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BIBLIOTHECA DA GAZETA DE NOTICIAS


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A PENA DE MORTE
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RIO DE JANEIRO
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72 R U A SE T E DE SETEM BRO 72
1877
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MOTTA COQUEIRO
OU

A PENA DE MORTE

ficam silenciosos, oscilando ao tom das


A FORCA ondas, de maneira que os seus extensos
mastros como que fingem pontes move­
Macahé, pequena cidade do litoral da
diças interpostas a ambos.
província do Rio de Janeiro, não conhece No dia 26 de agosto de 1855 dir-se-hia
a vida activa e estrepitosa das grandes que uma inesperada mudança se havia
cidades populosas. effectuado, trocando-se I'epentinamente os
Olhando ao longe o oceano que vem, papéis entre si.
ás vezes acovardado e murmurando ape­ Ao passo que as vagas erguiam os collos
nas, ás vezes espumando e bramindo, es-
azulados a roseiar-lhes a orla branqui-
tender-se ou arremessar-se na praia d’onde
centa no colorido de uma serena madru­
ella surge, o aspecto da cidade e o do
gada, a cidade já acoi'dada enchia-se dos
oceano contrastam singularmente,
sussurros propinos de uma reunião po­
E’ que enfrentam o movimento das
pular.
vagas, quasi sempre brusco e violento, e
a mais tranquilla quietação ; o ruido que De toda a parte affluiam cavalleiros e
por horas de tempestade assoberba-se, carros de bois, conduzindo familias, que
avoluma-se e prorompe em escarceus presto apeiavam e seguiam em direcção
medonhos, e o silencio que de continuo ao mesmo logar.
reina nas ruas e praças pouco transitadas. Irisavam as ruas as roupas variegadas
Para ligar a vida da cidade e a do e vivas dos moradores do interior, e os
oceano sd ha os navios ancorados, que transeuntes apenas cortejavam-se, sem

A
MüTTA COQUEIHO

que nenhuni d’elles reparasse que o outro, matar uma familia, isto, por si só, é
quebrando os estylos da boa camarada­ uma prova contra o senhor ?
gem e sociabilidade sertansja, não fizesse — Valha-me Deus, isto não vem a pello.
uma longi parada para informai’-se por O Motta Coqueiro não está n’este caso ;
miuio da saude e négocies do seu conhe­ era um homem tido e havido por máu em
cido. todo 0 Macabú ; malquisto com seus visi-
Essa actividade insólita denunciava que nhos sérios e só cercado de homens iguaes
toda aquella gente reunia-se para assis­ ao Faustino, um fugido das galés, e o
tir a alguma scena extraordinária, algum Florentine, o tal Flôr, bem conhecido
d’esses acontecimentos memoráveis que por perverso.
se gravam indelevelmente na memória — Os senhores dizem s ó , mas não
dos povos, desinteressada archivista dos apontam os males que elle fez. O proprio
factos que mais tarde terão de ser julga­ Francisco Benedicto foi por elle acolhido
dos pela imparcialidade da historia. em sua casa, quando, tendo sido corri io
Os pontos mais concorridos eram a pelo D l. Manhâes, não tinha onde cahir
praça Municipal a a rua que, atravessan­ morto.y Y'
do a, vai terminar na praça do Rocio. — Agora é que o senhor disse tudo ;
No primeiro largo a população aífluia, para o desgraçado cahir^mo^ps; era pre­
estacionava, engrossava-se agora e para ciso mesmo ir aggregar-se^raSra cas# do
logo rareava, escoando-se para sul e faccinora, que não só lhe desmoralisou
norte pela rua seceante. uma filha, mas ainda lhe queria roubar
Contrapondo-se á t'îmanha actividade, as bemfeitorias do sitio.
á serenidade expansiva das physiono- — E 0 que me diz o Sr. Martins acerca
mias, oodi havia o refiexo de um senti da mulher de Motta Coqueiro ? interrom­
mento honesto, o sino da Matriz come­ peu um novo interlocutor.
çava a dobrar por morto. Eu sou da opinião do Sr. Luiz de
Esse facto, que destoa dos sentimentos Souza ; para mim, Motta Coqueiro e ri
religiosos das populações do interior,fica­ capaz de fazer ainda mais, principalmente
ria, porém, cabalmente explicado para porque era açulado pela mulher, a qual
aquelles que se acercassem dos grupos,que dizia que, para despicar o seu marido,
estadiavam pelas praças citadas e a rua, vendeiüa até o seu cordão de ouro.
que na parte norte passava pela cacíeia — Por Deus ou pelos diabos; os senhores
da cidade. faliam só e não me deixam fallar. Com os
— Homem ! eu se vim aqui não foi para diabos, Motta Coqueiro já foi condem-
regosijar me com a morte do infeliz ; te­ nado ; dentro de uma hora ha de ser pen­
nho certe/a de que elle entrou n’isso durado pelo carrasco ; que eu diga que
como Pilatos no Credo. sim, que os Srs. digam que não, nada lhe
— O Sr. está fallando sério, Sr. Mar­ approveita ; mas a verdade antes de tudo.
tins ? Eu não fallo por ^mim. O Conceição é
— Sa estou, era até capaz de jurar que homem a tôa ?
elle não mandou matar. — Eu vou com elle até o inferno.
— Ora isto é que é vontade de teimar. — Pelo menos nunca ouvi dizer que
Todas as testemunhas foram concordes elle não fosse um homem sério.
em dizer que íoi elle. — Pois 0 Conceição diz que Motta Co­
— Então, Sr. Luiz de Souza, se eu fôr queiro é innocente no assassinato da fa­
dizer aqui ao Sr. Cerqueira, e este a milia dê Francisco Benedicto.
outro, e a outro que o senhor mandou •— Ora essa 1. . ,
ou A PENA DE MORTE

— E então porque não foi ser testemu­ mente ao que prendesse o mandante uma
nha da defesa, se elle sabia do facto ? quantia — com que nunca sonhai’am os
— Não foi, e f ;Z muito b;>m ; eram ca­ pobres moi’adores das mattas, por onde
pazes de dizer que elle também era um Coqueiro vagava refugiado d8is contos
dos co-reus, porque o Conceição, como de réis.
sabem, estava na casa de Motta Coqueiro Entretanto do meio do odio geral que
>na noite em que se deu o crime. cercava mais estreitamente o nome de
— Ponhamos ascousasnos seus logares, Motta Coqueiro alguns ânimos benevolos,
Sr. Martins, interrompeu Luiz di Souza. concordes em amaldiçoar os criminosos,
Ninguém diz que o Coqueiro foi o mata­ affastavam todavia o seu vereiicto da
dor, 0 que se diz é que elle foi man­ cabeça do principal aceusado.
dante, e não havia de dar as crdens á Era d’esse numero o ardente Sr. Mar­
vista deCenceição. Já vê que este nada tins, que sempre protestando não aceitar
pode saber com certeza. discussões a respeito do assumpto geral da
— Sr. Luiz dè Souza, eu não quero conversação, não podia entretanto resistir
brigar com você, e por isso o melhor é a não chegar-se aos grupos para lhes ou­
cortar questões. O Sr. fica com a sua opi­ vir as opiniões.
nião e eu fico com a minha, o tempo dirá Homem tão honrado e bondoso, quanto
qual de nõr tinha razão. Eu digo que é gárrulo, o Sr. Martins n’aquella manhã
falso, é fal^ , ê falso ; o Coqueiro não discutiu com quasi toda a população de
mandou fazer taes mortes ; esse desgra­ Macahé, e o maior numero das vezes con­
çado morre innocente. cluiu repetindo a phrase final da sua con­
Pela conversação a que acabamos de versação com Luiz de Souza; E ’ falso, é
assistir ê fmil saber que achamos-nos no falso ; 0 desgraçado mori’e innocente.
dia em quá a justiça publica, para desaf- Desanimado e entristecido por não en­
fí ontar-se, cu melhor, desaífrontar a in­ contrar na compacta massa de povo uma
dignação publica, ia levar ao cadafalso pessoa só que concordasse comsigo, plena­
Manuel da Motta Coqueiro, que era geral­ mente, na innceentação de Coqueiro, Mar­
mente accusadocomo mandante do assas­ tins atravessava rapidamente o beceo do
sinato execrancbo, que exterminou toda Caneca, quando foi detido por uma vigo­
uma f imilia á excepção de uma moc.a, rosa mão.
que não se achava no logar do crime. — Com que o Sr. Martins veiu tam­
A noticia luctuosa coiTeu veloz por todo bém assistir ao enforcamento da Fera ãe
o Brazil, e todo o povo ergueu um brado Macabú ?
de maldição contra os assassinos. Estas ultimas palavras foram, porém,
Pedia se em altos brades, nas reuniões proferidas com accento tão repassado de
e na imprensa, uma punição famosa, que tristeza, que o Sr. Martins, sorrindo,
passasse de geração em geração, attes- abria os braços e n’elles estreitou o seu
tando que ao menos os contemporâneos, interlocutor, exclamando:
impotentes para reparar o crime, tinham — Até que,emflm, encontro um homem
sido inexoráveis n’um castigo ti emendo. que pensa commigol
O nome''de Motta Coqueiro era profe­ E os phtos à’aquelles dois homens dei­
rido com horror e bem as.íim o^los seus xaram que perto batessem po" longo.es-
cúmplices, e as mães, ao verem os passar, paço os corações,que palpitavam por um
ensinavam ás creancinhas a maldizel-os. sentimento bem diverso do que animava
O governo provinciale as auctoridades á maioria da cidade.
locaes unii’am-se em solicito exforço para . Quan.o separai’am-se ambos tinham os
a captura dos réus, tíferecendo especial­ olhos rasos de lagrimas, e por um movi-
4 tkh

6 MOTTA COQUEIRO

mento accorde correram o olhar em — E nem ao menos vêr na hora de mor


redor. rer a esposa, e os filhoí, que não se atre­
Aquelle olhar na sua tímida expressão veram a estar aqui, temendo que o s ...
trahia o temor que ^mbos, mas piincipal- enforcassem também.
mente o novo pei^váagem, tinham de ser — E’ um escandalol
vistos por alguém ; tão grande era a — E’ uma requintada infamia. Obsta­
exaltação dos espiritos que atemorisava ram a defesa, diílicultaram as provas,
até a livre manifestação de sentimentos andaram com elle de Herodes para Pila-
benevolos para com o sentenciado, sem tos, e afinal chamaram requintado des-
logo incoi’rer em censura. avergonhamento aquelie grito de deses­
— Não é veçdade, Sr. João Seberg? pero, com que elle acabou de responder
O Coqueiro morre innocente. ao ultimo interrogatório.
— E’ verdade, meu amigo, e ainda Não viram nas barbas e nos cabellos
agora mesmo acabo de conversar alli que de todo embranquecerem, na maci­
com a D. Maria ; respondeu Seberg, lenta côr de seu rosto, nas palpebras sem­
apontando para uma casa que tinha a pre entrecerradas, a expressão de um
porta e as janellas fechadas. generoso coração, que, talvez conhecendo
— E a D. Maria é também do numero 0 culpado, não condemnava ninguém.
das que se arrebicaram para vêr a Adeus, Sr. Martins, rezemos por elle,
execussão. e que Deus perdoa a quem o faz morrer.
— Não é, felizmente. Acaba de contar- Separaram-se, e o Sr. Seberg, com a
me que as suas duas filhas lhe vieram cabaça baixa e vagaroso passo, tomou
pedir para virem, em companhia das vi- para a banda da praça Municipal. A sua
sinhas, vêr este novo assassinato. Negou- longa barba grisalha cahia-lhe na sobre­
lhes a licença e até reprehendeu-as forte­ casaca preta toda abotoada, o seu porte, o
mente. Ainda agoi’a quando o sino dobrou seu ar, como que se illuminavam com as
pela vez, que será penúltima, antes de scintillaçõas da justiça.
separarmos-nos para sempre do des­ N’aquülla hora, esse homem sévsroí
graçado, ella que estava conversando
completamente vestido de preto, e com o
oommigo, empallideceu, mandou que ac-
semblante embaciado pela mais sincera
oendessem as velas áo oratorio, e chamou
tristeza, parecia o latente remorso de uma
as filhas para que ao ultimo dobre peçam
população inteira, que vinha assistir á
a Deus que perdôe-nos a cegueira da
tragédia judiciaria para mais tarde lavar
nossa justiça.
a nodoa que manchava as victimas da lei.
Faz pena a pobre senhora ; nem que
fosse parenta d’elle. Sé ouvindo-a ; ella
©3 repente Seberg estacou, como que
detido por um braço de ferro.
narra differentes obras caridosas feitas
O sino da Matriz dobrava e, na outra
pelo infeliz Coqueiro, e sé interrompe-se
para chorar. extremidade da praça, o povo que se api
nhava, encontroando-se, bradava:
— Isto revolta mesmo a gente, Sr. Se­ Lá vem elle ; lá vem elle I
berg: vêr morrer um amigo innocente Os gritos que, avassallando o sussurrar
e não ter força para salval-o. perenne da multidão, como que chumba­
— E elle que resistia sempre que se lhe ram os pés de Seberg ao chão da praça, so-
queria dar meios para fugir o u ... suici­ bre-excitavam cada vez mais os espiritos.
dar-se, o que era muito melhor do que ir Os vários grupos dispersos puzei*am se
parar ás mãos do carrasco. em desordenado movimento. Cada qual
— Desgraçado. queria chegar primeiro ao ponto d’onde
ou A PENA DE MORTE

os gritos partiram. Os mais moços corriam A praça do Rocio, em que devia ter
rapidamente, e assenhoras idosas, camba­ logar a execução, estava quasi litteral-
leando aqui e acolá, e praguejando no mente cheia, e, soturnamente sonora,
puro estylo do beaterio, aproximavam-se transbordava esse zunido abafado que
como um bando de ganços espantados. derrama o vento atravesskndo um tunnel.
Os pais e mais, no intuito de darem Reinava ahi a alegria e o dia esplen­
desde a infancia um exemplo á sua pro­ dido, todo luz e céu azul, aqui e acolá sa­
génie, levavam comsigo os filhos, e na rapintado de nuvens alvadias, como que
velocidade de que precisavam dispor, santificava esse regosijo, a não ser que na
quasi que os arrastavam, ao som de opulência de brilho um poder occulto ten­
ralhos impex’tinentes. tasse ver se era possivel que um raio ao
Toda essa gente apressava-se, corria, menos peneirasse n’aquellas consciências.
agglomerava-se, encontrava-se, e alguns Abertos os guarda-soes e reunidos em
mais imprudentes, querendo a todo o grupos, os curiosos matavam o tempo
transe romper caminho no mais denso do commentando as peripécias do crime e do
ajuntamento, provocavam, da parte dos processo, louvando a maioria o bom an­
desalojados, violentos empurrões e phra­ damento da justiça.
ses duras, a ponto de ser necessária a Um d’esses grupos chamava a attenção
intervenção da auctoridade para evitar pelo ar de mysteriosa intimidade que o
conflictos. envolvia.
Não foi um rebate falso o que se espa- Tinha a palavra um moço alto, de com­
Ihára. pleição fraca, elegantemente vestido, e em
Já a campainha, tangida por um dos tudo differente dos habitantes do logar.
irmãos da Misericórdia, badalejava lugu- — Se eu tivesse influencia, dizia elle,
oremente á porta da cadeia. obstaria por hoje a execução do Coqueiro.
Pedia-se silencio e repetiam-se insisten­ — Era violar a lei, doutor; o codigo or­
tes psios por toda a multidão. dena que a execução se effectue no dia im­
— Ouçamos o pregoeiro I ouçamos o médiate ao da intimação da sentença ao
pregoeiro 1 bradava-se por toda a parte. reu.
Esse novo fermento lançado á soffrega — Sim, senhor; mas se o réu estiver tão
curiosidade de todos, fez com que alguns doente que nem se possa levantar, se o reu
se destacassem, porque temendo não po­ estiver moribundo?
der vèr d’ahi o spectaculo, queriam bus­
— Mas eu vi o Coqueiro quando chegou
car em outro logar melhor ponto de ob­
da côrte e não me consta ainda hoje que
servação.
elle esteja em tal estado.
O Sr. Luiz de Souza muito intei’essado
— Pois esteve bem mal esta noite. Ce­
em coadjuvar a justiça, quanto estivesse
dendo á vergonha ou ao desespero tentou
em suas forças, elegeu-se capitão dos re­
suicidar-se, e para isso serviu-se de um
tirantes e suando em bica, bufando e
pedaço de vidro com o qual fez um feri­
abanando-se com o chapéu, gritava a bons
mento no pulso.
pulmões :
— E o que faziam os guardas ?
— Vamos para o Rocio, lá o bicho não
— Não sei á uma fabula inventada pelos
nos escapará.
Dentro em pouco o Rocio recebia mais amigos ?
um numeroso contingente de espectado­ — Não, senhor, fomos vêl o, eu e o Dr.
res, anciosos por verem o epilogo d’esse Silva, e ambos ligamos-lhe as veias.
rosário de horrores, do qual durante très — Embora, doutor ; elle póde ser con­
annos esteve pendente a attenção publica, duzido em uma padiola ; e eu ttnho cer-
8 MOTTA COQUEIRO

teza de que não sahirei hoje d’aqui sem Tamanha anciedade denunciava bem
vel-o pendurado acolá. que, em meio de toda essa gente, não
Na direcção indicada pelo interlocutor havia quem rt flectisse no que ha de ini­
estava levantada a machiáa sombria da quidade n’essa desaflfronta do crime pelo
A.
justiça social. crime.
A sua fealdade commovente, brutal A justiça, dynamisando a barbaridade,
encarnação dos sentimentos da popula­ folga e jacta-se de dar aos descendentes
ção, pavoneiava-se, entretanto, com o epi- dos cffendidos uma reparação, mas não
theto honroso de instrumento da d(Sif- vê que não será multiplicando a orphan-
fronta publica. dade e o desamparo que ella chegará
Todos fitavam-a com sympathia, com um dia a trancar as prkões.
estremecimento mesmo, e caia um bus­ A baba do sentenciado cai como inde-
cava tomar posição apropriada a têl-a de levelmancha negra sobre todos os sens;
frente. e não pd le haver maior torpeza do que
Talvez pela imaginação exaltada do condemnar a quem não mereceu a con-
povo passassem as imagens das victimas demnação.
immoladas á sanha faccinorosa dos seus Os' magistrados e os que mandam exe­
matadores. cutar essas barbaras sentenças dormem
tranquillamente na paz de uma consciên­
Diante da horrorosa construcção, a me­
cia honesta, porque entregam ás mãos do
mória popular avivava recordações de
carrasco as pontas da corda ou o cabo do
outros tempos, ouvidas em serões de fa-
alfange,
milia aos pais já finados.
— Ainda hoje isto é bom. Contava-me A. sooielade por sua vez applaudé, na
meu pai, que ouviu ao meu avô, que, no magistradura e em si mesma, a segu­
rança dos lares e o amor da justiça, no
tempo da D. João VI, primeiro o carrasco
desmonhecava com um golpe as mãos do dia em que das alturas da fjica pende
mais um cadavar.
padecente e sô depois é que elle era levado
á forca. E todavia pareço que ha mènes torpeza^
em um homem matar outro, do que em
— Era 0 que esse precisava; eu sigo reunirem se milhares para matar um íó .
a letra do evangelho; quem com ferro Não peiàsavam, perem, d’este modo os
fere com ferro seja ferido. grupos que ej^ticionavam no Rocio no dia
O gracejo por sua vez vinha pagar tri­ em que se devia executar osaccusados pelo
buto á reunião piedosa de tantos corações assassinato da familia da Francisco Bene-
just'ceiros, que n’aquelle momento se ex­ dicto.
pandiam folgadamente n’uma espontânea Ao contrario: havia quasi duas hoi’âs
conformidade de sentimentos. que do Rodo á cadeia andavam anciosos a
Da vez em quando toda a massa popu­ espera de ver cocsummar se a execução.
lar ondulava, aífiuia. para um ponto e
Todas as janellas o.-.tavam cheias, e as
retlluia depois.
mulheres, coradas pelo sol e excitadas
Era uma voz que se levantava para pelo desejo de emoçõrs, debruçavam-se
apregoar que estavam rufando os tam­ nos peitoris espiando para o logar de onie
bores e que, portanto, em breve se desdo­ devia vir o prestito.
braria 0 painel anciosamente Esperado. Um incidente inesperado veiu pôr bem
Serenava o susurro ; as mãos arqueia- patente a approvação publica ao decreto
vam-se em torno dos pavilhões das ore­ dos tribunaes.
lhas, e todos tomavam a attitude de quem Espalharam-se dois boatos ao mesmo
escuta. tempo.

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ou A PENA DE MORTE
9
Propalou-s9 que a munificência do
Coqueiro e os seus amigos impediriam a
que a execução se renovasse.
poder moderador reservara-se para ir no
— E’ um attentado sem nome, exc a-
alto do cadafalso tirar do pescoço dos
mava colérico o Sr. Luiz de Souza. Mas
padecentes o baraço infamante, e assim
emquanto eu fôr vivo, veremos se faz-se
restituil-os á vida, ao remorso e ao arre­
ou não se faz justiça.
pendimento. A ultima palavra de Luiz de Souza era
Ninguém quiz dar credito apparente-
a que pairava em todos os lábios, e a
mente, mas, em consciência, cada um
idea que motivava a satisfação do povo.
sentiu se profundamente despeitado e de­
nunciava 0 despeito repetindo entre um
Não se riam, não se alegravam por des-
humanidade; regorsijavam-se crendo que
sorriso: não é possivel I
se effectuava uma justa vingança.
D’ahi a pouco, porém, ajuntava-se um Luiz de Souza era a imagem da in­
cotnplemento ao boato, e a população dignação profunda e dos desejos da
alarmou se seriamente. muitidão, a que acabava de reunir-se
Divulgou-se que pessoas fidedignas ti­ mais um espectador.
nham visto chegar a toda a brida um Era Seberg que, sem saber por que, di-
cavalleiro. Accrescentava-se que o recem- rigira-se para o legar onde lhe estava
chegado era campista e desconhecido no reservado um golpe tremendo.
legar. N’uma das continuas viravoltas que
Podia bem ser mais um curioso, mas dava, Luiz de Souza esbarrou com Se-
também podia ser o porti dor do perdão, bevg, e communicava-lhe o occoriido,
visto que o segundo defensor de Motta quando uma circumstancia poz-lhe ponto
Coqueiro era residente em Campos e pio- á narração.
mettera salvar o seu cliente a todo o custo. Os écos do clarim da força publica an-
A noticia iní^pirou geral desagrado e ou- nuDciavam o sahimento do préstito.
via-se em todos os grupos unisonamente A ti’opa, que estava postada na frente
dizei-se : da cadêa, manobrou e dividiu-se em dois
— Selizerem isto, fica estabelecido que pelotões, formando alas á porta da prisão;
podemos de hoje em diante matar a qu’^m e alguns soldados de cavallaria, andando
nos aprouver, sem que possamos ser pu­ a passo lento, começaram a abrir um claro
nidos. Q rem perdoa Moita Coqueiro não por entre os espectadores.
póde cendemnar a mais ninguém. A ’ portado mal seguro e'abarracado
Ainda os ânimos não tinham siquer edificio,—que desempenhava as funeçoes
contido 0 choque produzido pelo boato, e de calatouço, com exhalações insalubres
já um outro corria de ouvido em ouvido. de enxovias sórdidas e compartimentos
Eite era ainla mais grave e mais pro- abafaios esom luz,—um irmão da Mise­
prio para irritar os justos instinctes dos ricórdia movia compassadamente uma
curiosos. enorme campa, cujas badaladas tristes
Aflirmava-se o primeiro boato, e caso como que acordavam a commiseração nas ?ii|
elle se não réalisasse, nem por isso o almas dos circumstantes.
principal sentenciado deixaria de burlar Semelhante a um bando de aves agourei­
a sentença. ras, tendo pendentes dos hombros os seus
O meio empregado era simples. A corda balandraus negros, a irmandade da miseri­
fora embebida em agua-raz e portanto córdia assomou na porta da caoêa e distri­
não poderia resistir ao peso do padecente. buiu-se em parallelas ás alas dos soldados.
Logo que ella arrebentasse, a bandeira Alguns dos irmãos, segurando em uma
da Misericórdia seria collocada sob.e das mãos uma vara de prata e na outra
MOTTA COQUEIRO

uma saccola negra, lá se foram pelo povo . A poucos passos da cruz e lateralmente
dentro a esmolar para os suffiagios do a ella, vinha o porteiro tendo nas mãos
que ia morrer. um papel, em que estava exaradi a stn-
E aquelles mesmos homens que ainda ha tença lavrada pelo tribunal contra o reu.
pouco indignavam-se com a f <5 idéa da Quando esta parte do pre tito passou o
posiibiliiiade de um perdão, concorriam limiar da prisão, o enorme derramamento
cora 0 seu obulo para que a religião se in­ popular, que assemelhava-se a um lago
cumbisse de redimir na eternidade a|alma estagnado, tamanho era o sea silencio e
d’aquelle a quem attribuiam um crime, quietação — agitou-se inopinadamente,
que jnstameute revoltava a todos 03 espi­ brotando n’ um surdo mor aurio.
rites bem formados. O murmurio fez-se sussurro e o sus­
Sublime contradicção entre o homem surro intenso rumor e ouviram se gritos
religio'0 e o cidadão: este consente que a e choros de crianças.
cabeça >ie um irmão vá ter ás mãos do E’ que na porta do calabouço, vestido s^<
carrasco, aquelle dá sinceramente o seu com a alva funerariae acompanhado por
obülo para que da ignominia social passe um sacerdote, acabava de assomar o réu.
0 suppliciado ás felicidades sonhadas pela O seu nome eia Manuel da Motta Co­
crença. queiro. Fora, havia très annos um homem
Tanto d verdade que, em consciência, o abastado, inílnencia política de um mu­
povo não quer as penas irreparáveis I nicípio, um dos convidados indispensáveis
Após a confraria appireceu a bandeira nas melhores reuniões; agora não era mais
santa, outrora symbolo de esperança, a do que um padecente l’esignado mas tido
qua se dirigiam os olhares do condem- por perigoso e por isso espionado e guai*-
nado, que ao vel-a, através da memória dado solicitamente peU força publica', em-
afogueada pelas saudades da familia, dos quanto que, olhado como um ente repul­
amigos, do trabalhoe dapatria, contrapu­ sivo, .servia de pastj á cu;iosidade vinga­
nha á imagem horrorosa do cadafalso o tiva de uoia sociedade inteira.
sonho consolador do perdão. Com o andar vagaroso, povéixi firme,
Mas a lei inexorável condemnou desapie- veio collocar-se no meio da clareira.
dadamente esta esperança, de maneira Acompannou o o sacerdote, que em uma
que é hoje um apparato vdo o painel em das mãos tinha um livro aberto e naoutra
que a pallida Maria, n’um abraço estrei­ um pequeno crucifixo.
tado ao cadaver de Jesus, consoveia-se Aos lados d’esses dois homens inermes
com 0 ülho adorado para a conquista da viam-se o carrasco e oito soldados, com
redempeão humana. as baionetas caladas.
A religião no seu painel mostra que Pairava sobre este grupo a sclemnidade
possue para as supremas desgraças o da morte.
supremo perdão; a sociedade cora o seu Alto, magro, cora as faces, escaveiradas
carrasco, alimentado com a lama das en­ e ictéricas, marcadas por uma grande
xovias, diz-nos que para as aecusações mancha arroxeada, as pi^lpebras entre-
formi -aveis ella fó conhece o castigo ini- cerradas, completamente brancos os com­
qu j e in eparavel.
Lí' Seguirt seinnmeiiatamenteao painel um
pridos caballos, as sobrancelhas extrema­
mente salientes e espontadas, e as baibas
sacerd( te tendo nas mãos uma grande longas de sob as qif^es pendia-lhe de
cruz, na qual abriam-se os braços e con- volta do pescoço até á cinta, entorno da
fraijgia-se 0 corpo ii vido de um Christo qual se enroscava, o -baraço infamante ;
ensanguentado, cuja face voltava-se para Motta Coqueiro tinha mais a apparencia,
0 lado do padecente. de ura martyr do que a de um scelerado.

V íM
V* * " i
I' em susurros e farfalhos prolongados, o
Crusados sobre o peito os b^aços al­
gemados, a cabeça inclinada, os olhos povo m ovenlose para acompanhares
fitos no chão, immovel no meio d’aquella personagens da medonha tragédia, enchia
multidão agitada, que se collocava nss o espaço de um ruido confuso.
pontas dos pés para melhor fital-o ; o seu Era como ouvir-se ao longe o roncar de
porte solemne, a compostura evangelica uma cachoeii’a.
do sbu semblante fazia pensar ou na Contidos por algum tempo pela com-
mais requintada hypocvisia, ou no mais miseração, as exclamações, os comtnen-
inexplicável dos infortanios. tarios, as piagas jorravam agora de todos
Ao lado d’esse rosto, cuja expressão os lados.
fôra amortecida pela desventura, con­ Alguns mais exaltados negavam-se á
traste enorme, apparecia o carão negro, supplica que lhes era dirigida pelos cari­
estúpido e truculento do carrasco, sur­ dosos irmãos da Misericórdia.
gindo de sob 0 gorro vermelho como ura D’esse numero era uma velha, que tendo
vomito fulig noso da garganta de uma um dos braços passado ao redor da cintura
fornalha. de uma rapariguinha morena, de olhos es­
Fu?ilava-lhe nas feições o garbo bestial bugalhados e boquiaberta, via psssar o
do crime. prestito, parada a um dos cantos da Praça
Com a mão esquerda collocada á ilharga Munieip&l.
e arqueado o braço semi-nú, espraiava pela A darmos credito aos muchôchos que
mó de basbaques meio aterrorada, o olhar pi’ovocava aos vizinhos, a feia da velha,
sanhudo, coado atravez de umas pupillas era uma d’essas beatas ira pertinentes, que
n-egras. borradas n’uma corneà injectada não se importam do incommodar ac s mais
de sangue. com tanto que ellas não sejam ao de leve
Peles narinas carnudas e achatadas a prejudicadas nos seus commòdos.
sua boçal ignorância aspirava com o ar o Quando Coqueiro passava-lhe defronte,
alento necessário aos seus instinctos de a velha enrugando ain.ia mais as enregi-
- -fèí‘a. Ihadas pelancas, que oufrora tinham siJo
Após elles vinham o juiz municipal, faces, taramelou para a companheira :
revestido com a toga de magistrado, e o — Olha aqueile pedaço de malvado ;
escrivão, trajado de preto. vai alli que parece um santinho. Credo 1
Uma linha de praças fechava o prestito que mal encarado.
funerário. — Oh 1 nhanhan, coitado, vai tão triste.
O silencio, in tantes quebrado, foi para — Cala a bocea, tola, rtsmungoa a
logo l'estabelecido e d’entre elle só partia velha, ao passo que apeitava um pouco
0 soar agoureiro da campa, tangida em mais 0 pollegar e o indicador na cihta
badaladas espaçadas, quendo o porteiro da pequena.—Ter dó d’elle, te arrenego,
começou a apregoar em voz alta a sen­
tinhoso ; é pena que o malvado não tenha
tença pa a qual Manoel da Motta Coqueiro
era coadeinnado á soffrer a pena capital, no pescoço tantas vidas quantas arran­
por ser mandante dos assassinatos deFran- cou, para espiri arem-lhe tedas nas unhas
cisco B-uedicto, sua mulher e seis filhos. do carrasco. Deus lhe poi’dôe, mas esta
Ao termo da leitura, soaram os tambo­ se vendo mesmo que foi ell». •-
res e as cornetas unisonrs ccm o badalejar — Uih 1 exclamaram tf’out o grupo,
lugubre da campa, o o prestito desfilou. que carrasco tão feio, meu Deu's 1, '
Então á semelhança ie uma floresta que — Oito mortes, oito, etftre;,,velhos e
é tomada de assalto por um tufáo e ao crianças, a vida d’elle só não paga. Eh,
passo que se retorce e anceia, desfaz-se oí no meu pensar, entendo que se devia
MOTT A COQUEIRO

fazer o noesnao á familia d’elle, para que Os pulsos vigorosos dos agentes pu-
elle soube.-sa se era bom ! zeram-o fo ra ; mas elle, sem conter-se,
— Deus te perdôe. Deus te perdôe 1 proseguia, dizendo :
escapava mais adiante ao anonymo po­ — Dêixem-me fallar ao Sr. juiz. Dei­
pular. xem-me ! Eu sei. . .
E 0 prestito caminhava, parando, po­ E’ facil imaginar a confusão que n’esse
rém, a todas ás esquinas para dar logar instante reinou no interior do templo.
á leitura da sentença. Os espectadores redemoinhavam, gesti­
De cada vez que o prestito parava ou­ culavam, apertavam-se em estreito cir­
via se um como cicio partido dos lábios culo em torno do desconhecido.
dos sacerdotes e do condemnado. Este, vencendo a onda popular poude
Uma d’essas vezes, poude-se distinguir de novo approxima^-se da ala, e cami­
algumas das palavras segreladas pelo nhava em direcção ao magistrado, quando
ministro de Deus : parou 1’epentinamente.
— Confesse toda a verdade, irmão, pu­ O sentenciado com os cabellos erriça-
rifique a eaa consciência na hora de com­ dos, a pelle pergamlfihada do rosto e os
parecer perante Deus. lábios contrahidos, meio erguidos os bra­
— Repito, meu padre; não mandei ços algemados, fitava no desconhecido
fazer taes assassinatos. um olhar profundo, em que se misturava
E duas lagrimas tardas e volumosas, a supplica e a reprehensão.
d’essas que só os hypocritas confessos ou Todos pasmavam. O desconhecido, como
os desgraçados sabem chorar, escorrega­ se fosse instantaneamente petrificado, não
ram pelas faces cadaverosas do padecente. deu mais um passo ; a cabeça pendeu lhe
Ora envolvido no rufo rouco dos tam­ como que humilhada, ao passo que as
bores, ora atravessado pelo badalejar da lagrimas corriam-lhe em fios.
campa e pelo clangor das cornetas, o O juiz ia talvez ouvir o desconhecilo
proitito seguiu vagarosamente pelas ruas mas ao passar pelo seatencirrd% este, di­
mais concorridas da cidade, até parar em rigindo-se ao sacerdote, murmurou:
frente á igreja, onde o pregoeiro em alta i
— Peça que o deixem ir. E’ um homem
voz leu ainda uma vez a sentença irrevo­
gável, qu 3 devia manchar na cabeça de
de bem; e. tima-me; queria talvez dizer me
ná hora da desgraça algumas palavras de
um homem o nome de toda a sua familia.
Parte do prestito já estava dentro do consolo.
templo; algumas das sentinellas, que O prestito continuou a entrar no tem­
custodiavam mais do perto o réu, já plo. Ninguém buscou interrogar aquelle
transpunham o limiar, quando um in­ homem que soluçava, encostado á porta
cidente inesperado veio pôr em alarma principal da igreja. Respeitou-se lhe a
a todos os circumstantes. dor, poi’que ella mostrava ser bem pro­
Um homem desconhecido, com as faces funda e filha da.um sentimento generoso.
macilentas, o olhar e«gaseado, cs vestidos A tropa descançou ss espingardas en­
em desordem, e entretanto, revelando pelo chendo 0 recinto sagrado do barulho pro­
seu traje, pelo propiio desespero, ser um duzido pelo choque das coiouhas no
cavalheiro ; rompera á força uma das alas assoalho.
de praças e viera collocar-se em meio do O sentenciado ajoelhou-se, e os seus lá­
pre.'tito. bios começaram a ciciar uma prece, e o
Agari ado pelos soldados, debatia-se nas sacerdote que desde o incidente empai-
suas mãos, exclamando : lidecera ainda mais, e tcmára um ar
— Deixem-me fallar ; deixem-me fallarl ainda mais contricto, ajoelhou-se tambam.
ou A PENA DE MORTE 13
A isto objectavam outros,mas a maneira
Ao mesmo tempo o povo que enchia o
pela qual o faziam ; as palavras de que se
recinto começou a separar-se abrindo fi­
leiras. Era 0 desconhecido, que tvopego
serviam erammmto mais comedidas.
Para o desventurado estava, porém,
e banhado em lagrimas, deixára a porta
marcado o destino e apezar das innocen-
e caminhava em direcção a capella mór.
taçüss de uns, das accusações de outros,
Chegado junto do altar curvou os joe­
dentro em pouco elle devia desapparecer
lhos e deixou pender a cabeça sobre os
do numero dos vivos.
seus frios degráus. Teriam decorrido dez minutos apds a
Commovido por esta scsna, o sacerdote, entrada do préstito, quando um prolon­
inclinando separa opadecente, disse lhe ; gado tilintar de campainhas, vindo do
como se desejasse não ser ouvido por mais lado da sachristia, annunciou que o sacri­
ninguém : ficio da missa ia principiar.
— Ha entre vôs ambos um segredo sa­ Logo depois o sacerdote, paramentado
grado ; eu não o quero perscrutar. Res­ com uma casula negra, orlada e listrada
ta me apenas absolver-vos,meu irmão, em de largos galões amarello”, approximomse
nome de Deus. do altar-mór, e, em seguida á genuflexão,
— Oh 1 obrigado, exclamou o senten­ exordiou em alta voz o sacrificio pelo in-
ciado, que não poude mais conter as la­ troibo in altare Dei.
grimas, e fitou 03 olhos amortecidos na Os sons entexmecedores do orgão espa-
imagem silenciosa do Christo. Iharam-se como um sopro de melancolia
As seis luzes da banqueta do altar-môr, pelo âmbito sagrado.
meio cffuscadas pela claridade do templo, E 0 celebrante, acompanhado pelos altos
cobriam de tons sangrentos a lividez do amens e et cum spiritu tuo do sachristão
Homem do Calvai'io. e os soluços angustiosos do desconhe­
Dir se-hia que se trocava um mysterio- cido, proseguiu resmoninhando o latim
sO’O'lhar'th’ intelligencia entre os dois sen­ do missal.
tenciados, e que os seus corações ccnver- A educação religiosa dos assistentes
f avara na luctuosa intimidade de um tinha n’este momento extinguido quaes-
inaudito sacrificio : tamanha era a ex­ quer outros pensamentos que não fossem
pressão do semblante do réu e tão ani­ os de respeito pelo acto, que se effectuava.
madora a attitude do divino martyr. Havia, porém, um homem em quem a
Entre elles estava baqueada a coragem solemnidade singella do oíficio divino não
do desconhecido, completando a desolada produzia a menor impressão. Era o car­
trindade de um martyrio. inenarrável. rasco, 0 monstro negro, que brincava
distrahidamente com o seu barrete, revol­
Cousa singular, d’esses soffrimentos
0 que parecia mais sereno era o do mori­ vendo o entre as mãos.
bundo, que de vez em quando levantava Estatua informe da escravidão, cujas
os braços a’ gemados para embeber o panno falhas foram cheias com o asphalto do
da alva nas lagrimas perennes. calabouço, argamassado com o sangue
A impressão produzida por este quadro que os açoutes lhe tiraram do corpo, o
desgtaçado folgava talvez na sua brutali­
sombrio parecia ter apiedado a multidão,
que se mantinha em sincero recolhimento. dade de féra.
Algumas pessoas visivelmente commo- Os brancos fizeram d’elle uma victima ;
vidas diziam já : prohibiram-lhe que afinasse os senti­
— Ha uma voz que me diz que o Co­ mentos pela comprahensão exacta da fa-
queiro não foi 0 auctor dos assassinatos. milia, da religião e da patriaj devia sei-
j 4 MOTTÀ GOQUEllU»

lhe grato poder vingar-se de um dos seus — Perdoa-lhes, irmão, elles não sabem
oppressores. o que fazem.
Revolvendo nas mãos o gorro vermelho Na embocadura do largo o pregoeiro
illudia porventura a impaciência que lhe cumpriu pela penúltima vez o seu dever,
causava a demora da execução. e as caixas expandiram-se em rufos pro­
Negaças de tigre antes de dar o bote á longados.
presa. Pela cara angulosa do carrasco passou
O sacerdote acabava de resar o prefa­ um vago estremecimento, semelhante aos
cio, 0 a campainha do ajudante acompa­ frêmitos eléctricos que percorrem os lom­
nhava a invocação do» santos, quando a bos dos tigres, e ao mesmo tempo tomou
campa funerariado irmão da Misericórdia 0 aspecto metallico de uma camada de
apregoou a retirada do prestito. mei’curio.
O barulho dos que se levantavam para — Coragem, coragem, meu irmão ; é
sahir perturbou o recolhimento devido ao chegado o transe derradeiro ; exclamou o
acto da celebração, e grande parte do sacerdote para o sentenciado.
povo já estava de pá e de costas, quando — Peça a Deus por nós, meu padre.
aOstia, levantada pelo celebrante, alvejou E caminhou, seguro no braço pela ca-
por cima do altar como uma estrella de losa e rude mão do carrasjo.
amor, perdida na escuridão do odio. A poucos passos levantavam-se os dois
Lá fóra rufaram as caixas os runs- esteios negros que sustentavam a ma­
runs contristadores, com que a justiça china mtnstruosa da justiça humana.
enlueta ainda mais a perspectiva do tu- Se a machina tivesse alma devia estar
mulo; depois o pregoeiro declamou ainda bem desvanecida de ver a curiosidade
uma vez a sentença, e o prestito seguiu que deSpsrtava a sua brutalidade, e pro­
0 seu caminho. curar attitules especiaes para relevar
A serenidade que, desde a sahida da ainla mais os seus toscos e hediondos
prisão não deixara de illuminar a phy- cmtornos.
sionomia do condemnado, persistia inal­ A parte superior dos esteios era ligada'''''\_^^
terada, porám, a fraqueza do corpo des­ por uma grossa trave, e abaixo, mediando ^
dizia a fortaleza animo. pouco mais da maior altura de um homem,
O desventui-ado quasi não andava, ar­ corria um tablado, terminando, de um
rastava se ; e algumas vezes o sacerdote lado, rente com a face dos esteios.
teve de ir-lhe em auxilio, para que não Do tablado até o chão conda uma es­
désse em terra. Outras vezes o carrasco, cada de degraus estreitos e roliços. Tudo
impacientado pela morosidade do passo, tosco, brutal, como o fim a que era des­
impellia a victima, que nem siquer dava tinado.
mostras de oensural-o por isso. Para ahi condusiu o carrasco o homem
Já os irmãos da Misericórdia, no des­ aferretado pela condemnação publica.
empenho da sua caridosa missão, embara- Ia emflm desdobrar-se a ultima scena
fustavam pelo meio dos curiosos que esta­ do assassinato legal, esse que, mais digno
cionavam no Rocio, e os soldados abriam da reprovação do que os outros, é feito a
caminho para a entrada do prestito. sangue frio, premeditado nos commodos
Motta Coqueiro, desfigurado e tremulo, de uma cadeira de juiz de facto, de uma
ao ouvir os gritos que annunciava a sua poltrona de desembargador, e confirmado
chegada, com a voz entrecoitada disse pela irresponsabilidade do poder mode­
ao sacerdote: rador.
— Aconselhe-lhes, meu padre, que não Os juizes chegam ao tribunal com os es­
zombem de quem vai morrer. tômagos cheios e os corações afTagados
pelos carinhos da familia ; riram’ ao Para abafar a voz do condemnado as
almoço satisfeitos com a graciosidade dos caixas marciaes rufaram prolongada-
brincos dos seus caçulas ; riram á en­ mente, e fez se signal ao carrasco para
trada do tribunal, alegrados pela jocosi­ começar a sua missão.
dade dos amigos ; applaudiram os tropos O monstro apertou então ainda mais o
ardentes da accusação e da defeza e en- braço do livido padecente ; puxou-o para
thusiasmaram-se com a arte revelada si em direcção á escada, e collocando-se
pelos juristas na elaboração do libello e depois por detraz d’elle, fel-o subir os de-
do contra-libello, e depois retirados para gráus da forca.
a sala secreta, submettem os quesitos, não Emb?ixo, os irmãos da Misericor’dia e
ao critério formado pela sensata apre­ os sacerdotes, reunidos em torno da cruz,
ciação do entrecho do processo, mas aos puseram o seu esfcãndarte em posição de
preconceitos que em em suas mentes de cobrir o sentenciado, caso arrebentasse a
burguszes honestos foram arraigados corda.
pelos coramentarios e legendas abortados Era uma vã espei’ança: a corda fôra
da ignorância popular, tão ofliciosa em especialmente mandada por uma auctori-
coopei’ar para o mal do proximo, quanto dade elevada da provinda, e os abusos da
remissa para fazer-lhe bem. propria confraria inutilisavam a sua in­
O sentenciado chegara junto ao patibulo. tervenção a favor dos infelizes, votados á
Para juntar a ironia á malvadeza, uma morte infamante.
bandeja com alguns pratos cheios de con- O carrasco e o reu tinham chegado ao
feituras, um calice e uma garrafa de tablado. O pregoeiro leu pela ultima vez
vinho generoso foram apresentados ao a integra da sentença que condemnava á
preso, como symbole da solicitude social, morte e as multas da lei o réu Motta Co­
e da maxima e indisivel pieda'îe que vem queiro, mandante dos assassinatos de
cevar a victima antes de iœmolal-a. Francisco Benedicto da Silva, sua mulher,
O réu voltou nobremente o rosto á in­ um filho de desoito pai’a dezenove annos,
juria assucarada dos seus matadores, doas filhas maiores de quatorze, duas
e, ou fosse pela dor que esta affronta maiores de sete e uma de dois para très
lhe causasse,ou fosse pelo terror inspirado annos, e finda a leitura, o magistrado or­
pela visinhaça do patibulo, os joelhos ver­ denou ao carrasco o cumprimento de seu
garam-lhe, e teria baqueado se não fosse dever.
arrimado pelo sacei’dote. O negro instrumento da morte, depois
Não longe.d’este grupo >:ma face negra de conchegar á cabeça encarapinhada o
de mulher b^nhava-se em pranto copioso. gorro vermelho, e experimentar com vio­
Era 0 protesío de uma raça contra o pro­ lentos puxõ ís a segurança das algemas do
cedimento de um de seus membros, por preso, tomou-lhe o capuz, que lhe pendia
que ao passo que a boa da preta chorava, nas costas e com elle cobriu-lhe oj rosto.
o carr> ,co esvasiava um calice do vinho Passou a desenroscar a corda da cin­
regeit-i’o pelo condemnado, e apreciava- tura do padecente e ajustar-lhe o baraço
lhe o sabor dando estalinhos com a lingua. ao pescoço. Feito isto, conduziu o des­
Dispertado da prestação, revivido do venturado para uma pequena escada posta
desanimo pelos soluços da commiseração entre o tablado e a trave ; assentou-o em
espontânea o’aquella mulher, o i’éu co­ um dos degraus, e foi prender a corda
brou de novo forças, e voltou-se para em dois ganchos da ferro pregados no
a lacrimosa, dizendo-lhe : alto do patibulo.
— Chora, minha filha, porque eu morro Escarranchando-se na trave, agilincli ’
innocente. nou-se ô segurando-se n’ella com um
braço, com o outro empurrou violenta- pletamente vasias e a cidade recahia no
mente o padecente, tirando de improviso seu silencio habitual.
No tablado do patibulo viara-se, porém,
a escada de sob elle.
O sentenciado ficou suspenso pela cor­ quatro homens vestidos de lucto, e com
um sincero recolhimento collocavam den­
da, eíp'?rneando, agitando os braços
tro de um caixão mortuário o cadaver do
amarrados e balouçando como enorme
pendula. justiçado.
Eram os amigos de Motta Coqueiro que
Deixando então a primitiva posição, o
tinham obtido da justiça, para dar á uma
cari’asco, voltado para a multidão, segu­
cova, os restos que ella condemnaria á
rou-se com as mãos robustas na trave e
valia commum.
pendurou-se no ar.
Em um dos vai-vens dados pelo corpo do O desconhecido, que era um dos quatro
sentenciado, os pés do carrasco alcança­ que seguravam nas argolas do caixão, ao
ram cs hombros d’aquelle. pousal-o na beira da cova, disse para Se-
Collado um pé sobre cada hombro, o berg, que chorava: — foi um homem de
monstro carregava sobre o moribundo e bem ás direitas ; e se alguns erros com-
impellia 0 em largos balanços. metteu, o ultimo acto de sua vida paga-os
Durante toda esta scena que atterro- de sobra.
rava os mais exaltados, o negro execu­ II
tor ria a sua feraza através de uns lábios
grossos e roixos.
0 SITIO EM MACABü
Talvez sentisse n'esse momento a sa­ U m tapete de grama, desdobrado so­
tisfação de Quasimodo quando bamba bre uma larga area de terreno, viredecia
leava se no espaço, agarrado ás orelhas de um lado uma vasta planicie e de outro
do sino giande da Notre Dame. uma pequena coilina, alegrando a appa- a..!
Esta scena durou o tempo immenso rencia da localidade.
que duram sempre as scenas horrorosas ; Aqui e alli erguiam-se do chão atapéta-
minutos que parecem horas. do grandes moitas de arbustos, ou isoladas
A um golpe dado na corda o cadaver do arvores corpulentas, copadas umas, nuas
sentenciado bateu em cheio no tablado e e esgalhadas outras, projectando sombras
o carrasco veio de um salto, collocar-se extensas ou sacudindo á viração longos
sobre elle,carregando lhe com a mão sobre flocos de musgo, postiças bai'bas brancas
a boca. postas á velhice desses raros represen­
Estava desaíírontada a sociedade. Ru­ tantes das mattãs virgens.
faram os tambores, clangoraram as cor­ Na orla horizontal do grammal, o rio
netas e 0 carrasco desceu para recolher-se Macabú, comprimido enti’e as mai’geas co­
de novo á fermentação silenciosa dos seus bertas de vegetação esplendida, arrastava
ruins instinctos. a sua pobresa de aguas, ora juncado
A confraria desfilou precedida pela sua das mortas folhas amarellas das figueiras,
bandeira e fechada pela cruz, onde a ca­ ora bi’anqueado pela caduca floração dos
beça descorada do Christo parecia ter-se ingazeiros.
inclinado ainda mais. O cimo da coilina servia de base à uma
E’ que, desfeiando-a, na historia da hu­ casa avarandada, cujo caio era de distan­
manidade redimida negrejava mais uma cia em distancia colorido por uns quadra­
iniquidade. dos e rectanguios verdes, a que corres­
Uma hora depois, a praça do Rocio e as pondiam outras tantas portas e janellas
ruas principaes de Macahé estavam com- envidraçadas.

_ ÏI — »,
ou A l’UNA 1)E MOllTË 17
Cerca de duzentos passos d’esta casa se erguia por entre as negras telhas do
chamada—a casa grande—estendia se um casarão central.
I lanço estreito, coberto de sapé, de paredes Toda a vida e actividade estavam con­
ffi apenas barreadas, atravessadas de espaço centradas em outros pontos, e facil era ir
a espaço por umas portas baixas ejanel- ter, a elles tomando um caminho, que pas­
■ las , que teinam très palmos de altura so- sava perto do curral, e seguindo por elle
j bre dois de largo. em direcção ao occidente.
Era uma linha de senzalas, miserável A um quai’to de hora de csminho
habitação dos escravos. estar-se-hia no meio de compridos acairos,
sombreados por enormes bananeiias que
í Entra as senzalas e a casa grande — dividiam umas de outras as terras culti­
‘ duas casas — a do feitor e a do fabrico de vadas.
faiinha, ou bulandeira, e além d’estas, Ouvir-se-hiam então os cantos mono-
‘ do outro lado da casa gíande, uma es- tonos e ver-se-hiam, com uma saia de ris­
pecie de barracão coberto de telha, com o cado e alv:.s camisas de algodão, expostos
caio sujo e as paredes meio esburacadas, ao sol os collos negros das escravas, e
, completavam o numero das edificações, vesti os de calças da zuarte, os negros
j se exceptarmos algumas palhoças collo- semi-nús levando para diante o eito, esti­
4 cadas mais para traz e que serviam para mulados pelos gritos machinaes de arriba^
i guardar os animaes domésticos. o.rriba\ bradados pelo feitor, encostado
Como grande mancha negra no matiz ao cabo do seu rebenque.

!f
da collina, via-se o curral, cercado por So no meio dos cafesaes e maudiocaes
uma curva dé baixos paus-a-piques, nos nãò fosse encontrada a gente do sitio, o
quaes pren lia-se uma pesada canjella. tan-tan, tan-tan compassado dos macha­
I A casa grande estava quasi sempre dos no cerne das arvores seculares annun-
fechada, porque o seu dono, Manuel da ciaria a sua estada nas mattas circ umvi­
Motta Coqueiro, residia em Campos e a zinhas.
maior parte do anno passava-a ahi, ou en­ A ’s vezes o serviço era dirigido pelo
tão na sua chacara da barra de Macabú. senhor em pe-soa; mas o aspecto da casa
A alegria dos logares habitados não não S 3 alterava, porque vindo só para o
era, pois, encontrada senão raramente sitio, Motta Coqueiro apenas era visto em
n’este local, onde a primavera desfazia-se casa quando de manhã muito cedo dieta va
em fiorecencias esplendidas sem que ordens ao seu feitor ou á noite ouvia d’elle
houvesse quem a contemplasse, a narração do serviço feito. Em face
i ' • Quando o vento indifférente, enredan- d’elles quedavam então os escravos ali­
; do se na copa das arvores, transformadas nhados e taciturnos.
em ramalhetes monstros pela seiva vernal, Quatro annos antes da época em que nos
esfolhava-os desapiedadamente, a chuva achamos, primeiros mezes de 1852, outra
de flores e folhas cahia sobre o gado, que era a vida no sitio.
fugindo á canicula, deitava-se-lhes á som- O campo era quasi sempre percorrido
bra, ruminando silêncios amente. por cavalleiros e homens a pé, cs quaes
Quando o calor abrasava, colhidas as dirigiam-se de prefarencia para o velho
azas e occultas na frescura da folhagem, barracão que descrevemos.
as cigarras e as nuvens de passarinhos Por esse tempo, a pedido de um amigo,
chilravam e gazeiavam por alli como se Motta Coqueiro recebeu como seu aggre-
estivessem em logar completamente de­ gado>um d’esses pobres homens do sertão,
serto. Também de visinhança de homem que vivem da pequena lavoura e sem meios
SÓ dava signal uma espiral de fumaça que para ter um terreno proprio, cultivam o
o
18 MOTTA COQUKIUO
alheio para usufruir lhe as bemfeitorias. xima, tocando viola e desflindo a vida
Francisco Benedicto,forte apesar da idade, alheia, o compadre assentava-se ás vezes,
que subia a mais de 40 annos, vira se, e para matar o tempo e cortar o calor
havia alguns mezes, sam um tecto sob o esvasiava tántos copinhos de aguardente,
quai abrigasse a numerosa famiiia, e re- que o resultado era voltar para casa des­
correado a Coqueiro por uni seü amigo, crevendo zig-zags.
cbteve concessão pai*a estabelecer-se em Demais tinha relações com pessoas, que
terras do sitio de Macabü, onde levantaria eram inimigos confessos de Motta Co­
para si uma casa e cultivaria o t->rrtno que, queiro, e que, segundo erá f;m a, só cão
lhe aprouvesse, sem pi*íjudicar o pro­ lha bebiim o sangue porque não podiam.
prietário. Era d'este numero o André inspecter, e
Foi, pot é/û, temporariamente ho'pedado osublelegado Oliveira, que se malquista­
no barracão contiguo á casa granie até ram com 0 compadre de Francisco Beae­
que terminasse os trabrlhos preliminares dicto desde umas elei .õss que elle venceu
do seu estabelecimento. em Carapsbús.
A belleza das très filhas mais velhas de Salvo esta queixa, reinava a mais in­
Francisco Benedicto, a intimidade por teira cordialidade entre as familias. As
elle demasiadamente facilitada, fizeram filhas e mulher do aggregado frequenta­
logo da casa um ponto de reunião, princi- vam a casa grande e nunca sahiarn de lá
palmente dos ociosos da visinhança. sem que a senhora pedisse cs lenços das
Coincidiram com a chegada de Fran­ pequeninas para amarrar uma trouxi-
cisco Beaedicto e os primeiros tempos da nha.
sua morada na casa de Coqueiro, as de­ Por seu tu'’no estas de vez em quando
moras a’este o sua familia no sitio. traziam uma cestinha cheia de ovos e
Era causad’essas demoras ter Coqueiro, acercando-se da dona da casa, depois de
que negociava em madeiras, resolvido lhe beijarem a mão, diziam-lha :
explorar as mattas proprias para obter
os preços elevados correspondentes á ca­ — Eu trouxe isto para a senhora.
restia do genero no mercado. A resposta era sempre, á chegada das
Para accélérai’ o trabalho era necessá­ canoas da cidade, um embrulho de esssa
rio que elle estivesse presente ao serviço ou chita, ou UQS lenços novos, enviados
dos escravos e empregados. obriga- pela esposa de Coqueiro á casa de Fran­
va 0 a demorar-se no sitio e a sua esposa, cisco Beaedicto.
para não constrangei o a ir visital-a a Se a consorte de Coqueiro assim tratava
Campos, resolveu acompanhai o. a familia do seu hospede, aquelle por sua
Entre a famiiia do aggregalo e a do vez teve diversas oceasiões de carregar
proprietário travaram-se logo relações e as suas sobrancelhas salientes, e tomar
Motta Coqueiro fti na primeira oppor- um tom de voz energico para responder
tunidade escolhido para baptisar o caçula aos que fallavam do seu coæp sdre :
da Francisco Benadicto. — O que eu sei é que tirado o defeito
Cumpre, entretanto, notar que a senhora da bebida, é muito trabalhador e a su'i
de Coqueiro manteve sempre uma certa familia é boa gente.
reserva para com o compadre, que não Todas as tardes ao voltar da roça cu
obstante ser bom homem, muito respeita­ da derrubada. Coqueiro parava junto da
dor e trabalhador, tinha o vicio da be­ casa de Francisco Bsnedicto, e alli espe­
bida. rava muitas vezes até á noitej mandando
Entre os vadios que passavam as se­ ao mcleique, seu pagem, desensilhar o
manas assentados ao balcão da venda pro- cavallo, porque êó iria mais tarde.
ou A 1>KNA UE MOUTE 10
Havia tî‘fs iadiviJuos a queœ tatoanífa ponteagudas, que faziam lembrar a fôr­
familiaridade incommodava. Eram elles ma dos pecegos.
Manuel Joâo.ura mulatialio de vinte e pou­ Demais a mopa antes de entrar no rio,
cos annos, bem apesroalo efallante,—ura colhera os vestidos até os joelhos, e
perno-stico, seguido o Vianna da venda; atara-o á cintura com um lenço, e para
O Sebastião Pereira, robuîto rsp iz que não molhal-os, apertou-os eatre pernas,
œorava perto dts terras de Coqueiro, e de maneira a formar com elles uma es-
muito coaheci io pela peiicia em tocar pecie de calções apertados.
viola e cantar o desaflo ; e o Vianna da O remador que adjudava com i^emadas
venda jâ meio m aluro—como dizia o An­ viris 0 deslisar espontâneo da canôa pela
dré inspector, e creio mesmo que ligado correntesa do rio, conteve a frágil embar­
por laços matrimoûiaes. cação parou de remar, e deixou que ella
Ca ia um d’esses très indivUuos suspi­ ficasse remanseando, emquanto elle en­
rava muito em segredo por uma das mo- volvia n’ um olhar ardente as formas
1’enas do Chico Heaedicto—per pena das sculpturaes de Chiquinha.
pob es raparigas. Esta que disfarçadamente observava
O porte airoso de Chiquinha, a filha 0 canoeiro com um olhar contemplativo,
mais velha, o seu olhar meio escarninho, deixou-se ficar curvada, ostentando a cin­
meio melancol CO, o confranger dos Isbios tura fina, accentuada ainda mais pelos
para estalar ura muchocho penaZjsaram amplos contornos dos quadris.
muito a S. bastião. A canôa, entregue a si mesma, poz-se a
O compassivo rapaz levava a sua sen­ boiar a mercê da correntesa, o como se
sibilidade a poeto de visitar sempre o mão mysteriosa a guiasse, veiu esbarrar
Chico Benedicto. a’.um tosco branco de lavagem, que negre-
A principio, ao lusco fusco, com a sua java junto a Chiquinha.
viola a tirsccllo, e montado n’um ossudo — Que máu ponpeiro que vosmecê é,
csvallo, a que todos chamavam—pangaré, oh seu Sebastião ; disse esta, eu não me
e só elle chamava-c—Suipiro, era visto embarca va com vosmecê, nem para o céu.
marchando para a casa, que lhe entris­ — Pois é pena, sá Chiquinha, porque eu
tecia o coração. iria cora vosmecê até para o inferno.
— Era preciso que eu quizesse ir, res­
Mas, devido mesmo ao coitinuado t'a- pondeu Chiquinha, SOI rindo.
balho, aggrav rsm-se as mataduras do
— Eitá visto ; eu não queria nem esta
lombo do inimal, e o Seba t;ão tomou o canoa cheia de ouro se fosse contra a sua
expediente de vir em uma cat ôj. vontade.
Um dia, ao chegar ao porto, Chiquinha — Deveras ? ...
estava lavando. O sol rerestira lhe de um — Se duvida, sá Chiquinha, é só expe-
anacardino intenso as faces graciosamente 1'imentar,
tumidas. Os cabelh s negros como cs fruc- Ao pr. nunciar a palavra Chiquinha ti­
tos da barauna, reunidos em duas tranças, nha-se senti lo perturbada e pai-a não
que cingiam a cabeça pequena, afefavam- trahir-se levantou a alva peça que lavava
se em duas pa.^ta?, aiqueadas por sobre para batei a no banco, que tinha diante.
as têmporas.
O seu braço foi, porém, delicadamente
Entre as sues mães delicades alvejava seguro pela mão de Sebastião, emquanto
oma peça branca de roupa, sc bre a qual a com a outra o moço tentava tirar-lhe a
moça inclinava se, mettida dentro do rio. peça da pequenina mão.
A posição curva, que tomara, deixava — Não me segure, resmungou Chiqui­
vêr pela altura do collo umas salienciís nha, fingindo-se amuada ; me deixe.

•^1
WOT’TA COQUEIRO
20
— NSo foi por mal, sá Chiquiulia! ... A sala sem assoalho, com o chão ac-
murmurava Ssbastiao, ao passo que dei­ cidentado por altos e baixos, ornada por
xava 0 braço da moça. E’ que para bater uns bancos de pau, umas caixas e uma
a roupa é preciso força, e eu sou mais meza velha, em que assentava um orato­
rio junto do qual espirravam dois can-
forte.
Chiquiuha dando uma das francas risa­ dieiros de folha de Flandres ; semelhante
das caracteristicas dos filhos da roça , sala luzia na memória do homem com £s
scintillações de um paraiso de amor.
exclam ou:
— Uhê 1 seu Sebastião subiu a serra, E’ que ao entrar, fôra recebido por uma
gente 1
estrepitosa ovação, e ouviu á Antonica
O rapaz animado pelo dito e a risada chamar os seus quasi quarenta annos —
de Chiquinha desembarcou,segurando nas um mocetão bonito.
mãos a corda que amarrava o banco da Não ha alma de tendeiro da roça, por
prôa da canôa, e poz-se a perfurar o barro menos vaidosa que seja, fortalecida para
do porto com o cabo do remo, dizendo: não penhorar-se com semelhantes sau­
— Eu pensei queuoc^ tinha-se zangado dações.
N’aquella noite o Vianna, naturalmente
commigo.
— Não me zanguei, n ão; foi só para folgazão, levou as lampas aos mais pago­
você não se metter no que não sabe. deiros ; tinha mettido no mesmo chinello
— Então eu não sei bater roupa ? o Sebastião e Manuel João, que improvi­
— Qual sabe o que; isto não é viola. savam estrophes com a fluência do jorro
— Pois fique sabendo que a gente de uma cascata, e com as mesmas quédas.
quando quer sabe tudo, até amar. Achava-se ahi por ter merecido um
— Óra, isto ... tem muito que saber... convite de Francisco Benedicto para uma
_g tem mesmo j como eu você nao brincadeira de Santo Antonio.
O programma da festa era uma ladai­
acha outro.
_Agora, como se faz na caixinha dos nha, e em seguida um fado com muitas
tres desejos, diga, seu Sebastiao a quem raparigas, um leitão assado, dous garra­
fões de aguardente, ou melhoi’— de boa
ama ?
— A você ! . . . canna, e um garrafão de vinho, o qual
— Gentes 1 como você está adiantado! fôra dado de presente á Antonica, pelo
exclamou Chiquinha,depois de ter contra compadre capitão, o Motta Coqueiro, que
hido os lábios corados n’ um terno mu- fôra passar a fosta na c^dade.
Na casa não havia nicas, era casa de
chôcho.
Desde esse dia. Sebastião Pereira come­ pobre ; e o Sr. Vianna estava alli como
çou a sentir grande pena pela familia do se estivesse na sua venda. Podia também
Chico Bsnedicto, e a ter manifesta aver­ levar quem lhe aprouvesse.
são pela familiaridade de Coqueiro junto Cantada a ladainha, começou cilorosa-
mente o fado. A viola retinia febril­
d’esta familia.
A partir de uma noite em que, sobra- mente ferida pelos dedos apaixonados de
çado 0 seu ponche de baeta negra, forrado Sebastião Pereira ; rufavam enthusiasti-
de fianella vermelha; posto no alto da ca­ camente os adufes, e os pares rodavam,
beça 0 chapéu do Chile com largas fitas sapateavam, peneiravam, enchendo asala
negras pendentes, oVianna da venda, en­ de palmas e castanholas.
trou na casa de Chico Benedicto, a sua Uma das rodas era formada p«lo Vian­
alma de tendeiro começou a pesar ouro fio na e Antonica, Manuel João e Mariqui­
03 generös da vendola e a recordação de nhas, a mais nova das très filhas moças
sá Antonica. de Francisco Benedicto.
ou A PENA DE MORTE 21

Eva a roda em que se dançava melhor. E longo tempo persistiam os cantores


Maravilhava pela cert'^za dos m<^neios, rociando de ardentes galanteios os cora­
pe.a precisa cadência dos sapateados e ções agradecidos das suas preferidas.
pela assonancia das palmas, ás vezes ba­ Descuidos contristadores deram, porém,
tidas junto da b;cca aberta, para reper­ occasiõas a separarem-se os pares predi-
cutirem um som cavo, delicia dos dan- lectos. Prompta era, entretanto, a juncção,
s aáüos. porque á retirada dos cavalheiros seguia-
Excitava a o enthusiasmo do amor. se uma frieza visivel nas damas; desappa-
lavejosos da mae? ,ria das damas, os reciam os ademanes graciosos, os reque­
cavalheiros de outros grupos, pela maior bros francos e as zumbaias lascivas e ele­
parte em msngas de camisa, tentavam gantes.
frequentes furtos, que eram habilmente Os intromettidos, despeitados pela sú­
repellidos pelos cauteloso pares. bita mtidança, presto retira vam-se e se al­
Em vão, de um pulo,fS invejosos reali- gum mais Tusgueuto levava a imprudên­
savam os bem planejados assaltos; era- cia até a fazer notar que percebera a má
lhes frustrado o intento, porque encon­ vontade das moças, ellas acudindo á cen­
travam a dama cobiçada bem amparada sura com 0 seu melhor sorriso, respondiam
pela perna do par, inteiriçada e meio su­ com apparente ingenuidade:
mida entre as saias murmurosas da ri­ — Credol que luxo; não quer que a gente
sonha defendida. fique cançada.
Os assaltos mallogrados eram novo in­ Mas, em reapparecendo os dois, o can-
centivo a fertilidade poética dos cantores. çaço extinguia-se milagrosamente ; a frie-
Manuel João viotorioso prendia a corrente sa transformava se em fogo, e a roda
do desaflo, estropnes allusivas e dizia no gyrava com tanto garbo, com tanta ale­
gria que algumas das visitas, cobrando
seu ameno tenor :
— E’ c ipricho ; hei de guarda-la pareas á maledicência, resmungavam da
Qual na moita o passarinho, mau humor :
G’o as lindas azas abertas. _ São muito fdiscas estas moças.
Guarda os filnos no seu ninho. Francisco Benedicto havia-se approxi-
m alo do violeiro, e o alegre Sebastião,
Responden lo rapidamente á volta, o
casando os ais da prima aos soluços do
violeiro apaixonado, tornava no seu ba-
bordão, levant.u as despedidas.
rytono selvagem : Cessou 0 rufar do adufe, o soar das
— Eu também morro de zelos palmas, e os pares separaram se.
Porum ajoia querida; Era a ceia que vinha sustar por algum
— Os SOI risos de Chiquinha, tempo 0 folguedo, e dar aso a expansões
Cadeias da minha vida. que, mal contidas, ameaçaram irromper
CentiQuavnm a trocar os promptos im­ inconvenientemente durante as alegres
provisos , aliadindo cada um a dama que danças.
0 captivava. Todas as damas e cavalheiros retiraram-
— Quem tem joias preciosas se, precedidos por Francisco Benedicto,
Não as deixa asirim roubar; que não muito em linha recta,alumiava-os
Meu the^oufO é Mariquin las, Cum um dos candieiros que esclareciam a
Minha joia é seu olhar. sala.
Mas eu conhe;o outros olhos Só a travessa Anton ica ficara, talvez
Que têm um brilho melhor; maliciosamente, assentada a uma das
São negros, a g .nte os vendo ca x is,a pretexto de que não queria ceiar,
Fica perdido de amor. e sim descançar.
MOTTA COQUEIRO

