, 1998), e mesmo a adoção serviços e aliviando os efeitos da crise sobre as
empresas nacionais. Dados extraídos do portal do
Programa de Aceleração do Crescimento, do
31
A saber, o Pan-americano de 2007 no Rio de Ministério do Planejamento, disponível em:
Janeiro, a Copa do Mundo FIFA Brasil 2014 e os <http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac>, acesso em
Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. 13 jun. 2014.

Geografia Urbana - Volume 1


93

evolução dos mecanismos empregados na necessidades industriais, de modernização


configuração destes novos contornos, seja do transporte e até mesmo em função de
por conta de experiências pontuais e empresas, como as cidades que surgiram em
excepcionais como na preparação de função de núcleos urbanos construídos por
megaeventos, seja pela apropriação de empresas de grande porte (PIQUET, 1998). A
instrumentos regulares como as OUCs, por relação entre o capitalismo e a produção do
exemplo. espaço é abordada de maneira complexa e
rica por David Harvey em A produção
Objetivando um encadeamento de ideias que
capitalista do espaço (2005), valendo-se de
permita chegar à problemática atual, este
análise contundente sobre como o Estado se
trabalho propõe demonstrar: 1)
transforma para atender às demandas
preliminarmente, que o espaço segue sendo
capitalistas particulares, apesar do discurso
produzido de acordo com interesses
ilusório de fazê-lo segundo interesse geral.
econômicos e de seus agentes, de modo que
o alcance do poder regulatório dos planos Acerca deste modelamento da urbanização
diretores e instrumentos similares deve ser por meio da ação do capital e dos interesses
entendido à luz destas forças; 2) que o de mercado, em perspectiva histórica é
planejamento estratégico, as teorias de uma possível identificar pontos específicos às
administração pública gerencial e inspirada cidades latino-americanas (entre as quais
na expertise empresarial, bem como o estão incluídas as brasileiras). Apenas para
fortalecimento da ideia de governança e das exemplificar, as grandes cidades que temos
parcerias público-privadas (PPPs) surgem na hoje foram concebidas ou transformadas por
lacuna deixada pela perda de confiança na interesses do processo de colonização e
matriz modernista de urbanização diante das exploração, seja por alimentarem atividade
mudanças de paradigmas e dos novos portuária necessária ao intercâmbio com a
desafios da globalização; 3) que o poder das Europa, como as cidades brasileiras
empreiteiras no Brasil, a exemplo da banhadas pelo Atlântico, ou, no caso das
Odebrecht, remonta relações de fisiologismo cidades hispano-americanas, edificadas
presentes desde a ditadura militar e seguem muitas vezes no interior por conta das minas e
mantendo sua influência por meio de trocas da exploração de metais preciosos (SANTOS,
de favores com o poder político; 4) como a 2010). Mesmo que a história da colonização e
Odebrecht interferiu e aparentemente da formação sociológica ajude a entender
conduziu a definição de poligonais de OUCs, esta relação que nos é específica, persistente
um modelo que se agigantou no caso do Rio e que evidencia os caminhos do nosso
de Janeiro e então extrapola fronteiras, subdesenvolvimento e das nossas questões
replicando um processo muito similar no caso urbanas particulares, fundamentalmente
de Salvador. Este trabalho não pretende deve-se dar maior relevância acerca das
esgotar o tema, mas propõe-se a contribuir variáveis econômicas que permeiam
por meio deste raciocínio e dos casos processos de dominação e as resistências
abordados no entendimento de como o setor mais ou menos bem-sucedidas para evitar ou
privado tem instrumentalizado sua influência atenuar esta dominação (SANTOS, 2010).
no Estado para produzir o espaço urbano Portanto, nossas cidades, “filhas” de
segundo seus próprios interesses. interesses econômicos e estratégicos de
potências europeias, cuja elite local
normalmente precede mesmo a
2 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO industrialização e conserva-se desde então
GUIADA POR INTERESSES ECONÔMICOS no poder político e econômico (SANTOS,
2010), continuam apoiadas nas tradicionais (e
Não é novidade que a produção do espaço
novas) trocas de favores na construção do
urbano, suas transformações, perfis de
espaço urbano. Superar plenamente esta
desenvolvimento e eixos de crescimento
lógica talvez seja inviável dentro do atual
sejam guiados em boa parte segundo
modelo capitalista, mas entender como estes
interesses de mercado ou do capital;
processos se dão atualmente e suas
portanto, esta produção urbana segue
distorções em relação ao que deveria ser o
interesses e usos complexos de diversos
interesse público, elemento basilar da função
atores/agentes, uma espécie de “urbanização
do Estado, consiste em passo importante na
capitalista” (TOPALOV, 1979). Também, o
crítica e nas proposições alternativas.
próprio fenômeno da urbanização
conhecidamente é demarcado por

Geografia Urbana - Volume 1


94

Portanto, diante desta problemática maior, 90% dos municípios brasileiros com mais de
faz-se a ressalva desde já dos limites de 20 mil habitantes já possuem um plano diretor
instrumentos como o Plano Diretor (e por (bem como a totalidade dos municípios com
extensão outras tipificações de planejamento mais de 100 mil habitantes)34 e ainda assim
cada vez mais prolíferas, como plano nossas problemáticas urbanas permanecem
estratégico, plano diretor estratégico e plano em grande parte, sejam elas antigas ou
sustentável). Ao analisarmos a questão atuais, o que denota a necessidade não de
segundo um olhar contemporâneo e em ignorar o instrumento, mas aproveitá-lo,
perspectiva histórica, fica claro que o criticá-lo construtivamente, construí-lo de
planejamento, ou a tarefa de urbanistas, forma participativa e ir além dele.
geógrafos, arquitetos, entre tantos outros
profissionais e técnicos, não dão conta
isoladamente da produção de uma cidade 3 A REFORMA DO APARELHO ESTATAL E
equilibrada, sobretudo em cidades OS FUNDAMENTOS DO PLANEJAMENTO
vulneráveis como Salvador ou Rio de Janeiro, ESTRATÉGICO (E SEUS DERIVADOS)
cujas recentes OUCs analisaremos mais
Esta nova etapa de imbricamento entre o
adiante neste trabalho.
poder público e o setor privado a que
Aparentemente estamos diante de mais um queremos abordar tem raízes na
“urbanismo em fim de linha” (ARANTES, desconfiança acerca da eficiência do Estado
1998), não mais sobre as decepções em frente às mudanças de paradigmas, à
relação às promessas modernistas; agora globalização e aos limites de certos modelos
temos de lidar com um fim de linha pós- de gestão, administração e planejamento nas
moderno, globalizado e cada vez mais sujeito últimas décadas do século XX, de modo que
às vicissitudes do mercado financeiro e dos é importante revisitar seus fundamentos
interesses imobiliários, pior, sob a constante gerais. Neste “vácuo” propiciado pelo
sombra da crise econômica e da necessidade esfacelamento de antigos princípios, o
de superá-la a qualquer custo. Mesmo assim discurso de promoção do Planejamento
é comum a confiança um tanto ingênua de Estratégico ganha força, garantindo
que o PDDU sozinho seja resposta para tal. crescimento e certo protagonismo da visão
Assim, ainda é válida a fala de Heliodório empresarial de gestão urbana.
Sampaio quando afirmou
Internacionalmente, a execução e a gestão
[...] o conceito do Plano Diretor vem sendo dos planos urbanos nos países
ampliado e repassado para o grande público desenvolvidos/ricos centrais eram
- incluindo-se aí alguns neófitos do predominantemente realizadas pelos Estados
planejamento urbano -, como um instrumento até a década de 1970, ou seja, o predomínio
de gestão tão poderoso que não reconhece do modelo econômico fordista entre as
os limites estruturais, ou conjunturais no afã décadas de 1940 e 1970 garantiu o chamado
de promover o tal desenvolvimento urbano, Welfare State, ou Estado do Bem-Estar social.
agora dito sustentável” (SAMPAIO, 2010, p. No entanto, com a crise do petróleo na
34). década de 1970 (pondo em “cheque” o estilo
de vida nos subúrbios, muito dependente dos
Como foi visto, a cidade e o urbano são
carros), as cidades e metrópoles viram o fluxo
construídos segundo arranjos de interesses e
de verbas nacionais ou federais praticamente
oportunidades criadas; não parte
cessarem, e por consequência a matriz
simplesmente do poder estatal ou de
modernista/funcionalista, levando a um
legislação específica sua definição concreta.
colapso do planejamento urbano estatal
Mais ainda, as experiências recentes
(CHESNAIS, 1995; ARANTES; VAINER;
comprovam possibilidades de flexibilizações
MARICATO, 2000). Diante deste quadro,
e exceções legais para atender interesses
vários países iniciaram programas de reforma
particulares locais, internacionais, políticos e
do Estado, tais como o National Performance
empresariais, como no caso dos
Review, nos EUA (1993) e o Programa de
megaeventos esportivos (BAPTISTA, 2014),
Reforma do Aparelho do Estado (1995), no
bem como interpretações várias de um
mesmo instrumento e sua função social, a 34
exemplo do próprio PDDU e de instrumentos No Brasil, segundo dados de 2015, já contavam
com um plano diretor 89,2% dos municípios com
como Transcon (SAMPAIO, 2010) ou as
mais de 20 mil habitantes, sendo que todos os
OUCs. Aproximando-se da meta definida pelo municípios com mais de 100 mil habitantes já
Estatuto da Cidade (2001), atualmente quase haviam sido contemplados (TODOS, 2016).

Geografia Urbana - Volume 1


95

Brasil (FRESNEDA, 1998), tornando a reforma diversas municipalidades, tendo sido


administrativa tema central após a eleição de identificado na América Latina e no Brasil um
Fernando Henrique Cardoso, em 1995 terreno fértil para a ventilação destas ideias,
(PEREIRA, 1998) quem, entre outras coisas, amparados na “sensação de crise aguda”
contribui para o fortalecimento da (BORJA; CASTELLS, 1996, p. 156), poderoso
concertação público-privada com a Lei das mecanismo de convencimento aliado à
Concessões (1995), importante para os estratégia de governança.
arranjos atuais. Como uma evolução destes
A sensação de crise de fato existia, muito
princípios, mais recentemente, o Governo
embora por razões diferentes daquelas
Federal criou em 2005 o Programa Nacional
vivenciadas pelos países desenvolvidos
de Gestão Pública e Desburocratização
centrais37. Nos países ditos “em
(GESPÚBLICA). Entre os princípios da
desenvolvimento”, o período corresponde
administração pública gerencial, convém
mais às crises resultantes das dívidas
destacar a desburocratização como
externas e dos consequentes planos de
estratégia de eficiência e flexibilização da
ajuste macroeconômicos promovidos pelo
gestão. Neste sentido, por exemplo, há o
Banco Mundial e FMI, o que terminaria por
incentivo à reorientação dos mecanismos de
contribuir para a difusão das ideologias do
controle, ou seja, assume-se que o controle a
Estado mínimo, da contenção do gasto
priori, característico da gestão burocrática,
público e do neoliberalismo mais do que a
representa um entrave à eficiência e à
falência do modelo fordista e do seu Estado
inovação, enquanto que, na medida do
do Bem-Estar social propriamente ditos. No
possível, deve ser incentivado o controle a
Brasil, esse processo de ajuste explica melhor
posteriori. Entende-se que a busca de
o progressivo abandono de políticas públicas
resultados é muito mais relevante que o foco
e investimentos por parte do Estado, bem
no controle da legalidade, no cumprimento
como o movimento de crescente repasse de
dos formalismos e do rigor técnico (como
funções públicas para a iniciativa privada. Na
exemplo prático, não é necessário elencar
América do Sul a crise se instalava em várias
todos os impactos negativos da agudização
nações, criando o cenário ideal para a
desta postura na experiência de sediar os
propagação de “fórmulas’ supostamente
recentes megaeventos, bem como na
capazes de induzir as economias a
aplicação do Regime Diferenciado de
crescerem e fortalecer o papel das cidades.
Contratações - RDC35, cujo maior receio era
de que as exceções se tornassem regra). Ademais, o próprio Modelo Barcelona não é
mais a única referência. Para exemplificar, o
Tornou-se necessário buscar atrair capital,
ex-prefeito de Nova Iorque e empresário de
especialmente internacional, e garantir uma
sucesso, Michael Bloomberg, através da
gestão mais eficiente. O modelo de gestão
iniciativa Mayors Challenge38 vem
cada vez mais empresarial e afinado com as
apresentando contornos contemporâneos aos
lógicas do Mercado contemporâneo,
mesmos princípios que tornaram o caso
globalizado e neoliberal – bastante ciente nos
catalão referência mundial e, em 2016,
anos 1990 da redução do aporte de recursos
direcionou a proposta para a América Latina e
nacionais - despontava como a solução para
o Brasil. De maneira similar, o Programa
estes problemas, traduzindo-se em
Juntos pelo Desenvolvimento Sustentável39
Planejamento Estratégico, empreendedorismo
e competitividade urbana. Consultores
37
internacionais, em especial os catalães (em Uma vez que no Brasil, por exemplo, municípios
função do controverso sucesso do “modelo e mesmo os estados permanecem até hoje
amplamente dependentes de verbas da União.
Barcelona”36), prestaram seu “savoir faire” à 38
A iniciativa da Bloomberg Philanthropies foi
lançada pela primeira vez em 2013 para premiar os
35
Instituído pela Lei nº 12.462, de 2011 em pleno melhores projetos de cidades norte-americanas.
contexto dos preparativos dos megaeventos no No ano seguinte, foi a vez de as
Brasil, o RDC previa uma série de facilidades a concorrentes europeias e, em 2016, as cidades
este modelo visando agilidade e algumas da América Latina com mais de 100.000
“desburocratizações” que em geral contribuíram habitantes.
39
para onerar o orçamento e dificultar a estimativa de Os integrantes formam uma espécie de “dream
preços reais. team” do empresariado nacional, tais como Jorge
36
Em referência à fórmula do suposto sucesso Gerdau, dono da maior siderúrgica do país,
inquestionável das Olimpíadas de 1992 em Rubens Ometto, dono da Cosan, gigante da
Barcelona, como estratégia de promoção urbana produção de açúcar e etanol, e José Roberto
internacional. Marinho, das Organizações Globo. Vale lembrar

Geografia Urbana - Volume 1


96

tem a premissa de levar a eficiência do setor construção civil acharam nesta postura um
privado para a administração pública, com nicho de mercado e uma parceria bastante
empresários de diversos setores no Brasil duradoura.
atuando como “mentores” no
empreendedorismo urbano de cidades como
Campinas (SP), Curitiba (PR), Teresina (PI), 4 A ODEBRECHT NO JOGO POLÍTICO: DA
entre outras. Ou seja, consultores DITADURA MILITAR ÀS DOAÇÕES
internacionais, lideranças locais carismáticas ELEITORAIS - A CONSOLIDAÇÃO DO
e alinhadas com o “empreendedorismo FISIOLOGISMO DE ESTADO.
urbano” e com o empresariado continuam na
Das recentes experiências com os
moda, reforçando a ideia de que a atuação
megaeventos esportivos em casos
do Estado e as questões político-ideológicas
extremamente desbalanceados de PPPs42 aos
pertinentes à produção do espaço urbano
escândalos de corrupção que por fim levaram
possam ser reduzidas a soluções técnicas de
grandes empreiteiras à posição de réus da
expertise empresarial.
Operação Lava Jato43 - metade das arenas da
Ainda sobre o empreendedorismo urbano, é Copa 2014 estão suspeitas de irregularidades
possível perceber este discurso desde as (METADE, 2017), como favorecimentos
teorias de Administração da década de indevidos, bem como o fisiologismo flagrante
198040, ou seja, o planejamento estratégico levou à cadeia funcionários, executivos,
urbano (conhecido pela influência da Harvard empresários como Marcelo Odebrecht e
Business School) é uma entre tantas outras mesmo o ex-governador Sergio Cabral44-, o
expressões deste “pensamento único” Brasil começa a perceber a dimensão de uma
(ARANTES, VAINER, MARICATO, 2000) máquina que atravessou mandatos e as
voltado ao mercado e firmado em relações diversas instâncias de governo. A parceria de
estabelecidas entre o Estado e um suposto grandes empreiteiras como a Odebrecht com
cidadão-cliente41. Controverso, tais princípios o Estado revelava-se extremamente lucrativa
no Brasil deram margem, por exemplo, às à particulares, porém às custas da sociedade.
constantes denúncias de “cartas marcadas” Sobre as empreiteiras, a página da operação
em licitações e o apoio financeiro das Lava Jato explica que as empreiteiras se
grandes empresas às campanhas políticas. cartelizaram em um “clube” para substituir
Este tipo de relação implica em questões uma concorrência real por uma concorrência
práticas na malha urbana, direcionando aparente. Os preços oferecidos à Petrobras
políticas públicas cada vez mais difundidas (bem como em várias outras licitações) eram
nas grandes cidades e pautada em interesses calculados e ajustados em reuniões secretas
particulares, especialmente do mercado nas quais se definia quem ganharia o contrato
imobiliário, que se beneficia no planejamento e qual seria o preço, inflado em benefício
local das “fatias de cidade”, em detrimento do privado e em prejuízo dos cofres da estatal45.
enfoque na totalidade dinâmica característico
do ideal dos Planos Diretores (SAMPAIO.
2010). As grandes empresas locais e
nacionais, em especial ligadas ao mercado 42
Na Copa 2014, a conta final divulgada pelo
financeiro, ao capital imobiliário e à Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 –
GECOPA chega a quase R$ 26 bilhões, com
apenas 14% do capital privado (BAPTISTA, 2014).
43
que em 2009 a Cosan foi incluída na “lista-suja” do A operação Lava Jato é a maior investigação de
trabalho escravo pelo Ministério do Trabalho, corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já
tornando questionável os critérios desta iniciativa. teve. Inicialmente investigando os escândalos de
40
Neste âmbito, um dos livros mais importantes da corrupção envolvendo a maior estatal brasileira, a
década de 1980 é Reinventando o Governo: Como Petrobras, atualmente a operação chegou a outras
o Espírito Empreendedor está Transformando o frentes criminosas.
44
Setor Público, de Osborne e Gaebler (1992). Envolvido em um esquema de propinas para
41
Na gestão pública gerencial o cidadão é tratado fechar contratos públicos com prejuízo estimado
como se fosse um cliente, tal como o fazem as ao erário em mais de R$ 220 milhões. Entre as
empresas do setor privado, ou seja, o cliente tem o acusações está em favorecer que a construtora
direito de participar e sua avaliação é importante Andrade Gutierrez se associasse à Odebrecht e à
na definição dos critérios de qualidade da gestão. Delta, no consórcio que disputaria a reforma do
Na prática este princípio parece também englobar Maracanã, em 2009.
45
nessa “clientela” as grandes empresas, estas, no Página da Lava Jato, disponível em:
entanto, com muito mais penetrabilidade na gestão <http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso>,
pública. acesso: 17 jun. 2016.

Geografia Urbana - Volume 1


97

No Brasil, um grupo de quatro grandes é a participação delas em doações para


empresas de caráter familiar (típico ao capital campanhas políticas aos mais diversos
monopolista dos grupos econômicos partidos. Levando em consideração a
constituídos no Brasil) detém o domínio da proeminência destas empreiteiras em meio às
construção civil e a participação em inúmeros obras dos recentes megaeventos, bem como
outros negócios no país, desde gêneros sua inserção em diversas licitações por todo o
alimentícios ao ramo petroquímico, passando Brasil, uma pesquisa divulgada em junho de
por seu controle inúmeras operações de 2014 pela Pública - Agência de Reportagem e
concessões. As empresas OAS, Odebrecht, Jornalismo Investigativo, apurou que as
Camargo Correa e Andrade Gutierrez são “quatro irmãs” doaram entre 2002 e 2012 para
conhecidas pelo apelido de “as quatro irmãs”, comitês e campanhas políticas mais de
e representam o que há de mais arraigado em R$ 479 milhões, tanto em doações diretas às
relação às trocas de favores entre o poder campanhas, quanto aos partidos em anos
público e as empresas privadas. Outra sem eleição (figura 01).
característica notável destas quatro empresas

Figura 01- Doações realizadas pelas “Quatro Irmãs” a partidos políticos do Brasil, entre 2002 e 2012.

Fonte: As quatro (2014).

Quanto à Odebrecht, uma das “irmãs”, Acesso à Informação Pública (Lei Nº 12.527,
responsáveis pelo consórcio OAS/Odebrecht de novembro de 2011), destaca ainda que,
da Arena Fonte Nova, bem como pela reforma além dos contratos de obras públicas, estas
do Maracanã, pela PPP e OUC do Porto empresas são beneficiadas pelo poder
Maravilha (por meio do Consórcio Porto Novo, público através do BNDES, de modo que
junto à OAS e à Carioca Engenharia), entre entre 2004 e 2013 o banco realizou 1665
outras participações, a empresa teria doado transferências para as “quatro irmãs”, sendo
no período citado R$ 12,1 milhões ao PSDB, as maiores beneficiadas a Odebrecht e a
R$ 10,5 milhões ao PMDB e R$ 10 milhões ao Andrade Gutierrez.
PT (figura 02). A pesquisa, utilizando a Lei de

Geografia Urbana - Volume 1


98

Figura 02- Doações do grupo Odebrecht, por partido, entre 2002 e 2012.

Fonte: As quatro (2014)

Quanto à história da trajetória ascendente da 5 A PARTICIPAÇÃO DA ODEBRECHT NAS


Odebrecht em meio ao jogo político, a OUCS: UM MODELO QUE SE AGIGANTA NO
empresa, uma das multinacionais mais RIO DE JANEIRO E EXTRAPOLA PARA
antigas do Brasil, possui suas origens no SALVADOR
ramo da construção civil no Nordeste,
A região portuária do Rio de Janeiro, alvo
rapidamente expandindo seus negócios
recente da OUC Porto Maravilha (mapa 01),
depois de estreitar relações com a Petrobras,
passou por um discurso de promoção e
razão pela qual boa parte dos rendimentos da
marketing urbano em conjunto com a
empresa tenham origem no refino de petróleo.
expectativa de cativar turistas e lançar uma
Graças às relações firmadas durante o
imagem positiva durante as Olimpíadas de
governo Geisel, a empresa garantiu uma
2016 (ainda que a resposta de valorização
ascensão meteórica durante o período da
imobiliária não tenha sido tão alta quanto
ditadura militar brasileira, avançando da 19ª
esperada, levando o poder público a
posição entre as construtoras nacionais, em
aumentar sua parcela de contribuição para a
1971, ao terceiro lugar, dois anos depois.
operação e manter o interesse do poder
Quanto ao financiamento do BNDES, entre
privado).
2004 e 2013, a Fundação Odebrecht, a
construtora, e a Odebrecht Óleo e Gás A ideia se encaixa muito bem às práticas de
receberam juntas mais de R$ 498 milhões e, recuperação urbana por meio de OUC,
além disso, a Braskem recebeu mais de instrumento previsto pelo Estatuto da Cidade
R$ 4,1 bilhões em empréstimos entre 2008 e (2001) que permite alterar índices
2013. Entre as polêmicas, ao longo dos urbanísticos, regularizar propriedades,
últimos anos começou a participar do setor de estabelecer novos usos e aumentar o
armamentos através da Odebrecht Defesa e potencial de construção de imóveis de
Tecnologia, provavelmente não por acaso, determinado trecho da cidade, no caso a
pois entre 2007 e 2010 o orçamento do Região Portuária do Rio de Janeiro, área que
Ministério da Defesa aumentou 45% (AS supostamente atrai a atenção de investidores
QUATRO, 2014). Além de ser a maior do setor imobiliário para projetos comerciais e
ganhadora de licitações para os estádios da residenciais. Interessados em explorar esse
Copa e uma das mais favorecidas nas obras potencial devem comprar Certificados de
das Olimpíadas 2016, a Odebrecht conseguiu Potencial Adicional Construtivo (CEPAC),
o maior contrato de valor global entre os títulos usados para custear operações
estádios, justamente a Arena Fonte Nova46. urbanas que recuperam áreas degradadas
nas cidades além de, necessariamente, ter de

46
O valor das contraprestações anuais (mais de R$
107 milhões ao ano, durante 15 anos), somado ao global para mais de R$ 2,1 bilhões (BAPTISTA,
custo da obra de R$ 689 milhões eleva o custo 2014).

Geografia Urbana - Volume 1


99

investir 3% na manutenção e recuperação do


patrimônio material e imaterial.

MAPA 01- A enorme poligonal (5,5 milhões de m²) da Operação Urbana Consorciada que coincide
com Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) da Região Portuária do Rio de Janeiro.

Fonte: site oficial do Porto Maravilha.


(Disponível em: <http://portomaravilha.com.br/portomaravilha>, acesso em 17 de junho de 2017.)

Na prática, isso tem significado intervir em (IPP), a essência do documento apresentado


uma área degradada ao viabilizar hotéis, reproduz quase que na íntegra a proposta de
pontos comerciais, equipamentos culturais (o planejamento elaborada, no “Relatório
Museu do Amanhã, por exemplo), residências Urbanístico da Operação Urbana
de alto padrão, enfim, uma mudança de perfil Consorciada Porto Maravilha”, por um
cuja origem não se encontra na iniciativa do consórcio constituído entre as empresas OAS,
Estado em identificar o interesse público, mas Odebrecht Engenharia e Construções e
em um projeto apresentado à prefeitura pela Carioca Engenharia [...]. No documento já se
Odebrecht, OAS e a Carioca Engenharia já encontravam claramente explicitados o
em 2009 (OLIVEIRA, 2012; GAFFNEY, 2013). desenho estrutural da PPP, as principais
Desta forma, de acordo com Oliveira (2012), o diretrizes físico-territoriais e parâmetros
Projeto Porto Maravilha foi o primeiro de três urbanísticos do projeto e o modus operandi
leis tramitadas em regime de urgência na dos CEPACs, numa apresentação bastante
Câmara Municipal do Rio de Janeiro, menos aproximada, se não idêntica, do conteúdo
de um mês após o anúncio da vitória carioca exposto no projeto de Lei (Oliveira, 2012, p.
na competição pela sede das Olimpíadas de 240).
2016. Assim,
Única concorrente habilitada para a licitação,
o Consórcio Porto Novo (o mesmo que
compôs o relatório que “inspirou” a lei)
Articulado aos decretos de lei 32.575/2010
assume o direito de tocar as obras e ações
(RIO DE JANEIRO (Município), 2010d) e
relativas à área, cujo valor inicial era de
32.666/2010 (RIO DE JANEIRO (Município),
R$ 7,5 bilhões (atualmente atualizado em
2010e) o Projeto Porto Maravilha estabelece
mais de R$ 8 bilhões). Entre as
uma Parceria Público-Privada (PPP) inédita no
consequências deste empreendimento, há a
Brasil ao atrelar em um mesmo contrato, a
transferência de recursos públicos por meio
realização de obras, sua manutenção e a
de incentivos fiscais, bem como um problema
privatização de serviços públicos (Oliveira,
que foi repassado à Caixa Econômica
2012, p. 240).
Federal, ao ganhar o leilão de 3,5 bilhões em
A transferência ao poder privado do direito de CEPAC. Assim, o Fundo de Investimento
planejar e gerir a coisa pública (em cerca de Imobiliário Porto Maravilha (FIIPM, fundo
5,5 milhões de m²) torna-se evidente, ainda criado pelo FGTS e gerido pela Caixa), ficou
que de forma não declarada: com a árdua tarefa de negociar os CEPACs
com o mercado imobiliário - e tentar
Embora a autoria do projeto de lei
minimamente reaver o investimento. Ainda
apresentado pelo executivo municipal tenha
relativo a este impasse, segundo o
sido assinada pelo Instituto Pereira Passos
Observatório das Metrópoles,

Geografia Urbana - Volume 1


100

O modelo implementado pela gestão de território no país de maneira crescente e


Eduardo Paes vinculava a remuneração do pouco debatida, com reflexos por fim em
Consórcio Porto Novo aos recursos obtidos áreas delicadas das cidades, como os
com a venda de CEPACs em lote único ao centros tradicionais ou áreas degradadas
FGTS, blindando assim o orçamento com potencial de mercado imobiliário (como
municipal. No entanto, nos últimos anos tem as regiões portuárias do Porto Maravilha, no
ocorrido o processo inverso: a Companhia de Rio de Janeiro, e da Cidade Baixa, em
Desenvolvimento Urbano da Região do Porto Salvador). A fim de ilustrar, a MIP
do Rio de Janeiro (Cdurp), gestora da (particularmente relevante neste trabalho, pois
Prefeitura no Porto Maravilha, recomprou mais trata-se de uma iniciativa proativa do setor
de 168 mil CEPACs do FGTS, utilizando a privado em relação ao Município), aprovada
verba pública municipal para a obtenção de em cidades como São Paulo desde 2011, foi
certificados emitidos pelo próprio município, utilizada em 2013 nas poligonais de estudo
com vistas a angariar recursos – até então para desenvolvimento de projetos
privados – para as intervenções na própria urbanísticos por parte da Odebrecht em
operação urbana (A FALÁCIA, 2017). Salvador, abarcando a Orla, a Península de
Itapagipe e o Centro Antigo de Salvador
O que ficou claro no exemplo do Porto
(CAS, incluindo o Comércio e a Cidade
Maravilha é que diante de um mercado
Baixa). Percebe-se aí algo similar - ainda que
retraído e das incertezas de lucro, o Estado
não “oficialmente” – no funcionamento desta
extrapola sua função de parceiro, torna-se
MIP com o movimento proativo por parte das
garantidor e termina assumindo os riscos da
empresas componentes do Consórcio Porto
operação, um tipo de mecanismo similar ao
Novo que, como foi visto, deu origem aos
adotado nos megaeventos, quando os prazos
decretos e leis que originaram o Porto
e os compromissos firmados (com a FIFA, o
Maravilha; não por acaso, o próprio consórcio
Comitê Olímpico ou a ODEPA) colocavam o
ganhou a concorrência (GAFFNEY, 2013).
poder público em uma posição desfavorável
de negociação (BAPTISTA, 2014). Portanto, em 2013, enquanto ocorriam os
preparativos da Copa 2014, a Prefeitura
Diante disso, ainda que mais recente e sem
Municipal de Salvador, articulando-se com a
tempo hábil para os mesmos tipos de
Odebrecht, publicava o Decreto Municipal nº
concretizações já evidentes no caso do Porto
23.935, de 17 de maio de 201349, este último,
Maravilha, o caso de Salvador configura um
atendendo à intenção da empresa Odebrecht,
interessante meio de comparação para
em especial através da Odebrecht
analisar os caminhos pelos quais esta nova
Properties50, de apresentar à municipalidade
forma de captura, planejamento, execução e
a já citada MIP. Tendo prazo inicial de 270
gestão do espaço urbano se viabiliza, que
dias para a apresentação dos resultados, o
aqui podemos chamar de “modelo
fato é que após as implicações da Odebrecht
Odebrecht”. Atualmente, sob a égide cada
com a Operação Lava Jato, o estudo
vez mais evidente deste pensamento, é
encontrou-se “suspenso” para análise da
importante, por exemplo, entender a forma
prefeitura desde o começo de 2015. Ainda
como PPPs, suas variantes - PMI
que atualmente as ações e intenções da
(Procedimento de Manifestação de Interesse)
e MIP (Manifestação de Interesse da Iniciativa
Privada)47 - entre outros mecanismos mecanismos, sobretudo na forma de decretos
viabilizados por decretos48, estão ganhando amparados fundamentalmente na legislação
que rege as concessões públicas.
47 49
Em essência, modalidades de Parceria Público- A MIP da Odebrecht foi amparada pelo decreto
Privada (PPP). A diferença reside no fato de municipal nº 23.935, de 17 de julho de 2013, e
que para o Procedimento de Manifestação de pela resolução nº 001/2013, publicada em 25
Interesse (PMI), a iniciativa parte do parceiro de julho de 2013 no Diário Oficial do Município,
público, que convida o mercado (pessoas mediante a qual o Conselho Gestor de
físicas ou jurídicas) a apresentar propostas de Concessões (CGC) dispõe sobre a referida MIP
interesse público, enquanto que na proposta pela Odebrecht.
50
Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada “Criada em 2012, a Odebrecht Properties é o
(MIP), a iniciativa partiria do próprio parceiro braço da Organização especializado no
privado. mercado de ativos imobiliários. O negócio
48
Ocorre que desde a confirmação do Brasil como identifica e concebe projetos, mobiliza capital e
sede dos mundiais da FIFA e do COI e, em realiza investimentos para, posteriormente,
especial a partir de 2011, o país vem assumir a operação de ativos públicos e
flagrantemente ampliando a atuação desses privados.

