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A PENA DE MORTE
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RIO DE JANEIRO
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72 R U A SE T E DE SETEM BRO 72
1877
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MOTTA COQUEIRO
OU
A PENA DE MORTE
A
MüTTA COQUEIHO
que nenhuni d’elles reparasse que o outro, matar uma familia, isto, por si só, é
quebrando os estylos da boa camarada uma prova contra o senhor ?
gem e sociabilidade sertansja, não fizesse — Valha-me Deus, isto não vem a pello.
uma longi parada para informai’-se por O Motta Coqueiro não está n’este caso ;
miuio da saude e négocies do seu conhe era um homem tido e havido por máu em
cido. todo 0 Macabú ; malquisto com seus visi-
Essa actividade insólita denunciava que nhos sérios e só cercado de homens iguaes
toda aquella gente reunia-se para assis ao Faustino, um fugido das galés, e o
tir a alguma scena extraordinária, algum Florentine, o tal Flôr, bem conhecido
d’esses acontecimentos memoráveis que por perverso.
se gravam indelevelmente na memória — Os senhores dizem s ó , mas não
dos povos, desinteressada archivista dos apontam os males que elle fez. O proprio
factos que mais tarde terão de ser julga Francisco Benedicto foi por elle acolhido
dos pela imparcialidade da historia. em sua casa, quando, tendo sido corri io
Os pontos mais concorridos eram a pelo D l. Manhâes, não tinha onde cahir
praça Municipal a a rua que, atravessan morto.y Y'
do a, vai terminar na praça do Rocio. — Agora é que o senhor disse tudo ;
No primeiro largo a população aífluia, para o desgraçado cahir^mo^ps; era pre
estacionava, engrossava-se agora e para ciso mesmo ir aggregar-se^raSra cas# do
logo rareava, escoando-se para sul e faccinora, que não só lhe desmoralisou
norte pela rua seceante. uma filha, mas ainda lhe queria roubar
Contrapondo-se á t'îmanha actividade, as bemfeitorias do sitio.
á serenidade expansiva das physiono- — E 0 que me diz o Sr. Martins acerca
mias, oodi havia o refiexo de um senti da mulher de Motta Coqueiro ? interrom
mento honesto, o sino da Matriz come peu um novo interlocutor.
çava a dobrar por morto. Eu sou da opinião do Sr. Luiz de
Esse facto, que destoa dos sentimentos Souza ; para mim, Motta Coqueiro e ri
religiosos das populações do interior,fica capaz de fazer ainda mais, principalmente
ria, porém, cabalmente explicado para porque era açulado pela mulher, a qual
aquelles que se acercassem dos grupos,que dizia que, para despicar o seu marido,
estadiavam pelas praças citadas e a rua, vendeiüa até o seu cordão de ouro.
que na parte norte passava pela cacíeia — Por Deus ou pelos diabos; os senhores
da cidade. faliam só e não me deixam fallar. Com os
— Homem ! eu se vim aqui não foi para diabos, Motta Coqueiro já foi condem-
regosijar me com a morte do infeliz ; te nado ; dentro de uma hora ha de ser pen
nho certe/a de que elle entrou n’isso durado pelo carrasco ; que eu diga que
como Pilatos no Credo. sim, que os Srs. digam que não, nada lhe
— O Sr. está fallando sério, Sr. Mar approveita ; mas a verdade antes de tudo.
tins ? Eu não fallo por ^mim. O Conceição é
— Sa estou, era até capaz de jurar que homem a tôa ?
elle não mandou matar. — Eu vou com elle até o inferno.
— Ora isto é que é vontade de teimar. — Pelo menos nunca ouvi dizer que
Todas as testemunhas foram concordes elle não fosse um homem sério.
em dizer que íoi elle. — Pois 0 Conceição diz que Motta Co
— Então, Sr. Luiz de Souza, se eu fôr queiro é innocente no assassinato da fa
dizer aqui ao Sr. Cerqueira, e este a milia dê Francisco Benedicto.
outro, e a outro que o senhor mandou •— Ora essa 1. . ,
ou A PENA DE MORTE
— E então porque não foi ser testemu mente ao que prendesse o mandante uma
nha da defesa, se elle sabia do facto ? quantia — com que nunca sonhai’am os
— Não foi, e f ;Z muito b;>m ; eram ca pobres moi’adores das mattas, por onde
pazes de dizer que elle também era um Coqueiro vagava refugiado d8is contos
dos co-reus, porque o Conceição, como de réis.
sabem, estava na casa de Motta Coqueiro Entretanto do meio do odio geral que
>na noite em que se deu o crime. cercava mais estreitamente o nome de
— Ponhamos ascousasnos seus logares, Motta Coqueiro alguns ânimos benevolos,
Sr. Martins, interrompeu Luiz di Souza. concordes em amaldiçoar os criminosos,
Ninguém diz que o Coqueiro foi o mata affastavam todavia o seu vereiicto da
dor, 0 que se diz é que elle foi man cabeça do principal aceusado.
dante, e não havia de dar as crdens á Era d’esse numero o ardente Sr. Mar
vista deCenceição. Já vê que este nada tins, que sempre protestando não aceitar
pode saber com certeza. discussões a respeito do assumpto geral da
— Sr. Luiz dè Souza, eu não quero conversação, não podia entretanto resistir
brigar com você, e por isso o melhor é a não chegar-se aos grupos para lhes ou
cortar questões. O Sr. fica com a sua opi vir as opiniões.
nião e eu fico com a minha, o tempo dirá Homem tão honrado e bondoso, quanto
qual de nõr tinha razão. Eu digo que é gárrulo, o Sr. Martins n’aquella manhã
falso, é fal^ , ê falso ; o Coqueiro não discutiu com quasi toda a população de
mandou fazer taes mortes ; esse desgra Macahé, e o maior numero das vezes con
çado morre innocente. cluiu repetindo a phrase final da sua con
Pela conversação a que acabamos de versação com Luiz de Souza; E ’ falso, é
assistir ê fmil saber que achamos-nos no falso ; 0 desgraçado mori’e innocente.
dia em quá a justiça publica, para desaf- Desanimado e entristecido por não en
fí ontar-se, cu melhor, desaífrontar a in contrar na compacta massa de povo uma
dignação publica, ia levar ao cadafalso pessoa só que concordasse comsigo, plena
Manuel da Motta Coqueiro, que era geral mente, na innceentação de Coqueiro, Mar
mente accusadocomo mandante do assas tins atravessava rapidamente o beceo do
sinato execrancbo, que exterminou toda Caneca, quando foi detido por uma vigo
uma f imilia á excepção de uma moc.a, rosa mão.
que não se achava no logar do crime. — Com que o Sr. Martins veiu tam
A noticia luctuosa coiTeu veloz por todo bém assistir ao enforcamento da Fera ãe
o Brazil, e todo o povo ergueu um brado Macabú ?
de maldição contra os assassinos. Estas ultimas palavras foram, porém,
Pedia se em altos brades, nas reuniões proferidas com accento tão repassado de
e na imprensa, uma punição famosa, que tristeza, que o Sr. Martins, sorrindo,
passasse de geração em geração, attes- abria os braços e n’elles estreitou o seu
tando que ao menos os contemporâneos, interlocutor, exclamando:
impotentes para reparar o crime, tinham — Até que,emflm, encontro um homem
sido inexoráveis n’um castigo ti emendo. que pensa commigol
O nome''de Motta Coqueiro era profe E os phtos à’aquelles dois homens dei
rido com horror e bem as.íim o^los seus xaram que perto batessem po" longo.es-
cúmplices, e as mães, ao verem os passar, paço os corações,que palpitavam por um
ensinavam ás creancinhas a maldizel-os. sentimento bem diverso do que animava
O governo provinciale as auctoridades á maioria da cidade.
locaes unii’am-se em solicito exforço para . Quan.o separai’am-se ambos tinham os
a captura dos réus, tíferecendo especial olhos rasos de lagrimas, e por um movi-
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os gritos partiram. Os mais moços corriam A praça do Rocio, em que devia ter
rapidamente, e assenhoras idosas, camba logar a execução, estava quasi litteral-
leando aqui e acolá, e praguejando no mente cheia, e, soturnamente sonora,
puro estylo do beaterio, aproximavam-se transbordava esse zunido abafado que
como um bando de ganços espantados. derrama o vento atravesskndo um tunnel.
Os pais e mais, no intuito de darem Reinava ahi a alegria e o dia esplen
desde a infancia um exemplo á sua pro dido, todo luz e céu azul, aqui e acolá sa
génie, levavam comsigo os filhos, e na rapintado de nuvens alvadias, como que
velocidade de que precisavam dispor, santificava esse regosijo, a não ser que na
quasi que os arrastavam, ao som de opulência de brilho um poder occulto ten
ralhos impex’tinentes. tasse ver se era possivel que um raio ao
Toda essa gente apressava-se, corria, menos peneirasse n’aquellas consciências.
agglomerava-se, encontrava-se, e alguns Abertos os guarda-soes e reunidos em
mais imprudentes, querendo a todo o grupos, os curiosos matavam o tempo
transe romper caminho no mais denso do commentando as peripécias do crime e do
ajuntamento, provocavam, da parte dos processo, louvando a maioria o bom an
desalojados, violentos empurrões e phra damento da justiça.
ses duras, a ponto de ser necessária a Um d’esses grupos chamava a attenção
intervenção da auctoridade para evitar pelo ar de mysteriosa intimidade que o
conflictos. envolvia.
Não foi um rebate falso o que se espa- Tinha a palavra um moço alto, de com
Ihára. pleição fraca, elegantemente vestido, e em
Já a campainha, tangida por um dos tudo differente dos habitantes do logar.
irmãos da Misericórdia, badalejava lugu- — Se eu tivesse influencia, dizia elle,
oremente á porta da cadeia. obstaria por hoje a execução do Coqueiro.
Pedia-se silencio e repetiam-se insisten — Era violar a lei, doutor; o codigo or
tes psios por toda a multidão. dena que a execução se effectue no dia im
— Ouçamos o pregoeiro I ouçamos o médiate ao da intimação da sentença ao
pregoeiro 1 bradava-se por toda a parte. reu.
Esse novo fermento lançado á soffrega — Sim, senhor; mas se o réu estiver tão
curiosidade de todos, fez com que alguns doente que nem se possa levantar, se o reu
se destacassem, porque temendo não po estiver moribundo?
der vèr d’ahi o spectaculo, queriam bus
— Mas eu vi o Coqueiro quando chegou
car em outro logar melhor ponto de ob
da côrte e não me consta ainda hoje que
servação.
elle esteja em tal estado.
O Sr. Luiz de Souza muito intei’essado
— Pois esteve bem mal esta noite. Ce
em coadjuvar a justiça, quanto estivesse
dendo á vergonha ou ao desespero tentou
em suas forças, elegeu-se capitão dos re
suicidar-se, e para isso serviu-se de um
tirantes e suando em bica, bufando e
pedaço de vidro com o qual fez um feri
abanando-se com o chapéu, gritava a bons
mento no pulso.
pulmões :
— E o que faziam os guardas ?
— Vamos para o Rocio, lá o bicho não
— Não sei á uma fabula inventada pelos
nos escapará.
Dentro em pouco o Rocio recebia mais amigos ?
um numeroso contingente de espectado — Não, senhor, fomos vêl o, eu e o Dr.
res, anciosos por verem o epilogo d’esse Silva, e ambos ligamos-lhe as veias.
rosário de horrores, do qual durante très — Embora, doutor ; elle póde ser con
annos esteve pendente a attenção publica, duzido em uma padiola ; e eu ttnho cer-
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teza de que não sahirei hoje d’aqui sem Tamanha anciedade denunciava bem
vel-o pendurado acolá. que, em meio de toda essa gente, não
Na direcção indicada pelo interlocutor havia quem rt flectisse no que ha de ini
estava levantada a machiáa sombria da quidade n’essa desaflfronta do crime pelo
A.
justiça social. crime.
A sua fealdade commovente, brutal A justiça, dynamisando a barbaridade,
encarnação dos sentimentos da popula folga e jacta-se de dar aos descendentes
ção, pavoneiava-se, entretanto, com o epi- dos cffendidos uma reparação, mas não
theto honroso de instrumento da d(Sif- vê que não será multiplicando a orphan-
fronta publica. dade e o desamparo que ella chegará
Todos fitavam-a com sympathia, com um dia a trancar as prkões.
estremecimento mesmo, e caia um bus A baba do sentenciado cai como inde-
cava tomar posição apropriada a têl-a de levelmancha negra sobre todos os sens;
frente. e não pd le haver maior torpeza do que
Talvez pela imaginação exaltada do condemnar a quem não mereceu a con-
povo passassem as imagens das victimas demnação.
immoladas á sanha faccinorosa dos seus Os' magistrados e os que mandam exe
matadores. cutar essas barbaras sentenças dormem
tranquillamente na paz de uma consciên
Diante da horrorosa construcção, a me
cia honesta, porque entregam ás mãos do
mória popular avivava recordações de
carrasco as pontas da corda ou o cabo do
outros tempos, ouvidas em serões de fa-
alfange,
milia aos pais já finados.
— Ainda hoje isto é bom. Contava-me A. sooielade por sua vez applaudé, na
meu pai, que ouviu ao meu avô, que, no magistradura e em si mesma, a segu
rança dos lares e o amor da justiça, no
tempo da D. João VI, primeiro o carrasco
desmonhecava com um golpe as mãos do dia em que das alturas da fjica pende
mais um cadavar.
padecente e sô depois é que elle era levado
á forca. E todavia pareço que ha mènes torpeza^
em um homem matar outro, do que em
— Era 0 que esse precisava; eu sigo reunirem se milhares para matar um íó .
a letra do evangelho; quem com ferro Não peiàsavam, perem, d’este modo os
fere com ferro seja ferido. grupos que ej^ticionavam no Rocio no dia
O gracejo por sua vez vinha pagar tri em que se devia executar osaccusados pelo
buto á reunião piedosa de tantos corações assassinato da familia da Francisco Bene-
just'ceiros, que n’aquelle momento se ex dicto.
pandiam folgadamente n’uma espontânea Ao contrario: havia quasi duas hoi’âs
conformidade de sentimentos. que do Rodo á cadeia andavam anciosos a
Da vez em quando toda a massa popu espera de ver cocsummar se a execução.
lar ondulava, aífiuia. para um ponto e
Todas as janellas o.-.tavam cheias, e as
retlluia depois.
mulheres, coradas pelo sol e excitadas
Era uma voz que se levantava para pelo desejo de emoçõrs, debruçavam-se
apregoar que estavam rufando os tam nos peitoris espiando para o logar de onie
bores e que, portanto, em breve se desdo devia vir o prestito.
braria 0 painel anciosamente Esperado. Um incidente inesperado veiu pôr bem
Serenava o susurro ; as mãos arqueia- patente a approvação publica ao decreto
vam-se em torno dos pavilhões das ore dos tribunaes.
lhas, e todos tomavam a attitude de quem Espalharam-se dois boatos ao mesmo
escuta. tempo.
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ou A PENA DE MORTE
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Propalou-s9 que a munificência do
Coqueiro e os seus amigos impediriam a
que a execução se renovasse.
poder moderador reservara-se para ir no
— E’ um attentado sem nome, exc a-
alto do cadafalso tirar do pescoço dos
mava colérico o Sr. Luiz de Souza. Mas
padecentes o baraço infamante, e assim
emquanto eu fôr vivo, veremos se faz-se
restituil-os á vida, ao remorso e ao arre
ou não se faz justiça.
pendimento. A ultima palavra de Luiz de Souza era
Ninguém quiz dar credito apparente-
a que pairava em todos os lábios, e a
mente, mas, em consciência, cada um
idea que motivava a satisfação do povo.
sentiu se profundamente despeitado e de
nunciava 0 despeito repetindo entre um
Não se riam, não se alegravam por des-
humanidade; regorsijavam-se crendo que
sorriso: não é possivel I
se effectuava uma justa vingança.
D’ahi a pouco, porém, ajuntava-se um Luiz de Souza era a imagem da in
cotnplemento ao boato, e a população dignação profunda e dos desejos da
alarmou se seriamente. muitidão, a que acabava de reunir-se
Divulgou-se que pessoas fidedignas ti mais um espectador.
nham visto chegar a toda a brida um Era Seberg que, sem saber por que, di-
cavalleiro. Accrescentava-se que o recem- rigira-se para o legar onde lhe estava
chegado era campista e desconhecido no reservado um golpe tremendo.
legar. N’uma das continuas viravoltas que
Podia bem ser mais um curioso, mas dava, Luiz de Souza esbarrou com Se-
também podia ser o porti dor do perdão, bevg, e communicava-lhe o occoriido,
visto que o segundo defensor de Motta quando uma circumstancia poz-lhe ponto
Coqueiro era residente em Campos e pio- á narração.
mettera salvar o seu cliente a todo o custo. Os écos do clarim da força publica an-
A noticia iní^pirou geral desagrado e ou- nuDciavam o sahimento do préstito.
via-se em todos os grupos unisonamente A ti’opa, que estava postada na frente
dizei-se : da cadêa, manobrou e dividiu-se em dois
— Selizerem isto, fica estabelecido que pelotões, formando alas á porta da prisão;
podemos de hoje em diante matar a qu’^m e alguns soldados de cavallaria, andando
nos aprouver, sem que possamos ser pu a passo lento, começaram a abrir um claro
nidos. Q rem perdoa Moita Coqueiro não por entre os espectadores.
póde cendemnar a mais ninguém. A ’ portado mal seguro e'abarracado
Ainda os ânimos não tinham siquer edificio,—que desempenhava as funeçoes
contido 0 choque produzido pelo boato, e de calatouço, com exhalações insalubres
já um outro corria de ouvido em ouvido. de enxovias sórdidas e compartimentos
Eite era ainla mais grave e mais pro- abafaios esom luz,—um irmão da Mise
prio para irritar os justos instinctes dos ricórdia movia compassadamente uma
curiosos. enorme campa, cujas badaladas tristes
Aflirmava-se o primeiro boato, e caso como que acordavam a commiseração nas ?ii|
elle se não réalisasse, nem por isso o almas dos circumstantes.
principal sentenciado deixaria de burlar Semelhante a um bando de aves agourei
a sentença. ras, tendo pendentes dos hombros os seus
O meio empregado era simples. A corda balandraus negros, a irmandade da miseri
fora embebida em agua-raz e portanto córdia assomou na porta da caoêa e distri
não poderia resistir ao peso do padecente. buiu-se em parallelas ás alas dos soldados.
Logo que ella arrebentasse, a bandeira Alguns dos irmãos, segurando em uma
da Misericórdia seria collocada sob.e das mãos uma vara de prata e na outra
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uma saccola negra, lá se foram pelo povo . A poucos passos da cruz e lateralmente
dentro a esmolar para os suffiagios do a ella, vinha o porteiro tendo nas mãos
que ia morrer. um papel, em que estava exaradi a stn-
E aquelles mesmos homens que ainda ha tença lavrada pelo tribunal contra o reu.
pouco indignavam-se com a f <5 idéa da Quando esta parte do pre tito passou o
posiibiliiiade de um perdão, concorriam limiar da prisão, o enorme derramamento
cora 0 seu obulo para que a religião se in popular, que assemelhava-se a um lago
cumbisse de redimir na eternidade a|alma estagnado, tamanho era o sea silencio e
d’aquelle a quem attribuiam um crime, quietação — agitou-se inopinadamente,
que jnstameute revoltava a todos 03 espi brotando n’ um surdo mor aurio.
rites bem formados. O murmurio fez-se sussurro e o sus
Sublime contradicção entre o homem surro intenso rumor e ouviram se gritos
religio'0 e o cidadão: este consente que a e choros de crianças.
cabeça >ie um irmão vá ter ás mãos do E’ que na porta do calabouço, vestido s^<
carrasco, aquelle dá sinceramente o seu com a alva funerariae acompanhado por
obülo para que da ignominia social passe um sacerdote, acabava de assomar o réu.
0 suppliciado ás felicidades sonhadas pela O seu nome eia Manuel da Motta Co
crença. queiro. Fora, havia très annos um homem
Tanto d verdade que, em consciência, o abastado, inílnencia política de um mu
povo não quer as penas irreparáveis I nicípio, um dos convidados indispensáveis
Após a confraria appireceu a bandeira nas melhores reuniões; agora não era mais
santa, outrora symbolo de esperança, a do que um padecente l’esignado mas tido
qua se dirigiam os olhares do condem- por perigoso e por isso espionado e guai*-
nado, que ao vel-a, através da memória dado solicitamente peU força publica', em-
afogueada pelas saudades da familia, dos quanto que, olhado como um ente repul
amigos, do trabalhoe dapatria, contrapu sivo, .servia de pastj á cu;iosidade vinga
nha á imagem horrorosa do cadafalso o tiva de uoia sociedade inteira.
sonho consolador do perdão. Com o andar vagaroso, povéixi firme,
Mas a lei inexorável condemnou desapie- veio collocar-se no meio da clareira.
dadamente esta esperança, de maneira Acompannou o o sacerdote, que em uma
que é hoje um apparato vdo o painel em das mãos tinha um livro aberto e naoutra
que a pallida Maria, n’um abraço estrei um pequeno crucifixo.
tado ao cadaver de Jesus, consoveia-se Aos lados d’esses dois homens inermes
com 0 ülho adorado para a conquista da viam-se o carrasco e oito soldados, com
redempeão humana. as baionetas caladas.
A religião no seu painel mostra que Pairava sobre este grupo a sclemnidade
possue para as supremas desgraças o da morte.
supremo perdão; a sociedade cora o seu Alto, magro, cora as faces, escaveiradas
carrasco, alimentado com a lama das en e ictéricas, marcadas por uma grande
xovias, diz-nos que para as aecusações mancha arroxeada, as pi^lpebras entre-
formi -aveis ella fó conhece o castigo ini- cerradas, completamente brancos os com
qu j e in eparavel.
Lí' Seguirt seinnmeiiatamenteao painel um
pridos caballos, as sobrancelhas extrema
mente salientes e espontadas, e as baibas
sacerd( te tendo nas mãos uma grande longas de sob as qif^es pendia-lhe de
cruz, na qual abriam-se os braços e con- volta do pescoço até á cinta, entorno da
fraijgia-se 0 corpo ii vido de um Christo qual se enroscava, o -baraço infamante ;
ensanguentado, cuja face voltava-se para Motta Coqueiro tinha mais a apparencia,
0 lado do padecente. de ura martyr do que a de um scelerado.
V íM
V* * " i
I' em susurros e farfalhos prolongados, o
Crusados sobre o peito os b^aços al
gemados, a cabeça inclinada, os olhos povo m ovenlose para acompanhares
fitos no chão, immovel no meio d’aquella personagens da medonha tragédia, enchia
multidão agitada, que se collocava nss o espaço de um ruido confuso.
pontas dos pés para melhor fital-o ; o seu Era como ouvir-se ao longe o roncar de
porte solemne, a compostura evangelica uma cachoeii’a.
do sbu semblante fazia pensar ou na Contidos por algum tempo pela com-
mais requintada hypocvisia, ou no mais miseração, as exclamações, os comtnen-
inexplicável dos infortanios. tarios, as piagas jorravam agora de todos
Ao lado d’esse rosto, cuja expressão os lados.
fôra amortecida pela desventura, con Alguns mais exaltados negavam-se á
traste enorme, apparecia o carão negro, supplica que lhes era dirigida pelos cari
estúpido e truculento do carrasco, sur dosos irmãos da Misericórdia.
gindo de sob 0 gorro vermelho como ura D’esse numero era uma velha, que tendo
vomito fulig noso da garganta de uma um dos braços passado ao redor da cintura
fornalha. de uma rapariguinha morena, de olhos es
Fu?ilava-lhe nas feições o garbo bestial bugalhados e boquiaberta, via psssar o
do crime. prestito, parada a um dos cantos da Praça
Com a mão esquerda collocada á ilharga Munieip&l.
e arqueado o braço semi-nú, espraiava pela A darmos credito aos muchôchos que
mó de basbaques meio aterrorada, o olhar pi’ovocava aos vizinhos, a feia da velha,
sanhudo, coado atravez de umas pupillas era uma d’essas beatas ira pertinentes, que
n-egras. borradas n’uma corneà injectada não se importam do incommodar ac s mais
de sangue. com tanto que ellas não sejam ao de leve
Peles narinas carnudas e achatadas a prejudicadas nos seus commòdos.
sua boçal ignorância aspirava com o ar o Quando Coqueiro passava-lhe defronte,
alento necessário aos seus instinctos de a velha enrugando ain.ia mais as enregi-
- -fèí‘a. Ihadas pelancas, que oufrora tinham siJo
Após elles vinham o juiz municipal, faces, taramelou para a companheira :
revestido com a toga de magistrado, e o — Olha aqueile pedaço de malvado ;
escrivão, trajado de preto. vai alli que parece um santinho. Credo 1
Uma linha de praças fechava o prestito que mal encarado.
funerário. — Oh 1 nhanhan, coitado, vai tão triste.
O silencio, in tantes quebrado, foi para — Cala a bocea, tola, rtsmungoa a
logo l'estabelecido e d’entre elle só partia velha, ao passo que apeitava um pouco
0 soar agoureiro da campa, tangida em mais 0 pollegar e o indicador na cihta
badaladas espaçadas, quendo o porteiro da pequena.—Ter dó d’elle, te arrenego,
começou a apregoar em voz alta a sen
tinhoso ; é pena que o malvado não tenha
tença pa a qual Manoel da Motta Coqueiro
era coadeinnado á soffrer a pena capital, no pescoço tantas vidas quantas arran
por ser mandante dos assassinatos deFran- cou, para espiri arem-lhe tedas nas unhas
cisco B-uedicto, sua mulher e seis filhos. do carrasco. Deus lhe poi’dôe, mas esta
Ao termo da leitura, soaram os tambo se vendo mesmo que foi ell». •-
res e as cornetas unisonrs ccm o badalejar — Uih 1 exclamaram tf’out o grupo,
lugubre da campa, o o prestito desfilou. que carrasco tão feio, meu Deu's 1, '
Então á semelhança ie uma floresta que — Oito mortes, oito, etftre;,,velhos e
é tomada de assalto por um tufáo e ao crianças, a vida d’elle só não paga. Eh,
passo que se retorce e anceia, desfaz-se oí no meu pensar, entendo que se devia
MOTT A COQUEIRO
fazer o noesnao á familia d’elle, para que Os pulsos vigorosos dos agentes pu-
elle soube.-sa se era bom ! zeram-o fo ra ; mas elle, sem conter-se,
— Deus te perdôe. Deus te perdôe 1 proseguia, dizendo :
escapava mais adiante ao anonymo po — Dêixem-me fallar ao Sr. juiz. Dei
pular. xem-me ! Eu sei. . .
E 0 prestito caminhava, parando, po E’ facil imaginar a confusão que n’esse
rém, a todas ás esquinas para dar logar instante reinou no interior do templo.
á leitura da sentença. Os espectadores redemoinhavam, gesti
De cada vez que o prestito parava ou culavam, apertavam-se em estreito cir
via se um como cicio partido dos lábios culo em torno do desconhecido.
dos sacerdotes e do condemnado. Este, vencendo a onda popular poude
Uma d’essas vezes, poude-se distinguir de novo approxima^-se da ala, e cami
algumas das palavras segreladas pelo nhava em direcção ao magistrado, quando
ministro de Deus : parou 1’epentinamente.
— Confesse toda a verdade, irmão, pu O sentenciado com os cabellos erriça-
rifique a eaa consciência na hora de com dos, a pelle pergamlfihada do rosto e os
parecer perante Deus. lábios contrahidos, meio erguidos os bra
— Repito, meu padre; não mandei ços algemados, fitava no desconhecido
fazer taes assassinatos. um olhar profundo, em que se misturava
E duas lagrimas tardas e volumosas, a supplica e a reprehensão.
d’essas que só os hypocritas confessos ou Todos pasmavam. O desconhecido, como
os desgraçados sabem chorar, escorrega se fosse instantaneamente petrificado, não
ram pelas faces cadaverosas do padecente. deu mais um passo ; a cabeça pendeu lhe
Ora envolvido no rufo rouco dos tam como que humilhada, ao passo que as
bores, ora atravessado pelo badalejar da lagrimas corriam-lhe em fios.
campa e pelo clangor das cornetas, o O juiz ia talvez ouvir o desconhecilo
proitito seguiu vagarosamente pelas ruas mas ao passar pelo seatencirrd% este, di
mais concorridas da cidade, até parar em rigindo-se ao sacerdote, murmurou:
frente á igreja, onde o pregoeiro em alta i
— Peça que o deixem ir. E’ um homem
voz leu ainda uma vez a sentença irrevo
gável, qu 3 devia manchar na cabeça de
de bem; e. tima-me; queria talvez dizer me
ná hora da desgraça algumas palavras de
um homem o nome de toda a sua familia.
Parte do prestito já estava dentro do consolo.
templo; algumas das sentinellas, que O prestito continuou a entrar no tem
custodiavam mais do perto o réu, já plo. Ninguém buscou interrogar aquelle
transpunham o limiar, quando um in homem que soluçava, encostado á porta
cidente inesperado veio pôr em alarma principal da igreja. Respeitou-se lhe a
a todos os circumstantes. dor, poi’que ella mostrava ser bem pro
Um homem desconhecido, com as faces funda e filha da.um sentimento generoso.
macilentas, o olhar e«gaseado, cs vestidos A tropa descançou ss espingardas en
em desordem, e entretanto, revelando pelo chendo 0 recinto sagrado do barulho pro
seu traje, pelo propiio desespero, ser um duzido pelo choque das coiouhas no
cavalheiro ; rompera á força uma das alas assoalho.
de praças e viera collocar-se em meio do O sentenciado ajoelhou-se, e os seus lá
pre.'tito. bios começaram a ciciar uma prece, e o
Agari ado pelos soldados, debatia-se nas sacerdote que desde o incidente empai-
suas mãos, exclamando : lidecera ainda mais, e tcmára um ar
— Deixem-me fallar ; deixem-me fallarl ainda mais contricto, ajoelhou-se tambam.
ou A PENA DE MORTE 13
A isto objectavam outros,mas a maneira
Ao mesmo tempo o povo que enchia o
pela qual o faziam ; as palavras de que se
recinto começou a separar-se abrindo fi
leiras. Era 0 desconhecido, que tvopego
serviam erammmto mais comedidas.
Para o desventurado estava, porém,
e banhado em lagrimas, deixára a porta
marcado o destino e apezar das innocen-
e caminhava em direcção a capella mór.
taçüss de uns, das accusações de outros,
Chegado junto do altar curvou os joe
dentro em pouco elle devia desapparecer
lhos e deixou pender a cabeça sobre os
do numero dos vivos.
seus frios degráus. Teriam decorrido dez minutos apds a
Commovido por esta scsna, o sacerdote, entrada do préstito, quando um prolon
inclinando separa opadecente, disse lhe ; gado tilintar de campainhas, vindo do
como se desejasse não ser ouvido por mais lado da sachristia, annunciou que o sacri
ninguém : ficio da missa ia principiar.
— Ha entre vôs ambos um segredo sa Logo depois o sacerdote, paramentado
grado ; eu não o quero perscrutar. Res com uma casula negra, orlada e listrada
ta me apenas absolver-vos,meu irmão, em de largos galões amarello”, approximomse
nome de Deus. do altar-mór, e, em seguida á genuflexão,
— Oh 1 obrigado, exclamou o senten exordiou em alta voz o sacrificio pelo in-
ciado, que não poude mais conter as la troibo in altare Dei.
grimas, e fitou 03 olhos amortecidos na Os sons entexmecedores do orgão espa-
imagem silenciosa do Christo. Iharam-se como um sopro de melancolia
As seis luzes da banqueta do altar-môr, pelo âmbito sagrado.
meio cffuscadas pela claridade do templo, E 0 celebrante, acompanhado pelos altos
cobriam de tons sangrentos a lividez do amens e et cum spiritu tuo do sachristão
Homem do Calvai'io. e os soluços angustiosos do desconhe
Dir se-hia que se trocava um mysterio- cido, proseguiu resmoninhando o latim
sO’O'lhar'th’ intelligencia entre os dois sen do missal.
tenciados, e que os seus corações ccnver- A educação religiosa dos assistentes
f avara na luctuosa intimidade de um tinha n’este momento extinguido quaes-
inaudito sacrificio : tamanha era a ex quer outros pensamentos que não fossem
pressão do semblante do réu e tão ani os de respeito pelo acto, que se effectuava.
madora a attitude do divino martyr. Havia, porém, um homem em quem a
Entre elles estava baqueada a coragem solemnidade singella do oíficio divino não
do desconhecido, completando a desolada produzia a menor impressão. Era o car
trindade de um martyrio. inenarrável. rasco, 0 monstro negro, que brincava
distrahidamente com o seu barrete, revol
Cousa singular, d’esses soffrimentos
0 que parecia mais sereno era o do mori vendo o entre as mãos.
bundo, que de vez em quando levantava Estatua informe da escravidão, cujas
os braços a’ gemados para embeber o panno falhas foram cheias com o asphalto do
da alva nas lagrimas perennes. calabouço, argamassado com o sangue
A impressão produzida por este quadro que os açoutes lhe tiraram do corpo, o
desgtaçado folgava talvez na sua brutali
sombrio parecia ter apiedado a multidão,
que se mantinha em sincero recolhimento. dade de féra.
Algumas pessoas visivelmente commo- Os brancos fizeram d’elle uma victima ;
vidas diziam já : prohibiram-lhe que afinasse os senti
— Ha uma voz que me diz que o Co mentos pela comprahensão exacta da fa-
queiro não foi 0 auctor dos assassinatos. milia, da religião e da patriaj devia sei-
j 4 MOTTÀ GOQUEllU»
lhe grato poder vingar-se de um dos seus — Perdoa-lhes, irmão, elles não sabem
oppressores. o que fazem.
Revolvendo nas mãos o gorro vermelho Na embocadura do largo o pregoeiro
illudia porventura a impaciência que lhe cumpriu pela penúltima vez o seu dever,
causava a demora da execução. e as caixas expandiram-se em rufos pro
Negaças de tigre antes de dar o bote á longados.
presa. Pela cara angulosa do carrasco passou
O sacerdote acabava de resar o prefa um vago estremecimento, semelhante aos
cio, 0 a campainha do ajudante acompa frêmitos eléctricos que percorrem os lom
nhava a invocação do» santos, quando a bos dos tigres, e ao mesmo tempo tomou
campa funerariado irmão da Misericórdia 0 aspecto metallico de uma camada de
apregoou a retirada do prestito. mei’curio.
O barulho dos que se levantavam para — Coragem, coragem, meu irmão ; é
sahir perturbou o recolhimento devido ao chegado o transe derradeiro ; exclamou o
acto da celebração, e grande parte do sacerdote para o sentenciado.
povo já estava de pá e de costas, quando — Peça a Deus por nós, meu padre.
aOstia, levantada pelo celebrante, alvejou E caminhou, seguro no braço pela ca-
por cima do altar como uma estrella de losa e rude mão do carrasjo.
amor, perdida na escuridão do odio. A poucos passos levantavam-se os dois
Lá fóra rufaram as caixas os runs- esteios negros que sustentavam a ma
runs contristadores, com que a justiça china mtnstruosa da justiça humana.
enlueta ainda mais a perspectiva do tu- Se a machina tivesse alma devia estar
mulo; depois o pregoeiro declamou ainda bem desvanecida de ver a curiosidade
uma vez a sentença, e o prestito seguiu que deSpsrtava a sua brutalidade, e pro
0 seu caminho. curar attitules especiaes para relevar
A serenidade que, desde a sahida da ainla mais os seus toscos e hediondos
prisão não deixara de illuminar a phy- cmtornos.
sionomia do condemnado, persistia inal A parte superior dos esteios era ligada'''''\_^^
terada, porám, a fraqueza do corpo des por uma grossa trave, e abaixo, mediando ^
dizia a fortaleza animo. pouco mais da maior altura de um homem,
O desventui-ado quasi não andava, ar corria um tablado, terminando, de um
rastava se ; e algumas vezes o sacerdote lado, rente com a face dos esteios.
teve de ir-lhe em auxilio, para que não Do tablado até o chão conda uma es
désse em terra. Outras vezes o carrasco, cada de degraus estreitos e roliços. Tudo
impacientado pela morosidade do passo, tosco, brutal, como o fim a que era des
impellia a victima, que nem siquer dava tinado.
mostras de oensural-o por isso. Para ahi condusiu o carrasco o homem
Já os irmãos da Misericórdia, no des aferretado pela condemnação publica.
empenho da sua caridosa missão, embara- Ia emflm desdobrar-se a ultima scena
fustavam pelo meio dos curiosos que esta do assassinato legal, esse que, mais digno
cionavam no Rocio, e os soldados abriam da reprovação do que os outros, é feito a
caminho para a entrada do prestito. sangue frio, premeditado nos commodos
Motta Coqueiro, desfigurado e tremulo, de uma cadeira de juiz de facto, de uma
ao ouvir os gritos que annunciava a sua poltrona de desembargador, e confirmado
chegada, com a voz entrecoitada disse pela irresponsabilidade do poder mode
ao sacerdote: rador.
— Aconselhe-lhes, meu padre, que não Os juizes chegam ao tribunal com os es
zombem de quem vai morrer. tômagos cheios e os corações afTagados
pelos carinhos da familia ; riram’ ao Para abafar a voz do condemnado as
almoço satisfeitos com a graciosidade dos caixas marciaes rufaram prolongada-
brincos dos seus caçulas ; riram á en mente, e fez se signal ao carrasco para
trada do tribunal, alegrados pela jocosi começar a sua missão.
dade dos amigos ; applaudiram os tropos O monstro apertou então ainda mais o
ardentes da accusação e da defeza e en- braço do livido padecente ; puxou-o para
thusiasmaram-se com a arte revelada si em direcção á escada, e collocando-se
pelos juristas na elaboração do libello e depois por detraz d’elle, fel-o subir os de-
do contra-libello, e depois retirados para gráus da forca.
a sala secreta, submettem os quesitos, não Emb?ixo, os irmãos da Misericor’dia e
ao critério formado pela sensata apre os sacerdotes, reunidos em torno da cruz,
ciação do entrecho do processo, mas aos puseram o seu esfcãndarte em posição de
preconceitos que em em suas mentes de cobrir o sentenciado, caso arrebentasse a
burguszes honestos foram arraigados corda.
pelos coramentarios e legendas abortados Era uma vã espei’ança: a corda fôra
da ignorância popular, tão ofliciosa em especialmente mandada por uma auctori-
coopei’ar para o mal do proximo, quanto dade elevada da provinda, e os abusos da
remissa para fazer-lhe bem. propria confraria inutilisavam a sua in
O sentenciado chegara junto ao patibulo. tervenção a favor dos infelizes, votados á
Para juntar a ironia á malvadeza, uma morte infamante.
bandeja com alguns pratos cheios de con- O carrasco e o reu tinham chegado ao
feituras, um calice e uma garrafa de tablado. O pregoeiro leu pela ultima vez
vinho generoso foram apresentados ao a integra da sentença que condemnava á
preso, como symbole da solicitude social, morte e as multas da lei o réu Motta Co
e da maxima e indisivel pieda'îe que vem queiro, mandante dos assassinatos de
cevar a victima antes de iœmolal-a. Francisco Benedicto da Silva, sua mulher,
O réu voltou nobremente o rosto á in um filho de desoito pai’a dezenove annos,
juria assucarada dos seus matadores, doas filhas maiores de quatorze, duas
e, ou fosse pela dor que esta affronta maiores de sete e uma de dois para très
lhe causasse,ou fosse pelo terror inspirado annos, e finda a leitura, o magistrado or
pela visinhaça do patibulo, os joelhos ver denou ao carrasco o cumprimento de seu
garam-lhe, e teria baqueado se não fosse dever.
arrimado pelo sacei’dote. O negro instrumento da morte, depois
Não longe.d’este grupo >:ma face negra de conchegar á cabeça encarapinhada o
de mulher b^nhava-se em pranto copioso. gorro vermelho, e experimentar com vio
Era 0 protesío de uma raça contra o pro lentos puxõ ís a segurança das algemas do
cedimento de um de seus membros, por preso, tomou-lhe o capuz, que lhe pendia
que ao passo que a boa da preta chorava, nas costas e com elle cobriu-lhe oj rosto.
o carr> ,co esvasiava um calice do vinho Passou a desenroscar a corda da cin
regeit-i’o pelo condemnado, e apreciava- tura do padecente e ajustar-lhe o baraço
lhe o sabor dando estalinhos com a lingua. ao pescoço. Feito isto, conduziu o des
Dispertado da prestação, revivido do venturado para uma pequena escada posta
desanimo pelos soluços da commiseração entre o tablado e a trave ; assentou-o em
espontânea o’aquella mulher, o i’éu co um dos degraus, e foi prender a corda
brou de novo forças, e voltou-se para em dois ganchos da ferro pregados no
a lacrimosa, dizendo-lhe : alto do patibulo.
— Chora, minha filha, porque eu morro Escarranchando-se na trave, agilincli ’
innocente. nou-se ô segurando-se n’ella com um
braço, com o outro empurrou violenta- pletamente vasias e a cidade recahia no
mente o padecente, tirando de improviso seu silencio habitual.
No tablado do patibulo viara-se, porém,
a escada de sob elle.
O sentenciado ficou suspenso pela cor quatro homens vestidos de lucto, e com
um sincero recolhimento collocavam den
da, eíp'?rneando, agitando os braços
tro de um caixão mortuário o cadaver do
amarrados e balouçando como enorme
pendula. justiçado.
Eram os amigos de Motta Coqueiro que
Deixando então a primitiva posição, o
tinham obtido da justiça, para dar á uma
cari’asco, voltado para a multidão, segu
cova, os restos que ella condemnaria á
rou-se com as mãos robustas na trave e
valia commum.
pendurou-se no ar.
Em um dos vai-vens dados pelo corpo do O desconhecido, que era um dos quatro
sentenciado, os pés do carrasco alcança que seguravam nas argolas do caixão, ao
ram cs hombros d’aquelle. pousal-o na beira da cova, disse para Se-
Collado um pé sobre cada hombro, o berg, que chorava: — foi um homem de
monstro carregava sobre o moribundo e bem ás direitas ; e se alguns erros com-
impellia 0 em largos balanços. metteu, o ultimo acto de sua vida paga-os
Durante toda esta scena que atterro- de sobra.
rava os mais exaltados, o negro execu II
tor ria a sua feraza através de uns lábios
grossos e roixos.
0 SITIO EM MACABü
Talvez sentisse n'esse momento a sa U m tapete de grama, desdobrado so
tisfação de Quasimodo quando bamba bre uma larga area de terreno, viredecia
leava se no espaço, agarrado ás orelhas de um lado uma vasta planicie e de outro
do sino giande da Notre Dame. uma pequena coilina, alegrando a appa- a..!
Esta scena durou o tempo immenso rencia da localidade.
que duram sempre as scenas horrorosas ; Aqui e alli erguiam-se do chão atapéta-
minutos que parecem horas. do grandes moitas de arbustos, ou isoladas
A um golpe dado na corda o cadaver do arvores corpulentas, copadas umas, nuas
sentenciado bateu em cheio no tablado e e esgalhadas outras, projectando sombras
o carrasco veio de um salto, collocar-se extensas ou sacudindo á viração longos
sobre elle,carregando lhe com a mão sobre flocos de musgo, postiças bai'bas brancas
a boca. postas á velhice desses raros represen
Estava desaíírontada a sociedade. Ru tantes das mattãs virgens.
faram os tambores, clangoraram as cor Na orla horizontal do grammal, o rio
netas e 0 carrasco desceu para recolher-se Macabú, comprimido enti’e as mai’geas co
de novo á fermentação silenciosa dos seus bertas de vegetação esplendida, arrastava
ruins instinctos. a sua pobresa de aguas, ora juncado
A confraria desfilou precedida pela sua das mortas folhas amarellas das figueiras,
bandeira e fechada pela cruz, onde a ca ora bi’anqueado pela caduca floração dos
beça descorada do Christo parecia ter-se ingazeiros.
inclinado ainda mais. O cimo da coilina servia de base à uma
E’ que, desfeiando-a, na historia da hu casa avarandada, cujo caio era de distan
manidade redimida negrejava mais uma cia em distancia colorido por uns quadra
iniquidade. dos e rectanguios verdes, a que corres
Uma hora depois, a praça do Rocio e as pondiam outras tantas portas e janellas
ruas principaes de Macahé estavam com- envidraçadas.
_ ÏI — »,
ou A l’UNA 1)E MOllTË 17
Cerca de duzentos passos d’esta casa se erguia por entre as negras telhas do
chamada—a casa grande—estendia se um casarão central.
I lanço estreito, coberto de sapé, de paredes Toda a vida e actividade estavam con
ffi apenas barreadas, atravessadas de espaço centradas em outros pontos, e facil era ir
a espaço por umas portas baixas ejanel- ter, a elles tomando um caminho, que pas
■ las , que teinam très palmos de altura so- sava perto do curral, e seguindo por elle
j bre dois de largo. em direcção ao occidente.
Era uma linha de senzalas, miserável A um quai’to de hora de csminho
habitação dos escravos. estar-se-hia no meio de compridos acairos,
sombreados por enormes bananeiias que
í Entra as senzalas e a casa grande — dividiam umas de outras as terras culti
‘ duas casas — a do feitor e a do fabrico de vadas.
faiinha, ou bulandeira, e além d’estas, Ouvir-se-hiam então os cantos mono-
‘ do outro lado da casa gíande, uma es- tonos e ver-se-hiam, com uma saia de ris
pecie de barracão coberto de telha, com o cado e alv:.s camisas de algodão, expostos
caio sujo e as paredes meio esburacadas, ao sol os collos negros das escravas, e
, completavam o numero das edificações, vesti os de calças da zuarte, os negros
j se exceptarmos algumas palhoças collo- semi-nús levando para diante o eito, esti
4 cadas mais para traz e que serviam para mulados pelos gritos machinaes de arriba^
i guardar os animaes domésticos. o.rriba\ bradados pelo feitor, encostado
Como grande mancha negra no matiz ao cabo do seu rebenque.
!f
da collina, via-se o curral, cercado por So no meio dos cafesaes e maudiocaes
uma curva dé baixos paus-a-piques, nos nãò fosse encontrada a gente do sitio, o
quaes pren lia-se uma pesada canjella. tan-tan, tan-tan compassado dos macha
I A casa grande estava quasi sempre dos no cerne das arvores seculares annun-
fechada, porque o seu dono, Manuel da ciaria a sua estada nas mattas circ umvi
Motta Coqueiro, residia em Campos e a zinhas.
maior parte do anno passava-a ahi, ou en A ’s vezes o serviço era dirigido pelo
tão na sua chacara da barra de Macabú. senhor em pe-soa; mas o aspecto da casa
A alegria dos logares habitados não não S 3 alterava, porque vindo só para o
era, pois, encontrada senão raramente sitio, Motta Coqueiro apenas era visto em
n’este local, onde a primavera desfazia-se casa quando de manhã muito cedo dieta va
em fiorecencias esplendidas sem que ordens ao seu feitor ou á noite ouvia d’elle
houvesse quem a contemplasse, a narração do serviço feito. Em face
i ' • Quando o vento indifférente, enredan- d’elles quedavam então os escravos ali
; do se na copa das arvores, transformadas nhados e taciturnos.
em ramalhetes monstros pela seiva vernal, Quatro annos antes da época em que nos
esfolhava-os desapiedadamente, a chuva achamos, primeiros mezes de 1852, outra
de flores e folhas cahia sobre o gado, que era a vida no sitio.
fugindo á canicula, deitava-se-lhes á som- O campo era quasi sempre percorrido
bra, ruminando silêncios amente. por cavalleiros e homens a pé, cs quaes
Quando o calor abrasava, colhidas as dirigiam-se de prefarencia para o velho
azas e occultas na frescura da folhagem, barracão que descrevemos.
as cigarras e as nuvens de passarinhos Por esse tempo, a pedido de um amigo,
chilravam e gazeiavam por alli como se Motta Coqueiro recebeu como seu aggre-
estivessem em logar completamente de gado>um d’esses pobres homens do sertão,
serto. Também de visinhança de homem que vivem da pequena lavoura e sem meios
SÓ dava signal uma espiral de fumaça que para ter um terreno proprio, cultivam o
o
18 MOTTA COQUKIUO
alheio para usufruir lhe as bemfeitorias. xima, tocando viola e desflindo a vida
Francisco Benedicto,forte apesar da idade, alheia, o compadre assentava-se ás vezes,
que subia a mais de 40 annos, vira se, e para matar o tempo e cortar o calor
havia alguns mezes, sam um tecto sob o esvasiava tántos copinhos de aguardente,
quai abrigasse a numerosa famiiia, e re- que o resultado era voltar para casa des
correado a Coqueiro por uni seü amigo, crevendo zig-zags.
cbteve concessão pai*a estabelecer-se em Demais tinha relações com pessoas, que
terras do sitio de Macabü, onde levantaria eram inimigos confessos de Motta Co
para si uma casa e cultivaria o t->rrtno que, queiro, e que, segundo erá f;m a, só cão
lhe aprouvesse, sem pi*íjudicar o pro lha bebiim o sangue porque não podiam.
prietário. Era d'este numero o André inspecter, e
Foi, pot é/û, temporariamente ho'pedado osublelegado Oliveira, que se malquista
no barracão contiguo á casa granie até ram com 0 compadre de Francisco Beae
que terminasse os trabrlhos preliminares dicto desde umas elei .õss que elle venceu
do seu estabelecimento. em Carapsbús.
A belleza das très filhas mais velhas de Salvo esta queixa, reinava a mais in
Francisco Benedicto, a intimidade por teira cordialidade entre as familias. As
elle demasiadamente facilitada, fizeram filhas e mulher do aggregado frequenta
logo da casa um ponto de reunião, princi- vam a casa grande e nunca sahiarn de lá
palmente dos ociosos da visinhança. sem que a senhora pedisse cs lenços das
Coincidiram com a chegada de Fran pequeninas para amarrar uma trouxi-
cisco Beaedicto e os primeiros tempos da nha.
sua morada na casa de Coqueiro, as de Por seu tu'’no estas de vez em quando
moras a’este o sua familia no sitio. traziam uma cestinha cheia de ovos e
Era causad’essas demoras ter Coqueiro, acercando-se da dona da casa, depois de
que negociava em madeiras, resolvido lhe beijarem a mão, diziam-lha :
explorar as mattas proprias para obter
os preços elevados correspondentes á ca — Eu trouxe isto para a senhora.
restia do genero no mercado. A resposta era sempre, á chegada das
Para accélérai’ o trabalho era necessá canoas da cidade, um embrulho de esssa
rio que elle estivesse presente ao serviço ou chita, ou UQS lenços novos, enviados
dos escravos e empregados. obriga- pela esposa de Coqueiro á casa de Fran
va 0 a demorar-se no sitio e a sua esposa, cisco Beaedicto.
para não constrangei o a ir visital-a a Se a consorte de Coqueiro assim tratava
Campos, resolveu acompanhai o. a familia do seu hospede, aquelle por sua
Entre a famiiia do aggregalo e a do vez teve diversas oceasiões de carregar
proprietário travaram-se logo relações e as suas sobrancelhas salientes, e tomar
Motta Coqueiro fti na primeira oppor- um tom de voz energico para responder
tunidade escolhido para baptisar o caçula aos que fallavam do seu coæp sdre :
da Francisco Benadicto. — O que eu sei é que tirado o defeito
Cumpre, entretanto, notar que a senhora da bebida, é muito trabalhador e a su'i
de Coqueiro manteve sempre uma certa familia é boa gente.
reserva para com o compadre, que não Todas as tardes ao voltar da roça cu
obstante ser bom homem, muito respeita da derrubada. Coqueiro parava junto da
dor e trabalhador, tinha o vicio da be casa de Francisco Bsnedicto, e alli espe
bida. rava muitas vezes até á noitej mandando
Entre os vadios que passavam as se ao mcleique, seu pagem, desensilhar o
manas assentados ao balcão da venda pro- cavallo, porque êó iria mais tarde.
ou A 1>KNA UE MOUTE 10
Havia tî‘fs iadiviJuos a queœ tatoanífa ponteagudas, que faziam lembrar a fôr
familiaridade incommodava. Eram elles ma dos pecegos.
Manuel Joâo.ura mulatialio de vinte e pou Demais a mopa antes de entrar no rio,
cos annos, bem apesroalo efallante,—ura colhera os vestidos até os joelhos, e
perno-stico, seguido o Vianna da venda; atara-o á cintura com um lenço, e para
O Sebastião Pereira, robuîto rsp iz que não molhal-os, apertou-os eatre pernas,
œorava perto dts terras de Coqueiro, e de maneira a formar com elles uma es-
muito coaheci io pela peiicia em tocar pecie de calções apertados.
viola e cantar o desaflo ; e o Vianna da O remador que adjudava com i^emadas
venda jâ meio m aluro—como dizia o An viris 0 deslisar espontâneo da canôa pela
dré inspector, e creio mesmo que ligado correntesa do rio, conteve a frágil embar
por laços matrimoûiaes. cação parou de remar, e deixou que ella
Ca ia um d’esses très indivUuos suspi ficasse remanseando, emquanto elle en
rava muito em segredo por uma das mo- volvia n’ um olhar ardente as formas
1’enas do Chico Heaedicto—per pena das sculpturaes de Chiquinha.
pob es raparigas. Esta que disfarçadamente observava
O porte airoso de Chiquinha, a filha 0 canoeiro com um olhar contemplativo,
mais velha, o seu olhar meio escarninho, deixou-se ficar curvada, ostentando a cin
meio melancol CO, o confranger dos Isbios tura fina, accentuada ainda mais pelos
para estalar ura muchocho penaZjsaram amplos contornos dos quadris.
muito a S. bastião. A canôa, entregue a si mesma, poz-se a
O compassivo rapaz levava a sua sen boiar a mercê da correntesa, o como se
sibilidade a poeto de visitar sempre o mão mysteriosa a guiasse, veiu esbarrar
Chico Benedicto. a’.um tosco branco de lavagem, que negre-
A principio, ao lusco fusco, com a sua java junto a Chiquinha.
viola a tirsccllo, e montado n’um ossudo — Que máu ponpeiro que vosmecê é,
csvallo, a que todos chamavam—pangaré, oh seu Sebastião ; disse esta, eu não me
e só elle chamava-c—Suipiro, era visto embarca va com vosmecê, nem para o céu.
marchando para a casa, que lhe entris — Pois é pena, sá Chiquinha, porque eu
tecia o coração. iria cora vosmecê até para o inferno.
