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104 FLORENTINO LOPES CUEVILLAS

tivo menor estensión ou que acadou mais curta perduranza que a


localizada nos rios, e non temos acerca dela outra referencia que
a que sobre o santuario do San Andres de Teixido, consina Fede- Cancioneiro de Celorico de Basto
rico Maciiíe1ra (') nos parrafos que a continuación trascribimos:
POR
<Ao pe da h ermida xurde dentre as penedas un manan!ial
de augas cristaiiías que cbaman a Fonte do Santo, sendo moitos os FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA
romeiros que baixan a bebela e a consultarlle ao San Andres se
;lo Mestre insigne da Etnografia portuguesa, Senhor Professor
!les mostrará propicio nas doenzas cuio remedia improran. O meio Leite de Vascollcelos, humilde e respeitosa homenagem .
.de inquerilo non pode ser mais sinxelo nin mais inocente: no amprio
pilo onde por catro canos deita a fonte, acugulada sempre da rica
linfa, botan un anaco de pan, que se sobrenada, é proba segura
de que a romaxe surtiu os desexados efeitos, mais se afonda cos- Nas férias grandes de 1932 vivi mais dum mês na vila de
-titue un ruin presaxio.]) Celorico de Basto. Esta região é duma beleza quási trasmontana,
E coisto damos fin ás presentes notas, reservando o seu se bem que ainda faça parte da Província do Minho. A sua paisa-
comentaria pra cando a información folklórica sobre as fontes gem abrupta apresenta-nos panoramas duma larguíssima riqueza
galegas estea mais compreta que na aitualidade. visual.
Foi nesta vila, situada nos confins do Minho, pertença do
Ourense 7 do Sant-Yago I934. Distrito de Braga, a qual serve de fronteira a Trás-os-Montes pela
Vila de Mondim de Basto, que fica já no Distrito de Vila Real,
foi ali que eu ouvi cantar os rapazes e as raparigas as quadras
com que organizei êste cancioneiro.
Em pleno coração da vila existe uma histórica e tosca hos-
pedaria, conhecida por Hotel Central ou melhor ainda por Hotel
da Mota, nome êste que tem a sua origem numa antiga proprie-
tária. Foi neste edifício que o autor destas linhas teve ocasião de
<:onviver com os tipos mais populares do lugar, apreciando o seu
modo de viver simples e bom.
Justo é dizê-lo, que me receberam com uma simpatia sem
limites, desde o mais humilde habitante até ao mais grado.
Esta gentileza permitiu que eu pudesse obter dados curiosís-
simos àcêrca da maneira de ser dêste povo, tão diferente da do
(1) San Andrés de Tei2ido, pax., 10.
baixo Minho e especialmente com uma psicologia tão diversa d~
s
FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO I07
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ções. No entanto seja-me lícito destacar o nome do honrado celo-


gente de S. Simão de Novais (Vila Nova de Famalicão), que em
riquense Ex.mo Sr. Comendador Justino da Mota Ribeiro, pelos
tempo estudei.
De tôdas as pessoas, filhas do povo mais humilde, destacarei• subsídios verdadeiramente importantes que me forneceu.
Quis conhecer a origem de Celorico e dos principais monu-
um curioso rapaz que me conseguiu uma preciosa colecção de
mentos do seu Concelho, não sob o rigorismo científico da his-
quadras.
tória, mas sim debaixo da fantasia da voz do povo.
Vivo e esperto, com uma certa facilidade de escrever, foi um
Parece que Celorico de B 1sto é nome de remota antiguidade.
bom colaborador.
liá quem afirme que Celorico tem a origem do seu nome nos seus
Habituado a ver os progressos porque tem passado S. Simão·
primeiros habitantes, os "celorinos :P.
de Navais, onde o industrialismo vai destruindo tudo o que havia
óTerá o nome de Basto origem nos < bastianos > ou « bastios,
de característico dêstes sítios, foi com vivo prazer que me des- '
da Andaluzia, que parece terem vindo até junto das margens do
loquei até uma terra ainda, relativamente, pouco atingida pelos
Tâmega?
chamados benefícios da civilização.
Pode dizer-se que o folclore, com o seu cortejo de hábitos,. Deixo êste problema aos historiadores para o resolverem.
costumes, modos de viver e modos de ser da gente de S. Simão O povo tem o direito de criar a lenda, para dar largas ao
de Navais quási que desaparece. A doce cantiga popular, devido seu prodigioso génio inventivo.
principalmente à invasão das fábricas, tem sido substituída pelas. Ao homem de ciência compete registar e interpretar os fac-
<copias, mais imbecis das revistas da cidade. Por isso, tudo o tos históricos, com o maior rigor, libertos de tudo aquilo que for
que hoje se fizer para arquivar o que ainda resta do Cancioneiro pura fantasia. No meu caso, deixo-me ir ao sabor de informações
do povo português, é um acto do mais alto nacionalismo. Quis que tive, sem cuidar da veracidade absoluta dos factos rela-
Deus, repito, que Celorico não tivesse ainda sido vítima dos pro- tados.
gressos da indústria, que, roubando a gente aos campos, não se> E dito isto continuemos ...
lhes tira a saúde do corpo, mas também a do espídto. Tenho em Faziam parte das <terras de Basto>, antigamente, os Conce-
mente fazer um dia, sabe-se Já quando, um estudo mais completo lhos de Celorico, Mondim e Cabeceiras, confinando nos seus
sôbre as Terras de Basto. Por hoje pretendo apenas publicar, como extremos com Amarante, Felgueiras e Barroso.
contribu"ição ao Cancioneiro popular português, um Cancioneiro De tudo aquilo que em Celorico mais me impressionou, foi
de Celorico de Basto. Terá perto de quatrocentas quadras e será. sem dúvida o Castelo, magnífico, velhinho, que, do cimo dum
por assim dizer, a primeira série dum futuro e grande Cancioneiro monte, domina uma pa'isagem cheia de cor e de imponente
desta região, pois que Celorico bem o merece pela riqueza de magestade. É o «Castelo dos mouros> para a gente daquelas
redondezas ...
material que aí se encontra.
Não foi só entre a gente humilde, como atrás disse, que 1. De há quanto tempo datará o antigo e nobre Castelo de
encontrei facilidades para levar a cabo a tarefa que me propus. Celorico?
Várias pessoas categorizadas de Celorico me prestaram informa-. Parece estar averiguado que já existia no tempo dos romanos.
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Contaram-me o seguinte episódio, que tem o seu quê de