A. solicitade de Vianfaa não podia resig- deiro agachou-se e coseu-se com a parede
nar-s3 a mastigar o leitão da brincadeira, correndo, e só depois de alguns minutos,
quando Antoniei, bonita como diabo, gritou de fóra :
conforme elle dizia, ficara lá na sala so­
— Eh tá com o berreiro; já vou, já vcu.
zinha e quem saba se amuala comsigo.
Assim pois, resolveu vir ter cem ella As pessoas que entravam na sala, en­
acompanhado de um prato com â , iguarias contraram Antonica, sentada muito tran
da mesa e um copo, o unico que havia, ató quillament», e ninguém su pe.t^u, siquer,
meio de vinho. a scena que antes se passara.
Apresentou-lhe o prato e o copo; a Recomeçando o fado, o Vianna mostrou-
moça não quiz servir-se, e pediu-lhe que se por largo tempo menos expansivo;
a deixasse descançar. esquivava-se de dan;ar, tíizendo-se fati­
— Oh 1 sá A nton ica, eu fiz-lhe algum gado, e só se achava bem junto dos gar­
mal ? interrogou Vianna, ou sou algum rafões, em companhia de C.iic j Rencdicto.
bicho que lhe metta medo ? Antonica também não figur.*va n.s
— Não é, nã^; mas ea não quero ouvir rodas senão espaçadamente e tinha o ar
a bccca do povo. de quem queria chorar.
— Qual historia, sá Antonica, elles de O Sôbastiàj Pereira, que ao lado deCni-
mim não faliam, porque todos elles têm a quiühi paiecii tei--se alheado de tudo
barriga lá em casa. mais, não prestou a principio attenção ao
— Já sei, já, seu Vianna; mas eu quero mau estar dos dois nam rados, mas sendo
ficar sozinha aqui, ou então vou-me em­ obrigado a chamar alguém para substituir
bora. Que ahorreciment j, home f 1 a sua v ilx , que precisava sahir, fji ter
— Está bom, eu vou, sd Antonica. com Antonica, e as lagrimas represas da
Mesmo póie estar aqui alguém que vá moça revelaram-lhe o segredo do seu
contar a elle, e depois... afastamento e tristeza.
— Contar a quem, seu Vianna? não se D.riginio-se á Vianna, Sebastião ata-
dá esta ? te arrenego I cou-o logo do frente, sem meias palavras:
— E olhe que não seria a primeira vida Você pai ene criança; lá está a Antonica
que elle mandaria tirar. Eu sou pobre e a chorar, seu Vianna. O pai já esíá prom-
elle é capitão, é rico, ê magnat a. pto e se vem a sabor d’isto, temol-a tra­
— Olhe, seu Vianna, eu chamo papai mada. Vá (irar a lapariga, e o mais cirre
p ira ouvir o que é que está ahi dizendo. por minha conta.
— Não precisa, não, sá dona', depois No d ii seguinte ao re‘irar-se da casa de
não se arrependa. Francisco Benedicto, o ven lilhão levava
— E\ vocês todos são assim mesmo ; eu a roupa e o coração igualramte machu­
dancei com você, e agora fica mal com- cados.
migo. Combinando, porém, algumas palavras
— Qual zangadoI não estou; é que de Antonica, poude abraçar-se a uma es-
penso; eu sei lá, o Manuel João é quem pei’ança, ao passo que dava de mão a uma
diz que você gosta do capitão, e eu já teimosa somma debita la ao pai da moça.
estimo você tanto... O sacrificio do seus interesses e o de
— E gosto, e agora? nunca me fez sua tranquillidade puseram muito natu­
mal. Quem manda aquelle coisa espiar os ralmente 0 tom do tendsiro na cm t'n-
outros? Nãoé o capitão quem nos dá casa? gencia de condoer-se da sorte da familia
Vozes partidas do interúor gritavam : de Chico Benedicto.
— Oh 1 Vianna, onde está este diabo ? Mais apressado do que os squs dois
Galgando a janella de am salto, o ten- companheiros de compuneção, andou Ma-
ou A l-KXA UU 31ÜHTE A'i
mO

nuel João' na conquista da sua sensibili- de.; cobriria sem gjande trabalho quão in­
dide pela familia do Mariquinuas. tensa lavrava a paixão per aquelle es­
A sua posição de feitor no sitio do Motta pirito.
Coqueiro aplainou-lhe facilireate o cami­ Quando acompanhava o seu amo, e
nho da familiiridaie, de que elle serviu se via 0 parar á porta do velho hospede, fi­
para conquistar o coração beaevoîo da cava de máu humor, principal rente se
mdça. com a farnilia vinha Mariquinhas, em
Nunca tinha tentado siqu=r ravelar aos cujas faces Motta Coqueiro batia branda­
quinze annos de Maiiquinhas o que lhe mente com as pontas dos dados, excla­
ia de anriadade pelo seu coração, quasi mando :
sem esperanças. — E-.tá já moça, e peior do que isso,
Acreditava mesmo que sei ia uma lou­ bonita.
cura, elle, pobre feitor da roja, e de­ A jovialidade do amo, e o acolhimento
mais disso homem de côr, ir afrontar os grato que lho fjzia Mariquinhas, inci­
Gscrupulcs da f^milii, quando Mariqui- neravam toács 03 sonhos de felicidade
nh :s era tão bonita que fácil lhe era esco­ do fntor : tinha então diante de si um
lher um marido entre os robustos moços suppesto rival, tanto mais digno da odio
trabalhadores dos arredores. quanto era mais poderoso.
Limitava se a obsequiargenercsamente, Em troca d’essas injustiças sem éco, a
e facilitar a Francisco BeneJicto os meios bella Maiiquinhas esmerava-se em pa­
ao seu alcance para melhorar as condi­ tentear a sua sympathia pelo ciumento.
ções de vi la no sitio. Era e lli quem lhe tivzia a chicai’a de
Encostado ao seu reb.-nque, elle nem café, nas noites em que elle vinha cun-
dava aUenção ao serviço ; perdera mesmo ver.-ar-lhe o pai, o dispensava o do tra­
as asperesàs do seu oírrcio e díixava que balho de fuzilar fogo ao isqueiro, apre­
os escravos trabalhassem quinto lhes sentando lhe um cavaco esbrazeado.
aprazia. Nos dias de brincadeira, só estava ver-
Estes, sorprehendeulo as distracções e dadeiramento alegíO quando o tinha por
a tristeza do feitor, segredavam se no par ; ao contrario moitrava se aborre­
eito : cida,
— Seu Manuel está com m aniinga ; Mas a própria bondade da Mariquinhas
é ccusa fiita pela gente do eggregado. era um incentivo á prevenção do seu
Aos domiugbs, Manuel João, ponio a amante. Afaria o perigo, qce julgava-a
tiracollo o pülvarinha e chumbeiro, pe­ correndo, pela sua p!opria bondade, e nas
gava da espingarda e lá se ia mat o den­ horas em que, no silencio de sua morada,
tro, precedido pelo farejar de alguns cães revolvia os seus anhelos e as suas duvi­
de caça. das, exclamava com VOZ colérica:
Quaulo voltava, trazendo grandes en­
— Ella é um anjo e aquelle demonio
fiadas, nas quaes misturav.>m-se a escura póde pei’del a.
côr hydràgyradada.s azas das juiitys, aos
tens escarlates dos peitos des tucanos ; Ha uma força mysteriosa e fatal, qua
Manoel J .ão parava sempre áp.u’t.a dos insensivelmente attiahe e combina os es-
fundos da casa de M.ài iquiahós e, depois foiços humanos : é a aílinidada dos sen­
de uma conversa, presenteava-a com a timentos e das opi.-iiões.
bua caçada. ^ Contra ella não são x’esistencia só. ia
Os prementes contínuos eram o único nem os isolarneutjs systomaticos, nem os
palpiVel indicio da alfeição áo rubço temores profundos', nem as vittudes im-
Litor, mas uma observação mais doíiia maculadis ; uma hora soará em que,ruin-
24 MOTTA COQUEIRO

do etn terra as barreiras, ella se imporà insistência de Sebastião e Vianna, e disse


iûveocivelmente. aos que partiam:
Foi poi’ essa força que as aiïaiçôes ti — Vão, vão ; estes demonios não me
moratas dos très secretos amantes das deixam agora, e o melhor é ficar um
filhas de Francisco Benedicto expan i- pouco por aqui.
ram-se um dia em plena luz, e formaram Estavam só •. Sebastião Pereira, depois
um sombrio tidumvirato entre o violeiro, de accender o cigarro, convidou os dois
o feitor e o tendeiro. companheiros para debaixo de umaman-
U
Era domingo de tai\Ie, e très a quatro guâira.e começou a fallar,
mezes já eram decorridos depois da brin­ — Vocês me conhecem e eu lhes co­
cadeira de Santo Antonio. nheço. Aqui 0 Vianna está pelo beiço com
Em cumprimento ao dever que se havia a Antcnica e o mestre Manuel João ar­
imposto. Sebastião Pereira dirigia-se á rasta a aza á Mariquinhas.
casa de Chiquinha, mas quiz primeiro — Não senhor, respondeu de chofre o
chegar á venda do Vianna. feitor, á menos verdade.
— Deixemos-nos de partes, seu Manual
Esta visita tinha por fim premunir-se
João, os outros não são cegos.
de contentamento e distracção para o
Manuel João não replicou, e o violeiro
velho Francisco Benedicto, que não bus­
continuou.
cava resistir ao sabor do vinho e da
— Eu cá, se a Chiquinha não fôr mi­
aguardente.
nha, não ha de ser de mais ninguém por
Pouco depois da chegada de Sebastião, mais pintado que seja.
parava no porto uma canôa, e d’ella des­ Ao dizer estas palavras, a sua mão es­
embarcavam Manuel João, o irmão de tava posta sobre a cintura e logo uma
Chiquinha e um preto. gran le faca polida luzia fóra da bainha,
— Olá, exclamou Sebastião ao ver Ma­ e Sebastião exclamava, brandindo a faca.
nuel J..ão, você agora aqui é ouro sobre — Varo seja Deus, seja o diabo.
azul.
— Você} não ignoram que o malvado do
— Então vá já dizendo quem morreu
capitão tem maus fins com aquella gente ;
por cá.
vamos, pois, acabar com isso. Se vocês
O violeiro abaixando a voz, e aprovei­
ajudarem-me, elle não leva o boccado á
tando se da distancia em que estavam os
bocca; ou eu não sou eu.
companheiros do feitor, segi’edou-lhe.
— E’ cousa só entre nós très. — E 0 que havemos de fazer ? pergun­
— Está enteniido. tou Vianna.
Manuel João interrompeu logo a con­ — Escutem: o Chico já ha de ter perce­
versação de yianna com o Juca Banedicto, bido qu} nó} gostamos das filhas ; vamos
exclamando: lá hoje; eu peço a Chiquinha e vocês, se
— Aviem-se, rapazes ; faz-se tarde e é houver vasa, faliam logo a elle de estucha.
melhor ir de dia do que de noite. Vocês — Mas nós não nos podemos casar já,
têm de remar rio acima. resmungaram Manuel João e Vianna.
Ujoa piscadella de olho poz de sobre­ — E quem f. i que disse que vocês casas­
aviso 0 Vianna, que tratou de despachar sem? Dizer não é fazer. Eu também agora
com prestêz t os freguezes não tenho geito; mas é um modo de atra­
Um quarto de hora depois estes despe­ palhar o capitão. Cada um pucha a brasa
diam-se levindo uma encommenda do para sua s ird nha.
violeiro, e o Manuel João, que simulara — Assim vá lá, disse Vianna.
querer jr com elles, flugiu que cedia á — Pjis, eu assim não quero : não hei de
ou A PENA DE MORTE 25
enganar a moça; tudo menos isso, inter- — Homem, eu sei lá, isto é com vocês
veiu energic imente o feitor. creanças. A rapariga pode não se arrumar
— Assim mesmo pedaço de tolo, não e quem fica mal sou eu, e . . . no fim de
queiras; o Minuel João teaaboabocca, seu contas, seu Sebastião, eu estou aqui de
Vianna ; os outros comem a carne e elle fresco, e sem fazer escandalo, perdoe que
rÓ3 os 0S50S. lhe diga, eu não conheço bem você.
— Por Nossa Senhora das Dores, vocês — Pois tire indagações, seu Chico; olhe
estão zombando. Eu arranco a lingua não lhe hão de dizer que eu sou desor­
áquelle cachorro, se elle se atrever ; vá deiro, nem ladrão, nem que tenha feito
elle para as profundas do inferno. Esco­ mortes.
ro-o no caminho o m iiilo-) d’e ta pira — Eu lhe digo já, seu Sebastião, pelo
a melhor. E sabe o que mais, o que você q ie você me parece, está feito, mas sem­
quizer que eu faça é só dizer. pre quero ouvir o que ma diz o ... uma
— Está dito ; está fechado; a offmsa pessoa.
de um é a offensa de todo«!; juremos 1 Aq'T"lle tíW'1 pessoa proferido paio
— Juramos 1 veiho causou um estremecimento nos tres;
Ao anoitecer estavam os tres na casa M anudJcão priacipalmenta quasi per­
de Francisco Benedicto, que já dava fre­ deu os sentidos.
quentes risalasj graças á chegada do seu O Vilho, po ám, ora coçando a cabeça,
filho, e de umas garrafss que elle trou­ ora esfregando as mãos desfez a meio a
xera de p» te do Sebastião. impressão desagradavel, murmurando:
Os visitantes foram imcebidos somente — Com que seu Sebastião quer que a
pelo velho e sua mulher, porque as me­ gente coma doce breve ?
ninas, desle manhã estavam na ca«a do — Sim, senhor, seu Chico, se não tiver
compadre. contra mim alguma receita de gente do
Depois das primeiras conversa?, Sebas­ bocca amargosa.
tião Pertiia disse ao veiho que vmha a — Qual, não ha ds ser tanto assim.
uma cousa de in*^eresse acerca da qual Um aceno de Sebastião levou o Vianna
queria fali ar-lhe, sen lo ouvido sómente da venda a taiLamu tear para o Chico Bi-
pelos dous amigos. nelicto;
— Poii veahi de lá este goile; disse o — E que diria vosmecê, seu Chico, se eu
velho que tioha nas mãns uma caneca ; viesse nas aguas de Sebastião t
molhe S3 a palavra primeiro. — Ssm escandalo, respon4 eu o velho
S bastião cimemu por f izer ver qne c-'muma Icnga risada; dizia qua a vista
tinha o sea pedacinho de terra, que era faz íé.
bom falquejador, remador e trabalhador — Muit) obrigado, seu Chico, eu é c> m I
da enxada. Nunca tinha passadj misanas sá A n’^onica, se vosmecê fizer gosto.
e ao coatrari) quando mettia a mão no — ü.ó, quer vêr que vocês todos tres
bolso tinha sempre o seu vintém. Se não querem me depeonar a casa ?
era rico, também não lhe f ilt tva a graça E poz-se a rir muito, sendo imita io
da Díus, e a moça que si c c^m elle pelos tres, e em seguida levantou-*e,
não ficaria de máu part do. encheu a caneca e apresentou-a aos
— Ora, eu tenho imi^ade á sá Cniqui triumviros rústicos.
nha, filha de vosn.e.ê e fízia gosto em — Vá este codorio á b ia harmonia.
casar com ella, se vo.^^t ■*cê qui/ess). Eu nada decido ; mas vá á saude.
O velho, depois de iri\ galar muito os Na sala i nmediata ouviram-se n'este
olhos, e coçar a cabeça, re.-ponde a vaga­ instanie risa Ias, cochicaos, e o ruf-ruf
rosamente: I de Siiaj engommadas.
!2() MOTT.V COuUlílUO

— Ok ! moaiaas venham filia r aqui, de cabelios e barbas grisalhas, e.sbatidas


exclamou o velho. em faces magras, porén coradas, uma
Ao mesmo tempo entraram na sala Ma­ n e Ias marcada por urn signal roxeado e
à riquinhas e Antonics, emqusnto o velho longo. Por debiíxo das sobrancelhas sa­
murirurava com bonho.mia: lientas as palpebras meio cerradas coavam-
— Andem lá, «uas matreiras, velha- lhe um olhar penetrantementa bom e por
qnetes de uma flga ; aonde estí a que entre os bigodes grisalhos riam-lhe os
falta, fugiu ? iabies finos um sorriso daspretenciosa-
— Náo senhor, responderam as moças mente austero.
ao mesmo tempo que lhe beijavama mão ; Voltando-se depois para as ii-mãs, entro
vem aiii com seu capitão ! íimnha e seria, disse-lhes Chiquinhá;
lim pigarro impertinente começou a — Vocês fizeram da bôa; vieram e
impacientar Sebastião Pereira, e este in­ deixaram nós scsinhos.
clinou se na janella para escarrar, poiém — Moleque, chamou Motta Coqueiro,
logo voltando-se para dentro, disse: entrega as limas das meças o leva as ou­
— Mas eu não os vejo por aqui. tras para casa.
— E’ que nós fomos á roça, respondeu E continuou logo sorrin ío :
M<rlq i.-inhas; elles ficaram mais atra- — Está entregue; agora vou cantar
zados colhendo limas, e nós com afamilia n’outra freguezia, Bô'a noite, meus se­
de seu capitão viemos andando. Mas elles nhores.
já devem estar ahi pela baixada. Saliiu risonho e apparentemente satis­
— Q lal 0 qne, quando vierem, vieram, feito, mas quan lo e-.tava um pouco dis­
respondeu o velho. Está em muito boas tante da casa; repetia em voz baixa;
mãos. aquelle c:m palro não tem um pingo de
— I.;l isso é, accrescentou Sebastião in- juizo.
tfciramente de.speitado e olhando paia os Logo que se acharam sós, exclamou
seus ccmpanhsiros. Chico Benedicto para as filhas :
— Aquelle compadre é um folgazão, riu — Então 0 que andam vosraecès fi
o velho, que f.zia uma libação á caneca; zenio, que me vem h je dois peüdos de
bj’iinacom essas raparigas como se fos­ casamento eq-ai; isto é m-odo, maninas ?
sem todos criínças. As m- ças ri.ida dEseram, e o veritopro-
— E ó bem de vêr, rosnou Sebastião. seguiu ;
— E 'lá v ndí), Mariquinhas, aquelle — A velhaca da Chi pinha,qaem áiria
malvado tem dôr de canellas] resmun­ qua gosta do Seb;ustiSo, e a sonsinha da
gou Antonica. Antoni.a do seu Vianna?! Sua alma, sua
— Deus esteja n’esta casa, exclamou palma Fico ainda com a Mat iquiuhas e as
fóra a vez grossa de Motta Coqueiro ; li­ très pequenas.
cença para d. is. — Mas falta ainda a receita, seu Chico,
Cniquiüha entrou apre;sada e foi beijar resmoneou Sebastião.
a mão paterna eem seguida comprimentar — Não falta nada, gargalhou o velho
os hospedes. que tinha esvasiado, mais uma caneca.
.•I '
Estes de pé responderam á saudação da Sabem que mais? conveisain plra ahi
moça o a de Motta Coqueiro que, parado com a mulher e deixam-mi) ir a um ne­
ao limiar, todo vestido de branco, arrima­ gocio.
do com a mão esquerda a um polido man- Os très acompanharam o vslho. até a
guá, e tendj na direita o chapéu do Chile, porta e ahi permaneceram i>or algum
deixava ver o seu alto porte e a cabeça ao tempo.
mesmo tempo sympatica e severa, ornada Emquanto a boa da vdha ontroq para
ou A l'KXA DE MORTE

trazer o a í é aos hospeles, os tres acer­ — E’ . . , quem ouve agora o capêta!


caram-se das moças e ca ia um começou a Debruçados na janella,conversavam Se­
couversar com a sua predilecta. bastião e Cíiiquinha. O violeiro esforçava-
Manuel João, com a voz tremula, dizia se por convencer a moça de que devia
para Mariquiuhas, que empallidecêra ceder a um pediio que lhe fazia.
desde que ouviu ao pai dizer o motivo ia Tinha cousas que dizer lhe mas não
visita de Sebastião e Vianua: queria que o ouvissem.
— Só sá Mariquiuhas é que ainia não — O’ Chiquiaha, dizia elle; que diabo de
tem noivo. meio é este? eu não s u bicão; e já
— Eu não pofso obrigar ninguém a pedi vooô.
querer c^sar comigo, e eu mesma não — Não é por isso ; é que papai póde
quiio. ficar zanga lo ; vocô bem sabe o genio
— Talvez, sá Mariquinhas. haja quem d’elle, em scismando e.-tá tulo perdido.
queira e não possa. — Mas elie está la com o compadre e
— Boas; quem quer pole sempre. sáoca-o toda a noite. Você diz que vai
— E se fosse um pobre f.ito semeira dormir e sai pelos fundos da casa: eu
nem beira. estou no cajueiro da baixxda.
— Eu também não sou princeza, e, tra­ — Verem os...
balhando nos dois, haviamos de viver. — Eu espero.
— E se seu pai não quizesse ; se ficasse A velha con:orbo de Francisco Bsne-
zangado com vosmecê ? dicto entrou trazendo duas chicaras de
- — Paciência; mas eu queria sempre. caíé, ao passo que Mariquinhas sahia da
E-ita ingênua revelação Jo amor puro sala e para logo voltava com uma out;a
da Mariquinhas, quasi enlouqueaeu o des chic ira, que oífereceu a Manuel João.
venturado feitor; sorria emquanto que as — Meu pai foi cavalleü'0, disse Sebas­
ligrim as lhe encarregavam palas faces. tião ; eu já me fazia na picaia e assim
Por sua vez Mariquinhas tinha os olhos aproveito.
pregados no chão e com as pontas do in­ — Tão cedo?...
dicador e pollegar beliscava o vestido so­ — Nem tolo o dia é dia san*o, e ama­
bre os joelhos. nhã tenho serviço.
Não havia duvida, o fator era amado, Sebastião despe iiu-se e após meia hora
e isto era para elle a maior da todas as de p..lestraos outros rttiraram-se também.
venturas. Lisongeado com o peiido feito pe!o
— Ficou zangada comigo, pelo que eu videiro e pdo tendeiro, dupla face da
z, sá Antonica? murmurava Vianna. indepeadencia sonhada pt>.ra a* filhas no
— Eu o que não quero depois ó estra­ rendimento de uma ven lola e na posse de
la la ; vocâs voltam a cabeça da gente e um sitio, Francisco Benadicto quiz logo
depois... passe muito b m, porque os po­ saber 0 ac-.lhimento que esta facto me­
bres não regulam. recia do seu compadre Motta Coqueiro,
— Não diga isto, sá Antonica ; o diabo que melhor conhecia os pretendentes.
não é tão feio como se pinta. OJvelao firmara-se no propositodenada
— Não digo, não : está lembrado do resolver, senão da acooido com o seu bem-
que me disse ua brincadeira de Santo feitoi', fosse embora prejudicaio, fosse
Antonio ? Case e depois com-ce C-m mau grado seu, obrigado a dar de mão á
historias. risonha perspectiva de felicidade, que li.e
— N’aquella noite eu estava meio tonto, dominava o cerebro aguardentado.
minha negra ; aguas passadas não moem — E’ minha obrigação, dizia elle ; am­
moinho. parou-me e tem sido meu amigo apezar
28 MOTTA COQUEIRO

das más línguas; não houve cão nem gat 3 esses dois últimos lhe fizeram e concluiu:
que não me mettesse o dente, e elle fez a — Eu e;tou velho, não tenho nada de
todos ouvidos d 3 mercador. Hoje, nas rreu, não disseque sim, nem que não,;
horas de Deus, tenho onie metter a ca­ fiquei assim ; vosmecôs o que acham?
beça, e com os diabos, se eu não ouvir o 0 embaraço intercaptou por algum tem­
compadre não devo ouvir mais ninguém. po a resposta; mas afinal a senhora de Co­
Taes eram as disposições do velho ag- queiro rompeu o silencio para expender
gregado ao dar o clássico — oh ! de caf.a— uma evasiva:
á porta da sala de j ntir da casa grande. — Eu não posso dizer nada, meu com­
O bom humor de Motta Coqueiro, e os padre, 0 senhor sabe que não moramos
modos prasenteiros da sua esposa, rece­ aqui; euestv^u sempre na cidade, e, quando
beram alegremente a visita em meio da venho pai-a o sitio, nã >saio de casa; por­
familia leuni. a em torno da mesa de tanto nada posso dizer.
jantar. — Sá comadre tem razão de não que­
Vieram primeiro a narrativa do pas»eio rer íallar ; respondeu o velho, mas seu
e 03 elogios á prosperidade das roças do compadre póde me dar um parecer.
aggregado, tudo isso meio exageralo — 0 melhor é você fazer o que enten­
pela amisaie que a dona da casa deli- der, comp idre, respondeu o interpellado.
cava ás meninas do seu hospede, que lhe — Não senhor, eu pi’eciso de saber do
1’espondia agradecido: parecer de seu compadre. Sou novato
— A gente vai fazendo o que póde, sà aqui ; deb;iixo de Deus só devo a seu com-
comadre ; somos só dois a trabalhar : eu palre a casa em que estou morando e as
que já não presto pai’a nada e o Juca, terras em que trabalho. Qaem dá o pão,
que ainda não se póie dizer que é um dá 0 castigo; quem me avisa meu amigo é.
homem. Na plantação e na colheita é qae — Ouça bem, compadre, o que eu lhe
as raparigas e a minha velha ajudam. vou dizer: nem o Vianna, nem o Sebas­
Mas vai-se vivendo, conforme Dsus é tião querim casar com as meninas. Eu
servido. nío pretenlia dizer palavra, porque não
Uma creoula pousou na mesa, em* gosto de envolver-me n’estas coisas ; mas
frente a Fiaicisco Benelicto, umachicara emfim, não quero que você tenha razões
de café. 0 velho despejou o café no pires, de queixa, quando se arrepender. Eu no seu
e ao leval-o á bocca, demorou um pouco cas.0 oque faria era dizer-lhes que não me
0 braço no ar, dizendo para Coqueiro : viessem em casa, e se as meninas teimas­
— Ea queria qae seu om padre e sá sem em querel-os para maridos, só lhes
comadre me dessem uma palavra á parte. abriria a poita no dia do casamento.
— As mulheres não podem ser padres, — Ora v.jam só que biscas aquellas,
meu compadre, e não Sdbem tambim disse 0 velho sacudindo a cabeça ; e me
■ gua.dar segreJo. proiaram com uma venda, com um
— Mas não todas, sá comadre ; a mi­ sitio. . .
nha velha é das taes, que o que se lhe — E’ verdade que o Vianna tem uma
diz é como j'»gar n’um poço. venda, mas vive com uma mulher e pa­
— Vamos ao caso,compadre; disse Motta rece até que é casado com ella. 0 Sebas­
Coqueiro, que s 3havia levantado e tomava tião tem umas terras, ma^ não as cultiva
0 corredor que comaunicava a sala de e não gosta de trabalhar. A vida d’elLes
jantar com a de visitas. é fados e namoros. Eis o que tenho a
Chegados uhi e sentados, o velho ref triu di/er ; o compadre é livre, faça oque
miulamente a visita de Manoel João, Vi- entender.
anna e Seba.tião Pereira, o pedido que — 0 diabo é que eu vejo a cabeça das
ou A PENA DE morte
^29
Emquantoesta scenase passava na sala
rapai’igas meio viradas para elles...* utn
da casa grande, tm io pòr únicas teste­
mferno; não ha nada peior do que ser.
munhas algumas cadeiras vasias, e uns
pobre. apparadores de jacarandá, lá fóra, no
A ultima consideração do velho de­
campo do sitio outra se desdobrava ao
nunciava uma quebra do proposito com
que entrara na casa de Coqueiro : a luar, no silencio e no ermo.
O triumvirato de amantes dissolvera-se
imagem do sitio e da venda suíTocava-lhe
por aquella noite, mas um d dies apenas,
a reflexão. Além d’isso tinha esvasiado
0 Vianna, reti-’ara se immediatamente
alguns canecos de aguardente, e o arias-
tado da lingua e o cuspinhar continuo para a sua morada.
Os outros podiam ser encontrados nas
denunciavam uma anormalidade nas suas
circumvizinhanças da casa òo velho ag-
faculdades.
Mütta Coqueiro, como se se tivesse arre­ gregado.
Sebastião Pereira, conforme tratara com
pendido, mostrava-se contrariado, e mais
Chiquinha, foi esperai a na haiccada. Era
ainda do que elle a sua esposa, que apro­
um logar ap”opriado para uma entrevista; ^
veitou , para retirar-se, o ensejo que deu-lhe
os amantes alli ficavam pela p ’opria na-
a longa pausa succedida ás ultimas pala­
turesa recatados aos olhares curiosos.
vras de Francisco Benedicto.
Uma grande entrada quasi circular, co­
Logo qu9 a senhora retirou-se, Motta
berta de grama, levcntava-se do sopé ao
Coqueiro reatou a conversa a respeito dos
cimo da collina. D' hi um enorme cajuei­
esponsaes das filhas do seu compadre,
ro vergava todos os seus galhos sobre a
porém, procurando desvial-a e flxal-a em
entrada, cobrindo-a com uma especie de
outro ponto, e tanto mais decididamente
cupula. Um banco de pau ornava o silen­
quanto mais o velho mostrava-se propenso
cioso e pouco frequentado recinto.
a não attender o seu conselho.
Doixando a casa do veiho,Sebastião Pe­
— B sem que se dê por isso, compadre,
reira tomou cautelosa mente o caminho
vai quasi para dois annos que voce está
que conduzia á baiocada e deitou-se no
aqui comnosco. binco, cobrindo o rosto com o chapéu. A
— E' verdade, meu compadre, e em tão
sua immobilidade, o nenhum ruido da sua
boa hora o diga, ainda não tenho uma
respiração repreza faria crer a qualquer
queixa de nenhum dos donos da casa.
sertanejo, que alli entrasse, não serem
— Muito obrigado. O que você devia,
mentirosos os contos de almas penadas
compadre, era cuidar de fazer a sua casa,
e phantasmas de que lhe fallavam desde
A em que você mora, está velha, e muito
longe do seu trabalho. a infancia.
Aos segundos súícederamos minutos,
— E’ verdade, meu compadre, mas as
e a estes os quartos de hora, tardos como
plantações, têm-me atrapalhado. Agora
afigur im-sea quem espera. Nenhum gesto
se esses dois rapazes quizerem ajudar-me,
de sofregui .ão foi, entretanto, feito pelo
eu, o Juca e elles sempre somos quatro e
violeiro; nem ao menos puchou pelo
a cousa vai depressa.
Não havia duvida ; Francisco Benedicto isqueiro e o cigarro, inseparáveis compa­
nheiros dos homens do sertão. Continha-o
já fallava dos seus genros, os dois rapa­
a paciência do mal, inalterável nos seus
zes, e contava com elles.
_ Pois faz muito bem: aproveite os planos.
para alguma coisa, disse Motta Coqueiro, Passada m"ia hora, um leva ruido de
saias engoramadas, produziu em Sebas­
levantando se.
O velho comprehendeu que eram horas tião 0 efieito de um choque electrico;
poz-se em pé de um salto e conchegando
de retirar-se.

k
:Jü

0 chapeu á cabeja, gninicu se coroo um as maiores familial idades. Todavia es­


gato, pela face do escondrijo. tranharam que Sebastião tivesse deixado
Quaado já as mãos do vicl iro fooavim de conversar era casa, e reccmmenJaram
O cimo da co’lina, a voz de Chiquitiha, á irmã que voltasse logo.

I
tremula e fraci disse île raanso : As observaçõe.s de Chiquinha não pro­
%'
— Não está aqui, roeu Deu«, nãi está. duziram nenhum effeito sobre Sebastião:
Psit : sibillou Stbastião ; o continuou elle continuava a segural-a e a puxal-a
com voz gotural : espera I
para si. Foroejando contra elle, e tentando
A moça sem dizer palavra caminhou fo a 0 b aço, que tinh.a livre, abrir o cir-
para debaixo da copa do cajueiro. culi que lhe fizera a mão do amante em
Quem a visse ahi parada, ao pesso que
volta do pulso, choramigava tristemente.
ainda de dentro do escondrijo fd haAÚam — Não vou, não vou 1
sahido os braços e a cabeça de Sebastião,
Segurando-a pelos dois pulsos. Sebas­
que tinha o rosto do corpo pendurado ju l­
garia vêr a presa magnetitada e immovel tião trcuxe-a violentamente para junto
de si, e dopois incpslliu-a de chofre.
diante da serpente enorme, que lhe vai
dar 0 bote. A moça cahiu sentada na r Iva acom­
O violeiro conseguira sahir ; e caai- panhada na queda por uma injuria
nhanio apressado para Chiquinha, pren­ — Pole ir, p(5 'e ir, minha sapeca', eu
deu nos braçf s e beijou a faca da moça que já sei de tudo. Ainda ha de estar cansada;
)4 0 lepellia, dizendo quasi a chorar. tem medo que eu lhe faça o mesmo que
*1 Me de;xe, me deixe ; não foi para 0 santinho do capitão.
isso que eu vim cá, A moça levara a mão aos t lhos, e so­
bailou ceito, sá dona ; eu e que não luçando deixara se ficar sentada.
lhe devia tratar bem. — Pó le ir, continuou o desapiedado ;
— Porque ; eu lhe fiz mal ? elle póJe sentir falta e vir procural-a,
Escute sd 1 — disse o brutal amante eu sou quem já se vai.
segurando e puchando pelo braço a ame­ E foi se pendurando novamente na
drontada Chiquinha, borda do escondrijo, e deixando-se escor­
— Onjie é que você qir r que eu vá, seu regar pela grama.
Sebastião ? falle aqui mesmo. Como se fosse victimade uma allucina-
— Não quero ; pedem ver-nos de lá ; ção inopinada, a atemorisada Chiquinha
vamos para a baixada. deitou a correr pela encosta em direcção
Não quero ir ; marrai pdde rae pro­ ao escondrijo,0 ahi, soluçando, lançou-se-
curar ; papai pdle chegar ; as outras pe­ no3 braços do violeiro. Afiluiam-lhe as
dem dizer; não quero; não posso demo­ desculpas.
rar me ; me deixe. — E’ mentira; é mentira; eu não. O
Da feiti, a leviana rapariga.para accé­ moleque Carlos bem viu, nem seu capitão
der ao convite de Sebastião, que desvai­ disse nada. Que falsidade, meu Deus I
rou-a com os seus versos de desafiio e os — Pois então, porque você me fez ficar
repinicalcs da viola, tinha dito á sua mãi zangado f Olha que eu sou capaz de esfa­
que se ia deitar por e.star muito cançada, quear um diabo por sua causa ; seja seu
e não podendo illudir ás suas irmãs, que pai, seja quem for. Que quer? eu estimo
foram comsigo para o quai to, dissera-lhes tanto você ; raios me partam se assim não
que ia fdra um instantinho fallar cem é ; parece feitiço.
0 noivo.
Entontecida pela revelação calorosa da
N aia objectaram estas, cuja educação paixão do seu amante, e ao mesmo tempo
não se oppunha a que os noivos tivessem traspassada de susto, Chiquinha não des*
M

viava a face dos labios, nem tentava samenta a das nymphéas que se nutrem
fugiV dos braços de Sebastião. das aguas pútridas dos brejcs.
A sua voz fraca, como se tentasse não Contrastado pela suspeita, o feitor via
ser ouvi-ia pela pvopria moça, mui’mu- no lhano entregar-se de Mariquinhar, não
ravamachinalmente desculpas pava acom- uma pi’ova da bondade d’aqiuUe coração
modar o amante, em quanto este, dando ingênuo, mas a cilada indecorosa da n u-
azas á seducção, inundava-a de pLrases Iher decahida, que planeja a rehabiiita-
namoradas. ção na profusão dos affagos.
A esta sobrexcltação, seguin se um pro­ Os preconceitos haviam o por varias
fundo silencio'; depois sahiram silencio­ vezes esmagado, porque psrtencia á raça
sos, e caminharam para o casarão, em mixta, á raça a que traçam raias ao co­
cuja porta trocaram-se adeuses em voz ração e aos aíTectos.
sumida. Mariquinhas devia partilhar a cpmiso
geral e, portanto, a sua acquiescenoia ao
III amor, que lhe votara, devia ter um movei
ou muito generoso ou miseravelmente
CADA UM KM SKU 1'OSTO baixo.
O suspeitoso Manuel Jcão concebeu a A primeira ponta do dilemraa não feria
respeito da demora da Chiquinha e do ca­ a imaginação tresvairada de Manuel Jcão;
pitão na colheita das limas a mesma idéa, mslferia-o, porém, a segunda.
que atravessou a lúbrica imaginação do — E’ bonita de mais para ura homem
violeiro e occasionou a entrevista na de côr, dizia elle; e flcava a scismar.
baixada. Um observador perspicaz, ao ouvir
Era seu dever tirar a lircpo a verdade; estas palavras, comprehenderia immedia-
impunha lh’o o juramento que, havia tamente que na memória de Manuel João
poucas horas, empenl^ara n’um pacto de desenhava-se na suavidade do seu amo-
solidariedade inquebrantável, 9, tanto renado a pedir uma pa^ixão selvagem,
como 0 juramento, o pimprio conceito que indómita, a imagem de Mariquinhas.
levedava lhe a paixão no mais azedo Parava como em extasis, deixando ade-
ciume. vinhar qua no seu espirito coava-so o
A desconflança, esso feio ouriço que se olhar macio da moça, filtrado atravez de
nos revolve interior mente, espetando-nos uns cilios negros, seJoscs; olhar de pouco
nas suas myriadas de espinhos a alegria, brilho, despretencioso, animador — uma
a boa fé, a benevolencia e a tranquilli- gctta de oleo contendo um raio de luz, a
dade, sangrava-o no mais intimo, no mais derramar-se em inundação disphana sobre
sagrado do seu aíTecto. um i’osto oval, de linhas harmoG’css,
Na conspiração horripilante, mas sem transparecendo singeleza e sinceridade.
éco, eelere nos movimentos devastadores, Mariquinhas era realmente bella ; ar­
mas silenciosos, o hediondo monstro mo­ queavam se lhe sob as narinas finas os
ral, com as secreções purulentas como o lábios semelhantes-as azas do tigé no san­
vomito do phtisico, manchava quacto o guíneo colorido, e orlavim-lhe a testa pe­
amor podia phantasiar mais estreme, e a quena bastos cabellos negros, descendo em
dedicação requintar mais esplendido. ondas lustrosas a envolver-lhe dois terços
Onde estava um brocado superpunha da estatura mediana. Seu collo igualava
um andrajo ; onde clareava um phanal a curva de um arco bsm talhado, de que
urdia uma emboscada, onde brilhava um partissem a pequena distancia as extre­
raio de luar estendia um bulcão ; e, em midades ponteagudas de duas settas.
vendo vicejar uma ílôr, lembrava cavilc- Quando nas horas de trabalho ella
com as mãos aristocráticas coachegava vantando a cabeça e dando uma forte pu­
ao corpo a saia de chita, esta compressão nhada, exclamar :
e a justeza do corpiuho faziam lembrar — Não póde ser; aqui anda coisa, por
os contornos de uma estatua.' força.
O moço feitor fascinara-se de'de logo E recahia no silencio e na primitiva po­
pela sertaneja encantadora; e agora que sição.
0 ciume assolava-lhe as faculdades, elle, Com um taboleirinho, em coja taboa
para concluir que havia uma torpeza no viam-se um bule de lata, uma chicara, e
desapego de Mariquinhas por si própria um prato com tapiocas; um moleoote des-
e pelos preconceitos sociaes, punha-se empenado, de semblante alegre e meneios
em parallelo com ella. francos, assomou na porta do feitôr,
gritando :
Oh 1seu Manuel João, está aqui a ceia.
Reflsctia se no seu despeito sem causa
e via-se bem diflferente do harmonioso
Quando acabou de fallar, já o taboleiri­
conjuncto da sua amante.
nho estava sobre a mesa.
Sau rosto modelalo pelo typo indigena Manuel João levantou-se como quem
tinha a côr do genipapo; seus olhos
acorda sobi’esakado ; mas em vez de
gran'ies, á flor das palp^bras orladas de
assentar-se de novo á mesa, caminhou
sobrancelhas negras, lançavam olhares
direito á porta, fechou-a á chave, e de­
ásperos, amplos e incisivos. Por sob o
pois veio collocar-se ao pó do moleque.
— Oh 1 Carlos, disse elle ; tu queres
cheio buço ondeiavam-lhe em horas de
ternura uns sorrisos atoleimados, em­
ganhar uns cobres ?
bora através de duas linhas de dentes
— Se vosmecê me der, eu gosto bem.
claros. As suas mãos eram calosas de mais
— Estão aqui, disse o feitor, que tirara
para ameigarem-sé n’uma caricia, e o
do bolso do paletot uma nota de dez
seu porte desenvolvido ostentava a mus­
tostões.
culatura rija e abundante do homem de
Carlos arregalou os olhos, e, tartamu­
trabalho.
O que tinha, pois, em si que podesse
attrahir á mais linda das filhas d’aquelle
sertão ?
deou sorrindo :
— Qual é a empreitada, seu Manuel
João?
1
— Jura primeiro que não contas a nin­
P oiia bem ser que ella só visse n’elle
guém o que vou te perguntar ?
um nome de esposo, para encobrir al­
— Por Deus, disse o moleque, cruzando
guma fraqueza dos quinze anncs, e a
dois dedos e beijando-os.
— 0 amo, a ama, os meninos e as filhas
falta, de piedade de um fazendeiro rico.
Seria, porém, baldado esse intento, do Chico Banedicto foram passear hoje
porque saberia sorprehender o ardil, e <le ta rd e ....
desmascaral-o. — Sim, senhor, e eu também fui, por
Ruminando sinistras conjeoturas chegou s'gnal que apanhei áquellas limas que
0 feitor á sua casa, depois de ter pedido vosmecê v iu ...
na sensala vizinha um tição, com o qual — E’ isto mesmo. 0 amo ficou com
accendeu o candeeiro. sá Chiquinha e os outros vieram andan­
Chegou para junto da mesa um mocho do, não é?
e assentou-se, cruzando os braços sobre — E' sim, eu logo vi que havia de dar
03 quaes deitou a cabeça, na borda da na vista.
m esa, e absorveu-se nos seus pensa­ — 0 que ? elles onde ficaram ? ...
mentos. — Não houve nada, não senhor; mas
Só se lhe ouvia de espaço a espaço, le­ é que é feio.

4f. .
ou A l'liXA UE 3IORTE :5:î

— Escuta bem, Carlos, não me enga­ como feitor no sitio de Motta Coqueiro,
nes; falia a tua verdade. intimas relações foram travadas entre
— Não houve nada, não; senhor e sá elles. Separados durante o dia em virtude
Chiquinha ficaram sentalos na pelra, e Je suas posições, ella—escrava do eilo e
eu trepei na limeira. Se houvesse alguma elle—feitor, reuniam-se á noite na igualda­
cousa eu via tudo, que eu bem que estava de do amor, e ceia vam juntos entre risos
assumptando. e caricias.
— Nem um beijo. Ninguém suspeitava siquer esta al-
— Qual 0 que, seu Manuel João; se­ liança: a creoula morava na primeira
nhor já está velho; e elle não gosta de senzala, e para entrar na casa do feitor
sd Chiquinha, não senhor, que ainJa agora bastava dar alguns passos.
eu ouvi lá na mesa elle estar fallan lo O moleque que trazia a ceia para Ma­
com a senhora por causa do Sebf: stião. nuel João, com 0 seu grito á porta do
— Então elle gosta de alguma ? feitor, advertia a creoula de que eram
— E* de sá Mariquinhas, porque elle horas de reunir-se ao seu amante. Fi­
estava dizendo que é a mais socegadá de cava então á espreita e logo que este se
todas, e de mais juizo. retirava, fazia ella a sua entrada.
A ’ revelação do moleque correspondeu Qjando o senhor não estava no sitio
uma explosão colérica do feitor; estava ainda mais facil tornava-se a reunião.
fulo de raiva, espumava ; A parceira, incumbida de apromptar a
— Pois olhe, elle que se divirta, aquelle comida mandava pela amante o taboleiri-
velho sem vergonha ; racho-o de meio a nho da ceia do feitor.
meio, faço-o voar na bocca de um baca­ Na noite em que nos achamos a rapa­
marte, 0 traste. Quem o vê ; se ella tem riga poz se á espieita do moleque, se­
juiso, ou não, que lhe importa Î Não é gundo o hab.to, e sorprehendida da de­
filha o'elle... mora, veio pé anta pé enco.-tar o ouvido
— Mas não ê por mal, seu Manuel Jcão, á porta para ouvii’, e de vez em quando
é porque as outras são faiscas. espiava pela fechadura para vero que se
— E ella é a mais tola e por isso elle passava.
vai-se cheganlopara ella, mas Deus o A principio foi lhe impossivel formar
livre, eu não soude brincadeira.... um sentido com as poucas palavras soltas,
— Pdde ser 1. .. que excediam o diapasão do dialogo á meia
— Você ma e.-pie o sujeito, Carlos ; voz; mas persistindo na sentinella, poude
qualquer cou^a que você veja, venha ter para o fim saber ao ceito do qu^ se
comojigo ; deixe estar que não perde tratava.
0 tempo. Contendo o primeiro impeto, a crioula
— Deixe por minha conta ! manteve-se no seu posto até que o mole­
O moleque diiigiu-se á poita, abriu-a e que sahiu. De um pulo, collocou-se ^o vão
sahiu; Manuel João sentou-se á mesa e entre a sua senzala e a casa do feitor,
começou a tomar café. para logo voltar á entrevista de todas as
Carlos havia de estar chegando á casa noites.
grande, quando um outro interlocutor Ao entrar fechou a porta sobre si, e foi
veio substituil-o junto ao feitor. como de costume assentar-se no mesmo
Era uma creoula de dezeseis para dez- banco ao lado do feitor. Este, porém, re­
esete annos, exhalan io sensualidade dos cebeu a feiamente, sem levar-lhe á bocca
olhares maliciosos e atravez do crivo da a chicara para dividir com ella o café que
camisa branca. tomava. ^
Desde que Manuel João empregara-se — Que é isso, o que é que lhe fez a sua
d

%
Tl

ai MOTTA (;onui;mo

Carolina? perguntou ternamente a dissi­ pé, de um salto, como se uma occulta força
mulada crioula. 0 houvesse repellido.
— Eitou doente hoje, respondeu sec- — Não estou zangado, não ; exclamou
â contraria io, mas hoje quero estar sozinho
camente o fritor.
— Se é quebranto, eu sei rezar. Eu As lagiimas seccaram se nos olhos de
curo o hoje e de hoje em diante vosmecê Carolina ; e a dignidade da amante er­
traga no pescoço uma flguinba para livrar gueu-se de pé e solemne diante do feitor.
de máu olhado. — Escute bem, seu Manuel João; eu não
— A doença que eu tenho você não lhe estimo nem por medo nem por ganan-
cora, sorriu tristemente o feitor ; é mo cia. Quero lhe bem, está ahi tudo. Desde
lestia para outro doutor. que lhe estimei, ninguém se pode gabar de 1
— Então já não está aqui quem fallou. ter Visto os dent-s d'esta negra. Não pense,
Calaram-se ambos; Cirolina poz se a não, que eu deixan lo vosmecê vou andar
beber pela chicara de Manuel João, em por ahi. Poda perguntar ao Juca Bene-
quanto este p’cava sobre a mesa o, forno dicto como é que eu lha re pondo,* e não
e ajustava uma palha de milho pai a fazer hei de mu lar, não, ainda que o senhor
0 cigarro. passe a feitoria pira o pai d’elle.
Eoaqusnto bíbia, a creoula fitava de — O que? 0 que é que você acabou de
soslaio 0 seu amante, e o seu coilo, negro filiar ?
como as penas do anum, arfava larga e — Digo que não hei de mudar,ainda que
tumidamente. Rompeu por fim o silencio: seu Chico Bcnedicto fique sendo feitor.
— Sabe do que estou me leml-iaoco, — V< cê está nieatindo ; o amo ainda não
seu Manuel ? se mostrou zangado commigo : não pode
— Sim ... daspodir-me assim, sem mais nem menos.
— D l primeira vez que vosmecê fatiou — Todo 0 mundo já sabe que o senhor
commigo no aceiro, quanio eu passava vai chamar sewChico; pergunte, para vêr
com 0 barril d’agua para a r/ente. se é mentira.
— E por que lembrou você isso? Dando este golpe certeiro no amante in­
— Vosmecê estava dsbaixo das bana­ fiel, a creoula sahiu victoriosa, apezar das
neiras, tirando fogo do isqueiro; cha­ rogativas de Manuel João.
mou me e deu-me de presfnte um lenço — Anda, dizia el!a, lá fóra ; vê quem
branco. Quando isto foi, ainda não era vale ma s, se são as brancas ou as negras.
nascido o caçula de senhor ; e d’ahi para — Feitor 1 feitor I elle, o pai 1 excla­
cá -vosmecê tratou-me sempre bem ; mava de vez em quando Manuel João ; não
ficava alegre quanio me v ia ... ha duvida, uma das filhas é o pago de
A cieoula enxugou duas lagrimas que tanta amizafie.
lhe deslisavam pelas faces, e Manuel
Chegando á sua senzala a creoula con-
João, preadendo-a com o braço pela cinta,
servoufse algum tempo sentada na grossa
exclamou: esteira do seu leito mi>eravel, sugando da
— De que é que você está chorando, seu cachimbo negro densas fumaças opa-
Carolina ? ladas.
— Pois não é assim ; eu não lhe sujei U m caco.de barro vidrado, em cujo fundo
as suas birbas e vosmecê já não faz caso espessava-se uma camada de 65cuio azeite
de mim. da mamona, d’entre a qual partia, para a
ManuelJoão tinha-se inclinado para Ca­ borda do caco, uma torcida de algodão
rolina e os seus lábios quasi roçavam os embebida do oleo e accesa na extremi-
grossos lábios da amante,quando sepôz de dada, dava luz ao cubículo.
t»r A l'KXA DK AIOliïK
35
Por unicos ornatos via se ahi urna velha Depois de desdobral-os entre as mãos e
csixa de madeira, «ma corda estendida tornal-os a dobrar, a preta veiu collocar se
n um des cantos do qmrto, na quai diante do quadro da Virgem; e as lagri­
penduravam-se as saias brancas engom- mas até então contiias rolaram lhe em
madas e o vestido de cassa dominguoiro. fios para logo estancarem-se.
Pouco acima da cabeceira do leito, pen­ No rosto de Carolina a expressão pun­
dia da parede um quadro envernisado, gente foi então substituída pela da mais
em cujo fundo o a tista desenhou uma sombria raiva. As roupas foram feitas
beilâ mulher, de semblante sem tristeza, em tiras, calcadas e cuspidas, e a negra
mas também sem sorrisos, na;calma ioef- amante do feitor, depois de assoprar o
fa<el da pureza. Rosto encantador, cuja canaieiro, sahiu apressadamente do seu
testa debruavam crespos cabelios ne­ domicilio S9m conforto.
gros que lhe desciam até os hombres ; o Cosida com a parede das senzalas se­
corpo de perfeição irreprehensivel, ves- guiu até a quinta janelliu a e, pondo o
tia-o uma túnica amarrotada em pregas queixo sobre o peitoril, chamou com voz
caprichosas, e sotoposta a um mauío azul aoaíada;
salpicado de e.strellas. Os pés pequenos Oh 1 tia Balbina, oh ! tia Balbina;
pousavam sobre uma grande nuvem da faz favor de abrir.
alvura das camélias e amparada por hom- Lá. dentro soaram uns estalidos de pa^-
bros e cabeças de anjinhos alados. Todo o Ihas seecas comprimidas ; a janellinha
c-jnjUQctp emmoldurava-se n’uma ellipse abriu se.
de nuvens brancas, aífastadas por um — Que é que você quer com tia Balbina,
clarão. quando o gallo não tarda a cantar ?
A religião tinha santificado este quadro, — E’ por muita precisão, tia Balbina;
consentindo que se escrevesse sob elle; deixe-me entrar.
Nossa Senhora da Conceição. E Carolina, apoiando-se na peitoril da
D ante d’eesa mulher immaculada, Cai’o- janellinha, pulou por ella para aentro da
lina como que não se atrevia a dar som senzala.
aos seus pensamentos sombrios : eva­ — Qae é que fo i; deixa aceender o can-
porava-os silente nas baforadas defumo. dieiro.
A semelhança dos pantanos que dh si­ A luz encheu o quarto, e deixou ver ^
mulam a existência da l«ma de suas interlocutora de CaroJina.
bacias, mostrando a superficie azula la Era uma preti alta, corpulenta, de
coberta de grandes ilhas fluctuantes, vi­ olhos máus, injectados de sangue, nariz
rentes 6 tocadas de flores; a desditasa grosso e beiços tumidis.
recalcava no coração os o lios vingadores, Atava-lhe a cabeça um lenço de chita
emquanto que nos olhos merejavam-lhe vermelha com frisos brancos, e vestia a
as lagíimas, essas tristonhas flôres em até a cintura uma camisa branca de al­
que desabrocha ò sclïnmento das almas godão trançado, e d’ahi até os tornozellos
deli adss.
salientes uma saia da mesma fazenda.
De subito, porém, arrancou d’entre Era cabinia e chamava-se Balbina.
dentes o cschmibo, pousou o no chão Havia, pouco tempo que se achava no
junto da cama, levantou so e abriu a sitio entre os escraví s de Motta Coqueiro,
velha caixa que lhe estava em frente.
entretanto a sua auctoridade sobre elles
Da dentro de um grande escaninho tirou era maior do que a de seu senhor.
algumas peças de roupa. Eram umas tou­ Ouviam-a como a um oráculo e as suas
cas de lã, umas camisinhas para recem- ordens eram attendídas cumu se fossem
nascidos e alguns pannos de algodãosinho. decretos.
MOTTA COQUlilP.O

Affavel nas horas de bom humor, rindo tem segredo, bicho não tem maldade
umas risalas expansivas, todavia nenhum para Balbina. Frlho de você é de Manuel
dos seus parceiros afravia-se a reques* João; mas o pai nã) se importa mais com
A a- mái de seu filho.
tar lhe a reluzente frescura da sua pelle
O espanto avassallou a creoula, que se
de trinta e tantos annos.
O sscendente sobre os crédulos ebroncos debulhou em lagrimas.
escravos d j sitio foi conquistado por Bal. — Não chora, não, criança; mundo é
bina pelo dom especial que el!a tinha de assim mesmo. Bilbina criou o filho dos
conhecer as hervaseíficazes no curativo de brancos, Balbina foi bca para o menino.
todas as moléstias e amda mais aquellas Quando o fi ho dos brancos estava doente,
que tinham certas virtudes especiaes, Balbina sentia como se fosse filho d’ella.
taes como amansir os senhores, ap&te- Menino já está grande ; os brancos jogam
tar os brancos, e assentar o juiz) dos fó a Balbina ; põem a escrava de outro
amantes volúveis. dono no meio dos escravos dos brancos.
Diziam que ella tinha nas suas mãos a Lingoa má corta em Balbina, brancos dão
vida e a morte de todos, e para dal-as ouvido ; Balbina é suri’ada, como negro
bastava apenas um olhar ou um assopro. ladrão. Balbina soffre calada, porque
No eito tinham a por vezes vi^to che­ maior é Deus. Tem amisade ao filho dos
gar-se jur.to ás cobres adormecidas, ou brancos, que não é filho de Balbina. Podia
enraivecidas, e enxotai as. Os reptis &U- soprar a casa grande; mandar a cobra
vam-a, agitavam as linguas e as caudas, coral tirar nos brancos o sangue que cor­
tomavam mesmo a attitude de dar o bote, reu das costas de Balbina, mas não quer;
mas de chofre acovardavam se e corriam soffre calada.
amedrontadas á voz da negra que lhes — Mas eu não quero scffrer assim, tia
ordenava a retirada immediata. Balbina; não quero dar meu peito ao filho
Alguns timidos denunciaram a tia Bal- de Manuel João, basta que eu veja elle
bina como f iticeira, e Mctta Coqueiro, casado com aquella fuisca,
depois de descobrir em pocer da preta os — B'Co ! disse a feiticeira, levantando
instiumentos proprios de tai aite, para um dedo aos lábios. Você está dizendo
prevenir os envenenamentos possiveis, fez peccado. Escuta primeiro a voz do cho­
castigar severamente a escrava. calho de Balbina.
O Castigo germinou no coração d eB il- A feiticeira abriu de novo a janella e es­
bina um odio encanecido, e ella desde preitou para fóra, depois tornou a fechal-a
então só fitava o senhor de travez. cautelosamente. Tii'ou de um gancho de
Accpsi a vela, a feiticeira insistiu na páu pendente do tecto por uma corda,
pergunta: uma cesta de taquara; pegou do candi-
— O que é que vocô quer com a tia eiro e do braço de Carolina e dirigiu-se
Balbina, quanio-o gallo não tarda a para a repartição interior da senzala.
cantar. Collccou 0 candieiro n‘uoQa especie de
Cai'olina crmeçou a fallar: prateleira pregada á ombreira da porta
— Vosmecè sabe que eu estou pejada, do interior, e ordenou a Carolina que se
mas não sabe de quem é. conservasse de costas para ella.
Balbina, abaixando a golla da camisa, Voltou então ao logar em que estiveram
deixou ver o seu ccllo carnudo, onde e abriu uma caixa de onde tirou uma
se desenhiva groíseiramente um olho trouxa coberta com uma baeta vermelha,
aberto: e tornou para junto da creoula.
— Balbina sabe tudo, exclamou a feiti­ Desdobrou então sobre o chão a baeta,
ceira ; casa não tem parede, gente não e espalhou sobre ellas umas figas negras,
ou V PF.NA DR AIORTR 37
ijns rollos de enxofre, uns maços de ca- como seu pai, com seus cabellos cechea-
bellos lanosos, um pequeno boneco dii’ dos e p-lle de capixaba.
■ forme de feições gateaias e foocas, e uns Carolina pôz se a soluçar.
ossos amarellados. — A mãi chora porque tem bom cora­
De dentro da cesta tirou um embrulho ção, mas tem também máu senhor. Se é
de arruda secca e um chocalho feito do pelo feitor não tem que sentir. O Chico,
esbheroi le de ucn cuité, tendo por cabo pai da que tirou o socego de Carolina, en­
uma haste de taquara. trou na casa dos brancos em tempo de
Depois de ter queimado um gilho lua nova. A semente que se planta n'esta
de arruda, e vendado ccm um lenço os lua, morre, a madeira que se corta, racha
olhos de Carolina, a preta acocorou-se e e apodrece. A lua appareco um liocadinho
poz-se a tauírer o chocalho perto da ore­ e entra logo, e tud >fi a escuro.
lha, dizendo : A camaradagem da Chico com a casa
— O chocalho falia que Carclina ha de grande dura pouco; veiu na lua nova.
dar tres patscas para elie e uma vela para As filhas do aggregado gestam de gente
No’ sa Senhora das Dn*es, cutra para de que o macófa tem queixa, e quando
S. Benedicto e outra para S Miguel. elle souber, br iga com o aggregado.
— Faço, sim senhori, tia Baib na, — Já sabe, já, tia Balbina, exclamou
A feiticeira tangeu de novo o chccalho. Carolina, que tinha .ouvido a conversa do
— O chocalho esta dizendo que o filho moleque com o feitor.
de Carolina tem de s .tTrer captiveiro do — Melhor para Carolina e para nós todos.
máu senhor. Brancos podem surrar, O mau senhor disse a P'lddis que Manuel
podem vender o íiiho da sua escrava, João não puehava pala gente, e quo o
e a escrava ha de chore r e tomar ogirisa melhor era dar a feitoria ao Chico, di
dos brancos. Antes o filho não nasça, se quem a gente resmunga. Mas a gente nã i
ha de passar tantos trabalhos; antes vá terá tal f-itor, porque «lies já estão ru s­
para osonjos no taboleiro com rosas e gira- gando. Fideds ha de chamar seu senhor
sdes. A cobra zangada cu morde a quem para mostrar o que o aggregado faz na
a zanga, ou morde o leu corpo d’ella. A roça dos br*ancos, e o Chico não será mais
mãi que tem de ficar sem o filho, que é eitor, perque elle é soberbo.
seu sangue, é cono a cobra zangada. Balbina viveu na c sa gi’ande de seu pri­
— Sim, sim, tia Balbina. meiro senhor, e sabe como são os brancos.
— Escuta ainda, criança, continuou a O moleque Carlos vai contar ao senhor que
africana, tangendo sempi’a o chccalho; V:ím toda a noite gente de fóra peusar na
— a coral briga com o lagarto ; a cobra casa do Chico, a mucjma diz á senhora o
faZ rodilha e sacode a lingua de fogo ; o que fazem as fi.has, e tudo está acabado
lagaito pára,estica a cabeça chata e es­ entre o aggregado e o máu senhor.
pera. A cobra dá o bote, o lagarto faz roda Carolina vai primeiro do que os dois»
e chicoteU, e quan lo é mordido sabe no juoto de seu senhor, dizer que tem ura
matto a herva centra adentida, que mata. filho do feitjr, e Manu 1 João peráe a
Zambi. que está lá em cima, foi quem lhe feitoria e a filha de Chico volta logo as
en inou o rtjmedio. Carolina foi mordida costas para elle. Carolina conta também a
no CO!ação, Zamhi lhe ensina o reraedio. Manuel João que o Chico anda pedindo a
De manhã, em jejum, o caldo do limão feitoi'ia, ha briga entre cs dois e Ma­
corta, a cinza do burralho come. nuel João não volta mais a casa do pai da
— Sim, sim, tia Balbina. moça deque elle gosta. B Itina faz ore.'-to*
— Mas é pelo máu senhor, que morre o — Está direito, fia Bal bina; eu faço tudo.
fllho de Carolina, que devia ser bonito Houve uroa pausa, a feiticeira levantou»

A
38 ]\IOTTA COQUKIRO

se e fui quiitnar outro galho de arruda. porém, ella tirava o csximbo e pronun­
Depois 1'dvclveu a cesta e tircu de dentro ciava estas palavras agoureiras.
o’dlla uns husios e uma bolsa de panno — Hum, hum, os brancos ? A negra
toda cosida e pendente de um cor ião preso crecu 0 menino ; er-a a mãi preta, e elles
nss extremidades da bolsa, e collocou a não deram nem um canto da casa grande
no pescoço de Carolina. para ella morar. Tomaram o menino das
Acocorando-se de novo, sscudiu na mão mãos da negra e metteram n’ellas a en­
por tres vezes os busies, atirou os sobre xada. Depois 0 chicote fez feridas nas
a baeta, e agitou o chocalho ainda uma costas da feiticeire, e o menino nem olha
vez. Ergueu se então, e pagando de um mais par*a ella. A ririô machucada morde,
dos rôlos de enxofre chegou o á chamma a asersva desprezada mata.
do candieiro, enchendo d’esta fórma o O canto do gallo tão apregoado por
recinto de um cheiro nauseabundo. Baibina fez-se ouvir afinal, e a preta que
Depois lançou novamente os busios, e estremeceu ao ouvil o, deitando se presto,
enrolou a baeta com os instrumentos caba­ apagou ocandieir'0.
lísticos, e desatou a venda dos olhos de Ao passo que nas senzalas das duas
Carolina, diz<=ndo-lhe solenrmemente : pretas e na casa do f.itor o despeito, o
ciurae, e 0 odio colligãvam se em ameaças
— A cobi a, quando vai lavar-se e beber
medonhas e planos temiveis ; na casa
agua no rio, lança o veneno na folha da
g ’ande desfizera-se já a passageira con­
herva que está mais perto. Póde morder
trariedade motivada pela consulta do ve­
t. agora que não tem veneno paia matar.
lho aggregalo.
Carolina ouviu o segredo do chocalho,
Motta Ccqueir’0 substituiu o máu humor
está nas mãoi da criança perder tia B j I
pela piedade, e ao voltar á sala de jantar
bina. Como o carreiro bota a canga no
para o meio da familia, conversando a
pescoço da junta de boi, o máu senhor
respeito dos esponsaes, reílectir á sua
mandará pôr o tronco pecado nos pés da
senhora:
feiticeira. De madrugada na revista, o
— Quem sabe se eu não teria evitado
chicote tirará sangue das costas da má
os casamentos se houvesse dado ao com­
escrava, e Carolina ficará querida.
padre a feitoria do sitio Î
Mas a cobra, que perdeu o veneno, faz
— Qual 0 qne, Sr. Motta, responleu-
a rodilha junto do brejo; o sapo vem
Ihe a senhora, o compadre está tão namo­
pulando e gritando e ella olhando o bicho
rado como as filhas pelas cantigas de Se­
pucha-o, pucha-o para a bocea e d’elle bastião, e além à’isso é necessário não
tira novo veneno. Carolina não péde dizer esquecer o vicio da bebida.
nada do que ouviu ao chocalho ; será seu
— Foi o que impediu-me e hoje se eu
0 mal da tia Balbina.
lhe désse tal logar, cs genros mudavam-
D?pois de aihrmar muitas vezes á feiti- me até 0 sitio com as casas e tudo.
ceii’a que guardaria o maior segredo, — Agora ó que é aturar o compadre;
a creoula saltou de novo a janella e reth se elle sem motivo nenhum andava sem­
rou so para a sua senzala, onde, refocilada pre em grande gala, quanto mais agora
na perspectiva da vingança, adormeceu que tem razão para estar alegre.
facilmente. — ,E' verdade ; ha de ficar insuppoi ta-
O candieiro continuou acceso na sen­ vel; 0 que vale é que eu já lhe disse que
zala de Balbina, e quem espiasse pela tratasse de fazer a sua c^sa.
fresta da jauella, e applicas .e attenta- — E será bom filiar-lhe sempre; não
mente o ouvido vel-a-hia sentada, com o deixai o dormir.
caximbo negro á bocev. De vez em quando A conversa desviou-se dVste ponto
ou A PENA DE MORTE 30
sendo subst tuida pelo das trivialidadei A astuta africana prevenia assim quaes-
dome-ticas, e algamas medidas urgentes, quer suspeitas, que porventura podessem
no entender da senhc ra. gerar-se no pen amento do feitor,que todo
Uma û’ellas sustentada com mais calor absorvido nos seus projectos de sorpre-
e af ri'o era a de apressar-se o cdrte hender os imaginados amores de Ctquei­
da madeira. A razão occulta do enthu- ró e uma das filhas de Francisco Bene-
siasmo da senhora na sustentação d’esta dicto, tílvez a Mariquinhas, nem siquer
urgência era a sua antipathia pela re i- reparára, que a zelosa Cirolina já não o
deneia no sitio, obrigatória agora peka visitava mais.
interesses pecuniários da casa, mu tores- Duranío todos esses dias Manuel João
p-itadcs pela senhora. não se tinha encontrado com os seus
— Descance, 8ÎD.rmou-lhe Moita C quei- companheiros e nem polia atinar com a
ro, dentro em quinze dias hei de começar empraza a que tinha ido o violeiro.
a cari'eiar a madeira, e com certeza den­ Também a sua pveoocupação especial
tro em utn mez poderemos mudar-nos era vigiar e.streitameute os passos do amo
para a ciJaJe. e os das filhas de Francisco Benedicto.
— Deus O permitta ; não pôde haver Cimo 0 jacaré, no tempo do choco, vai
loger mais triste no muudo do que este collocar-se a alguma distancia, e de lá,
sitio ; parece nm logar amalliçoado. Por olhos attentamente fixos, ouvidos solici­
minha vontade, Motta, vccè desfazia-se tamente prestidos, todos os sentidos, em-
d’estas terras. flm, sguçadamente applicadcs, vigia o
— K O r e s u lt a d o e r a n ã o e n c o n t r a r fa­ ninho de onde ha de nascer-lhe a prole,
c i l m e n t e o u t r a s c o m t ã o boas m a d e i r a s .
e ao menor estremecimento, ao menor
— B’ 0 que não í^lta por ahi. rcido acode prompto como um raio, feroz
Sempre que a conversa sobre tal as- como uma psntheva, decidido a atacar, e
sumpto chegava a este ponto, os esposos a morrer ou a matar; Manuel João, entre­
por uma inspiração do bom-senso passa­ gue á conflagração dos zelos o á guarda
vam a occupai’ se de outras matérias, da sua amante, seguia os menores e mais
quando não a interrompiam de todo, insignifiesntes movimentos do seu amo e
Na noite em que nos achamos a conver­ resolvido a punil-o desapiedadamente.
sação teve 0 seu ponto final no da ultima
A’s vezes, p las estreitas púcadas da
phrase da senhora, e a familia, levantin
matta virgem passava tranquillameute o
do se da mesa, cada um de per si, foi
fazendeiro, cortando com o facão de
para os seus aposentos.
matto os galhos inclinados sobre o trilho.
D'ahi a pouco o somno fez silenciar
Dirigia-se ao logar oode os seus e<cravos
toda a casa, excepto uma siD ts onde o
e jornaleiios trab.slnavam no falquejar
moleque Culos, deitado di costa.s sobie
da mad«ira e na derrubada das arvores
uma esteira, po^to um des braç< s sob a
cabtça, com a bocea escancirada l uncava seculares.
forte e continua.laimenie. Os seu-! gestos mschinaes, communs a
Cinco diiS d"Cor eram sem que ne­ todo o h. mera do se: tão quando caminha,
nhum successo importante viesse articu­ provavam que elle estava bem longe de
lar-se aos que deixamos na'-ralos. A fei­ desconfiar de uma emboscada e prevenir-
ticeira e acreoula pateciam ter esquecido se contra ella.
0 plano de combate traçalo em paUvras Entretanto, diversas vezes á beira da
cabalísticas. No eito e á noite ao voltar á e trada, occulto por detraz dos trançados
casa não se trocavam sauão as saud,.ções de cipqs e das eurediças de unhas de gato,
usuaes, e isto mesmo friamente. alguém, esconiido, espreitava-o. Era o
feitor, que, de espingarda engatilhada, A narração dos symptomas, feita pela
vacillava em disparar-lhe a arma. geringonça do preto, encheu de espanto
0 transeunte desapercebido era def-’n- a familia de Coqueiro, e este oídenou ao
dido apenas por um resto de consciência, escravo que montasse a ca valio para que o
que ainla sobrevivia limpida na alma soccorro chegasse mais prompte á en­
rebolcada do feitor, e que lhe aconselhava ferma.
verificar primeiro a existência de causa Passada cerca de uma hora de ancia-
justa para tamanha vingança. dade, entravam na casa grande très pretos
A fria premeditação do feitor espojava-se e 0 feitor, dois dos quaes traziam aos
então na hediondez dos instinctos sangui hombros a rede; os outres tinham vindo
narios, como o porco farto no lamaçal do revesando.
chiqueiro, e como no focinho alongado e Tirou-'se de dentro da rede Carolina des­
negro do animal ficam a branquearas figurada, sem sentidos, inert«, ura quasi
duas longas presas curvas, no rosto do cadaver. O seu rosto tinha perdido o re­
assassino intencional ficavam sempre á luzente brunido da saude e substituira o
mostra o despeito e o odio. a feia côr dos pannos pretos mofados. O
Automaticamente o emboscado deixava suor borbulhava lhe inestancavel por en­
cahir cautelosamente o cão sobre o ou­ tre a pelle da testa e das grossas narinas,
vido da espingarda e afastava-se por en­ A lona da casa princioiou logo a mi-
tre 0 matto. nistear os mais sérios cuidados, e os mais
Não era porém um arrependimento o efficazes remedios caseiros que tinha á
que o decidia; a reincidência provava que mão.
esta resolução era um simples adiamento Andava para lá e para cá; aqui esten­
da sua fixa decisão. dia um synapismo, alli pisava no almofa­
No sabbado da semana a que nos repor­ riz umas sementes. Gritava por uma es­
tamos, uma triste contrariedade veio pôr crava para que trouxesse a agua quente
em movimento toda a familia de Motta para o escalda-pés, e a outra que fechasse
Coqueiro. a janella para não entrar o ar. Era uma
Pelas nove horas da manhã appareceu dobadoura. t'1
em casa, arquejando de cansaço e lavado No meio da inopinada tarafa, a boa da
em suor, o preto Fi ielis, pedindo á toda senhora não perdera o tino administra­
pressa um lençol para improvisar com tivo de que era dotada ; harmonisou logp
elle uma rê ie, e assim conduzir Carolina os cuidados á enferma com cs cuidados
que estava cahida no aoeiro a estrebuxar diários da casa
com um ataque. Dava gritos como o Disse a Manuel João que não vo-tasse
uivar dos cães á noite, eoseu desejo era para o serviço antes de almoçar, porque
prinçipalmente esganar-se e de-pedaçar assim poupava-se o trabalho de arrumar
a roupa. Esforçava-se para levantar-se 0 seu almoço entre o dos pretos.
e em seguida cahiria em cheio no chão. A um dos escravos que vieram, o preto
se difiicilmente não a contivessem os Domingos, ordenou que esperasse um
parceiros, que tinham deixado o serviço pouco para levar o cesto do almoço da
para soccorrel-a. Depois de uma serie de gente, e despachou os outros para a roça.
movimentos bruscos, a doente ficou im- Graças á tanta habili lade e sangue frio,
movel, inteii-içada como um defunto, mas os trabalhos domésticos retomaram todos
logo crispando lhe o rosto ininterruptas a sua marcha habitual, e logo foi aviado
contracções, começou a prantear como 0 preto Domingos.
se fôra uma creança, e renovou os phé­ Agil e expedito, e ainda mais acossado
nomènes ■ assustadores, pelo appetite, o africano chegou prornpta
meate á rcça, e chamcu os seus compa­ Perigrino, o parceiro que fez a pergun­
nheiros para a rtfeição. ta acompanhou com os olhos a interroga-
Era um caracter nobre o <io preto Dc- çãj, e exclamou em seguimento a esta :
ming05. A re>igaação tornava-lhe sym- — Uhê, 0 que é que tia Balbina tem,
pathico 0 rosto chato e f«:io. Amadurece­ geite ?
ram-lhe os annos e até cei to ponto a Todos olharam pai’a a feiticeira. Bsl-
propria severidade do seu senhor o ins- bina, pousado o queixo na mão e apoiado
tincto da obeiieocia Tinha a fidelidade 0 cotovello no joelho, olhava distr^hida
do cão, e a passividade da besta de sella. para o céu. A sua ração estava intacta
Invest’ a contra os que atacavam a casa diante de si.
grande e os branccs e resfolejava e re­ Sabiam todos que semelhante prsição
cuava diante do abysmo de perversidade correspondia sempre ás grandes dores ou
dos seus parceiros, que muitas vezes ti- pieocjupações da cabinda, e por isso per-
nha-se lhe aberto diante, attrahindo-ocom guntsram em côro :
suggestões iniquas. — O que é que tem, tia Balbina.^
D^piis de tirado o eito, os escravos com — Não é nada, creanças. Estou imagi­
as enxadas ao hombro dirigiram se para nando na minha vida.
0 aceiro, onde sentaram-se, depondo os — Qual ; vosmecê tem alguma cousa.
instrumentos de trabalho. — Para não fallar mentira, estava ima­
Domingos distribuiu por el'es as di­ ginando cutra cousa. Carolina está muito
versas cuias, onle uns pequenos quinhões doente...
de carne secca assada sob esahiam da al — E’ verdade, parece cousa posta ;
vura do pirão de farinha de mandioca. que moléstia tão ruim 1 disse Fidelis.
Feito isto, o preto, honesto e discreto, — E’ verdade, respondeu o côro.
aílastou se do grupo e foi sentar-se dis­ — Carolina está para morrer porque
tante sobre um largo toco á sombra de está com um filho de Manuel João, que
uma laranjeira. anda agora ás voltas com a filha do aggre-
O acaso fez com que no centro do gado. A creoula tem sangue de cobra,
grupo ficasse a tia Balbina, que modifi­ ficou tinindo quando soube. Depois hm-
cara os trages em que vimol-a na sua broa que o filho ha de ser escravo ; nasce
senzala apenas em trazer hoje uma saia para o chicote e para o eito. Não quer
de zuarte. mais queo filho abra os olhos, coitada!
Acompanhando com os olhos o preto Ella pó 'e ir se embora também, se Bal­
que se reti-ava, a feiticeira, provocou a bina não fôr salvar a creoula de seu
hilaridade dos parceiros, dizendo. senhor.
— Bem faz Domingos, foge dos maus — Antes morra, se ha de ficar boa para
escravos para não perder a carta de for­ soffi’er.
raria. —• Que tem que ella scffra? Nós vamos
— O nome d'elle está seiopre na bocca scífcer’, e ella é nossa parceira. O aggre-
da senhora ; exclamou Fidelis, chas- gado vai ser feitor; senhor disse, Fidelis
queando. ouviu, tiamem máu, seu Ctiico, homem
Todos começaram a comer com o sadio m íu aquelle I Enche a bocca de negro
appotite de homens de trabalho. Alguns captivo; hoje elle não é ain .a feitor, mas
juntavam á refeição da casa as iguariòS diz:— vou fallar com o meu compadre para
que prepararam de vespera, e as oííere- mandar metter o chicote no negro. A fei-
ciam fráternalmente aos outros. (oria vai para seu Chicí, ou Manuel Juão
— Qaer ura pedaço a'este gambá enso­ fica mais bravo para nós. De hoje em
pado, tia Balbina ? dianto nenhum roe passa d'aqui (a preta
MOTTA COQUEIRO

assignalava com o dedo o pescoço) ; tão Os remedios, como se fossem uma ia.
bom como tão bom. Fidelis polia bem jecção caustica; longe de acalmarem-lhe,
livrar a gente ; senhor falia com elle. Era exicerbavam-lhe as dôros'.
dizer: Manuel João não está m^is na loça Era 0 cadaver da vingança galvanisado
uma hora inteira; Ctiico Beaerli’-to farta por palec mentes horriveis, ou melhor,
as roças de senhor. O marota bufava, e a pela electricidade da dOr. Ora quedava
gente estava livre, inerte, quasi algid a, com a respiração
~ Isto é que é fallar certo, exclamou imperceptível, inundaía era suor viscoso;
Peregrino, um dos pretos do grupo. ora levantava-se sobre os punhes, com a
— E’ verdade. cabeça penlenle, o corpo descrevendo so­
— Eu Sfi lá ; vocês depois dizem a bro o leito um angulo obtuso, e, ai’que-
senhor que Filelis é que não gosta dos jante, prorompia em gemidos agudos,
dois. compungeãítes.
- N ó s ? ... Era 0 prenuncio do ataque assustador,
— Quem é que vai dizer ahi ? interveiu medonho, com as cootorsões da serpente,
tia Balbiná ; ceu e.stá vendo nós ; onde e as unha ias do jsgu sr; com o ganido
vai quem disser ? O galio quando canta é dos cães leprosos, e o ranger de dentes
vida para o que faz bem e morte para o dos condem nados eternos.
que faz mal ; tia Balbina entende o canto Qual fosso a mo’estia ninguém estava
do gallo. Onde vai Fidelis? V?.i salvar os bab litado a disgnosticar ; inclinavam se
escravos do macóta\ é bem para todos, todos a uma idéa—o feitiço.
Onde vai quem fallar contra Fidelis? Vai
perder seus oarceiros ; é mal para todos. — Carolina amanlieceu boa, diziam ;
Balbina ad jvinha; o ceu Zamhi cas­ alegre, como .sempre aniou, febres não
tiga. eram, porque não teve os calafrios das
— E está muito direito. . se Õ3S, andaço na localidade ; não tinha
— Pois, diabos me levem ! no primeiro nenhuma chaga; não era pleuríz porque
geito eu arrumo a cama para os dois. não se queixava de üôr no peito ; logo eia
Teve toda a razão a dbsimulada B ilbina -feitiço.
quando considerou gravissima a enfermi­ Todos inv. luntariamenle lerabraram-se
dade de Carolina. da tia B.db'.na, sem tolavia attribuir lhe
Attentando contra a vi la do fllho, con­ maus intentos para com a creoula, que
forme 0 expediente acoaselh.ado pela fei- nunca foi por ella mnltratad i ; mas ao
tioei a, poz em risco a propria vida. contrario sempre quer da.
Dir se hia a revoltada natureza indig­ — Talvez a Balbina conheça, dizia a
nada contra adegeneração dossent^men- dona da c^sa; o melhor é mandai a vir,
tos da mulher, que deu da rrião aos não é, Motfca ?
sonhos maternaes, mrn los roseos e bri­ D pois de reluctar, não só quanto ás ge-
lhantes, cn !e branqueiam azas de ar- raes manif-i.'tíçõ s sobi e a moléstia, mas
chanjos atravez de irradiações de amor, ainda qusnto á vinda da Balbina, Motta
A ian( cencia c .nd.!mnadâ parecia pedir Coqueiro cedeu aânal, e a feiticeira tran­
• ôr as mais aguç das púas para co n cou-se sOiinhano quarto com a doente.
ellas brcqiieiar asse) vajadamente o orgi- Sentada á borda do leito, esper, u tran- ■j
nismo enfraquecido da creoula. quillamente a occisião opportuua para
Não havia ab.;nauçar-lhe o soífrimento: f*li»r-lhe.
0 dia inteiro passou o ella debatendo se Ninguém que a visse ahi pode’ ia sus­
em ancias dolorosas bem sem«luantes ás peitar que a feiticeira contemplava a sua
da agonia'dôriadeira. obra sombria de vingança ; estava serena,
ou A PENA OR MORTE

nada denunciava siquer um traço de re­ nuel João, nunca penetrava no interici*
morso. do casarão. Asaeatava-se á porta ou c< u-
Quando lhe pareceu chegado o momento servava sí a cavallo emquanto entieti-
de fallar, começou: nha-se a narrar cousas banaes e e o pala­
— Carolina vai sahir d’aqui e vai con­ dar dos cuvintes.
tar a sua senhora porque é que a creoula Um dia, porém, 0 feitor teve oceasião áe
está doente. Mas não diz que tomou re- recordar-se do que lhe dissera Carolina no
medio da tia Bálbma ; conta out: a cousa. dia em que cortaram as relações.
A creoula tez com a cabeça um, signal — Compadre, disso Motta Coqueiro ; eu
aflirmativo. vcu começar amanhã o carreiamento da
— Carolina está soffrando, mas o pai do madeira e precisava que você e seu filho
seu filho ha tie solTrer também. Tia Bal- aju lassem-me.
bina ha de vingar a creoula. — Eu sei, compadre; mas, eu já estou
A feiticeira sahiu e revelou á senhora velho e 0 Juca para que diabo serve?
a mol stia de Carolina : era um aborto. — Então vocês não prestam nem para
Infelizmente esta ccnhecimeato nada amarrar,uma balsa? Saiba, comadre, a
aproveitou á tranquitlidade d afam ilia; qualidade dos homens que tem.
mallograram-se todas as esperançss de A fami ia riu-se muito e Motta Coqueiro
melhoi-âs, e alta noite creram todos que continuou:
a doente não am&nheceria. — E eu que tive tenções de chsmareUe
Resolveu-se eUtão que se Carolina tão meu amigo para feitor; estava bem arran-
morresse n’essa noite, logo pela manhã a jado 1
senhora acompanhai hia para a cidade — Mas isto era outra coisa e se o com­
alien de serem prestados os so-.eorros me­ padre quizer----
dicos á creoula. —Veremos;por agora quero somente que
Esta inopinada mudança do sitio seida vocês se occupem de embalsar a madeira.
entretanto definit va. Ocórte da madeira A larga faca de Manuel João luziu fora
estava quasi concluído e brevemente Motta da bainha ; o despeito esbrazeiava-lhe as
Coqueiro podia deixar de resi lir ahi. A faculuades revoltas; não pensava, não
senhoi’a, poi tanto, não precisava mais de discernia; o cerebro exh»lava-lhe espessas
voltar pai‘a contrariar-se era residir em labaredas de odio e de cciera.
um logar, com o qual antipúthisava. Surgindo d’entre uma espessa moita de
No dia seguinte effectuou-se amudançj, pixiriqueiras, collocada parto da parede do
e uma canôa, vigorosamente remada po; casarão e que lhe servia de escondrijo, o
braços robustos, voava em dirtc;ão a feitor seguiu pé ante pé, e terla i ealisado
Campos. cs seus fias se não se desse uma circums-
A cisa grande cahiu na mais sombria tancia feliz.
tristeza; dir-^e-hi . que a torturavam sau­ Motta Coqueiro que se conserva» a a
dades amarges ao recordar-se dos dias em cavcllo, em quanto conversava com o
que repercutia sonora as alegrias da compa iro, &o dizer-lhe eis ultimas pala­
famUia. vras, tinlia se hito ao largo.
A’ guem no emtanto contrastava com- u feitor, para atacai o, davia investir
esta tristeza; era Manuc-l.João, que ap- de frente; mas era bastante cobarde para
p la u iia se por ter agora cccatiâo de não tentar semelhante commettimento.
vigiar de p'^rto os passes do seu amo. ladignad;- contra si proprio e contra a
Ficando só, Motta Coqufiro p.ssava as fàtiliJade que sempre defendia o seu
poucas hora 4 de lMZ'.-.r na casa do com­ rivtl imagioaiio, o feitor tomou o cami­
padre, mas, com grande espanto de Ma nho da venda do Ahanna.
U MOTTA COnURIRO