— Era preciso que eu quizesse ir, res
Mas, devido mesmo ao coitinuado t'a- pondeu Chiquinha, SOI rindo.
balho, aggrav rsm-se as mataduras do
— Eitá visto ; eu não queria nem esta
lombo do inimal, e o Seba t;ão tomou o canoa cheia de ouro se fosse contra a sua
expediente de vir em uma cat ôj. vontade.
Um dia, ao chegar ao porto, Chiquinha — Deveras ? ...
estava lavando. O sol rerestira lhe de um — Se duvida, sá Chiquinha, é só expe-
anacardino intenso as faces graciosamente 1'imentar,
tumidas. Os cabelh s negros como cs fruc- Ao pr. nunciar a palavra Chiquinha ti
tos da barauna, reunidos em duas tranças, nha-se senti lo perturbada e pai-a não
que cingiam a cabeça pequena, afefavam- trahir-se levantou a alva peça que lavava
se em duas pa.^ta?, aiqueadas por sobre para batei a no banco, que tinha diante.
as têmporas.
O seu braço foi, porém, delicadamente
Entre as sues mães delicades alvejava seguro pela mão de Sebastião, emquanto
oma peça branca de roupa, sc bre a qual a com a outra o moço tentava tirar-lhe a
moça inclinava se, mettida dentro do rio. peça da pequenina mão.
A posição curva, que tomara, deixava — Não me segure, resmungou Chiqui
vêr pela altura do collo umas salienciís nha, fingindo-se amuada ; me deixe.
•^1
WOT’TA COQUEIRO
20
— NSo foi por mal, sá Chiquiulia! ... A sala sem assoalho, com o chão ac-
murmurava Ssbastiao, ao passo que dei cidentado por altos e baixos, ornada por
xava 0 braço da moça. E’ que para bater uns bancos de pau, umas caixas e uma
a roupa é preciso força, e eu sou mais meza velha, em que assentava um orato
rio junto do qual espirravam dois can-
forte.
Chiquiuha dando uma das francas risa dieiros de folha de Flandres ; semelhante
das caracteristicas dos filhos da roça , sala luzia na memória do homem com £s
scintillações de um paraiso de amor.
exclam ou:
— Uhê 1 seu Sebastião subiu a serra, E’ que ao entrar, fôra recebido por uma
gente 1
estrepitosa ovação, e ouviu á Antonica
O rapaz animado pelo dito e a risada chamar os seus quasi quarenta annos —
de Chiquinha desembarcou,segurando nas um mocetão bonito.
mãos a corda que amarrava o banco da Não ha alma de tendeiro da roça, por
prôa da canôa, e poz-se a perfurar o barro menos vaidosa que seja, fortalecida para
do porto com o cabo do remo, dizendo: não penhorar-se com semelhantes sau
— Eu pensei queuoc^ tinha-se zangado dações.
N’aquella noite o Vianna, naturalmente
commigo.
— Não me zanguei, n ão; foi só para folgazão, levou as lampas aos mais pago
você não se metter no que não sabe. deiros ; tinha mettido no mesmo chinello
— Então eu não sei bater roupa ? o Sebastião e Manuel João, que improvi
— Qual sabe o que; isto não é viola. savam estrophes com a fluência do jorro
— Pois fique sabendo que a gente de uma cascata, e com as mesmas quédas.
quando quer sabe tudo, até amar. Achava-se ahi por ter merecido um
— Óra, isto ... tem muito que saber... convite de Francisco Benedicto para uma
_g tem mesmo j como eu você nao brincadeira de Santo Antonio.
O programma da festa era uma ladai
acha outro.
_Agora, como se faz na caixinha dos nha, e em seguida um fado com muitas
tres desejos, diga, seu Sebastiao a quem raparigas, um leitão assado, dous garra
fões de aguardente, ou melhoi’— de boa
ama ?
— A você ! . . . canna, e um garrafão de vinho, o qual
— Gentes 1 como você está adiantado! fôra dado de presente á Antonica, pelo
exclamou Chiquinha,depois de ter contra compadre capitão, o Motta Coqueiro, que
hido os lábios corados n’ um terno mu- fôra passar a fosta na c^dade.
Na casa não havia nicas, era casa de
chôcho.
Desde esse dia. Sebastião Pereira come pobre ; e o Sr. Vianna estava alli como
çou a sentir grande pena pela familia do se estivesse na sua venda. Podia também
Chico Bsnedicto, e a ter manifesta aver levar quem lhe aprouvesse.
são pela familiaridade de Coqueiro junto Cantada a ladainha, começou cilorosa-
mente o fado. A viola retinia febril
d’esta familia.
A partir de uma noite em que, sobra- mente ferida pelos dedos apaixonados de
çado 0 seu ponche de baeta negra, forrado Sebastião Pereira ; rufavam enthusiasti-
de fianella vermelha; posto no alto da ca camente os adufes, e os pares rodavam,
beça 0 chapéu do Chile com largas fitas sapateavam, peneiravam, enchendo asala
negras pendentes, oVianna da venda, en de palmas e castanholas.
trou na casa de Chico Benedicto, a sua Uma das rodas era formada p«lo Vian
alma de tendeiro começou a pesar ouro fio na e Antonica, Manuel João e Mariqui
03 generös da vendola e a recordação de nhas, a mais nova das très filhas moças
sá Antonica. de Francisco Benedicto.
ou A PENA DE MORTE 21
A. solicitade de Vianfaa não podia resig- deiro agachou-se e coseu-se com a parede
nar-s3 a mastigar o leitão da brincadeira, correndo, e só depois de alguns minutos,
quando Antoniei, bonita como diabo, gritou de fóra :
conforme elle dizia, ficara lá na sala so
— Eh tá com o berreiro; já vou, já vcu.
zinha e quem saba se amuala comsigo.
Assim pois, resolveu vir ter cem ella As pessoas que entravam na sala, en
acompanhado de um prato com â , iguarias contraram Antonica, sentada muito tran
da mesa e um copo, o unico que havia, ató quillament», e ninguém su pe.t^u, siquer,
meio de vinho. a scena que antes se passara.
Apresentou-lhe o prato e o copo; a Recomeçando o fado, o Vianna mostrou-
moça não quiz servir-se, e pediu-lhe que se por largo tempo menos expansivo;
a deixasse descançar. esquivava-se de dan;ar, tíizendo-se fati
— Oh 1 sá A nton ica, eu fiz-lhe algum gado, e só se achava bem junto dos gar
mal ? interrogou Vianna, ou sou algum rafões, em companhia de C.iic j Rencdicto.
bicho que lhe metta medo ? Antonica também não figur.*va n.s
— Não é, nã^; mas ea não quero ouvir rodas senão espaçadamente e tinha o ar
a bccca do povo. de quem queria chorar.
— Qual historia, sá Antonica, elles de O Sôbastiàj Pereira, que ao lado deCni-
mim não faliam, porque todos elles têm a quiühi paiecii tei--se alheado de tudo
barriga lá em casa. mais, não prestou a principio attenção ao
— Já sei, já, seu Vianna; mas eu quero mau estar dos dois nam rados, mas sendo
ficar sozinha aqui, ou então vou-me em obrigado a chamar alguém para substituir
bora. Que ahorreciment j, home f 1 a sua v ilx , que precisava sahir, fji ter
— Está bom, eu vou, sd Antonica. com Antonica, e as lagrimas represas da
Mesmo póie estar aqui alguém que vá moça revelaram-lhe o segredo do seu
contar a elle, e depois... afastamento e tristeza.
— Contar a quem, seu Vianna? não se D.riginio-se á Vianna, Sebastião ata-
dá esta ? te arrenego I cou-o logo do frente, sem meias palavras:
— E olhe que não seria a primeira vida Você pai ene criança; lá está a Antonica
que elle mandaria tirar. Eu sou pobre e a chorar, seu Vianna. O pai já esíá prom-
elle é capitão, é rico, ê magnat a. pto e se vem a sabor d’isto, temol-a tra
— Olhe, seu Vianna, eu chamo papai mada. Vá (irar a lapariga, e o mais cirre
p ira ouvir o que é que está ahi dizendo. por minha conta.
— Não precisa, não, sá dona', depois No d ii seguinte ao re‘irar-se da casa de
não se arrependa. Francisco Benedicto, o ven lilhão levava
— E\ vocês todos são assim mesmo ; eu a roupa e o coração igualramte machu
dancei com você, e agora fica mal com- cados.
migo. Combinando, porém, algumas palavras
— Qual zangadoI não estou; é que de Antonica, poude abraçar-se a uma es-
penso; eu sei lá, o Manuel João é quem pei’ança, ao passo que dava de mão a uma
diz que você gosta do capitão, e eu já teimosa somma debita la ao pai da moça.
estimo você tanto... O sacrificio do seus interesses e o de
— E gosto, e agora? nunca me fez sua tranquillidade puseram muito natu
mal. Quem manda aquelle coisa espiar os ralmente 0 tom do tendsiro na cm t'n-
outros? Nãoé o capitão quem nos dá casa? gencia de condoer-se da sorte da familia
Vozes partidas do interúor gritavam : de Chico Benedicto.
— Oh 1 Vianna, onde está este diabo ? Mais apressado do que os squs dois
Galgando a janella de am salto, o ten- companheiros de compuneção, andou Ma-
ou A l-KXA UU 31ÜHTE A'i
mO
nuel João' na conquista da sua sensibili- de.; cobriria sem gjande trabalho quão in
dide pela familia do Mariquinuas. tensa lavrava a paixão per aquelle es
A sua posição de feitor no sitio do Motta pirito.
Coqueiro aplainou-lhe facilireate o cami Quando acompanhava o seu amo, e
nho da familiiridaie, de que elle serviu se via 0 parar á porta do velho hospede, fi
para conquistar o coração beaevoîo da cava de máu humor, principal rente se
mdça. com a farnilia vinha Mariquinhas, em
Nunca tinha tentado siqu=r ravelar aos cujas faces Motta Coqueiro batia branda
quinze annos de Maiiquinhas o que lhe mente com as pontas dos dados, excla
ia de anriadade pelo seu coração, quasi mando :
sem esperanças. — E-.tá já moça, e peior do que isso,
Acreditava mesmo que sei ia uma lou bonita.
cura, elle, pobre feitor da roja, e de A jovialidade do amo, e o acolhimento
mais disso homem de côr, ir afrontar os grato que lho fjzia Mariquinhas, inci
Gscrupulcs da f^milii, quando Mariqui- neravam toács 03 sonhos de felicidade
nh :s era tão bonita que fácil lhe era esco do fntor : tinha então diante de si um
lher um marido entre os robustos moços suppesto rival, tanto mais digno da odio
trabalhadores dos arredores. quanto era mais poderoso.
Limitava se a obsequiargenercsamente, Em troca d’essas injustiças sem éco, a
e facilitar a Francisco BeneJicto os meios bella Maiiquinhas esmerava-se em pa
ao seu alcance para melhorar as condi tentear a sua sympathia pelo ciumento.
ções de vi la no sitio. Era e lli quem lhe tivzia a chicai’a de
Encostado ao seu reb.-nque, elle nem café, nas noites em que elle vinha cun-
dava aUenção ao serviço ; perdera mesmo ver.-ar-lhe o pai, o dispensava o do tra
as asperesàs do seu oírrcio e díixava que balho de fuzilar fogo ao isqueiro, apre
os escravos trabalhassem quinto lhes sentando lhe um cavaco esbrazeado.
aprazia. Nos dias de brincadeira, só estava ver-
Estes, sorprehendeulo as distracções e dadeiramento alegíO quando o tinha por
a tristeza do feitor, segredavam se no par ; ao contrario moitrava se aborre
eito : cida,
— Seu Manuel está com m aniinga ; Mas a própria bondade da Mariquinhas
é ccusa fiita pela gente do eggregado. era um incentivo á prevenção do seu
Aos domiugbs, Manuel João, ponio a amante. Afaria o perigo, qce julgava-a
tiracollo o pülvarinha e chumbeiro, pe correndo, pela sua p!opria bondade, e nas
gava da espingarda e lá se ia mat o den horas em que, no silencio de sua morada,
tro, precedido pelo farejar de alguns cães revolvia os seus anhelos e as suas duvi
de caça. das, exclamava com VOZ colérica:
Quaulo voltava, trazendo grandes en
— Ella é um anjo e aquelle demonio
fiadas, nas quaes misturav.>m-se a escura póde pei’del a.
côr hydràgyradada.s azas das juiitys, aos
tens escarlates dos peitos des tucanos ; Ha uma força mysteriosa e fatal, qua
Manoel J .ão parava sempre áp.u’t.a dos insensivelmente attiahe e combina os es-
fundos da casa de M.ài iquiahós e, depois foiços humanos : é a aílinidada dos sen
de uma conversa, presenteava-a com a timentos e das opi.-iiões.
bua caçada. ^ Contra ella não são x’esistencia só. ia
Os prementes contínuos eram o único nem os isolarneutjs systomaticos, nem os
palpiVel indicio da alfeição áo rubço temores profundos', nem as vittudes im-
Litor, mas uma observação mais doíiia maculadis ; uma hora soará em que,ruin-
24 MOTTA COQUEIRO
das más línguas; não houve cão nem gat 3 esses dois últimos lhe fizeram e concluiu:
que não me mettesse o dente, e elle fez a — Eu e;tou velho, não tenho nada de
todos ouvidos d 3 mercador. Hoje, nas rreu, não disseque sim, nem que não,;
horas de Deus, tenho onie metter a ca fiquei assim ; vosmecôs o que acham?
beça, e com os diabos, se eu não ouvir o 0 embaraço intercaptou por algum tem
compadre não devo ouvir mais ninguém. po a resposta; mas afinal a senhora de Co
Taes eram as disposições do velho ag- queiro rompeu o silencio para expender
gregado ao dar o clássico — oh ! de caf.a— uma evasiva:
á porta da sala de j ntir da casa grande. — Eu não posso dizer nada, meu com
O bom humor de Motta Coqueiro, e os padre, 0 senhor sabe que não moramos
modos prasenteiros da sua esposa, rece aqui; euestv^u sempre na cidade, e, quando
beram alegremente a visita em meio da venho pai-a o sitio, nã >saio de casa; por
familia leuni. a em torno da mesa de tanto nada posso dizer.
jantar. — Sá comadre tem razão de não que
Vieram primeiro a narrativa do pas»eio rer íallar ; respondeu o velho, mas seu
e 03 elogios á prosperidade das roças do compadre póde me dar um parecer.
aggregado, tudo isso meio exageralo — 0 melhor é você fazer o que enten
pela amisaie que a dona da casa deli- der, comp idre, respondeu o interpellado.
cava ás meninas do seu hospede, que lhe — Não senhor, eu pi’eciso de saber do
1’espondia agradecido: parecer de seu compadre. Sou novato
— A gente vai fazendo o que póde, sà aqui ; deb;iixo de Deus só devo a seu com-
comadre ; somos só dois a trabalhar : eu palre a casa em que estou morando e as
que já não presto pai’a nada e o Juca, terras em que trabalho. Qaem dá o pão,
que ainda não se póie dizer que é um dá 0 castigo; quem me avisa meu amigo é.
homem. Na plantação e na colheita é qae — Ouça bem, compadre, o que eu lhe
as raparigas e a minha velha ajudam. vou dizer: nem o Vianna, nem o Sebas
Mas vai-se vivendo, conforme Dsus é tião querim casar com as meninas. Eu
servido. nío pretenlia dizer palavra, porque não
Uma creoula pousou na mesa, em* gosto de envolver-me n’estas coisas ; mas
frente a Fiaicisco Benelicto, umachicara emfim, não quero que você tenha razões
de café. 0 velho despejou o café no pires, de queixa, quando se arrepender. Eu no seu
e ao leval-o á bocca, demorou um pouco cas.0 oque faria era dizer-lhes que não me
0 braço no ar, dizendo para Coqueiro : viessem em casa, e se as meninas teimas
— Ea queria qae seu om padre e sá sem em querel-os para maridos, só lhes
comadre me dessem uma palavra á parte. abriria a poita no dia do casamento.
— As mulheres não podem ser padres, — Ora v.jam só que biscas aquellas,
meu compadre, e não Sdbem tambim disse 0 velho sacudindo a cabeça ; e me
■ gua.dar segreJo. proiaram com uma venda, com um
— Mas não todas, sá comadre ; a mi sitio. . .
nha velha é das taes, que o que se lhe — E’ verdade que o Vianna tem uma
diz é como j'»gar n’um poço. venda, mas vive com uma mulher e pa
— Vamos ao caso,compadre; disse Motta rece até que é casado com ella. 0 Sebas
Coqueiro, que s 3havia levantado e tomava tião tem umas terras, ma^ não as cultiva
0 corredor que comaunicava a sala de e não gosta de trabalhar. A vida d’elLes
jantar com a de visitas. é fados e namoros. Eis o que tenho a
Chegados uhi e sentados, o velho ref triu di/er ; o compadre é livre, faça oque
miulamente a visita de Manoel João, Vi- entender.
anna e Seba.tião Pereira, o pedido que — 0 diabo é que eu vejo a cabeça das
ou A PENA DE morte
^29
Emquantoesta scenase passava na sala
rapai’igas meio viradas para elles...* utn
da casa grande, tm io pòr únicas teste
mferno; não ha nada peior do que ser.
munhas algumas cadeiras vasias, e uns
pobre. apparadores de jacarandá, lá fóra, no
A ultima consideração do velho de
campo do sitio outra se desdobrava ao
nunciava uma quebra do proposito com
que entrara na casa de Coqueiro : a luar, no silencio e no ermo.
O triumvirato de amantes dissolvera-se
imagem do sitio e da venda suíTocava-lhe
por aquella noite, mas um d dies apenas,
a reflexão. Além d’isso tinha esvasiado
0 Vianna, reti-’ara se immediatamente
alguns canecos de aguardente, e o arias-
tado da lingua e o cuspinhar continuo para a sua morada.
Os outros podiam ser encontrados nas
denunciavam uma anormalidade nas suas
circumvizinhanças da casa òo velho ag-
faculdades.
Mütta Coqueiro, como se se tivesse arre gregado.
Sebastião Pereira, conforme tratara com
pendido, mostrava-se contrariado, e mais
Chiquinha, foi esperai a na haiccada. Era
ainda do que elle a sua esposa, que apro
um logar ap”opriado para uma entrevista; ^
veitou , para retirar-se, o ensejo que deu-lhe
os amantes alli ficavam pela p ’opria na-
a longa pausa succedida ás ultimas pala
turesa recatados aos olhares curiosos.
vras de Francisco Benedicto.
Uma grande entrada quasi circular, co
Logo qu9 a senhora retirou-se, Motta
berta de grama, levcntava-se do sopé ao
Coqueiro reatou a conversa a respeito dos
cimo da collina. D' hi um enorme cajuei
esponsaes das filhas do seu compadre,
ro vergava todos os seus galhos sobre a
porém, procurando desvial-a e flxal-a em
entrada, cobrindo-a com uma especie de
outro ponto, e tanto mais decididamente
cupula. Um banco de pau ornava o silen
quanto mais o velho mostrava-se propenso
cioso e pouco frequentado recinto.
a não attender o seu conselho.
Doixando a casa do veiho,Sebastião Pe
— B sem que se dê por isso, compadre,
reira tomou cautelosa mente o caminho
vai quasi para dois annos que voce está
que conduzia á baiocada e deitou-se no
aqui comnosco. binco, cobrindo o rosto com o chapéu. A
— E' verdade, meu compadre, e em tão
sua immobilidade, o nenhum ruido da sua
boa hora o diga, ainda não tenho uma
respiração repreza faria crer a qualquer
queixa de nenhum dos donos da casa.
sertanejo, que alli entrasse, não serem
— Muito obrigado. O que você devia,
mentirosos os contos de almas penadas
compadre, era cuidar de fazer a sua casa,
e phantasmas de que lhe fallavam desde
A em que você mora, está velha, e muito
longe do seu trabalho. a infancia.
Aos segundos súícederamos minutos,
— E’ verdade, meu compadre, mas as
e a estes os quartos de hora, tardos como
plantações, têm-me atrapalhado. Agora
afigur im-sea quem espera. Nenhum gesto
se esses dois rapazes quizerem ajudar-me,
de sofregui .ão foi, entretanto, feito pelo
eu, o Juca e elles sempre somos quatro e
violeiro; nem ao menos puchou pelo
a cousa vai depressa.
Não havia duvida ; Francisco Benedicto isqueiro e o cigarro, inseparáveis compa
nheiros dos homens do sertão. Continha-o
já fallava dos seus genros, os dois rapa
a paciência do mal, inalterável nos seus
zes, e contava com elles.
_ Pois faz muito bem: aproveite os planos.
para alguma coisa, disse Motta Coqueiro, Passada m"ia hora, um leva ruido de
saias engoramadas, produziu em Sebas
levantando se.
O velho comprehendeu que eram horas tião 0 efieito de um choque electrico;
poz-se em pé de um salto e conchegando
de retirar-se.
k
:Jü
I
tremula e fraci disse île raanso : As observaçõe.s de Chiquinha não pro
%'
— Não está aqui, roeu Deu«, nãi está. duziram nenhum effeito sobre Sebastião:
Psit : sibillou Stbastião ; o continuou elle continuava a segural-a e a puxal-a
com voz gotural : espera I
para si. Foroejando contra elle, e tentando
A moça sem dizer palavra caminhou fo a 0 b aço, que tinh.a livre, abrir o cir-
para debaixo da copa do cajueiro. culi que lhe fizera a mão do amante em
Quem a visse ahi parada, ao pesso que
volta do pulso, choramigava tristemente.
ainda de dentro do escondrijo fd haAÚam — Não vou, não vou 1
sahido os braços e a cabeça de Sebastião,
Segurando-a pelos dois pulsos. Sebas
que tinha o rosto do corpo pendurado ju l
garia vêr a presa magnetitada e immovel tião trcuxe-a violentamente para junto
de si, e dopois incpslliu-a de chofre.
diante da serpente enorme, que lhe vai
dar 0 bote. A moça cahiu sentada na r Iva acom
O violeiro conseguira sahir ; e caai- panhada na queda por uma injuria
nhanio apressado para Chiquinha, pren — Pole ir, p(5 'e ir, minha sapeca', eu
deu nos braçf s e beijou a faca da moça que já sei de tudo. Ainda ha de estar cansada;
)4 0 lepellia, dizendo quasi a chorar. tem medo que eu lhe faça o mesmo que
*1 Me de;xe, me deixe ; não foi para 0 santinho do capitão.
isso que eu vim cá, A moça levara a mão aos t lhos, e so
bailou ceito, sá dona ; eu e que não luçando deixara se ficar sentada.
lhe devia tratar bem. — Pó le ir, continuou o desapiedado ;
— Porque ; eu lhe fiz mal ? elle póJe sentir falta e vir procural-a,
Escute sd 1 — disse o brutal amante eu sou quem já se vai.
segurando e puchando pelo braço a ame E foi se pendurando novamente na
drontada Chiquinha, borda do escondrijo, e deixando-se escor
— Onjie é que você qir r que eu vá, seu regar pela grama.
Sebastião ? falle aqui mesmo. Como se fosse victimade uma allucina-
— Não quero ; pedem ver-nos de lá ; ção inopinada, a atemorisada Chiquinha
vamos para a baixada. deitou a correr pela encosta em direcção
Não quero ir ; marrai pdde rae pro ao escondrijo,0 ahi, soluçando, lançou-se-
curar ; papai pdle chegar ; as outras pe no3 braços do violeiro. Afiluiam-lhe as
dem dizer; não quero; não posso demo desculpas.
rar me ; me deixe. — E’ mentira; é mentira; eu não. O
Da feiti, a leviana rapariga.para accé moleque Carlos bem viu, nem seu capitão
der ao convite de Sebastião, que desvai disse nada. Que falsidade, meu Deus I
rou-a com os seus versos de desafiio e os — Pois então, porque você me fez ficar
repinicalcs da viola, tinha dito á sua mãi zangado f Olha que eu sou capaz de esfa
que se ia deitar por e.star muito cançada, quear um diabo por sua causa ; seja seu
e não podendo illudir ás suas irmãs, que pai, seja quem for. Que quer? eu estimo
foram comsigo para o quai to, dissera-lhes tanto você ; raios me partam se assim não
que ia fdra um instantinho fallar cem é ; parece feitiço.
0 noivo.
Entontecida pela revelação calorosa da
N aia objectaram estas, cuja educação paixão do seu amante, e ao mesmo tempo
não se oppunha a que os noivos tivessem traspassada de susto, Chiquinha não des*
M
viava a face dos labios, nem tentava samenta a das nymphéas que se nutrem
fugiV dos braços de Sebastião. das aguas pútridas dos brejcs.
A sua voz fraca, como se tentasse não Contrastado pela suspeita, o feitor via
ser ouvi-ia pela pvopria moça, mui’mu- no lhano entregar-se de Mariquinhar, não
ravamachinalmente desculpas pava acom- uma pi’ova da bondade d’aqiuUe coração
modar o amante, em quanto este, dando ingênuo, mas a cilada indecorosa da n u-
azas á seducção, inundava-a de pLrases Iher decahida, que planeja a rehabiiita-
namoradas. ção na profusão dos affagos.
A esta sobrexcltação, seguin se um pro Os preconceitos haviam o por varias
fundo silencio'; depois sahiram silencio vezes esmagado, porque psrtencia á raça
sos, e caminharam para o casarão, em mixta, á raça a que traçam raias ao co
cuja porta trocaram-se adeuses em voz ração e aos aíTectos.
sumida. Mariquinhas devia partilhar a cpmiso
geral e, portanto, a sua acquiescenoia ao
III amor, que lhe votara, devia ter um movei
ou muito generoso ou miseravelmente
CADA UM KM SKU 1'OSTO baixo.
O suspeitoso Manuel Jcão concebeu a A primeira ponta do dilemraa não feria
respeito da demora da Chiquinha e do ca a imaginação tresvairada de Manuel Jcão;
pitão na colheita das limas a mesma idéa, mslferia-o, porém, a segunda.
que atravessou a lúbrica imaginação do — E’ bonita de mais para ura homem
violeiro e occasionou a entrevista na de côr, dizia elle; e flcava a scismar.
baixada. Um observador perspicaz, ao ouvir
Era seu dever tirar a lircpo a verdade; estas palavras, comprehenderia immedia-
impunha lh’o o juramento que, havia tamente que na memória de Manuel João
poucas horas, empenl^ara n’um pacto de desenhava-se na suavidade do seu amo-
solidariedade inquebrantável, 9, tanto renado a pedir uma pa^ixão selvagem,
como 0 juramento, o pimprio conceito que indómita, a imagem de Mariquinhas.
levedava lhe a paixão no mais azedo Parava como em extasis, deixando ade-
ciume. vinhar qua no seu espirito coava-so o
A desconflança, esso feio ouriço que se olhar macio da moça, filtrado atravez de
nos revolve interior mente, espetando-nos uns cilios negros, seJoscs; olhar de pouco
nas suas myriadas de espinhos a alegria, brilho, despretencioso, animador — uma
a boa fé, a benevolencia e a tranquilli- gctta de oleo contendo um raio de luz, a
dade, sangrava-o no mais intimo, no mais derramar-se em inundação disphana sobre
sagrado do seu aíTecto. um i’osto oval, de linhas harmoG’css,
Na conspiração horripilante, mas sem transparecendo singeleza e sinceridade.
éco, eelere nos movimentos devastadores, Mariquinhas era realmente bella ; ar
mas silenciosos, o hediondo monstro mo queavam se lhe sob as narinas finas os
ral, com as secreções purulentas como o lábios semelhantes-as azas do tigé no san
vomito do phtisico, manchava quacto o guíneo colorido, e orlavim-lhe a testa pe
amor podia phantasiar mais estreme, e a quena bastos cabellos negros, descendo em
dedicação requintar mais esplendido. ondas lustrosas a envolver-lhe dois terços
Onde estava um brocado superpunha da estatura mediana. Seu collo igualava
um andrajo ; onde clareava um phanal a curva de um arco bsm talhado, de que
urdia uma emboscada, onde brilhava um partissem a pequena distancia as extre
raio de luar estendia um bulcão ; e, em midades ponteagudas de duas settas.
vendo vicejar uma ílôr, lembrava cavilc- Quando nas horas de trabalho ella
com as mãos aristocráticas coachegava vantando a cabeça e dando uma forte pu
ao corpo a saia de chita, esta compressão nhada, exclamar :
e a justeza do corpiuho faziam lembrar — Não póde ser; aqui anda coisa, por
os contornos de uma estatua.' força.
O moço feitor fascinara-se de'de logo E recahia no silencio e na primitiva po
pela sertaneja encantadora; e agora que sição.
0 ciume assolava-lhe as faculdades, elle, Com um taboleirinho, em coja taboa
para concluir que havia uma torpeza no viam-se um bule de lata, uma chicara, e
desapego de Mariquinhas por si própria um prato com tapiocas; um moleoote des-
e pelos preconceitos sociaes, punha-se empenado, de semblante alegre e meneios
em parallelo com ella. francos, assomou na porta do feitôr,
gritando :
Oh 1seu Manuel João, está aqui a ceia.
Reflsctia se no seu despeito sem causa
e via-se bem diflferente do harmonioso
Quando acabou de fallar, já o taboleiri
conjuncto da sua amante.
nho estava sobre a mesa.
Sau rosto modelalo pelo typo indigena Manuel João levantou-se como quem
tinha a côr do genipapo; seus olhos
acorda sobi’esakado ; mas em vez de
gran'ies, á flor das palp^bras orladas de
assentar-se de novo á mesa, caminhou
sobrancelhas negras, lançavam olhares
direito á porta, fechou-a á chave, e de
ásperos, amplos e incisivos. Por sob o
pois veio collocar-se ao pó do moleque.
— Oh 1 Carlos, disse elle ; tu queres
cheio buço ondeiavam-lhe em horas de
ternura uns sorrisos atoleimados, em
ganhar uns cobres ?
bora através de duas linhas de dentes
— Se vosmecê me der, eu gosto bem.
claros. As suas mãos eram calosas de mais
— Estão aqui, disse o feitor, que tirara
para ameigarem-sé n’uma caricia, e o
do bolso do paletot uma nota de dez
seu porte desenvolvido ostentava a mus
tostões.
culatura rija e abundante do homem de
Carlos arregalou os olhos, e, tartamu
trabalho.
O que tinha, pois, em si que podesse
attrahir á mais linda das filhas d’aquelle
sertão ?
deou sorrindo :
— Qual é a empreitada, seu Manuel
João?
1
— Jura primeiro que não contas a nin
P oiia bem ser que ella só visse n’elle
guém o que vou te perguntar ?
um nome de esposo, para encobrir al
— Por Deus, disse o moleque, cruzando
guma fraqueza dos quinze anncs, e a
dois dedos e beijando-os.
— 0 amo, a ama, os meninos e as filhas
falta, de piedade de um fazendeiro rico.
Seria, porém, baldado esse intento, do Chico Banedicto foram passear hoje
porque saberia sorprehender o ardil, e <le ta rd e ....
desmascaral-o. — Sim, senhor, e eu também fui, por
Ruminando sinistras conjeoturas chegou s'gnal que apanhei áquellas limas que
0 feitor á sua casa, depois de ter pedido vosmecê v iu ...
na sensala vizinha um tição, com o qual — E’ isto mesmo. 0 amo ficou com
accendeu o candeeiro. sá Chiquinha e os outros vieram andan
Chegou para junto da mesa um mocho do, não é?
e assentou-se, cruzando os braços sobre — E' sim, eu logo vi que havia de dar
03 quaes deitou a cabeça, na borda da na vista.
m esa, e absorveu-se nos seus pensa — 0 que ? elles onde ficaram ? ...
mentos. — Não houve nada, não senhor; mas
Só se lhe ouvia de espaço a espaço, le é que é feio.
4f. .
ou A l'liXA UE 3IORTE :5:î
— Escuta bem, Carlos, não me enga como feitor no sitio de Motta Coqueiro,
nes; falia a tua verdade. intimas relações foram travadas entre
— Não houve nada, não; senhor e sá elles. Separados durante o dia em virtude
Chiquinha ficaram sentalos na pelra, e Je suas posições, ella—escrava do eilo e
eu trepei na limeira. Se houvesse alguma elle—feitor, reuniam-se á noite na igualda
cousa eu via tudo, que eu bem que estava de do amor, e ceia vam juntos entre risos
assumptando. e caricias.
— Nem um beijo. Ninguém suspeitava siquer esta al-
— Qual 0 que, seu Manuel João; se liança: a creoula morava na primeira
nhor já está velho; e elle não gosta de senzala, e para entrar na casa do feitor
sd Chiquinha, não senhor, que ainJa agora bastava dar alguns passos.
eu ouvi lá na mesa elle estar fallan lo O moleque que trazia a ceia para Ma
com a senhora por causa do Sebf: stião. nuel João, com 0 seu grito á porta do
— Então elle gosta de alguma ? feitor, advertia a creoula de que eram
— E* de sá Mariquinhas, porque elle horas de reunir-se ao seu amante. Fi
estava dizendo que é a mais socegadá de cava então á espreita e logo que este se
todas, e de mais juizo. retirava, fazia ella a sua entrada.
A ’ revelação do moleque correspondeu Qjando o senhor não estava no sitio
uma explosão colérica do feitor; estava ainda mais facil tornava-se a reunião.
fulo de raiva, espumava ; A parceira, incumbida de apromptar a
— Pois olhe, elle que se divirta, aquelle comida mandava pela amante o taboleiri-
velho sem vergonha ; racho-o de meio a nho da ceia do feitor.
meio, faço-o voar na bocca de um baca Na noite em que nos achamos a rapa
marte, 0 traste. Quem o vê ; se ella tem riga poz se á espieita do moleque, se
juiso, ou não, que lhe importa Î Não é gundo o hab.to, e sorprehendida da de
filha o'elle... mora, veio pé anta pé enco.-tar o ouvido
— Mas não ê por mal, seu Manuel Jcão, á porta para ouvii’, e de vez em quando
é porque as outras são faiscas. espiava pela fechadura para vero que se
— E ella é a mais tola e por isso elle passava.
vai-se cheganlopara ella, mas Deus o A principio foi lhe impossivel formar
livre, eu não soude brincadeira.... um sentido com as poucas palavras soltas,
— Pdde ser 1. .. que excediam o diapasão do dialogo á meia
— Você ma e.-pie o sujeito, Carlos ; voz; mas persistindo na sentinella, poude
qualquer cou^a que você veja, venha ter para o fim saber ao ceito do qu^ se
comojigo ; deixe estar que não perde tratava.
0 tempo. Contendo o primeiro impeto, a crioula
— Deixe por minha conta ! manteve-se no seu posto até que o mole
O moleque diiigiu-se á poita, abriu-a e que sahiu. De um pulo, collocou-se ^o vão
sahiu; Manuel João sentou-se á mesa e entre a sua senzala e a casa do feitor,
começou a tomar café. para logo voltar á entrevista de todas as
Carlos havia de estar chegando á casa noites.
grande, quando um outro interlocutor Ao entrar fechou a porta sobre si, e foi
veio substituil-o junto ao feitor. como de costume assentar-se no mesmo
Era uma creoula de dezeseis para dez- banco ao lado do feitor. Este, porém, re
esete annos, exhalan io sensualidade dos cebeu a feiamente, sem levar-lhe á bocca
olhares maliciosos e atravez do crivo da a chicara para dividir com ella o café que
camisa branca. tomava. ^
Desde que Manuel João empregara-se — Que é isso, o que é que lhe fez a sua
d
%
Tl
ai MOTTA (;onui;mo
Carolina? perguntou ternamente a dissi pé, de um salto, como se uma occulta força
mulada crioula. 0 houvesse repellido.
— Eitou doente hoje, respondeu sec- — Não estou zangado, não ; exclamou
â contraria io, mas hoje quero estar sozinho
camente o fritor.
— Se é quebranto, eu sei rezar. Eu As lagiimas seccaram se nos olhos de
curo o hoje e de hoje em diante vosmecê Carolina ; e a dignidade da amante er
traga no pescoço uma flguinba para livrar gueu-se de pé e solemne diante do feitor.
de máu olhado. — Escute bem, seu Manuel João; eu não
— A doença que eu tenho você não lhe estimo nem por medo nem por ganan-
cora, sorriu tristemente o feitor ; é mo cia. Quero lhe bem, está ahi tudo. Desde
lestia para outro doutor. que lhe estimei, ninguém se pode gabar de 1
— Então já não está aqui quem fallou. ter Visto os dent-s d'esta negra. Não pense,
Calaram-se ambos; Cirolina poz se a não, que eu deixan lo vosmecê vou andar
beber pela chicara de Manuel João, em por ahi. Poda perguntar ao Juca Bene-
quanto este p’cava sobre a mesa o, forno dicto como é que eu lha re pondo,* e não
e ajustava uma palha de milho pai a fazer hei de mu lar, não, ainda que o senhor
0 cigarro. passe a feitoria pira o pai d’elle.
Eoaqusnto bíbia, a creoula fitava de — O que? 0 que é que você acabou de
soslaio 0 seu amante, e o seu coilo, negro filiar ?
como as penas do anum, arfava larga e — Digo que não hei de mudar,ainda que
tumidamente. Rompeu por fim o silencio: seu Chico Bcnedicto fique sendo feitor.
— Sabe do que estou me leml-iaoco, — V< cê está nieatindo ; o amo ainda não
seu Manuel ? se mostrou zangado commigo : não pode
— Sim ... daspodir-me assim, sem mais nem menos.
— D l primeira vez que vosmecê fatiou — Todo 0 mundo já sabe que o senhor
commigo no aceiro, quanio eu passava vai chamar sewChico; pergunte, para vêr
com 0 barril d’agua para a r/ente. se é mentira.
— E por que lembrou você isso? Dando este golpe certeiro no amante in
— Vosmecê estava dsbaixo das bana fiel, a creoula sahiu victoriosa, apezar das
neiras, tirando fogo do isqueiro; cha rogativas de Manuel João.
mou me e deu-me de presfnte um lenço — Anda, dizia el!a, lá fóra ; vê quem
branco. Quando isto foi, ainda não era vale ma s, se são as brancas ou as negras.
nascido o caçula de senhor ; e d’ahi para — Feitor 1 feitor I elle, o pai 1 excla
cá -vosmecê tratou-me sempre bem ; mava de vez em quando Manuel João ; não
ficava alegre quanio me v ia ... ha duvida, uma das filhas é o pago de
A cieoula enxugou duas lagrimas que tanta amizafie.
lhe deslisavam pelas faces, e Manuel
Chegando á sua senzala a creoula con-
João, preadendo-a com o braço pela cinta,
servoufse algum tempo sentada na grossa
exclamou: esteira do seu leito mi>eravel, sugando da
— De que é que você está chorando, seu cachimbo negro densas fumaças opa-
Carolina ? ladas.
— Pois não é assim ; eu não lhe sujei U m caco.de barro vidrado, em cujo fundo
as suas birbas e vosmecê já não faz caso espessava-se uma camada de 65cuio azeite
de mim. da mamona, d’entre a qual partia, para a
ManuelJoão tinha-se inclinado para Ca borda do caco, uma torcida de algodão
rolina e os seus lábios quasi roçavam os embebida do oleo e accesa na extremi-
grossos lábios da amante,quando sepôz de dada, dava luz ao cubículo.
t»r A l'KXA DK AIOliïK
35
Por unicos ornatos via se ahi urna velha Depois de desdobral-os entre as mãos e
csixa de madeira, «ma corda estendida tornal-os a dobrar, a preta veiu collocar se
n um des cantos do qmrto, na quai diante do quadro da Virgem; e as lagri
penduravam-se as saias brancas engom- mas até então contiias rolaram lhe em
madas e o vestido de cassa dominguoiro. fios para logo estancarem-se.
Pouco acima da cabeceira do leito, pen No rosto de Carolina a expressão pun
dia da parede um quadro envernisado, gente foi então substituída pela da mais
em cujo fundo o a tista desenhou uma sombria raiva. As roupas foram feitas
beilâ mulher, de semblante sem tristeza, em tiras, calcadas e cuspidas, e a negra
mas também sem sorrisos, na;calma ioef- amante do feitor, depois de assoprar o
fa<el da pureza. Rosto encantador, cuja canaieiro, sahiu apressadamente do seu
testa debruavam crespos cabelios ne domicilio S9m conforto.
gros que lhe desciam até os hombres ; o Cosida com a parede das senzalas se
corpo de perfeição irreprehensivel, ves- guiu até a quinta janelliu a e, pondo o
tia-o uma túnica amarrotada em pregas queixo sobre o peitoril, chamou com voz
caprichosas, e sotoposta a um mauío azul aoaíada;
salpicado de e.strellas. Os pés pequenos Oh 1 tia Balbina, oh ! tia Balbina;
pousavam sobre uma grande nuvem da faz favor de abrir.
alvura das camélias e amparada por hom- Lá. dentro soaram uns estalidos de pa^-
bros e cabeças de anjinhos alados. Todo o Ihas seecas comprimidas ; a janellinha
c-jnjUQctp emmoldurava-se n’uma ellipse abriu se.
de nuvens brancas, aífastadas por um — Que é que você quer com tia Balbina,
clarão. quando o gallo não tarda a cantar ?
A religião tinha santificado este quadro, — E’ por muita precisão, tia Balbina;
consentindo que se escrevesse sob elle; deixe-me entrar.
Nossa Senhora da Conceição. E Carolina, apoiando-se na peitoril da
D ante d’eesa mulher immaculada, Cai’o- janellinha, pulou por ella para aentro da
lina como que não se atrevia a dar som senzala.
aos seus pensamentos sombrios : eva — Qae é que fo i; deixa aceender o can-
porava-os silente nas baforadas defumo. dieiro.
A semelhança dos pantanos que dh si A luz encheu o quarto, e deixou ver ^
mulam a existência da l«ma de suas interlocutora de CaroJina.
bacias, mostrando a superficie azula la Era uma preti alta, corpulenta, de
coberta de grandes ilhas fluctuantes, vi olhos máus, injectados de sangue, nariz
rentes 6 tocadas de flores; a desditasa grosso e beiços tumidis.
recalcava no coração os o lios vingadores, Atava-lhe a cabeça um lenço de chita
emquanto que nos olhos merejavam-lhe vermelha com frisos brancos, e vestia a
as lagíimas, essas tristonhas flôres em até a cintura uma camisa branca de al
que desabrocha ò sclïnmento das almas godão trançado, e d’ahi até os tornozellos
deli adss.
salientes uma saia da mesma fazenda.
De subito, porém, arrancou d’entre Era cabinia e chamava-se Balbina.
dentes o cschmibo, pousou o no chão Havia, pouco tempo que se achava no
junto da cama, levantou so e abriu a sitio entre os escraví s de Motta Coqueiro,
velha caixa que lhe estava em frente.
entretanto a sua auctoridade sobre elles
Da dentro de um grande escaninho tirou era maior do que a de seu senhor.
algumas peças de roupa. Eram umas tou Ouviam-a como a um oráculo e as suas
cas de lã, umas camisinhas para recem- ordens eram attendídas cumu se fossem
nascidos e alguns pannos de algodãosinho. decretos.
MOTTA COQUlilP.O
Affavel nas horas de bom humor, rindo tem segredo, bicho não tem maldade
umas risalas expansivas, todavia nenhum para Balbina. Frlho de você é de Manuel
dos seus parceiros afravia-se a reques* João; mas o pai nã) se importa mais com
A a- mái de seu filho.
tar lhe a reluzente frescura da sua pelle
O espanto avassallou a creoula, que se
de trinta e tantos annos.
O sscendente sobre os crédulos ebroncos debulhou em lagrimas.
escravos d j sitio foi conquistado por Bal. — Não chora, não, criança; mundo é
bina pelo dom especial que el!a tinha de assim mesmo. Bilbina criou o filho dos
conhecer as hervaseíficazes no curativo de brancos, Balbina foi bca para o menino.
todas as moléstias e amda mais aquellas Quando o fi ho dos brancos estava doente,
que tinham certas virtudes especiaes, Balbina sentia como se fosse filho d’ella.
taes como amansir os senhores, ap&te- Menino já está grande ; os brancos jogam
tar os brancos, e assentar o juiz) dos fó a Balbina ; põem a escrava de outro
amantes volúveis. dono no meio dos escravos dos brancos.
Diziam que ella tinha nas suas mãos a Lingoa má corta em Balbina, brancos dão
vida e a morte de todos, e para dal-as ouvido ; Balbina é suri’ada, como negro
bastava apenas um olhar ou um assopro. ladrão. Balbina soffre calada, porque
No eito tinham a por vezes vi^to che maior é Deus. Tem amisade ao filho dos
gar-se jur.to ás cobres adormecidas, ou brancos, que não é filho de Balbina. Podia
enraivecidas, e enxotai as. Os reptis &U- soprar a casa grande; mandar a cobra
vam-a, agitavam as linguas e as caudas, coral tirar nos brancos o sangue que cor
tomavam mesmo a attitude de dar o bote, reu das costas de Balbina, mas não quer;
mas de chofre acovardavam se e corriam soffre calada.
amedrontadas á voz da negra que lhes — Mas eu não quero scffrer assim, tia
ordenava a retirada immediata. Balbina; não quero dar meu peito ao filho
Alguns timidos denunciaram a tia Bal- de Manuel João, basta que eu veja elle
bina como f iticeira, e Mctta Coqueiro, casado com aquella fuisca,
depois de descobrir em pocer da preta os — B'Co ! disse a feiticeira, levantando
instiumentos proprios de tai aite, para um dedo aos lábios. Você está dizendo
prevenir os envenenamentos possiveis, fez peccado. Escuta primeiro a voz do cho
castigar severamente a escrava. calho de Balbina.
O Castigo germinou no coração d eB il- A feiticeira abriu de novo a janella e es
bina um odio encanecido, e ella desde preitou para fóra, depois tornou a fechal-a
então só fitava o senhor de travez. cautelosamente. Tii'ou de um gancho de
Accpsi a vela, a feiticeira insistiu na páu pendente do tecto por uma corda,
pergunta: uma cesta de taquara; pegou do candi-
— O que é que vocô quer com a tia eiro e do braço de Carolina e dirigiu-se
Balbina, quanio-o gallo não tarda a para a repartição interior da senzala.
cantar. Collccou 0 candieiro n‘uoQa especie de
Cai'olina crmeçou a fallar: prateleira pregada á ombreira da porta
— Vosmecè sabe que eu estou pejada, do interior, e ordenou a Carolina que se
mas não sabe de quem é. conservasse de costas para ella.
Balbina, abaixando a golla da camisa, Voltou então ao logar em que estiveram
deixou ver o seu ccllo carnudo, onde e abriu uma caixa de onde tirou uma
se desenhiva groíseiramente um olho trouxa coberta com uma baeta vermelha,
aberto: e tornou para junto da creoula.
— Balbina sabe tudo, exclamou a feiti Desdobrou então sobre o chão a baeta,
ceira ; casa não tem parede, gente não e espalhou sobre ellas umas figas negras,
ou V PF.NA DR AIORTR 37
ijns rollos de enxofre, uns maços de ca- como seu pai, com seus cabellos cechea-
bellos lanosos, um pequeno boneco dii’ dos e p-lle de capixaba.
■ forme de feições gateaias e foocas, e uns Carolina pôz se a soluçar.
ossos amarellados. — A mãi chora porque tem bom cora
De dentro da cesta tirou um embrulho ção, mas tem também máu senhor. Se é
de arruda secca e um chocalho feito do pelo feitor não tem que sentir. O Chico,
esbheroi le de ucn cuité, tendo por cabo pai da que tirou o socego de Carolina, en
uma haste de taquara. trou na casa dos brancos em tempo de
Depois de ter queimado um gilho lua nova. A semente que se planta n'esta
de arruda, e vendado ccm um lenço os lua, morre, a madeira que se corta, racha
olhos de Carolina, a preta acocorou-se e e apodrece. A lua appareco um liocadinho
poz-se a tauírer o chocalho perto da ore e entra logo, e tud >fi a escuro.
lha, dizendo : A camaradagem da Chico com a casa
— O chocalho falia que Carclina ha de grande dura pouco; veiu na lua nova.
dar tres patscas para elie e uma vela para As filhas do aggregado gestam de gente
No’ sa Senhora das Dn*es, cutra para de que o macófa tem queixa, e quando
S. Benedicto e outra para S Miguel. elle souber, br iga com o aggregado.
— Faço, sim senhori, tia Baib na, — Já sabe, já, tia Balbina, exclamou
A feiticeira tangeu de novo o chccalho. Carolina, que tinha .ouvido a conversa do
— O chocalho esta dizendo que o filho moleque com o feitor.
de Carolina tem de s .tTrer captiveiro do — Melhor para Carolina e para nós todos.
máu senhor. Brancos podem surrar, O mau senhor disse a P'lddis que Manuel
podem vender o íiiho da sua escrava, João não puehava pala gente, e quo o
e a escrava ha de chore r e tomar ogirisa melhor era dar a feitoria ao Chico, di
dos brancos. Antes o filho não nasça, se quem a gente resmunga. Mas a gente nã i
ha de passar tantos trabalhos; antes vá terá tal f-itor, porque «lies já estão ru s
para osonjos no taboleiro com rosas e gira- gando. Fideds ha de chamar seu senhor
sdes. A cobra zangada cu morde a quem para mostrar o que o aggregado faz na
a zanga, ou morde o leu corpo d’ella. A roça dos br*ancos, e o Chico não será mais
mãi que tem de ficar sem o filho, que é eitor, perque elle é soberbo.
seu sangue, é cono a cobra zangada. Balbina viveu na c sa gi’ande de seu pri
— Sim, sim, tia Balbina. meiro senhor, e sabe como são os brancos.
— Escuta ainda, criança, continuou a O moleque Carlos vai contar ao senhor que
africana, tangendo sempi’a o chccalho; V:ím toda a noite gente de fóra peusar na
— a coral briga com o lagarto ; a cobra casa do Chico, a mucjma diz á senhora o
faZ rodilha e sacode a lingua de fogo ; o que fazem as fi.has, e tudo está acabado
lagaito pára,estica a cabeça chata e es entre o aggregado e o máu senhor.
pera. A cobra dá o bote, o lagarto faz roda Carolina vai primeiro do que os dois»
e chicoteU, e quan lo é mordido sabe no juoto de seu senhor, dizer que tem ura
matto a herva centra adentida, que mata. filho do feitjr, e Manu 1 João peráe a
Zambi. que está lá em cima, foi quem lhe feitoria e a filha de Chico volta logo as
en inou o rtjmedio. Carolina foi mordida costas para elle. Carolina conta também a
no CO!ação, Zamhi lhe ensina o reraedio. Manuel João que o Chico anda pedindo a
De manhã, em jejum, o caldo do limão feitoi'ia, ha briga entre cs dois e Ma
corta, a cinza do burralho come. nuel João não volta mais a casa do pai da
— Sim, sim, tia Balbina. moça deque elle gosta. B Itina faz ore.'-to*
— Mas é pelo máu senhor, que morre o — Está direito, fia Bal bina; eu faço tudo.
fllho de Carolina, que devia ser bonito Houve uroa pausa, a feiticeira levantou»
A
38 ]\IOTTA COQUKIRO
se e fui quiitnar outro galho de arruda. porém, ella tirava o csximbo e pronun
Depois 1'dvclveu a cesta e tircu de dentro ciava estas palavras agoureiras.
o’dlla uns husios e uma bolsa de panno — Hum, hum, os brancos ? A negra
toda cosida e pendente de um cor ião preso crecu 0 menino ; er-a a mãi preta, e elles
nss extremidades da bolsa, e collocou a não deram nem um canto da casa grande
no pescoço de Carolina. para ella morar. Tomaram o menino das
Acocorando-se de novo, sscudiu na mão mãos da negra e metteram n’ellas a en
por tres vezes os busies, atirou os sobre xada. Depois 0 chicote fez feridas nas
a baeta, e agitou o chocalho ainda uma costas da feiticeire, e o menino nem olha
vez. Ergueu se então, e pagando de um mais par*a ella. A ririô machucada morde,
dos rôlos de enxofre chegou o á chamma a asersva desprezada mata.
do candieiro, enchendo d’esta fórma o O canto do gallo tão apregoado por
recinto de um cheiro nauseabundo. Baibina fez-se ouvir afinal, e a preta que
Depois lançou novamente os busios, e estremeceu ao ouvil o, deitando se presto,
enrolou a baeta com os instrumentos caba apagou ocandieir'0.
lísticos, e desatou a venda dos olhos de Ao passo que nas senzalas das duas
Carolina, diz<=ndo-lhe solenrmemente : pretas e na casa do f.itor o despeito, o
ciurae, e 0 odio colligãvam se em ameaças
— A cobi a, quando vai lavar-se e beber
medonhas e planos temiveis ; na casa
agua no rio, lança o veneno na folha da
g ’ande desfizera-se já a passageira con
herva que está mais perto. Póde morder
trariedade motivada pela consulta do ve
t. agora que não tem veneno paia matar.
lho aggregalo.