curioso:
O alcaide-mór do Castelo do tempo de D. Denís pretendeu
entregar as chaves do Castelo à Rainha Mãi e, como ela não
aprovasse a resolução, o alcaide, depois de ponderar bem o caso, Entremos agora, e já não é sem tempo, no estudo do Can-
optou pelo seguinte: pegar fogo ao Castelo e, ao mesmo tempo, cioneiro.
descer para a povoação por uma corda, gritando: <Acudam ao Vamos, através dêle, apreciar a sensibilidade, a maneira de
Castelo de El-Rei que se queimai> ver, os hábitos e os costumes da gente dêstes lugares. Cada
É assim que a gente do sítio explica o estado de ruína em região tem características especiais, que se podem interpretar atra-
que se encontra o Castelo. Foi D. Manuel I quem deu foral a vés dos doces cantares dos trovadores.
Celorico de Basto. O Cancioneiro de Celorico de Basto é sem dúvida rico
Conta-se que, ainda noite fechada, de quando em quando, muito mais rico do que aquele que recolhi em S. Simão de ~ovai~
uma moura encantada chora e geme o seu encantamento. (Vila Nova de Famalicão).
Tive ocasião de, uma vez, depois da meia noite, me dirigir Na sua quási totalidade, não se encontra proveniência eru-
de automóvel ao Castelo para verificar a confirmação da lenda. dita. É o povo, pelos seus poetas anónimos, que as constrói
O vento, batendo nas pedras castelãs, traduz, de facto, uma espé- ao seu sabor e ao seu geito, não deixando dúvidas sôbre a sua
cie de gemido, de lamentação. Eis talvez a origem da lenda, de origem. Algumas, muito raras, têm um cunho erudito; são possi-
tão transcendente beleza, que passo a relatar: velmente quadras de poetas conhecidos que foram assimiladas
Um dia- há quantos séculos isso foi!- uma princezinha pelo povo.
moura, doce e linda como são tôdas as mouras das lendas, apai- Como será de prever, a grande maioria versa motivos de
xonou-se por um fidalgo cristão, forte e gentil. Namoraram-se amor.
longo tempo até que, um dia, o coração da princezinha sofreu É curioso que, no meu Cancioneiro de S. Simão de Navais,
duro golpe, quebrando a sua história de amor. O fidalgo deixa- se bem que a cantiga amorosa fôsse também a maioria, não se
ra-a, para casar-se com uma donzela cristã. E nunca mais lhe encontra ali aquela sensualidade brutal que é vulgar nos cantares
apareceu. E a pobre moura, com tamanha dor, adoeceu e morreu. das gentes de Celorico. ·
E os séculos foram passando ... E a alma da moura, encantada, Dizia-me alguém que parece correr muito sangue árabe
vive ainda no Castelo ... naquelas raparigas fortes, morenas e bonitas e nas veias dos
E ainda hoje, pela noite alta, se ouvem os queixumes daquela rapazes escuros e bem construídos da região. Tenta assim expli-
que morreu de amor. car-se a sensualidade daquela gente. Mas não me parece exacto.
<.E quem sabe se a chuva que tomba sôbre o Castelo não Não queiramos ver nessas môças da olhos negros e avelu-
será feita das lágrimas da Princezinha encantada? dados, castigadas pelo sol, e nêsses moços sàdios a tragédia da
sua sensualidade na sua cor morena-escura. Não! A influência
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- árabe não se estenderia tanto para o Norte. Mais me parece que <í:hamar meu sogro e sogra Qerido Amor a\enbre~se das falas que Je dei não
essa excitação genésica é devida ao amortecimento do espírito .são intrijisses não dichese de cartas são papeiz.
.que alem de eu istar longe de longe faso perto só se a menina não não amor
religioso, e que o segrêdo da transformação do carácter libidinoso ·.perteito bira amor
desta gente estaria na propaganda religiosa inteligente e aturada, Amor
a qual, pelo correr do tempo, iria modificando a sua índole. Dezejaya mandarlhe o meu retrato odepois de boce me prometese que
Justifica esta afirmação o número diminuto de quadras reli- .Mandam e o seu tambem que eu não sou intrujão. não? alem destar longe ãon
':11lío faso escrobo da minha palabra.
giosas, o que contrasta com o Cancioneiro de S, Simão, onde elas Menina aceite um abraso cheiu de saudades!
se encontram abundantemente. .deste Seu amor que eide amar ate a Morte
:Só se bose não quizer.
Nos costumes e nos hábitos há grande diferença, do baixo não se importe
Minho para Celorico. Por exemplo: o conceito de propriedade é .de eu Ronper Sola;
muito mais respeitado em terras de Basto do que em Famalicão. .que quem anda a gosto não cansa.
.Amor. Amor! Só em me alenbiar Amor já meu Cura cão jel fica milho r.
Outra coisa que me chamou a atenção foi a forma garrida
Amor Qerido
como as raparigas de Celorico, com os seus vestidos claros, com
•responda a estas du linha mal nutada que a vão encontrar de uma perfeita
as faces córadas, respirando saúde por todos os poros, contrasta saude que a minha fica sendo boa graças a Deus.
com as mulheres de S. Simão, que vestem quási sempre de preto, Allior com isto adeuz.
.adeuz-amor adeuz nãote cera macar maiz. espero bolta por correio o quanto
enfezadas e pálidas. Emfim, a obra das fábricas, que mataram a 'mais brebe melhor. Se eu fico anciozo por resposta areceber Sem ter tua carta
alegria e a beleza das mulheres de Famalicão. i Que diferença elas outra não posso escreber.
Baite carta nas azas do
fazem das do tempo em que viviam no campo e só para o campo ·Roissinol bai o meu amor maiz
e nada mais! lindo que ainda debaixo da
Roda do Só!
baite carta feliz carta nas ondaz do J\lar
.semcontrares o meu amor por mim bai falar"·
* *
E
digna de registo a maneira como namoram as raparigas Há nesta carta, escrita num português em que as mais ele-
e os rapazes de Celorico; vou transcrever para aqui uma carta mentares regras de gramática sofrem tratos de polé, qualquer
de amor dum namorado de Fafe para a sua mais que tudo, que <:oisa de curioso que está para além da rigidez gramatical. Quero
vive em Celorico. Conservarei a linguagem tal como está escrita, -referir-me ao muito amor que a distância da sua bem amada
sem lhe alterar uma virgula. ~eza assim: faz sofrer ao pobre coração apaixonado, e ainda à ingenu'idade
<:orno está escrita e que tanto está em contradição com um ror
« Qerido Amor .de cantigas que colhi.
Sempre alenbrado. São raroz muito raroz os momentos em que o meu
Aguêle <Sempre alenbrado' de rapaz em plena crise de
curacão deixa de palpitar parti.
Qerido Amor Qerido Amor xeu de saudades porte não dezer adeuz na amor, que nunca esquece a sua querida namorada distante, tem
festa do Santroquarto procuremos duas vezes vimos pai e mai que lhe eide um sabor bem característico. A tristeza profunda de não ter
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podido dizer-lhe adeus na Romaria de S. Torcato em Guimarães,


.. do trovador! ou êle não fôsse português! Se êste trabalho fôsse
e a frase: < alenbre-se das falas que le dei> são tão verdadeiras só parar às mãos de homens, ou exclusivamente para estudiosos,
como o verdadeiro amor que lhe dedica, desmentindo o dito: não retiraria dêste Cancioneiro algumas dezenas de cantigas de
<cartas são papeiZ>. feição meramente obscena. Mas, como tal não sucede, deixarei
Mais além, ao dizer <de longe !aso perto», vem demonstrar para opúsculo especial essas quadras pornográficas.
que a ausência só serve para aumentar, se isso é possível, o seu. Preguntava eu a razão porque algumas raparigas e mesmo
grande amor. mulheres casadas não tinham vergonha em responder ao cantador
Aquêle <bira amor> é forma tão simples e tão doce de pedir atrevido na mesma linguagem desbragada com que, nas cantigas
licença para voltar a página da carta ... ao desafio, eram solicitadas a replicar. Uma delas trouxe·me a
, Menina aceite um abraso cheiu de saudades! deste Seu explicação:
amor que eide amar ate a Morte>. i Que rica imagem bem demons- (Se tu ouves para te dizer.
trativa de característico lirismo português! Deves aprender para lhe responder"·
Aquela advertência à rapariga para que se não aflija por
Nas quadras de amor há vários estados de alma a inter-
êle a ir ver, a-pesar-da distância que os separa: <não se importe pretar. Vejam-se os mais característicos.
de eu Ronper Sola que quem anda a gosto não cansa'·
Na cantiga que vai ler-se, a namorada queixa-se, e com
Finalmente as duas quadras tão singelas, tão saudosas com
razão, do namorado ter ido sem ela à romaria, e nem sequer lhe
que fecha a epístola: <Baile carta» ...
ter trazido uma lembrança, como prova de a não ter esquecido:
Que lhe perdoe Mestre Agostinho de Campos os graves
Tu foste ao S. Torquato
êrros desta carta, pois o autor bem o merece pelo muito amor
Nem uma prenda me deste;
que exprime nas imagens tão simples, mas tão portuguesas, que o Nem os moiros da moirama
seu coração ditou. É o puro amor dos lusitanos ... Faziam o que tu fizeste.

Encontra-se no Cancioneiro esta composição poélica, que


pela sua singeleza, impressiona:

O meu amor é moleiro,


Coitadir.ho, dorme só :
Quem se der ao trabalho de ler com atenção êste rosári<> Passa noites em quelaro,
de quadras encontrará verdadeiras maravilhas, a reflectir diversos Encostadinho à mó.

aspectos da filosofia popular. Nesta agora mostra-se a vaidade do cantador e a sua basófia
Encaremos alguns dêsses aspectos, apenas os mais impor- de conquistador:
tantes, para não aumentar em demasia êste estudo, que eu dese- Preguntei ao sol se viu
jaria o mais claro e conciso possível. À lua se percebeu,
Às estrêlas se já viram
O amor é sempre o grande cartaz, a grande preocupaçã<> Coração igual ao meu.
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114 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE Ll1\\A

Os namorados não esquecem e até anceiam a hora do


V<ja-se a emoção e a tristeza do poeta e a forma como
encontro, para trocarem as suas doces palavras de amor:
traduz a sua saüdade:
Vai-te carta venturosa Ó estrelinha do norte,
Responde, sabes talar: Agulha de marear l
Os olhos que te notaram Eu com ela me governo
Estão fartos de chorar ..• Quando te quero falar ...

Tenho presentes algumas quadras em que uma ou mais l Não haverá aqui uma referência às antigas navegações dos
·raparigas, feridas no seu amor próprio, respondem altivamente: Portugueses?
Cuidavas que eu te queria? O amor que não é correspondido é recusado na seguinte
Olha o toledo do mundo!
Os meus olhos já navegam
quadra:
Por outro poço mais fundo. O Serpão é miudini10,
Não se pode atar aos molhos;
Julgavas em me deixar Amar a quem me não ama
Qu'eu por ti deitava dô? É grande cegueira de olhos.
Há mais rapazes no mundo,
Não julgues que és tu só .•.
Também chega a sua vez aos amuos dos namorados. Senão
Cuidavas em me deixar leia-se:
Haveria algum desvelo?
Tenho meu brio guardado O meu amor, coitadird10,
Para mais alto castelo. Anda de costas voltadas.
Se tem dor de cotovelo
Nesta vê-se que o poeta anda a ser solicitado pelo amor, Ponha-lhe urtigas pisadas.

o que êle explica duma forma pitoresca: Quando o amor é verdadeiro, a mínima sombra vem per-
Ando rouco do meu peito, turbar o coração dos namorados e, se Deus tiver de levar um
Não é catarro nem tosse:
É o ladrão do amor dêles, que os leve a ambos:
Que de mim quer tomar posse!
Esta noite sonhei eu
A falia de constância do homem é posta à prova nas Tinha morrido meu bem ;
Acordei, pedi a Deus,
seguintes cantigas: Que me levasse também!
C) meu amor, não embarques.
Olha que o me r não tem fundo! E ainda noutras surge o amor, puro e forte que está para
É como o amor dos homens além da própria vida:
Que engana todo o mundo.
Hei-de-te amar 'té ü morte
Os homens são como os lobos
Até depois de morrer:
Só lbes falta ter o rabo:
lv1esmo debaixo da tura,
Aparec' ils raparigas
Meu amor, poJendo ser •• ,
Na íigura do diabo.
FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO 117
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A alegria das raparigas não é leviandade, antes pelo con- Elevados pensamentos traduzem muitas vezes as composições
trário. Desconfiai sempre das mais caladas, pois são as peores: poéticas de quatro versos:
Ú alta serra da neve
Raparigas, cantai tôdas,
Donde o penedo caiu!
Guardai o que vosso é:
As que não cantam, nem dançam
Ninguém diga o que não sabe,
Também Jh'escorrega o pé ...
Nem afirme o que não viu!