Ao chegsr, o vendeiro que desco­ como o chumbo oxidado dos peses da sua
brira nas feições descompostas o tuaul- balança enferrujada.
tuar dos sentimentos do amigo, per^un Tomando um cepo e enchendo-o de
S tou-lhe sobresaltado o que tinha havido vinho, Vianna caminhou para Manuel
no sitio. João, e pondo-lhe um braço sobre o hom-
— O diabo, um inferno, mil raios me bro, emquanto com o outro apresentava-
partam; maldicta a hora em que eu entrei lhe o copo, resmungou ;
para semelhante casa 1 — Então com que você quer nos deitar
Mas 0 que foi, hotrem, desembuchei a perder, aeu homem ; isto não é por
— Quer saber, seu A’'ianna, eu estou força que vái, é preciso geito. Vá lá o
aqui e es^ou na cadeia; não aturo desafo­ coderio e depois vamos á falia.
ros ; por onde anda o dialo do Sebastião ? — Beba vccê primeiro, seu Vianna.
— Espera ura pouco; oh ! com os dia — Não senhor ; venha de lá.
bos, você parece maluco ; o Sebastião não Manufl João bebeu, e a convite do veu-
ha de tardar por a h i; accommode s e ... deiro sentou-se com elle no balcão.
O vendeiro, hypocrita como todo um — Então com que o cabrinha e--tá com
mosteiro e astuto como cincoenta rapozas, o diabo na pelle? quer pôr o mundo
percfcbeu logo que a situação do triumvi- abaixo Î interrogou Vianna, que tirava de
rato era perigosa. sobre o paviloão da orelha um cigarro e
Desde o domingo em que pela ultima levava a elle o isqueiro.
vez esteve na casa de Francisco B<n3- — Você e,'tá cjm caçuada, seu Vianna,
dicto, reflectindo com madureza, resolveu e eu hoje não estou para graea. F ilie ­
impelüc co n todas as forcas o violeiro e mos serio, 0 Seb stião vem aqui, ou não
0 feitor e conservar se em uma distancia, vem? si’ elle não vem, eu vou á casa
que0 preservasse de ser tido como cúm­ a'elle.
plice em algum acto reprovado dos d&is. — E’ verdade que o demo está tardan­
Sabia clle já a que fora o violeiro quan­ do, respondeu Vianna já impressionado;
do os deixou no casarão ; sabia mais qce o melhor é irmos á casa do bicho. Espera,
Sebastião ia todos os dias ao sitio e al i iu vou buscar cs remos.
encon*rava-se com Chiquinha, ora no poj- -- Vamos mesmo, porque eu sou capaz
to, ora na baixada. de fazer uma asneira.
Conhecendo de pei to o caracter de Motta Passalos alguns minutos, Vianna fe­
Coqueiro nas suas asperezas e nas suas chava a porta da vendola e os dois com os
delicadezas, evitava o seu desagrado; era remos ao hombro caminhavam em direc­
a isto levado por uma questão moral mas ção ao porto.
principalmente por nma questão econo- Era a hora serena do crepúsculo, hora
mica. em que as sombras invadem o céu e as
Supina imprudência seria irrital-o e in- consciências, em que surgem as estrellas
dispol-o contra si, quando por outro lado e os salteadores dos seus escondrijos; em
0 Chico Benedicto nada valia, nem apre­ que 0 firmamento com»ça a inundar se de
sentava diiliculdades serias. luar, e os viajantes a mergulharem-se no
O vendeiro pensando em Antonica via temor das emboscadas; em que a poeda
simplesmente um breve alTastamento ; as desdobi’a-se em chimeras e o crime es­
circumstancias aplainariam as diiliculda­ praia-se em torpezas.
des, e 0 borradore as prateleiras da ven- Manoel João entrara pela pequena
dola dai iam a ultima de mã-> ao probl ma. canôi que estava no porto, e Vbnna
As palavras de Manuel João impressio­ já a havia desamarrado de uma estaca,
naram entretanto a alma docalcnlista,fria quando ouviram o prolongado oh! com
01 A l'ENA UE MOUTE

que os canoeiros snuur.ciana a sua appro- Füi promptamente satisfeito, porque o


ximaçâo de alguma casa conhecida. feitor começou a narrar a conversa que
— Ouve ; é elle, disser&m es dois ao ouvira aos dois compadres, e concluiu
mesmo tempo. oizendo;
Passado algum tempo toda a confusão — Olhe, seu Sebastião, eu saio d'alli,
que porventura podesse haver, desapare mas vou para a cadêa, porque eu tiro a
ceU. A voz sonora e agradavel do violeiro, vida ao patifa do capitão.
repassada da suave melancolia das mu­ Os dois guardaram silencio duranlo a
sicas sertanejas, ergueu estas estrophes narra,ão; quando o feitor concluiu, Se­
predilectas ; bastião tomou a palavra.
— Você não me faça tolice, seu Manuel
Quando chega a primavera João; que tem você com o Coqueiro í se
Abie-se a arvore em flores; elle faz roda á pequena; seja você fino.
Quando chega a mocidade Eu cá não serei logrado; faça o que eu fiz.
Veste se o peito de amores. — Mas 0 que é que você fez ? deixe-se
de rodeios.. . .
Pois que amar é sorte nossa 0 violeiro chegou-se para mais perto do
Quero pagar meu quinhão ; feitor e segredou lhe algumas palavras ;
Não dou ouro á minha bella depois levantando a voz, disse sorrindo:
Mas lhe entrego um coração. — Olha, 0 Vianna não se arnefioa tam­
bém ; mais dia, menos d ia ... \ocê anda
A prôa da canôi, birdada pelas ondas por ahi como utn palerma. Veja que não
espumantes que abria e levantava no rio, vá morrer de fome se sahir da casa do
appareceu na curva da corrente, e ouviu- Coqueiro.
se 0 estallo forte da pá do remo batendo Manuel João tinha os olhos em fogo, e
em cheio na superficie das aguas. as narinas infladas ; parecia allucinado.
— 0 !é, bradou o violeiro; o frade sahiu — Seu Vianna, interrogou elle com ex-
hoje do seu convento, vem dar noticia do forço depois de uma grande pausa, é ver­
baptisado. dade o que disse Sebastião'! você é ca­
— Q jal, respondeu o vendeiro ; está paz ?
bravo como um cão damnado. — Ora, tire o ca vai lo da chuva, respon­
Manuel João nada aisse. deu 0 vendeiro, você ou é um tolo ou é
0 canoeii 0 desembai’cou, assoviando, e um bregeiro de conta. Olhem que santi­
foi reunir-se aos dois. nho I
— Então que novidades ha no beceo, 0 desgraçado feitor nada respondeu ;
seu Manuel João; melhor cara tenha o talvez tivesse vergonha das palavras que
dia de amanhã. devia proferir.
— Sabe que mais. Sebastião; v.:cê veja Até então nada podia provar que elle
0 que faz, respondeu o feitor ; eu já não adherisse ao segredo soprado aos seus
posso mais ; eu estouro. ouvidos pelo viole ro, tinha até nos olhos
— Credo, isto agora é que não é do uma onda da lagrim&s, as derradeiras
trato. Oh seu Vianna; este bicho está lagrimas puras que elle choraria em sua
certo ? vi ía, se após ellas não viessem as do ar­
— Não é graça, não ; aqui anda cousa; rependimento.
vamos ao caso, Manuel João. Mas, ao retirar-se comprehendia-se que
0 vendeiro via talvez pelos ares a sua a sua cólera tinha asserenado e que se
vendola e queria o mais brevemente pos- elle não levava uma resolução, affagava
sivel saber o que devia fazer. ao menos uma espei’ança.
í(i 5I0TTA COQUEIliO
Quando Manuel João de tanciou-se, o — Mais respeito, seu vadio, nós não
vendtiro disse para o violeiro : somos da mesma igualha.
— Aquelle demonio é bem capaz de — Já estou na moita, meu bracco, disse
perder-nos. 0 moleque e já se f^zia de vo'ta, quando
— Não pense n’is(o, respondeu Sebas­ 0 feitor agarrando 0 por ura braço inque-
tião, aquillo é um covai'de. riu-lhe sobre novidades.
— Tudo velho, respondeu Carlos, hoje
IV
é que eu hei de v r cousa nova.
A execuí ; ão de um ueano — Boa ou ruira ?
— Eu quero ver para acreditar; fia
Ao voltar so sitio o feitor foi recebido B Ubina diz que viu lá na biix^ida^c^mxxdo
por uma repreh nsão aspera de Motta foi procurar uma herva para Caroliaa....
Coqueiro. Pelas palavras de Sebastião, ditas em
E que sahindo preoipi*adaraente, es­ segredo, e a ultima resposta do Vianna, o
quecera de que dispunha de horas de feitor suspeitou qual seria a vigão daBal-
trabalho, conssgraias a uraa sáiia obri­ bina, e como nao lhe conviesse que o s=)-
gação—fazer- a ravivta. gredo fosse aos ouvidos do amo, tratou
A ni itinha o=i pretos vindos da roja de- de dissuadir 0 moleque.
puzei am na cczinha os frixes de leoha, — Balbina é uma tonta, disse elle, pode
e encostando os machados e as enxadas ser pêta e você perde o tempo.
da parte de fora, postaram-se em linha Qual peta, seu Manuel, ella diz que
no terreiro. viu uma das íi has de seu Chico entrar.
D'pois de esporar pm- la'-go tempo, — E’ que ella estava p'sseiando.
a conselho de Fidelis, levantaram a sau­ — De noite? sósinha? Ai ! que seu Ma­
dação usual :—louvado seja Nosso Senhor nuel João é 0 meco, atinei ! ...
Jesus Christo. Máu, máu I faça ponto na graça, e
Só então Motta Coqueiro a ppareceu na já lhe digo que estas cousas não são da
janella, e admirando-se de não vôr Manuel ,sua crnta.
Joã-», re-spindoram lhe que ainda não Mas foi vosmecê quem me mandou
tinha, chegado em casa. que espiasse...
— Elle não esteve assistindo ao ser­ — Mas é então o senhor ? interrompeu
viço? pf-rgu tou Coqueiro. 0 feitor sobre alfaio.
Já ha muito, respondeu Fidelis, que — Qual senhcr,nen meio seohor; pobre
quanda o senhor vera embora, 5 ím Ma­ do velho.
nuel Joao acompanha 0 senhor. Eda bom, Carlos, você está se a lian-
— Está bom; podem ir. tando de mais ; fica 0 dito por não dito.
A delação era grave e a censura foi lhe Carlos na 1a respon'eu, mas ao sahir
proporcional, mas nem assim slhsrou 0 passou a mão pela cara e depois agitou-a
bom humor era que ficou 0 f -itor depois bran lamente no ar, voltando-Jhe a palma
da consulta ao sstuci.so violeiro. para a casa do feitor.
Sentado á soleira da porta, cousa que E o signal de que se servem cs rocei­
não fazia havia tempo, Manuel João poz- ros para dizer que vão tirar desforço da
so a tocar viola, cantarolando quadras offrasa que lhe foi feita.
amorosas, até' que veiu interrompel-o 0 Simpl-s mimica da vingança, ella é
moleque Carlos, que lhe trszia a ceia. muitas vezes 0 começo de uma compli­
— Olé, exclamou o moleque, seu Ma­ cada trança de ardis, cada qual 0 mais
nuel João está adevinhando passarinho t-mivel, atc^ chegar muitas vezes a um
verde. desenlace fatal.
or A l 'K N A i>K M O i r i ’K i:

Manuel João fi:oa visivelmente pre'jc que por gracejo buscava esconder-se,
cupado com as palavras do moleque ; rastilhou em dii’ecçào á moita.
tinha certeza de que á communicação Dentre a moita o vu.to surgiu arras-
d’este facto a Motta Coqueiro, que sabia tando-se iraperceptivelmenta e quando
da sua amisade com a família do aggre- Manuel João chegou ao logar em que elle
g a io e podia dar-lhe aauctoria, s^guuia se achava, não o enct ntrou mais, nem
como consequeneii a perda da feitoria, pôde descobnl-o quer no escondrijo, quer
já imminente. ao longe no campo.
Depois da ceia, começou a medir a A natureza supersticiosa do feitor ecoor-
passos lentos a sala, an isn io de um para dou-sa então era stbiesalto, porquanto
outro lado, e sflaal sahiu cautelosamente. entendia elle que era impoi-sivel a quem
Rodeiou as senzilas applicanlo-lhes o estivesse fcculto na m .ita de p -recer ante
ouvido ás paredes, principsinaente na em seus olhi's.
qae resid a Balbina. Damais o ar a pôuco inodoro impregna­
Reinava completo silenc-o, ninguém va-se agora de um inten~o cheiro de ar­
pedia vel-o nem interrogal-o, a não serem ruda, a pbntâ predilecta do demonio.
as myriadas de estrellas que tremeluziam Assoviando baixmho, pa"a dissimular
no céu, e cs vivos e rápidos meteoros 0 susíQ o f-itor subm a encosta da ccl-
que sô despenhüvaoi de vez em quando, lina e tc)mou o caminho que costeava os
mudas interjei õ ?s de luz, que talvez Deus fun Î03 da casaria.
enviava dos céus aos arcanos d aquelle De espaço a e paço olhava para traz,
espirito. impressionado com o som dos proprios
Certo de que estava só, o feitor diii- pas .es, e por flm trecou o tri ho pe’o
giu-?e para a baixada. grámmal, que lhe abafava o ruido do
Quando estava perto, deitou se na relva caminhar.
e, rastejando, chegou até o cajueiro, pelo Só cobrou animo quando chegou ao ca­
qual tiepou ligeiro, tomando entre a ra ­ sarão em que morava o C deo Benedicto.
magem uma pesição onde não podia ser Eacostando-so á parede, tirou do is­
vi t '. queiro e poz se a ferir fogo, e, uma vez
Aboletado no seu escondrij ', não tardou acceso o c'garro, foi apalpar a porta dos
mu to que se visse obrigado a desal jar- fundos e d-p is a de uma janella, que
se. Um vulto apparecttu da parte oppost» oltiava paraa banda da baixada.
e para ap^oximar-^e da baixada sei viu- Com grande espan'o seu, sentiu que
se do mesmo expediente posto em execu­ a janelU cedia ao leve impulso que lhe
ção pelo feitor. Mas em vez de entrar no imprimirã, e abria-se com o fluo guin­
poato da entrevista, o vulto arrastara-se cho das d)bradiças sem oleo.
até uma pequena moita próxima e cen- O feitor estremeceu como se o percor­
seivai’a-se deitado. resse um calafrio. O qne aão se pd ie dizer
— E’ elle, pensou o feitor, e chamou á é se elle atem risara-se ou se reluctava
meia voz: oh 1 Sebastião, oh! Sebastião. contra algum desejo de sunito incendido.
Li nge de obter re posta, reparou que o
A qualidade do oílicio que tinha no sitio
vulto tentava escindor-se cala vez mais
impunha-llie sté como dever esse percurso
entre os arbust/ s. nocturno em volta o a casaria, e o amo que
— Quapet fe, resmungou o feitor, até
sahisse fóra e o encontrasse alli, não podia
a mim qu r enganar, flaorio I. . .
ceosural-o, antes teria motivo para elogios.
A’ proporção que fallava, o feitor dei­
xava-se escorregar pelo cajueiro, e, na A janella aberta explicava-se facilmen­
flrme convicção de que era o violeiro te ; para isto bastava dizer a verdade, e o
iS MOTTA CUQUEJKO

le >ultado stria uma profusão de agradtci- rido. fios q le nos guiariam ao crime, a
mentos. outros que nos levam até a abnegação.
Mas nem por iS'O a posição do feitor era E’ que se imagina que o hálito exha-
â menos embaraç-^sa. 0 que havia de f zerf Isdo vem impregnado dos anceios do co­
accordai’ a família ? prender a janella ração amado,das imagens que lhe povoam
por fóra ? 0 cerebro, que de.«ejamos se estreite para
A noticia, dada a Franc'sco Benedicto, tudo mais que não seja o pensamento do
seria motivo para uma exploíão tremenda nosso amor; e esse. imaginar scbreexci-
contra as illhas ; subir ao p=‘itoril paia ta-nos o egoismo, que conta cora o perlão
d'ahi puchar a porta da j inella e pren- e atreve se por elle, ao mesmo tempo que
del-a, era demasiado arriscado. a consciência levanta-se tentanlo ctmba-
Se passasse alguem e encontrasse-o em tel-o e vencei 0.
tal posição,não attribuiria por cei to a uma A peu 30 e pouco 0 feitor foi movendo-
idéa nobre o que visse, e a dilfamaçâo se, a principio tomou a posição de quem
correspondería á expulsão do sitio. escuta, mas logo desejou mais do que
0 feitor 1ecuou involuntariamente, mas ouvir. CõHocou a cabeça sobre o peitoril
e poz se a olhar.
como se obedecesse a um a força magica de
attração veiu novamente collocar-sejunto A tibia claridale da noite deixava
á janella. apenas perceber a alvura dos lençôss
Ahi conservou se a principio em uma alheridos ás curvas formadas pelos cerpos
immcbilidade de montanha, contendo a das adormecidas, mas a phantasia, esse
re piração, p ’i ra depois exhala-a n'uma clarãn indiscreto que inunia os mais re­
onda. Era a estatua da volnptuosilade cônditos arcanos, esta divisou talvez mais,
muito mais.
profanando com o seu hblito o sanctuario
do puder. Gradativamente erguende-se, o feitor
O cicio do resfolegar das moças, que chegou a collocar até meio corpo dentro
dormiam no quarto,derramava se no sm da janella, e a firmar-se nos pulsos, para
biente n'uma cadência magica, e, se pole -réalisai’ o salto dentro do quarto, mas o
dizer — adtiesiva. estallar das aiticulações obrigou-o a des­
A n ão avelludada e macia que se es­ cer sobresaltado, e a recuar de novo.
mera n'uma cai icia,o olhar meigo que se Arrastou-o, poiém, a vertigem do
enlanguece n'uma supplica, ou se aban­ crime, e resoluto voltou ao logar de onde
dona n’um consentimento, o labio que se sahira.
entrega morno de amor, são fontes de Apoiando-se então afoitamente sobre os
delirios indisiveis, de sonhos inenarrá­ punhos e erguendo se vagarosamente,
veis. O re psrar da mulher amada, ou sentou S3 no peitoril. Então levantou gei-
vido pelo amante, falia primeiro á imagi­ to^amente as pernas p&ra passai-as pela
nação, penetra-o suavemente de uma janella. Mas a extrema caut da não poude
sensação que tem alguma cousa de an prevenir ura desastr e; as pernas bateram
gelica e ao mesmo tempo de infernal na porta da janella e esta foi, guin-
Como um condensador electrico attrahe chando, esbarrar na parede. 0 mi. o avel
e repelle; é ao mesmo tempo um incen­ escalader conteve-se em meio do salto e
tivo á alTuiteza e um anteparo á reso- atirou se para fóra precipitadamente.
lu;ão. Faz pensar ao mesmo tempo na Uma palavra, um grito podia perdel-o
profanação e no cavalheirismo, e envolve aos olhos de Motta Coqueiro e este,sesabia
0 espirito em uma rede incommoda on Je relevar com bran .ura, sabia também
se misturam, matisados pelo mesmo colo* punir com severidade.
ou A PENA DE MORTE m

L 9vaíifando-s9 :-e prompt?, o feitor flei- — E'-.tà bom, tia Balbina ; veja se vai
ton a correr ccmo se fôra p°rí?griíio. dormir.
Entretanto róo perseguia a consciência No timbre dn vez de Mannel João tra-
da infamia qne tenteu levar a effeito. liia-ííe uma profunda angustia ; era um
Meio acoi’dad -s pelo b -iulho, as moças soluço do remoi’so articulado no tom da
apenas rcvoIveram-se nos leitos, v clt'- bonh-craia.
ram-íc e continuaram a dormir. Balbina, porém, não apiedouso do
Na carreira quelevava, ofeitorccs'ei' U soífrimento que percebeu e replicou-lhe
sem tropf-ç? o casario e a casa gran ie, pela ferocidade de uma ironia crael:
mas, ao fabir do v~o entre e- ta e a ca-a — Vfsmecê pole dormir, porque nada
em qoe residia, fd obrigado a deter se. tem com a creoula, nem cora o filho
A \';z qu'> sahia de uma d ís senzalas d'ella; Balbina, não; ellaestima Garolina
cuja porta estava aberta, deixava ver como s 9 f.isse sua mãi.
ura vulto de mull er. Mannel João ealou-se e seguia para a
O cansaço embargou per aignm tempo sua merada. Quando a luz do candieiro
a voz do correder demais, faüar eia deixou verem se lhe as feiçõ?.‘= ’, havia
no mesmo instinte dar logar a uma n'ellas o cunho daextcnaação edo scíTri-
suspeita contra si, ca'o algviem da fami- mento.
I’a-de Chico Een.edicto houvesse aceor- Oa succecsos da noite enohiam-o de um
dado ao barulho qne fizera na esca'.ada. p.anico supersticioso; vigiava-se oomo se
Por outro lado a aucto; i-la le que exer­ julgâssa seguido e não ousava apagar o
cia no sitio obrigava-o a fallar, sob pena candieiro.
de vor perdida a sua força moral. N’um continuo vai vem, o desgraçado
Depois de descançar um piouco, Mannel ora apertava a cabeça entre as mãos, ora
João caminhou ainda arquejante aíé á segurava a l^rga faca polida, que lhe
porta da sanzala, e dissimulando o es­ pendia da cintura, e brandia-a.
panto com uma admiração, fingidarr.ent© A -1e v in h a v a se q u e a q u a lle e sp irito n u -
bearvola, perguntou : t a v a e n tre o su icíd io e o re m o rso .
— O que é qne você faz ahi, tia Bal- N'um accesso de faria o feitor, com os
bina ? olhas injectados da sangue, os bibios e as
—• A negra perdeu o somno, vein sentar mães tremulas, segurou, entretanto, re­
na soieii’a da porti, para ver o edu de solutamente da faca, que parecia fas-
Deus. cinal-o.
— M >s porque é que você perdeu o Olhou para o tec';o e em seguida le­
somno? não trab l-iou hoj^, não é ? vantou 0 braço tendo a ponta da faca vol­
amanhã ha de ser dobr-ada a doze. tada contra o peito; mas o instrumento
— A negra vein cansada, s>ra, e foi assassino cahiu lho da mão e o de.sgrãçado
p?,ra a sna caroa '^or*mir. Mas o canto da cahiu sobre um rcocho, collocado junto á
coruja ve-n co'u seu agri o tirar o somno mesa e escendeu a cabeça entre os braços.
de Balbina; A lembrança de Carolina, Entre o silencio gemeram os pios agou­
que foi q«!ísi morta 'parar nas mãos do reiro.? da coruja.
doutor, vein apert-n* o coração da negra. - Sobre tamanha angustia a ncite passou
A pebee da creoula devia t^r um filho descuidosa, como a criença que brinca
bonito, e o filho vai morrer tanbem. junto da um leito de moribunde. E’ qoé
Balbina, que sabe, tera pena de mãi e de a natureza ê surda o céga para a peque-
filbo, e a negra chorou e não poude nhez humana: carregada de sombras ou
dormir. inundada de luz, a vida do soberano des
i
50 MOTTA COQUEIRO

feres creados nào desvia uma linha a si imm.-ínufiS zoira«, que sulcavam o
prescnp'a or Jem da creação. campo aopeco de enormes toias fa.ique-
Para l eoi-mpeúsai-nos ou punir nos kî j)düs.
nos re ta a sei eaididi do beca ou as tor­ Na casa de Francisco Benedicto o dia
turas du mal que uraticamos. correu através de coma.entarios aceica
0 céu ou O iLf ii’DO ediflcamo] os nós da janella abei ta.
mesmos diariamente a j..rros de honesto A msioria opinava por uma explicação
heroisjüo ou a golpes Je infâme covai dia; m.<ito n tural »os espiriti.s e Juc^dos na
para O primeiru a consciência, trunquîila m«is grosseira sup^-r tivão.
nebulo-a, cria as c<.nstella\ôes da p^z e — Isto, di ia, a velha, ha de ser aviso
da vii’tu le ; para o te^'undo e pessa-ncs a d eal um conhecido que morreu ou não
meino.ia as trevas rdamoCautes do re­ tardi muit • a míore,'.
morso. Caiqunha, p o ié a , conservou-se im-
Ao romper do dia ninguém poderia pr^ssiot a )a drs le o amanhf cer, e sen o
dizer quâo amar^urosas tinham si loas n-.turá!m-n e lisonha, não tiveia uma
horas da nuite para o coutiadicturio ca­ expinsão durante o dia.
racter do feito r. — E’ muito rned.-í sa e ta Chiquioha,
Desperta lo iO torpor, que o avassallara, diz am lhe as irmãs, ficou com msj,o do
pelo barulho dos escravos, Manuel Joao tútú.
f-compinhou-üs até o" teireiru com appa
N im 0 gracejo, nem os carinhos das
rente bom humor, levaaJo o seu recaicar
irmãs conseguir^-m oissipjr a írióteza da
de süífnmentos ao ponto de sorrir benevo­
moça que, no isolamento, chagava até as
lamente á repetição da censura, quo na
lagrimas.
vsspera lhe havia sido feita pelo amo.
' Este ordenou-lhe que no mesmo instante N’uma das occisiõcs em qu’l achava-se
dé'Se providencias p .ra começar o car­ só, Chiquinha depois de abs-irver-se em
reto das madeiras, a Üm de sarem embal- prolongada med.taçãí, ao eachugar as
sa as por Fi-ancisco Benedicto, seu filho lagrimi».s que lhe borbulhavão, exclamoù
e outros empregados que mais tarde con resolutamsnte :
tract 4iia. — Não quero mais enganar os meus;
Ao concluir a ordem, Motta Coqueiro, vou acab'ir com ist >.
misturando a asperesa á longonimiuadej Nu dia seguinte evia começar a ex^’ca-
disse para o feitor: tar se o cont 'scto feito entre Motta Co­
— M»s veja bem, Sr. Manuel João, é queiro e seu comp dre, para o embalsa-
preciho não perder tempo ; não Lça, c^mo meoto da madeira, e o fazendeiro foi
htntem. p 'it>nto lembral-o ao aegregado.
— Um dia não são dias, respondeu-lhe — Amanhã não me falte, está ouvindo,
Minuel João, e meu amo o veiá. com pare f eu tenho pressa do, trabalho.
D sde esta hora a gentè do sitio poz se — O compadre está desejoso de matar
em actividade e qu&n io o sol a pinu ele­ saudades, mas olha que não ha tanto
vava intensamenta a temperatura do tempo assim que ficeu s- m a comadre.
an biento, cs btis já não eram vistos, — E' ist •, mas tainbrm «utras lazõ s,
ruiniosnd >tranquillamente á sen bra d/>s 6 eu quan o lôi‘ agora p. r . Campo.i não
aivotes anntsas; so contiano, c m os t> roo cá tão cedo.
musculi 3 distendidos, as grande,- e nx^ s A família de Francisco Benedicto, que
liüguas pendente?, a> grossas ventas det- a-sistia á ctnvtrsa. inteiveiu eotáo para
mesuradamente abei’ias, caminhavam a mostrar-se pen«lisada com a nova. An-
passo lento e regulado, arrastando após tonioa leveu, poxém, a demonstração de
ou A PEAA DE MOUTE

pezav a tai exsgero, que nSo passou des­ n i porta do corredor ; e disse com voz
apercebido U Coqueiro. suüvemente modulada :
Conhece íor des seus aggregados e do — Izabel f'd buscar uma camisa para
commum dos receiiss nas mesmas coa- sôrvir de molda á que ella quer que eu
diyoei, Motta Coqusiio, reataudo a con­ faça.
versa, dirigiu-a de mo îo que puzesse bem
Motta Coqueiro, que estremecera ao
patente as suas iateui^oes.
ouvir Eis pat.ivras da Antomea, volteu-sa
— Este trabalho que faz-me grande
aativtanto,dl;-fârv£n io a comnioçâo, e ex­
conta, disse elle, é tambem um adjutorio
clamou com intimidade:
queo compadre tem parafazora suacasa.
— A h ! você faz esmisas para veador;
Eu vou-mo ambora, e o compadre bem
<'U hei de liie m iu la r paimo para você
sabe 0 que sao negros; em eu voltando as
fazer mo t- mbem uma de peito bordado.
— Ora, S6Ü capitão tsm muito quem
costas pintam a manta por aqui.
— Lembra muito bem, compadre, eu
faça, não precisa cie uma matuta feia.
tenho de ir heje ao Vienna e lá failarei
— Não preghe mentiras que é o que é
com e ie í Obre o regocio
feio,
Depois do jantar Fi aucisco Benedicto
disse a sua mulher que ia á venda buscar — Então eu não sou feia ? E como é que
proviso s. ninguém gosta de mim ?
— Vamos agora para o servi^^o do com­ — A i ! que você é uma grande menti­
padre e elle é amo com quem não se rosa, Sra. Antonici. O seu pai já di. se-
brinca ; eonie.;ada u obra não ha arre­ me as cavallarias altas que lá vão por
dar pé. casa com o . .. o . . Para que está ficando
Pouco depois da sahida do pai, Anto- verm elíii; levante os olhos, deixe o lenço
nica padiu a sua mâi qua a deixasse ír ar.é soc-^gado... Ah 1 soasinha.
a Cüâá grande falLir com a Izabel cosi- Àntonica experimentou, de feito, uma
nheira, que lhe iloara de dar uma camiss, seasivei mudança qiundo Motta Coqueiro
para fazer-líie por slla uma gola áe crivo. revelou-lhe que sabia de seus tspünsses
com 0 vendeiro.
— Eu quero vêr se manio vir pela
canôa um vestido para o Anuo Bom, e Com os olhos baixos, as faces em bi a-
quàro segurar estes cobres, mamãi. zas, e as mãos a enrolarem as pontas do
A velha mãi não oppoz obst.muio ao pe­ lenço, que lhe cingia o pescoço, a moça
dido da íilha. estremecia como sa íura presa de' reniten­
tes Cdlafrios.
Motta Coqueiro estava sentido na sala
de jantar da casa grande, quanio Anto- Não querendo augraentar a perturbação
nica passou tão apressada como se não de Àntonica, o fazendeiro caloa-se. Entre
desejasse ser vista. elles estendeu-se o sUenc o eiectrico que
— Então vae fugida, perguntou el!e; precede ás grandes exploioes do corao'áo,
parece um pé de vento. como 0 reiampago piece.íe o faimia.ii‘ do
— Vim failar com a Izabel. raio.
— Eotãonão parca tempo; faz-se noite Juntava-se a este silencio a solidão e
e por ahi andam lobis-homens. melancolia do cr pusculo a cercai em
— Que ma importa, respondeu a moça ; esse encontro inesperado.
é cousa de que eu não tenho medo. Como ffe copiasse o palpitar contido
Àntonica passou pelo f-zendeiro e en­ d’aquelles cçra.,õr.s, um velho relogio de
trou pela primeira porta. Depois de al­ parede movia a pêndula, batendo com-
gum tempo, quando talvez Mctta Coqneiro passadamtnto.
já hão pensasse n’ella, a meça appareceu Àntonica foi a primeira a romper o
52 MOTTA COQUEIRO

®iloncio, e, dando á voz ?. brandura da peV Mas esta resolução inconsistente, e


lacia, ponderou : adria desarnarecin loqc, e a moça reca-
A hia no telio e na abstracção.
— Mas £0 o sou capitão qnizer ou não
Era tão zelosa do seu ideal, que perce-
me caso. bha 30 longe a mais impei c-eptivel sombra
que se dirigisse para e''le : e s<5 ella
— Eu, filha? Ea nada tooho com isto.
— Nida ?! psrguatou olla admirada.
interpretou quanto havia de travoroso
Mas a comprchensão do Motta Ccqueiro
na ironi-i do violeiro, apreciando a demora
não illurainou seapezar de ouvir esta dolo­
de Caiquinha e uo capitão.
rosa interrogação, ena que a moça parecia
N’aqucHa alma tão trabalhada e que
haver encarnado a ahra iotcira.
de repente viu-se forçada a quebrar o
N’0 :ta simplissitna palavra enc;rrav.s-se
sigillé que se impuz ra, o despeito chegou
toda uraa historia de padecimentos indes-
atd a abucinação.
criptiveis, 0 expsndia-ie a cjnílísão quei-
A principio quedou immovel com a ca­
3co?R de um segredo, quo rdu^f uem jánaais
beça encor>taia á ombreira da porta, mas
percibêra, g 'ardi^.do pela roais refleotida
em seguida caminhou para Motta Co­
precaução, calculado hora á hora para co-
queiro.
roav-s0 com a victoria.
S?ntiQcava-lhe o desalinho das feiçõ''s
Entretanto uma desillusão atc'-.rga., fria a sole'xnidade da tristeza e recatava-Ibe
0 acorbamente reprehensiva vinha mal- a desenvoltura da phrase a eloquancia
lograi- todo o ttabalho d« longo tempo, e da dôr.
esvaecev a esperança que morosamente — Então, disso ella, não se importa que
fecundara-se, e, crescendo dia á die, eu ma case com outro ; não vê que eu não
olhava como cer a a I’oali ’ade. quero, que eu não serei fehz ? Não tem
Dur inte tcd ) fsse padecer o coração de nada pai'» me dizer ; naca ? nada ?
Antonies, fugindo de exhibir se á luz, só Mctta Coqueiro levactoa-se estupefacto;
uma vez não pou.le conter-se e deu fôrma 65ta scona era tão inesperada que elle
aos seus sentimentos. temeu que estivesse diante de uma louca,
Foi na noite fost'va do Santo Antonio e só poude dizer á Antonica:
quando o violeiro pronunciou desatten- — Pois se você tem tanta aversão a este
ciosamente o nome de Motta Coqueiro. casamento, não ceda, minha filíça ; deixe
N’esta mesma oce-sUo.porem,mascirou estar que eu fallarei com ceu pai e hei de
coma gratidão 0 eu amor, eteve d'ahiem prolego-la.
diante força p?ra não pe.roittir nunca a Ao dizer as ultimas palavras um dos
mais leve franqueza a sua paixão, que braços do fazendeiro tinha cingido a meça
para satiafazer-sa não mediría consequên­ que soluçava.
cia, não obstante procurar esmagar-se Antonica deixou pender a cabeça sobre
de encontro a um casamer.to de conve­ 0 peito de Motta Coqueiro, e levantando
niência. para elle os grandes olhos negros, mur­
lI * Para dissuadir-f e © esquecer se, apro­ murou :
veitava a ausência de Motta Coqueiro, — Sim, sim, não dt-ixe; eu lhe juro, não
as quebras temporárias d > magnetismo gosto d'aile.
do seu olhar, para dar ouvidos e provo­ — Descance, filho, descance, seu pai
car os galantdos da outrem. não ha de obriga-la ; voce ha de casar
Assim era que tinha animado os dese­ com quem quizrr.
jos de Vienna, sahindo-lhe ao encontro —- Se seu capitão soubesse, continuou
com uma lisonja, e favoneando-Ihe a Antonica, as dôres que eu tenho passado,
esperança com um medido abandono. como tenho escondida de todos o que eu
V»»-J
ou A PKNA DE MORTE

Sofifío 1 Ningiiem pd :e deícocfiar speiias: que sepai’àva esta ultima sala do corredor,
Eu tinha medy de iko di.'.õr; vosrnetè uie tí o.’ttüi espreitou qu nto .se passava.
estima sd como a uma criança, e nã '• v è ... A curmsidade gui^iru-lhe os pa-iscs e
— O que é que eu jaão vejo, A..t.imca... elle rego-iijou se interiormente, certo de
Como uma fdra, que, sendo ues^pie- que a narração do que vira lhe recon­
dadamente fustigada, avin>^a contra t) quistaria a íamili>,rijaJ.e realosa do
aggressor, m^s é c íot da no impeto p los feitor.
feiTOs da jaula ; sssim emaiveciáa, Anto- — Moleque, giitoa Coqueiro, depois de
nica levantando o% punhos Ccri-adus e ran­ aigum tampo de siloncio.
gendo cs dentes, fitou os olhos esgazeados O iiu. leque com os braços cr usados so­
na faca pailida de Coqueiro, que recuava bre 0 peito veiu postai-se diante a’elle.
instinctivaií ente. — Ouve bem, continuou o senlicr, só
A m o ç a q u i z í a l l a r , mas n ã o p o u d e ; vosaiecè entr .u aqui a esta hora; se uma
ten to u a v a n ç a r, e C ih iu arquej m ie e lí­ palavra só, das que se disseram aqui, for
v id a . sabida, eu man <o-te surrai e atiru-te para
, Entre o susto e a pio-dade, o circumspecto a enxada: não s-rás mais meu pagem.
fazendeiro tomou a nos braços, e cs 1 .b os Carlos afi.(Sto’ u-sü si enciom.
pousaiaoi na fr nte descorada de Auto- Aütüüicâ entrou em casa fingindo-se
nica. extreuiamfcutecouti'ariida com aesciava,
Depois conduziu-a para nm canapé que a quetn acmsava de te.-a f-.ito esperar
estava proximo, e rteitou-a, pousando-lhe por muito temp-j o finaliuente adiar para
a fronte scbre os seus joelhos. Era um 0 dia segui tte a solução do negocio.
pai velando uma fiiha doente. O ardil produziu o des;:jado eifaito, por­
— Nío trm culpa do que íiz , mvjrmu- que niuguem reparou na desfiguração
rou Coqueiro, depoi ^ de contempl -J a q le iiie causara a violência das paixões
l-.ngamente ; é a inexperiência que a arnptas durante a malfadada entre­
impelle. vista .
— E’ a ingratidão que roa meta, res­
A fortqna, que ainda havia pouco lhe
pondeu Antoulcà, o levantando-se de
fôri, tïoa-lv'i'sâ, protegia-a agora miia-
cliofre, sahia seai Unçar sequer um olhar
grosainente, p' oporoi. nando-lho meios de
ao seu honrado guardador. escjndór o seu sütfrimento.
Apenas A n fm ici sahiu, uma voz vinda
do corredor que dc-Simnooava na sala, Chiquiüha, dizendo se indisposta, reti­
perguntou huajildeíXieníe : rou-se para o q larto ; M .r.quinhis fôra
— Senhor qu -;r que aceenda o eandieiro. para o interior da cisa- preparar o trem
— Deixv'',.;e com mil «lemonios, patife ; para fazer o cifé para o seu pai, quando
ninguém ía cftauaoa cá, respondeu Co­ V .Its.ssa; o irmão era o companheiro obri­
queiro. gado do velho; e a reíigicsa mãi de An-
A extemporânea pergunta, que dizia touica, assentada a cochilar n’unii bsn-
claramente qu« alguém tinha preseooiado quiüha de costura, quitava se coui a Vir­
pelo menos o final da scena.que psocura- gem, de quem era devota, desfiando em
mos descrever, tra feita pelo malicioso o seu louvor o rosário de grandes contas
Carlos. ne '.ras.
O diabrete negro tinha visto Antonica Para poder dar curso ás lagrimas, que
entrar na casa grande e vtiu di^-farçada- nso se continham, a moça sentou-se a
menta collocar-se, a principio, n’uinasa­ coser junto á veítia mesa da sal i.
leta próxima á sala de jantar, e em segui­ Seriam Oito hoiasdanoite quando Fran­
da peude escender-se por detri.z da porta, cisco Bonodicto, empurrando estouvada-
MOTTA COQUEIRO

m-nte a porta, entrou em casa, gritando não ponho-te pela porta fdra, porque não
com voz arrjíst^ida : estou para dessforos. Fica entendido;
— Oh com seiscentos : já dormem por ponho te os quartos na rua. Pd ie i r . . .
aqni, suos malandras ? Estas u l t i m a s p a l s v r a s f o r a m a c o m p a ­
Aatonica e Madquinhas, deixando os n h a d a s p o r u m s a f a n ã o b r u t a l e Antonica
seus trabalhos, vieram beijar a mão ao S ile n cio sa v o lto u p ara a s u a c o s tu r a .
pai, e a velhs resmungou lá no seu cacto: — 0 que foi f perguntou la dentro a boa
— Ave M ir a, que modos estes, seu Mariquinhas ao seu irmão.
Chico. — Ora 0 que havia de ser, historias do
— A sgua é. que já estava lá dentro casamento. Papai fallou com o Sebastião
rescmnendo de tinto fe ver; ronca como e 0 Vianna. para ajudarem a fazer a casa e
peão dormindo, accrescentou Mariqui- Sebastião disse que sim, comt sntoque pelo
nhas. Natal elle havia de estar cora Chiquinba
— Bico, su'z poeta ; não seja respcn- em seu poder, e o Vianna fez uma cama
dcna ; eu quando fille é porque sei ; onde de Antonica.
está Chiquinha ? — Veja só este papai ; então Antonica
— Está doente, papgi. é que hade ir vêr seu Via^ina lá na venda.
— Diga-lhe que o Sebastião esteve — Eu não sei, o que eu ouvi foi o
commigo na venda e quer cs enxovaes Vianna dizer que papai já deve na venda
promptos para o Natal, senão vai tu 'o vinte mil réis de mantimentos e que, se
raso. Antonica não tem de ser d'elle, quer o
As moças aflfastaram se e Chico Bsne- seu diaheiro, porque nso está para tra­
dicto foi atirsr-se sobra um mocho como balhar pftra 0 bispo.
ura corpo inerte. — Esse desavergonhado ; e tem uma
O tbuso dis bebidas alcoólicas tínham-o carinha de santo ; eu se fosse psipai não
posto no lastimoso estado de não poder queria mais que elle ca'asse com a mana.
perfilar se, e a lingoa trbp^ga mal podia — Ainda você não sabe tudo; elle disse
prestar-se á falia, que era justamente o que, se Antonica não qiaizer onsar com
sestro do aggregado, quando se embria­ elle, haja o que houver, elle há de mandar
gava. citar papai e fazer penhora nas bsmfei-
— Oh I senhora, exclamou elle para sua torias ; do céo venha o retredio.
lher, isto por aqui não me está cheirando Mariquinhas, depois de ter servido a seu
bem. Aiada »pera o Vianna progou-me irmão, f-fi á sal.a levar o café ». seu pai,
lá um sermão de quaresma por causa da que continuava a reprehender severa­
Antonica, e cigse-ino que amanhã quer mente a misera Antonica.
fechar o negocio ; ou casa ou não casa I Então p m ie confirmar a exactidão das
A velha n>sda respondeu ; continuava palavras de seu irmão, porque ouviu a
pachorrentamente a rolar entre os dedos Francisco Eenedicto esta phrase expres­
as contas do seu rosário. siva:
— O í I rapiriga? bndou Francisco Bp- — E sabe o que rainha malandr.a,
nedieto, de xa lá esti costura e vem para lá está uma conta de vinte mil réis, que
o pé do mim. vocês comeram; eu não tenho dinheiro
Antonica obedeceu e oofiocou-se junto agora; o que vou receber do compadre é
80 pai que, seguran io lha dse mã )s, con­ p a r a a c is a ; senso qiuzer casar com o
tra uoii : Viarm você t- ra ura reme lio, p^gue-lhe
— Olha bem para teu p»i ; amanhã ba o.s vinte mil réir,
de vir cá o Vianna, você não se ponha — Vão para dentro, meninas! gritou a
com piégas ; trate-me b:ra ao rapaz, se ­ velha mãi, ao passo que tomava a chi-
ou A PENA DE MORTE 8o
ca a tnã^s (ie M-riqiuinnas.— Você Com nm sorriso ella reprehendeu as
tair-b'lïî leoibre-se q-je tem de ti’ab’ lhar irir.ãs, lembi ando lhes que b m podiam
amaohâ, sev, Chico, ou eu mando chamar ter ido almoçar em casa, para não a obri­
0 cnœpa ra. garem a trazer tanto po«o.
Depois de rogar innumeras pragas, e A’ proporção que fallava, Antonica
romper nas mais torpes obscenidades, assentava sobre a g> amma os pratos que
Francisco Benedicto c-miohou camba­ tirava do ce-'tinho, e <final, segurando
leando para o seu quarto, e emflaa a casa no caniço, poz-se a desenrolar-lhe a linha
cahiu e>a absoluto silencio, á excepção e a esp8rimentai’-lhe a estrova e o anzol.
do quarto em que dormiam as moças. — Eu coiso já almocei, dis^e Antonica,
Ahi C’uviam-s.e souiços abafados, mas vou pescar um bocadinho.
pevennfs ; era a desditosa Antocica, que — Eu logo vi que vocô fallava de bar­
encrsta ia ao br ^co da marqueza, pran- riga cheia, intei veiu o irmão.
teieva inconsolav-lmente A m ça füi assentar se á margem do rio
Da manhã, ao levaotarem se, suas irmãs em frente a um logar onde as aguas
encontraram-a no mesmo logar ; dor­ negras o morosas renaan eavam, ab. indo
mindo 0 socnno da extenuação, em rodomoinho silenciosos sorvedoiros.
Apozsr do cuidaio das meças para não Estava a pouca oistancia dos seus, que
sçcordarem-3 , Antonica estava de pé em grupo riam e conversavam,ora menos­
dentro em pouco. cabando, ora elogiando a refeição e o
Cobria-lhe o rosto uma pallidez mortal, apparelho,
mas os seus olhos não tinha ligrime.s,
— Como estão bem lavados os pratos I
nem uma queixa siquer escapava-lhe dos — E as facis como estão amolUdas ;
lábios. parecem navalhas.
Pel-iS dez horas da manhã só Antonica — Esto quitute foi temperado por An­
e sua tnãi estavam em casa ; o pai e cs tonica.
i^ ã o a tinham sah do todos para o porto;
— Vocês ai sim espantam-me os peixes,
Chiquinha e Mariquinhas para lavar a
gritou Antonica.
roupa, Francisco Benedicto e seu filho
— E’ gosto, observou Mariquinhas, não
para a empreitada do embalsamento da
madeira. façam barulho que eu quero assar no dedo
a pescaria,
Antonica. que de vez em quando ia es­
piar á jauell», viu no campo o sizudo fa- — Pois, sim senhores ; do criada vai o
zend ifo, que vinha a c vallo, em direc­ Vianna bsm arranjado ; é p-ipa fina.
ção á casa. Após cHe corria o mede^ue Esca consideração, formuUd.j, por Fran-
Carlos, e camiabavam a passo ,'os escra­ císcj Benedicto, foi recebida com uma
vos, tocando os bois ajoujados. longa risada dos filhos, que assim demons­
D poi'( de amarrar o civallo, do qual o travam approvar o gracejo paterno.
senhor tinha apei^ido no terreiro, Carh s Quem estivesse ao pé de Antonica, ve­
correu até o casarão e con.munieou á An­ ria, poiém. que ella bem longe de acom­
tonica que seu pai p 3,;ia {fira que ihe panhar o acolhimento jovial ao gracejo,
mand s em o almoço no porto. irapre sionara se dolorossinente com elle.
Sob o sol ard nte, a moça, com um ces- Não sort iu m 3is os seus tardos sornsos
tií;ho á Cibeça e um lon^o e fino caniço e a pál i iez como que se lhe augmentou
deitL'.'io s- bra elie, ativ.v ssou o campo n s faces.
em direc jSo ao perto, f nde assentado á Os olhes am' r tíc i 1os e ave^^melhados
sombra de uma enorme figueira brava prenderam S9-Ihe como que fascioados
e‘ psravam-a o pai e os irmãos. na superfície da corrente, e, apezar das
5C MOTÏA COQUEIRO

amigaveis provocações qao ihe eram di­ Ao som do baque nas aguas um grito
rigidas, uada l’espoûdia. da desespero lespondeu no grupo :
A A Imha. cujo anzol boiava a flor das — Socoorro, soccorro ! gi itaram todos.
aguas, deixava evidente que Anton ca não Francisco Bénédicte e.seu filho,rápidos
prestava a mininoa attenção á pesca. como um tufão, etravessarara a pequeua
Outro cuidado a impressionava, e este distancia que mediava entre o rio e o
broutou-lhe no soluçado de um canto; lagar em que se achavam, e precipita­
ram-se ao mesmo temoo, ao passo que ss
— Moço fidalgo da côi te moças no auge da afilicçâo gritavam a
Se encantou de D. Branca ; plenos pulmões ;
A moça foge aos amores, — Soccorro 1 Soccorro 1
O seu pranto não se estanca. Ao mesmo tempo vieram á tona os dois
nadadores e a pailida Antonica, que se
Já tem ve'u, j í tem grinalla, debatia quasi suffocada.
Tem sapatos de setim, FianchcoBenedictOj porém.já não tinha
Da côr que tem a nabrina forças para resi'.tir a correnteza e foi des­
E as azas do cherubim. viado-pelâ redomoinho das aguas, e só o
sau filho poude aproximar-se de Anlonica,
no momento em que eila submergia se de
Chega o dia do noivado
novo.
Branca tiiste inclina a fronte,
Mas pede para mirar-se O corãjoso rapaz mergulhou no mesmo
ponto, e,quando subiu á fliòr do rio, trazia
No clai’0 espelho da fonte.
segura pelo corpinho do vesti.lo a moça
já sem sentidos.
Ouve 0 canto da Mãi d’agua
A afíl cção cresceu nos espectadores ; a
D'entre os lábios de coral,
pouca idade do mocinho não ihe fornecia
E na harpa de àos de ouro
a força neces aria para levar a cubo s em-
Sobi’e concha de crystal:
pre/a; era um joguete da correníeza-
prestvs a ser esmagado porella, quo lucra,
— <r Vem a mim, filha querida ria assim mais u;nu victima.
Vem findar as tuas dores; O velho pai, agarrado ao galho de um
Eu tenho ricos palacios ingazeiro via, entre as torturas da impo­
Para guardar teus amores. tência, esta dupla ameaça feita pela morte
ao seu coraçfco angu tiado.
Em casa toJcs procuram: Mas de repente uma espe 'snça conso­
D. Branca onde estará ? ladora luziu era toios os espirites ; a vio­
O noivo já no seu carro lência das aguas ca leram diante da ro ­
Na porta de casa está bustez de um na iàdor decidido.
Era Motta Coqueiro.
Pobre pai, os teus rigores Ouvindo os gritos de soccorro, e vendo
Vão mu lar-se em fund&smagnas, 0 grupo correr em direcção ao porto, o
Da tua filha só resta prestativo fazen lti.-o sentiu atravessar-
O véu branco sobre as águas.— Ihe o espirito a lembrança dus palavras
de Autonica : — é a ingrat!ião que me
Ao fim da ultima estrophe, Antonica, mata — . e a levinhou logo o que se pas­
toda inclinada para o no, olhou triste­ sava.
mente o ceu e deixou-se precipitar na Montando no possante alazão em que
corrente. sempre andava, e cravaudü-ihe desapieaa-
ou A PENA DE MORTE 57

dameate os asicates, Motta Coqueiro pôde Durante m&is de uma hora de ancie-
em aJguns minutos arriscar a sua vida dade e trabalho, ninguém, a excepção de
para salvar a moça. Motta Coqueiro, alimentou amais fugitiva
Naiou direito a ella e segarando-a com espei’ança de ver salva a moça.
um dos braços, com o outro remou á mercê Todos abanavam a cabeça, exprimindo
das aguas até podfir agarrar-se a um dos assim a certeza que tinham de que eram
galhos da vegetação da margem. baldados os esforços feitos pelo fazenleiro,
que sobre-excitado aconselhavae tomava
Dentro em alguns minutos Motta Co­
ao mesmo tempo múltiplos expedientes.
queiro deitava sobre a gramma o corpo
Antmica jazia desacordada na immo-
immovel de Antcnica.
bilidade das estatuas, e apenas com um
A vivftza encantadora de seu rosto fora
leve respirar correspondia á robustez da
substituida pelo mortícôr de uma longa
esperança do seu incançavel salvador.
syncope; a luz suave e seductora dos
A proporção que desanimavam de todo,
seus olhos fôra trocada no brilho estagna­
as pessoas da familia retiravam-se para ir
do, proprio dos olhos dos cadaveres, e
mais longe derramar as lagrimas, qua
além de tudo is*o os braços, quando eram
Motta Coqueiro não queria ver correr.
levantados, cahiam com o abandono da
Havia já largo espaço que, a sós, o fa­
inércia.
zendeiro velava junto á cabeceira de An-
— Está morta! está morta! minha irmã!
tonica, quando esta pela primeira vez,
minha filha! pobre moça ! exclamavam
depois da frustada tentativa de suicidio,
todos chorando.
Só 0 fazendeiro não havia até então abriu as palpebras i’oxeadas-
Tudo quanto ha de mais infantil e mais
perdido o sangue frio entre a mó de pa­
amoroso, de mais ssnto e loucoNpassou
rentes, escravos e aggregados que cerca­
pelo espirito e enearnou-se no olhar e nos
vam Antonica.
gestos de Motta Coqueiro.
Ajoelhando se junto à’ella, poz-lhe a
— Veja se dorme, se descança, mur­
mão sobre o coração, e seiitiu que elle
murou e lle ; não deve fallar, não deva
fazer nenhum movimento. Oh 1 que susto
ainda batia.
Então como se fosse presa de uma lou­
cura instaatanea, tomou nos braços o que nos pregou!
O olhar de Antonica, mixto de espanto
corpo molhado da moça, apertou-o contra
e de pudor, conünuou fixo a envolver o
si, e cobriu lhe de beijes a face livida,
seu solicito velador, emquanto que no
A visinhança do tu mulo santificava
canto do labio pairou-lhe na ironia de um
esta explosãoJindomita do coração e longe
sorriso toda a amargura da sua situação.
de pr-ivccar e.-.tranhesa serviu apenas '•.i
-r Porque não me do xou morrer, por
para aviventar uma esperança.
que uão teve animo ao menos pai a passar
— Ella vive ainda, não é verdade, com­
em paz sobre a minha co va.
padre ; minha filha não morreu.
— Vive, sim, para nós, para o seu — Mas, minha filha, repare que esta
amor, para a sua felicidade ; respondeu exaltação lhe faz m al; doscauce, is o ha
Motta Coqueiro, que não tinha mudado de passar ; você verá, ha, de passar.
As palpebras de Antonica cerraram se
de poàição.
Depois, como se accordasse de um de novo o pelos seus cantos as lagrimas
sonho, levantou-se e gritou para os es­ começaram a deslisar.
cravos e os circumstantes: Um incidente veiu impedir, tilvez, que
— Estamos aqui todos pasmados ; va­ uma involuntária quebra de le oluvão
mos, levemol-a para casa; Deus a sal- maculasse o papel digno que Motta Co­
V ará.
queiro desempenhava junto da mo.a.
MOTTA COQUEIRO

Francisco Ben^dicto, de pé na porta do chamado de Francíceo Bene 'icto, que não


quarto em que esta sc?n* se pasmava, podia oonter-se de alegri. .
diss'' á meia vez: Choveram eomrnoutHrios do perigo e
il — Oa ! compair», não será botn acor­
dai-a e dizer que «stá ahi o A’ianna ; tal­
manifestarões de regozijo.
— Só você p^^dia cural-a. ssu Viannn;
vez. .. abaixo de Deus, 0 coropaare valeu-nos
Cadeodo á oommoção que líie causaram muito, mas não é o noivo.
estas palavras o fazendeiro, lepetiu alto; A vaidade Jisoojeada do vendeiro operou
— T álvez... alguns requintas do estylo da modéstia
— N’este G s s o eu vou chamar o rapsz, forvada, a divindade universal que trm
O c.mpadra se o visse; e;tá lá fóra a altares desle 0 sertão ató os mais civili-
chorar e a praguejar. sados centros, e síioâl cahiu insnida do
Logo que Francisco Bénédicte retirou-se esforço no mais pai vo mutim o. S■!
o sorriso iroaico de Antooica reappare- Tenio dado franqueza ás expansões, rí
ceu-lhe nos lab 03 e as p?.!pebras de c r- Mottâ Ccqu iro assomou á porta no mo­
rararu se-lhe para lt.ní;ar ucíí olhar pene­ mento em que Antonica, para desafiar cs
trante ao ja sereno o Coqueiro. enc.jnjuros de sua mãi, dizia :
~ Quero mostrar que não sou ingrata, — Era bem bom que o banho fosse até
seu capitão, murmurou ella, hei de tratar 0 fim.
muito hem ao meu noivo. — .lá não ha per'go, disse 0 fazendeiro;
— E para íer mais franqueza, eu reti3’o- agora p^-rto pá.ra o mc-u trabalho.
me, rqsponieu C 'queiro, levantando-se e Um cor,> de agradpcim^atoa rompeu de
dirigindo-se á porta. toda a famiii 1; só Autonica fez exc^pçào,
Depois que 0 fazond. iro s^hiu,Antonica, e dirigindo-se ao faz.eadeiro. verteu todo
qne se assentara no leito; envolveu n’um 0 seu despeito n'uma pergunta ;
sorriso um grifo do coração: — O que .seria melhor paia uma pessoa,
— Vai ; não és tão indifforento como seti capitão, morrer oa querer morrer
finges. por alguém que não meVece ?
' — Cor.fnrme, respondeu ello; se s pes­
— E’ cá, v^ nha por cá, dizia lá fóra Fran­
cisco Bene licto, não façamos barulho. soa fôr moça, 0 melhor é casar-se com
quem mereça.
A estas exclaaaaçõ=»s accrescentou logo
uma pei gunta e uma observação: A conversa continuou imimada junto
— Acordou a sempre, compadre? São do leito de Antonica, mas já não colla-
sempre assim, me-mo morrendo... Oh I borava nos ditos de alegria e espiriio a
meu Deus foi um milsgre. voz da doente.
A ultima exclamoção foi Wta á porta Cotjcentraudo se a pcuco e pouco, e
do quarto, e era rnuti i^ada pe'a posição responden. ;ó eo aoa o, Antonica termi­
de Autonica. nou por dizer que se S“ntia peior, e pe jir
que ftlUssem mais baixo.
Caprichoso nu desempenho do sen p^-
Alguns minutos dep; i.g deitou-se quei-
pel o vendeiro entrou precipitaiarnsíite
xando-so de oôr-'s na cabeça ecalafrh s.
emittindo phrasc-s em alluvião ;
— Parece que tenho febre, di se eUa, e
— O que foi isto, sá Antonica ? que peJiu ás pessoas que eí.tavam no quarto
diacho de c msa ! quasi que foi para a para qoe se retirassem.
cova ; vejam que brincad-ira. Ficou apeoas no aposeato a velha mãi
■ 0"a o que foi? um banho, re pondeu de Antonica, que pi;ra 1 go te re de ped,r
Antonica. auxilio, porque a roeça começou a convul­
Toda a familia veiu para 0 quarto a sionar, como s0 fôra morrer.
ou A PENA DE MORTE î)9

Esta recahida inopinada aggravon se gratidão e que é o melhor coroameato


assombrcstfinenta e de covo a familia do amor.
julgou perdida irreaoediavolinente a en­ Para se deixar íitsr mais a vontade, em
ferma. toia a franqueza e seducção dos seus en­
cantos, a moça colloeou o braço no da
Ataques violentos obrigavam aos maio-
marqueza e na^ concha da mão pequenina
r cuidados e a quasi contiouo excelso
de força para impedir que durante elles deitou a f^ce morena.
a doente não se maguaase ainda mais, ou Contrastando com a immobilidacie do
fosse victima de algum dos seus bruscos busto. Mariquinhas balançava distrabi-
damente uma das pernas, comum movi­
movimentos.
mento compassado e languido.
N'este honroso empenho, durante dons Talvez para mais encantar o contempla­
*dias e duas noites, velou a familia do tivo feitor, a moça de quando em quando
Francisco Benedicto á cabeceira ds Au- cerrava as palpebrss nacaradas,para sus­
tonica, mss o cançaço diminuiu por flm pendei as depois no raio húmido e amplo
a boa vontade e dedicação. do seu olhar aveUudado.
Estavam todos extenuados. — Porque não vai dormir, sá Mariqui­
Dous offerecimentcs espontâneos apres­ nhas ; eu e a rapariga bastamos para
saram se em pedir á familia o encirgo qualquer ecusa.
dos quartos á enferma, Motta Coqueiro — Eu estou bem aqui, respondeu Ma­
mandou uma de suas escravas, e Manuel riquinhas.
João offereceu se para veiar com ella. Fizeram ambos silencio em seguida,
Por hora adiantada da noite um accesso porque a doente revo!vera-se no leito.
violento obrigou cs bens serviços de Ma­ Foi esto um pretex*^o para que Manxjcl
nuel J>*ão e da escrava, e aldni d'elles João se levantasse e logo inclinado sobre a
Hppareceu ^no quarto a bondosa Mari­ face de Mariquinhas, com í s lábios quasi
quinha«. a roçarem-lha o delicado pavilhãj das
Apezar do barulho, que foi feito pelas orelhas ; lha segredass^';
vascas da doe jte, ninguém mais acordou, — Vá doimir, sim? olha que me está
0 que provava quão pesado era o somno fazendo mal.
dormido pela familia. Quanta felicidade não dev’a ter deri’a-
Passado o aceesso, a escrava foi sentar- rnado n'alma ingénua da amante de
se a um canto do q arto. Mariquinhas quinze annos esta solicitude respeitosa
sentou se para os pds do leito e Manuel e acaric!ante.
João a cabecfcira. — Está bom, re'ponleu Mariquinhas ;
A escrava não velou por muito tempo ; eu vou aqui para a sala, se precisar de
em breve ouviu-se o s“u franco resonar. alguma cousa, chame.
Estavam, pois, sós Mariquinhas e o Miis de urii longo quarto de hora
feitor. tinha-se já escoado após a sahida da f»s-
Os seus olharas embebiam-se recipro­ cinaiora amante do feitor, quando este
camente na mais expressiva ternura, dc-pois de observar de perto o rosto de
trocando as phrases que o lespeito á en­ Antonica, levantou-se cora precaução.
ferma im-pedinm de pronunci r-se. C >m menos ruido não de disa a lagri­
Pelos labi .sue M r quinhasserpeiavam ma de resina p lo.cortex do peceeueiro.
esses sonisos ind^flaiveis da mulher que A passes lento.s caminhou &té junto da
se CTè amad«, quando vê-se contemplada escrava adormecida echanaou-a por tres
pelo seu amante ; sorriso feito de um tom vezes; a pr?ta aão deu o miuino signal de
de vaidade sobre esplendido colorido de ter acordado.
MOTTA COQUEIRO

MiDuel Jtão Caminhou então para a dia limpide couo o ether, um céu sereno
sala com a mesma cautf lia. e UQia tranquilLi flaresta suspirando a
Dòitandi) um bz’aço sobre a mesa e a ca- bafagem farfalhei a de um vento sem
btí«;tt sobre elle, Mariquirihra resonava rancores, e teoando o gazeado mavioso
brandamente através dos labi' s virginscs de milhares da passarinhos; e então ri
0 somno do cançaço e da conflariça. aes planos sombrios de novas emprezas; o
O iencinho bi’anco, que eila diariamente feitor encontrando, ao retrahir-se da sua
trazia ao pescoco, havia-se desataio, e o baixeza o olhar ve'.utino de Mariquinhas
corpiüho, formando pela posição contra- e a suavidade da sua palavra, riu inte-
feitarta moça uma abertura côncava, dei­ riorraente a uma esperança lasciva.
xava ver 0 cüilo moreno. Assim as pétalas — Não falle alto, que podem ouvir.
da rosa superpõem-se de modo qua não td Deixe que ao meoos hege eu esteja junto
deixam entrever te mutuamente , mas de você ; é tão Uiííiúl isto.
franqueara fcinda a vista a dòarada le ­ — Deveras ? pois você não vem saispra
gião dos estames. aqui.
Um tosco a mal limpo candieiro bruxu­ — Mas nunòâ tive uma vasa de dizer-
leava ao lado de Mariquinlias, como se Ihe que lhe estimo muito, muito, como a
tentas:e apagar-se para não dar 1<gar a ninguém n’este mundo.
que uru olhar profano se atreves e a de­ — Puis agora já disse; o que quer mais?
vassar tamanhas pe; feições. — Quero que vocà diga que também
Pé ante pé o feitor approxiorjou se e paga-me essa amisade com a mesma
parou junto da adormecida. Contemplou-a força; que é capaz de fazer tudo por ella,
com avidez; correu-Iue de leve a mão sem mtdo, nem de Deus, nem do mundo.
dôade 0 alto da cabeça até a meio de urna — Ai 1 ai 1 você e.-.tá a dizer peceados,
das trançss, que »cnrnr>antiava o arfai do vá fízer oquaito e deixe-se do partes.
collo immaculado, e finalmente ajoelhan­ — Não biiuque,6‘áMuriquinU:..s;£u não
do se, roçou no.s lábios entreabertcs da saio heje u’aqui sem saber se dovj viver
moça um boijo, que alava-se no temor. ou morrer. Eu não vim cá por s>(X Anlo-
O somno de Mariqoinhas era profunda nicà; eu vira para cartiüoarme de que
como scera ser ( s da fadiga ; a pi’ofanaçào você n-.e e.su-raa. Q jero que jure-me, que
poude continuar. repita urau, cem vozes : eu só serei tua,
Ao p imeiro beijo, seguiu outro eainda só tu a ...
outro, até que menos pela grosseria do Estas palavres seguiu-as o feitor com os
attentado do que pela susceptibilidade do movirnectos precipitados da paixão, o
pulor, a moça difpei tou sob'esaltada. quando pedia a moça que jurasse já a
Ao ver de joelhos o seu&m jnto, ella que tiniia c.ngido o beijava-a apezar do es­
não podia adevinhar a torpeza de que forço que ella fazia para libei tar-se do
elle eia capaz, não teve uma queixa á assalto.
vibrar-lhe, mas antes uma caricia para — Deixa-me, deixe me, exclamou Mari­
perdo«l-o. quinhas, você está abusando, eu cha*io a
— Eu não sabia que era santa, está rapariga.
fazendo oração? Olhe o cratorio e*tá aqui, D;ta á meia voz, mas com o êcj ; nto im­
eu abrn-o. ponente do pudor e da dignidade, a phrase
O cr.me espojou-se diante de tão gra­ de Mariqultihí-s repeiUa para longe o
ciosa ira, uuiJade; e a semelhança de feitor, nãu auiedioalado, mas alluc Ufido.
ura força-do que, eva liu'io-se na prisão, O seu plano de std icção mallogrou se,
eujoutra diante dos seus iustínctos máus, era múter ievâr a cabo o segundo ; o da
não a mão pesada do cu cei eiro, mas um violenoiu.
ou A l'ENA DE MORTE Gl