Carolina ouviu o segredo do chocalho,
Motta Ccqueir’0 substituiu o máu humor
está nas mãoi da criança perder tia B j I
pela piedade, e ao voltar á sala de jantar
bina. Como o carreiro bota a canga no
para o meio da familia, conversando a
pescoço da junta de boi, o máu senhor
respeito dos esponsaes, reílectir á sua
mandará pôr o tronco pecado nos pés da
senhora:
feiticeira. De madrugada na revista, o
— Quem sabe se eu não teria evitado
chicote tirará sangue das costas da má
os casamentos se houvesse dado ao com
escrava, e Carolina ficará querida.
padre a feitoria do sitio Î
Mas a cobra, que perdeu o veneno, faz
— Qual 0 qne, Sr. Motta, responleu-
a rodilha junto do brejo; o sapo vem
Ihe a senhora, o compadre está tão namo
pulando e gritando e ella olhando o bicho
rado como as filhas pelas cantigas de Se
pucha-o, pucha-o para a bocea e d’elle bastião, e além à’isso é necessário não
tira novo veneno. Carolina não péde dizer esquecer o vicio da bebida.
nada do que ouviu ao chocalho ; será seu
— Foi o que impediu-me e hoje se eu
0 mal da tia Balbina.
lhe désse tal logar, cs genros mudavam-
D?pois de aihrmar muitas vezes á feiti- me até 0 sitio com as casas e tudo.
ceii’a que guardaria o maior segredo, — Agora ó que é aturar o compadre;
a creoula saltou de novo a janella e reth se elle sem motivo nenhum andava sem
rou so para a sua senzala, onde, refocilada pre em grande gala, quanto mais agora
na perspectiva da vingança, adormeceu que tem razão para estar alegre.
facilmente. — ,E' verdade ; ha de ficar insuppoi ta-
O candieiro continuou acceso na sen vel; 0 que vale é que eu já lhe disse que
zala de Balbina, e quem espiasse pela tratasse de fazer a sua c^sa.
fresta da jauella, e applicas .e attenta- — E será bom filiar-lhe sempre; não
mente o ouvido vel-a-hia sentada, com o deixai o dormir.
caximbo negro á bocev. De vez em quando A conversa desviou-se dVste ponto
ou A PENA DE MORTE 30
sendo subst tuida pelo das trivialidadei A astuta africana prevenia assim quaes-
dome-ticas, e algamas medidas urgentes, quer suspeitas, que porventura podessem
no entender da senhc ra. gerar-se no pen amento do feitor,que todo
Uma û’ellas sustentada com mais calor absorvido nos seus projectos de sorpre-
e af ri'o era a de apressar-se o cdrte hender os imaginados amores de Ctquei
da madeira. A razão occulta do enthu- ró e uma das filhas de Francisco Bene-
siasmo da senhora na sustentação d’esta dicto, tílvez a Mariquinhas, nem siquer
urgência era a sua antipathia pela re i- reparára, que a zelosa Cirolina já não o
deneia no sitio, obrigatória agora peka visitava mais.
interesses pecuniários da casa, mu tores- Duranío todos esses dias Manuel João
p-itadcs pela senhora. não se tinha encontrado com os seus
— Descance, 8ÎD.rmou-lhe Moita C quei- companheiros e nem polia atinar com a
ro, dentro em quinze dias hei de começar empraza a que tinha ido o violeiro.
a cari'eiar a madeira, e com certeza den Também a sua pveoocupação especial
tro em utn mez poderemos mudar-nos era vigiar e.streitameute os passos do amo
para a ciJaJe. e os das filhas de Francisco Benedicto.
— Deus O permitta ; não pôde haver Cimo 0 jacaré, no tempo do choco, vai
loger mais triste no muudo do que este collocar-se a alguma distancia, e de lá,
sitio ; parece nm logar amalliçoado. Por olhos attentamente fixos, ouvidos solici
minha vontade, Motta, vccè desfazia-se tamente prestidos, todos os sentidos, em-
d’estas terras. flm, sguçadamente applicadcs, vigia o
— K O r e s u lt a d o e r a n ã o e n c o n t r a r fa ninho de onde ha de nascer-lhe a prole,
c i l m e n t e o u t r a s c o m t ã o boas m a d e i r a s .
e ao menor estremecimento, ao menor
— B’ 0 que não í^lta por ahi. rcido acode prompto como um raio, feroz
Sempre que a conversa sobre tal as- como uma psntheva, decidido a atacar, e
sumpto chegava a este ponto, os esposos a morrer ou a matar; Manuel João, entre
por uma inspiração do bom-senso passa gue á conflagração dos zelos o á guarda
vam a occupai’ se de outras matérias, da sua amante, seguia os menores e mais
quando não a interrompiam de todo, insignifiesntes movimentos do seu amo e
Na noite em que nos achamos a conver resolvido a punil-o desapiedadamente.
sação teve 0 seu ponto final no da ultima
A’s vezes, p las estreitas púcadas da
phrase da senhora, e a familia, levantin
matta virgem passava tranquillameute o
do se da mesa, cada um de per si, foi
fazendeiro, cortando com o facão de
para os seus aposentos.
matto os galhos inclinados sobre o trilho.
D'ahi a pouco o somno fez silenciar
Dirigia-se ao logar oode os seus e<cravos
toda a casa, excepto uma siD ts onde o
e jornaleiios trab.slnavam no falquejar
moleque Culos, deitado di costa.s sobie
da mad«ira e na derrubada das arvores
uma esteira, po^to um des braç< s sob a
cabtça, com a bocea escancirada l uncava seculares.
forte e continua.laimenie. Os seu-! gestos mschinaes, communs a
Cinco diiS d"Cor eram sem que ne todo o h. mera do se: tão quando caminha,
nhum successo importante viesse articu provavam que elle estava bem longe de
lar-se aos que deixamos na'-ralos. A fei desconfiar de uma emboscada e prevenir-
ticeira e acreoula pateciam ter esquecido se contra ella.
0 plano de combate traçalo em paUvras Entretanto, diversas vezes á beira da
cabalísticas. No eito e á noite ao voltar á e trada, occulto por detraz dos trançados
casa não se trocavam sauão as saud,.ções de cipqs e das eurediças de unhas de gato,
usuaes, e isto mesmo friamente. alguém, esconiido, espreitava-o. Era o
feitor, que, de espingarda engatilhada, A narração dos symptomas, feita pela
vacillava em disparar-lhe a arma. geringonça do preto, encheu de espanto
0 transeunte desapercebido era def-’n- a familia de Coqueiro, e este oídenou ao
dido apenas por um resto de consciência, escravo que montasse a ca valio para que o
que ainla sobrevivia limpida na alma soccorro chegasse mais prompte á en
rebolcada do feitor, e que lhe aconselhava ferma.
verificar primeiro a existência de causa Passada cerca de uma hora de ancia-
justa para tamanha vingança. dade, entravam na casa grande très pretos
A fria premeditação do feitor espojava-se e 0 feitor, dois dos quaes traziam aos
então na hediondez dos instinctos sangui hombros a rede; os outres tinham vindo
narios, como o porco farto no lamaçal do revesando.
chiqueiro, e como no focinho alongado e Tirou-'se de dentro da rede Carolina des
negro do animal ficam a branquearas figurada, sem sentidos, inert«, ura quasi
duas longas presas curvas, no rosto do cadaver. O seu rosto tinha perdido o re
assassino intencional ficavam sempre á luzente brunido da saude e substituira o
mostra o despeito e o odio. a feia côr dos pannos pretos mofados. O
Automaticamente o emboscado deixava suor borbulhava lhe inestancavel por en
cahir cautelosamente o cão sobre o ou tre a pelle da testa e das grossas narinas,
vido da espingarda e afastava-se por en A lona da casa princioiou logo a mi-
tre 0 matto. nistear os mais sérios cuidados, e os mais
Não era porém um arrependimento o efficazes remedios caseiros que tinha á
que o decidia; a reincidência provava que mão.
esta resolução era um simples adiamento Andava para lá e para cá; aqui esten
da sua fixa decisão. dia um synapismo, alli pisava no almofa
No sabbado da semana a que nos repor riz umas sementes. Gritava por uma es
tamos, uma triste contrariedade veio pôr crava para que trouxesse a agua quente
em movimento toda a familia de Motta para o escalda-pés, e a outra que fechasse
Coqueiro. a janella para não entrar o ar. Era uma
Pelas nove horas da manhã appareceu dobadoura. t'1
em casa, arquejando de cansaço e lavado No meio da inopinada tarafa, a boa da
em suor, o preto Fi ielis, pedindo á toda senhora não perdera o tino administra
pressa um lençol para improvisar com tivo de que era dotada ; harmonisou logp
elle uma rê ie, e assim conduzir Carolina os cuidados á enferma com cs cuidados
que estava cahida no aoeiro a estrebuxar diários da casa
com um ataque. Dava gritos como o Disse a Manuel João que não vo-tasse
uivar dos cães á noite, eoseu desejo era para o serviço antes de almoçar, porque
prinçipalmente esganar-se e de-pedaçar assim poupava-se o trabalho de arrumar
a roupa. Esforçava-se para levantar-se 0 seu almoço entre o dos pretos.
e em seguida cahiria em cheio no chão. A um dos escravos que vieram, o preto
se difiicilmente não a contivessem os Domingos, ordenou que esperasse um
parceiros, que tinham deixado o serviço pouco para levar o cesto do almoço da
para soccorrel-a. Depois de uma serie de gente, e despachou os outros para a roça.
movimentos bruscos, a doente ficou im- Graças á tanta habili lade e sangue frio,
movel, inteii-içada como um defunto, mas os trabalhos domésticos retomaram todos
logo crispando lhe o rosto ininterruptas a sua marcha habitual, e logo foi aviado
contracções, começou a prantear como 0 preto Domingos.
se fôra uma creança, e renovou os phé Agil e expedito, e ainda mais acossado
nomènes ■ assustadores, pelo appetite, o africano chegou prornpta
meate á rcça, e chamcu os seus compa Perigrino, o parceiro que fez a pergun
nheiros para a rtfeição. ta acompanhou com os olhos a interroga-
Era um caracter nobre o <io preto Dc- çãj, e exclamou em seguimento a esta :
ming05. A re>igaação tornava-lhe sym- — Uhê, 0 que é que tia Balbina tem,
pathico 0 rosto chato e f«:io. Amadurece geite ?
ram-lhe os annos e até cei to ponto a Todos olharam pai’a a feiticeira. Bsl-
propria severidade do seu senhor o ins- bina, pousado o queixo na mão e apoiado
tincto da obeiieocia Tinha a fidelidade 0 cotovello no joelho, olhava distr^hida
do cão, e a passividade da besta de sella. para o céu. A sua ração estava intacta
Invest’ a contra os que atacavam a casa diante de si.
grande e os branccs e resfolejava e re Sabiam todos que semelhante prsição
cuava diante do abysmo de perversidade correspondia sempre ás grandes dores ou
dos seus parceiros, que muitas vezes ti- pieocjupações da cabinda, e por isso per-
nha-se lhe aberto diante, attrahindo-ocom guntsram em côro :
suggestões iniquas. — O que é que tem, tia Balbina.^
D^piis de tirado o eito, os escravos com — Não é nada, creanças. Estou imagi
as enxadas ao hombro dirigiram se para nando na minha vida.
0 aceiro, onde sentaram-se, depondo os — Qual ; vosmecê tem alguma cousa.
instrumentos de trabalho. — Para não fallar mentira, estava ima
Domingos distribuiu por el'es as di ginando cutra cousa. Carolina está muito
versas cuias, onle uns pequenos quinhões doente...
de carne secca assada sob esahiam da al — E’ verdade, parece cousa posta ;
vura do pirão de farinha de mandioca. que moléstia tão ruim 1 disse Fidelis.
Feito isto, o preto, honesto e discreto, — E’ verdade, respondeu o côro.
aílastou se do grupo e foi sentar-se dis — Carolina está para morrer porque
tante sobre um largo toco á sombra de está com um filho de Manuel João, que
uma laranjeira. anda agora ás voltas com a filha do aggre-
O acaso fez com que no centro do gado. A creoula tem sangue de cobra,
grupo ficasse a tia Balbina, que modifi ficou tinindo quando soube. Depois hm-
cara os trages em que vimol-a na sua broa que o filho ha de ser escravo ; nasce
senzala apenas em trazer hoje uma saia para o chicote e para o eito. Não quer
de zuarte. mais queo filho abra os olhos, coitada!
Acompanhando com os olhos o preto Ella pó 'e ir se embora também, se Bal
que se reti-ava, a feiticeira, provocou a bina não fôr salvar a creoula de seu
hilaridade dos parceiros, dizendo. senhor.
— Bem faz Domingos, foge dos maus — Antes morra, se ha de ficar boa para
escravos para não perder a carta de for soffi’er.
raria. —• Que tem que ella scffra? Nós vamos
— O nome d'elle está seiopre na bocca scífcer’, e ella é nossa parceira. O aggre-
da senhora ; exclamou Fidelis, chas- gado vai ser feitor; senhor disse, Fidelis
queando. ouviu, tiamem máu, seu Ctiico, homem
Todos começaram a comer com o sadio m íu aquelle I Enche a bocca de negro
appotite de homens de trabalho. Alguns captivo; hoje elle não é ain .a feitor, mas
juntavam á refeição da casa as iguariòS diz:— vou fallar com o meu compadre para
que prepararam de vespera, e as oííere- mandar metter o chicote no negro. A fei-
ciam fráternalmente aos outros. (oria vai para seu Chicí, ou Manuel Juão
— Qaer ura pedaço a'este gambá enso fica mais bravo para nós. De hoje em
pado, tia Balbina ? dianto nenhum roe passa d'aqui (a preta
MOTTA COQUEIRO
assignalava com o dedo o pescoço) ; tão Os remedios, como se fossem uma ia.
bom como tão bom. Fidelis polia bem jecção caustica; longe de acalmarem-lhe,
livrar a gente ; senhor falia com elle. Era exicerbavam-lhe as dôros'.
dizer: Manuel João não está m^is na loça Era 0 cadaver da vingança galvanisado
uma hora inteira; Ctiico Beaerli’-to farta por palec mentes horriveis, ou melhor,
as roças de senhor. O marota bufava, e a pela electricidade da dOr. Ora quedava
gente estava livre, inerte, quasi algid a, com a respiração
~ Isto é que é fallar certo, exclamou imperceptível, inundaía era suor viscoso;
Peregrino, um dos pretos do grupo. ora levantava-se sobre os punhes, com a
— E’ verdade. cabeça penlenle, o corpo descrevendo so
— Eu Sfi lá ; vocês depois dizem a bro o leito um angulo obtuso, e, ai’que-
senhor que Filelis é que não gosta dos jante, prorompia em gemidos agudos,
dois. compungeãítes.
- N ó s ? ... Era 0 prenuncio do ataque assustador,
— Quem é que vai dizer ahi ? interveiu medonho, com as cootorsões da serpente,
tia Balbiná ; ceu e.stá vendo nós ; onde e as unha ias do jsgu sr; com o ganido
vai quem disser ? O galio quando canta é dos cães leprosos, e o ranger de dentes
vida para o que faz bem e morte para o dos condem nados eternos.
que faz mal ; tia Balbina entende o canto Qual fosso a mo’estia ninguém estava
do gallo. Onde vai Fidelis? V?.i salvar os bab litado a disgnosticar ; inclinavam se
escravos do macóta\ é bem para todos, todos a uma idéa—o feitiço.
Onde vai quem fallar contra Fidelis? Vai
perder seus oarceiros ; é mal para todos. — Carolina amanlieceu boa, diziam ;
Balbina ad jvinha; o ceu Zamhi cas alegre, como .sempre aniou, febres não
tiga. eram, porque não teve os calafrios das
— E está muito direito. . se Õ3S, andaço na localidade ; não tinha
— Pois, diabos me levem ! no primeiro nenhuma chaga; não era pleuríz porque
geito eu arrumo a cama para os dois. não se queixava de üôr no peito ; logo eia
Teve toda a razão a dbsimulada B ilbina -feitiço.
quando considerou gravissima a enfermi Todos inv. luntariamenle lerabraram-se
dade de Carolina. da tia B.db'.na, sem tolavia attribuir lhe
Attentando contra a vi la do fllho, con maus intentos para com a creoula, que
forme 0 expediente acoaselh.ado pela fei- nunca foi por ella mnltratad i ; mas ao
tioei a, poz em risco a propria vida. contrario sempre quer da.
Dir se hia a revoltada natureza indig — Talvez a Balbina conheça, dizia a
nada contra adegeneração dossent^men- dona da c^sa; o melhor é mandai a vir,
tos da mulher, que deu da rrião aos não é, Motfca ?
sonhos maternaes, mrn los roseos e bri D pois de reluctar, não só quanto ás ge-
lhantes, cn !e branqueiam azas de ar- raes manif-i.'tíçõ s sobi e a moléstia, mas
chanjos atravez de irradiações de amor, ainda qusnto á vinda da Balbina, Motta
A ian( cencia c .nd.!mnadâ parecia pedir Coqueiro cedeu aânal, e a feiticeira tran
• ôr as mais aguç das púas para co n cou-se sOiinhano quarto com a doente.
ellas brcqiieiar asse) vajadamente o orgi- Sentada á borda do leito, esper, u tran- ■j
nismo enfraquecido da creoula. quillamente a occisião opportuua para
Não havia ab.;nauçar-lhe o soífrimento: f*li»r-lhe.
0 dia inteiro passou o ella debatendo se Ninguém que a visse ahi pode’ ia sus
em ancias dolorosas bem sem«luantes ás peitar que a feiticeira contemplava a sua
da agonia'dôriadeira. obra sombria de vingança ; estava serena,
ou A PENA OR MORTE
nada denunciava siquer um traço de re nuel João, nunca penetrava no interici*
morso. do casarão. Asaeatava-se á porta ou c< u-
Quando lhe pareceu chegado o momento servava sí a cavallo emquanto entieti-
de fallar, começou: nha-se a narrar cousas banaes e e o pala
— Carolina vai sahir d’aqui e vai con dar dos cuvintes.
tar a sua senhora porque é que a creoula Um dia, porém, 0 feitor teve oceasião áe
está doente. Mas não diz que tomou re- recordar-se do que lhe dissera Carolina no
medio da tia Bálbma ; conta out: a cousa. dia em que cortaram as relações.
A creoula tez com a cabeça um, signal — Compadre, disso Motta Coqueiro ; eu
aflirmativo. vcu começar amanhã o carreiamento da
— Carolina está soffrando, mas o pai do madeira e precisava que você e seu filho
seu filho ha tie solTrer também. Tia Bal- aju lassem-me.
bina ha de vingar a creoula. — Eu sei, compadre; mas, eu já estou
A feiticeira sahiu e revelou á senhora velho e 0 Juca para que diabo serve?
a mol stia de Carolina : era um aborto. — Então vocês não prestam nem para
Infelizmente esta ccnhecimeato nada amarrar,uma balsa? Saiba, comadre, a
aproveitou á tranquitlidade d afam ilia; qualidade dos homens que tem.
mallograram-se todas as esperançss de A fami ia riu-se muito e Motta Coqueiro
melhoi-âs, e alta noite creram todos que continuou:
a doente não am&nheceria. — E eu que tive tenções de chsmareUe
Resolveu-se eUtão que se Carolina tão meu amigo para feitor; estava bem arran-
morresse n’essa noite, logo pela manhã a jado 1
senhora acompanhai hia para a cidade — Mas isto era outra coisa e se o com
alien de serem prestados os so-.eorros me padre quizer----
dicos á creoula. —Veremos;por agora quero somente que
Esta inopinada mudança do sitio seida vocês se occupem de embalsar a madeira.
entretanto definit va. Ocórte da madeira A larga faca de Manuel João luziu fora
estava quasi concluído e brevemente Motta da bainha ; o despeito esbrazeiava-lhe as
Coqueiro podia deixar de resi lir ahi. A faculuades revoltas; não pensava, não
senhoi’a, poi tanto, não precisava mais de discernia; o cerebro exh»lava-lhe espessas
voltar pai‘a contrariar-se era residir em labaredas de odio e de cciera.
um logar, com o qual antipúthisava. Surgindo d’entre uma espessa moita de
No dia seguinte effectuou-se amudançj, pixiriqueiras, collocada parto da parede do
e uma canôa, vigorosamente remada po; casarão e que lhe servia de escondrijo, o
braços robustos, voava em dirtc;ão a feitor seguiu pé ante pé, e terla i ealisado
Campos. cs seus fias se não se desse uma circums-
A cisa grande cahiu na mais sombria tancia feliz.
tristeza; dir-^e-hi . que a torturavam sau Motta Coqueiro que se conserva» a a
dades amarges ao recordar-se dos dias em cavcllo, em quanto conversava com o
que repercutia sonora as alegrias da compa iro, &o dizer-lhe eis ultimas pala
famUia. vras, tinlia se hito ao largo.
A’ guem no emtanto contrastava com- u feitor, para atacai o, davia investir
esta tristeza; era Manuc-l.João, que ap- de frente; mas era bastante cobarde para
p la u iia se por ter agora cccatiâo de não tentar semelhante commettimento.
vigiar de p'^rto os passes do seu amo. ladignad;- contra si proprio e contra a
Ficando só, Motta Coqufiro p.ssava as fàtiliJade que sempre defendia o seu
poucas hora 4 de lMZ'.-.r na casa do com rivtl imagioaiio, o feitor tomou o cami
padre, mas, com grande espanto de Ma nho da venda do Ahanna.
U MOTTA COnURIRO
Ao chegsr, o vendeiro que desco como o chumbo oxidado dos peses da sua
brira nas feições descompostas o tuaul- balança enferrujada.
tuar dos sentimentos do amigo, per^un Tomando um cepo e enchendo-o de
S tou-lhe sobresaltado o que tinha havido vinho, Vianna caminhou para Manuel
no sitio. João, e pondo-lhe um braço sobre o hom-
— O diabo, um inferno, mil raios me bro, emquanto com o outro apresentava-
partam; maldicta a hora em que eu entrei lhe o copo, resmungou ;
para semelhante casa 1 — Então com que você quer nos deitar
Mas 0 que foi, hotrem, desembuchei a perder, aeu homem ; isto não é por
— Quer saber, seu A’'ianna, eu estou força que vái, é preciso geito. Vá lá o
aqui e es^ou na cadeia; não aturo desafo coderio e depois vamos á falia.
ros ; por onde anda o dialo do Sebastião ? — Beba vccê primeiro, seu Vianna.
— Espera ura pouco; oh ! com os dia — Não senhor ; venha de lá.
bos, você parece maluco ; o Sebastião não Manufl João bebeu, e a convite do veu-
ha de tardar por a h i; accommode s e ... deiro sentou-se com elle no balcão.
O vendeiro, hypocrita como todo um — Então com que o cabrinha e--tá com
mosteiro e astuto como cincoenta rapozas, o diabo na pelle? quer pôr o mundo
percfcbeu logo que a situação do triumvi- abaixo Î interrogou Vianna, que tirava de
rato era perigosa. sobre o paviloão da orelha um cigarro e
Desde o domingo em que pela ultima levava a elle o isqueiro.
vez esteve na casa de Francisco B<n3- — Você e,'tá cjm caçuada, seu Vianna,
dicto, reflectindo com madureza, resolveu e eu hoje não estou para graea. F ilie
impelüc co n todas as forcas o violeiro e mos serio, 0 Seb stião vem aqui, ou não
0 feitor e conservar se em uma distancia, vem? si’ elle não vem, eu vou á casa
que0 preservasse de ser tido como cúm a'elle.
plice em algum acto reprovado dos d&is. — E’ verdade que o demo está tardan
Sabia clle já a que fora o violeiro quan do, respondeu Vianna já impressionado;
do os deixou no casarão ; sabia mais qce o melhor é irmos á casa do bicho. Espera,
Sebastião ia todos os dias ao sitio e al i iu vou buscar cs remos.
encon*rava-se com Chiquinha, ora no poj- -- Vamos mesmo, porque eu sou capaz
to, ora na baixada. de fazer uma asneira.
Conhecendo de pei to o caracter de Motta Passalos alguns minutos, Vianna fe
Coqueiro nas suas asperezas e nas suas chava a porta da vendola e os dois com os
delicadezas, evitava o seu desagrado; era remos ao hombro caminhavam em direc
a isto levado por uma questão moral mas ção ao porto.
principalmente por nma questão econo- Era a hora serena do crepúsculo, hora
mica. em que as sombras invadem o céu e as
Supina imprudência seria irrital-o e in- consciências, em que surgem as estrellas
dispol-o contra si, quando por outro lado e os salteadores dos seus escondrijos; em
0 Chico Benedicto nada valia, nem apre que 0 firmamento comȍa a inundar se de
sentava diiliculdades serias. luar, e os viajantes a mergulharem-se no
O vendeiro pensando em Antonica via temor das emboscadas; em que a poeda
simplesmente um breve alTastamento ; as desdobi’a-se em chimeras e o crime es
circumstancias aplainariam as diiliculda praia-se em torpezas.
des, e 0 borradore as prateleiras da ven- Manoel João entrara pela pequena
dola dai iam a ultima de mã-> ao probl ma. canôi que estava no porto, e Vbnna
As palavras de Manuel João impressio já a havia desamarrado de uma estaca,
naram entretanto a alma docalcnlista,fria quando ouviram o prolongado oh! com
01 A l'ENA UE MOUTE
Manuel João fi:oa visivelmente pre'jc que por gracejo buscava esconder-se,
cupado com as palavras do moleque ; rastilhou em dii’ecçào á moita.
tinha certeza de que á communicação Dentre a moita o vu.to surgiu arras-
d’este facto a Motta Coqueiro, que sabia tando-se iraperceptivelmenta e quando
da sua amisade com a família do aggre- Manuel João chegou ao logar em que elle
g a io e podia dar-lhe aauctoria, s^guuia se achava, não o enct ntrou mais, nem
como consequeneii a perda da feitoria, pôde descobnl-o quer no escondrijo, quer
já imminente. ao longe no campo.
Depois da ceia, começou a medir a A natureza supersticiosa do feitor ecoor-
passos lentos a sala, an isn io de um para dou-sa então era stbiesalto, porquanto
outro lado, e sflaal sahiu cautelosamente. entendia elle que era impoi-sivel a quem
Rodeiou as senzilas applicanlo-lhes o estivesse fcculto na m .ita de p -recer ante
ouvido ás paredes, principsinaente na em seus olhi's.
qae resid a Balbina. Damais o ar a pôuco inodoro impregna
Reinava completo silenc-o, ninguém va-se agora de um inten~o cheiro de ar
pedia vel-o nem interrogal-o, a não serem ruda, a pbntâ predilecta do demonio.
as myriadas de estrellas que tremeluziam Assoviando baixmho, pa"a dissimular
no céu, e cs vivos e rápidos meteoros 0 susíQ o f-itor subm a encosta da ccl-
que sô despenhüvaoi de vez em quando, lina e tc)mou o caminho que costeava os
mudas interjei õ ?s de luz, que talvez Deus fun Î03 da casaria.
enviava dos céus aos arcanos d aquelle De espaço a e paço olhava para traz,
espirito. impressionado com o som dos proprios
Certo de que estava só, o feitor diii- pas .es, e por flm trecou o tri ho pe’o
giu-?e para a baixada. grámmal, que lhe abafava o ruido do
Quando estava perto, deitou se na relva caminhar.
e, rastejando, chegou até o cajueiro, pelo Só cobrou animo quando chegou ao ca
qual tiepou ligeiro, tomando entre a ra sarão em que morava o C deo Benedicto.
magem uma pesição onde não podia ser Eacostando-so á parede, tirou do is
vi t '. queiro e poz se a ferir fogo, e, uma vez
Aboletado no seu escondrij ', não tardou acceso o c'garro, foi apalpar a porta dos
mu to que se visse obrigado a desal jar- fundos e d-p is a de uma janella, que
se. Um vulto apparecttu da parte oppost» oltiava paraa banda da baixada.
e para ap^oximar-^e da baixada sei viu- Com grande espan'o seu, sentiu que
se do mesmo expediente posto em execu a janelU cedia ao leve impulso que lhe
ção pelo feitor. Mas em vez de entrar no imprimirã, e abria-se com o fluo guin
poato da entrevista, o vulto arrastara-se cho das d)bradiças sem oleo.
até uma pequena moita próxima e cen- O feitor estremeceu como se o percor
seivai’a-se deitado. resse um calafrio. O qne aão se pd ie dizer
— E’ elle, pensou o feitor, e chamou á é se elle atem risara-se ou se reluctava
meia voz: oh 1 Sebastião, oh! Sebastião. contra algum desejo de sunito incendido.
Li nge de obter re posta, reparou que o
A qualidade do oílicio que tinha no sitio
vulto tentava escindor-se cala vez mais
impunha-llie sté como dever esse percurso
entre os arbust/ s. nocturno em volta o a casaria, e o amo que
— Quapet fe, resmungou o feitor, até
sahisse fóra e o encontrasse alli, não podia
a mim qu r enganar, flaorio I. . .
ceosural-o, antes teria motivo para elogios.
A’ proporção que fallava, o feitor dei
xava-se escorregar pelo cajueiro, e, na A janella aberta explicava-se facilmen
flrme convicção de que era o violeiro te ; para isto bastava dizer a verdade, e o
iS MOTTA CUQUEJKO
le >ultado stria uma profusão de agradtci- rido. fios q le nos guiariam ao crime, a
mentos. outros que nos levam até a abnegação.
Mas nem por iS'O a posição do feitor era E’ que se imagina que o hálito exha-
â menos embaraç-^sa. 0 que havia de f zerf Isdo vem impregnado dos anceios do co
accordai’ a família ? prender a janella ração amado,das imagens que lhe povoam
por fóra ? 0 cerebro, que de.«ejamos se estreite para
A noticia, dada a Franc'sco Benedicto, tudo mais que não seja o pensamento do
seria motivo para uma exploíão tremenda nosso amor; e esse. imaginar scbreexci-
contra as illhas ; subir ao p=‘itoril paia ta-nos o egoismo, que conta cora o perlão
d'ahi puchar a porta da j inella e pren- e atreve se por elle, ao mesmo tempo que
del-a, era demasiado arriscado. a consciência levanta-se tentanlo ctmba-
Se passasse alguem e encontrasse-o em tel-o e vencei 0.
tal posição,não attribuiria por cei to a uma A peu 30 e pouco 0 feitor foi movendo-
idéa nobre o que visse, e a dilfamaçâo se, a principio tomou a posição de quem
correspondería á expulsão do sitio. escuta, mas logo desejou mais do que
0 feitor 1ecuou involuntariamente, mas ouvir. CõHocou a cabeça sobre o peitoril
e poz se a olhar.
como se obedecesse a um a força magica de
attração veiu novamente collocar-sejunto A tibia claridale da noite deixava
á janella. apenas perceber a alvura dos lençôss
Ahi conservou se a principio em uma alheridos ás curvas formadas pelos cerpos
immcbilidade de montanha, contendo a das adormecidas, mas a phantasia, esse
re piração, p ’i ra depois exhala-a n'uma clarãn indiscreto que inunia os mais re
onda. Era a estatua da volnptuosilade cônditos arcanos, esta divisou talvez mais,
muito mais.
profanando com o seu hblito o sanctuario
do puder. Gradativamente erguende-se, o feitor
O cicio do resfolegar das moças, que chegou a collocar até meio corpo dentro
dormiam no quarto,derramava se no sm da janella, e a firmar-se nos pulsos, para
biente n'uma cadência magica, e, se pole -réalisai’ o salto dentro do quarto, mas o
dizer — adtiesiva. estallar das aiticulações obrigou-o a des
A n ão avelludada e macia que se es cer sobresaltado, e a recuar de novo.
mera n'uma cai icia,o olhar meigo que se Arrastou-o, poiém, a vertigem do
enlanguece n'uma supplica, ou se aban crime, e resoluto voltou ao logar de onde
dona n’um consentimento, o labio que se sahira.
entrega morno de amor, são fontes de Apoiando-se então afoitamente sobre os
delirios indisiveis, de sonhos inenarrá punhos e erguendo se vagarosamente,
veis. O re psrar da mulher amada, ou sentou S3 no peitoril. Então levantou gei-
vido pelo amante, falia primeiro á imagi to^amente as pernas p&ra passai-as pela
nação, penetra-o suavemente de uma janella. Mas a extrema caut da não poude
sensação que tem alguma cousa de an prevenir ura desastr e; as pernas bateram
gelica e ao mesmo tempo de infernal na porta da janella e esta foi, guin-
Como um condensador electrico attrahe chando, esbarrar na parede. 0 mi. o avel
e repelle; é ao mesmo tempo um incen escalader conteve-se em meio do salto e
tivo á alTuiteza e um anteparo á reso- atirou se para fóra precipitadamente.
lu;ão. Faz pensar ao mesmo tempo na Uma palavra, um grito podia perdel-o
profanação e no cavalheirismo, e envolve aos olhos de Motta Coqueiro e este,sesabia
0 espirito em uma rede incommoda on Je relevar com bran .ura, sabia também
se misturam, matisados pelo mesmo colo* punir com severidade.
ou A PENA DE MORTE m
L 9vaíifando-s9 :-e prompt?, o feitor flei- — E'-.tà bom, tia Balbina ; veja se vai
ton a correr ccmo se fôra p°rí?griíio. dormir.
Entretanto róo perseguia a consciência No timbre dn vez de Mannel João tra-
da infamia qne tenteu levar a effeito. liia-ííe uma profunda angustia ; era um
Meio acoi’dad -s pelo b -iulho, as moças soluço do remoi’so articulado no tom da
apenas rcvoIveram-se nos leitos, v clt'- bonh-craia.
ram-íc e continuaram a dormir. Balbina, porém, não apiedouso do
Na carreira quelevava, ofeitorccs'ei' U soífrimento que percebeu e replicou-lhe
sem tropf-ç? o casario e a casa gran ie, pela ferocidade de uma ironia crael:
mas, ao fabir do v~o entre e- ta e a ca-a — Vfsmecê pole dormir, porque nada
em qoe residia, fd obrigado a deter se. tem com a creoula, nem cora o filho
A \';z qu'> sahia de uma d ís senzalas d'ella; Balbina, não; ellaestima Garolina
cuja porta estava aberta, deixava ver como s 9 f.isse sua mãi.
ura vulto de mull er. Mannel João ealou-se e seguia para a
O cansaço embargou per aignm tempo sua merada. Quando a luz do candieiro
a voz do correder demais, faüar eia deixou verem se lhe as feiçõ?.‘= ’, havia
no mesmo instinte dar logar a uma n'ellas o cunho daextcnaação edo scíTri-
suspeita contra si, ca'o algviem da fami- mento.
I’a-de Chico Een.edicto houvesse aceor- Oa succecsos da noite enohiam-o de um
dado ao barulho qne fizera na esca'.ada. p.anico supersticioso; vigiava-se oomo se
Por outro lado a aucto; i-la le que exer julgâssa seguido e não ousava apagar o
cia no sitio obrigava-o a fallar, sob pena candieiro.
de vor perdida a sua força moral. N’um continuo vai vem, o desgraçado
Depois de descançar um piouco, Mannel ora apertava a cabeça entre as mãos, ora
João caminhou ainda arquejante aíé á segurava a l^rga faca polida, que lhe
porta da sanzala, e dissimulando o es pendia da cintura, e brandia-a.
panto com uma admiração, fingidarr.ent© A -1e v in h a v a se q u e a q u a lle e sp irito n u -
bearvola, perguntou : t a v a e n tre o su icíd io e o re m o rso .
— O que é qne você faz ahi, tia Bal- N'um accesso de faria o feitor, com os
bina ? olhas injectados da sangue, os bibios e as
—• A negra perdeu o somno, vein sentar mães tremulas, segurou, entretanto, re
na soieii’a da porti, para ver o edu de solutamente da faca, que parecia fas-
Deus. cinal-o.
— M >s porque é que você perdeu o Olhou para o tec';o e em seguida le
somno? não trab l-iou hoj^, não é ? vantou 0 braço tendo a ponta da faca vol
amanhã ha de ser dobr-ada a doze. tada contra o peito; mas o instrumento
— A negra vein cansada, s>ra, e foi assassino cahiu lho da mão e o de.sgrãçado
p?,ra a sna caroa '^or*mir. Mas o canto da cahiu sobre um rcocho, collocado junto á
coruja ve-n co'u seu agri o tirar o somno mesa e escendeu a cabeça entre os braços.
de Balbina; A lembrança de Carolina, Entre o silencio gemeram os pios agou
que foi q«!ísi morta 'parar nas mãos do reiro.? da coruja.
doutor, vein apert-n* o coração da negra. - Sobre tamanha angustia a ncite passou
A pebee da creoula devia t^r um filho descuidosa, como a criença que brinca
bonito, e o filho vai morrer tanbem. junto da um leito de moribunde. E’ qoé
Balbina, que sabe, tera pena de mãi e de a natureza ê surda o céga para a peque-
filbo, e a negra chorou e não poude nhez humana: carregada de sombras ou
dormir. inundada de luz, a vida do soberano des
i
50 MOTTA COQUEIRO
feres creados nào desvia uma linha a si imm.-ínufiS zoira«, que sulcavam o
prescnp'a or Jem da creação. campo aopeco de enormes toias fa.ique-
Para l eoi-mpeúsai-nos ou punir nos kî j)düs.
nos re ta a sei eaididi do beca ou as tor Na casa de Francisco Benedicto o dia
turas du mal que uraticamos. correu através de coma.entarios aceica
0 céu ou O iLf ii’DO ediflcamo] os nós da janella abei ta.
mesmos diariamente a j..rros de honesto A msioria opinava por uma explicação
heroisjüo ou a golpes Je infâme covai dia; m.<ito n tural »os espiriti.s e Juc^dos na
para O primeiru a consciência, trunquîila m«is grosseira sup^-r tivão.
nebulo-a, cria as c<.nstella\ôes da p^z e — Isto, di ia, a velha, ha de ser aviso
da vii’tu le ; para o te^'undo e pessa-ncs a d eal um conhecido que morreu ou não
meino.ia as trevas rdamoCautes do re tardi muit • a míore,'.
morso. Caiqunha, p o ié a , conservou-se im-
Ao romper do dia ninguém poderia pr^ssiot a )a drs le o amanhf cer, e sen o
dizer quâo amar^urosas tinham si loas n-.turá!m-n e lisonha, não tiveia uma
horas da nuite para o coutiadicturio ca expinsão durante o dia.
racter do feito r. — E’ muito rned.-í sa e ta Chiquioha,
Desperta lo iO torpor, que o avassallara, diz am lhe as irmãs, ficou com msj,o do
pelo barulho dos escravos, Manuel Joao tútú.
f-compinhou-üs até o" teireiru com appa
N im 0 gracejo, nem os carinhos das
rente bom humor, levaaJo o seu recaicar
irmãs conseguir^-m oissipjr a írióteza da
de süífnmentos ao ponto de sorrir benevo
moça que, no isolamento, chagava até as
lamente á repetição da censura, quo na
lagrimas.
vsspera lhe havia sido feita pelo amo.
' Este ordenou-lhe que no mesmo instante N’uma das occisiõcs em qu’l achava-se
dé'Se providencias p .ra começar o car só, Chiquinha depois de abs-irver-se em
reto das madeiras, a Üm de sarem embal- prolongada med.taçãí, ao eachugar as
sa as por Fi-ancisco Benedicto, seu filho lagrimi».s que lhe borbulhavão, exclamoù
e outros empregados que mais tarde con resolutamsnte :
tract 4iia. — Não quero mais enganar os meus;
Ao concluir a ordem, Motta Coqueiro, vou acab'ir com ist >.
misturando a asperesa á longonimiuadej Nu dia seguinte evia começar a ex^’ca-
disse para o feitor: tar se o cont 'scto feito entre Motta Co
— M»s veja bem, Sr. Manuel João, é queiro e seu comp dre, para o embalsa-
preciho não perder tempo ; não Lça, c^mo meoto da madeira, e o fazendeiro foi
htntem. p 'it>nto lembral-o ao aegregado.
— Um dia não são dias, respondeu-lhe — Amanhã não me falte, está ouvindo,
Minuel João, e meu amo o veiá. com pare f eu tenho pressa do, trabalho.
D sde esta hora a gentè do sitio poz se — O compadre está desejoso de matar
em actividade e qu&n io o sol a pinu ele saudades, mas olha que não ha tanto
vava intensamenta a temperatura do tempo assim que ficeu s- m a comadre.
an biento, cs btis já não eram vistos, — E' ist •, mas tainbrm «utras lazõ s,
ruiniosnd >tranquillamente á sen bra d/>s 6 eu quan o lôi‘ agora p. r . Campo.i não
aivotes anntsas; so contiano, c m os t> roo cá tão cedo.
musculi 3 distendidos, as grande,- e nx^ s A família de Francisco Benedicto, que
liüguas pendente?, a> grossas ventas det- a-sistia á ctnvtrsa. inteiveiu eotáo para
mesuradamente abei’ias, caminhavam a mostrar-se pen«lisada com a nova. An-
passo lento e regulado, arrastando após tonioa leveu, poxém, a demonstração de
ou A PEAA DE MOUTE
pezav a tai exsgero, que nSo passou des n i porta do corredor ; e disse com voz
apercebido U Coqueiro. suüvemente modulada :
Conhece íor des seus aggregados e do — Izabel f'd buscar uma camisa para
commum dos receiiss nas mesmas coa- sôrvir de molda á que ella quer que eu
diyoei, Motta Coqusiio, reataudo a con faça.
versa, dirigiu-a de mo îo que puzesse bem
Motta Coqueiro, que estremecera ao
patente as suas iateui^oes.
ouvir Eis pat.ivras da Antomea, volteu-sa
— Este trabalho que faz-me grande
aativtanto,dl;-fârv£n io a comnioçâo, e ex
conta, disse elle, é tambem um adjutorio
clamou com intimidade:
queo compadre tem parafazora suacasa.
— A h ! você faz esmisas para veador;
Eu vou-mo ambora, e o compadre bem
<'U hei de liie m iu la r paimo para você
sabe 0 que sao negros; em eu voltando as
fazer mo t- mbem uma de peito bordado.
— Ora, S6Ü capitão tsm muito quem
costas pintam a manta por aqui.
— Lembra muito bem, compadre, eu
faça, não precisa cie uma matuta feia.
tenho de ir heje ao Vienna e lá failarei
— Não preghe mentiras que é o que é
com e ie í Obre o regocio
feio,
Depois do jantar Fi aucisco Benedicto
disse a sua mulher que ia á venda buscar — Então eu não sou feia ? E como é que
proviso s. ninguém gosta de mim ?
— Vamos agora para o servi^^o do com — A i ! que você é uma grande menti
padre e elle é amo com quem não se rosa, Sra. Antonici. O seu pai já di. se-
brinca ; eonie.;ada u obra não ha arre me as cavallarias altas que lá vão por
dar pé. casa com o . .. o . . Para que está ficando
Pouco depois da sahida do pai, Anto- verm elíii; levante os olhos, deixe o lenço
nica padiu a sua mâi qua a deixasse ír ar.é soc-^gado... Ah 1 soasinha.
a Cüâá grande falLir com a Izabel cosi- Àntonica experimentou, de feito, uma
nheira, que lhe iloara de dar uma camiss, seasivei mudança qiundo Motta Coqueiro
para fazer-líie por slla uma gola áe crivo. revelou-lhe que sabia de seus tspünsses
com 0 vendeiro.
— Eu quero vêr se manio vir pela
canôa um vestido para o Anuo Bom, e Com os olhos baixos, as faces em bi a-
quàro segurar estes cobres, mamãi. zas, e as mãos a enrolarem as pontas do
A velha mãi não oppoz obst.muio ao pe lenço, que lhe cingia o pescoço, a moça
dido da íilha. estremecia como sa íura presa de' reniten
tes Cdlafrios.
Motta Coqueiro estava sentido na sala
de jantar da casa grande, quanio Anto- Não querendo augraentar a perturbação
nica passou tão apressada como se não de Àntonica, o fazendeiro caloa-se. Entre
desejasse ser vista. elles estendeu-se o sUenc o eiectrico que
— Então vae fugida, perguntou el!e; precede ás grandes exploioes do corao'áo,
parece um pé de vento. como 0 reiampago piece.íe o faimia.ii‘ do
— Vim failar com a Izabel. raio.
— Eotãonão parca tempo; faz-se noite Juntava-se a este silencio a solidão e
e por ahi andam lobis-homens. melancolia do cr pusculo a cercai em
— Que ma importa, respondeu a moça ; esse encontro inesperado.
é cousa de que eu não tenho medo. Como ffe copiasse o palpitar contido
Àntonica passou pelo f-zendeiro e en d’aquelles cçra.,õr.s, um velho relogio de
trou pela primeira porta. Depois de al parede movia a pêndula, batendo com-
gum tempo, quando talvez Mctta Coqneiro passadamtnto.
já hão pensasse n’ella, a meça appareceu Àntonica foi a primeira a romper o
52 MOTTA COQUEIRO
Sofifío 1 Ningiiem pd :e deícocfiar speiias: que sepai’àva esta ultima sala do corredor,
Eu tinha medy de iko di.'.õr; vosrnetè uie tí o.’ttüi espreitou qu nto .se passava.
estima sd como a uma criança, e nã '• v è ... A curmsidade gui^iru-lhe os pa-iscs e
— O que é que eu jaão vejo, A..t.imca... elle rego-iijou se interiormente, certo de
Como uma fdra, que, sendo ues^pie- que a narração do que vira lhe recon
dadamente fustigada, avin>^a contra t) quistaria a íamili>,rijaJ.e realosa do
aggressor, m^s é c íot da no impeto p los feitor.
feiTOs da jaula ; sssim emaiveciáa, Anto- — Moleque, giitoa Coqueiro, depois de
nica levantando o% punhos Ccri-adus e ran aigum tampo de siloncio.
gendo cs dentes, fitou os olhos esgazeados O iiu. leque com os braços cr usados so
na faca pailida de Coqueiro, que recuava bre 0 peito veiu postai-se diante a’elle.
instinctivaií ente. — Ouve bem, continuou o senlicr, só
A m o ç a q u i z í a l l a r , mas n ã o p o u d e ; vosaiecè entr .u aqui a esta hora; se uma
ten to u a v a n ç a r, e C ih iu arquej m ie e lí palavra só, das que se disseram aqui, for
v id a . sabida, eu man <o-te surrai e atiru-te para
, Entre o susto e a pio-dade, o circumspecto a enxada: não s-rás mais meu pagem.
fazendeiro tomou a nos braços, e cs 1 .b os Carlos afi.(Sto’ u-sü si enciom.
pousaiaoi na fr nte descorada de Auto- Aütüüicâ entrou em casa fingindo-se
nica. extreuiamfcutecouti'ariida com aesciava,
Depois conduziu-a para nm canapé que a quetn acmsava de te.-a f-.ito esperar
estava proximo, e rteitou-a, pousando-lhe por muito temp-j o finaliuente adiar para
a fronte scbre os seus joelhos. Era um 0 dia segui tte a solução do negocio.
pai velando uma fiiha doente. O ardil produziu o des;:jado eifaito, por
— Nío trm culpa do que íiz , mvjrmu- que niuguem reparou na desfiguração
rou Coqueiro, depoi ^ de contempl -J a q le iiie causara a violência das paixões
l-.ngamente ; é a inexperiência que a arnptas durante a malfadada entre
impelle. vista .
— E’ a ingratidão que roa meta, res
A fortqna, que ainda havia pouco lhe
pondeu Antoulcà, o levantando-se de
fôri, tïoa-lv'i'sâ, protegia-a agora miia-
cliofre, sahia seai Unçar sequer um olhar
grosainente, p' oporoi. nando-lho meios de
ao seu honrado guardador. escjndór o seu sütfrimento.
Apenas A n fm ici sahiu, uma voz vinda
do corredor que dc-Simnooava na sala, Chiquiüha, dizendo se indisposta, reti
perguntou huajildeíXieníe : rou-se para o q larto ; M .r.quinhis fôra
— Senhor qu -;r que aceenda o eandieiro. para o interior da cisa- preparar o trem
— Deixv'',.;e com mil «lemonios, patife ; para fazer o cifé para o seu pai, quando
ninguém ía cftauaoa cá, respondeu Co V .Its.ssa; o irmão era o companheiro obri
queiro. gado do velho; e a reíigicsa mãi de An-
A extemporânea pergunta, que dizia touica, assentada a cochilar n’unii bsn-
claramente qu« alguém tinha preseooiado quiüha de costura, quitava se coui a Vir
pelo menos o final da scena.que psocura- gem, de quem era devota, desfiando em
mos descrever, tra feita pelo malicioso o seu louvor o rosário de grandes contas
Carlos. ne '.ras.
O diabrete negro tinha visto Antonica Para poder dar curso ás lagrimas, que
entrar na casa grande e vtiu di^-farçada- nso se continham, a moça sentou-se a
menta collocar-se, a principio, n’uinasa coser junto á veítia mesa da sal i.
leta próxima á sala de jantar, e em segui Seriam Oito hoiasdanoite quando Fran
da peude escender-se por detri.z da porta, cisco Bonodicto, empurrando estouvada-
MOTTA COQUEIRO
m-nte a porta, entrou em casa, gritando não ponho-te pela porta fdra, porque não
com voz arrjíst^ida : estou para dessforos. Fica entendido;
— Oh com seiscentos : já dormem por ponho te os quartos na rua. Pd ie i r . . .
aqni, suos malandras ? Estas u l t i m a s p a l s v r a s f o r a m a c o m p a
Aatonica e Madquinhas, deixando os n h a d a s p o r u m s a f a n ã o b r u t a l e Antonica
seus trabalhos, vieram beijar a mão ao S ile n cio sa v o lto u p ara a s u a c o s tu r a .
pai, e a velhs resmungou lá no seu cacto: — 0 que foi f perguntou la dentro a boa
— Ave M ir a, que modos estes, seu Mariquinhas ao seu irmão.
Chico. — Ora 0 que havia de ser, historias do
— A sgua é. que já estava lá dentro casamento. Papai fallou com o Sebastião
rescmnendo de tinto fe ver; ronca como e 0 Vianna. para ajudarem a fazer a casa e
peão dormindo, accrescentou Mariqui- Sebastião disse que sim, comt sntoque pelo
nhas. Natal elle havia de estar cora Chiquinba
— Bico, su'z poeta ; não seja respcn- em seu poder, e o Vianna fez uma cama
dcna ; eu quando fille é porque sei ; onde de Antonica.
está Chiquinha ? — Veja só este papai ; então Antonica
— Está doente, papgi. é que hade ir vêr seu Via^ina lá na venda.
— Diga-lhe que o Sebastião esteve — Eu não sei, o que eu ouvi foi o
commigo na venda e quer cs enxovaes Vianna dizer que papai já deve na venda
promptos para o Natal, senão vai tu 'o vinte mil réis de mantimentos e que, se
raso. Antonica não tem de ser d'elle, quer o
As moças aflfastaram se e Chico Bsne- seu diaheiro, porque nso está para tra
dicto foi atirsr-se sobra um mocho como balhar pftra 0 bispo.
ura corpo inerte. — Esse desavergonhado ; e tem uma
O tbuso dis bebidas alcoólicas tínham-o carinha de santo ; eu se fosse psipai não
posto no lastimoso estado de não poder queria mais que elle ca'asse com a mana.
perfilar se, e a lingoa trbp^ga mal podia — Ainda você não sabe tudo; elle disse
prestar-se á falia, que era justamente o que, se Antonica não qiaizer onsar com
sestro do aggregado, quando se embria elle, haja o que houver, elle há de mandar
gava. citar papai e fazer penhora nas bsmfei-
— Oh I senhora, exclamou elle para sua torias ; do céo venha o retredio.
lher, isto por aqui não me está cheirando Mariquinhas, depois de ter servido a seu
bem. Aiada »pera o Vianna progou-me irmão, f-fi á sal.a levar o café ». seu pai,
lá um sermão de quaresma por causa da que continuava a reprehender severa
Antonica, e cigse-ino que amanhã quer mente a misera Antonica.
fechar o negocio ; ou casa ou não casa I Então p m ie confirmar a exactidão das
A velha n>sda respondeu ; continuava palavras de seu irmão, porque ouviu a
pachorrentamente a rolar entre os dedos Francisco Eenedicto esta phrase expres
as contas do seu rosário. siva:
— O í I rapiriga? bndou Francisco Bp- — E sabe o que rainha malandr.a,
nedieto, de xa lá esti costura e vem para lá está uma conta de vinte mil réis, que
o pé do mim. vocês comeram; eu não tenho dinheiro
Antonica obedeceu e oofiocou-se junto agora; o que vou receber do compadre é
80 pai que, seguran io lha dse mã )s, con p a r a a c is a ; senso qiuzer casar com o
tra uoii : Viarm você t- ra ura reme lio, p^gue-lhe
— Olha bem para teu p»i ; amanhã ba o.s vinte mil réir,
de vir cá o Vianna, você não se ponha — Vão para dentro, meninas! gritou a
com piégas ; trate-me b:ra ao rapaz, se velha mãi, ao passo que tomava a chi-
ou A PENA DE MORTE 8o
ca a tnã^s (ie M-riqiuinnas.— Você Com nm sorriso ella reprehendeu as
tair-b'lïî leoibre-se q-je tem de ti’ab’ lhar irir.ãs, lembi ando lhes que b m podiam
amaohâ, sev, Chico, ou eu mando chamar ter ido almoçar em casa, para não a obri
0 cnœpa ra. garem a trazer tanto po«o.
Depois de rogar innumeras pragas, e A’ proporção que fallava, Antonica
romper nas mais torpes obscenidades, assentava sobre a g> amma os pratos que
Francisco Benedicto c-miohou camba tirava do ce-'tinho, e <final, segurando
leando para o seu quarto, e emflaa a casa no caniço, poz-se a desenrolar-lhe a linha
cahiu e>a absoluto silencio, á excepção e a esp8rimentai’-lhe a estrova e o anzol.
do quarto em que dormiam as moças. — Eu coiso já almocei, dis^e Antonica,
Ahi C’uviam-s.e souiços abafados, mas vou pescar um bocadinho.
pevennfs ; era a desditosa Antocica, que — Eu logo vi que vocô fallava de bar
encrsta ia ao br ^co da marqueza, pran- riga cheia, intei veiu o irmão.
teieva inconsolav-lmente A m ça füi assentar se á margem do rio
Da manhã, ao levaotarem se, suas irmãs em frente a um logar onde as aguas
encontraram-a no mesmo logar ; dor negras o morosas renaan eavam, ab. indo
mindo 0 socnno da extenuação, em rodomoinho silenciosos sorvedoiros.