A ironia não é esquecida também. Vejam-se os seguintes É indiscutível que o honrado lavrador se destaca da profissão
cantares: dos outros homens. Ser-se lavrador é por assim dizer um título
Maria, linda Maria,
Tu és o meu ai-Jesus;
de legítimo orgulho, com pergaminhos de muito e honesto labor:
Quem me dera pôr a mão
Sapateiros não são homens,
Onde o lenço faz a cruz I
Alfaiates também não:
Eu sempre gostei de ver Onde chega o lavrador
As pernas às raparigas: Bate o pG e treme o chão!
Se são grossas ou delgadas
Se são curtas ou compridas . ..
Não se diga que o poeta popular, perdido nas musas do
E, por aí fora, onde nós iriamos, se eu não prometesse de amor, se esquece da sua Pátria e dos seus Heróis. Às vezes,
início retirar as cantigas pornográficas ... quantas vezes, com desalento profundo, choram a desgraça do
E, no amor, ponto final. seu País ao desfazer-se em lutas mesquinhas e tristes. Vem a
Passemos agora às quadras religiosas. Algumas há que têm altura em que o poeta chora e descrê da salvação da Pátria
um cunho duma grande beleza e dum perfeito misticismo: e da sua eternidade:

A Senhora da Apar'cida Desgraçado Portugal,


Apar'ceu na Barreirinha; Qu'ainda não ficas assim I
Ú que milagre tamanho! Quem me dera ser eterno,
Senhora tão pequeninha! Para ver teu triste fim!

Ou ainda esta, duma suave inspiração: Mas, de repente, como fôsse milagre de Deus, o poeta
Senhora da Conceição, acorda da sua tristeza e vai cantar aquêles que foram grandes
És das Santas mais bemditas,
e que deram honra e glória à Pátria amada.
Por teres altar no peito
Destas môças mais bonitas . .. A ingratidão e o esquecimento ainda não entraram na alma
generosa do povo português:
Uma vez por outra surge-nos uma quadra de sabor erudito:
Ó D. Carlos de Bragança,
Deus fêz de leite e de neve
Filho de Luís Primeiro!
A ondulação do teu seio;
Hás-de vir p'la rua abaixo,
A tua bôca formosa
Para o pé do Paiva Couceiro!
De um rubi partido a meio.
CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO II~
118 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LI 1\A

Sidónio Pais, essa figura que iluminou urna época, também curiosas devia apresentar. Mas tenho de finalizar e fecharei a
série de Celorico de Basto com urna quadra muito bela:
é focado na trova popular:
Procurei a paz no mundo,
6 grande Sidónio Pais, fui ao cemitério e vi
Director da R.ev'lução: Um letreiro que dizia :
Não nos deixeis sofrer mais, Não há paz senão aqui!
Rende a nossa divisão !

Esta quadra deve datar dos tempos calamitosos da Grande NOTAS


Guerra. Aparecem com muita freqüência grande quantidade de moedas romanas-
Depois vem a morte de Sidónio Pais, que tanto impressionou em Celorico. foram~me oferecidas algumas dezenas, as quais serão oportuna~
a mesma gente. E o poeta anónimo regista: mente estudadas. Devo a maior parte delas ao Sr. Comendador Justino Mota
Ribeiro, a quem mais uma vez me confesso grato.
Em Lisboa, no Rossio Estou plenamente convencido que uma série de escavações, bem orien-
Pertinho da estação, tadas, nêstes locais, produziriam importantes descobertas arqueológicas.
Mataram Sidóniu Pais,
Director da Rev'lução.
Penso~ em trabalhos futuros, encarar Celorico de Basto sôbre outros
Gago Coutinho e Sacadura Cabral, os heróis máximos da aspectos, como sejam : sob o ponto de vista da sua história e da sua arqueolo~
gia. E aí farei largas referências bibliográficas.
aviação portuguesa, também são cantados nas trovas populares:
No entanto, seja~ nos lícito cit!!t, além do estudo: Excerptos !tisfóricos e genea~
lógicos, por Eduardo de Freitas, publicados no jornal O Celoricense, ( 1905L que·
O Sacadora Cabral
tem um capítulo dedicado a Borba de Godim e Castelo de Celorico de 3asto, os
E mais Gago Couti11ho
trabalhos muito importantes de Pedro Vitorino, sôbre: O Castelo de Celorico de
foram ambos a voar
Basto (I grav.), no Arqueólogo Português, vai. XIV, 1909, pág. 314; O Castelo de
Nas asas dum passarinho!
Celorico de Basto (2 grav .), em O Norte, Pôrto, 13 de Agôsto de 1914; S. Sal~
variar de Ribas (6 grav.), em A Voz Pública, Põrto, 18 de Setembro de 1919;
Depois veio a tragédia que tirou a vida ao grande Sacadura Inscrição tumular de Amoia (I grav.), na Epigrafia portuguesa ou Arquil'O Por~
Cabral, quando se perdeu o aeroplano nas brumas do mar do tuguês, vol. XXVI, 1923 e 1924, pág. 167; S. Salvador de Ribas (I grav.), Apolüzea,
n. 0 5, 1933. E ainda o livro muito curioso de Daniel Salgado, Terra de Basto, etc.,
Norte: 1933, Tip. Minerva, Vila Nova de Famalicão. Qualquer estudo honesto sôbre esta·
Ó mar, que nas ondas levas região não dispensa a consulta destas supra~citadas obras.
Uma pedrinha de s.!i.ll ~=
Tu levaste e não trouxeste
O Sace.dura Cabral ! *
Ao meu querido amigo, Ex.mo Sr. Prof. Dr. Abel Salazar, sábio e artista
Ó mar, que nas ondas levas na mais alta acepção da palavra, tigradeço o primoroso desenho que ilustra esta
Uma casca de limão ! obra.
Tu levaste e não trouxeste
O nosso hidro-avião.
Por amabi!Uade, que muito agradeço, o meu presado amigo e ilustre inves-
Muito longe nos levariam as citaçõós, pois outr JS muito tigador Sr. Dr. Artur de Magalhães Basto conseguiu~me uma informação pre-
120 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA f. C. P1~es DE LIMA-Cancioneiro de Celorico de Basto Est. I

dosa, que muito vem valorisar o presente trabalho. Trata se da confirmação


8

histórica duma lenda atrás citada (pág. 108), que ê corrente em Celorico de
Basto. (LiPrO de Linhagens do Conde D. Pedro, tit. LV, in « Portugaliae Monumenta
Historica,, Scriptores, I, fase. lU, pág. 358).

Eis o curioso documento:


«E este J\1artim Vaasques de Cuynha que já dissemos, padre de Vasco
.Martiins de Cuynha e de R.uy Martiins de Nomaaes que já dissemos, teue o
Castello de Çe!!orico de Basto que era d'arras. e teneo em tempo delrrey dom
Dinis: e porque fez por e! façanha muy boa come muy boa caualeiro posemos
em este Iiuro como passou pera saberem os boas que teuerem castellos e lhos
nom quiserem filhar aquel!es de que os tem, seemdo em paz e em assessego e
sem cerco como cs podem leixar sem erro. Este Martim Vaasques foi o que teue
o castello de Çelorico de Basto da rrainha por sas arras: veolhe a querer dar
seu castel!o e ella disse que o désse a elrrey dom Dinis seu filho e ella que lhe
qui tau a a menagem que lhe por elle tiinha feita: e e! veo a elrrey a dizer que
filhasse seu castello e frontar.Jhe muytas vezes, e elle nom lho queria filhar
por quereUa que auia delle porque doestara huum bispo de Lixboa que era seu
priuado que auia nome dom Domingos Jarda. E o caualleyro veemdo que lho
nom queria filhar elrrey per nenhuma guisa o castello ouue d'hir a Alemanha e
a Lombe.rdia e a lmgraterra e a França e a Çezilia e a Nauarra e a Aragom e
a Castella e a Leom e preguntou todollos rreys e todollos primçepes e a todoi-
Ios homeens de todallas terras como poderia leixar aquell castello a seu sa\uo
pois que lho elrrey n~m queria tomar: e todos lhe disseram que emtrasse no
castello e que metesse huum gallo e a galinha e gato e cam e sal e uinagre e
azeite e pam e farinha e uinho e agua e carne e pescado e ferradura e crauos
e beesta e seetas e ferro e baraço e lenha e môos e alhos e çeboUas e escudo
e lamça e cuytello ou espada e capello ou capellina e caruom e folies de ferreyro
e fozil e isca e pederneira e pedras per çima do muro, c que fezesse fogo em
huuma das casas em guisa que see veesse a saluo, e depois que todo esta fezesse
que posesse todos fúra do castello e que ficasse el demtro e que çarrasse as
portas e as tapasse de demtro do castello, e depois que sobisse no muro e que
atasse huum baraço em huuma das ameas e que se saísse pello baraço em huum
çesto, e depois que atasse no cabo do baraço huuma pedra ou huum çepo em
guisa que tornasse o baraço demtro per çima do muro, e depois que sse aco~
lhesse a huum cauallo e que fosse dizem do per tres freeguesias "'acorrede ao
castello delrrey que sse perde, r:correde ao castel!o delrrey que sse perde 1> 1 e
quando fosse per estas tres freeguesias assy dizemdo que nunca parasse mentes
Castelo de Arnoia (Celorico de Basto), segundo um desenho do Proi. Abel Salazar
tras ssy. E este comselho lhe deram e lhe mandaram que assi o fezesse e os
rreys e outros prinçipes e altos senhores e homens filhos d'algos a que elle pre~
guntou, e diziam os rreys todos e cada huum delles que se elrrey de Portugall
pissesse que o caual!eiro nom fazia dereito em esta e o que deuia, que cada
huum delles lhe meteria as mãaos; e esta meesmo deziam os altos senhores
princepes e duques e comdes e altos homeens; e o com de dom Gomçallo qne
CANCfONEIRO DE CELORICO DE BASTO 121

-entom era e outros homens boas e rricos que em Portugal! auia se quisessem
-dizer que o caualeiro norn fazia dereito, que- elles lhe meteriam as mãaos: e esta
meesmo deziam os caualeiros e filhos d'algo das outras terras aos filhos d'algo
-de Portug-al que lhes meteriam as mãaos se dissessem que o caual!eiro nom
fezera dereito. E todo esta trouxe Martim Vaasquez por escripto e assiir.ado per
mãaos de notairos das terras, e trouxe cartas dos rreis e dos primçipes e dos
-altos homeens sobre esta assiinadas por elles. E este .Martim Vaasques da CuyN
nha leixou o castel!o de Çellorico pella maneira que lhe mandaram os rreys
e outros altos homeens, e fez dous boas feitos que nunca foram feitos em
Espanha pera poderem os fidallgos leixar os caste\los sem vergonha quando
lhos nom quiserem tomar aque!!es de que os teem. Esta boa façanha ficou pera
sempre»,

Cancioneiro de Celorico de Basto (1)

5
A açucena c' o pé n'.:igua Adeus ó Penafiel,
Dura mais quarenta dias; Adeus 6 pena da pena!
Eu sem ti, nent uma hora Eu também tenho a minha,
-Quanto mais anos e dias •. , Ou maior ou mais pequena.