Levoa a raão á cinta; e'.tava desar­ á cata de elementos para com elles forta­
mado; voltou então para junto de Mari­ lecer a teia em que buscava enredar os
quinhas e travando-lhe do punho, disss- seus senhores; furrm a tristeza de Chi-
Ihe com um accento qu=í a fez tremer. quinha e um visível spatetamento que
— Uma palavra mais, e eu qua t« es­ obscurecia as faculdades de Mariquinhas.
timo como urn doido, arranco-te a lingua Chiquinha chegou se um dia á Balb'na
corro um malvado. Olha que já ha noites e queixou-so-lhe de que passava os dias
que eu penso n’isto; enforquem-mè de­ oppressa per uma trist'za inextinguivel
pois, mas eu hei de chamar-te minha ora povoada de scb-esaltos, cra de visões
hoje, j á . . . U-ma palavra m a is e ... esta encantadoras e carinhosas.
casa tem armas e no meu pulso >ra força. ' _ Não sei o que tenho, tia Bübina,
— Para que ha de ser máu p’ra raira ; perece que estou s°mpre sonhando----
murmurou Mariquinhas, que esperava — Além d'issa, confinuou Chiquinha,
abrandai o pela buaiildadt3. tudo me aborrece e. tudo me préoccupa; não
Foi porém u n novo inoitamanto. De tenho vontade tíe comer e se alguma
chofre Manuel João apertou sobre os força faço s^^bre mim caio n’nm enjôo,
lábios .do Mariquinhas a sua mão vigo­ quesó se acaba prrvomitos, Vouemmagre-
rosa, eroquanto com o braço, que lhe cendo a olhos vistos.
pas^ára a cinta e um esforço brutal, Lzia Os symptoœas dados por Chiquinha
vergar-lhe o corpo delicado. eram claros de mais para a arte da feiti­
O c?ndieir-:>, talvez p"la agitação do ar ceira e assim podia esta fallar com tola
durante a lucta, deixou de illuminar a segurança.
a sala. Mas o poder de B.alhma era o myste-
V. rio e a dubiedade de sentido das suas pa­
lavras, que lhe deixava sempre aberta
LM CUMPRIMEXTO DE PALAVRA
uma sahida. Preferia o labyrinthe á
A moléstia de Antcnica deu legara linha recta.
mais uma intimidade perigosa na sua Segundo os seus hábitos Balbina res­
fanai lia. pondeu á queixosa:
Na qualidade de mesinheira foi cha­ — O coraçãj da gente bate as vezes
ma ia a tii Balbina para debellar o com força; os olhos não vê.m, o corpo
mal que assocabrosaraente devastava o não foge. A’ hora da, lua o matta-pssto
organismo da moÇa. de flor amareüa fíçha, como os captives
A feiticeira tinha para insinuar-se a seus olhos cam^oes, as folh' s que são o
maciez, da düsimuiaçãj e, apezar das relogio do escravo. Mas o coraçao nao
asperezas do seu exterior, o trato, re- d' ixa de bater, nao quer se trancar dentro
falsadasúente humilde , era agradavel do peito; que .' voar como o vagalume.
como 0 contacto do pello da lent; a. Do manhã, quando o sol nasce, a folha
Esperanlo pacientemente aoppottuni- é que se abre então, e o coração é que
dade para arriscar uma palavra, pene­ muitas vezes flea. fechado. Balbina não
trando até 0 funlo das consciências cora póde prohibir que o grillo verde rôa a
o seu olhar que possuia a calma perspicá­ folha que se abriu ao sol, nem que a tris­
cia da vingança, Balbina era dotada de teza more no coração que se abriu aos
uma espeoie de talisman fatídico que at- 1’aios da lua.
trahia para si todos os espíritos, que se lhe — Mas quem é que lhe disse que meu
acercavam. coração se abriu na hora da lua Î pergun­
Dois factos chamaram promptamente a tou lhe a moça admirada.
attenção da cabinda, que andava sempre — CaroUna gemia ; a alma de Balbina
62 5I0TTA COQUEIRO

flofiu trista como o carneiro qua vai Ainda uma extrema fraquesa impedia-a
morrer, e a caoinia sahiu para pedir ás de levantar-se sósinha, e todavia os ser­
hervas de Dsus o sorégo da creoula. Na viços de B-ilbina foram dispensados pela
baixada cresse a her va de S. Jo3o com o familia do aggregado.
seu cheiro bom e cora a sua penugem de Ponderando que as moçss não deviam
pombo novo. A cabinda queria traaer a aííastar se por muito tempo de -^ntoniea
herva para remedio da cíoenfe. No meio par-i conv rsarera ocmvíllae adjudal-a a
da colheita B Jbina fe assustou, poique mover-se, Motta Coqu:-iro quiz que Bal-
viu um vulto branco como a boneca da bina c' ntinuas^e no casarão, e a prata
paiüÂ... foi incumbi-da da lavagem da roupa, e dos
— E quem era esto vulto ? interi'ogou trabalhos da cozinha.
a voz tremula de Chiquinha. Francisco Benedicto e seu filho volta­
— A negra nào é quejn pd le dizer á
ram ao trabalho do embalsan'«nto, uo
íilha dos brancos, r-ispoiideu Balbina laa- qual reunia se mais um novo empregado,
çando á moça um olhar, que afez enve:- Fauetino Silva.
mtlheca . A negra viu o vuito branco,
mas não poude saber quem era o outro, Homem dea á nota nos arredores,Faus-
que tomou pelo cammho da baixada. tino guardava entretanto o apiumo do
— Mas d:ga, tia Balbina, diga o que é respeito diante do capitão Motta Coqueiro,
que eu tenho; diga pelo amor de Deus. a quem dava mostras da maior oenside-
ração.
— Bilbiüa só pó ie faliar dentro do
ouvido de sá Chiquinha; escute. Filho do logar esteve por longos annos
A preti começou então a segredar, e a fóra d’elle por ter sido con.remnaJo a 20
propoj‘Çãj que ella fallava, Chiquinha annos de galés, por uor assassinato.
empallidecia. Madrugava-lhe ainda a mocidade
Quando Balbina terminou, as lagrimas quando commetteu esse crime, e a convi-.
corriam em borbctõos paia face da moça, vencia da scelarados, combinada cc^m a
que bó teve forças para exclamar. propiia in-iole, coaveiteu-lhe o coração
Oh I meu pai do cáu, salvai-me por n’uma pedra lascada e arestosa, cujo con­
que eu estou pc-rdUa. tacto feria, ou ao mauos escoreava.
— O pai do céu é bom ; se a filha dos Robusto e varonil, com quarenta annos
brancos disfarçai^ se não ficar sempre de semi-ociosida Je e de vida gai’gaihada
triste, póie escoa ler dos oihos de seu na ignominia >ía grilheta, e depuis nos
pai, ató que possa apparecer com seu requeoros dos fados, Faustino era um
marido. Ha Chiquinha não ha de ser d’esses produetos communs da ignoran«
infeliz Como Caroiina, quo foi quasi a citi, que tanto abundam p^los sertões.
morrer parar nas mãos do doutor, porque Lia-se-lhe no rosto trigueiro, cercado
o pai desprezou o filho da Ci eoula. por uma grossa barba negra, nos olhos
Chiquinha começou desde esta hora a mal encaraaos, a toipeza de sua alma, e
esperar o dia em que devia ter uma fatal todos que o conheciam terminavam as
certrza, e Balbina continuou na sua suas apreciações ácerca do novo traba­
tarefa gratuita de todo observar. lhador, dizendo : — aquiilo sempre é lio-
Ant-jnica tinha entrado em convales­ me-m que mata os outros por dinheiro.
cença e já passava horas inteiras a con­ Tal era Faustino, segundo dizia o povo,
versar com sua mãi e irmãs. que muitas vezesj que o maior numero
Atravôz do amúo inhärente á enfei’- das vezes, exagera os defeites dô iudi--
midade já escapavam-lhe do coração para viduo.
os lábios uus fugitivos sorrisos. Cm irmão de Faustino, o Bento Silva,
Üü A l’E.NA DE MORTE 63
contava a sea re p û to uma passsgcm coí-turâ á sombra da uma arvore que fl-
romanesca. civa p-rto.
U ■ <H
. noite, á hova da revista, uma Ahi estava guardada pelo movim-nto
das foi't lez'is -io Rio de Janeiro, touctu das pessoas de c .s e po lia dar de mão ao
se a rebite pela fuga de cm dos condom- teu.or que tiuhi de poier síT outra vez
nados. assalt'ida pelo feitor.
Poz-se tüdo eoi activi-iade pn'a <ifec- U-n uia, pvji’ém,foi sovprehemlida justa-
luar-se a sua ca„>t.ui'a iinmeji-Ta, mas meute pela pessoa a qium queria evitar
to'io O esf >rço mal ogrou-se. a t o O Û ti anse.
Os esci ei’rts trXpeài .'Oà î eguiram t'dos A vez do tVitor plangente e submissa,
na iiirecgâü da terra, da pa. ta que fl ava busoan o rodeios namorados, veiu aba­
mais pi'oxinja á foi t íU zh, mas o preso lar lhe a apathia intima em que vivia.
mais aliuào i-eguiuem üirecrâo cpposta. — Ainda não me perd, ou, $a Mariqui-
N iiou ao iargo da babàa. nhas. -
Sd pela ma lrugada c mseguiu pôr pé A raoi^a não respondeu, mas abaixou
fort das onias, mas est^Vd sal o. Nia- ainla mais a cabeça, e poz-se a cantaro­
guem O parseguiu, e elle pcude embitrc^r lar entra dcnt'vs.
como marinhi iro a bcrdo de uma escuna, As suas feições tinham, porém, tomado
que partia partuîiisCâhô. u tii sccení0 so.e mne—a g ravi Jade do pudor
Ahi de p^diu-se do nsvio, e interflou se üfl’iii iido, e ra bem íacíl compreiiender
para Macabû, seu toriao natal, onde a causa d’esta mudança.
levava a vida da trabalbador. Mariqainhas amava sinceraméüte o
Eatre Faustino o Fi'anci co Benedicto feitor. D u'a-lhe as primidas immaculadas
manteve sea reserva que na aeœpte ent;e dos seus svüliüs doá quinze anunos, bando
iüdividucs, que reciprocitnente sq co­ louro de mix’ageus a eatrançar-se em
nhecem. choréáB festivas para desfazer-se aflaal
N-ahum d’elles goshva de boa fama, nos vapores roseos de um anhelio indefl-
porém cada um considerava-se mslbor do nival, que ihedooiinava o caittçào enchen­
que ü cutro, e tinha e-sciupuios na fa- do-o de um sussurro longinquo do sauda­
mili'sridade. das sera causa, da aaceios sem obji-cco.
Francisco Benedicto nunca, por dí^fe- Fizera dss faces trigua ras de ManuoiJoão
rencia ao menos, coa vido u o seu cotapa- 0 horis'mt'3 do seu viver modesto, e ima-
ubeiro para ir á sua casa, ficto que giiiára-se rauitíi-s vezes ua sua easiuiia de
oífrndeado profualamintc o desalmado sepê, a estender no terreiro a roupa de
Faustino, fvzia com que elle dissesse trabalho ou o seu fato domingueiro ao
quando fail; va-se no aggregado ; kdu da camisa de morim, que se lhe aper­
— Aquilio é um cskchaça ; um dia eu tava contra os seios, oppressa pilas bar-
p&rti-lhe -:s ossos e mais ao magarefe bitanas do seu vestido.
do íliho. Vai tuno raso; porque eu não A ’ tardinha iria esperal-o á porta, ou a
gosto que me toi çam o í jcinho. meio caminho para acabar n’uin bo jo um
Mss ‘Sfj^r da reciproca an'ipsthia, os susttísiuho que se lhe la alevantanio com
homeas oarmoaissvam durante o traba­ il t*ppi uximação da noite.
lho, e uto : astava. Cu.-tu’-ihe-hia u n ta felicidade, talvez,
Na casa do agtu-ígado flcavam spenas o úe^i íf -.cto da seus pais, porque o seu
as iLUiheres. Para cspairccer ca fuuda amante era homem de cor, o•f pobre ; mas
hypt cunsria que ll;e ia rninqndo a >xis- tudo isso eompaasar-lhe-ia o seu amor.
taneia, Mariquinhas costumada a saiiir üm coração feminil vive de tanta chi­
á hora da sesta e ir sentar-se com a sua mera aos quinze annos I
04 MOTTA COQUEIRO

Esse faixe facetado e iriante de illusões de um larapio sorprehendiio, em quanto


desatcu-o brutalmento o f°itor na noite Mariquinhas se aíT,i?tava.
em que, acicatado pela lubricidade, tres Deliberava-so ta!\'ez a seguil-s, mas no
vezes covarde, atirou se como féra esfai­ mesmo instante passou poc junto d'elie a
mada sobre a csnlura, o amor, e a fra­ tia Bfibina, stbvaçando um feixe de gra­
queza de Mariquinhas. vetos.
Ao acordar do pçssdelo atroz d'aquella Balbina tinha ouvido quanto ora bas­
noite, em vez dos s; nbos innocentes em tante para comprchender que um acco
que se belouçavá, Mariqainij.as f <5 poude de violência tinha sido commettido pelo
desde entião ver dentro em sua alma um feitor contra a meça, e Manuel João por
pugilato medonho entre o amor e a digni­ sua vez con’/enceu-se de que a feiticeira
dade. estava de pos^e do sea segredo.
Esta venceu por fim, de’xando aquelle Era de seus dias no s’tio a descoberta
a anciar prostrado na liça. dos instrumentes de feitiçaria em poder
Interpretando como um acolhimento da escrava e portanto facil Jhe fei atinar
benevoio e digno o silencio do Mariqui­ com um meio que, no seu entender, frus­
nhas, Manuel João continuou ainda mais traria toda a importância das aceusações
submissa e humildemente : que ella, porventura, tencionasse fazer
— O amor é assim mesmo, sa Mariqui­ contra si.
nhas ; ás vezes fica-se doudo. Quem ama Confiado na solução rssoavel que enge­
deve perdoar. nhou para a sua melindrosa situação, o
Ditas estas palavras, o feitor achegou- feitor esperou a opporíunidade para pol a
se vagarosamente de Mariquinhas e cur­ em obra.
vou-se para prof.ínai’-lhe mais uma vez as
A convalescença de Antonica adian­
faces morenas.
tava-se com felicidade e rapidez, graças
Tudo quanto a dignidade tem de mais a um t ’ atamento de prompta efíicacia, a
solemne quenio uma provocação iniqua medicação da esperança.
vam sobre!evai-a, irrompeu da fraqueza ' Motta Coqueiro alliava, no fino quilate
de Mariquinhas. do seu caracter, duas qualidades de todo
Pondo se de p é ; com os punhos cerra­ 0 ponto heterogmeas, mas por isso
dos, os lábios trêmulos, e a voz repas­ mçsmo de facil combinação, a bonhomia
sada de ameaçadora amargura, recuou e a austeridade.
para logo avançar corajosamenta até o Foi a segunda qualidade a que recebeu
feitor. a declaração de Antonica, mas quando o
— Escute bam, seu covarde; exclamou fazendeiro viu as consequências da sua
Mariquinhas; eu já lhe estimei muito, recusa franca e digna, o seu animo essea-
mas hoje tenho até nojo de você, seu mal­ cialmente benevolo increpou o rispida­
vado. Dsixe me passar. mente, dando lhe a responsabilidade da
E adiantru se para passar. Foi, porém, tentativa de Antonica.
tolhida pelo f itor, que s gurara-lhe o O resultado foi Motta Coqueiro re,sol­
braço, exclamando. ver se a contemporisarcom aquella paixão
— Perdoe, sa Mariquinhas ; eu hei de ar Je Vte e que resolvera fazsr-se impôr
me casar com você. pela propria loucura, ou respeitar-se pelo
— Nunca I exclamou a moça, que se remorso.
poude livrar ; prefiro morrer ; póde fazer Em uma das remisfões da febre delira­
0 que me disse; mate-me. da da filha do aggregado, esta ao abrir
Manuel João ficou de pé com o ar boçal os seus grandes olhos amortecidos encon-
ou A PENA DE MORTE 65
trou O olhar com a observação corDmo- — E’ mentira minha, é mentira, ex­
vida de Motta Coqueiro. clamou Antonica ; eu estava sem tino, o
O quarto silenciava n’uma triste pe­ que eu quero é v i v e r , seu capitão,
numbra, f(5, destoada por um listrão im­ viver ! ...
palpável de luz, coado pela fresta da porta — Sim, você ha de viver para seus
semi-aberta e no qual turbilhonavam sem pais, para mim, que tenho na sua ami-
ruido innumeras partículas de pó. sade 0 melhor prémio do pouco bsm que
N’este ponto fji fixar-se o olhar da tenho feito.
moça. Este unicoaceno amistoso ao ideal de
—• Tiva ainda agora um sonho, disse ella Antonica, roseo colorido de alvorada em
depois de uma demorada contemplação; céu borrascoso, reanimou-a, ou melhor
como alli eu vi uma grande fstiha de luz, ainda, resuscitou a.
onde em vez de poema subiam e desciam As simples phrases da henevola conso­
anjinhos. Entre elles e sobre a luz boiava lação foram o esplendido fiat no vacuo do
eu como uma folha no rio. Ea tinha os existir de Antonica ; decompuzeram-se e
olhos abertcs, via, mas nem podia mover- transformaram-se era outras tantasestrel-
me nem fallar. Ia á mercê de um empur­ las, astérismes tranquilles, convergindo
rão iüvisivôl, mas de repente parei, meu os raios em um unico fóco — a possibili­
corpo havia se encostado sobre o peito de dade do amor.
alguém. Se esto sonho se réalisasse eu Eífectuou se a cura radical da loucura
preferia morrer. paia polarisação da luz da esperança.
— Isto foi um delirio, minha filha ; não O 1’estabsleoimento caminhou dosas-
pense mais na moite, e não tatá d’estes sombra,1o e rápido e o amor atulhou com
sonhos. Veja se póde acalmar-se ; eu estou petaks de flores a sepultura já Mante
aqui ao seu lado. aos pés da desventurada amante.
— E, ha de estar sempre ? Os serviços de Bilbina foram definiti-
— E por que não hei de estar ? Pensa vamente dispensados e a escrava tornou
que não lhe estimo muito, m uito... para os ingratos labores do eito e para o
— Como estima a toda a gente, que meio da consideração supersticiosa dos
precisa que se lhe faça bem. seus parceiros.
— Mais do que isso, Antonica ; ê a O feitor era agora inexorável e exigen­
estima que se dá a ura coração, que sa­ te até a insensatez. Por maior que fosse
bemos que bate por nós. Se você morresse, a agilidade dos escravos achava-os sem­
eu nem sei o que seria de mim. pre morosos, e não raras vezes vibrava o
— EÙ tinha vcntade de morrer, porque chicote sobre as costas nuas dos miserá­
sei que sew*capitão ficava descansado. veis trabalhadores.
— Quem sabe do futuro, Antonica I A sua attenção voltava-sa peculiar­
talvez eu não sobrevivesse muito. mente para a tia Balbina, a quem alcu­
O egoísmo incandescente do smer es­ nhou— a marralheira.
panejou-se triumphante no coração de — Arriba 1 arriba ! gritou elle um dia,
Antonica; revelou-o eloquentemente a á medida que estalava o chicote sobre as
ternura de seu olhar. Uma alegria inian- espaiuas da preta; não dormes de noite
tü dourou a pausa qae houve no dialogo, oceupada com a feitiçaiia e de dia estás
alegria de um moribundo, que voluntaria­ a cahir de preguiça. Vê se ficas asseiada
mente escondia na sombra de ura tumulo com este espanador.
as mais risonhas illusoes, e que de subito Nem um ai escapou aos grossas beiços
affasta a sombra ominosa e sente inundar- da feiticeira, amargou calada a vingança,
se dos esplendores da ventura. a ruminar a desforra.
5
66 MOTTA COQUEIRO

A ’ noite a preta foi de novo sorpralien- Motta Coqueiro ouviu o resmungar do


dida pela cólera do feitor, que veiu pas­ feitor e resolveu examinar com os pró­
sar-lhe revista á sensala. Achou sdooente prios olhos a causa que motivava tanto
uns registros de santos, porque o mais a azedume contra Balbina.
prevenida Balbina tinha posto em logar 0 sol era ardente, o calor abrasava,
seguro. Era a hora em que o canavial inclina as
Mas nem por isso o feitor julgou-se folhas como as pennas de um cocar enor­
quite com a feiticeira; na hora da revista me; em que a cigarra chilra tanto quanto
matutina, conscio de que Motta Coqueiro falia um energúmeno, sem pausa, sem
acredital-o-hia, Manuel João lavrou car­ terrbo ; em que a araponga branca, á se­
regando as côres um libello contra a melhança de um soluço da espuma sobre o
verJe-mar do oceano, tine entre a folha­
escrava,
gem do ipê vestido de novo os seus cantos
— Não se pó de aturar, disse elle, não aguios e tï'istonhos.
quer trabalhar, continúa com as feiti­
Vôam as nuvens de tiés e guaxás pian-
çarias, e já me contaram que ella quer
do, tontos de calor, e »s tiribas garrulas
que 0 meu amo mande-a para a casa do coçam as azas de esmeralda entre a som­
seu senhor; porque — diz ella — vosmecê
bra rarifeita das embaúbas.
está comendo o suor alheio com o traba­ Sob a copa das grande? arvores do des­
lho d'ella. campado, o chão acol’.hoaio de folhas
— Então ainda não te desenganaste, assemelha-se a uma praia coberta de con­
negra ? bradou o fazendsiro; eu vou chas de ouro, mas conchas sonoras, como
dar te o senhor e o feitiço. Fidelis 1 Pere­ pequenas marimbas cujas cordas dedi­
grino I agarrem-me aquelle demoaio. lhasse 0 tenue sopro ds aragem. E’ a
Balbina não articulou uma queixa, multidão dos canaríos que ahi se abriga
nem uma desculpa, deixou-te ficar com os da crueldade da catticula.
braços cruzados e a cabeça baixa. Os dois No meio da floi’esta ouvem-se todos cs
escravos obedeceram e fizeram-a chegar, sons conhecidos; desde o uivo soturno
atá junto de Coqueiro. da tarubina em actividaie, imitado pela
Principiou então uma d’estas scenas cachoeira que ao longe se despenha na
repugnantes e iniquas; os escravos ata­ grota, até o tilintar do martello na bi­
ram 08, pulsos d» Balbina e amarraram-a gorna imitado pela araponga; desde o
pela cintura a um dos esteios do teri’eiro som do cornetim toca io ao de leve, fingido
e cada um empunhou um azorrague. pela alegi’ia curiosa dos gallos da serra,
0 castigo ia ter logar com a barbari­ até 0 gemido profundo, soluçado pelas
dade de que são sempre alvo os feiticei­ juritys.
ros, entes maldictos e execrados pelos E’ a glorificação da sombra paio mais
homens do sertão. harmonioso dos córos, e a mais cadencia-
Pelo braço de Mariquinhas appareceu, da das orchestras, regidos pela natureza.
porém, no terreiro a agradecida Antonica. Os escravos de eito não se abiigavam,
Ao ver Balbina em semelhante posição; porém, senão tob a c; pa rendada das
lavando-se em lagrimas a meça pediu que s^mbabaias, e as alas de cafezeiros. *
peraoassem a escrava, que tão prestativa Manejando as enxardas polidas, como o
lhe fôra na enfermidade, sachristão maneja a campainha na hora
0 fazendeiro attendeu. da elevação da ostia, <ff reciarn aos céus,
— E’ assim que se botam a perder os entre os cantos monotones, o maior de
negros, resmungou Manuel João; mas eu todos os sacrificic.s, e grande sacriôcio
hei de mostrar, do trabalho.
o u A PENA DE MORTE 67
O eito subia rápido e já estava em mais mulando não ter ouyido ao confuso Ma­
de meio. Lavada em suor Balbiaa encos­ nuel João.
tou a enxada a um cafezeiro e dirigiu-se — Oh 1 lá, vocês ficam por ora ás or­
ao feitor participando-lhe que ia beber dens do Fidelis ; é com elle que têm de
agua. se entender.
Dentro de alguns minutos a cabinda Olhando, porém, para o ex-feitor Motta
estava de volta, para não dar pretexto á Coqueiro fraqueou na resolução de fazel-o
explosão da raiva de Manuel João. sahir immediatamente do sitio,
— Oh 1 tia, bradou elle, a agua tinha O homem, que por vezes tinha-lhe feito
espinhas ? emboscadas, cujo rancor pelo fazendeiro
— Balbina não demorou, respondeu a era extraordinário , quedava covarde­
preta; o eito ainda não andou nem o^cabo mente após tão grande desfeita na mais
de uma enxada. A carreira de café que humilde posição.
Balbiaa limpa, ficou sem adjutorio, por­ Tinha 0 chapéu de lebre sobre o cabo
que ella pediu aos seus parceiros. Bal­ do rebenque e os braços cruzados sobre
bina ha de chegar com elles ao fim do este.
eito. O rosto exprimia simplesmente o vexa­
— Vamos 1 continue com o sen pala- me que o acabrunhava, mas nem de leve
vriado ; eu estou ouvindo. um indicio de cólera; parecia resignado a
—■ Vosmecô perguntou, eu respondi. cumprir a pena, que a sua imprudência
Manuel João incumbiu ao seu rebenque havia provocado.
a contradicta á lógica da escrava, mas Completamente desarmado pela attitude
ainda não tinha descarregado a segunda inesperada do ex-feitor, Motta Coqueiro,
lambada, quando foi sustado por um querendo dissimular a propria falta de
grito. energia, dirigiu-se a elle, dizendo :
— Eu pi’ecisode trabalhadores; se quer
Motta Coqueiro tinha acompanhado á
ficar, faça o que entender ; mas lembro-
distancia a geute e, escondido, seguia
lhe que 0 sitio está a cargo do Fidelis.
todos os movimentos do feitor e da preta
Era a melhor evasiva encontrada de
Balbina.
prompto pelo explosivo, e ao mesmo
Certo de que uma injustiça era a motora
tempo bondoso coração do fazendeiro.
do castigo, 0 homem que só se inspirava
Em rápido raciocinio convencera-se de
na rectidão e que só por ella era severo,
que Manuel João não se decidiria a sub-
indignou-se e fulminou na mesma hora o
metter-se á anctoridade do um escravo
culpado.
sobre o qual ainda havia pouco tinha po­
— Sr. Manuel João, está desobrigado da deres descricionarios.
feitoria do meu sitio ; eu quero castigos A propósta, pensou Motta Coqueiro,
mas não vinganças. irrital-o-ha e assim evitarei que elle con­
O miserável rapaz ficou por muito tinue. Mas a baixeza de caracter do ex-
tempo estatelado sem poder pronunciar feitor excedia todos os limites imagi­
uma unica syllaba. náveis.
— Mas, meu amo, observou elle por fim; — Não importa, não, meu am o; o que
eu não posso sahir hoje d’a q u i; não tenho ' eu quero é trabalhar, ao menos até ar­
para onde ir. Se meu amo não está sa­ ranjar outra casa.
tisfeito commigo como feitor, deixe-me Retiraram-se ambos, o fazendeiro quasi
ficar por emquanto como trabalhador, arrependido da severidade com que punira
Motta Coqueiro tinha-se voltado para 0 empregado e esta com o desembaraçt
os ascravos e caminhava para elles, si­ do homem desbrioso.
68 MOTTA COQUEIRO

Os pretos ficaram sós, mas nem por isso Triste sorte a do captivo
a acttvi lade diminuiu nem o trabalíio des- Seja filho, ou seja pai,
acalorou se. A il
Um desafogo intimo substituiu a pressão
moral que os opprimia, e agora podiam E’ triste como o ribeiro
livremente medir ò esforço parao obrigado’ Que sempre rolando vai,
labutar, sem fim na vida, como a mon­ E se espedaça na grota
tanha de Sisipho. Porém das bordas não sai,
As bagas mornas de suor como que se Ai 1
converteram em estrophes, aladas em sons
melancólicos de monotonia pungente, ins­ A tia Balbina, mais do que nenhum
piração de poetas desconhecidos, talvez outro, deixava transluzir no semblante o
martyres de igual destino, e por isso júbilo que lhe ia n’alma. Duas vezes vic-
mesmo privando a intimidade de todas toriosa-elevava-se ante 0 ex-feitor e isto
as tristezas, desillusões, desalentos, quei­ firmava cada vez mais os seus créditos
xas e snspiros da escravidão. de invencivel.
Um d’esses cantos era assim : A ’s horas do jantar, contentes como
bons amigos que se banqueteam, os infe­
Nasce a flor, rebenta o fructo, lizes riam alegremente diante das cuias,
- Secca 0 fructo, a folha cai, e adubavam a refeição com lisonjeiras
A il observações.
— A tia Balbina matou dois coelhos
Mas a agua do ribeiro de uma só paulada.
Rolando, rolando vai, — Tem mão certa.
E se espedaça na grota. — Quando ella diz uma cousa acon­
Porém ,das bordas não sai. tece por força.
/
A il A feiticeira recebia prasenteira as ma-
nifestições amistosas dos parceiros, pre-
Corre a enxurrada roncando conisando a protecção dos céus para os
Grita aos rios: —transbordai 1 innocentes, e a sua punição para os in­
A il justos.
A refeição ia já no fim, quando chegou
Mas a agua do ribeiro ao logar o novo feitor, o destemido Fide-
Rolando, rolando vai. lis, typo completo do negro de fazenda,
Suspira e chora na grota. com todas as suas virtudes e defeitos ;
Porém das bordas não sai. trabalhador e intrigante, supersticioso e
A il vingativo.
Não tinha-lhe favoneado a vaidade a
inopinada distincção que mereceu ao se­
Some-se a lua na aurora,
nhor, odiava os brancos e sabia que, des-
No sol a estrella se esvai,
tinguindo ou castigando, o senhor só tem
A il
em vista tirar o maior proveito possivel
de seu escravo.
Mas a agua do ribeiro
Rolando, rolando v a i ; Recebeu a investidura de feitor pela
Em vão soluça na grota, mesma rasão porque levantava-se de ma­
Porque das bordas não sai. drugada para a revista, e em seguida tra­
A il balhava do sol nascente ao sol posto ; re-
ou A PENA DE MORTE 69
cebeu-a porqoe era escravo e para este só que lhe dava oceasião de vêr a mulher,
ha nma lei — obedecer. que 0 apaixonava.
No mais era uma creatura da tia Bal- Foi justamente esse apego a causa da
biiaa, que o considerava a ponto de rir se sua prompta expulsão.
para elle. Balbina não podia seffrel-o nem mesmo
Por isso mesmo a sua nomeação foi re­ depois de vel-o assim decahido ; a sua
cebida' com enthusiasrao pela gente de presença era uma ameaça ao seu bem
roça, convencida de que ia melhorar de estar e ao dos seus parceiros, e além d’isso
sorte. Assim é que foram cordialmente ella tinha dado palavra á Carolina de
recebidas as primeiras palavras da nova punir 0 seu abandono.
auctoridade, pondo em exercido as saas Resolveu, portanto, perdei-o da uma
funcções. Mandando recomeçar o traba­ vez aos olhos de Mctta Coqueiro, cousa
lho, Fidelis disse com lhanura a seus facilima agora que Fidelis era o feitor
parceiros: da casa.
— Vamos rapazes! é preciso mostrar Uma noite a feiticeira convidou o feitor
que não é necessário chicote para se fazer para a sua senzala e dirigiu-lhe a pa-
0 serviço; o negro não é boi, que precisa lavi’».
de carreiro e ferrão. — Balbina, disse ella, queria fallar ao
E os escravos voltaram alegremente aos seu parceiro que é hoje feitor.
seus cantos, eam anejodas suas enxadas — Eu quero escutar, tia Balbina, se
operando verdadeiros prodigies de bem que vosmecô deve estar zangada
trabalho, commigo pelo que se deu n’aquelle dia
Quando á tardinha o fazendeiro, mon­ de manhã no terreiro.
tado no seu alazão, revistou o serviço do — Balbina não se zanga com o galho
dia, ficou cheio de pasmo: tinha-se feito de maidcá, cheio de espinhos, que ati­
tres vezes mais do que ordinal iamente. raram no caminho, e espetou o pé da
Emqaanto de modo tão expressivo os negra. Fidelis ia ferir Balbina como o
escravos festejavam a sabida do tx fa'-tor, galho de maricá.
esto amargava em silencio bem tristes
— Bem contra a minha vontade, eu
decepeções. Andava como que envolvido
juro por Deus.
n’uma gargalhada geral, desdobrada pelo
céu limpido, pela^ aragem tranquilla, — A cebra que largou a casca, pro-
pelas arvores virentes, e o que mais lhe seguiu a feiticeira, nem por isso perde o
doía, pela propria Mariquinhas. veneno. Outras escamas novas vem lhe
Era, p rém, uma gratuita injustiça cobrir o corpo e ella continua a seguir
feita ao caracter da moça', a quem a no­ a sua vida. O senhor não despediu o
ticia da demissão do feitor, se alguma feitor para sempre e pó le trocar Manoel
cousa causou, foi dó. João por outro. O mal fica do mesmo
Corrido diante dos seus proprios olhos, feitio.
Manuel João não tinha forças para au- — Qaal 1 não é assim, não, tia Balbina;
sentar-se do sitio; ligava-o ahi o casarão, 0 senhor está contente com o sei'viço.
a imagem de Mariquinhas e a propria — Tolo ! o branco muda de pensar
infamia que contra ella praticou. como a mangueira muda de folhas. O de-
Acabrunhado pela infelicidade nem ao monio anda nos olhos das filhas do aggre-
menos lembrou-se dos seus companheiros gado como o canto da coruja que adevinha
e conselheiros ; não arredou pé do sitio, morte. Quem sabe se é na casa grande,
temendo talvez que isto lhe custasse a quem sabe se é na senzala do captivo.
perda do proprio logar de trabalhador, Fidelis é preto e o branco terá sempre
70 MOTTA COQUEIRO

mâ fé com elle. E’ preciso ganhar a ami­ é que você cumpra o trato ; no caso con­
zade e 0 respeito do sea senhor. trario é outi’a cousa.
A cabinda começou então a dar o plano O modo brusco pelo qual Francisco
infallivel de que resultaria a total derrota Benedicto respondeu ao fazendeiro, e de­
e perda de Manuel João. pois 0 amuo com que o tratava, contra­
Era 0 mais simples dos planos ; atacal-o riaram-o extremamente. Motta Coqueiro
pelo coração, que suspirava ardentemente percebeu que as suas relações estavam
por uma palavra de esperança, por um estremecidas e desde logo retirou-se tam­
consolo no perdão. bém de familiaridades com a familia do
Carlos se incumbiria de dizer ao ex-feitor aggregado.
que Mariquinhas o esperava para fallar- Antonica voltou do novo á exaltação
Ihe, e Fidelis trataria de sorprehender da sua insensata paixão, e já agora não
com 0 maior compromettimento a entre­ tratava de occultal-a. Um dia em que o
vista. Vianna veiu á sua casa, rompeu des-
Balbina reservou-se a parte mais diffi- abridamentle com elle, pondo assim a des­
cil, a de fazer com que Mariquinhas se coberto as bemfeitorias do pai, e respon­
encontrasse com Manuel João. deu rudemente a este, dizendo-lhe que
Antes, porém, o feitor faria saber ao não 0 temia, porque teria por si a pro­
seu senhor todo o movimento da familia tecção do fazendeiro.
de Chico Benedicto, conhècido pela feiü- Arrependida de ter assim procedido, a
ceira. moça tentou em seguida remediar o mal
causado, reatando a amizade entre a sua
O plano de Balbina mereceu inteira
familia e o fazendeiro e foi pi’ocural-o á
approvação de Fidelis, que tratou logo de
casa grande.
pôr Motta Coqueiro de sobreaviso. O fa­
A allucinação impedia que Antonica
zendeiro não viu, porém, nas communi-
pensasse na impropriedade da hora esco­
cações do feitor mais do que a reâlisação
lhida, e Manuel João que, lopco também,
dás suas suspeitas acerca das intenções
farejava os arredores do casarão, viu-a
dos noivos, tão caros ao seu compadre,
sahir e seguiu-a.
e mais um motivo para insistir com
Tanto bastou para que os ciúmes vehe-
elle a apressar a construcção da casa
mentesdo ex-feitor se reaccendessem n’nm
longe da em que estava agora.
incêndio devastador. Então passou-lhe
Estava quasi a ândar-se o trabalho do
pela razão desvairada' um argumento cri­
embalsamento o brevemente Motta Co­
minoso, que lhe explicava o affastamento
queiro devia retirar-se. Urgia, portanto,
e 0 odio de Mariquinhas. •
tomar todas as providencias para que o
Antonica tinha tratado núpcias com o
sitio ficasse em paz durante a sua au­
sência. vendeiro ; tinha-a visto dar ao seu com­
panheiro as mais claras provas de affecto
— Compadre, disse um dia Motta Co­ na sempre lembrada noite de Santo An­
queiro a Fi’ancisco Benedicto; eu vou de­ tonio, tão cheia de doçuras para elle ; e
marcar as terras em que você ha de le­ não obstante o ex-faitor via a noiva do
vantar a casa. seu amigo acobertar-se com a noite para
— A fallar verdade, compadre, respon­ entrar sosinha na casa grande.
deu 0 aggregado ; isto não me está chei­ Qaem poderia desponvencel-o de que
rando bem. Parece que me quer pôr fóra igual scena não era representada pela
de sua casa,e não tem franqueza de dizer. preferida de sua alma, causa de todos os
— E’ uma desconfiança para que não dissabores que lhe entresticiam agora a
lhe dei causa, compadre; o que eu quero existência?
o u A PENA DE MORTE 71
Esporsado pelo desejo de viagar-se dp cedo lhe foi transmittido pelo moleque
Mctta Coqueiro, o ex-feitor correu até o Carlos, veiu tiral-o da anciedade em que
casarão, nias em vez de toater á porta se achava.
Mariquinhas convidava-o a ir imme-
quedou estatelado.
diatamente encontrai-a, em quanto nao
N’e^te homem tão malvado quanto ap-
pveheasivo, a covardia exce.üa a todos havia quem os visse. Ella esperava-o por
detraz das casinholas dos fundes das sen­
os defeitos moraes, que o convertiam em
zala.
um ente execrando.
O ex-feitor correu promptamente e
Ponderou talvez quão tremenda era a
c im effeito ahi encontrou Mariquinhas,
odiosidade qne o seu passo ia provocar e
graças a tatica da tia Balbina ; o que,
recaou diante d’elle, s'^m lembrar que,
porém, não poude gozar f.d a effusão de
attenta a idea que fazia da visita da
affectos com que o desgraçado contava.
moça á casa grande, era um perjúrio o
A cólera irrompeu-lhe erriçala e bru­
seu silencio.
tal, e Mariquinhas seria por elle estran­
Não foi só para o Gx-foitor que a
gulada, se um soccorro inesperado não o
visita de Antonica teve uma interpretação
pouco lisongeira ; o proprio Motta Co­ impedi.sse.
Fidelis appareceu de subito no momento
queiro deu-lhe uma explicação injusta.
Recordan 1o-se das informaçõas qne
em que espumando, como um cão hydio-
phobo, Manuel João puchando pelas tran­
acerca da família de Francisco Benedicto
ças de Mariquinhas, fal-a tombar em
lhe foram ministi'ad»s por Ifidelis, o fa­
zendeiro viu apenas no acto de Antonica terra.
um ardü vergonhoso para que o aggre- O preto não disse uma palavra, mas,
gado podesse continuar a l'esidir no ca­ vibrando vigorosamente o cabo do reben­
sarão. que sobre 08 punhos do aggressor, conte­
Naturalmente attencioso para com todos, ve-o na sanha feroz.
Motta Ccqueiro foi entretanto desabrido 0 cobarde deitou a fugir pelo campo
para com Antonica, e sem dar credito aos do sitio.
protestos da moça, que ae desfazia em VI
prantos e desculpas,concluiu por dizer-lhe:
— O seu pai faz muito mal em pol-a a
A CONSPIRAÇÃO LATENTE
serviço de seu pouco juizo ; eu não sou o Na verdade foi alumiado por uma boa
homem que elle pensa. Pode dizer lhe qué estrella, quanlo fugia miseravelmente,
se serviu de r.áüs recu.’‘sos; Estes são sem reagiu sequer pe'a palavra contra o
para o Vianna, o Sebastião e o Manoel castigo que recebeu.
João. Arrependido estou eu de ter consen­ Uns minutos mais de demora ser-lhe-
tido que elle viesse para as minhas terras ; hiam mais desastrosos, senão de todo
bem razão teve o Dr. Manhães. Isto já fataés, porquanto fôra mister haver-se
passa da escandalo e eu vou acabar de com 0 amo possante e justiceiro e agora
uma vez. quasi alluoinado ao saber do repugnante
A visita fi i pouco demorada e só alguns attenta do.
minutos haviam decorrido depois que Chegando ao logar em que Mariquinhas
Manuel João assistiu a entrada de tinha sido duplan ente desacatada por Ma­
Antonica, quando viu a s.ihir soluçando. nuel João, Motta Coqueiro, ao ver a moça
O zelofo amante retiiou-se então para Cvm 0 rosto sumido entre as mãos a a so­
casa, e, sem poder explicar o que vira, luçar inconsolavelraente, accenleu-se em
perguntav.i a si mesmo se não desvaira­ uma cólera tarbilhonante, indómita, as­
va n’um pesadelo. Um recado, que muito sombrosa e querendo punir o aggressor,
72 MOTTA COQUEIRO

que fugira, ordenou, com gritos frenéticos, procurando uma farda para estas cos­
que lhe trouxessem o alazão. tas.
A circumstancia da hora impediu o A alegria hospitaleira do prudente ven-
prompto cumprimento da ordem ; ainda deiro foi logo obrigada a retrahir-se.
0 valente animal de largo folego e car­ Manoel João tomára a palavra e, depois
reira tempestuosa pastava namorando de narrar todos os seus soffrimentos e
com relinchos galanteiadores o loto que o torpezas, acabou por interessar vivamente
cercava. 0 vendeiro :
Em vão d’ahi a pouco aos repetidos
—'Agora escute bem, sím Vianna,eu ao
upas do cavalleiro, o alazão, quasi cosido
menos tenho uma gloria, é que hei de
com a gramma, mediu á brida solta o
vingar-me d’aquelle demcnio. Deixe-me
campo do sitio e depois em rapida an­
pensar e verá. Elle me fez uma ; ha de
dadura 0 caminho que ia ter á venda do
pagar-me com juros,ou não estou faltando
Vianna.
com você.
O brutal aggressor tinha podido occul-
tar-se em logar seguro e d’ahi observar O vendeiro, vivamente impressionado
sem ser visto todo o movimento dos es­ com 0 que acabava de ouvir, ficou medi­
cravos e de Motta Coqueiro para captu­ tando por largo espaço. Tinham-se-lhe
rarem o. extinguido os bocejos,e as palpebras como
Entretanto Manuel João não tinha cor­ que se lhe paralysaram. T=’mia que fosse
rido até grande distancia ; achava-se a descoberta a sua familiaridade com Ma­
meio caminho da venda e d’ahi podia nuel João de quem fôra até certo ponto o
illudir todas as pesqüizas. instigador.
Quando estas afrouxaram, Manuel Diversas vezes o vendeiro levantou os
João, deixando o seu escondrijo, cami­ olhos e cravou-os no rosto do ex feitor,
nhou cautelosamente até o logar onde o mas, encontrando as feições decompostas
presentimento conduzira também, havia do amigo, desviou o olhar. Visivelmente
poucas horas, o fazendeiro. 0 Vianna temia emittir a sua opinião.
Como uma aranha enorme no centro de — Quer dizer-me alguma couza, seu
immensa teia, Vianna estava no meio da Vianna; falle porque eu ainda tenho ou­
vendola sentado n’um caixão e com o vidos.
tronco recostado em um sacco de milho. — Você não se zanga ?
A ociosidade zumbia-lhe em torno a — Pode dizer para ahi.
desafiar-lhe bocejos e pairava-lhe já nas — Fallando verdade, Manuel João,
palpebras, que pestanejavam morosa­ você foi um desastrado, e a cousa póie
mente. custar caro.
Fdra chilravam as cigarras e estalava — Pois sim; se não fosse por is o era
ao calor, um panno de fructos de mamo­ por aquiilo ; o diabo andava-me com sede.
na estendido ao sol. — Mas se você não provocasse.
Manuel João penetrou de um salto no — Deixe passar o tempo; você não ha de
interior da taberna e antes que o vendeiro fallar mais d'este modo, póle ir ponrfoas
tivesse tido tempp de espairecer o susto, barbas de molho. Lembra-se do dia em
já 0 hospede tinha entrado para uma sa­ que sa Antonica ia-se aff jgando ?
leta que se abria scbre a sala da venda, — -Tenho de cdr.
— Veiu alguém procurar-me aqui ? per­ — N’esse dia foi que se descobriu qual
guntou 0 ex-feitor. das tie s.era a que elle estimava ; beijou
— Temos novas artes, bregeiro ? quem 5« Antonica á vista de todos.
é que havia de vir px’ocural-o ? Tu andas A testa do vendeiro enrugou-se.
o u A PENA DE MORTE

—Depois, continuou Manuel João, com merar coótrariedades em torno de Motta


eîstes ollios que a terra ha de corner eu vi Coqueiro a esbarral-o de enconh'o a ellas.
muitas vezes sa Autonica entrar na casa A canôa que levara a familia para a
grande, sosinhae de mute. cidade tinha voltado e uma carta escidpta
— Ora elle é como pai d’ellas ; inter­ pela esposa de Coqueiro, veiu collocal-o
rompeu O vendeiro profundamente des­ em posição embaraçosa.
peitado ; não extranho que eUa o procure. Na carta, a Sra. D, Maria, depeis das
— Mandou uma negra fazer quartos a expansões peculiares a uma ausência de
sa Antoüica e, qusndo esta peiorou, man ­ consorte, occupava-se com a moléstia da
dou para lá a Balbina, o estupor da fei­ Carolina, nestes termos :
ticeira. — A x’apariga está salva, graças aos
— Tudo isso não prova nada. cuidados do medico, mas ain-la e$tá muito
— E’ verdade ; mas o que prova é que abatida. Vou, porem, communicar-lhe
ha muito tempo que você pediu sa Anto- uma cousa curiosa a respeito :
nica, e o pai não ata nem desata, e ella O medico,admirado do desvello com que
mesmo não faz caso de você. tratava-se Carolina, disse-me que ella não
Manuel João tinha tocaio a chaga que 0 merecia, porque a doença não era na­
sangrava o fingido vendeiro. Viauna sen­ tural, mas sim provocada pela escrava.
tiu-se mordido pelss prosas afiladas do Como ara de meu dever interroguei-a e
despeito, quando Antonica tnaltratou-o depois de muito negsr, confessou por fim
positivamente, e desde então ruminava no que ora verdade o que o medico revelou-
isolamento a desforra aodasabrimento da me, e contou-me o seguinte ;
moça.
oc No dia em quo adoeceu, accordou-se
Fechava-se com esta idéa e não queria
mais cedo do que devia e, para não ser
vêl-a transpirar ainda a cnsía da propria
enganada pelo somno e assim faltar a
ievista,re 301veu-saanão|tornar adeitax’-se.
vida, pensava que ninguém tinha ainda
percebido a friosa de Antonica para com-
Como' o luar era claro como o dia, diz
sigo e por isso contemporisava. Agora
ella que, para matar o tempo, sahiu o
porém sabia de improviso que outros
poz-se a passeiar por perto das casas da
olhos, outra perspicácia devassaram a
fazenda. Assim fci andando até a casa do
causa das suas meditações de vingança.
compadre.
— E 0 que tem você com isso Î excla­
Abi tomou um violento susto porque
mou 0 vendeiro. Cuide de si e olhe que
inesperadamente estacou diante de dois
não lhe sobra tempo.
— Eu já sabia que havia de ficar sosi- vultos.
nho, atalhou Manuel João ; mas não sou Estes, percebendo a sua chegada, cor­
eu quem é o noivo d? sa Antonica e por­ reram e ella poude reconhecer Mancei
tanto não sou tambam eu quem mais João e uma das filhas do compadre, que
raiva mette ao capitão. Não toma tento lhe parbceu ser a Mariquinhas, aquella
não e eu lhe mostro. Mariquinhas, que nds tinhamos por uma
Corto do effeitp'das suas palavras, Ma­ ssnta.
nuel João retirou se da taberna, deixando O choque soffrido por Carolina fez-lhe
Vian na entregua ás mais assustadoras mal e quando voltou paia casa sentiu já
conjecturas acerca do seu destino. os primeiros symptomas da moléstia, que
No sitio de Motta Coqueiro duas pes­ quasi matou-a.
soas padeciam horrivelmente ; eram An­ Não querendo dar parte de doente, por­
tonica e 0 fazendeiro. que se envergonhava de dizer o que ti­
O accaso parecia divertir-se em agglo- nha, decidiu-se a tratar-se por si mesma,
74 MOTTA COQUEIRO

tomando um chá que lhe disseram que de Lucio e Motta Coqueiro reinava a mais
era bom. iri’eqwiciliavel dísivença.
O remedio, porém, longe de fazel-a me­ LiMo vivia de ser votante, uma profis­
lhorar, deu em resultado o trabalho que são muito rendosa e uma posição muito
temos tido para cural-a, e o susto que respeitável na roça. Sómente é preciso
tivemos de perdel-a. sabor fazer o oflficio de votante, que tem
Vim depois a saber por uma das mu­ callos bem doloridos.
camas que Manuel João era amante de O votsnte é o guarda costas da aucto-
Carolina e ella conflrmou m’o. ridade e da influencia do logar; deve
Avalie quanto estes factos devem ter me expôr por elles a propria vida, como os
incommodado. Eu sempre tive escrúpulos antigos germanos expunham a sua pelos
das relações com a familia do compadre, seus chefes.
e agora impressiona-me extraordinaria­ Quando algum individuo incommoda
mente a lembrança das suas familiari­ de qualquer forma a influencia ou a auc-
dades com essa gente. toi idade, estas esmeram-se em acobertar
fia por força um fundo de verdade na o seu resentimento e impellem contra o
confissão de Carolina e péssima vista, fará individuo votante, — especie de cão de
a sua convivência em uma casa, que dá fila que dorme lhes á porta.
guarida aos caprichos dos feitores.» A difFarença entre os dois aoimaes é que
Depois d’estas considerações e de re- — um ataca de frente, corajosamente, na­
commendações familiares, havia na carta valhando e dilacerando com os dentes
ei te post-scriptum : amolados ; — o outro assalta traiçoeira­
— O embalsamento da madeira parece mente e maneja a espingarda ou a faca,
que não terá fim tão cedo. pelas costas da victima.
Da primeira leitura Motta Coqueiro' Lucio, havia algum tèmpo, tinha ser­
comprehendeu apenas que havia esperdi­ vido para signiflloar a Coqueiro o desa­
çado os seus seatimentos generosos, grado em que tinha incorrido para com
quando eúcsrregou-ss espontaneamente 0 subdelegado de Macabú, honrado con­
de punir o que elle chamava um miserá­ servador que dominava o logar, e que,
vel abuso do ex-feitor. para avigòrar-lhe a dedicação, ameaçava
Também da sua memória varreu-se a constantemente o fltl Lucio com um es­
lembrança de Manuel João, por isso que o pectro horrendo— a praça.
seu acto appareceu lhe então ante a me­ O resultado obtido pelo rapaz foi g?nhar
mória revestido com as rudes mas justifi­ uma inimizade, e esta demonstrava-a cla­
cáveis asperesas de uma soena violenta de ramente 0 fazendeiro negando a Lucio e
arrufos. a todos os seus p írentes passagem pelo
Nasceu-lhe, porém, uma repugnância seu sitio.
invencivel para com a familia du com­ A prohibição tinha sido respeitada por
padre, a quem por piedade dias antes muito tempo, mas agora acontecia o^C-n-
recomeç;ra a tratar branda neníe. trario; Lucio, a pretexto de visitar Fran­
Um incidente veiu ainda aggravar esta cisco Benadicto, fazia do sitio o seu ca­
aversão. minho.
Visinho ás terras do sitio morava Lucio Conhecida por Motta Coqueiro a quebrã
Ribeiro, alcunhado c capadocio. Era um da pena que tinha imposto a Luclof
miilatinho da vinte e dois annos, fran­ e infjrmado de suas relações .com'
zino, de modos bruscos e palavras atre­ Francisco Benedicto, o fazendeiro fez
vidas. Desde longa data entre a familia d’isso um motivo para renovar, mas já
ou A PENA DE MORTE 75
em tom de intimação, o pedido ao com­ tava no terreiro da casa grande ora a ler,
padre para que fizesse a sua ca sa ., ora a fumar distrahidamente, ella collo-
— Ouça, compadre, disse elle a Fran­ cava-se junto da moita que ficava ao lado
cisco Benedicto ; vocô pensa que é por do casarão e, pelas malhas do trançado de
Ihe querer mal que eu insisto em querer arbustos, contemplava-o extatica. Só a
que. você faça a sua casa ; e no entanto noite tirava a do seu observatorio.
quero apenas evitar questões. Ainda Uma tarde esta contemplação foi per­
hoje disseram-me que o Lucio faz ca­ cebida por Motta Cóqueiro, que se apiedou
minho pelo sitio e desculpa-se com visitas do desditoso affecto a que elle, por sua
á sua familia. Eu não posso prohibir que honra, não podia bafejar.
você se dê com este ou aquelle, mas não Teve sinceramente piedade de Antonica
posso con 'sentir que entre pela minha e duas vezes agitou o lenço chamando-a
casa dentro um individuo que insultou-me para junto de si.
gratuitamente. Em todo caso, quando Uma recordação prohibitiva interpôz-
voltar ao sitio, desejo achal-o mudado. se-lhe, porém, aos sentimentos compas­
Francisco Benedicto nada objectou. sivos, lembrou se da carta de sua esposa,
O silencio de Francisco Benedicto foi e uma força invencivel impelliu-o a re-
apreciado por Motta Coqueiro a boa parte, lêl a.
e o fazendeiro e atendeu que estava resol­ O só contacto do papel íêl o estremecer;
vida a grande questão da mudança. parecia ter entre mãos uma sentença
Por esse lado creu estar descançado e cruel. O presentimento tornou-lhe maior
continuou a cuidar nos seus trabalhos a avidez da leitura, que ante mão assim
para termina\-os o mais promptamente abalava-o.
possivel e deixar o sitio que tanto encom- Os primeiros períodos desfizeram quasi
modava-o agora. totalmente o estado moral que o abatia,
Fensava em Antonica maldizendo a fa­ e Motta poude sorrir ás veladas insinua­
talidade que arraigara tão intensa paixão ções da sua esposa. Para o fim da carta
para a qual nem por um fugitivo pensa­ a impressão foi bem diversa e o fazendeiro
mento elle quizera contribuir, e no em- chegou a repetir alto os dois periodos.
tanto collaborara com a esperança. a Avalie quanto estes factos devem ter
A moça vingava-se do desabrimento me incommodaio. Eu sempre tive es­
com que foi tratada na ultima vez que crúpulos das relações com a familia do
tinham fallado, deixando delir a sua for­ compadre, e agora impressiona-me extra­
mosura por uma consumpção rapida e ordinariamente a lembrança das suas
fatal. familiaridades com essa gente.
Gomo a nuvem negra que, embora car­ Ha por força um fundo de verdade na
regada de aguaceiro, deslisa sem ruido confissão de Carolina e péssima vista fará
pelá face do ceu, Antonica, embora aver- a sua convivência em uma casa, que dá
gada ao soíírimento, vivia sem um ai ao guarida aos caprichos dos feitores. »
lado do eleito dos seus sonhos. A odiosidade de que vivia cercado em
Procurava evital-o sem affectaçâo, sem Macabu, as provocações de que era alvo
uma só asperesa de despeito, mas, ás para que desorientassem-o dos caminhos
vezes vencida pelas necessidades do cora­ da prudência e pei‘dessem-o n’uma pre-
ção e ao mesmo tempo contida pelo orgu cioitação; as calumnias que arrebenta­
Iho do amor despresado, guardava um vam do anonymo, á semelhança de uma
meio termo que aliciava-lhe os olhos e nuvem de mosquitos de um pântano, e
sopitava-lhe o tormento. assediavam-o entre zunidos importunos
Quando & tardinha o fazendeiro se sen- 6 mordidelas incommodas; as ciladas
76 MOTTA COQUEIRO
qua a todo o momento enredavem-lhe os dações sagradas das alegrias e saudades
passos; o seu viver de isolamento que, de seus filhos e além d’ ellas gravavam o
averbado de misantropia, abria largo e nomé'da esposa, o querido nome da com­
attrahente campo ás intrigas as mais panheira de iüfelicidades e de venturas.
abstrusas, tudo isso borbulhou da me­ Entretanto, como uma cascavel occulta
mória do fazendeiro e, escoando-se pelos sob ílôres, negrejava sob a assignatura
raciocínios exaltados, alagou lhe o cora­ 0maldoso post-scriptum: O embalsamento
ção de uma inundação de fel. da madeira parece que não terá fim tão
A carta cahiu-lhe com as mãos sobre cedo.
os joelhos, ao passo que o olhar se fixava Apezar da apparente despretenção da
no céu. phrase, Motta Coqueiro sorprehendeu a
A pouco e pouco, porém, as rugas da suspeita que n’ella delicadamente se en­
testa e a saliência exagerada das sobran­ volvia.
celhas, que lhe davam uma apparencia de De feito, a moléstia de Antonica tinha
intratabilidade antipathica, foram esvae- occasionado uma demora no trabalho, por
cando-se e o semblante retomou a sym- isso que era impossível éxigir de Fran­
pathica seriedade habitual. cisco Benedicto que abandonasse a filha
E' que a paz da oonsciencia asserenava- gravemente enferma e se consagrasse
Ihe os temores, e a ingênua confiança da aos interesses do fazendeiro. Demais o
honestidade espancava com os seus cla­ proprio Motta Coqueiro não zelou taes in­
rões os phantasmas evocados pelo receio. teresses, porque maior cuidado o absorvia.
Via-se-lhe na physiOnomia, mysterioso A crise moi’al reappareceu no espirito
livro onde a consciência nos escreve dia já abonançado do homem que se infelici­
a dia, hora a hora, a historia de nossos tava pelo bem alheio.
actos; lia-se-lhe na physionomia uma Havia pouco d>scançára na confiança
serie de interrogações e respostas, no de que ninguém de boa fé pcdcria julgal-o
passar repentino da serenidade para a mal, e agora via diante de si, represen­
perturbação. tando este juizo, a pessoa por quem devia
Ninguém, salvo má vontade extrema, ser mais conhecido, a sua consorte,
poderia encontramos seus actos para com Cumo explicar-lt e a demora pela mo­
a familia do aggregadouraa nodoa siquer, léstia de Antonica? A explicação,que era
tinha sabido repeliii’,a prioeipio com bran-»- bastante para justificar Francisco Bene­
dura e depois virtuosa rudeza, o coração dicto, era inteiraïoentedesarrasoada para
que lhe offerecia, e se alguma culpa tinha si e serviría apenas para aggravar as
na pertinácia do aífecto de Antonica, de­ suspeitas.
via ser lançada á conta da compaixão. Assoberbado pela diiliculda.de da sua
— Não ha ura sé coração bom formado posição, Motta Coqueiro perdeu-se n’um
que possa por um momento fazer-me se­ peiago de soluções, as quaes repellia logo
melhante injustiça, disse convictamente o por improcedentes e coaapromettedoras.
fazendeiro. A noite veiu encontral-o no mesmo logar
Os olhos abaixaram-se-lhe de novo so­ e longo tempo correu sobro elle, profa­
bre 0 papel, que parecia magnetisal-o, e, nando ccm a indifferença da aragem e do
tomando-o machinalmente, Motta Coquei­ luzir das estrellas aquelle padecer injusto.
ro continuou a leitura. Havia bem perto alguém que padecia
Agora encontrava ahi um balsamo para igualmente, alguém que, pela presciencia
a ferida que d’ahi mesmo tinha partido. do amor, advinhava ^ue o fazendeiro
As lettras ameigavam se combinando-se soflria.
em palavras de amor e carícias ; recor- Era Antonica. Postada no seu ponto de
ou A PENA DE MORTE 77
obsei’vaçâo, ella via sempre Motta Co­ — Soffre muito, seu capitão ? Quem lhe
queiro retirar-se do terreiro logo ao .bahir fàz mal 1
da noite. Hoje, porém, o fazendeiro pa­ A voz da moça repassava se de um
recia nem siquer aperceber-se de que phyltro irresistível de paixão ; era o per­
havia muito que a melancolia do crepús­ dão dando-se espontâneo, sem ao menos
culo tinha dado logar ao mortiço treme­ uma supplica; era o consolo a iooplor.4r
luzir das estrellas. que 0 recebessem as maguas sobrancei­
Sem saber como nem porque, Antónica ras que se fechavam no proprio travor,
veia insensivelmente approximando se do como se n’isto se receiassem.
fazendeiro, e, quando já perto d’elle, teve Também o fazendeiro, como se já espe­
a dolorosa certeza de que uma áôr pro­ rasse a inopinada consolação, respondeu-
funda 0 acabrunhava e absorvia. lhe sem sobresalto.
Com os braços cruzados sobre o peito e — Sim, padeço muito.
as palpebras fechadas, a cabeça descabida A resposta foi recolhida na tepidez do
para traz, Motta Coqueiro jazia em im- um suspiro, ao passo que a anciedade
mobflidade de cadaver. apressava-se em ouvir uma confissão li-
E’ facil descobrir qual o fio dos pensa­ songeira.
mentos da amante diante do homem que — E sou eu a causa 1 eu que não tentio
fascinou-a. O amor leva seu egoísmo a juizo ! Meu Deus, para que me foz tão mál
attribuir-se todas as felicidades e desven­ As exclamações de Antónica, se é pos­
turas do ente amado ; imagina que o riso sível dizel-o, eram feitas de lagrimas
ou a lagrima só elle tem força para pro- volatilisadas'; eunhavam-as uma implora­
vocal-os, só elle tom o condão de meta- ção suave e uma piedade indisivel. E
morphosear a existência em bulcõas ou como não ser de outro modo se ella, que
luares, em abystnos trevosos ou em fir­ dãi’ia, para que o fazendeiro tivesse um
mamento constellado. sorriso bom, a sua mocidade brunida pela
Uma injustiça pungente sangrava ainda formosura, os seus sonhos que ainda não
0 coração da Antónica; ella, que se aban­ tinham voado ao limiar dos vinte annos;
donava somente á correnteza de uma se ella, amante apaixonada, tinha-o ante
fascinação, ao deslumbi-amento de uma os seus olhos... soffrendo.
paixão, tinha sido accusada como instru­ As pilavras da moça não foram res­
mento ignóbil manejado por seü pai. pondidas e Motta Ccqueiro ensurdecia-se
Não seria o arrependimento de tão na lethargia da dôr. ' v.
amarga injuria a causa do abatimento E eu que, ha tanto tempo, estou a
do homem que involuntariamente havia vêl-o d’alli, continuou Antónica, e que
monopolisado a tranquiliidade do seu não descobri logo que scffria. Não estava
ex istir?... como nos outros dias, e eu não vim.
Tal pensamento atravessou talvez o Pensei que estava zangado commigo. Só
cerebi’0 da moça, e, como ainda mais do fiquei certa de que seu capitão estava
que as proprias, torturavam-lhe as dôres tliste, porque já tão noite e ainda está
do fazendeiro, Antónica approximou-se aqui fóra.
para levar lhe o perdão. Gomo quem desperta por uma sacudidela
Faltaram-lhe, porém, por muito tempo bimtal, o fazendeiro levantou-se e correu
as forças ; a voz sumia-se-lhe, emquanto os olhos em torno de si, e depois para as
que os lábios eram attrahidos pela palli- mãos, em uma das quaes tinha a carta
dez da fronte do pensativo. amarrotada.
Afinal, derramando uma ternura infi- Antónica, assustada por esses movi­
pita, Antónica murmurou timidamente. mentos, ficou immovel, como se os pés se
78 MOTTA COQUEIRO
lhe tivessem gradado ao solo, e já come­ alguém apparecesse agora, este papel
çava a repreheader-se da uova impradea- que você vê teria toda a razão, e minha
c i a , esperando uma das explosões de mulher podería com justiça aceusar-me.
geaio, tão fáceis em Motta Coqueiro. — E que tem sua mulher e seus filhos
X Mas em vez da censura temida, encon­ com a minha amizade? Pois que me
trou a bene volenoia, e se as mãos, se os matem.
gestos não se avelludaram em affagos, a — Louquínha, faz-me pena.
voz transudou uma compaixão grata e — Paciência, mas é assim ; matem-a e
amiga. sequizerem,mas hei de estimal-o sempre.
— Vocâ faz-me pena, disse Motta Co­ O silencio permeiou a tristeza d'esses
queiro ; não conhece a vida, e vai até o dois corações.
precipicio, querenio arrastar comsigo Passado algum tempo, Motta Coqueiro,
aquelles a quem estima. Deixa-me em oomo se houvesse encontrado uma solu­
paz, Antonioa, Ninguém melhor do que ção decisiva para a sua situação, pegou
eu pdie avaliar o seu soífrimento, mas da mão de Antonioa e perguntou lhe com
tenho necessidade de ser cruel. O con­ voz commovida.
trario era a minha deshonra, o desaso- — Então estima-me muito, Antonica.
cego de toda a minha vida e a sua des­ A moça respondeu movendo affirma-
graça, Antonica. Hoje você ficaria satis­ tivamente a cabeça.
feita com as minhas cariei a s , porém — E é capaz de fazer tudo quanto leu
amanhã, quando os seus pais lhe fechas­ lhe peça. ^
sem as portas, quando todos apontassem-a — Sim, respondeu alegremente Anto­
entre mofas e escarneos, teria de amal- nica.
diçoar-me. Nem você imagina quanto al­ — E’ o maior sacrifleio da tua vida,
gumas palavras que lhe tenho dito, cus- mas sei â tua tranquillidade mais tarde,
tam-me em arrependimento. Julgo-me e 0 socego dos meus. Promette fazer-me Î
criminoso ante os meus filhos e minha — Diga, diga já.
mulher, e entretanto a minha estima por — Eu juro que hei de velar por si,
si não é senão a de um pai. Tenho dé de si. como se fosse seu pai, mas você ha de
Mas, meu Deus, que desgraça é a mi­ fazer a vontade á sua familia, acceitando
nha que não posso nem estar ao pé de o casamento com o Vianna.
vosmecê um instante, sem que logo me — Ah 1 meu Deus ; isto é de mais.
mande embora ; seu capitão ficar Emquanto Motta Coqueiro assim dedi­
horas inteiras a olhar para üm papel e cava-se ao zelo pela reputação de Anto­
não péde me ver nem um instantinho. n ic a 'e pela ti’anquillidade do lar, très
Buscando commover, a moça não fez homens tratavam de minar sem ruido o
mais do que avivar ainda mais na mente edificio de paz que elle tentava consti'uir
de Coqueiro a responsabilidade que lhe em roda de si.
cabia na scena que se passava. Um juramento de mutua defeza vincu­
O papel preferido era a carta em que lava a reciproca dedicação colligando-lhes
estava gravada a suspeita da sonsorte do os,esforços. Esses homens eram Manuel
fazendeiro, e lembral-o importava justi­ João, Sebastião Baptista ou melhor Se­
ficar a delicada reprehensão que no papel bastião Pereira—appellido que o violeiro
occultava. herdou a um seu antigo amo; e o Vianna,
— Não devo consentir, continuou o fa­ 0 mais conhecido dos vendeiros da visi-
zendeiro, porque tenho familia, porque nhança.
tenho dignidade. Basta já de comprome­ O ex-feitor do sitio de Macabú, o covarde
timentos 5 é a sua e minha perdição. Se Manuel João, e o violeiro conspiravam por
uma causa rasoavel ; tiuham leva "ío a iu- As lagrimas denunciaram-lhe osoííiimen-
famia á casa do aggregado e temiam a to que por muito tempo se refolha* a na
punição d’esse acto, punição que elles ima­ esperança, á semelhança de um besouro
ginavam tremenda, porque esperavam-a negro no cálice de uma açucena.
fulminada por Motta Coqueii’o. Aqueilas grossase tarda» lagrimas eram
A situação do violeiro aggravara-se de a serie dessorada das ardentes illusõ^s de
fórnia que para qualquer p^rte que elle outr’ora, hoje frios cadaveres; corriam
olhisse não descortinava senão trevas e striadas pslo sangue de um coração ulce-
perigos. cerado ; impunham respeito, e testemu­
Em uma das entrevistas com Chiqoinha nhavam a sinceridade da dôr de quem as
0 animo destemido do violeii’o havia en­ chorava.
fraquecido e baqueiado moimo. Sebastião foi compassivo ao encontro
Sustando-lhe intempestivamente as ex- da tortura que lanto alquebrava a moça.
paniíões, cortando lhe de um golpe o íio Conchegou amorosamente ao seu o tron­
dos galanteios seductores, a moça per­ co emmagrecido de Chiquinha, e deitou-
guntou-lhe um dia: lha a cabaça sobra o sau hombro.
— Você pensa que é muito feliz I Vejam sd isto, disse ella tarnamente;
Sebastião riu se com a boa vontade de está aíüicta assim e não me disse nada.
quem tem por horizonte o goso desas­ Diga quem é a causa de seu choro ? eu fiz-
sombrado de uma affeição que se dá, sem lhe alguma cousa ? alguém lhe cífendeu ?
pedir, cpmo
íon retribuição mais do que uma Prorompendo em soluços angustiosos,
hora de jbom humor, e algumas condes- que entreeoi tavam-lhe as palavi as, Chi-
'cendencias amigas. quinhã arrancou do intimo de sua alma
— Boa pergunta esta, Chiquinha, res­ este grito desolado, que lhe maltratava o
pondeu Sebastião; nem eu tenho razão coração, como se fosse uma bala encra­
para pensar da outra maneira. vada.
O semblante tiistonho de Chiqninha — Não é isto ; é uma desgraçada ; ha
inundou-se da tidsteza commovente da já dois mezes talvez que eu sou mãi.
desesperação represa. Ei’a mister entrar \ A dôr de Chiquinha repercutiu intensa
em uma revelação dolorosa que pertur­ no coração do violeiro; era a erupção vul­
baria, ne^ressariamente a felicidade alai’- cânica que, ao passo que esbraseia a ora-
deada alacremente pelo seu amante. tei'a, cobre o espaço de fumo, clarões e
A delicadesa do amor pedia-lhe que se vomitos vermelhos ó faz estremecer todo
calasse,0 melindre do pudor acovardava-a, 0 sólo em derredor.
mas o perigo da sua posição de fllha-fa- Depois de uma longa pausa, que pesou
milia exigia que ella flzoíse o sacrificio e como uma barra de ferro sobre o cora­
desvendasse aos olhos de Sebastião o fu­ ção da moça. Sebastião com os olhos bai­
turo que a esperava. xos e a voz afinada na entoação da an­
— Você vive feliz, nãô é verdade ? ge­ gustia.
meu a voz da moça ; pois eu vivo bem — Só ha um remedio, murmurou ; fu­
triste. girmos.
— Ora essa agora, sa Chiquinha; e — Fugir, mas meu pai, meu irmão hão
quem foi que matou as suas pucas ? de perseguir-nos; mas você prometteu
Esta nova resposta áe Sebastião con­ casar-se commigo. Não quero fugir, não
vencia pungentemtnte á moça de que bem devo.
longe estava do pensamento io seu amante O violeiro estava de feito commovido,
aquilatar a extensão da desgraça que ex- e uão era com o fim de furtar-se á res-
hâuna-lhe a pouco e pouco a exiatencia. poiftsabilidade que propuzera o alvitre a
80 MOTTA COQUEIRO

