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Componentes do

planejamento:
reconhecendo a importância
do planejamento urbano

Planejamento municipal
De todos os cenários, o da globalização é o que mais vem influenciando os municípios e as cidades
quanto ao desenvolvimento de suas atividades socioeconômicas. As consequências conduzem a uma
assimetria social e a inúmeras desigualdades. O que mais tem desafiado os planejadores são as chama-
das competitividades entre as cidades. Ora, quando estas pertencem a um aglomerado como os de
áreas metropolitanas, onde a cidade-polo já possui todos ou a maioria dos benefícios da aglomeração,
não há por que pensar em competir com os municípios vizinhos. A cidade-polo deverá adotar uma
postura de cooperação entre elas, pois do contrário ficará com o ônus das periferias desestruturadas e
com todas as mazelas urbanas.
A decisão de cooperar com as cidades de seu entorno descentralizando atividades, principalmen-
te as dos setores secundário e terciário, pode levar a uma quase simetria econômica, conduzindo a po-
pulação a procurar postos de empregabilidade fora da cidade-polo.
O poder local vê-se num dilema: de um lado, a concentração de pessoas e atividades resultando um
desenvolvimento e maior nível de atividades econômicas, e de outro as desigualdades sociais, provocando
inúmeras contradições em relação ao acesso aos serviços e a busca das vantagens da aglomeração.

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Os cenários que foram formados apresentam, além das desigualdades em todos os sentidos, as
graves respostas da natureza para a apropriação descontrolada do solo. A falta de respeito pelos com-
ponentes do meio natural causa os desequilíbrios ambientais.
Isso resulta em uma má qualidade da vida urbana, sendo necessário conservar a natureza, por
meio de ações que determinem um padrão cultural para as comunidades.
Os princípios do manejo consciente dos recursos naturais podem e devem ser as premissas para o
desenvolvimento sustentável. Isso implica em mudanças comportamentais em relação à apropriação do
espaço urbano e aos bens e serviços. A economia de energia, por exemplo, a reciclagem dos materiais
utilizados e do lixo produzido, a conservação dos recursos hídricos, a utilização e reutilização da água e
o aproveitamento das espécies vegetais como forma de amenizar os efeitos da poluição do ar e do solo,
podem ser comportamentos éticos em relação aos princípios da sustentabilidade.
De qualquer forma, nada pode ser feito sem a participação ativa da população nesse processo. Os
programas educativos de caráter ecológico-cultural podem instrumentalizar o cidadão para a escolha
das áreas a serem ocupadas na cidade.
A visão ecológica estendida à população por meio de um vasto programa de educação ambiental, em vários níveis, daria
ao cidadão e às comunidades de bairro uma visão mais crítica na escolha de seus lugares de alta permanência, tendo
como ponto focal a qualidade de vida. Dessa forma a demanda por habitações, a começar pelas classes mais privilegia-
das, partiria de uma gama de valores ambientais que levaria tanto os órgãos governamentais quanto o setor imobiliário a
mudarem suas atitudes imediatistas quanto à ocupação e exploração do solo urbano. (FRANCO, 1997, p. 204)

O sistema de planejamento municipal, contudo, ainda carece de sistema de informações de to-


dos os gêneros, sejam dados econômicos, financeiros, do perfil populacional ou até mesmo ambiental.
Somente por meio de dados precisos e organizados é que a ideia de planejamento pode ser dissemi-
nada. Também os princípios de desenvolvimento sustentável no contexto das políticas, programas e
projetos municipais podem reverter as perdas dos recursos ambientais.
A comunidade deve identificar as lideranças, que possam compor com o poder público o pro-
cesso de definição das estratégias para o desenvolvimento municipal. Essa dinâmica, além de ser um
princípio constitucional, agrega valores locais ao planejamento, conferindo, sem dúvida alguma, uma
maior legitimilidade ao processo.
É possível pensar um sistema permanente de planejamento a partir de uma lógica que defina as
vocações locais de desenvolvimento. A questão mais polêmica diz respeito às dimensões do planeja-
mento, pois aliar a técnica à política é uma arte, o que vem desafiando ao longo dos tempos as duas par-
tes. Tudo isso deve ser aliado à informação sobre os recursos públicos, disponíveis para cada segmento
municipal e programados na gestão orçamentária.
O gestor público deve partir dos princípios básicos da economicidade, da eficiência e da efeti-
vidade na aplicação dos recursos públicos. Ser econômico é partir do princípio de que os recursos são
escassos e que devem ser gastos com toda a cautela possível. Ter eficiência é poder atender de maneira
racional às reivindicações comunitárias. E ter efetividade em suas ações é poder atender a comunidade
em determinado setor num maior espaço de tempo.
Dessa forma, a hierarquização da aplicação dos recursos públicos é imprescindível nas ações de
planejamento para que o Poder Público atenda uma maior parcela da população.