Apozsr do cuidaio das meças para não Estava a pouca oistancia dos seus, que
sçcordarem-3 , Antonica estava de pé em grupo riam e conversavam,ora menos
dentro em pouco. cabando, ora elogiando a refeição e o
Cobria-lhe o rosto uma pallidez mortal, apparelho,
mas os seus olhos não tinha ligrime.s,
— Como estão bem lavados os pratos I
nem uma queixa siquer escapava-lhe dos — E as facis como estão amolUdas ;
lábios. parecem navalhas.
Pel-iS dez horas da manhã só Antonica — Esto quitute foi temperado por An
e sua tnãi estavam em casa ; o pai e cs tonica.
i^ ã o a tinham sah do todos para o porto;
— Vocês ai sim espantam-me os peixes,
Chiquinha e Mariquinhas para lavar a
gritou Antonica.
roupa, Francisco Benedicto e seu filho
— E’ gosto, observou Mariquinhas, não
para a empreitada do embalsamento da
madeira. façam barulho que eu quero assar no dedo
a pescaria,
Antonica. que de vez em quando ia es
piar á jauell», viu no campo o sizudo fa- — Pois, sim senhores ; do criada vai o
zend ifo, que vinha a c vallo, em direc Vianna bsm arranjado ; é p-ipa fina.
ção á casa. Após cHe corria o mede^ue Esca consideração, formuUd.j, por Fran-
Carlos, e camiabavam a passo ,'os escra císcj Benedicto, foi recebida com uma
vos, tocando os bois ajoujados. longa risada dos filhos, que assim demons
D poi'( de amarrar o civallo, do qual o travam approvar o gracejo paterno.
senhor tinha apei^ido no terreiro, Carh s Quem estivesse ao pé de Antonica, ve
correu até o casarão e con.munieou á An ria, poiém. que ella bem longe de acom
tonica que seu pai p 3,;ia {fira que ihe panhar o acolhimento jovial ao gracejo,
mand s em o almoço no porto. irapre sionara se dolorossinente com elle.
Sob o sol ard nte, a moça, com um ces- Não sort iu m 3is os seus tardos sornsos
tií;ho á Cibeça e um lon^o e fino caniço e a pál i iez como que se lhe augmentou
deitL'.'io s- bra elie, ativ.v ssou o campo n s faces.
em direc jSo ao perto, f nde assentado á Os olhes am' r tíc i 1os e ave^^melhados
sombra de uma enorme figueira brava prenderam S9-Ihe como que fascioados
e‘ psravam-a o pai e os irmãos. na superfície da corrente, e, apezar das
5C MOTÏA COQUEIRO
amigaveis provocações qao ihe eram di Ao som do baque nas aguas um grito
rigidas, uada l’espoûdia. da desespero lespondeu no grupo :
A A Imha. cujo anzol boiava a flor das — Socoorro, soccorro ! gi itaram todos.
aguas, deixava evidente que Anton ca não Francisco Bénédicte e.seu filho,rápidos
prestava a mininoa attenção á pesca. como um tufão, etravessarara a pequeua
Outro cuidado a impressionava, e este distancia que mediava entre o rio e o
broutou-lhe no soluçado de um canto; lagar em que se achavam, e precipita
ram-se ao mesmo temoo, ao passo que ss
— Moço fidalgo da côi te moças no auge da afilicçâo gritavam a
Se encantou de D. Branca ; plenos pulmões ;
A moça foge aos amores, — Soccorro 1 Soccorro 1
O seu pranto não se estanca. Ao mesmo tempo vieram á tona os dois
nadadores e a pailida Antonica, que se
Já tem ve'u, j í tem grinalla, debatia quasi suffocada.
Tem sapatos de setim, FianchcoBenedictOj porém.já não tinha
Da côr que tem a nabrina forças para resi'.tir a correnteza e foi des
E as azas do cherubim. viado-pelâ redomoinho das aguas, e só o
sau filho poude aproximar-se de Anlonica,
no momento em que eila submergia se de
Chega o dia do noivado
novo.
Branca tiiste inclina a fronte,
Mas pede para mirar-se O corãjoso rapaz mergulhou no mesmo
ponto, e,quando subiu á fliòr do rio, trazia
No clai’0 espelho da fonte.
segura pelo corpinho do vesti.lo a moça
já sem sentidos.
Ouve 0 canto da Mãi d’agua
A afíl cção cresceu nos espectadores ; a
D'entre os lábios de coral,
pouca idade do mocinho não ihe fornecia
E na harpa de àos de ouro
a força neces aria para levar a cubo s em-
Sobi’e concha de crystal:
pre/a; era um joguete da correníeza-
prestvs a ser esmagado porella, quo lucra,
— <r Vem a mim, filha querida ria assim mais u;nu victima.
Vem findar as tuas dores; O velho pai, agarrado ao galho de um
Eu tenho ricos palacios ingazeiro via, entre as torturas da impo
Para guardar teus amores. tência, esta dupla ameaça feita pela morte
ao seu coraçfco angu tiado.
Em casa toJcs procuram: Mas de repente uma espe 'snça conso
D. Branca onde estará ? ladora luziu era toios os espirites ; a vio
O noivo já no seu carro lência das aguas ca leram diante da ro
Na porta de casa está bustez de um na iàdor decidido.
Era Motta Coqueiro.
Pobre pai, os teus rigores Ouvindo os gritos de soccorro, e vendo
Vão mu lar-se em fund&smagnas, 0 grupo correr em direcção ao porto, o
Da tua filha só resta prestativo fazen lti.-o sentiu atravessar-
O véu branco sobre as águas.— Ihe o espirito a lembrança dus palavras
de Autonica : — é a ingrat!ião que me
Ao fim da ultima estrophe, Antonica, mata — . e a levinhou logo o que se pas
toda inclinada para o no, olhou triste sava.
mente o ceu e deixou-se precipitar na Montando no possante alazão em que
corrente. sempre andava, e cravaudü-ihe desapieaa-
ou A PENA DE MORTE 57
dameate os asicates, Motta Coqueiro pôde Durante m&is de uma hora de ancie-
em aJguns minutos arriscar a sua vida dade e trabalho, ninguém, a excepção de
para salvar a moça. Motta Coqueiro, alimentou amais fugitiva
Naiou direito a ella e segarando-a com espei’ança de ver salva a moça.
um dos braços, com o outro remou á mercê Todos abanavam a cabeça, exprimindo
das aguas até podfir agarrar-se a um dos assim a certeza que tinham de que eram
galhos da vegetação da margem. baldados os esforços feitos pelo fazenleiro,
que sobre-excitado aconselhavae tomava
Dentro em alguns minutos Motta Co
ao mesmo tempo múltiplos expedientes.
queiro deitava sobre a gramma o corpo
Antmica jazia desacordada na immo-
immovel de Antcnica.
bilidade das estatuas, e apenas com um
A vivftza encantadora de seu rosto fora
leve respirar correspondia á robustez da
substituida pelo mortícôr de uma longa
esperança do seu incançavel salvador.
syncope; a luz suave e seductora dos
A proporção que desanimavam de todo,
seus olhos fôra trocada no brilho estagna
as pessoas da familia retiravam-se para ir
do, proprio dos olhos dos cadaveres, e
mais longe derramar as lagrimas, qua
além de tudo is*o os braços, quando eram
Motta Coqueiro não queria ver correr.
levantados, cahiam com o abandono da
Havia já largo espaço que, a sós, o fa
inércia.
zendeiro velava junto á cabeceira de An-
— Está morta! está morta! minha irmã!
tonica, quando esta pela primeira vez,
minha filha! pobre moça ! exclamavam
depois da frustada tentativa de suicidio,
todos chorando.
Só 0 fazendeiro não havia até então abriu as palpebras i’oxeadas-
Tudo quanto ha de mais infantil e mais
perdido o sangue frio entre a mó de pa
amoroso, de mais ssnto e loucoNpassou
rentes, escravos e aggregados que cerca
pelo espirito e enearnou-se no olhar e nos
vam Antonica.
gestos de Motta Coqueiro.
Ajoelhando se junto à’ella, poz-lhe a
— Veja se dorme, se descança, mur
mão sobre o coração, e seiitiu que elle
murou e lle ; não deve fallar, não deva
fazer nenhum movimento. Oh 1 que susto
ainda batia.
Então como se fosse presa de uma lou
cura instaatanea, tomou nos braços o que nos pregou!
O olhar de Antonica, mixto de espanto
corpo molhado da moça, apertou-o contra
e de pudor, conünuou fixo a envolver o
si, e cobriu lhe de beijes a face livida,
seu solicito velador, emquanto que no
A visinhança do tu mulo santificava
canto do labio pairou-lhe na ironia de um
esta explosãoJindomita do coração e longe
sorriso toda a amargura da sua situação.
de pr-ivccar e.-.tranhesa serviu apenas '•.i
-r Porque não me do xou morrer, por
para aviventar uma esperança.
que uão teve animo ao menos pai a passar
— Ella vive ainda, não é verdade, com
em paz sobre a minha co va.
padre ; minha filha não morreu.
— Vive, sim, para nós, para o seu — Mas, minha filha, repare que esta
amor, para a sua felicidade ; respondeu exaltação lhe faz m al; doscauce, is o ha
Motta Coqueiro, que não tinha mudado de passar ; você verá, ha, de passar.
As palpebras de Antonica cerraram se
de poàição.
Depois, como se accordasse de um de novo o pelos seus cantos as lagrimas
sonho, levantou-se e gritou para os es começaram a deslisar.
cravos e os circumstantes: Um incidente veiu impedir, tilvez, que
— Estamos aqui todos pasmados ; va uma involuntária quebra de le oluvão
mos, levemol-a para casa; Deus a sal- maculasse o papel digno que Motta Co
V ará.
queiro desempenhava junto da mo.a.
MOTTA COQUEIRO
MiDuel Jtão Caminhou então para a dia limpide couo o ether, um céu sereno
sala com a mesma cautf lia. e UQia tranquilLi flaresta suspirando a
Dòitandi) um bz’aço sobre a mesa e a ca- bafagem farfalhei a de um vento sem
btí«;tt sobre elle, Mariquirihra resonava rancores, e teoando o gazeado mavioso
brandamente através dos labi' s virginscs de milhares da passarinhos; e então ri
0 somno do cançaço e da conflariça. aes planos sombrios de novas emprezas; o
O iencinho bi’anco, que eila diariamente feitor encontrando, ao retrahir-se da sua
trazia ao pescoco, havia-se desataio, e o baixeza o olhar ve'.utino de Mariquinhas
corpiüho, formando pela posição contra- e a suavidade da sua palavra, riu inte-
feitarta moça uma abertura côncava, dei riorraente a uma esperança lasciva.
xava ver 0 cüilo moreno. Assim as pétalas — Não falle alto, que podem ouvir.
da rosa superpõem-se de modo qua não td Deixe que ao meoos hege eu esteja junto
deixam entrever te mutuamente , mas de você ; é tão Uiííiúl isto.
franqueara fcinda a vista a dòarada le — Deveras ? pois você não vem saispra
gião dos estames. aqui.
Um tosco a mal limpo candieiro bruxu — Mas nunòâ tive uma vasa de dizer-
leava ao lado de Mariquinlias, como se Ihe que lhe estimo muito, muito, como a
tentas:e apagar-se para não dar 1<gar a ninguém n’este mundo.
que uru olhar profano se atreves e a de — Puis agora já disse; o que quer mais?
vassar tamanhas pe; feições. — Quero que vocà diga que também
Pé ante pé o feitor approxiorjou se e paga-me essa amisade com a mesma
parou junto da adormecida. Contemplou-a força; que é capaz de fazer tudo por ella,
com avidez; correu-Iue de leve a mão sem mtdo, nem de Deus, nem do mundo.
dôade 0 alto da cabeça até a meio de urna — Ai 1 ai 1 você e.-.tá a dizer peceados,
das trançss, que »cnrnr>antiava o arfai do vá fízer oquaito e deixe-se do partes.
collo immaculado, e finalmente ajoelhan — Não biiuque,6‘áMuriquinU:..s;£u não
do se, roçou no.s lábios entreabertcs da saio heje u’aqui sem saber se dovj viver
moça um boijo, que alava-se no temor. ou morrer. Eu não vim cá por s>(X Anlo-
O somno de Mariqoinhas era profunda nicà; eu vira para cartiüoarme de que
como scera ser ( s da fadiga ; a pi’ofanaçào você n-.e e.su-raa. Q jero que jure-me, que
poude continuar. repita urau, cem vozes : eu só serei tua,
Ao p imeiro beijo, seguiu outro eainda só tu a ...
outro, até que menos pela grosseria do Estas palavres seguiu-as o feitor com os
attentado do que pela susceptibilidade do movirnectos precipitados da paixão, o
pulor, a moça difpei tou sob'esaltada. quando pedia a moça que jurasse já a
Ao ver de joelhos o seu&m jnto, ella que tiniia c.ngido o beijava-a apezar do es
não podia adevinhar a torpeza de que forço que ella fazia para libei tar-se do
elle eia capaz, não teve uma queixa á assalto.
vibrar-lhe, mas antes uma caricia para — Deixa-me, deixe me, exclamou Mari
perdo«l-o. quinhas, você está abusando, eu cha*io a
— Eu não sabia que era santa, está rapariga.
fazendo oração? Olhe o cratorio e*tá aqui, D;ta á meia voz, mas com o êcj ; nto im
eu abrn-o. ponente do pudor e da dignidade, a phrase
O cr.me espojou-se diante de tão gra de Mariqultihí-s repeiUa para longe o
ciosa ira, uuiJade; e a semelhança de feitor, nãu auiedioalado, mas alluc Ufido.
ura força-do que, eva liu'io-se na prisão, O seu plano de std icção mallogrou se,
eujoutra diante dos seus iustínctos máus, era múter ievâr a cabo o segundo ; o da
não a mão pesada do cu cei eiro, mas um violenoiu.
ou A l'ENA DE MORTE Gl
Levoa a raão á cinta; e'.tava desar á cata de elementos para com elles forta
mado; voltou então para junto de Mari lecer a teia em que buscava enredar os
quinhas e travando-lhe do punho, disss- seus senhores; furrm a tristeza de Chi-
Ihe com um accento qu=í a fez tremer. quinha e um visível spatetamento que
— Uma palavra mais, e eu qua t« es obscurecia as faculdades de Mariquinhas.
timo como urn doido, arranco-te a lingua Chiquinha chegou se um dia á Balb'na
corro um malvado. Olha que já ha noites e queixou-so-lhe de que passava os dias
que eu penso n’isto; enforquem-mè de oppressa per uma trist'za inextinguivel
pois, mas eu hei de chamar-te minha ora povoada de scb-esaltos, cra de visões
hoje, j á . . . U-ma palavra m a is e ... esta encantadoras e carinhosas.
casa tem armas e no meu pulso >ra força. ' _ Não sei o que tenho, tia Bübina,
— Para que ha de ser máu p’ra raira ; perece que estou s°mpre sonhando----
murmurou Mariquinhas, que esperava — Além d'issa, confinuou Chiquinha,
abrandai o pela buaiildadt3. tudo me aborrece e. tudo me préoccupa; não
Foi porém u n novo inoitamanto. De tenho vontade tíe comer e se alguma
chofre Manuel João apertou sobre os força faço s^^bre mim caio n’nm enjôo,
lábios .do Mariquinhas a sua mão vigo quesó se acaba prrvomitos, Vouemmagre-
rosa, eroquanto com o braço, que lhe cendo a olhos vistos.
pas^ára a cinta e um esforço brutal, Lzia Os symptoœas dados por Chiquinha
vergar-lhe o corpo delicado. eram claros de mais para a arte da feiti
O c?ndieir-:>, talvez p"la agitação do ar ceira e assim podia esta fallar com tola
durante a lucta, deixou de illuminar a segurança.
a sala. Mas o poder de B.alhma era o myste-
V. rio e a dubiedade de sentido das suas pa
lavras, que lhe deixava sempre aberta
LM CUMPRIMEXTO DE PALAVRA
uma sahida. Preferia o labyrinthe á
A moléstia de Antcnica deu legara linha recta.
mais uma intimidade perigosa na sua Segundo os seus hábitos Balbina res
fanai lia. pondeu á queixosa:
Na qualidade de mesinheira foi cha — O coraçãj da gente bate as vezes
ma ia a tii Balbina para debellar o com força; os olhos não vê.m, o corpo
mal que assocabrosaraente devastava o não foge. A’ hora da, lua o matta-pssto
organismo da moÇa. de flor amareüa fíçha, como os captives
A feiticeira tinha para insinuar-se a seus olhos cam^oes, as folh' s que são o
maciez, da düsimuiaçãj e, apezar das relogio do escravo. Mas o coraçao nao
asperezas do seu exterior, o trato, re- d' ixa de bater, nao quer se trancar dentro
falsadasúente humilde , era agradavel do peito; que .' voar como o vagalume.
como 0 contacto do pello da lent; a. Do manhã, quando o sol nasce, a folha
Esperanlo pacientemente aoppottuni- é que se abre então, e o coração é que
dade para arriscar uma palavra, pene muitas vezes flea. fechado. Balbina não
trando até 0 funlo das consciências cora póde prohibir que o grillo verde rôa a
o seu olhar que possuia a calma perspicá folha que se abriu ao sol, nem que a tris
cia da vingança, Balbina era dotada de teza more no coração que se abriu aos
uma espeoie de talisman fatídico que at- 1’aios da lua.
trahia para si todos os espíritos, que se lhe — Mas quem é que lhe disse que meu
acercavam. coração se abriu na hora da lua Î pergun
Dois factos chamaram promptamente a tou lhe a moça admirada.
attenção da cabinda, que andava sempre — CaroUna gemia ; a alma de Balbina
62 5I0TTA COQUEIRO
flofiu trista como o carneiro qua vai Ainda uma extrema fraquesa impedia-a
morrer, e a caoinia sahiu para pedir ás de levantar-se sósinha, e todavia os ser
hervas de Dsus o sorégo da creoula. Na viços de B-ilbina foram dispensados pela
baixada cresse a her va de S. Jo3o com o familia do aggregado.
seu cheiro bom e cora a sua penugem de Ponderando que as moçss não deviam
pombo novo. A cabinda queria traaer a aííastar se por muito tempo de -^ntoniea
herva para remedio da cíoenfe. No meio par-i conv rsarera ocmvíllae adjudal-a a
da colheita B Jbina fe assustou, poique mover-se, Motta Coqu:-iro quiz que Bal-
viu um vulto branco como a boneca da bina c' ntinuas^e no casarão, e a prata
paiüÂ... foi incumbi-da da lavagem da roupa, e dos
— E quem era esto vulto ? interi'ogou trabalhos da cozinha.
a voz tremula de Chiquinha. Francisco Benedicto e seu filho volta
— A negra nào é quejn pd le dizer á
ram ao trabalho do embalsan'«nto, uo
íilha dos brancos, r-ispoiideu Balbina laa- qual reunia se mais um novo empregado,
çando á moça um olhar, que afez enve:- Fauetino Silva.
mtlheca . A negra viu o vuito branco,
mas não poude saber quem era o outro, Homem dea á nota nos arredores,Faus-
que tomou pelo cammho da baixada. tino guardava entretanto o apiumo do
— Mas d:ga, tia Balbina, diga o que é respeito diante do capitão Motta Coqueiro,
que eu tenho; diga pelo amor de Deus. a quem dava mostras da maior oenside-
ração.
— Bilbiüa só pó ie faliar dentro do
ouvido de sá Chiquinha; escute. Filho do logar esteve por longos annos
A preti começou então a segredar, e a fóra d’elle por ter sido con.remnaJo a 20
propoj‘Çãj que ella fallava, Chiquinha annos de galés, por uor assassinato.
empallidecia. Madrugava-lhe ainda a mocidade
Quando Balbina terminou, as lagrimas quando commetteu esse crime, e a convi-.
corriam em borbctõos paia face da moça, vencia da scelarados, combinada cc^m a
que bó teve forças para exclamar. propiia in-iole, coaveiteu-lhe o coração
Oh I meu pai do cáu, salvai-me por n’uma pedra lascada e arestosa, cujo con
que eu estou pc-rdUa. tacto feria, ou ao mauos escoreava.
— O pai do céu é bom ; se a filha dos Robusto e varonil, com quarenta annos
brancos disfarçai^ se não ficar sempre de semi-ociosida Je e de vida gai’gaihada
triste, póie escoa ler dos oihos de seu na ignominia >ía grilheta, e depuis nos
pai, ató que possa apparecer com seu requeoros dos fados, Faustino era um
marido. Ha Chiquinha não ha de ser d’esses produetos communs da ignoran«
infeliz Como Caroiina, quo foi quasi a citi, que tanto abundam p^los sertões.
morrer parar nas mãos do doutor, porque Lia-se-lhe no rosto trigueiro, cercado
o pai desprezou o filho da Ci eoula. por uma grossa barba negra, nos olhos
Chiquinha começou desde esta hora a mal encaraaos, a toipeza de sua alma, e
esperar o dia em que devia ter uma fatal todos que o conheciam terminavam as
certrza, e Balbina continuou na sua suas apreciações ácerca do novo traba
tarefa gratuita de todo observar. lhador, dizendo : — aquiilo sempre é lio-
Ant-jnica tinha entrado em convales me-m que mata os outros por dinheiro.
cença e já passava horas inteiras a con Tal era Faustino, segundo dizia o povo,
versar com sua mãi e irmãs. que muitas vezesj que o maior numero
Atravôz do amúo inhärente á enfei’- das vezes, exagera os defeites dô iudi--
midade já escapavam-lhe do coração para viduo.
os lábios uus fugitivos sorrisos. Cm irmão de Faustino, o Bento Silva,
Üü A l’E.NA DE MORTE 63
contava a sea re p û to uma passsgcm coí-turâ á sombra da uma arvore que fl-
romanesca. civa p-rto.
U ■ <H
. noite, á hova da revista, uma Ahi estava guardada pelo movim-nto
das foi't lez'is -io Rio de Janeiro, touctu das pessoas de c .s e po lia dar de mão ao
se a rebite pela fuga de cm dos condom- teu.or que tiuhi de poier síT outra vez
nados. assalt'ida pelo feitor.
Poz-se tüdo eoi activi-iade pn'a <ifec- U-n uia, pvji’ém,foi sovprehemlida justa-
luar-se a sua ca„>t.ui'a iinmeji-Ta, mas meute pela pessoa a qium queria evitar
to'io O esf >rço mal ogrou-se. a t o O Û ti anse.
Os esci ei’rts trXpeài .'Oà î eguiram t'dos A vez do tVitor plangente e submissa,
na iiirecgâü da terra, da pa. ta que fl ava busoan o rodeios namorados, veiu aba
mais pi'oxinja á foi t íU zh, mas o preso lar lhe a apathia intima em que vivia.
mais aliuào i-eguiuem üirecrâo cpposta. — Ainda não me perd, ou, $a Mariqui-
N iiou ao iargo da babàa. nhas. -
Sd pela ma lrugada c mseguiu pôr pé A raoi^a não respondeu, mas abaixou
fort das onias, mas est^Vd sal o. Nia- ainla mais a cabeça, e poz-se a cantaro
guem O parseguiu, e elle pcude embitrc^r lar entra dcnt'vs.
como marinhi iro a bcrdo de uma escuna, As suas feições tinham, porém, tomado
que partia partuîiisCâhô. u tii sccení0 so.e mne—a g ravi Jade do pudor
Ahi de p^diu-se do nsvio, e interflou se üfl’iii iido, e ra bem íacíl compreiiender
para Macabû, seu toriao natal, onde a causa d’esta mudança.
levava a vida da trabalbador. Mariqainhas amava sinceraméüte o
Eatre Faustino o Fi'anci co Benedicto feitor. D u'a-lhe as primidas immaculadas
manteve sea reserva que na aeœpte ent;e dos seus svüliüs doá quinze anunos, bando
iüdividucs, que reciprocitnente sq co louro de mix’ageus a eatrançar-se em
nhecem. choréáB festivas para desfazer-se aflaal
N-ahum d’elles goshva de boa fama, nos vapores roseos de um anhelio indefl-
porém cada um considerava-se mslbor do nival, que ihedooiinava o caittçào enchen
que ü cutro, e tinha e-sciupuios na fa- do-o de um sussurro longinquo do sauda
mili'sridade. das sera causa, da aaceios sem obji-cco.
Francisco Benedicto nunca, por dí^fe- Fizera dss faces trigua ras de ManuoiJoão
rencia ao menos, coa vido u o seu cotapa- 0 horis'mt'3 do seu viver modesto, e ima-
ubeiro para ir á sua casa, ficto que giiiára-se rauitíi-s vezes ua sua easiuiia de
oífrndeado profualamintc o desalmado sepê, a estender no terreiro a roupa de
Faustino, fvzia com que elle dissesse trabalho ou o seu fato domingueiro ao
quando fail; va-se no aggregado ; kdu da camisa de morim, que se lhe aper
— Aquilio é um cskchaça ; um dia eu tava contra os seios, oppressa pilas bar-
p&rti-lhe -:s ossos e mais ao magarefe bitanas do seu vestido.
do íliho. Vai tuno raso; porque eu não A ’ tardinha iria esperal-o á porta, ou a
gosto que me toi çam o í jcinho. meio caminho para acabar n’uin bo jo um
Mss ‘Sfj^r da reciproca an'ipsthia, os susttísiuho que se lhe la alevantanio com
homeas oarmoaissvam durante o traba il t*ppi uximação da noite.
lho, e uto : astava. Cu.-tu’-ihe-hia u n ta felicidade, talvez,
Na casa do agtu-ígado flcavam spenas o úe^i íf -.cto da seus pais, porque o seu
as iLUiheres. Para cspairccer ca fuuda amante era homem de cor, o•f pobre ; mas
hypt cunsria que ll;e ia rninqndo a >xis- tudo isso eompaasar-lhe-ia o seu amor.
taneia, Mariquinhas costumada a saiiir üm coração feminil vive de tanta chi
á hora da sesta e ir sentar-se com a sua mera aos quinze annos I
04 MOTTA COQUEIRO
Os pretos ficaram sós, mas nem por isso Triste sorte a do captivo
a acttvi lade diminuiu nem o trabalíio des- Seja filho, ou seja pai,
acalorou se. A il
Um desafogo intimo substituiu a pressão
moral que os opprimia, e agora podiam E’ triste como o ribeiro
livremente medir ò esforço parao obrigado’ Que sempre rolando vai,
labutar, sem fim na vida, como a mon E se espedaça na grota
tanha de Sisipho. Porém das bordas não sai,
As bagas mornas de suor como que se Ai 1
converteram em estrophes, aladas em sons
melancólicos de monotonia pungente, ins A tia Balbina, mais do que nenhum
piração de poetas desconhecidos, talvez outro, deixava transluzir no semblante o
martyres de igual destino, e por isso júbilo que lhe ia n’alma. Duas vezes vic-
mesmo privando a intimidade de todas toriosa-elevava-se ante 0 ex-feitor e isto
as tristezas, desillusões, desalentos, quei firmava cada vez mais os seus créditos
xas e snspiros da escravidão. de invencivel.
Um d’esses cantos era assim : A ’s horas do jantar, contentes como
bons amigos que se banqueteam, os infe
Nasce a flor, rebenta o fructo, lizes riam alegremente diante das cuias,
- Secca 0 fructo, a folha cai, e adubavam a refeição com lisonjeiras
A il observações.
— A tia Balbina matou dois coelhos
Mas a agua do ribeiro de uma só paulada.
Rolando, rolando vai, — Tem mão certa.
E se espedaça na grota. — Quando ella diz uma cousa acon
Porém ,das bordas não sai. tece por força.
/
A il A feiticeira recebia prasenteira as ma-
nifestições amistosas dos parceiros, pre-
Corre a enxurrada roncando conisando a protecção dos céus para os
Grita aos rios: —transbordai 1 innocentes, e a sua punição para os in
A il justos.
A refeição ia já no fim, quando chegou
Mas a agua do ribeiro ao logar o novo feitor, o destemido Fide-
Rolando, rolando vai. lis, typo completo do negro de fazenda,
Suspira e chora na grota. com todas as suas virtudes e defeitos ;
Porém das bordas não sai. trabalhador e intrigante, supersticioso e
A il vingativo.
Não tinha-lhe favoneado a vaidade a
inopinada distincção que mereceu ao se
Some-se a lua na aurora,
nhor, odiava os brancos e sabia que, des-
No sol a estrella se esvai,
tinguindo ou castigando, o senhor só tem
A il
em vista tirar o maior proveito possivel
de seu escravo.
Mas a agua do ribeiro
Rolando, rolando v a i ; Recebeu a investidura de feitor pela
Em vão soluça na grota, mesma rasão porque levantava-se de ma
Porque das bordas não sai. drugada para a revista, e em seguida tra
A il balhava do sol nascente ao sol posto ; re-
ou A PENA DE MORTE 69
cebeu-a porqoe era escravo e para este só que lhe dava oceasião de vêr a mulher,
ha nma lei — obedecer. que 0 apaixonava.
No mais era uma creatura da tia Bal- Foi justamente esse apego a causa da
biiaa, que o considerava a ponto de rir se sua prompta expulsão.
para elle. Balbina não podia seffrel-o nem mesmo
Por isso mesmo a sua nomeação foi re depois de vel-o assim decahido ; a sua
cebida' com enthusiasrao pela gente de presença era uma ameaça ao seu bem
roça, convencida de que ia melhorar de estar e ao dos seus parceiros, e além d’isso
sorte. Assim é que foram cordialmente ella tinha dado palavra á Carolina de
recebidas as primeiras palavras da nova punir 0 seu abandono.
auctoridade, pondo em exercido as saas Resolveu, portanto, perdei-o da uma
funcções. Mandando recomeçar o traba vez aos olhos de Mctta Coqueiro, cousa
lho, Fidelis disse com lhanura a seus facilima agora que Fidelis era o feitor
parceiros: da casa.
— Vamos rapazes! é preciso mostrar Uma noite a feiticeira convidou o feitor
que não é necessário chicote para se fazer para a sua senzala e dirigiu-lhe a pa-
0 serviço; o negro não é boi, que precisa lavi’».
de carreiro e ferrão. — Balbina, disse ella, queria fallar ao
E os escravos voltaram alegremente aos seu parceiro que é hoje feitor.
seus cantos, eam anejodas suas enxadas — Eu quero escutar, tia Balbina, se
operando verdadeiros prodigies de bem que vosmecô deve estar zangada
trabalho, commigo pelo que se deu n’aquelle dia
Quando á tardinha o fazendeiro, mon de manhã no terreiro.
tado no seu alazão, revistou o serviço do — Balbina não se zanga com o galho
dia, ficou cheio de pasmo: tinha-se feito de maidcá, cheio de espinhos, que ati
tres vezes mais do que ordinal iamente. raram no caminho, e espetou o pé da
Emqaanto de modo tão expressivo os negra. Fidelis ia ferir Balbina como o
escravos festejavam a sabida do tx fa'-tor, galho de maricá.
esto amargava em silencio bem tristes
— Bem contra a minha vontade, eu
decepeções. Andava como que envolvido
juro por Deus.
n’uma gargalhada geral, desdobrada pelo
céu limpido, pela^ aragem tranquilla, — A cebra que largou a casca, pro-
pelas arvores virentes, e o que mais lhe seguiu a feiticeira, nem por isso perde o
doía, pela propria Mariquinhas. veneno. Outras escamas novas vem lhe
Era, p rém, uma gratuita injustiça cobrir o corpo e ella continua a seguir
feita ao caracter da moça', a quem a no a sua vida. O senhor não despediu o
ticia da demissão do feitor, se alguma feitor para sempre e pó le trocar Manoel
cousa causou, foi dó. João por outro. O mal fica do mesmo
Corrido diante dos seus proprios olhos, feitio.
Manuel João não tinha forças para au- — Qaal 1 não é assim, não, tia Balbina;
sentar-se do sitio; ligava-o ahi o casarão, 0 senhor está contente com o sei'viço.
a imagem de Mariquinhas e a propria — Tolo ! o branco muda de pensar
infamia que contra ella praticou. como a mangueira muda de folhas. O de-
Acabrunhado pela infelicidade nem ao monio anda nos olhos das filhas do aggre-
menos lembrou-se dos seus companheiros gado como o canto da coruja que adevinha
e conselheiros ; não arredou pé do sitio, morte. Quem sabe se é na casa grande,
temendo talvez que isto lhe custasse a quem sabe se é na senzala do captivo.
perda do proprio logar de trabalhador, Fidelis é preto e o branco terá sempre
70 MOTTA COQUEIRO
mâ fé com elle. E’ preciso ganhar a ami é que você cumpra o trato ; no caso con
zade e 0 respeito do sea senhor. trario é outi’a cousa.
A cabinda começou então a dar o plano O modo brusco pelo qual Francisco
infallivel de que resultaria a total derrota Benedicto respondeu ao fazendeiro, e de
e perda de Manuel João. pois 0 amuo com que o tratava, contra
Era 0 mais simples dos planos ; atacal-o riaram-o extremamente. Motta Coqueiro
pelo coração, que suspirava ardentemente percebeu que as suas relações estavam
por uma palavra de esperança, por um estremecidas e desde logo retirou-se tam
consolo no perdão. bém de familiaridades com a familia do
Carlos se incumbiria de dizer ao ex-feitor aggregado.
que Mariquinhas o esperava para fallar- Antonica voltou do novo á exaltação
Ihe, e Fidelis trataria de sorprehender da sua insensata paixão, e já agora não
com 0 maior compromettimento a entre tratava de occultal-a. Um dia em que o
vista. Vianna veiu á sua casa, rompeu des-
Balbina reservou-se a parte mais diffi- abridamentle com elle, pondo assim a des
cil, a de fazer com que Mariquinhas se coberto as bemfeitorias do pai, e respon
encontrasse com Manuel João. deu rudemente a este, dizendo-lhe que
Antes, porém, o feitor faria saber ao não 0 temia, porque teria por si a pro
seu senhor todo o movimento da familia tecção do fazendeiro.
de Chico Benedicto, conhècido pela feiü- Arrependida de ter assim procedido, a
ceira. moça tentou em seguida remediar o mal
causado, reatando a amizade entre a sua
O plano de Balbina mereceu inteira
familia e o fazendeiro e foi pi’ocural-o á
approvação de Fidelis, que tratou logo de
casa grande.
pôr Motta Coqueiro de sobreaviso. O fa
A allucinação impedia que Antonica
zendeiro não viu, porém, nas communi-
pensasse na impropriedade da hora esco
cações do feitor mais do que a reâlisação
lhida, e Manuel João que, lopco também,
dás suas suspeitas acerca das intenções
farejava os arredores do casarão, viu-a
dos noivos, tão caros ao seu compadre,
sahir e seguiu-a.
e mais um motivo para insistir com
Tanto bastou para que os ciúmes vehe-
elle a apressar a construcção da casa
mentesdo ex-feitor se reaccendessem n’nm
longe da em que estava agora.
incêndio devastador. Então passou-lhe
Estava quasi a ândar-se o trabalho do
pela razão desvairada' um argumento cri
embalsamento o brevemente Motta Co
minoso, que lhe explicava o affastamento
queiro devia retirar-se. Urgia, portanto,
e 0 odio de Mariquinhas. •
tomar todas as providencias para que o
Antonica tinha tratado núpcias com o
sitio ficasse em paz durante a sua au
sência. vendeiro ; tinha-a visto dar ao seu com
panheiro as mais claras provas de affecto
— Compadre, disse um dia Motta Co na sempre lembrada noite de Santo An
queiro a Fi’ancisco Benedicto; eu vou de tonio, tão cheia de doçuras para elle ; e
marcar as terras em que você ha de le não obstante o ex-faitor via a noiva do
vantar a casa. seu amigo acobertar-se com a noite para
— A fallar verdade, compadre, respon entrar sosinha na casa grande.
deu 0 aggregado ; isto não me está chei Qaem poderia desponvencel-o de que
rando bem. Parece que me quer pôr fóra igual scena não era representada pela
de sua casa,e não tem franqueza de dizer. preferida de sua alma, causa de todos os
— E’ uma desconfiança para que não dissabores que lhe entresticiam agora a
lhe dei causa, compadre; o que eu quero existência?
o u A PENA DE MORTE 71
Esporsado pelo desejo de viagar-se dp cedo lhe foi transmittido pelo moleque
Mctta Coqueiro, o ex-feitor correu até o Carlos, veiu tiral-o da anciedade em que
casarão, nias em vez de toater á porta se achava.
Mariquinhas convidava-o a ir imme-
quedou estatelado.
diatamente encontrai-a, em quanto nao
N’e^te homem tão malvado quanto ap-
pveheasivo, a covardia exce.üa a todos havia quem os visse. Ella esperava-o por
detraz das casinholas dos fundes das sen
os defeitos moraes, que o convertiam em
zala.
um ente execrando.
O ex-feitor correu promptamente e
Ponderou talvez quão tremenda era a
c im effeito ahi encontrou Mariquinhas,
odiosidade qne o seu passo ia provocar e
graças a tatica da tia Balbina ; o que,
recaou diante d’elle, s'^m lembrar que,
porém, não poude gozar f.d a effusão de
attenta a idea que fazia da visita da
affectos com que o desgraçado contava.
moça á casa grande, era um perjúrio o
A cólera irrompeu-lhe erriçala e bru
seu silencio.
tal, e Mariquinhas seria por elle estran
Não foi só para o Gx-foitor que a
gulada, se um soccorro inesperado não o
visita de Antonica teve uma interpretação
pouco lisongeira ; o proprio Motta Co impedi.sse.
Fidelis appareceu de subito no momento
queiro deu-lhe uma explicação injusta.
Recordan 1o-se das informaçõas qne
em que espumando, como um cão hydio-
phobo, Manuel João puchando pelas tran
acerca da família de Francisco Benedicto
ças de Mariquinhas, fal-a tombar em
lhe foram ministi'ad»s por Ifidelis, o fa
zendeiro viu apenas no acto de Antonica terra.
um ardü vergonhoso para que o aggre- O preto não disse uma palavra, mas,
gado podesse continuar a l'esidir no ca vibrando vigorosamente o cabo do reben
sarão. que sobre 08 punhos do aggressor, conte
Naturalmente attencioso para com todos, ve-o na sanha feroz.
Motta Ccqueiro foi entretanto desabrido 0 cobarde deitou a fugir pelo campo
para com Antonica, e sem dar credito aos do sitio.
protestos da moça, que ae desfazia em VI
prantos e desculpas,concluiu por dizer-lhe:
— O seu pai faz muito mal em pol-a a
A CONSPIRAÇÃO LATENTE
serviço de seu pouco juizo ; eu não sou o Na verdade foi alumiado por uma boa
homem que elle pensa. Pode dizer lhe qué estrella, quanlo fugia miseravelmente,
se serviu de r.áüs recu.’‘sos; Estes são sem reagiu sequer pe'a palavra contra o
para o Vianna, o Sebastião e o Manoel castigo que recebeu.
João. Arrependido estou eu de ter consen Uns minutos mais de demora ser-lhe-
tido que elle viesse para as minhas terras ; hiam mais desastrosos, senão de todo
bem razão teve o Dr. Manhães. Isto já fataés, porquanto fôra mister haver-se
passa da escandalo e eu vou acabar de com 0 amo possante e justiceiro e agora
uma vez. quasi alluoinado ao saber do repugnante
A visita fi i pouco demorada e só alguns attenta do.
minutos haviam decorrido depois que Chegando ao logar em que Mariquinhas
Manuel João assistiu a entrada de tinha sido duplan ente desacatada por Ma
Antonica, quando viu a s.ihir soluçando. nuel João, Motta Coqueiro, ao ver a moça
O zelofo amante retiiou-se então para Cvm 0 rosto sumido entre as mãos a a so
casa, e, sem poder explicar o que vira, luçar inconsolavelraente, accenleu-se em
perguntav.i a si mesmo se não desvaira uma cólera tarbilhonante, indómita, as
va n’um pesadelo. Um recado, que muito sombrosa e querendo punir o aggressor,
72 MOTTA COQUEIRO
que fugira, ordenou, com gritos frenéticos, procurando uma farda para estas cos
que lhe trouxessem o alazão. tas.
A circumstancia da hora impediu o A alegria hospitaleira do prudente ven-
prompto cumprimento da ordem ; ainda deiro foi logo obrigada a retrahir-se.
0 valente animal de largo folego e car Manoel João tomára a palavra e, depois
reira tempestuosa pastava namorando de narrar todos os seus soffrimentos e
com relinchos galanteiadores o loto que o torpezas, acabou por interessar vivamente
cercava. 0 vendeiro :
Em vão d’ahi a pouco aos repetidos
—'Agora escute bem, sím Vianna,eu ao
upas do cavalleiro, o alazão, quasi cosido
menos tenho uma gloria, é que hei de
com a gramma, mediu á brida solta o
vingar-me d’aquelle demcnio. Deixe-me
campo do sitio e depois em rapida an
pensar e verá. Elle me fez uma ; ha de
dadura 0 caminho que ia ter á venda do
pagar-me com juros,ou não estou faltando
Vianna.
com você.
O brutal aggressor tinha podido occul-
tar-se em logar seguro e d’ahi observar O vendeiro, vivamente impressionado
sem ser visto todo o movimento dos es com 0 que acabava de ouvir, ficou medi
cravos e de Motta Coqueiro para captu tando por largo espaço. Tinham-se-lhe
rarem o. extinguido os bocejos,e as palpebras como
Entretanto Manuel João não tinha cor que se lhe paralysaram. T=’mia que fosse
rido até grande distancia ; achava-se a descoberta a sua familiaridade com Ma
meio caminho da venda e d’ahi podia nuel João de quem fôra até certo ponto o
illudir todas as pesqüizas. instigador.
Quando estas afrouxaram, Manuel Diversas vezes o vendeiro levantou os
João, deixando o seu escondrijo, cami olhos e cravou-os no rosto do ex feitor,
nhou cautelosamente até o logar onde o mas, encontrando as feições decompostas
presentimento conduzira também, havia do amigo, desviou o olhar. Visivelmente
poucas horas, o fazendeiro. 0 Vianna temia emittir a sua opinião.
Como uma aranha enorme no centro de — Quer dizer-me alguma couza, seu
immensa teia, Vianna estava no meio da Vianna; falle porque eu ainda tenho ou
vendola sentado n’um caixão e com o vidos.
tronco recostado em um sacco de milho. — Você não se zanga ?
A ociosidade zumbia-lhe em torno a — Pode dizer para ahi.
desafiar-lhe bocejos e pairava-lhe já nas — Fallando verdade, Manuel João,
palpebras, que pestanejavam morosa você foi um desastrado, e a cousa póie
mente. custar caro.
Fdra chilravam as cigarras e estalava — Pois sim; se não fosse por is o era
ao calor, um panno de fructos de mamo por aquiilo ; o diabo andava-me com sede.
na estendido ao sol. — Mas se você não provocasse.
Manuel João penetrou de um salto no — Deixe passar o tempo; você não ha de
interior da taberna e antes que o vendeiro fallar mais d'este modo, póle ir ponrfoas
tivesse tido tempp de espairecer o susto, barbas de molho. Lembra-se do dia em
já 0 hospede tinha entrado para uma sa que sa Antonica ia-se aff jgando ?
leta que se abria scbre a sala da venda, — -Tenho de cdr.
— Veiu alguém procurar-me aqui ? per — N’esse dia foi que se descobriu qual
guntou 0 ex-feitor. das tie s.era a que elle estimava ; beijou
— Temos novas artes, bregeiro ? quem 5« Antonica á vista de todos.
é que havia de vir px’ocural-o ? Tu andas A testa do vendeiro enrugou-se.
o u A PENA DE MORTE
tomando um chá que lhe disseram que de Lucio e Motta Coqueiro reinava a mais
era bom. iri’eqwiciliavel dísivença.
O remedio, porém, longe de fazel-a me LiMo vivia de ser votante, uma profis
lhorar, deu em resultado o trabalho que são muito rendosa e uma posição muito
temos tido para cural-a, e o susto que respeitável na roça. Sómente é preciso
tivemos de perdel-a. sabor fazer o oflficio de votante, que tem
Vim depois a saber por uma das mu callos bem doloridos.
camas que Manuel João era amante de O votsnte é o guarda costas da aucto-
Carolina e ella conflrmou m’o. ridade e da influencia do logar; deve
Avalie quanto estes factos devem ter me expôr por elles a propria vida, como os
incommodado. Eu sempre tive escrúpulos antigos germanos expunham a sua pelos
das relações com a familia do compadre, seus chefes.
e agora impressiona-me extraordinaria Quando algum individuo incommoda
mente a lembrança das suas familiari de qualquer forma a influencia ou a auc-
dades com essa gente. toi idade, estas esmeram-se em acobertar
fia por força um fundo de verdade na o seu resentimento e impellem contra o
confissão de Carolina e péssima vista, fará individuo votante, — especie de cão de
a sua convivência em uma casa, que dá fila que dorme lhes á porta.
guarida aos caprichos dos feitores.» A difFarença entre os dois aoimaes é que
Depois d’estas considerações e de re- — um ataca de frente, corajosamente, na
commendações familiares, havia na carta valhando e dilacerando com os dentes
ei te post-scriptum : amolados ; — o outro assalta traiçoeira
— O embalsamento da madeira parece mente e maneja a espingarda ou a faca,
que não terá fim tão cedo. pelas costas da victima.
Da primeira leitura Motta Coqueiro' Lucio, havia algum tèmpo, tinha ser
comprehendeu apenas que havia esperdi vido para signiflloar a Coqueiro o desa
çado os seus seatimentos generosos, grado em que tinha incorrido para com
quando eúcsrregou-ss espontaneamente 0 subdelegado de Macabú, honrado con
de punir o que elle chamava um miserá servador que dominava o logar, e que,
vel abuso do ex-feitor. para avigòrar-lhe a dedicação, ameaçava
Também da sua memória varreu-se a constantemente o fltl Lucio com um es
lembrança de Manuel João, por isso que o pectro horrendo— a praça.
seu acto appareceu lhe então ante a me O resultado obtido pelo rapaz foi g?nhar
mória revestido com as rudes mas justifi uma inimizade, e esta demonstrava-a cla
cáveis asperesas de uma soena violenta de ramente 0 fazendeiro negando a Lucio e
arrufos. a todos os seus p írentes passagem pelo
Nasceu-lhe, porém, uma repugnância seu sitio.
invencivel para com a familia du com A prohibição tinha sido respeitada por
padre, a quem por piedade dias antes muito tempo, mas agora acontecia o^C-n-
recomeç;ra a tratar branda neníe. trario; Lucio, a pretexto de visitar Fran
Um incidente veiu ainda aggravar esta cisco Benadicto, fazia do sitio o seu ca
aversão. minho.
Visinho ás terras do sitio morava Lucio Conhecida por Motta Coqueiro a quebrã
Ribeiro, alcunhado c capadocio. Era um da pena que tinha imposto a Luclof
miilatinho da vinte e dois annos, fran e infjrmado de suas relações .com'
zino, de modos bruscos e palavras atre Francisco Benedicto, o fazendeiro fez
vidas. Desde longa data entre a familia d’isso um motivo para renovar, mas já
ou A PENA DE MORTE 75
em tom de intimação, o pedido ao com tava no terreiro da casa grande ora a ler,
padre para que fizesse a sua ca sa ., ora a fumar distrahidamente, ella collo-
— Ouça, compadre, disse elle a Fran cava-se junto da moita que ficava ao lado
cisco Benedicto ; vocô pensa que é por do casarão e, pelas malhas do trançado de
Ihe querer mal que eu insisto em querer arbustos, contemplava-o extatica. Só a
que. você faça a sua casa ; e no entanto noite tirava a do seu observatorio.
quero apenas evitar questões. Ainda Uma tarde esta contemplação foi per
hoje disseram-me que o Lucio faz ca cebida por Motta Cóqueiro, que se apiedou
minho pelo sitio e desculpa-se com visitas do desditoso affecto a que elle, por sua
á sua familia. Eu não posso prohibir que honra, não podia bafejar.
você se dê com este ou aquelle, mas não Teve sinceramente piedade de Antonica
posso con 'sentir que entre pela minha e duas vezes agitou o lenço chamando-a
casa dentro um individuo que insultou-me para junto de si.
gratuitamente. Em todo caso, quando Uma recordação prohibitiva interpôz-
voltar ao sitio, desejo achal-o mudado. se-lhe, porém, aos sentimentos compas
Francisco Benedicto nada objectou. sivos, lembrou se da carta de sua esposa,
O silencio de Francisco Benedicto foi e uma força invencivel impelliu-o a re-
apreciado por Motta Coqueiro a boa parte, lêl a.
e o fazendeiro e atendeu que estava resol O só contacto do papel íêl o estremecer;
vida a grande questão da mudança. parecia ter entre mãos uma sentença
Por esse lado creu estar descançado e cruel. O presentimento tornou-lhe maior
continuou a cuidar nos seus trabalhos a avidez da leitura, que ante mão assim
para termina\-os o mais promptamente abalava-o.
possivel e deixar o sitio que tanto encom- Os primeiros períodos desfizeram quasi
modava-o agora. totalmente o estado moral que o abatia,
Fensava em Antonica maldizendo a fa e Motta poude sorrir ás veladas insinua
talidade que arraigara tão intensa paixão ções da sua esposa. Para o fim da carta
para a qual nem por um fugitivo pensa a impressão foi bem diversa e o fazendeiro
mento elle quizera contribuir, e no em- chegou a repetir alto os dois periodos.
tanto collaborara com a esperança. a Avalie quanto estes factos devem ter
A moça vingava-se do desabrimento me incommodaio. Eu sempre tive es
com que foi tratada na ultima vez que crúpulos das relações com a familia do
tinham fallado, deixando delir a sua for compadre, e agora impressiona-me extra
mosura por uma consumpção rapida e ordinariamente a lembrança das suas
fatal. familiaridades com essa gente.
Gomo a nuvem negra que, embora car Ha por força um fundo de verdade na
regada de aguaceiro, deslisa sem ruido confissão de Carolina e péssima vista fará
pelá face do ceu, Antonica, embora aver- a sua convivência em uma casa, que dá
gada ao soíírimento, vivia sem um ai ao guarida aos caprichos dos feitores. »
lado do eleito dos seus sonhos. A odiosidade de que vivia cercado em
Procurava evital-o sem affectaçâo, sem Macabu, as provocações de que era alvo
uma só asperesa de despeito, mas, ás para que desorientassem-o dos caminhos
vezes vencida pelas necessidades do cora da prudência e pei‘dessem-o n’uma pre-
ção e ao mesmo tempo contida pelo orgu cioitação; as calumnias que arrebenta
Iho do amor despresado, guardava um vam do anonymo, á semelhança de uma
meio termo que aliciava-lhe os olhos e nuvem de mosquitos de um pântano, e
sopitava-lhe o tormento. assediavam-o entre zunidos importunos
Quando & tardinha o fazendeiro se sen- 6 mordidelas incommodas; as ciladas
76 MOTTA COQUEIRO
qua a todo o momento enredavem-lhe os dações sagradas das alegrias e saudades
passos; o seu viver de isolamento que, de seus filhos e além d’ ellas gravavam o
averbado de misantropia, abria largo e nomé'da esposa, o querido nome da com
attrahente campo ás intrigas as mais panheira de iüfelicidades e de venturas.
abstrusas, tudo isso borbulhou da me Entretanto, como uma cascavel occulta
mória do fazendeiro e, escoando-se pelos sob ílôres, negrejava sob a assignatura
raciocínios exaltados, alagou lhe o cora 0maldoso post-scriptum: O embalsamento
ção de uma inundação de fel. da madeira parece que não terá fim tão
A carta cahiu-lhe com as mãos sobre cedo.
os joelhos, ao passo que o olhar se fixava Apezar da apparente despretenção da
no céu. phrase, Motta Coqueiro sorprehendeu a
A pouco e pouco, porém, as rugas da suspeita que n’ella delicadamente se en
testa e a saliência exagerada das sobran volvia.
celhas, que lhe davam uma apparencia de De feito, a moléstia de Antonica tinha
intratabilidade antipathica, foram esvae- occasionado uma demora no trabalho, por
cando-se e o semblante retomou a sym- isso que era impossível éxigir de Fran
pathica seriedade habitual. cisco Benedicto que abandonasse a filha
E' que a paz da oonsciencia asserenava- gravemente enferma e se consagrasse
Ihe os temores, e a ingênua confiança da aos interesses do fazendeiro. Demais o
honestidade espancava com os seus cla proprio Motta Coqueiro não zelou taes in
rões os phantasmas evocados pelo receio. teresses, porque maior cuidado o absorvia.