Chiquinha ; era o laeio mais expedito amigo, 0 Viítnua gritava á porta o fami­
para subtrahil a ás iras da familia. liar— o le d e c a s a ! e entregav'a ao critério
— V jcô disse muito bem, sá Chiqaiuba, do protact.r e guia commum as suas ma-
é uma.desgraçâ, soluçou o violeiro. O que guas e sustos.
não vai ser de nós ; esse maldito càpitão, O violeiro ouviu corn o maior sangue
seu pai ; é uma desgraça, e' o unico re- frio a exposição dos acontecimentos que
medio é este, fugir. Mais tarde eu retne- se atropoJlf.vaLU a favor dos tres con­
diarei o mal, juro. Promstta-me que sa- jurados, raspondeaJo apenas á auciedade
hirá a’esta casa. do Vianna com um frequeafe—-continiie.
. — E’ 0 que quizer, respondeu Cbiqai- Quando Vianna concluiu a narração o
nha; eu já não sei o que faço. afflictissimo começou a dar a'; s úi&bos o
Desde então os amantes esperavam só­ pepsacuento de possuir Antonica, o vio­
mente a opportun) da de para levar a effeito leiro desvtou n’uma gargalhada e-tri-
0 expediente desesperado. dente e franca o exclamou com uma
O violeiro, certo da gravidade do passo alegria feroz.
que ia dar, julgcu-se desde logo irreme­ — Então o T h e h a s está pelo beiço pela
diavelmente perdido acs olhos de Motta Antonica | E’ verdade mesmo, o diabo não
Coqueiro e ateve se resignado-se ao seu abandona cs seus.
/' infortúnio. Não era isto o que os deis interessados
N'este estado de espirito foram encon- esperavam ouvir de Seba-ilião; acalm a
tral-o no dia em que Manuel João tinha do violeiro percudiu-lhes a derradeira
sido forçado peias circumstanctas a dei- esperança e ambos bradaram furiosos:
^ xar 0 sitio. — Com os diabos 1 você está sempre a
Sebastião era a cabeça que dirigia to­ vêr motivo para risadas, mesmo quando
dos os planos astuciosos do triumvirato. 0 caso não é pára isto.
De improviso elle achava os meios para — Pois o que é que vocês querem, con­
obviarem-se difficuldaaes consideî’àdss tinuou Sebai;tião, que não parava de rir-se;
insuperáveis, e além d’isso integrava com, estou com o melro segui o. Vocês vão ver.
a coragem temeraria a covardia dos seus Após a expansão estrondosa, que sobre­
companheiros. Era o Tyrteu no meio maneira desnorteava os dois timoratos
d’aquelles dois lacedemonios irresolutos. conjurados ; Sebastião, assumindo um &?.'
Manuel João procurou o seu valioso grave,poz-se a passeiar de um para o outro*'
amigo sómente na qualidade de hospeije, lado da sala desornada.
porquanto não tinha outra pessoa a quem Durpu popeo a meditação. Acercando-se
recorresse. Também limitou-sa a narrar de Vianna disse o violeiro seiianiente :
0 que so passava com elle, deixando á — Isto de amisade_ df&'.^ais arranjado
margem as relações do fazendeiro com com 0 pobre ó sempre uma boa pulha.
Autonica. Diga portanto cá, seu Vianna; você quer
Vingava-se d’esta sorte do vendeiro que, gastar alguma cousa ou não quer ?
em vez de consolal-o na sua desventura, — Assim como vão ss cousas, respon­
achara azaia cccasião para censural-o. deu 0 vendeiro, ha de ir^Ujio pelos ares.
Certo de que o Vianna nada resolvería Estou prompto para a deagí^.
por si só, encobrir a Sebastião o que — Pois dê-me de cinco a'H ^m ü rêis, e
dizia respeito ao vendeiro importava tor- deixe rolar o dado por minha conta. Vá
tural-o ao menos por alguns dias. para a sua bodega sem medo, porque se o
Mas in felizmente para o ex-feitor o seu iudividuo não lhe mandar tirar a vida
calculo foi de relance burlado; duas horas pelos escravos, ha de pagar-nos com liu-
depois da sua chegada á choupaua do gua de palmo.
ou A l'ENA DE MORTE 81
— Mas O que é que vocô vai fazer? Branco, eile não desdenhava sentar se á
homem. mesa com os genuinos da raça africana,
— I;to é segredo, es orrupiche o cobre, nem com os filhos do seu cruzamento;
que é O que serve. fazia esta sacrifleio a bem de seu negocio.
Satisfeita, não sem escrúpulos e pezar, Também era eile quem apresentava no
a exigíncia de Sebastião, o vendeiro tor­ mercado campista o melhor peixe sal-
nou para a sua vendola, cujas portas teve preso da Lagoa Feia, e a melhor gara-
a precaução de especar solida e cuidado­ poca das mattas de Macabú. Trabalha­
samente. vam-lhe a rasto de barato.
No dia seguinte pela manhã, o violeiro, Activo, diligente, intrigante, tudo a bem
esganchado sobre a ossada do — Suspiro, do negocio, estava sempre trabalhando,
ao qual o micuim conveitera o couro em porque dizia eile—a familia vai crescendo,
um archipelago, marchava para a casa de é preciso aguentai-a.
Lucio Ribeiro. Devotado de alma ao subdelegado, a
Depois dos cumprimentes ao capadocio, quem cham ava-o meu homem—só havia
o recem chegado, ai ranjando uma entoa­ uma affeiçãj que lhe era mais cara—
ção de gracejo, perguntou-lhe de subite: qualquer transacção commercial por me­
—Então como vai de arai ade com o nor que fosse; a esta consagrava se em
tútú cá da terra, o grande capitão ? alma e corpo.
—Mudemos de conversa, respondeu Lu­ Quem fOi'se a Lycerio e lhe acenasse
cio ; aquilío é biscasmha que nunca me com uma n ta do thesouro ou do banco,
passou da garganta. podia descançar, que, se ella chegasse
—lito é fumaça, seu Lucio ; se o ho­ para o preço, estava servido.
mem ficar com o governo, você ha de Tal modo de pensar congraçava em
mudar. torno do negociante rabula uma clientella
—Veremos ; mas alli fica a serra dos immensa e devotada.
Olhos d’Agua e a minha espingarda não A sua casa de negocio, sortida de todos
nega fogo. os generös, desde o medicamento ató a
— E te aÍÊuem mostrasse um meio de carne da xarque, desda a ferragem até
livral-o do licho, você tinha coragem ? as flaas cassas, adaptava-se ao verso e
— Experimente , respondeu resoluta- reverso da vida humana : era para a
mente 0 capadocio. < saude e para a enfermidade.
— Se tens coragem, meu velho, põe os Alii reunia-se a guapa rapasia do
aneios ao teu panga e vamos aoLycerio. logar, 03 galhardos dançadores do fado,
Tu ês também da autoridade e o Lycerio amantes do murro, das brigas de g&llo e
é unha eca;na do subdelegalo. apostas de natação, e o emporio, graças
Dentro em alguns momentos os dois a este ajuntamento diário, assemelhava-
trigueii’os pernósticos marchavam em di­ se a uma oílicina de toques e cantilenas.
recção á casa do amigo do subdelegado. Lycerio animava a freguezia, e demo­
Joaquim Lycerio, conhecido pelo al­ rava com aneedotas e intrigas aquelles
cunha cigano, tinha grande influencia na qhe se queriam aífastar ; a causa era o
localidade, pela sua dupla posição de ne­ borrador, o seu caro borrador.
gociante e chicaneiro. Taes eram homem e> casa procurados
Oi moradores do sei tão confiavam
«
lhe pelo violeiro para desfechar o golpe em
todas as suas causas e embora as perdes­ Motta Coqueiro.
sem, diziam convictos a seu re;peito : Recebido pela amabilidade de Lycerio,
— Atjuillo é que é um homem para pen­ 0 violeiro cortou as expansões do nego­
dências. ciante, bi’adando:
i >1
6

i r*
82 MOTTA COQUEIRO

— Eta U,meu branco; eu não vim para costura ou em quaiqu^r cutra cousa em
a prosa, n as para serviço ; aqui está uma que a senhora tenha de mexer.
de ciuco e eutre p;*r o cscí iplo' io. — Qu'il 0 qu.'î, seu Mrnuel J jão, eu en­
— E’ requerimento, seu diabo, já sei; trego mesmo na mão da senhora ; é mais
alguma cita<,ão para conciliar ; eu tem­ certo.
pero a cousa. — E’ verdade, mas como o amo anda
— Qual renuerimento, interrompeu Lú­ zangado commigo póde se aborrecer com
cio ; é uma carta de recommenda .ão para você por levar uma carta minha á se­
o bom c« pi tão. o no;.so amigo C> queiro. nhora, e a final você vem a sofifrer.
— Cí>spite ! exclamou Lycerio, que per­ O moleque, lembrando-se da ameaça do
cebia 0 sentido dis pal-tvras de Lucio, e seu senhor na noite da primeira eutrevista
a quem é que .se vai recommendar a joia? de Antonica, aceitou plenamente a obser­
— A’ pessoa que ha da gostar muito da vação, e concordou com o expediente
festa; porque o bicho deu ern passari- mostrado polo ex-feitor para que a carta
nheiro d pois dos quarenta; quero r*^« chegasse ao seu destino.
commendal-o a quem se interessa por Estava desfechado o primeiro golpe,
esta nova. cuja prufun lida le o tempo e os aconteci­
Rindo muito amistosamente, os tres in- mentos incumbirarn-se de xiiO.;trar.
terlí cutcres, depois de uma libução a um A opportunidade para o segundo não
copo de vinho, entraram para o esciipto- tardou a apreseutar-se.
rio de Lycerio. Off ndido pela intimação de Motta Co­
' VII queiro, 0 aggregudo tratou de angariar
elementos para a construcção da casa, e
AS INTRIGAS alguns dias depois, graças a empréstimos
De volta da casa de Lyceiio, o violeiio da dinheiro por p a ’te do subdelegado e
congregau os seus companheiros pata dos serviços cfferecidt s por Lucio, o ins­
effectual’ a distribuição dos papéis, qi>e pector André, S-bastião e Vianna, come­
não tardaram muito a ser d esempenhados. çaram-se a fincar cs esteios.
As operações deviam come:;ar com a Lisunjeado pelo acolhimento que rece­
partida de Mwtta Cc queiro para Campns e beu dos seus visinhos, Francisco Béné­
esta elíectuou se alguns dias denois, pela dicte convenceu-se logo, o que era facil
influencia dolorosa que teve no espirito ao s8 u curacter, e.^tar invulner-ível aiante
di fazendeiro a cai t de sua esposa. do seu compadre, fossem quaesquer os
vespera da partida, protegido pela abusos que para contrarial-o praticasse.
certeza que todas as pessoas do sitio nu­ Assim, contra a vontade do feitor, e
triam de que elle não ousaria approximar- zombando até das ameaças d'e.-te, lançou
do seu ex-amo, Maauei João conseguiu mão de beis do sitio para carregar a ma­
fallar a Cark s. deira que tinha necessidade e provia-se
Vinha pedir-lhe uma coisa muito sim­ dos cereaes de que precisava nas ro^iás
ples: ser poitauor de uma ‘carta para a do seu compadre.
Sra. D Mixiia. Kïsus represálias continuadas punham
Um generosg porte cspfou immeclia- patente a mudança de Francisco B'-'nedicto
tamente a boa vontade de Carlos que, no modo de pensar a re.speito do seu pro­
não obstante, tev** mado da empreza por tector, e pela sua gravi lade mesma não
um* circumstancia que lhe foi addicio- podiam passar desapercebidas aos olhos
uada... do violeiro. ,
— Você leva a certa, disse Manual João, O vendeiro foi logo posto em campo
e lá um dia deixa a ficar na cestinha da para extremar de uma vez esta situação.
PENA DE MORTE

Já a nova casa, como um grande es- A moça, que estava cosendo a um canto
qU“ileto, erguia-secoQipleta no seu madei da sala, interveio dissimuladamente na
ramento. Ao la:lo d’ella avultiva-n gran conversa.
des pilhas de sapâ, que eraœ destinadas — M a s eu não tenho vontade de ca-
a cubi'irem a cumieira; e junto das pi­ zar-me, p'^pai ; estou muito creança ainda.
lhas, em enormes buracos, levoiviam-se — Ora vá d’ahi, atalhou bruscamente
as enxadas amassando o barro para su- Francisco Benedicto ; quem sabe se vocô
papar «s paredes. deve ou nâo deve c-.sar sou eu ; póde
O vendeiro, que tinha coatribuido a^saz mecter a viola no sacco.
para a rapida promptifica>^ão da casa O que pass'ju no coração de Antonica
travou conrersa com Fi anoisco Benedic- é indiscriptivel, mas, a julgar pelo seu
to a respe.to m casamento.’ semblante, 0golpe foi tremendo. Ella nada
— Entáo, seu Chico, é d’esta ou da outra respondeu, mas o seu olhar fulminou,
que ha de s ahir o casamento. com a indignação e o despreso, o pertur­
— A sahir, seu Vianna, ha de ser bado vendeiro.
d’aqui, com o favor de D us. Aquella Convencid >de que Antonica submetter-
amaldiçoada casa não me vê mais dentio se-iiia á vontade de seu pai, Vianna es­
de oito dias. merava-se em multiplicar obséquios ao
— Está-lhe com muita gana hoje, mas aggregado, todos os dias de manhã vinha
já gostou bjm d’ella. encontrar-se com eUe no casarão e d’ahi
acompaohava-o á casa nova, onde não sa
— O passado, passado, Hoje até me
poupava no trabalho do embarreamento.
parece que se o casamento sahisse de lá
Era chegado o dia em que se devia dar
voi'ês haviam de t-er infelizes, tem-me
a ultima de mão á obra ; faltava apenas
acontecido alli o diabo ; estou com os ca-
embarrear algumas paredes interiores e
bellos brancos.
assèntar as portas e jsnellas, que não
— Na verdade deu-lhe agua pela barba. eram muitas.
— A'üoceu me a Antcmca prcseguiu Todos os amigos de Francisco Benedicto
Francisco Benedicto, que oesle a queda apresentaram se logo de mannãsinha
no no nunca mais teve saude ; Chiquinha para, em companhia da familia d’este,
está que parece opilada,e se ella já tivesse festejar o final da construe* ão.
ido á igrojabem se podia dizer ao marido Emraucho festivo partiram para a nova
que era tempo de tratar das toucas de lã; casa, acompanhados pelo aggregado, sua
a minha Mariquinhas, que era d’antes mulher, o Juca e Mariquihhas. No casa­
um gaturamo, que passava os dias can­ rão ficaram Antonica e Chiquinha, cujo
tando, anda-me agora com uma cara de estado dê saude impedia-as de caminha­
poucos amigos, nisonha e aoorrecida. rem através do campo, das pioadas dos
— Mas então posso contar com o sim capoeiiões ainda orvalhados.
da sua parte, seu Chico ? perguntou Pouco tempo depois da partida do ran­
Vi&nna. cho, chegou ao casarão, silencioso, o ven­
— Pclavra de honra ! e vai vêr como deiro que trazia as mãos carregadas de
isto se decide hoje, respondeu o aggre- garrafas e o coração cheio ue alegria.
gado. Antonica vein recebel-o á porta e noti­
A ’ noite voltaram para o casarão e ciou lhe seceamente a partida da família.
Francisco Benedicto, chamando sua mu­ Contrariado psla friesa da recepção,
lher, disse-llle que tratasse de vêr o que Vianna apressou-se em despedir-se. Quan­
se haviá de fazer para os enxovaes de do já se havia s ífastado alguns passos do
Antonica. casarão, Antonica fêl-o parar e aproxi
84 MOTTA COQUEIRO

moa-se d'elle, dissimula ndo o odio que Pensa que eu não lhe estimo? E máu
Ihe gerara a persistência do vendeiro no pensar; não lhe estimaria mais uma
desejo de recebei a como esposa. irmã. Pois se vosmecê foi sempre bom
— Ohl seu Vianna, exclamou ella, para mim----e a prova ó gostar ainda
vosmecê está se enganando por seu gosto, de uma pessoa que já lhe maltratou. Mas
ouvindo 0 que papai lhe diz, Ea não escute, eu juro-lhe pop Deus que nos está
quero esse casamento ; e não se deve ouvindo, se eu pudesse... mas não está
obrigar ninguém para esse fim. etn mim, é um feitiço; tenha dó, vosmecê
— Isto é criançada que ha de acabar teve mãi e pai, pelo amor que lhes teve
com 0 tempo, sa Antonica ; respondeu me perdõe. E’ que eu nunca vi veria con­
Vlanua dando ás suas palavras uma pun tente.
gente entoação de mofa.—Quer saber, eu Estavam claramente provadas as affir-
apanhei, outro dia uma jarity no ninho ; maçoes de Manuel João; o vendeiro ouviu
levei-a para casa, e prendia-a n’um v i­ no soluçar da supp ica de Autanica a reve­
veiro. Que bonito passaro é a jurity, não lação de um amor profundo, arraigado,
^ ^ Pois esteve bravo e quasi morreu, mortífero.
tanto bateu com a cabeça nas taboas do Não era igual a esta a aífeição que elle
viveiro. Hoje está mansinho como um votava á moça; era uma cousa que im­
cordeiro e macio como um vellulo. As pressionava às veze«, mas que nunca lhe
mulheres todas fazem como as juritys j ensombrara a razão ssq er um momento;
amansam-se. Bom dia, sá Antonica nunca lhe arrancára lagrimas e soluços;
A dôr de tamanho escarneo encheu de nunca lhe diminuira ao menos o apetite.
desanimo a debilitada Antonica. A ’s conti­ Molestou-o, é verdade, o mau trato que
nuas vigiliss pranteiadas, que eram o seu recebeu da sua noiva, mas do mesmo
viver desde que ouviu a seu pai a senten­ modo que o melestava a firmeza de um
ça que tanto lhe torturava o coração, a freguez quando, para não chegar ao preço,
moça debatia-se em meio das mais atro­ ia fazer negocio em outra venda. Demais
zes angustias. elle não pensou nunca em triumphar
De um lado flagellava-lhe o seu amor senão em virtude da sua posição de nego­
prude^ntemente regeitido, de outro a im­ ciante e credor do pai de Antonica. O seu
posição cruel feita á toda a sua vida. Do casamento foi sempre, no seu entender,
meio d’e-se flagelle elevava-se-lhe o espi­ um problema que, mais do que o coração,
rito para logo desmaiar em acerbas in­ a gaveta do seu balcao podia render.
consequências Ao dar de face com esse mundo de ago­
Já não sabia resolver-se, boiava á mer­ nias plangentes, a sua innata grosseria, a
cê de esperanças, á feição de illusões ca­ sua alma semelhante ás prateleiras da sua
ducas. Imaginara moitas vezes que as vendola, pouso e attraeção do mosqueiro,
suas lagrimas teriam forças para conven­ a sua falta de sensibilidade emflm só en­
cer 0 vendeiro de que elle só conseguiria controu uma pergunta bestial, e uma
fazer a sua infelicidade, e então deleitava condicção miserável.
em sonhar a piedade d’esse homem com- — E’ a quem é então que sa Antonica
movendo-se diante da sua sinceridade, estima? Se me disser o n om etilvezeu
e salvapdo a de um martyrio sem fim. ceda.
Assimí, pois, em vez de romper como O pudor da moça cobriu com um veu
era de esj-erar do seu genio fogoso, Anto­ roseo 0 nome pedido, e o seu olhar in-
nica apenvs desculpou-se e supplicou.
flammado, convergindj para o collo, para
Nem sempre as juritys se amansam, esse espesso involucro do coração, fazia
as vezes as coitadas morrem de desespero. pensar na espada de fogo do archanjo
velando áà portas do Elen. Aqui o pa­ julga deshonrada a mulher com quem
raíso era o cora<jão do Autonica habitajo quer casar, malvaio.
pela imagem do fazendeiro. Apezar da provocação, em vez da la­
O pu'iu'0 silencio da infeliz deu azo a mina pr.lida 0 violeiro desfechou sobre a
uma nova grosseria. moça uma gargalhada, très vezes peior
— Entãonãí) tomos nada feito; riu des­ do que o golpe.
denhosa mente o venleiro. Afinal nao vaie — Descance, Sra. d o n a ..., não ha de
a pena fazer mysterio d'aquillo que todo perder a sua vez ; por ora é colo ; mas
0 mundo stba. não ficará para semente,
— Quem ? intei rogou :Antonica, é um A crueldade dos desdens de Vianna
segredo só meu, e por isso mfsaao deve- contiveram a desgraça ía moça. Ao passo
se ter dó. que 0 insultador, despeitado, aff:stava-se'
— Sim, eu tenho õó de seu pai, que ella quedava perplexa, não adiantava.
vive engsnado e áeshonrado pelo mal­ Havia de feito entre elles um grande
vado do capitão. charco de lôio ; — era o caracter do ven
— E’ falso; é uma calumnia. Eu já deiro.
não lhe peço nada. Faça o.que quizer.
A sua phctbographia perfeita foi feita
Digo-lhe só isto ; não hei de dobrar me
n’uma phrase de Antonica relembrando o
á vontade de meu pai; não hei dedr atu­
insulto que foi vibrado por Vianna, qua ndo
rar as suas maldades, seu malva:i^o; só
lastimou a deshonra paterna pelo capitão.
se quizer c-sar com uma defunta. Era o requinte da hypocrisia fundabu-
Vianaa poz se a rir desaforadamente, ,
lando com a mais negra das torpezas.
e a sacudir o corpo com um movimento Dspois da longa quietação, semelhante­
convulso; depcds parou de ehcfre e per­
mente 80 que sacode um pesadelo, e por­
guntou entre uma g3r.galhada.
que ainda ante os olhos vê as larvas tru­
— Fica rre-mo aqui' no casacão, ou o
culentas que 0 sfíligiam, foge ao logar
cspitãu manda f zar casa nova ?
em que dormia e não se liberta da
A vehecEcnna do insulto occasionou
impressão desagradavel senão ' ao ouvir
um verdadeiro sceasso de Icucura na hu­
uma vozhum aoa; Antonica, ao recupe­
milhada Antvuica. Com uma temeridade
rar a calma após a lueta violenta com
inaudita, a sua mão pequena agitou-sa
o vendeiro, correu ató o quarto em
no ar e, certeira, ine-paradamente espal­
que, suspirando á vergonha, e carpindo
mou-se na face do vendtiro.
0 seu erro, Chiquinha madornava a pros-
— A larga faca polida, a companheira
tiação moral que a extenuava.
in eparavel dos rcceiro?, luziu vibrada
A h i, como a criança amedrontada,
pela ríjào possante do vtndeiio; que vo-
subiu apresíala ao leito e conchegou a
mití u colérico uma pungente injuii;.
cabeça afogueiada ao collo de Chiquinha.
Antonica immovel, braços crusados so-
As lagrimas desencadeiaram se-lhe, e,
bie o collo cíf-eganw, o olhar vivaz e
com ellas, um soluçar nervoso.
percudente, espeivu impassivel o desfe­
char dog'i Ipe sem pôr dique á sui cclera A enferma sc fíria assaz para saber com.
prehender as cíôres alheias, porque des-
indomável.
— Poles m at.r mc, seu mi>eravel; graçadamen'e 6 preciso adõr para aferir
antes o cHs;: rão do que a casa de um co­ a dôr.
varde. E’ bté um beneficio; mate-me de Com a V z húmida de ternura e com­ ‘ 1
uma vez. Mate-me pojque ó a verdade : paixão, escondendo nas palavras o es­
eu amo, sim, ao capitão e só elle, qua não panto, Cí iquinha, anediando os Cabeilos
tf-
é mheravelcomo tu, iafím e, hcmem que de Antonica, perguntou-lh e com a delica-
86 MOTTA COQUEIRO

deza que os seotimentos fraternaes em- alvura da albumina, o banqueta comme-


p estam á mu her : moi ativo GO acontecimento.
— E’ possível, minha irmã, que também A cçsa m-va, iraroovel, apresentava ao
você s«ja tão desgraçada como eu ? 1 . . . norte a frente rasgada até meia altura
— Mais ainda, Cftiquinha, soluçou An- por uma porta estreita e duas jáneilas a
tonica, eu amo, e nem devo dizer—amo. pouca distancia d’etta ; parecia um con­
Uma scena tocante de amor fraternal, viva irrosoluto no brodio sertanejo.
consorcio de sentimentos puros na des­ Très janellas lateraes abriam-se para o
graça, sem estudo, sem arte como a fusão oriente e outras tantas para o occiciente.
das aguas de dois affluentes em um v - Ao fundo, como uma aza cabida, declivava
lume unico, largo, magestoso, correntio e do tecto um meia agua que era destiaa-
limpo, seguiu-se ás primeiras palavras da a ,>esempeahar as funcções de cozinha.
das duas moças. Tudo vestia-se de duas rôres apenas,— o
As lagrimas, o sagrado baptismo do avermelufcdo du barro e o pardacemo do
infortúnio, lustravam-lhes o passado, onde sapê e da madeira das portas e janellas
as douradas illusõas do amor converte não pintadas.
ram-se a pouco e pouco em phantasmas
Em torno da casa adeusava-se a mata,
ominosos, cuja projecçâo assombrava-lhes
só 1’areiada em uma largu a de duas ou
0 presente e agourentava-lhes o futuro.
très braças, as quaes davam logar ao
A communicabilidade das dores since
leito da estrada, que se alongava a per­
ras estabeleceu se promptamente ent) e
der de vista, em plena franqusza de suas
as ouas irmãs, e d’ahi a pouco nenhuma
curvas caprichosas como as do serpeiar
d’ellas tinha segredos para a outra. Chi- da cobra.
quinha não tmha pintado ex&ctamenre
a sua situação; mas sobre o que occultou Sobre tu lo isso reinava a eterna rotina
impunha-lhes silencio o pudor. da natuieza; os mesmos garganteios
Seriam duas ou tres horas da tarde acontralíados lo nhambú, cs pios e
quando Sebastião, que na qualidade de chilros da passarinhada, os zumbidos dos
homem entendido em cai pintaria tinha • insectos, o murmur dos veios û’agua nas
desempenhado o papel de mestre da obra, grotas, 0 azul intenso das serras pró­
pegou de um martelio e repicando com ximas e 0 desmaia -o azul do Armamento
elle sobre üm banco de carpinteiro annun- e da cordilheira distante.
ciou o completo acabamento da casa. Alegres e lisongeiados pelas provas de
Francisco Benedicto, que desde a che­ gratidão que recebiam, os hospedes e
gada- ao logar da nova habitação, teste protectores de Francisco B meoicto senta-
munhava a sua alegria repetindo visitas vam-sa á mesa com o desembar çato ap-
ás garrafas, ergueu no ar um caneco petita de quem acaba oe trabalhar braçal-
cheio de vinho e agradeceu os serviços mente. Demais erguiam se das terrinas
dos trabalhadores por um brinde laconico uns vapores trahi .do adubos esmerados e
e sincero : vivam os bons amigos I conscienciosos.
Todos acompanharam a expansão e Cuoi pre notar quo o contentamento ge­
rindo alegr^mente, foram sentar se á ral não privava todavia a solicitude hos­
sombra de nnoa copada angelineira que pitaleira da família e assim foi que não
brac^^java a ramagem i’obusta perto do passou desaperc-bido o niau humor de
terreirinho do e iflcio rustioo. que diva mostr .s o Vianna da venda,
Sobre 0 chão e-tufado pela folhagem um dos que mais tinham coatribuido para
morta e cahida da arvore, a mulher do o feliz exito da construeção e para a ap-
aggregaào estendeu sobre uma toalha, da pai’encia lauta do banquete.
ou A PENA DE MORTE

Além d’isso, Antonica e Chiqu'nha, que mas eu não sou o dono da festa, a culpa,
tinham chega^lo por ultimo á reunião, con­ é to la óo Vianna que, sempre que a
servavam-se visivelmente tristes, e man­ gente fs-l a no caso. fica extranhão como
tinham tão granle reserva com os cir- Qtna creança de peito.
ciirnstantes que foi nece-sario explicar — Pois isto não 'se faz aos amigos,
peln moléstia esto facto inesperado. Sr. Viaana, continuou o subdelegado, á
No fim do jantar o subdeleg do Oliveira, me tida que cammhava para o vendeiro.
a quem já o gárrulo aggregalo havia an Pondo lhe dep >is as duas mãos sobre
nunciado o proximo enlace de Antonica os hombros e sacudin to o amigavelmente
com 0 vendeiro, admirado do aífasta- proseguiu:
mento requ ntíido entro os noivos, acer­ — Já tem padrinhos, seu maganão? O
cou-se do inspector André e disse-láe sei^^redo n’estes negocios é grande tc-
muito á purioa ^e: leima.
— On! seu André, nao lhe parece que
Vianna, poréta, não deu em resposta
anda caça escondida n'este matto ?
senão 0 riso alvar da acquiescencia con­
— V. S. que 0 diz é porque é ; mas
trafeita e Antonica denunciou cl&ramente
também se ha é tão arisca que na de castar
a repugnância que lhe causava a audição*
a sadiir da tóca.
de ptlavras referentes ao consorcio.
— Pois bem, fique você na espera, com
— E’ novo isto, exclamou Oliveira, os
todos cs cinc;o sentidos, emquanto eu vou
noivos parece que se zangam com a gente
pôr-lhe os cachorros.
porque lh«s falia no casamento O Vian-
— Mais fucil é S''r mordido por uma
na está macambusio como um boi mor-
jararaca do que arredar pé um momento,
di'70 de cobra, e a Antonica amarellou
respondeu o inspector, aproveitando o
como uma fiôr de abobora E tá bom, está
encbixe para um ri jo ;-ipigarrado cie adu­
bom, nãosecasam, nSo ; quero é que disse
lação.
que vocês se casavam ? Ora é boa, não
A ’ pouca distancia d’estes interlocuto­
faltava mais nada ; calumnias I Ha muito
res conversavam muito intimamente o
ryiá-lingua n'este mucdu.
vendeiro e o vU-lei o. Qr*ves questões
Uma risada estrondosa acolheu o gra­
debatiam a julgar p?la gesticulação an -
cejo do subdelegado, que resosijou-se in-
mada e um cerio ar de irresoíução que
t^^riorment» com a cert za de ter desco­
envolvia o vendeiro.
berto o segredo dos noives, e. satisfeito
O subdelegado tomou nota do que se
com esf-a Victoria da sot» pet spicacia, mul­
passava entra os dois e bem assim do olnar
tiplicou os epigrammas, com o fim de
attento com que Antonica os seguia, não
c< n egüir pela irriti,ção o que não podia
obsUnte parecer compietamente absor­
obter espontaneamente.
vida em uicí-, eOiWsr ^ação com Cbiqui: ha.
Batendo a?, palmas joviaimente, Oüveira —‘ Já hsvia-me passado pela cabeça uma
achou se logo cercado por todas as pes­ idéíi, disse elle ; era servir de padrinho ao
soas presentes, a começou n * tom mais Vihnna.se isto fosse do seu agrado, e nã j
b. )UV9sr.e p-'SP03 m^is consrler&da jáconvi-
cordial oie mamotia . e Itoaens;
— Para aqui junto de mim, Sr. CV-iico 1 dadi.. Depois eu disse com os raeusb- tões:
eu não mett- prego sem e t pa. D ga-rae oão, não me oífei aço ; o Chioj é *á aegre-
gs 70 do capitão e h.a de quere' que elle
cá nã »se faz m os convites para o recebo
seja o padrinho ; já lhe deu a bapt zar
a vóx ? Ande !á que parece querer dei­
uma filh a ...
xar-me ficar no tinteiro ?
— Bom failado, meu senhor, muito — Mas hoje, interrompeu o sggregado,
hem failado, respondeu o aggregado; não lhe dou por meu gosto nem um côco
88 MOTTA COQUEIRO

d’agua. E' bichinho que entra com pés de Na porta do casarão, cora o chapéu de
lã e dep'>is ari*«nha e morde. lebre na mão e i o to carrancudo, assomou
— Kto é O que ^rocê pensa agora, mas Faustino Silva, que apenas saudou o
antes elle era o seu deus; e o Vianna ainda aggregado e secs hospedes, e logo reti­
hoje não tem razão de queixa. Não é ver­ rou se depois de t^r entregado a Fran­
dade, santinho ? cisco Benedicto uma carta que lhe era
— Queira perdoar vosmecê, seu subde­ dirigida pe’o copitão Motta Coqueiro.
legado, mas eu hrje estou um pouco Um movimento de sorpreza descorou
doente e vou-me chegando á casa, respon­ todos os rostos e ainda os mais corajosos
deu 0 vendeiro. estremecera Oi involuntariamente. De feito,
— E dispensa uma companhia ? inter­ era singular que em tão pouco tempo de
rogou Oliveira. auseucia já o fazendeiro tivesse motivos
— Está visto que não, até gostarei. urgentes para dirigir-se ao seu compadre.
Pois n’este caso eu 'frou comsigo; a A pedido de Francisco Benedicto, o sub­
conversa abrevia muito as viagens. delegado colloccu os seus oculos, quebrou
— O melhor é irmos todos, ponderou a obreia da carta e leu com voz pausada:
Sebastião; não ha nada mais a fazer aqui « Compadre,
e para palestrar estamos muito melhor
« Ao sahir do sitio finha-lhe pedido que
lá no casarão.
se apressisse a fazer a sua casa no logar
Quando o farrancho ia a entrar na casa que demaiquei para servir-lhe de situa­
do aggregaio, o violeiro, apontando para ção. O tompo que o compadre gastou para
0 porto, chamou a attenção geral para levar a eífêito esta condição do trato que
essa parte do campo.
de viva vez fizemos, quando entrou para
— Parece que chegou canôa da cidade
nossa casa, faz ma crer que o ccm jad ie
e se não me engano aqu^lles que !á estão
ainda não ctmeçtu o tivb.dho, tu que
no poito são 0 Faustino Silva e o Pe­
regrino. não 0 terá muito adiantado. Aconselho-lhe
agora que ou não comece, o‘z pare a
Dentro em alguns minutos não houve construcção.
mais duvida ; as pessoas que estavam no A razão por que lhe aconselho i-to é ter
porto, com os remos ás costas e cestos á deliberado montar melhor o meu sitio, e
cabeça, tomaram a direcção da casa tirar proveito d’elle de todos os modos.
grande. Sabe o compadre que o sitio não tem
— Agora não sai ninguém d 'aqui, grande extensão e por isso não posso
exclamou o aggregado ; o Faustino ha mais dispensar terras para estabeleci-
de candongar por força ao amo e eu mento de aggregados ; ao contrario pre­
quero metter-lhe ferro por saber que ciso de adquirir maior terreno.
vocês estiveram commigo. E’ uma paga- Proponho lhe um negocio que lhe sei á
sinha dos desaforos que me tem feito. vantajoso ; o compadre passar me-ha por
E’ direito, muito diieito ; acrescentou o uma avaliação as suas bemfeitorias e fi­
violeiro ; mostre-se áquelle inchado ca­ cará morando no casarão até que eu lhe
pitão que a gente não morre de caretas. possa arranjar um outro fazendeiro que
Todos concordaram cora a resolução tenha terras devolutas.
do aggregado, patrocinada pela arrogan- Recommendü-me a todos e faço votos
cia do violeiro, ainda que não muito por para a inteira cura da Antonica. »
vontade do subdelegado e inspector, que — Não se p é ie c iê r em tanta infamia,
só ficaram para não mostrarem-se me­ exclamou o subdelegado, ao terminar a-
drosos. leitura.
1'K N A MORTE

— Eu já esperava por esta, ajuntou Se­ uma porta, sahiu por outra e manda el-
bastião ; elle é ccpaz de mais ainda. rei que conte outra.
Francisco Banedicto vocifai’sva como A applieação da historia contada p-;lo
um poosesso contra o compadre, e lasti­ violeiro era facü de ma s para que todos
mava-se ao mesmo tempo, e concluiu por immediatamento não a fizessem. O sub-
uma interiogação e uma ameaça. delegado que desde o priucipio do couto
— Eu só queria saber quem fci o demo- percebeu onde elle ia bater, desejoso de
nio que me indispoz d’esta sorte com o tornar mais explicita a censura, que
diato do malvado ; havia de motl o a tanto infamava Motta Coqueiro, reteve a
pauladas ; désse no que dósso. erupção da cólera de Francisco Beneâicto,
— Nada é mais simples do que descobrir ponderando ao violeii-o;
a causa, interveio Vianoa ; procure bem — Ora, oot.o cflicio, Ssbastião, isto é
por aqui mesmo ; indague bem di-ntïO de uma historia da carccha.
sua casa e verá. ~ A's vezes são verdadeiras, respondeu
Todcs clharam-se espantados, e cada 0 violeiro, e e^ta é, ea lh’o juro.
uca sentiu-se vexado como os apostoks Vianna que, depois de atirar a suspeita,
quando o Ghristo annunciou a soa próxi­ S3 havia calado, collocou-se então na
ma tr.iição por tm dos que ocm elle fieate de Fraocisoo Benedicto,cujts mãos
se reuniam no Cenacnlo. segurou, e disse, voitaudo-se prime.ro
Antonicafoi quem scffreu o golpe mais para o subddegado e depois para o ag-
rude ; tinha a certeza dolorosa de que as gregado:
palavras de Vianna eram o prologo de — Infelizmente ha historias da cai ocha
uma vingança desapieoada e inexorável. que são verdadeiras, e aqui temos uma
Sentiu faltarem-lhe as forças e não pôde prova. Seu Chico, escusado é ir longe
retirar-se da sala, como era seu desejo. buscar o seu inimigo ; Antonica póie
— Eu vou contar uma historia, excla­ dizer 0 qne ha cvm o ciyhtão.
mou Sebastião no meio da perplexidade 0 effcito das palavras do ven.-.eiro exce­
de todos ; é uma histeria que me conta­ deu á mais esleulada espectativa: aama-
ram ha muito tempo. Havia um trabalha­ rellidão cadaveiosa quo tingiu as faces
dor já idoso que tinha muitos filhos, de Autcnica, o tremor convulsivo que a
enti‘8 os quaes algumas moças, que to los obrigava a tirit&r, o stupor chifpanta que
diziam ser muito bonitas. Um dia o ve­ estagnou-lhe o clhsr faziam pensar a
lho achou-se meio do matto sam casa todos os circuiEstantes não em um pro­
onde morar, sem trabalho ; uma des­ testo dclouso a uma efiensa puugeníe,
graça. Um faztndeiro da vizinhança mas.em uma confissão estorquida de su­
mostrou ter dó dMIe e oh amou-o para a bito a um sígillü que se julgava invio­
sua casa, mas infelizmer te o velho tinha lável.
filhas que eram umas joias, e o fazendeiro E tinha justificação eloquente a pertur­
goàíou cTellas. Queria d’este modo cobrar- bação da õesventurada moça; pebre^e-
se do favor que tinha feito. O que houve o rola perdida em um e. teiqoilinio de ca­
que não houve entre as moças « elle não racteres em decomposição, sentia se ali­
sei, não me contaram ; o certo é que nhavada pos fariaprs sordidos de uma
desde que as moças foram pediàas em vingança baixa e v llã.que, sem coragem
casamento o fazendeiro começou a mal­ para um desforço não já em uma iucta
tratar e a perseguir o pai a quem tinha de honra, mas sequer em uma embos­
antes protegido. cada, lançava mão da intriga e por dia
Ora eis ahi como foi o caso ; entrou por espejava-se em uma alegria insensata.
90 MOTTA COQÜÈIRO

Uma intuição perspicaz escobrir-lhe-hia ferando, forcejava por desembaraçar-se e


no esp 1’ito, de pê solemnes e egoaes na dirigir-se á fllha, a quem cercavam suas
esta U'a, a révolta da mulher p ?ra insul­ irmãs e mãi> banhadas em prai to.
tada e a vergoana da amaote ao sentir — Homem, escute, arrazoou Sebastião
em nudez profanada o intimo da sua para o possesso p a i; não é perdendo o
alma oovoada de pei dõe« e esp ranças, siso que vo';ê ha de lesiindar a meiada.
de maguas e abnegação ; dôr santa e ve- Não e teja também fazendo futuros máus.
neran ta porquanto, n’essa h >ra em que a Vucê ó criança ou é um pai de famdia ?
iniquida le consum-iva tanta t( rp»'za, ella Attends primeiro, com seiscent.s mU
»estiva sójindef sa, entregue áin ignição raios E^tá a descompôi- á tôa a rapariga.
da boa té paterna illaquead e aos golpes Vencendo a pertin »z resistência do ag-
rudes do despeito ti iun phante. gregado, o Sr. Oliveira e S-bastião con­
Via todos 08 olhoa cravados na sua seguiram ti al-o para fóra da sala e acal­
perturbação inevitai^e', cheios do cruel mai o um pouco.
dada e de interrogações aviltantes, agora F-ito isto, o violeiro, que impressiona­
que a sua consoiencia chorava as am^ir- ra se vivamente com o estado de abati­
gas lagrymas do pu ior angu tiado, e, o mento de Antonica e ainda mais com os
que mais penoso era, vià essas lagrym is olhares suppiicos de Chiquinha, ou me­
serem grosseiramente confuniidas com lhor pela evocação ;los seus. actos, segn-
as 'o ' rio femioil acorda 'o de chofi e de ?ou Vianua por um briçd, e fallando-lhe
uma letha' gia moral por uma sacudi- á pHi te, disse-lhe terminunt'^mente :
de a da censura. — Fique sabe.ndo que o negeeio é sô
Oa labios negavam-lhe uma unies pala­ com 0 capitão ; deixe-se, portanto, de
vra, puique as coiLbinat.Õrs do aiphóbeto aceusar a rapariga. Faça carga no bicho
e dos sons fallecem irremediav Imeute e poupe os mais. ou e.itão eu parto para
nas horas das grandes crises dos senti­ a cidade e vou na presença do capitão
mentos. Também de que lhe serviría desarmar toda a igrejiuha.
fallar, se todos os ai gumentos estavam de . — Mas já lhe contei o qu 'e lla me fez,
antemão coniem nados, se um grito de respondeu colérico o vendeiro ; eu não
desespero seria julgado uma explosão de sou homem para aguentar desaforos.
Vexame ou refin mento de bypocrisia ? —Está bom, está bou , seu V.»anna;
Cíim a boa vontade de um sequioso que nenhum de nds <sngsna um ao outro;
farta-se a beber egua salobra, o vendeiro você não quer nem queria casar se cora
Snüiava n’este martyria a sua desforra Antomea e podia f.-.zei’ como nós, não
indigna; co veJavanj-Jhejobil sos, fobie quiz por tolo. Vent a á\<hi e veja.seacom-
a hediondez doc«r«ct r, os in tinctos da oioda 0 velho. Nds temos sido amigos
perversidade fria e calculista. até hoje e não devemos brigar porco usus
— Anda de lá, veiha a ; bradou bnis de pouca monta. A zanga da menina ha
camente Fi’ancisco Bmedicto, conta-me. •ie pass' r ; assim »eja você bum para ella
antes que eu perca o tm<, as tuas sape agora.
carias, sonsn dos diabo , que teshonras Os escrúpulos de consciência, o sonho
as barbiS oo teu oti, falK emquanto não la víctot'i.a lo amer nelo amor, nascem da
te esgano, que é quant ■ tu mei^ces. sincendaae do atíecto e da limpeza das
— Calma! t 6ii..a c J m . , ^eu Chico, intMiçõe.s; q.jajdu, po.ém, c. pi.ixào lí-
disse smeigando a voz o subdelegado ; mita-se ao det rjo da posse material da
ella P80 é .» mais culpada. mulher, qaaesquer que sejam os meios
O prudente òv. Oliveira já a ease tempo são sempre attrahentes e exequíveis.
braçára se com o aggregado, que, voei- Acergsse que as paixões d'esta ordem
vegetam sempre nos corações apodrecí quem vis-^e Antonica ir por diversas vezes
dos pelo vicio ou pela ignorância, do á casa grande sosinha, e quasi sempre de
mesmo modo que certas parasitas pre noit
íei--m as arvores mortas para se prove — E ainda não querem vocês que eu
rem da seiva. tire (ias costas d'aquella sirigaiata os
O vendeiro não podia ser classiflcado passeios sem licença dos seus pais ? I
senão *na ultima das duas classes de — Eu por minha pai to nada suspeitei
amantes, e por isso mesmo ccndescendeu nunca, mesmo depots que me contaram o
com a esperança dada por Sebastião. caso, mas hoje su Antonica me fez uma
Sentando-se ao lado de Francisco Bene pa ti ia que me fez pensar muito séno.
dicto, começou a asserenal o, quando lhe Depois de tu io ti ata ío,disse me s-^m mais
pareceu opportune. nem menos, que não me estima já, e que
O velho, já vencido pela argumentação por vont-de ü’elLt não se casa. Emfim eu
tersâ do sublelegado e pelas meias pala­ não digo nada,mas uma causa a’estas tem
vras consoladores de Sebastião, havia pon­ muito peso.
derado eriteriosamante. Apezar de atténua 'a de alguma fórma
— Quem pdde dizu’ se eu tenho ou não a culpabilidade de Autonica, todavia o
motivo para daranar é o Vianna, elle é aggregado não so mostrava propenso a
quem sabe do negocio, mas está ahi ca­ forrar se da supposição desairosa para
lado como um garrafão lacrado ; é qu < com sua filha. A tactica do violeiro tor­
elle pensa commigo. nou-se necessaria, indispensável, para
Tem seus conformes. seu CMco, obser­ multiplicar a quoixa do seu inseparável
vou o vendeiro ; eu ainda nãc füllei nada. amigo.
— Pela parte de sa Antonica p(5Ja des­
— Pois safe-se d’ahi logo com o qu
sabe, gritou o violeiro ; é preciso a gente
cançar, seu Cruco; ella é incaptz de virar
saber a quantas anda. Vamos por ora ás
a cabeça. Ha testemunha de vista de um
apalpadelas-
ceso. O Manuel João foi despedido d’aqui
— O que eu sei é isto : quando sá An
por causa d'isso e disse me tudo tim-tim
tônica por ura triz que não se afogou, o
por tim-tim. E’ d’este geito.
capitão veiu de pressa em seu soccorro,
Urna nr ite o capitão viu passar sa An­
mas em vez de se portar como um homem
tonica sosinha por defronta da essa
serio beijou muito a ciitadu. Foi pelo
grande e f i divetir-se com a menina.
menos o que me contaram...
Esta, porém, não ré ficou muito amofi-
A verdâdo é esta, enrende, meu se­
nada. rans até ameaçou de vir dar parte
nhor ; interronatou o aggregado di'-igin-
do se ao Sr. 01i»^eira.
a Você; rS á entendendo, seu Chico. Por­
tanto, o que é que tem sa Aotonica a ver
— Depois, couãnuou o veadei.o, eu vi
aqui.
com estes olhos o cuida \0 Io CÃpitão du
rante a doença de Ant^nica, Msindou es­ — A mim também parvee que, se hou­
cravas servil a « eiio piopno passava vesse alguroa cotisa, o capitão não que-
horas esqueci.Ias ■ velando a õ-íento. Ieria que v; cê fosse morar para mais
_ Po so invar ros E'’£ng'>ihO'^ como longo; p"ndorou o 0 'iv'ei”a.
tudo está sendo dito dire to, observou — Está visto. Se ha-alauraa cou«a. é
Francisco Boütodicco. raiva <Jo cepi'âo por não ter cimseguido
— Ninguém desconíava nada, prose- os sen- fins ; isto e tá saitin io aos o h< s.
guiu 0 coramentador, porque o capitão é O que a ímira é que o seismatico do seu
compadre da casa e um homem de idade. Vianna venha aqui contar historias ainda.
Depois de passada a doença houve,porém, Quanto mais se faz menos se merece.
92 MOITA COQUKiriO

A argnmeníação frouxa e desc&bida — Quasi sempre o cacete é a melhor


mesmo des iatarlocutores abrandou a có­ justiça, ccníirmou todo risonho o inspec­
lera super l do aggivg »do, cólera que tor André; não ha melhcr c.a^eia n’este
rompia mais directameate de um gráujá mundo do que uma camisa de grumarim.
bsstanta elevado de aicoolisiao do que de — O Ec ais que lhe posso ( fferecer, acres-
um sentimento nobre. ■ centou 0 violeiro, é o adjutorio do meu
Pcríim Francisco Baneiicto fallava com braço, caso os do seu Chico e seu filho não
menos calor na muculaçãodas suas barbas ■ cheguem.
brancas e com vehemencia, com o iio na Açós estes t fferecimentos feitos por
força do seu compadre e na propria fra- ^odos, á excepção do Vianna, a l’euniâo
quesa.
dissolvsu-í e a maldizer e desfeiar a causa
— Ser pobre é o mesmo que ser boi de da mudança de humor de Motta Coqueiro
ajoujo, repetia freneticamente o aggre- ■1
para com o seu compadre.
gado ; trabalíiaum homem e de uma hora A meio caminho de casa e quasi ex­
para outra não tem mais onde metter a tremo cansaço do magro suspiro, o vio­
ciíbeça, porque tudo quanto se tom é leiro ft i detido por Lucio Ribeiro que, a
pouco para a goela do rico.
largo e continuo galope, vinh.a ao seu en­
Sollicito em desvanecer esta der radeira
contro.
nuvem que pairava sobre o espirito de
Francisco B mèdictb, o subdslegado Oli­ O capivocio narrou miulamente que.
veira resolveu úar-lhe per vii tude da sua havia .mais de duas horas que estava sof-
auctoiidade IocrI uma prova inequívoca íie g o a esperar o violeiro para coramuni-
de zdo e de poder, que teve força da re­ car-lhe un; a conversa que tinha ouvido a
nascer a confiança do aggregado. Faustino.
— Quanto ás terras, Sr. Chico, ponde­ — Ouvi, disse el’e, ao demohio do ca­
rou csub.ielegado,[corre poricinba conta; boclo, que faz rendimento de tirar a vida
baita você fazer-se duro por elles e o seu dos ou«ros, dizer que o capitão está lá na
compadre ha de ver se tonto. EUa não o cidade arranjandc-me tres covades de
póde deitai o fóra assim como quem en­ pan: 0 para as costss. Dê no que der eu
xota um cão ; são necessarUs certas for­ hei de ir para a pròça.
malidades da lei ; por exemplo, requerer — E você esqueceu, cora o susto, o ca­
ao juiz de paz, etc., etc.. Ora, o juiz de minho da serra dos Olhos d’A g n a e 8 s
paz é um amigalhaço do Coquáro, não bibocas d’fstes morros, forte madioso.
iria nem para o céu em companhia d’elle. — Depois ;o F-.-ustino contou também
A’ê, pois, você que está seguro. que o homem dá vccêacs diabos e pro-
~ E se elle la cç ir mão da força, o que mette-ihe ra tigo O Faustino logo se otfe-
hei de eu fazer senão ceder ? interrogou o leceu alli á vista da u dos para ficar a
aggregado. cargo d’<l'e o serviço cm tra vccô. A du­
—Amor com amor se p sgi, e uma mão vida é o capitão dar lhe cem mil ré s ; se
lava a outra. Se elle tem muito.s capan­ eiie cheg.ii‘ ao preço, o F.^rustino diz que
gas e escravos, você tenha geito psr.a to é bem capaz de tirar a vida uão só a
mar um díspique. Pela minha parte doa- você mas ao Chico Benelicto e á família
lhe carta branca, e digo-lhe até mais: inteira Eu quiz logo aviaal-o porque o ,1
será um beneficio para e te pobre povo Faustino é homem de dizer e fa/er.
ver se livre de tal monstro. Em resu-o, — Mas ainda não se lhe de i o dinheiro.
Sr. Cbico, vou dizer-lhe a miuha ultima — E’ 0 menes para o c .-pitão, e, se não
palavra sobre isso : ha cei tas qufstões me engano, já ha ura dinh^dro para o
que íó se liquidam a pau. Faustino por um vale do capitão.
V-

OU A PENA UE MORTE

— Ora adeusj Lucio ; ea n 5o estsu dor­ foram os que se seguiram logo á chegada
mindo . á sua chacara em Campos.
Dapois de sepa ^arem-se, o violeiro per­ Lançando um olhar retrospectivo á cons­
deu a apparencia de calma que o revestia ciência descobriu ahi algumas sombras
sempre nas situações perigosas. Iaámf;rcê tristonhas, mas tão delgadas e diaphanas
do Suspiro que, abanando as longas ore­ que desde logo acreditou que para dssfa-
lhas, retardava cida vet mais a sua mar­ ze-las bastava um so^ro de raciocinio e
cha lerda, resignação.
Quando entrou em casa, respondeu á O isolamento em que vivia no sitio e que
anciedade de Manuel João com um sub­ constrangia-o a diminuir até a attenção
terfúgio e fui sentar-sé calado e a fumar intellectual para que pudesse ser compre-
em um canto da casa. hendido pelas pessoas com quem estava
— Que tem você para ficar assim em- em immediato contacto; semelhai te iso­
buriado, homem, falle porque isto diz-me lamento foi substituído pela convivência
também respeito ; perguntou o ex-feitor. polida e delicada de uma sociedade intel­
— C le-se d’ahi, seu maricas, isto é o ligente 0 desdobradaem pensamentos para
fructo das suas trapalhadas. a familia e para a patria.
Os dois recahiram em absoluti silencio, Desde a manhã era visitado por amigos
e assim eonservaram-se por largo tempe. que intermeiâvam as conversações fami­
Afinal surdiu atravez do incommode de . lières com observações judiciosas acei’ca
ambos a alegria expansiva do violeiro. do movimento social, e assim chamavam-
— Estou ficando tão ruim como vocês ; lhe o espirito para a actidade sadia dos
assusto-me por pouca cousa. Contaram-me espiritos educados.
uma fabula-que é a minha felicidade, e Vivia n’ama especie de aturdimento
no entanto eu flquei ame’ rontado. Mas intimo ; tal era o atropsilo das questões
passou ; vamos á prosa, seu Manuel J< ão. que era ebrigado a discutir e apresentar
Os dois sentaram-se a fumar descança- solução, e foi’ça é dizer que semelhante
damente, emqnanto o violeiro narrava os estado sgfadava-lhe, porquanto redunda­
snccesscs do dia. va-lhe em um como soterramento das
O plano msgistralmente urdido pelo maguas domesticas.
violeiro produziu resultados tão exactos A chegada de Motta Coqueiio era espe­
6 precisos quanto graves e tenuveis. rada com anciedade porque uma vira-
A calumnia, a intriga, e a dissimulação, volta política tinha abslado o partido
entrançadas em uma teia consistente, en­ consarvadiir campista, do qual o fazen­
laçaram-se como um baraço assassino ao deiro era membro proeminente e influen­
socego e^d scuidos íntimos das duas fa­ cia decidida.
mílias, e estrangulararo-os desapiedada- O abílo tinha sido produzido por uma
mente desastrada mudança na chefia do par­
A existenóia de Antonica, vei'ticiliada tido, não por serviços prestados, mas por
em risos eillosões juver.i?, transformou- um simples despacho do governo, que
se em uma serie de humilhações pun­ dava a direcção da familia conservadora
gentes, e 0 fazeadeiro viu também succé­ da localidade a um novo juiz de direito
der ás prasenterias do lar o retrahimenío nomeado.
da esposa, ferida pela de. confiança na Esse homem, que começava então a
sinceridade do seu affecto. sua carreira politica, pen.-ando em tirar
Para Motta Coqueiro s<5 houve, depois da sua posição proveito, rnsis util á sua
do penoso conhecimento da affeiçâo de pessoa do que aos interesses do psrtido,
Antonica, algans dias detranquillidade : inaugurou a sua direcção concentrando
94 MOTTA COQUEIRO

em si toda a actividaie sobre os co-reli meio de uma conversa relativa ao par-


gionarios. M‘io. Foi ao terminar a desenpção de um
Gi’itçaà á sua intelligeocia superior e atbque decisivo ao rei a situação política
illustrisçào achitùda e reconhecida por de Campos que a sua vaidade fel-o notar
todos, 0 juiz de db'eito pou de em pouco a indiífòrençn da Sra. D. Mai ia.
tempo dizer : o partido conservador Longe de irritar-se com a resposta,
sou eu. Motta Coqueiro procurou acalmar a es­
Müs como s.impie essa absorpção da posa e prometteu-lha, rindo com o desem­
collectividade promoveu dissabores que baraço da confiança, livrar-se o mais de­
foram intumescendo silenciosausente a pressa possível dos enredos partidários,
principio, e mais tarde proromperam em >^08 quaes attribuia o máu humor que lhe
p?oteatos energieos, reduzidos a faetos e tinha sopitado o enthusiaso o descriptive.
estereotypados em um^ dissidência iire- 0 fazendeiro, porém, enganava se ra­
conciliavel. dicalmente quanto to verdadeiro tnotivo
Mütta Coqueiro, cordato por in^ole, de queixa dasna consorte.
achou-se por isso mesmo a braços com A fonte da desharmonia ctnjugal era
grau les e insuperáveis d.ffi mldades, visto uma espert-ísa d moleque Carlos, em dar
como insistia no congraça mento dos cam­ conta de uma empreza a que se ci mpro-
pos dissidentes, unico meio ae fortalecer mettera com Manuel João.
o partido. Entrando sorrat iramente no quarto de
Na la. porém, conseguiu a nSo ser tra­ dormir da sua senhora, o moleque depo­
balhos, sacrifícios e decepções. sitou sobra o lava to rio a carta que lhe
Emquaoto absorvia-se todo no serviço tinha sido confiada. A curiosidade feminil
poiitico, a £ua atten.ão não vcltou-se es- incumbiu-se da tornar bem succedido o
peoialmente para os modos descommu ar lil do triumvirato para a satisfação
naes da sua consorte, e no entanto elles dOs seus cálculos ulteriores.
eram por demuis sens.veis. A Si a. D. Maria ao ver a carta repre­
A Sx’ii. D. Ma na, desde très di as depois sentou a eterna scena de Eva diante do
da chegada de Coqueiro, não e a a mes­ pomo probibido.
ma. O seu coração parecia audar envol­ Habituara se, desde os primeiros tempos
vido n’uma atroospb era de gelo, e uma de casada, a abrir toda a carta que lhe
frieza quasi indelicada rf^cebia por ella fosse dirigida, em presença do seu ma­
todas as communicaçõfts mais expansivas rido. Era uma obrigação que voluntaria­
do marido. mente se impusera e que desempenhava
Um dia em que, s.o de leve, o fazen­ satisfeita.
deiro apercebeu seda indiffmença da Sra. Ao vêr, porém, aquella carta myste-
D. Mana, e Ih’a observou com benevo­ riosamente coliocada em log&r reservado,
lência, a resentida senhora, escondendo
no avellndado da palavra uma censura
a Sra D. Maria sentiu quebrar-se-ihe a
cadeia do passado e affogueal-a uma 4
amarga, respondea-lhe com apparente nova resolução.
simplicidade. Rasgou soflfregamente a sobrecarta e
• 0 senhor não tem rasão para enfa­ leu avidamente as linhas tortuosas lan­
dar-se ; é preciso que eu preste toda a çadas scbre um papel ordinário.
minha attençio aos intí^ree^es de nossa Terminada a leitura, a senhora conser­
casa, agora que o senhor go occupa exclu­ vou se por muito tempo no quarto, de pá
sivamente com 03 e^trallhos. diante do movei, palliiia como se a ti­
Mütta Coqueiro tinha, da feito, achado vesse aocommettido uma instantanea ane­
occasião para a advartenoia amistosa no mia. Da vez em quando erguia a carta e
ou A PENA DE MORTE 95

r«p»ssava alguns dos periudos em voz — Se não é indiscrição, V. S. podei á


bttixci e tremula. dizer me como arraoj m as cousas para
Quando sutim ?c 9Ítoa com triste boa aquintar o Chico Bene licto f
vontade tis caiicias inuocentos dos seus — De fôrma alguma, poriue até esta
fllbüs, e &t,ercan3o ao Ci.llo o cucuiadisse- data não tem havido nada que valha a
Ihe, oomo se pu es e ser por elle enten­ pena entre cós.
dida. — Pois não é isto o que se diz por lá;
—Deves querer muito bem s tua mao-ãi, 0 que con ta é que V. S. e seu compadre
fllhinHo, porque teu pai já nao a estima. já andavam queimados um com ontro.
O mysttrio da trist za da »ra. D Mana — Sabam mais do que eu ; salvo se o
foi, poiém, sorprehendido por Motta Co comeadre zangou-se porque lhe ordenei
queiro quando ella menos e.^perava. que fizesse promptamente a sua casa.
Joaquim Lyceriü vmíia íi equeniemente — Não é este o oaso, re.-.pcn leu Lycerio;
aCacupos para effeotuar transucçõ s mdis- com franqueza, Sr. capitão, V, S náo tem
pensi»vôis ao seu n*-gocio, e por isso c&e- noticia de uma carta que foi escripta á
gou também a Campos uma semana de­ Sra. D. Maria ?
pois de Coqueiro. — Ah 1 exclamou o fazendeiro admira­
Sendo forçado a demorar-Êe por mais do, então escreveu-se uma carta a minha
molher ?
tempo do que desejava, lesulveu despa-
cbar os seus empregados por ser este x- — Sim, senhor, eu conheço a pessoa que
pe lente acon^eluado pela boa economia, a escreveu, e sei também que foi mandada
e ficar sd na cidade. escrever por um dos genros do Chico,
se não me engano, o Sebastião, e sei
Partiiia depoij em qualquer canôa que
mais qua n’esta carta faila-se em V. S.
fôsïe para Macabu, o que não era o fB.- ô na m«nina Antonica.
cil p .»rque fiavia sempre grande numero — O senhor está bem informado, bra­
d’ellas em viiigem para lá. dou sorprehendido o fazendeiro. ?
Infelizmente, na op jortuuidade da par­
— Por estar é que lhe aviso ; queira
tida, Lyeer o não encontrou a sahir te-
indagar e certificar-se-ha,
não as canôas das balsas de Motta Co­
Açulado pela responsabilidade que via
queiro, m^s nem por i!-s.-julgou o obstá­ despenhar-se de chofra sobre si, Motta
culo cuítoso de remove, -se. Coquei'-o dingiu-se a Sra. D Maria, re­
Lembrnnlo-se áa carta que havia «s- solvido a liquidar a intriga
cripto e que aevia ter chegado ás máos — A senhora vai fazer-me o obséquio
da destinatariâ, entendeu que o melhor de mostrar-me uma caita q le recebeu de
meio de c»pt«r a beuevolencia ao fazen­
Macabú disse elle secameute á sua es­
deiro era luformal-o das ciladas que Ine
posa, aquém" tinha convidado para um
armavam.
gabinete aífa&tado do maior movimento
Certo da precedência u’esie moio, pro- da família.
cun u eacoatrar-sa com M tea Coqueiio. — A carta dizia-me ?ó respeito, res-
Pensaodo achai o in ispo to contra si, ponleu friamente a esposa; li-a e ras-
Lyce io a mirou se de ser recebido aflfi- gueia.
veimeuts e o seu pedido receber lisoa — Então tenha a bondade de dizei-me
Jeiro deferimento, o que ine mandarem dizar.
Para letribuir á bondade do fazendeiro, — Já não mo lembro ; ma^i o senhor se
0 rabula de Macabú entea .eu que devia quizer saber bem póde ir passar mais am
reduzir á ob' a a resolução, e no correr da mez no sitio e confirmar com a sua pra-
conversa perguntou a Motta Coqueiro: eença o qua me commanicaram.
90 MOTTÀ COQUEIUO

Esta rasposta denunciava claramecte acertado : tratar de despedir do sitio o


quai a gravidade da accusação, e por ella compadre, que tanto o inaommoiava.
Motta Coqueiro conciuiu que râo era pos­ Escreveu então a carta cuja leitura foi
ai vel que sua senhora tivesse rasi aùo a feita pelo sub íelegado ua c=isa da Fran­
cartî, em que a accusação tinha sido feita. cisco Beueiicto, carta que devia acom-
latirüou portanto a sua esposa á imme- modar também a sua esposa.
diata entrega do libello esnripto conti-a De feito 8. Sra. D. Mana concordou cem
a sua pessoa e obteve o depois de utn chu­ 0 expediente tomado.
veiro flaissimo de ironias.
Podia-se dizer que a maldita carta tinha VIII
0 laconismo de um punhal brandido por
um matador professional. COMO SE ]>AGAM BENEFÍCIOS
Tremulo de cólera o fazendeiro leu o
No domingo da semana em que acarta
seguinte :
de Motta Coqueiro foi recebida p r Fi an-
a V. Ex. não tem necessidade de saber eisco Banedicto, efíactuou e-te a mudança
quem lhe dirige estas linhas, é um con­ para a casa nova.
selho d l prudência esconder o meu nome. A familia achava-se agora augmentada
Dsvo entretanto affirmar que falla-vos por roais um membro, v-rdadeii o mons­
um liomem da bem, e um amigo agrade­ tro encanecido desde o nascimento, feroz,
cido, que se julga obrigado a dar-vos .'•anguinariO O seu nome era o Odio, o
um desgosto pura evitar mal maior. , seu caracter a peifiidia, o seu culto a vin­
O aggregado, que o noaiilo de V. Ex. gança. Cégo e surJo corria por toda a
admittiu no sitio, entendeu que devia parte, desgrenhado, brutal, insultuoso a
retribuil-o com a pessoa da menina An- provocar intermináveis querellas com
tonica, hoje convertida em amante do uma sanha inquebrantável, com um des­
Sr. capitão. garro revoltante.
A ausência de V. Ex. incitou o a não Era agora este o fiel conselheiro do
guardar as coavenieacias e hoje todo o'
aggregado e o seu inseparável compa­
mundo em Macabú conhece essas relações
nheiro. Pregava a destruição e incitava
cmninosas de um pai de fim ilia alta­
para realisal-a a natural petulância de
mente coliocado com a filha de PVancisco
Francisco Benedict), presentemente exa­
Bénédicte.
gerada pela protecção do subdelegado e
Só V. Ex. podorá evitar ss consequên­
fio inspector que lhe garantiam a impuni­
cias que poderá ter este facto ; as exigên­
dade para todos cs abusos que fossem
cias não satisfeitas do aggregado podem
commettidos em prejuiso de Motta Co­
tsr sérias consequências.
queiro.
Um amigo de V . Eco. »
A gt ntedo sitio era diariamente alar­
— E a senhora acreditou n'esta infa- mada peia pilhagem acintosa exercida
mia? perguntou Motta Coqueiro. nas roças e no campo do sitio. Nada es­
— E 0 senhor porque temeu tanto a tava seguro, porque sempre o furto, o
vinda d'esta communicação que chegou a roubo, a depredação espiava o gado, os
descobril-a ? cafesaes, as mattas e assaltava-os p^ra
Para não faltar a consideração devida destruil-os. Além d’esses meios de Vin­
a sua esposa, o fazendeiro retirou-se sem gança outro mais temivel foi posto em
responder-lhe a pergunta. pratica ; a seducção dos escravos.
Depois de oscillar n’um oceano de alvi­ Aconselhavamos para que fugissem,
tres, achou um que pareceu-lhe o mais àcenan do-lhes com a perspectiva do des
ou A l’ ENA DE MORTE 97
caaço, acsordaaio-lhes a eterna aspiração arreliadora de que se servia fosse retri­
do espmto h u m ^ E o — a liberiade. bui la por igual.
Em vão a tenaoiiade inespsrada de Fi- Motta Coqueiro, preso em Campos pelas
delis tentava oppôr diques a esta desen­ suas occupaçô’ s e pela suspeita, contida
freada torrente de cólera, que inundava mas não extinta, de sua mulher, apenas
de desordem e ruinas o propriedade do podia reprehender por meio de cartas os
sau senhor. A franca resistência do es­ desmandos do seu compadre, que sempre
cravo encont"t;va a astúcia precavida dos que recebia ordem de não continuar a
inimigos de Coqueiro, de raac-eira que era fazer bemfaitorias nos terrenos do sitio
impoSiivel punil os. multiplicava-as por acinte, preferindo
A ’s vezes, sos clarões suaves dos cx’a- sempre afastr-r-se da zona que lhe. fôra
puscalos de setembro e outubro, os gran­ marcada.
des capoeirões começavam a fumegar Os avisos eiam também um incitamento
desdobrando no espaço uma enorme e aos estragos.
negra cor tina de fumo ; logo depois, ver­ Verdade é que esta violeção do con­
melhas como um ferro em brasa, ameaça­ tracto tinha sido posta em pratica desde
doras labaredas principiavam a trepar 0 primeiro dia da desavença : a casa er-
pelo horizonte, a inteiriçar-se e a correr guGU-a o-eggregado no logar em que lhe
um immenso reposteiro de f rgo, que amea­ approuve.
çava os cafésaes, os manáiocaes e milha-
raes contiguos. Uma circumstancda veia por algum
tèmpo diminuir a petulante intensidade
O continuo aiTôbentar dos taquarussús, da lueta aberta por Francisco Benedicto.
estronloso como uma descarga de arti­ Foi unca temperaria falta de combustivel
lharia, dava rebate medonho, que obri­ á machina da vingança, cuja pressão era
gava a genta do eito, cansada pelo regulada pelo odio e pela impunidade.
trabalho de um dia inteiro, a aceumular Sebastião, o amigo predilecto e obse­
fadigas peoosissimas ao seu cansaço quioso do aggi’egado, tinha desaparecido
Outras vezes grande parte da madeira da sua intimidade, deixando apõs si um
que estava amontoada no porto amanhe­ rasto iadelevel a deshonra do lar do
cia afundada nas aguas, e a gente era amigo.
forçada a ficar, logo de manha, por largo
Um dia a familia de Frencieco Bene-
tempo molhada para não deixar perdidas
d^cto foi torturada por um acontecimento
as grsndes toi’as do arvores praciosis-
cruel. Cbiquinha, que sahira a espairecer
simas.
a sua enfermidade, passeiando pelos
Não havia^ etaflm, acto por mais aceiros das roças, não tinha voltado á
iniquo e detestava!, que não fosse com- casn.
mettido para desafogo do odio do ag-
Bateram se todas as circ .'mvisinhanças,
gregado,
mas debalde ; a moça não appareceu.
Fidelis, 0 râàoluto feitor, £<5 dispunha A primeira idea que assaltou o espirito
de dois recursos; ameaçar os provoca­ do aggregado foi a de ter sido victima
dores e participar essas desagradavais de uma cilada de seu compadre, que pelo
occarrencias a seu senbor. aprisionamento de Chiquinha tentava
Taes meios eram esorupulosamente uti- impossibilital-0 de continuar a vingar-se.
lisados, porém tornavam-se improfícuos Se tal hypothèse procedesse era medida
porque o sggregado não temia sor cons­ tão justa como a que antigamente toma­
trangido pela severiiade da lei a cohi- vam as nações, exigindo refens, para

7
bir-se, nem também que a arbitrariedade conter as invasões das outras.
[fiï-r

98 MOTTA COQUEIRO

As pe quiz’ S cio sub Idegado e do ins dl u lhe com a maior ingenuidade pos-
pector provararu, poréoi, qua semelhaot sivel:
fcupposivão era mais um producto moní- — Os nomes que mais assentam em
truoso da imaginação encadt'cida do ag creaaças bonitas são Francisca e Ma­
gregado, e âzeram-o ver claramente a nuel.
verdadeira cansa da ausência de Chi-
Não havia, pois, nenhuma duvida para
qninha.
Chiquinha. Olhos demasiado curios^is e
A moça tinha sido raptada pelo vio­ ânimos pessimistas já penetravam o seu
leiro. : egredo, e ss palavras destaca das, e os
Em consciência, este desgosto tinha epigrammas apparentemente despreten-
sido dado á familia de Francisco Béné­ ciosos acabariam por dispertar a attençâo
dicte mais por vontade da raptada do geral e perdel-a nu conceito de seus pais.
que pela do sej actor. Apegou-se, pois, a uma derradeira
A tia Balbina adv< rtiu á moça de que esperança : consultar a t a Babina; mas
ella não poderia ficar nem mais um mez da consulta rasait u a certeza doiorosa
na casa paterna sem que o seu estado de que não era possivel illudir por muito
fosse conbeçi »o por todos. tempo. Então, impellila pela vergonha,
De feito, o proprio Francisco Beneücto indbtiu com Sebastião para abreviar o
repetia por vezes o gracejo acerca da mo­ consorcio, e finalmente subaiètteu-se á
léstia de sua filha : unica Solução que o violeiro achava
— Era caso para perguntar-se quanlo rasoaval — a fuga.
era o baptisado, se o Sebastião já tivesse Certo da deslealdade do amigo, Fran­
effectuado o recebo a vos. cisco Benedicto descortinou por alguns
E phrase ainda mais sigiãflcativa disse dias a serie da males que o esperava,
o inspector André na noite da mudança coinpre.'ienlou que não tinha junto de si
para a oasa nova. 0 apoio decidido e leal com que contava,
Para testemunhar o seu júbilo pela en, e nem ousou v ngar-se de Sebastião, nem
trada de Francisco Benedicto no numero a continuar com as provocações ao fa­
dos pequenos proprietários da localidade, zendeiro.
0 inspector não só compareceu á brinca­ Sentia, tarde já, que a inimizade com o
deira^ que fui preparada, mas também seu compadre punha-o inteiramente a
concorreu com uma leitôa. de.'coberto dos insultos de tola sorte, ao
Ao entregar o piesente ao aggregadu, passo que os seus amigos Oliveira e André
o dissimuladis>imo André disse >tra\ez adiavam sempre a punição d’elles.
de sua gainofa maticios < e perenne: Nao tinha em quem Cjnfiar. O Yianna
— A minha brinquinho deu-me nada iulia coitado c mpbtamente is relações
menos de uma d u z ia de leuõas d'ess* bar- comsigo e sem que Francisco Beneücto,
rigada : uois d’elles são para esta casa ; por um t insignificância qualquer, lhe ti­
um cá tstá, 0 outro virá no dia que sa vesse oífendido, peiseguia-o pela divida
Chiquinba sabe. euntrahida na sua vemiola.
Ainda a impressão d’estas palavras não Os seus amigos, auctoridades dologar,
se havia desfeito, aim a a insinuação im longe de promoverem a conciliação dos
piedosa que tinha feito feria os brios de dois, tinham aié concordado com o Yianna
Chiquinba, e nuvo gulpo, e este mai» cer que o melhor meio de cobrar a conta era
íeiro e profundo, foi de.-fechado polo ms ebcer penhora dos bans do aggragado.
doctor. Além d'esta queixa uma eutra veia ee«
Acercando-ee da moça, André segre* friar a confiança entre os amigos.
ou A PENA DE MORTE 99

Uma tarie Mariquinhas desceu para ut» Em passando as pleições falle oommigo.
rib?irSo que serpeiava algumas braças O desengano era por demais expressivo
distantes da casa. e não havia contar com a punição do ex-
Aatonicaesua mSi, sentadas no terreiro feitor.
e occupadas em costurar, ouviram o can­ Todos esses acontecimentos que sobre
tarolar monctono da moça, que tinha ido maneira entristeciam o aggregado tinham
dobrar a roupa lavada. influencia bam diversa no espirito de Aa-
De repente, a monodia esvaeceu-se e tooica.
alguns minutos depois era substituída por Firme na sua sffaição pelo fazendeiro,
gritos de sooccrro soluçados do lado do cujo caracter nobre e g neroso coobeoia
ribeirão. perfeitamente, cada uma das deceoções
Correndo apressadas para lá, Antonica que seu pai recebia, cada offensa que fa­
e sua mãi reoebeiam nos braços Mari­ ziam lho os seus suppostos amigos, eram
quinhas, pallida de susto e offc^gante de motivo de alegria para a moça que u'esta
causaç . O corpinho do seu vestido estava sorte via vingado o e eito dos seus sonhos.
quasi todo dilacerado e pelo pescoço da As suas fmes que tinham perdido a côr
moça merejava o sangue d’entre arra­ agradavel da t-aude, iam agora readqui­
nhões extensos. rindo-a, e os lábios, que pareciam ter
Quando Mariquinhas recuperou a calma desaprendido as crispações leves dos sor­
e poude fallar, interrogada pelos seus risos joviae^, já abriam se agora, rubros
insist^ntemeate, respondeu, fundindo-se como pétalas de rosa, para darem pas-
em pranto. sagfm a francas risadas.
— F o i.... f o i.... um quilombolal Os olhos, amortecidos outr’ora, tinham
O irmão de Mariquinhas, assim como px’esentemente o brilho peculiar da tran-
seu pai tinham corrido immeliatamente quillidada e os clnares escarninhos e
attrahidos pelos gritos, mss ao passo que uusãdos que lhe eram congênitas.
Francisco Bane-dicto correu para a fi ente Dava-se em Antonica uma verdadeira
da casa, Juca Benedicto diiigira-se para resuneição; ss ciazas tristes do coração
os fundos. da moça, as mortas chimeras da mocidade
Quando chegou á casa, o rapaz per* recompunham-s6 e afeiçoavam-se pelo
guntou se não tinha e- tado ahi o ex-feitor divino galvanismo do amor.
— Não! respondeu Antonica, admirada. Antonica era da novo feliz, porque
— Pois não se me dava jurar que eu não contava com a inconstância da
vi Manuel João correndo para dentro da fortuna.
matta, e até lhe fiquei obrigado pelo ser­ A amisade do violeiro e do aggregado
viço. Você nSo o via por lá, Mariquinhas? não demorou a I'eat^r-se por vínculos in­
A moça meneiou negativamente a ca­ dissolúveis na vida. A necessidade reci-
beça, mas os seus soluços como que do­ pro s era o nó que os pi endia e desdal-o
bravam de força. era um porigo cujas consequências fu­
Convencido de que era o ex-feitor o nesta-« já a experiencia podia aquilatar.
auctor das ferimentos de sua filha, o A insctividade, em que Francisco Bé­
aggregado foi pedir providencias ao seu nédicte jazeu durante o tsmpo da indis­
amigo inspectoi', mas este respondeu-lhe posição com o violeiio, provava exube-
serenamente ; rantemente o acerto da alliança, e por
— Dei-cance, seú Chico; eu por ora não isso mesmo o pai de Chiquinha não duvi­
posso fazer nada; as ele^ões estão pró­ dou aceitar as desculpas que lhe foram
ximas 6 eu não hei de recrutar o rapaz offerecidas pelo am:go.
que já me promettcu votar comnosco. Bem simples foram estas.
100 MOTTA COQUEIRO

Sebastião confessou-se culpado de If sa- a carta ; por força ha de ter dado ordem,
amisade, mas attenuando a sua culpa ou ha-de mandar dar ordem aos escravos
pelo iiEpossibilidsdô de resistir a toiTCute para me fazerem uma espera. Livra te
das circumstancLas que o arrastou na sua des ares que eu te livrarei dos m ales;
cnda vertiginosa. foi o que eu pensei. Indo todos cs dias á
Chiquinha padecia a olhos vistos ; não sua casa, seu Chico, era fácil uma escora
tinha mais a frescura da mocidade, já no e depois quem perdia a vida era eu, por
seu semblante não brilhava o plenilúnio que 0 diabo tem muito dinheiro para com­
ds paz intima que se esbatia em sorrisos prar a justiça.
deseuidescs, em galanteies drlicados. — Nã-o falleraos mais n’isso, SebastiãOf
Ao contrario: as lagrimas destruiám-lhe decidiu Francisco Benedicto; o que lá
a pouco e pcuco a graciosa carnação do foi lá foi, tratemos do dia de amanhã.
corpo, e, como os tíeposit s sedimentares O armisticio involuntário que tinha silo
a contextura primitiva do mundo, altera­ comjeáido ao fazendeiro estava deflniti-
vam-lhe a harmonia dos contornos, e a vamente findado pela volta de uma das
regularidade feerica das feições. potências belligerantes ao pacto de guerra.
Semelhante ao passaro cujas azas foram Cumpí*?, entretanto, aílirmar que as
molhadas pela tenpestade, e sem tentar novas operações reduziram-se a simples
um voo queía tristemente pousado no escaramuças com o fica de arranjar pro­
galho seceo de um pequeno arbusto ; Chi­ visões.
quinha, sentindo ss suis aspirações pre- Um serio conííicto, que evitou-se por
sentemente cerceadas conservava-se re­ uma felicidade quasi milagrosa, acirrou
signada no seu desconsolo. os odios e reaccendeu o fogo dos commet-
Mas 0 passaï’o entristecido lamenta-se timentos.
em pios plangente.j; assim também a moça O feitor Fidelis acompanhara alguns
desventurada carpia h sua desdita em dos seus parceiros ao mandiocal, para
flebeis suspires. arrancar-lhe as raizes nutritivas. Ahi
Havia só dois caminhos' para mira, encontrou o Juca Benedicto provendo-se
accrescentou ainda o violeiro, ou aban­ iü i.vidamente ; e e :te, longe de descul­
donar a infeliz Chiquinha, o que seria a par-se, continuou no seu furto sem dar a
sua morte; ou adoptar um meio qualquer menor importância ao feitor.
para aviventai’ lhe a espei’ança, até que ^ Olá, exclamou Fídelis, isto ó então
seja possivel effectuer o consorcio. roupa de francez, ou casa de viuva ?
Prevenindo a objecção muito procedente/ O rapaz, sem responder palavra, e fin­
— ninguém na casa "de Francisco Bene- gindo não ter visto os recem-chegados,
dicto impedia-lho as visitas e familiarida­ nem mudou de posição. Todavia como ti­
des, 0 violeiro defeateu-sa iQ.go com a vesse arrancado um pé de mandioca, em
conversa que Lucio Ribeiro disse-lhe ter vez de quebrar simplesmente o caule frá­
ouvido a Fâwstino. gil, tirou da cintara uma larga faca de
O resultado das explicações do atiiado m -tto e com ella decepou as raizes. Em
Sebastião foi não só o per tão, mas tam­ seguida tomou a rama do arbusto e a re­
bém 0 reconhecimento do aggregado pela petidos golpes partiu-a em pedacinhos.
coragem ccra que o seu amigo se expu­ Feito isto passou a arrancar outro pé.
nha aos golpes do fazendeiro. ^ Formiga quanio quer se perder cria
— Já vê, seu Chico, as cousas como aza?, resmungou Fidelis; e levantando
se passaram : eu mandei dizei* a D. Maria logo a voz, bradou : ohl seM Juca, você
0 que fazia por cá a joia do marido ; elle errou o seu mandiocal, este é de meu se­
já sabe que fui eu quem mandou escrever nhor.