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Planejamento urbano
Para que se possa falar em “urbano”, primeiramente devemos caracterizar esse espaço. O território
municipal é constituído de porções distintas, denominadas de urbanas e de rurais. As áreas urbanas são
formadas a partir das sedes dos distritos administrativos, sendo que o principal distrito é denominado de
distrito-sede e abriga o Poder local (Executivo e Legislativo). Essas áreas se caracterizam por apresentar
maior densidade1 demográfica ou populacional e maior densidade construída do que na área rural, e são
conhecidas como “cidades”.
As áreas rurais se diferenciam das áreas urbanas, principalmente pelo tipo de atividade, que é mais
voltada ao setor primário da economia (agricultura, pecuária), e onde as propriedades possuem uma
maior dimensão.
Outra questão a ser conceituada diz respeito ao planejamento, principalmente, no caso, ao pla-
nejamento urbano. Ora, se estamos nos referindo ao urbano, já podemos saber de antemão que esta-
mos falando sobre cidades. “[...] começaria pela noção de planejamento que creio ser a mais simples
e comum: o contrário da improvisação. Uma ação planejada é uma ação não improvisada. Uma ação
improvisada é uma ação não planejada” (FERREIRA, 1992, p. 15).
O estudo para a modificação de um ambiente urbano, suas especificidades e o conhecimento da
situação em que a cidade se encontra podemos denominar de planejamento urbano.
Planejamento, assim como o inglês planning, o alemão planung, o francês planification e o espanhol planeamiento, tem
raízes muito antigas, que remetem ao latim planus. O estabelecimento de um plano inicial e a ação em conformidade
com esse plano, que é uma definição aproximativa do que seja o planejamento (urbano ou qualquer outro), tinha a
ver, originalmente, com a representação bidimensional de uma construção – o plano dessa construção. Como se per-
cebe até intuitivamente, a palavra planejamento sempre remete ao futuro. Esse conteúdo essencial permanece se se
transfere a discussão para a seara do planejamento urbano, coisa muito diversa e infinitamente mais complexa que
o planejamento de uma construção, por envolver todo um coletivo social prenhe de conflitos e contradições e uma
ponderável dimensão de imprevisibilidade. (SOUZA, 2006, p. 149, grifo do autor)

A coordenação das ações, de certa forma, precisa ser organizada para que os habitantes, as ativi-
dades, os edifícios, os equipamentos sejam dispostos no território da cidade de forma harmônica. Isso
pode disseminar os conflitos na cidade, justamente pela previsão das localizações urbanas. Um viés
importante do planejamento, nesse caso, vem a ser o “ecourbanismo”, vertente do planejamento preo-
cupada com o meio ambiente.
O planejamento estratégico vem sendo adotado gradativamente para as áreas urbanas, com a
preocupação de mercado, sendo que muitos autores se referem à cidade como mercadoria, locais onde
se pode investir.
Inspirado em conceitos e técnicas oriundos do planejamento empresarial, originalmente sistematizados na Harvard
Business School, o planejamento estratégico, segundo seus defensores, deve ser adotado pelos governos locais em
razão de estarem as cidades submetidas às mesmas condições e desafios que as empresas. (Maricato; Arantes;
VAINER, 2004, p. 76)

Enquanto o planejamento estratégico tem a preocupação com o mercado e o ecourbanismo com


o meio ambiente, surge o Estatuto da Cidade, cuja preocupação é a participação popular. Todas essas
abordagens vão ocasionar o planejamento de gestão, voltado à administração de determinada situação
a partir dos recursos disponíveis, principalmente os financeiros.
1 Relação habitantes ou metros quadrados construídos pelo território, normalmente a medida utilizada é m²/ha (hectare) ou hab/ha (hectare).