Geografia Urbana - Volume 1


101

empresa sejam incertas, sobretudo pela bairros e 387.964 pessoas (segundo o censo
instabilidade provocada pela Lava Jato, a do IBGE de 2010), de modo que, ainda que
coincidência entre as áreas previamente sob a coordenação do poder municipal, a
estudadas pela Odebrecht e as poligonais de empresa privada que assumir o planejamento,
OUCs (Chamadas de OUC Centro gestão e definição das prioridades e
Histórico/Tororó, OUC Ribeira e OUC Orla interesses de investimento em cada uma
Atlântica.) apresentadas no novo PDDU de destas áreas terá para si grande poder sobre
2016 (figura 04) deixa claro que a empresa foi a transformação e os rumos do espaço
vital na definição destes espaços – mesmo urbano. Assim sendo, enquanto o decreto nº
que este fato não tenha sido externalizado 23.935 previa que os estudos da Odebrecht
pela Prefeitura em nenhum momento. As três Properties poderiam ser ressarcidos em até
OUCs somam a extensa área de 3.909 R$ 12 milhões, o mais provável é que a
hectares (ou seja, 39 milhões de metros empresa fosse buscar, após acolhimento das
quadrados, dimensão muito superior à da propostas, executar as ações das OUCs, tal
OUC do Porto Maravilha), abarcando 45 como fez no Porto Maravilha.

Mapa 02 - As OUC apresentadas no PDDU de Salvador, de 2016. Em destaque a OUC Centro Histórico/Tororó
(em amarelo), a OUC Orla Atlântica (em verde) e a OUC Ribeira (em magenta).

Fonte: PDDU de Salvador 2016.


De forma concomitante, porém não mercado), estas últimas sobretudo em
diretamente relacionada nem à Odebrecht edificações pré-existentes, economicamente
nem à OUC (mas ainda assim um instrumento mais acessíveis e/ou com possibilidade
de abertura para o capital imobiliário e estratégica na proteção do patrimônio
financeiro), o Governo do Estado, por meio da material (BAHIA, 2014).
Diretoria do Centro Antigo de Salvador
(DIRCAS) tenta implementar o Fundo
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Imobiliário para o Centro Antigo de Salvador
(CAS), na poligonal que coincide com a OUC A linha de raciocínio e os dados apresentados
Centro Histórico/Tororó, pondo imóveis deixam evidente que o interesse de mercado
públicos como lastro. O fundo (já aprovado segue como o principal definidor do espaço
pela Caixa) busca viabilizar a operação urbano, de modo que o Estado se adapta e
imobiliária no CAS (cujo discurso é garantir instrumentaliza-se de acordo com estas
sobrevivência econômica e reabilitação do necessidades e forças. Mesmo que os casos
patrimônio edificado) suprindo 5000 unidades do Rio de Janeiro e de Salvador ainda
habitacionais preferencialmente com renda estejam distantes de seu desfecho, sobretudo
acima de 5 salários. A primeira etapa é pelas grandes dimensões das OUCs, volume
voltada às classes mais altas em edificações de investimento necessários e o cenário atual
novas, afim de gerar retorno financeiro de crise, retração e desconfiança do mercado
rapidamente ao empresariado e aos que limita o sucesso da venda de CEPACs, é
consumidores de potencial econômico mais possível perceber uma lógica bastante clara
alto, garantindo sucesso e sobrevida às no modus operandi. Ambos foram definidos:
etapas posteriores (menos interessantes ao a) por propostas e estudos ventiladas ou

Geografia Urbana - Volume 1


102

oferecidas de maneira proativa pelo setor Paulo e em Fortaleza, por exemplo,


privado; b) por conversões de zoneamentos apresentam dimensões mais reduzidas, as
e/ou parâmetros urbanísticos por meio de vezes circunscritas mesmo a uma gleba
decretos municipais ou mudanças no PDDU; (HISSA, ARAUJO, 2017). As razões para tal
c) por garantias em dinheiro público (o tendência podem ser estruturadas em dois
instrumento de um fundo de investimento faz- pontos: 1) os operadores das grandes OUCs
se presente, mesmo que no caso de Salvador em geral se interessam por trechos mais
ainda não tenha sido implementado) afim de restritos e específicos dentro destas grandes
aumentar o interesse em áreas consideradas poligonais; 2) as grandes OUCs tendem a
normalmente como investimentos arriscados impactar os interesses e a vida de uma
pelo setor privado e; d) com ganhos grande parcela da população, o que
assimétricos para a sociedade e ordens de naturalmente gera resistências mais
prioridades fixadas por interesses do contundentes, potencialmente inviabilizando a
mercado. OUC. Diante destes pontos, da situação
crítica da Odebrecht (e de outras empreiteiras
É preciso destacar também que este “modelo
nacionais), do momento que perpassa o Rio
Odebrecht” de grandes dimensões, cujo
de Janeiro (em meio à crise econômica) e
formato ainda remete aos “moldes faraônicos”
considerando o processo ainda prematuro no
dos recentes megaeventos esportivos,
caso de Salvador, paira a dúvida se este
contraria uma outra tendência recente. As
“modelo Odebrecht” terá sobrevida de fato.
mais novas OUCs apresentadas em São

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Geografia Urbana - Volume 1


104

Capítulo 9

João Gabriel da Silva Oliveira


Antonio José de Araújo Ferreira

Resumo: Os portos secos são recintos alfandegados de uso público, que são
importantes para a economia nacional, regional e local uma vez que podem ser
indutores de áreas pouco dinâmicas, cuja importância atual pode ser indicada por
existirem 63 unidades nas 5 macrorregiões brasileiras, sendo que se utiliza como
referências empíricas os portos de Anápolis (GO) e Porto Franco (MA) tendo com
objetivo geral analisar e comparar o impacto desses equipamentos. Para tanto,
procedeu-se: pesquisa bibliográfica, cartográfica e documental; interpretação
visual de documentos cartográficos selecionados; participação em eventos técnico
e científicos; análise, seleção, tabulação e interpretação dos dados e informações
obtidos. Os resultados revelam que os portos secos de Anápolis e o de Porto
Franco concorreram para o incremento econômico desses municípios e da região
em que estão inseridos. Conclui-se que ambos tenderão a crescer à medida que se
ampliarem as demandas do MATOPIBA e políticas públicas forem efetivadas como
indutoras de todo o processo.

Palavras-chave: Porto Seco; Importância; Região.

Geografia Urbana - Volume 1


105

1 INTRODUÇÃO Porto Franco - MA e a sua contribuição para o


escoamento da produção do MATOPIBA?
Foi com o início da industrialização brasileira
que a busca pela competitividade no Para responder à citada questão de pesquisa,
mercado nacional e internacional começou a este estudo teve como objetivo geral analisar
ser aguçada. Almejava-se à redução de e comparar os Portos Secos de Porto Franco
custos, ao aumento da produtividade, a – MA e o de Anápolis - GO. Como objetivos
conquista de novos mercados e a procura por específicos, buscou-se: a) identificar as
novos fornecedores, de maneira que fossem mudanças ocorridas nessas cidades após a
ampliadas as operações de importações e/ou implantação dos Portos Secos; b) analisar o
exportações que inseriram o Brasil potencial de expansão do Porto Seco no
definitivamente na lógica global de mercado. município de Porto Franco e suas implicações
Assim, as empresas passaram a necessitar, na economia do Maranhão.
como nunca, de infraestrutura alfandegária
Convém ressaltar que, tal artigo é uma
para a realização dos trâmites de suas
ampliação de uma comunicação oral
operações de comércio exterior. Desde a
apresentada durante o XV Simpósio Nacional
criação do programa “exportar é a solução”,
de Geografia Urbana (OLIVEIRA; FERREIRA,
em 1965, pelo Conselho Nacional de
2017) a qual, por sua vez, é vinculada ao
Comércio Exterior (CONCEX) o Brasil passou
Projeto de Pesquisa intitulado “Dinâmica e
a priorizar as atividades de importação e
perspectivas do Itaqui: de ‘sonho’ a porto de
exportação, chegando, em 1981, a fazer parte
integração regional brasileiro na economia
das 10 maiores economias do mundo
mundial contemporânea”. O conteúdo está
Ocidental. Nesse caso, a logística é um dos
estruturado da seguinte forma: a metodologia
pontos estratégicos, tanto para a
utilizada para elaboração do mesmo; revisão
competitividade do país quanto para as
de literatura a respeito do que é o Porto Seco
empresas, sustentando as atividades no
e sobre competitividade no mercado; em
comércio internacional (LOUZADA, 2005).
seguida, faz-se uma comparação entre as
Visando uma melhor logística e, cidades de Anápolis-GO e Porto Franco-MA,
consequentemente, otimizar competitividade mostrando quais mudanças ocorreram nas
e redução de custos no Brasil, iniciaram-se a mesmas após a instalação de seus portos
implantação dos portos secos, que surgem secos; por fim, apresentam-se as
junto a um complexo industrial com o objetivo considerações finais.
de incrementar o escoamento de produtos.
Os portos secos são, resumidamente, recintos
alfandegados que oferecem a possibilidade 2 METODOLOGIA
de obtenção de benefícios fiscais na
Compreender determinado tema implica na
liberação, armazenagem, manuseio,
escolha de técnicas de pesquisa (LAKATOS;
industrialização e outras atividades afins,
MARCONI, 2009). Em se tratando desse
todas reguladas pela aduana brasileira
artigo que ressalta a importância do porto
(LOUZADA, 2005).
seco nos municípios de Anápolis-GO e Porto
De acordo com o Decreto Federal nº 4.765, Franco-MA, foram utilizadas as que seguem:
de 24/06/03, os portos secos são recintos
1) Pesquisa bibliográfica, a qual acontece
alfandegados de uso público nos quais são
quando um pesquisador utiliza documentos
executadas operações de movimentação,
objetivando extrair dele informações,
armazenagem e despacho aduaneiro de
investigando, examinando, usando técnicas
mercadorias e de bagagem sob controle
apropriadas para seu manuseio e análise;
aduaneiro. Não podendo ser instalados na
segue etapas e procedimentos; organiza
zona primária de portos e aeroportos
informações a serem categorizadas e
alfandegados, os portos secos poderão ser
posteriormente analisadas; por fim, elabora
autorizados a operar com carga de
sínteses analíticas sobre a temática (GIL,
importação e de exportação, ou apenas de
2008);
exportação, tendo em vista as necessidades
e condições locais. 2) Pesquisa documental (leis, projetos e
planos de governo e/ ou da iniciativa
Dessa forma, este artigo pretende responder
particular) e cartográfica (cartas, plantas,
à seguinte questão: Qual a importância do
mapas), a fim de apreender os fatores que
Porto Seco para a dinâmica da cidade de
contribuíram para transformações nas

Geografia Urbana - Volume 1


106

cidades de Anápolis e Porto Franco a partir Entre os objetivos dos recintos alfandegários,
da instalação de seus portos secos; além de aliviar o fluxo de mercadorias
existente na zona primária, destaca-se o de
3) Interpretação visual dos documentos
encorajar o comércio internacional através da
cartográficos selecionados;
flexibilização das regras de importação e
4) Participação em eventos técnicos e exportação. A utilização de recinto
científicos em que a temática portuária foi alfandegado por uma empresa permite que a
debatida, a exemplo do Encontro sobre a mesma faça importação de mercadoria e
“Cadeia Produtiva do Estado do Maranhão e deixe-a armazenada lá, por um determinado
sua Integração com o Corredor Centro Norte”; período de tempo, com suspensão temporária
de tributos. Segundo Louzada (2005), um
5) Análise, seleção, tabulação e intepretação
exemplo para a utilização de recintos
das informações e dados obtidos conforme as
alfandegados nas zonas secundárias é o
técnicas anteriores.
descongestionamento de portos e aeroportos,
pois estes seriam, em termos de concepção
da sua utilização, lugares apenas de
3 PORTO SECO
passagem das mercadorias. Assim, a
Primeiramente conhecidos como Estação instituição e operação de recintos
Aduaneira Interior (EADI), os Portos Secos alfandegados representará a criação de
tiveram início na década de 1970, pelo então novos postos de trabalho.
Ministro Antônio Delfim Netto, e foram
Os Portos Secos devem dispor de boa
concebidos para serem terminais
infraestrutura para atraírem as empresas que
alfandegados de uso público, localizando-se
trabalham com importação e exportação,
em zonas secundárias, com o objetivo de
oferecendo diversos tipos de serviços:
aliviar o fluxo de mercadorias existente nas
zonas primárias. Antes deles, existiam apenas [...] como o de desembaraço aduaneiro;
os Terminais Retroportuários Alfandegados desova; serviços comuns como a estadia de
(TRA), os quais eram cognominados de veículos e unidades de carga, pesagem,
portos secos com calado e tinham a limpeza; consolidação e desconsolidação
finalidade de superar o afogamento dos documental; serviços exclusivos como a
portos perante a maré de importações etiquetagem e marcação de produtos, testes
(LOUZADA, 2005). de funcionamento, acondicionamento e
reacondicionamento e montagem e
De acordo com o Regulamento Aduaneiro
beneficiamento do bem; entrepostagem;
Brasileiro, que determina as regras
movimentação de contêineres e de
específicas para a administração,
mercadorias em geral; manutenção ou reparo
fiscalização, controle e tributação das
de aeronaves ou embarcações; entre outros.
atividades aduaneiras quanto às operações
(LOUZADA, 2005, p. 36-37).
de comércio exterior, os portos secos são
recintos alfandegados de uso público nos Portanto, os Portos Secos assumem papel de
quais são executadas operações de operadores logísticos na cadeia de
movimentação, armazenagem e despacho suprimentos, assemelhando-se a uma
aduaneiro de mercadorias e de bagagem sob empresa prestadora de serviços de logística,
controle aduaneiro (BRASIL, 2003, artigo 11). haja vista que é responsável pelo controle de
estoques, armazenagem e gestão de
Convém sobressair, que recintos
transportes que inter-relaciona um conjunto
alfandegários são entendidos como aqueles:
de organizações, criando valor na forma de
[...] localizados em determinadas regiões produtos e serviços, desde os fornecedores
dentro do país, mas que, para efeitos de de matéria prima até o consumidor final
alfândega, são considerados como “fora do (ABML, 1999). Isso implica que os portos
país”. São áreas fisicamente segregadas e secos são importantes para qualquer país
seladas onde sua operação é aprovada via que quer se desenvolver e dispor de
especificação do governo federal. São alternativas para tal, conforme ressaltado por
espaços físicos sob controle alfandegário. Araújo (2011). Tal fato é corroborado por
Existem recintos alfandegados tanto nas FIESP (2018) que revela que no Brasil existem
zonas primárias quanto nas zonas 63 portos secos nas 5 macrorregiões, sendo
secundárias. (LOUZADA, 2005, p. 27). que 35 unidades localizam-se em 14 estados,
uma está no Distrito Federal e 27 ficam em
São Paulo.

Geografia Urbana - Volume 1


107

empresas podem armazenar a mercadoria


pelo período solicitado pelo importador (que
4 COMPETITIVIDADE
pode variar de 1 até 3 anos) em regime de
Na contemporânea economia globalizada, a suspensão de impostos, podendo fazer a
busca por meios que levem as empresas a nacionalização fracionada. Dessa forma, as
conseguirem vantagens que aumentem sua principais vantagens para as empresas são a
competitividade é considerada um desafio possibilidade de prestar os serviços
dinâmico e imprescindível para seu sucesso. aduaneiros próximos ao domicílio dos
A vantagem competitiva é a base que agentes econômicos partícipes e realizar
sustenta qualquer empreendimento. Porter procedimentos simplificados para o
(1989) define vantagem competitiva como a contribuinte.
busca de uma posição favorável que visa
O Porto Seco também serve como atrativo
estabelecer uma condição lucrativa e
para as empresas, almejando ao
sustentável contra forças que determinam a
desembaraço aduaneiro, e
concorrência.
consequentemente, otimizando os custos e
A competitividade é essencial para a inserção aumentando a competitividade no mercado
e manutenção da empresa dentro do nacional e internacional. Por essa razão, as
mercado; seguindo a lógica capitalista, unidades da Federação do Brasil tem
quanto mais a empresa for competitiva envidado esforços no sentido de criar esse
maiores serão as chances de sucesso e, tipo de equipamento que já totalizam 63 e se
consequentemente, maiores os lucros a encontram nas 5 macrorregiões, a exemplo
serem auferidos. A competitividade deve ser dos portos secos de Manaus (AM), Uberaba
pautada sobre uma otimização de recursos e (MG), Ipojuca (PE), Uruguaiana (RS), Distrito
processos. A administração de operações Federal e 27 unidades no estado de São
visa estabelecer estratégias e gerenciar Paulo, sendo que se destacarão os de
melhor os seus recursos e processos, Anápolis (GO) e o de Porto Franco (MA).
podendo até mesmo diminuir os seus custos
para produzir e entregar bens e serviços e, ao
mesmo tempo, almeja atender as 5 ANÁPOLIS
necessidades de qualidade, tempo e custo
Localizada no estado de Goiás, na região
para seus clientes. Essas estratégias devem
central do país, distando 54 km de Goiânia,
definir as tecnologias, recursos humanos,
sua capital, e a 154 km de Brasília, essa
organização, capacidade, interfaces e
cidade compõe o eixo Goiânia-Anápolis-
infraestrutura da empresa (SLACK; LEWIS,
Brasília. Anápolis, além de estar localizada
2002).
entre duas capitais, é cortada por: rodovias
Assim, as empresas buscam locais em que federais, isto é, a BR 060 que vai do Distrito
possam se instalar e que ofereçam boa Federal até a fronteira com o Paraguai, em
infraestrutura, como, rodovias e ferrovias que Mato Grosso do Sul, enquanto a BR 153
favoreçam o escoamento de suas produções, (Belém-Brasília) interliga Aceguá (Rio Grande
assim como incentivos fiscais por parte dos do Sul), na fronteira com o Uruguai, à Marabá
governos estaduais e municipais. Isso por (Pará); pela rodovia estadual GO 330 (Mapa
que, de acordo com FIESP (2018), no porto 1); além de possuir um ramal da Ferrovia
seco as empresas recebem cargas diversas e Centro Atlântica, a qual liga a mesma ao Porto
preparam para exportação; também recebem de Santos e é o marco zero da Ferrovia Norte
mercadorias em importação ainda Sul, que demanda na direção do Tocantins,
consolidadas, destinadas a despacho para Maranhão em que se conecta à Estrada de
consumo imediato ou a entroposto aduaneiro. Ferro Carajás e segue para o estado do Pará.
Em se tratando das importações, as

Geografia Urbana - Volume 1


108

Mapa 1. Localização da cidade de Anápolis e do DAIA

Fonte: FREITAS, 2004

O município de Anápolis possuía, segundo incentivos fiscais, para atrair indústrias para o
estimativa do IBGE em 2018, 381.970 território goiano. Assim, impulsionou-se a
habitantes e uma extensão territorial de instalação de empresas nesse estado, através
933,156 km²; em 2014, seu Produto Interno da concessão de crédito de ICMS. Com isso,
Bruto era de mais de R$ 12,5 bilhões, que devido à sua localização estratégica, que
correspondiam a 7,2% do PIB do estado de facilitaria o escoamento dos produtos, a
Goiás, ficando atrás apenas de Goiânia que cidade de Anápolis foi escolhida por algumas
concentrava pouco mais de 27% do PIB empresas visando à implantação de
estadual, enquanto o PIB per capita era de indústrias de diferentes ramos. Logo, a partir
R$ 35.127,00 (IBGE, 2016). de 1990 a política industrial goiana obteve
melhores resultados, revelando um relativo
O citado município, portanto, tem contribuído
sucesso do mencionado programa e o
para a crescente economia goiana,
crescimento do DAIA.
principalmente a partir dos anos 1970 com a
implantação do Distrito Agroindustrial de Sobre os fatores que contribuíram para a
Anápolis (DAIA). Este é resultado de políticas ampliação e o desenvolvimento do referido
nacionais de desenvolvimento durante o DAIA, sobressaem-se:
período do regime militar (1964-1985),
[...] os incentivos fiscais fornecidos através
reestruturando o espaço urbano e levando ao
dos fundos de fomento estadual, como o
fim boa parte das indústrias localizadas
Fundo de Participação e Fomento à
próximas à vila fabril (BERNARDES, 2011).
Industrialização do Estado de Goiás
Embora o DAIA tenha oferecido melhores
(FOMENTAR), instituido pela Lei Estadual nº.
condições para que novas empresas se
9.489 de 19 de julho de 1984, depois, pelo
instalassem em Anápolis, esse não foi o único
Programa de Desenvolvimento Industrial do
fator que atraiu as novas indústrias. A partir
Estado de Goiás (PRODUZIR), Lei Estadual
dos anos 1980, com uma crise fiscal instalada
nº. 13.591 de 18 de janeiro de 2000; dos
no Brasil, a política de desenvolvimento
recursos disponibilizados pelo governo
industrial, que antes era feita pelo governo
federal através do Fundo Constitucional para
federal, passou a ser elaborada pelos estados
o Centro-Oeste (FCO), regulamentado pela
(PASCHOAL, 2012). Dessa forma, efetivou-se
Lei Federal nº 7.827 de 27 de setembro de
o programa Fundo de Participação e Fomento
1989; além da inserção por tempo variável
à Industrialização do Estado de Goiás
(FOMENTAR), em 1984, como política de

Geografia Urbana - Volume 1


109

dos tributos municipais. (DIAS, 2011, p. 76- Goiânia, que o PIB cresceu continuamente.
77). Porém, quando se trata da cidade de
Anápolis, foco da comparação com o
Visando ao fortalecimento do setor industrial
município maranhense de Porto Franco, o PIB
de Anápolis, foi instalado na década de 1990
entre os anos de 1970 e 1980 registra
o Porto Seco Centro-Oeste – Estação
incremento de 190%, passando de R$ 737
Aduaneira de Interior – (EADI), importante
milhões, em 1970, para R$ 2,1 bilhões, em
infraestrutura logística. Surgiu, em 2000, o
1980; já no período entre 1980 e 1985 a
programa PRODUZIR, sucessor do
ampliação do PIB foi de apenas 10%. Em
FOMENTAR, almejando melhores incentivos
relação ao período entre 1985 e 1996 há um
para a instalação de novas empresas.
decréscimo do valor do PIB de
Durante essa década e no início da segunda
aproximadamente 18%, passando de R$ 2,3
do século XXI, desenvolveu-se o projeto e a
bilhões em 1985 para R$ 1,9 bilhão em 1996
construção da Plataforma Logística
(Tabela 1). Assim, nota-se que ao instituir o
Multimodal de Goiás (PLMG), com a intenção
programa FOMENTAR, em 1984, o governo
de ser mais um atrativo e uma relevante
de Goiás já previa uma queda do valor do
infraestrutura para o escoamento de cargas
PIB, que só voltou a crescer no final da
produzidas nesse estado, articulando-se
década de 1990 e início de 2000, quando
também ao Porto Seco (RODRIGUES, 2004).
chegou a R$ 3,5 bilhões, o correspondente a
Assim, se nos primeiros anos de 79% a mais que 1996. A partir dos anos 2000,
funcionamento, final da década de 1970 e com a instalação do Porto Seco Centro-Oeste
inicio de 1980, o DAIA contava apenas com e com o novo programa de incentivo fiscal, o
14 empresas, em 2008 o mesmo possuía 110 PRODUZIR (substituto do FOMENTAR), o PIB
unidades ativas, implicando em um acréscimo de Anápolis registrou incremento de forma
de mais de 785% (DIAS, 2011). Tais contínua e isso decorreu da instalação do
empresas distribuiem-se em segmentos como Distrito Agroindustrial de Anápolis; assim, de
indústrias químicas e farmacêuticas, de 2000 a 2010 o PIB ampliou aproximadamente
fertilizante e de adubo, de gêneros 150%, passando de R$ 3,5 bilhões em 2000
alimentícios e laticínios, do setor metalúrgico, para R$ 8,9 bilhões em 2010. E, mais
além de empresas especializadas em recentemente, em 2014, o PIB municipal de
distribuição e logística, entre outras. Anápolis alcançou R$ 12,7 bilhões, o que
representa 40% em relação a 2010.
Ao analisar o Produto Interno Bruto do eixo
Goiânia-Anápolis-Brasília, entre os anos de
1970 e 2014, percebe-se, em Brasília e em

Tabela 1. Produto Interno Bruno no eixo Goiânia-Anápolis-Brasília, em R$ (1.000)


Cidade/
1970 1980 1985 1996 2000 2010 2014
Ano
7.832.40 133.776.12 194.432.00
Brasília 30.647.509 37.453.325 57.377.314 92.949.871
5 1 0
Anápolis 737.822 2.144.188 2.375.820 1.953.120 3.502.108 8.977.130 12.714.454
2.534.29
Goiânia 8.496.905 10.294.133 16.289.220 15.868.529 21.815.337 46.094.735
4
Fonte: Ipeadata/Ibge

Geografia Urbana - Volume 1


110

Na Tabela 2 observa-se a importância dos desse total, 62,6% dos empregados recebiam
programas de incentivos fiscais do estado de menos de dois salários mínimos e a média
Goiás para a geração de empregos. Dentre salarial era de R$ 1.415,57. Verifica-se,
os vários programas de incentivos fiscais, também, que o número de empregados com
dois são principais, ou seja, o PRODUZIR e o nível superior é de apenas 7,7%, o que
FOMENTAR. Juntos, esses programas de mostra uma baixa qualificação profissional
incentivos fiscais geraram, até 2012, mais de dos trabalhadores, interferindo diretamente na
108 mil empregos diretos no território goiano; média salarial citada anteriormente.

Tabela 2. Número de empregos por programa e média salarial em Goiás, 2012


Menos de 2
Empregos Curso Média Salarial
Programa Mulheres salários
Diretos Superior (R$)
mínimos
Fomentar 49.357 11.533 4.301 30.421 1.465,03
Produzir 56.064 12.997 3.916 35.660 1.351,66
Total Geral 108.544 24.947 8.457 67.958 1.415,57
Fonte: SIC / Censo Produzir 2012
Maranhão, ocupando a 23ª posição no
6 PORTO FRANCO ENQUANTO MUNICÍPIO ranking dos 217 municípios desse estado.
A cidade de Porto Franco remonta a Porto Franco está localizado numa região
02/04/1919 e está localizada no Sudoeste do estratégica, pois faz parte da bacia do Rio
estado do Maranhão; pertence à Mesorregião Tocantins, é cortado por duas rodovias
Sul Maranhense e à Microrregião de Porto federais (BR 010 e BR 226) e uma estadual
Franco (Mapa 2). O município homônimo (MA 335); ainda passa por esse município a
possui área de 1.417 km², com uma Ferrovia Norte-Sul, indo até a cidade de
população de aproximadamente 21.506 Açailândia em que alcança a Estrada de Ferro
habitantes e uma densidade demográfica de Carajás que vai para o Porto do Itaqui, em
15,17 habitantes/km² (IBGE, 2010). Limita-se: São Luís. Tal situação geográfica tem
ao Norte - com os municípios de Campestre favorecido a implantação, em seus arredores,
do Maranhão e Lajeado Novo; ao Sul - com os de vários empreendimentos como:
municípios de Estreito e São João do Paraíso; Hidrelétrica de Estreito; Suzano Papel e
a Leste - com o Município de São João do Celulose; e o Distrito Industrial. Este comporta
Paraíso; e a Oeste - tem como limite o rio o Pátio de Integração Multimodal da
Tocantins. Companhia Vale, localizado a 19 km do
centro da sede de Porto Franco, no sentido
A sede de Porto Franco fica a 718 km de São
de Estreito (OLIVEIRA; FERREIRA, 2017). O
Luís, capital do estado, e a 100 km de
mesmo abriga empresas como: Ceval, Cargill,
Imperatriz, que é a segunda maior cidade
Multigrain, Ceagro e Algar Agro, que recebem
maranhense. Porto Franco possuía, segundo
grãos, em sua grande maioria de soja, para
estimativa do IBGE (2018), 23.675 habitantes
carga, transbordo, armazenagem e produção
e seu PIB, em 2014, chegou a R$ 439 milhões
de óleo vegetal (BELFORT; SILVA; OLIVEIRA,
o que corresponde a apenas 0,57% do PIB do
2012).