/
ou V PEN.V DK MORTE lOt

0 mesmo silencio provocadov fci guar­ — Ora os'á ahi a cousa, veiu buscar lã
e sahiu tosquiado, disse Fidelis. Pai Do­
dado pelo filho rle Francisco Bòne; icto.
mingos 1vá basear a mandioca arrancada
Fidelis coinprehendeu que o desejo do
rapaz era brig&r, ej jostamente oííendido pelo ladrão.
O preto obedeceu, mas de volta parou
na sua auctoridade e qualidade da re­
presentante do proprietário lesado rompeu junto do feitor e disse-lhe com o tom de
por sua vez a provocação. uma inabalavel resolução ;
Chegando-se pai’a mais parto de Juca — Fidelis, eu não quero mais vir tra­
Benedicto, começou a atirav-lhe peque­ balhar com você n’estes logares ; você
nas pedras a princioio e depois outras,que acaba dando trabklhcs ao meu senhor.
podiam perfeitamente ferir o intruso. — Vamos com historias, pai Domingos,
reapon ieu 0 Rite r ; faça 0 que se manda
Oh ! negro, gritou Juca Benedicto, não
me obrigues a fazer com que conheças o e dê ao diabo o que s' ba.
teu logar ! Olha que o sub iehgado ainda O incidente, que acabamos de esboçar,
foi o novo rastilho ás explosões de odio
tem bacalhaus em casa para quebrar a
prôa aos perrenguís malçriaios 1
por parte do aggregado, e os accintosos
O feitor ouviu calmo a terrível amesça, desmandos d’eite foram de novo levados
e por unica resposta arremessou um pro- ao conhecimeiito do fazendeiro, que em
successivas cartas exprobava-lhe taes
jectil que foi cahir junto a Juca Beae-
actos e concluía por um estribilho inva­
dicto.
— Eu vou mostrar-to se estou brin­ riável :
Se o compadre cão está bem no sitio,
cando ou fallan io sério, gritou este.
nada mais facil do que abrir preço ás suas
Impellido pelo calor dos dezoito annos,
0 rapaz empunhando a larga faca, líeitou bemfeitorias. AssiraJlevi taremos questões.
Nenhuma resposta era dada ás judicio­
a correr para Fiieiis, que o esperou
sas considevfiçoes e benevolos conselhos
serenamente. de Motta Coqueiro., Com referencia aos
Quando separavam apènas alguns pas­
neg'.cios do sitio tinha por ultimo sabido
sos o aggressor e o s .u'eiido, este, levan­
que Fi'îelis já se vira obrigado a apontar
do ao rosto uma espingarda que tinha
a sua espingarda contra o fi.ho do ag-
escondida por detraz de si, gritou com
gregado. "
accento escsrninho. A gravidado de semelhante noticia d ;ci-
_Arreda-te d'ahi, fliho de cobra, ou diu Motta Coqueiro a passar alguns dias
eu f.íço-te 0 braço em dois pedaços. no sitio, para certificar se da verdade dos
Acovardado pela perspectiva da morte aconteciluentos que Ihé eram ccmmuni-
qne se lhe antolhava, o rapaz voltou cas cados.
tas. e abaixando S I para encobrir-se com A Sra. D. Maria acompanhou-o a esta
a folhagem do man liocal, tiesappavecau viagem com o intuito de avigorar s eoer-
rapidamente. gia <?o raariio, qurnio a cumpaixao o
Entretanto era dispensável tamanha ra­ vie se enf''aquecer.
pidez. Q iando o foitor levou a arma ao Chagando á r.ioit-3 e inesperadamente o
hombro, um pulso vigoroso havia pren­ fazendeiro não deu tesufo a Francisco
dido o cão da e-piügardi. e assim impe­ Benecicto para pr; v^nir-se, pm'que no dia
dira 0 tiro. seguinte de manhã, í nte-i que se soubesse
Tal movimento de pru enciãeffectn cu-o da sua chegada, dirigia-se logo á casa
o preto Domingos, que acompanhava o nova.
feitor e que sssijtla èa provooaçõea com a A Sra. D. M-r.ia, que conhecia melhor
fleugma natural que o carr.ctotisava. do que seu mari ío o gênio traiçeeiro dos
m MOTTA COQUEIRO
habitantes do interior, não permittiu que seio envaidava se com o colorido azul
0 fazendeiro fosse inerme sozinho á en­ de.amfiiado das meias.
trevista com 0 seu compa lre; fel-o acom­ Dèp is de alguns passos, voltou no-
panhar por dois pretos da confiança e vamente á casa.
robustos: Domingos e P^r^grino. O Juca, bradou elle, põe nova carga
A presença de Motta Coqueiro na casa á espingarda e não arredes pó do terreiro,
do aggi-egado foi para este um choque Dirjgindo-se depois á Mai iquinhas, que
de pavoroso sobresalto. viera com sua mãi espial-o á porta, sorriu
1 ratou-se das bemfeitorias e dos abusos, mostrando os cientes eí caros, e, estenden­
e o fazendeiro condemuou S8 ''eramente o do a mão que a moça beijou, disse :
procedimento desleal de Francisco Bene-
Cautela e caldo de gallinha nunca
fizeram mal a doentes Eu não quero que
dicto, terminando por apresantar-lhe a
unie a solução rasoavel.
você volte-me de novo arranhada para
— O compadre está mal acommcdado casa, e a cousa fique sem castigo.
aqui, desconfli de mim, e não póde dar-se Da novo afastou-se da casa e andou
bem com os escravos. Venla me as bem­ cerca de dez braças; mas parando de cho-
feitorias, que lhe pagarei c«m vantagem, fre bradou sobresaltado:
e mude-se. Eu o£fereço-lhe já duzentos “ O’ mulher 1 onde está a Antonica ?
mil réis. Serve-lho o preço ? Não lhe puz hoje a vista em cim a...
Humildando-se miseravelmente Fran­ Mande-a cá para lançar-lhe a bençam.
cisco Benedicto apenas peliu tempo para O velho havia parado junto de uma
pensar quanto ao preço, porque estiva toceira de bananeiras que abriam coroo
tarabem deliberado a mudar-se. Basta­ um leque as suas folhas novas e inteiri­
vam-lhe só mente dois dias de espera, no ças, ainda cobertas de um verniz côr de
fim dos quaes elle diria o que lhe con­ pérola devido ao rocio da manhã.
vinha. Sabindo de traz da toceira. com voz
— Pois bem, compadre, respondeu o fa­ tremula e melancólica murmurou Anto-
zendeiro ; ande com isso por bem paia uica:
evitar a entrada da justiça n’e.sta negocio. — Eitou aqui, papai, a bençam!
O aggregado ouviu tudo submisso, mas — Então fez madrugada hoje? por onde
logo que o fazendeiro sahiu, mudou radi­ andava?
calmente da modos. Chamou sua mulher — Eu fui lavar o rosto no ribeirão.
epoz-se a blasonar c/m ella : E tás com cara de quem fugiu com
Viste, mulher, já está manso como medo do compadre; e deixa lá que tinhas
razão.
um CO deiro. Ha de pagar-me bem o ti’a-
balho, se qaizer que eu me mude. Agora Antoaisa abaixou os clhos silenciosa;
vamos verquem é que póde mais. Aprom- e o velho poz sa logo a caminho, levando
pte-me a roupa, mulher, que eu vou en- a certeza de ter comprehendido a razão
tender-me com o subdelegado e o ins­ do movimento dos olhos de Antonica.
pector. Enganava-se. Ao ouvir a voz de Co­
queiro, Antonica sentiu a alegria que é
D’ahi a pouco Francisco Bane licto sahia fscil imaginar; a alegria de rever o ente
de casa vestido com uma calça de ganga ama.to,que ausente mesmo ia-lhe apouco
amarellu e um paletot de riscadinho côr e pouco absorvendo pela saudade toda a
de rosa abotoado sobre uma camisa que existência.
0 anil tornara côr da sanhaçú. De um Quiz primeiro vir á sala fallar-lhe, mas
manguá atravessado sobre o hombro, refiectiu a tem;,o que este expediente
pendia-lhe o par de sapatos inglezes, cujo trahii-a-hia.
103

Lembrou-se então ias baaaneir s; (i’ahi caf-Zíl de mais de qu-nhentos pés, roças
pofíia fitar ternameote o fazendeiro,nutrir- da mandioca, milho, etc., e veja quanto o
se a farta de sua imagem, com isempçâo, capitão deve pagar. Tolo será seu Chico
com avareza, sem temer que indiscreta se estiver pelo que o bicho quer.
curiosidade a viesse sorpeehender. — Mas 0 compadre não disse que os
Tomando uma tosilha, sahiu pela porta duzentos eram a sua ultima palavra ; tal­
lateral e foi collocsr-se no logar de onde vez dê mais uns trinta ou ciucoenta.
foi tirada polo chamado de seu pai. — Qual, mulher 1 se elle não escarrar
D'ahi voltou para casa on^e sentiu ir quinhentos, ou ao menos, ao menos qua­
se-lhe esvaecendo a alegria, ao passo que trocentos, n ã o leva o meu suor. E ’ rico,
86 lhe augmentava a melancolia. póde pagar ; e ha de pagar, exclamou o
Passaram os dois dias do prazo fixado aggregado.
por Francisco Benedicto para a solução A’ vista de tão descabida exigencia a
definitiva. boa mulher sacudiu os hombros e re-
Mais de metade do dia 7 de dezembro tirou-se.
de 1851 esperou Motta Coqueiro pelache Eram horas de socego e repouso ; já
gada de seu compadre para que se con :or havia muito que de envolta com o cre­
dasse o preço da paz e da tranquillidane púsculo tinha cessado o gazeiar das aves,
de ambos. e que haviam aceordado com as estrellas
Vã espectativa. Na vespera o aggregado os zumbidos dos grillos importunos e da
voltára á casa, após a consulta ásaucto mosquitala impertinente.
ridades locaes, e declarou se decidido a Afóra estes ruidos, o fraquissimo silen-
não ceder a sua posse e a não entrar em cto, o religioso remanso da naturesa, a
ajuate algum razoavel. solemne aphonia da noite.
A causa d’e ta resolução deu-a elle á — São horas de dormir, meu velho,
sua muluer, que, apezar de discordar, não diSfO o violeiro pouco depois que a mulner
resistiu-lhe. do F ‘aumseo B nedicto se retirou. Pr«^cisa-
— Bam me estava palpitando o cora moà accordai’ cedo ; salvo se você já não
ção, disse o aggregado, assentando se em está pelo que tr»tou c>.'mmigo.
um mocho da sala da entrada ; aquelle — Palavra é pedra, respondeu o aggre-
demonio o que quer é ferrar-me uma lo- gado ; 0 que ficou assentado, está assen­
gradella, mas eu já não caio, e hei de en­ tado.
sinar lhe o bom caminho. A sala ficou em absoluto silencio.
— Duzentos mil réis valem a pena, De manhãsinha já Sebastião estava de
seu Chico, e é melhor vocè pegar no trato
pé, agitava-o uma impacieaoia febril.
e ficarmos descançados ; advertiu a fleug-
Ab iu hs jan>lias da sala, cantarolou,
matica mulher.
mediu a passos o recinto e afinal sahiu
— Você não entende de négocies, se­
nhora ; pergunte alli ao Sebastião se é para o terreiro.
logro ou não, e pense bam no caso Ahi achou em breve com quem fallar
O violeiro que, ten 5o ! hegado com F r , n- p'-.ra esp^iirecer a sofíregui iao, e aprovei­
cisco Bénédicte, fôra sentar-se a um canto tou 0 ensejo com a sua innata jovialidade,
da sala, respondeu com a sua níitural iionia e dissimulação.
vivacidade : — Fez madrugada hoje, sa Autonica?
— Nem é pre iso perguntar, isto está — Tàl qual como Võsmecê, respondeu
a entrar pelos olhos dentro. Só a casa pela seceamente a moça.
madeira de que foi consti ui la vale mais — Mas eu é porque teuho de fazer uma
do que a offerta. Agora ajunte-lhe um viagem grande e preciso adiantar.
104 MOTTA COQUEIRO
— E eu p jrque sempre accorde a esta — Aonde então hei de ficar á sua
hora. espera ?
— Deve ser assim mesmo, sa Antonica; Francisco Benedicto meditou um pouco
é para não desmentir o verso : e depois respondeu vivamente :
— Nos taquarussús; ahi não póde
Quem tem amores não dorme, falhar.
Q lem dorme não tem pensão.
— E’ como esperar um veado no rio.
— Seja o que vosmecê quizer ; sabe O violeiro não demorou muito ; despe­
diu-se da familia e partiu.
mais da minha vida do que eu.
Ao ver o seu gratuito apoquentador
— Eu sd lhe digo que se farta bem de retirar-se, Antonica poude emfim res­
vel-o hoje; faça matalotagem para a sua pirar.
saudade, porque am anhã... porque ama­ Tal presença incommcdava-a dupla­
nhã 0 sitio já ha de estar vendido. mente : nunca lhe perdoara o desgosto
Uma risada prolongada acompanhou por elle causado á sua mãi pelo rapto de
as ultimas palavras do violeiro, emquanto Chiquinha, e alémd'isso sei’ia testemunha
que as faces de Antonica vestiam de uma da sua perturbação, e um vigia a por-lhe
livdez cadaverosa, que exagerava ainda obstáculos.
mais a côr, os discos de amethista que Rápido contentamento ; maior contra­
serviam de palpebras aos olhos tristes. riedade do que a presença do violeiro veiu
O violeiro tinha comprehendido ajusta logo turvar lhe a alegria que sentira ao
causa da madrugada de Antonica ; vinha despertar.
com efíeito beber çom os olhares ternos O seu egoismo de amante regosijava-se
0 philtro da seducção que a assenhoreiara com a exigencia paterna, descommunal
e ao qual ella não ousava resistir. emb.ora. E’ que via ahi uma demora no
— Veja se quer governar-me tambara, ajusta e portanto maior espaço para con­
respondeu despeitada; e lembra-se que templar o fazendeiro.
ainda vem a esta casa porque ha homens Mas estava marcado, talvez pelo desti­
que não merecem esta nome. Não se sa- no, que para ella não haveria mais esta­
tifez com desgraçar uma das filhas do bilidade ; todo o sentimento grato devia
amigo, quer diffamar a outra. Pdde con­ esvaecer-lhe como um sonho.
tinuar. Francisco Benedicto, segurando o seu
Ha uma força invencivel sobre a terra, forte mançuá, sahiu depois de tar dito
é a dignidade nas suas explosões sinceras. á mulher que ia dar a resposta ao com­
Antonica, por intermedie d’ella, pôde re- padre e que depois seguiria in continenti
tirar-se, fazendo calar a mofa do violeiro. a conciliar-se com o Vianna.
Francisco Benedicto veiu d’ahi a pouco A resolução do aggregado foi uma pu­
tomar mais agradavelmente junto de Se­ nhalada cravada no coração de Antonica:
bastião 0 logar deixado pela moça. frustrava-lhe a oceasião da vêr o fazen­
deiro, e, perdida esta, quando se apresen­
— Então, já está prompto? perguntou
o violeiro, taria outra ?
Era mais de meio dia quando Motta
— Estou, mas devemes sahir com horas Coqueiro, cançado de esperar pelo ag­
differentes, para não haver suspeita. gregado, resolveu ir procural-o para
— E se elle vier primeiro ? obter a decisão do negocio que tanto
— Qual; ha de esperar que eu vá lá iníeressáva ao seu bem estar.
fallar ; o aggregado é o mesmo que um A Sra. D. Maria, sempre prevenida
escravo. para com os sertanejos, queria que o seu
OÏÎ A PENA DE MORTE 105

esp3so levasse em companhia dous escra­ Parecia que as forças haviam-a aban­
vos para defenlerem-o de qualquer assal­ do ado, tornaudo-se-lhe impossível dar
to, por ventura planejado ; mas o corajoso um só passo. E’ que a dominava um des-
fazendeiro, referindo o que se tinha pas­ fdílecimento hypoeondriacò, um d'esses
sado dous dias antes, os modos humildes, spa&m .s moraes que entorpecem os mus-
e a deliberação em que Fi’ancisco Béné­ culoe e concentram todas as faculdades
dicte fingiu eotar acerca da venda do si­ em um ponto unico, semelhantemente a
tio, negou-se a ouvir o conselho que se lhe üia abat-jour á luz de um foco enorme
dava e prrtiu só, cavalgando o seu fogoso em superficie restricta
e celere alazão. De subito, porém, electrisada por um
Não obstante a resistência do marido, a presantimento, voltou-se para dentro e
cautelovsa senhora não abandonou a sua perguntou á sua ii’mã :
prevenção, e pouco depois de Motta Co­ — O capitão não d’isse se hoje fallou
queiro fez sahir Caídos no seu encalço. já com papai ?
O moleque, obedecendo a meio a ordem — Não, respondeu Mariquinlias distra-
recebida, seguia a principio a galope, hidamente, perguntou sómante por elle.
porém logo depois na vagarosa marcha — Meu Deus, meu Deus ! eu sinto tanto
do animal, guiando-se pelas pegadas das medo, parece-me que vai acontecer al­
patas do alazão. guma desgraça, murmurou Antonica.
Para atalhar caminho, o fazendeiro — O que é que voeSestá dizendo, mana?
entrou pelo interior das suas roças, con­ — Ah! sim, gritou a iafeliz ; eu dizia
duzido ora pelo galopar largo, ora pela que é mais certo que papai tenha ido pri­
andadura veloz e uniforme do seu corre­ meiro visitar Chiquinha.
dor, distanciando-se assim cada vez mais — Ha de ser isto.
do seu pagem. Antonica terminou o dialogo sahindo
Não tardou muito a achar se diante da apressada e cautelosamente, e quando já
casa de Francisco Bénédicte», onde foi in­ não podia ser vista correu incansavel­
formado de que este sahira jastamente mente até a margem do libeirão atola-
para dicidir a venda. diço que espreguiçava o seu dorso limoso
algumas braças distantes do fundo da
— Então não ha tempo a per Jer, obser­
casa.
vou Motta Coqueiro ; vou encontrar-me
Atravessou-o animosamente por sobre
com elle em caminho.
uma tora estreita que se ihe superpunha
Dando de redeas ao valente alazão, to­ e, trepando pela margem opposta, re-
mou pela estrada geral, que apresentava folegou, para novo correr por uma
o seu lombo vermelho no-'j^eio do capoei- picada do capoeirão até á beira da
rão, como disforme coral estendida a fio estrada.
comprido sobre um capinzal. Pensava que, por maior velocidade que
Quando elle sumiu-se na graride volta pudesse obter do seu invejável alazão, o
do caminho, Antcnica veia encostar-se fazendeiro não podia ainda ter passado
ao umbral, embebidos os olhares lamen­ por alli.
tosos na direcção tomada pelo cavalleiio. De feito a topographia do logar funda­
Transluzia-lhe no semblante a eloquên­ mentava esta supposição. O valle, ser­
cia arrebatadora da saudade, e logo se vindo de escoadouro a enormes brejaes,
lhe deslisou do coração aos lábios uma obrigava a estrada a uma volta alonga-
queixa, ropissada de tristeza : dissima e extremamante csprichosa,acom­
— Nem perguntou por mim : soluçou panhando mais ou menos a fralda dos
baixinho a sua voz commovida. morros visinhos.
106

Para bpin flsurar o traçado, imagine-se — Não, não ha, mas póde haver coisa
uma secção feita pela altura de um cone,
peior, muito peior ; Carlos, uma embos­
cujo vertice era occupado pela casa nova
cada e teu senhor mori erá.
Quan ioctiegou a estrada estava deserta N’este momento atroou, reproduzindo-
Amendnmtaia por sua própria cora­ se por longo tempo no éco, a detonação
gem, Anto ica, offegando de cansaço, uão
de um tiro.
atreveu se a ir adisnte; flcou occulta Quem n’este momento estivesse cerca
entre os arbustos marginaes da estrada. de um quarto de légua de distancia do
Pendiam-lhe sobre eiia, carregados delogarem que se achavam Antonica e o
cachos vermelhos, os ramos de enorme p^gem, .«^ssistiria a uma scena da mais
araeira ; em torno e em cima estendia-seCfuel deshumanidade.
0 silencio do céu a tran;^boT'dar de luz ; Sobre a estrada pouco espaçosa incli­
da natureza asphyxiada pela canicula. navam-se, formando uma aboba «afolhuda
Para distrahir-se e desfarçar o temor,
e virente, as ramiflcsções e ss pontas dos
Antonica puchou um dos ramos pendentes e^tipites de tsquarussús gigantescos.
e, cortando com os dentes um dos cach 'S Uma continua escuridáo entristecia o
de fructos começou de arranca-los repe­ loger, porque a estrada, estreitando e en-
tindo baixinho, &e>n curvando se como um pescoço de cysne,
quer. Tazia com que as orvores marginaes quasi
O eptrupido da um proxirao galopar entrelaçassem os galhos, improvisando
veiu tiral-a promptamente da sua distrac-
uma espessa cobertura.
fão, precisamente no momento em que se Os raios do sol s penas coavam-se, dese­
despagavao ultimo fructo,correspondendo nhando no solo um crivo de sombra, e luz
a uma grata lisonja : bem-me-quer, que,oscillaado á mercê da viração, ora
Impeliida pelo oora;:âo, seatou-se á abria as grandes malhas lúcidas, ora
beira do caminho o, derriband • os olhos,adensava as larga? manchas de sombra.
esperou por aquelle a quem se sicrifloaria Ahi, d’esde o amanhecer, estavam em-
sem escrúpulos.
' bosoados á espera do fszendeiro o aggre-
De chofieo som io galopar extinguiu gado e o violeiro, para executarem um
se, e uma voz alegre fez ouvir. assHto conforme o plano traçado por este.
— Louvado seja Nosso Senhor Jesus Era de feito o melhor logar ; não só a
Christo, s% Aut-mica. estrada estreitava-se, mais ainda fazia
Ainda Antonica não tinha voltado a siuma depressão, erguendo de um lado um
da profunda decepção, quando Carlos, quealto barranco. O declive ia termmar n’um
era quem a saudava, continuou: b' ojo que estendia o seu atoleiro até meio
—• Senhor já passou por aqui ? da estrada.
Esta pergunta chamou Antonica ao Qualquer transeunte era, portanto, obri­
triste presentimento que a trouxera até gado a aprox;niir-s0 muito dos taqua-
alli, 0 acudiu de afogadilho: russús para não atufai‘-se no lodo. i
— Vai, vai já, Carlos; um momento Aquelle que se emboscasse entre a enor­ 1
mais e talvez... vai, vai já. me tocei»'a das graaües taquaras podia
O moleque, talvez recoi’dando a scena a
sem perigo accommetter sem temor de
que tinha assistido na sala de jantar, não
reprasalia : defendia-o uma ccuraça tres-
se deixava communicir pela aueiedade dadobrada.
moça ; flcou frio e perguntou em tom es- Quando Motta Coqueiro, no largo e des­
caroinho:
cuidado trote do ssu alazão, i.a costeando
— Ha onça pelo caminho ou algum boi 0 meio da grande curva da estrada,
bravo ? I Francisco Beneiicto des fechou-lhe a pri-
ou A PENA DE MORTE 107

meira paulada, que foi bater no hombro cuidado era defendsr-se para impedir a
do fazendeiro. derrota inevitável.
O aiazâo estacou de subito, e o sen dono Uma paulada, vibrada por Sebastião,
tomou a attitude da aefesa. Engatilhou lançou-o por terra aflnal, inunda lo n’um
rapidamente a pistola, e esperou como lago de saogue.
sangue frio que lhe era peculiar. Upa, upa, ouviu se n'este momento,
O aggregado appareceu então sobre a ao mesmo tempo que o estrepi jo de uma
ribauceira. galopada.
— Mata-me, soductor e ladrão da gente — São 0.5 escravos do malvado ; não ha
pobre ; acaba assim a tua infamia, uã. minuto a per.fer ; fujamos, seu Chico.
será a pnmeira que tenhas feito. Os dois miseráveis galgaram pre-te o
— üra, compadre, você nunca tomará bar anco e inferna’ am-se na matta,
juizo, homem Î Vá para casa dormir que a a ’os pelo temor o castigo.
é do que você precisa. Eu perdôo-lhe por De feito, nso se haviam enganado.
esta, mas a menor cousa que me conste Ouviio o tiro dispar-ído por Motta Co­
eu Jhe farei as contas. Passe bem. • queiro, um grito de olador, atrançado
Confiado na arma que empunhava, e pel>» piixão uo coração de Aatonioa,
ainda mais no seu possante alazão, Motta sanctiûcado pelo soûriœento, misturou-
Coqueiro tentou seguir. se á <letoüa;ào, que transudava do seu
— Bêbado, não ê? estou b .bado ; esta é roufenho arruir um pensamento le morte
a resposta. no e-pirito da moça.
A desventurada amante cahiu de joe­
O manguá vibrado pelo aggregado le
lhos, e com voz quasi sumida, murmurou:
vautou-se sobre a cabeça do fazendeiro,
— Meu pai matou seu capitão I
que disparou a sua arma, ao mesmo tempo
— Malvado, bradou o moleque, hei de
que espi^reou o animal. matal-o também.
G manguá foi arrebata(|p pela bala das
Curvando-se sobre o cavallo esporeou-o
mãos de Fi-ancisco Benedicto, mas ao
mesmo tempo o alazão esticou-se em ra e partiu á briua solta, gritando com o
pido arranco e Motta Coqueiro foi vare­ duplo fim de aununciar o proximo soc-
jado em terra. corio e incitar o corredor na sua dis­
parada.
Um novo inimigo voiu collocar-se-lhe
Era uma tosca imitação do despeia
em frente, e este, mais pujante e mais te- mento indomável do tartaro de Mazeppa.
mivel, era Sebastião Pereira. Os arbustos, como que ataedrontados,
Fôra elle a causa da quéla do fazen­ passavam semelhantes a relâmpagos por
deiro. diante do cavalleiro, e o ar, vibrado vio-
Manejando um grosso cacete arrancou lentamente, assoviava o canticq ironico
as rodeas da mão do cavallairo, que foi da vertigem.
inopinadamente arremessado pelo alazão. Atoleiros, pequenas pontes, iudo era
Começou uma scena horrível ; um passado de subito. O chão e os cascos do
homem ioerme era forçado a defender «e animal formavam uma engrenhagem in­
contra dois outro?« que tinham a fav« r não visível, rodsndo com o movimento do tur­
só as armas, mas também a fria premedi- bilhão.
tação do exime. Não era uma corrida, mas um vôo ; as
— Eis nos agora em frente, dexnonio, azas emprestavam as o temor e a dedica­
exclamou o violeiro ; ou morrea ü’esta ou ção.
has de guardar signal para toda a vida. — Upa, upa, bradava continuamente o
O fazendeiro não respondeu ; t-.do o seu cavalleiro ; upa, valente I
108 MOTTA COQUEIRO
Ao entrar na grande curva do caminho, — Não, não diga, o coração de meu se­
empinando-se brascamente sobre as patas nhor ettá batendo, veja.
trazeiras, o corredor obstinou-se a não Felizes aquelles que sabem amar : têm
seguir, e tomando o freio entre cs dentes, na propria desventura, nas horas da maior
voltou na mesma desfllada. angustia, alegrias indisiveis. Para serem
Era impossível re-istir-lhe ; Carlos pu­ venturosos basta-lhes somente a espe­
lou resolutamente e correu. rança.
A poucos passos do logar em que o ca- Antonica certifleou-se de que ainda ba­
vallo refugara, jazia Motta Coqueiro es­ tia um coj ação sob o peito do eleito de
tendido sobro a estrada e banhado em sua alma, e depois fez os seus lábios tes­
sangue. temunhar de que ainda por enti’e os lá­
— SoccoiTo I soccorro I mataram o meu bios d’elle passava o sopro da vida. Nas­
senhor, bradou Carlos dando de face com ceram-llie espoctansamente cs desvellos
0 corpo do fazendeiro. de mãi, e, solicita, tr&tou de prestar os
Só 0 óco incumbiu-se de repetir-lhe, primeiros scccorros. Caroou-lhe a felici­
como por escarneo, as palavras cunhadas dade cs exforços ; as palpebras do fazen­
pela sua aíllicção, e quando o som da sua deiro venceram em fim o torpor que as
voz extinguia-se em successives susurres paralysa va.
gradativamente eivaecidos, sobrevinha o — Está melhor, não é ; já está melhor?
profundo silencio da matta, que exage­ sorriu a dedicada amante.
rava a tristeza do quadro. — Cavardes 1 murmurou o fazendeiro,
Meu senhor, meu senhor 1 conti­ e cerrou novamente as palpebras.
nuava o pageiá ; sou eu, Carlos, o seu es­ A soffregoidão avassallou o animo de
cravo Carlos. Antonica ; não poiia mais conter-se ;
E o efflioto rapaz apalpava e sacudia o qaei'ia ci)nveacer-se de qae Motta Co­
desmaiado cem uma impaciência febril. queiro não estava irramediavelmoiife
— Ah 1 meu Deas ; podem pensar que ferido.
fai eu. Scccorro ! — Esc -te ; sou eu, Antonica ; os mal­
vados já se foram, estamos eu e Carlos.
A mão do Carlos collocou-sa sobre o
coração do fazendeiro. Tenha animo. Dous é grande ; ha de
— Está vivo ; meu senhor 1 diga que
ficar bom.
As palavras da moça ch;írearam emflm
não fui eu ; óiga a todos.
o fazendeiro á reslidade. Sentou-se cheio
O infeliz pggem delirava e estafava cs
de espanto, e olhou ao redor de si.
pulcf oes cm gntos de soccorro, disfar­
Devia julgar-sa no curso de um pesa-
çando d’esta sorto principalmente o te­
dello, porque na verdade era incrível tão
mor de ser considerado o assassino do
nobre dedicação na filha do ingrato que
seu senhor.
lhe pagava os -bénéficies recebí ios com
Alguém veiu dentro em pouco tempo uma tentativa de assassinato.
segundar os seus exforços para chamar Não menos para sorprehender era a
0 fazendeiro á vida. dor ístampada no semblante de Carlos.
Offegante, com os olhos avermelhados O generoso escravo esquecia n’aquelle
e as mãos tremulas, Antonica desceu cor­ momento que estava em face de um se­
rendo a pequena ladeira, e veiu sentar-se nhor, e chorava como um homem de bem
junto d’elle, collocando sobre o seu eollo a morte de um amigo.
a fronte ensanguentada do fazendeiro. — Antonica I exclamou elle, depois do
— Morto ! os covardes mataram-o por primeiro espanto ; pois é vcce, minha
minha causa, por mim que o amo. filha?
— Vim peíir o seu perdão para a mal­ — Adeus 1 respondeu Antonica n’essa
dade de mou pai ; vim pedir lhe que não triste entoação da conlescendencia quei­
me tenha odio ; eu não pude evitar, res­ xosa, e levantou-se.
pondeu AntoHica. — Tslvez não nos vejamos nunca mais,
\s lagrimas corriam-lhe em fl^s, e cs minha filha; quero que também mecon­
soluços troncavaoi-lhe as palavras. Pai­ cedas um perdão; conce.íes ?
rava-lhe sobre o semblante a solemnidade Antonica acenou affirmativamenta a
de uma boa acção. O amor conquistava cabeçfi,
n’esta hora um perdão que se podia crer — Perdoa-me o s' ffrimento de que eu
impofsivel—0 perdão do asgregado. teaho sido causa; perdca me, porque eu
— Porque haviaeu de oíial-asAntonicfe? não faço mais uo que cumprir com os de­
Nem odeio a teu pai ; são a embriaguez e veres de honrà para comtigo e para com
a malvadeza de Sebastião os seus anjos os meus.
máus; perdôo o sim, porque tu és boa, és — Eu já não me queixo, respondeu An-
uma senta. tonica^ é o meu destino. Adeus.
— Eu hei do estimal-o ainda mais. Bom Apenas alguns passos tinham sido
e santo é vos:, e ê ; Deus ha de pagsr-lhe. dados pela moça, quando Carlos aviscu a
Uma effosão de ternura immaculada seu senhor de que se aproximava a
correspondeu ás palavras de Antonica. gente do sitio.
O olhar do fazendeiro como que creava em — Tanto melhor, respondeu Motta Co­
torno de si um mundo para os seus co­ queiro, não fic.arei sõsinho.
rações afinados ambos pela bondade. Com eífeito, ouvia se perto o trepei de
Machinalmente cingiu contra o peito a unáa cavalgada e antss que Antonica ti­
meisa fiiha do aggregadp e pagou com vesse tido tempo de occultar-se, Carlos
um beijo, rcçsdo na sua fronte descorada, exclamou cheio de ef pvnto :
tanta coragem e amor. — E’ minha senhora, meo Deus, é mi­
Mas c.eroo se uma força mysteriosa os nha senhora.
repeilisse, este abandono do amor não Na extremidad? da curva sppareoeu,
demouvou-so ; os lábios do fazendeiro re­ montada em um forte mnrsello, a Sra.
tiraram se 0 ao beijo succedeu um estre­ D. Maria. O.s pés de Antonica negaram-se
mecimento. a caminhar ; a appaidção produzia-lhe o
— E’ necessário que você parta, que effelto de um espectro.
volte para a casa da seus pais. Apeiando-se apreí sadamente a corajosa
— Porque? esposa, que adivinhara o acontecimento
— Porque ninguém acreditsrá que eu pela chegada do alazãc, disparado e sé,
lhe voto 0 respeito de que você é digna, apertou nos seus braçes o ffczendeiro.
Antonica; hão de julgar-me .»eu amante. — Bem m’o diz.a o coração, so’uçava
— E que me importa a mim? não sa- ella; mas havemes e vingar-nos, seja
hirei d’aqui antes de vel o partir. embora necessário vender o meu ultimo
— E’ ura compromettimento , minha cordão de ouro. Covardes I
filha, e ba'taria que alguém aqui ncs Houve um momento de silencio De re­
visse, para que seu pai justificasse o seu pente a Sra. D. Maria, tendo clhado em
crime. Parte, parte já, mdnha filha. volta de si, exclamou com a véz trsvorada
O fazendeiro ordenou em seguida ao de cólera:
seu pagem que seguisse Antonica, e ella, — O que veiu aqui fszer aquellamulher ?
sem forças para resistir, apenas protes­ Motta Coquiro respondeu severamente;
tou abaixando os olhos. — Ouviu os gritos de soccorro, e teve
—Adeusl disse comiaovido o fazendeiro. a coragem de vir.
llü MOTTA COQUEIRO
— Eotão não foi alla a cauaa da embos­ tonico, por m&is alheio aos anbelos
cada I ... seasuaes, o affecto votado pdo fezendeiro
— Não ; é uma infeliz ; culpada, não. á Antonica era uma espoliação ao con­
sorcio.
IX Convinha, portanto, desarraigal-o, des-
UM COMPROMETTIMENTO FATAL truil-o como se faz com as hervas e
os animaes damninhos.
Ô respeito que, pela modéstia, sobrie­ A resposta de Motta Coqueiro proferida
dade de palavras, e maduresa de animo, o com um accento simples, mas solemne de
fazendeiro conseguiu sempre inspirar á decisão, impedia á Sra D. Maria tomar
sua esposa, obviou milagrosamente es qualquer expediente, que não fosse o da
sërias difficuldades oa situação embara­ indiffar nça ou o da gratidão.
çosa. Escolheu 0 primeiro câminho,e a amante
O coração da mulher é, como pensava o retirou-se acompanhada por Carlos, em-
poeta inglez, um beilo defeito da natu­ quanto que por sua vez o fazendeiro e a
reza. Diviiie-o em doas partes distinctes sua esposa acompanhados peles escravos,
e contradictorias uma separação fragi- seguiram para o sitio.
lima, feita de apprehensões e succeptibili- O ferimento capital não apresentava
daJes: em cima azula se um Armamento, gravidade, e o sangue poude ser facil­
em baixo ennegrece-se um abysmo. mente estancado, a vista do que Motta
Um abalo é bastante para eccfisionar Coqueiro rnanteve-s^ na resolução de
uma explosão de trevas ou um transbor- tomar por unica desforra a retirada de
damento de luz ; as temeridades do ci ume Francisco Benedicto de suas terras.
ou os sacriflcics do amor. ■ Sua mulher, porém não se resignava,
Ha uma só excepção; é a que encerra nem podia satisfazer-se com tão pouco;
os corações apathicos e indifférentes, incandeciam se-lhe á proporção que pas­
verdadeiras monstruosidades. savam as horas os seus brios de fazen­
A Sra D. Maria não era excepcional-; deira respeíta/ls, e senhora de alta socie­
amava com a boa vontade de um espirito dade.
que encontrou no mundo um outro para Só por uma lição estrondosa, entendia
complatal-o nas alegiõas, assim como nas ella, 0 seu marido poderia de novo entrar
dores, e por isso mesmo deixava-se facil­ nas salas de seus amigos com a cabeça
mente avassallar pelo pânico de perdei o. erguida.
A presença de Antouica revivera-lhe as O que tenciona o senhor fazer a
angustias que lhe tinha causado a carta esse ingrato e ao seu cúmplice ?
anonyma forgica la pelo violeiro, graças Entregal-os ao desprezo, respondeu
á pericia de Lycerio, o rabula venal. fleugmaticamente o fazendeiro; são tão
Damonstrava-se clai’amente o amor da miseráveis que nem vale a pena perse-
filha do aggregado para Motta Coqueiro, guil-os.
e embora estivesse absolutamente con­ — E o que havemos de dizer aos nosses
vencida da nobresa de caracter d’este, amigos, quando se espalhar o boato de
todavia arreceiou-se da que de futuro não que 0 senhor foi espancado por um aggre
se alevantassem mais alto do que a refle­ gado, que assim vingou a seducç^o de
xão os vôüs da sensibilidade e da com­ uma filha ?
paixão. — Direi que á uma oalumnia tão mal
Nem sempre o amor é filho da e^talta- engenhada que basta uma simples consi­
ção dos sentidos, muitas vezes nasce da deração para confundil a ; o hom«m que
piedade, e em todo o caso por maia pla- foi companheiro do supposto pai oífendido
aa desaífrcnta imagiaariitl de sua honra, — E vocãs não lero mãos? Se elles re­
raptou-lhe moa das filhas. sisti em cragam-os á força, tragam os seja
— Aca Uinnlase)’á de preferencia acre­ quando fôr, estejam aonde estiverem.
ditada poique a aggressão reali^oa-se, e Fidelis sahiu satisfeito ; a feitoria esta­
não tard. rá que todos venham a saber va-lhe definitivamente entregue ; não
que é real o amor de uma das filhas do havia mais possibilidade de passar ás
aggregado pelo senhor. mãos de Francisco Benedicto.
~ Pacien-'ia ; eu não posso retribuir a Além d’isso facilitava se-lhe uma oppor-
violência com a violência. tunidâde para vingar-se dos insultos do
— Ha ura me;o, é punir o crime ; para aggregado, mas, apezar da boa voutade e
isso é que existe a lei. zeloso tsfoi’ço para capturar os fugitivos,
O dialogo tferraiuou pelo silencio de o feitor lião regosijou-ho com a lealisa-
Motta Coqueiro. ção dos seus desejos.
As considerações da esposa tinham uma Os criminosos tinham-se prevenido con­
basa irrefutável e não podiam í er abando tra esta consequência necessária do seu
nadas ; por outro lado o pedi !o de Anto- acto ; a essa hora descançavam tranquil-
nica, no momento em que expunha a sua lament.e á grande distancia, e completa-
reputação de mulh«* honesta e a propria mente fóra do alcance da qualquer vin­
vida,— porque a brutalidade de seu pai gança.
não poupal-a hia caso sorprehendesse-a Quasi ao anoitecer os escravos vieram
em meio do acto meritoi'io, — fazia-o va- participar a senhora o mallogro das suas
cillar pesquizas, mau grado a solicita diligencia
que tiuham feito para o exito da empreza.
Um expediente apresentou-.se; mover o
— Está bom, reapondsu lhes a Sra.
processo contra o aggregado e deixal-o
D. Maria ; elles hão da apparecer em
mais tarde, quando a primeira impressão qualquer tempo.
desspparecesse, correr á revelia.
Fidelis retirou-se duplamente contra­
Harmonisados d’e.sta sorte o coração e
riado pelo sangue Mu da sua senhora e
0 dever, resolveu notificar o aconteci­
pela sua filta de perícia no desempenho
mento ao Sr. Oliveira, subdelegado do
da commissão.
logar, e pediu a sua presença para ser
Uma outra pessoa da casa mostrava se
comprida a lei.
profundamente sentida pelo aconteci-
Estava, pois, satisfeita a vontade da m- nto ; era a tia Balbiaa.
esposa Os seus soluços e imprecações conse­
Tranquillisada por esta re-olnção de guiram captar novamente a sympathia
seu marido, a Sra. D Maria teve um da Sra. D. Maria e des ;e aquella hora
verdadeix'0 desafogo ao saber de uma abriram-se lhe as p<>rtas da casa grande.
outra nova. Fatal imprevideuüia I
Ao chegar em casa, a indignada con­ A dõr de Balbina encontrou se tuim a
sorte despachara immediatamente os es­ decepção de Fidelis, sinceramente empe­
cravos Fidelis, Peiegrino e Alexandre, nhado em desh Afrontar Motta Coqueiro da
ordenando-lhea que percorressem as mst aggressão recebida I
tas visinhas afim de descobrir o escon- — Ah 1 tia Balbina, disse Fidelis, eu
drijo dos criminoaos e pren ’êl-os antes queria sar surrado do qúe não achar
— A gente po ú* fa^er isto, minha se­ 0 diabo do aggregado ; queria quebrar-
nhora, te elles não so alevantaf hem contra }he cs ossos áquelle desalmado.
nós; como ha de acontecer, observou Fi* — 0 f-itor deve estar sempre do lado
delis. dos brancos, respondeu a feiticeira. O
MOTTA COQUEIRO
grito vâi ssajpre para o la. o qüe segue o ninguém que tivesse pena ‘>’ella ; todos fu­
vento. Fidelis já não é como seus par giam da feiticeira, como se foge áe cobrg.
eeiros. O'* signaes do castiiro estão nas Hoje,o senhor de Balbina cpenhou
costas d’c«íes, não importa ; o sol qu ia,a das mãos do aggregado, e mulher e filhos
á sambaUaia e m ita as puoaçús, o eito e escravos, to íus eboratu e P d. lis antes
soba sampre ; o rsovavo súa a tirar fóra queda ser surrad ), do que voltar para a
a csnii.-.6 , não ioiporta ; o feitor manda casa de seu .«enhor sem o ter vingado.
sfguir seinpje para diante pcrque é o — Pà.ra que ha de guardar e.stò odio,
lucro do çeu senhor. Fidelis já não é um tia Baibina ? Nés não eacontraremcs me­
parceiro, é vm senhor-moçu: qUein offen- lhor senhor.
de-lhe offende ao senhor. Balbina nao tom od o, chO' ou tam­
— Porque vor-mecê diz isto, tia Bdbi- bém a desgraça, mas ie.mbra qoe ninguém
na ; eu tenho sido máu para cs escravos C;.orou por elia, Hoje ninguém diz que é
do sitio ? ! ... 0 castigo de Dsus pela maldade com a
— Não sabiu isto da bccca de Balbioa, innocente; paciencã.
nem da de s-eus parceiros: todos querem — Ah I se 0 senhor soubesse d’ -sto, tia
hem ao feitor, mcs nem porisso esquece­ Bslb na ; o que vosniecê não soffreria.
ram 0 rigor do c;'ptiveiro. Fidelis .-ente O feitor afFa.stou-90 Itntsmente, mas
a dôr de seu senhor; Balbina lembrou se quanáo ia a aL-uma distancia; foi detido
de uma dôr sna. Um dia, ainda cabia ne­ pela voz da feiticeira :
blina e ocdu tinha a esteeila granie da — O parceiro de Balbina vai levar aos
madrugada, e Balbina foi amarrada no brancos o que ouviu ; mas Deus está
cabeçalho do carro. 0 frio feria como es­ ven k que B.>lbiní nao quer o mal d’elles.
pinhos de jurubeba o corpo da encrava, — Não é meu co.stume, tia Balbina,
e 0 senhor de pé na po?ta, embrulhado no respondeu nobrementa Fidelis ; eu tam­
sou capote, diísecom má voz: surreto-me bém sou escravo.
esta negra. Os parceiros de Bübina foram — Jura peia morta de tua mãi, que
dizer que era e'la a que ger -va a doença sempre foi escrava, que soífreu como
nos escravos e nos animaes do sitio. Na B a b m a , e nao teve quem a chorasse
senzala da feiticeira estavam c Deus que quando soffria.
.Balbina conheceu na sua terra, e as her- Para que me lembra minha mãi,,tia
vas com que a e.scrava tieha amis?de Balbina ; o escravo não tem mãi. Juro,
quando era criança e livre. B.^stou para jaro sitn.
se ver ahi a feitiçaria que mata. Balbina quer que se faça o castigo
Os chicotes bateram srrn dó nas costas do aggregado, inimigo dos escravos ; mas
da feiticeira, como as vai'as fortss sobre não quer que Fidelis se esqueça de que é
as vagens madura? do feijoal. O sangue já escravo. Quem mandou ao feitor prender
corria, mas o castigo não parava. O filho 0 aggregado ?
dos brancos, creaáo por Balbina, o filho — A senhora mandou que o trouxés­
dos brancosquerido por Balbina como seu, semos á força, e eu havia de trazel-o
estava amgrello e m agro; o doutor caaçou ainda que fosse morto.
de tratar, não sabia a moléstia. E’ f ãtiço — Sim, sim, mea parceiro; acudi»
da escrava, diziam todos. O pai queria promptamokita a feiticeii’a. A senhora
vingar o sed filho e não teve dó de Bal­ d.is3 ^; cumpre, hoje, am anhã, sempre.
bina, que não chorava por que tinha odio Será menos um branco ; acrescentou
só. e não sentia que a iam matando. n’um murmurio, e a perdição dos outros.
Quando o castigo acabou a negra ainda O açodamento com que a tia Balbina
ferida foi para o eito, e lá não houve recebeu a revelação do feitor sobrasal-
tou 0 pi’ofundamente; o que haveria des­ Introdazido na sala de visitas, accedeu
coberto a escrava û’essa ordem tão s-im- sem resistência ao convite para passar
ples e tão natural ! aos aposentos do fazendeiro.
Uma pallidez a proposito attenuava o
Depois de separarem-se, ainda Fidelis
colori io sadio do rosto do subdelegado, e
pensava no tom especial com que a tia
um cerrar de mãos, assim como um me­
Balbina lhe fallara por ultimo, e, des-
dido accento interjectivo masoaravam-lhe
conflado, fez tenção de communicar a
as intenções, á semelhança de um rotulo
sua senhora o que se passara entra elles.
esmerado á mercadoria faJsificada.
— Quebro o juramento, mas não im­
— Ninguém poderia pensar ao menos
porta ; descubro a malvadeza que essa
em que tal acontecimento tosse a paga de
feiticeira esconde. tantos favores, exclamou elle. Esse mise­
Uma habil manobra da tia Balbina inu- rável que em parte alguma obteria siquer
tilisou 0 plano de Fidelis. passagem pelos terrenos de um homem
Ao sahir da revista, a feiticeira acer­ serio e com tudo conseguiu terras, casa,
cou-se do feitor e segundando as palavras e a amisade de V. S. Que alma, que torpe
comas lagrimas, disse-lhe dolosamente: caracter a do tal Francisco Benedicto !
— Balbina já se arrependeu de ter fal- Faça-me o favor.
lado do senhor, porque elle é bom. Carlos — Eu lastimo-o, não condemno-o abso­
contou que o branco vai perdoar o outro lutamente, respondeu Motta Coqueiro ; ë
que 0 esperou para matar. Balbina per­ extremamente ignorante e alêm d'isso
embriaga-se. Não é perdel-o que tenho
deu 0 odio, porque tem coração, e pede
em vista mas simplesmente intimidal-o.
perdão ao seu parceiro.
— Como ? I Perdoe-me V. S., ha de
— Foi Deus quem lhe fallou, tia Bal­ cumprir-se a lei. Vá lá que se tenha pie­
bina, foi Deus ; respondeu Fidelis ; era dade para com o velho desmiolado, mas
muita maldade. com 0 seu cúmplice, é impossivel. Qual­
No dia seguinte duas pessoas entraram quer brandura com elle é nada mais, nada
na casa grande extraordinariamente menos dó que soltar uma fera em todo
commovidas. Uma era a tia Balbina a esse Macabú. Se elle sem protecção faz
quem foi pela Sra. D. Maria cónflada a d'estas, o que não fará se tiver a justiça
lavagem da roupa dos escravos do sitio, e por si.
dado um quarto na casa grande, honra — E’ 0 que eu penso, Sr. Oliveira, in-
que só recebiam as boas escravas. terveiu a Sra. D. Maria. Parece fabula o
A outra era o subdelegado Oliveira, que que essses homens têm praticado com-
a todo 0 galope atravessou o campo do nosco. V. S., que é auctoridade, parece-
sitio, e apeiando-se preoipitadamente á me que deve fazer cumprir a lei, apezar
porta da casa grande, apertou com ambas da bondade do Sr. Motta.
as mãos as da Sra. D. Maria, exclamando — Conte commigo, minha senhora ;
todo commovido: apesar de separado do Sr. seu marido em
— E’ inerivel;, minha senhora ; ë incri- politica, tributo respeito ao seu honrado
vel que possa haver sobre a terra tanta caracter.
ingratidão. A eonversa, desviada para assumpto
As melhores e mais tocantes exclama­ diverso do que dava motivo a familiar e
ções guardou-8s prudente • artistica­ expansiva visita do subdelegado, voltou
mente 0 Sr. Oliveira para o effeito sce- por direcção d'eàte ao ponto primitivo.
nico, 0 deslumbrante quadro final do pri­ — V. S. fará o favor de convidar as
meiro acto da tragédia da intriga. suas testemunhas para a audiência na
S
114 MOTTA COQUEIRO

minha casa. Logo que se pronunciem E quer V. S. um conselho ? entregue a


os reus, eu fal-os-hei prender ; não me causa ao Lycerio. Não se ha de arre­
escaparão, eu lh’o juro. pender.
— Eis uma difi&ouldade que não posso — Eu concordo e aceito o conselho,
remover, ponderou fleugmaticamente o disse a Sra. D. Mana.
fazendeiro; a emboscada foi feita em lo- Depois de reflectir por algum tempo, o
gar ermo ; não houve testemunhas. fazendeiro decidiu-se também a cenati-
— Ora, meu amigo, acudiu o Sr. Oli­ tuir Lycerio seu advogado, mas a ver­
veira, V. S. não tem razão para desani­ dade é que ao communicar a sua reso­
mar por tão pouco. A consa mais simples lução pairava-lhe nos lábios o vago sor­
d’este mundo é arranjar testemunhas. riso da desconflança.
Deus defenda aquelle a quem se queira Retirando-se o Sr. Oliveira, Motta Co­
perder ; com trabalho diminuto conse­ queiro perguntou distrahidamente a sua
guem-se testemunhas de vista para accu- mulher :
sar um paralytico pela auctoria de um — Crê na sinceridade do subdelegado ?
assassinato a vinte ou tnnta léguas de — E porque não ; eu não sou descon­
distancia. fiada como 0 senhor, e demais quer elle
— Mas ha para mim um embaraço queira quer não eu sabarei desaffron-
grandissime ; ainda que o facto seja ver­ tar-me.
dadeiro, as testemunhas serão falsas, e — Póde ser que você tenha razão, mas
d'esse meio creio que nenhum homem de eu tenho até repugnância do tal homem.
bem se serviria. O meu parecer era buscar com todas as
— E’ um modo de pensar que teria forças obter a mudança do compadre.
como consequência a morte de todos os
— Isto, quer ella queira, quer não, ha
homens de bem ás mãos da canalha. V. S.
de fazer-se, mas pagará também o in­
parece-me exagerar muito a noção da
sulto.
moralidade da justiça.
—Póde ser, mas não creio que V. S. te-- Alguns dias depois a causa era con­
nha razão. Por este systema de distri- fiada a Lycerio com plenos poderes, e
bruir a justiça, po leremos chegar ao la­ Motta Coqueiro e sua família ausenta-
vam-se do sitio com um protesto da Sra.
do opposto: obter testemunhas venaes e
por meio d’ellas condemnar innocentes. D. Maria.
—Não contesto absolutamente ; nada é — Eu não voltarei aqui antes que o
perfeito n’este mundo, mas declaro-lhe aggregaio e sua família se mudem.
francamente que estou convencido de que Em vão esperou-se durante o primeü’o
sobre cem individuos accusados um, quan­ mez, 0 segundo e os que se lhe seguiram,
do muito, é innocente. uma solução legal para os graves fac­
— Será, mas não peoso que a sociedade tos oceorridos no sitio ; nada se resolvera
tenha o direito de punir a quem não com- e para cumulo de males as noticias que
metteu delicto, pelo irrasoavel pretexto de lá écoivam na chacara de Campos de­
em idênticas circumstancias. Assim ne­ nunciavam novas e perigosissimas pro-
nhum de nós estaria seguro em sua casa. vocaçõ:s do aggregado.
Por minha parte affianço-lhe desde já que Eatre Fidelis e Juoa Banedicto dera-se
se não houver testemunhas contra o outra scena de violência, e tal foi a exal­
compadre, eu desistirei do processo. tação de animo e vehemsncia de p<>rte a
— Pois olhe ; eu não sou suspeito, deu- parte que o feitor coireu ao encalçe do
me com 0 Chico Banedicto e Sebastião, filho do aggregado até proximo da casa
mas não vacillaria jurar que foram elles. nova.
ou A PENA DE MORTE 115

Taes factos eram meras consequências — Você parece que está trtslendo ; pro­
da animosidade do Sr. Oliveira para com teger 6 fazer justiça a um adversário Î I
0 fazendeiro. Apadrinhava-os o pema- — Eutão V. S. entenda q u e...
mento politico de provar pr^ticamente a — Que se lha deve negar agua e fogo,
nullidade do chefe opposicionista, e assim eis ahi. E’ o que se faz em política.
arredar-lhe a popularidade. — Está bem, está bam ; eu fico as or­
A trama para chegar a taos lias foi de dens de V. S.
simplissima urdidura ; uns pequanos — Adeus, eu vou mandar asserenar o
abuses de auctoridade. Depois de resal- coitado do Chico ; se eu estivesse no seu
var a sua imparcialidade, pondo um si­ logar fazia o mesmo. Os negeeios de ía-
mulacro de sincero interesse ao baixo milia são muito sérios.
serviço de mesquinha vingança ás derro­ Familia ! Esta palavra por si só impel-
tas politicas, o subdelegado, sahindo da lia 0 ardiloso Lycerio aos maiores com-
casa de Motta Coqueiro, dirigiu-se a Ly- promettimentos, e por si só bastava para
cerio e pol-o ao corrente dos aconteci­ dis£ipar-lhe os escrupulcs
mentos. O rabula era uma optima estofa para a
— A alma do rabala pensando no lucro famigerada communidade religiosa de
liquido que lhe viria do pleito, esque­ execranda memoria por um lado, de su­
ceu-se das conveniências politicas, bradou blime e civilisadora recordação por outro,
u'um excesso de enthnsiasmo. e que elevou como dogma o celeberrimo
— E eu que antipathisava com o Co­ principio : 0 fim, justifica os meios.
queiro 1 Oh 1 elle pdde descançar, have­ Em falta de mais largos horisontes, de
mos de esmagal-o; ha de pagar caro. utna côrta para intrigar, de uma herança
— Não ha melhor oceasião para redu- pi ogue a reverter pelo bem ãa companhia
zil-o a nada, observou o subdelegado ; os em bem da humanidade, de uma cons­
votantes veião que nós sabemos vencer. piração da magno alcance a dirigir, o
— Está claro; perder dois votos não é bom e prasenteiro Lycerio atinha se acs
coisa de grande monta. Dois v^ldivinos, enganos nas sommas das dividas dos fre-
dois biltres, o peseta do fi.ho, grande guezes e aos bandeiamentos largamente
coisa, mando recrutar o malandro, que remunerados nas causas que lhe eram
confladas.
tem boas cestas para a farda, e metto o
bêbado do pai e o tal Sebastião na cadeia. Resiguado sabiamente ao seu destino
— Escuso de estar com estas cousas, entregava-se com a melhor vontade e
porque estamos sós, e não precisamos de humor á pi’ocreaçâo do vinho e ao de-
enganar-nos. longar dos pleitos. Tudo por amor da
— Sim, não precisamos. familia.
— Arranje os cobres do Coqueiro, que Ora, juf.tamente este amor foi invocado
é 0 principal e dôixo-o dar os páus. pelo Sr. Oliveii’a em defesa de Francisco
M as... Bénédicte, restava, portanto, ao amoroso
— Eu ma responsabiliso pelo que so­ rabula verificar até onde era levado pelo
brevier; tenho certeza da que elle não aggregado o mais nobre, o mais santo
atinará com a cousa. des sentimentos humanos.
— Porém ... eu fui incumbido de casti­ Uma vez recebida a procuração ple­
gar os criminosos e tenho meios. nária do fazendeiro, Lycerio foi enten­
— E eu lhe digo que não tem, que não der se com Francisco Benedicto.
deve ter. Munira-se da suas mais francas e pro­
I
— Ah isto é cutro fallar, mas assim longadas risadas e igualmente da mais
á primeira vista. a tu ra d a atteução , p a ra bem ob serv ar a i
116 MOTTA COQUEIRO

provas praticas da afifeição paternal do — Diabcs leve a hora em que entrei


velho. n’estelogar; bradou furioso o aggregado;
Dascubriu em breve uma prova. Um 0 que é que eu hei de fazer para conciliar.
bello mandiocal esteadia-se viçoso e at- — Por exemplo dar-me este mandio­
trahente por uma grande exten&ão. Fa­ cal ou uns cincoenta mil réis ; como lhe
zendo a redacção dos alqueires de farinha fôr mais acommodado ; eu não lha quero
em unidades moraes, viu clarameute que fazer mal.
Francisco Benedicto possuia um optimo — Mas isto é roubar o meu suor ; não
eoeíficientepara os seus deveres no lar quero.
domestico, tanto mais que o trabalho de
— Então vai para cadeia ; passa lá uns
Lycerio para com essa expressão era
cinco annos e come de lá a farinha. Passe
simplesmente reduzir tei-mos semelhantes
muito bem ; talvez quando se arrepender
do mesmo -signal. Mais amor de Motta
seja tarde.
Coqueiro, mais amor do aggregado.
Coüsjio da qua o subdelagado não o Lycerio dirigiu-se immediatamente para
havia illudido quanlo converteu em ques­ a porta, mas ao transpor o limiar, parou.
tão de honra o crime de Francisco Bane- Queria vibrar o derradeiro golpe.
dicto, o cauto e intelligente rabula abriu- — Ouça, disse elle, cesteiro que faz um
se desassombradamente. cesto faz um cento ; veja se vem dar-me
— Sabe a que venho aqui, seu Chico Î pauladas também.
— Para honrar a casa do pobre, meu Depois de coçar desesperaáamente a
senhor ; e dar-nos gosto. cabeça, o aggregado chamou Lycerio
— Sim e não. Um negocio muito serio para dentro e disse-lhe :
é principalmente a razão da minha visita.
— Emflm, com seiscentos diabos, vãc-se
— Faz favor de dizer qual é, eu jà ade-
os anneis e flqaem-se os dedos. Eu quero
vinho que vem fallar das eleições.
mostrar áquelle traste que não se ma­
chuca 03 outros assim sem mais nem
— Não, venho fallar dss cacetadas no
seu compadre.
menos. Perco dinheiro mas dou uma liçao.
— Mas não fui eu ; e já o subielegi.do
Está fechado o negocio com o mandiocal.
resolveu o negccio.
Serve ?
— Não senhor ; elle não póde resolver,
ha processo e está provado com testemu­ — Ora até que afinal, exclamou Lycerio
nhas coxo você e o Sebastião disseram esfregando as mãos ; estava a parecer que
que iam fazer espera ao capitão. tinhaperdidoo juizo. Está feito, está feito,
— Ninguém póde dizer isto. só para concUial-c^ eu não ganho nada
— Ouça o Manuel João... com isso, 0 que faço é perder o m^^u tempo
emquanto occupo-me com esse negocio.
— Aquillo é um mentiroso, que nem
ma f Õ3 os pás aqui.
Posso então mandar arrancar o mandio­
cal por minha conta?
— O Lucio R ibeiro...
— Ora, este jura por dinheiro. — Quando vosmecê quizer.
— O Faustino, tolos ouviram. — Ora muito bem.
— E’ uma mentira : só quem podia Desde que o amor paternal de Fran­
dizer era o Sebastião, mas por este juro. cisco Benedicto ficou tão eloquentemente
— Mas então o Sebastião s&be como assentado na convicção de Lycerio, ò
você acaba de dizer e portanto eu sou mais processo estagnou o seu curso natural.
uma testemunha. Deixemos de partes; ou Sobre elle só pairavam, como liadas
você entra u'ama conciliação ou eu faço mais d'agua, as recordações dos lucros
andar o processo. Escolha. havidos pelo rabula á bôa fé das partes.
ou A PENA DE MORTE 117

Dlr>s0-hia que a justiça já proferira a Alvoroçada, a gente do sitio correu para


sua ultima palavra a respeito da embos­ apagar o incêndio, mas foi detida em
cada ; tão grande era a quietação. meio caminho pelas ameaças des folga­
Só uma pessoa impacientava-se seria- zões, no numero dos quaes contavam se
mante com esta indifferança ; era a Sra. as auctoriiados do logar.
D. Maria. — Deus incumbiu-se de evitar a des­
graça que parecia inevitável. O fogo ex­
A boa esposa não podia conformar-se
com a desusada solução de uma questão tinguiu-se por si mesmo.
que envolvia a reputação do seu esposo, Ouvindo esta narração, que foi confir­
e por meiados do anno de 1852, sete mezes mada por Florentine Silva e Fauãtino, a
depois do acontecimento, entendeu elia Sra. D. M-iria observou a seu marido
que era urgente cortar pela raiz o mal.
tomar a peito a punição do compadre.
Uma opportunidade apresentou-se para — Pelo que acabamos de ouvir, disse
que a Sra. D. Maria pudesse interrogar ella, 0 subdelegado, longe de punir, pro­
peremptoriamente o fazendeiro, e fel-o tege Francisco Benedicto.
— Eu tinha certeza de que isto viria a
com a seriedade que lhe era propria.
Uma canoa chegada de Macabú a Cam­ acontecer, o que quer a senhora f a auc-
pos trouxe a seu bordo além dos empre­ toridade cai sempre em mãos de seme­
gados e escravos da essa, um homem das lhantes homens.
— Assim pois 0 mal é sem remedio ?
circumvisinhançss.
— Parece que pela justiça é, mas res­
Florentino Silva, era o seu nome, vinha
ta-nos um meio, obrigar o compadre a
pedir a Motta Coqueiro para que o rece­
mudar-se.
besse como seu empregado, e ao mesmo
— O que eu noto é que o senhor não se
tempo comprasse lhe a posse de um sitio
agasta muito com isto, e não ha explica­
na serra dos Olhos d’agua.
ção razoavel para o seu procedimento.
Quanto s.o primeiro pedido foi de — Se eu perdesse a cibeça e fizesse
prompt'} attendido paio fazendeiro, que alguma asneira ser-lhe-hia agradavel Î
adiou a resposta ao segundo, visto que Pelo amor ãe Deus, sejamos prudentes.
não conhecia o terreno que o seu empre­ — A maior prudência era vender o sitio.
gado offerecia-lhe. — Se apparecesse comprador.
Os escravos afeiaram os desacatos e tro­ — Nunca apparecerá, porque o senhor
pelias do gggregado e concluiram por ainda quer adquirir mais terras n’aquelle
declarar ao fazendeiro, em nome do feitor maldicto logar.
Fidelis, ser um perigo a vida no sitio. — Mas em que nos prejudica termos ou
Ainda na noite de Santo Antonio ti­ não termos terrenos em Macabú, não me
nham estado na casa de Francisco Bene- dirá ?
dicto 0 inspector André, o subdelegado, Apesar do tom de azedume do seu ma­
Joaquim Lycerio, Lucio Ribeiro e vários rido, a Sra. D. Maria insistiu longamente
individuos. Resolveram fazer uma grande sobre os négociés do sitio. O seu fim era
fogueira em louvor do santo e, para obter uma resposta decisiva, que lhe pau­
servir da combustivel, escolheram um taria de faturo o seu procedimento.
cafesal. — Eu lhe repito : não posso admittir
Soprava esperto o vento e em breve que esse estado de cousas continue. O
as labaredas, enrosoando-se pelas aleias e senhor diga com franqueza : aquelle ag-
trepando crepitantes e fumivomas avas- gregado é ou não castigada.
sallavam grande parte do plantio que — Já lh’o disse, senhora : o compadre
fleou completamente destruído. ha de sahir das minhas terras.
118 MOTTA COQUEÍRO

— Nîo basta, é preciso que pague a dança de Francisco Benedicto, disse sem
emboscad . reserva :
— O meio de que poieria dispor era — Aquelle branquinha tem agora de
processal-o, osubdelegado é meu inimigo tratar c. mmigo : ha de mudar-se ainda
e protege o criminoso, é impossível fazer qne eu lhe faça coroo aos maribondos ;
seguir 0 processo. Não tenho outro. ainda que lhe queime a casa.
— Era o que eu queria saber. Os expedientes tomados pelo feitor
A conversação foi cortada bruscamente conseguiram intimidar por »Igum tempo
por uma ultima phrase da Sra. D. Maria, 0 aggregado, que se acovardou princi­
phrase que felizmento não foi todacuvida palmente desde o dia em que,perseguindo-
por Motta Coqueiro. lhe 0 atrevido âlho, Fidelis não duvidou
— Eu hei do mostrar quem póde mais, chegar até ás portas da sua casa.
Sra. Antonica. Então Francisco Benedicto julgou mes­
Antonica foi a unica palavra ouvida mo ser prudente ceder á proposta do
por Bíotta Coqueiro, e bem facil 4 aquila­ fazendeiro para a venda das bemfeitorias,
tar qual seria o movimento intimo que e incumbiu d’esse negocio um amigo
lhe correspondeu. commum.
Seria saudade ou seria piedade t O certo As hostilidades arrefeceram e entabu­
4 que voltando á conversar com os seus lou-se a negociação procrastinada pelas
empregados, Motta Coqueiro ponde­ exigências irrasoaveis do aggregado, que
rou lhes : entendia receber o dobro do justo valor
— E’ muito filiz o tal meu compadre ; na venda.
tem por si a protecção, a saude propria — Elle ha de cedf r por fim, observava
e a dos seus. 0 intermediário a Mt,tta Coqueiro; deixe
— Quanto á saude dos d’elle não 4 lá passar mais algum tempo, não é muito
muita, principalmente de sa Antonica. para quem tem tido tanta paciência.
— Ah I ella está doente. Irritado, porém, pela resistência que
— Anda com umas queixas do peito, e as suas preteações encontravam no ani­
uma tosse que vai meítendo medo. mo inabalavel do fazendeiro, e além
A Sra, D. Maria, que se conserva^fa á d’isso instigado pelas auctoridades que vi­
distancia de poder ouvir o que se dizia, savam a retirada do competidor d’aquelles
amargou em silencio a decepção que logares, Francisco Benedicto recomeçou
causou a simples exclamação do fazen­ desabiidamente os seus desmandos,
deiro. Um dia em qua em uma das vendoías,
— Hei de acabar com isto, repetiu a si quasi tctalmeota ebrir», o aggregado vo­
mesma. ciferava diante de Faustino e Florentino
Quando a canôa fez-se de volta a Ma- contra Motta Coqueiro, disse Florentino;
cabú, a esposa do fazendeiro ordenou a — Você é um malvado, seu Chico; é
Peregrino que transmittisse a Fidelis sl- um homern que devia morrer.
gamas ordens. — Se me pagassem bam, eu arranjava
Queria que o feitor fizesse respeitar a isto, resmungou Faustino ; queira o ca­
propriedade do seu senhor pelo aggre- pitão e eu ponho um poato á pendencia.
gado e sua familia. Caso não fosse atten- Uma troca de insultos de parte a parte
dido, ficava-lhe o direito de valer-se da seguiu se desastradamente e terminou
força. por uma intimação formal de Paustino a
Fidslis esperava semelhante auotori- Francisco Benedicto :
gação para operar, e para exprimir a — Cala a bocea d'ahi, velho cachaça,
energia com que trataria de obter a mu­ ou faço-te calar á força. Quanto ao teu
genro torto, pódes dizer-lhe que se elle Carlos que tinha sido manda io para o
continuar com os desaforos, eu visto-lhe sitio por castigo de algumas peraltadas, e
uma camisa de pau com vento fresco. E ordenou-lhes que o seguissem.
0 qne falta a vocês dois, bêbados 1 Alumiados por um facho, os très se­
A altercação na vendola surgiu dahi guiram pelos aceiros da roça e dentro em
a alguns dias corporada em uma ca- pouco achavamrse diante da casa do ag­
lumnia assás compromettedora. gregado.
Dizia-se por toda a parte que Motta As portas e janellas estavam fechadas,
Coqueiro tinha encarregado Faustino e porém partiam vozes do interior,
— Estão acordados, disse Fidelis ; tanto
Florentino de assassinarem a Sebastião
Pereira 1
melhor porque demora menos.
Quando o feitor ia bater á porta, per­
O mais grave, o mais incrivel era que
guntou lhe Carlos, a quem o accento da
Bento Silva, irmão de Faustino, era um
voz do parceiro impressionara profunda­
dos que se encarregavam de propalar se­
melhante versão, e dizendo que ouvira ao mente:
— O que é que você vem fazer na casa
proprio Faustino.
Para cumulo de infelicidade sobreveiu d’essas féras f Isto dá em desgraça, Fi­
uma desordem entre o aggregado e os delis.
— Dê no que der ; eu tenho ordem dos
escravos. brancos, respondeu o feitor, e bateu bru­
Corriam os primeiros dias de setembro.
tal e prolonga lamente á porta.
Uns madeireiros de Macahé,entre os qoaes
— Más horas de visita é esta, disse do
vinha o Sr. Conceição, chegaram ao sitio
dentro Francisco Benedicto ; emfim va lá.
de Macabú para comprar o resto das ma­
Apenas a porta abriu-se, Francisco Be­
deiras ao fazendeiro, que se achava em
nedicto, atenco;Í3sdo pela qualidade dos
Campos.
visitantes, recuou até o meio da sala, gri­
Uma canôâ foi despachada para avisar
tando ccmpnngentemente ;
Motta Coqueiro, e Fidelis com os seus
parceiros começaram desde logo a em­ _Estamos perdidos, estamos perdidos.
balsar as madeiras, por isso que o Sr. Con­ — Não tenha susto, não, seu Chico ;
ceição declarava que era negocio decidido vosmecê é tão valentão qne até a gente
e tinha pressa de conduzir as balsas. não acredita que fique lq<^o tremendo.
No dia 9 de setembro pela manhã, che­ I to é só um aviso.
gando Fidelis ao porto,encontrou cortadas A’ proporção que fallava, Fidelis, acom­
as amarras>das balsas e grande parte da panhado por Perigrino e Carlos, entrava
madeira no fundo do rio. Evideaciava-se pela sala do aggregado, e apoderava-se
que a maldade fôra a conselheira do facto, de uma espingarda que estava oncostada
e esta não podia ser attribuiia senão a em um cánto.
Francisco Benedicto, que já outras vezes — Nós não somos assassinos ; não fa­
tinha praticado aotos mais graves. zemos emboscada, não, meu branco ;
O feitor calou se e durante o dia não mas eu sou feitor, e quero dizer-lhe que
deixou siquer transparecer a raiva que isto de andar vosmecê, seu filho e seus
necessariamente sentia. amigos destroçando o sitio, nao me vai
Apenas communicou o occorrido aos cheirando bem. Canalhada, canalhada e
hospedas de seu senhor, pedindo-lhes que meia ; hoje amanheceram as balsas corta­
desculpassem a demora involuntária. das; todos os dias é nm desaforo: morite
A’ no'te, depois da revista, Fidelis em­ nos gados, fogo nos cafesaes, o diabo a
punhando nma espingarda chamou os quatro. Eu venho saber se vosmecê quer
seus parceiros Alexandre, Peregrino, e ir por bem ou por mal. Se quer ir por mal
ISO MOTTA COQUEIRO

nSo me custa nada a p8r fogo n'este ran­


cho, como se faz na casa dos maribondos, A SCENA DE SANGUE
que não s3o tão mãus como vosmecê.
E’ decidir. Na manhã do dia seguinte o inspector
Fóra zuniu o desfechar de uma paulada André recebia de Francisco Benedicto
e em seguida ouviu-se um brado colérico : uma denuncia gravíssima contra Motta
— To me pagas, desgraçado ; tu me Coqueiro e seus escx’avos.
pagas já. Dizia 0 aggregado que a sua casa tinha
Os très saltaram precipitadamente fóra sido alta noite atacada pelos escravos Fi­
da sala, porque reconheceram a voz do delis, Carlos, Alexandre, Peregrino e .. .
parceiro, que tendo deixado o facho pro- Domingos, que por mando do seu senhor
ximo á casa, corria pelo terreiro após um tinham ido espanoal-o e pôr fogo á sua
vulto, que elle depois disse ser Juca Be- casa, crime que não se efísetuou por ter
nedicto. elle, Francisco Benedicto, caceteado um
dos escravos, pondo assim os outros em
— Ah I vccês fazem-se pimpões ; pois fuga.
esperem ; hão de sahir amanhã mesmo
d’aqui. Elsperem. — E creio que não vinham, sós aceres-
tou 0 denunciante, porque se não me en­
Suspendendo o facho, Fidelis chegou o gano ouvi quando os malvados se retira­
até á beira do tecto de sapê. Bastava uma vam as vozes de Faustino Silva e do Flôr.
pequena demora para que a casa fosse O inspector André, que até então tinha
irremediavelmente perdida. ouvido sem protesto e dando aos diabos
— Não faça, não faça, tio Fidelis 1 0 fazendeiro, reluctou ante a veracidade
gritou Carlos. da presença dos dois últimos indigitados.
E abaixando mais a voz : — Ainda o Faustino vá lá, porque é
— Foi sa Antonica que foi soccorrer se­ capaz de m ais, porém F lô r, causa-me
nhor,e ella não tem culpa do que o pai faz. espanto ; é tão mettido comsigo e nunca
— Ah 1 velho cachaceiro dos diabos, ér houve desordens com elle.
o que te vale ; se não hoje mesmo havias — Nunca? 1 ora, André, não acre­
de dormir no matto. Mas se não mudas dite. Ainda ha poucos dias elle disse me
de pensar eu não attendoa mais nada... que era bem bom que eu morresse ; por­
Deixa esse desgraçado 1 bradou em segui­ que sou um malvado. Veja só vosmecê.
da ; isso ó um fedelho. Em seguida Francisco Benedicto narrou
Os escravos affastaram-se commentando a altercação travada entre elle, Floren­
o caso, mas quem attentasse para o grupo tine e Faustino, e, para garantir o effaito,
de bananeiras que ficavam a pouca dis­ carregando artisticamente o colorido e a
tancia da casa, poderia descobrir um disposição dos adjectivos.
vulto que seguia attentamente todos os O inspector André, sentindo no halito
movimentos. do queixoso um cheiro pronunciado de
Quando a luz do facho extinguiu se alcool, teve siso bastante para descentar-
completamente, e o terreiro silencioso Ihe os exageros descriptives e conseguiu
recahiu na obscuridade, o vulto sahiu asserenar-lhe os assanhados temores, cha­
d’entre as arvores, parou e estendeu um mando em seu auxilio a galhofa.
dos braços, quejagitou no espaço. — Mas diga-me cá, seu Chico; o Co­
Uma voz rouca e abafada articulou queiro anda pela terra ? perguntou elle.
estas mysteriosas palavras:
— Que eu saiba, não ; mas deu ordem
— Bom I muito bem ! Agora começo eu I para que me desancassem.
(Æ A PENA DE MORTE 121