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Tendo como principal prática a noção de equilíbrio, o planejamento urbano e o sistema de pla-
nejamento devem ter como objetivo principal o estabelecimento de um padrão superior da qualidade
de vida da população. Uma ocupação ordenada do solo, a localização adequada das moradias e das
diversas atividades que proporcionam empregabilidade à população, áreas de lazer com a devida con-
servação do meio ambiente, acessibilidade aos serviços de saúde, educação e cultura devem ser deter-
minados por dispositivos que orientem o crescimento da cidade e proporcionem um bem-estar geral.
Na verdade, o planejamento urbano deve ser encarado como um olhar futuro sobre o território da
cidade, prevendo os compartimentos que devem ser mais bem aproveitados e aqueles que possam vir
a ser ocupados de forma sustentável. Tudo isso aliado aos aspectos que dão suporte legal às ações de
planejamento – a legislação urbanística.
O futuro das cidades depende somente de um planejamento que apresente objetivos claros e
consistentes, políticas públicas eficientes, uma participação popular ativa e disponibilidade de recursos
financeiros.

Tamanho das cidades/densidade urbana


A noção do espaço urbano, que diz respeito à cidade, é concebida a partir de um perímetro, uma
poligonal fechada, denominada de perímetro urbano. Ela deve ser objeto de lei municipal, onde devem
constar todos os pontos para a sua definição como também a área total da cidade.
Mas a pergunta que fica é quanto ao tamanho desse perímetro, ou seja, qual o tamanho ideal de
cidade. Ao atingir determinadas dimensões, ou seja, a partir de determinado tamanho, a cidade passa
a apresentar cada vez mais complexidades, justamente por conta do atendimento às necessidades da
população. O abastecimento d’água, a coleta e disposição final dos resíduos sólidos, a conservação do
meio ambiente natural em contraposição à ocupação do território, e outros temas, devem ser dimensio-
nados a partir do tamanho da cidade.
Em contrapartida a isso aparece também a lógica do mercado de terras, cuja argumentação é a
do capital imobiliário. Para salvaguardar a apropriação do território e dar suporte a todas as atividades
urbanas, assim como regulamentar essas atividades, o zoneamento de uso e ocupação do solo urbano
vem definir, inclusive, o mercado de terras. A administração desse espaço urbanizado conduz a um grande
desafio. Por um lado, a definição de políticas públicas para atender as demandas crescentes da popu-
lação, e de outro, a capacidade de definir fluxos de investimentos pelo capital imobiliário por meio de
locais que produzam uma ocupação produtiva em termos de mercado. O tamanho da cidade pode
comprometer esses investimentos.
Para além das medidas caracterizadas como genéricas urbanas, coloca-se em debate o tema das medidas intraurbanas,
estabelecendo de saída uma diferença entre a noção administrativa do território como área de abrangência de dados
e a construção de medidas ambientais coletivas e territoriais. (KOGA, 2003, p. 104)

A referência para o tamanho e a medida da cidade tem como principal componente a densidade.
Através dela é possível dimensionar as possibilidades de infraestrutura e serviços, assim como a acessi-
bilidade à terra urbana.

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A densidade é um dos mais importantes indicadores e parâmetros de desenho urbano a ser utilizado no processo
de planejamento e gestão dos assentamentos humanos. Ela representa o número total da população de uma área
urbana específica, expressa em habitantes por uma unidade de terra ou solo urbano, ou o total de habitações de uma
determinada área urbana, expressa em habitações por uma unidade de terra. Geralmente utiliza-se o hectare como
unidade de referência quando se trabalha com áreas urbanas. A densidade serve como um instrumento de apoio à
formulação e tomada de decisão por parte dos planejadores urbanos, urbanistas, arquitetos e engenheiros no mo-
mento de formalizar e decidir sobre a forma e extensão de uma determinada área da cidade. Serve também como
um instrumento para avaliarem-se a eficiência e a performance das propostas e/ou projetos de parcelamento do solo.
(ACIOLY; DAVIDSON, 1998, p. 16)