Geografia Urbana - Volume 1


111

Mapa 2. Localização de Porto Franco no Maranhão

Fonte: Correia FILHO, 2011

Aproveitando-se da sua situação estratégica, Distrito Agroindustrial e a operação da


através do acesso aos diversos modais de primeira usina esmagadora de soja do
transporte (FERREIRA, 2009), o Distrito Maranhão consolidaram a posição de Porto
Agroindustrial de Porto Franco, criado em Franco como polo de atração de
12/05/2005, veio fortalecer a vocação desse investimentos e negócios da região, que é
município para o agronegócio a partir da considerada a nova fronteira agrícola do país
indução de “médios e grandes produtores de (ISTO É DINHEIRO, 2010 [online]).
soja” (DIAS FILHO, 2013, p. 131). Com efeito,
Outro fator que favorece a atração de
em julho de 2005 foi iniciada a construção da
investimentos para a cidade de Porto Franco
primeira fábrica de esmagamento de soja do
é sua localização central na nova fronteira
Maranhão-ABC/INCO (Algar Agro), que
agrícola do país, composta pelos estados do
começou a operar em 2007, contribuindo
Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia,
para que o município em tela se consolidasse
constituindo o chamado MATOPIBA51 (Mapa
como polo indutor do desenvolvimento
3).
regional, podendo assim, agregar valor à soja
e gerar renda visto que houve necessidade
de maior contratação de mão de obra, 51
contribuindo para a melhoria de seus “A expressão MATOPIBA é um acrônimo criado
com as iniciais dos estados do Maranhão,
indicadores sociais e econômicos e do estado
Tocantins, Piauí e Bahia. Ela corresponde aos
do Maranhão (OLIVEIRA; FERREIRA, 2017). limites de 31 microrregiões geográficas do IBGE,
Esse empreendimento trouxe mudanças reúne 337 municípios e representa um total de
significativas no modo de vida da população cerca de 73 milhões de hectares. O território do
MATOPIBA é complexo. Ele engloba 324.326
e em toda a economia local e regional. Isso
estabelecimentos agrícolas (33.929.100 ha).
porque: Ocorrem na área 46 unidades de conservação
O impacto desta ação em todos os setores da (8.334.679 ha), 35 terras indígenas (4.157.189 ha)
economia local foi visível, significativo e e 781 assentamentos de reforma agrária e áreas
quilombolas (3.033.085 ha) num total de
marcante, como: a abertura de novas
13.967.920 ha de territórios legalmente atribuídos
empresas, houve, um enorme incremento (19,1% da região)” (MIRANDA; MAGALHÃES;
para os pecuaristas da região, que antes CARVALHO, 2014, p.2). No Maranhão, o
tinham uma produção sazonal, que caia MATOPIBA abrange 15 microrregiões e 135
drasticamente durante o período de seca e municípios em 22.982.346 hectares (33% dessa
hoje tem acesso à compra dos subprodutos “nova fronteira agrícola”), sendo que na safra
da soja (BELFORT; SILVA; OLIVEIRA, 2012, p. 2014/2015 essa unidade da Federação se
7). destacou na produção de milho (1º lugar), arroz e
algodão em plumas (2º maior produtor), além de
De acordo com a Revista Isto é Dinheiro, na soja (3º lugar). Cf. MARANHÃO tem..., 2015 apud
edição de janeiro de 2008, a implantação do FERREIRA, 2017.

Geografia Urbana - Volume 1


112

Com efeito, ao analisar o PIB nos anos 2000 e 177 milhões para R$ 1,66 bilhão” (PEREIRA;
2013, constata-se que “houve crescimento de PORCIONATO; CASTRO, 2018, p. 49), o que
542% no PIB do Matopiba, com destaque estava acima da média desse espaço
para algumas microrregiões, como [...] Porto geográfico.
Franco (Maranhão), com 832%, saindo de R$

Mapa 3. Localização do MATOPIBA

Fonte: Embrapa/Gite, 2014

7 O PORTO SECO EM PORTO FRANCO – MA [...] 200 milhões de reais, com unidade que
possui modernos equipamentos numa área
A cidade de Porto Franco se localiza no meio
de 200.000 m² e capacidade para armazenar
do caminho entre o MATOPIBA e o Porto do
120 mil toneladas de soja e esmagar 500 mil
Itaqui, em São Luís, que é o porto brasileiro
toneladas de grão. Prevendo-se através deste
mais próximo do Hemisfério Norte. Cidade
investimento a instalação de uma indústria de
privilegiada, por ser cortada pelas BRs 010 e
refinamento de envase de óleo de soja, com
226 e pela ferrovia Norte-Sul, que, via Estrada
investimentos na casa dos 77 milhões de
de Ferro Carajás, a interliga ao citado
reais. O projeto conta com matéria-prima
equipamento portuário organizado (OLIVEIRA;
advinda de plantios de soja na microrregião
FERREIRA, 2017).
de gerais de Balsas e Porto Franco. Hoje a
Tendo em vista que o principal produto de Algar Agro é a segunda maior exportadora do
exportação do MATOPIBA é a soja, tem-se Maranhão. Toda a produção é transportada
que Porto Franco é um importante corredor via ferrovia Norte-Sul, que segue até o Porto
para o escoamento dessa cultura para o do Itaqui em São Luís. (ALGAR AGRO 2012
mercado internacional via Porto do Itaqui. apud DIAS FILHO, 2013, p. 133).
Assim, pela localização e pelas perspectivas,
Em entrevista concedida ao Jornal Pequeno,
a região de Porto Franco passou a atrair
em 18 de Dezembro de 2006, o então prefeito
empresas nos últimos anos, a exemplo do
do município de Porto Franco, Deoclides
grupo Algar Agro52, o qual em 2007 investiu:
Macedo (PDT), lembrou que, antes, o que
havia nessa cidade era apenas um pátio da
Ferrovia Norte-Sul, que fazia transbordo da
52
O Grupo Algar é sediado em Uberlândia, Minas soja e, a partir de 2005 e 2006, foram feitos
Gerais, e tem empresas como Instituto Algar, investimentos que resultaram na instalação da
UniAlgar (Universidade), Algar Telecom, Algar primeira processadora de soja do Maranhão.
Tech, Algar Farming, Algar Agro, Algar Mídia e Rio Depois, foi iniciada a operação de
Quente (Turismo); atua na Argentina, Chile,
esmagamento de soja, o que resultou em uma
Colômbia e Brasil; neste, efetua compra no Distrito
Federal (0,6%), e nos estados do Piauí (5%),
fábrica de ração, que teve grande impacto na
Tocantins (10%), Pará (9%), Minas Gerais (16%) e economia da região, ampliando a bacia
Maranhão (31%). Cf. FERREIRA, 2017, p.98. leiteira e impulsionando, sobretudo, as

Geografia Urbana - Volume 1


113

atividades de suinocultura e avicultura nessa pois no inicio dos anos 2000, quando as
municipalidade. primeiras empresas começaram a se instalar
a economia local era baseada,
De acordo com a Valec, atualmente são cinco
principalmente, no setor de serviços. Já em
empresas que possuem contrato de
2008, quando o processo de esmagamento
arrendamento e operação no Porto Seco de
de soja entrou em operação, antes exportada
Porto Franco, a exemplo da Cargill (2000),
toda in natura, o setor industrial passou a
Ceval (1999), ABC Inco (Algar Agro) (2005),
comandar a economia, sendo responsável
Multigrain (2002) e Ceagro (2005). Apesar de
por mais de 60% do PIB municipal. Isso, em
ter sido a última a se instalar na cidade em
função dos citados grandes investimentos
destaque, a Algar Agro foi a empresa que
nesse setor econômico. Em 2014, registrou-se
mais impulsionou a economia de Porto
a redução de investimentos e forte queda em
Franco, pois as demais apenas operam
2011 a qual derivou da crise mundial de 2008
armazenagem e transbordo de soja, não
e que concorreu para o arrefecimento da
agregando valor ao produto e gerando,
exportação das commodities de soja. Com
assim, poucos empregos, e
efeito, o setor industrial voltou a crescer,
consequentemente, o efeito multiplicador para
porém lentamente. O setor de serviços, que
a cidade ainda não registra incremento
teve boa evolução desde o início dos anos
exponencial (OLIVEIRA; FERREIRA, 2017).
2000, passou novamente a ser o maior
Ao analisar a Tabela 3 percebe-se que a responsável pela economia porto-franquina,
criação do Distrito Agroindustrial teve grande correspondendo a mais de 43% da economia
importância para o crescimento econômico local em 2014, enquanto o setor industrial
da cidade e do município de Porto Franco, correspondeu a 29%.

Tabela 3. Valor adicionado bruto por setor (por 1000)


Administração
Ano Indústria Agropecuária Serviços Total
Pública
2000 3.631 2.910 21.040 27.581
2004 3.465 14.879 29.591 13.221 61.156
2008 160.929 16.455 59.442 31.687 268.513
2011 77.862 22.561 76.195 48.424 255.042
2014 116.385 31.343 171.854 71.282 390.864
TOTAL 362.272 88.148 358.122 164.621 1.003.156
Fonte: IBGE
De acordo com a Tabela 4 constata-se que, quase que duplicada sua quantidade de 2015
assim como o setor de serviços, o setor da em relação a 2013, o que foi impulsionado,
agropecuária manteve, de forma geral, também, pela instalação da fábrica de rações
crescimento contínuo, principalmente o no município referido. Dos setores
inerente ao gado bovino de corte e ao leiteiro; agropecuários, o que mais alternou, em se
percebe-se que a avicultura tem uma tratando da produtividade, foi o milho que não
excelente evolução. Com exceção do ano de conseguiu manter um constante incremento,
2009, ano com índices pluviométricos bem pois sofreu oscilações em decorrência das
acima da média, o rebanho de suínos teve condições climáticas.

Tabela 4. Produção agropecuária de Porto Franco


Milho Suíno Avicultura Bovino Leite
Ano
(toneladas) (cabeças) (cabeças) (cabeças) (litros)
2004 2.379 2.332 14.086 73.378 9.066
2008 1.954 2.964 42.982 71.563 9.661
2010 2.159 3.291 19.025 75.997 10.259
2013 2.310 2.868 281.420 94.693 12.783
2015 2.307 5.277 657.328 99.384 13.416
Fonte: IBGE

A Tabela 5 mostra a importância da criação o crescimento econômico de Porto Franco,


do Distrito Agroindustrial e do Porto Seco para pois no período de 14 anos o Produto Interno

Geografia Urbana - Volume 1


114

Bruto desse município cresceu demais 205 municípios contribuíam, cada,


aproximadamente 1.300% (IMESC 2012 e com menos de 1% do PIB maranhense; isto
2016). Mesmo com esse incremento, a implica que a economia do Maranhão é
participação dessa unidade subnacional no concentrada espacialmente [...]. (FERREIRA,
PIB do estado do Maranhão não chegou a 2017, p. 90).
0,6% uma vez que em 2010 equivalia a 0,49%
enquanto em 2014 correspondeu a 0,57% do
total estadual (R$ 76,843 bilhões ou 1,3% do Esse fato, contudo, é sinal de ascensão da
PIB do Brasil), sendo que São Luís economia de Porto Franco, o que está
concentrava 34,26% do PIB maranhense e vinculado aos citados investimentos de
empresas privadas. Por exemplo, a
[...] destacavam-se Imperatriz (7,55%), Balsas
participação do VA industrial desse município
(3,80%), Açailândia (2,40%), São José de
passou de R$ 15,183 milhões em 2006 para
Ribamar (2,10%), Caxias (1,90%), Timon
R$ 76,154 milhões em 2010 e alcançou R$
(1,87%), Bacabal (1,39%), Santa Inês
116,385 milhões em 2014, implicando em
(1,38%), Codó (1,22%), Santo Antônio dos
ascensão de 667% entre 2006 e 2014
Lopes (1,08%) e Tasso Fragoso (1,04%). Os
(OLIVEIRA; FERREIA, 2017).

Tabela 5. Produto Interno Bruto de Porto Franco (por 1.000)


Ano 2000 2005 2008 2011 2013 2014
PIB 29.619 74.094 292.165 249.945 495.838 439.953
Fonte: IBGE
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS constatou-se que o setor agropecuário se
fortalece ao ter produtos, antes exportados in
O Porto Seco é, geralmente, instalado em
natura, sendo processados no próprio
cidades as quais possuem centralidade em
município, incrementando cadeias como da
relação a mercados produtores e
pecuária e avicultura, através dos
consumidores e está situado em cruzamentos
subprodutos da soja.
de importantes rodovias federais e estaduais,
que possibilitam conexão como ferrovias Assim, a criação de incentivos fiscais poderá
visando à otimização do escoamento, contribuir para a instalação de novas
conformando um sistema multimodal. empresas na região as quais dinamizarão
ainda mais e otimizarão o referido Porto Seco
A cidade de Anápolis, por exemplo, foi
maranhense, aumentando o PIB e a renda
beneficiada por sua situação geográfica,
municipal a partir de seu potencial de
tornando-se entreposto entre a capital do país
expansão, o que poderá resultar em uma
(Brasília) e a do estado de Goiás (Goiânia),
melhoria na qualidade de vida das
gerando emprego e renda para a população
populações locais. Dessa maneira, conclui-se
local e servindo como polo indutor de sua
que assim como aconteceu com Anápolis
região, tendo importante participação no PIB
(GO), o município de Porto Franco (MA)
estadual. Porto Franco, por sua vez, teve
precisa ser estimulado, de forma que
importantes avanços econômicos,
aproveite ainda mais a sua situação
principalmente ao agregar valor à soja,
geográfica estratégica e sua infraestrutura
através da indústria de esmagamento,
multimodal na tentativa de atrair novos
melhorando indicadores locais. Estes,
investimentos e novas empresas para
todavia, requerem estudos específicos para
incrementar o Distrito Agroindustrial com o
avaliar sua materialização.
intuito de ampliar tanto o escoamento quanto
Os programas de incentivos fiscais, nesse o processamento, principalmente da soja,
caso, são de grande valia para atrair objetivando agregar mais valor aos seus
investimentos para qualquer região. Em subprodutos para gerar renda na localidade,
Anápolis, esses programas aliados à tornando as empresas competitivas dentro e
infraestrutura disponível e à localização fora do Maranhão, o que perpassa pela
geográfica, serviram como atrativos para as ampliação das demandas do MATOPIBA, do
empresas as quais viram nessa cidade Porto do Itaqui e da economia do próprio
excelentes perspectivas de crescimento. Em país. Isso implica que, sua peculiaridade de
Porto Franco, a agregação de valor à soja enclave deve ser superada uma vez que não
ainda é incipiente, porém determinante e basta a economia crescer; faz-se necessário

Geografia Urbana - Volume 1


115

que ela seja mais inclusiva a fim de reduzir as desigualdades sociais e espaciais.

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[25] Paschoal, J. A. R. Tem sido bom pra [29] Slack, N.; Lewis, M. Operations strategy.
Goiás?: Goiânia: Jornal Opção. Entrevista Londres: Pitman, 2002.

Geografia Urbana - Volume 1


117

Capítulo 10

Priscila Maria de Freitas

Resumo:As Regiões Metropolitanas são uma realidade cada dia mais evidente no
território brasileiro. E para compreender a composição e gestão dessas regiões se
faz necessário analisar o contexto político e socioeconômico brasileiro e perceber
que os municípios possuem atributos e propostas de ações distintas. Assim sendo,
este trabalho parte da hipótese de que é possível se propor outro olhar para os
arranjos metropolitanos visando à governança interfederativa. Buscando em
pesquisa bibliográfica como cidades com diferentes características nas suas
realidades, participam do processo de gestão da Região Metropolitana do Vale do
Paraíba e Litoral Norte/SP. Demonstrando que o atual modelo existente acentua as
disparidades municipais, considerando assim a cooperação entre os pares um
caminho possível para uma efetiva governança interfederativa.

Palavras-chave: governança, cooperação, RMVPLN.

Geografia Urbana - Volume 1


118

1.INTRODUÇÃO Responder essas questões implica em


compreender o contexto político e
As Regiões Metropolitanas são uma realidade
socioeconômico que o Brasil e suas regiões
cada dia mais evidente no território brasileiro.
metropolitanas estão inseridos, e também
Essa institucionalização recente (após a
qual a realidade dos municípios brasileiros e
década de 1970) de diversas Regiões
a relação entre eles. Ou seja, compreender as
Metropolitanas pode ser constatada por
diferenças entre os municípios brasileiros em
diversos fatores, seja pela elevada
termos das dinâmicas sociais, econômicas e
concentração populacional ou mesmo
direcionamentos de ações e no que implica
concentração de PIB nas regiões
estas disparidades territoriais. Buscando
metropolitanas, ou ainda, pela recente
compreender, no caso específico da Região
promulgação de uma lei federal denominada
Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
Estatuto da Metrópole (Lei n. 13.089/2015)
Norte, se cidades com diferentes atributos
com o objetivo de regulamentar os
nas suas realidades participam
parâmetros para a instituição de novas
equitativamente do mesmo processo de
regiões metropolitanas e instrumentos para a
gestão territorial.
governança interfederativa. Conforme afirma
Jeroen Johannes Klink existem diversos Inicialmente, apresenta-se o contexto político
arranjos institucionais nas regiões e socioeconômico que o Brasil e suas regiões
metropolitanas brasileiras, citando dois metropolitanas estão inseridos.
arranjos especificamente como o arranjo Demonstrando, por autores tais como Platão,
estadualizado e o municipalismo Espinoza, Marx e Weber, qual a função e
regionalizado; os quais podem ser explicados finidade do Estado; qual seja, ser fruto do
pelo próprio Klink. contexto social no qual está inserido, e ser
responsável por zelar pelos espaços públicos
O arranjo estadualizado, que se configurou
e pelos habitantes; regulamentando os
em pleno regime autoritário, teve um viés
espaços públicos e privados, e as ações dos
tecnocrata e um alto grau de centralização
indivíduos de um determinado território.
financeira e de tomada de decisões, com o
principal órgão (o conselho deliberativo) Esse Estado Brasileiro, ou essa esfera de
dominado pelos representantes indicados governança, está atualmente envolta pelo
pelo governo federal-estadual. KLINK, 2009, sistema capitalista e mais especificamente ao
p. 419 (grifo da autora). momento neoliberal deste sistema. Isto
implica em uma demanda política de
Por outro lado, há uma vertente, que
diminuição das ações estatais favorecendo a
poderíamos rotular de municipalismo
lógica do livre mercado. Este fato, somado a
regionalizado, de acordo com a qual o
frágil formação política brasileira, gera ações
consórcio público representa um embrião de
governamentais pontuais e fragmentadas,
um novo modelo institucional para a
que não contemplam um planejamento de
governança metropolitana. Nessa
médio a longo alcance das fragilidades
perspectiva, a flexibilidade e o grau de
existentes no território.
abertura da nova lei proporcionariam um
ambiente favorável à experimentação e à Neste contexto se inserem as atuais Regiões
aprendizagem, com novos arranjos mais Metropolitanas brasileiras. E com um olhar
amplos de colaboração interfederativa, mas holístico que se utiliza aqui o conceito de
sempre impulsionada pela vontade autônoma Milton Santos sobre “território usado” para
dos municípios. KLINK, 2009, p. 424 (grifo da abordar o território de governança
autora). interfederativa. Assim esse território regional é
compreendido como objeto e objetivo das
Este estudo, agora proposto, busca
ações estatais.
compreender se dentro do arranjo
estadualizado há a possibilidade de A contemporaneidade nos traz também que
dinâmicas colaborativas nas regiões estas ações de Estado devem estar previstas
metropolitanas brasileiras. Desta forma, se faz em legislações, desta forma a região
necessário compreender como se dá essa metropolitana deve seguir os instrumentos de
governança interfederativa? Qual a relação governança interfederativa previsto. Esses
existente e possível entre os entes federados? instrumentos trazem o conceito de que a
Como se configuram esses municípios que governança interfederativa corresponde à
compõem a mesma Região Metropolitana? gestão realizada entre entes federados,
compartilhando responsabilidades e ações

Geografia Urbana - Volume 1


119

num mesmo território, visando o atendimento (STEINBERGER, 2013, p. 33); ou mesmo Marx
das funções públicas de interesse comum ou Weber que trazem uma visão mais política
nesse território. sobre o Estado.
Para que seja possível atingir essa
governança interfederativa, esse processo de
Marx introduz o 'Estado Classista' afirmando
gestão deve ocorrer de forma cooperativa,
que ele não é um poder criado fora da
pois cada município possui uma significação
sociedade de classes antagônicas, mas um
diferente. Ou seja, cada município de uma
produto dela que assume certa
mesma região possui realidade distinta dos
independência para garantir o interesse
demais, sendo fruto de um conjunto de
comum e mantê-la dentro dos limites da
relações sociais dadas nesses espaços,
ordem. Weber considera o Estado como
como também cada território municipal visa a
resultado do processo histórico-sociológico
uma forma distinta de se inserir no mercado
da concentração de poder de um
econômico nacional e internacional. Assim, os
agrupamento político que reivindica o
municípios possuem atributos distintos e
monopólio da coação física em um
intencionalidades de ações diferentes.
determinado território geográfico.
Ao se estudar o caso específico da Região STEINBERGER, 2013, p. 33.
Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
Assim, podemos afirmar que o Estado é fruto
Norte, ficam nítidas essas diferenças de
do contexto social no qual está inserido,
significação. Para exemplificar tais
sendo responsável por zelar pelos espaços
disparidades, foram analisados mapas e
públicos e pelos habitantes; regulamentando
dados dessa região, PIB, área urbanizada e
os espaços públicos e privados, e as ações
densidade demográfica.
dos indivíduos de um determinado território.
As Regiões Metropolitanas brasileiras partem Atualmente, somado aos conceitos iniciais, o
do pressuposto que terão governança Estado está envolto ao sistema capitalista e
interfederativa, contudo ao se analisar o mais especificamente ao momento neoliberal
contexto político brasileiro e os atuais deste sistema, desta forma o Estado se vê
instrumentos de planejamento e gestão frente a um forte agente que também atua no
metropolitanos nota-se que não são território e demanda a diminuição da ação do
considerados os diferentes atributos dos Estado, o mercado. Sob a lógica do livre
entes federados entre si e que compõem a mercado, há a solicitação pelos agentes
mesma região. O atual modelo acaba por hegemônicos da diminuição do alcance do
reafirmar e acentuar estas diferenças Estado, ou seja, que o Estado não atue tão
municipais. Desta forma, considera-se que a incisivamente e que se mantenha distante das
cooperação entre os pares, possibilitando relações sociais e econômicas dadas no
instrumentos de gestão cooperativos dos território.
entes federados díspares, seja um caminho
Contudo o sistema capitalista vivencia crises
para uma efetiva governança interfederativa.
frequentes e nestes momentos no qual a
sociedade se encontra num estado de
colapso social e, principalmente econômico, o
2.GOVERNANÇA INTERFEDERATIVA
Estado é convocado a restaurar a ordem, ou
METROPOLITANA
melhor, a estrutura mínima necessária para a
O Estado é um agente social num manutenção das atividades mercadológicas.
determinado espaço, na medida em que tem Sob este contexto o Estado tem a perspectiva
o papel de regulador das atividades dos de ações por meio de políticas públicas, que
demais agentes que atuam no território. A podem gerar ora a manutenção e
definição de Estado pode ser dada por um (re)produção das condições do sistema
conjunto de pensadores, como Platão, que neoliberal, ora a estruturação, dentro da
“ao propor um modelo de 'Estado Ideal', democracia representativa e participativa, de
separa o público do privado para dizer que o políticas redistributivas.
Estado é o único responsável por zelar pelo
Nesse contexto encontra-se o Estado
público” (STEINBERGER, 2013, p. 33); e
Brasileiro que, até 2014, demonstrava a
Espinoza que “trata o Estado como instância
busca pela valorização cultural e a afirmação
de poder reguladora das individualidades e
de um estado democrático com políticas
voltada para a coletividade dos homens que
redistributivas, mesmo inserido num momento
residem em um mesmo território”
de globalização neoliberal, de foco ao

Geografia Urbana - Volume 1


120

caminhar fluído do livre mercado. Somado a em escala urbana, como dilemas de


esse contexto econômico e político regulação municipal ou mesmo regional, mas
internacional, no Brasil deve-se considerar a devem ser analisados também em escala
sua formação histórica. Conforme demonstra nacional, supranacional e global do poder
Jessé Souza a sociedade é formada por territorial do Estado, pois é basicamente
ideias construídas, como o mito do “homem nessas escalas supraurbanas que a geografia
cordial” (HOLANDA, 1995), que justifica política intensamente contraditória do
algumas posturas atuais de dominação da neoliberalismo é configurada. BRENNER,
elite brasileira da política, da economia e da 2010, p. 556.
comunicação. Jessé afirma que a estrutura de
Aqui cabe pontuar a concepção de território,
classe vai além da questão econômica, sendo
para além desta concepção administrativa.
no sistema capitalista inteiramente vinculada
Entende-se território conforme conceitua
ao tempo (despendido às tarefas intelectuais)
Milton Santos, o termo ‘território usado’,
e ao conhecimento incorporado. Desta forma,
entendido como resultado da organização
cria-se uma rede invisível que traz uma
social vinculadas ao processo de competição
consequências práticas e políticas latentes “o
econômica e como uma arena onde se
que existe aqui são acordos e consensos
desenrolam os conflitos dados entre os
sociais mudos e subliminares, mas por isso
diversos agentes sociais que direcionam a
mesmo tanto mais eficazes, que articulam,
conformação deste espaço. Desta forma, este
como que por meio de fios invisíveis,
território é objeto e objetivo das ações do
solidariedades e preconceitos profundos e
Estado, uma vez que o Estado é um agente
invisíveis” (SOUZA, 2003, p. 71). Essas
social que regulamenta formas de
posturas tendenciosas das ações do Estado
apropriação e define políticas públicas que
brasileiro não possibilitaram estruturar um
irão influenciar no modo de vida dado sobre o
projeto de nação, que é uma proposta de
território.
identidade nacional; como também uma
proposta de Estado, já que a partir deste Para abordarmos a governança
projeto de nação se traça as futuras decisões interfederativa cooperativa foram
e planejamentos de médio e longo prazo a demonstrados primeiramente os desafios
serem realizados pelo Estado. referentes ao território e quanto à gestão do
Estado brasileiro, sendo que estes desafios
A criação de Regiões Metropolitanas (RMs)
se expressam na relação dos entes federados
no Brasil tem sua relevância institucional na
que compõem uma mesma região
década de 1970, sob o regimento de um
metropolitana, pois apesar de formalmente
governo federal autoritário. Nota-se que as
serem equivalentes, não são análogos no
ações do Estado possuem um contexto
processo de gestão da RM. Somado a estes,
político, econômico, social e também
tem-se também outro desafio relacionado à
territorial. “Nessas condições, a organização
significação dada no espaço, abordado por
territorial do Estado se torna, ao mesmo
Milton Santos.
tempo, arena e objeto das contendas
sociopolíticas nas escalas regionais e locais” A atividade coletiva sempre supôs a criação
(BRENNER, 2010, p. 555). Essa criação, ou de um Capital Geral, suporte do esforço
melhor, institucionalização das Regiões coletivo diferenciado. Mas, desde a irrupção
Metropolitanas no Brasil, desde a década de do capitalismo, o processo conheceu uma
1970 até o surgimento do Estatuto da evolução característica. De início, quando a
Metrópole, não foram acompanhadas de natureza era pouco modificada pelo homem,
mecanismos de governança entre os ela era socialmente transformada,
diferentes entes federados e suas escalas de socialmente possuída e socialmente
atuação. Qual seja a escala de domínio de um apropriada. Hoje, diante da natureza
ente federal, seja ele municipal, estadual ou artificializada das cidades, o Capital Geral
federal; somada as questões que influenciam produzido coletivamente é gerido em nome
as dinâmicas territoriais e que são atuantes da coletividade que o produziu, mas não é
em diversas escalas, tal como o fator mais socialmente possuído, e está
econômico e político. Esta é a atual situação exclusivamente a serviço de alguns. Sua
da governança metropolitana brasileira, da apropriação efetiva e seu uso efetivamente
qual o autor conclui na sua análise que produtivo são seletivos. Isto atribui, na cidade,
uma significação diferente, específica,
os problemas de governança urbana não
diferencial a cada indivíduo, a cada grupo, a
podem mais ser confrontados simplesmente
casa firma, a cada instituição e, ao mesmo

Geografia Urbana - Volume 1


121

tempo, a cada distrito, a cada bairro, a cada visando à plena execução das funções
rua. SANTOS 1994, p. 134 (grifos da autora). públicas de interesse comum. Esses
instrumentos descritos no artigo 9º da lei
Milton Santos nos ajuda a compreender que
federal incluem a elaboração de um Plano de
cada território, exemplificado pelo autor por
Desenvolvimento urbano Integrado (PDUI),
um distrito, um bairro ou uma rua, possui uma
fundos públicos, convênios de cooperação,
significação diferente. Essas diferenças se
entre outros. Enquanto no artigo 8º são
dão pela seletividade na apropriação de bens
abordados os quatros tópicos da estrutura da
e serviços produzidos coletivamente. Esse
governança interfederativa, que são: instância
conceito auxilia na compreensão de que os
executiva dos entes federados, instância
territórios, ou mesmo entes federados,
deliberativa com representação da sociedade
possuem uma significação diferente.
civil, agência técnico-consultiva e sistema
A significação diferente, específica, para alocação de recursos e prestação de
diferencial entendida por Milton Santos nos contas.
auxilia a compreender o motivo pelo qual a
Desta forma, para a realização da governança
cidade de São José dos Campos foi
interfederativa além dos desafios referentes
selecionada para ser a capital da Região
ao território e quanto à gestão do Estado
Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
brasileiro, a RM deve seguir os regulamentos
Norte. Esta RM é composta por 39 municípios,
normativos e enfrentar as diferenças de
destes a cidade de São José dos Campos
significação entre seus entres federados, fato
não se encontra geograficamente
este que acentua as diferenças das
centralizada na metrópole, nem mesmo
realidades socioeconômicas existentes.
possui acesso ou formas de diálogo com os
demais 38 municípios. A escolha da capital
dessa RM se deu pela significação que a
3. CIDADES DÍSPARES COMPONDO UMA
cidade de São José dos Campos possui em
METRÓPOLE: O CASO DA RMVPLN
relação às demais cidades. Na próxima seção
iremos demonstrar alguns os dados que No Estado de São Paulo foram instituídas seis
compõem a construção dessa significação. Regiões Metropolitanas e duas aglomerações
urbanas. A RMVale foi instituída pela Lei
A governança interfederativa de forma
Complementar Estadual n. 1.166/2012. O
cooperativa corresponde à gestão realizada
artigo 2º afirma que o objetivo da RMVale é
de modo colaborado entre entes federados,
possibilitar a cooperação entre os diversos
compartilhando responsabilidades e ações
níveis de governo, integração do
num mesmo território, visando o atendimento
planejamento e redução das desigualdades
das funções públicas de interesse comum
regionais, além de citar o Conselho de
nesse território e gerando benefícios para os
Desenvolvimento, a localização e
habitantes desta metrópole.
funcionamento da agência técnico-consultiva,
O atual marco regulatório da política urbana na forma de autarquia. Nota-se que a Lei que
contemporânea brasileira, o Estatuto da institui a RMVale contempla as ferramentas
Cidade (Lei Federal 10.257/2001) que institucionais legalmente instituídas, como
estabelece diretrizes gerais da política também traz para sua instrumentalização o
urbana, já prevê dentre suas diretrizes no princípio de cooperação entre os entres
inciso III do artigo 2º a cooperação entre os federados.
governos em atendimento ao interesse social.
Este estudo buscou compreender a
Assim a cooperação entre entes federados
governança interfederativa especificamente
visando a um bem comum já é prevista em
da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e
norma legislativa desde 2001.
Litoral Norte (conhecida oficialmente como
O Estatuto das Metrópoles (Lei Federal RMVPLN, mas será aqui citada como
13.089/2015) traz orientações para a RMVale). O território dessa região, com 39
institucionalização de novas Regiões municípios, possui uma extensão de
Metropolitanas e de Aglomerações Urbanas e 16.192,67 quilômetros quadrados, conforme
outras diretrizes para o planejamento, gestão dados do IBGE de 2014, além de possuir
e execução dos instrumentos de muitas divergências, tanto física quanto
desenvolvimento integrado para as RM socioeconômicas.