Via-se-lhe na physiOnomia, mysterioso A crise moi’al reappareceu no espirito
livro onde a consciência nos escreve dia já abonançado do homem que se infelici
a dia, hora a hora, a historia de nossos tava pelo bem alheio.
actos; lia-se-lhe na physionomia uma Havia pouco d>scançára na confiança
serie de interrogações e respostas, no de que ninguém de boa fé pcdcria julgal-o
passar repentino da serenidade para a mal, e agora via diante de si, represen
perturbação. tando este juizo, a pessoa por quem devia
Ninguém, salvo má vontade extrema, ser mais conhecido, a sua consorte,
poderia encontramos seus actos para com Cumo explicar-lt e a demora pela mo
a familia do aggregadouraa nodoa siquer, léstia de Antonica? A explicação,que era
tinha sabido repeliii’,a prioeipio com bran-»- bastante para justificar Francisco Bene
dura e depois virtuosa rudeza, o coração dicto, era inteiraïoentedesarrasoada para
que lhe offerecia, e se alguma culpa tinha si e serviría apenas para aggravar as
na pertinácia do aífecto de Antonica, de suspeitas.
via ser lançada á conta da compaixão. Assoberbado pela diiliculda.de da sua
— Não ha ura sé coração bom formado posição, Motta Coqueiro perdeu-se n’um
que possa por um momento fazer-me se peiago de soluções, as quaes repellia logo
melhante injustiça, disse convictamente o por improcedentes e coaapromettedoras.
fazendeiro. A noite veiu encontral-o no mesmo logar
Os olhos abaixaram-se-lhe de novo so e longo tempo correu sobro elle, profa
bre 0 papel, que parecia magnetisal-o, e, nando ccm a indifferença da aragem e do
tomando-o machinalmente, Motta Coquei luzir das estrellas aquelle padecer injusto.
ro continuou a leitura. Havia bem perto alguém que padecia
Agora encontrava ahi um balsamo para igualmente, alguém que, pela presciencia
a ferida que d’ahi mesmo tinha partido. do amor, advinhava ^ue o fazendeiro
As lettras ameigavam se combinando-se soflria.
em palavras de amor e carícias ; recor- Era Antonica. Postada no seu ponto de
ou A PENA DE MORTE 77
obsei’vaçâo, ella via sempre Motta Co — Soffre muito, seu capitão ? Quem lhe
queiro retirar-se do terreiro logo ao .bahir fàz mal 1
da noite. Hoje, porém, o fazendeiro pa A voz da moça repassava se de um
recia nem siquer aperceber-se de que phyltro irresistível de paixão ; era o per
havia muito que a melancolia do crepús dão dando-se espontâneo, sem ao menos
culo tinha dado logar ao mortiço treme uma supplica; era o consolo a iooplor.4r
luzir das estrellas. que 0 recebessem as maguas sobrancei
Sem saber como nem porque, Antónica ras que se fechavam no proprio travor,
veia insensivelmente approximando se do como se n’isto se receiassem.
fazendeiro, e, quando já perto d’elle, teve Também o fazendeiro, como se já espe
a dolorosa certeza de que uma áôr pro rasse a inopinada consolação, respondeu-
funda 0 acabrunhava e absorvia. lhe sem sobresalto.
Com os braços cruzados sobre o peito e — Sim, padeço muito.
as palpebras fechadas, a cabeça descabida A resposta foi recolhida na tepidez do
para traz, Motta Coqueiro jazia em im- um suspiro, ao passo que a anciedade
mobflidade de cadaver. apressava-se em ouvir uma confissão li-
E’ facil descobrir qual o fio dos pensa songeira.
mentos da amante diante do homem que — E sou eu a causa 1 eu que não tentio
fascinou-a. O amor leva seu egoísmo a juizo ! Meu Deus, para que me foz tão mál
attribuir-se todas as felicidades e desven As exclamações de Antónica, se é pos
turas do ente amado ; imagina que o riso sível dizel-o, eram feitas de lagrimas
ou a lagrima só elle tem força para pro- volatilisadas'; eunhavam-as uma implora
vocal-os, só elle tom o condão de meta- ção suave e uma piedade indisivel. E
morphosear a existência em bulcõas ou como não ser de outro modo se ella, que
luares, em abystnos trevosos ou em fir dãi’ia, para que o fazendeiro tivesse um
mamento constellado. sorriso bom, a sua mocidade brunida pela
Uma injustiça pungente sangrava ainda formosura, os seus sonhos que ainda não
0 coração da Antónica; ella, que se aban tinham voado ao limiar dos vinte annos;
donava somente á correnteza de uma se ella, amante apaixonada, tinha-o ante
fascinação, ao deslumbi-amento de uma os seus olhos... soffrendo.
paixão, tinha sido accusada como instru As pilavras da moça não foram res
mento ignóbil manejado por seü pai. pondidas e Motta Ccqueiro ensurdecia-se
Não seria o arrependimento de tão na lethargia da dôr. ' v.
amarga injuria a causa do abatimento E eu que, ha tanto tempo, estou a
do homem que involuntariamente havia vêl-o d’alli, continuou Antónica, e que
monopolisado a tranquiliidade do seu não descobri logo que scffria. Não estava
ex istir?... como nos outros dias, e eu não vim.
Tal pensamento atravessou talvez o Pensei que estava zangado commigo. Só
cerebi’0 da moça, e, como ainda mais do fiquei certa de que seu capitão estava
que as proprias, torturavam-lhe as dôres tliste, porque já tão noite e ainda está
do fazendeiro, Antónica approximou-se aqui fóra.
para levar lhe o perdão. Gomo quem desperta por uma sacudidela
Faltaram-lhe, porém, por muito tempo bimtal, o fazendeiro levantou-se e correu
as forças ; a voz sumia-se-lhe, emquanto os olhos em torno de si, e depois para as
que os lábios eram attrahidos pela palli- mãos, em uma das quaes tinha a carta
dez da fronte do pensativo. amarrotada.
Afinal, derramando uma ternura infi- Antónica, assustada por esses movi
pita, Antónica murmurou timidamente. mentos, ficou immovel, como se os pés se
78 MOTTA COQUEIRO
lhe tivessem gradado ao solo, e já come alguém apparecesse agora, este papel
çava a repreheader-se da uova impradea- que você vê teria toda a razão, e minha
c i a , esperando uma das explosões de mulher podería com justiça aceusar-me.
geaio, tão fáceis em Motta Coqueiro. — E que tem sua mulher e seus filhos
X Mas em vez da censura temida, encon com a minha amizade? Pois que me
trou a bene volenoia, e se as mãos, se os matem.
gestos não se avelludaram em affagos, a — Louquínha, faz-me pena.
voz transudou uma compaixão grata e — Paciência, mas é assim ; matem-a e
amiga. sequizerem,mas hei de estimal-o sempre.
— Vocâ faz-me pena, disse Motta Co O silencio permeiou a tristeza d'esses
queiro ; não conhece a vida, e vai até o dois corações.
precipicio, querenio arrastar comsigo Passado algum tempo, Motta Coqueiro,
aquelles a quem estima. Deixa-me em oomo se houvesse encontrado uma solu
paz, Antonioa, Ninguém melhor do que ção decisiva para a sua situação, pegou
eu pdie avaliar o seu soífrimento, mas da mão de Antonioa e perguntou lhe com
tenho necessidade de ser cruel. O con voz commovida.
trario era a minha deshonra, o desaso- — Então estima-me muito, Antonica.
cego de toda a minha vida e a sua des A moça respondeu movendo affirma-
graça, Antonica. Hoje você ficaria satis tivamente a cabeça.
feita com as minhas cariei a s , porém — E é capaz de fazer tudo quanto leu
amanhã, quando os seus pais lhe fechas lhe peça. ^
sem as portas, quando todos apontassem-a — Sim, respondeu alegremente Anto
entre mofas e escarneos, teria de amal- nica.
diçoar-me. Nem você imagina quanto al — E’ o maior sacrifleio da tua vida,
gumas palavras que lhe tenho dito, cus- mas sei â tua tranquillidade mais tarde,
tam-me em arrependimento. Julgo-me e 0 socego dos meus. Promette fazer-me Î
criminoso ante os meus filhos e minha — Diga, diga já.
mulher, e entretanto a minha estima por — Eu juro que hei de velar por si,
si não é senão a de um pai. Tenho dé de si. como se fosse seu pai, mas você ha de
Mas, meu Deus, que desgraça é a mi fazer a vontade á sua familia, acceitando
nha que não posso nem estar ao pé de o casamento com o Vianna.
vosmecê um instante, sem que logo me — Ah 1 meu Deus ; isto é de mais.
mande embora ; seu capitão ficar Emquanto Motta Coqueiro assim dedi
horas inteiras a olhar para üm papel e cava-se ao zelo pela reputação de Anto
não péde me ver nem um instantinho. n ic a 'e pela ti’anquillidade do lar, très
Buscando commover, a moça não fez homens tratavam de minar sem ruido o
mais do que avivar ainda mais na mente edificio de paz que elle tentava consti'uir
de Coqueiro a responsabilidade que lhe em roda de si.
cabia na scena que se passava. Um juramento de mutua defeza vincu
O papel preferido era a carta em que lava a reciproca dedicação colligando-lhes
estava gravada a suspeita da sonsorte do os,esforços. Esses homens eram Manuel
fazendeiro, e lembral-o importava justi João, Sebastião Baptista ou melhor Se
ficar a delicada reprehensão que no papel bastião Pereira—appellido que o violeiro
occultava. herdou a um seu antigo amo; e o Vianna,
— Não devo consentir, continuou o fa 0 mais conhecido dos vendeiros da visi-
zendeiro, porque tenho familia, porque nhança.
tenho dignidade. Basta já de comprome O ex-feitor do sitio de Macabú, o covarde
timentos 5 é a sua e minha perdição. Se Manuel João, e o violeiro conspiravam por
uma causa rasoavel ; tiuham leva "ío a iu- As lagrimas denunciaram-lhe osoííiimen-
famia á casa do aggregado e temiam a to que por muito tempo se refolha* a na
punição d’esse acto, punição que elles ima esperança, á semelhança de um besouro
ginavam tremenda, porque esperavam-a negro no cálice de uma açucena.
fulminada por Motta Coqueii’o. Aqueilas grossase tarda» lagrimas eram
A situação do violeiro aggravara-se de a serie dessorada das ardentes illusõ^s de
fórnia que para qualquer p^rte que elle outr’ora, hoje frios cadaveres; corriam
olhisse não descortinava senão trevas e striadas pslo sangue de um coração ulce-
perigos. cerado ; impunham respeito, e testemu
Em uma das entrevistas com Chiqoinha nhavam a sinceridade da dôr de quem as
0 animo destemido do violeii’o havia en chorava.
fraquecido e baqueiado moimo. Sebastião foi compassivo ao encontro
Sustando-lhe intempestivamente as ex- da tortura que lanto alquebrava a moça.
paniíões, cortando lhe de um golpe o íio Conchegou amorosamente ao seu o tron
dos galanteios seductores, a moça per co emmagrecido de Chiquinha, e deitou-
guntou-lhe um dia: lha a cabaça sobra o sau hombro.
— Você pensa que é muito feliz I Vejam sd isto, disse ella tarnamente;
Sebastião riu se com a boa vontade de está aíüicta assim e não me disse nada.
quem tem por horizonte o goso desas Diga quem é a causa de seu choro ? eu fiz-
sombrado de uma affeição que se dá, sem lhe alguma cousa ? alguém lhe cífendeu ?
pedir, cpmo
íon retribuição mais do que uma Prorompendo em soluços angustiosos,
hora de jbom humor, e algumas condes- que entreeoi tavam-lhe as palavi as, Chi-
'cendencias amigas. quinhã arrancou do intimo de sua alma
— Boa pergunta esta, Chiquinha, res este grito desolado, que lhe maltratava o
pondeu Sebastião; nem eu tenho razão coração, como se fosse uma bala encra
para pensar da outra maneira. vada.
O semblante tiistonho de Chiqninha — Não é isto ; é uma desgraçada ; ha
inundou-se da tidsteza commovente da já dois mezes talvez que eu sou mãi.
desesperação represa. Ei’a mister entrar \ A dôr de Chiquinha repercutiu intensa
em uma revelação dolorosa que pertur no coração do violeiro; era a erupção vul
baria, ne^ressariamente a felicidade alai’- cânica que, ao passo que esbraseia a ora-
deada alacremente pelo seu amante. tei'a, cobre o espaço de fumo, clarões e
A delicadesa do amor pedia-lhe que se vomitos vermelhos ó faz estremecer todo
calasse,0 melindre do pudor acovardava-a, 0 sólo em derredor.
mas o perigo da sua posição de fllha-fa- Depois de uma longa pausa, que pesou
milia exigia que ella flzoíse o sacrificio e como uma barra de ferro sobre o cora
desvendasse aos olhos de Sebastião o fu ção da moça. Sebastião com os olhos bai
turo que a esperava. xos e a voz afinada na entoação da an
— Você vive feliz, nãô é verdade ? ge gustia.
meu a voz da moça ; pois eu vivo bem — Só ha um remedio, murmurou ; fu
triste. girmos.
— Ora essa agora, sa Chiquinha; e — Fugir, mas meu pai, meu irmão hão
quem foi que matou as suas pucas ? de perseguir-nos; mas você prometteu
Esta nova resposta áe Sebastião con casar-se commigo. Não quero fugir, não
vencia pungentemtnte á moça de que bem devo.
longe estava do pensamento io seu amante O violeiro estava de feito commovido,
aquilatar a extensão da desgraça que ex- e uão era com o fim de furtar-se á res-
hâuna-lhe a pouco e pouco a exiatencia. poiftsabilidade que propuzera o alvitre a
80 MOTTA COQUEIRO
Chiquinha ; era o laeio mais expedito amigo, 0 Viítnua gritava á porta o fami
para subtrahil a ás iras da familia. liar— o le d e c a s a ! e entregav'a ao critério
— V jcô disse muito bem, sá Chiqaiuba, do protact.r e guia commum as suas ma-
é uma.desgraçâ, soluçou o violeiro. O que guas e sustos.
não vai ser de nós ; esse maldito càpitão, O violeiro ouviu corn o maior sangue
seu pai ; é uma desgraça, e' o unico re- frio a exposição dos acontecimentos que
medio é este, fugir. Mais tarde eu retne- se atropoJlf.vaLU a favor dos tres con
diarei o mal, juro. Promstta-me que sa- jurados, raspondeaJo apenas á auciedade
hirá a’esta casa. do Vianna com um frequeafe—-continiie.
. — E’ 0 que quizer, respondeu Cbiqai- Quando Vianna concluiu a narração o
nha; eu já não sei o que faço. afflictissimo começou a dar a'; s úi&bos o
Desde então os amantes esperavam só pepsacuento de possuir Antonica, o vio
mente a opportun) da de para levar a effeito leiro desvtou n’uma gargalhada e-tri-
0 expediente desesperado. dente e franca o exclamou com uma
O violeiro, certo da gravidade do passo alegria feroz.
que ia dar, julgcu-se desde logo irreme — Então o T h e h a s está pelo beiço pela
diavelmente perdido acs olhos de Motta Antonica | E’ verdade mesmo, o diabo não
Coqueiro e ateve se resignado-se ao seu abandona cs seus.
/' infortúnio. Não era isto o que os deis interessados
N'este estado de espirito foram encon- esperavam ouvir de Seba-ilião; acalm a
tral-o no dia em que Manuel João tinha do violeiro percudiu-lhes a derradeira
sido forçado peias circumstanctas a dei- esperança e ambos bradaram furiosos:
^ xar 0 sitio. — Com os diabos 1 você está sempre a
Sebastião era a cabeça que dirigia to vêr motivo para risadas, mesmo quando
dos os planos astuciosos do triumvirato. 0 caso não é pára isto.
De improviso elle achava os meios para — Pois o que é que vocês querem, con
obviarem-se difficuldaaes consideî’àdss tinuou Sebai;tião, que não parava de rir-se;
insuperáveis, e além d’isso integrava com, estou com o melro segui o. Vocês vão ver.
a coragem temeraria a covardia dos seus Após a expansão estrondosa, que sobre
companheiros. Era o Tyrteu no meio maneira desnorteava os dois timoratos
d’aquelles dois lacedemonios irresolutos. conjurados ; Sebastião, assumindo um &?.'
Manuel João procurou o seu valioso grave,poz-se a passeiar de um para o outro*'
amigo sómente na qualidade de hospeije, lado da sala desornada.
porquanto não tinha outra pessoa a quem Durpu popeo a meditação. Acercando-se
recorresse. Também limitou-sa a narrar de Vianna disse o violeiro seiianiente :
0 que so passava com elle, deixando á — Isto de amisade_ df&'.^ais arranjado
margem as relações do fazendeiro com com 0 pobre ó sempre uma boa pulha.
Autonica. Diga portanto cá, seu Vianna; você quer
Vingava-se d’esta sorte do vendeiro que, gastar alguma cousa ou não quer ?
em vez de consolal-o na sua desventura, — Assim como vão ss cousas, respon
achara azaia cccasião para censural-o. deu 0 vendeiro, ha de ir^Ujio pelos ares.
Certo de que o Vianna nada resolvería Estou prompto para a deagí^.
por si só, encobrir a Sebastião o que — Pois dê-me de cinco a'H ^m ü rêis, e
dizia respeito ao vendeiro importava tor- deixe rolar o dado por minha conta. Vá
tural-o ao menos por alguns dias. para a sua bodega sem medo, porque se o
Mas in felizmente para o ex-feitor o seu iudividuo não lhe mandar tirar a vida
calculo foi de relance burlado; duas horas pelos escravos, ha de pagar-nos com liu-
depois da sua chegada á choupaua do gua de palmo.
ou A l'ENA DE MORTE 81
— Mas O que é que vocô vai fazer? Branco, eile não desdenhava sentar se á
homem. mesa com os genuinos da raça africana,
— I;to é segredo, es orrupiche o cobre, nem com os filhos do seu cruzamento;
que é O que serve. fazia esta sacrifleio a bem de seu negocio.
Satisfeita, não sem escrúpulos e pezar, Também era eile quem apresentava no
a exigíncia de Sebastião, o vendeiro tor mercado campista o melhor peixe sal-
nou para a sua vendola, cujas portas teve preso da Lagoa Feia, e a melhor gara-
a precaução de especar solida e cuidado poca das mattas de Macabú. Trabalha
samente. vam-lhe a rasto de barato.
No dia seguinte pela manhã, o violeiro, Activo, diligente, intrigante, tudo a bem
esganchado sobre a ossada do — Suspiro, do negocio, estava sempre trabalhando,
ao qual o micuim conveitera o couro em porque dizia eile—a familia vai crescendo,
um archipelago, marchava para a casa de é preciso aguentai-a.
Lucio Ribeiro. Devotado de alma ao subdelegado, a
Depois dos cumprimentes ao capadocio, quem cham ava-o meu homem—só havia
o recem chegado, ai ranjando uma entoa uma affeiçãj que lhe era mais cara—
ção de gracejo, perguntou-lhe de subite: qualquer transacção commercial por me
—Então como vai de arai ade com o nor que fosse; a esta consagrava se em
tútú cá da terra, o grande capitão ? alma e corpo.
—Mudemos de conversa, respondeu Lu Quem fOi'se a Lycerio e lhe acenasse
cio ; aquilío é biscasmha que nunca me com uma n ta do thesouro ou do banco,
passou da garganta. podia descançar, que, se ella chegasse
—lito é fumaça, seu Lucio ; se o ho para o preço, estava servido.
mem ficar com o governo, você ha de Tal modo de pensar congraçava em
mudar. torno do negociante rabula uma clientella
—Veremos ; mas alli fica a serra dos immensa e devotada.
Olhos d’Agua e a minha espingarda não A sua casa de negocio, sortida de todos
nega fogo. os generös, desde o medicamento ató a
— E te aÍÊuem mostrasse um meio de carne da xarque, desda a ferragem até
livral-o do licho, você tinha coragem ? as flaas cassas, adaptava-se ao verso e
— Experimente , respondeu resoluta- reverso da vida humana : era para a
mente 0 capadocio. < saude e para a enfermidade.
— Se tens coragem, meu velho, põe os Alii reunia-se a guapa rapasia do
aneios ao teu panga e vamos aoLycerio. logar, 03 galhardos dançadores do fado,
Tu ês também da autoridade e o Lycerio amantes do murro, das brigas de g&llo e
é unha eca;na do subdelegalo. apostas de natação, e o emporio, graças
Dentro em alguns momentos os dois a este ajuntamento diário, assemelhava-
trigueii’os pernósticos marchavam em di se a uma oílicina de toques e cantilenas.
recção á casa do amigo do subdelegado. Lycerio animava a freguezia, e demo
Joaquim Lycerio, conhecido pelo al rava com aneedotas e intrigas aquelles
cunha cigano, tinha grande influencia na qhe se queriam aífastar ; a causa era o
localidade, pela sua dupla posição de ne borrador, o seu caro borrador.
gociante e chicaneiro. Taes eram homem e> casa procurados
Oi moradores do sei tão confiavam
«
lhe pelo violeiro para desfechar o golpe em
todas as suas causas e embora as perdes Motta Coqueiro.
sem, diziam convictos a seu re;peito : Recebido pela amabilidade de Lycerio,
— Atjuillo é que é um homem para pen 0 violeiro cortou as expansões do nego
dências. ciante, bi’adando:
i >1
6
i r*
82 MOTTA COQUEIRO
— Eta U,meu branco; eu não vim para costura ou em quaiqu^r cutra cousa em
a prosa, n as para serviço ; aqui está uma que a senhora tenha de mexer.
de ciuco e eutre p;*r o cscí iplo' io. — Qu'il 0 qu.'î, seu Mrnuel J jão, eu en
— E’ requerimento, seu diabo, já sei; trego mesmo na mão da senhora ; é mais
alguma cita<,ão para conciliar ; eu tem certo.
pero a cousa. — E’ verdade, mas como o amo anda
— Qual renuerimento, interrompeu Lú zangado commigo póde se aborrecer com
cio ; é uma carta de recommenda .ão para você por levar uma carta minha á se
o bom c« pi tão. o no;.so amigo C> queiro. nhora, e a final você vem a sofifrer.
— Cí>spite ! exclamou Lycerio, que per O moleque, lembrando-se da ameaça do
cebia 0 sentido dis pal-tvras de Lucio, e seu senhor na noite da primeira eutrevista
a quem é que .se vai recommendar a joia? de Antonica, aceitou plenamente a obser
— A’ pessoa que ha da gostar muito da vação, e concordou com o expediente
festa; porque o bicho deu ern passari- mostrado polo ex-feitor para que a carta
nheiro d pois dos quarenta; quero r*^« chegasse ao seu destino.
commendal-o a quem se interessa por Estava desfechado o primeiro golpe,
esta nova. cuja prufun lida le o tempo e os aconteci
Rindo muito amistosamente, os tres in- mentos incumbirarn-se de xiiO.;trar.
terlí cutcres, depois de uma libução a um A opportunidade para o segundo não
copo de vinho, entraram para o esciipto- tardou a apreseutar-se.
rio de Lycerio. Off ndido pela intimação de Motta Co
' VII queiro, 0 aggregudo tratou de angariar
elementos para a construcção da casa, e
AS INTRIGAS alguns dias depois, graças a empréstimos
De volta da casa de Lyceiio, o violeiio da dinheiro por p a ’te do subdelegado e
congregau os seus companheiros pata dos serviços cfferecidt s por Lucio, o ins
effectual’ a distribuição dos papéis, qi>e pector André, S-bastião e Vianna, come
não tardaram muito a ser d esempenhados. çaram-se a fincar cs esteios.
As operações deviam come:;ar com a Lisunjeado pelo acolhimento que rece
partida de Mwtta Cc queiro para Campns e beu dos seus visinhos, Francisco Béné
esta elíectuou se alguns dias denois, pela dicte convenceu-se logo, o que era facil
influencia dolorosa que teve no espirito ao s8 u curacter, e.^tar invulner-ível aiante
di fazendeiro a cai t de sua esposa. do seu compadre, fossem quaesquer os
vespera da partida, protegido pela abusos que para contrarial-o praticasse.
certeza que todas as pessoas do sitio nu Assim, contra a vontade do feitor, e
triam de que elle não ousaria approximar- zombando até das ameaças d'e.-te, lançou
do seu ex-amo, Maauei João conseguiu mão de beis do sitio para carregar a ma
fallar a Cark s. deira que tinha necessidade e provia-se
Vinha pedir-lhe uma coisa muito sim dos cereaes de que precisava nas ro^iás
ples: ser poitauor de uma ‘carta para a do seu compadre.
Sra. D Mixiia. Kïsus represálias continuadas punham
Um generosg porte cspfou immeclia- patente a mudança de Francisco B'-'nedicto
tamente a boa vontade de Carlos que, no modo de pensar a re.speito do seu pro
não obstante, tev** mado da empreza por tector, e pela sua gravi lade mesma não
um* circumstancia que lhe foi addicio- podiam passar desapercebidas aos olhos
uada... do violeiro. ,
— Você leva a certa, disse Manual João, O vendeiro foi logo posto em campo
e lá um dia deixa a ficar na cestinha da para extremar de uma vez esta situação.
PENA DE MORTE
Já a nova casa, como um grande es- A moça, que estava cosendo a um canto
qU“ileto, erguia-secoQipleta no seu madei da sala, interveio dissimuladamente na
ramento. Ao la:lo d’ella avultiva-n gran conversa.
des pilhas de sapâ, que eraœ destinadas — M a s eu não tenho vontade de ca-
a cubi'irem a cumieira; e junto das pi zar-me, p'^pai ; estou muito creança ainda.
lhas, em enormes buracos, levoiviam-se — Ora vá d’ahi, atalhou bruscamente
as enxadas amassando o barro para su- Francisco Benedicto ; quem sabe se vocô
papar «s paredes. deve ou nâo deve c-.sar sou eu ; póde
O vendeiro, que tinha coatribuido a^saz mecter a viola no sacco.
para a rapida promptifica>^ão da casa O que pass'ju no coração de Antonica
travou conrersa com Fi anoisco Benedic- é indiscriptivel, mas, a julgar pelo seu
to a respe.to m casamento.’ semblante, 0golpe foi tremendo. Ella nada
— Entáo, seu Chico, é d’esta ou da outra respondeu, mas o seu olhar fulminou,
que ha de s ahir o casamento. com a indignação e o despreso, o pertur
— A sahir, seu Vianna, ha de ser bado vendeiro.
d’aqui, com o favor de D us. Aquella Convencid >de que Antonica submetter-
amaldiçoada casa não me vê mais dentio se-iiia á vontade de seu pai, Vianna es
de oito dias. merava-se em multiplicar obséquios ao
— Está-lhe com muita gana hoje, mas aggregado, todos os dias de manhã vinha
já gostou bjm d’ella. encontrar-se com eUe no casarão e d’ahi
acompaohava-o á casa nova, onde não sa
— O passado, passado, Hoje até me
poupava no trabalho do embarreamento.
parece que se o casamento sahisse de lá
Era chegado o dia em que se devia dar
voi'ês haviam de t-er infelizes, tem-me
a ultima de mão á obra ; faltava apenas
acontecido alli o diabo ; estou com os ca-
embarrear algumas paredes interiores e
bellos brancos.
assèntar as portas e jsnellas, que não
— Na verdade deu-lhe agua pela barba. eram muitas.
— A'üoceu me a Antcmca prcseguiu Todos os amigos de Francisco Benedicto
Francisco Benedicto, que oesle a queda apresentaram se logo de mannãsinha
no no nunca mais teve saude ; Chiquinha para, em companhia da familia d’este,
está que parece opilada,e se ella já tivesse festejar o final da construe* ão.
ido á igrojabem se podia dizer ao marido Emraucho festivo partiram para a nova
que era tempo de tratar das toucas de lã; casa, acompanhados pelo aggregado, sua
a minha Mariquinhas, que era d’antes mulher, o Juca e Mariquihhas. No casa
um gaturamo, que passava os dias can rão ficaram Antonica e Chiquinha, cujo
tando, anda-me agora com uma cara de estado dê saude impedia-as de caminha
poucos amigos, nisonha e aoorrecida. rem através do campo, das pioadas dos
— Mas então posso contar com o sim capoeiiões ainda orvalhados.
da sua parte, seu Chico ? perguntou Pouco tempo depois da partida do ran
Vi&nna. cho, chegou ao casarão, silencioso, o ven
— Pclavra de honra ! e vai vêr como deiro que trazia as mãos carregadas de
isto se decide hoje, respondeu o aggre- garrafas e o coração cheio ue alegria.
gado. Antonica vein recebel-o á porta e noti
A ’ noite voltaram para o casarão e ciou lhe seceamente a partida da família.
Francisco Benedicto, chamando sua mu Contrariado psla friesa da recepção,
lher, disse-llle que tratasse de vêr o que Vianna apressou-se em despedir-se. Quan
se haviá de fazer para os enxovaes de do já se havia s ífastado alguns passos do
Antonica. casarão, Antonica fêl-o parar e aproxi
84 MOTTA COQUEIRO
moa-se d'elle, dissimula ndo o odio que Pensa que eu não lhe estimo? E máu
Ihe gerara a persistência do vendeiro no pensar; não lhe estimaria mais uma
desejo de recebei a como esposa. irmã. Pois se vosmecê foi sempre bom
— Ohl seu Vianna, exclamou ella, para mim----e a prova ó gostar ainda
vosmecê está se enganando por seu gosto, de uma pessoa que já lhe maltratou. Mas
ouvindo 0 que papai lhe diz, Ea não escute, eu juro-lhe pop Deus que nos está
quero esse casamento ; e não se deve ouvindo, se eu pudesse... mas não está
obrigar ninguém para esse fim. etn mim, é um feitiço; tenha dó, vosmecê
— Isto é criançada que ha de acabar teve mãi e pai, pelo amor que lhes teve
com 0 tempo, sa Antonica ; respondeu me perdõe. E’ que eu nunca vi veria con
Vlanua dando ás suas palavras uma pun tente.
gente entoação de mofa.—Quer saber, eu Estavam claramente provadas as affir-
apanhei, outro dia uma jarity no ninho ; maçoes de Manuel João; o vendeiro ouviu
levei-a para casa, e prendia-a n’um v i no soluçar da supp ica de Autanica a reve
veiro. Que bonito passaro é a jurity, não lação de um amor profundo, arraigado,
^ ^ Pois esteve bravo e quasi morreu, mortífero.
tanto bateu com a cabeça nas taboas do Não era igual a esta a aífeição que elle
viveiro. Hoje está mansinho como um votava á moça; era uma cousa que im
cordeiro e macio como um vellulo. As pressionava às veze«, mas que nunca lhe
mulheres todas fazem como as juritys j ensombrara a razão ssq er um momento;
amansam-se. Bom dia, sá Antonica nunca lhe arrancára lagrimas e soluços;
A dôr de tamanho escarneo encheu de nunca lhe diminuira ao menos o apetite.
desanimo a debilitada Antonica. A ’s conti Molestou-o, é verdade, o mau trato que
nuas vigiliss pranteiadas, que eram o seu recebeu da sua noiva, mas do mesmo
viver desde que ouviu a seu pai a senten modo que o melestava a firmeza de um
ça que tanto lhe torturava o coração, a freguez quando, para não chegar ao preço,
moça debatia-se em meio das mais atro ia fazer negocio em outra venda. Demais
zes angustias. elle não pensou nunca em triumphar
De um lado flagellava-lhe o seu amor senão em virtude da sua posição de nego
prude^ntemente regeitido, de outro a im ciante e credor do pai de Antonica. O seu
posição cruel feita á toda a sua vida. Do casamento foi sempre, no seu entender,
meio d’e-se flagelle elevava-se-lhe o espi um problema que, mais do que o coração,
rito para logo desmaiar em acerbas in a gaveta do seu balcao podia render.
consequências Ao dar de face com esse mundo de ago
Já não sabia resolver-se, boiava á mer nias plangentes, a sua innata grosseria, a
cê de esperanças, á feição de illusões ca sua alma semelhante ás prateleiras da sua
ducas. Imaginara moitas vezes que as vendola, pouso e attraeção do mosqueiro,
suas lagrimas teriam forças para conven a sua falta de sensibilidade emflm só en
cer 0 vendeiro de que elle só conseguiria controu uma pergunta bestial, e uma
fazer a sua infelicidade, e então deleitava condicção miserável.
em sonhar a piedade d’esse homem com- — E’ a quem é então que sa Antonica
movendo-se diante da sua sinceridade, estima? Se me disser o n om etilvezeu
e salvapdo a de um martyrio sem fim. ceda.
Assimí, pois, em vez de romper como O pudor da moça cobriu com um veu
era de esj-erar do seu genio fogoso, Anto roseo 0 nome pedido, e o seu olhar in-
nica apenvs desculpou-se e supplicou.
flammado, convergindj para o collo, para
Nem sempre as juritys se amansam, esse espesso involucro do coração, fazia
as vezes as coitadas morrem de desespero. pensar na espada de fogo do archanjo
velando áà portas do Elen. Aqui o pa julga deshonrada a mulher com quem
raíso era o cora<jão do Autonica habitajo quer casar, malvaio.
pela imagem do fazendeiro. Apezar da provocação, em vez da la
O pu'iu'0 silencio da infeliz deu azo a mina pr.lida 0 violeiro desfechou sobre a
uma nova grosseria. moça uma gargalhada, très vezes peior
— Entãonãí) tomos nada feito; riu des do que o golpe.
denhosa mente o venleiro. Afinal nao vaie — Descance, Sra. d o n a ..., não ha de
a pena fazer mysterio d'aquillo que todo perder a sua vez ; por ora é colo ; mas
0 mundo stba. não ficará para semente,
— Quem ? intei rogou :Antonica, é um A crueldade dos desdens de Vianna
segredo só meu, e por isso mfsaao deve- contiveram a desgraça ía moça. Ao passo
se ter dó. que 0 insultador, despeitado, aff:stava-se'
— Sim, eu tenho õó de seu pai, que ella quedava perplexa, não adiantava.
vive engsnado e áeshonrado pelo mal Havia de feito entre elles um grande
vado do capitão. charco de lôio ; — era o caracter do ven
— E’ falso; é uma calumnia. Eu já deiro.
não lhe peço nada. Faça o.que quizer.
A sua phctbographia perfeita foi feita
Digo-lhe só isto ; não hei de dobrar me
n’uma phrase de Antonica relembrando o
á vontade de meu pai; não hei dedr atu
insulto que foi vibrado por Vianna, qua ndo
rar as suas maldades, seu malva:i^o; só
lastimou a deshonra paterna pelo capitão.
se quizer c-sar com uma defunta. Era o requinte da hypocrisia fundabu-
Vianaa poz se a rir desaforadamente, ,
lando com a mais negra das torpezas.
e a sacudir o corpo com um movimento Dspois da longa quietação, semelhante
convulso; depcds parou de ehcfre e per
mente 80 que sacode um pesadelo, e por
guntou entre uma g3r.galhada.
que ainda ante os olhos vê as larvas tru
— Fica rre-mo aqui' no casacão, ou o
culentas que 0 sfíligiam, foge ao logar
cspitãu manda f zar casa nova ?
em que dormia e não se liberta da
A vehecEcnna do insulto occasionou
impressão desagradavel senão ' ao ouvir
um verdadeiro sceasso de Icucura na hu
uma vozhum aoa; Antonica, ao recupe
milhada Antvuica. Com uma temeridade
rar a calma após a lueta violenta com
inaudita, a sua mão pequena agitou-sa
o vendeiro, correu ató o quarto em
no ar e, certeira, ine-paradamente espal
que, suspirando á vergonha, e carpindo
mou-se na face do vendtiro.
0 seu erro, Chiquinha madornava a pros-
— A larga faca polida, a companheira
tiação moral que a extenuava.
in eparavel dos rcceiro?, luziu vibrada
A h i, como a criança amedrontada,
pela ríjào possante do vtndeiio; que vo-
subiu apresíala ao leito e conchegou a
mití u colérico uma pungente injuii;.
cabeça afogueiada ao collo de Chiquinha.
Antonica immovel, braços crusados so-
As lagrimas desencadeiaram se-lhe, e,
bie o collo cíf-eganw, o olhar vivaz e
com ellas, um soluçar nervoso.
percudente, espeivu impassivel o desfe
char dog'i Ipe sem pôr dique á sui cclera A enferma sc fíria assaz para saber com.
prehender as cíôres alheias, porque des-
indomável.
— Poles m at.r mc, seu mi>eravel; graçadamen'e 6 preciso adõr para aferir
antes o cHs;: rão do que a casa de um co a dôr.
varde. E’ bté um beneficio; mate-me de Com a V z húmida de ternura e com ‘ 1
uma vez. Mate-me pojque ó a verdade : paixão, escondendo nas palavras o es
eu amo, sim, ao capitão e só elle, qua não panto, Cí iquinha, anediando os Cabeilos
tf-
é mheravelcomo tu, iafím e, hcmem que de Antonica, perguntou-lh e com a delica-
86 MOTTA COQUEIRO
Além d’isso, Antonica e Chiqu'nha, que mas eu não sou o dono da festa, a culpa,
tinham chega^lo por ultimo á reunião, con é to la óo Vianna que, sempre que a
servavam-se visivelmente tristes, e man gente fs-l a no caso. fica extranhão como
tinham tão granle reserva com os cir- Qtna creança de peito.
ciirnstantes que foi nece-sario explicar — Pois isto não 'se faz aos amigos,
peln moléstia esto facto inesperado. Sr. Viaana, continuou o subdelegado, á
No fim do jantar o subdeleg do Oliveira, me tida que cammhava para o vendeiro.
a quem já o gárrulo aggregalo havia an Pondo lhe dep >is as duas mãos sobre
nunciado o proximo enlace de Antonica os hombros e sacudin to o amigavelmente
com 0 vendeiro, admirado do aífasta- proseguiu:
mento requ ntíido entro os noivos, acer — Já tem padrinhos, seu maganão? O
cou-se do inspector André e disse-láe sei^^redo n’estes negocios é grande tc-
muito á purioa ^e: leima.
— On! seu André, nao lhe parece que
Vianna, poréta, não deu em resposta
anda caça escondida n'este matto ?
senão 0 riso alvar da acquiescencia con
— V. S. que 0 diz é porque é ; mas
trafeita e Antonica denunciou cl&ramente
também se ha é tão arisca que na de castar
a repugnância que lhe causava a audição*
a sadiir da tóca.
de ptlavras referentes ao consorcio.
— Pois bem, fique você na espera, com
— E’ novo isto, exclamou Oliveira, os
todos cs cinc;o sentidos, emquanto eu vou
noivos parece que se zangam com a gente
pôr-lhe os cachorros.
porque lh«s falia no casamento O Vian-
— Mais fucil é S''r mordido por uma
na está macambusio como um boi mor-
jararaca do que arredar pé um momento,
di'70 de cobra, e a Antonica amarellou
respondeu o inspector, aproveitando o
como uma fiôr de abobora E tá bom, está
encbixe para um ri jo ;-ipigarrado cie adu
bom, nãosecasam, nSo ; quero é que disse
lação.
que vocês se casavam ? Ora é boa, não
A ’ pouca distancia d’estes interlocuto
faltava mais nada ; calumnias I Ha muito
res conversavam muito intimamente o
ryiá-lingua n'este mucdu.
vendeiro e o vU-lei o. Qr*ves questões
Uma risada estrondosa acolheu o gra
debatiam a julgar p?la gesticulação an -
cejo do subdelegado, que resosijou-se in-
mada e um cerio ar de irresoíução que
t^^riorment» com a cert za de ter desco
envolvia o vendeiro.
berto o segredo dos noives, e. satisfeito
O subdelegado tomou nota do que se
com esf-a Victoria da sot» pet spicacia, mul
passava entra os dois e bem assim do olnar
tiplicou os epigrammas, com o fim de
attento com que Antonica os seguia, não
c< n egüir pela irriti,ção o que não podia
obsUnte parecer compietamente absor
obter espontaneamente.
vida em uicí-, eOiWsr ^ação com Cbiqui: ha.
Batendo a?, palmas joviaimente, Oüveira —‘ Já hsvia-me passado pela cabeça uma
achou se logo cercado por todas as pes idéíi, disse elle ; era servir de padrinho ao
soas presentes, a começou n * tom mais Vihnna.se isto fosse do seu agrado, e nã j
b. )UV9sr.e p-'SP03 m^is consrler&da jáconvi-
cordial oie mamotia . e Itoaens;
— Para aqui junto de mim, Sr. CV-iico 1 dadi.. Depois eu disse com os raeusb- tões:
eu não mett- prego sem e t pa. D ga-rae oão, não me oífei aço ; o Chioj é *á aegre-
gs 70 do capitão e h.a de quere' que elle
cá nã »se faz m os convites para o recebo
seja o padrinho ; já lhe deu a bapt zar
a vóx ? Ande !á que parece querer dei
uma filh a ...
xar-me ficar no tinteiro ?
— Bom failado, meu senhor, muito — Mas hoje, interrompeu o sggregado,
hem failado, respondeu o aggregado; não lhe dou por meu gosto nem um côco
88 MOTTA COQUEIRO
d’agua. E' bichinho que entra com pés de Na porta do casarão, cora o chapéu de
lã e dep'>is ari*«nha e morde. lebre na mão e i o to carrancudo, assomou
— Kto é O que ^rocê pensa agora, mas Faustino Silva, que apenas saudou o
antes elle era o seu deus; e o Vianna ainda aggregado e secs hospedes, e logo reti
hoje não tem razão de queixa. Não é ver rou se depois de t^r entregado a Fran
dade, santinho ? cisco Benedicto uma carta que lhe era
— Queira perdoar vosmecê, seu subde dirigida pe’o copitão Motta Coqueiro.
legado, mas eu hrje estou um pouco Um movimento de sorpreza descorou
doente e vou-me chegando á casa, respon todos os rostos e ainda os mais corajosos
deu 0 vendeiro. estremecera Oi involuntariamente. De feito,
— E dispensa uma companhia ? inter era singular que em tão pouco tempo de
rogou Oliveira. auseucia já o fazendeiro tivesse motivos
— Está visto que não, até gostarei. urgentes para dirigir-se ao seu compadre.
Pois n’este caso eu 'frou comsigo; a A pedido de Francisco Benedicto, o sub
conversa abrevia muito as viagens. delegado colloccu os seus oculos, quebrou
— O melhor é irmos todos, ponderou a obreia da carta e leu com voz pausada:
Sebastião; não ha nada mais a fazer aqui « Compadre,
e para palestrar estamos muito melhor
« Ao sahir do sitio finha-lhe pedido que
lá no casarão.
se apressisse a fazer a sua casa no logar
Quando o farrancho ia a entrar na casa que demaiquei para servir-lhe de situa
do aggregaio, o violeiro, apontando para ção. O tompo que o compadre gastou para
0 porto, chamou a attenção geral para levar a eífêito esta condição do trato que
essa parte do campo.
de viva vez fizemos, quando entrou para
— Parece que chegou canôa da cidade
nossa casa, faz ma crer que o ccm jad ie
e se não me engano aqu^lles que !á estão
ainda não ctmeçtu o tivb.dho, tu que
no poito são 0 Faustino Silva e o Pe
regrino. não 0 terá muito adiantado. Aconselho-lhe
agora que ou não comece, o‘z pare a
Dentro em alguns minutos não houve construcção.
mais duvida ; as pessoas que estavam no A razão por que lhe aconselho i-to é ter
porto, com os remos ás costas e cestos á deliberado montar melhor o meu sitio, e
cabeça, tomaram a direcção da casa tirar proveito d’elle de todos os modos.
grande. Sabe o compadre que o sitio não tem
— Agora não sai ninguém d 'aqui, grande extensão e por isso não posso
exclamou o aggregado ; o Faustino ha mais dispensar terras para estabeleci-
de candongar por força ao amo e eu mento de aggregados ; ao contrario pre
quero metter-lhe ferro por saber que ciso de adquirir maior terreno.
vocês estiveram commigo. E’ uma paga- Proponho lhe um negocio que lhe sei á
sinha dos desaforos que me tem feito. vantajoso ; o compadre passar me-ha por
E’ direito, muito diieito ; acrescentou o uma avaliação as suas bemfeitorias e fi
violeiro ; mostre-se áquelle inchado ca cará morando no casarão até que eu lhe
pitão que a gente não morre de caretas. possa arranjar um outro fazendeiro que
Todos concordaram cora a resolução tenha terras devolutas.
do aggregado, patrocinada pela arrogan- Recommendü-me a todos e faço votos
cia do violeiro, ainda que não muito por para a inteira cura da Antonica. »
vontade do subdelegado e inspector, que — Não se p é ie c iê r em tanta infamia,
só ficaram para não mostrarem-se me exclamou o subdelegado, ao terminar a-
drosos. leitura.
1'K N A MORTE
— Eu já esperava por esta, ajuntou Se uma porta, sahiu por outra e manda el-
bastião ; elle é ccpaz de mais ainda. rei que conte outra.
Francisco Banedicto vocifai’sva como A applieação da historia contada p-;lo
um poosesso contra o compadre, e lasti violeiro era facü de ma s para que todos
mava-se ao mesmo tempo, e concluiu por immediatamento não a fizessem. O sub-
uma interiogação e uma ameaça. delegado que desde o priucipio do couto
— Eu só queria saber quem fci o demo- percebeu onde elle ia bater, desejoso de
nio que me indispoz d’esta sorte com o tornar mais explicita a censura, que
diato do malvado ; havia de motl o a tanto infamava Motta Coqueiro, reteve a
pauladas ; désse no que dósso. erupção da cólera de Francisco Beneâicto,
— Nada é mais simples do que descobrir ponderando ao violeii-o;
a causa, interveio Vianoa ; procure bem — Ora, oot.o cflicio, Ssbastião, isto é
por aqui mesmo ; indague bem di-ntïO de uma historia da carccha.
sua casa e verá. ~ A's vezes são verdadeiras, respondeu
Todcs clharam-se espantados, e cada 0 violeiro, e e^ta é, ea lh’o juro.
uca sentiu-se vexado como os apostoks Vianna que, depois de atirar a suspeita,
quando o Ghristo annunciou a soa próxi S3 havia calado, collocou-se então na
ma tr.iição por tm dos que ocm elle fieate de Fraocisoo Benedicto,cujts mãos
se reuniam no Cenacnlo. segurou, e disse, voitaudo-se prime.ro
Antonicafoi quem scffreu o golpe mais para o subddegado e depois para o ag-
rude ; tinha a certeza dolorosa de que as gregado:
palavras de Vianna eram o prologo de — Infelizmente ha historias da cai ocha
uma vingança desapieoada e inexorável. que são verdadeiras, e aqui temos uma
Sentiu faltarem-lhe as forças e não pôde prova. Seu Chico, escusado é ir longe
retirar-se da sala, como era seu desejo. buscar o seu inimigo ; Antonica póie
— Eu vou contar uma historia, excla dizer 0 qne ha cvm o ciyhtão.
mou Sebastião no meio da perplexidade 0 effcito das palavras do ven.-.eiro exce
de todos ; é uma histeria que me conta deu á mais esleulada espectativa: aama-
ram ha muito tempo. Havia um trabalha rellidão cadaveiosa quo tingiu as faces
dor já idoso que tinha muitos filhos, de Autcnica, o tremor convulsivo que a
enti‘8 os quaes algumas moças, que to los obrigava a tirit&r, o stupor chifpanta que
diziam ser muito bonitas. Um dia o ve estagnou-lhe o clhsr faziam pensar a
lho achou-se meio do matto sam casa todos os circuiEstantes não em um pro
onde morar, sem trabalho ; uma des testo dclouso a uma efiensa puugeníe,
graça. Um faztndeiro da vizinhança mas.em uma confissão estorquida de su
mostrou ter dó dMIe e oh amou-o para a bito a um sígillü que se julgava invio
sua casa, mas infelizmer te o velho tinha lável.
filhas que eram umas joias, e o fazendeiro E tinha justificação eloquente a pertur
goàíou cTellas. Queria d’este modo cobrar- bação da õesventurada moça; pebre^e-
se do favor que tinha feito. O que houve o rola perdida em um e. teiqoilinio de ca
que não houve entre as moças « elle não racteres em decomposição, sentia se ali
sei, não me contaram ; o certo é que nhavada pos fariaprs sordidos de uma
desde que as moças foram pediàas em vingança baixa e v llã.que, sem coragem
casamento o fazendeiro começou a mal para um desforço não já em uma iucta
tratar e a perseguir o pai a quem tinha de honra, mas sequer em uma embos
antes protegido. cada, lançava mão da intriga e por dia
Ora eis ahi como foi o caso ; entrou por espejava-se em uma alegria insensata.
90 MOTTA COQÜÈIRO
OU A PENA UE MORTE
— Ora adeusj Lucio ; ea n 5o estsu dor foram os que se seguiram logo á chegada
mindo . á sua chacara em Campos.
Dapois de sepa ^arem-se, o violeiro per Lançando um olhar retrospectivo á cons
deu a apparencia de calma que o revestia ciência descobriu ahi algumas sombras
sempre nas situações perigosas. Iaámf;rcê tristonhas, mas tão delgadas e diaphanas
do Suspiro que, abanando as longas ore que desde logo acreditou que para dssfa-
lhas, retardava cida vet mais a sua mar ze-las bastava um so^ro de raciocinio e
cha lerda, resignação.
Quando entrou em casa, respondeu á O isolamento em que vivia no sitio e que
anciedade de Manuel João com um sub constrangia-o a diminuir até a attenção
terfúgio e fui sentar-sé calado e a fumar intellectual para que pudesse ser compre-
em um canto da casa. hendido pelas pessoas com quem estava
— Que tem você para ficar assim em- em immediato contacto; semelhai te iso
buriado, homem, falle porque isto diz-me lamento foi substituído pela convivência
também respeito ; perguntou o ex-feitor. polida e delicada de uma sociedade intel
— C le-se d’ahi, seu maricas, isto é o ligente 0 desdobradaem pensamentos para
fructo das suas trapalhadas. a familia e para a patria.
Os dois recahiram em absoluti silencio, Desde a manhã era visitado por amigos
e assim eonservaram-se por largo tempe. que intermeiâvam as conversações fami
Afinal surdiu atravez do incommode de . lières com observações judiciosas acei’ca
ambos a alegria expansiva do violeiro. do movimento social, e assim chamavam-
— Estou ficando tão ruim como vocês ; lhe o espirito para a actidade sadia dos
assusto-me por pouca cousa. Contaram-me espiritos educados.
uma fabula-que é a minha felicidade, e Vivia n’ama especie de aturdimento
no entanto eu flquei ame’ rontado. Mas intimo ; tal era o atropsilo das questões
passou ; vamos á prosa, seu Manuel J< ão. que era ebrigado a discutir e apresentar
Os dois sentaram-se a fumar descança- solução, e foi’ça é dizer que semelhante
damente, emqnanto o violeiro narrava os estado sgfadava-lhe, porquanto redunda
snccesscs do dia. va-lhe em um como soterramento das
O plano msgistralmente urdido pelo maguas domesticas.
violeiro produziu resultados tão exactos A chegada de Motta Coqueiio era espe
6 precisos quanto graves e tenuveis. rada com anciedade porque uma vira-
A calumnia, a intriga, e a dissimulação, volta política tinha abslado o partido
entrançadas em uma teia consistente, en consarvadiir campista, do qual o fazen
laçaram-se como um baraço assassino ao deiro era membro proeminente e influen
socego e^d scuidos íntimos das duas fa cia decidida.
mílias, e estrangulararo-os desapiedada- O abílo tinha sido produzido por uma
mente desastrada mudança na chefia do par
A existenóia de Antonica, vei'ticiliada tido, não por serviços prestados, mas por
em risos eillosões juver.i?, transformou- um simples despacho do governo, que
se em uma serie de humilhações pun dava a direcção da familia conservadora
gentes, e 0 fazeadeiro viu também succé da localidade a um novo juiz de direito
der ás prasenterias do lar o retrahimenío nomeado.
da esposa, ferida pela de. confiança na Esse homem, que começava então a
sinceridade do seu affecto. sua carreira politica, pen.-ando em tirar
Para Motta Coqueiro s<5 houve, depois da sua posição proveito, rnsis util á sua
do penoso conhecimento da affeiçâo de pessoa do que aos interesses do psrtido,
Antonica, algans dias detranquillidade : inaugurou a sua direcção concentrando
94 MOTTA COQUEIRO
7
bir-se, nem também que a arbitrariedade conter as invasões das outras.
[fiï-r
98 MOTTA COQUEIRO
As pe quiz’ S cio sub Idegado e do ins dl u lhe com a maior ingenuidade pos-
pector provararu, poréoi, qua semelhaot sivel:
fcupposivão era mais um producto moní- — Os nomes que mais assentam em
truoso da imaginação encadt'cida do ag creaaças bonitas são Francisca e Ma
gregado, e âzeram-o ver claramente a nuel.
verdadeira cansa da ausência de Chi-
Não havia, pois, nenhuma duvida para
qninha.
Chiquinha. Olhos demasiado curios^is e
A moça tinha sido raptada pelo vio ânimos pessimistas já penetravam o seu
leiro. : egredo, e ss palavras destaca das, e os
Em consciência, este desgosto tinha epigrammas apparentemente despreten-
sido dado á familia de Francisco Béné ciosos acabariam por dispertar a attençâo
dicte mais por vontade da raptada do geral e perdel-a nu conceito de seus pais.
que pela do sej actor. Apegou-se, pois, a uma derradeira
A tia Balbina adv< rtiu á moça de que esperança : consultar a t a Babina; mas
ella não poderia ficar nem mais um mez da consulta rasait u a certeza doiorosa
na casa paterna sem que o seu estado de que não era possivel illudir por muito
fosse conbeçi »o por todos. tempo. Então, impellila pela vergonha,
De feito, o proprio Francisco Beneücto indbtiu com Sebastião para abreviar o
repetia por vezes o gracejo acerca da mo consorcio, e finalmente subaiètteu-se á
léstia de sua filha : unica Solução que o violeiro achava
— Era caso para perguntar-se quanlo rasoaval — a fuga.
era o baptisado, se o Sebastião já tivesse Certo da deslealdade do amigo, Fran
effectuado o recebo a vos. cisco Benedicto descortinou por alguns
E phrase ainda mais sigiãflcativa disse dias a serie da males que o esperava,
o inspector André na noite da mudança coinpre.'ienlou que não tinha junto de si
para a oasa nova. 0 apoio decidido e leal com que contava,
Para testemunhar o seu júbilo pela en, e nem ousou v ngar-se de Sebastião, nem
trada de Francisco Benedicto no numero a continuar com as provocações ao fa
dos pequenos proprietários da localidade, zendeiro.