2 6
Abaixai~yos,serras altas Adeus 6 Penafiel,
Eu quero ver Carvalheira; ó igreja do Calvário !
Quero ver o meu amor Por causa do meu amor
Debaixo duma roseira. Passo aqui um fadário.

3 7
A barra da minha saia Água do rio, clara,
foi você quem m' a queimou Deixa passar a barrenta;
Com a ponta do cigarro, Coração de pedra dura
Quando comigo falou. Cai ao chão, não arrebenta.

4 8
Abre-te, campa adorada! Águas do mar abrandai,
Minha amada quero ver; Que eu quero caçar um peixe;
(?uero~lhe beijar o rosto Eu quero deixar amor
Antes da terra o comer, Antes que o amor me deixe.

(1) Para mais fácil confrvnto com outras colectâneas, foram dispostas
.estas quadras por ordem alfabética.

'
CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO 123
fERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA
!22

25 32
17 A salsa do meu quintal, As ondas do mar são brancas
9 Ando rouco do meu peito; No meio são amarelas: '
As pedrinhas do teu muro:
Ai de mim, ai de você, Mal haja a rouquidão, Aqui 'stão as testemunhas Coitadinho de quem ama
Ai de nós ambos e dois! Que me não deixa cantar Das vezes que t'eu procuro. P'm morrer no meio delas.
Ai de mim primeiramente A minha satisfação.
Ai de você ó depois! 26 33
!8 As asas dos passarinhos As ondas do mar são verdes
No meio s~o amarelas.
10 Ando rouco do meu peito; '
foram feitas p'ra voar ;
Ainda depois de morta, Não é catarro, nem tosse: Ai duma mãi, que crio;
Os corações das donzelas
Onde meu corpo repousa, E o ladrão do amor foram feitos pe.ra amar. Um filho p'ra andar nelas!
Acharás teu nome escrito Que de mim quer tomar posse~
Debaixo da fria lousa! 27 34
19 A Senhora da Apar'cida As telhas do teu telhado
II Anel de ouro não é prenda Apar'ceu na Barreirinha. As pedrinhas do teu mu:o
AUádega é o rei dos cheiros, Nem o de prata lembrança~ Ó que milagre tamanho!' Hão-de ser as testemunhas
Segurelha o meu preceito; Anel de contas miUdas Senhora tão pequeninha! Das vezes que te eu procuro (l).
Hei~ de te amar 'tê à morte: R.equer tôda a confifinça.
Essa jura tenho feito. 28 35
20 A Senhora do Sàmeiro As telhas do meu telhado
12 À noite, quando me deito, Tem um manto que reluz, Dei tum água sem chover·
Altas torres têm teu peito, A Deus peço, a chorar, Que lhe deu um brasileiro, O meu triste coracão '
Eu não posso lá entrar: Que me mate num momentO> Que se viu no mar sem luz. AlegraMse em te v~r.
Bem poderas tu, menina, Para te eu poder deixar.
Altas torres abaixar ... 29 36
21 As estréias miudinhas Atiraste ao meu peito,
13 Ao passar do ribeirinho Trazem o Céu bem composto. A parte mais delicada·
Alto pinheiro redondo Quebrei a minha viola; Nunca contigo, menina, Quem ao meu peito aiira
No cimo tens grande c' ruclza; Fui juntar os cacos todos. Pude falai- a meu gôsto! Pouco bem me quer ou nada ..•
'Stou à beira do pomar, Para fazer uma nova.
Não posso comer a fruta. 30 37
22 As lágrimas e as saüdades A viola quer qu'eu cante
14 Ao teu quarto eu trepei São irmtís que nascem juntas: A prima quer qu'eu pade,ça;
Amores, ao longe ao longe, P'ra roubar teu coração;.
Que ao perto quem quer os tem; Sôbre as nossas esperanças O tocador da viola
Quanto mais ao longe ao longe,
Gritaste aqui de!- rei ..•
fiquei prêso por ladrão!
No mundo jazem defuntas. Quer qu'eu por êle endoideca ..
Mais, amor, te eu quero bem. 31 38
23 As ondas do mar dão saltos Bota~medaí os olhos,
!5 A rosa depois de sêca
A mulher enquanto é nova Dão saltos como cabritos. Amor, de quando em quando,
E um braço de loucura;
foi-se queixar ao jardim; Também eu, por tua caos~, De modo que não perceba
O cravo lhe respor.deu:
Depois que vai para velha Saltarei aos infinitos. O povo que está no bando, .•
Tudo o que nasce tem íim ....
Nem o diabo a atura.
24
!6 A rosa depois de sêca
Anda-me ver à janela, Por todos é desprezada;
Da janela tabuleiro; A jelor que cai ao chão
Anda ver a triste vida (1) Cf. N.o 25.
Até aos pés é calcada ..
Que passa um rapaz solteiro.
124 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA
CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO
I25

39 45
Campa é terra sagrada Chamaste a meu pai teu sogro, 51
Coração por ccração, 59
E de todos triste leito ; À minha irmã, cunhada? Da minha janela à tua,
Já morreu a minha amada, Nem 0 meu pai é teu sogro, Amor, não troques o meu:
Do meu coração ao teu,
Trago luto no meu peito. Nem a minha irmã t'é nada. Sabes que o meu coração
Vai um tiro de espingarda:
Sempre foi leal ao teu.
40 46 Quem o dispara sou eu.
Canário, lindo canário Chamaste à minha bôca 52
60
Canário lindo, meu bem, Gaiola dos passarinhos ; Cravo branco da janela,
Da minha janela à tua
Quem me dera ter as penas Eu também chamo à tua Criado à revelia!
É o salto duma cobra;
Que o lindo canário tem··· Gaiola dos meus beijinhos. Quem quer bem, tmta por tu:
1nda espero de chamar
Amor não tem senhoria.
41 47 À tua mãi minha sogra.
Candeia que não dá luz Chamaste ao meu cabelo 53
61
Não se espete na parede; Canavial de Viana; Cravos brancos à janela,
Das l<igrimas faço contas
O amor, que não é firme, Eu também chamo ao teu Meninas, não os ponhais;
Que eu rezo iis escuras;
Não se faz mais caso dêle. Que é de prender quem ama. Dá-lhes o vento, balançam :
Eu cuido que me acenais.
d, morte, que tanto tardas!
42 48 d, vida, que tanto duras!
Cantigas ao desafio Chamaste ao meu cabelo 54
Cravos roxos à janela
62
Comigo nir1guém as cante; Dobadoira de dobar; De domingo a domingo
Eu tenho quem m'as ensine: Também eu chamo ao teu .i\'leninas, não os ponhais ;
Me parecem três semanas,
O meu amor é 'studante. Sarilho de ensarilhar. Dá-lhes o vento e ê!es bolem:
Que te não vejo, amor;
Dirão que vós me acenais ...
42 49 Ú que satidades tamanhas!
0 teu amor é 'studante Combóio arrasta, arrasta, 55
63
0 meu anda no estudo: Com bóio arrastador: Cuidavas em me deixar
Deixa-me ir dormir contigo,
0 meu 'studa p'ra doutor Levaste e não trouxeste Haveria algum desvelo?
Que uma noite não é nada:
0 teu estuda p'ra burro. Da marinha o meu amor. Tenho meu brio guardado
Eu entro com o escuro
Para mais alto castelo.
43 49 E saio na madrugada ...
Carta vai, carta me leva, Da marinha o meu amor· · · 56
64
Segue lá minha ilusão: Eu também sou marinheiro: Cuidavas que eu te queria,
Deixa-me ir, que levo pressa,
Vai dizer à minha amada Só te peço que me leves Minha pereira abnna da?
Ao freixo tirar o ninho:
Que me encontro na prisão. Para 0 R.io de Janeiro (1). Tôda a vida trouxe e tmgo
EsUt o cano a quebrar
Tôda a mulher enganada ...
44 50 C'o pGso do passarinho.
Carta vai, carta me leva, Com pêna peguei na pêna, 57
65
Segue lá o meu destino: Com pêna, p'ra te escrever: Cuidavas que eu te queria?
Deixa-me ir, que levo pressa,
Vai dizer à minha amada A pêna caíu·me ao chão Olha o to ledo do mundo!
Levo água de regar:
Que me encontro aqui prezinho. Com pêna de te não ver. Os meus olhos já nt~.vegam
Amanhã é dia santo
Por outro pôço mais fundo,
Temos tempo de falar ...
58
66
Da minha janela à tun,
Desgraçado Portugal,
Do meu coração ao teu,
Qu'ainda não ficas assim!
(1) Esta réplica íoi ouvida a uma rapariga de Penafiel. Podia andar um barquinho:
Quem me dera ser eterno,
O navegador sou eu ...
Para ver teu triste fim!
126 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO I27