Geografia Urbana - Volume 1


122

Figura 1 – mapa da divisão administrativa da RMVale.

Fonte: Emplasa
(https://www.emplasa.sp.gov.br/Cms_Data/Sites/EmplasaDev/Files/Conselhos/Vale/Imagens/mapa_RMVPLN.jpg
)Acesso: 29maio2017

A Figura 1 demonstra que a cidade de São as demais cidades que hoje compõem essa
José dos Campos não está situada de forma RM. E tal fato gerou um atrativo para
centralizada, fato que possibilitaria uma empreendedores e geradores de bens e
equidade de acesso e comunicação entre os serviços; estes por sua vez geraram uma
municípios que compõem uma mesma região, concentração de PIB e um elevado índice de
ou seja, se a sede de uma região está densidade populacional
centralizada geograficamente, ou possui uma
Essas diferentes significações entre os entes
estrutura de comunicação tal que permita o
federados vêm de uma resultante histórica,
acesso as informações geradas pela agência
que influencia as atuais dinâmicas postas.
técnico-consultiva e um diálogo equânime
Assim, em virtude de conjunturas históricas,
entre os entes federados e suas demandas.
hoje a cidade de São José dos Campos é a
Contudo a sede foi determinada como uma
cidade da RMVale que possui a maior
cidade deslocada, pendendo para uma das
densidade populacional e o maior PIB;
extremidades dessa RM, mais
portanto esta cidade foi determinada pela lei
especificamente na direção da cidade e RM
que instituiu a RMVale para ser a sede e o
de São Paulo. Isto se deve ao fato das
local de instalação da agência técnico-
diferentes significações, ou seja, São José
consultiva. Desta forma, a significação entre
dos Campos recebeu ao longo do tempo mais
os entes federados se torna base para
investimentos financeiros e incentivos para
tomada de decisões e direcionamento de
um avanço no processo de urbanização que
ações entre estes.

Geografia Urbana - Volume 1


123

Figura 2 – mapa do sistema socioeconômico da RMVale.

Fonte: EMPLASA (https://image.slidesharecdn.com/rmvaledoparabaelitoralnorte-final-110925041052-


phpapp02/95/rm-vale-do-paraba-e-litoral-norte-final-51-728.jpg?cb=1316923977)
Acesso: 29maio2017
A Emplasa é a Empresa Paulista de a sub-região 5 demarca a concentração de
Planejamento Metropolitano, que auxilia o riqueza do litoral norte. Isto, por um lado, é
governo do Estado no processo de gerenciar decorrente do discurso de dinamizar
os dados relacionados às Regiões economicamente o território, fazendo com
Metropolitanas e Aglomerados Urbanos. Esta que os municípios que possuem realidades
empresa desenvolve levantamentos de dados diferentes se vejam na mesma regionalização.
e elabora diversos mapas, dentre eles esse Mas, por outro lado, não valoriza
mapa aqui apresentado sobre a concentração particularidades deste território, ou seja, ao se
de PIB por municípios da RMVale. Nesse afirmar que os entes federados são diferentes
mapa, nota-se na legenda que os municípios entre si e demarcar estas divergências em
foram divididos em quatro faixas de sub-regiões poderia se possibilitar uma
concentração de PIB, sendo o menor valor cooperação entre pares, criando uma
(200.000) correspondente a 8% do maior dinâmica diferente em toda a RM; ao invés de
valor apresentado. Isto demonstra uma apenas colocar em disputa entes federados
grande concentração de riqueza e uma com realidades tão díspares.
disparidade entre as realidades destes entes
Demonstrar essa disparidade regional em
federados.
números se torna um desafio, considerando
Outras duas questões demonstradas nesse as realidades existentes em cada município
mapa é que a concentração do PIB se dá nas sendo fruto de um conjunto de relações
cidades localizadas ao longo da Rodovia sociais dadas nesses espaços, como afirma
Presidente Dutra e nas cidades litorâneas. E Lefebvre: “toda realidade dada no espaço se
que as cidades da RMVale possuem poucas expõe e se explica por uma gênese no tempo.
áreas consideradas como urbanizadas, Mas uma atividade que se desenvolve no
demarcadas em rosa no mapa. tempo (histórico) engendra (produz) um
espaço e somente num espaço assume uma
Comparando os dois mapas aqui
“realidade” prática, uma existência concreta”
apresentados, sendo o primeiro com a divisão
(LEFEBVRE, 2006, p. 97). Desta forma, não é
administrativa da RMVale e suas sub-regiões
possível demonstrar em apenas um indicador
e o segundo da relação do PIB total por
essa existência concreta, mas a título de
município, nota-se que a demarcação das
exemplificar a disparidade existente e
sub-regiões não seguiu a realidade
reforçada pelos discursos e ações da
socioeconômica posta, em sua maioria, já que

Geografia Urbana - Volume 1


124

RMVale, vamos abordar a densidade relativos ao ano de 2016). Comparando esse


demográfica. valor aos 39 municípios tem-se que 64%
destes, ou seja, 25 municípios possuem uma
Levantando todos os dados sobre a
densidade demográfica muito inferior a
densidade demográfica da RMVale percebe-
152,90 habitantes/Km2.
se que a distribuição espacial deste indicador
é muito similar à conformação espacial dada Comparando os cinco maiores municípios da
pelos valores do PIB. A densidade total da RMVale em extensão territorial obtemos um
Região Metropolitana é de 152,90 gráfico com as cidades de Cunha, São José
habitantes/Km2 (todos os dados aqui dos Campos, Natividade da Serra, Paraibuna
demonstrados de densidade demográfica são e Guaratinguetá.

Figura 3 – gráfico comparativo da densidade dos cinco municípios mais extensos da RMVale

Elaborado pela autora a partir de dados obtidos pela EMPLASA


A Figura 3 demonstra os maiores e menores imagem retratada não é equivalente a
valores de densidade demográfica da Região realidade, a existência concreta, da maioria
Metropolitana. A cidade de Guaratinguetá dos municípios. Como demonstrado pelos
possui uma densidade próxima ao valor geral indicadores, mais de 60% dos municípios da
da RMVale e a cidade de São José dos RMVale possuem baixa densidade
Campos tem um índice maior que quatro demográfica, baixo PIB e pouca área
vezes o valor geral da região. Os municípios urbanizada. Tais indicadores se tornam um
de Cunha, Natividade da Serra e Paraibuna desafio para a gestão interfederativa de forma
possuem uma densidade menor que um cooperativa, já que no processo de gestão
quarto do valor geral da região. Esse gráfico é esses municípios, considerados de menor
significativo, já que nele também 60% dos significação, perdem o poder de força e
municípios possuem uma densidade tomada de decisão. Desta forma, entes
demográfica muito inferior a 152,90 federados de mesmo nível de governança se
habitantes/Km2, da mesma forma como apropriam dos instrumentos de gestão de
acontece na RM. formas desiguais. Não se está excluindo
dessa discussão os impactos que a lógica
Desta forma, quando se afirma nos amplos
político-partidária brasileira também atua no
meios de comunicação que a Região
processo de gestão e tomada de decisão
Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral
estatal, mas o foco dessa discussão é para
Norte é uma região urbana, economicamente
além. Está voltado para o desafio posto para
dinâmica, possuindo um parque industrial e
o modelo dado para a governança
destacando-se no setor automobilístico,
interfederativa das Regiões Metropolitanas
aeroespacial, entre outras, como afirma o site
brasileiras.
www.cidadespaulistas.com.br, nota-se que a
Geografia Urbana - Volume 1
125

diferenças de interesses, de significação e


socioeconômicas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se demonstrar o caso específico da
Atualmente o Estado brasileiro está envolto
Região Metropolitana do Vale do Paraíba e
pelo sistema capitalista e mais
Litoral Norte ficaram nítidas essas diferenças.
especificamente pelo momento neoliberal
Para tanto, foram demonstrados dados e
deste sistema, o que institui uma demanda
mapas dessa região, com indicadores de PIB,
constante pela diminuição da ação do Estado
área urbanizada e densidade demográfica;
e a manutenção da lógica do livre mercado.
visando demonstrar quantitativamente estas
Esta conjuntura se reflete nas regiões
disparidades entre os entes federados que
metropolitanas que representam uma das
compõem uma mesma Região Metropolitana.
esferas de planejamento e gestão sobre o
território. Os instrumentos de planejamento e gestão
dados pelas legislações traçam um caminho
O território, por sua vez, é compreendido
no qual estes entes federados, tão distintos
como produto e meio das relações sociais
entre si em vários aspectos, sejam tratados
dadas neste espaço. Assim, as regiões
como iguais. Dando o mesmo ferramental
metropolitanas são fruto e arena das relações
para realidades e intenções de ações
entre os diferentes atores e interesses
distintas. Este fato acaba por reafirmar e
existentes nesse contexto. Somado a este
atenuar estas diferenças. Considera-se que a
conceito tem-se as diferentes significações
cooperação entre os pares, possibilitando
entre os espaços, dadas pela seletividade na
instrumentos de gestão cooperativos dos
apropriação de bens e serviços produzidos
entes federados análogos seja um caminho
coletivamente. Desta forma, os entes
para uma efetiva governança interfederativa.
federados que compõem uma RM podem se
apropriar dos instrumentos de gestão de
formas desiguais, já que estes possuem
REFRÊNCIAS caso brasileiro.

[1] Brenner, Neil. A globalização como [4] Lefebvre, Henri. A produção do espaço. 4
reterritorialização: o reescalonamento da ed. Tradução: Doralice Barros Pereira e Sérgio
governança urbana na União Européia. Cadernos Martins. Paris: Éditions Anthropos, 2006.
Metrópoles, São Paulo, v.12, n. 24, p. 535-564,
[5] Santos, Milton. Por uma economia política
jul/dez 2010.
da cidade. São Paulo: Hucitec, 1994.
[2] Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do
[6] Souza, Jessé. (Não) Reconhecimento e
Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
subcidadania, ou o que é "ser gente"? Lua Nova, n.
1995.
59, p. 51-74, 2003.
[3] Klink, Jeroen Johannes. Novas
[7] Steinberger, Marília (org.). Território,
governanças para as áreas metropolitanas. O
Estado e Políticas Públicas Espaciais. Brasília :
panorama internacional e as perspectivas para o
Libri Editorial, 2013

Geografia Urbana - Volume 1


126

Capítulo 11

André Luiz Bezerra da Silva

Resumo:A mobilidade, que durante muito tempo foi tratada por um viés numérico-
quantitativo, passa, nos últimos anos, a ser um tema de investigação privilegiado
também no campo das chamadas ciências sociais. Amplia-se assim as
possibilidades de aplicação desse conceito no seio de políticas urbanas atuais, a
partir do estreitamento de relações com conceitos como responsabilidade social,
equidade e coesão urbana. No Rio de Janeiro, as recentes políticas de mobilidade
e transporte público, apesar de apresentarem-se ainda como não fazendo parte de
um planejamento mais amplo e sistêmico, podem revelar boas oportunidades para
a realização de projetos e ações voltados para as áreas menos privilegiadas da
cidade, amenizando um quadro histórico de desigualdade sócio-espacial,
atribuindo um outro e mais amplo papel para os sistemas de transportes públicos.

Palavras-chave: mobilidade, equidade, coesão.

*Artigo apresentado no XV Simpósio Nacional de Geografia Urbana (2017) e na Revista Chão Urbano

Geografia Urbana - Volume 1


127

1. INTRODUÇÃO extensão, das políticas de transporte público,


com a inclusão agora de conceitos como
Este artigo é parte de uma pesquisa realizada
responsabilidade social, equidade e coesão
junto ao Laboratório Redes Urbanas do
urbana, prática esta presente em vários
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
países nas duas últimas décadas. Num
e Regional da Universidade Federal do Rio de
segundo momento tenta-se estabelecer uma
Janeiro (IPPUR-UFRJ) e ao Centro de Estudos
reflexão sobre os limites e possibilidades das
de Geografia e Ordenamento do Território da
recentes políticas de mobilidade e transporte
Universidade do Porto (CEGOT-UPORTO).
no Rio de Janeiro, destacando a implantação
O objetivo principal é refletir acerca das dos Sistemas de Ônibus Articulados. O
recentes políticas de transportes públicos no terceiro momento reserva-se à uma reflexão
Rio de Janeiro, e como estas poderiam sobre possíveis ações e encaminhamentos
contribuir, a partir de um aproveitamento para os setores público e privado, no que
sistemático e planejado do entorno dos tange às políticas de transporte no Rio de
equipamentos de interface53, para o Janeiro, e a importância que essa visão
desenvolvimento de ações afirmativas54 em renovada da mobilidade e dos transportes
algumas áreas urbanas da cidade, ajudando pode ter para uma diminuição da
na construção de um quadro de melhor desigualdade sócio-espacial na cidade.
equidade social e coesão urbana.
O procedimento metodológico da pesquisa
A discussão é feita com base nas ideias e envolve a combinação de revisão conceitual
concepções a partir das quais a mobilidade e da literatura sobre o tema, com estudos de
as políticas de desenvolvimento orientado campo e levantamento e análise de dados
pelo transporte vêm sendo compreendidas a secundários, junto à órgãos, institutos e
partir sobretudo do final do século XX, empresas ligados à temática de estudo.
revelando o que se considera como uma
Ressalta-se que este artigo, assim como a
essência multidisciplinar desses conceitos. A
própria pesquisa, não ambicionam discutir a
mobilidade, que durante muito tempo foi
criação de um método ou modelo acabado
tratada por um viés numérico-quantitativo,
para aplicação em planejamento urbano e
passa, nos últimos anos, a ser um tema de
políticas de transportes públicos, buscando
investigação privilegiado também no campo
mais conduzir uma reflexão sobre
das chamadas ciências sociais, ampliando
possibilidades de atuação dos transportes
assim as possibilidades de aplicação desse
públicos na realização de algumas ações
conceito no seio de políticas urbanas atuais.
afirmativas de caráter mais amplo na cidade,
A partir de novas interpretações dadas pelas
a partir de uma compreensão contemporânea
ciências sociais, a ideia de mobilidade é
do conceito de mobilidade.
significativamente ampliada, estreitando sua
relação com conceitos como
responsabilidade social, equidade e coesão.
2. O CONCEITO DE MOBILIDADE NO LIMIAR
Sob esta perspectiva, o artigo foi dividido em DO SÉCULO XXI: NOVAS ABRANGÊNCIAS E
três momentos. Um primeiro momento POSSIBILIDADES
consiste numa discussão teórico-conceitual,
A discussão acerca da ideia de mobilidade –
abordando as novas formas de pensar e
um termo que pode ter mais de um
trabalhar a ideia de mobilidade, e por
significado, vem quase sempre relacionada
apenas à conceitos como circulação,
53
Equipamentos que proporcionam uma comunicação deslocamento ou trânsito, comumente
física e direta entre os sistemas de transporte e outros tratados pela engenharia de transporte.
sistemas urbanos, cujo entorno, num raio aproximado de Estudos e pesquisas recentes, sobretudo em
1/4 de milha (450 a 500 metros), recebe atenção e
tratamento especial: estações metroferroviárias, terminais
áreas como Sociologia, Geografia, Direito,
rodoviários e terminais multimodais. Arquitetura e Planejamento Urbano, vêm
54
São medidas especiais tomadas e/ou coordenadas alargando o rol de possibilidades para se
pelo poder público, espontânea ou compulsoriamente, discutir essa temática, assegurando e
com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente
acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e
difundindo o que se poderia chamar de um
tratamento, bem como de compensar perdas provocadas verdadeiro caráter multidisciplinar do conceito
pela discriminação e marginalização sócio-espacial, de mobilidade.
decorrentes de motivos diversos. Portanto, visam
combater os efeitos acumulados em virtude das
discriminações e negligências ocorridas no passado.

Geografia Urbana - Volume 1


128

Durante muito tempo os termos mobilidade e recente, e seu surgimento nessas áreas não
acessibilidade55 foram tratados sem nenhuma aconteceu em substituição a nenhum dos
distinção, sendo entendidos como tendo o demais termos já tratados desde longa data,
mesmo significado, o que é considerado um mas vai além destes. Segundo o autor:
grande equívoco atualmente, pois embora
Deve-se ter claro, entretanto, que a noção de
ambos conceitos guardem estreitas relações
mobilidade supera a ideia de deslocamento
e façam parte de um mesmo debate sobre
físico, pois traz para a análise suas causas e
circulação, dizem respeito à objetos
consequências – ou seja, a mobilidade não se
diferentes.
resume a uma ação. Em vez de separar o ato
Neste sentido, Vasconcellos (2001) sinaliza de deslocamento dos diversos
que a ideia de mobilidade se refere sobretudo comportamentos individuais e de grupo –
às pessoas e não aos lugares, sendo presentes tanto no cotidiano quanto no tempo
reconhecida como uma habilidade humana histórico –, o conceito de mobilidade tenta
de movimentar-se em decorrência de integrar a ação de deslocar, quer seja uma
condições físicas, culturais, sociais e ação física, virtual ou simbólica, às condições
econômicas individuais, algo que foi durante e às posições dos indivíduos e da sociedade
muito tempo negligenciado e/ou (BALBIM, op. cit.).
desconsiderado pela engenharia de
Reconhecendo-se o fato de que a mobilidade
transportes, cujas ações e projetos
esteja ligada à fatores como motivação
fundamentavam-se basicamente em
pessoal, limitação financeira, imposições
instrumentos matemáticos e estatísticos, por
físicas, desejos, dentre outros, acredita-se
sinais de grande e fundamental importância,
também que esses fatores estão
mas de pouca flexibilidade.
estreitamente ligados às diversas
Kleiman (2011) defende que o conceito de possibilidades que a sociedade apresenta,
mobilidade é mais amplo e complexo que o assim como também em razão dos lugares
ato de deslocar-se no espaço físico, sendo onde tais possibilidades estão ou não
antes de tudo uma condição de participação presentes. Isso amplia, dentro da discussão
no mundo urbano e na vida social, uma sobre mobilidade, a importância de fatores
capacidade de interagir em diferentes como a organização do espaço, as condições
âmbitos sociais, mas que para efetivar-se sócio-econômicas, culturais, políticas, o
precisa de um conjunto de fatores, como contexto simbólico, as características de
entre outros o nível de renda, a existência de acessibilidade e o desenvolvimento científico
modais de transporte coletivos e particulares e tecnológico (BALBIM, op. cit.).
e sua acessibilidade segundo o nível de
Tem-se assim que pensar em mobilidade, no
renda, de modo que podem existir
campo exclusivo das ciências sociais, seja,
deslocamentos sem mobilidade. Para o autor,
antes de tudo, pensar para além da
a mobilidade pode ser atribuída como um
otimização dos movimentos em si, buscando
recurso social importante e integrante da
o reconhecimento mesmo de uma condição
sociedade, isto é, diretamente relacionado ao
humana, um direito, uma forma de inserção
deslocamento de pessoas entre as diferentes
social, uma ação e uma condição das
hierarquias sócio-espaciais. Acredita-se hoje
pessoas e dos lugares, que facilite e permita
que os fatores principais que vão interferir na
uma melhor participação no mundo do
mobilidade são a renda, ocupação laboral,
trabalho, na vida social e cultural, no debate
gênero, idade e o tipo de modal de transporte
político, na busca do conhecimento, na
disponível, diferenciando, assim, as
descoberta do possível, no pensar sobre a
condições de mobilidade de cada grupo
cidade e sua condição nela, na capacidade
social ou pessoa (KLEIMAN, op cit.).
de conhecer e transitar por diferentes
Balbim (2016) nos diz que o uso do termo concepções sociais e culturais.
mobilidade nas ciências em geral é algo
A partir desse entendimento, a mobilidade
vem ganhando espaço como elemento de
55
Capacidade que um lugar tem de ser alcançado a grande importância para as políticas públicas
partir de outros lugares com diferentes localizações urbanas. Ela mesma, a mobilidade, torna-se
geográficas e configurações sociais. Em outras palavras, um elemento catalisador de diversas e
a acessibilidade seria a qualidade de deslocar-se de um
ponto ou de uma área sem ou com redução de barreiras
variadas ações e projetos. Relativiza um
na comunicação dos componentes de um sistema pouco a importância de objetos fixos e
espacial (CASTIELLO; SCIPPACEROLA, 1998, apud estanques, valorizando os movimentos
KLEIMAN, 2011).

Geografia Urbana - Volume 1


129

enquanto produtores de interações de toda 3. RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS


ordem e subjetividade. Não menos importante POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO
é a possibilidade que tem de se pensar ORIENTADO PELO TRANSPORTE:
maneiras de amenizar esquemas de EQUIDADE E COESÃO COMO FOCO
segregação socioespacial. Tal concepção da CENTRAL DAS AÇÕES
mobilidade, pode permitir a adaptação de
As primeiras manifestações sobre o tema da
políticas públicas à diversas necessidades e
responsabilidade social surgiram no início do
contextos, aproveitando-se estruturas
século XX, mas essas propostas iniciais não
territoriais existentes ou a serem instaladas.
receberam apoio, pois foram consideradas de
Para Balbim (op. cit.) caracteriza-se assim um cunho socialista, sendo só a partir da década
momento no qual passamos de uma de 1950, nos Estados Unidos, que o tema
mobilidade fordiana, na qual a maior parcela recebeu atenção e ganhou espaço. Na
dos deslocamentos acontecia em frações de década de 1970 começaram a surgir
tempo claramente definidas na jornada de associações de profissionais interessados em
trabalho, para um modelo mais flexível, no estudar o tema, e somente a partir daí a
qual diversos deslocamentos seguem ritmos, responsabilidade social deixou de ser uma
objetivos, desejos, sonhos, horários e modos simples curiosidade e se transformou em um
específicos. Segundo o autor, ampliam-se novo campo de estudo, ligado
assim as trilhas espaço-temporais onde exclusivamente ao setor empresarial. No
vamos escrevendo os roteiros ao longo de Brasil, embora o tema seja debatido desde a
nossas vidas, os “caminhos empregados”, de década de 1960, não chegou a fazer parte da
objetos e ações associados, dos lugares agenda empresarial, vindo ganhar maior
vividos, efetuando-se diferentes aptidões destaque somente a partir da segunda
individuais para a mobilidade, característica metade da década de 1990, por meio de
do ser humano, sobretudo em nossa publicações, experiências, programas e
contemporaneidade. eventos para os interessados no tema.
Corroborando esse raciocínio, Barbosa (2016) Alguns estudos revelam que não há um
diz que o debate crítico e propositivo sobre a consenso sobre o conceito de
mobilidade nas condições atuais de nossas responsabilidade social, e que, por
cidades não deve ser posto exclusivamente conseguinte, ele pode ser considerado em
no âmbito do econômico e do técnico, construção. Numa concepção mais geral, a
embora esses fatores sejam relevantes no responsabilidade social é compreendida
cenário urbano contemporâneo. Segundo diz como uma atitude e prática das empresas,
o autor, se faz necessário incorporar a que, de forma voluntária, adotam posturas,
dimensão política ao debate sobre a comportamentos e ações que promovam o
mobilidade. bem-estar dos seus públicos interno e
externo. Para Ashley (2003), responsabilidade
Isso faz com que a mobilidade esteja ligada
social é toda e qualquer ação que possa
ao próprio processo de reprodução do
contribuir para a melhoria da qualidade de
território e suas relações, com todas as suas
vida, envolvendo muitas vezes medidas que
possibilidades e limites. Diante de situações
trazem cultura e boas condições para a
de grande desigualdade e inequidade
sociedade, sem ser, contudo, considerado
urbanas vividas, sobretudo no Brasil, a
como algo filantrópico ou assistencialista.
discussão atual sobre mobilidade não pode
Com o passar do tempo, tal concepção
ser abordada, no que tange principalmente
originou algumas variantes ou nuances, como
aos seus objetivos, sem uma correlação direta
Responsabilidade Social Corporativa,
com os conceitos de responsabilidade social,
Responsabilidade Social Empresarial e
equidade e coesão, com implicações diretas
Responsabilidade Social Ambiental.
nas políticas de desenvolvimento orientado
pelo transporte. Para Ashley (op. cit.), o mundo empresarial vê
na responsabilidade social uma nova
estratégia para aumentar seu lucro, melhorar
sua imagem e visibilidade, potencializar seu
desenvolvimento e gerar vantagem
competitiva nos negócios. Essa tendência,
segundo o autor, decorre da maior
conscientização do consumidor e
consequente procura por produtos, ideias e

Geografia Urbana - Volume 1


130

práticas que gerem melhoria para o meio esse conceito acaba gerando diversas
ambiente e a comunidade, valorizando interpretações e adaptações sobre o mesmo.
aspectos éticos.
A definição apresentada por Calthorpe (1993)
No contexto contemporâneo, marcado por é comumente considerada como a mais
uma economia globalizada e aberta, pelo aceite dentre os estudiosos do tema. Para o
menos até certo ponto, e em certos lugares, autor, o DOT é uma área mista de elevada
seguido sobretudo a partir da década de densidade residencial, comercial e de
1990, emerge um certo ativismo social, onde serviços, cujo núcleo, verticalmente integrado
palavras como cidadania e cooperação e no qual existe um equipamento de
denunciavam um apelo por outras formas de interface, é facilmente acessível a partir das
organização e ações e projetos urbanos. O áreas urbanas próximas (NELSON, 2001,
conceito de responsabilidade social torna-se apud FERNANDES, op. cit).
assim mais amadurecido e abrangente,
Para o Transit Cooperative Research Program
passando a incorporar também, de forma
(TCRP) o DOT consiste em parcerias para
mais efetiva, o campo das políticas públicas,
projetos específicos entre a iniciativa privada
exigindo do próprio poder público uma
e a pública, com um padrão de ocupação
postura diferenciada em relação à sociedade,
denso e diversificado em termos do uso do
onde o ganho exclusivamente pautado no
solo, pontual e impulsionado pela valorização
econômico cede lugar a uma dimensão mais
imobiliária em uma dada localidade,
sistêmica que inclui uma incorporação do
comumente relacionado aos nós da
social e do ambiental. Isso, de certa forma,
infraestrutura de transporte público, que
leva à produção de discursos que valorizam
pode, em alguns casos, se traduzir em mais
as práticas responsáveis, o capital social e a
desenvolvimento para algumas áreas (TCRP,
validação pública.
2002, apud NETO, 2011). Jacobson e Forsyth
Ainda que dirigida por uma ótica capitalista, (2008, apud NETO, op. cit.) definem o DOT
reconhece-se aqui que essa visão mais como uma estratégia para integração dos
expandida da ideia de responsabilidade investimentos em transporte público e boas
social, alcançando o campo da esfera práticas de uso do solo, no sentido de se criar
pública, permite um olhar diferenciado sobre ambientes urbanos acessíveis e
algumas políticas urbanas, influenciando num diversificados em termos de formas e uso,
repensar de projetos e ações, como as tanto em áreas centrais como em
políticas de Desenvolvimento Orientado pelo parcelamentos periféricos. Neto (op. cit.)
Transporte (DOT), que passam a serem assevera que o DOT consiste basicamente
entendidas e compreendidas nas em estratégias de planejamento e de ações
proximidades de sua totalidade, a partir de relativas ao desenho urbano e de
um caráter mais interrelacional e uma ótica planejamento de transportes tratadas de
mais ampla, capazes, assim, de participarem forma integrada, realizadas por meio de
mais ativamente na busca de um equilíbrio na políticas ou de instrumentos urbanísticos.
relação de forças entre as áreas econômica e
Os estudos de Fernandes (2011) ressaltam
social.
que o DOT pode ser promotor de diversas
Embora os princípios que norteiem as vantagens, como: mobilidade, estilo de vida,
políticas de DOT sejam bem mais antigos56, é econômica/ambiental e dinâmicas urbanas.
sobretudo a partir da década de 1990 que se Também são apontadas algumas limitações
constitui uma literatura voltada nos projetos, como: desenho inapropriado de
exclusivamente para essa temática. algumas redes, preocupações e temores das
Fernandes (2011) afirma que com base na comunidades locais, desinteresse dos
literatura disponível, a definição do DOT ainda investidores e dificuldades na obtenção de
não se apresenta consensual, assumindo financiamentos. Lembra o autor que essas
vários contornos dentre os autores que tratam vantagens e limitações não podem ser
do assunto. Para o autor, o fato de não existir consideradas isoladamente, tampouco se
uma definição claramente elucidativa sobre resumirem apenas à esses aspectos. A
relação entre essas vantagens e limitações
56
Alguns autores referem a sua origem associada ao pode ser resumida, sob o ponto de vista
desenvolvimento de bairros de Nova Iorque ao longo das econômico, na relação custo-benefício, sendo
linhas de caminho de ferro elevadas, outros recuam mais o sucesso ou insucesso do DOT comumente
no tempo e admitem a gênese do DOT na localidade de medido pela maior ou menor preponderância
Ur associado ao transporte fluvial (CARLTON, 2009, apud
FERNANDES, 2011). dos benefícios obtidos com sua implantação,