0 inspector não só compareceu á brinca Sentia, tarde já, que a inimizade com o
deira^ que fui preparada, mas também seu compadre punha-o inteiramente a
concorreu com uma leitôa. de.'coberto dos insultos de tola sorte, ao
Ao entregar o piesente ao aggregadu, passo que os seus amigos Oliveira e André
o dissimuladis>imo André disse >tra\ez adiavam sempre a punição d’elles.
de sua gainofa maticios < e perenne: Nao tinha em quem Cjnfiar. O Yianna
— A minha brinquinho deu-me nada iulia coitado c mpbtamente is relações
menos de uma d u z ia de leuõas d'ess* bar- comsigo e sem que Francisco Beneücto,
rigada : uois d’elles são para esta casa ; por um t insignificância qualquer, lhe ti
um cá tstá, 0 outro virá no dia que sa vesse oífendido, peiseguia-o pela divida
Chiquinba sabe. euntrahida na sua vemiola.
Ainda a impressão d’estas palavras não Os seus amigos, auctoridades dologar,
se havia desfeito, aim a a insinuação im longe de promoverem a conciliação dos
piedosa que tinha feito feria os brios de dois, tinham aié concordado com o Yianna
Chiquinba, e nuvo gulpo, e este mai» cer que o melhor meio de cobrar a conta era
íeiro e profundo, foi de.-fechado polo ms ebcer penhora dos bans do aggragado.
doctor. Além d'esta queixa uma eutra veia ee«
Acercando-ee da moça, André segre* friar a confiança entre os amigos.
ou A PENA DE MORTE 99
Uma tarie Mariquinhas desceu para ut» Em passando as pleições falle oommigo.
rib?irSo que serpeiava algumas braças O desengano era por demais expressivo
distantes da casa. e não havia contar com a punição do ex-
Aatonicaesua mSi, sentadas no terreiro feitor.
e occupadas em costurar, ouviram o can Todos esses acontecimentos que sobre
tarolar monctono da moça, que tinha ido maneira entristeciam o aggregado tinham
dobrar a roupa lavada. influencia bam diversa no espirito de Aa-
De repente, a monodia esvaeceu-se e tooica.
alguns minutos depois era substituída por Firme na sua sffaição pelo fazendeiro,
gritos de sooccrro soluçados do lado do cujo caracter nobre e g neroso coobeoia
ribeirão. perfeitamente, cada uma das deceoções
Correndo apressadas para lá, Antonica que seu pai recebia, cada offensa que fa
e sua mãi reoebeiam nos braços Mari ziam lho os seus suppostos amigos, eram
quinhas, pallida de susto e offc^gante de motivo de alegria para a moça que u'esta
causaç . O corpinho do seu vestido estava sorte via vingado o e eito dos seus sonhos.
quasi todo dilacerado e pelo pescoço da As suas fmes que tinham perdido a côr
moça merejava o sangue d’entre arra agradavel da t-aude, iam agora readqui
nhões extensos. rindo-a, e os lábios, que pareciam ter
Quando Mariquinhas recuperou a calma desaprendido as crispações leves dos sor
e poude fallar, interrogada pelos seus risos joviae^, já abriam se agora, rubros
insist^ntemeate, respondeu, fundindo-se como pétalas de rosa, para darem pas-
em pranto. sagfm a francas risadas.
— F o i.... f o i.... um quilombolal Os olhos, amortecidos outr’ora, tinham
O irmão de Mariquinhas, assim como px’esentemente o brilho peculiar da tran-
seu pai tinham corrido immeliatamente quillidada e os clnares escarninhos e
attrahidos pelos gritos, mss ao passo que uusãdos que lhe eram congênitas.
Francisco Bane-dicto correu para a fi ente Dava-se em Antonica uma verdadeira
da casa, Juca Benedicto diiigira-se para resuneição; ss ciazas tristes do coração
os fundos. da moça, as mortas chimeras da mocidade
Quando chegou á casa, o rapaz per* recompunham-s6 e afeiçoavam-se pelo
guntou se não tinha e- tado ahi o ex-feitor divino galvanismo do amor.
— Não! respondeu Antonica, admirada. Antonica era da novo feliz, porque
— Pois não se me dava jurar que eu não contava com a inconstância da
vi Manuel João correndo para dentro da fortuna.
matta, e até lhe fiquei obrigado pelo ser A amisade do violeiro e do aggregado
viço. Você nSo o via por lá, Mariquinhas? não demorou a I'eat^r-se por vínculos in
A moça meneiou negativamente a ca dissolúveis na vida. A necessidade reci-
beça, mas os seus soluços como que do pro s era o nó que os pi endia e desdal-o
bravam de força. era um porigo cujas consequências fu
Convencido de que era o ex-feitor o nesta-« já a experiencia podia aquilatar.
auctor das ferimentos de sua filha, o A insctividade, em que Francisco Bé
aggregado foi pedir providencias ao seu nédicte jazeu durante o tsmpo da indis
amigo inspectoi', mas este respondeu-lhe posição com o violeiio, provava exube-
serenamente ; rantemente o acerto da alliança, e por
— Dei-cance, seú Chico; eu por ora não isso mesmo o pai de Chiquinha não duvi
posso fazer nada; as ele^ões estão pró dou aceitar as desculpas que lhe foram
ximas 6 eu não hei de recrutar o rapaz offerecidas pelo am:go.
que já me promettcu votar comnosco. Bem simples foram estas.
100 MOTTA COQUEIRO
Sebastião confessou-se culpado de If sa- a carta ; por força ha de ter dado ordem,
amisade, mas attenuando a sua culpa ou ha-de mandar dar ordem aos escravos
pelo iiEpossibilidsdô de resistir a toiTCute para me fazerem uma espera. Livra te
das circumstancLas que o arrastou na sua des ares que eu te livrarei dos m ales;
cnda vertiginosa. foi o que eu pensei. Indo todos cs dias á
Chiquinha padecia a olhos vistos ; não sua casa, seu Chico, era fácil uma escora
tinha mais a frescura da mocidade, já no e depois quem perdia a vida era eu, por
seu semblante não brilhava o plenilúnio que 0 diabo tem muito dinheiro para com
ds paz intima que se esbatia em sorrisos prar a justiça.
deseuidescs, em galanteies drlicados. — Nã-o falleraos mais n’isso, SebastiãOf
Ao contrario: as lagrimas destruiám-lhe decidiu Francisco Benedicto; o que lá
a pouco e pcuco a graciosa carnação do foi lá foi, tratemos do dia de amanhã.
corpo, e, como os tíeposit s sedimentares O armisticio involuntário que tinha silo
a contextura primitiva do mundo, altera comjeáido ao fazendeiro estava deflniti-
vam-lhe a harmonia dos contornos, e a vamente findado pela volta de uma das
regularidade feerica das feições. potências belligerantes ao pacto de guerra.
Semelhante ao passaro cujas azas foram Cumpí*?, entretanto, aílirmar que as
molhadas pela tenpestade, e sem tentar novas operações reduziram-se a simples
um voo queía tristemente pousado no escaramuças com o fica de arranjar pro
galho seceo de um pequeno arbusto ; Chi visões.
quinha, sentindo ss suis aspirações pre- Um serio conííicto, que evitou-se por
sentemente cerceadas conservava-se re uma felicidade quasi milagrosa, acirrou
signada no seu desconsolo. os odios e reaccendeu o fogo dos commet-
Mas 0 passaï’o entristecido lamenta-se timentos.
em pios plangente.j; assim também a moça O feitor Fidelis acompanhara alguns
desventurada carpia h sua desdita em dos seus parceiros ao mandiocal, para
flebeis suspires. arrancar-lhe as raizes nutritivas. Ahi
Havia só dois caminhos' para mira, encontrou o Juca Benedicto provendo-se
accrescentou ainda o violeiro, ou aban iü i.vidamente ; e e :te, longe de descul
donar a infeliz Chiquinha, o que seria a par-se, continuou no seu furto sem dar a
sua morte; ou adoptar um meio qualquer menor importância ao feitor.
para aviventai’ lhe a espei’ança, até que ^ Olá, exclamou Fídelis, isto ó então
seja possivel effectuer o consorcio. roupa de francez, ou casa de viuva ?
Prevenindo a objecção muito procedente/ O rapaz, sem responder palavra, e fin
— ninguém na casa "de Francisco Bene- gindo não ter visto os recem-chegados,
dicto impedia-lho as visitas e familiarida nem mudou de posição. Todavia como ti
des, 0 violeiro defeateu-sa iQ.go com a vesse arrancado um pé de mandioca, em
conversa que Lucio Ribeiro disse-lhe ter vez de quebrar simplesmente o caule frá
ouvido a Fâwstino. gil, tirou da cintara uma larga faca de
O resultado das explicações do atiiado m -tto e com ella decepou as raizes. Em
Sebastião foi não só o per tão, mas tam seguida tomou a rama do arbusto e a re
bém 0 reconhecimento do aggregado pela petidos golpes partiu-a em pedacinhos.
coragem ccra que o seu amigo se expu Feito isto passou a arrancar outro pé.
nha aos golpes do fazendeiro. ^ Formiga quanio quer se perder cria
— Já vê, seu Chico, as cousas como aza?, resmungou Fidelis; e levantando
se passaram : eu mandei dizei* a D. Maria logo a voz, bradou : ohl seM Juca, você
0 que fazia por cá a joia do marido ; elle errou o seu mandiocal, este é de meu se
já sabe que fui eu quem mandou escrever nhor.
/
ou V PEN.V DK MORTE lOt
0 mesmo silencio provocadov fci guar — Ora os'á ahi a cousa, veiu buscar lã
e sahiu tosquiado, disse Fidelis. Pai Do
dado pelo filho rle Francisco Bòne; icto.
mingos 1vá basear a mandioca arrancada
Fidelis coinprehendeu que o desejo do
rapaz era brig&r, ej jostamente oííendido pelo ladrão.
O preto obedeceu, mas de volta parou
na sua auctoridade e qualidade da re
presentante do proprietário lesado rompeu junto do feitor e disse-lhe com o tom de
por sua vez a provocação. uma inabalavel resolução ;
Chegando-se pai’a mais parto de Juca — Fidelis, eu não quero mais vir tra
Benedicto, começou a atirav-lhe peque balhar com você n’estes logares ; você
nas pedras a princioio e depois outras,que acaba dando trabklhcs ao meu senhor.
podiam perfeitamente ferir o intruso. — Vamos com historias, pai Domingos,
reapon ieu 0 Rite r ; faça 0 que se manda
Oh ! negro, gritou Juca Benedicto, não
me obrigues a fazer com que conheças o e dê ao diabo o que s' ba.
teu logar ! Olha que o sub iehgado ainda O incidente, que acabamos de esboçar,
foi o novo rastilho ás explosões de odio
tem bacalhaus em casa para quebrar a
prôa aos perrenguís malçriaios 1
por parte do aggregado, e os accintosos
O feitor ouviu calmo a terrível amesça, desmandos d’eite foram de novo levados
e por unica resposta arremessou um pro- ao conhecimeiito do fazendeiro, que em
successivas cartas exprobava-lhe taes
jectil que foi cahir junto a Juca Beae-
actos e concluía por um estribilho inva
dicto.
— Eu vou mostrar-to se estou brin riável :
Se o compadre cão está bem no sitio,
cando ou fallan io sério, gritou este.
nada mais facil do que abrir preço ás suas
Impellido pelo calor dos dezoito annos,
0 rapaz empunhando a larga faca, líeitou bemfeitorias. AssiraJlevi taremos questões.
Nenhuma resposta era dada ás judicio
a correr para Fiieiis, que o esperou
sas considevfiçoes e benevolos conselhos
serenamente. de Motta Coqueiro., Com referencia aos
Quando separavam apènas alguns pas
neg'.cios do sitio tinha por ultimo sabido
sos o aggressor e o s .u'eiido, este, levan
que Fi'îelis já se vira obrigado a apontar
do ao rosto uma espingarda que tinha
a sua espingarda contra o fi.ho do ag-
escondida por detraz de si, gritou com
gregado. "
accento escsrninho. A gravidado de semelhante noticia d ;ci-
_Arreda-te d'ahi, fliho de cobra, ou diu Motta Coqueiro a passar alguns dias
eu f.íço-te 0 braço em dois pedaços. no sitio, para certificar se da verdade dos
Acovardado pela perspectiva da morte aconteciluentos que Ihé eram ccmmuni-
qne se lhe antolhava, o rapaz voltou cas cados.
tas. e abaixando S I para encobrir-se com A Sra. D. Maria acompanhou-o a esta
a folhagem do man liocal, tiesappavecau viagem com o intuito de avigorar s eoer-
rapidamente. gia <?o raariio, qurnio a cumpaixao o
Entretanto era dispensável tamanha ra vie se enf''aquecer.
pidez. Q iando o foitor levou a arma ao Chagando á r.ioit-3 e inesperadamente o
hombro, um pulso vigoroso havia pren fazendeiro não deu tesufo a Francisco
dido o cão da e-piügardi. e assim impe Benecicto para pr; v^nir-se, pm'que no dia
dira 0 tiro. seguinte de manhã, í nte-i que se soubesse
Tal movimento de pru enciãeffectn cu-o da sua chegada, dirigia-se logo á casa
o preto Domingos, que acompanhava o nova.
feitor e que sssijtla èa provooaçõea com a A Sra. D. M-r.ia, que conhecia melhor
fleugma natural que o carr.ctotisava. do que seu mari ío o gênio traiçeeiro dos
m MOTTA COQUEIRO
habitantes do interior, não permittiu que seio envaidava se com o colorido azul
0 fazendeiro fosse inerme sozinho á en de.amfiiado das meias.
trevista com 0 seu compa lre; fel-o acom Dèp is de alguns passos, voltou no-
panhar por dois pretos da confiança e vamente á casa.
robustos: Domingos e P^r^grino. O Juca, bradou elle, põe nova carga
A presença de Motta Coqueiro na casa á espingarda e não arredes pó do terreiro,
do aggi-egado foi para este um choque Dirjgindo-se depois á Mai iquinhas, que
de pavoroso sobresalto. viera com sua mãi espial-o á porta, sorriu
1 ratou-se das bemfeitorias e dos abusos, mostrando os cientes eí caros, e, estenden
e o fazendeiro condemuou S8 ''eramente o do a mão que a moça beijou, disse :
procedimento desleal de Francisco Bene-
Cautela e caldo de gallinha nunca
fizeram mal a doentes Eu não quero que
dicto, terminando por apresantar-lhe a
unie a solução rasoavel.
você volte-me de novo arranhada para
— O compadre está mal acommcdado casa, e a cousa fique sem castigo.
aqui, desconfli de mim, e não póde dar-se Da novo afastou-se da casa e andou
bem com os escravos. Venla me as bem cerca de dez braças; mas parando de cho-
feitorias, que lhe pagarei c«m vantagem, fre bradou sobresaltado:
e mude-se. Eu o£fereço-lhe já duzentos “ O’ mulher 1 onde está a Antonica ?
mil réis. Serve-lho o preço ? Não lhe puz hoje a vista em cim a...
Humildando-se miseravelmente Fran Mande-a cá para lançar-lhe a bençam.
cisco Benedicto apenas peliu tempo para O velho havia parado junto de uma
pensar quanto ao preço, porque estiva toceira de bananeiras que abriam coroo
tarabem deliberado a mudar-se. Basta um leque as suas folhas novas e inteiri
vam-lhe só mente dois dias de espera, no ças, ainda cobertas de um verniz côr de
fim dos quaes elle diria o que lhe con pérola devido ao rocio da manhã.
vinha. Sabindo de traz da toceira. com voz
— Pois bem, compadre, respondeu o fa tremula e melancólica murmurou Anto-
zendeiro ; ande com isso por bem paia uica:
evitar a entrada da justiça n’e.sta negocio. — Eitou aqui, papai, a bençam!
O aggregado ouviu tudo submisso, mas — Então fez madrugada hoje? por onde
logo que o fazendeiro sahiu, mudou radi andava?
calmente da modos. Chamou sua mulher — Eu fui lavar o rosto no ribeirão.
epoz-se a blasonar c/m ella : E tás com cara de quem fugiu com
Viste, mulher, já está manso como medo do compadre; e deixa lá que tinhas
razão.
um CO deiro. Ha de pagar-me bem o ti’a-
balho, se qaizer que eu me mude. Agora Antoaisa abaixou os clhos silenciosa;
vamos verquem é que póde mais. Aprom- e o velho poz sa logo a caminho, levando
pte-me a roupa, mulher, que eu vou en- a certeza de ter comprehendido a razão
tender-me com o subdelegado e o ins do movimento dos olhos de Antonica.
pector. Enganava-se. Ao ouvir a voz de Co
queiro, Antonica sentiu a alegria que é
D’ahi a pouco Francisco Bane licto sahia fscil imaginar; a alegria de rever o ente
de casa vestido com uma calça de ganga ama.to,que ausente mesmo ia-lhe apouco
amarellu e um paletot de riscadinho côr e pouco absorvendo pela saudade toda a
de rosa abotoado sobre uma camisa que existência.
0 anil tornara côr da sanhaçú. De um Quiz primeiro vir á sala fallar-lhe, mas
manguá atravessado sobre o hombro, refiectiu a tem;,o que este expediente
pendia-lhe o par de sapatos inglezes, cujo trahii-a-hia.
103
Lembrou-se então ias baaaneir s; (i’ahi caf-Zíl de mais de qu-nhentos pés, roças
pofíia fitar ternameote o fazendeiro,nutrir- da mandioca, milho, etc., e veja quanto o
se a farta de sua imagem, com isempçâo, capitão deve pagar. Tolo será seu Chico
com avareza, sem temer que indiscreta se estiver pelo que o bicho quer.
curiosidade a viesse sorpeehender. — Mas 0 compadre não disse que os
Tomando uma tosilha, sahiu pela porta duzentos eram a sua ultima palavra ; tal
lateral e foi collocsr-se no logar de onde vez dê mais uns trinta ou ciucoenta.
foi tirada polo chamado de seu pai. — Qual, mulher 1 se elle não escarrar
D'ahi voltou para casa on^e sentiu ir quinhentos, ou ao menos, ao menos qua
se-lhe esvaecendo a alegria, ao passo que trocentos, n ã o leva o meu suor. E ’ rico,
86 lhe augmentava a melancolia. póde pagar ; e ha de pagar, exclamou o
Passaram os dois dias do prazo fixado aggregado.
por Francisco Benedicto para a solução A’ vista de tão descabida exigencia a
definitiva. boa mulher sacudiu os hombros e re-
Mais de metade do dia 7 de dezembro tirou-se.
de 1851 esperou Motta Coqueiro pelache Eram horas de socego e repouso ; já
gada de seu compadre para que se con :or havia muito que de envolta com o cre
dasse o preço da paz e da tranquillidane púsculo tinha cessado o gazeiar das aves,
de ambos. e que haviam aceordado com as estrellas
Vã espectativa. Na vespera o aggregado os zumbidos dos grillos importunos e da
voltára á casa, após a consulta ásaucto mosquitala impertinente.
ridades locaes, e declarou se decidido a Afóra estes ruidos, o fraquissimo silen-
não ceder a sua posse e a não entrar em cto, o religioso remanso da naturesa, a
ajuate algum razoavel. solemne aphonia da noite.
A causa d’e ta resolução deu-a elle á — São horas de dormir, meu velho,
sua muluer, que, apezar de discordar, não diSfO o violeiro pouco depois que a mulner
resistiu-lhe. do F ‘aumseo B nedicto se retirou. Pr«^cisa-
— Bam me estava palpitando o cora moà accordai’ cedo ; salvo se você já não
ção, disse o aggregado, assentando se em está pelo que tr»tou c>.'mmigo.
um mocho da sala da entrada ; aquelle — Palavra é pedra, respondeu o aggre-
demonio o que quer é ferrar-me uma lo- gado ; 0 que ficou assentado, está assen
gradella, mas eu já não caio, e hei de en tado.
sinar lhe o bom caminho. A sala ficou em absoluto silencio.
— Duzentos mil réis valem a pena, De manhãsinha já Sebastião estava de
seu Chico, e é melhor vocè pegar no trato
pé, agitava-o uma impacieaoia febril.
e ficarmos descançados ; advertiu a fleug-
Ab iu hs jan>lias da sala, cantarolou,
matica mulher.
mediu a passos o recinto e afinal sahiu
— Você não entende de négocies, se
nhora ; pergunte alli ao Sebastião se é para o terreiro.
logro ou não, e pense bam no caso Ahi achou em breve com quem fallar
O violeiro que, ten 5o ! hegado com F r , n- p'-.ra esp^iirecer a sofíregui iao, e aprovei
cisco Bénédicte, fôra sentar-se a um canto tou 0 ensejo com a sua innata jovialidade,
da sala, respondeu com a sua níitural iionia e dissimulação.
vivacidade : — Fez madrugada hoje, sa Autonica?
— Nem é pre iso perguntar, isto está — Tàl qual como Võsmecê, respondeu
a entrar pelos olhos dentro. Só a casa pela seceamente a moça.
madeira de que foi consti ui la vale mais — Mas eu é porque teuho de fazer uma
do que a offerta. Agora ajunte-lhe um viagem grande e preciso adiantar.
104 MOTTA COQUEIRO
— E eu p jrque sempre accorde a esta — Aonde então hei de ficar á sua
hora. espera ?
— Deve ser assim mesmo, sa Antonica; Francisco Benedicto meditou um pouco
é para não desmentir o verso : e depois respondeu vivamente :
— Nos taquarussús; ahi não póde
Quem tem amores não dorme, falhar.
Q lem dorme não tem pensão.
— E’ como esperar um veado no rio.
— Seja o que vosmecê quizer ; sabe O violeiro não demorou muito ; despe
diu-se da familia e partiu.
mais da minha vida do que eu.
Ao ver o seu gratuito apoquentador
— Eu sd lhe digo que se farta bem de retirar-se, Antonica poude emfim res
vel-o hoje; faça matalotagem para a sua pirar.
saudade, porque am anhã... porque ama Tal presença incommcdava-a dupla
nhã 0 sitio já ha de estar vendido. mente : nunca lhe perdoara o desgosto
Uma risada prolongada acompanhou por elle causado á sua mãi pelo rapto de
as ultimas palavras do violeiro, emquanto Chiquinha, e alémd'isso sei’ia testemunha
que as faces de Antonica vestiam de uma da sua perturbação, e um vigia a por-lhe
livdez cadaverosa, que exagerava ainda obstáculos.
mais a côr, os discos de amethista que Rápido contentamento ; maior contra
serviam de palpebras aos olhos tristes. riedade do que a presença do violeiro veiu
O violeiro tinha comprehendido ajusta logo turvar lhe a alegria que sentira ao
causa da madrugada de Antonica ; vinha despertar.
com efíeito beber çom os olhares ternos O seu egoismo de amante regosijava-se
0 philtro da seducção que a assenhoreiara com a exigencia paterna, descommunal
e ao qual ella não ousava resistir. emb.ora. E’ que via ahi uma demora no
— Veja se quer governar-me tambara, ajusta e portanto maior espaço para con
respondeu despeitada; e lembra-se que templar o fazendeiro.
ainda vem a esta casa porque ha homens Mas estava marcado, talvez pelo desti
que não merecem esta nome. Não se sa- no, que para ella não haveria mais esta
tifez com desgraçar uma das filhas do bilidade ; todo o sentimento grato devia
amigo, quer diffamar a outra. Pdde con esvaecer-lhe como um sonho.
tinuar. Francisco Benedicto, segurando o seu
Ha uma força invencivel sobre a terra, forte mançuá, sahiu depois de tar dito
é a dignidade nas suas explosões sinceras. á mulher que ia dar a resposta ao com
Antonica, por intermedie d’ella, pôde re- padre e que depois seguiria in continenti
tirar-se, fazendo calar a mofa do violeiro. a conciliar-se com o Vianna.
Francisco Benedicto veiu d’ahi a pouco A resolução do aggregado foi uma pu
tomar mais agradavelmente junto de Se nhalada cravada no coração de Antonica:
bastião 0 logar deixado pela moça. frustrava-lhe a oceasião da vêr o fazen
deiro, e, perdida esta, quando se apresen
— Então, já está prompto? perguntou
o violeiro, taria outra ?
Era mais de meio dia quando Motta
— Estou, mas devemes sahir com horas Coqueiro, cançado de esperar pelo ag
differentes, para não haver suspeita. gregado, resolveu ir procural-o para
— E se elle vier primeiro ? obter a decisão do negocio que tanto
— Qual; ha de esperar que eu vá lá iníeressáva ao seu bem estar.
fallar ; o aggregado é o mesmo que um A Sra. D. Maria, sempre prevenida
escravo. para com os sertanejos, queria que o seu
OÏÎ A PENA DE MORTE 105
esp3so levasse em companhia dous escra Parecia que as forças haviam-a aban
vos para defenlerem-o de qualquer assal do ado, tornaudo-se-lhe impossível dar
to, por ventura planejado ; mas o corajoso um só passo. E’ que a dominava um des-
fazendeiro, referindo o que se tinha pas fdílecimento hypoeondriacò, um d'esses
sado dous dias antes, os modos humildes, spa&m .s moraes que entorpecem os mus-
e a deliberação em que Fi’ancisco Béné culoe e concentram todas as faculdades
dicte fingiu eotar acerca da venda do si em um ponto unico, semelhantemente a
tio, negou-se a ouvir o conselho que se lhe üia abat-jour á luz de um foco enorme
dava e prrtiu só, cavalgando o seu fogoso em superficie restricta
e celere alazão. De subito, porém, electrisada por um
Não obstante a resistência do marido, a presantimento, voltou-se para dentro e
cautelovsa senhora não abandonou a sua perguntou á sua ii’mã :
prevenção, e pouco depois de Motta Co — O capitão não d’isse se hoje fallou
queiro fez sahir Caídos no seu encalço. já com papai ?
O moleque, obedecendo a meio a ordem — Não, respondeu Mariquinlias distra-
recebida, seguia a principio a galope, hidamente, perguntou sómante por elle.
porém logo depois na vagarosa marcha — Meu Deus, meu Deus ! eu sinto tanto
do animal, guiando-se pelas pegadas das medo, parece-me que vai acontecer al
patas do alazão. guma desgraça, murmurou Antonica.
Para atalhar caminho, o fazendeiro — O que é que voeSestá dizendo, mana?
entrou pelo interior das suas roças, con — Ah! sim, gritou a iafeliz ; eu dizia
duzido ora pelo galopar largo, ora pela que é mais certo que papai tenha ido pri
andadura veloz e uniforme do seu corre meiro visitar Chiquinha.
dor, distanciando-se assim cada vez mais — Ha de ser isto.
do seu pagem. Antonica terminou o dialogo sahindo
Não tardou muito a achar se diante da apressada e cautelosamente, e quando já
casa de Francisco Bénédicte», onde foi in não podia ser vista correu incansavel
formado de que este sahira jastamente mente até a margem do libeirão atola-
para dicidir a venda. diço que espreguiçava o seu dorso limoso
algumas braças distantes do fundo da
— Então não ha tempo a per Jer, obser
casa.
vou Motta Coqueiro ; vou encontrar-me
Atravessou-o animosamente por sobre
com elle em caminho.
uma tora estreita que se ihe superpunha
Dando de redeas ao valente alazão, to e, trepando pela margem opposta, re-
mou pela estrada geral, que apresentava folegou, para novo correr por uma
o seu lombo vermelho no-'j^eio do capoei- picada do capoeirão até á beira da
rão, como disforme coral estendida a fio estrada.
comprido sobre um capinzal. Pensava que, por maior velocidade que
Quando elle sumiu-se na graride volta pudesse obter do seu invejável alazão, o
do caminho, Antcnica veia encostar-se fazendeiro não podia ainda ter passado
ao umbral, embebidos os olhares lamen por alli.
tosos na direcção tomada pelo cavalleiio. De feito a topographia do logar funda
Transluzia-lhe no semblante a eloquên mentava esta supposição. O valle, ser
cia arrebatadora da saudade, e logo se vindo de escoadouro a enormes brejaes,
lhe deslisou do coração aos lábios uma obrigava a estrada a uma volta alonga-
queixa, ropissada de tristeza : dissima e extremamante csprichosa,acom
— Nem perguntou por mim : soluçou panhando mais ou menos a fralda dos
baixinho a sua voz commovida. morros visinhos.
106
Para bpin flsurar o traçado, imagine-se — Não, não ha, mas póde haver coisa
uma secção feita pela altura de um cone,
peior, muito peior ; Carlos, uma embos
cujo vertice era occupado pela casa nova
cada e teu senhor mori erá.
Quan ioctiegou a estrada estava deserta N’este momento atroou, reproduzindo-
Amendnmtaia por sua própria cora se por longo tempo no éco, a detonação
gem, Anto ica, offegando de cansaço, uão
de um tiro.
atreveu se a ir adisnte; flcou occulta Quem n’este momento estivesse cerca
entre os arbustos marginaes da estrada. de um quarto de légua de distancia do
Pendiam-lhe sobre eiia, carregados delogarem que se achavam Antonica e o
cachos vermelhos, os ramos de enorme p^gem, .«^ssistiria a uma scena da mais
araeira ; em torno e em cima estendia-seCfuel deshumanidade.
0 silencio do céu a tran;^boT'dar de luz ; Sobre a estrada pouco espaçosa incli
da natureza asphyxiada pela canicula. navam-se, formando uma aboba «afolhuda
Para distrahir-se e desfarçar o temor,
e virente, as ramiflcsções e ss pontas dos
Antonica puchou um dos ramos pendentes e^tipites de tsquarussús gigantescos.
e, cortando com os dentes um dos cach 'S Uma continua escuridáo entristecia o
de fructos começou de arranca-los repe loger, porque a estrada, estreitando e en-
tindo baixinho, &e>n curvando se como um pescoço de cysne,
quer. Tazia com que as orvores marginaes quasi
O eptrupido da um proxirao galopar entrelaçassem os galhos, improvisando
veiu tiral-a promptamente da sua distrac-
uma espessa cobertura.
fão, precisamente no momento em que se Os raios do sol s penas coavam-se, dese
despagavao ultimo fructo,correspondendo nhando no solo um crivo de sombra, e luz
a uma grata lisonja : bem-me-quer, que,oscillaado á mercê da viração, ora
Impeliida pelo oora;:âo, seatou-se á abria as grandes malhas lúcidas, ora
beira do caminho o, derriband • os olhos,adensava as larga? manchas de sombra.
esperou por aquelle a quem se sicrifloaria Ahi, d’esde o amanhecer, estavam em-
sem escrúpulos.
' bosoados á espera do fszendeiro o aggre-
De chofieo som io galopar extinguiu gado e o violeiro, para executarem um
se, e uma voz alegre fez ouvir. assHto conforme o plano traçado por este.
— Louvado seja Nosso Senhor Jesus Era de feito o melhor logar ; não só a
Christo, s% Aut-mica. estrada estreitava-se, mais ainda fazia
Ainda Antonica não tinha voltado a siuma depressão, erguendo de um lado um
da profunda decepção, quando Carlos, quealto barranco. O declive ia termmar n’um
era quem a saudava, continuou: b' ojo que estendia o seu atoleiro até meio
—• Senhor já passou por aqui ? da estrada.
Esta pergunta chamou Antonica ao Qualquer transeunte era, portanto, obri
triste presentimento que a trouxera até gado a aprox;niir-s0 muito dos taqua-
alli, 0 acudiu de afogadilho: russús para não atufai‘-se no lodo. i
— Vai, vai já, Carlos; um momento Aquelle que se emboscasse entre a enor 1
mais e talvez... vai, vai já. me tocei»'a das graaües taquaras podia
O moleque, talvez recoi’dando a scena a
sem perigo accommetter sem temor de
que tinha assistido na sala de jantar, não
reprasalia : defendia-o uma ccuraça tres-
se deixava communicir pela aueiedade dadobrada.
moça ; flcou frio e perguntou em tom es- Quando Motta Coqueiro, no largo e des
caroinho:
cuidado trote do ssu alazão, i.a costeando
— Ha onça pelo caminho ou algum boi 0 meio da grande curva da estrada,
bravo ? I Francisco Beneiicto des fechou-lhe a pri-
ou A PENA DE MORTE 107
meira paulada, que foi bater no hombro cuidado era defendsr-se para impedir a
do fazendeiro. derrota inevitável.
O aiazâo estacou de subito, e o sen dono Uma paulada, vibrada por Sebastião,
tomou a attitude da aefesa. Engatilhou lançou-o por terra aflnal, inunda lo n’um
rapidamente a pistola, e esperou como lago de saogue.
sangue frio que lhe era peculiar. Upa, upa, ouviu se n'este momento,
O aggregado appareceu então sobre a ao mesmo tempo que o estrepi jo de uma
ribauceira. galopada.
— Mata-me, soductor e ladrão da gente — São 0.5 escravos do malvado ; não ha
pobre ; acaba assim a tua infamia, uã. minuto a per.fer ; fujamos, seu Chico.
será a pnmeira que tenhas feito. Os dois miseráveis galgaram pre-te o
— üra, compadre, você nunca tomará bar anco e inferna’ am-se na matta,
juizo, homem Î Vá para casa dormir que a a ’os pelo temor o castigo.
é do que você precisa. Eu perdôo-lhe por De feito, nso se haviam enganado.
esta, mas a menor cousa que me conste Ouviio o tiro dispar-ído por Motta Co
eu Jhe farei as contas. Passe bem. • queiro, um grito de olador, atrançado
Confiado na arma que empunhava, e pel>» piixão uo coração de Aatonioa,
ainda mais no seu possante alazão, Motta sanctiûcado pelo soûriœento, misturou-
Coqueiro tentou seguir. se á <letoüa;ào, que transudava do seu
— Bêbado, não ê? estou b .bado ; esta é roufenho arruir um pensamento le morte
a resposta. no e-pirito da moça.
A desventurada amante cahiu de joe
O manguá vibrado pelo aggregado le
lhos, e com voz quasi sumida, murmurou:
vautou-se sobre a cabeça do fazendeiro,
— Meu pai matou seu capitão I
que disparou a sua arma, ao mesmo tempo
— Malvado, bradou o moleque, hei de
que espi^reou o animal. matal-o também.
G manguá foi arrebata(|p pela bala das
Curvando-se sobre o cavallo esporeou-o
mãos de Fi-ancisco Benedicto, mas ao
mesmo tempo o alazão esticou-se em ra e partiu á briua solta, gritando com o
pido arranco e Motta Coqueiro foi vare duplo fim de aununciar o proximo soc-
jado em terra. corio e incitar o corredor na sua dis
parada.
Um novo inimigo voiu collocar-se-lhe
Era uma tosca imitação do despeia
em frente, e este, mais pujante e mais te- mento indomável do tartaro de Mazeppa.
mivel, era Sebastião Pereira. Os arbustos, como que ataedrontados,
Fôra elle a causa da quéla do fazen passavam semelhantes a relâmpagos por
deiro. diante do cavalleiro, e o ar, vibrado vio-
Manejando um grosso cacete arrancou lentamente, assoviava o canticq ironico
as rodeas da mão do cavallairo, que foi da vertigem.
inopinadamente arremessado pelo alazão. Atoleiros, pequenas pontes, iudo era
Começou uma scena horrível ; um passado de subito. O chão e os cascos do
homem ioerme era forçado a defender «e animal formavam uma engrenhagem in
contra dois outro?« que tinham a fav« r não visível, rodsndo com o movimento do tur
só as armas, mas também a fria premedi- bilhão.
tação do exime. Não era uma corrida, mas um vôo ; as
— Eis nos agora em frente, dexnonio, azas emprestavam as o temor e a dedica
exclamou o violeiro ; ou morrea ü’esta ou ção.
has de guardar signal para toda a vida. — Upa, upa, bradava continuamente o
O fazendeiro não respondeu ; t-.do o seu cavalleiro ; upa, valente I
108 MOTTA COQUEIRO
Ao entrar na grande curva do caminho, — Não, não diga, o coração de meu se
empinando-se brascamente sobre as patas nhor ettá batendo, veja.
trazeiras, o corredor obstinou-se a não Felizes aquelles que sabem amar : têm
seguir, e tomando o freio entre cs dentes, na propria desventura, nas horas da maior
voltou na mesma desfllada. angustia, alegrias indisiveis. Para serem
Era impossível re-istir-lhe ; Carlos pu venturosos basta-lhes somente a espe
lou resolutamente e correu. rança.
A poucos passos do logar em que o ca- Antonica certifleou-se de que ainda ba
vallo refugara, jazia Motta Coqueiro es tia um coj ação sob o peito do eleito de
tendido sobro a estrada e banhado em sua alma, e depois fez os seus lábios tes
sangue. temunhar de que ainda por enti’e os lá
— SoccoiTo I soccorro I mataram o meu bios d’elle passava o sopro da vida. Nas
senhor, bradou Carlos dando de face com ceram-llie espoctansamente cs desvellos
0 corpo do fazendeiro. de mãi, e, solicita, tr&tou de prestar os
Só 0 óco incumbiu-se de repetir-lhe, primeiros scccorros. Caroou-lhe a felici
como por escarneo, as palavras cunhadas dade cs exforços ; as palpebras do fazen
pela sua aíllicção, e quando o som da sua deiro venceram em fim o torpor que as
voz extinguia-se em successives susurres paralysa va.
gradativamente eivaecidos, sobrevinha o — Está melhor, não é ; já está melhor?
profundo silencio da matta, que exage sorriu a dedicada amante.
rava a tristeza do quadro. — Cavardes 1 murmurou o fazendeiro,
Meu senhor, meu senhor 1 conti e cerrou novamente as palpebras.
nuava o pageiá ; sou eu, Carlos, o seu es A soffregoidão avassallou o animo de
cravo Carlos. Antonica ; não poiia mais conter-se ;
E o efflioto rapaz apalpava e sacudia o qaei'ia ci)nveacer-se de qae Motta Co
desmaiado cem uma impaciência febril. queiro não estava irramediavelmoiife
— Ah 1 meu Deas ; podem pensar que ferido.
fai eu. Scccorro ! — Esc -te ; sou eu, Antonica ; os mal
vados já se foram, estamos eu e Carlos.
A mão do Carlos collocou-sa sobre o
coração do fazendeiro. Tenha animo. Dous é grande ; ha de
— Está vivo ; meu senhor 1 diga que
ficar bom.
As palavras da moça ch;írearam emflm
não fui eu ; óiga a todos.
o fazendeiro á reslidade. Sentou-se cheio
O infeliz pggem delirava e estafava cs
de espanto, e olhou ao redor de si.
pulcf oes cm gntos de soccorro, disfar
Devia julgar-sa no curso de um pesa-
çando d’esta sorto principalmente o te
dello, porque na verdade era incrível tão
mor de ser considerado o assassino do
nobre dedicação na filha do ingrato que
seu senhor.
lhe pagava os -bénéficies recebí ios com
Alguém veiu dentro em pouco tempo uma tentativa de assassinato.
segundar os seus exforços para chamar Não menos para sorprehender era a
0 fazendeiro á vida. dor ístampada no semblante de Carlos.
Offegante, com os olhos avermelhados O generoso escravo esquecia n’aquelle
e as mãos tremulas, Antonica desceu cor momento que estava em face de um se
rendo a pequena ladeira, e veiu sentar-se nhor, e chorava como um homem de bem
junto d’elle, collocando sobre o seu eollo a morte de um amigo.
a fronte ensanguentada do fazendeiro. — Antonica I exclamou elle, depois do
— Morto ! os covardes mataram-o por primeiro espanto ; pois é vcce, minha
minha causa, por mim que o amo. filha?
— Vim peíir o seu perdão para a mal — Adeus 1 respondeu Antonica n’essa
dade de mou pai ; vim pedir lhe que não triste entoação da conlescendencia quei
me tenha odio ; eu não pude evitar, res xosa, e levantou-se.
pondeu AntoHica. — Tslvez não nos vejamos nunca mais,
\s lagrimas corriam-lhe em fl^s, e cs minha filha; quero que também mecon
soluços troncavaoi-lhe as palavras. Pai cedas um perdão; conce.íes ?
rava-lhe sobre o semblante a solemnidade Antonica acenou affirmativamenta a
de uma boa acção. O amor conquistava cabeçfi,
n’esta hora um perdão que se podia crer — Perdoa-me o s' ffrimento de que eu
impofsivel—0 perdão do asgregado. teaho sido causa; perdca me, porque eu
— Porque haviaeu de oíial-asAntonicfe? não faço mais uo que cumprir com os de
Nem odeio a teu pai ; são a embriaguez e veres de honrà para comtigo e para com
a malvadeza de Sebastião os seus anjos os meus.
máus; perdôo o sim, porque tu és boa, és — Eu já não me queixo, respondeu An-
uma senta. tonica^ é o meu destino. Adeus.
— Eu hei do estimal-o ainda mais. Bom Apenas alguns passos tinham sido
e santo é vos:, e ê ; Deus ha de pagsr-lhe. dados pela moça, quando Carlos aviscu a
Uma effosão de ternura immaculada seu senhor de que se aproximava a
correspondeu ás palavras de Antonica. gente do sitio.
O olhar do fazendeiro como que creava em — Tanto melhor, respondeu Motta Co
torno de si um mundo para os seus co queiro, não fic.arei sõsinho.
rações afinados ambos pela bondade. Com eífeito, ouvia se perto o trepei de
Machinalmente cingiu contra o peito a unáa cavalgada e antss que Antonica ti
meisa fiiha do aggregadp e pagou com vesse tido tempo de occultar-se, Carlos
um beijo, rcçsdo na sua fronte descorada, exclamou cheio de ef pvnto :
tanta coragem e amor. — E’ minha senhora, meo Deus, é mi
Mas c.eroo se uma força mysteriosa os nha senhora.
repeilisse, este abandono do amor não Na extremidad? da curva sppareoeu,
demouvou-so ; os lábios do fazendeiro re montada em um forte mnrsello, a Sra.
tiraram se 0 ao beijo succedeu um estre D. Maria. O.s pés de Antonica negaram-se
mecimento. a caminhar ; a appaidção produzia-lhe o
— E’ necessário que você parta, que effelto de um espectro.
volte para a casa da seus pais. Apeiando-se apreí sadamente a corajosa
— Porque? esposa, que adivinhara o acontecimento
— Porque ninguém acreditsrá que eu pela chegada do alazãc, disparado e sé,
lhe voto 0 respeito de que você é digna, apertou nos seus braçes o ffczendeiro.
Antonica; hão de julgar-me .»eu amante. — Bem m’o diz.a o coração, so’uçava
— E que me importa a mim? não sa- ella; mas havemes e vingar-nos, seja
hirei d’aqui antes de vel o partir. embora necessário vender o meu ultimo
— E’ ura compromettimento , minha cordão de ouro. Covardes I
filha, e ba'taria que alguém aqui ncs Houve um momento de silencio De re
visse, para que seu pai justificasse o seu pente a Sra. D. Maria, tendo clhado em
crime. Parte, parte já, mdnha filha. volta de si, exclamou com a véz trsvorada
O fazendeiro ordenou em seguida ao de cólera:
seu pagem que seguisse Antonica, e ella, — O que veiu aqui fszer aquellamulher ?
sem forças para resistir, apenas protes Motta Coquiro respondeu severamente;
tou abaixando os olhos. — Ouviu os gritos de soccorro, e teve
—Adeusl disse comiaovido o fazendeiro. a coragem de vir.
llü MOTTA COQUEIRO
— Eotão não foi alla a cauaa da embos tonico, por m&is alheio aos anbelos
cada I ... seasuaes, o affecto votado pdo fezendeiro
— Não ; é uma infeliz ; culpada, não. á Antonica era uma espoliação ao con
sorcio.
IX Convinha, portanto, desarraigal-o, des-
UM COMPROMETTIMENTO FATAL truil-o como se faz com as hervas e
os animaes damninhos.
Ô respeito que, pela modéstia, sobrie A resposta de Motta Coqueiro proferida
dade de palavras, e maduresa de animo, o com um accento simples, mas solemne de
fazendeiro conseguiu sempre inspirar á decisão, impedia á Sra D. Maria tomar
sua esposa, obviou milagrosamente es qualquer expediente, que não fosse o da
sërias difficuldades oa situação embara indiffar nça ou o da gratidão.
çosa. Escolheu 0 primeiro câminho,e a amante
O coração da mulher é, como pensava o retirou-se acompanhada por Carlos, em-
poeta inglez, um beilo defeito da natu quanto que por sua vez o fazendeiro e a
reza. Diviiie-o em doas partes distinctes sua esposa acompanhados peles escravos,
e contradictorias uma separação fragi- seguiram para o sitio.
lima, feita de apprehensões e succeptibili- O ferimento capital não apresentava
daJes: em cima azula se um Armamento, gravidade, e o sangue poude ser facil
em baixo ennegrece-se um abysmo. mente estancado, a vista do que Motta
Um abalo é bastante para eccfisionar Coqueiro rnanteve-s^ na resolução de
uma explosão de trevas ou um transbor- tomar por unica desforra a retirada de
damento de luz ; as temeridades do ci ume Francisco Benedicto de suas terras.
ou os sacriflcics do amor. ■ Sua mulher, porém não se resignava,
Ha uma só excepção; é a que encerra nem podia satisfazer-se com tão pouco;
os corações apathicos e indifférentes, incandeciam se-lhe á proporção que pas
verdadeiras monstruosidades. savam as horas os seus brios de fazen
A Sra D. Maria não era excepcional-; deira respeíta/ls, e senhora de alta socie
amava com a boa vontade de um espirito dade.
que encontrou no mundo um outro para Só por uma lição estrondosa, entendia
complatal-o nas alegiõas, assim como nas ella, 0 seu marido poderia de novo entrar
dores, e por isso mesmo deixava-se facil nas salas de seus amigos com a cabeça
mente avassallar pelo pânico de perdei o. erguida.
A presença de Antouica revivera-lhe as O que tenciona o senhor fazer a
angustias que lhe tinha causado a carta esse ingrato e ao seu cúmplice ?
anonyma forgica la pelo violeiro, graças Entregal-os ao desprezo, respondeu
á pericia de Lycerio, o rabula venal. fleugmaticamente o fazendeiro; são tão
Damonstrava-se clai’amente o amor da miseráveis que nem vale a pena perse-
filha do aggregado para Motta Coqueiro, guil-os.
e embora estivesse absolutamente con — E o que havemos de dizer aos nosses
vencida da nobresa de caracter d’este, amigos, quando se espalhar o boato de
todavia arreceiou-se da que de futuro não que 0 senhor foi espancado por um aggre
se alevantassem mais alto do que a refle gado, que assim vingou a seducç^o de
xão os vôüs da sensibilidade e da com uma filha ?
paixão. — Direi que á uma oalumnia tão mal
Nem sempre o amor é filho da e^talta- engenhada que basta uma simples consi
ção dos sentidos, muitas vezes nasce da deração para confundil a ; o hom«m que
piedade, e em todo o caso por maia pla- foi companheiro do supposto pai oífendido
aa desaífrcnta imagiaariitl de sua honra, — E vocãs não lero mãos? Se elles re
raptou-lhe moa das filhas. sisti em cragam-os á força, tragam os seja
— Aca Uinnlase)’á de preferencia acre quando fôr, estejam aonde estiverem.
ditada poique a aggressão reali^oa-se, e Fidelis sahiu satisfeito ; a feitoria esta
não tard. rá que todos venham a saber va-lhe definitivamente entregue ; não
que é real o amor de uma das filhas do havia mais possibilidade de passar ás
aggregado pelo senhor. mãos de Francisco Benedicto.
~ Pacien-'ia ; eu não posso retribuir a Além d’isso facilitava se-lhe uma oppor-
violência com a violência. tunidâde para vingar-se dos insultos do
— Ha ura me;o, é punir o crime ; para aggregado, mas, apezar da boa voutade e
isso é que existe a lei. zeloso tsfoi’ço para capturar os fugitivos,
O dialogo tferraiuou pelo silencio de o feitor lião regosijou-ho com a lealisa-
Motta Coqueiro. ção dos seus desejos.
As considerações da esposa tinham uma Os criminosos tinham-se prevenido con
basa irrefutável e não podiam í er abando tra esta consequência necessária do seu
nadas ; por outro lado o pedi !o de Anto- acto ; a essa hora descançavam tranquil-
nica, no momento em que expunha a sua lament.e á grande distancia, e completa-
reputação de mulh«* honesta e a propria mente fóra do alcance da qualquer vin
vida,— porque a brutalidade de seu pai gança.
não poupal-a hia caso sorprehendesse-a Quasi ao anoitecer os escravos vieram
em meio do acto meritoi'io, — fazia-o va- participar a senhora o mallogro das suas
cillar pesquizas, mau grado a solicita diligencia
que tiuham feito para o exito da empreza.
Um expediente apresentou-.se; mover o
— Está bom, reapondsu lhes a Sra.
processo contra o aggregado e deixal-o
D. Maria ; elles hão da apparecer em
mais tarde, quando a primeira impressão qualquer tempo.
desspparecesse, correr á revelia.
Fidelis retirou-se duplamente contra
Harmonisados d’e.sta sorte o coração e
riado pelo sangue Mu da sua senhora e
0 dever, resolveu notificar o aconteci
pela sua filta de perícia no desempenho
mento ao Sr. Oliveira, subdelegado do
da commissão.
logar, e pediu a sua presença para ser
Uma outra pessoa da casa mostrava se
comprida a lei.
profundamente sentida pelo aconteci-
Estava, pois, satisfeita a vontade da m- nto ; era a tia Balbiaa.
esposa Os seus soluços e imprecações conse
Tranquillisada por esta re-olnção de guiram captar novamente a sympathia
seu marido, a Sra. D Maria teve um da Sra. D. Maria e des ;e aquella hora
verdadeix'0 desafogo ao saber de uma abriram-se lhe as p<>rtas da casa grande.
outra nova. Fatal imprevideuüia I
Ao chegar em casa, a indignada con A dõr de Balbina encontrou se tuim a
sorte despachara immediatamente os es decepção de Fidelis, sinceramente empe
cravos Fidelis, Peiegrino e Alexandre, nhado em desh Afrontar Motta Coqueiro da
ordenando-lhea que percorressem as mst aggressão recebida I
tas visinhas afim de descobrir o escon- — Ah 1 tia Balbina, disse Fidelis, eu
drijo dos criminoaos e pren ’êl-os antes queria sar surrado do qúe não achar
— A gente po ú* fa^er isto, minha se 0 diabo do aggregado ; queria quebrar-
nhora, te elles não so alevantaf hem contra }he cs ossos áquelle desalmado.
nós; como ha de acontecer, observou Fi* — 0 f-itor deve estar sempre do lado
delis. dos brancos, respondeu a feiticeira. O
MOTTA COQUEIRO
grito vâi ssajpre para o la. o qüe segue o ninguém que tivesse pena ‘>’ella ; todos fu
vento. Fidelis já não é como seus par giam da feiticeira, como se foge áe cobrg.
eeiros. O'* signaes do castiiro estão nas Hoje,o senhor de Balbina cpenhou
costas d’c«íes, não importa ; o sol qu ia,a das mãos do aggregado, e mulher e filhos
á sambaUaia e m ita as puoaçús, o eito e escravos, to íus eboratu e P d. lis antes
soba sampre ; o rsovavo súa a tirar fóra queda ser surrad ), do que voltar para a
a csnii.-.6 , não ioiporta ; o feitor manda casa de seu .«enhor sem o ter vingado.
sfguir seinpje para diante pcrque é o — Pà.ra que ha de guardar e.stò odio,
lucro do çeu senhor. Fidelis já não é um tia Baibina ? Nés não eacontraremcs me
parceiro, é vm senhor-moçu: qUein offen- lhor senhor.
de-lhe offende ao senhor. Balbina nao tom od o, chO' ou tam
— Porque vor-mecê diz isto, tia Bdbi- bém a desgraça, mas ie.mbra qoe ninguém
na ; eu tenho sido máu para cs escravos C;.orou por elia, Hoje ninguém diz que é
do sitio ? ! ... 0 castigo de Dsus pela maldade com a
— Não sabiu isto da bccca de Balbioa, innocente; paciencã.
nem da de s-eus parceiros: todos querem — Ah I se 0 senhor soubesse d’ -sto, tia
hem ao feitor, mcs nem porisso esquece Bslb na ; o que vosniecê não soffreria.
ram 0 rigor do c;'ptiveiro. Fidelis .-ente O feitor afFa.stou-90 Itntsmente, mas
a dôr de seu senhor; Balbina lembrou se quanáo ia a aL-uma distancia; foi detido
de uma dôr sna. Um dia, ainda cabia ne pela voz da feiticeira :
blina e ocdu tinha a esteeila granie da — O parceiro de Balbina vai levar aos
madrugada, e Balbina foi amarrada no brancos o que ouviu ; mas Deus está
cabeçalho do carro. 0 frio feria como es ven k que B.>lbiní nao quer o mal d’elles.
pinhos de jurubeba o corpo da encrava, — Não é meu co.stume, tia Balbina,
e 0 senhor de pé na po?ta, embrulhado no respondeu nobrementa Fidelis ; eu tam
sou capote, diísecom má voz: surreto-me bém sou escravo.
esta negra. Os parceiros de Bübina foram — Jura peia morta de tua mãi, que
dizer que era e'la a que ger -va a doença sempre foi escrava, que soífreu como
nos escravos e nos animaes do sitio. Na B a b m a , e nao teve quem a chorasse
senzala da feiticeira estavam c Deus que quando soffria.
.Balbina conheceu na sua terra, e as her- Para que me lembra minha mãi,,tia
vas com que a e.scrava tieha amis?de Balbina ; o escravo não tem mãi. Juro,
quando era criança e livre. B.^stou para jaro sitn.
se ver ahi a feitiçaria que mata. Balbina quer que se faça o castigo
Os chicotes bateram srrn dó nas costas do aggregado, inimigo dos escravos ; mas
da feiticeira, como as vai'as fortss sobre não quer que Fidelis se esqueça de que é
as vagens madura? do feijoal. O sangue já escravo. Quem mandou ao feitor prender
corria, mas o castigo não parava. O filho 0 aggregado ?
dos brancos, creaáo por Balbina, o filho — A senhora mandou que o trouxés
dos brancosquerido por Balbina como seu, semos á força, e eu havia de trazel-o
estava amgrello e m agro; o doutor caaçou ainda que fosse morto.
de tratar, não sabia a moléstia. E’ f ãtiço — Sim, sim, mea parceiro; acudi»
da escrava, diziam todos. O pai queria promptamokita a feiticeii’a. A senhora
vingar o sed filho e não teve dó de Bal d.is3 ^; cumpre, hoje, am anhã, sempre.
bina, que não chorava por que tinha odio Será menos um branco ; acrescentou
só. e não sentia que a iam matando. n’um murmurio, e a perdição dos outros.