67 75 83 90
Deste ao noivo adorado Escrevi na branca areia És te mundo é, donzela, Eu comprei uma sopeira
Três cravos para Jesus; O retrato do meu bem; Todo cheio de ilus[Lo: Por trinta réis de canela;
Com três cravos foi pregado Tornei-o a riscar fora, Por poucos dias de vida Mandei-a aparelhar
Com muito amor na cruz. Porque não estava bem. Não mates teu coraçllo. E pus-me a cavalo nela.
68 76 84 91
Deste-me uma pêra verde, És linda, posso dizer, 'Estes mocinhos d'agora Eu comprei um chapéu branco
Para eu amadurar; És de tôdas mais formosa; Cuidam que são e não são; P'ra aprender a namorar;
O que é verde, verde iica: Os teus cabelos são loiros São como o ouriço chocho : O chapéü branco rompeu-se,
Tu querias-me enganar. Tuas faces côr de rosa. Dá-lhe o vento, cai ao chão. O amor vai-se acabar.
69 77 85 92
Deus fêz de leite e de neve Êsses teus cabelos loiros Estes rapazes d'agora, Eu sou como a borboleta
A ondulaç:ão do teu seio; Pelas costas ao comprido !Franganitos de vintém, Que seguiu a luz tirana:
A tua bôca formosa Parecem fies de oiro Prometem dez rêis às almas, De repente caiu morta.
De um rubi partido a meio. A martelos rebatido. A ver se a barba lhes vem. É infeliz o que ama.
70 78 86 93
De vermelho veste a rosa, Esta noite sonhei eu ~Escreviteu lindo nome, Eu fui dos que disse ao sol
De verde o mangericl'ío, Contigo, minha beleza; Pus-me com êle na mão: Que não tornasse a nascer:
De branco veste a açucena, Acordei, achei-me só: P'ra o não perder, guardei-o Tendo a luz dos teu~ olhos
De luto o meu coração. Em sonhos não há iirmeza I Dentro do meu coração. Mais sol não quero eu ver ...
71 79 87 94
Dizem que não pode ser Esta noite sonhei eu, Escrevi teu lindo nome Eu fui uma das que disse:
Silva verde dar um cravo? Na outra sonhado tinha, Sôbre a areia iugidia; Ou contigo, ou co'a terra!
Aqui o trago ao peito Qu'estava na tua cama: Veio o vento, apagou Ou hei-de casar contigo,
Da mesma silva cortado. Acordei, 'stava na minha! As cinco letras: Maria. Ou hei-de morrer donzela ..•
72 80 88 95
Em Lisboa, no Rossio, Esta noite sonhei eu És uma cruz que ah·eja Eu hei-de ir à romaria,
Pertinho da estação, Tinha morrido meu bem; Em linda noite ao luar: Que me hei-de regalar,
Mataram Sidónio Pais, Acordei, pedi a Deus Quem me dera ser o Cristo, Com cinco réis de tremocos
Director da R.ev'lução. Que me levasse também! P'ra nessa cruz me pregar. , • Que o meu amor me vai 'dar .••
73 8\ 89 96
Ergue o chapéu para cima, Esta palavra saüdadc, Eu atrás das pulgas, Eu hei-de subir ao alto,
Não o tragas derribado; Aquêle que a inventou Elas aos saltinhos; Ao mais alto que eu poder:
Desengana o teu amor, A primeira vez que a disse, Não te posso amar, Ao mais alto ramalhinho
Não o tragas enganado. Com certeza que chorou .•• Sem te dar beijinhos, , , Qu'a oliveira tiver.
74 82 89 97
Escrevia-te uma certa, Estas meninas d'agora Sem te dar beiiinhos, Eu já vi Lisboa a arder,
Se a tu soubesses ler; São poucas, mas são valentes: Não te posso ~mm-; As pedrinhas a estalar;
Mas tu vais dar a outro Pegam nas pias dos porcos fu atrás das pulgas, Eu já vi uma menina
Meus segredos a saber. Atravessadas nos dentes. Elas a saltar. Pelo seu amor chorar.
I28 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO I29

98 106 I14 i20


Eu não torno a Amarante Filomena, dá-me um beijo, fui ao S. João a Braga Ioda que o lume s'apague,
Nem de noite, nem de dia; Que eu venho da confissão! Dei a volta ao Boníim, Na cinza fica o calor:
Roubaram-me o meu amor: Um beijo não ê pecado Vi tudo embandeirado Ioda qu'o amor se ausente
Era o que eu mais pretendia.,. Se o dá o coração. , . Com bandeiras de setim. No coração fica a dor.
99 107 115 121
Eu não torno a Amarante foste ao correr da água, fui ao S. João a Braga Já comi, e já bebi,
Que escorrego no Cave lo; Meu amor, fizeste bem; fui à volta, vim direito, Já molhei minha garganta;
Só se fôr agarradinho A água vai e não torna: Encontrei o S. João Eu sou como o rouxinol:
Às ondas do teu cabelo, .• Assim tu íôsses também ..• C'um ramo d'ourc ao peito. Quando bebe logo canta ...
100 I08 116 I22
Eu nunca te dei motivos fui à fonte beber água, fui-tr.e deitar a dormir Já fui canário do rei,
Para de mim duvidar; Bebi, tornei a beber; Ao pé da <igua que corre: Já lhe cantei na gaiola;
1\leu amor é sempre firme: Nem meu coração se enfada, A água me respondeu: Agora sou pintassilgo
Escusas de te queixar .. , Nem meus olhos, em te ver. Quem tem amores não dorme! Destas' meninas de agora.
IOI 109 II6 123
Eu o cravo, tu a rosa, Fui à fonte dos amores, Quem tem amores não dorme Já fui mar, já fui marinha,
Qual de nós se estima mais: Tomei pela dos cuidados, Quem os tem hão adormece; Já fui meio marinheiro;
Os cravos pelas janelas, Enchi o cânt'ro de rosas, Eu tenho amor e durmo: Já tive amores de graça:
As rosas pelos quintais? Fiz a rodilha de cravos. !I leu amor nunca me esquece ... Agora nem por dinheiro.
102 IIO II7 124
Eu quero bem ao cigarro Fui à fonte p'ra te ver, fui morta, crucificada J[L'á muito qu'as 1uas falas
Que me custa o meu dinheiro: Ao rio p'ra te falar: Por todos os meus trabalhos; Não tinham grande calor;
Em certas oca~iões Nem na fonte, nem no rio fui casada, desonrada, Porque era noutro tempo,
Serve-me d'alcoviteiro .• , Nunca te pude encontrar. Causadora de baralhos. Quando me tinhas amor.
I03 III 118 I25
Eu sempre gostei de ver Fui ao arco da Igreja fui passear ao jardim, Já me davam dez milreis
As pernas lts raparigas : Dar a mão à liberdade. P'ra 'spalhar a minha dor: E urna pipa de azeite,
Se são grossas ou de!gadas Era vário do juízo Encontrei o teu retrato P'ra casar c' uma donzela
Se são curtas ou compridas ... Quando te fiz a \"Ontade ..• Na mais brilhantejdor (1). Qu'há dez anos dava leite ...
I04 Il2 II9 I26
Eu sempre ouvi dizer fui ao jardim passear liei~do te amar 'té á morte Já morri, já me enterraram;
Ao lavrador da cidade: P'ra espalhar a minha dor: Até depois de morrer; Não me quis comer a terra.
Quem semeia em boa terra Encontrei o teu retrato .Mesmo debaixo da terra, Tornai~me a desenterrar
Colhe boa novidade. Na mais mimosa feio r. .J\leu arr.or, podendo ser .. Ver se ainda sou quem era.
I05 II3
Eu troquei meus olhos pretos fui ao mar buscar beijinhos
Por outros acastanhados: Numa bandeja de prata;
Agora todos me chamam Tomar amores não custa,
Amor dos olhos trocados ... Mas deixa~ los é que mata ... (I) Cf. N.o 112.
130 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA CANCIONEIRO DE CELO~ICO DE BASTO 131

127 13~ 142 150


Janela de pau de pinho, Julgavas que eu te queria, 1V1aria, por Deus te peço, Meu amor, anda-me ver
De pau de pinho janela! Ú meu preto do inferno? Por Deus te mando pedir, Às grades desta prisão:
Quem me dera dar um beijo Não há água que te lave, Que me dês teu coração Meu corpo com frio gêlo,
Em quem 'stá em cima dela •.• Nem no pino do inve::rno. E a chave, p'ra o abrir. Minha cama é no chão •••

128 135 143 151


Janela de pau de pinho, Julgavas que eu te queria Maria, teu lindo nome, Meu amor disse que vinha
Quebrada te veja eu! Por me rir quando te vejo? Linda so;-te te há-de dar: Quando a lua viesse:
Que da( tanto m'encobres foi geito que Deus me deu, Nem hei-de casar contigo, A lua já acolá vem
Um amor que já foi meu. Que p'ra mim não te desejo. Nem te hei-de deixar casar] Meu amor não aparece ...

129 136 144 152


Janela, qu'estás fechada, Jura amor, juramos ambos, 1Vlaria, tu és na terra, Meu amor, não vivas triste,
Só para mim te abriste; faz uma jura bem feita: O qu'os anjos no Céu são: Vive alegre se poderes,
Torna~ te a fechar, janela, Jura que me hás-de dar, Se tu morresses, Maria, Que algum dia será teu
Faz, amor, que me não viste. Na igreja, a mão direita. Morria o meu coração ... O que tu agora queres .•.