Geografia Urbana - Volume 1


131

relativamente aos custos associados ao Segundo Santinha (2014), a ideia de coesão


processo visa um aproveitamento da diversidade dos
territórios, ou seja, considera as
Não obstante essas afirmações, acredita-se,
potencialidades e as fragilidades territoriais, o
fazendo coro às colocações de Fernandes
que consequentemente se traduz na análise
(op. cit.), que o sucesso e importância do
das capacidades (bens, equipamentos,
DOT não podem ser avaliados apenas
infraestruturas, recursos) existentes para
pelo viés custo-benefício, ainda que
formular políticas territorialmente
reconhecendo a importância deste aspecto,
diversificadas. Segundo o autor, importantes
mas também a partir de outras dimensões e
ideias ganham destaque, como: ultrapassar
questões, capazes de ampliar a globalidade
as diferenças de densidade, evitando
dos efeitos produzidos.
concentrações excessivas de crescimento e
Neste sentido é que defende-se aqui a facilitando o acesso aos benefícios
necessidade de uma integração mais proporcionados pelas aglomerações
profunda entre as políticas de DOT e os existentes em todos os territórios; melhorar o
princípios de equidade social e coesão acesso, através de uma melhor
territorial, criando-se assim oportunidades de conectividade, aos serviços de interesse
se atribuir ao transporte público coletivo uma geral, de forma social e espacialmente
atuação mais plena no território, superando as equitativa; eliminar divisões, na medida em
abordagens voltadas majoritariamente para a que os problemas de conectividade e de
ofertas de mais infraestruturas. concentração só podem ser eficazmente
resolvidos com a estreita cooperação entre
Eqüidade social é entendida como um
todos os níveis de intervenientes.
princípio pelo qual o poder público deve
prover acesso justo e igual para a superação Segundo Santinha (op. cit.), esta ideia de
das necessidades sociais básicas (DAVEY e articular, integrar e territorializar as políticas
DEVAS, 1996), como acesso ao emprego, públicas, incorporando a dimensão territorial
cultura, lazer, saúde e condições de vida nas políticas setoriais, articulando estas com
razoáveis, indiferente de renda ou as políticas de base territorial57, contribui para
localização, evitando assim dar preferências uma maior sinergia entre diferentes políticas e
para grupos sociais específicos, a partir de para a maximização dos seus impactos
circunstâncias tais como diferenças de territoriais, amenizando o fato de as decisões
localização territorial, etnia, religião, status e políticas serem tomadas essencialmente de
poder etc. Harvey (1973) considera que um ponto de vista setorial e de forma
eqüidade resulta de interações entre desarticulada com as políticas territoriais.
processos sociais e forma espacial. Ressalta o autor, contudo, que este propósito
Conseqüentemente, desigualdades existem só é viável a partir de uma articulação mais
nas condições de vida porque existem eficiente entre diferentes níveis de
desigualdades espaciais ou territoriais atores/entidades/administração, decisiva para
(MASSEY, 1984). A equidade deve ser a formulação de políticas e construção de
compreendida assim como um conceito estratégias coletivas territoriais
primário na distribuição de benefícios de
Trazendo essas ideias de equidade e coesão
urbanização para todos membros de uma
para o interior das políticas de transportes
sociedade, um conceito antes de tudo
públicos, a nossa percepção do transporte
político, indispensável em políticas urbanas
ultrapassa o entendimento que o vê somente
que almejem cidades melhores para se viver.
como uma questão técnica de engenharia,
Como um desdobramento possível a partir do evoluindo para uma questão e discussão
princípio de equidade, e visando mesmo uma social, econômica, cultural e política, como
integração e melhor realização desta, a noção parte de uma problemática urbana mais
de coesão territorial pauta-se na importância ampla, podendo inclusive ser pensado como
do território no seio das políticas, com o intuito elemento capaz de minimizar esquemas de
generalizado de alcançar o desenvolvimento desigualdade sócio-espacial na cidade,
territorial mais equilibrado, ou seja, um
desenvolvimento social e econômico mais 57
Políticas que procuram abranger toda a
equitativo, valorizando a sua diversidade e diversidade e potencialidades do território,
complementaridades, possibilitando à priorizando ações e projetos multissetoriais,
população aproveitar melhor as objetivando um melhor e mais efetivo
características existentes em cada território. aproveitamento dos recursos, equipamentos e
possibilidades existentes no território.

Geografia Urbana - Volume 1


132

contribuindo para um melhor quadro de deslocamento físico, ainda que reconhecendo


equidade e coesão urbana. a importância deste, buscando também
formas de (re)criar novas relações cotidianas
Nos últimos vinte anos inúmeras são as
entre pessoas e lugares, com uma melhor
experiências e projetos pelo mundo e pelo
distribuição de serviços, equipamentos e
Brasil que vêm buscando orientar políticas de
atividades pela cidade.
transportes públicos com base nos princípios
de equidade e coesão urbana, a partir de um Embora alguns processos recentes já
aproveitamento sistemático dos sinalizem possíveis mudanças de
equipamentos de interface, sem pensamento, verifica-se que ainda não há um
desconsiderar, contudo, aspectos aproveitamento e um uso planejado do
fundamentais de engenharia e operação entorno dos equipamentos de interface do
técnica. Ações e projetos exitosos podem ser sistema de transporte público coletivo,
encontrados em cidades como Madrid, Porto, deixando transparecer um certo "atraso" em
Berlim, Toronto, Cleveland, Curitiba, São relação à outras metrópoles nacionais e
Paulo e Brasília. Apesar de realidades sociais internacionais, ainda que em algumas dessas
distintas, essas cidades têm em comum o também inexista legislação específica para o
fato de virem desenvolvendo nessas duas aproveitamento do espaço envolvente desses
primeiras décadas do século XXI projetos de equipamentos, mas, contando-se, em alguns
transportes públicos cujo objetivo principal casos, com o incentivo à participação e
não é só o deslocamento físico em si, mas a envolvimento de vários atores urbanos,
possibilidade de produzirem espaços relativizando assim a predominância do
urbanos mais equânimes no tocante ao interesse unicamente do capital privado.
acesso à serviços, equipamentos, atividades,
O BRT TransCarioca (fig. nº 1), em
moradias, conhecimento, cultura, lazer etc.
funcionamento desde 2014, é o primeiro
No Rio de Janeiro essa tendência ainda corredor de transporte público que conecta
parece um pouco ausente, embora seus transversalmente a cidade. O corredor cruza
recentes projetos de transporte público, como áreas densas e bem consolidadas, com um
a implantação dos Sistemas de BRT58, déficit histórico não apenas de transporte
sobretudo a Transcarioca e a TransBrasil, público de qualidade, mas também de
apontem algumas possibilidades de uma equipamentos e serviços urbanos. Atende 27
relação mais estreita com a ideia de bairros das zonas norte e oeste do município,
responsabilidade social e os princípios de ligando o Terminal da Alvorada (Barra da
equidade e coesão urbana, revelando assim Tijuca) ao Aeroporto Internacional Tom Jobim
uma oportunidade histórica de se equipar (Ilha do Governador). Ele conta com 47
com atividades e serviços áreas menos estações e 39 km de vias segregadas,
privilegiadas da cidade, com novas integrando-se aos sistemas de trens
oportunidades para se produzir um espaço metropolitanos e metrô, essenciais para o
urbano menos desigual. acesso à região central da cidade e a outras
localidades dentro da Região Metropolitana, e
ao BRT TransOeste, que realiza a conexão
4. LIMITES E POSSIBILIDADES NA ATUAL com o extremo oeste do município. Pela sua
POLÍTICA DE TRANSPORTE PÚBLICO NO dimensão e abrangência, esse corredor,
RIO DE JANEIRO segundo o Instituto de Políticas de Transporte
e Desenvolvimento (ITDP- Brasil) (2016), deve
Nos últimos anos as discussões sobre as
ser visto não somente como uma solução
políticas de mobilidade e transporte público
isolada de circulação para as áreas que
no Rio de Janeiro vêm ultrapassando cada
atende, mas principalmente como um eixo
vez mais a ideia de que estas devam estar
indutor de desenvolvimento urbano capaz de
centrada apenas na otimização do
contribuir para a consolidação de uma cidade
mais justa e harmônica em termos sócio-
58
A sigla vem do inglês Bus Rapid Transit (Trânsito espaciais.
Rápido por Ônibus). Na prática, representa um transporte
articulado de média capacidade que trafega em corredor
exclusivo e, por isso, é uma alternativa mais rápida de
viagem para os passageiros. Este modelo de circulação
existe em cerca de 140 países, e no Rio de Janeiro é
administrado por um grupo de empresas privadas de
transporte e passageiros, reunidas em consórcio.

Geografia Urbana - Volume 1


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Figura nº 1 - Sistema de BRT TransCarioca

Fonte: ITDP - Brasil, 2016 (com marcações do autor).

Além do apelo do ITDP, vários outros órgãos conectado à Transcarioca (fig. nº 2), vem
e pesquisadores isolados, vêm discutindo e revelando, através de estudos e
mostrando a necessidade de que as áreas do levantamentos de campo, um enorme
entorno dos equipamentos de interface desse potencial de redefinição do eixo rodoviário
corredor de BRT recebam um plano especial sobre o qual se instalará, a Avenida Brasil,
de desenvolvimento orientado ao transporte, com 58 km de extensão e marcada hoje por
estimulando a criação de bairros de uso misto imensas áreas urbanas degradas ou
(residencial e comercial). Cada vez mais subutilizadas. O Sistema de BRT da
alerta-se ao fato de que esse projeto de Transbrasil vem como uma oportunidade
transporte tem de estar integrado a um histórica para a reestruturação de imensas
planejamento urbano mais amplo, que áreas urbanas, sobretudo próximo aos seus
distribua melhor as oportunidades da cidade equipamentos de interface, fazendo com que
e que diminua as necessidades de deixem de ser espaços somente de
deslocamento, sob risco de se perder uma passagem, e se tornem espaços de trabalho,
valiosa oportunidade de desenvolvimento vivência, educação, inovação tecnológica,
urbano para a cidade. cultura e lazer.
Outro importante sistema de BRT que vem
sendo implantado na cidade, a TransBrasil,

Geografia Urbana - Volume 1


134

Figura nº 2 - Sistema de BRT da TransBrasil (conectado à Transcarioca)

Fonte: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro - 2016 (com marcações do autor).

Através de um plano específico e uma na cidade do Rio de Janeiro, futuro este que
intervenção controlada no entorno dos para ser melhor não pode prescindir da ideia
principais equipamentos de interface da de mobilidade em um novo paradigma,
TransBrasil, pensa-se, através das abordando a relação dos deslocamentos
características físicas, sociais, culturais e das pessoas com o planejamento das
econômicas existentes em cada área, que cidades para um desenvolvimento mais
estes sejam capazes de oferecer condições harmônico e justo, de modo a propiciar o
para uma melhor interatividade de projetos, acesso universal da população às
ações e atores, interligando e aproximando oportunidades oferecidas pela cidade.
pessoas, serviços e equipamentos nessas
Com a implantação dos Sistemas de BRT
áreas, abrindo possibilidades de amenização
Transcarioca e TransBrasil, seguidos de uma
de um quadro de fraca equidade e coesão
necessária otimização de seus aspectos
urbana
operacionais59, cria-se, acredita-se, novas
Conquanto não seja o único caminho possível possibilidades de relações dos transportes
para auxiliar no desenvolvimento de um públicos com a cidade, relações que não
pretenso quadro de melhor equidade e apenas de trabalho, consumo ou
coesão urbana, dependendo inclusive de lucratividade, mas também de incentivar
outras ações para sua eficácia, como misturas, expectativas, sonhos, desejos,
segurança e renda, por exemplo, vale a pena esperanças, diminuindo esquemas de
considerar, e as experiências em outros segregação e disparidades sócio-espaciais.
contextos urbanos confirmam, as ações e Esta característica nunca esteve presente nas
projetos no entorno dos equipamentos de políticas de transporte público no Rio de
interface do sistema de transportes coletivos, Janeiro, marcadas comumente por suas
como uma alternativa visando a valorização e funções econômicas e objetivos de lucro,
dinamização de muitas áreas da cidade, impedindo um papel dos transportes coletivos
sendo um instrumento fundamental e de enquanto instrumento produtor de espaços
imenso potencial, merecedor de tratamento e
atenção especial.
59
Integração físico-tarifária com outros sistemas de
Muito além de uma reordenação de formas e transporte, intervalo entre os veículos, segurança,
deslocamentos, está em jogo neste momento conforto e informação junto aos equipamentos do
um futuro de novas e melhores oportunidades sistema de transporte.

Geografia Urbana - Volume 1


135

equânimes, dotados de boa urbanidade e não políticas e os projetos para essas áreas
tão desiguais. Há uma importante lacuna a precisam ser caracterizados por objetivos
ser preenchida quanto ao papel dos definidos a priori, marcados por uma
transportes coletivos e seus equipamentos de transparência do início ao fim e por um
interface no Rio de Janeiro, que inclui não acompanhamento permanente, a fim de não
apenas a otimização e eficiência dos se desvirtuarem seus objetivos e propostas
deslocamentos, mas principalmente a centrais. Acredita-se, com isto, que o poder
vinculação desses equipamentos à produção público deva ser o principal coordenador
de espaços capazes de propiciarem dessas ações.
mudanças futuras e novas oportunidades na
A importância da coordenação central do
vida de muitas pessoas, e nesse aspecto os
poder púbico reside no fato de que as
sistemas de BRT precisam ser repensados
políticas e ações devem manter como foco
em seus efeitos sobre a cidade.
principal a contribuição que podem oferecer
na construção de um quadro de melhor
equidade e coesão urbana, ainda que para
5. POSSÍVEIS AÇÕES PARA OS PODERES
isto dependam também de outros fatores,
PÚBLICO E PRIVADO
procurando evitar a predominância de
Na questão que aqui vem sendo pensada, as objetivos estreitos e limitados. Essa atuação
ações e projetos no entorno dos central do poder público não impede que
equipamentos de interface do sistema de relações sejam estabelecidas envolvendo
transporte coletivo no Rio de Janeiro, o que poder público e privado, diferentes setores
está em jogo é principalmente a possibilidade privados entre si e também diferenciados
de se criar condições para que grupos menos setores e níveis do poder público (local,
favorecidos possam ter novas oportunidades municipal, regional e nacional).
e viver melhor, numa cidade menos desigual. Desenvolvendo e coordenando programas
Isto implica uma redefinição das políticas que impulsionem a renovação e a
públicas60 e das prioridades de investimentos, multifuncionalidade de áreas no entorno dos
em função da realidade local e da equipamentos de interface, com projetos de
manifestação da população, o que confere requalificação que permitam melhorar a
uma certa legitimidade necessária para qualidade do ambiente urbano e a integração
inverter a ordem da destinação dos recursos, de distintos espaços da cidade, tem o poder
das obras e serviços públicos para atender os público uma boa oportunidade de promover e
reais interesses da população. Por isso, articular a integração de diferentes políticas
acredita-se que paralelamente às novas setoriais, voltadas para áreas já ocupadas e
relações de gestão urbana, marcadas por mais desfavorecidas, principalmente aquelas
uma forte intervenção do setor privado, o já providas de infra-estrutura de transporte
papel do poder público deve ser coletivo rodo-metro-ferroviário.
permanentemente reinventado, e não
Para isto, torna-se importante e fundamental
diminuído ou secundarizado, a fim de poder
que as áreas no entorno61 de alguns
agir criando as oportunidades para reduzir
equipamentos de interface tornem-se Áreas
tensões e desigualdades nos espaços
de Intervenção Especial e Controlada (AEIC),
partilhados das relações urbanas.
passíveis de aplicação, por parte do Estado,
Entendendo o entorno dos equipamentos de de alguns instrumentos de política urbana,
interface como espaços capazes de reunirem instrumentos estes já previstos pelo Estatuto
atividades diversificadas e multifuncionais, as da Cidade62, sobretudo aqueles de cunho
jurídico e político, como: Instituição de zonas
60
Diretrizes, princípios norteadores de ação do poder
público, regras e procedimentos para as relações entre
poder público e sociedade, mediações entre atores da
61
sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas Tendo por base o que comumente é considerado nos
explicitadas, sistematizadas ou formuladas em estudos sobre DOT, sugere-se que esse entorno esteja
documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) delimitado inicialmente por um raio de 600m a partir da
que orientam ações que normalmente envolvem boca dos equipamentos de interface.
62
aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta o
compatibilidade entre as intervenções e declarações de capítulo "Política Urbana" da Constituição Federal,
vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser detalhando e desenvolvendo os artigos 182 e 183. Seu
consideradas também as “não-ações”, ou seja, as objetivo é garantir o direito à cidade como um dos
omissões, como formas de manifestação de políticas, direitos fundamentais da pessoa humana, para que todos
pois representam opções e orientações dos que ocupam tenham acesso às oportunidades que a vida urbana
cargos (TEIXEIRA, 2002). oferece.

Geografia Urbana - Volume 1


136

especiais de interesse social63; Parcelamento, centrar‐se no aproveitamento das


edificação ou utilização compulsórios64; potencialidades dos equipamentos de
Transferência do direito de construir65; transporte público, sobretudo na melhoria da
Outorga onerosa do direito de construir e sua articulação com outras ações e políticas
alteração de uso66; Direito de preempção67; e setoriais. Isto porque acredita-se que quanto
Operações urbanas consorciadas68. mais eficaz for a aplicação dos princípios da
cooperação, da coordenação (entre políticas
Alerta-se para o fato de que a aplicação dos
setoriais) e da subsidiariedade, mais
instrumentos acima sugeridos não busca
facilmente os objetivos de equidade e coesão
defender uma lógica segundo a qual “tudo o
urbana poderão ser alcançados.
que há de melhor na cidade deve ficar junto
dos equipamentos de interface do sistema de É necessário também que o poder público
transporte”, mas sim favorecer um melhor e atente de forma permanente para que os
planejado aproveitamento das oportunidades processos no entorno dos equipamentos de
que esses equipamentos possam oferecer interface não promovam uma expulsão da
para ações e projetos urbanos, visando a população vizinha para outras áreas da
implementação de ações afirmativas, por cidade. Para este fim um caminho possível
meio de políticas de ordenamento territorial seria a promoção de uma maior diversidade
que tenham em vista a correção das de usos, atividades e serviços voltados para o
distorções verificáveis no espaço urbano. desenvolvimento urbano, sócio-cultural e
Esta perspectiva ampara-se na ideia de que o econômico, o que, ainda que não promova
futuro da intervenção nas cidades envolve uma integração social plena, possa
possibilitar um usufruto por um número maior
63
São porções do território destinadas, prioritariamente, à de pessoas.
recuperação urbanística, à regularização fundiária e
produção de Habitações de Interesse Social ou do Outro aspecto fundamental para a ação do
Mercado Popular, incluindo a recuperação de imóveis poder público, mas que também pode ser
degradados, a provisão de equipamentos sociais e executado pelo poder privado, é a promoção
culturais, espaços públicos, serviços, atividades e
comércio (Estatuto da Cidade).
e divulgação - antes, durante e depois-,
64
Poderá o poder público, para área incluída no plano através de um sistema de comunicação social
diretor, determinar o parcelamento, a edificação ou a adequado, das vantagens, desafios e custos
utilização compulsórios do solo urbano não edificado, das ações e projetos, construindo assim um
subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições
e os prazos para implementação da referida obrigação
quadro de transparência, visando um maior
(Estatuto da Cidade). de comprometimento social.
65
Baseado no plano diretor, poderá o poder público
autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou Desta maneira, acredita-se, o sistema de
público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante transporte coletivo assumiria uma posição
escritura pública, o direito de construir previsto no plano mais central no que se pode chamar de uma
diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, reflexão urbana mais ampla, representando
quando o referido imóvel for considerado necessário para
fins de implantação de equipamentos urbanos e mais do que um somatório de equipamentos
comunitários (Estatuto da Cidade). para o deslocamento urbano, mas, pelo
66
O poder público, pelo plano diretor, poderá fixar áreas contrário, como frisou Chamusca (2012),
nas quais o direito de construir poderá ser exercido promovendo a construção de visões de um
acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado,
mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. desenvolvimento urbano que traduza a
O coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área definição e a partilha de objetivos e projetos
edificável e a área do terreno. O plano diretor poderá fixar comuns. Teria-se assim a possibilidade do
coeficiente de aproveitamento básico único para toda a reforço de uma dimensão social nas políticas
zona urbana ou diferenciado para áreas específicas
dentro da zona urbana (Estatuto da Cidade). de transporte coletivo, associando-as, no
67
O direito de preempção confere ao Poder Público caso dos espaços urbanos, aos interesses de
municipal preferência para aquisição de imóvel urbano uma melhor equidade e coesão.
objeto de alienação onerosa entre particulares. Será
exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas Essas ações aqui pensadas, ainda que não
para ordenamento e direcionamento da expansão produzam num curto prazo os efeitos
urbana; implantação de equipamentos urbanos e
comunitários; e criação de espaços públicos de lazer e
desejados (melhores condições de equidade
áreas verdes (Estatuto da Cidade). e coesão urbana), revelam-se importantes,
68
Conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo num primeiro momento, pois podem ajudar a
Poder Público municipal, em áreas delimitadas, com a recriar o sentido e o papel dos transportes
participação dos proprietários, moradores, usuários
permanentes e investidores privados, com o objetivo de
coletivos na cidade, desenvolvendo um
alcançar em uma área transformações urbanísticas espírito de permanente coordenação entre a
estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental política de circulação e transporte e a política
(Estatuto da Cidade).

Geografia Urbana - Volume 1


137

de uso do solo, até que ambas, num segundo agora para se buscar o diferente, o coletivo,
momento, se tornem uma só, se complementar e se redescobrir, e não
institucionalizada e promotora de somente para se separar ou dividir. Essa
comunicação entre os diversos atores busca e complementaçâo viabilizaria novas
urbanos, debatendo a forma como estes experiências, motivando e enriquecendo a
aspectos se articulam com os objetivos reconstrução de ideias e sentidos e criando
urbanos mais amplos. afetos, na construção da cidade mais
equânime, coesa, plural e tolerante.
Há uma importante limitação a ser superada
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
quando se fala de mobilidade e transporte
No contexto recente, que vem sendo marcado público no Rio de Janeiro, superação esta
pela implementação de alguns projetos de que levaria o debate e as propostas para
mobilidade e transporte público no Rio de além da eficiência dos deslocamentos,
Janeiro, coloca-se em perspectiva as áreas vinculando esses conceitos à produção de
da cidade marcadas pela carência de espaços capazes de propiciarem não só o
serviços, espaços públicos e equipamentos consumo e a alocação deste ou daquele
urbanos, cujos grandes projetos de grupo nesta ou naquela parte da cidade, mas
"revitalização", à exceção de algumas ações que possibilitem mudanças e novos rumos à
muito pontuais, tem relegado ao vida de muitas pessoas.
esquecimento.
O modelo que trata a mobilidade e os
Ainda que reconhecendo o fato de que a sistemas de transportes coletivos separado
cidade não seja apropriada por todos em sua das ideias de responsabilidade social,
plenitude, é também reconhecida a equidade e coesão, precisa ser superado,
necessidade e importância de que esses não precisamente por outro modelo, mas por
projetos mais recentes de mobilidade e uma prática constante de tentar identificar
transportes públicos no Rio de Janeiro, como todas as reais possibilidades e questões que
os Sistemas de BRTs, incluam como perpassam as políticas de transporte, em
fundamental a utilização planejada do entorno todos os seus níveis e aspectos.
dos equipamentos de interface, enquanto
Pensar a mobilidade e o transporte coletivo na
uma ação específica e coordenada pelo
contemporaneidade exige antes pensar a
poder público em parceria com o privado e a
cidade que se quer ter, compreendendo seus
sociedade civil, permitindo o desenvolvimento
desafios, necessidades e limites. Não se trata
orientado de atividades e serviços diversos,
apenas de pensar o sistema de circulação e
facultando que muitos possam se apropriar
transporte vinculado a outras ações no
desses espaços e das benesses e vantagens
território, pois isso já se faz desde muito
que possam ali ser implementadas, criando
tempo, mas sim de pensar como essas ações
laços de identificação e convivência entre
podem ajudar na construção de uma cidade
grupos sociais diversos, propiciando assim
mais justa e melhor para viver, com políticas
uma urbanidade mais rica e ampla, sobretudo
concebidas para a concretização de um
em áreas menos favorecidas.
objetivo constitucional universalmente
O transporte coletivo seria assim o grande reconhecido – o da efetiva igualdade de
meio dessa experiência, pois viabilizaria o oportunidades a que todos devem ter direito.
acesso de grandes áreas da cidade a esses Isso abre inúmeras possibilidades de ações e
espaços e desses espaços com toda a coloca a discussão sobre mobilidade e
cidade, diminuindo o forte efeito divisor que transporte num outro e mais elevado patamar
sempre permeou seu papel - deslocar-se-ia da questão urbana.

7. REFERÊNCIAS In: Cidade e movimento: mobilidades e interações


no desenvolvimento urbano. Brasília : Ipea - ITDP,
[1] Ashley, P. A. Ética e responsabilidade 2016. 326 p.
social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2003.
[2] Balbim, Renato. Mobilidade: uma [4] Calthorpe, Peter. The Next American
abordagem sistêmica. In: Cidade e movimento: Metropolis: ecology, communit and the american
mobilidades e interações no desenvolvimento dream. London: Princenton Architecture press,
urbano. Brasília : Ipea - ITDP, 2016. 326 p. 1993.

[3] Barbosa, Jorge Luiz. O significado da [5] Chamusca, Pedro Miguel Magalhães
mobilidade na construção democrática da cidade. Nunes. Governança e regeneração urbana: entre a

Geografia Urbana - Volume 1


138

teoria e algumas práticas. 2012. 378 f. Tese [12] Neto, Vicente Correia Lima.
(Doutorado em Geografia) - Faculdade de Letras Desenvolvimento Orientado ao Transporte: o
da Universidade do Porto, Porto 2012. potencial de aplicação pela Companhia Brasileira
de Trens Urbanos. IPEA, Boletim Regional, Urbano
[6] Davey, K ; Devas, N. Urban Government
e Ambiental, nº 5, junho de 2011.
Finance. In Davey, K (ed.) Urban Management, the
Challenge of Growth. Avebury: Aldershot, 1996. [13] Oliveira, Chirles Virgínia A. de. O Discurso
da Sustentabilidade e da Responsabilidade Social
na Estratégia Corporativa: comunicação em rede,
[7] Fernandes, António Rui Gonçalves. consumo e cidadania. Dissertação de mestrado.
Transit-Oriented Development - um ensaio 155 p. (Mestrado em Comunicação e Práticas de
metodológico para o Porto. Dissertação (Mestrado Consumo). São Paulo: Escola Superior de
em Sistemas de Informação Geográfica e Propaganda e Marketing, 2011.
Ordenamento do Território) - Faculdade de Letras
[14] Santinha, Gonçalo. O princípio de coesão
da Universidade do Porto, Portugal, 2011.
territorial enquanto novo paradigma de
[8] Harvey, David. Social justice and the city. desenvolvimento na formulação de políticas
London: Edward Arnold and The Johns Hopkins públicas: (re)construindo ideias dominantes. In:
University Press, 1973. Revista EURE (Santiago) vol.40, nº 119, Santiago
ene. 2014
[9] Instituto de políticas de transporte e
desenvolvimento (itdp). Papel do brt transcarioca [15] Teixeira, Elenaldo Celso. O Papel das
na redução da desigualdade social e acesso à Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na
cidade do rio de janeiro. Brasil: itdp, 2016. Transformação da Realidade. in: Políticas Públicas
Disponível em http://itdpbrasil.org.br/pesquisabrt/. - O Papel das Políticas Públicas, 2002.
Acessado em 27abr2017.
[16] Vasconcellos, Eduardo Alcântara..
[10] Kleiman, Mauro. Transportes e mobilidade Transporte Urbano, Espaço e Eqüidade: análise
e seu contexto na América Latina. Série Estudos e das políticas públicas. 3ªed. São Paulo:
Debates (IPPUR-UFRJ), n° 61, p. 1-10. 2011. Annablume, 2001.
[11] Massey, D. Spatial Divisions of Labour:
Social Structures and the Geography of Production.
Basingstoke : Macmillan, 1984.