O significado da densidade urbana vai depender do conceito que se quer atribuir. Como ela tra-
duz uma relação com o território, ao se pensar como a população está distribuída nesse território, pode-
mos ter: a densidade populacional ou demográfica – habitante por hectare, a densidade construída ou
edificada – metros quadrados por hectare, ou a densidade habitacional – habitações por hectare.
Também, a partir da observação da Lei Federal 6766/ 792, que estabelece que 35% do território da
cidade seja dotado de áreas públicas – praças, ruas, locais para implantação de equipamentos públicos –
podemos considerar as densidades: líquida e bruta. A densidade líquida é calculada a partir da subtração
das áreas públicas, e no cálculo da densidade bruta o que vale é a área total da cidade.
Para se ter uma ideia da densidade urbana, podemos ter como base um hectare, que vem a ser
igual a 10 mil metros quadrados. Uma quadra na cidade normalmente possui essas dimensões. Se pen-
sarmos que teremos que subtrair 35% para as áreas públicas, restará uma área líquida de 6,5 mil metros
quadrados a ser loteada. Dividindo-se essa área pela área do lote mínimo previsto para o local, teremos
o número de lotes na quadra (para efeito de exemplo vamos utilizar um lote mínimo de 250 metros qua-
drados, então teremos na quadra 26 lotes). Se para cada lote tivermos uma habitação unifamiliar3 (utili-
zamos atualmente 3,3 pessoas por família, de acordo com o IBGE – Síntese de Indicadores Sociais 2003),
teremos em cada lote 3,3 pessoas e na quadra 85,8 pessoas, o que resultaria em 85,8 habitantes por hec-
tare (85,8hab/ha), como densidade líquida. O cálculo para a densidade bruta resultaria em 55,77hab/ha.
A seguir um quadro explicativo sobre os cálculos de densidades anteriormente elaborados:

Densidade (hab) Área Densidade (hab/ha)


Líquida 6 500m² ou 0,65ha 85,8
Bruta 10 000m² ou 1ha 55,77
Ao se propor outras tipologias de ocupação para a cidade, a densidade poderá aumentar ou dimi-
nuir. De acordo com isso podemos supor que a terra urbana pode ter seu valor influenciado na medida
em que as possibilidades de uso de determinado lote se estabeleça. A lógica do mercado imobiliário se
baliza nessas questões. Quanto maior a densidade que determinada área da cidade possa vir a ter, maior
o valor da terra. Isso também influencia a apropriação da infraestrutura urbana, pois se tivermos uma
densidade maior, teremos um melhor aproveitamento e até mesmo uma racionalização dessa infraes-
trutura.

2 Lei do Parcelamento do Solo, que trata dos loteamentos e desmembramentos, assim como fixa algumas condicionantes para a ocupação
do solo urbano.
3 Habitação unifamiliar é a moradia para somente uma família no lote.

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Texto complementar
Densidade, paisagem urbana e vida da cidade: jogando um pouco de luz
sobre o debate porto-alegrense
(VARGAS, 2007)

Fundamentos
O atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (1.° PDDUA, Lei
434/99) está fundamentalmente baseado na questão da densidade. Essa medida originária da geogra-
fia e que mensura a relação entre quantidade de pessoas e quantidade de espaço foi a variável-chave
utilizada para determinar os regimes urbanísticos e orientar o desenvolvimento urbano de nossa cida-
de, conforme expresso nos textos e capítulos que conformam o arcabouço conceitual do Plano.
Isso indica um viés eminentemente técnico, para não dizer tecnicista, onde modela-se uma
cidade pensando apenas na quantidade de gente (e, consequentemente, de construções) “suportá-
vel” pelas regiões ou setores da cidade, deixando em segundo plano as questões de paisagem, qua-
lidade ambiental, patrimônio coletivo e dinâmica social urbana. É uma opção pragmática, atrelada
às lógicas da burocracia administrativa e voltada ao atendimento dos condicionantes financeiros,
a qual busca prioritariamente equilibrar o orçamento por meio da minimização dos gastos e da ma-
ximização das receitas, visando o atendimento da infinidade de demandas hoje colocadas sob a
responsabilidade da municipalidade. Com isso, abre-se mão de anseios mais elevados para o futuro
da cidade e da coragem de subverter restrições administrativas em prol de uma real qualificação do
ambiente urbano. Essa tendência por si só já constitui um desalento para todos os que conhecem
um pouco da tradição do urbanismo porto-alegrense, a qual nos conta uma história de quase cem
anos de humanismo e sofisticação de pensamento, de ousadia e utopias, para muito além do herme-
tismo técnico e do pragmatismo econômico que se verifica nos dias de hoje. Quem não conhece essa
história também tem motivos para lamentar, pois constatará que a “capital da qualidade de vida”, a
cidade da participação popular, o foco das atenções planetárias por sua cultura, suas conquistas e
mobilizações sociais, trabalha com uma matriz de planejamento urbano limitada e um tanto míope
como a do planejamento por densidades.
Pois bem, esqueçamos por um momento nossas aspirações e aceitemos o planejamento por
densidades, o qual nos propõe um modelo de cidade baseado em distribuição de populações em
função da “otimização” da infraestrutura. O estado da arte de tal escola de planejamento indica a
necessidade de trabalhar com valores de densidade que incluam não apenas os moradores, mas
também os trabalhadores e usuários permanentes das áreas, pois todos “consomem” igualmente
a infraestrutura. Assim, ao invés de falarmos em “habitantes por hectare” (hab/ha) o mais preciso
é utilizar valores de “economias por hectare” (eco/ha) para medir densidade urbana, pressupondo
que a cada economia corresponde um determinado número de pessoas. A partir dessas premissas,
foram definidos padrões de densidade para as diversas regiões da cidade, determinando o quanto