130 137 145 153


Janelas avars.ndadas Lá te mandei um raminho: JV1enina, anda comigo, Meu amor, quero~te tanto,
Só o meu amor as tem; Leva silva, que é prisão. Deixa a mãi que te criou: Que não to dou a mostrar;
Hei-de mandar lazer umas Também leva eravo roxo: Por muito que t'ela dê Não te quero causar pena,
Avarandadas também ... É sinal de afastação. Não te dá o que t'eu dou .•. Nem no mundo que falar.
131 138 146 154
Já por aqui não passeio, Manjericão da janela, lv\enina, que'stá à janela, Meu amor, se tu te fores,
Já o caminho ganhou ervas; Já te podes ir secando: Comendo queijo e trigo! Diz-me a quem eu hei-de amar:
S'eu viver e tu vi\·eres, Quem te regava morreu, Dê-me cá um bocadinho, Não ames a mais ninguém,
Hei-de ver em quem t'empregas. Eu já me vou enfadando. Senão zango. me consigo. Qu'eu, se fôr, hei-de voltar.

132 139 147 155


Já te quis, já te não quero, Manjerieão da janela, JV\enina, qce'stá à janela, Meu amor, vai-te deitar,
Já te perdi a afeição: Meu coração foi teu vaso! Comendo trigo e queijo! Vai dormir, que eu já dormi:
Já te deitei de arremêço, Tomaste novos amores, Faça da bôca pistola Agora vai-te gabar
fora do meu coração. Já de mim não fazes caso. Atire-me com um beijo,. Que eu, de inocente, eaí!

133 140 148 156


Julgavas em me deixar Maria foi a primeira Menina, que'stá à janela, .Meu amor, vou-te deixar
Qu'eu por ti deitava dó? Que no meu peito entrou: Com seu relógio à cinta! Como a água deixa a fonte:
Há mais rapazes no mundo, Há-de ser a derradeira, Diga-me que horas são, Ioda te hei-de ver chorar
Não julgues que és tu só ... Juro à fé de quem sou! Fale verdade, não minta. Bagadas de monte em monte.

134 141 149 !57


Julgavas em me deixares Maria, linda Maria, Menina, que'stá à janela, Meus senhores, venham ver
Qu'eu de paixão morreria? Tu és o meu ai-Jesus; Olhando para quem passa! Coisa que nunea se viu:
Vai-s'um amor e vem outro: Quem me dera pôr a mão Tem olhinhos de cadela: Minha gata pôs um õvo
Vivo na mesma alegria ..• Onde o lenço faz a cruz! Venha comigo à caça ... Minha galinha pariu.
CANCIONEIRO DE CELORICQ DE BASTO 133
132 FERNANDO DE CASTRO PII\ES DE LIMA

174 182
158 166 Nossa Senhora da Graça t O anel que tu me deste
Minha sogra morreu ontem, Não posso andar descalça Eu p'ra o ano lá hei-de_ ir, Era de vidro, quebrvu;
Deus a leve ao Paraíso; Que me picam as areias ; Ou casado, ou solteiro, A amizade que me tinhas
Deixou-me uma manta velha: O meu amor 'ioda ganha Ou criado de servir. O anel a demonstrou.
Não posso chorar com riso ... Para sapatos e meias.
175 183
159 167 Nunca vi íigueira preta O anel que tu me deste
Minhas lágrimas são contas Não quero amor bonito Dar os figos bacorínhos ; Era de vidro, quebrou;
Que et: rezo às escuras. Nem de caracóis na testa: Nunca vi mulher donzela Assim dure a tua vida
Ú, morte, que tanto tardas! Eu não quero ser a árvore Dar de mamar aos filhinhos. Como o anel durou.
Ú, vida, que tanto duras! Onde o cuco faz a festa ...
176 184
160 168 Ú acipreste do adro, O anel que tu me deste,
Moro à beim do mar, Não vou falar das mulheres, Não ensombres a Igreja! Eram horas da Trindade,
.Moro mesmo à beirinha: Que a mim não me convém, Bem ensombradinho anda Era-me largo no dedo,
Da janela do meu guaria Porque eu gosto ricamente Quem não logra o que deseja ... Apertado na amizade.
Vejo saltar a sardinha. De uma coisa que elas têm l
177 185
161 169 Ú acziJreste do adro O anel que tu me deste
Morte, se agora viesses, Na Senhora d'Ape.r'cida, Retiro dos passarinhos! Trago-o no dedo mendinho:
Quanto te eu agradecera; Numa pedra me assentei: A quem deste os abraços, Cada vez que tu me lembras,
Que me tirasses do mundo C' o sentido no amor Dá-lhe também os beijinhos .•. Alanuel, dou-lhe um beijinho ...
Antes que o aborrecera. Nem a 'smola à Santa dei ..•
178 186
162 170 Ú alta serra da neve O chapéu que o amor cobre
Muitas mágoas me consomem, Nem meu pai, nem minha mãi Donde o penedo caiu! Tem presilha de metal;
Uma só me faz cismar: Não querem que te eu logre; Ninguém diga o que não sabe, Prometo de te ser firme,
Morrendo o último homem Queira eu e queiras tu, Nem aiirme o que não viu. Se tu me fores leal.
Quem o há-de enterrar? Contra o amor ninguém pode ..•
179 187
163 171 O amor e o dinheiro Ú coração retmído,
Não ames, ou ama sempre, No mar largo anda a guerra; São dois amantes leais; Diz-me com quem te divertes!
·Era melhor nunca amar: Eu bem ouço dar os tiros: Quando o coração tem penas Com quem passas o teu tempo,
O amor começa a rir Eu bem ouço combater Os olhos dão os sinais. Que tanto de mim te esqueces?
Acaba sempre a chorar! Os teus ais c' os meus suspiros.
180 188
164 172 O amor é uma criança O cravo depois de sêco,
Não calculas, meu amor No meio daquêle campo Que r.onnosco vem brincar: Depois de sêco, mirrado,
A dor do meu coração; Lá no meio nada o peixe; Canta, ri, salta e dança, foi-se queixar ao jardim,
Mais me valia morrer Nos dias que te não vejo E por fim faz-nos chorar! Que não qu'ria ser mais,,cravo.
Que sofrer tanta paixão! Não há saüdades que deixe.
181 189
165 173 O anel que tu me deste O cravo, depois de sêco,
Não olhes p'ra mim, não olhes, Nossa Senhora da Graça, Á saída de Amarante, foi-se queixar ao jardim;
Que eu não sou o teu amor: Eu aqui 'stou 8 chegar: Era-me largo no dedo; A rosa lhe respondeu:
Eu não soo como 8 iigueirn Botai-me ns vossas bênçãos DeiMo a outro amante. Tudo por tempo tem fim.
Que dá irutos sem feio r. Lá de cima do altar.
134 FERNANDO DE CASTRO PIRES OE LIMA CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO 135

190 198 206 214


O cravo tem vinte fôlhas, Olhos brancos, olhos pretos Ú menina, dê~me, dê~me, Ú, meu amor, dá~me, dá·me,
A rosa tem vinte e uma: Olhos azúis, olhos verdes : Eu não lhe peço dinheiro: Que levas na mão fechada;
Anda o cravo em demanda Essas quatro castas de olhos Peço~lhe o seu anho prêto Se a levasses aberta
Por a rosa ter mais uma. Em poucas caras os vêdes. P'ra turrar c' o meu carneiro. Já te não pedia nada.
191 199 207 215
Ó D. Carlos de Bragança, Olhos pretos, sonhadores, O menina,dê~ me, di!~ me, O meu amor é moleiro,
Filho de Luís Primeiro! Porque vos não confessais Que uma vez não é pecado: Coitadinho, dorme só :
Hás-de vir p'la rua abaixo Dos delitos que fazeis, Uma brasinha de lume Passa noites em que/aro,
P'ra o pé do Paiva Couceiro. Dos corações que roubais? P'ra acender o meu cigarro. Encostadinho à mó ...

192 200 208 216


Ó, élo da videirinha! Oliveira de pé torto, O meu amor, ama, ama O meu amor é um santo,
Põe-te a pé, dá-me um abraço, Hei-de te mandar cortar, A quem tmzes no sentido: Eu por santo o venero;
Qu'eu nunca fiz a ninguém Que me tiras os acenos Não se me dá de ficar Se o chego a lograr
11'\eiguices que a ti te faço. Que meu amor me quer dar. Em faltas para contigo. Nada mais do mundo quero ..•

193 20 I 209 217


Ó estrelinha do norte, O loureiro é pau verde, O, meu amor, anda, vamos O meu amor, esta noite,
Agulha de marear! Quando chega ao lume, esteta; À Igreja dar a mão, Pela vida me jurou
Eu com ela me governo, Assim é meu coração, Tapar as bocas ao mundo, Que se ia deitar ao mar:
Quando te quero falar .•• Quando para o teu não fala. Descansar meu coração. Eu atrás dêle não vou ...

194 202 210 218


O fado é um ladrão Ú, luar da meia noite, O, meu amor, a quem deste Ú, meu amor, não embarques,
Roubador do meu dinheiro; Tu és o meu inimigo! O teu lenço de pintinhas? Olha que o mar não tem fundo:
Hei-de te manôar prender 'Stou à porta de quem amo Em quem fôste empregar É como o amor dos homens,
Às grades do Limoeiro. Não posso entrar contigo. A amizade que me tinhas? Que engana todo o mundo ..•

195 203 211 219


Ó grande Sidônio Pais Ú mar, que nas ondas levas O meu amor, coitc.dinho, Ó meu amor não i'nores
Director da Hev'lução, Uma casca de limão : Anda de costas voltadas ; De eu para ti não olhar:
Não nos deixes sofrer mais, Tu levaste, e não trouxeste Se tem dor de cotovelo, Isto em mim são disfarces
Rende a nossa Divisão! O nosso hidro-avião! Ponha-lhe urtigas pisadas. Para o povo não falar.