Geografia Urbana - Volume 1


139

Capítulo 12

Anna Paula Scherer Lino


Kauê Avanzi

Resumo: O artigo a seguir pretende esboçar uma reflexão acerca das ocupações
estudantis no Paraná à partir das experiência vividas por professores e estudantes
dos Colégios Estaduais Alfredo Parodi e Rodolpho Zaninelli. Para tal, nos utilizamos
da Teoria da Implicação (BAITZ, 2006, 2013) para chegar ao nível do cotidiano,
buscando compreender o que havia de luta pelo direito à cidade que extravasava
as pautas contra a reforma do Ensino Médio e a PEC do congelamento de gastos
públicos. Foi possível perceber, à partir da mobilização estudantil, o quanto as
precariedades da escola refletiam, no geral, uma miséria vivida nas periferias da
cidade de Curitiba, expressas e refletidas na escola de maneira geral.

Palavras chave: Ocupações estudantis; Vida cotidiana; Teoria da implicação;


Direito á cidade.

Geografia Urbana - Volume 1


140

INTRODUÇÃO: além da reivindicação contra as proposições


do Estado, a obstinação e antagonismo dos
Outubro a Novembro de 2016: um período
estudantes revelam uma busca por melhores
que ficará marcado na história da educação
oportunidades de vida, um descontentamento
brasileira. Em meio a um cenário de
geral com a atual estrutura da educação e da
instabilidade política, ascensão conservadora
sociedade brasileira, principalmente com o
e retrocessos dos direitos da classe
formato tradicional do sistema educacional
trabalhadora no país de maneira geral, a
vigente cujos estudantes estão e são
resistência e luta inicia-se justamente de um
submetidos diariamente. Tais fundamentos
grupo que muitos pensavam que estava
opressivos repetem-se quando o mundo do
“adormecido” e “enfraquecido”: o movimento
trabalho, a cidade, e a vida fora da escola
estudantil secundarista.
reproduzem a segregação espacial existente
No referido ano, os estudantes paranaenses, no espaço escolar.
mobilizados contra a proposição por parte do
Diante disso, nós, enquanto professores de
governo federal de uma reforma nas diretrizes
escolas ocupadas na época, propomos este
do ensino médio e de uma proposta de
trabalho como uma reflexão inicial
emenda constitucional (PEC) que congela em
apresentando alguns apontamentos
20 anos investimentos em saúde e educação,
elaborados à partir das experiências vividas
ocuparam 836 escolas, 13 universidades e 3
no próprio processo de convivência e
núcleos de educação do estado do Paraná,
construção das ocupações escolares nos
iniciando um movimento que, em pouco
Colégios Estaduais Alfredo Parodi e Rodolpho
tempo, se expandiu por todo o Brasil. Não
Zaninelli, ambos ocupados em 2016 e
houve anteriormente, na história da educação
localizados em regiões socialmente
pública do Brasil, uma organização e
periféricas na cidade de Curitiba (mapa 1),
mobilização tão grande quanto a que ocorreu
buscando refletir questões que depois de
durante estes dias.
alguns meses ainda nos atormentam. O que
As mobilizações iniciaram-se nas escolas de representou este momento para os jovens
periferia localizadas na cidade e na região mobilizados nestas ocupações? Quais foram
metropolitana de Curitiba, inspiradas nas as transformações ocorridas no cotidiano
manifestações ocorridas no Estado de São destes? Qual a relação entre as ocupações
Paulo no ano de 2015, onde estudantes de escola e a vida cotidiana periférica da
promoveram, como forma de protesto, a cidade de Curitiba? De quais maneiras as
ocupação de instituições de ensino em que pautas estudantis estão relacionadas com
estudavam, visando barrar o fechamento de problemáticas sociais urbanas presentes no
escolas imposto pelo então governador dia a dia dos educandos?
Geraldo Alckmin69. Este mesmo processo
Tais questões nos colocam uma reflexão
sucedeu-se no Chile, dez anos antes, em
importante a respeito da relação sujeito-objeto
2006, onde estudantes apelidados de
no processo de pesquisa. Aqui nos
pinguins – por conta do uniforme composto
concebemos como implicados, ora como
por terno e gravata – protagonizaram as
pesquisador, ora como parte da pesquisa
maiores marchas populares desde o fim da
nesta discussão. Os fundamentos teóricos da
ditadura do general Augusto Pinochet (1973-
teoria da implicação nos ajudam a aprofundar
1990) em busca do acesso gratuito e público
a análise que aqui pretendemos fazer.
à educação e ao passe livre no transporte.
Não obstante, no ano de 2011, os protestos
se repetiram e mais de 700 escolas foram
ocupadas no país.
Tendo em vista o cotidiano e a
organização dos secundaristas no dia a dia
das ocupações, que se apresentaram para

69 Sobre a relação entre as ocupações de escolas


públicas e a especulação imobiliária no município de São
Paulo ver: GIROTTO, Eduardo Donizeti; PASSOS, Felipe
Garcia; CAMPOS, Larissa; OLIVEIRA, João VictosPavesi.
A Geografia da Reorganização Escolar: Uma Análise
Espacial à Partir da Cidade de São Paulo. Disponível em:
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/articl
e/view/8647805/15187

Geografia Urbana - Volume 1


141

Geografia Urbana - Volume 1


142

2. TEORIA DA IMPLICAÇÃO: PENSAR E expondo os limites e contradições do


VIVER UMA CIDADE, UMA ESCOLA pensamento dominante. Não à toa Marx vai
estudá-lo em seu doutorado (LEFEBVRE,
A ciência fragmenta a realidade na tentativa
1988). Pensar o espaço assim, como
de explicá-la. Geografia, História, Química,
absoluto, - um Novo Eleatismo, diria Lefebvre
Urbanismo, enfim, cada ciência particular
– é uma ideologia potente, pois este mesmo
reivindica o seu pedaço, a sua “área” do
espaço contém pensamentos e práticas
conhecimento. Mas na medida em que se
(concebido e vivido) que nele se
especializa, ela também se separa, se aliena
desenvolvem. O uso de imagens preenche
do todo (totalidade), apesar do progresso
de conteúdos o vazio de uma suposta
individual na produção do conhecimento.
neutralidade espacial, criando
Notado haver esse progresso, permanece a representações e junto delas uma fé nestas
crítica ao método da cisão por alicerçar-se na mesmas representações que pretendem
separação entre o sujeito e o objeto, o que é conduzir de maneira cartesiana a produção
bastante controverso nas humanidades, onde do espaço (LEFEBVRE, 1980).
se sabe não existir uma nítida linha
Assim, grande parte dos processos de
demarcatória entre o território do primeiro e
transformação na sociedade – e em
do segundo (se é que tal linha, em quaisquer
consequência do espaço – são representadas
ciências, existiu algum dia). Embora
como mudanças abstratas no campo da
contestada, a prática da separação sujeito-
ordem e da lei. É como se ter ou não
objeto infelizmente enraizou-se
aprovada tal ou qual norma, lei ou regra
profundamente no ocidente, sendo aplicada
transformasse a vida cotidiana simplesmente
às massas indistintamente.(BAITZ, 2006 p.32)
por sua manifestação na forma jurídica, e não
A Geografia clássica, ao conceber o espaço, nos conflitos sociais reais e na luta de classes
liga-se ao conceito de gênero de vida, de que implicam vitórias e derrotas para tal ou
Vidal de La Blache, que concebe-se como qual setor desta mesma luta de classes.
uma estrutura circular (mais ou menos
Desta forma, se retira o histórico do espaço e
estável) que correspondia à forma como cada
ele se autonomiza. Mas quando se acessa o
grupo humano desenvolvia sua própria
plano do vivido, podemos ao mesmo tempo
maneira de ser e viver(SEABRA, 2004). As
acessar os conteúdos da desigualdade da
ferramentas do positivismo lógico,
economia moderna. Precisamos pensar em
predominante da ciência de então, permitiu
uma Geografia que narre o cotidiano, o vivido,
com que a produção geográfica dos países
o implicado. Só assim poderemos
centrais do capitalismo legitimasse e
compreender como os processos que
favorecesse o imperialismo e a exploração do
estudamos no nível70 econômico, no macro,
trabalho destes sobre os assim chamados
na totalidade, rebatem no dia-a-dia daqueles
países subdesenvolvidos(LACOSTE, 1975).
sujeitos que não passam de números nas
No entanto, com o avanço do modo de
cadernetas dos planejadores e políticos.
produção capitalista, um modo de vida
Precisamos pensar uma Geografia em
propriamente urbano se generaliza a toda a
movimento!
sociedade, englobando desde as cidades até
os mais profundos rincões do mundo, Nesta tentativa, como professores que
transformando as relações de indivíduos, estiveram em ocupações de escolas e que
famílias e comunidades inteiras com o misturaram-se aos secundaristas ocupados,
Espaço, tornando-o estático e programado. encontramos na teoria da implicação uma
Tal concepção, levada à cabo em
70 Compreendemos a noção de nivel à partir de
especial pela teoria dos sistemas e pela Henri Lefebvre, onde esta se coloca como termo médio
Geografia pragmática (SANTOS, 2010) tem entre formae sentidona relação sujeito-objeto. A forma se
suas origens ligadas aos eleatas da Grécia trata da capacidade de decifrar um objeto em partes
antiga. Trata-se de uma concepção menores, em escalas mas próximas, íntimas. A forma
urbana pode ser decifrada no cotidiano, por exemplo. O
(ideologia) ligada ao poder, pois estes – os sentido é a capacidade de integrar este mesmo objeto a
eleatas – construíam à época a teoria de uma unidades maiores, de escala ampliada, tal como a cidade
realidade estática, imóvel, sendo, portanto, que se molda aos fluxos do capitalismo financeiro global.
eterno o poder das classes dominantes e do A noção de nível atravessa a forma, o sentido e a
estrutura, implodindo-os. A estrutura segmenta, o nível,
Estado grego sobre os povos que este pensado como escala, põe em relação o sujeito, o objeto
dominava. Heráclito se contrapõe ao espaço e a totalidade. Ver Henri Lefebvre. Posição contra os
estático, colocando-o em movimento e tecnocratas. Nova Crítica. 1988. Em especial o capítulo
“A noção de nível”.

Geografia Urbana - Volume 1


143

base teórica para dar conta de explicar um fenômeno social que explodiu levando em
processo de movimentação social do qual conta a reivindicação de uma série de
fizemos parte. carências que ultrapassavam o âmbito das
reformas de governo proposta pelos Projetos
E o que é o conceito de implicação senão
de Emenda Constitucional 55 e 281. Vivemos
esta proximidade – consciente – do sujeito
na pele o morador periférico, e as questões
com seu objeto, este envolvimento com o
sociais, raciais e de gênero que esta
outro que retira a distância criada
condição implica. Entramos no íntimo das
artificialmente pelo método formal? (BAITZ,
escolas para pensá-las desde dentro. A vida
2013)
cotidiana articula Espaço e Tempo71 .
Somos pesquisadores, vivemos na cidade.
Como podemos pensá-la ignorando nossas
vivencias nesta mesma cidade? Como PRIMEIRA IMPLICAÇÃO: O COLÉGIO
podemos construir um pensamento ESTADUAL ALFREDO PARODI
geográfico ignorando a classe da qual
Localizado na parte conhecida como
viemos, nossos interesses pessoais em
“Uberaba de baixo”, pertencente ao bairro de
investigar tal ou qual questão, a nossa
mesmo nome (Uberaba), cuja área abrange a
vivência pessoal com a cidade? A ciência que
bacia das nascentes do rio Iguaçu, o Colégio
se esconde atrás da máscara da neutralidade
Alfredo Parodi situa-se na periferia da região
oprime as classes mais baixas, uma vez que
leste de Curitiba, próximo à divisa com o
o desenvolvimento de conceitos produzidos à
município de São José dos Pinhais, residido
partir de seus dogmas é usado como
por uma população de classe média baixa e
ferramenta nas mãos de uma burguesia que o
baixa, com renda média mensal de 1 a 2
utiliza para ampliar seus lucros. Quantos
salários mínimos per capita, conforme o
pesquisadores não se desculparam ou se
IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento
lamentaram pelos usos que foram dados a
Urbano de Curitiba – (2010).
suas criações? Então cabe-nos perguntar,
porque manter-se como distante daquilo que Para chegar ao colégio, há basicamente duas
estudamos? Porque como pretensos sujeitos, formas: via Terminal do Hauer ou pelo
nos negamos a nos colocar também como Terminal do Centenário com o
objeto de investigação e reflexão? Porque não ônibus“Centenário/Hauer”. Este ônibus passa
refletirmos sobre o nosso próprio exercício pela avenida principal da região, a “Avenida
enquanto pesquisadores? dos Trabalhadores”, o qual, entre ônibus
lotados e antigos, transporta diariamente a
A implicação trata-se disto, de romper com
população para o centro e os demais bairros
esta – frágil – fronteira existente entre sujeito e
da cidade. Levando em consideração que o
objeto, buscando um movimento de
Uberaba é o quinto bairro mais populoso de
pensamento que supere a ambos. Assim, é
Curitiba, com 72.056 habitantes (IBGE, 2010),
possível pensarmos o vivido, a vida cotidiana.
a oferta de ônibus para o “Uberaba de baixo”
Esse método não diretivo trás em seu bojo é baixa, sendo o Centenário/Hauer a única
a possibilidade de todos serem linha que faz a interligação com outros
pesquisadores, pois a medida que ela dita bairros. Ressalta-se além do mais que a
que aspectos mínimos e íntimos do região engloba várias áreas de ocupações
pesquisador podem – e devem – vir à tona, irregulares.
todas as pessoas são convidadas a fazer
De acordo com dados fornecidos pelo IPPUC
ciência, a serem cientistas, e o importante:
(2010), das 381 ocupações existentes em
a refletir sobre esta atividade. É um duro
Curitiba, 22 situam-se no Uberaba. Outro
golpe à ciência burguesa e aos
dado comparativo é a relação da população
pesquisadores de sangue puro. (BAITZ,
por cor, idade e gênero: enquanto que em
2006 p. 41-2)
Curitiba 78% da população é branca e 18% é
Para isso, descemos até a vida parda e preta, com idade média de 33 anos e
cotidiana, convivemos com misérias e majoritariamente feminina (52,33%), no
carências dos diversos tipos, e pudemos
sentir o tamanho do peso que cai sobre o 71 “O cotidiano urbano prolonga e explicita o
morador de periferia em uma cidade como sentido da urbanização capitalista pela generalização de
Curitiba. Pudemos compreender que as um modo de vida no qual foram sendo aprofundadas as
ocupações de escola ainda não foram separações no âmbito da vida social.” SEABRA, Odette
Carvalho de Lima. Territórios de uso: cotidiano e modo de
devidamente compreendidas como um vida. In: CIDADES. v. 1, n. 2, 2004, p. 183.

Geografia Urbana - Volume 1


144

Uberaba tais índices se destoam em alguns que o processo de ocupação feito pelos
aspectos. No referido bairro 23% da estudantes perpassa os muros da escola,
população é parda e preta e 75% branca, uma vez que pode ser encarado como o
com idade média de 31 anos e também em estopim de uma ação sinalizadora,
sua maioria do sexo feminino. Apesar de não reivindicadora de visibilidade por parte
apresentar grandes mudanças se analisada desses jovens – pois a Medida Provisória
comparativamente com Curitiba, o maior mexeu com o espaço de maior convívio e
índice de pardos e negros se verifica no troca de relações dos jovens: a escola –, que,
padrão de alunos que freqüentam o Colégio durante suas vidas têm sofrido violência (das
Alfredo Parodi, cujos, segundo o Projeto mais diversas formas) exclusão aos seus mais
Político Pedagógico da escola (PPP, 2012): direitos básicos, como o acesso a transporte
público, moradia, educação de qualidade.
Em sua maioria residem em área de
ocupação irregular, o que os condiciona a É nesse sentido que, ocupado entre o mês de
uma situação de violência, abuso, outubro e novembro pelos seus estudantes, o
drogadição, alcoolismo, prostituição e “Alfredo”, ou “Parodi”é o típico e
privação do direito a satisfação de suas estigmatizado perfil de escola pública de
necessidades básicas. A maioria das famílias periferia, uma vez que apresenta graves
é assistida por programas sociais (bolsa problemas de evasão escolar, violência, falta
família, leite das crianças, dentre outros), ou de professores, recursos e estrutura física.
ainda, sua atividade de trabalho se faz pelo
Boa parte dos educandos que ali estudam
serviço doméstico, coleta de materiais
são moradores das ocupações localizadas no
recicláveis, auxiliares de produção, o que os
entorno da linha do trem que corta o bairro e
permite a uma renda básica que varia de
da várzea do Iguaçu, conhecidas como Vila
meio salário a três salários mínimos. (PPP
Itibere e Vila Icaraí.
ALFREDO PARODI, 2012, p.16)
O Alfredo Parodi é o colégio mais próximo
Os dados podem revelar algumas
dessa região e por conta disso é o principal
particularidades da segregação e exclusão
local onde as famílias residentes dessas vilas
socioespacial em Curitiba, submetida à
estudam ou estudaram. Devido a isso, a
população pobre, negra e periférica, cabendo
relação de proximidade e parentesco entre os
a escola (e isto inclui nós professores) a
estudantes é muito grande, criando assim um
receber esses educandos, aprender a lidar
forte elo de amizade e união entre os mesmos
com suas realidades e tentar contribuir com a
que se mostra em momentos como os
formação social desses adolescentes.
horários de entrada e saída da escola
Ademais, como uma forma de se “resolver” as (chegam e vão embora juntos e em grupos) e
problemáticas sociais e a violência da região, no cotidiano das aulas (se conhecem e
inspirado nas Unidades de Polícia possuem amigos de turmas e turnos
Pacificadoras do Rio de Janeiro, em 2012, diferentes).
fora implantada no bairro a primeira Unidade
Ademais, a escola atende, segundo a
Paraná Seguro (UPS) do Estado do Paraná. O
Secretaria de Estado da Educação do Paraná
objetivo seria levar as políticas públicas para
a 1068 alunos, com idade média entre 10 e 40
a região, com ações sociais, de geração de
anos, possuindo em sua administração, 1
renda, atividades em contra-turno escolar e
diretor geral, 2 diretores auxiliares, 3
melhoria da infraestrutura.72 No entanto,
pedagogas, 60 professores e 18 funcionários.
desde então, não houve melhoria na
Além disso, um acontecimento comum é a
disponibilidade de serviços para os
alta rotatividade de professores e a
moradores. Conforme relato dos próprios
contratação de funcionários temporários para
educandos do Alfredo Parodi, o que se
trabalharem nas funções administrativas e nos
verificou fora apenas o aumento da repressão
serviços gerais. Entre os motivos que podem
policial, principalmente com os moradores
explicar tal processo destacam-se a
negros e advindos das áreas de ocupação
localização da escola no extremo leste de
irregular do bairro.
Curitiba, a falta de opção de ônibus no
Enfim, o intuito de se descrever brevemente a transporte público e a difícil realidade dos
realidade do bairro onde se encontra o alunos (que se espelha no comportamento).
Colégio Estadual Alfredo Parodi é demonstrar
Ao entramos no “Alfredo Parodi”, vemos que
72 carência de espaço físico para serem
http://exame.abril.com.br/brasil/policia-ocupa-bairro-
de-curitiba-para-implantar-upp-3/ realizadas atividades com os educandos. As

Geografia Urbana - Volume 1


145

aulas ocorrem nos três turnos. O refeitório problema”, desinteressados, “sem


serve como salão de apresentações e possui perspectiva de vida”. Nesse sentido, as
uma televisão e equipamentos para se instalar ocupações apontam que o problema pode
o único aparelho projetor da escola. Em sua estar na estrutura da educação, tal como ela
maioria, as salas de aula não possuem se apresenta organizativamente no cotidiano
cortinas, contém muitos vidros quebrados, dos educandos e que estes possuem
nem todas as lâmpadas funcionam, as demandas e anseios que vão além da
carteiras e os quadros de giz contém defeitos. reivindicação pela não aprovação de uma
Não há muitos equipamentos e materiais para reforma, mas que buscam pensar sobre
os professores utilizarem como apoio nas melhores condições de vida e oportunidades
aulas, até mesmo a internet da escola não em meio à uma realidade urbana excludente
funciona direito. De cor marrom, a pintura das e segregadora.
paredes é antiga e pouco agradável e
aconchegante. Há duas quadras de vôlei
improvisadas e uma quadra poliesportiva 4. SEGUNDA IMPLICAÇÃO: O COLÉGIO
onde são ministradas as aulas de educação ESTADUAL RODOLPHO ZANINELLI
física e onde acontecem os eventos maiores e
Subimos no ônibus Vila Verde, à partir do
assembleias. Ademais, no cotidiano das
Terminal do CIC, onde um grande número de
aulas, as turmas são superlotadas (entre 35 e
pessoas se locomovem em um ônibus
40 alunos em média) e é comum alguma estar
simples, bastante diferente daqueles
“em aula vaga” devido à falta ou ausência de
vendidos como de última geração pela
professor.
prefeitura de Curitiba. Quem espera encontrar
Em meio a essa realidade e diante da noticia nesta linha o transporte modelo que o
da Reforma do Ensino Médio e proliferação município vendeu para o mundo pode se
das ocupações em outras escolas públicas, surpreender negativamente. São ônibus
os educandos, ou melhor, as educandas – antigos, lotados, barulhentos, sem
tendo em vista que o movimento foi liderado escapamento, irregulares em horários e que
por meninas – decidiram se organizar para quebram com uma frequência relativamente
ocupar o Alfredo Parodi, iniciando pela alta. Nesta linha não há contrafluxo, visto que
realização de assembléias e reuniões com a quando chega ao terminal, o ônibus trás um
comunidade escolar. Tal organização durou grande volume de pessoas que saem da Vila
cerca de 1 mês e teve como maior apoio (a Verde rumo aos seus locais de trabalho em
princípio) os professores e a direção da outras regiões da cidade, e na volta leva um
escola. Durante a ocupação, os estudantes – grande número de operários das várias
de faixas etárias diversificadas – se fábricas que existem na região, tais como a
organizaram em brigadas (alimentação, Bosch e a Racco. Seguimos pela Rua Des.
limpeza, oficinas) e no dia a dia realizavam Cid Campelo, entrando pela Rua Vicente
ações diretas (nas ruas, voltadas para a Micheloto onde, ao passar pelo viaduto há um
comunidade), atividades práticas ponto de ônibus bastante movimentado, pois
(principalmente de reparo em espaços é onde os moradores do bairro conseguem
depredados da escola), discussões e pegar o ônibus sem que este faça todo o
debates sobre temas que os interessavam e trajeto pela região até seu ponto final,
envolviam seu cotidiano, como violência economizando mais ou menos 15 minutos. A
policial, racismo, o impacto da reforma do Avenida – onde circulam muitos carros em
ensino médio, vestibular, o papel da mulher suas três pistas em cada sentido, dado ser
na sociedade, oficinas de graffiti, hip hop, uma das principais ligações com o município
funk, entre outros. vizinho de Araucária – possui paradas nos
dois lados da pista e, apesar disso, não há
Das mais de 800 escolas ocupadas, o
ponte ou semáforo que auxiliem os pedestres
Colégio Estadual Alfredo Parodi foi um dos
na realização desta travessia. São muitas as
últimos a desocupar. Este acontecimento é
pessoas que se arriscam nesta desigual
considerado marcante tanto para os
disputa de tempo e de espaço com os carros
educandos como para a história da escola,
em alta velocidade, e as crianças e idosos
pois nunca havia ocorrido uma organização,
são os que mais apresentam dificuldade em
união e mobilização como esta por parte dos
cruzar de um lado da rua para o outro.
estudantes, tendo em vista que muitos dos
alunos que ocuparam eram considerados por Entramos na Vila Verde e a primeira coisa que
parte dos professores como “alunos nos chama atenção é a névoa cinza e com

Geografia Urbana - Volume 1


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mau cheiro que envolve o bairro todas as diretores auxiliares, 1 secretária, 7 pedagogas
manhãs. As ruas, em sua maioria já 83 professores e 24 funcionários oferecendo
asfaltadas, apresentam construções simples e cursos do Ensino Fundamental II, Médio e
por vezes inconclusas. São casas construídas Técnico de Administração e Mecânica.
pelos próprios trabalhadores que ali vivem Apresenta também apoio financeiro escasso
desde que este terreno fora ocupado, no ano para adequar as instalações e materiais às
de 1991, quando à partir da atual rua Emílio necessidades de educadores e educandos
Romani passaram a construir as casas e as além da alta rotatividade de professores.
estruturas básicas do bairro na forma de
Ao entrar, pode-se surpreender com a
mutirões. Trata-se de um bairro estigmatizado
quantidade de cadeados e portões que
por uma imagem, veiculada cotidianamente
existem delimitando os diferentes espaços.
nas redes de TV e jornais, ligada à pobreza,
Para evitar com que os educandos fujam das
ao tráfico de drogas e à violência urbana. No
salas de aula, portões são trancados por
entanto, ao desvendar as entranhas do bairro,
correntes e cadeados, onde há uma agente
as pessoas reais que vivem e trabalham todos
escolar responsável por abrir e fechar para
os dias, sustentam suas famílias à duras
que os professores possam trocar de turma, e
penas. Observamos que grande parte dos
também para que um ou outro que precise ir
habitantes aqui ou são migrantes, ou são
ao banheiro. O espaço físico também não é
descendentes diretos destes que vieram de
dos mais agradáveis. As paredes são
áreas rurais das mais variadas no Brasil, em
pintadas em tons de azul que, no entanto, nos
especial do interior do Estado do Paraná.
pontos onde estão descascadas se expõe
Existem poucas estruturas de cultura e lazer uma miscelânea de outras cores que estas
para que os jovens possam desfrutar, entre mesmas salas de aula já possuíram. À
elas está o Bosque da Vila Verde, um campo exceção das paredes e portas que foram
de futebol, localizado na Rua Ney Pacheco, e desenhadas por um projeto da professora
o teatro Peça por Peça, mantido pela Silvia, de Artes, falta bastante cor por aqui.
Fundação Bosch. No restante, faltam opções Faltam também alguns vidros nas janelas de
para além das igrejas (Comunidade Santa parte das salas de aula, o que no inverno
Clara, Deus é Amor, Assembléia de Deus e curitibano torna a experiência de
Universal do Reino de Deus) e bares, que assistir/ministrar aulas bastante desagradável.
pipocam em cada rua por aqui. O bairro
O lanche não é tão diversificado
conta também com uma creche municipal;
nutricionalmente, tendo em vista que boa
duas escolas municipais (E.M. João Cabral de
parte dos educandos precisa se alimentar na
Melo Neto e E.M. América da Costa Sabóia); e
escola. É frequente que tenham apenas
o Colégio Estadual Rodolpho Zaninelli. No
bolacha e água e sal e chá mate como
entanto, aqui começa-se a trabalhar desde
merenda para suportar 5 horas de aula. Para
muito cedo. Desde antes de entrarem no
muitos dos que estudam e trabalham, uma
Ensino Médio muitos jovens trabalham, desde
boa comida na hora do lanche faz toda a
programas de estágio como o Jovem
diferença, ainda mais para aqueles jovens
Aprendiz até trabalhos informais, como caixas
que ficam sozinhos em casa com os irmãos,
de mercados locais e vendedores de frutas e
sem a presença dos responsáveis – que
doces em semáforos. O número de pessoas
precisam trabalhar o dia todo – e não
negras no bairro é evidentemente expressivo,
possuem acompanhamento para que
se contar que Curitiba se vende com a
realizem suas refeições de maneira
imagem de uma cidade europeia.
adequada. É uma escola com o estigma da
O “Rodolpho”, como é chamado pelos “escola que deu errado”.
moradores, é o local onde grande parte da
A partir notícia da ocupação da Escola
população desta região estuda ou estudou. É
Estadual Arnaldo Jansen73 – no município de
comum que pais e filhos tenham assistido
aulas com os mesmos professores. Nas listas
73 “Alunos que ocupavam escolas estaduais
de chamada muitos sobrenomes se repetem deixaram na tarde desta sexta-feira (4) dois colégios em
de uma sala para outra. São primos, tios, São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de
irmãos, enfim, grande parte do núcleo familiar Curitiba, após o cumprimento de mandado de
das pessoas que aqui vivem que passam um reintegração de posse por oficial de justiça. A primeira
desocupação foi no Colégio Estadual São Cristóvão. Em
bom pedaço de suas trajetórias de vida. seguida, os estudantes saíram do Colégio Estadual
Atende um número de alunos de 1604 com Arnaldo Jansen, o primeiro a ser tomado por
faixa etária entre 10 e 40 anos com 1 diretor, 2 secundaristas no Paraná. A unidade estava ocupada há
31 dias.” Em Gazeta do Povo no dia 04/11/2016 com o