Quando o castigo acabou a negra ainda O açodamento com que a tia Balbina
ferida foi para o eito, e lá não houve recebeu a revelação do feitor sobrasal-
tou 0 pi’ofundamente; o que haveria des Introdazido na sala de visitas, accedeu
coberto a escrava û’essa ordem tão s-im- sem resistência ao convite para passar
ples e tão natural ! aos aposentos do fazendeiro.
Uma pallidez a proposito attenuava o
Depois de separarem-se, ainda Fidelis
colori io sadio do rosto do subdelegado, e
pensava no tom especial com que a tia
um cerrar de mãos, assim como um me
Balbina lhe fallara por ultimo, e, des-
dido accento interjectivo masoaravam-lhe
conflado, fez tenção de communicar a
as intenções, á semelhança de um rotulo
sua senhora o que se passara entra elles.
esmerado á mercadoria faJsificada.
— Quebro o juramento, mas não im
— Ninguém poderia pensar ao menos
porta ; descubro a malvadeza que essa
em que tal acontecimento tosse a paga de
feiticeira esconde. tantos favores, exclamou elle. Esse mise
Uma habil manobra da tia Balbina inu- rável que em parte alguma obteria siquer
tilisou 0 plano de Fidelis. passagem pelos terrenos de um homem
Ao sahir da revista, a feiticeira acer serio e com tudo conseguiu terras, casa,
cou-se do feitor e segundando as palavras e a amisade de V. S. Que alma, que torpe
comas lagrimas, disse-lhe dolosamente: caracter a do tal Francisco Benedicto !
— Balbina já se arrependeu de ter fal- Faça-me o favor.
lado do senhor, porque elle é bom. Carlos — Eu lastimo-o, não condemno-o abso
contou que o branco vai perdoar o outro lutamente, respondeu Motta Coqueiro ; ë
que 0 esperou para matar. Balbina per extremamente ignorante e alêm d'isso
embriaga-se. Não é perdel-o que tenho
deu 0 odio, porque tem coração, e pede
em vista mas simplesmente intimidal-o.
perdão ao seu parceiro.
— Como ? I Perdoe-me V. S., ha de
— Foi Deus quem lhe fallou, tia Bal cumprir-se a lei. Vá lá que se tenha pie
bina, foi Deus ; respondeu Fidelis ; era dade para com o velho desmiolado, mas
muita maldade. com 0 seu cúmplice, é impossivel. Qual
No dia seguinte duas pessoas entraram quer brandura com elle é nada mais, nada
na casa grande extraordinariamente menos dó que soltar uma fera em todo
commovidas. Uma era a tia Balbina a esse Macabú. Se elle sem protecção faz
quem foi pela Sra. D. Maria cónflada a d'estas, o que não fará se tiver a justiça
lavagem da roupa dos escravos do sitio, e por si.
dado um quarto na casa grande, honra — E’ 0 que eu penso, Sr. Oliveira, in-
que só recebiam as boas escravas. terveiu a Sra. D. Maria. Parece fabula o
A outra era o subdelegado Oliveira, que que essses homens têm praticado com-
a todo 0 galope atravessou o campo do nosco. V. S., que é auctoridade, parece-
sitio, e apeiando-se preoipitadamente á me que deve fazer cumprir a lei, apezar
porta da casa grande, apertou com ambas da bondade do Sr. Motta.
as mãos as da Sra. D. Maria, exclamando — Conte commigo, minha senhora ;
todo commovido: apesar de separado do Sr. seu marido em
— E’ inerivel;, minha senhora ; ë incri- politica, tributo respeito ao seu honrado
vel que possa haver sobre a terra tanta caracter.
ingratidão. A eonversa, desviada para assumpto
As melhores e mais tocantes exclama diverso do que dava motivo a familiar e
ções guardou-8s prudente • artistica expansiva visita do subdelegado, voltou
mente 0 Sr. Oliveira para o effeito sce- por direcção d'eàte ao ponto primitivo.
nico, 0 deslumbrante quadro final do pri — V. S. fará o favor de convidar as
meiro acto da tragédia da intriga. suas testemunhas para a audiência na
S
114 MOTTA COQUEIRO
Taes factos eram meras consequências — Você parece que está trtslendo ; pro
da animosidade do Sr. Oliveira para com teger 6 fazer justiça a um adversário Î I
0 fazendeiro. Apadrinhava-os o pema- — Eutão V. S. entenda q u e...
mento politico de provar pr^ticamente a — Que se lha deve negar agua e fogo,
nullidade do chefe opposicionista, e assim eis ahi. E’ o que se faz em política.
arredar-lhe a popularidade. — Está bem, está bam ; eu fico as or
A trama para chegar a taos lias foi de dens de V. S.
simplissima urdidura ; uns pequanos — Adeus, eu vou mandar asserenar o
abuses de auctoridade. Depois de resal- coitado do Chico ; se eu estivesse no seu
var a sua imparcialidade, pondo um si logar fazia o mesmo. Os negeeios de ía-
mulacro de sincero interesse ao baixo milia são muito sérios.
serviço de mesquinha vingança ás derro Familia ! Esta palavra por si só impel-
tas politicas, o subdelegado, sahindo da lia 0 ardiloso Lycerio aos maiores com-
casa de Motta Coqueiro, dirigiu-se a Ly- promettimentos, e por si só bastava para
cerio e pol-o ao corrente dos aconteci dis£ipar-lhe os escrupulcs
mentos. O rabula era uma optima estofa para a
— A alma do rabala pensando no lucro famigerada communidade religiosa de
liquido que lhe viria do pleito, esque execranda memoria por um lado, de su
ceu-se das conveniências politicas, bradou blime e civilisadora recordação por outro,
u'um excesso de enthnsiasmo. e que elevou como dogma o celeberrimo
— E eu que antipathisava com o Co principio : 0 fim, justifica os meios.
queiro 1 Oh 1 elle pdde descançar, have Em falta de mais largos horisontes, de
mos de esmagal-o; ha de pagar caro. utna côrta para intrigar, de uma herança
— Não ha melhor oceasião para redu- pi ogue a reverter pelo bem ãa companhia
zil-o a nada, observou o subdelegado ; os em bem da humanidade, de uma cons
votantes veião que nós sabemos vencer. piração da magno alcance a dirigir, o
— Está claro; perder dois votos não é bom e prasenteiro Lycerio atinha se acs
coisa de grande monta. Dois v^ldivinos, enganos nas sommas das dividas dos fre-
dois biltres, o peseta do fi.ho, grande guezes e aos bandeiamentos largamente
coisa, mando recrutar o malandro, que remunerados nas causas que lhe eram
confladas.
tem boas cestas para a farda, e metto o
bêbado do pai e o tal Sebastião na cadeia. Resiguado sabiamente ao seu destino
— Escuso de estar com estas cousas, entregava-se com a melhor vontade e
porque estamos sós, e não precisamos de humor á pi’ocreaçâo do vinho e ao de-
enganar-nos. longar dos pleitos. Tudo por amor da
— Sim, não precisamos. familia.
— Arranje os cobres do Coqueiro, que Ora, juf.tamente este amor foi invocado
é 0 principal e dôixo-o dar os páus. pelo Sr. Oliveii’a em defesa de Francisco
M as... Bénédicte, restava, portanto, ao amoroso
— Eu ma responsabiliso pelo que so rabula verificar até onde era levado pelo
brevier; tenho certeza da que elle não aggregado o mais nobre, o mais santo
atinará com a cousa. des sentimentos humanos.
— Porém ... eu fui incumbido de casti Uma vez recebida a procuração ple
gar os criminosos e tenho meios. nária do fazendeiro, Lycerio foi enten
— E eu lhe digo que não tem, que não der se com Francisco Benedicto.
deve ter. Munira-se da suas mais francas e pro
I
— Ah isto é cutro fallar, mas assim longadas risadas e igualmente da mais
á primeira vista. a tu ra d a atteução , p a ra bem ob serv ar a i
116 MOTTA COQUEIRO
— Nîo basta, é preciso que pague a dança de Francisco Benedicto, disse sem
emboscad . reserva :
— O meio de que poieria dispor era — Aquelle branquinha tem agora de
processal-o, osubdelegado é meu inimigo tratar c. mmigo : ha de mudar-se ainda
e protege o criminoso, é impossível fazer qne eu lhe faça coroo aos maribondos ;
seguir 0 processo. Não tenho outro. ainda que lhe queime a casa.
— Era o que eu queria saber. Os expedientes tomados pelo feitor
A conversação foi cortada bruscamente conseguiram intimidar por »Igum tempo
por uma ultima phrase da Sra. D. Maria, 0 aggregado, que se acovardou princi
phrase que felizmento não foi todacuvida palmente desde o dia em que,perseguindo-
por Motta Coqueiro. lhe 0 atrevido âlho, Fidelis não duvidou
— Eu hei do mostrar quem póde mais, chegar até ás portas da sua casa.
Sra. Antonica. Então Francisco Benedicto julgou mes
Antonica foi a unica palavra ouvida mo ser prudente ceder á proposta do
por Bíotta Coqueiro, e bem facil 4 aquila fazendeiro para a venda das bemfeitorias,
tar qual seria o movimento intimo que e incumbiu d’esse negocio um amigo
lhe correspondeu. commum.
Seria saudade ou seria piedade t O certo As hostilidades arrefeceram e entabu
4 que voltando á conversar com os seus lou-se a negociação procrastinada pelas
empregados, Motta Coqueiro ponde exigências irrasoaveis do aggregado, que
rou lhes : entendia receber o dobro do justo valor
— E’ muito filiz o tal meu compadre ; na venda.
tem por si a protecção, a saude propria — Elle ha de cedf r por fim, observava
e a dos seus. 0 intermediário a Mt,tta Coqueiro; deixe
— Quanto á saude dos d’elle não 4 lá passar mais algum tempo, não é muito
muita, principalmente de sa Antonica. para quem tem tido tanta paciência.
— Ah I ella está doente. Irritado, porém, pela resistência que
— Anda com umas queixas do peito, e as suas preteações encontravam no ani
uma tosse que vai meítendo medo. mo inabalavel do fazendeiro, e além
A Sra, D. Maria, que se conserva^fa á d’isso instigado pelas auctoridades que vi
distancia de poder ouvir o que se dizia, savam a retirada do competidor d’aquelles
amargou em silencio a decepção que logares, Francisco Benedicto recomeçou
causou a simples exclamação do fazen desabiidamente os seus desmandos,
deiro. Um dia em qua em uma das vendoías,
— Hei de acabar com isto, repetiu a si quasi tctalmeota ebrir», o aggregado vo
mesma. ciferava diante de Faustino e Florentino
Quando a canôa fez-se de volta a Ma- contra Motta Coqueiro, disse Florentino;
cabú, a esposa do fazendeiro ordenou a — Você é um malvado, seu Chico; é
Peregrino que transmittisse a Fidelis sl- um homern que devia morrer.
gamas ordens. — Se me pagassem bam, eu arranjava
Queria que o feitor fizesse respeitar a isto, resmungou Faustino ; queira o ca
propriedade do seu senhor pelo aggre- pitão e eu ponho um poato á pendencia.
gado e sua familia. Caso não fosse atten- Uma troca de insultos de parte a parte
dido, ficava-lhe o direito de valer-se da seguiu se desastradamente e terminou
força. por uma intimação formal de Paustino a
Fidslis esperava semelhante auotori- Francisco Benedicto :
gação para operar, e para exprimir a — Cala a bocea d'ahi, velho cachaça,
energia com que trataria de obter a mu ou faço-te calar á força. Quanto ao teu
genro torto, pódes dizer-lhe que se elle Carlos que tinha sido manda io para o
continuar com os desaforos, eu visto-lhe sitio por castigo de algumas peraltadas, e
uma camisa de pau com vento fresco. E ordenou-lhes que o seguissem.
0 qne falta a vocês dois, bêbados 1 Alumiados por um facho, os très se
A altercação na vendola surgiu dahi guiram pelos aceiros da roça e dentro em
a alguns dias corporada em uma ca- pouco achavamrse diante da casa do ag
lumnia assás compromettedora. gregado.
Dizia-se por toda a parte que Motta As portas e janellas estavam fechadas,
Coqueiro tinha encarregado Faustino e porém partiam vozes do interior,
— Estão acordados, disse Fidelis ; tanto
Florentino de assassinarem a Sebastião
Pereira 1
melhor porque demora menos.
Quando o feitor ia bater á porta, per
O mais grave, o mais incrivel era que
guntou lhe Carlos, a quem o accento da
Bento Silva, irmão de Faustino, era um
voz do parceiro impressionara profunda
dos que se encarregavam de propalar se
melhante versão, e dizendo que ouvira ao mente:
— O que é que você vem fazer na casa
proprio Faustino.
Para cumulo de infelicidade sobreveiu d’essas féras f Isto dá em desgraça, Fi
uma desordem entre o aggregado e os delis.
— Dê no que der ; eu tenho ordem dos
escravos. brancos, respondeu o feitor, e bateu bru
Corriam os primeiros dias de setembro.
tal e prolonga lamente á porta.
Uns madeireiros de Macahé,entre os qoaes
— Más horas de visita é esta, disse do
vinha o Sr. Conceição, chegaram ao sitio
dentro Francisco Benedicto ; emfim va lá.
de Macabú para comprar o resto das ma
Apenas a porta abriu-se, Francisco Be
deiras ao fazendeiro, que se achava em
nedicto, atenco;Í3sdo pela qualidade dos
Campos.
visitantes, recuou até o meio da sala, gri
Uma canôâ foi despachada para avisar
tando ccmpnngentemente ;
Motta Coqueiro, e Fidelis com os seus
parceiros começaram desde logo a em _Estamos perdidos, estamos perdidos.
balsar as madeiras, por isso que o Sr. Con — Não tenha susto, não, seu Chico ;
ceição declarava que era negocio decidido vosmecê é tão valentão qne até a gente
e tinha pressa de conduzir as balsas. não acredita que fique lq<^o tremendo.
No dia 9 de setembro pela manhã, che I to é só um aviso.
gando Fidelis ao porto,encontrou cortadas A’ proporção que fallava, Fidelis, acom
as amarras>das balsas e grande parte da panhado por Perigrino e Carlos, entrava
madeira no fundo do rio. Evideaciava-se pela sala do aggregado, e apoderava-se
que a maldade fôra a conselheira do facto, de uma espingarda que estava oncostada
e esta não podia ser attribuiia senão a em um cánto.
Francisco Benedicto, que já outras vezes — Nós não somos assassinos ; não fa
tinha praticado aotos mais graves. zemos emboscada, não, meu branco ;
O feitor calou se e durante o dia não mas eu sou feitor, e quero dizer-lhe que
deixou siquer transparecer a raiva que isto de andar vosmecê, seu filho e seus
necessariamente sentia. amigos destroçando o sitio, nao me vai
Apenas communicou o occorrido aos cheirando bem. Canalhada, canalhada e
hospedas de seu senhor, pedindo-lhes que meia ; hoje amanheceram as balsas corta
desculpassem a demora involuntária. das; todos os dias é nm desaforo: morite
A’ no'te, depois da revista, Fidelis em nos gados, fogo nos cafesaes, o diabo a
punhando nma espingarda chamou os quatro. Eu venho saber se vosmecê quer
seus parceiros Alexandre, Peregrino, e ir por bem ou por mal. Se quer ir por mal
ISO MOTTA COQUEIRO
xoa se ficar sentado, como até então de pé e sorria o habitual sorriso de es-
estava. carneo ;
Confuso com essa indiffarença, o que — Eu não posso mais ; ha quasi um
fâllou, prosegaiu : anuo que por vez-s temos tido ocoasião de
— Já não me engano facilmente, e sei acabar com isso, e vcsmecê deixa sempre
perfeitamente distinguir a voz d’elle, com vida o nosso inimigo. Se não nos é
esteja em meio de milhões de outros. possivel vingar-nos, o melhor é cuidar
Escute; o malvado aproxima-se. mos de outra cousa.
De feito, as vozes destinguiam se clara Q corpulento emboscado sorriu e sacu
mente e podia-se mesmo ouvir a conversa diu os hombros.
dos transeuntes — Quem quer vingar-se não faz como
— Foi aqui que o hicho quasi esticou a vosmecê ; parece mais o anjo da guarda
canella e foi dar contas ao diabo ; que do que uma pessoa que está zangada e
pena não lhe acertar bem o cacete 1 dizia quer desforrar-se de outra. Eu vou seguir
Lucio ítibeiro. 0 meu caminho, como entendo, e o resto
fica entregue á minha so te.
— Qual, foi s(5 uma arranhadela que lhe
— Não, isto não pó de ser mais, arras
fizemos.—Com um tiro, disse em seguida tou-se a voz rouca do emboscado : eu
Sebastião, levantando a voz, hei de varar
dei a você, e só a você, o meu segredo,
a qualquer desalmado que ahi nos esteja
que morava commigo lá vão muitos
ouvindo.
annos. E’ obrigar-me a ser mau, porque
— Só se for alguma cobra, porque os eu mato-o se desconfiar aue quer fugir de
negros ficaram bem convidados e já não mim, perder me e sacrificar o meu odio.
cahem n’outra n’astes mezes mais próxi — E porque não se decide, porque está
mos, advertiu Lucio. a demorar isso ? Mate-me, é até um bene
— Cautella em todo caso ; passemos ficio.
rente á barreira porque os taquaruçús são — Não mato por ofiScio, mato por vin
boas tocas de onças. E nós que o diga gança. Ainda Francisco Benedicto não
mos ; observr u o aggregado. tinha um filho, e eu já o seguia ccmo um
Dentro da toceira das gigantescas ta cão de caça á pista dos caitetús. Tenho-o
quaras 03 dois emboscidos representa tido muitas vezes ao alcance da minha
vam uma scana silenciosa, emquanto faca ; bastava um salto para enterral-a
blasonando cs très atravessavam a es até 0 cabo n’aquelle coração leproso. Não
treita curva da estrada. quiz, não o fiz. Nos primeiros tempos eu
0 homem possante, rastejando sem ruido derramaria apenas o sangue d’elle e da
sobre folhas soccas, viera protegido pelas mulher, e não me bastava. Não se apaga
arvores coüocar-se á beira da estrada, e uma forja com pingos d’agua.
com elle o soffrego companheiro. Depois veiu um filho, depois outro,
Este, descobrindo o grupo, levou o dedo mai.s outro, e eu dizia commigo: é tempo,
ao gatilho de uma espingarda que trazia ha sangue bastante n’esta raça para sa
comsigo,mas ficou logo sem movimento, ciar, que não para extinguir, o meu odio.
porque a mão do outro tolheu-o com a Mis pensava depois e lembra va-me que
força das duas peças de um torno, aper a'nda havia no corpo do meu inimigo
tadas vigorosamente. forças para augmentar o pasto á minha
Os palrat^ores passaram impunenaente. ira, 0 esperei.
Quando já se haviam distanciado, o mais Eu sou filho de caboclo ; do goytacaz
impaciente dos emboscados, levantando- que odeia sem barulho, que scffre sem
se, disse ao outro, que tambam se puzera queixar-se, que morre sem gemer. Mea
12.3
pai acostumou-me em criança a passar o 0 narrador não parecia ter attendido
dia á popa da uma canôa á espera que o ao S8U interlocutor, e continuou :
piau farto se levantasse do fundo do rio, — O mais cruel é que eu penso que é
e viesse collocar-se ao alcance das nossas por um outro que ella me despi’eza. Este
flechas. Estas atravessavam as aguas sem é rico a forte ; pode tudo e imultou-me, e
ruido e amorte do peixe, que durante lon correu-me. Oh 1 se elle ha do pagar-me 1
gas horas espiavamos, se annunciava ape O pai d’ella tentou perseguir-me, ao
nas pela côr do sangue que vinha á flôr do passo que anda de mãos dadas com um mi
rio.Espero, esparei para matar assim. Do serável que me perdeu, e lhe perdeu uma
que me serviria matar, para vingar me, se filha. Porque î ha alguma differença entre
ao csho iria parar a uma prisão, onde a nós ? ambos somos da mesma casta, ambos
minha existência seria ainda mais cruel. pobres. Porque, p-'is, repellirem-me. Hei
Eu não peço a você que me ajude, peço de vingar-me, e duplamente, porque elles
apenas que não me faça perder tantos escarneceram da minha fraqueza !
annos dedicados á minha vingança. Este Tenha pena de mim, abrevie o meu
odio é a minha vida, tirem-m’o, e eu mor- sofírimento ; veja que eu não posso por
1’erei. Para satisfazel-o, hei de fazer cahir muito tempo conservar-me na casa de um
quantos encontre em meu caminho. E homem a quem odeio ; bem posso um dia
qual é a causa que o move ? No dia em perder a cabeça e então lá se vai toda a
que nos encontramos, vosmecê disse-me minha esperança. E’ uma crueldade fazer-
sdmente : « Não é assim que um homem me seguir quasi sempre os passos do in
se desforra ; segue-me. » Acompanhei o ; fame aggregado ; é uma falta de piedade ;
nunca perguntou-me siqoer por que r&zão se vosmecê não quer jâ acabar com elle,
eu ia perpetrar um crime, e nunca tam para que havemos de espreital-o sempre ?
bém me disse o seu nome, nem perguntou — Supponha que é para descobrir o
pelo meu. Pensa talvez que eu sou levado melhor ponto para cravar-lhe uma bala,
por uma questão sem valor, por uma ou varal-o de lado a lado com a minha
criançada, e zomba de mim. faca. Mas não é isto o que nos im
— Se eu não lhe tivesse lido no coração, porta. Qual é 0 outro homem que o in
não chamal-o hia para junto de mim. sultou, qual 0 seu nome ?
Quem sa resolve ao que você resolveu-se, — Motta Coqueiro, o dono d’este sitio.
é porque tem uma dôr grande. — O filho do Goytacaz sabia; mas
— Pois saiba que é mais do que uma dôr,
queria que você confirmasse, para lhe
é uma desgraça. A filha do nosso ioimi-
dizer o seu plano. Hontem, quando á
go venceu-me, flz-me seu escravo. Vivia
noite eu estive no terreiro da casa do
só por ella sem importar me com o mun nosso inimigo, os esci’avos d’esse homem
do : não tinha nada com elle. Houve um appareceram para tomar contas ás mal
dia de loucura na minha vida, porém feitorias de Francisco Benedicto. Depois
quiz pagai o com o grande amor que te
um a’elles quiz pôr fogo á casa. Hoje
nho áquella mulher e no entanto ella fu todo 0 Macabii deve saber d’isto, porque
giu-me como a um cão damnado. desde pela manhã Francisco Benedicto
— Foi então qae você dsciliu-se a ma-
anda de um para outro lado.
tal-a, expondo-se á justiça. Creança I O
odio precisa de crescer, reforçar-se e crear — Mas o que temos com isto ?
cabellos brancos para depois ter acção ; — O que temos ? E ó você que diz que
ao contrario tem a sorte das creanças, I
sabe odiar O que temos : você uma
que brincam com espingardas: ferem se dupla vingança ; e ambos nós a liber
ou suicidam-se. dade.
m M OTÏA COQUEIRO
m t V “.. .
132 MOTTA COQUEIRO
— Ohl mea Deas, meu Deus, que des- atraiçoasse a sir.ceridsde do sentimento,
gvaçL brailou e.ca lancinante desespero exíernando-03 em inflexão menos pro
o malfadado Coqueiro; que mal fiz eu pria. Mudos, apertâram-se as mãos, mu
para que caia sobre mim timanha pu des sahiram e por muito tempo cami
niç5<|. nharam.
— )0 que é, giit?,i\im os hospedes, que O Sr. Conceição rompendo afinal 0 sUen-
vierd^m prestes ceicar o fazendeiro, que cio, dissse ao embarcar-se na canoa que os
apermva com ambas as mãos a cabeça, e esperava :
desf<ipa-se e £1 lagrim&s. — Não sei porque, mas tremo pelo fu
— Dhxerc-me, deixem-me, pelo amor turo do Cequeiro.
de leus ! Eu sou uai desgraçado. O que — Grande desgraça 0 feriu, responde
serál de minha mulher, de meus filíios. ram os ontres.
Mal iitos negios 1 Depois ce flear só, 0 fazendeiro, mais
Camb«leia;ido como um ebrio, Motta feroz que uma panthera esfaimada, ati-
Coqieiro foi c&hir sobre uma cadeira na rou-s-2 contra Fidtdis, ésbofeteand-o e bra-
sah de jantar, emquanto os hospedes d*nc'o :
estípcfáctos olhavam sem coragem ae -.Dize-m e, negro do diabo ; ende apren
intwrogal-o. deste a aer tão malvado. Crianças, velhos,
iDepois de um silencio Icngarnente sc- todos, miserável.
M ado pdo dasventarado; erguondo-se — Senhor, meu tenher, respondia hu-
com os punhos cerrados e a cabeça vol- mildemente o feitor, não fomos nós.
tída para o oeu, cxelaxnou elle cc m uma A negativa enfureceu ainda mais 0 fa
eitosção, que provocou as lagrimas dos zendeiro, que deixou 0 escravo para ar
hpspedes. mar-se de uma cadeira que, manejada,
— Mis não é possível, meu D us, tu bam espedaçou se de encontro a um portal, não
ibes que não é possível que se rci^eJite tendo apanhado F;de!is, que se defendeu
^ue eu fosse capaz úe semelhante baibari- da aggressão e correu.
dâie. Nio, 6U não creio que os meus ini — Tu me pagarás, desalmado, tu ma
migos sejam tã , máas que atirem s<bi’e p .garás, gritou 0 fazendeiro, depois de
mim esta mancha. dese;>ganar-sa de que não podia agarrar 0
Como qua um momento lúcido foi então feitor, que fugia seguido dos outros escra
coricadido á razão no infaüz fazendeiro. vos com que sahira de manhã.
Attentou nos seus amigos que 0 cercavam Ficai am, porém, no terreiro Cirlos e
commovidos, e, redobiando do soluçcs, D.»mingos.
disse-lhes resoíutâmonte; A coiei a do fazendeiro descarregou-se
— Os senhores precisim de paitir, não to ia sobi o o moltícote, que em vão pran-
se demorem por minha causa. Demiiis teiava, aíürmando a sua irinocencia.
seria talvez comprometteios. Deixem-me Cimprehendendo que a furia de seu
só ; eu agradecerei sempre tanta bondade senhor chegaria ao maior excess:-, Do-
e espero muito da vessa kahiade. A eus, minges interveiu submisso ponJerande-
reZ‘,m a D us por mim. Iha judiciosamente:
// Perplt xos, cs hospelss reluc,tai’am em — Perdão, meu senhor, vtsuie.ê vai se
obedecer a peramptorü intimsção, mas a perder; este moleque morre.
insistência do fazendeiro, .solemnisada Do feito Carlos já estava estendido por
pelo desespero e as lagrimas, reiolveu-js terra, com a cabeça quebrada e 0 coipo
por fim. todo ralado pelo.s tombos repetidos.
Tocante despelidaesta; f omo que tod( s Ainda «ssim talvez fosse inútil a pm-
os cora uoi temeram que a palavra lhes der&ção do e s‘ravo, sa não chegassem na
■Sí 1
meí^ma occasião Faustino e FJôr, que ia para Campos já ; os seus amigos lá hão
ambos assustadissimcs disseram ao fa- de defendei o.
zeadeii’C que tiaha-seido chamar as aucto- — Siia, sim, exclamou o fazendeiro,
ridadrs para verem o que havia na casa hei de f^zo ' confundir os calumniadores
de Francisco Benedicto, que estava fe e a desforra será tremenda.
chada e sobre a quftlpairavam os urubus. Dentro em pouco tempo uma canõa, re
— E 0 que tmho eu coai isso; res mada com extrsordinaria boa vontade,
pondeu Mctt-i C,)queiro. voava pelo rio Macabú Levava eui si o
— Antes n„da tivesse, seu capitão;' fa> eaáei'o, que ia buícav no seio da fami-
mas estão a dizer que a ^ente de Fisn- lia consolo para a sua afilicção.
cisco Beneiicto foi mcrta por ordem Durante todo o dia n nguem atreveu-se
de vosmeiê ; sclugí u Fiorentiao Si!va. a appvoximar-se da casu. em que epadre-
— E quaJ foi o miserável que Icmbroa-se ciam os cadaveres da familia de Fra ncisco
de accusar-mo, diga-;!C:6 o ssu nome, quero Bfneiicto. Só a nuvem de corvos, gias-
fazel-o engulir a calumnial nando de espeço a espaço attrahidu pela
— Todos os que estavam na v e n ja ... carniça, fazia sentinella á naortualha, ora
— Todos I concentrando-se em immensae; pbera ne
A mais dilâcerante angustia f a resu gra, ora desdobrando ss e abatendo-se
mida n’tísta uaica palavra. Encarnava a repentinamente sobre o tecío meio quei
revolta da dignidade de hom-m de bem mado.
e a dôr agudissima a sangrar um ca A' noite, porím, um vulto chegou eac-
racter serio. Concratisação do desespero telo?aDiente até á frente da casa, empur
de um coravão, Upidhdo pela severidade rou a porta e entr. u sem he.itar, fecban
psra agalanar se com as irrádiaçõe.s da do-a de novo sobre si.
bondade9 da juítiga, n’ossa unici palavra Lá dentro ouviu .se apenas o ruido das
gemia tcd;* um passado de honestidade e moscas espantadas pola visita inespe
nobreza,do sentimentos ago)'a desapleda- rada.
damente trucidado pela calumnia. Passado algum temjío, o vulto sahiu
com a mesma prec.vução, e, entrando pa
O fazendeiro sentiu-se no vacuo, mas
las roças, seguiu pelos aceiros, depois
esse vacuo hcriivel do pesadelo, onde ec-
pelo campo, e afinal dirigiu-se para as
Irridos como fogos tatuos suceedwose e
senzalas do sitio.
aprofundam-se infinitos círculos lumi-
Abriu uma délias e entrou, acceaden io
noíos, aos quaes nos qur,remos segurar
pogo depois um cjaadieiro. A ’ luz deixou
quando se nos afigura que lolumos e
então conhecer a pcísoa que, zombando
sentimol-os ao nosso contacto desfaz^rem-
de temores sup-^..rsticid.50s, não trepidou
se em fumaça.
aventurar se na escuridão a no isolamento
O que no pesadelo é uma succ^ssão de àquel’e dcminio da morte.
círculos lumino.;os era no espirito do an Era a tia Bilbina, que trazia sòbraçafa
gustiado ura tumu'.tUÃP de s-mfiajentos', uma enorme treu xi de roupa ensanguen
qua aão tinham eoniistencia para obstar tada.
lhe a queda na conlerunaçâo aocii)., A feiticeira c .-meçou então a estender
Todos, repetiu o •lesveaturado ; ms s demora lamenta no cifão os vestuários
queemal fiz eu atoda essa geate ps.ra qve impregna ícs pela.s exhalações dos cada-
assim ma julgue ?! V6,"6S.
— O que quer v..smecê, seu capitão; Depois reuuiu-as de novo, e f<, i collo-
accntace qua^i sery pre a.ssim, di;se Flc- cai os em uma velna caixa, ao canto do
rrmtiüo. Eu no seu caso e sua posiçso quarto.
ou A PENA DE MORTE
■ r-
140 MOTTA COQUEIRO
Oá encravos do fazendeiro ficaram d’esde O.S seus affagos para [os filhos e entea"
logo á disposição di s auctoridades, m<sS, dos foram misturados de lagrimas, e os
0 Sr. Oliveira, não obstante desenvolver abraços eram tão oítreitcs, cs beijes tão
maxima actividade para a captura dos soffiegos qua a esposa e o enteado ex
indigitados, criminosos disse todavia ao clamaram ao mesmo tempo :
inspector ; — Othe quo d’eí.ta maneira faz n'*s
— Era capaz de jurar a favor do ca pensar que perdemos c nosso quinhão.
pitão ; não me parece capaz de semelhante A jovialidade de ambos foi, porem,
crime. bruscamenta mudada em recolhimento
— Mas as provas, que são to Ias contra tristonho, porque em vez de sorrisos o
elle, dizem justamento o contrario, com fazendeiro só tevefiagrimas ao abraçal-cs.
perdão de V. S. — Faça com que as creanças se reti
— Não vou fóra d’isso, mas....... Em rem, porque é necessário que fiquemos
todo o caso as eleiçõ-s se spproximam e sós.
em quanto o capitão deslinda o negocio Depois que a. fsmiiia retirou se, os me
podemos descançar. nores cantarolando e gargâlbando sem
Na rcesma hora foi expedido um pr< prio cenitrangimento, o colleator perguntou ao
para Campos sfim de communicar á po seu padrasto qual era a nova de.egraça
licia 0 acontecimento e p=’dir o seu auxilio sucoedida no maldito sitio de M-acabú.
para a captura ‘.;o piincipi.1 criminoso que — A rnaior quo se podia imaginar, res-
lá devia estar. ponieu Mctt.a Coqueiro; Francisco Be-
O Sr. Oliveira não se enganava quer nediuto fei assasãnado com toda a sua
quanio negava a sua ronscienda a saoc- farailia I
cionar o clamor do povo, quer quando — E quem foi o auctor de tão tremendo
previa que Motta Coqueiro estava em crime, iut-rrogou o colleetor que se pu-
Cam.o^i. zera de [é, treorulo e pai turbado ?
No dia da diligencia no sitio, o fozen — Não s i ainda ao certo, mas éiz-se
deiro tinha chega.lo á f-ua chacara na ci- que firam os nossos escravos.
da’ e, acompanhado pelo preto Domingos, — Meu Deu.s, meu filho, meu marido,
sobro quem não pairava no e.^pirito de exclamou a Sra, D. Maria, eu sou a cau
Coqueiro a menor duvidada respeito da sa tora d'asta desgraça, eu sou a assas...
sua hempção no assassinato da famili.i Um violento abí.!o nervoso, convulsio
de Francisco Banedicto. nado pi-ülongadamente, cortou em meio a
Sentr-dos sob um ctramsnohão est.ivam aceuseçãj peiigosissim  que a Sra. D. Ma
a Sra. D. Maria e seus filhos tanto os ria pronunciava e ntra si própria.
do primeiro consorcio, como os do segun ^oceorrida a esposa, que foi desíe então
do, com 0 fazendei; o. presa de uma febre d vastadora, o fazen
Um dos filhos do primeiro consorcio deiro e 0 colleetor reataram a cenversa-
era já uma influencia campista ; desetn- ção dolorosa.
peuhava as funoções de collector, c gozava — lí onde ficaram os escravos ?
de consideração geral. — Fugiram o.s principies auctoies e
O fazendeiro que atraveasav.a cabúbai ficou apenas o Carlos, que dtixsi ficar na
xo a alêa que do portão da chacara diiL barra de Macabú para trá<ar-s0. Qussí
giase em linha recta até á entrada da mítsi-o na primeira txploião.
casa, foi dispeitado da abatracção com Passado um breve silencio, durante o
que andava, p?los pstos do grupo e logo qual o colleetor, cemes olhos rssos de la
conduzido para elle pelos meninos que grimas, foi pouico a pouco desenrugando
lhe sahiram ao encontro. a fronte ; exclamou:
— Não ha 0 que temer ; não desani — Ah ! miseráveis, bradou o collector
havemos do ver quem vence.
memos.
— E’ 0 qne lhe parece, meu amigo; ha — Saiba mais, meu amigo, o incom-
modo já não é pohsivel evitar, porque ha
tuío a temer.
uma paite do subletegado de Macabú.
— Porque, haverá alguém que acvorlite
— E basta isto para sviltav-se d'e^ta
que minha mãi fosse capa?, de mandar as
sassinar ums famiiia? Explicsremos tudo sorte um homem de bem ?
e a verdade triumphará.
— Infelizm ente não é preciso mais. Ha
entretanto tempo para que o nosso amigo
— E' engano seu. Ha um my.iterio para
você ncs acontecimentos do sitio, e este é
se ausen te, porque o ju iz de direito ac-
tualmente em exercido re’.ucta em expe
0 ponto mais sério. E-scuto-me
A voz do fazendeiro abaixor-sede modo dir o m anialo de prisão.
— Estamos, pois, salvos porque tere
aaer ouvidi sócrentepelo seu interlccitor,
e a gravidade da confidencia pôde apenas mos tempo de confundir a cilumnia.
— Não se iiluda com esta esperança ;
ser suspeitada pela coramoçào do collec
0 proprietário da vara chsmal-a ha a si
tor, que por fim sem se poder conter disse
talvez amanhã.
bem alto :
— Estamos perdi -os 1 — E ...
— Bímsabe quanto sou mal visto pelo
— Já vê que pronunciar o nome de sua
roãi n’este negocio é deshcnrar toda a juiz de direito e quanto devo ao seu pa
drasto. D-miis a ioíltiencia d'este é te
nossa íamilia.
— Ninguém acreditai á na sua innocen- mida pelo juiz, que se quer fazer depu
cia ; e condemnal-a-hão. Minha desventu tado e tem uma ch?pa a impor. O melhor
caminho é aconselhar o Coqueiro que se
rada mãi!
— Esperemos e confiemcs em Deus I ausente até se aclarar a questão.
Concebe-se far.ilaiente cs horrorosos pa Quando o collector seguia o caminho
decimentos do fazendeiro, seu enteado e das Covas d’Areia, onde era a habitação
sua mulher durante esse d ia; todavi» uãa de Coqueiro, foi atírahido pela conversa
eram senão o prtlogo da hi;jtoria do ção de um grupo.
Dizia um dos reunidos :
infortúnio d’assa familia.
No dia seguinte, o collect-r, que tmba — Não se péle dar maior escandalo ; o
sabido parj in lsgar se já em Campos ha delegado de policia sabe do facto e não
via noticia do fntal acontecimento, en se move ; 0 juiz do direito interino não
controu se com 0 Dr. B., que sbraçou-o expede o mandado, e o criminoso está
chorando e disse-lhe tristemente: muito a seu gosto em sua casa. Não ha
Falla-sejácom insistência em rma como ser chefe de pailido n'esta terra.
tristíssima historia, em que anda envoi — Ora que quer<s tu? interveiu outro;
vido o nome da sua familia; previnam se 0 delegado tem no Ccqueiro o seu braço
em quanto é possivfel. Temam, porque é direito ; seria muito engraçado partir
quasi inquebrantável a força da calum- d’elle 0 golpe. E' capaz de demittir-se.
nia. Verão.
— Mas, objectou o collector, exforçan- — Nada se perderá, o Coqueiro ha de
do-se por dissimular o panico de que foi ser filado talvez hoje mesmo, porque o
logo assenhoreado, é cousa assim tão Sayão Lobato assume a vara. Isto aflan-
grave ? çou-me pessoa' muita séria.
— S i é,meu in fe liz , amigo diz-se que seu — Santo Deus, santo Deus, murmurou
padrasto mandou assassinar uma familia 0 collector; estamos irremediavelmente
inteira. perdidos.
J
m MOTTA COQUEIRO
calço, chegava sempi’e depois que elle Eoiquanto aí sim era julgado, extenua
estava distaociado. do pelas continuadas jorn^ndas, M:itía Co
A ’ rcerhda que se decorriam cs dias queiro arrastava-se pelas ncsttav, p ra
formava-ae uma lenda tristis^ima. Já não fugir á injusta ros'çào.
era s(5'dL',er-se que os cadaveres foram Sedento, meditava primeiro e es. rei-
encontrados, segunJo o Cruseiro. já la- tava minunci samente para chegar-se a
cerados pelos cõ^es e tíves c-’ v/iivor-as a!gum rib- iro, que muivr.urando descia
accresc6ntav 3-se qae, tendo podido es pelas grotas, broíajdo em sons tristes
capar á matança, sppareceu uma infeliz como um soluço.
filha de Francisco Banedicto, rota e fa Um nez depois da sua sahi ia da cida de
minta, ainda mais, digna da compaixão sentiu que as forças abaudonavam-o e
pelos seus poucos annos. lembrando-se da farrilia, dos íilhoe inoo-
Pobre menina I òizia-se, e-tremece ao centes que ficariam ao desamparo e infa
ouvir o nome do fúzindeiro, e pe^-gun- mados, caminlK-u para ums casa que al
tada porque tinha tsnto medo d'esse vejava ao longe, e ahi pediu agasalho.
nome, respondeu : Receberam o com o de'icalo/a hospi
« — Estaví mos eu e minha irmã escon taleira innata no sertanejo brazileiro, mas
didas em uma avvoim ; eu que era mais gradativa mente foi diminuindo a prassn-
velha subi até as grimpas e minha irmã teria da familia.
h ficou occulta no ouco da arvore. Em E’ que havia chegado o dono da casa, e
casa choravam e gritavam meus psis e antes só ahi estavam mulheres.
meus irmãos, mas a pouco e pouco tedes Francisco José Diniz, chefe da familia,
calaram-se,
que hospedara o foragido, era inspe
. Appareceu então cá fóra o Motta Co ctor de quarteirão, e embora o seu tino
queiro, alumiado por um escravo seu que policial não tivesse finura especial, a sua
trazia um facho, P,>"ocurou em roda da perspicácia eítimulava-se com a lembran
casa e depois chegou se á arvore, onde ça dos prêmios no valor de dois contos
viu os cabellos deminha irmã, pelos quaes •s
do réis, efiferecidos pelo chefe de policia
tirou-a do eserndrijo- da provincia e ía delegacia de Campos.
— Mata este d moainho, disre elle ao Ao vêr aquelle homem vestido de preto,
preto, com ura lenço atado ao queixo, e uma
— Senhor,é muito pequena, tenha pena physionomia em que a desventura sul
d’ella, cava rugas indeleveis, o Sr, Diniz lem
— Covarde, tu mepsgarás; exclamou o brou-se do criminom, cuja captura era
fazendeiro, e segurando cem a mão es esperada cora anciedade geral.
querda a perna de minha irmã, com a De.xanro só o hofpsde, foi prccurar
direita armada de um facão, partiu-a pelo ura officio que lhe tinha sido dirigido pela
meio e depois fel-a em postas, delegacia, o chamando a sua mulher
— Falta-me ainda uma, disse depois. leu-o para que ella ouvisse :
Eu tremia, continuava a criança, mas — « Fsça prender Manoel da Motta
felizmente elle não lembrou-se de subir á Ccqueii‘0, alto, magro, corado, de sobran
arvore.»
celhas salientes e espessas, com uma
E a crédula população bradava indig grande mancha no ro-to, casado, maior
nada : de 50 annos, e assim os escravos, que o
— E a um malvado d’estes que querem acompanharem. »
livrar. Miséria da nossa terra; muito — E que tem este pobre hemem de cam-
dde 0 dinheiro 1 Mas se o jury absolver, mum com o malvado, que querem pren
O povo far-se-ha carrasco. der ? Pois não se está vendo que um ho-
nif=m c< mo e^te era incapaz de matar gravado na memória um signal pelo qual
um< nriOiC* ! esc am* u a espo>a. é fac l conhecei-o.
— E l-ts isf^rot m muito, os sceleralo’ ! — Eu também sei : uma grande man
— E u^e^^lo que fusse, aqui deritro é cha no rosto.
— Exactamente, e dVste lado.
nrsso hoípeda.
O incauto f^^zendd o sífistou olençoe
_ E eu sru sempre iospoc*^or, gqni dea-
Itíix^.u ver 0 muldicto signal, que o dava
tfo, ou fóra d’aq'‘i, V,.u ctnfiontai’.
conhecer.
— Está preso 1 gritiu o inspector.
Oinsp-ctor pottou se diaute de Mott^^^
C< Qua ro que seiit«.Io á m-*sa oa sala de
— Po'que ? perpietei algum crime ? per-
jjD t !■ (ei va tronqu lii m^uta.
guiitou 0 hospeie perturbado.
— N i) m^ partce; ma* é elleme.m'',
— O, tribunaes dirão. Esiá preso por
£S'á se veulo; vamos coaversal o.
que o senhor é o Motta'C iqueiro; nio
D p is da ceii, M t i Coqueiro cfn ífr
póde nega-lo, e foi o sennor mesmo quem
vou se sentado, e íegunlo <s es*yli s pei iCbbdU de mostrar a mancha que D is
guütou pe'o numei'ü de membros da fa pO(.-lhe no rosto pai’i que sej* conhecido
m iiii de seu agassllxadjr e peks seus em tola a parte. E 'tá preso.
n'‘eoc os. — Senhor, di.sse humillemente o fazen
E t bolada a codversaçãi, o iospector deiro ; não tento lesistir, e entietanto, se
6flf ccanlo a mais s m era familiaridade, eu fosse um malva lO.bem sabe que á p i-
perguotou ao íiospe e : meira voz de piisão, te lo hia feitoc*hir
— O Sr. vem de Campos ? varado por uma bala. D ixe me seguir ;
— E :ii'^e lá, mas venho do sertão de o senhor é pai é marido, pó le vir a ser
Santa Rita pH^seguido sem culpa, como eu hoje sou ;
r- E quando p«ssou por Cimp s não compadeça-se de ndnha desgiw<;a.
ouviu filiar do Moita C queiio. A mulher, e os flluosde Dini/. tinham
O fjZtíodtiro sem pestan jos sequer, todos coriido para a s^la oe jantar, e
recpun leu com íi. meza. olhavam espantados para o hospeie,cujas
barbas t rvalhavam-se de lagrimas.
— Ouvi.
— Qie malvado, beim ? Uma familia O fazendeiro prec p tou se sobre as
criar.ç is e ajoelhando se, e cinginJo-as
inteiri, velhos « oriancas, e aié a própria
casa, tudo datt uiu N m enforcado oito em seus braços, continuou;
_Oihem bem pari mim, meus filhos,
v.-zís oaga o ciime que comraetieu.
olhem. D gim; eu unho cara de um mal
_T Ivez se o senhor o C' nhfCe^se não
v a d o , digom, digam a seu la t? Pe am-lhe 'JiTj
dissesse o mesmo. Eu não acre ito que
que não desgrace uma família inteira,
M tta Ciqueiio tv-sse alma pa.-a seme-
lhants h nor. E’ um hcrnnm ) 6 iio o
perseguida injustam-nte.
As cianças pbUidas tremiam abra
Moitt Coqueiro, que eu couheço.
çadas pelo f)ngustiad 1 fizenieiro; a es
— Q ian’o á cuteza do cíime, já.não ha
posa de D oiz chorava, mas oste nes p e-
duvida: os p'oprios escravos e í s dois
dido e inexorável, vendo o hospede com
homens que elle pagou para o mesmo flm
üs seus filhos ent e os braços, após ins
conf- s aram o c iia e . tantes de hesiUçã», atirou-se fuiioso
— ü- d is h. mens que el*e pagou,
\ acuiiu M UaCoioeuocomTOvido ; mas fobre elle e agarrou-o pelas costas, gri
qu mi é qu <empalha isto, santo Deus ? tando :
_O 1 1 o senhor c mbece b“m o assas
— R pizes Iragaor-me cordap.
Dois p etos aproximaram-se imm«lia-
sino ; mostra-se tão penalisado I
timenta e o fazendeiro foi agarrado i
— Sim, fomos amigos. Tenho atá bem
<■ - . ti
1
ne MOTTA COQUEIRO
ap zar s us r g >s e piolestos di que era intro fuzi la pe o cercereiio até oiiunte
BQesa>o feem , e.ta mediia não tecUria das grades da c l uU em queVlle j-zia,
iugir. de^tr<ço de um grande nome, solemne no
A ’d seis horas e meia da tarde, do dia seu Í(;f itUD'O.
vinte e ties de outubro, des le a rua Bsira A baça luz de utn grande lampião ala-
Rio até a Praça da S. Salvadcr, onde está m iiva o corredor e p ojectav» a clari
^itu-ida a cadeia deCanpis, a fopolaçào dade ciepUíCuUr no ií>teiior da cellula.
cui'iosif ftgg onQ'-raVa se para iSsi*tirua 3 — Pap-íi, papai, »xclamou a menina,
t iita espectáculo. pondo 0-. bi-açüs p ir eòtro as gra As ; ve
Descalço, com as mãos algemadas, os nha comui.{0 para ver se mamái deixa
olhos baixos, as facfs emnsat{ieci las e de choi’sr. Eli» fstá muito Ji ente.
livida^, Motfea Ci.qu iio de-embaicou da Um p'jnht.1 vibrado, peU mão do ver
Barca de Possagens acompanhado por dadeiro ass ssino de Francisco Bme icto,
grande numero de soldados. u&) teiia fii'ido mais fundo no ccrsção
O delegado de policia, Ür. Alm eila Bir- do de v<raturado réu.
bosa, que e^p'*rava o pre o a sahi ia da Dd um salto veio collocar se junto da
barca, era alvo das reais entbutiasJioas grade eseus lábios procuraiam scflfregcs
mamf stíções, mas em vez da natural as faces da meoinH.
expan ão do seu semUacta conservava se O caret iro, com os braços cruzados e
fno e até mesmo c« mmovido. enco taJo á ptieJe em frrnte á gr»de,
Ao ver o modo po que o pie>o era con assistia immove^ á trisie sceaa de ■ xpm-
duzido, o n> bre duotor estremeceu, mas são do bm jr paterno e da innoctncia fl ial.
a sua commo.ão não pou ie ser percebida, A mV-n na, aproveitando a occasiâo ena
porque uma nuvem de assovios e alguns qud seu pai de xár-i-a um in tante para
projectis atirados centra Mottr Coqueiio, euxogar as lagrimas, dirigiu se no car
causando indignaeão em vários grupos, cereiro.
desviou a atten<,ão geral — Para que é que tem fechado a porta
CoiitiJa pela p >1 cia a baixa manifes do quarto de p- pai ? Elle prejisa ile ir
tação do odio pi polar, o desventurado vôrm am ãi; abra-lhe a port*.
fazendeiro foi conduzido á prisão, coja — Eile está peeso, minha menina, disse
guarda foi dobrada. o carcereiro, que se tbaixara e bejou a
D clarado inc mmunicavel pela cruei- menin»; não se póie abrir o qoarto dVlle.
da;e da lei, desflzera-se-lha a onica es — D ixe o sonhir, minht filha ; elle
perança q .-eo al.ntara durante a \ergo- não pó e f^zer o que você Ihepeie. Ve-
nhosa e fst gante viagem : a esperança nna ccnversir com te i p i. c
de haurir nos beijos de se is filhos e nas U.n leve lui lo. vindo do lado da port»
lagrimas da sua esposa e enteado a tjiste pr n-ipal da cadâ», di-pert- u a rttençío
coi sol içâo da amisade. do carcereiro, que de xou a meninae, pé
A grade da prisão trancoo lhe, porém, ai le pé, dirigiu se a es ada.
não só a conside ai ão social, mas tam T es homens embuçaáos chegavam
bém a entrada á aflf i>,ão da-familia. u%ste instante ao p.tumar. Dsfarçadas
Fel znaenta superior á lei está a j:o as phy ionomi s por m-ias-ma caras de
biezH de alguns caracteres, e o gelo dos oannu negro que cabiam lhes ia» sobrlin-
artigos hga^s não basta para petrificar celh>s até a altura óus libius.
al^rumas almas eleitas Sob a t' ga do> m i- Artes que o carcereiro tivesie ti'o
gibtrados bate muitas vezes cuiaçõ s de ten p i de pr fer r una só palivra, um
homens I dos embuçfldos, airancan lo do rosto o
Alta noite uma das filhas do fazendeiro paono negio, deu-ee lhe a conhecer.
OÜ A PENA DE MORTE 147
A
Dizia-se que Fanstino tioha espitac'o queirobiT'cou apenas,nasimpUci iadedss
lun pé, correaio apói o filho de Fi »nciíco suas respo-,tss, deixa ■ clara a tua mno-
Benedicto, e com <ff ito elle te temunba cencia.
viu Faust no manco Oí escr^vV s c< n 0 r- Os factos oceorr dos no sitin f ram ex
maiam lhe a nsrraçâo de Faustino, que postes minudotau,ente, e invocaJoR se-'
era useiro e vegeiro em taes crimts. rios t stemuntios para explicar a coin
Pa>a provar que Faustino era crimi- cidência da süa ultima chegada ao sitio
ncgo ba tava dizer que elle tratou lego com 0 assassinato da familia
de esconder se nas raattas.
A temerosa acenseção da cobrança do
Do que elle testemunha se admira é de valle foi de .fs it. c rm a singella tai ração
ver Florentine no numero dos assassinos ! de uma pequena t. ansacçèo com i.ercial.
Passan lo-so a ioquid>;ão dos curoplic s, Co jfr nta lo este com os conti a tictr.i ios
d sse B mto Pereira da Silva que ȋo
depoiment', s dí.s te-temunhas, ficavi por
sabia porque fstava preso e quarto ás demais provada a innoctncia do léu,
mortes tinhão sido feitas pelos outros, mas a-ex:*ltação dts e piritos, o clamor
porque 0 seu irmão F ustíno lh’o liese, p pular irnpLdiam a boa marcha dos e,j-
convidando a<Ile réap sra ir re^sucitar piritos.
Frabcii’ co Benedicto de quem era smiíro.