196 204 212 220


Ó, ingrata, tu já dormes, Ó mar, que nas ondas levas O meu amor, coitadinho, Ú meu amor, não me deixes
Tu dormes e não suspiras? Um bem que eu tanto adoro! Chora de noite na cama; Por nenhuma rapariga!
Se me tivesses amt'r, Se levas fartura de água, Chora que já f0i amado A ti não te hei~ de deixar
Suspiravas, não dormias ..• São as lágrimas qu'eu choro. Agora ninguém o ama ..• Nem por quanto há na vida .••

197 205 213 221


Ú lampeão da esquina, Ó mar, que nas ondas levas O meu amor, coitadinho, O meu cantar é de escárneo,
Alumia cá p'ra baixo! Uma pedrinha de sal! De repente adoeceu: Bem me ouve quem m'entende;
Eu perdi o meu amor, Tu levaste e não trouxeste faltaram-lhe os meus carinhos.!t Dê~me Deus habilidade
Às escuras não o acho. O Sacadora Cabra\. .• Não pode viver, morreu ... De comprar a quem me vende .. w
136 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE L11\\A CANCIONEIRO DE CELORICO DE BASTO 137

222 230 238 2~6

O meu amor e o teu 6, minha caninha verde, Ó Senhor dos Ajelitos, Os olhos do meu amor
Andam naquela ribeira: Verde cana ricócó! Bem ajelito 'stou eu! São duas continhas pretas,
O meu anda à erva doce Quem me dera ricOcar .Recebi um telegrama C0lhidinhas ao luar
O teu à erva cidreira. Contigo uma noite só! De amor que me morreu! No jardim das violeias.

223 23I 239 247


O meu amor é ourives, Ú, minha caninha verde, Ó Senhom da Saúde! O serpão ê miudinho,
Já me deu uma aliança; Ver( e cana ricàqueira! A vossa capela cheira: De miúdo cobre a terra;
Eu já tenho quem me ame, Quem me dera ricOcar Cheira a cravo, cheira a rosa, Não tornas a ter amor
A-pesar-de ser criança. Contigo uma noite inteira\ E a flor de laranjeira. Tiío leal como t'eu ere..

224 232 240 2~8

O meu amor é um corno Ú, que rua tão escura! Ó Senhora da Saúde, O serpão é miudinho,
Daqueles mnis retorcidos: Não vejo nada por ela: Dai salide ao meu irm[lo! Não se pode atar aos molhos;
Hei-de o pôr à jane!n, Bem podias tu, menina, Eu prometo de lá ir Amar a quem me não ama
P'ra convidar os amigos ... Pôr candeias à janelt:. , . ·C'um ran!o d'oiro na mão. É g1ande cegueira d'olhos.

225 233 24I 249


O meu peito é um relógio, Ú raparigas, 6 moças l Ó Senhora da Saúde, Os teus beijos têm veneno,
Coraçl:o dá badaladas; Tôdas mo haveis de dar: {) caminho pedras tem! Que maü:m quem fôr beijado:
Nos dias que t'eu nüo vejo Dinheiro para o caminho Se não fizesses milagres, Eu tenho muito desejo
Trago-te as horas contadas. Qu'eu não levo que gastar ... Já c{t n:ío vinha ninguém. De morrer envenenado ...

226 234 242 250


Ó meu amcr, se tu fôres O rquxinol quando canta Ó sepultura tirana, O tocador da viola
Ao tribunal das formosas, Mete o rabo na silveira; Terra que me hás~ de comer! É bonito e canta bem:
Apega-te às trigueirinhas, Eu também metia o meu Já te podes alegrar Amante das raparigas,
Que as brancas são enganosas! Numa menina solteira ... Qu'eu não tardo em morrer. É o defeito que êle tem ...

227 235 243 251


Ú, meu amor, tu que tens O Sacadurn Cebral üs homer.s são como lobos, Ouvia gabar os beijos,
Que me falas a doente? E mais o Gago Coutinho Só lhes falta ter c rabo: Dizer dêles tanto bem ...
Para mim falas tão triste foram ambos a voar Aparecem lts raparigas Um dia tive desejos
Para outros tão contente ... Nas asas dum passarinho. Na figura do diabo. De os provar eu também ...

228 236 244 252


O meu pé ao pé do teu, Os amores, hoje em dia, Os meus olhos, de chorar, Ú Vi!a Real aleg-re,
1\'\inh'alma ao pê da tua; São falsos como o melão: Já nenhuma graça tém .•. Província de Trãs~os~J\\ontes
Bailas tu e bailo eu Tem de se partir um cento, Eu tanto lhes, tenho dito Nos dias que te não vejo
Sôbre as pedrinhas da rua. Para se encontrar um são. ·Que não chorem por ninguém l Meus olhos são duas fontes.

229 237 245 253


Ú, minha caninha verde, Os beijos que tu me deste, {)s o!hos do meu amor Palmira, tu és um anjo,
Ú minha verde caninha! Sem a tua mãi saber, São duas A\·e·Marias; Que nasceste para mim.
Não faças a tua cama, Toma lá, já não os quero, São rosoí.ríos de amargura Olha qu'éste nosso amor
Amor, deita~ te na minha .. , Que já lho foram dizer ... Qu'cu rezo todos os dias. Só por morte terá iim.
10
138 FERNANDO DE CASTRO PIRES DE LIMA CANCIONEIRO DE CELOI!!CO DE BASTO I39

254 262 270 278


Papel com qu'eu te escrevo Preguntei ao sol se viu~ Quando passares por mim Quem me dera cantar alto
Sai~me da palma da mão, À lua se percebeu, Deita os olhos ao chão: Do alto que canta a rôla:
A tinta sai-me dos olhos, Às estrêlas se já viram Podemo-nos querer bem O meu amor não me ouve;
A pena do coração. Coração igual ao meu. E o mundo dizer que não ... Se m'ouvisse melhcr fôra •..

255 263 271 279


Passarinhos, que cantais Primavera, linda flor, Quando t'eu disse: adeus Pô no, Quem me dera ser a hera
Às grades do Limoeiro! Com' ela não ha iguais: Do alto de Vila Nova, Pela parede a subir:
Vós cantais em libt:rdade, Primavera volta sempre Bem podias entender Eu ia ter à janela
Eu canto prisioneiro. .iV\.ocidade não vem mais r Que eu me vinha embora [ Do teu quarto de dormir.

256 264 272 280


Pega lá meu coração, Procurei a paz no mundo~ Quantas vezes, 6 luar, Quem me dera tinta roxa,
R.etalha-o como ao marmelo: fui ao cemitério e vi Com tuas mãos erguidinhas Que a pena tenho-a eu!
Depois di!le retalhado Um letreiro que dizia: Abençoaste do ar P'ra escrever ao meu amor
Verás o bem que t'eu quero. Não há paz senão aqui! Almas de amantes juntinhas! Que de mim se esqueceu.

257 265 273 281


Pinheiro, dá-me uma pinha! Pus-me a chcrar ao pê d'1ígu<tL Quem diz que o amor que custa, Qu'ria ser a violeta
Ú pinha, dá-me um pinhão! Lágrimas de sentimento: De-certo que nunca amou; Entre as silvas escondida;
Menina, dá-me os teus olhos, Uma voz me respondeu: Já amei e fui amado, Por tua mão ser cortada,
Eu dou-t'o meu coração •.. Nada cura como o tempo! Nunca o amor me custou ... Em teu peito recolhida.

258 266 274 282


Pomba branca vai pousar Pus-me a contar as estréias,. Quem me dera ser 'moreira Rapariga, faz-te tumba
 campa da minha amada! Só a do Norte deixei: Carregadinha de amoras! Qu'eu farei o corpo morto;
Aquece com teu calor Por ser a mais bonitinha, Quem me dera ser o santo Quando fôr ao dar da terra
Aquela terra gelada! Contigo a comparei. .• Do altar que tu edoras! Dá um geitinho ao corpo ...

259 267 275 283


Por aquela serra acima Quando eu era pequeno Quem houver de amar os homens Raparigas, cantai tôdas,
Vai um caminho seguido ; Não sabia o que fazia: Hà-de amá-los por dois modos: Ajudai-me um bocadinho:
Adiante vão meus olhos, .iV\.andaram-me ao azeite Por diante mil carinhos Foi coisa que nunca vi
Atrás me fica o sentido. E eu mijei na almotolia. Por detrás figas para os olhos. Nl.elro só fazer o r.inho ..•

260 268 276 284


Por tempo tudo acaba, Que.ndo eu tomar amores. Quem houver de amar os homens Raparigas, cantai tôdas,
Atê o ferro batido. Há-de ser em Macieira: Há-de ter o pé ligeiro: Guardai o que vosso ê:
Só nunca tem que acabar, Ou em baixo, ou em cima~ Há-de ter andar de galgo As que não cantam, nem dançam
O amor para contigo. Ou no meio, ou à beira. E marrar de perdigueiro. Também !h' escorrega o pê •••

261 269 277 285


Portugal todo inteiro Quando o sobreiro der bagro Quem me dera agora ver Raparigas, dançai tôdas,
E uma meada d'amores: E o loureiro der cortiça Quem m'agora aqui lembrou: Dai voltinhas ao redor!
Quem a quiser bem urdida É quando te hei-de amar: O meu amor da minh'alma, S'eu quiser dizer, bem sei
Venha à terra dos doutores ... Agora tenho preguiça .•• Que tão longe dêle estou. Qual de vós dança melhor •••
140 FERNANDO DE CASTIW PIRES DE LIMA
CANCIONEIRO DI: CELORICO DE BASTO 141