— Mas os éscravos depois da sova de corridos, tinha a acentuação nsedonha da


pau hão de custar muito a cumprir a misantropia. Riam-lhe a cólera e o escar-
ordem. neo ao canto dos beiços, nos quaes ouriça­
— Pdde ser que não; virão todos contra vam-se raros alguns pellos de hai ba.
mim e o meu filho, e nós não poderemos Olhava sempre de travez o seu compa­
resistir. nheiro e só fâllàva-lhe quando instigado.
— Leva sustos, seu Chico ; você o que Vestia se de uma calça de algodão mi­
precisa é ter mais confiança na gente. neiro, cuja côr branca, havia muito,
Ouça, depois de amanhã, que é domingo, mudara-se em côr de cinza intenso, mos­
eu levarei um leitão para comermos e queada por largas manchas de barro.
depois conversarmos a respeito da cousa ; Uma camisa de chita escura, em cujo
verá como tudo se arranja. campo arreiondavam-se uns olhos ver­
— Então eu espero por vosccecê. melhos como sangue, abria-se lhe no col-
— E mais o leitão. larinho deixando vêr o collo carnudo e
O inspecter não dava inteiro credito á queimado.
denuncia doaggregado e até convencia-se Um chapea de palha da Augola, de
de que o assalto, a se ter dado, devia ser abas desmesuradas e cabidas, atado por
por motivos que Francisco Benedicto não uma estreita fita negra por debaixo do
ousava communicar lhe. queixo, escondia-lhe a testa e fazia-lhe
Assim, pois, não tomou nenhuma pro­ sombra ao roíto, tornando ainda mais
videncia e nem mais pensou no aconte­ temerosos os olhares lançados por umas
cimento. pupilas distendidas e negrejantes sobre
Francisco Benedicto, porém, sahiu a córneas sanguíneas.
espalhar pela vizinhança que o seu com­ O olhar, interrompido apenas por mo­
padre mandara matal-o pelos seus escra­ rosos pestanejares, tinha a fixidez espe­
vos e que o assassinato não reaüsou-se cial de das aves noctivagas.
graças á sua coragem. O outro, comparativamante franzino,
A credulidade sertaneja, sempre incli­ escondia quasi todo o rosto em um lenço
nada a se deixar penetrar |por embustes que, de sob o mento, subia-lhe até o meio
e falsidades, ouviu, murmurou, commen- da cabeça; mas viam-ss-lhe as pomas
tou e flnalmente em altos brados apre­ salientes e as orbitss fundas, e a testa
goou por toda a parte, como vei’dade, a terminada pelas sobrancelhas negras e o
delação do aggregado. nariz avolumado, característico da raça
Só á noitinha Francisco Benedicto vol­ cruzada.
tou da sua peregrinação. Trazia a alma Era um typo vulgar, sem um traço
desafogada, porque o dia tinha lhe sido apenas que o recommendasse a uma
uma apothéose. Lucio Ribeiro, Sebastião observação aturada.
e outros tinham-o acompanhado, glorifl-
Ao ouvirem a conversação dos tres
cando-o por tanta valentia em annos tão
companheiros de viagem, o mais franzino
adiantados.
d-, s emboscados, disse precipitadameute
Na estrada geral, nos mesmos taquarn-
ao outro:
çús em que Sebastião e o aggregado rea-
lisaram o seu plano conti’a o fazendeiro, — Agora não nos e scíp a iá ; s escuri­
deis homens estavam desde manhã cedo dão permittirá que não nos descubram e
emboscados. ninguém pensará que somos nós os aucte-
Um d’elles, troncudo e baixo, de feições res. Vi.mos ; prepare-se,
grosseiras,côr da casca do genipapo, nariz O mi anthropo nada respondeu, apenas
chato e beiços grossos, cabellos duros e levantou os olhos desdenhosos, e dei-
MOTTA COQUEIRO

xoa se ficar sentado, como até então de pé e sorria o habitual sorriso de es-
estava. carneo ;
Confuso com essa indiffarença, o que — Eu não posso mais ; ha quasi um
fâllou, prosegaiu : anuo que por vez-s temos tido ocoasião de
— Já não me engano facilmente, e sei acabar com isso, e vcsmecê deixa sempre
perfeitamente distinguir a voz d’elle, com vida o nosso inimigo. Se não nos é
esteja em meio de milhões de outros. possivel vingar-nos, o melhor é cuidar­
Escute; o malvado aproxima-se. mos de outra cousa.
De feito, as vozes destinguiam se clara­ Q corpulento emboscado sorriu e sacu­
mente e podia-se mesmo ouvir a conversa diu os hombros.
dos transeuntes — Quem quer vingar-se não faz como
— Foi aqui que o hicho quasi esticou a vosmecê ; parece mais o anjo da guarda
canella e foi dar contas ao diabo ; que do que uma pessoa que está zangada e
pena não lhe acertar bem o cacete 1 dizia quer desforrar-se de outra. Eu vou seguir
Lucio ítibeiro. 0 meu caminho, como entendo, e o resto
fica entregue á minha so te.
— Qual, foi s(5 uma arranhadela que lhe
— Não, isto não pó de ser mais, arras­
fizemos.—Com um tiro, disse em seguida tou-se a voz rouca do emboscado : eu
Sebastião, levantando a voz, hei de varar
dei a você, e só a você, o meu segredo,
a qualquer desalmado que ahi nos esteja
que morava commigo lá vão muitos
ouvindo.
annos. E’ obrigar-me a ser mau, porque
— Só se for alguma cobra, porque os eu mato-o se desconfiar aue quer fugir de
negros ficaram bem convidados e já não mim, perder me e sacrificar o meu odio.
cahem n’outra n’astes mezes mais próxi­ — E porque não se decide, porque está
mos, advertiu Lucio. a demorar isso ? Mate-me, é até um bene­
— Cautella em todo caso ; passemos ficio.
rente á barreira porque os taquaruçús são — Não mato por ofiScio, mato por vin­
boas tocas de onças. E nós que o diga­ gança. Ainda Francisco Benedicto não
mos ; observr u o aggregado. tinha um filho, e eu já o seguia ccmo um
Dentro da toceira das gigantescas ta­ cão de caça á pista dos caitetús. Tenho-o
quaras 03 dois emboscidos representa­ tido muitas vezes ao alcance da minha
vam uma scana silenciosa, emquanto faca ; bastava um salto para enterral-a
blasonando cs très atravessavam a es­ até 0 cabo n’aquelle coração leproso. Não
treita curva da estrada. quiz, não o fiz. Nos primeiros tempos eu
0 homem possante, rastejando sem ruido derramaria apenas o sangue d’elle e da
sobre folhas soccas, viera protegido pelas mulher, e não me bastava. Não se apaga
arvores coüocar-se á beira da estrada, e uma forja com pingos d’agua.
com elle o soffrego companheiro. Depois veiu um filho, depois outro,
Este, descobrindo o grupo, levou o dedo mai.s outro, e eu dizia commigo: é tempo,
ao gatilho de uma espingarda que trazia ha sangue bastante n’esta raça para sa­
comsigo,mas ficou logo sem movimento, ciar, que não para extinguir, o meu odio.
porque a mão do outro tolheu-o com a Mis pensava depois e lembra va-me que
força das duas peças de um torno, aper­ a'nda havia no corpo do meu inimigo
tadas vigorosamente. forças para augmentar o pasto á minha
Os palrat^ores passaram impunenaente. ira, 0 esperei.
Quando já se haviam distanciado, o mais Eu sou filho de caboclo ; do goytacaz
impaciente dos emboscados, levantando- que odeia sem barulho, que scffre sem
se, disse ao outro, que tambam se puzera queixar-se, que morre sem gemer. Mea
12.3
pai acostumou-me em criança a passar o 0 narrador não parecia ter attendido
dia á popa da uma canôa á espera que o ao S8U interlocutor, e continuou :
piau farto se levantasse do fundo do rio, — O mais cruel é que eu penso que é
e viesse collocar-se ao alcance das nossas por um outro que ella me despi’eza. Este
flechas. Estas atravessavam as aguas sem é rico a forte ; pode tudo e imultou-me, e
ruido e amorte do peixe, que durante lon­ correu-me. Oh 1 se elle ha do pagar-me 1
gas horas espiavamos, se annunciava ape­ O pai d’ella tentou perseguir-me, ao
nas pela côr do sangue que vinha á flôr do passo que anda de mãos dadas com um mi­
rio.Espero, esparei para matar assim. Do serável que me perdeu, e lhe perdeu uma
que me serviria matar, para vingar me, se filha. Porque î ha alguma differença entre
ao csho iria parar a uma prisão, onde a nós ? ambos somos da mesma casta, ambos
minha existência seria ainda mais cruel. pobres. Porque, p-'is, repellirem-me. Hei
Eu não peço a você que me ajude, peço de vingar-me, e duplamente, porque elles
apenas que não me faça perder tantos escarneceram da minha fraqueza !
annos dedicados á minha vingança. Este Tenha pena de mim, abrevie o meu
odio é a minha vida, tirem-m’o, e eu mor- sofírimento ; veja que eu não posso por
1’erei. Para satisfazel-o, hei de fazer cahir muito tempo conservar-me na casa de um
quantos encontre em meu caminho. E homem a quem odeio ; bem posso um dia
qual é a causa que o move ? No dia em perder a cabeça e então lá se vai toda a
que nos encontramos, vosmecê disse-me minha esperança. E’ uma crueldade fazer-
sdmente : « Não é assim que um homem me seguir quasi sempre os passos do in­
se desforra ; segue-me. » Acompanhei o ; fame aggregado ; é uma falta de piedade ;
nunca perguntou-me siqoer por que r&zão se vosmecê não quer jâ acabar com elle,
eu ia perpetrar um crime, e nunca tam­ para que havemos de espreital-o sempre ?
bém me disse o seu nome, nem perguntou — Supponha que é para descobrir o
pelo meu. Pensa talvez que eu sou levado melhor ponto para cravar-lhe uma bala,
por uma questão sem valor, por uma ou varal-o de lado a lado com a minha
criançada, e zomba de mim. faca. Mas não é isto o que nos im­
— Se eu não lhe tivesse lido no coração, porta. Qual é 0 outro homem que o in­
não chamal-o hia para junto de mim. sultou, qual 0 seu nome ?
Quem sa resolve ao que você resolveu-se, — Motta Coqueiro, o dono d’este sitio.
é porque tem uma dôr grande. — O filho do Goytacaz sabia; mas
— Pois saiba que é mais do que uma dôr,
queria que você confirmasse, para lhe
é uma desgraça. A filha do nosso ioimi-
dizer o seu plano. Hontem, quando á
go venceu-me, flz-me seu escravo. Vivia
noite eu estive no terreiro da casa do
só por ella sem importar me com o mun­ nosso inimigo, os esci’avos d’esse homem
do : não tinha nada com elle. Houve um appareceram para tomar contas ás mal­
dia de loucura na minha vida, porém feitorias de Francisco Benedicto. Depois
quiz pagai o com o grande amor que te
um a’elles quiz pôr fogo á casa. Hoje
nho áquella mulher e no entanto ella fu­ todo 0 Macabii deve saber d’isto, porque
giu-me como a um cão damnado. desde pela manhã Francisco Benedicto
— Foi então qae você dsciliu-se a ma-
anda de um para outro lado.
tal-a, expondo-se á justiça. Creança I O
odio precisa de crescer, reforçar-se e crear — Mas o que temos com isto ?
cabellos brancos para depois ter acção ; — O que temos ? E ó você que diz que
ao contrario tem a sorte das creanças, I
sabe odiar O que temos : você uma
que brincam com espingardas: ferem se dupla vingança ; e ambos nós a liber­
ou suicidam-se. dade.
m M OTÏA COQUEIRO

— Ah I exclamou o interlocutor, le- Sobre o cobertor estendido deitou a es­


vaulo a mão á testa. pingarda, que trazia comsigo, e em se­
— Entendeu agora ? Pois bam, trate de guida foi para junto cio fogo onde come­
saber quando chega o fazendeiro; até lá çou a aquecer pi’ovisôas para uma
esperemos. sóbria refeição.
Os doii personagens mysteriosos sepa- Visto ao clarão avermelhado da pequena
ram-ae taciturnos e cabisbaixos, sem que fogueira, aquelle rosto onde a maldade
ao menos houvessem trocado um aperto esteriotypai’a se na sua mais precisa
de mão. accentuação, lembrava os gênios máus
Vij-se-lhes no aspecto que a sua allian- da floresta, crsados pela imaginação su­
ça carecia de um sentimento puro, que os persticiosa dos selvagens.
fizesse desdobrarem o intimo nas expan­ Em quanto no isolamento e no mj'ste-
sões, que se esbatem á luz, serenas e des­ rio 0 racem-chegalo quedava acooorado
cuidadas. junto da fogueira, o soffrego companheiro
Ao contrario faziam recordar as lendas d’este homem, que durante longos annos
das feiticeiras e demonios que se reunem apascentava em silencio os mais ferozes
nes Jogares ermos, obumbrada a clari­ pensamentos de horrorosa vingança con­
dade do ceu por um reposteiro de ti’e- tra Francisco Benedicto, caminhou em
vas e só então começam o tripudio sorn- busca da noticia da qual dependia o espa-
brio, em que as visagens e cs esgares me­ nejamento dos seus instinctos sanguiná­
donhos substituem as palavras meigas e rios em uma alegria satanioa.
os soriisos affaveis. O caminheiro, andando com uma pres­
O maisi’obusto dos dois internou-se pelo teza iucrivel, chegou ao sitio antes da
capoeirão, caminhando sem hesitar, como hora em que a voz do feitor ordenava o
quem era assaz pratico em rompsr por recolher e por isso não esperou por muito
entre a rede espessa de lianas, trançado tempo para ouvir alguma cousa que o
de galhos, e os accidentes do solo do interessasse.
iogar. A principio collocara-se por detraz dss
Sob os seus passos de longe em longe senz.las todo attenção e ouvidos, mas
estalitavara as folhas e os pausinhos sec- para logo attrahido pelo echo de duas
cos, mss tão imperceptivelmente que vozes, arrastando se cauteJosamente veiu
ninguém poderia crer que por alli píssava postar se entre o vão da casa do feitor e
um homem. 0 lanço em que moravam os escravos.
Após meia hora de caminho, parou sob N i porta da senzala, Carolina, que,
uma arvore frondosa, cuja ramagem já restabelecida tinha voltado para a roça,
cahia como uma cup la, sobre as franças coaver.sava com a tia Balbiua.
de outras menores, recoi tando um enorme —- Parece que vamos tsr chuva, dusse
disco virente. Carolina, vosmecê não vê que nuvem tão
Um vasto recinto circular, estofado negra está alli parada por cima da casa
por folhas m ortas, fechava se ahi pelo grande ?
tecto e tapagem de arvores, e servia de — Póde ser que seja o quarto da lua
habitação aos dois companheiros. com trovoaiia e a pedra do raio; é quasi
O recem-chegado, fazendo fusilar o seu sempre assim, mas a pedra do raio não
isqueiro, acceudeu uma pequena fogueira cahirá sobre a casa dos brancos.
e depois tirou do ouco da arvora um co­ — Deas ha de livrar-nos d’isto: lá está
bertor escuro, e um sacco, e separando na porta a Estrella do céu.
as folhas do chão trouxe para junto de si — Mas a agua da chuva póie fazer
duas foices polidas. cahir a oração, disse a feiticeira ele-
OU A I'ENA DE MORTE

vando a voz; já tem se visto, e, quando a — Quem ? elle foi. . . .


E s t r e lla cai, Dsns fecha os olhos para a — Com Fidelis, Peregrino e Alexandre.
banda da cs sa que a perdeu. O filho de seu Cdico arrumou uma cace­
— Ava Marial tia Balbina, Deus nao tada em Alexandre e elles correram para
ha de permittir que venha ainda mais defender o outro. No pulo que deu, Carlos
esta desgraça. destroncou o pé.
— Não ; a felicidade é para os brancos, — E'o que foram elles fazer Î Balbina
a desgraça é para os captives. Quando dormiu o somno do captiveiro antes que
das costas de Balbina as feridas do chicote 0 gallo cantasse ; estava cançada ; não
lançavam fumaça, como a bocea aberta poude ouvir ao seu anjo da guarda o que
em dia de frio, a senhoi’a brincava com fizei-àm de noite os escravos do mau se
o caçula doente, batendo-lhe com a pon­ nhor.
ta do dedo nos seus beicinhos vermelhos. — Eu lhe digo, tia Balbina. Fidelis
A mucama, para ia junto d’elle, ria con­ aturou até agora tudo que o aggregado
tente sem se lembrar que a sua parceira, tem querido fazer ; mas os brancos disse­
cheia de dôras, a r r ib a v a o eito, gemendo ram á minha vista que Fidelis tratasse
de botar para fóra aquelle homem, fossa
no coraçãe.
como fosse. Hontem as madeiras amanhe­
Quando, de noite, o caçula tossia a sua
ceram fundeadas no rio e o feitor vendo
doença, todos logo de pé corriam para
que só 0 aggregado faria esta maldade,
vêr e saber o que é que elle tinha, e
01 á ca?a d’elle para métter-lhe medo.
quando de noite, a escrava quasi a
Emquanto Fidelis arrasoava lá com
morrer de raiva e de cançaço veiu dei­
seu Chico, o filho veia por fóra e deu uma
tar-se na esteira da sua c«ma, só a pobre
cacetada em Alexandre, que estava da
Carolina teve uma lagrima e um pouco
parte de fóra. Então o feitor muito zan­
d’agua com que lavasse as feridas da in­
gado quiz pôr fogo á casa do aggregado,
feliz. Não ; a felicidade é para os brancos,
e se ella não ardeu foi porque Carlos
a desgraça é só para os captivos.
lembrou lhe que o senhor gosta de sa
— Foi assim mesmo, tia Balbina, mas-
vosmecêjá está vingada; basta só o nego­ Antonica.
— E quem foi que disse á Carlos que o
cio do>ggregado.
senhor gostava da filha do aggregado t
Balbina sorriu, sacudiu os hombros,
raspou as mãos uma sobre a outra, e de­ perguntou a feiticeira.
pois disse dissimuladamente : — Elle viu 0 a senhora já sabe também
e tanto que é a causa da maior raiva.
— Póde ser.
— Está mesmo vingada, porque se áis- Não sei porque, mas eu tenho uma cousa
sei’am que vosmecê era feiticeira e o se­ que me diz que, amanhã,quando o senhor
nhor acreditou, hoje também o aggregado chegar, ha grande desgraça aqui.
foi espalhar que o senhor tinha mandado — Como se não ouvisse mais as pala
pôr fogo á casa d’elle e todo o mundo deu- vras de Carolina, a feiticeira, levantan­
do-se com os olhos fitos no ceu, ergueu o
lhe credito.
—■ Engano de você, creança, ninguém braço 0, apontando para a nuvem negra^
disse isto. resmungou junto da face de Carolina.
— Antes não dissessem ; mas o Carlos _Olha a nuvem ; cresce cada vez mais.
contou me que tinha ouvido na venda. Está como 0 lueto da morte ; negra, negi’a.
Vosmecê bem sabe que elle hoje não tra­ O quarto da lua traz trovoada e a pedra
balhou; porque está com o pé destroncado do raio; a e s t r e lla do céu vai cahir da
por um geito que deu hontem de noite, porta dos brancos. Balbina saberá do canto
quando foram á casa de seu Chico, do gallo quem disser que a estrella cahiu
da casa do mau senhor. Vai dormir, Depois de minucioso exame, a feiti­
criança. ceira chegou á chamma o p ïpel que tinha
Sem forças para resistir á intimação da nas mãos, e atirou-o ao chão. A combus­
feiticeira, a creoula entrcu logo na sua tão fo! rapidajem alguns segundos estava
senzala e só depois de ter fechado a porta convertido em cinzss.
saudou com voz tremula a vinga'iva — Agora, disse ella fitsndo-o ; raça de
escrava. brancos, sem coração e sem piedade,
Balbina affastou-se lentamente e dentro zomba do raio de Deus que vem na nuvem
em pcuco entrou em casa, fazendo arruir negra do quarto da lua, e foge também
a fechadura. da vingança da escrava. Os signaes do
Tudo flcou silencioso e o vulto do espião castigo ainda estão vivos nas costas da
perfliou-se no oitão da casaria. feiticeira, e, emquanto elles durarem,
— Amanhã; bem ouvi, amanhã, res­ Balb'na não ter 4 pardào. Viesse embora o
mungou elle ; não quero perder um mi­ c.açula, alvo como a ílôr da canema aper­
nuto mais, tenho sede de sangue d’aquella tar nos braços, e beijar a sua ama ; a lem­
raça. Oh ! meu amigo, qual não sei á a tua brança do castigo, e a sede da vingança
alegria. não sahiriam da alma da negra. A cobra
ofíeadija espera para matar ou para
Alta noite, na hora em que a scp rsti-
morrer.
ção prenie sob os tectos os moradores do
A escuridão estendeu-se no interior do
sertão, duas pessoas affrontavam cora- quarto.
josss as appari^õas de almas penadas e o
A esta hora ainda o espião aventura­
ranger de dentes dos lobis homens.
va-se atravíz da matta em demanda do
Como se uma das grandes nuvens
pouso, em que o esperava o seu compa­
negras, que escureciam o ceu, tivesse des nheiro.
cido á terra e deslisasse, cosida com as
O homem, que durante annos assanhara
paredes, pela face da casaria do sitio; um
gradualmeute o sonho de seva desforra
vulto, que pulara a janeda de uma das
contra Francisco Benedicto, depois da re-
senzalas, aproximou-se a pouco e pouco
íeição começou a passeiar de um para
da casi grande. Na ultima porta que
outro lado do escondrijo, trahindo, apezar
abria sobre a sala de visitas, alvejava um
da estaguação do semelhante, uma im­
papel, no qual desenhava-se uma larga
paciência febril.
cruz, emmoldurando algumas linhas de
Por vezes avivou o fogo, engatilhou a
caracteres typographicos.
espingarda, e alimpou no sacco a folha
O vulto parou diante da porta, e depois
das foices, recomeçando depois o seu auto­
de escutar attentamente, subiu á soleira mático passeio.
e correu a mão sobre o papel. Esperou
Afinal, parou 0 tirou da bainha uma
algum tempo, e afinal levou de novo a
larga faca e olhando-a e correndo-lhe o
mão ao mesmo ponto da porta. Tinha
dedo pelo fio, rosnou entre um sorriso:
desspparecido d’ahi o signal que alvejava
— Deves estar envergonhada da minha
nas trevas.
fraqueza. Eu já não te mereço 0 gume que
Com a mesma precaução o vulto tomou corta no ar um fio de cabello da raça do
para a senzala de onde tinha sahido, e a meu inimigo. Perdão minha companheira.
luz de um candieiro illuminou o interior. E os lábios da fera pousaram, 0 demo­
Quem olhasse pela fresta da janelta viria raram-se n'um beijo longo sobre a la­
agora a tia Balbina, diante do caudieiro, mina polida e lanceada da arma. Era o
son indo e remirando um papel que tinha idylio do crime, alumiado por um bra­
nas mScs. seiro, a fazer lembrar as scenas que %
OU A PENA DE MORTE 127
imaginativa religiosa desenha nas grutas — Cala te ahi j á ! Se eu não devo fartar-
iníiimmadas do inferno. me'no sangue do outro, qu^^m me diz que
Interrompido broscamente o beijo, o não posso beber o teu, a quem confiei o
faccinora disse resolutamente : meu segredo e que me queres perder ?
Ouve bem ; não irás amanhã á noite a
— Não cedo, não quero celer nem uma
casa do inim igo; deixa que as mãos
gotta de sangue da g ração que ha lon­
escolhidas por Deus se incumbam da
gos annos condemnei. Que me importa a
vingança. Escuta e pensa; eu ando
mim que outros queiram vingar-se ? Ne­
sem ruido como o peixe nada no r io ;
nhum tem soífiúdo mais do que eu. Te­
mudo de pouso como o vento muda de
nho mulher e não penso n’ella ; tenho
rumo ; se não! me attenderes, fugirás em
filho e íujo de affagal-o ; e, coitadinho,
vão. Para que me pudesses descobrir
quando eu volto á casa vem esperar-me
era preciso pôr em terra todas as mattas
no terreiro para padir-me a benção. Mu­
e arrazar todos os morros; desle os que
lher e filho agradecem-me o pouco que
se sobem ccrrendo, atá os que se vestem
posso conseguir com as horas de traba­
de nuvens. Ainda assim era preciso seccar
lho roubadas á minha vingança ; choram
todos os rios ; eu corro como o veado,
de alegria, e eu nem demoro-me para con­
mergulho como a anta e boio sobre as
solar-lhes as continuas saudades.
aguas como a vagem do ingá a mercê da
Qual é 0 outro que tem igual direito
correntesa. Escnta e pensa; o sangue do
ao sangue da raça amaldiçoada ? Odio de
inimigo só correrá pelas mãos escolhidas
dois dias, sem raizes e sem sacrificios,
eis 0 que deseja partilhar commigo a vin­ por Deus.
— Maldita a hora em que nos encon­
gança I Não cedo, não quero ceder. E
minha, minha s<5 a vida da familia indig­
tramos; eu não recuaria com melo I nao
na; só eu hei de saciar-me no seu sangue. seria fraco !
De um salto o homem robusto tinha em­
Juro 1 polgado e atirado por terra o companhei­
Quasi ao romper d’alva o espião reu­
ro, ao qual subjugava com um joelho
niu-se ao seu companheiro.
sobre o ventre e uma das mãos sobre a
— Chega amanhã á noite ; amanhã,
garganta, em quanto na outra brilhava a
amanhã, exclamou elle, parando diante
do taciturno companheiro. fica luzidia.
Mas a explosão de cólera extinguiu se
O silencio d’este impressionando-o pro-
fundamente, perguntou-lhe o espião, mor­ da chofre e o espião foi deixado em liber­
dade, ferido apenas por um sarcasmo.
dido pelo despeito :
— Criança; vê se eu sou medroso e
— Então vosmecê não se alegra.
fraco; alli estão as armas, mata-me 1
— Não.
— Oh I meu Deus ; eu sou bem desgra­
— Pois não vai acabar os seus des-
çado, soluçou o miserável.
go tos.
— Sim, mas Deus quer que não s'>ja eu A noitecalada e escura e após ella uma
quem me vingue ; escolheu outro para aurora triste, parcamente gazeada e to-
ma ejar a arma. cida apenas por uns ephemeros tons aver­
— Outro ; eu, não é verdade ; sou eu t melhados em estreita barra de um céu côr
Hai de manejal-a, hei-de Î com a força do de chumbo, estenderam se entre o silen­
meu odio. cio dos dous companheiros.
— Não ás tu também, ê outro. Segiiiu-S9 da mesma sorte o dia, suando
_ Oh I homem malvado, exclamou o por entre nuvens carreged.s haça e tris-
espião, pois vocô pensa que eu consentirei? tonha claridade, que se humedecia pas­
antes morrer. sando atravez de impertinentes choviscos
128 MOTTA COQUEIRO

periódicos, que, batendo na folhagem, Seriam dez horas da noite quando os


enchiam a matta de abafados susurros. leques das bananeiras, que se erguiam no
Ao anoiLecer, o filho dos goytacezes ten eiro da casa òo Francisco Beueàicto,
acercou-se do seu companheiro e disse estremeceram ao de lave, cemo o capin-
lhe buscando armsr-lhe pelo cerinho do zal por onde as preás correm amedron­
accento a boa vontade. tadas.
— Esta noite você vai descançar na casa Um vulto sahiu d’entre ellas e cami­
do amigo. Póde ir sem rancor de mim; nhou vagarosamente em torno de toda a
a sua vingança nem por isso deixará de casa. Certificou-s0 de que ninguém o via.
ser levada a cabo. O rio que volteia pela Voltando á frente cia casa e agarran­
seri'a ha de chegar a cahir na varzea. do-se aos entulhes da parede, marinhou
Agora ou logo, que importa ? Vai em paz. atá á cobertura de sapê, cuja superficie
O ouvinte não respondeu; taciturno, molhada pela chuva não deixou ouvir o
pegou da sua espingarda e de uma das menor estalUo.
foices e caminhou para a sahida do es- Separando cautelosamente as ramas do
condrijf. tecto, conseguiu em poucos minutos des­
— Não mereço mais nem um adeus ? 1 aparecer atravez d'elle.
Não faz m al; não tardará que você com- Na sala de visitas, onde dormiam très
p.ehenda que eu soube pagar a confiança creanças alutniadas por uma lamparina
com que acompanhou-me, sem saber ao collocada sobre uma velha mesa diante
mènos o meu nome. Breve voarão sobre a de um tosco oratorio, appareceu o homem
cabeça do amigo os senhos serenos ; o que tinha gravado a cruz na casca da
pesadello dá offensa ha de mudar-se no arvore.
desafogo da vingança. Se esta não é to­ Depois de se ter inclinado sobre as
mada pelas suas mães, Deus sabe a causa. creanças, e fitado-as por algum tempo,
Ambos temos soffrido muito, mas a sorte abriu sem ruido a porta, sahiu, caminhou
não quer que sejamos nós os que demos até as bananeiras e voltou logo trazendo
a satisfação ás noísas dôres. Paciência. comsigo a foice e a espingarda. Fechou
Entretanto ninguém mais do que eu tinha de novo a porta e guardou a chave sob
0 direito de dizer ante a vida da familia 0 oratorio.
condemnada : — é minha, minha s ó ; Como quem conhecesse perfeitamente a
mas você vê bem que eu não desespero. disposição dos aposentos, seguiu pelo cor­
Algum dia vir-se-ha a saber a historia do redor que abria ao fundo da sala.
homem que vecê encontrou no caminho Na sala da jantar, sobre um estrado,
da vingança; comprehenderá então como re omnava o bom somuo da confiança o
era triste. Póde partir. filho do aggregado. O visitante nocturno
— Não será mais do que a minha, viu-o, graças á claridade que frouxamente
adeus I derramava-se nn sala, e sorriu.
O caboclo não se demorou muito no Depois abaixou-se sobre elle e balan­
escondrijo após a sahida do companheiro. çou-o, dizendo baixinho ao moço que as-
Antes porem de retirar se cavou com a sentára-se sobresaltado :
foice um buraco, enterrou o sacco das — Não me conheces, não é verdade ?
provisões, e abriu com a ponta da faca Pois sabe que sou um amigo de infancia
na casca da arvora uma enorme cruz. de teu velho pai. Ouvi hontem a historia
— Por mais que tu cresças, disse elle do assalto dado aqui pelos escravos do
olhando para arvore, não se apagará este capitão. Este chegou hoje e não taidirá
signal, e os meus poderão saber se eu que venha concluir a sua obra. Vem com-
tive ou não coragem de vingar-me. migo, e d’alii das bananeiras coai as
no'sas duas espingar-Ias defenderemos a emqusnto que . sua ílsbil voz, querendo
casa. Vem. bja lar, murmurava apenas:
O moço, que não teve tempo de refltc- — Malvado, que mal te fizemos nós ?
tir, levantou-se tíe um pulo e, seguindo o Oá <Jhos do aggressor fuzilaram fran-
que elle julgava eraigo familia, sahiu ca nente a cólera longos annos represa,
com elle pela poita do? fundes, que foi fe­ e elle respondeu apparentemente sex’eno:
chada por fó\'i. — Nenhum 1 Bem sabem que nenhum.
Logo porétn que chegaram junto ás ba­ — S dvai-nos, meu Deus ; estamos todos
naneiras, com a agilidade e certesa de perdidos, exclamou angusties amente a
um bote de tigre, Juca Bmedicto foi co- senhora.
Jhiio pelas mãos vigorosas do homem — Nem Deus, nem o diabo 1
possante, e som quo tivesse podi o profe­ Proferindo estas palavras, os punhos do
rir uma palavra, cahia om cl;eío por aggressor, calcando sobre os hombros da
terra. íe veaturada esposa, fizeram-a cahir de
O homem voltou de novo á casa, sccen- joelhos,
dôu com o maior'sangue frio um can- — M ite nos, so tanto deseja, mas poupe
dieit’0 e dirigiu se á cozinha. nossos fiilics, que não lhe fizeram mal
Tirou da bainha a faca ensanguentada nenhum.
e, cortando com elJa uma corda que se O monstro riu-se e á proporção que,
estendia de um canto a outro do vão, di­ posto um joelho sobre o estornago e ar­
rigiu-se em seguida ao quarto da sala, queada a mão sobre a garganta da in­
depois de ter trancado e guardado as feliz, estrangulava-a cynicamente, dizia
chaves de todas as portas, e posto a foice entre dant.es :
por deíraz do estra'o.
— Eu não esperaria tanto tempo para
Dormiam n’esse quarto Frauci. ca Bene­
vingar-me se bastasse-me tão pouco san­
dict© 0 sua mulher.
gue. Irão todos, um nor um, desde o me­
O intruso, de uma reviravolta, amarrou
nor até 0 maior. Bem sabe que já perco
os braços que o adoraaeciio tinha cru­
um d s da tua raça ; é demais,
zados sobre o peito.
E 0 monstro continuava na sua pressão
. O aggregaóo levantou-se de chofre;mas
feroz, ainda que sob elle já não estivesse
não pôde clamar por s ;'Ccorro porque foi
mais que um cadaver, cujos olhos des
no mesmo instante amordaçado.
mesurudamente abertos e salientes pare­
Dispertada p.do abalo que produziu no
ciam querer feril-o como se fossem dois
leito 0 pulo do marido, e vendo diante de
punhaes,
si aquelie homem com um sorriso mau
a contrahir-lbe os grossos beiços, ao — Amigo . Francisco, disse o monstro
passo que o marido forcejava para liber­ que se levantára ; vais vêr como se é leal
tar-se de suas mãos, a pobre senhora e bom pagador.
precipitou-30 corajosamente sobre o mal­ O aggregado apenas podia soltar gemi­
vado. dos abafades. O monstro arrastou-o até
Francisco Beneiicto já havia cahido, á ssla de visitas.
porque com uma ponta da corda foram- Ouviam-se dentro os gritos das duas fi­
lhe amarrados os joalhos. lhas mais velhas, que batendo á porta do
O faccinora esperou calmamente o as­ quarto, a qual o faccinora tinha tido o
salto da fraqueza feminil, encorajada pela cuidado de fechar, exclamavam angus­
dedicação e o amor. tiadas :
As mãos da esposa seguraram-se como — Abram-nos a porta ; perdão I perdão
duas tenazes aos braços do homem; para nosso pai.
9
130 MOTTA COQUEIRO

Por saa vez as ires civaaçasacordaaas, — E’ re Jmeute bcnita, e, pelas dores


vando o velho pai estendi’ o por terra, e que tenho scffrido, juro-te, amigo Fran­
0 homem de má catadura aatninhar para cisco, o meu coracão está a pedir.-me que
ellas, choravam, peiindo-lhe qua não as eu não ni:ite-a.
matasse. Houve um instante de silencio, durante
— Berra, corja miada, barras ás em vão. 0 qual o pudor da menina, quasi desfal-
As portas estão fechad‘<s, e a e ,tas horaslecila, foi posto a tratos pelo faccinora.
não passa viva alma pela estrada. — Ah I seu capiíão ! que mal lhe fize­
Pegou então na menor das très crian­ ram as creançBs, tenha oé d'oDas.
ças, empurrando as outras que, de joe Este grito de desespero^ proferido por
Ihos e agarradas á irmãsinha, pediam por Antüuica, deteve em meio uma scena de
ella. As duas pütaresiahas cahiram abra­ iniquidade indisivei.
çadas uma com a outra, emquauto que o O malvado ergusu-se de subito e arras-
tando'apdssi a presa, acocorou-se junto
monsti’0, sacudin ío pelos csbellos a crian­
cinha, e.sbofeteava a sorrindo. de Francisco Benedic-to.
Depois cravou-lhe na garganta as unhas — Ouviu 0 que disse'a sua filha, amigo
de fera, balançou-a no ar e aürou-a ao Francisco? Ella pansa que é o capitão
lado do angustiado pai, que vasquejava a quem se desforra n’esce momento ; e iodes,
sua desgraça. quaaúo encontrarem esta casa contendo
os pedaços ...a tua raça, hão de pensar
— Por istosinho disse elle apontando o
também que foi o capitão o auctor d’esta
cadaver, nem valia a pena ineommodai--se
vingança. E eu viverei tranquiilamente;
um homem; porém qra uma viborasinha
nem ao menos podes levar n esperança
que ficava. Vamos ás outras.
de qua eu soífra um pouco, uma hora
só menta 1 Quanto é bom t«r-se como tu,
Durante o estrangulamento da irmãsi­ I
amigo Francisco, inimigos a cada canto 1
nha 8S duas meninas tinham se levanta­
do e corrido pai’a o interior, debalde, por­
Os qutí .'-.ão mais ofiendidos podem casti­
que não tardaram a ser descrbeitas pelo
gar sem temor. Ha quem soffra per elies,
aisassino, que as arrastou até ásala.
A faca do assassino sumiu se na região
Uma d’ellas teria oito anãos, e a ouh’a
thoi’axica da indefesa mônina, e (fuas
onze.
vezes mais cravou-se lhe no seio
—- Vamcs primeiro acabar com & mais Quando a victim a não dava mais sig-
moça, amigo Francisco, resmungou o mal­ naes do vida, o monstro passou pelos
vado. iv’ pi’eciso que eu ganhe força p^ra beiços a lamina ensanguentada e disse
sahir perfeito o trabalho. demoradamente :
Com violento empurrão a menina foi — Oh 1 como é tão dcca e cheiroso o
estirada no chão, e o demonlo do cdio sangue dos teus. Dévias amar muito a
levantando o pé, bateu-lhe em cheio nas ,taa mulher, amigo Francisco, para que
costas. Uma golphada de sangue espada- tives-.es filhas lão bonitas. Faltam-c e
nou e foi cahir sobre o aggregado, e aind;* duas e é preciso que eu dê conta
mais uma victima foi immolada a uma da tarefa antes qiíe o dia clareie.
vingança de causa desconhecida. A porta do quarto, em que o assassino
A menina de onze annos foi então errss- tinha prendido as duas moças, abriu-se e
tada pelo monstro, que assentando-se elle, encostado á foice que antes escon­
n’un môcho obrigou-a a sentar-se nos dera, esperou que as desventuradas sa-
seus joelhos. hissem.
A lubricidade veiu então misturar-so á As infelizes, abraçadas n'um canto da
{erocidade. c.asa, soluçavam de modo a commover às
ou A l'ENA DE MORTE 131
fcrîs. O pavor tolhii-lhos o movimento. U .i a foiçada, desfechada nas têmporas
Era ai duas Oitc^^tUtis ûe desespero confac- do ag:;reg.e-do. pôz ter:r o ao seu inenarrá­
din 'O ras iagrinaas o seu descomo’o. vel sí. ffrimento.
—É preci'O qdô venham tomar a bonc-ão Coccluida a mat-.nça. o monstro ateiou
a sea pai antes que se separem d’elle, fogo aos quatro-cantos da casa e sahiu
disse 0 monstro; eu quero ser brm para leníamente, deixando sobre a mesa a lam­
\oc;ês. parina, cuja luz allumiava agora cinco
— Oil I isto ê demais ! bradou Antonica, cadaverésI
precipitan îo se. sobre o assassino ; mate- A escuridão do terreiro epancou-se pelo
nos mas n'áo escarneça. clarão vermelho d’algutnas labaredas, e
A coragem da moca concmunioou-so á 0 mon-tro, parando e voltando-se para a
sua irmlí e ambas atiraram-se valorosas casa incendiada, exclamou com tremulo
sobre o frio matador. 0 sombrio aceento ;
Mas a fcice, vibrada vigorosimente, — Ninguém I Amanhã tudo isto será
fendeu pelo meio o craneo de Mariqui­ um montão de cinzas e não haverá um
nhas, e H desventur-rda vacillou, e para ci'imin;>so pela extineção da familia do
logo baqueiou inun iada pór uma onda de malvado.
sangue. As ultimas palavras foram porem acom­
Antonies, tentou em vão fugir ás mãos panhadas pelo ronco longínquo de um
d) homem desapiedado. iN’um lance trovã^, 0 alguns segundos depois as
d’olhos fôra por elle subjugada e arras­ nuvens negras do céa despejavam sobre o
tada até junto do velho pai, a quem a incêndio uma chuva torrencial.
vida era ainda con.servada a custo de
tanto tormento. XI
— Mate-me ; é um beneficio ; mas diga
a quem lhe mandou aqui, diga a elle indícios irrefutáveis
que nsestílo na hora em que mandou ma­
Sob 0 temporal de feito, singrava rio
tar-me eu disso que o amava.
acima uma çauôa, cujo impulso repre­
O momstro buscou inutilmente profanar
sando e fïzsndo espumar ruidosamante &
aos olhos do pai subjugado a grinalda
corrente abria duas grandes azas niveas
virgínea da infeliz amante, o heroísmo
na escuridão das aguas e da noite.
do pudor teve forçss para re?.istir-lbe e
Gradativamente os remadores foram
o barb.aro e desharaano assasãno viu-se
alliviaado os remos, e afinal a canôa pa­
obrigado a santificar com a morte a vir­
rou.
gindade de Antonica.
— Crnfe.:sa, amigo Francisco, disse o —Nas horas de Deus 1 exclamaram
escarrifo da féra; confessa que eu sei elles ; estamos em casa.
vmgar me. Já não contavas commigo, e Estavam de feito no porto do sitio de
entretanto não esqueci a divina de ou- Macabu, proprieda-de do capitão Motta
tr’ora; pago-a com juros. Mone pois, Coqueiro, que, vindo a bordo, tratou de
on 1 cão 1
desembarcar logo que ouviu annuncio dos
A planta do divagem co)locou-se sobre canceiros.
a garganta de ^Francisco Benedicto, que —Rapazes tratem de cobrir as cargas,
estrebuchava violentamente. Depois o disse elle, e os Srs, venham commigo.
monstro recuou um passo e disse como Qae viagem terrível 1
que arrependido do seu acto : Pouco depois via-se luz na sala de vi­
— Não 1 envenenaste a minha vida, sitas da casa grande, e ouviam-se falias
pOiOTro como o sucuruiú. entrecortadas por francas risada».

m t V “.. .
132 MOTTA COQUEIRO

Recostado n’um canapé, junto do qi al meu compadre, attendenJo a que tem


estavam asren‘ados alguns homens de uma fan ilia numerosa. Elle ha de achar
physionomias distinctas, Motta Coqueiro quem o inaine, porque ninguém as fsz
presidia uma conversa de amigos. que não as pague. Ha cousas que dão me
O mais jovial e que mostrava ma's pri- muito mais que penssr...
vança com o fizeudeiro era o Sr. Con­ — Ah 1 tem também seus segredo.s ;
ceição, negociante residente em Macahé.
deixe estar que eu hei-de pôl-o em bens
O seu rosto cheio e vulgar era entre­
lençóes com a D. Maria. Vejam o sensi-
tanto attrahente porque illuminava o um
nho.
olhar cheio do in:inuante sinceridade.
No mais era um homem de estatura — Qual, poreste lado não ba que temer;
mediana, sem reservas aristocráticas, já tenho os meus cincoenta sobre as
sem posições estudadas ; o antigo typo do costas. O que me impressiona mais hoje é
homem do commercio, que se perdeu no a eleição de deputados geraes, para cuja
dilavio fervido do aperaltamento moderno, Victoria o governo mandou para Csmpos
que olhando, para a fldalguia, fica um juiz de direito, escolhido a dedo.
sempre no ridiculo. — Ora, deixe-se d'isso ; você bem sabe
— Se você não tivesse chegado hoje, que, trabalhando, taboqueia o bicho.
dizia 0 Sr. Conceição, amanhã só encon­ — Não é tão facil ; os diabos dos cau­
traria aqui muitas lembranças nossas. dilhos do governo têir-me intrigado á
Batiamos azas sem mais (iemora. grande. Pois o que é a connivencia do
— O que custa é o mais desejado, res­ Oliveira com o meu aggregado, se não
pondia 0 capitão ; e a além d’isso as mi­ um meio de desmcralis.ar-roe ? Agora a
nhas madeiras são como o vinho, quanto verdade é que o finorio perde de todo o
seu tempo,
mais velhas mais caras. Está ahi perque
me demorei. A conversação estendeu-se por mais de
— E lá ficaria se o vento não o fosse uma hora sempre salpicada-pelos epi-
buscar. Pelo que eu vejo você não chega grsmmas e malignidades joviaes do Sr.
aqui sem tempestade. Conceição, que assim confirmava uma
— Nem sempre ; aconteceu hoje para regra geral ; os caracteres sadios e vi­
que vocês paguem-me não só as madeiras gorosos são intimamente alegres.
mas ainda o incommodo da viagem. Eu Já pela madrugada os amigos separa­
levo só dez por cento. Antes isso do que ram-se e tomaram cs seus aposentos.
ir para a estrsda. O sol, apezar de alto, illuminava furti-
— Homem ! por fallar em estrada, é vamente o céu, quando de novo o fazen­
verdade ; que se deu aqui um desagui- deiro avistou se com os seus hospedes.
sado entre você e um aggregado ? Estes, que tinham pressa de voltar para
— E’ verdade; mas eu nem penso mais Macahé, não deixaram esperdiçar um mi­
n’isso, porque o tal aggregado, que é meu nuto e oceuparam-se durante todo o dia
compadre, gosta de mais do copo. em discutir o preço das madeiras e as
— Mas n’este caso cozinhe as caraspa- condições do seu transporte.
nas em casa, e não se engane com os caces A mais perfeita tranquillidade de espi­
alheios. Se fosse commigo o negocio não rito expandja cs modos e as palavras
ficaria ass m. d’essa reunião de amigos, á excepção do
— Eu também quiz processal-o ; mss fazendeiro que parecia estar precccupado.
não EÓ tive de luetar com a animosidade Quem, á tardinha, aflfastando-se da casa
do Oliveira e trampolinice do Lycerio, grande, se dirigisse á casa nova, assistiria
m as tam bém de compadecer-me do ta l ahi a uma scena de requintado cynismo.
uS A PENA DE MORTE 133
O assassino da indefesa favnilia andára não tornes nunca mais a este logar amal­
durante todo o dia rodeiando as luas diçoado. Eu também seguirei o meu
vic^imas como um corvo em terno da destino.
carniça. O silencio e o abandono invadiram de
Qaasi ao pôr do sol o companlieiro, que todo o triste logar, onde o odio havia
na vôsptira fôra por elle despedido, veiu executado uma tremenda sentença.
também farejar as cercanias da casa do Talvez no mesmo instante em que o
inimigo commum. monsti’0 imputava ao fazendeiro o seu ne­
O silencio profundo que reinava alli fando crime, os amigos a’este reunidos na
fel-o appToxi.nar-se mais e mais, até que casa grande reparavam no seu mau estar.
flnalmante collocou-se entre as bana Já não era possível cscondel-o, porque
neiras. á proporção que a noite se avisinhava,
O aspecto da casa fêl-o pensar na pre­ Motta Coqueiro entristecia cada vez mais,
visão do seu companheiro e para certifi- e chegou a tal estrido de melancolia que,
ci.r-se chegou até mais perto. durante o jantar, foi amigavelmente in-
O bafio do sangue apodi'eciio e o som terpellado pelo Sr. Conceição.
do intenso eperenn* zumbir do mqsqueiro — Hcm-sin, você está com a cara da
certificaram o de que íá aentro jaziam noite de hontem. Quer até parecer-me
cadaveres, que 0 nosso amigo deu agora em forreta
Oihcu em torno de si ; depois espreitou e está arrependido de não nos ter carre-
pela fiesta da porta, e como se o e;p cas­ gadv> mais dez por cento no preço das
sasse 0 remorso, recuou espavorido, e, madeiras. Mas não vale zangar por isso ;
arrànciodo violentamente o lenço que nós ainda estamos aqui/ esfolle-nos a seu
lhe encobria parte do rosto, exclamou gosto.
doioroamente. — E’ mesmo verdade que eu estou
— Miiriquinhas, minha Mariquinhas 1 triste, respondeu o capitão e o mais sin­
eu havia de saber poupar-te. gular é ser por uma asneira,
Ao di/er a ultima palavra os cabellos — Perdão, interveiu o Sr. Conceição, é
erriçaram se-lhe, « agachou-se transido 0 mais natural.
de terror. — Hontem, ou melhor esta madrugada,
E’ que a pesada mão do companheiro quando deitei-me, continuou o fazen-
tinha S6-Ihe collocado sobre o hombro, peiro, tive uma especie de pesadelo. Fi-
apertando-o fortemente. gurou-se me estar em um um logar de­
— Trahiste a tua cobarãia, ou mentes serto e como que ouvi gemidos dolorosis-
como um cão. Oa assassinaste a esta raça simos. Procurei por toda a parte e não
damuàda, ou querias enganar-me. vi viva alma. Porém, d’ahi a pouco des­
Manuel João que era o companheiro cobri perto de mim grandes linguas de
do assassino, tremia miseravelmente e fogo, 6 depois um montão de cadaveres.
não ousava responder. O mais exquisite é que durante todo o
— Como tu és cobarde, bradou o selva­ dia eu tenho pensado n’este sonho.
gem; como virias comprometter-me, se — Ha de ser lembrança d’aquelle clarão
Deus não confiasse a outras mãos a nossa que 0 Sr. disse-nos ter visto na viagem,
vingança. Felismente ainda ha homens pouco antes de cahir o temporal, inter­
de coragem. O capitão chegou hontem e rompeu um dos amigos.
eis aqui os destroços. Bem t’o dizia eu 1 — Ora sonhos I exclamou o Sr. Con­
Depois de uma breve psusa, continuou: ceição.
—E’ preciso que nos affastemos d’aqui ; — Ha de ser mesmo, proseguiu Motta
se nos vissem estariamos perdidos. Vai, Coqueiro, porque fiquei bastante impres-
134 MOTTA COQUEIBO

siona'^lo. Pareciia o clarão de um incîndio da feiticeira resposta affirm ativa, prose-


mas de repente extinguiu-se. guiu :
— Pois vccê queria que hcuvesse um — Ella já ^abe da sorte do aggregado ?
inceadio que resisliise á cuüva de houteia. — Veiu vender madeira, respondeu Bal­
O Sr. Coaeeiçao, que foi quem proferiu bina; iiem pensou ainda no compadre.
e-sas palavras, poz-se a rir da mel!: or — Pois aconteceu uma cousu hcnivel,
voütaüe, buscando de<f>zer a impressão minha velha, e é preciso que elle saiba
profunda uo iaz<fadeiro. — A casa g ra n d e está a b e rta ; pode ir
Inutil esforço; depois do jantar Motta fa lla r com o sen iior, ou se qu'Z.-r füdie
Coqueiro, pedindo lieença ao seus hospe­ com o Fidal'8, que é o feitor.
des para ir saber oo feitor o que se tmha — Não, não quero fallar ao teu senho”,
passado durante a sua aasenc;a, couûr- minha velha ; sou pobre, mas sou homem
mou planamente que fôra baliada a ten­ de bam; não poíeria encarar com elie.
tativa de Conceição. E«uta e dá ao teu senhor esta recado.
Apertando a mão d’este, disse-lhe per­ Dize lhe que ha quatro noites um homem
turbado ; de bem estava por acaso junto da casa de
— Desculpe me esta fraqueza, mas, ha Francisco Benedicto, quando viu che­
cousa de um anno que este maldicto sitio garem quatro escravos o’este sitio, alu-
só serve para dar-me trabalbos. Em che­ miados por um facho. Bateram á porta e
gando aqui, fico logo desatinado. um d’elles, que parecia mandar sobre cs
O Sr. Conceição não galhofou ü’esta outros, a quem chamavam Fidelis, en­
vez ; e, ao contrario, depois da sahida do trou como um c ^valiu disparado dentro
fazendeiro, disse aos outros que também, da casa do aggregado do capitão.
ficára impressionado com a tristeza uo Fallou muito lá dentro. De repente ap-
amigo, parece junto do e cravo, que tinaa ficado
Na mesma hora em que na sala de jan­ fóra com o fache, o filho de Francisco
tar entrechava-se a conversação, que dei­ Benedicto e aivuma-íhe uma pauiada
xámos exarada, perto da casa grande a mortal. Mas errou o alvo. Tndos osouti-..s
tia Balbina dava toda a attenção a um in­ escravos sahiram em sooccrro do compa­
terlocutor. nheiro, mas não puderam agarrar o ra­
A feiticeira, que desde o dia da embos­ paz.
cada contra Motta Coqueiro, fôra passada Eatão Fiielis qo.iz pôr fogo á casa, e
para os serviços da casa grande, gozava S0 Conteve se foi óevioio a um se.gredo
de cartas regalias e d’ellas usava sem o que lhe disse um molecote, que estava no
miiiimo prejuízo. grupo.
Passaram dois dias sem que nada mais
Durante a noite, quando acabava a la­
acontecesse ao aggregado, pwque ainua
vagem da roupa, não era mais cccupada
liontem eu o vi.
para nenhum trabaiho, e ficava-lJie com-
Hoje, porém; tive diante de meus o/hos
pletameate o tempo e o seu emprego, sem
uma vista horrível. D :sde a estrada eu
quebra da ordem estabslecida para todos reparei que toias as portas e janellas es­
os escravos.
tavam ftchadas, e estremecí.
Balbina, que sahira a disfarçar o cap- Mais perto dobrou-sa-me o temor ; a
tiveiro, segundo a sua phrase, encon- frente da casa tinha sigusies de fumaça,
trou-se, junto do casarão, com um homem e a coberta ue sapê ests^va quasi toda
que lhe era totalmente desconhecido. queitü.s.da. Pensei logo que se tinha reaii-
Esta começou por perguntar-lhe se, de sado a ameaç-a de Fidelis o ccrri. Não era
facto, havia chegadó o capitão, e obtendo só isto 0 que eu devia vêr. Quando em-
ou A. PENA DE MORTE 135
pnrrai s porta» não pude conter o choro ; mas saiba que não pode de heje em diante
a casa do Francisco Bénédicte é hoje um tezer nada sem minha ordem.
cooiiteri-i ; mataram todos, todcs. O fazendeiro, que durante algum tempo
— Jesus I exctemou Balb'na, nem pcn- censervara-se no mesmo logar com a ca­
pa-am a moça que o senhor estimava beça sumida entre as mãos, levantou-se
tento. ^Ant-s os braacos não tivetsem por fioi e entrou na sala de jantar com-
dado ordem 1 pletamente disflgurado.
— Vai, V3i, minha velha ; centa a teu Balbina que observava todos os raovi-
íonhor esta despraça. meiítos, ao vel-o assim perturbado, res­
Balbini, temporariamente commoviü?, mungou attavez do odio encanecido :
spre^sou o p^ so em dir<:c;ao á c 3sa — A Estrella do céu já não defende a
grande, e o descenhecido, sorrindo ontâ.o porta dos braners e Deus nao olha mais
desdenhosamente, di«se com uma iofle- py.ra a banda em que ella eslá. A escra­
xão de voz que f ria estremecer ao va pode rir, vai ser vingada.
lleugmantico dos homens. A noite foi uma longa tortura para o
— Teve pena a desgr tçada, e'eu lasti­ fazendeiro, que estava ainda muito longe
mo que âqu 3 sobre a terra uma fliha da realidade horrorosa da sua situação.
à’aquella raça. Os malditos tinh&m pouco Via no acto dos escravos, auctoiisado
.sangue, pola senhora, o desoredito da seu nome e,
D-poi- denmabrevo paus«, d’issesind? : 0 que lhe doia igualmente, uma arma se­
gura com a qual os seus adversários
— Tenho pena do capitão; telvez venha
combatessem lhe a popularidade.
a soffrer pela morte ü'aquellas viboras.
Com que prestigio, elle que mandava
Deus 0 defmda. incendiar a casa de um pobre e seu hos-
Ditas ^r$stas p'^lavras o desconhecido peie. podería pedir ao povo da localidade
affastou se com p>rsso leito e firme. apeio e dedicação, se depois, esquecendo
Q.iando Bilbin.a chegou ao terreiro en­ tudo, viria talvez a perseguil-os cruel­
controu ahi o fazendeiro, diante do qual, mente Î
com 0 chapéu na mãe, Fidelis fallava Tarde da noite Motta Coqueiro, cuja
humilde nente. in.-omnia efeiava cada vez mais o acon-
O feitor depois de conter 9S diversas tecireento, foi ter com q ,seu amigo Con­
tropelias feitas pelo aggregado, junteu- ceição o COTÏ mnnicou-lhe o oceorrido.
Ihes a narração do estrago feito nasbvlsas O honrado negeeiante mostrou-se tam­
e 0 expediente que tomara, como feitor.
bém profuodamente abalado e só depois
— Eu. fui fallar com s e u Chico, disse
de lcn*To silencio diîse para o fazendeiro.
elle, rcar não fui attendi lo, e ainda o — O nnico romedio é pegar pelo preço
filho deu cacetada em Alexandre. que Francisco Bénédicte pedir as bem-
Z r ’gado, eu quiz pôr fogo á ca«;», iras
feitorias do sitio.
não oheguei....'
— E quem den Ibe o.dera p.ara fa/er — I to é 0 menos, meu amigo, o que
semelh-.nte cousa? interrogou o fazen­ eu queria ora que você visse como se me
preparam desgraças.
deiro.
— Senhora mond^ u que pc.zesse fóra o Antes dc nascer do sol, Motta Coqueiro,
que passara, a noite em atroz vigília,
sg.regado rle qualquer so>te.
sihiu para o terreiro, e, depois de orde­
— E o que fez depois o corupidre.
— Prrec quejFoi .'ter parte ao inspecter. nar que lho tronxof sem o cavallo, poi que
— Po e ir, pede ir embora, exetemou d-sejrva sahir logo depus do almoço;
Motta Coqueiro dirigindo se ao escravo, poz se a passeiar do um para outro lado.
136 MOTTA COQUEIRO

Os escravos vieram alinhar se e com Manda matar os malungos e fica tão


elles appareceram taœbsm no terreiro fresco como se mandasse surrar o escravo.
Faustino Silva e Florentino. O forro atinou logo com os urubus, e o
O primeiro vinha pedir ao fazendeiro outro tratou logo de se pôr na picada.
que lhe cedesse algum assucar, e o se­ Só os negros foi’am depressa para fazer
gundo tratar acerca da venla áa posse 0 enterro dos defuntos que o fogo não
na seri’a dos Olhos d’agua. queimou. Enterrem : Balbina irá mostrar
Despachado Faustino ; Motta Coqueiro 0 logar. A estrella do céu fugiu da porta
dirigiu se a Florentino para desculpar-se dos brancos para que a escrava podesse
com elle por não poder cumprir já a sua vingar-se do senhor sem coração, que a
palavra. mandou surrar e dos parceiros que não
— São terras, Sr. Flôr, e não é possi- tiveram dó d’ella. Balbina não terá pena.
vel comprai as sem ver. Ora eu estou O caçula ficará sem o pai, e o pai sem os
doente e além d’isso não posso demorar- escravos, Balbina estima o caçula mas não
me ; tenha paciência, trataremos do ne­ terá dó de seu pai.
gocio mais tarde. Os hospedes do fazendeiro vieram en­
Effectuando o movimento habitual dos contra-lo em agitação febril, dir-se-hia que
sertanejos, quando alguma cousa não se era cruciado por invencíveis remorsos.
effectua conforme os seus desejos, Floren­ O máu humor trahia-se-lhe pelos mo-
tino levantou os olhos para o céu. nosyllâbos que resumiam as suas respos­
Em seguida erguendo o braço e apon­ tas, e a instabilidade das posições, que to­
tando para o ocidente, disse com extraor­ mava, denunciava a sua impaciência, de
dinário espanto. tal férma que o Sr, Conceição viu-se for­
— Olhe, seu capitão, que grande nu­ çado a dizer-lhe á pmúdade :
vem de urubus está a fazer verão acolá. — Oh I meu amigo, não é preciso que
— E’ verdade, confirmou o fazendeiro, todos saibam do que se passou.
e em seguida perguntou a Fidelis : por Estavam sentados á mesa, almoçando,
que diabo não manda você enterrar os - os hespedes, que deviam seguir viagem
animaes mortos ? n’este mesmo dia, quando Fidelis en­
— Não faltou nenhum cá no sitio, meu trando, arquejante de cauçaço, disse para
senhor. ^ 0 seu senhor que lhe precisava fallar em
— Isto pslo que eu vejo, anda desgar- p irticular.
nellado, seu mestre; disse Motta Coqueiro O semblante do negro, onda estava gra­
para o feitor ; havemos de ver se falta ou vado 0 espanto, fez com que o fazendeiro
não. Vá já, com alguns dos seus parceiros, se levantasse precipitadamente,
fazer enterrar o animal, que encontrar Foram ambos até o corredor que com-
morto. municava a sala de jantar com uma sa-
Fidelis, acompanhado dos seus parceiros leta interior, na qual ;achavan-se Balbina
Carlos, Alexandre, Sabino, Guilherme, e ontras pretas.
Peregrino e Domingos, seguiu em direcção Chegados ahi, Fidelis com a voz quasi
á negra revoada. embargada pelos arquejos contiuuos, disse
Todos os outros escravos e os dois ho­ com uma inflexão dolorosa :
mens livres retiraram-se, ficando apenas — São elles, meu senhor ; estão toáos
no terreiro o desventurado fazendeiro e mortos.
Balbina que ao longe resmungava sarcas­ — Q jem ? mas quem é que está morto ?
ticamente: interrogou assustado o fafzendeiro.
— Fingimento de branco, sé Deus pode Já estão mortos, sim senhor, seu
vêr no coração d’elle ; o rosto não muda. Chico, a mulher e os filhos todos.
o u A PENA DE MORTE

— Ohl mea Deas, meu Deus, que des- atraiçoasse a sir.ceridsde do sentimento,
gvaçL brailou e.ca lancinante desespero exíernando-03 em inflexão menos pro­
o malfadado Coqueiro; que mal fiz eu pria. Mudos, apertâram-se as mãos, mu­
para que caia sobre mim timanha pu des sahiram e por muito tempo cami­
niç5<|. nharam.
— )0 que é, giit?,i\im os hospedes, que O Sr. Conceição rompendo afinal 0 sUen-
vierd^m prestes ceicar o fazendeiro, que cio, dissse ao embarcar-se na canoa que os
apermva com ambas as mãos a cabeça, e esperava :
desf<ipa-se e £1 lagrim&s. — Não sei porque, mas tremo pelo fu­
— Dhxerc-me, deixem-me, pelo amor turo do Cequeiro.
de leus ! Eu sou uai desgraçado. O que — Grande desgraça 0 feriu, responde­
serál de minha mulher, de meus filíios. ram os ontres.
Mal iitos negios 1 Depois ce flear só, 0 fazendeiro, mais
Camb«leia;ido como um ebrio, Motta feroz que uma panthera esfaimada, ati-
Coqieiro foi c&hir sobre uma cadeira na rou-s-2 contra Fidtdis, ésbofeteand-o e bra-
sah de jantar, emquanto os hospedes d*nc'o :
estípcfáctos olhavam sem coragem ae -.Dize-m e, negro do diabo ; ende apren­
intwrogal-o. deste a aer tão malvado. Crianças, velhos,
iDepois de um silencio Icngarnente sc- todos, miserável.
M ado pdo dasventarado; erguondo-se — Senhor, meu tenher, respondia hu-
com os punhos cerrados e a cabeça vol- mildemente o feitor, não fomos nós.
tída para o oeu, cxelaxnou elle cc m uma A negativa enfureceu ainda mais 0 fa­
eitosção, que provocou as lagrimas dos zendeiro, que deixou 0 escravo para ar­
hpspedes. mar-se de uma cadeira que, manejada,
— Mis não é possível, meu D us, tu bam espedaçou se de encontro a um portal, não
ibes que não é possível que se rci^eJite tendo apanhado F;de!is, que se defendeu
^ue eu fosse capaz úe semelhante baibari- da aggressão e correu.
dâie. Nio, 6U não creio que os meus ini­ — Tu me pagarás, desalmado, tu ma
migos sejam tã , máas que atirem s<bi’e p .garás, gritou 0 fazendeiro, depois de
mim esta mancha. dese;>ganar-sa de que não podia agarrar 0
Como qua um momento lúcido foi então feitor, que fugia seguido dos outros escra­
coricadido á razão no infaüz fazendeiro. vos com que sahira de manhã.
Attentou nos seus amigos que 0 cercavam Ficai am, porém, no terreiro Cirlos e
commovidos, e, redobiando do soluçcs, D.»mingos.
disse-lhes resoíutâmonte; A coiei a do fazendeiro descarregou-se
— Os senhores precisim de paitir, não to ia sobi o o moltícote, que em vão pran-
se demorem por minha causa. Demiiis teiava, aíürmando a sua irinocencia.
seria talvez comprometteios. Deixem-me Cimprehendendo que a furia de seu
só ; eu agradecerei sempre tanta bondade senhor chegaria ao maior excess:-, Do-
e espero muito da vessa kahiade. A eus, minges interveiu submisso ponJerande-
reZ‘,m a D us por mim. Iha judiciosamente:
// Perplt xos, cs hospelss reluc,tai’am em — Perdão, meu senhor, vtsuie.ê vai se
obedecer a peramptorü intimsção, mas a perder; este moleque morre.
insistência do fazendeiro, .solemnisada Do feito Carlos já estava estendido por
pelo desespero e as lagrimas, reiolveu-js terra, com a cabeça quebrada e 0 coipo
por fim. todo ralado pelo.s tombos repetidos.
Tocante despelidaesta; f omo que tod( s Ainda «ssim talvez fosse inútil a pm-
os cora uoi temeram que a palavra lhes der&ção do e s‘ravo, sa não chegassem na
■Sí 1

138 »lOTTA COQUEIRO

meí^ma occasião Faustino e FJôr, que ia para Campos já ; os seus amigos lá hão
ambos assustadissimcs disseram ao fa- de defendei o.
zeadeii’C que tiaha-seido chamar as aucto- — Siia, sim, exclamou o fazendeiro,
ridadrs para verem o que havia na casa hei de f^zo ' confundir os calumniadores
de Francisco Benedicto, que estava fe­ e a desforra será tremenda.
chada e sobre a quftlpairavam os urubus. Dentro em pouco tempo uma canõa, re­
— E 0 que tmho eu coai isso; res­ mada com extrsordinaria boa vontade,
pondeu Mctt-i C,)queiro. voava pelo rio Macabú Levava eui si o
— Antes n„da tivesse, seu capitão;' fa> eaáei'o, que ia buícav no seio da fami-
mas estão a dizer que a ^ente de Fisn- lia consolo para a sua afilicção.
cisco Beneiicto foi mcrta por ordem Durante todo o dia n nguem atreveu-se
de vosmeiê ; sclugí u Fiorentiao Si!va. a appvoximar-se da casu. em que epadre-
— E quaJ foi o miserável que Icmbroa-se ciam os cadaveres da familia de Fra ncisco
de accusar-mo, diga-;!C:6 o ssu nome, quero Bfneiicto. Só a nuvem de corvos, gias-
fazel-o engulir a calumnial nando de espeço a espaço attrahidu pela
— Todos os que estavam na v e n ja ... carniça, fazia sentinella á naortualha, ora
— Todos I concentrando-se em immensae; pbera ne­
A mais dilâcerante angustia f a resu­ gra, ora desdobrando ss e abatendo-se
mida n’tísta uaica palavra. Encarnava a repentinamente sobre o tecío meio quei­
revolta da dignidade de hom-m de bem mado.
e a dôr agudissima a sangrar um ca­ A' noite, porím, um vulto chegou eac-
racter serio. Concratisação do desespero telo?aDiente até á frente da casa, empur­
de um coravão, Upidhdo pela severidade rou a porta e entr. u sem he.itar, fecban­
psra agalanar se com as irrádiaçõe.s da do-a de novo sobre si.
bondade9 da juítiga, n’ossa unici palavra Lá dentro ouviu .se apenas o ruido das
gemia tcd;* um passado de honestidade e moscas espantadas pola visita inespe­
nobreza,do sentimentos ago)'a desapleda- rada.
damente trucidado pela calumnia. Passado algum temjío, o vulto sahiu
com a mesma prec.vução, e, entrando pa­
O fazendeiro sentiu-se no vacuo, mas
las roças, seguiu pelos aceiros, depois
esse vacuo hcriivel do pesadelo, onde ec-
pelo campo, e afinal dirigiu-se para as
Irridos como fogos tatuos suceedwose e
senzalas do sitio.
aprofundam-se infinitos círculos lumi-
Abriu uma délias e entrou, acceaden io
noíos, aos quaes nos qur,remos segurar
pogo depois um cjaadieiro. A ’ luz deixou
quando se nos afigura que lolumos e
então conhecer a pcísoa que, zombando
sentimol-os ao nosso contacto desfaz^rem-
de temores sup-^..rsticid.50s, não trepidou
se em fumaça.
aventurar se na escuridão a no isolamento
O que no pesadelo é uma succ^ssão de àquel’e dcminio da morte.
círculos lumino.;os era no espirito do an­ Era a tia Bilbina, que trazia sòbraçafa
gustiado ura tumu'.tUÃP de s-mfiajentos', uma enorme treu xi de roupa ensanguen­
qua aão tinham eoniistencia para obstar tada.
lhe a queda na conlerunaçâo aocii)., A feiticeira c .-meçou então a estender
Todos, repetiu o •lesveaturado ; ms s demora lamenta no cifão os vestuários
queemal fiz eu atoda essa geate ps.ra qve impregna ícs pela.s exhalações dos cada-
assim ma julgue ?! V6,"6S.
— O que quer v..smecê, seu capitão; Depois reuuiu-as de novo, e f<, i collo-
accntace qua^i sery pre a.ssim, di;se Flc- cai os em uma velna caixa, ao canto do
rrmtiüo. Eu no seu caso e sua posiçso quarto.
ou A PENA DE MORTE

Feito isto, sentou so por algum teocpo donzellas a ao desrespeito do recato de


na beirada da cama e tomou a posição de esposa.
quem medita. 0 in-pector A n 'ré revelou então ao
Não se prolongou per muito tempo a subdeleg&do & denuncia que lhe fôra dada
pelo chefe da família assassinada contra
sua inacção, porque para logo levuntou-se
os escravos d« Motta Coqueiro, b alguns
e f.;i acocorar se no meio do quano em
dos circumstantes juntaram a esta reve­
exercicios de nigromancia.
larão a da malquerença de Faustino e
Por vezes os busios foram lançados, e o
Fiôr com o finado Francisco Benedicto.
cheiro de enxofre renovado no aposento.
Accr.0=cia que o fazendeiro tinha che­
Depois, como se houvese conseguido o que
gado na noite dos assassinatos e que um
desejava, Baibina guardou os seus iost’ u-
dos homens livras, Fiôr, tinha vindo com
mentos cabalísticos, e poz-se a canta­
elle ns mesma c. nôa. Faustino matava
rolar, sentada sobre o leito.
por dinheiro e dissera que se Mctta Co­
Uma voz, repassada de tristeza, veiu
queiro Ihé pagasse bem não trepidaria
destoar da aiegria dg feiticeira.
extinguir a raça de Francisco Benedicto.
—Oh ! tia Bàlbitra como ostá tuuo isso
Assim, pois, 0 inspector x’edigiu aparte
em debando, que desgrara.
do crime, imputaudo-o a Motta Coqueiro,
— SeCarolina tem muita pena dos bran
na qualidam de m^md m.ta, aos seus es­
CCS é peior paraella. Df^üs quizque elles
cravos, e Faustino Pereira da Silva e Flo-
pagassem a maldade para com os esct a-
rentiüo Silva como auctores.
vos, e por isso deixi.-u que aiardassem
Prestadas as honras funerariss á fa-
matar por Filelis e os outros a famdia do
milia do agg egado, a j^elicia tratou
aggrega; o. iuimediatameute de pôr cerco ao sitio.
—Mas, sempre ^ z pena, tia Baibina. Provou-i-e até á evi encia o fundamento
_E’ verdade, respondeu friamente a da suspeita publica sobre a auctoria do
feiticeira, que repetia á creouía os h’ rro- crime execrando.
res da matança., taes corno os ouvira ao Não foram encontrados no sitio nem
desconhecido. Jdotta Coqueiro nem muit s dos seus es­
Por fim disse ella, bocejando : cravos, e pelo depoimento cia preta Balbi-
—Vamos dormir, criança, hoje vou re na, a quem conseguiram verificou-se ain­
somnar como um branco rico um somuo da que os ascrívos ausentes eram justa-
mente os denunciados por ella como
descançaio. Dms te abençoe.
No dia seguinte, 15 de setembro de 1852, instrumentos domandante, Fidelis, Ale­
as auctorida es de Macabú entravam em xandre, Ciilos, Sabmo, Peregrino e Do­
nome da lei na casa em que, ironico, frio mingos.
e desapieda. 0, o dísconhecido effectuara 0 clamor publico entumesceu so como
0 vanialico inorticiaio. um vulcão sobre a cabeça do fazendeiro,
A justiça iucumbiu se então de arr.an- e coofio o vulcão se desfaz em raios e
car ao bico adunco dos corvos os cadave agu-iceiros, prorompau em calumnias e
res já putrefactos, e o povo que acompa­ maldições.
nhou as auctoridades sentia duplicar se — Füi elle ; aquelle sanguinário capitão;
lhe a ianignação porqua presenciou um já não é a primeira ; t:m morto muitos
espectáculo veixiadeiramente repugnante. escravos em surras I Mus, póde fazer, por­
0 assassino não cont mtara-se em im­ que é rico, tem dinheiro.
A c ffic io s id u d e p o p u la r p a r a a d iífa m a -
molai’ oito victim..s ; pelo que se via na
ç ã o d o p 'o x i m o d a v a - s e a > a s e voava
posição e nudaz doí cad&veres havia e
vaio asanha até a violação do pudor das d e s e m p e d i d a m e n t e .