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essas regiões poderiam ou deveriam “encher-se”, sob

Domínio público.
o argumento da necessidade inapelável de adensa-
mento. Tal argumento baseia-se na tese, a primeira
vista bastante convincente, de que Porto Alegre é
atualmente uma cidade “deseconômica”, possuindo
muitas áreas com baixas densidades que possuem
boa acessibilidade e são dotadas de infraestrutura ur-
bana. Infraestrutura, numa acepção moderna, indica,
além da pavimentação e das redes de água, esgoto
e energia, também as áreas verdes, os equipamentos
Figura 1.
públicos, os serviços urbanos (transporte, limpeza
pública), as instalações comerciais, de lazer e cultura
e todos os demais recursos coletivos necessários para
a vida na cidade. Assim, segundo a filosofia do Plano,
todos estariam pagando (por meio dos impostos) para
prover recursos urbanos a alguns poucos ocupantes

Domínio público.
dessas áreas “privilegiadas” e forçando a expansão do
assentamento para cada vez mais longe, acarretando
também custos elevados de urbanização e funciona-
mento da cidade.
Esses padrões de densidade ideais deram ori-
gem aos índices de aproveitamento do PDDUA,
mecanismo essencial do controle urbanístico e que
indica a quantidade de construção possível em cada
terreno privado em função de sua área (o “potencial Figura 2.
construtivo”). Com base em tamanhos consagrados
de apartamentos, conjuntos ou salas (as chamadas
economias), essa quantidade de construção possível
gerada pela multiplicação da área do terreno pelo
seu índice de aproveitamento possibilita a inferência
Domínio público.

de quantas economias resultarão de cada obra e, con-


sequentemente, qual será a densidade resultante na
zona ou no quarteirão. Acrescente-se aí o chamado
solo criado e os demais mecanismos de transferência
ou comercialização de potencial construtivo, para os
quais foi previsto um “plus” na densidade, sempre,
segundo o modelo, compatível com a capacidade da
zona (na realidade, compatível com a capacidade ideal
de uma zona com aquelas características). Perfeito:
estava dado o modelo, estavam definidos os regimes, Figura 3.
estava montado o sistema de monitoramento da
densificação. E o PDDUA foi às ruas.

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O resultado espacial

Domínio público.
Se pensarmos que um quarteirão tradicional,
com área de 10 000m2 (um hectare líquido) pode ser
parcelado em 32 lotes com pouco mais de 300m2
(o lote “clássico”) e ocupado com uma economia por
lote, temos uma densidade líquida resultante de 32
economias por hectare. Cabe aqui abrir um parêntese
e explicar a diferença entre densidade líquida e bruta.
A primeira refere-se ao número de economias dividido
exclusivamente pela área privada dos quarteirões (do
alinhamento para dentro), enquanto a segunda divide
a quantidade de economias existente em uma determi-
Figura 4.
nada região por sua área total em hectares. É um cálcu-
lo “a varrer”, independentemente da existência de ruas,
praças, equipamentos ou demais áreas públicas no
interior da zona medida. A densidade bruta é, portanto,
menor e, em geral, ela corresponde a um valor entre

Domínio público.
50 e 65% da líquida. De volta ao exemplo, podemos
considerar então que 32eco/ha líquido é um valor de
densidade “baixa”, característica de zonas exclusiva-
mente unifamiliares – um lote, uma casa (figura 1).
O PDDUA fala em densidades líquidas da ordem
de 170 a um máximo de 260eco/ha líquidos por quar-
teirão, em zonas com índices de aproveitamento altos
e com incidência de solo criado. Esse valor máximo
corresponde a cerca de 7,8 vezes a densidade-padrão
unifamiliar, deixando claro qual é o “tamanho” do
adensamento proposto para algumas regiões de Porto Figura 5.
Alegre.
E do ponto de vista espacial? Quais as conse-
quências de tal modelo? Como fica o ambiente ur-
bano com esses níveis de adensamento? Tomando
Domínio público.