286 293
l~apurigasde Viade Sapateiros não são homens, 301 308
São duras como o arame: Alfaiates tarr.bém não: Semeei na minha horta S. Gonçalo de Amarante,
Não há machado que as corte Onde chega o lavrador O brio das raparigas: Casamenteiro das velhas!
Nem rapaz que as engane. Bate o pé e treme o chão! Nasceu~ me uma rosa branca Porque não casais as novas?
Cercada de margaridas. Que mal vos fizeram elas?
287 294
Raparigas do meu tempo, S'as lágrimas fôssem pedras, 302 309
Cachopns da minha idade, Que eu por ti tenho chorado, Semeei no meu quintal Se o meu amor me ouvisse,
fazei tôdas como eu: Formariam um castelo, A semente do repolho: Eu cantava todo o dia;
Gozai-Yos da mocidade ... No meio do mar sagrado. Nasceu um velho corcunda O meu t:mor não me ouve.
C'uma batata num olho. A quem fará companhia?
288 295
Raparigas, tomai tento, S'a violeta nascesse 303 310
Cachopas, não vos fiéis.! Em teu qt.:arto períum&do, Semeei no meu quintal Se os beijos espigassem
Cantigas leva-as o vento Também meu amor nascia O brio das raparigas: Como espiga o tdecrim,
Cartas de emcr são papéis. Em teu coração gelado. Nasceu uma rosa branca Na cara das raparigas
Cercada de margaridas (1), Se formava um jr.rdim •..
289 296
Rosa bíanca, gfmha côr, Se as saüdades matassem 304 311
Não sejas tão desmaiada, Muita gente morreria: Semeei os teus carinhos Siga a rusga, siga a rusga,
Para que as mais não digam: As saüdades não matam Ao redor dos pinheirais, Siga a nossa reinação!
Rosa branca, não és nada! Senão no primeiro dia .•• Só p'ra ver se m'e~quecias: O meu pai era da rusga,
Cade, vez me lembras mais! Os filhos p'ra rusga são .•.
290 297
Salsinha, olaré, salsinba, Se Coimbra fõsse minha 305 312
Salsinha, ola ré, meu bem! Como é dos estudantes, Senhora da Conceicão, S'o Padre Santo soubesse
Ainda não sabes, menina, Mandava~ lhe pôr no meio És das Santas mais. beP.ditas, O gôsto que o fado tem,
O gôsto que a salsa tem ... Um ramo de diamantes. Por teres o altar no peito Viria de Roma aqui
Destas môças mais bonitas ..• Cantar o fado também.
290 298
O gôsto que a salsa tem, Se eu fôsse ladrão, roubava, 306 313
O gôsto qu'ela teria; Roubava aquela menina: Senhor mestre serralheiro, Sou alegre e vivo triste,
Salsinha, olarê, meu bem, Roubava tt filha ao pai faça-me uma vara de aço, Morrerei duma paixão:
Tu és a minha alegria! Deixava-a desgraçadinha. P'ra bater nas raparigas, Eu desejo e não posso
Que não têm desembaraço. Lograr o teu coração ..•
291 299
Sant' António dos porquinhos, Seja novo, seja velho, 307 314
S. José dos carpinteiros, Esse teu belo tear Se o mar tivesse varandas Sou filho duma viúva,
Santa Luísa dos trolhas, Leva um fio de saüdade la-te ver ao Brasil; O meu pai morreu no mar ;
O diabo dos pedreiros. Que sobressai a matar. O mer varandas não tem Agora passo a vida
Diz-me, amor, par'onde hei-de ir. No terreiro a dançar.
292 300
Sapateiros, alfaiates Semeei e não colhi,
São um bando de ladrões: Eu bem pudera' colher:
Sapateiros roubam sola Semeei os teus carinhos,·
Alfaiates os botões, Não me quiseram nascer.
(') Ci. N.o 301.
142 FEI~NANDO DE CASTRO PII(ES DE LIMA CA:-<CIONEIRO DE CELORICO DE BASTO 143

315 • 323 331 339


sou violeta nascida Tenho dentro de meu peito 'Tens o coração de brcnze, Três dias 'steve lá morto
Nas relvas do cemitério: Uma flor p'ra ti, criança, Rebatido a martelo; Sem seu pai, nem mãi saber:
Desprezo os prazeres da vida Qu'eu rego todos os dias Pois o meu é de açúcar, Só o sabiam as águias
Pela sombra do mistério. Com lágrimas sem esp'rança. Para dar a quem eu quero. Que o iam lá comer.

316 324 332 340


'Stou aqui à tua beira Tenho dentro do meu quarto Teus olhos, linda morena, Tua boca é tinteiro
A mais tu não me conheces: Uma mesinba de vidro, 'Que parecem dois carvões: A língua pena aparada,
fui o primeiro emor Onde eu agora choro -Quando olho para êles Os olhos letra miúda,
Que tu na vida tivestes. Lágrimas d'arrependido. Meu corr.ção dá esticões. A testa carta fechada.
317 325 333 341
'Stou cansado de viver, Tenho passeado terras, Tõda· a mulher que ti\·er Tuas mãos são pequeninas,
.!\lorte, leva-me de-pressa! 'ln da não fui ao Marão; üm hominho pequeninho, Teus dedos lindas jelores,
Quero esquecer tôda a gente Tenho visto caras lindas, Ddtn~lhe as mãos às orelhas: Teus braços cadeias de ouro,
Antes que tôda me esqueça. Como a tur. ainda não. Dança aqui, meu macaquinho! Com que se prendem amores.

318 326 334 342


Suspiros e ais c dores, Tenho passeado terras, Tomaste novos amores Tudo o que no mar embarca
Imaginação, cuidados, Muitas mais passearei; C' um amor que já foi meu; À barra do pôrto vem:
É o manjar dos amores Tenho visto caras lindas, Agom colhe-lhe a rama: Tudo vejo vir à vela,
Quando andam escamados. Como a tua não achei. A fel vr colhi-lha eu. Só o meu amor não vem!

319 327 335 343


Tendes o cabelo louro? Tenho-te dito mil vezes Trago o aguilhão na varu, Tu és a minha alegria,
Dai-me dê!e três pontinhas, Comigo não percas tempo; Sinal de que sou toureiro: Tu és a minha paixão;
Para cordas de viola, Se tornares a teimar Hei-de mercar uns tourinhos Ss!sinha, olaré, salsinha,
Que me quebraram as minhas. É falta de entendimento. :Para lavrar o lameira. Salsinha do coração.

320 328 336 344


Tenho à minha janela Tenho tido saüdades Trego o meu cornção prêso Tu foste ao S. Torcato
O que tu não tens à tua: De me iirar o comer; C' um fio de ouro no bôlso; Nem uma prenda me deste;
Cravo roxo fechadinho Estas que eu agora tenho ·Quero-vos dizer adeus, Nem os mouros da mourama
Viradinho para a rua. São de cegar, e não ver. ·Com saüdades não posso. faziam o que tu fizeste.

321 329 337 345


Tenho dentro do meu peito Tenho um lenço de beijinhos, Trago meu peito aberto, Um dia que t'eu encontre
Coisa que não sei dizer: Meu amor, para te dar; Não acho retelhador, No meu quartO às escuras,
Um bocadinho de amor Com quatro nós de ciúmes ·Que me c!toJ'e dentro dêle Não te há-de valer dizer:
Que me faz endoidecer ... Não se pode desatar. Lígrimas do meu amor. Está quieto, amor, não bulas ...

322 330 338 346


Tenho dentro do meu peito Tens o coração de açúcar, Três dias antes que eu morra Vai de roda, vai de roda,
Duas 'çucenas a abrir: Só na água se derrete: liei-de ir visitar o adro: Vai de roda assim, assim:
Uma diz que lute, ame, Dai-me um bocadinho dêle Hei-de ir ver <1 sepultura Dá um geitinho ao corpo,
Outra diz que te deixe ir. Para o meu que se não seque. .Onde hei-de ser enterrado. Vira-te agora p'ra mim.
144 FERNANDO DE CASTRO f!RES DE LIMA INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA DA UNIVERSIDADE DO PóRTO
(Sullsltllntlo llCia ,Junta de Etlncn~1'io Nuclonnl)
Director-Prof. Dr. Mendes CornJa
347 350
Vai-te, carta venturosa, Viva o Gago Coutinho
Que lindos olhos vais ver! E Sacadora Cabral 1
Deves pôr-te de joelhos For'o Brasil e vieram
Quando te fõrem a ler. Nas asas de um pardal! O ÍNDICE DA SECÇÃO DOS CABELOS NOS PORTUGUESES
348 351
POR
Vai-te, carta venturosa, Você diz que tem, que tem
Responde, sabes falar; Uvas na sua ramada?
CARLOS TEIXEIRA
Os olhos que te notaram Eu também digo que tenho
Estão fartos de chorar. O meu amor em Lvusada.

349 352
Vai-te, carta venturosa Vós chamais-me trigueirinha? Os cabelos, cujos caracteres têm por vezes uma larga ampli-
Vai ter àquele jardim; Isto ê do pó da eira.
Pede licença, ajoelha, Se vós me vires ao domingo .. _
tude de variação, fornecem, para a classificação das raças huma-
Dá mil abraços por mim. Sou um botão da roseira. nas, valiosíssimos elementos.
A côr, a disposição, o enrolamento, a quantidade, em suma
os seus caracteres macroscópicos, desde há muito já que, nesse
sentido, são utilizados pelos antropologistas.
Todavia, hoje liga-se grande importância, também, aos seus
caracteres microscópicos, não só pelo que diz respeito à histolo-
gia mas, sobretudo pelo modo de distribu"ição do pigmento e
forma da secção transversal.
Foi Pruner Bey quem, pela primeira vez, procurou estudar
os caracteres microscópicos dos cabelos, fazendo observações
sôbre cortes longitudinais e transversais dêstes. Estudando a
forma da secção transversal, aquele investigador, dividiu-os em
três grupos, figurando no primeiro os cabelos de secção elíptica,
no segundo os de secção oval e no último aqueles que tivessem
secção circular.
O Doutor Lateux fêz também observações sôbre os cabelos
e procurou descobrir o processo de os seccionar normalmente~
tendo chegado no seu estudo a conclusões idênticas às de
Pruner Bey.
Nos <Elementos de Antropologia Geral>, Topinard dedica ao
assunto algumas páginas, calculando, pela primeira vez, segundo

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