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147

São José dos Pinhais, na Região apoiadores diminuiu gradualmente, até o


Metropolitana de Curitiba – os estudantes momento em que passou a faltar, inclusive,
realizaram algumas reuniões e assembleias comida na ocupação. No momento em que
que culminaram na ocupação do Rodolpho ficaram isolados foi justamente onde os
Zaninelli. Os estudantes que permaneceram jovens do Colégio Estadual Rodolpho Zaninelli
ocupados na escola foram aqueles que são se mostraram mais fortes, pois tiveram de
tidos pela maioria dos professores como enfrentar, além de toda a estrutura repressora
indisciplinados, os chamados “alunos do Estado e de grupos de direita, os próprios
problema”. No entanto, o que se observou era pais e professores que, no início do processo,
uma escola organizada, mais limpa do que de os apoiavam.
costume, onde os estudantes fizeram reparos
Diversas reuniões foram organizadas por
em espaços degradados por conta própria e
professores da escola junto à comunidade no
buscavam atividades para preencher a
intuito de forçar a desocupação do Rodolpho.
programação diária da ocupação.
Até que no dia 09 de Novembro de 2016,
Ocorreram saraus, oficinas (Hip Hop, cumprindo a um mandato de reintegração de
educação popular, filmagem e edição de posse da parte do Governo do Estado do
vídeos, etc.) shows de bandas, campeonatos Paraná, a Polícia Militar desocupa o colégio, o
de futebol e volei, assembléias, reuniões, último em todo o Estado. Alguns dos
formações políticas com professores de estudantes se assustaram neste momento,
outras escolas e universidades, enfim, a pois parte dos policiais escalados para
escola se tornou realmente atrativa para executar a reintegração eram os mesmo que
aqueles jovens. Mas para mais além disso, cometeram violências e intimidações com os
era possível ver a comunidade se estudantes em vários momentos do dia-a-dia
reapropriando da escola, onde pais e das ruas. A #OcupaRodolpho terminou, mas
responsáveis e até moradores que já permaneceu como um presente ausente, e
terminaram seus estudos se faziam presentes seus rebatimentos na vida escolar e na
com grande frequência nas atividades. As consciência de todos os que participaram –
alunas, no geral, eram as protagonistas no ou não – deste processo. A vida seguiu, mas
processo político e organizativo que ocorria desde então, já não é a mesma de antes.
por aqui.
Mas um vento frio perturbou a doce harmonia
5. A LUTA PELA ESCOLA COMO UMA LUTA
da cesta. A propaganda midiática e do
POR DIREITO À CIDADE
governo do Estado do Paraná passaram a
estimular com que os pais se organizassem, A memória, a lembrança, enfim, trazer à tona
muitas vezes de maneira violenta, para uma representação de um passado ao
desocupar as escolas. Movimentos como o presente, não é simplesmente rememorar
MBL (Movimento Brasil Livre) passaram a algo que passou, mas trazer uma carga
produzir conteúdos que visavam degradar a histórico-espacial do passado, atualizá-la no
imagem dos estudantes ocupados em presente e projetá-la ao futuro. Para Lefebvre,
escolas, gerando um clima de apreensão e memória dos combatentes substitui os
medo entre os estudantes. As ameaças, combates (LEFEBVRE, 1980).
denuncias e processos que começaram a
O momento da forma é congelado, mas a
chegar aos professores que apoiavam este
teoria das representeções tentar dar conta de
processo tratou de desarticular grande parte
expor o movimento concreto da relação
do apoio que estes estudantes tinham. A
forma-conteúdo existente nas relações
comunidade parou de frequentar as
espaciais. A forma urbana, ela não existe a
ocupações, uma vez que se difundiam boatos
não ser como utopia. Há uma desconexão, e
de que estas eram utilizadas para o consumo
até uma negação do urbano pela cidade. Os
de drogas e a realização de orgias entre os
centros das cidades se tornam centros de
estudantes. As doações de comida e
gestão e administração da crise urbana,
estrutura que vinham por parte dos
construindo representações ligadas ao
mundo do trabalho que valem tanto para os
título “Justiça cumpre reintegração de posse na primeira trabalhadores das periferias das cidades
escola ocupada no Paraná”. ver: quanto para os trabalhadores rurais. É o
http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e- mundo da mercadoria propagandeado e ao
cidadania/justica-cumpre-reintegracao-de-posse-na- mesmo tempo negado a um sem número de
primeira-escola-ocupada-no-parana-
9c8ukozo5o97su2388srqhz0w Acesso em 25/06/2017. pessoas que vão trabalhar o máximo para

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acessá-lo. Ou roubar e matar para conseguir classes, uma separação e uma diferença
dele alguns restos. A gestão e a “governança” entre os sujeitos que é, também, social, e esta
irradiados dos centros das grandes cidades – diferença, própria da “sociedade civil”,
Av. Paulista em São Paulo, Centro Cívico em segundo a inversão lógica feita por Marx
Curitiba, Brasília, etc.) são a própria negação (2006) mostra um Estado que, apesar de uma
do urbano (LEFEBVRE, 1980). Basta observar pretensa igualdade jurídica - “identidade
as miseráveis periferias urbanas, os sem teto, ilusória” - recria nesta esfera – Estatal,
os sem terra. Aqui, de perto, podemos jurídica, etc. - as desigualdades presentes
enxergar uma relação íntima entre as nesta mesma sociedade de classes. A forma
representações do poder e a organização do jurídica, portanto, encobre e, ao mesmo
trabalho no modo de produção capitalista. tempo legitima as diferenças sociais
administradas e mantidas pelo Estado. Se
Tratam-se de um sem número de indivíduos
pensarmos conforme SEABRA (2004).
que vivem o mínimo, as sobras do modo de
produção no corriqueiro da vida. Existe uma O cotidiano urbano prolonga e explicita o
interação íntima entre a colonização, o sentido da urbanização capitalista pela
desenvolvimento técnico e assim chamado generalização de um modo de vida no qual
subdesenvolvimento, tanto ao nível da foram sendo aprofundadas as separações no
economia global capitalista, quanto no tecido âmbito da vida social. (SEABRA, 2004. p. 2)
da vida cotidiana. A vida cotidiana aparece,
A escola, como parte da sociedade, não está
neste modo de produção, como repetição
alheia a isto. Já que esta é a principal
espacial não só dos tempos de trabalho, mas
responsável por transmitir os valores da
também do ócio e da consciência, criando um
sociedade vigente, é nela, também, que se
processo que podemos chamar de alienação
materializam grande parte das misérias
espacial. É o subdesenvolvimento da vida
vividas no cotidiano dos moradores de
cotidiana (LEFEBVRE, 1980).
periferia em grande parte deste país. Para
Se pensarmos conforme Marx, em sua crítica uma cidade pretensamente europeia, qual o
da filosofia do direito de Hegel (2006), no interesse em revelar os conteúdos e
momento da constituição do Estado moderno reivindicações de uma juventude em grande
suprime-se as particularidades locais – o parte negra e nordestina? A estes jovens, de
direito comunitário, a autonomia política das escolas públicas de bairros pobres, nunca foi
vilas, etc. - no sentido de uma dada a oportunidade de pensar o bairro e a
homogeneização das diferenças sob uma escola como problemas muito maiores que a
ordem única: o direito continental. E isso mera relação entre professor e aluno. Foi na
independente das necessidades relação destes em um movimento maior,
comunitárias, com o objetivo de quebrar os autogerido, é que surgiram questionamentos
laços estáveis comunitários, instituindo acerca da própria realidade onde vivem.
relações sociais pautadas no individualismo Onde estão as áreas de lazer do bairro? E os
(a ideia de individualidade é moderna!) e equipamentos que deveriam existir na escola
ampliar, assim, as trocas comerciais. A e não são encontrados? E porque a escola
alienação política é essencial na constituição tem equipamentos que não são utilizados?
deste processo, uma vez que uma Porque as formas pedagógicas utilizadas em
organização política que se dê desde a base nossas escolas são as piores possíveis?
– formas autogestionárias – questiona a Conseguirei uma boa inserção no mundo do
estrutura Estado-Capital em seus trabalho com a escola que tenho? Como
fundamentos objetivos e subjetivos. A escala posso superar, junto a outros, a minha
do Estado deve, necessariamente, negar condição?
todas as outras escalas da política que não
Alguns meses após as ocupações de escolas
são as do Estado e do Capital. (RAFFESTIN,
no Paraná, surge uma efetiva mudança na
1993).
vida destes jovens, que decidiram questionar,
Para Hegel – na leitura feita por Marx (2006) por vias autogestionárias, o Estado, que
há uma identidade abstrata – que podemos propunha reformas que tornam ainda mais
entender como uma igualdade jurídica – miserável a educação que tinham. No retorno
criada entre os sujeitos e os “estamentos” às aulas, apesar das pressões sobre os
sociais em torno do Estado. A separação professores para que tudo se mantivesse
entre a política e a vida cotidiana evidencia , a como antes, algo se transformou. De repente
partir do momento em que se pensa tínhamos debates sobre gênero, raça, casse
concretamente em uma sociedade de social e educação popular partindo dos

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149

próprios educandos. Tínhamos estudantes Nas condições do mundo moderno, só o


realocados para escolas longe de suas homem à parte, o periférico, o anômico, o
residências, sofrendo as mais diversas excluído da horda (…) tem a capacidade
perseguições da Secretaria de Educação, criadora. O que tem mais oportunidades de
das direções de escolas e da polícia no criar obras não seria o homem das fronteiras?
bairro. Tínhamos embates entre educadores e (…) o homem das fronteiras suporta uma
educandos dentro das salas de aula onde se tensão que poderia matar outros: ele está ao
questionava a estrutura da aula ou o conteúdo mesmo tempo dentro e fora, incluído e
que se passava. Questiona-se a falta de excluído, sem, por isso, dilacerar-se. Vivida
debates e de participação dos estudantes e esta contradição se acrescenta a todas as
da comunidade em seu próprio processo que esse homem descobre. O homem das
formativo. Compara-se a estrutura de tal ou fronteiras segue veredas que inicialmente
qual escola, que conheceram no processo de surpreendem, tornam-se depois caminhos,
ocupação e reunião entre secundaristas com para por fim, passarem por evidências. Ele
a estrutura da escola em que estudam. caminha ao longo dos divisores de água e
Formam-se redes, grupos de Whats App, escolhe a via que vai em direção ao horizonte.
atos, manifestações. Secundaristas fazem-se Às vezes passa ao longo de terras
presentes nas reuniões e assembleias do prometidas, sem entrar nelas. Essa é a sua
sindicato dos professores, tensionando com prova. Sempre vai para outras terras, para o
um burocratismo destas instituições que os horizonte dos horizontes, de momentos em
próprios educadores já se cansaram de momentos, até vislumbrar as linhas
enfrentar. longínquas de um continente inexplorado.
Descobrir é sua paixão. Só pode caminhar de
Se de fato as escolas ocupadas trouxeram um
descoberta em descoberta, sabendo que
legado, não está em sua vitória frente a pauta
para avançar é preciso vencer uma
que reivindicavam, até porque a reforma do
necessidade de aprofundar o saber, que lhe
Ensino Médio e a PEC do congelamento de
sugerisse parar aqui ou ali. (BAITZ, 2013)
gastos contra as quais os estudantes lutaram
foram aprovadas, à base de intensa violência, Na dificuldade de fechar este pequeno artigo
em Brasília. Mas há que se perguntar: a trazendo à tona todos os pontos dos quais
comuna de Paris fracassou ou não? As poderíamos desdobrar as ocupações de
irrupções de 1968? Junho de 2013? Estes escola no Paraná, pensemos, sobretudo, em
momentos expressam um campo de inúmeras Curitiba: a lógica do capitalismo é a de
possibilidades reunidas e não produzir cidades cada vez mais desiguais. Se
necessariamente realizadas, mas que a produção do Espaço, de maneira geral, é
atravessam a história como possível- desigual e violenta, – como podemos
impossível. observar cotidianamente nos conflitos
urbanos e rurais – admite-se que as cidades
A obra, aqui, mobiliza o afeto. São as reuniões
produzidas sob este modo de produção
de bairro, os vínculos de pertencimento. Nas
reproduzam a mesma desigualdade e
duas ocupações sobre as quais aqui
violência do processo geral de acumulação
refletimos, houveram pertencimentos ao bairro
de capital. O planejamento urbano é
e a escola que foram evidenciados em muitos
segregador na medida em que tenta
momentos, desde os fóruns na internet
organizar uma (des)ordem que é o produto do
(#ocupaparodi e #ocuparodolpho) até nas
próprio modo de produção em que vivemos,
reuniões e fóruns públicos no centro da
mas que se impõe como um processo
cidade, onde cada escola ocupada entoava
“natural” de uma urbanização “sem controle”
seu grito de guerra. Mas também houveram
(LEFEBVRE, 2008). O urbanismo serve,
rupturas com bairrismos, quando na tentativa
portanto, para amortecer os conflitos cada
de desocupar escolas como o Pedro Macedo,
vez mais intensos e violentos gerados na luta
secundaristas de vários pontos da cidade se
de classes no campo e na cidade.
reuniram e enfrentaram, muitas vezes com
brigas físicas, os grupos interessados nas Até que ponto uma cidade que à partir do
desocupações. E neste sentido, cabe planejamento urbano recria a segregação –
salientar o protagonismo das escolas condomínios fechados, favelas, guetos, etc. -
periféricas nas mobilizações, que levavam pode-se dizer uma “cidade modelo”, ou
além das pautas relativas as reformas mesmo uma “cidade global”? A resposta
educacionais, reivindicações relativas a vida talvez esteja na afirmação de que um
em seus bairros. planejamento que não intervém na estrutura

Geografia Urbana - Volume 1


150

social capitalista não é capaz de organizar políticas e táticas apriorísticas que conduzem
cidades a não ser para garantir a obtenção a uma subestimação e incompreensão da
de lucro para os rentistas e proprietários potência desses movimentos para deflagrar
fundiários. No entanto existem fissuras que uma mudança não apenas radical, mas
expõem as contradições gerais da sociedade revolucionária. Os movimentos sociais
vigente e encontram a resistência dos grupos urbanos são constantemente vistos como
que são afetados de maneira negativa por algo, por definição, separado ou subordinado
esses projetos. A resistência mais radical vêm às lutas de classe e anticapitalistas que têm
daqueles que necessitam resistir pra raízes na exploração e alienação do trabalho
sobreviver, dos que não tem outra alternativa. vivo na produção. Se é que os movimentos
sociais urbanos chegam a ser, de fato,
Portanto, a luta social, que a princípio evoca
levados em consideração, são tipicamente
a um reformismo (direito à moradia,
interpretados como meros desdobramentos
mobilidade urbana, reforma agrária, etc.),
ou desvios dessas lutas fundamentais. Na
apesar de negligenciada pela esquerda
tradição marxista, por exemplo, as lutas
tradicional, desenvolve, no próprio processo
urbanas tendem a ser ignoradas ou
de resistência, uma consciência política que
repudiadas como desprovidas de potencial
transcende a luta por direitos e muda seu
ou importância revolucionária. Essas lutas
sentido para uma luta por outra vida, um outro
são interpretadas como algo mais voltado
projeto de sociedade, onde enxerga-se mais
para questões de reprodução do que de
claramente a luta de classes. A luta por uma
produção, ou sobre direitos, soberania e
casa, por escola, por alimentação tem o seu
cidadania, e, portanto, não sobre classe
valor no momento em que, no próprio
(HARVEY, 2014 p. 217).
processo de luta por direitos, rompe-se com o
cotidiano totalmente envolvido com a lógica Em Curitiba, onde boa parte do jogo de
do trabalho. Os participantes de coletivos e poderes que paira sobre a disputa atual pelo
movimentos sociais constroem processos Estado brasileiro se desenrola; onde a
autogestionários interessantíssimos que são questão da técnica e da ciência sempre se
pedagógicos para que se almeje uma luta colocaram como superiores a qualquer outra
mais ampla de superação do capitalismo e do forma de raciocinar; teve dilatadas suas
modo de produção. Para Harvey: fissuras pelo movimento secundarista que
expôs os limites da forma e da lei sobre a vida
Para muitos na esquerda tradicional (o que
cotidiana. O povo fala, cabe ao pensamento
para mim significa principalmente partidos
de esquerda ouvir, e criar estratégias sobre
políticos socialistas e comunistas e a maioria
como agir espacialmente, levando em conta
dos sindicatos), a interpretação da geografia
as reais necessidades e projetos destes
histórica dos movimentos políticos urbanos
sujeitos periféricos. Estamos sentados sobre
vem sendo prejudicada por suposições
um barril de pólvora, e ele há de explodir.

REFERÊNCIAS [6] LEFEBVRE. Henri. Espaço, A produção do


Espaço, a economia política do Espaço. In Espaço
[1] BAITZ, Ricardo. Implicação, um sedimento e Política. Belo Horizonte. UFMG. 2008.
a se explorar na Geografia? In Boletim Paulista de
Geografia. n. 84. 2006. [7] ______. La Presencia y La Ausencia:
Contribuición a la teoria de las representaciones.
[2] BAITZ, Ricardo. O Método oswaldradino: Fondo de Cultura Economica. México. 1980.
uma leitura pela lente da análise institucional e da
teoria da implicação. In: Revista Fronteiraz. n. 11. [8] ______. Posição contra os tecnocratas.
2013 Nova Crítica. 1988. Boitempo. 2006.
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Felipe Garcia; CAMPOS, Larissa; OLIVEIRA, João do Poder. Editora Ática. 1993
Victos Pavesi. A Geografia da Reorganização
[10] SANTOS, Milton. Por Uma Geografia Nova.
Escolar: Uma Análise Espacial à Partir da Cidade
Edusp. São Paulo. 2010.
de São Paulo.
[11] SEABRA, Odette Carvalho de Lima.
[4] HARVEY, David. Cidades Rebeldes.
Territórios de uso: cotidiano e modo de vida. In:
Martins Fontes.São Paulo. 2014.
CIDADES. v. 1, n. 2, 2004, p. 181-206
[5] LACOSTE, Yves. Os países
Subdesenvovidos. DIFEL/Saber Atual. São Paulo.
1975.

Geografia Urbana - Volume 1


151

Capítulo 13

Ignacio Abad Cayuela


Juan Moreno Ortolano

Resumen: Nuestro momento presente ha venido acompañado de grandes y


entusiastas avances tecnológicos y científicos que nos han permitido indagar en la
singularidad y diversidad humana con lentes de gran aumento, sin embargo, son
precisamente esos mismos logros los que sugieren o provocan algunas
interrogantes: ¿Utilizamos los mapas que revelan la comprensión de las mecánicas
del hombre para facilitar su despliegue vital? ¿Hacia dónde dirigimos la mirada
cuando proyectamos la vivienda de un individuo, de una pareja, de una comunidad
o grupo humano?
Durante los cinco últimos años de trabajo, nuestra experiencia profesional (Estudio
de Arquitectura AMo_arquitectura y Arquitectura Humana) nos ha llevado a una
búsqueda que pretende dibujar un territorio proyectual más sensible y en
resonancia con el habitante potencial. Nos hemos visto empujados a adaptar y
utilizar herramientas que permitan la construcción de un mundo social a través de la
arquitectura, más imbricado y asertivo. Nuestra propuesta tratará de explicar la
emergencia y materialización del caso concreto de una vivienda que comenzó a
habitarse hace apenas un año, en Zaragoza. Pretendemos74 identificar, por lo tanto,
una metodología75 arraigada al ser humano, indagando en su bioforma o estructura
interna; tratando, en definitiva, de mirar la arquitectura a través de los procesos
concretos y específicos de la experiencia del habitar.

Palabras Clave: “Diseño Humano”, “Enegrama y eneatipos”, “holístico”, “humanizar”

"La casa parece ser una extensión y un refugio de nuestra constitución y de nuestro
cuerpo."
Juhani Pallasmaa

74
El presente artículo amplía y completa algunas de las cuestiones presentadas en el pasado Congreso ALTEHA V Buenos
Aires, 2017, y en el Fórum Habitar Belo Horizonte, 2018.
75
Metodología que aquí pretende mostrarse como aplicable fundamentalmente al campo proyectual de la vivienda y el
territorio residencial, entendiendo la vivienda como aquel espacio de cobijo existencial que alberga y recoge de manera
más próxima la condición intima, personal, vivencial, familiar e identitaria del hombre, con todos los matices asociados a
esta idea. "Una reflexión sobre la esencia de la vivienda nos aleja de las propiedades físicas del hogar para introducirnos
en el territorio psíquico de la mente. Nos enfrenta a cuestiones de identidad y memoria, de lo consciente y lo inconsciente,
a los remanentes del comportamiento biológico y de las reacciones y los valores condicionados por la cultura."
PALLASMAA, Juhani. Habitar. Barcelona: G. Gili. 2016. Págs. 18 y 19.

Geografia Urbana - Volume 1


152

DEL HOMBRE TIPO AL HOMBRE CONCRETO de contacto con nuestra propia naturaleza
básica78, dando lugar al extendido fenómeno
El hombre, a diferencia del resto de las
de homogeneización social. Los años iniciales
criaturas vivientes que se conocen, es un ser
de condicionamiento dejan profundas huellas
bio-cultural76. En su proceso adaptativo y
en los registros personales de la memoria. De
evolutivo va desarrollando formas de
esta manera quedamos atrapados en una
expresión cada vez más complejas y
estructura repetitiva y predecible de
sofisticadas, que dan lugar a muy diversos
personalidad, que nos aleja de nuestra
modos de organización y relación con el
naturaleza esencial, pasando a afirmarnos
mundo. Construimos códigos y símbolos;
como sujetos previsibles, manipuladores y
lenguajes que nos permiten elaborar
manipulables; víctimas de programas
territorios comunes para el encuentro, cuyo fin
mentales que nos arrastran a vivir desde un
último sería facilitar el intercambio, y una
profundo sentimiento de carencia que en la
comunicación más abierta, rica, fluida y
mayor parte de los casos es inconsciente.
potenciadora con nuestro entorno vital. Sin
embargo, paradójicamente, no es frecuente Por este motivo, consideramos que resulta
que se produzcan avances en esta dirección. apremiante poner en valor las características
innatas de cada individuo, sus fuerzas vitales,
Nos encontramos inmersos en una red
para que pueda llevarse a cabo una gestión
sorprendentemente compleja, constituida por
consciente79 del torrente energético que lo
capas y capas de condicionamiento, de
diferencia del resto de sus semejantes:
influencias intergeneracionales y
disponemos de unos mecanismos de
multiculturales. Por fortuna, ya disponemos de
funcionamiento propios que nos convierten en
cartografías que nos capacitan para ver, tanto
absolutamente únicos, diseñados de tal
el núcleo emergente de cada vida humana,
manera que cada existencia es valiosa para
como la forma velada que prevalece en cada
desempeñar determinadas funciones dentro
individuo, reforzada desde la infancia como
de la comunidad humana de la que
consecuencia de la necesidad vital de crecer
constituimos una parte esencial80.
en relación y convivencia con los demás
seres humanos. Esta cubrición se
corresponde con una fijación o distorsión 78
ALMAAS explica: "En su libro, Ennea-type Structures
cognitiva que es debida a la interferencia (Naranjo, 1990), Naranjo presenta el Eneagrama en forma
organísmica77 propia del contexto familiar y de método para la autoobservación y el estudio, como
parte de un trabajo de realización espiritual más amplio.
cultural en el que se ha desarrollado durante Elabora el modo en que las características de la
los primeros siete años de vida. personalidad de los nueve ego-tipos (que Naranjo
denomina "enea-tipos") son expresiones de pérdida de
El sistema educativo predominante -que no contacto con el Ser, nuestra naturaleza básica, y al
está adaptado a la singularidad del individuo- hacerlo, muestra que el verdadero valor de dicho
provoca en cada uno de nosotros la pérdida conocimiento estriba en ayudarnos a restablecer ese
contacto." ALMAAS, A.H. Facetas de la Unidad.
Barcelona: La Liebre de Marzo. 2002. Pág. 22.
76
"Decir que el hombre es un ser biocultural, no es 79
Señalamos la importancia vital de la toma de
simplemente yuxtaponer estos dos términos, es mostrar conciencia de que sucede, en cada ser humano, un
que se coproducen el uno al otro y que desembocan en despliegue natural de sus ciclos: "La evolución no es un
esta doble proposición: proceso continuo y uniforme. Se produce más bien a
- todo acto humano es biocultural (comer, beber, dormir, saltos, con ocasión de ciertos acontecimientos y/o tomas
defecar, aparearse, cantar, danzar, pensar o meditar); de conciencia. Incluye también regresiones, vueltas
- todo acto humano es a la vez totalmente biológico y sobre los mismos pasos, o lo que parecen ser los mismos
totalmente cultural." pasos.
MORIN, Edgar. La unidualidad del hombre. Este proceso no es ni necesariamente ni siquiera
Disponible en: http://www.gazeta- frecuentemente consciente. El ciclo tiene lugar con
antropologia.es/?p=3508 independencia de la voluntad del interesado. Sin
77
Recogemos aquí la cita entera: "La psicología de los embargo, padecerlo o tomar conciencia de él, producen
eneatipos es un mapa del carácter o de la neurosis o, resultados muy diferentes." CAUVIN, Pierre / CAILLOUX,
dicho en otras palabras, de las variaciones del malestar Geneviève. Sé tú mismo. De la tipología de Jung al MBTI.
humano por el oscurecimiento existencial. La visión del Bilbao: Ediciones Mensajero. 1997. Pág. 90.
doctor Naranjo es transpersonal, y se basa en que la 80
Ken Wilber apunta: "Los elementos constitutivos de
personalidad se forma debido a una interferencia estas jerarquías son los holones, totalidades que, al
organísmica que implica una deficiente experiencia del mismo tiempo, forman parte de otras totalidades.(...) la
Ser, ante lo que la persona desarrolla una pasión, o realidad no está compuesta de totalidades ni de partes,
emoción exagerada, que trata de cubrir ese agujero sino de totalidades/parte u holones. En cualquier dominio
existencial y que acaba perpetuando esa personalidad." que la consideremos, la realidad está básicamente
LLORENS, Antoni. La estructura de la nada. Una raíz compuesta de holones.". Puede verse: WILBER, Ken. Una
común entre el eneagrama y el árbol de la vida. teoría de todo. Barcelona: Kairós. 2001. Pág. 36.
Barcelona: Ediciones La Llave. 2016. Pág. 133.

Geografia Urbana - Volume 1


153

La sobreabundancia y proliferación del teoría caracterológica muy antigua que se ha


hombre tipo al que nos referimos, evidencia transmitido hasta nuestros días por estricta
una señal de alarma que solicita una tradición oral, introducida en occidente por
actualización en la disciplina arquitectónica G.I. Gurdjieff en la década de los 20 y más
mediante la utilización de nuevas tarde adaptada por Oscar Ichazo y Claudio
herramientas de análisis. Gracias a estas Naranjo en la década de los 70- nos plantean
cartografías atendemos al reconocimiento y la una serie de prácticas que tienen por objeto
diferenciación que se pretende, en torno a las descifrar aquellas cartografías individuales
situaciones diversas y plurales que se dibujan que hasta la fecha pasaban inadvertidas. En
alrededor del hombre concreto y las formas ellas podemos encontrar un anclaje profundo
que habita.81 como sustrato catalizador del proyecto
arquitectónico: nos permiten diferenciar de un
modo extraordinariamente preciso, lo esencial
CARTOGRAFÍAS Y ANÁLISIS DEL SER e ineludible, de lo arbitrario y circunstancial
HUMANO en cada ser humano.
Ya a finales del pasado siglo, llegamos a ver, Con lo expuesto antes, y desde la guía de las
a través del estudio de los tipos psicológicos citadas herramientas, se ha puesto en marcha
de Jung82 y el MBTI83, que cada ser humano una metodología que podría definirse como
cuenta con unas particularidades innatas. Las arquitectura Humana85, colocando al verbo
variaciones en la conducta que observamos HABITAR en el lugar más alto del proceso
entre los individuos no son resultado del azar. creativo; un verbo que incluye y abraza la
Se deben, principalmente a cierta orientación condición experiencial del ser humano; el
espontánea que no es producto de la habitante que piensa, que juega, que sueña,
reflexión y cuya intensidad difiere según la que crea e inventa lo cotidiano,... que disfruta
persona. de sentirse vivo y crece en sintonía con un
entorno86 próximo, que finalmente lo escucha,
En los años sucesivos fueron apareciendo
lo respeta y lo protege87. La arquitectura
otras herramientas que nos estimulaban a
Humana entrega al hombre concreto un
continuar ahondando en esta investigación,
medio donde finalmente se siente reconocido,
hasta que se establecieron como eje
potenciado; un ser decisivo e irremplazable.
vertebrador de nuestra metodología de
proyecto: desde hace casi 30 años el Sistema
de Diseño Humano84, y el eneagrama -una
contemporáneas de la mecánica cuántica, la astronomía,
81
la genética y la bioquímica." BUNNELL, Linda / RA URU
"Entender toda inspiración presente en cada uno de los HU. Diseño Humano. El revolucionario sistema de
innumerables medios de expresión del Hombre, trabajar autoconocimiento. Madrid: Gaia Ediciones. 2014. Pág 36.
a partir de nuestras manos, nuestros ojos, pies, 85
Arquitectura Humana es el nombre que lleva nuestro
estómagos, a partir de la base de nuestros movimientos, proyecto. Sus raíces emergen de tres ramas
y no basándose en normas estadísticas y reglas creadas fundamentales del conocimiento: la psicología, la
según el principio de lo más usual; este es el camino arquitectura y la educación, que confluyen con la
hacia una arquitectura que sea tan variada como finalidad de proporcionar herramientas para la evolución
humana." PUENTE, Moisés. Jorn Utzon. Conversaciones y consciente del organismo humano como totalidad y parte
otros escritos. Barcelona: Gustavo Gili. 2010. Págs. 9 y de una totalidad mayor.
10.
82 86
Según Jung: aunque todos disponemos de todas las "Cuando cojo células sanas y las coloco en un entorno
posibilidades, las variaciones de la conducta son, sobre nocivo, las células enferman y mueren. Si un médico las
todo, la consecuencia de las preferencias espontáneas mirara, diría: ¿Qué medicina hay que darles? ¡Pero no
respecto a cuatro dimensiones fundamentales del hace falta ninguna medicina! Les cambias el entorno
psiquismo, cada una de las cuales está definida por dos nocivo, las colocas en uno sano y saludable y las células
polos opuestos que definen los extremos en cuanto a: la sanan. Esto demuestra una cosa muy sencilla: el destino
orientación de la energía, los modos de percepción, los de la célula refleja lo que está ocurriendo en el entorno."
criterios de decisión y el estilo de vida. Op. cit. Sé tú Fragmento de la entrevista al Dr. Bruce H. Lipton, biólogo
mismo... Pág.13. celular.
83
Puede verse en: http://alsol.es/wp-
"El MBTI está estructurado sobre 4 dimensiones content/uploads/BRUCE-LIPTON.pdf
principales, cada una de las cuales está definida por dos
87
polos opuestos:(...) De la combinación de estas ocho Hacemos nuestras las palabras de Juhani Pallasmaa
preferencias resultan 16 caracteres tipo". Op. Cit. Sé tú cuando escribe: "sigo creyendo en la viabilidad de una
mismo... Pág.143. arquitectura de la reconciliación, una arquitectura que
84
El Sistema de Diseño Humano, la Ciencia de la pueda mediar en dar la 'bienvenida' al hogar del ser
Diferenciación, es un nuevo sistema de autoconocimiento humano. Todavía necesitamos casas que refuercen
que sintetiza gráficamente aspectos de “los antiguos nuestro sentido de la realidad humana y de las jerarquías
sistemas observacionales de la astrología, el I Ching esenciales de la vida. El arte de la arquitectura todavía
chino, los chakras hindu-bramines y el Árbol de la Vida puede producir casas que nos permitan vivir con
de la tradición zohar/cabalística; y las disciplinas dignidad." Op. cit. Habitar... Págs. 39 y 40.