novamente o exemplo anterior, imaginemos como


podem ser distribuídas este máximo hipotético de 260
economias em nosso quarteirão de um hectare: 16 edi-
fícios de 4 pavimentos com quatro economias por pa-
vimento (figura 2). Ou 8 edifícios de 8 pavimentos com
quatro economias por pavimento (figura 3). Ou ainda,
4 edifícios de 16 pavimentos com quatro economias
por pavimento (figura 4). Qualquer um, é uma simples
questão de gosto, dirão alguns (e boa arquitetura, di-
ria eu), imaginando que estamos a tratar de um quar-
teirão vazio em uma cidade abstrata, sem nenhuma Figura 6.

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ocupação adjacente ou contexto preexistente. Realmente, nessas condições é possível aceitar quatro
torres de 16 pavimentos harmoniosamente dispostas em uma quadra, com grandes afastamentos e
baixa ocupação do solo (figura 2).
Modelos tridimensionais com simulação da exata posição solar do dia 15 de setembro, às 10h
da manhã em Porto Alegre.
Também é uma imagem agradável um conjunto de oito prédios distribuídos na quadra, com
formas elegantes configurando um arranjo de viés modernista. Ou, como na primeira hipótese, um
padrão europeu, com edifícios relativamente baixos colados uns aos outros, formando um quarteirão
compacto, homogêneo e com seu miolo totalmente livre, bem iluminado e ventilado.
Não esqueçamos, porém, que estamos falando de uma cidade real, viva e presente, com
estrutura já consolidada e paisagens consagradas. A verdadeira consequência desse tipo de aden-
samento aplicado grosseiramente sobre a cidade preexistente são quarteirões caóticos espalhados
indiscriminadamente por todo o território da cidade, com uma ou duas torres inseridas em meio a
alguns prédios pequenos de diversos tipos e poucas casas remanescentes (figura 5).
É a lógica mercadológica, irrefutável do ponto de vista da dinâmica capitalista. Muito bem.
Entretanto, a cidade não pode ser simplesmente transformada em linha de montagem nem subme-
tida exclusivamente aos interesses da indústria (aliados ao interesse do Poder Público em arrecadar
recursos com a venda do solo criado), especialmente quando a “matéria-prima” para a fabricação
desses produtos é a terra.

Prof. Arquiteto Júlio Celso Vargas: Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (1993) e mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS (2004). É professor titular do
Centro Universitário Ritter dos Reis, desenvolvendo atividades na graduação, pós-graduação, pesquisa e extensão. É
profissional credenciado pelo Ministério das Cidades para elaboração de Planos Diretores e tem atuação privada na
área da Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em planejamento e projeto do espaço urbano e regional. Atualmente é
membro da diretoria do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/RS) e conselheiro do Conselho Regional de Engenharia
Arquitetura e Agronomia (CREA/RS).

Atividades
1. Calcular a densidade líquida de uma quadra.

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2. Quantos lotes poderão ter numa área de terra com 150 hectares, onde será feito um loteamento,
em cuja área está previsto lote mínimo de 300m²?

3. Calcular para a área de 150 hectares, do exercício anterior, a densidade bruta e a líquida, sabendo-
-se que a área prevê uma ocupação de habitações unifamiliares.

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Gabarito
1. Procure fazer um levantamento de uma quadra residencial em seu bairro. Faça uma contagem de
quantos lotes existem na quadra e calcule a densidade líquida populacional. Para isso, elabore a
medição da quadra para ter a área líquida da quadra, pois quando a quadra foi definida já foi reti-
rado o percentual de 35% relativos às áreas públicas. Multiplique o número de lotes encontrados
por 3,3 (pessoas por família) e será encontrado o valor da densidade líquida da quadra.

2. Nesse caso deve ser retirado, do total da área a ser loteada, o percentual de 35% relativos às áreas
públicas, sendo que os 65% restantes deverão ser divididos pela área do lote mínimo, resultando
no número total de lotes que poderão ter na referida área.

3. O cálculo para a densidade bruta deverá ser feito a partir da área total de 150 hectares. Para isso,
deverá ser tomado o número de lotes obtido no exercício anterior, multiplicando por 3,3 pessoas
por lote resultando na densidade líquida. Para a densidade bruta deverá ser utilizada toda a área
de 150 hectares, porém com o mesmo número de pessoas.

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