Não te admirara ct'e^te p’’ocelim-nto O subde’eg'îdo Oliveira apressou-se em
de s-u irmão que hav>a antes assassinado pronunciar os réus, como fiu.'t i:‘ S do
a Jiã • de Carvalho, p»lü que fo’ senten cri e de horcicilio previsto no art 192 tp
ciado,' e não conc'uiu o curaprioiento da codigo crimmal, ad uzindo ss c'rcà^s-
p na por se ter evaüdo da prisão. tanciaa aggi-avantes de paga ' u esperança •
Fauí-fioo S Iva, responde: do ao inqué de recompensa, entrad : em cisa do í lï n-
rito, confl mo a s«guadi parto dc* depoi- dido com inteuto deromcneicter o crime;
msnto, poré n nega a primeira,aíüro.an io resv'.ltar, além do crime, outro m: 1 ao
que OUVIU òizer que as roort-'is t i n h a m cífc-ndiio ou pe'isoa de sua família, aug-
sido feitas por um pr<<to desconh ci Ic, o mento da f ôr pby<ica por cii'cu t stnicia -.t
jBot<io e esci-iiVí s de Coqueiro, mandados éxfraorlinaria ; augmefitrt to crime por
por este. circaq.staoci.a txtraor iitóaria de igno
Tratando de contrariar as testerauniVis, minie, p 'ir neturfzs Jrrepyrave.l dn dara-
apresenta-as c* mo seus inimigi s, e pon no; e, fioalmente, augmeuti; 'da tíllícção
dera que os que dizem ,que sab am que ao tífticto.
elle réu queria matar Francisco Benedicto Ccnclusos os aurtes ro j iiz municip -1
sãj tambern orimiaoscs, porque não avi subttitafo de Macéré, f /iam eAvrados ao
sarem a suctoiidade. promotor que, depois da «p das
Florent no Silva, d "pois de expor a sim prevas, pediu qi-e se fizesse 'a -devida
plicidade de suas reJaç es c m o f «zen- justiça. .,
drtiro, Cíucluiu por imputar o ciirne a Motta Coqoeiro, decla’ ado incoramuni-,
Fiiustitio, M^nuel Joào e os escravos. cavei des.ie a lua pri ão até a vespera de
Doming is bmitou-se a narrar o que se lea julg-rmento, conti. uou -a sua {.e egri-
tiohi p'nssado á sua vista; confe sa não ü:Çâo de infortúnio.
ter vist Cirlos feiido, e clamr p la sua Apregoavam por t^- ía a parte geua
itmccenci >. detr ctores q',e sec p.'e lôi a um h lurep?.'.
Seg iu-ie 0 interrcgjitorio do fszen- perdido no c oc.^ito publ c>, e eiit'eitanto
deiro. não 0 julg' ram seguro n i cacêa de Ma*
Sena aceusar ninguém, porque não de- C:ihé, pelo que foi manda io para capital
sejaVfi fazer jaizos temerários, Motta Co- do império.
• ■*/'
J ^T 4
..1! . ^ --
OU A PENA DE MOETE
d’elle e QpQUum *1 s ois *pja e e i. S- •le M tti r< qut-i o tiahara-o ab^nd. nad< ?
elle f S'6 inn c nt< c i estinam to ‘os os Eu <iizia-l'e que e tsva coropletamrnte
seus pftr-ntes t cão me c nsta que e&tej » eogmado, e, cooio não go to de dizer as
aqti n«Dhum. cousas sem provas, queira ouvir a lei-
— QiHDto a isto nlo ; vfoê leœbra S'» t ira a’esta cart-, cuja copia foi tira la
do (lia em que elle caegou aqui p*la pri- pelo ad'0,jado E cule :
rn lira v. z leu bra-se »a becn da nora do a Meu caro enteaJo.—Brevemente devo
de^e »rbacqu« d-« côrte? Se v ssem a guTn ouvir d • tribunal «o jury ou a confirma
p'irente enx v-.lnav^m-o por füi\a, e ção da calumnia com qu • m s perseguem,
eoübora um h rrnm sej m nto critnia »o ou a sati.'f>ção que a sociedade deve á
n^o quer q'''e se desatten.a a su* iaxilia. minha innoceniia. ;V '
Eu dou lhes razào A principio quasi desanimei da minha
— Pobre homem, exc’aœou em ootro sorte, lembrando o modo porque f i tra-
banco um exp^ctalor j Deus o p ’tt^jt e tido pelo 0 ’iveira e a iniqni lade da pro-
O i. uunciacom que conseguiram prolongara
— 0 a essa. bornera! responderam a minha diffimação, mas heje escrevo-te
esta manifestação de pied*te; po’S o CO n a maior esperança, apezar de saber
senhor tem pena d’aquelle demonioT E quil o jiii/.o que em g«ral se faZ de mim.
jrecii" ou s e ’ U'o s a it ) ou ser tào bom Consta-me que minha pobre muih<r, e
como elle M ttr uma ^arndii inteiiM, tuainf liz mãi vai s«r int'mada como in-
velh s e creanças, e ainda haver í.uem forroanle. Eu entend*' queé desn-»cessario
se e n oa de someltianfe assassino ? ... o compareoimento d’e la. não só poiqus
— O senhor só pó leiá fali r tsdm de t«m cousa alguma adianta, cimo também
pois da deci âo do j iry ; por ora não. porque, se a minha de<graça levar-me
— Pi,is tranque-me a bocca, se nâo qui bté a ser ron iemnado, eila não teria re
zer que eu fabe e além u isso os incom- signação para lembrar-se da recoromen-
motados sâo os que se mudam, ■ laçãi. q ie lhe fiz,quan to começou a phase
— No vapor ecu qu-s elle veiu, narrava net.ra da minha vtda.
um homem que patena merecer consile- P e.ote p'^s. q ie a convenças de que
raçàu bos ouvintes, teve ocoasiào de es- não deve comp irec-r. Seria aggravor
cap-rse. Durante to la a noite, as praças os seus incommo los, e talvez aventurar-
que enjobr»mdosu.e«uia lom^^iite, fi jarom se a um desrespeito da população.
desa^oididiS, e ell se quizesse poiia ter- B m sabes, meu caro ent-a lo, que a
se alirado ao mar. Já bera peito de terra, é é 0 melhor consolo do> iof lize.s, q ero,
elle, que estava completament" livre, teve p rtanto, pedir te qu- dui aute o mez de
quem o aconselhasse a fu^ir, e apenas sa janeiro, todos ts dias r-uuas os meus in 1*
cudiu n g tivamente a caoeça. Portanto nocentes fi h )S e todos rezeis por mim.
é fóra de duvida queo infeliz espera justi Deus ha de ouvir os seus roges.
ficar se. A eos beija os meus filhos, adeus; a
— A mim também parece que isto é um esper nça faz-me escrever-te: até breve.
sonh»; porque seirpie ouvi dizer que M a n u e l d i M o tta C. q u e ir o . »
Molti Coqueiro não t.n la animo de fazei
mal a uiog> em. — E n t ã insistirá ainda em dizer que
— Ora até que afinal o encontro ; já fui as relí>,õ s da fimilia Coqueiro eatão
á sua Cisa e a todi s os p )otos da ci lade Cortadas ?
em que o Sr. costuma parai*. Re or ia-se — Mas q ler estejam, quer não, esta
que hoatem á noite o senhor sustentava caita não terve para provar que elle não
que todos os parentes ein-lusive a mulher um rtfiaado malvado.
V *.
154 »lOTTA COQUEIRO
— Não tratei d'isto ; quiz ^6 mostrsir- & aísemb éa, piiacip.aram os ccmmen-
Ihe que es ava em erro. tarios :
Pela œarjeira por que o leitor da carta — E'nctorio que s? davam muito, e
moetroa se tão eoípenbado na defesa do qaí.nio a /'er.t vinha equi a negocio?,
f..zendeirt é ficil teconhec ro Sr. Mii'iios, passavam horas e horas conversando e
0 gratuito susíentador da inoocencia do muitas vezes ao sol.
piiocipal dos réus, apezar de tulo e de — Isto não me incommols, se e le en
to 3os. tender que 0 homem é criminoso condem-
— Veremos ainia qu?m vence, excla- ns-o. Tivesi e «-Jle de julgar e p' 0[.rio pai
moq e'ie; sò se nâo ha mais do que cegos e se acreditasse que era cUainoro, tenho
n'esta tei ra. Certeza de que o conieronava.
A sessáo tinha sido sb^rta, o fazia-se o — Bem, acredito; mas o que é verdade
soit io dos jurados, acoaip!>nhado ptlos é que um amigo olha sempre os actos dos
commeotai ios dos e.'p=tctsdcres. outros com o desejo da desc( brir o melhor
lado.
H-tvia nomes que eram «fplaudidos e
oitros que provccsvam sufu ro e repro- Ojg<DÍ,ado 0 coüselho, a sessão come
vavão nas galeriis. çou H marchar no meio do maior silencio.
— Ora é b a ; este ê conhecido ermo Püi lido o processo e em seguida feita
apani;>uado do assassino; se fscclhem a inquii ição das teatemunhas e dos n us.
Seguiu se a aocusação cu iialcsa de
jorados iguaps, a fer^a está absolvi ta por
força. cauaar imvimen os de indignação ern ra
08 Í 6U.S, gr-ças aos ierviçes c^.n^eguido3
— Ainda hontera seceou a guela em
á b-navolenâi da rhetorica enferma dos
vocif-rar o n tra o j jíz municipal, por ter jn istas.
pr. nnnoihd > Cr queiro, e hoje entra no
Q laudo já os adjectives tropeçavam e
conselho. Esta terra vai pela agua abaixo
ratardavam-ie de tão estafadoi, o p>omo-
1'elizmeote para es. es zelosos sm ig's tor pintan io o quadro de um pai bffl cto,
da just ça, o desgosto que os &ff ctava
qma velha mâi aesvsoerads, duas pobres
era passageiro, porquea vr z do promotor/ - 1 '
moçss afí^aaçalââ auplanjentr na sua vir-
com «m acceato severo, bradava logo :
gindade e vida, e finalmtnte très crian
— re cu ^o 1
cinhas acorJidrs do sub'ito, e abraçacas
Hodve um momento de vfrdaleira con umas com as outras, ttémulas de ieoe;r, •
fusão n-í a.<-sembléa. AÉfeciOí e desiffectos emqoaott lá fóra, um moço, Jesaim^íulo e
do réj nâo pronunciaram a principio uma atacado d t.io<.s osLidts, cahi!^ inundado
unica palavra, mas de parte a p rte des- em Sangue, precedexuo sos seus na knga
cobi ia-se profun 'o e sincero lec io. viagem da naorce: desenhado assim com
A sori.e or leriou que fo' se li !o nra manife to zelo e descrim.nação de planos
nome, em torno do qual agremiavam se e exuberância de tons este quadro com-
ju.-tam nte as sympathias ger-es:—João moveattí, o pi-omotor em nome da huma-
Sebeig. niiade, ria ci vil sação e da lei, pediu para
Um homem vestido de preto, alto, de os reus a pena de moite.
compUição robusta, fronte descalvada e A ajseinbiéa tsiia proron p i’o em pal
Olhar iatelligei.te, erguen-se de uua mas e br vos se a caa p iinha, tangida
das c a itita i lateraes, e fez ouvir com pelo magistiMdo, n ã; tivisse a tempo sus
vo? íl me:—pn s-nte. tado Ui an feitação.
Caminhou di''<-i'o á mesa e tomou o M< ttï C queiro tinha enü ilecido e
logar que lue f i designado. dui s gioSí.hS l .g'imas orvalhatam-lhe
Finda a e^pecie de stupor,que dominou preguiçosameute as faces.
ou A PEN’Â DE MORTE
®papel com a& ligrim as, escreveu quasi is c a K 'r is sercas do carcereiio e cs
ifliacelligi\ elojeot«: olhares ie,>uisivos de todos que por acasj
<r Meu Ciro enteado. — Acabo de sei relbnceiavam-lt e o semblante.
coademaa lo á moite. Sirva de pai a O infortúnio havia {or fl o afugentado
meus de^gi-açados ãUios. » osnjamaradis que outr'oia o ce cavam ;
‘jfifistaratn-se todos, poiqne a convivencii
XIII com 03 sce.erados é iniicio da mau ca-
A DESAFFRONTA SOCIAL acter.
Cirao os lazaros, nos passados tempos,
A notiaia da eondeoBn^çíi do ftzen- eram p ostos fdi'a das pO'tas düs cidades,
àe ro voou ruidrsaa eot'», levando comsijio o infeliz fôri expulso de toda a socielade.
a satisfação e a co.oâ:<nçi ãs consiien Ficava-lhe do feliz e sorrilente viver de
ciiS los creiulos adoradores da ju tiça quadra mr-lhorap nas — a saudade, pa-
humana. Inetá encantada que esbatia rica de cclo-
Oi n< mes des jurados eram repetidos nd I, fi'e>c >s commoveates, em que ei’am
por qua>i tolos entie spplauscs, congra- re resentalas as ciim çss descui losas e
tuhçÕea e ex<g0f« s le ide.ntes a afeiateo; piasenteirjs, a esp .si desvellada e tran-
sin la mais a reputação de Motia Co q illa.
queiro. Mas repontinameote o quadro desappa-
Nenhuma ejperançt re tiv a pois ao ncia como a braucura de um velioo
infeliz, coi tra o qual a socie a le obsti debaixo de um borrão, e o vulto negro e
nava-s-‘ a fecoaros olhos para não ver uma horripilante do cadafalso surgia dVntre
íó stteruante, qu-e ao menos ameiga^^e “sses fe tivos sonhos como a c-reta d 3
a m >nsti uosidade da pena. Q la-iniodo entre a alegria dos eleitores
O caijjfilso negrejava tremendo n*-s lo Sumo o Dl i o.
brumas do futu»o, e era dia por din B .tã o o desgraçado, c m o? c&b=‘Dos
arrastado lelos quat>o esteios, e appro a-repellados e o i lhar fl imii ejante,medi i
XTTiadi iotxoraveimeí.ta das vistas do 1 ncioso o estreito u cm lo da prisão, e
Cjod mnado. f ó psravi quan >f, ext- nuado,cai ia ic bie
Cont! í riedâdes e de''gostos corriam ao o Isito s f igado em st 1 iços e em 1 igrimas.
seu encontro, como teneio-a matilha de — Vejam como o remorso tortura
eãis hy irophobos.e atassalhavam-lhe con aquelle malvado, dizia o carcerti o ao
as piesas envenenadas a ptopiiedade e vA-o baqueiado n'e,-;sa côr profunda.
os brit s. Afinal de contas rão lhe valeu ter di-
Os civdores e o fisco escancaravam ss aheiio; nlo se pôle livrar da forca,
gudlas enormes e não as fechavam sem n-“m fd le fazer calar a consciência.
terem engcli Io parle do trabalho do fa E os que faziam na p isão a aprendi-
zenleuo doiante longos annos. A étn sagem da dureza do c ravã» e do cynismo
d’i.'SO 0 repitiam sempre estribilho n» li^m tiesaf gadamen e escaroeos )un-
dioudü da sua imaginaria barbai iJad^ geotes á santid ide d\ quelle s< íT imento.
contia a fam lia do aggiegado. Fóra da pii ão reinava a inexjiabili-
Tinha sido de novo trsmpoitado psra da e, e mais ainda a torpeza.
acô ite , e a s m fleavám-lhe sobre ma Um i (Ias ÍLÍlneacias de Macahé, muito
ni-ira diílicuitidas as suts relai,ô s, quer eoDienhadaem ver p n lid o i re x e iiiv e l-
com soa espo a e fllhis, quer com seus mente o desventuiaio reu, p'anejon uma
amigos. sc-na, cujo • ff ito demonstraria ainda tos
E.n tr.ca dos carinhos e c n olações mais t f nados deffeasorej a culpabili
que estes lhe tAfereceriam, tinha apen&s dade de Mcitta Coqueiro.
I estiva d i ilia de F j’'DC sco Bea«-lei an a am-se apre-sadan eutadingindo-
dicto u(na unica fi ha, a quil dizia n ser »eáesíj di, e outios dtbruçaiam >e ás
cas d» com u i.a dbg unhas do p o- janellasdo ediflcio, prolougando assim o
C0‘ SO. Sebastião C o n ô ' Btpt'st», conhe-susun o.
ci '^0 em MaC’ bii Sebisfião Poreira. — 0 a, bem parecia-ma que não rra, ex
A s»lic f.t inf.uenciO' ivscWen rrandar clamou-se bfloâi ; a fllnado pobre assassi
vir pars MiCshé a amçs, cuja p'e-ença nado não tem mei s para vir aqui.
ccnfunditia infíilliveltneute o malvada, — Por isso não, poique o D r ,... man
que persistia em mostrai-se appareote- dou a buscar.
meote tão seteno, que muitos já o consi- Afluil o rui lo dissipou-se e a voz de
derivam victima. Motta Coqueiro, tr-mulade commoção,
Appi’i'Ximan lo se a segunda s'>ssão do poude ser distinctamente ouvida.
ju i y a qu3 deviam respon^r os reus Depois de expor as .-uís relações com
mai-i odia os qu-' tôn ai p«rec d i eno tri Francisco Beneiicto durante q latro an-
buna^s brazüein s, a zelozí i<"flu^.r>cia nos dO'de a sua ch ga la no sitio e mora
apr-ssou se em teaPsar rs seiS'ie<'jos dia n* Císa próxima a em que resi lia a sna
C lOfcO emflja o dia d i sessão, e os léus familia, até o espancamento que lhe foi
compareceram para ainJa uma vez af feito pelo aggregad ; <xposta amsrcba do,
f ontir a odiosilade popular, a rhetorica processo, o procedimsnto de Ljcerio e a
da pTomotiria, e a sensibilidade dos ju indisposição de Lucio hibeiro e Manuel
rados. João ; Motia C qoei o'deolarou que tii ha
Os espectadores , alegres por não grande (.arte de Maoabú por sua inimiga,
veiem na tribuna da defesa o advogado inis que não sabe a quam atiiiuuir o as
que na primeira tes^ãr tinhs-os amea sas inato da familia do seu aggiegado;
çado com um prof nlissimo despeitc- seria f-zer juizos temerários.
manifestaram fracramente os sentimen A v jz foi tí>leceu-se então e adquiriu
tos contra Motta Coqueiro em um passa, timbie que encarnava em si a malaiçâo e
geiro inci e ite. ao mesmo tempo a resignação.
Os julgamentos do fazendeiro e ào es- — Q lanto á impuiação que me fazem de
crovo Dominfos foram separados dojulgf- semelnante crime, eu, perante o Sr. juiz
mento dos outros dois léus. e I s Srs. jurados, perante Deus e o ptvo,
— Faze lá o qua quizere«, matreiro, decNro que eatou injoccute : tal não
son iam os desalmados : já não ha quem man lei fazer 1
possa tiras te a cor Ia do pescoco ; estás Piolongaia hilsriJaie nas galerias re-
ahi e eslás a dançar sob as unhas do c-beu est.e brado da coi soiencia fl «gel-
carrasco. lada do f »zen leiro, que ouvindo a gii ga-
— O diabo ê que eUs assim detrora a Ihedi alvar dos ir seusatus, rahm como
confir nação <ia sentença dos outers. Eu que fulminado sobie o esc..bîllo infa
80 f»se juiz r ã » r»ousentia que se rom mante.
pesse a cambulha ia ; mataram juntos, 0 infeliz Domingos nem podia aa
de' i m ser oon letonalos ju tos. menos lig ir (s f*ctos p u a tX.>ol <s ; li-
Q ian 1o começou o int-i rogatnrio de mitou se a resp' n ier á- perguntas d i
Morta Co^u^il•o, houve um grande su- peispic cia d. entia do magi>traio, e coa
su ro, q oen ãoceleu nem ao toque da cluiu p r fcffirmar com a maior smceri-
CAmp'<inha presiiencial. daie ; eu não flz ci iu e !
— E lá a l i e m baix>; eu estou venio 0 coos-lho letiivu se pira a sa^a se
d’ - qui ; deve ser tlla. creta, m'asu’esta veZ a sua demoia já não
Diversos espectadores mais soffregos abria horiscnta aos alvores da esperança
f '
lo 8 MOTTA COQÜEIRO
no coração de Motta Coqueiro, estorle lencioso o veredicto tremendo que o pei dia
gaao ppH cruel cei tesa ce que seria no para sempre.
van évité condecnnado. De fe t) que palavras poderiam aioar- 1
O sol do dia vinte e oito de œarço de Dsrem si a amargura do ura esptri o qoe,
l f 53 (le-csmbava tiiite paiaooccideote, certo da so» ioao/ten i nã >tiaha fo ças
e p‘-ra elle oorno para om caiacter nobre para io p dirquaa scciedale, em n<me
eleal e^^tva perto otccôso; a regiào das da justiçs, lhe estorqu'sse tudo quanto
sonibras e des Œysteiios. mais presava.a honra, s. fa t i ia e a. vi fa ? 1
• A espeotstiva d<s afsiiteotes, pesta O que havia elle de dizer a um * s<cinda-
por muito tempo a mal soif idos tratvs, de que execra a memória do« barba; cs
foi en flou s&tisfeita: os jurados apresen- porqu ' de; truiram 's monum'mt .s da arte
taram-se com a 4 <!zejada resposta ats antiga, e no entanto julga-se com o di
quesito?. reito de de.:truii’ 0 seu stmelh-iníe, o mo-
C' ndrmîrain por unaniroidade que o numeato ssgrado da nature/a Î
reu Manuel da Motta Coqueiro tioha man Que palavras mere.iauma sociajade
dado matar Fi'aucisco Bene icto, sua mu que exara nos ^eus codigris como circum-
lher e sous fl hos, alguns dos quaes me stiocia ag .r V nte a sup-rior d^de de
nores de sfte annos. f >jç*s do tffensor tobre o cíf n Í4 o, eqae
Por oito Yotos reconheciam as circuns no entanto api nta mil esping i’ 1sS contra
tancias aggravantes de logar ermo á noi 0 peito do 1 éu, algema-o, at --lue-ao pescoço
te, e tentativa l e incenõio ; por unsni- um baraço, e f-J-o subir ao cadaf also í
midade as aggravantes : motivo fiivclo Ha côres para as quaes não ht mani
ou reprovado, prs m^ditaç.so, entrada ua festação'possivel; o coração humano ii-
casa do effendido, e ajuste com es execu mita-.e apenas a sentil-. s, quando não é
tores da matança. por ellas espedsç tdo.
Aos quesitos formulados a cerca áo reu Entre os agentes da força publ ca os
D 'tnmgos, respoudeu o mesmo cons Iho dois réus sahiram do tribunal, e c m
conflemancio por sete votos que o reu ti- ■ elles os espectadores, magistrado e ju
nha morto a fim ilia de Fraacisco Be- rados.
ned cto ; por nous re onhecendo as cir- A solidão sentou se então no meio da
cumstmetas aggravantes de legar ermo grande sala ainda h^t pouco povo.>dt, e
e de noite, tentativa de incêndio, motivo es roQ lante de maldic.õ‘~s, H»via ahi a
reprovado ou frivolo ; pov dez, a ngeva solemnidade das ruin&s d<s graudes ttm-
vante de ter entrado na casa do t ffenoi .o plos da antiguidade, e na verdade aca-
com 0 fim de matai o ; por sete a cir bava-se de esbjrv ar úm teaplo da senti
cumstaacia de premeditat.ã v; por oito mentos tranquillos,erguido por um cara
neg n 1« atténuantes a favor do reu, que cter de tempera.
não foi violentado por força irresistivci, A’ porfa d.) edifle if) irm hoxem,com os
nem msdo. b ’sçts cru-ados sebre o peito, cs olhos
O magistrado que presidia a sesíSo, tíx' s no aolo, pern ane.ceú immovtl em
deu então a sentença marcada pelo coii quauto a multidão desfilava,
feo—a peaa de morte ; e appeilou ü’e.-ta Este homem tiiihi ftit t parte do c'^nse-
deci.ãu. Iho oue acabava d*>coüdea,n .r á infimia
— A il resmungou o desgreçado Do e á morte um (os chefes pol tinos do Cam
mingo«, os brancos são cígos; não que pes, conhecido cutr’<ira peia sua severi
rem vôr a verdade 1 dade e V i d a immaculada.
Motta Ceque ro, com a cabeça pendida Dir-se-hia que era uma e-.tatus, ou uma
e &em po.er conter as lagiimas, ouviu si appaiição sobrenatural, tal era a pa;li-
A PENA DE MORTE 159
dtz de s- U Visti, a expressão tristíssima prisão do f&zendeiro, que, de pd com os
do seii olli r. braço^s 8 p^iados na grade e a cabeça dei
EamuUiisr»,dist'nieado se, dividindo- ta la sf bre elles, amargava e;n silencio o
se, l areou e su.riiu-se ao longe, nas n a s seu lameotavel dest no.
e prsças, e o homem sempre imnacvel -P e r d o e -m e , perdoe-me; exe'amou
cen ervava-se como slheia o do que se S be g abrsçiu lo por entre a gradeo
pa-sava eca torno de si. condemna-lo ; reconheça-me para pord, ar
Um t'auseunte api oxîmou-se-!he e disfe um dos.seus a'gozfs.
lhe j'vialmeDle : Os Soluços de ambos embargaram lhes
— O a muito bem; trm^i um optimo por largo tempo a vez, mas íi lalmenta
If gro, sahi ronendo de casa para ouvir Motta Coqueiro, faz ndo um grau te ex-
a deei'<ão do ju y e nó emtanto acho tudo fo ç poude dirigir se ao seu inesperado
conc'uido, F -1 '/mente para mim’ encontro vis t-.ute...
feinoa 0 Sr. Seb rg. que jó le rtaí-m=>a — Os Srs. cumpriram o seu dever; não
EO 1'vúa qne desej a, O senhor não fez paite pies quero mal por isso. Perdôo mesmo
do conselho? aos que me f erder«.m, mss o qne eu não
St-bsrg não respondeu, nem mudou de po.-so explicar é a razão por que foi ern-
attitude, pelo que o rec<m-cbega’o ha- demna«1o o roeu pobre escravo, o iufe'iz
teu-lhe de leve r-o hombro, e per^u-itru D miutos. Eu tinha nimiges, mas e ile ...
precipitidamente ; 0 de.sgrbÇa1o !...
— Dar se-'ia o caso que absolvessem — Não perca a esp<>rança, exclamou
avíU' 111 fá a 1 Sôberg ; tudo aiuta não está perdido. O
— Não senhor; f i condemnado á morte, qne nosss exaltação impediu nos de ver
responleu Sebe g tristemeute, atéhi je, talvez r tribunal superior possa
— A hl exclamou o rec^m-chegado; eu descobrir. Tenha fé em D sus, meu amigo,
logo vi que nio havia nida a temer de resigne se e tspere.
uoQ jury em qu» entri^s m como juizej de O fazendeiro meoeiou a c?.beça. Era a
facto hoinecs iguaes ao Sr, S=brrg. muda conÔ-.sâodo desanimo, rtfpondtnjo
— D g i antes que não ha qne fiír em á consolação da amis.-de.
trib naes onde eatram para ju ’gflr ho Seberg abraçou pela ultima vez o des
mens que nem ao menos conhecem os venturado e sffistoa-se dirigi ndo-.se para
piocesf os. a s a h id a d a c deia, oule p rou de cho
— Está me parecendo que houve algum fre. Uma mulher c- berta c >m um véu,
jurado que tentou fazer tramóia. Vtjü-o e acompanhada por dois homens, entia-
tão incoíomodado.. . . va n’este momento. ,
— D'sculpe-me, acttliu Seb»rg brusca- Qaando estas tros pessoas passaram,
rcfn'e ; desculpe-me; t«nho necessidade Seberg exclamou tristemente :
de fillà r já e já a um smigo,
— Pobre familia; que desgosto e que
» E on.bce Sr. Seberg tomou, qnasi a
vergonha 1
corrfr, a direcção peii qual seguiram a
multidão e os r^us emquanto que o As ties pessoas que entraram, atraves
recém-cbegado, perplexo acompanhava o saram uma pequena sai-, e. guiadas
pelo carcereiio, foram tomar o logar ha
cem cs olhos. ,
Alguns íijinntos depois o jnrgdo entra via pouco deix -do pelo Sr. Sebeig.
va p«?la,ca êt de M cai é, pedindo pev- O con ierr n ido. pei transilo pela sua
mi.-8ão p'ii’i f -^1 ar a Mi tta Coqueiro. agiiuie, nâu p-rcebeu que junto de ei
A luz do candieiro fuliginoso que a^dia 1 olhos ciino-os espiavam-o, e nem oviu o
no corredor dacauèi guiou Seoergaté á quô se dizia a seu respeito*
IHO MOTTA COQUEIRO
Afla^l uui dcs rectmcliegudos tomou a da di.-simulação ; quem tem o corèção tão
p ilo v ra : f 10 podia assas.eiu>r 0 mundo luteiro.
— O S '. Ctiqiieiro dá licpnca que Ihe A ni.brez* do fazenleiru tirnou-o in-
aptes«£.t^mod uma pesioa que o veiu vi 'ul leiavel ao íjsuI o veíeno-íO, que lhe
sitar ? e a uirigido pelo brutal v sitante ; a cou-
— Oh I meuseohor, respondeu o senten- ^cieQci* abroqu lot-se-lhe com a njgai
ci»do, h<je uma visit* é a prova mai- ad , fl 0 desgiaçaJo responjau rcsigna-
sinjera de amizaie, qua me pode ttr daments.
daia. Eu sou tão o i a i o l . . . — Era, pois, mais uma tO't ira quatre
0 homem qua fdlou, ic^rcou-se entio havism p ep ralo. V rarr, p idm. q le
da mu'hfr e levantou-lhe o vdu. eu lião tiemi ; tão grande é a fritza i.o
M aha seoiu ra, exclao/ou Cf'qu‘=i<’o ; meu Cl r*sã >•
eu llie aaradeijO muito a sua c< mp i x 9o.
Camb liando e soloçanlo o f ZPn'’eiro
reiirvii- 6 para o fundo da pusão, d-i-
H i fie ensmar a meus fl hos a repetnem
0 seu nome.
x*udo p r fciguro tem,io immov-.is os in-
E não se á muito d ífi il que e)Ies o iiijinu- q-i8 cuufpiravam contra a sua
decoieui; é * S a, D. Cuiquinha, fllíia pa iencia.
de Fr*i Cisco B-nedicto.
Despeitado pelo mallogro do seu plano,
O «rffe.to dramaticp pro’ u'i io por f’stas o c. Ucl Visitante convidou aos seus com
palfcvi'ss confundiu pi.ofundamente no panheiros para tai-irem ,et (5 quando fór»,
primeiro lan e ao inclemente tecem che- • u iado cs soluços mal coan ios de Chi-
gadn. EspecKVa talvez \êr ü f<Z8D'eiro q.jinria, tcVj c uaíem de f 11 >r :
lec a-' espavori to diante da mu her, cujo
— Ma V >10, mil vezes malvado; mil
nome e feivões, rec riavtm-lhe as victi
vid-^s que Ih-i fo sem ti aias nã > desaf-
mas que a n aioi ia do povo j Ig^va terem
f ontariam a sociedade. E'um a fé. a.
si'io por t-lle baibaramontft sacriflca.R.s.
Os movimentos do s-^nteociado contras- — Não diga, não diga, seu doutor;
tai'am. por^m, com a espect tiva do des- ninguém viu as mort.s, tx limou Cai-
humano p'eparadtr d’esta scena, tanto quinha, e eu não pos. o acr. d ita r.. . .
mais crufl qurbto eia já inemeaiavtl a — OeneroíO coração, disse o doutor ;
perilição de um actoies. coroo devia ser hom a lo o seu inf. Itz pai
E-t-üdando os braços por entre a grade para educar uma filha tão p elosa 1
e bU'Cando abrscar a moça que se esqui A;(5s o grupo sal.iu o Sr. Seterg, que,
vava, oi.-se M tta Ciqueiio: d ua volt*, po'-de conhecer uma das pes
— Pobre C iiquinha, tu imspino o g< 1 ^e soas que deile f ziam parte.
^ t
que fer u ts o coi tçã >; pai, mài, irmàc s, A t fll cção do nobre e pi jto de Seberg
to ifs es que eram mais caros a tua alma. ciescia á medida q ia re passava n as
P d s bem av .liar o qua rã >as grandes horas ; to co que um i emorso e.-magador,
d'Sgr*ças; e ter piedaUe da minh* sorte. iosupitavel, polvo invisível que lhe ap-
Tamoem a mirn, C iqumha, roubsm-me pliCiva sobre o cor- <,â • as suas insacia-
cs que mais Oitiao; a diff-oen.-a d que Vf is ventosas, ia-lhe acs puucos haurindo
para vocô ha a pie lada gertl e para a vi ia.
mim 0 odio ou o der prezo.
— E’ impo'sivel,.dizia elle íP,a noite,
— Sr. Coqueiro, f x r l i m c u o recem-che- passe,n lu de um Ia lo para ouiro Ia sal *
g a l o , que tinha conseg ndo j á dis ipar a le j antar da casa em que m u ra 'a ; á
p i i x e i r a impi-e.>sào; e u n u n c * pensei que i.jüpossiv I ; se houvesse a isempçáo de
tiveuia de tusistir á ssmelaanta esforço animo exigiaa pela lei não ter-te hia dado
Oü A fENA DE MORTE
«emelhante escandalo. Meu Deus, meu mesa os cotovcllos, movimento que foi
Deus, l'azei coin que sc elucide a verdade. logo seguido pelo Sr. Appolinario, disse
Mais tarde accresccutou ainda; com solemne gravidade.
Oh ooino lui cruel, meu Deus! — Venho confiar á sua honra a solu
aquclles infelizes são innocentes. ção de uma seria questão de consciência,
No dia seguinte, pela manhã, Seberg para a qual invoco também os seus ser
saliiu para despedir-se de Motta Coqueiro viços de magistrado.
que dévia partir para a corte. — Oh! Sr. Seberg, pode contar desde
Com grande admiração de todos foi já com a minha dedicação, c ouso pro-
elle visto na praia, meditativo e com os mettcl-a por que sei com quem lallo.
ollios rasos de lagrimas, acompanhando o — Hontem, como sabe, foi ojulgamento
bote, em que Motta'’Coqueiro e seu escra de Motta Coqueiro e do preto Domingos, e
vo se dirigiam para bordo do vapor an eu fiz parte do conselho que os con
corado ao longe. demnou.
— E’ um homem incomprehensivel este — Pobrchomem! fui eu quem sustentou
Sr. Seberg, diziam, condemnou Motta a sua pronuncia c entretanto faço hoje a
Coqueiro, e no entanto chora agora seu respeito juizo bem iliverso do que
talvez ter tido coragem de proceder assiin. então fazia.
Quando o bote sumiu-sc; quando já — Queira ouvir-me, e reilicta sobre o
não' podia acompanhar com a vista o in que vou contar-lhe. Hontem depois de re
feliz condcinuodo, Seberg seguindo va- colhido 0 conselho do jurados á sala se
garosainente pela pittoresca rua de Ma- creta e elfectuada a votação dos quesitos
calíe'. que descerra as jauellas da sua acerca deMotta Coqueiro, percebi que não
casaria olhando para a vastidão do m ai, havia no conselho aquella imparcialidade
enti'ou finalmente n uma pharmacia e que era de esperar em assumpto de tao
perguntou pelo seu proprietário. grande alcance.
Um homem de attrahentes feições, agra- Passando-se a votar o primeiro quesito
relativo ao preto Domingos, ccrtifiquci-mc
davel timln-e de voz, sahiu de um gabi
do meu juizo, e, ainda mais, fui obrigado
nete lateral e, estendendo a mao a Seberg
a assistir a um grande escandalo.
disse-lhe jovialmente.
Procedendo-se á contagem das cédulas
_ Por Deus, Sr. Seberg; tanta cere-
o secretario do conselho contou treze, c
monia fez-me pensar que procurava-me
como era natural reclamei, e pedi ve-
iim dcsconlieciclo. -rifteação. Nova contagem do secretario
— Não me admiro que assim pensasse,
chegou ao mesmo numero. Pedi então
respondeu Seberg, eu sou o primeiro a
que se procedesse á nova votação e fui
desconhecer-me. Proedso fallar-lhe muito
acompanhado ]>or mais cinco jurados,
a sós. porém o presidente entendeu melhor pro-'
O Sr. Appolinario Pacheco, substituto
ceder por si mesmo a contagem e cousa
dc juiz municipal de Macahé, e que era singular appareceram apenas doze ccdnlas.
a pessoa que fallava a Seberg. apontou
Lidos os votos encontram-se sete
para o gabinete. cédulas reconhecendo o crime, e cinco
— Aqui podemos estar a vontade; o
apenas negando-o. '
meu caixeiro tem a particularidade de Com ggande pasmo certifiquei-me dc
não ouvir o que eu quero que elle nao (lue os cinco jurados tinham negado o
ouça, e alem d’isso ficamos retirados.
crime, c eu com elles.
Sentaram-se um em frente do outro — Mas isto é. ura iniquidade; <>pre
tendo de permeio uma pequena mesa
ciso arrancar a inuscaru a esse homem
redonda, c Seberg, apoiando ;íObre a
S'i-
i r ? -I'/V
r
m MOTTA COQUEIRO
que tão baixamente abusou da sua po que 0 poder moderador não attenderia á
sição. sua supplica.
— Eu não quero fazer juizos teme Accresce que para aggravar ainda mais
rários, porém, entendo que este facto 0 supplicio moral dos condemnados o
deve ser já veriflt^do, para descanço da processo seguia com dolorosa morosi
consciência de todos. dade, e só após dois annos de espera veiu
— Mas não ha duvida, meu amigo; 0 golpe final.
havia com eífeito treze cédulas e uma Domingos, intimado a fazer petição de
d’ellas que dizia não foi escamoteada graça, não a fez no prazo de oito dias
pelo presidente, que depositou na urna conforme a lei, e portanto estava irreme
duas cédulas aílirmando o crime. Oh! diavelmente condemnado.
havemos de sabel-o, eu lh’o juro; o Sr. Pobre escravo i.como poderia elle com-
invocou a minha honra de magistrado, prehender, ouvindo a intimação do escri
eu comprometto-a, vão, que uma demora custar-lhe-hia a
O Sr. Seberg sahiu relevando no sem vida?
blante 0 allivio intimo que experimen No dia 23 de Junho de 1855, o cortejo
tava, e 0 Sr. Appolinario sentando-se logo fúnebre da justiça recreiava a espectação
á escrevaninha oíUciou ao juiz de direito, geral da cidade de Macahé.
narrando a communicação que acabava Um dos reus do barbaro assassinato da
de lhe ser feita. íãmilia de Francisco Benedicto ia subir á
Infelizmente a questão que parecia forca.
facil de ser derimida, morreu abafada A victima chorava e caminliava quasi
nas pastas dojuizo municipal. aiTastada pelo carrasco e a população
Uma grave enfermidade obrigou o dig commentava desapiedadamente este hoi--
no substiiuto a passar a vara a outro ror da morte.
magistrado, e este oíliciado pela aucto- — Olha 0 negro, dizia-se; peusaVa que
ridade superior pai’a continuar nas pes- 0 dinheiro do senhor havia de livrai-o. e
quizas a respeito, discutiu o assumpto e por isso não chorou quando matou a po
deu-o por esgotado, sem inquérito. bre íãmilia. Agora é rpie lhe correm as
Na tarde do dia em que Seberg deu lagrimas.
o honroso passo a favor de Domingos, Sabes? ouvi ainda ha pouco e de
foram condemnados também á morte pessoa muito séria uma cousa que está
Faustino Pereira da Silva e Florentino, e impressionando-me. •
todos os réus enviados para as prisões da — Então conta já essa novidade.
capital. — Dizem que o Domingos ao sahir da
Usando do recurso ordinário que lhes cadeia disse para o padre que, se elle não
restava, o tribunal da relação não se é innocente, a corda não rebentará, mas
dignou attendel-os, negando-se a con se elle é innocente a corda ha de arre
hecer das appellaçées por não ser caso bentar.
d’ellas. Este boato circulou, cresceu e dominou
Este despacho está também na appella- logo todos os espectadores e na praça do
ção do réu Domingos, em que foram re Rocio, onde se erguia a forca, os logares
conhecidas circumstancias aggravantes eram disputados com tanto interesse que
por numero de votos superior ao que muitas vezes houve emprego de violência.
confirmava o crime ! Chegou a desejad^ hora da execução.
A desillusão do fazendeiro tinha chega A anciedade popular era febril e todos
do ao auge; não lhe era mais permittido intimamente receiavam assistir ao mi
uma uniça esperança, porque sabia bem lagre prophetisado pelo escravo.
OU A PENA UE MORTE 163
A irmandade da Misericórdia collocou- Atravez da versão da seva asphixiação
se sol) a forca em posição >de ir cm de Domingos pela ferocidade do carrasco,
auxilio do condcmnado, caso fosse prote siu'giu uma evasiva.
gido pela fortuna, e o carrasco ao som — Então 0 (pié queriam que fizessem
do credo, resado pela multidão, subiu ao com um scelerado como o assassino que
morreu ; que perdoassem c surtisse etfcito
seu posto.
A escada foi logo retirada, o desven a maehinação do senhor?
turado ficou suspenso pelo baraço, mas — Quaes historias! Domingos prophe-
o seu corpo, impellido pelo carrasco, tisou.o acontecimento.
pouco tempo oscillou c foi logo caliir no — Eu também prophetisava se tivesse
solo. um senhor que tivesse dinheiro e amigos
A confusão foi immensa, todos corriam, na Misericórdia, que é d’onde vem as
impelliam-se, encontroavam-se phreneti- cordas para os enforcados. Com dinheiro
camente : e amigos tudo sc arranja : até milagres.
— Está salvo, está salvo, este era inno O povo julgou rasoavel esta explicação,
cente. e quando se retirou da praça levava mais
A agglomeração nao permittia que s.atisfação do que pezar.
todos se pudessem approximar do senten O cadaver çle Domingos foi entregue a
ciado, e dentro em pouco tempo a des jiolicia liara ser sepultado, e os autos pas
consolação i>intava-se em todos os sem sados no mesmo dia ao Dr. Velho da
blantes. Silva, juiz municipal, que os tez conclusos
Fallou-se a principio cm segredo, c com no dia cinco dc julho ao juiz de direito.
imiTiensa precaução ; cm seguida as vozes A sociedade começava a indemnisar a
foram clevando-se, clevando-se e ouviam- sua divida com a familia de Francisco
se em todos os grupos discussões calo
Benedicto.
rosas. A cova aberta para o justiçado Domin
— E’ muito boa, dizia o Sr. Luiz de
gos tinha dimensões para quatro cadá
Souza, cabin morto e muito bem morto veres. e conservava-se hiante á espera de
— Não está má á ca])a ; todos nós vimos
ser atterrada com destroços hunianos.
a corda arrebentar. O pobre Domingos’
A justiça, um mez depois da execução
bem dizia elle que era innocente.
do escravo, metteu mãos ao resto da obra
— Arrebentasse, ou não arreijentasse,
da (lesalfronta publica e os très outros
a verdade é que elle caliio'jd morto.
réus foram notiiicados da sua movtc pre-
— Ora valha-o Deus, Sr. Luiz de Souza,
mais de cem pessoas estão promptas a xima.
Para Florentino c Faustino esse golpe
jurar que Domingos caíiiu vivo, e que, o
nada teve de descommunal ; havia longos
carrasco poz-llie terra ,a bocea jiai a as-
mezes que, alfazendo-sc a atrocidade do
])hixial-o. seu destino, esperavam todos os dias
' — E’ falso. ouvir 0 ranger das portas do calabouço e
— Não e' tal, exclamou um novo inter-
• locutor; eu vi com esses dois olhos que logo depois a intimação para seguirem
até 0 logar em que deviam ser suppli-
a terra ha de comer. Barbaridade sem
ciados.
nome!
Nada. porem, é mais fácil do que asse- '^Florentino, perdido no dedalo de con-
renar a indignação do povo. o eterno le jcctur.as limitadas a que podia' chegar o
viano que applaudc ou insulta, victoria seu raciocinio pouco esclarecido, acabava
por fundir em lagrimas o seu desespero
ou cülumnía conforme os boatos e as in
trigas. que 0 im])ressionam.
e, sem consolar-se, calava-se e ficava si-
164 MOTTA COQUEIRO
■ b»
OU A PENA DE MORTE 165
tin h am depauperado e x tra o rd in a ria m e n ram -se em m an d ar com m unicar o acon
te, ouviu im m ovel a le itu ra com pungente tecim ento ao D r . . . . um dos aim gos de
e fa ta l; a dò r resig n ad a, que de continuo seu pai que lh e tin h a g u ard ad o m ais
a tiMH.-idava, com o qtie lh e hav ia anesthe- lealdade.
siado 0 coraç<ão e ella parecia já insen- À cordando-sepoi'ém , de chofre, ad o en te
sivel a novos golpes. encheu de espanto a quantos a cercavam .
E ntendendo m al o estado de sua m ãi, o — Meus fillios, soluçou ella, fiquem
0 collector i)erguntou-lhe, m achucando aq u i bem p erto de sua m ai ; não consin
e n tre as m ãos o papel. tam . que m e levem d’aqui, eu não quero
— E a sen h o ra o que diz a isto? m o rre r ; sou m ãi, não quero m o rre r !
— O que hei de dizer, m eu íilh o : se a M al proferii'a estas p alavras desgre
m in ha voz não tem forças p a ra desviar nhando violentam ente os cabeílos em
0 golpe que nos deve ferir? branq uecidos pelo sotfrim ento, a desvai
— S énliora, senh ora, esta resj)Osta é ra d a sen h o ra levantou-se de um pulo,
um a infam ia. rindo p ro lon gadam en te um a g a rg a lh a d a
— Meu Deus, soluçou a afflicta esposa, insana.
não quiz eu p o r ta n ta s vezes c o rre r a te Acercoti-se então da maior da suas
os trih u n a e s pai'a accusar-m e, e não fui filhas e disse no meio da gargalhada
co n tid a p o r ti m esm o, m eu filho? constristadora. ^
— Mas então hav ia a esperança de fazer — V am os, vam os todos ; é preciso que
reco n h ecer a innocencia de seu m arido ; vam os todos.
hoje não, hoje é m ister que evite a sua O p ran to filial recebeu esse convite do
injm sta execução. desvario com a p rofun da tristez a de co
— Devo pois, e n tre g a r a m inha ca rações, qu e se ju lg av am já orph ãos de
beça ao b raço do cari’a sc o . . . todo.
U m ai repassado de afllicção em bargo u A m ãi allucin ada pegou então dos b ra
a voz á p o b re senhoi’a, que, levando as ços das duas filhas o (^m in ho u p a ra a
m ãos á fron te, baqueou sem sentidos. p o rta principal da casa, repetind o o con
— C ovarde, covarde m u lh e r! g rito u o v ite m edonho :
filho allucinad'^; ten h o v e rg o n h a de ser — Vam os, vam os de pressa!
te u filho. Q ueres e v ita r a m o rte á custa Ao tra n sp o r o lim iar a S ra. D. M aria
da m o rte de um iú n o c e n te ; não, não, eu foiVen em bargad a pelo D r. que en trav a.
4 p a transfiguração do semblante
não o c o n se n tire i! da esposa do seu amigo, porguntou-lhe
E 0 hom em , que levava a honradez a té
a suífocacão dos m ais santos aliectos, sobresaUado — Qual é
;
a nova de.sgraça, m inha se
sah iu correndo , com a se tem esse que a
sua perm anência ju n to de sua m ãi inhi- nhora*Vamovs, — ten h a confiança em Deus.
vam os de pressa, rep etiu
bissp-o de p roced er conform e lh ’o aconse
lh av a 0 seu cara c te r. auto m aticam en te a desvairada.
,A fam ilia so b resaltad a pelo baque e — Pai'a onde q u er ir, m in ha senh ora !
ainda m ais pela c a rre ira insperada, aí- — P a ra onde? g arg alh o u a inleliz, p ara
fluiu to d a p a ra o gabinete em que o col- onde? N ãe sabe entao que eu devo ir p ara
la c to r con versara com sua m ãi, e encon a forca, não sabe que eu so u a assassina \
tro u ah i a S ra. D. M aria estendida no não— ouviu m eu filho dizer?
Oh! santo Deus, tende piedade d!es-
assoalho.
V endo que apezar dos seus esforços a ta s crianças que não fizeram m al a nin
sen h o ra conservava-se’ livida e desacor guém , exclam ou o Dr,
dada, os desam parados filhos apressa- E’ íacil im aginar-se a tristeza d’esse
1G6 :»IOTTA COQUEIRO
:t A ^
170 MOTTA COQUEIRO
lis não pódo te r descanço, resm u ngo u o seu, não diga ta l, in terro m p eu-lh e b filho
<lc.sventiirado p ertu rb ad o .
Ouando o p reto desapareceu, Ile m ila n o — P esadelo ju lg a ra m talvez os que eu
(pie íicára á soleii'a da porta e acompa- m atei se r a noite trem en d a da m in ha vin
nl.iava-o com os olhos, exclamou sincera- gan ça. Não po up ei nem os velhos nem
mente commovido : as creanças ; depois lancei fogo á casa.
— E’ um d'elles; adevinha-mo o coração m as a chuva do céu não quiz que a la
que e' um d’elles ! Ainda sofírem. e solFre- bareda. que é p u ra . se m anch asse no
i’ão sempre. san g u e d ’aquella r a ç a .'" ^ ^
Longo tempo o caboclo permaneceu — ãleu pai. te n h a piedade dos que m or
n'uma attitude desoladora ; em seguida, reram . 4^^
jmrém sacudiu os liombros, levantoivse — M orreraSü pela m ao de um hom em .
e entrou para o casebre. e m atai'am pela m ão de um o u tro . Foi
j\ías a tranquilidade habitual trocara- sim plesm ente um a p ag a. Ouve !
se-lhe cm agitação ; e era breve, não po A Iracap su su rra n te voz do m oribundo
dendo acalmar-se, sahiu para distrahir-se. com eçou então a n a rra r a m an eira p o rq u e
Quando voltou ao casebre deitou-se tin h a assaltad o a casa das pessoas das
para não mais levantar-se. ' quaes se confessava assassino e a m aneira
A variola lez-se instrumento da justifi pela qual efi'ectuara a carnificina.
cação do um nobre caracter. ■ Marcolino, jtertu rb ad o e ao m esm o
Desde que sentiu que não poderia salvar- tem po roluctando d a r cred ito ao que ou
se. ao sacudir um dos penosos delyrios. via, p erg u n to u ao n a rra d o r :
llerculano chamou para junto de seu leito — E onde fez m eu pai estas m o rtes ?
0 entristecido Marcolino. — Em M acabu, resp on deu o m ori
— Tenho uma grande confissão a fa- bundo.
zcr-tc, meu filho ; disse o enfermo. — E qual era o nom e do chefe da fa-
— Estou ]U'ompto para ouvil-a. e guar- m ilia que m eu pai m ato u ?
[•< — F rancisco Bonedicto. so rriu o m o ri
dal-a atd a minha morte.
— Não ; não 6 um segredo que eíí bundo.
rpiero confiar ; é ao conti’ario um segredo — M as então m eu pai foi tam b ém do
da minha vida que desejo que' tu e^s])alhes num ero dos qite foram pagos pelo M otta
])0r toda a parte apenas eu morra. Ju- C oqueiro ? I
ras-mc que farás esta vontade a teu pai? S entando-se violcntam en te no leito, o
— Bom sabe que não sei desobc lecer- m oribundo, com o se quizesse fulm inar
Ihe. com 0 o lh ar ao aíílicto M arcolino. ten to u
— Deixa-me um instante ligar as mi b ra d a r, e apen as disse baixinho : •
nhas lembranças! —- T eu pai n u nca m atou p o r oílicio,
FiStas palavras já foram pronunciadas m ato u a raça <lo seu inim igo p o r vin
com accento que trahia a perturbação g an ça.
mental do moribundo. Só depois'de meia — M as isto não póde ser verdade.
hora de esjjcra foi p^tpferida a primeira — E’ ; ju ro na hora. cm que vou m o rrer;
palavra do tremendQ/í. -grodo : h o ra em que não se m ente; M otta C oqueiro
— Meu fillio, hà vinte e quatro annos nem me conhecia, nem su sp eitav a que
appareceram cortadas, a foice, esfa- n 'aqu ella noite devia sum ir-se da te rra
quoiadas, e estranguladas todas as pes d m alv ad a raça de F rancisco B enedicto.
soas do uma familia. O assassino de toda — E vosm ecè consentiu que elle m o r
essa gente fui eu !... re sse ; po rq ue não confessou, e não defen- '
— Meu pai. meu pai ; isto é pesadelo d e u 0 innocente? t
PENA DE MORTE
ordem que d’elle recebera, declara\a
— Ninguém viría em> mim senão um
•instrumento de Coíiueiro, e morreriamos diante de testemunhas que seu ]>ai fòra
jos dois, c a verdade não seria sabida. 0 assassino de Francisco Benedicto ò
— ü li! Deus de Miseriçordiá ! sua fãmilia. Juntava cpfe ãlotta Coqueiro
nem ao menos tinha conhecido ller-
— Escuta, escuta; já te disse, lui eu
culano !
quem matou o misei*avel. Devia-llie...
O i)OVü de Itabapoana murmurou acerca
— O que, qual era essa divida'?
da confissão de flerculano, tão baixo,
— A deshonra de minlia lámilia.
quanto alto clamaram campistas e ma-
Em vão Marcolino tentou arrancar o cahenses contra Motta Coqueiro. E ainda
resto da confissão; o moribundo tintia ■ mais, depois de vinte e cinco annos dc
licrdido a voz. opprobrio sobre uma lamilia martyr, h<v
O filho dcávairado )>erguntou ainda cora(^'ões tão miseráveis que ousam con
uma vez ao moribundo, se era elle de tinuar a infamar a memória da victiina
leito 0 baa-baro assassino de tantos infe da ceg'ucira jurídica, mesmo depois da
lizes. O velho fbrcejando por abaixar as declaração terminante de um moiãbundo.
palpebras, levou dillicultosamente uma^' Homens perdidos que são estes ! São
das mãos ao peito em signai de aflir- ’i'Îiais torpes do iiue os assassinos, porque
mação. buscam justilicai-os enviieçendo innocen
Passados alguns minutos. Hercuiano tes;, mas nem semelhantes cabeças eu
era cadavcr, e seu filho, obedecendo á quizera vèr na mao dos carrascos.
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