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154

De esta manera, la arquitectura no se parámetros estandarizados que alimentan las


propone ya como una herramienta puramente inercias del statu quo, fueron dando paso a
disciplinar o autorreferencial, sino como el requerimientos más auténticos que nacían de
receptáculo a través del cual ponemos a la verificación empírica de su verdadera
trabajar los mapas que se encaminan naturaleza como individuo diferenciado: el Ser
esencialmente a construir espacios, paisajes Humano empezaba a sentirse comprendido y
y escenarios donde las fuerzas humanas se aceptado desde su unicidad.
enraízan y se propagan como directoras del
Roberto se sentía plenamente reconocido.
proceso proyectual, haciendo de las
Las resonancias que la lectura de su Cuerpo
cartografías del ser humano el material más
Gráfico provocó en él, tuvieron consecuencias
apreciado de la acción arquitectónica88.
palpables: compartimos instantes de
emocionalidad profunda. Estimulados por las
premisas esenciales, comenzamos a articular
APLICACIÓN O CASO DE ESTUDIO89
la singularidad del emplazamiento con los
"Nada es tan fácil de ver como la consciencia demás factores de contorno: condicionantes
cuando reconocemos que está incorporada a climáticos, urbanísticos, económicos... Integró
las formas y las estructuras que creamos."90 la esencia de las primeras propuestas y se vio
a sí mismo habitando y creciendo en los
Miriam Simos
espacios que habíamos representado en
Durante más de dos años, Roberto estuvo aquellos primeros planos: la especificidad de
diseñando los espacios para satisfacer su un diseño que emerge desde la verdadera
necesidad de ocupar un entorno privado, en naturaleza de un ser humano, revela formas
una porción de tierra con unas características de habitar que resuenan con la singularidad
específicas. Hizo uso de algunas del individuo desde la que se está
herramientas informáticas gratuitas y se proyectando.
inspiró en las imágenes y los planos ofrecidos
UN DISEÑO PARA SU CO-RAZÓN
por las revistas de vanguardia y diversas
publicaciones. Renunciamos a cualquier imagen
preconcebida, sea abstracta o monolítica; a
Al facilitarnos el material gráfico que había
un urbanismo servil en la medida de lo
desarrollado con cuidadosa dedicación
posible, sobre todo el que nos aleja de la
durante aquellos años, descubrimos a un ser
urbanidad. Nos apartamos de la idea de
encapsulado bajo capas y capas de
universalizar, del hombre tipo, del estilo de
razonamientos e imágenes de la moda
vida contemporáneo, de lo que está vacío de
doméstica difundidas por los medios de
humanidad, de esencia humana o de
comunicación masiva. Para poder darnos
sustancia.
cuenta de sus condicionamientos, fue crucial
el estudio de sus invariantes vitales a través Queríamos saber con qué disfrutaba Roberto
del Sistema de Diseño Humano -SDH- . y cómo experimentaba su cotidianeidad.
Gracias al análisis y la transmisión de su Queríamos saber si ya era feliz.
gráfico individual, la rigidez de sus Necesitábamos descubrir quién era; si estaba
planteamientos iniciales, basados en los satisfecho consigo mismo y cómo
experimentaba el mundo alrededor; su propio
88 mundo. Él era el centro de todas las
Véase: Hacia un habitar arquitectónico
http://lasformasdelhabitar.blogspot.com.es/2014/04/camin propuestas que emergían. La idea germinal
ando-hacia-el-habitar_30.html estaba enraizada en sus fuerzas vitales y el
89
El proyecto al que hacemos referencia en el caso de proyecto estaba dirigido a ofrecerle
estudio que compartimos en este artículo fue visado por
escenarios, recorridos y paisajes en
el Colegio de Arquitectos de Aragón en septiembre del
2014. consonancia con la vida que estaba
Autores de proyecto: Ignacio Abad Cayuela y Pedro creciendo desde sí mismo91.
Antonio Bel Anzué.
Colaboradores: Juan Moreno Ortolano (Licenciado en
Historia del Arte e investigador), Nicolás Buendía Roca
(Arquitecto), Patricia Abadías Monzón (Graduada en
Ingeniería de la Edificación y Máster en Ecodiseño y
91
Eficiencia Energética en la Edificación), María Paz Sáez "…se produce un estado más feliz si nos entregamos a
Pérez (Arquitecta Técnica), Javier Muñoz Escolano y lo que a veces se llama autorregulación organísmica, que
Sergio Calle Pérez (Diplomados en Arquitectura Técnica). es más o menos lo que los chinos llamaban el Tao: la Ley
90
VENOLIA, Carol. Casas que curan. Ediciones Martínez de la Naturaleza." NARANJO, Claudio. La revolución que
Roca. 2012. Pág 40. esperábamos. Ediciones La Llave. 2013. Pág. 144.

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Figura 1. Imágenes de Roberto para su vivienda dibujadas por el mismo.

IMPLEMENTACIÓN DEL SDH EN EL su vida. De esta forma acontece el despliegue


PROYECTO de su ser para ejercer un papel de liderazgo
en su fase de madurez, y desde ahí
En este proyecto, el SDH nos facilitó el gráfico
mostrarnos cómo vivir conforme a nuestra
desde donde acceder a los estratos más
propia autoridad. El ermitaño inconsciente de
profundos de la naturaleza de Roberto. Este
línea 2, dispone de un talento natural y quiere
mapa, además, nos permite deducir con gran
que le dejen en paz para centrarse en sus
precisión la estructura del carácter de cada
afanes. Su genialidad original debe ser
individuo -su eneatipo- que habitualmente se
protegida para permitir que se desarrolle
erige como una fortaleza que tiende a limitar,
naturalmente y puesta a disposición del
de manera dramática, el ámbito de decisiones
mundo llegado el momento. No le vale
y experiencias de su portador. De esta
cualquier cosa, y va a estar atento a una
manera, pudimos reconocer los vehículos
llamada específica y especial que le permitirá
desde donde se despliega el viaje de
poner de manifiesto sus dones y encarnar su
Roberto: el cuerpo físico, mental y emocional,
poder de modelo de conducta.
así como la forma energética que nos revela
las constantes vitales que lo impulsan desde Catalizador de cambios: Su Canal de
su nacimiento y que van a acompañarle el Apertura -22/12- junto con la Puerta de la
resto de su vida. Estas fueron las fuerzas que Crisis -36- definen su naturaleza emocional,
colocamos en el lugar más elevado de en el área derecha del gráfico, que nos revela
nuestro proceso creativo y que, por lo tanto, las dinámicas de un ser social con una
activaron el marco vivencial y relacional del enorme capacidad para provocar cambios en
hábitat de Roberto. la vida de otros individuos. Este potencial
depende del grado de paciencia que cultive y
Descubrimos su manera de establecer un
la profundidad creativa de los sentimientos
estilo de vida a través del reconocimiento de
que se permita experimentar escuchando el
la dualidad fundamental que existe en cada
paso de sus emociones.
bioforma humana: "somos una consciencia
binaria, una síntesis de una consciencia de la
Personalidad y una consciencia del Diseño -la
parte inconsciente de nuestra naturaleza
esencial- y en el perfil podemos comprender
el quantum de las dos."92
Presentamos, en una breve síntesis, las
principales tramas vitales extraídas del
análisis del gráfico:
Proceso vital de tres fases para surgir como
un Modelo de Conducta: El de Roberto, un
perfil 6/2, nos revela una personalidad de
línea 6 que viene a constituirse como ejemplo,
y que pasará por tres fases significativas en

92
Op. Cit. Diseño Humano... Pág. 286.

Geografia Urbana - Volume 1


156

Figura 2. Cuerpo gráfico de Roberto y mapa de la personalidad.

Respeto por sí mismo a través de la escucha Descubrimos que es de enorme importancia


de su propio cuerpo: sus Canales del Poder - para él estar conectado con su flujo
34/57- y del Ritmo -5/15- en sincronía con las existencial a través de su respuesta interna.
activaciones del bazo y el Monopolo Sólo de esta manera todo lo que haga le va a
Magnético93, definen su área instintiva. Es la resultar propicio y natural, y así podrá
parte de su ser que lo conecta con el instante beneficiar sutilmente a quienes le rodean,
vivencial, gracias a la que se siente seguro en conduciéndoles a su propio ritmo y sentido
su espontaneidad. Esta zona ocupa la parte del tiempo.
izquierda del gráfico con el bazo; y los
Dilema interno primordial: dada su naturaleza
centros sacral y monopolo magnético94
-que se deja ver en estas dos definiciones
coloreados en rojo y amarillo en zona central.
separadas- nos damos cuenta del reto que
supone para Roberto afirmarse en su esencia.
93 Con la mente, el corazón y los centros de
"establece nuestra identidad como una dirección a
través del tiempo en el espacio, que llamamos nuestra presión sin definir, el enorme potencial de
geometría. Ahí es donde nuestro flujo de energía único (o sabiduría que deja abierto su diseño puede
definición) nos conecta con el flujo de toda la vida; o haberse transformado en una férrea fijación
cómo estamos conectados con el universo. El Monopolo
mental, al haber experimentado su
Magnético nos va trayendo nuestra vida." Op. Cit. Diseño
Humano... Pág. 68. indefinición desde la carencia y no como una
94
gran apertura a la diversidad y el tremendo
"Los nueve centros son núcleos de energía que
transforman o transmutan la fuerza vital según fluye por el
potencial de enriquecimiento que supone esta
Cuerpo Gráfico." Op. Cit. Diseño Humano... Pág. 66. configuración. La buena noticia es que sólo
necesitará integrar dos claves para comenzar

Geografia Urbana - Volume 1


157

a experimentar su diferenciación; el camino realidad más densa; las dinámicas internas


hacia su autenticidad. En su nueva casa, del habitante fueron confrontadas con el
cimentada sobre estas premisas, se sentirá suelo, los materiales y los climas. Se nos
por fin en un entorno que lo comprende y lo revelaban confluencias; la forma emergía de
protege, donde la expansión de su esta simbiosis sin apenas resistencias.
potencialidad no va a encontrar resistencias
De esta manera, las fuerzas vitales que
para que sus fuerzas vitales le permitan
dinamizaban este profundo deseo de habitar,
habitar el mundo plenamente.
generaban las pautas sobre las que se
constituyó el esqueleto material de su
vivienda.
DE LA ENERGÍA A LA MATERIA
A través del proyecto, los mapas de lo
invisible se fueron transmutando en una

Figura 3. Gestación del edificio utilizando las herramientas de autoconocimiento

Finalmente señalamos los aspectos más casa, de un entorno sin aparente urbanidad.
destacados que, desde el diseño, Se origina una vivienda que emerge desde su
acompañan la naturaleza esencial de condición maciza frente las orientaciones
Roberto: norte y oeste con muros ciegos de gran
espesor para combatir la contaminación
Ambivalencia: el habitante ermitaño y
acústica, proteger del fuerte viento dominante
enormemente social, dependiendo de sus
“el cierzo” y preservar la privacidad.
estados de ánimo, se siente protegido, en su

Figura 4. Vista aérea.

Fuente: Nicolás Buendía Roca

Geografia Urbana - Volume 1


158

Una vez cruzamos el primer umbral; el patio La condición de intimidad se va acentuando


interior de acceso, entramos al espacio de gradualmente a medida que nos acercamos
mayor amplitud de la vivienda. Un espacio hacia la zona este, de descanso, pudiendo
idóneo para socializar a través del que los establecer barreras temporales mediante
espacios exteriores a ambos lados pueden grandes puertas correderas que se ocultan en
conectarse generando una expansión mayor. el espesor de las particiones.

Figura 5. Desde el acceso, la vivienda se muestra, se hace porosa, ofrece escenarios. Fuente:
Nicolás Buendía Roca
· Vinculación con el flujo natural de la vida: la que constituyen una segunda protección. Esta
creación de pautas espaciales y de atmósfera que desdibuja los límites interior–
atmósferas que lo conectarán con el presente exterior, potencia la conexión del habitante
y favorecerán la sincronización de sus propios con los estratos más profundos, más íntimos y
ritmos con los ciclos de la naturaleza. casi abandonados de su naturaleza. Las
Conseguimos que todas las estancias queden aperturas hacia el sur, nos permiten
orientadas hacia el sur mediante una aprovechar la energía pasiva del sol: en
disposición radial que al mismo tiempo verano, las hojas de parra protegen el vidrio
permite una secuencia espacial de espacios de la radiación solar directa, y al
intermedios o umbrales. De esta manera se desprenderse, llegado el invierno, permiten el
intensifica la relación directa con el paisaje paso de los rayos solares hasta el interior de
natural, con las estaciones y los ciclos la vivienda. La leve inclinación de la parcela
solares; con la vida: la luz, la tierra, el aire, el favorece las vistas a las colinas cercanas.
agua y la sombra matizada por los árboles

Figura 6. Fachada interior -sur-. En construcción.

Roberto se encuentra en la segunda fase de La zona más próxima a los dormitorios,


su vida, a la que ingresó entre los 29 y 30 vinculada al patio del almendro autóctono,
años. Se siente cómodo en la retirada, donde toma la luz del norte, evitando reflejos o
poder descubrir lo que es fiable y funciona en sombras. Se trata, sin duda, de la atmósfera
el mundo. Empieza a ser considerado por su más apropiada para acomodar su rincón de
saber. Roberto es un gran lector, que necesita lectura. Este espacio que comunica las
ver los libros para sentirse atraído por ellos. estancias más íntimas de la casa con la parte

Geografia Urbana - Volume 1


159

más abierta y luminosa; será recorrido con dobles o individuales, por lo que posibilitan
frecuencia a lo largo del día. La presencia de distintas opciones de ocupación que permitan
los libros, va a ser una constate que envuelva adaptarse a la futura familia. Mientras llegan
al habitante en un escenario propicio para los niños, quedarán disponibles para amigos,
sentirse seducido e invitado a saborear el familiares o invitados.
placer de la lectura de manera espontánea.
· Su proceso de maduración natural, pausado,
Sus hijos crecerán en un paisaje que los
en tres fases, entra en sintonía y sincronía con
acompañará a integrar el hábito de aprender
la elección de materiales nobles, que
leyendo, de manera casi natural desde sus
envejecen bien con el paso del tiempo. La
primeros pasos. Parece fácil imaginar
vivienda se ha pensado utilizando una paleta
momentos mágicos compartidos en familia
reducida de materiales tradicionales como la
propiciados por la cercanía de los cuentos
madera natural y la piedra que acentúan y
infantiles.
orquestan el acompañamiento de los ciclos
· En esta fase, se encuentra en el momento de naturales con el ciclo global de duración de
crear familia, de expandirse. Las estancias su propia vida.
han sido dimensionadas para que puedan ser

Figura 7. Fachada exterior -oeste-. En construcción.

Fuente: Nicolás Buendía Roca

En líneas generales, acabamos de exponer mismo planeta que él. En este caso, la acción
las directrices organizativas del proceso de arquitectónica se revela como una extensión
investigación que estamos llevando a cabo en de las energías primigenias de cada ser
nuestro estudio durante años, dejando ver la humano, encauzadas mediante la aplicación
clara intención de defender al Hombre a de las cartografías mencionadas a través de
través de la arquitectura, en su condición un proyecto que ofrece entornos de libertad y
incuestionable de ser absolutamente único y protección, y favorece un despliegue vital en
al mismo tiempo proyectado irremisiblemente consonancia con la verdadera naturaleza de
a confrontar su unicidad -a través de su quien está dispuesto a reconocerse, a
propia experiencia y autoexpresión- con el habitarse y a permitirse un viaje en conexión
resto de seres humanos que cohabitan en el con su propia esencia.

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la piel. Barcelona: Gustavo Gili.

Geografia Urbana - Volume 1


Autores
AUTORES
FABIANE DOS SANTOS TOLEDO (Organizadora)
Mestre em geografia pela Universidade Federal de Uberlândia, na área de planejamento
ambiental, atuante em geociências, com ênfase em ambiental - áreas verdes, índice de áreas
verdes, espaços públicos livres e parques urbanos. Possui graduação em Geografia
(Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Federal de Uberlândia, mestrado em
geografia pela Universidade Federal de Uberlândia. Tem experiência na área de Geociências,
com ênfase em Geografia ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: áreas
verdes, índice de áreas verdes, espaços públicos livres e parques urbanos.

ANA CLÁUDIA ROCHA CAVALCANTI


Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco
(1990), mestrado em Prática do Desenvolvimento - Oxford Brookes University (1998) e
doutorado em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (2008).
Pós- Doutorado na Facultad de Ciencias Sociales na Universidad de Buenos Aires (2014).
Atualmente é professora associada 1 da Universidade Federal de Pernambuco. Professora
permanente do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos PPGDH-UFPE.

ANDRÉ LUIZ BEZERRA DA SILVA


Graduado em geografia, com mestrado e doutorado em geografia humana. Também fez
AUTORES

doutoramento em planejamento urbano e regional. Realizou estágio pós-doutoral na


Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua principalmente na área de geografia humana,
estudando temas como mobilidade, transportes e equidade social. É professor de geografia
no Departamento de Educação do Instituto Benjamin Constant - Rio de Janeiro - Brasil,
atuando no ensino básico, técnico e tecnológico e na produção de material didático
especializado para o ensino de geografia. É pesquisador associado do Laboratório Redes
Urbanas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ), onde realiza estudos sobre transportes, mobilidade e
equidade social. Também é membro integrado do Centro de Estudos de Geografia e
Ordenamento do Território da Universidade do Porto (CEGOT-UPORTO), onde estuda
questões ligadas à mobilidade e equidade social. É membro do Comitê Editorial e revisor da
Revista Chão Urbano, do IPPUR-UFRJ.

ANNA PAULA SCHERER LINO


Graduada no bacharelado e licenciatura pela Universidade Federal do Paraná e professora
da rede básica.

ANTONIO JOSÉ DE ARAÚJO FERREIRA


Antonio José de Araújo Ferreira é Bacharel em Geografia e Especialista em Planejamento
Ambiental/UFMA, Mestre e Doutor em Geografia Humana/USP. É Professor Associado II do
Departamento de Geociências/UFMA, assim com é vinculado aos programas de pós-
graduação em Desenvolvimento Socioespacial e Regional (PPDSR) e de Geografia, Natureza
e Dinâmica do Espaço (PPGeo) da Universidade Estadual do Maranhão.

BRENO FONSECA DE ARAÚJO


Arquiteto e Urbanista pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com experiência
em práticas de extensão de assessoria técnica a ocupações urbanas na Região
Metropolitana de Belo Horizonte, e processo de regularização fundiária, ambos coordenados
pelo Escritório de Integração do Instituto de Ciências Sociais da PUC Minas. Coautor em
pesquisa científica "Urbanização e Desastre: o caso de reassentamento de Paracatu de
Baixo, Mariana, Minas Gerais", pelo Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PROBIC Edital
Nº082/2016).
CAROLINE CRISTIANE ROCHA
Graduanda em arquitetura e urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Interesse em pesquisa sobre os impactos da metropolização em territórios rurais, e as
resistências do rural no urbano. Experiência em assessoria técnica direta à ocupações
urbanas por meio de projetos de extensão (2015-2017). Bolsista de iniciação científica com
projeto sobre urbanização de favelas (2018).

CELENE CUNHA MONTEIRO ANTUNES BARREIRA


Profª Drª do Programa de Graduação e Pós-graduarão em Geografia do Instituto de Estudos
Socioambientais da Universidade Federal de Goiás

CÉLIO QUINTANILHA
Graduado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com licenciatura
concluída em 2016 e graduando no curso de Bacharel em Geografia. Pós-Graduando no
curso de Especialização no Ensino de Geografia pela Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ). Professor da rede privada de ensino.

CRISTIANE ALCÂNTARA DE JESUS SANTOS


AUTORES

Doutora em Geografía, Planificación Territorial y Gestión Ambiental pela Universitat de


Barcelona (Espanha). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe.
Licenciada e Bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Professora
Adjunta do Curso de Bacharelado em Turismo da Universidade Federal de Sergipe.

DALVA MARÇAL MESQUITA SOARES


Aluna do curso do Programa de Pós-graduação do Instituto de Estudos Socioambientais -
IESA da Universidade Federal de Goiás - UFG. Área de Concentração: Natureza e Produção
do Espaço.

FELIPE NASCIMENTO
Graduado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com licenciatura
concluída em 2016 e graduando no curso de Bacharel em Geografia. Professor da rede
privada de ensino.

FLÁVIO ANTÔNIO MIRANDA DE SOUZA


Professor Titular do Departamento de Expressão Gráfica e Professor permanente do
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) da Universidade Federal de
Pernambuco. É pesquisador e vice-coordenador do Grupo de Pesquisa Observatório
Pernambuco de Políticas Públicas e Práticas Sócio-Ambientais da UFPE.

GABRIELA MARA BATISTA DE SOUSA


Arquiteta Urbanista pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, cursando a pós-
graduação "Arquitetura Bioclimática: desempenho ambiental da edificação". Possui
experiência em assessoria técnica a ocupações urbanas, com a participação no projeto de
extensão "Assessoria Técnica às Ocupações Urbanas: superestruturas autoproduzidas",
coordenado pelo Escritório de Integração do Instituto de Ciências Sociais da PUC Minas,
além da coautoria em pesquisa científica "Urbanização e Desastre: o caso de reassentamento
de Paracatu de Baixo, Mariana, Minas Gerais", pelo Programa de Bolsa de Iniciação Científica
(PROBIC Edital Nº082/2016).
IGNACIO ABAD CAYUELA
Arquitecto por la Escuela Superior de Arquitectura de Sevilla. Máster de la Construcción.
Especialista en Sistema de Diseño Humano aplicado a la arquitectura. Ha participado como
profesor invitado en la Universidad de Murcia y ha sido conferenciante en diferentes foros. Su
trayectoria profesional se mueve en torno a su estudio propio (AMo_arquitectura y
Arquitectura Humana). Su trabajo también ha incurrido en publicaciones en libros, revistas y
congresos, tanto nacionales como internacionales. Dentro de su trayectoria destacan los
premios recibidos en el Festival de Cartagena "Mucho Más Mayo", en el Concurso para el
Edificio de Laboratorios Docentes y de Investigación "ELDI", conjuntamente con José Manuel
Chacón , el Concurso para la Rehabilitación y adaptación del antiguo Cuartel de Instrucción
de Marinería de Cartagena que fue premiado en la XVI Edición de los Premios de Arquitectura
de la Región de Murcia y con el Premio Internacional Archizinc Trophee y, fundamentalmente,
el premio de Construcción Sostenible 2018 (Ámbito Resto de España, Categoría Vivienda
Unifamiliar).

JOÃO GABRIEL DA SILVA OLIVEIRA


João Gabriel da Silva Oliveira, aluno do curso de licenciatura em Geografia pela Universidade
Federal do Maranhão. Foi bolsista PIBIC/UFMA nas cotas 2016/2017 (FAPEMA) e 2017/2018
(CNPq), com área de estudo voltada para o desenvolvimento socioeconômico do estado do
Maranhão por meio da expansão da agroindústria.
AUTORES

JOSÉ GERALDO PIMENTEL NETO


É bacharel (2006), licenciado (2009) em geografia, mestre em Geografia (2008) e Doutor,
com doutoramento sanduíche na Universidade de Buenos Aires (2014), em Desenvolvimento
Urbano (2017) todos os títulos obtidos na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Atualmente é pesquisador do Grupo de Pesquisa Observatório Pernambuco de Políticas
Públicas e Práticas Sócio-Ambientais da UFPE atuando nas áreas dos regimes urbanos,
geografia humana & organização do espaço e políticas públicas urbanas e está
desenvolvendo pós-doutoramento pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Urbano da UFPE.

JUAN MORENO ORTOLANO


Es profesor en el Departamento de Ingeniería e Investigaciones Tecnológicas -Carrera de
Arquitectura- de la UNLaM (Buenos Aires). Licenciado en Historia del Arte y Máster en
Historia de la Arquitectura. Becario FPU del Ministerio de Educación y Ciencia de España,
Becario Fundación Caja Murcia. Ha sido profesor en la Universidad de Murcia -Departamento
de Historia del Arte- y Personal Docente e Investigador en la Universidad de Alicante -
Departamento Expresión Gráfica, Composición y Proyectos-. Ha sido profesor invitado en las
Facultades de Arquitectura de Plymouth y Buenos Aires (FADU). Ha realizado estancias de
investigación en las Facultades de Arquitectura de Cartagena, Madrid, Barcelona, Buenos
Aires, Nápoles y Lima. Participa y publica en diferentes congresos, revistas y libros
nacionales e internacionales, y desempeña funciones activamente en Estudios de
Arquitectura (AMo _arquitectura y Arquitectura Humana).

KAUÊ AVANZI
Mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, educador no Ensino Básico, poeta e músico.
Gosta de escrever, se divertir e confraternizar.
KEILHA CORREIA DA SILVEIRA
Bacharel em geografia (2006), licenciada em geografia (2013), mestra em geografia (2010) e
doutora em Geografia (2018), todos as formações desenvolvidas na UFPE. Trabalhou como
professor substituta na Graduação do curso Licenciatura em Geografia e curso de Turismo
ambos da UFPE. Atualmente é professora da Faculdade de Ciências Humanas de Igarassu
(FACIG).

LARISSA PRADO RODRIGUES


Bacharelanda em Turismo pela Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo de
Pesquisa Gestão de Turismo e Hospitalidade.

LUCAS MAIA
Graduado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com licenciatura
concluída em 2016. Pós-Graduando no curso de Mestrado em Geografia pela Universidade
Federal Fluminense (UFF).

LÚCIA KARINE ALMEIDA


Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
AUTORES

Gerais (2003), Especialização em Urbanismo pelo Instituo Metodista Izabela Hendrix (2005) e
mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009).
Professora Assistente I do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, desde 2012, arquiteta e urbanista efetiva da Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte, na Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento Urbano. Experiência em
planejamento urbano e regional, licenciamentos de empreendimentos de impacto urbanístico
e ambiental, parcelamento do solo, desenho urbano, planos de inventário de bens culturais
municipais e arquitetura.

PAULA PIRES SANTOS PEREIRA THOMAZ


Arquiteta e urbanista pela PUC-Minas, possui experiência com projetos de extensão,
assessoria técnica a grupos marginalizados, técnicas alternativas de urbanização, estudos
da paisagem e história urbana.

PIERO CARAPIÁ LIMA BAPTISTA


Graduado em Desenho Industrial pela UNEB (2009) e graduado em Arquitetura e Urbanismo
pela UFBA (2011). Mestre em arquitetura e urbanismo pelo PPGAU/UFBA (2014). Lecionou
arquitetura e urbanismo no Centro Universitário Jorge Amado, e atualmente é doutorando no
programa de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo no PPGAU/UFBA, desde 2016. Atuou
como pesquisador no Observatório da Copa – Salvador 2014 (PPGAU/UFBA), e hoje faz parte
do grupo de pesquisa OBSERVA CAS (PPGAU/UFBA) e como investigador no grupo
Diálogos Metropolitanos - Lima/Salvador (FAUFBA e PUC - Perú). Principais temas de
pesquisa: megaeventos, Operações Urbanas Consorciadas, Planejamento Estratégico
Urbano, urbanismo e políticas públicas para os centros antigos.

PRISCILA MARIA DE FREITAS


Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional e Mestrado na mesma área, com Pós em
Gestão de Cidades, Pós em Docência no Ensino Superior e Pós em Crescimento Urbano
Sustentável, Formada em Arquitetura em Urbanismo. Profissional com mais de 10 anos de
experiência, já atuou como autônoma, em escritório de arquitetura e engenharia civil,
elaborando estudos de viabilidades de projetos, suporte técnico e participação na produção
de material técnico de Projeto Executivo. Servidora municipal na Prefeitura de Jacareí desde
2011, atuando em áreas de planejamento estratégico, fazendo parte da Comissão de
Alteração do Plano Diretor de Jacareí, em 2012. Atuou como coordenadora dos cursos de
arquitetura e urbanismo e de engenharia civil da Faculdade Anhanguera de Jacareí; e, desde
2015 atua como docente nessa instituição. Autora do livro "Direito à Cidade Sustentável" e de
diversos artigos científicos na área de arquitetura, educação no ensino superior, direito
urbanístico e planejamento urbano e regional.

VALTER LUIZ DE MACEDO


Geógrafo, mestre e doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), professor do Instituto de Geografia da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) e do Colégio Brigadeiro Newton Braga (III COMAER). Desenvolve
pesquisa sobre a gênese e estruturação do espaço fluminense junto ao Grupo de Estudos do
Território e de História Urbana (GESTHU/IPPUR/UFRJ) e ao Grupo de Trabalho “Políticas
Públicas e Territórios” (CLACSO, Conselho Latino-americano de Ciências Sociais).
AUTORES
Geografia Urbana - Volume 1

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