■ r-
140 MOTTA COQUEIRO

Oá encravos do fazendeiro ficaram d’esde O.S seus affagos para [os filhos e entea"
logo á disposição di s auctoridades, m<sS, dos foram misturados de lagrimas, e os
0 Sr. Oliveira, não obstante desenvolver abraços eram tão oítreitcs, cs beijes tão
maxima actividade para a captura dos soffiegos qua a esposa e o enteado ex­
indigitados, criminosos disse todavia ao clamaram ao mesmo tempo :
inspector ; — Othe quo d’eí.ta maneira faz n'*s
— Era capaz de jurar a favor do ca­ pensar que perdemos c nosso quinhão.
pitão ; não me parece capaz de semelhante A jovialidade de ambos foi, porem,
crime. bruscamenta mudada em recolhimento
— Mas as provas, que são to Ias contra tristonho, porque em vez de sorrisos o
elle, dizem justamento o contrario, com fazendeiro só tevefiagrimas ao abraçal-cs.
perdão de V. S. — Faça com que as creanças se reti­
— Não vou fóra d’isso, mas....... Em rem, porque é necessário que fiquemos
todo o caso as eleiçõ-s se spproximam e sós.
em quanto o capitão deslinda o negocio Depois que a. fsmiiia retirou se, os me­
podemos descançar. nores cantarolando e gargâlbando sem
Na rcesma hora foi expedido um pr< prio cenitrangimento, o colleator perguntou ao
para Campos sfim de communicar á po­ seu padrasto qual era a nova de.egraça
licia 0 acontecimento e p=’dir o seu auxilio sucoedida no maldito sitio de M-acabú.
para a captura ‘.;o piincipi.1 criminoso que — A rnaior quo se podia imaginar, res-
lá devia estar. ponieu Mctt.a Coqueiro; Francisco Be-
O Sr. Oliveira não se enganava quer nediuto fei assasãnado com toda a sua
quanio negava a sua ronscienda a saoc- farailia I
cionar o clamor do povo, quer quando — E quem foi o auctor de tão tremendo
previa que Motta Coqueiro estava em crime, iut-rrogou o colleetor que se pu-
Cam.o^i. zera de [é, treorulo e pai turbado ?
No dia da diligencia no sitio, o fozen — Não s i ainda ao certo, mas éiz-se
deiro tinha chega.lo á f-ua chacara na ci- que firam os nossos escravos.
da’ e, acompanhado pelo preto Domingos, — Meu Deu.s, meu filho, meu marido,
sobro quem não pairava no e.^pirito de exclamou a Sra, D. Maria, eu sou a cau­
Coqueiro a menor duvidada respeito da sa tora d'asta desgraça, eu sou a assas...
sua hempção no assassinato da famili.i Um violento abí.!o nervoso, convulsio­
de Francisco Banedicto. nado pi-ülongadamente, cortou em meio a
Sentr-dos sob um ctramsnohão est.ivam aceuseçãj peiigosissim  que a Sra. D. Ma­
a Sra. D. Maria e seus filhos tanto os ria pronunciava e ntra si própria.
do primeiro consorcio, como os do segun­ ^oceorrida a esposa, que foi desíe então
do, com 0 fazendei; o. presa de uma febre d vastadora, o fazen­
Um dos filhos do primeiro consorcio deiro e 0 colleetor reataram a cenversa-
era já uma influencia campista ; desetn- ção dolorosa.
peuhava as funoções de collector, c gozava — lí onde ficaram os escravos ?
de consideração geral. — Fugiram o.s principies auctoies e
O fazendeiro que atraveasav.a cabúbai ficou apenas o Carlos, que dtixsi ficar na
xo a alêa que do portão da chacara diiL barra de Macabú para trá<ar-s0. Qussí
giase em linha recta até á entrada da mítsi-o na primeira txploião.
casa, foi dispeitado da abatracção com Passado um breve silencio, durante o
que andava, p?los pstos do grupo e logo qual o colleetor, cemes olhos rssos de la­
conduzido para elle pelos meninos que grimas, foi pouico a pouco desenrugando
lhe sahiram ao encontro. a fronte ; exclamou:
— Não ha 0 que temer ; não desani­ — Ah ! miseráveis, bradou o collector
havemos do ver quem vence.
memos.
— E’ 0 qne lhe parece, meu amigo; ha — Saiba mais, meu amigo, o incom-
modo já não é pohsivel evitar, porque ha
tuío a temer.
uma paite do subletegado de Macabú.
— Porque, haverá alguém que acvorlite
— E basta isto para sviltav-se d'e^ta
que minha mãi fosse capa?, de mandar as­
sassinar ums famiiia? Explicsremos tudo sorte um homem de bem ?
e a verdade triumphará.
— Infelizm ente não é preciso mais. Ha
entretanto tempo para que o nosso amigo
— E' engano seu. Ha um my.iterio para
você ncs acontecimentos do sitio, e este é
se ausen te, porque o ju iz de direito ac-
tualmente em exercido re’.ucta em expe­
0 ponto mais sério. E-scuto-me
A voz do fazendeiro abaixor-sede modo dir o m anialo de prisão.
— Estamos, pois, salvos porque tere­
aaer ouvidi sócrentepelo seu interlccitor,
e a gravidade da confidencia pôde apenas mos tempo de confundir a cilumnia.
— Não se iiluda com esta esperança ;
ser suspeitada pela coramoçào do collec­
0 proprietário da vara chsmal-a ha a si
tor, que por fim sem se poder conter disse
talvez amanhã.
bem alto :
— Estamos perdi -os 1 — E ...
— Bímsabe quanto sou mal visto pelo
— Já vê que pronunciar o nome de sua
roãi n’este negocio é deshcnrar toda a juiz de direito e quanto devo ao seu pa­
drasto. D-miis a ioíltiencia d'este é te­
nossa íamilia.
— Ninguém acreditai á na sua innocen- mida pelo juiz, que se quer fazer depu­
cia ; e condemnal-a-hão. Minha desventu­ tado e tem uma ch?pa a impor. O melhor
caminho é aconselhar o Coqueiro que se
rada mãi!
— Esperemos e confiemcs em Deus I ausente até se aclarar a questão.
Concebe-se far.ilaiente cs horrorosos pa­ Quando o collector seguia o caminho
decimentos do fazendeiro, seu enteado e das Covas d’Areia, onde era a habitação
sua mulher durante esse d ia; todavi» uãa de Coqueiro, foi atírahido pela conversa­
eram senão o prtlogo da hi;jtoria do ção de um grupo.
Dizia um dos reunidos :
infortúnio d’assa familia.
No dia seguinte, o collect-r, que tmba — Não se péle dar maior escandalo ; o
sabido parj in lsgar se já em Campos ha­ delegado de policia sabe do facto e não
via noticia do fntal acontecimento, en­ se move ; 0 juiz do direito interino não
controu se com 0 Dr. B., que sbraçou-o expede o mandado, e o criminoso está
chorando e disse-lhe tristemente: muito a seu gosto em sua casa. Não ha
Falla-sejácom insistência em rma como ser chefe de pailido n'esta terra.
tristíssima historia, em que anda envoi — Ora que quer<s tu? interveiu outro;
vido o nome da sua familia; previnam se 0 delegado tem no Ccqueiro o seu braço
em quanto é possivfel. Temam, porque é direito ; seria muito engraçado partir
quasi inquebrantável a força da calum- d’elle 0 golpe. E' capaz de demittir-se.
nia. Verão.
— Mas, objectou o collector, exforçan- — Nada se perderá, o Coqueiro ha de
do-se por dissimular o panico de que foi ser filado talvez hoje mesmo, porque o
logo assenhoreado, é cousa assim tão Sayão Lobato assume a vara. Isto aflan-
grave ? çou-me pessoa' muita séria.
— S i é,meu in fe liz , amigo diz-se que seu — Santo Deus, santo Deus, murmurou
padrasto mandou assassinar uma familia 0 collector; estamos irremediavelmente
inteira. perdidos.

J
m MOTTA COQUEIRO

Caminhando como nm all; cinatJo, o P . S.—Leve comsigo esta carta e outra


entoado do fazendeiro chegou quasi louco em que tenha a minha assigne.tui’a ;
á chacara das Civas d’Areia. mostre-a 0 peça pouso aos fazendeiros do
— Fuja immediatamente; um minuto municipio.»
mais aqui e será indigoamento enxo* — Então, perguntou o collector ; inãs-
valhado. Fuja ! exclamou elle abraçando- tirá ainda em querer ficar ?
se com olpadastro.
— Obedeço, eu saio já. Abi’aça por mim
— Fogem os criminosos os que não
os meus filhos e, quando sua mãi melho­
tâm culpa esperam aié ju<tiücar-se.
rar, diga-lhe que tudo foi remediado e que
— Mas lembre-se de que tem inimigos,
eu parti para Itabspoana a negocios.
e estes não hesitarão em perdei o. Evite
Adeus, pé ies abraçar-me sem escrupulo;
á nossa família o golpe devêi-o sahir ù’aqui
eu não intervim de forma alguma n’este
preso e com um infamanta labéu.
crime. Se eu não me puder justifi íar i’e-
— Não qnero fugir ; seria talvez expor
pete sempré estas palavras a meus filhos:
outrem á calumnia.
teu pai era incoceate.
O collector não desanimou apezar da
A resignação, que accentuava estas pa­
resposta formal de Motta Coqueiror; pro-
lavras,fez estremecer o ouvinte, que tentou
seguiu na sua insistência, ponderando que
avivar a fortaleza dr fazen ieiro, visivel­
d’esta sorte ser-lhes-hiam mais fáceis os
mente depauperada, afiançando-lhe que
raoursos, porem Mctta Coqueiro resistia
não havia muito que temer.
sempre, e sé cedeu quando um pagem en­
— Ah 1 Motta exclamou Coqueiro, que
tregou-lhe uma carta que trazia no sobre
já havia dado alguns passos.
escripto — urgentíssima; — abra-a logo
Parou epediu ao collector que lhe desse
qualquer pessoa da familia.
papel. A lapis escreveu o fazendeiro estas
Embora anonyma a lettra da carta era
linhas :
assaz conhecida por ambps os qu - dis­
cutiam. a Um apalavia sua acerca do que orde­
— Le;a o que o nosso amigo manda-nos nou aos esci'avos é a minha sentença de
dizer, disse Motta Coqueiro, paesando o morte, lavrada por meu propTio punho.
papel ao enteado ; farei o que elle ordenar. Se alguém da nossa L milia devo appa-
A tremula vóz do collector fez ouvir o recer e soffrer, eu tenho forças. Peço a
seguinte: mãi de meus filhos que em nome d’elles
« São quasi seis horas, prepara se a poupe se de ser mal julgada. Adeus. »
força policial para cercar a sua casa. — Entregue este bilhete a sua mãi,
Logo que chegue o delegado, que sahiu quando fôr opportune ; diga-lhe que o
para uma diligencia, mss que voltará até queime apenas lel-o. Agora um ultimo
ái seis horas, porque deseja ir pessoal­ pedido: posso esperar que os meus filhos
mente csptural-c, será cumprido o que não ficam ao desamparo ?
manda a lei. Todas as sahidas foram As lagrimos e um abraço estreitado pelo
tomadas e amanhã será publicada uma collector ao fazendeiro incambirám-se da
circular atod>^s'as auctoridades da pro­ resposta, e Motta Coqueiro sahiu sem ter
vinda para que o prendam onde o encon­ procurado encontrar-se com a familia.
trarem ,.Ausente-se, se ainda está ahi, éo lüfelizmeute não lhe foi dado eximir-se
unico meio de evitar um grande desgosto d’este ti emendo golpe, Uma das suas
aos seus amigos. Escuso-me de demorar- filhas, para quem ainda não tinham desa­
me em dar lhe as razões por que assim brochado todas as flôres da naeninice, sa­
procedo: não creio que por sua ordem hiu ao seu encontro, pedindo que lhetro«-
j[osse commettido tão execrahdo crim o. xesse uma lembrança do passeio.
ou A PENA DE MORTE 143
— Nào posso, miüha fiiha, soiuçou elle, Dizia-se gPiMlmenta:
misturaa::o os beij .is a as lagriouas nas — Foi elle, e tt.nto assim que tratou
iaces da ci’eaoça : t s horceno são tão logo de fugir. Qua munstro ; deve ser
maus para o tt-u papal que nem querem eafoicado.
que elle poss i trazer aa volta Driaquedos
XII
para vocês. D-^uste abeaçôe, e pergunte
aos meus inimigoS: se quem tem filhos da A KKKA DE MACABU’
tua idade, teria coragem para mandar
mstar creanças ! O mallogro d •. diligencia, attribuidopala .
A menina poz-se a choi'ar o pranto es­ população a fi.me proposito da auctoii-
pontâneo da cre .nça, ao passo que seu áá'.1e policial em deiX’^a’ impune o crimi­
pai sfíastava-so quasi correndo. noso., entrou logo em fatal contribuição
Um quarto de hora depois a chacsra contra Motta C -queiro.
era estreit emente cercada, mas as portas O C r u z e ir o a o M o n it o r C a m p ista ,, fo­
não foram abertas, porque já era noite, e lhas que cocniaavam a opinião de Campos,
além d’isso o deh-'gado não tinha exigido 0 primeiro no intuito do triumphar na
O relogio da igreja da Misenco dia oppesição pessoal ao delegado, o segundo
batia onze heras da noit», quando um emm-.lhado na rede da animosidade pu­
homem, ve tido da preto, com a csbcçi blica, acirraram desde logo o síu estylo
coberta com um largo chapéu do Chile e em desabono do réu.
um lenço negra atado ao rosto, chegou á No C r u z e i r o , sob a rubrica de alto
rua Beira Rio. effeitn: C o so horroroso', no M onííir, sob
Campos, abella cidale fluminense, 'or- a tres'vezes mais compromettedora: A
mia silenciosa espelhando nas aguas sem fe r a d e M a c a b ú , o submisso diccionario
retido do Parihyba as suas casas caiaías foi explorado pelos publicistas, impellidos
e a luz avormelha la ios seus lampeõas. pela sede vesana le adjectives, ora senti-
O homem, que vinha acompanhado por mentaes como um livro de Lama. tine e
nm preto, desceu a margem do rio, em- que eram consagrados em nenias aos as­
barccu-se em uma canôa, que foi logo sassinados, ora infamantes como um ba-
impellida pelas remadas do prato e em raço e estes offareeidos, dedicados e con­
breve tempo ganhou a margem opposta. sagrados a Mott.a Coqueiro.
Ahi disse o homem ao preto : H u r r a h s congi’atulatorios respondiam
— Não hei de esqaecei’-me de ti ; vai, ás noticias recebidas pelo correio de Maca-
Domingos, e não digas a ninguém para hé,quando sabia-se da prisão de algum es­
que lado segai. Diz ao meu ontaido que cravo, ou de algum cúmplice da f é r a , a em
alugue ta era qualquer casa. altos brados exigia-se a expe iição de tropas
Por essas palavras e o tom de vez vê-se para todos 0 3 pontos, a fim de que fosse
qua o homem que atravessou o rio, era promptamente capturado 0 b a rb a ro m a n ­
Motta Ccqaeiro. d a n te , cujo p r o c e d im e n to a t r o z merecia
No outro dia pela manhã, a casa das punição tremenda, para ser deseífrontada
Covas d’Areia foi franqueiada á policia ; a civilisação de Campos, Macahé e Ma­
mas esta não encontrou ahi o criminoso cabú 1
procurado. Náo demorou muito que fossem p?e?os
Quando esta nova divulgou-se, o povo, Plorentino Silva, Faustino Silva, e Do­
que se agglomerara para assistir a dili­ mingos, mas o princ pal criminoso pa­
gencia, prorompeu em aceusações contra recia zombar de todas as pesquizas. A
Coqueiro. policia, cuidadosa em seguir-lhe ao
U i M O T ÏA C O Q U E IR O

calço, chegava sempi’e depois que elle Eoiquanto aí sim era julgado, extenua
estava distaociado. do pelas continuadas jorn^ndas, M:itía Co­
A ’ rcerhda que se decorriam cs dias queiro arrastava-se pelas ncsttav, p ra
formava-ae uma lenda tristis^ima. Já não fugir á injusta ros'çào.
era s(5'dL',er-se que os cadaveres foram Sedento, meditava primeiro e es. rei-
encontrados, segunJo o Cruseiro. já la- tava minunci samente para chegar-se a
cerados pelos cõ^es e tíves c-’ v/iivor-as a!gum rib- iro, que muivr.urando descia
accresc6ntav 3-se qae, tendo podido es­ pelas grotas, broíajdo em sons tristes
capar á matança, sppareceu uma infeliz como um soluço.
filha de Francisco Banedicto, rota e fa­ Um nez depois da sua sahi ia da cida de
minta, ainda mais, digna da compaixão sentiu que as forças abaudonavam-o e
pelos seus poucos annos. lembrando-se da farrilia, dos íilhoe inoo-
Pobre menina I òizia-se, e-tremece ao centes que ficariam ao desamparo e infa­
ouvir o nome do fúzindeiro, e pe^-gun- mados, caminlK-u para ums casa que al­
tada porque tinha tsnto medo d'esse vejava ao longe, e ahi pediu agasalho.
nome, respondeu : Receberam o com o de'icalo/a hospi­
« — Estaví mos eu e minha irmã escon­ taleira innata no sertanejo brazileiro, mas
didas em uma avvoim ; eu que era mais gradativa mente foi diminuindo a prassn-
velha subi até as grimpas e minha irmã teria da familia.
h ficou occulta no ouco da arvore. Em E’ que havia chegado o dono da casa, e
casa choravam e gritavam meus psis e antes só ahi estavam mulheres.
meus irmãos, mas a pouco e pouco tedes Francisco José Diniz, chefe da familia,
calaram-se,
que hospedara o foragido, era inspe­
. Appareceu então cá fóra o Motta Co­ ctor de quarteirão, e embora o seu tino
queiro, alumiado por um escravo seu que policial não tivesse finura especial, a sua
trazia um facho, P,>"ocurou em roda da perspicácia eítimulava-se com a lembran­
casa e depois chegou se á arvore, onde ça dos prêmios no valor de dois contos
viu os cabellos deminha irmã, pelos quaes •s
do réis, efiferecidos pelo chefe de policia
tirou-a do eserndrijo- da provincia e ía delegacia de Campos.
— Mata este d moainho, disre elle ao Ao vêr aquelle homem vestido de preto,
preto, com ura lenço atado ao queixo, e uma
— Senhor,é muito pequena, tenha pena physionomia em que a desventura sul­
d’ella, cava rugas indeleveis, o Sr, Diniz lem­
— Covarde, tu mepsgarás; exclamou o brou-se do criminom, cuja captura era
fazendeiro, e segurando cem a mão es­ esperada cora anciedade geral.
querda a perna de minha irmã, com a De.xanro só o hofpsde, foi prccurar
direita armada de um facão, partiu-a pelo ura officio que lhe tinha sido dirigido pela
meio e depois fel-a em postas, delegacia, o chamando a sua mulher
— Falta-me ainda uma, disse depois. leu-o para que ella ouvisse :
Eu tremia, continuava a criança, mas — « Fsça prender Manoel da Motta
felizmente elle não lembrou-se de subir á Ccqueii‘0, alto, magro, corado, de sobran­
arvore.»
celhas salientes e espessas, com uma
E a crédula população bradava indig­ grande mancha no ro-to, casado, maior
nada : de 50 annos, e assim os escravos, que o
— E a um malvado d’estes que querem acompanharem. »
livrar. Miséria da nossa terra; muito — E que tem este pobre hemem de cam-
dde 0 dinheiro 1 Mas se o jury absolver, mum com o malvado, que querem pren­
O povo far-se-ha carrasco. der ? Pois não se está vendo que um ho-
nif=m c< mo e^te era incapaz de matar gravado na memória um signal pelo qual
um< nriOiC* ! esc am* u a espo>a. é fac l conhecei-o.
— E l-ts isf^rot m muito, os sceleralo’ ! — Eu também sei : uma grande man­
— E u^e^^lo que fusse, aqui deritro é cha no rosto.
— Exactamente, e dVste lado.
nrsso hoípeda.
O incauto f^^zendd o sífistou olençoe
_ E eu sru sempre iospoc*^or, gqni dea-
Itíix^.u ver 0 muldicto signal, que o dava
tfo, ou fóra d’aq'‘i, V,.u ctnfiontai’.
conhecer.
— Está preso 1 gritiu o inspector.
Oinsp-ctor pottou se diaute de Mott^^^
C< Qua ro que seiit«.Io á m-*sa oa sala de
— Po'que ? perpietei algum crime ? per-
jjD t !■ (ei va tronqu lii m^uta.
guiitou 0 hospeie perturbado.
— N i) m^ partce; ma* é elleme.m'',
— O, tribunaes dirão. Esiá preso por­
£S'á se veulo; vamos coaversal o.
que o senhor é o Motta'C iqueiro; nio
D p is da ceii, M t i Coqueiro cfn ífr
póde nega-lo, e foi o sennor mesmo quem
vou se sentado, e íegunlo <s es*yli s pei iCbbdU de mostrar a mancha que D is
guütou pe'o numei'ü de membros da fa pO(.-lhe no rosto pai’i que sej* conhecido
m iiii de seu agassllxadjr e peks seus em tola a parte. E 'tá preso.
n'‘eoc os. — Senhor, di.sse humillemente o fazen­
E t bolada a codversaçãi, o iospector deiro ; não tento lesistir, e entietanto, se
6flf ccanlo a mais s m era familiaridade, eu fosse um malva lO.bem sabe que á p i-
perguotou ao íiospe e : meira voz de piisão, te lo hia feitoc*hir
— O Sr. vem de Campos ? varado por uma bala. D ixe me seguir ;
— E :ii'^e lá, mas venho do sertão de o senhor é pai é marido, pó le vir a ser
Santa Rita pH^seguido sem culpa, como eu hoje sou ;
r- E quando p«ssou por Cimp s não compadeça-se de ndnha desgiw<;a.
ouviu filiar do Moita C queiio. A mulher, e os flluosde Dini/. tinham
O fjZtíodtiro sem pestan jos sequer, todos coriido para a s^la oe jantar, e
recpun leu com íi. meza. olhavam espantados para o hospeie,cujas
barbas t rvalhavam-se de lagrimas.
— Ouvi.
— Qie malvado, beim ? Uma familia O fazendeiro prec p tou se sobre as
criar.ç is e ajoelhando se, e cinginJo-as
inteiri, velhos « oriancas, e aié a própria
casa, tudo datt uiu N m enforcado oito em seus braços, continuou;
_Oihem bem pari mim, meus filhos,
v.-zís oaga o ciime que comraetieu.
olhem. D gim; eu unho cara de um mal­
_T Ivez se o senhor o C' nhfCe^se não
v a d o , digom, digam a seu la t? Pe am-lhe 'JiTj
dissesse o mesmo. Eu não acre ito que
que não desgrace uma família inteira,
M tta Ciqueiio tv-sse alma pa.-a seme-
lhants h nor. E’ um hcrnnm ) 6 iio o
perseguida injustam-nte.
As cianças pbUidas tremiam abra­
Moitt Coqueiro, que eu couheço.
çadas pelo f)ngustiad 1 fizenieiro; a es­
— Q ian’o á cuteza do cíime, já.não ha
posa de D oiz chorava, mas oste nes p e-
duvida: os p'oprios escravos e í s dois
dido e inexorável, vendo o hospede com
homens que elle pagou para o mesmo flm
üs seus filhos ent e os braços, após ins­
conf- s aram o c iia e . tantes de hesiUçã», atirou-se fuiioso
— ü- d is h. mens que el*e pagou,
\ acuiiu M UaCoioeuocomTOvido ; mas fobre elle e agarrou-o pelas costas, gri­
qu mi é qu <empalha isto, santo Deus ? tando :
_O 1 1 o senhor c mbece b“m o assas­
— R pizes Iragaor-me cordap.
Dois p etos aproximaram-se imm«lia-
sino ; mostra-se tão penalisado I
timenta e o fazendeiro foi agarrado i
— Sim, fomos amigos. Tenho atá bem

<■ - . ti
1

ne MOTTA COQUEIRO

ap zar s us r g >s e piolestos di que era intro fuzi la pe o cercereiio até oiiunte
BQesa>o feem , e.ta mediia não tecUria das grades da c l uU em queVlle j-zia,
iugir. de^tr<ço de um grande nome, solemne no
A ’d seis horas e meia da tarde, do dia seu Í(;f itUD'O.
vinte e ties de outubro, des le a rua Bsira A baça luz de utn grande lampião ala-
Rio até a Praça da S. Salvadcr, onde está m iiva o corredor e p ojectav» a clari­
^itu-ida a cadeia deCanpis, a fopolaçào dade ciepUíCuUr no ií>teiior da cellula.
cui'iosif ftgg onQ'-raVa se para iSsi*tirua 3 — Pap-íi, papai, »xclamou a menina,
t iita espectáculo. pondo 0-. bi-açüs p ir eòtro as gra As ; ve­
Descalço, com as mãos algemadas, os nha comui.{0 para ver se mamái deixa
olhos baixos, as facfs emnsat{ieci las e de choi’sr. Eli» fstá muito Ji ente.
livida^, Motfea Ci.qu iio de-embaicou da Um p'jnht.1 vibrado, peU mão do ver­
Barca de Possagens acompanhado por dadeiro ass ssino de Francisco Bme icto,
grande numero de soldados. u&) teiia fii'ido mais fundo no ccrsção
O delegado de policia, Ür. Alm eila Bir- do de v<raturado réu.
bosa, que e^p'*rava o pre o a sahi ia da Dd um salto veio collocar se junto da
barca, era alvo das reais entbutiasJioas grade eseus lábios procuraiam scflfregcs
mamf stíções, mas em vez da natural as faces da meoinH.
expan ão do seu semUacta conservava se O caret iro, com os braços cruzados e
fno e até mesmo c« mmovido. enco taJo á ptieJe em frrnte á gr»de,
Ao ver o modo po que o pie>o era con­ assistia immove^ á trisie sceaa de ■ xpm-
duzido, o n> bre duotor estremeceu, mas são do bm jr paterno e da innoctncia fl ial.
a sua commo.ão não pou ie ser percebida, A mV-n na, aproveitando a occasiâo ena
porque uma nuvem de assovios e alguns qud seu pai de xár-i-a um in tante para
projectis atirados centra Mottr Coqueiio, euxogar as lagrimas, dirigiu se no car­
causando indignaeão em vários grupos, cereiro.
desviou a atten<,ão geral — Para que é que tem fechado a porta
CoiitiJa pela p >1 cia a baixa manifes­ do quarto de p- pai ? Elle prejisa ile ir
tação do odio pi polar, o desventurado vôrm am ãi; abra-lhe a port*.
fazendeiro foi conduzido á prisão, coja — Eile está peeso, minha menina, disse
guarda foi dobrada. o carcereiro, que se tbaixara e bejou a
D clarado inc mmunicavel pela cruei- menin»; não se póie abrir o qoarto dVlle.
da;e da lei, desflzera-se-lha a onica es­ — D ixe o sonhir, minht filha ; elle
perança q .-eo al.ntara durante a \ergo- não pó e f^zer o que você Ihepeie. Ve-
nhosa e fst gante viagem : a esperança nna ccnversir com te i p i. c
de haurir nos beijos de se is filhos e nas U.n leve lui lo. vindo do lado da port»
lagrimas da sua esposa e enteado a tjiste pr n-ipal da cadâ», di-pert- u a rttençío
coi sol içâo da amisade. do carcereiro, que de xou a meninae, pé
A grade da prisão trancoo lhe, porém, ai le pé, dirigiu se a es ada.
não só a conside ai ão social, mas tam­ T es homens embuçaáos chegavam
bém a entrada á aflf i>,ão da-familia. u%ste instante ao p.tumar. Dsfarçadas
Fel znaenta superior á lei está a j:o as phy ionomi s por m-ias-ma caras de
biezH de alguns caracteres, e o gelo dos oannu negro que cabiam lhes ia» sobrlin-
artigos hga^s não basta para petrificar celh>s até a altura óus libius.
al^rumas almas eleitas Sob a t' ga do> m i- Artes que o carcereiro tivesie ti'o
gibtrados bate muitas vezes cuiaçõ s de ten p i de pr fer r una só palivra, um
homens I dos embuçfldos, airancan lo do rosto o
Alta noite uma das filhas do fazendeiro paono negio, deu-ee lhe a conhecer.
OÜ A PENA DE MORTE 147

— Ah ! (xc aroou o carcereiro ; perdee \ — Ob iga o obrigado, meu smigo, eu


rre V. S., mas eu uão poJia desconflir bem vi que me tão havia ^abandi nado.
si':iuev j — Prudência, pn dincia ; é pr- ci'0 que
Q aaa’ o o cMcereiro cracluiu .a descui- ! não nos ouçam, puniera am os emba­
pa, já o e.i.buç do t nha aa de novo mas j çados.
csrado e pei g ntou ; I — Vó ? 1 oh já não sou tão desgra­
— Nâ ti ha o senhor reesbido ordem çado.
para não consentir que ningueui fallas e — Cl ô que eu s-j i um homem hoarsdo,
a Motta Coqueiro ? pe. gUDtou o emb <çado ao ciicereiio.
— SiíD, senhor, tart.Hmuieou o carce- — Sr. doutor 1 ..
reiro, mas... — Agradecido. Vou pelir-lhe que me
— M^s entendeu que nS) devia cuna- preste um grania sa viço. O senhor irá
pvil-a. Te.iUa a boo Jale'de ir ouvir o que p ra a sua saU e consentirá quetran-
diz aqnelli menina so seu protegido, qae-i por fóra. Ainda mais ; guardaiá
Coino see tiv sse obedecendo a um su silencio sobre o qua se passa agora aqui
perior, o c^rc; reiro líf.stou se sem fazer sígiferln absoluto.
a m oima tb.-ei vação. — E>t 11 pioojpto, respon ’ eu o carce-
Fijnndo íós, disse aos outros o embu g*eiro; t nho apenas a lembrar Ihè o com-
çado, que se deu a c’oah>c5r ao carcereiro: prometliuiento que d’ara resultará para
— O signU está já letnorando; quem V. S e também para uiim.
sabe nào resolvjiam o contrario? O embuiaio, sem re ponder a ohjecoão
— Ná.> é possivel, ivspoQ.ieu um outro; dirigiu sa immedifat..m. nte ao f«zendeiro.
dentro em me a hora, eu teuho côrteza de — Não h i tempo a esperdiçar, meu
qiQeile p ile iá e-tar em minha casa. amigo ; siga-uos.
— E dentro em duas compietameute Motta Cotu iro, sabiu levando nos
fdra do alca nce dos teas calumniadores, braços a íilna e todos dirigiram-sa para
responde i o tercei>’o. a escada.
F,.ssados alguns minutos, ouviu-se um üs enbuçàdos deíceram alguns 'de­
assevio prolongado e agndissimo, e um graus, mas foram cbngadòs a parar in-
grito de alerts d; saútice'Ia, tenogadis pelo fazendeiro sceiCa do que
Os fres embaçados disseram ao mesmo iam Uzev,
tempo : ^ — Fugir, e já; repondferam elles.
— Eü-os. — Não ; não queio fugir, bffirmou elle
Cimioharam então para a cellula de I nobre.meote; era comprorcettel-os telvez
Moita Coqu iro. I e certamentè deixar aiaia m is ennegre-
— Eu não quero com .romettel o, se­ I cido o meu rome. Quero jusüâ ar mr.
nhor, dizia o preso para o carcereiro; — Mas lembrü-;e de que só tem em
deixe-me ahraçal-^i» sjmente ; bem Sbba torno f’e si odio e calumnias; lembre-se
que eu não tornarei a ve!-a tão cedo. O de que póde ser condemnado, jjiorqud todas
senhor fu generoso confentindo que el.a as provas lão coutra si.
visse-me, cm plete a cb 'a de curidadi;, — Não impoi t i ; Deus defender me-ha.
de Xiind ) que a piísa abraçar. Adei s : entrege-lhes minha 11 h i.
— Abra, disse o eu b içado que iofluia B volfou res dutimente para a cellula,
no animo do caicareiio ] eu\me i'espon- on Je não era já encai’ceralo pela vigi-
SabUisO. l<n i ; dos »gentes policiaes mas pela sua
A grade rodou sobre os gonzos, e a propria dignidade.
meiina f i colhida pelos braços do fa- As’ cinco horas da manhã do dia vinte
zenieiro, que murmurou i 6 quatro de outubro de 1852 desceu al*
148 MOTTA COQUEIRO

^ ft pscaflâ d i ci^ôift dft CfttDpos O depoimentos deviam ser tomados a


H »mal li'.Oiift victima da leviaaJaie pi- B^lb'0*, St-bas >ão Coriôt Bapti-'t*. maiS
blica. con .eci lo por ^ebas'ilo Paieir<,o Vianna
a ' porta agrupava se a muUi lão e ftli- d l veudí, Lociü Fra cisc >Jj.é K oriro,
rh v »>6 uma compsohií da forv'a poli- Mtuijr^l J. ã j de Souza M ç •, J aquim
ci 1 que levia ao^mo^nhar o famos'' r<^ii Jos-^ Lyceno, Amiro Auiouiu B i,tista,
até a ca leia de M c hé, tem o em que Ja é Piuto Nrttu, José AotoniO do Bo.-a-
f 1 perp tc»do o Cl i(ue. rio, Joaquim José da Costa, Cironna,
A iiitu le humilde do fazen leiro tinha F 1 nau lo, Tneivza e -Toié de Bou a Ma­
■ Os^tn-te da dignidade inait ravel das nns alcunhado 0 Butào, u n io queoào se
c)i<scieocias hmpas,e0 seu pa so, »mb ra quiz prestar a depôr sobre o que não
t i f i r , ccbrava firmeza á esperani;a (‘ e sabia.
pr mpta j utifljasão. Vá e-peran^a qoe Compirrciim tamhem Ss audienrias 03
n-m ao Dienus demo ou seus enganos >éos presos Faustioo Pereira da Silva,
lisonjeiros ! Floren'ino Silva, Domingos e Pen 0 Pe-
Alguns dias depois da sua chegada a rc-ira da Silva, que t ocou depois o tianco
Mscaié, cuja, popul ção rectb-‘U o com de ac lusado pela cad-iia de t stemunha I
as mais hostis e i uidosai man)fe?tíi»õ s, C-m<T entbndo este f cto dizism rs ami­
augmentadas da oniosilade dia por oia, gos de Coqueiro, não sem rtz 0 :
grsças aos libellos dos homens d- influen — P lece que a aictoiidide policial
cia, e n uilo psi ticolarmeote do Dr. V ho rollootu os seus policiados nV-ta p sição
da S Iv», p r es*e tempo delegado de po- niiinte de Coqueiro : coniemnai ou sei eis
1 cia e jui/ muniç ip 'l ; M, tta ^-oqueiro f i condemnados.
mandado para M ataiú aüm de ser inter­ Bilbini ju 'ou que sabia queo seu se­
rogado. nhor tinha mandadu matar a fami la de
O ssu eloquente alvogado, o Pr. Fon­ P’i'auci 00 Br' n - d CIO prlos s-us paiceiios
seca tomou se de tanto receio pela soite Fi h 1 s , AltXandie, Cailos e Duinu gos, e
do fazendeiro que exi.:iu sérias provi;^- sabia p« rque tmhu <uvido ao'azeiu eiio
deocias para que fosse respeitada a vi a peigunt r no corredor aos escravos se
d ) Hife iz. tinham mbit) a tolos. A moi te foi feita
E’ que as trevas do futuro esconUsm enn um domingo, e o stnhor chegata ao
o It bre^o r specto do patíbulo; ao contra­ feitio nt vespeia. Com OiS tsiravos não
rio tal vrz aquelle honrada caracter c-r- linhi ido pessoa fôira, e a senhora acha­
rassH (8 ouvidos e os ülh s aos aiulstros va i e n t cidale.
pl ncs, que suspeitava ti amados. Chamada, p >i ém,a segun ""odepoimento,
A toMllusio de M >Ua Ci que ro foi atroz jurou que ouvira uo Cunejcr pei£,untar o
ao cnegar ao h g r, cn ie cu ti’ora tinha seu senhor:
sido.ssüào respeitado, pe)o menos temido. — Então 0 que eu maniei fazer já está
O j in {teriUs tinham sida comei^adus e prom pto ?
a mais baixa gente, a e^cor'a popular, — Tudo iuho, responleram Fidtlis e
fôra chamada de pieferencia. A lcX .n Ire, a f .milia toda.
Viutiam de, ôr test munhas doilo/ares — Pois quero a casa queimada; tornou-
mais atlastadi s de MuCebú e hoaecs que lhes o srnhor.
eram noturit m mte conhecidos como ini-
mig< s dos 1é 8. Ciroiina d s e que Motta Coqueiro na
0 > nomes das t^s'emuohas tós batta sexta f-ira t nba man lado qua ro escra­
ram para despeisuidil o da possibilidaae vos m^tar a faraili* e atacar fogo na cisa,
de jUstÍflC;iÇãO. morte que elies só fizeiam uo domingo, e
ou A PENA DE MORTE 1 Í9

na segunda fe ra atacar&m fogo Isto con- Soube do a-sassii'^to d* família e as


tai atn 1»e as n.uianaas Jasliua C .tnariua
p*i t.culii i lades u’elle porqi 6, p r uma
uoite c h u v o s a , indo ao sitio conveisai
e Uibel. No dia da matança actiava-se em
com uma das pretas, ouviu a narra.,ào aos
ca<a o F ô ■.
No setuado d-'poinoento declara que escravos.
ouviu, na S'gu )da-feii’a, a pergunta do A causi do crime era ter querido Moita
se ihur fcos tücravos; sobre a ex cuçio Coque ro seduzir uma d s moças assasii-
do crime. Uidas, e, não cen eguindo, expulsar o pal
Tiieivzi d'^clarou que só sabia do f eto das suas terras.
p íf tal o o iviio aos p rceiros. que »aa- J.aquimJ sé Lyoerio soube por ver os
baori, qu ujd > el'a ob eiv.u qut. Catlos coi pos assassin’ 'lus e poique, no dia de*
tinha um lenço á cabeça, disserati-lhe zeseis, ouviu Peregrino cunlar que Motta
que no faz r as oiojtsS o homem lhe q le- Coqueiro enianegira dos a-sas»inat< s os
biá a a cabeça. seu sp a ic-irs os dois homens livres, e
Fejn^nlo dfclarou que tiuha ouviio om o u t r • h m ^m d i cuj >noa/6 não
M iar no ciime ás escrav«s B.ilbini e di/ia^ Fiusiiao suffocou o vel> o ; F ôr a
Caroli> a. sua mulher e dep os mataram as íl hj^s,
p .rta dss outras teçt^muchas juram e o fllh >que c >n era para o mai to.
tail bsm por ouvir dize'*; outia p:>it', Tamoera Fau 'ÍQo contou lhe qu <foram
poiém, b -8 iõva--e em ravões de s-ranle 03 e c avos Alexandre, Cail'S, íiie lis e
va ia p iia as auct ridaies 'ie enião. Domiogos em pivsença de Motta Coquei­
Seba^tião dei fz que o fhzen i^iro man­ ro, que-is&im vingavi- ede n lo ter co i>e-
dou matar a Francisc' Beoeúcto paia guid ) seduzir uma das ûihas cie Fian-
8 [ 0 lerar se dfcs bemfeitoi iis do ^itio. An cisco Beue deto.
tei. querealo pôr f<5 a o ageiejado, man Sabia mais que Faustino e F ôr faziam
dara lhe loçar ao redor da ca a para im­ mortes por din eiio.
pe li' o de lifcbalhar, e a senhora de M tta Lucio Ribeiro dep z q ie encontrcu-se
C queiro piometteri não voltar so sitio com Faustmo e que este lhe c< ntaia que
sem ver mo) t i a faii ilia deFraoc'sco Be- aodavam culpando-o pela moi te oa famí­
n-'^icto e pnr cip'*)mente uma dts filbss lia de Francisco Benedict*. mas em se-
Fioien'.uio linna amisíde com o Motta gii da 0 pro.'ii ) Faust no lhe di-sera q> 6
Coqueiro, havia s--is mezes, e este man­ os ráus i.cjusadts eram ts verdadeiios
dara por rqofelle e FoUstino, qur ja tinha
auct les.
feito n oites, assas insl-o porii tngas nas­
Entran 'o nasparticulariiades do oin:e,
cidas de espoos! es trs ta los entre elle tes­
disse-lhe Faustino que, antei de pei petra-
temunha e uma fl ha de Fiancuco Be-
rem o bai baro cr me, as moças foram
nedicto. , desacatadas e violadas p ios dois hum-ns
Winael Jo§o da Souza Moço declarou
livies, cm s “guida pems e cravos e m5
que t nha ta abem sido ccuvidaio por
deoois as mataram e com ellas as crianças.
Motia Coq.ueiio p i’ i matar, quer Se-
Fui uma b 'a patuscad i, ■ is-e 1he Faus­
ba tã ? , quer a familia do aggiegado^
tino, e sib'etude não haviaaos de perd r
pedMoa que el e te^temunha não acce l<u
assim duzentos mil réis que nos dava
Ante-", inaalou o M< tta Coqu^'iro ci b ’ar
Cetu m l idis a Aniclrto Vieii a e enti'e- Motta Coqueiro.
g a l-^s a Fau-tino, mas não se haven 1o Tmha outras provas ; a elle prrprio 0
íf ct iado a cobrança, este leveb u lhe que faze-uleiro iffeieiou uma igu'* p raser
devia receber e sa quant a pelas moites di numi rj do> assassinos, offeie^imento
de Sebastião e dos outros. que elle recusou.

A
Dizia-se que Fanstino tioha espitac'o queirobiT'cou apenas,nasimpUci iadedss
lun pé, correaio apói o filho de Fi »nciíco suas respo-,tss, deixa ■ clara a tua mno-
Benedicto, e com <ff ito elle te temunba cencia.
viu Faust no manco Oí escr^vV s c< n 0 r- Os factos oceorr dos no sitin f ram ex­
maiam lhe a nsrraçâo de Faustino, que postes minudotau,ente, e invocaJoR se-'
era useiro e vegeiro em taes crimts. rios t stemuntios para explicar a coin­
Pa>a provar que Faustino era crimi- cidência da süa ultima chegada ao sitio
ncgo ba tava dizer que elle tratou lego com 0 assassinato da familia
de esconder se nas raattas.
A temerosa acenseção da cobrança do
Do que elle testemunha se admira é de valle foi de .fs it. c rm a singella tai ração
ver Florentine no numero dos assassinos ! de uma pequena t. ansacçèo com i.ercial.
Passan lo-so a ioquid>;ão dos curoplic s, Co jfr nta lo este com os conti a tictr.i ios
d sse B mto Pereira da Silva que ȋo
depoiment', s dí.s te-temunhas, ficavi por
sabia porque fstava preso e quarto ás demais provada a innoctncia do léu,
mortes tinhão sido feitas pelos outros, mas a-ex:*ltação dts e piritos, o clamor
porque 0 seu irmão F ustíno lh’o liese, p pular irnpLdiam a boa marcha dos e,j-
convidando a<Ile réap sra ir re^sucitar piritos.
Frabcii’ co Benedicto de quem era smiíro.
Não te admirara ct'e^te p’’ocelim-nto O subde’eg'îdo Oliveira apressou-se em
de s-u irmão que hav>a antes assassinado pronunciar os réus, como fiu.'t i:‘ S do
a Jiã • de Carvalho, p»lü que fo’ senten­ cri e de horcicilio previsto no art 192 tp
ciado,' e não conc'uiu o curaprioiento da codigo crimmal, ad uzindo ss c'rcà^s-
p na por se ter evaüdo da prisão. tanciaa aggi-avantes de paga ' u esperança •
Fauí-fioo S Iva, responde: do ao inqué­ de recompensa, entrad : em cisa do í lï n-
rito, confl mo a s«guadi parto dc* depoi- dido com inteuto deromcneicter o crime;
msnto, poré n nega a primeira,aíüro.an io resv'.ltar, além do crime, outro m: 1 ao
que OUVIU òizer que as roort-'is t i n h a m cífc-ndiio ou pe'isoa de sua família, aug-
sido feitas por um pr<<to desconh ci Ic, o mento da f ôr pby<ica por cii'cu t stnicia -.t
jBot<io e esci-iiVí s de Coqueiro, mandados éxfraorlinaria ; augmefitrt to crime por
por este. circaq.staoci.a txtraor iitóaria de igno­
Tratando de contrariar as testerauniVis, minie, p 'ir neturfzs Jrrepyrave.l dn dara-
apresenta-as c* mo seus inimigi s, e pon­ no; e, fioalmente, augmeuti; 'da tíllícção
dera que os que dizem ,que sab am que ao tífticto.
elle réu queria matar Francisco Benedicto Ccnclusos os aurtes ro j iiz municip -1
sãj tambern orimiaoscs, porque não avi­ subttitafo de Macéré, f /iam eAvrados ao
sarem a suctoiidade. promotor que, depois da «p das
Florent no Silva, d "pois de expor a sim­ prevas, pediu qi-e se fizesse 'a -devida
plicidade de suas reJaç es c m o f «zen- justiça. .,
drtiro, Cíucluiu por imputar o ciirne a Motta Coqoeiro, decla’ ado incoramuni-,
Fiiustitio, M^nuel Joào e os escravos. cavei des.ie a lua pri ão até a vespera de
Doming is bmitou-se a narrar o que se lea julg-rmento, conti. uou -a sua {.e egri-
tiohi p'nssado á sua vista; confe sa não ü:Çâo de infortúnio.
ter vist Cirlos feiido, e clamr p la sua Apregoavam por t^- ía a parte geua
itmccenci >. detr ctores q',e sec p.'e lôi a um h lurep?.'.
Seg iu-ie 0 interrcgjitorio do fszen- perdido no c oc.^ito publ c>, e eiit'eitanto
deiro. não 0 julg' ram seguro n i cacêa de Ma*
Sena aceusar ninguém, porque não de- C:ihé, pelo que foi manda io para capital
sejaVfi fazer jaizos temerários, Motta Co- do império.

• ■*/'
J ^T 4
..1! . ^ --

OU A PENA DE MOETE

Cjusa extraordioaiia 1 Desde què o para ella,sentia revoltarem-se-lhe es ins-


mandante do nefan o mírticioio foi en- tinctos generosos.
caiceraio, as auctoridades, que tão s 1 - Q lizera poder fazer acreditar a todos a
citss se aiòstravam na captura de tod s inuecencia do seu senhor ; quizera pela
o sié a s, es'^uec ram os demais escravos verdade con undir a calumnia que já
Moiti Coqueiro, que tiatam sido ac- ameaçava a vid», depois de haver tis-
cnsadcs e nmauem mais ouviu fa Ur em ns'10 a reputição e a honra de um ho­
mem debim . Mas era impossive! que lhe
diligenciis á ca a d j fazendeiro afim de
pren lel-os 1
d-'.'sem cielito, a eile, um e.-cravo e de-
msis aceusado tambsm como auctor do
B’ que a população pedia sangue paia
desi>ffiODta>-íee já havia quatro victimfcs crime.
1 i pelli io pelo impotente desrspero, que
psra sbtisfazer-ltie a seccura das fatces 0 ss-,tnhoreara, o nobre escravo lesoU-eu
justiceiras. protestar de man-ira solamre centra a
Fos em ellas justa cu injustamenfe mjust ça que se fazia, quer a si, quer ao
imnoladas, pouco impoitava; o que era seu seohor.
mister, o que não po tia ser dispensado, — Bista que matem aos q.ue Ibei? cahi-
era o espectáculo da morte para reparar rara as mãos ; - d sseelle uma tarde-em
a morte. que senta 1o a mai g m parecia fa. cLnado
O verdadeiro criminoso devia alegrar «se pela correi.tezá do rio.
na sua barbaridade ao ver como a scci-^da- D tas es*as palavras, C n l'S stou aos
de demenstr- va comprebeoder a justiçx. pés com cuidado extremo duas enormes
Em qoauto na paz insensata da vin­ p >dras e sjoalhanic-se então ; bradou
gança fc]lep!S>ava de-embaraçado..talvez como se quizesse que a sua voz echoasse
po:- diante uos mesmos magistrados, que bem longe ;
se jactavam de ler na pliysionotnia do — Perdão, meu s?nhor ; t ós fomos os
fazendeiro os attestados do c iia ie ; uma culpados da desgraça, mas somos também
familia esmagada pela execração publi< a innocentes.
fraqueanio diante de tão dolorcs* sea- As aguas do rio abriram-se espumando
ten^a, buscava retractar-se de um delicto e ftícharam-se logo sob e o corpo de um
que Dão tinha commetti o, e riscava do suicida, que prestava c-m o seu sac ifluio
nome o appeUi to heidido a s 3us pais 1 homenagem a innócincia do fazenieiro.
E M tta C< quei-o, o cavalheiro que Infelizmeuta para este, o nobte suicida
repeilia evidir-s-í puraj istiflear-se ; o he - não fa/ii parte da s reiedade, que o devia
mem poderoso que cuotemporisava com julgar e que amaldiçoava-o .antes de ou-
0 aggregado pura não parecer que abu­ vü-o.
sava d- força ds que então pedia dispor, Não obstante a orsgem bronzea de
era apoafaio, injuriado p-lo anonymo Muita Coqueiro não sequebravs; e fui com
popular e píila imprensa como um tjpo a maior serenidade, senãu coin ã mais
dí maldsde e de cyuismo. santa esperança que em o m d 's d is s de
L'nge,' puid.u, da socie'ale prlida e j n dro de mil oitocentas cinco?nta t -es
smiga da justi a'houve um coiáção a entrou pela sala no ju ty, na cidade de
qu^m a sorte do fszendeiro compungiu Macahé.
até a loucura. Pelas dez horas da. manhã immenso
Sí-berdo no in‘ermr dag mattasde Ma- c inc'11’80 de p';Vo sfíl lia para oediflcip,
cahú, por onde errava foragido qual a que servia de templo á ju tiça humana,
accusacào que pe a/a sobrs seu senhor, vendada desde o s-u naçc mento por um
Carloa,queinvúluntat iamente contribuira sonho de imparcialidade doentia, e agora
MOTTA COQUEIRO
1
aiada mais pela s''breexflita<;ão sea» prolongado susurro que te derramou no
tim eatil que a sclicitade da calumuia rdcinto.
tiaha sabilo díspertar. Appareceu então no topo da escada,
Os psis de família hf n“stos e de con­ todo vdstito de preto, Manuel da Moita
sciência transparente disputavam-s-i logar Coqueiro acomp-nhalo por Di-min.;os,
nas bancadas incommod&s do tiibunal, Florentioo Silva e F:-U'tino Pereira Silva,
ch^^ios de uma anciedade indisivel. roleiad. s p )a ft^rca publica.
Talos queriam var o ráu principal, de­ Os desgostos t nham ceícorado as fscas
cididos a »piscentar as manadas de apos- lo fa/.endeiro e branqueado de t..da as
trophes de p''oraí)foria e odio iusaciavel, bai bas, que ceh am-lhe como um disco de
que baliam lhes es-fiimadas, conchegando arminho sobre a golla da sobrecasaca
se agora e p ira loeo «^tramalhando se do P'-eta.
aprisco n OI al, construi IO por uma c*it% Eatrecerravam-lhe as palpebras o cons­
boa fé le convenção, que levava os homens, trangimento e 0 vexim i, mas o an lar
ain la os mais sisu os, a trapilharem mal- era firme, e o corpo cou^ervava o aprumo
di(,5 ds nos esterquilinios formados pela da confiioçi.
intiiga e n roda di s caracteres limpos. Os cu:,ros reus careciam da serenidade
Uma bilau trada dividia a rala em dois anparerite, que envolvia a figura princi­
planos. No mais elevado em que via-se pal d o q i v ’rj.
uma comprila mesa coberta por um pan Florentioo Silva ceiunciava mais do
no verde oilado de ga'ã> amarello, e que todos o pânico pelo qual fstavi stbj i-
cujos la Ics e cabeceira do fuodo estavam gado ; tremia como se fusüe presa de um
cercados de altas caieiras negras de en violento cilafrio.
cesto de p.u. A cabeceira, que ficava pró­ Faustino, embora apparentando mais
xima 4 balaustrada, era fl>nqueiada por saogue frio, t ahia entretanto a sua per­
quitro bine s de assento de madeiia. turbação.
Junto d’estds baocos uma pequena mesa E’ q le sabia ao certo que, fos e q al
fazia as vezes oe tibuna da defesa. fosse o resultado do processo, seiia con-
Ao loQgo das paretes encostava-se 'Ouzido de novo á pri ã> para t ’e la
grsnde quantidade de cadeiras de assento v ver sepulta Io dur»uie <s ann s que he
de ( alninha. f*l avam da pana, que se lhe tinha com-
Fôra da balaustrada a sala, que dava oiinada como ssssssioo, além aa qae
ent a la a uma estreita escada, era oceu- devia ífrer pela evasão.
pada por muitas linhas de compiidos O ignor-í tí f)omingos, ai^da que nSo
bancos. pudesse demonstrar pe o rosto nbgro o
Este lado destinava se aos espectado­ sem mobi idade o q*^^e 1 le i» no intimo,
res ; 0 üUtiO aos Ju zes, que de viam tu dtfixava não cb^tante bem cl ro que oia
pr.sentimento sin s ro f zia-o deMSDimar.
paut»r-se jela cpiniào publica, ou arcar
com a resp n-abilidade tremenda que — Q i ;J jury, nem m siojuiy para esses
malvodi/S, f sse eu a u c io ri'a te e iiies
lhes sobreviria de qualquer decisão que
a dec gostasse. diiia onde pari vam elles aeora, excla­
mou um espectador venlo entrar os reus.
Também em^quanto os espectadores da­ — Náo, senhor; cumpra-se »lei, ella
vam largai á- 3 lasexpaDí-Õís, um recolhi­ q er assim, seja asàm. Pó le ser que elie
mento religioso solemnisava a attitude tn e a documentes que provem q .e é ia-
dos ju zes, Do leote Q lem sabe lá ?
O presidente do tribunal fez soaracam — Ora vá bug'ar, meu am igo; man­
paioha presidencial, para acalmar um dou sa intimar a mulher e um amigo
ou A PENA DE MOÎITE 153

d’elle e QpQUum *1 s ois *pja e e i. S- •le M tti r< qut-i o tiahara-o ab^nd. nad< ?
elle f S'6 inn c nt< c i estinam to ‘os os Eu <iizia-l'e que e tsva coropletamrnte
seus pftr-ntes t cão me c nsta que e&tej » eogmado, e, cooio não go to de dizer as
aqti n«Dhum. cousas sem provas, queira ouvir a lei-
— QiHDto a isto nlo ; vfoê leœbra S'» t ira a’esta cart-, cuja copia foi tira la
do (lia em que elle caegou aqui p*la pri- pelo ad'0,jado E cule :
rn lira v. z leu bra-se »a becn da nora do a Meu caro enteaJo.—Brevemente devo
de^e »rbacqu« d-« côrte? Se v ssem a guTn ouvir d • tribunal «o jury ou a confirma­
p'irente enx v-.lnav^m-o por füi\a, e ção da calumnia com qu • m s perseguem,
eoübora um h rrnm sej m nto critnia »o ou a sati.'f>ção que a sociedade deve á
n^o quer q'''e se desatten.a a su* iaxilia. minha innoceniia. ;V '
Eu dou lhes razào A principio quasi desanimei da minha
— Pobre homem, exc’aœou em ootro sorte, lembrando o modo porque f i tra-
banco um exp^ctalor j Deus o p ’tt^jt e tido pelo 0 ’iveira e a iniqni lade da pro-
O i. uunciacom que conseguiram prolongara
— 0 a essa. bornera! responderam a minha diffimação, mas heje escrevo-te
esta manifestação de pied*te; po’S o CO n a maior esperança, apezar de saber
senhor tem pena d’aquelle demonioT E quil o jiii/.o que em g«ral se faZ de mim.
jrecii" ou s e ’ U'o s a it ) ou ser tào bom Consta-me que minha pobre muih<r, e
como elle M ttr uma ^arndii inteiiM, tuainf liz mãi vai s«r int'mada como in-
velh s e creanças, e ainda haver í.uem forroanle. Eu entend*' queé desn-»cessario
se e n oa de someltianfe assassino ? ... o compareoimento d’e la. não só poiqus
— O senhor só pó leiá fali r tsdm de t«m cousa alguma adianta, cimo também
pois da deci âo do j iry ; por ora não. porque, se a minha de<graça levar-me
— Pi,is tranque-me a bocca, se nâo qui bté a ser ron iemnado, eila não teria re­
zer que eu fabe e além u isso os incom- signação para lembrar-se da recoromen-
motados sâo os que se mudam, ■ laçãi. q ie lhe fiz,quan to começou a phase
— No vapor ecu qu-s elle veiu, narrava net.ra da minha vtda.
um homem que patena merecer consile- P e.ote p'^s. q ie a convenças de que
raçàu bos ouvintes, teve ocoasiào de es- não deve comp irec-r. Seria aggravor
cap-rse. Durante to la a noite, as praças os seus incommo los, e talvez aventurar-
que enjobr»mdosu.e«uia lom^^iite, fi jarom se a um desrespeito da população.
desa^oididiS, e ell se quizesse poiia ter- B m sabes, meu caro ent-a lo, que a
se alirado ao mar. Já bera peito de terra, é é 0 melhor consolo do> iof lize.s, q ero,
elle, que estava completament" livre, teve p rtanto, pedir te qu- dui aute o mez de
quem o aconselhasse a fu^ir, e apenas sa­ janeiro, todos ts dias r-uuas os meus in­ 1*
cudiu n g tivamente a caoeça. Portanto nocentes fi h )S e todos rezeis por mim.
é fóra de duvida queo infeliz espera justi­ Deus ha de ouvir os seus roges.
ficar se. A eos beija os meus filhos, adeus; a
— A mim também parece que isto é um esper nça faz-me escrever-te: até breve.
sonh»; porque seirpie ouvi dizer que M a n u e l d i M o tta C. q u e ir o . »
Molti Coqueiro não t.n la animo de fazei
mal a uiog> em. — E n t ã insistirá ainda em dizer que
— Ora até que afinal o encontro ; já fui as relí>,õ s da fimilia Coqueiro eatão
á sua Cisa e a todi s os p )otos da ci lade Cortadas ?
em que o Sr. costuma parai*. Re or ia-se — Mas q ler estejam, quer não, esta
que hoatem á noite o senhor sustentava caita não terve para provar que elle não
que todos os parentes ein-lusive a mulher um rtfiaado malvado.

V *.
154 »lOTTA COQUEIRO

— Não tratei d'isto ; quiz ^6 mostrsir- & aísemb éa, piiacip.aram os ccmmen-
Ihe que es ava em erro. tarios :
Pela œarjeira por que o leitor da carta — E'nctorio que s? davam muito, e
moetroa se tão eoípenbado na defesa do qaí.nio a /'er.t vinha equi a negocio?,
f..zendeirt é ficil teconhec ro Sr. Mii'iios, passavam horas e horas conversando e
0 gratuito susíentador da inoocencia do muitas vezes ao sol.
piiocipal dos réus, apezar de tulo e de — Isto não me incommols, se e le en­
to 3os. tender que 0 homem é criminoso condem-
— Veremos ainia qu?m vence, excla- ns-o. Tivesi e «-Jle de julgar e p' 0[.rio pai
moq e'ie; sò se nâo ha mais do que cegos e se acreditasse que era cUainoro, tenho
n'esta tei ra. Certeza de que o conieronava.
A sessáo tinha sido sb^rta, o fazia-se o — Bem, acredito; mas o que é verdade
soit io dos jurados, acoaip!>nhado ptlos é que um amigo olha sempre os actos dos
commeotai ios dos e.'p=tctsdcres. outros com o desejo da desc( brir o melhor
lado.
H-tvia nomes que eram «fplaudidos e
oitros que provccsvam sufu ro e repro- Ojg<DÍ,ado 0 coüselho, a sessão come­
vavão nas galeriis. çou H marchar no meio do maior silencio.
— Ora é b a ; este ê conhecido ermo Püi lido o processo e em seguida feita
apani;>uado do assassino; se fscclhem a inquii ição das teatemunhas e dos n us.
Seguiu se a aocusação cu iialcsa de
jorados iguaps, a fer^a está absolvi ta por
força. cauaar imvimen os de indignação ern ra
08 Í 6U.S, gr-ças aos ierviçes c^.n^eguido3
— Ainda hontera seceou a guela em
á b-navolenâi da rhetorica enferma dos
vocif-rar o n tra o j jíz municipal, por ter jn istas.
pr. nnnoihd > Cr queiro, e hoje entra no
Q laudo já os adjectives tropeçavam e
conselho. Esta terra vai pela agua abaixo
ratardavam-ie de tão estafadoi, o p>omo-
1'elizmeote para es. es zelosos sm ig's tor pintan io o quadro de um pai bffl cto,
da just ça, o desgosto que os &ff ctava
qma velha mâi aesvsoerads, duas pobres
era passageiro, porquea vr z do promotor/ - 1 '
moçss afí^aaçalââ auplanjentr na sua vir-
com «m acceato severo, bradava logo :
gindade e vida, e finalmtnte très crian­
— re cu ^o 1
cinhas acorJidrs do sub'ito, e abraçacas
Hodve um momento de vfrdaleira con­ umas com as outras, ttémulas de ieoe;r, •
fusão n-í a.<-sembléa. AÉfeciOí e desiffectos emqoaott lá fóra, um moço, Jesaim^íulo e
do réj nâo pronunciaram a principio uma atacado d t.io<.s osLidts, cahi!^ inundado
unica palavra, mas de parte a p rte des- em Sangue, precedexuo sos seus na knga
cobi ia-se profun 'o e sincero lec io. viagem da naorce: desenhado assim com
A sori.e or leriou que fo' se li !o nra manife to zelo e descrim.nação de planos
nome, em torno do qual agremiavam se e exuberância de tons este quadro com-
ju.-tam nte as sympathias ger-es:—João moveattí, o pi-omotor em nome da huma-
Sebeig. niiade, ria ci vil sação e da lei, pediu para
Um homem vestido de preto, alto, de os reus a pena de moite.
compUição robusta, fronte descalvada e A ajseinbiéa tsiia proron p i’o em pal­
Olhar iatelligei.te, erguen-se de uua mas e br vos se a caa p iinha, tangida
das c a itita i lateraes, e fez ouvir com pelo magistiMdo, n ã; tivisse a tempo sus­
vo? íl me:—pn s-nte. tado Ui an feitação.
Caminhou di''<-i'o á mesa e tomou o M< ttï C queiro tinha enü ilecido e
logar que lue f i designado. dui s gioSí.hS l .g'imas orvalhatam-lhe
Finda a e^pecie de stupor,que dominou preguiçosameute as faces.
ou A PEN’Â DE MORTE

Coi bs trûtào a paluvra ao adv< g-do da quando a opinião começava a abalar-se e


d* fesa. a vo lt'r-se s favor o’elh-s I
Digamrs em uma única phrase: ,ft jus-
As suas prlm iras palavros doimnarana
tiç.a prostituiu se por iiãb ter a coragem
ab.-olutiiteote o lüurL ■ 'o./io das galerias,
de suicidar se.
que forato a p: uco 0 pouco abouauçando
O conselho retirou-se para a sala secreta
aie a ccmujoi,Sr.
afim de responder os quesitcs formulados
Era a for ,a œagica verdade e da jus
pelo magi.'traîo.
que vanc a na ss tríplices for­
ças da auimsdver.'â^ P 'pular. A anciedada dos espectadores chegava
Enirétaulo o respeiîavel aWo^ado u5 o já até a irritação; questionava-fe, 8 g-
tinha atacado o as.-unopto se não pela greiia-sa com phrases injunosãs ; apos­
‘ f-.ce juriiiica; limitava se apeaas a analy­ tava-se pro e contra os réus
sai* o d>,poim<=nid contridic^'oi'io das tes­ Q i«»d-o abi iu se a porta da sala. para
temunhas eac'g u eir.a dos jxagietrados cn ;e se letiiára 0 c nselho, tjdos silen­
na iûiitrncçâo do pr cesso. ciaram rcpeniiaiment«.
Ciciava, pd. s espeot v’ ores o paniio da Foram então lidos em alta. voz os que­
dm*, ta; como que accorlfiv.m^^e um sitos a a s suas respost'-s.
longo p 'sad 1 ', che os de de.speito par­ ' Por unanicúj.iaue de vetos reconheciam-
que via'oi f'. il* Ih'^s u’entre as nia.s se o crime e as circumstancias aggravan­
as presa-,lue tioh m delibera.doimmolai* tes e negavam-se to »as as atténuantes.
em hi locauàto á justiça. O advogado da defeza, que se fôra grs-
Mas 8.0 mesmo tempo a maligmdade dirtivamente alevantaudoá propcrçàoque
descobriu meios para ju: tiflcar arf tr.ste- ouvia as re. postes do conselho, fic-ju
monhss, em sn io périt0 Je serem decla­ fia.^lmentede pé, livido, com 0 braço in-
(eiriçadoe tiemolo, estatua daiodignação,
radas p e ij'i as.
impotente para oostsi* um ciima.
Um anonymo achou e fez circnlàr j or No semblante de Moita Coqueiro pairava
tcd» a as-e.oblffa uma evasiva, que fui a soiemnilade das grandes desgraças.
s. rncioriaia como sen:at ’ : Terminou se emfim a lor-gi leitura dos
— Ora, .segredàvaro-se os espectadores: quesitos pelo magistrado, e iegu depois fui
não ha nada a admi''si* na confusão das ouvida 'i sentença, qae, pela de.bâo do
t. 65temurih^.s ; sâ.o pi bres h; mens e nm- jory, ccndemnavft á morte 0 ainda nas
Ihetes que ignorrm cseoti .odas palavras cuatas os rualsim-.ios réus. O juiz, pmém,
e que não t tinam com a âuura e at'la- appeil&va em nome da lei.
ineoto ,d:i a ivoga.'io, que os quer perder. A força public. tomeu conta das vkti-
Q m i cet to da virfona, pela esp’en ida mas que deviam fxpi.var ás mãos do car-
denota oue tinhoii obtido d »s iniuiig s do rsseo, e a sala foi promptamente esva:
seu Cliente, 0 advogado r esûtivi d i pala­ s.ada pelos espectadores que foram abiir
vra, p :i*i. n t 'm-l a após a replica da aias á poiti do edifício c--m o p oposito
piomotn-ia. A resposta séria a curosçào de in uitar, aiod 1 uma vez. 0 infortúnio
Ò0 tn u a pho que a eloquelo da a serviço do dos seus semelhautts.
ucna ü'ibie causa acabava de obier.
Chegado á prisão. 0 fazendeiro que
O promotor public., poi é n, d -sistiu do
fôra tão rudementa ferido por una destn-
di'.eiti ae replicai* ; ou melhor a jcstiçi,
f;an ' ^troZj ped u que lhe deixassem es­
que havia conservado os véus inoommu-
nicave s, que deii az >a que cncuUsscm crever á sua faiiiilia. 1
boatos de uma execução iliegal, negava A magnauiiaid^id-s da justiça attendeu-
aluda aos réus o direito de ampla defeza lhe o peaido e 0 desventurado, molhando
136 MOTTA COQUEinO

®papel com a& ligrim as, escreveu quasi is c a K 'r is sercas do carcereiio e cs
ifliacelligi\ elojeot«: olhares ie,>uisivos de todos que por acasj
<r Meu Ciro enteado. — Acabo de sei relbnceiavam-lt e o semblante.
coademaa lo á moite. Sirva de pai a O infortúnio havia {or fl o afugentado
meus de^gi-açados ãUios. » osnjamaradis que outr'oia o ce cavam ;
‘jfifistaratn-se todos, poiqne a convivencii
XIII com 03 sce.erados é iniicio da mau ca-
A DESAFFRONTA SOCIAL acter.
Cirao os lazaros, nos passados tempos,
A notiaia da eondeoBn^çíi do ftzen- eram p ostos fdi'a das pO'tas düs cidades,
àe ro voou ruidrsaa eot'», levando comsijio o infeliz fôri expulso de toda a socielade.
a satisfação e a co.oâ:<nçi ãs consiien Ficava-lhe do feliz e sorrilente viver de
ciiS los creiulos adoradores da ju tiça quadra mr-lhorap nas — a saudade, pa-
humana. Inetá encantada que esbatia rica de cclo-
Oi n< mes des jurados eram repetidos nd I, fi'e>c >s commoveates, em que ei’am
por qua>i tolos entie spplauscs, congra- re resentalas as ciim çss descui losas e
tuhçÕea e ex<g0f« s le ide.ntes a afeiateo; piasenteirjs, a esp .si desvellada e tran-
sin la mais a reputação de Motia Co q illa.
queiro. Mas repontinameote o quadro desappa-
Nenhuma ejperançt re tiv a pois ao ncia como a braucura de um velioo
infeliz, coi tra o qual a socie a le obsti debaixo de um borrão, e o vulto negro e
nava-s-‘ a fecoaros olhos para não ver uma horripilante do cadafalso surgia dVntre
íó stteruante, qu-e ao menos ameiga^^e “sses fe tivos sonhos como a c-reta d 3
a m >nsti uosidade da pena. Q la-iniodo entre a alegria dos eleitores
O caijjfilso negrejava tremendo n*-s lo Sumo o Dl i o.
brumas do futu»o, e era dia por din B .tã o o desgraçado, c m o? c&b=‘Dos
arrastado lelos quat>o esteios, e appro a-repellados e o i lhar fl imii ejante,medi i
XTTiadi iotxoraveimeí.ta das vistas do 1 ncioso o estreito u cm lo da prisão, e
Cjod mnado. f ó psravi quan >f, ext- nuado,cai ia ic bie
Cont! í riedâdes e de''gostos corriam ao o Isito s f igado em st 1 iços e em 1 igrimas.
seu encontro, como teneio-a matilha de — Vejam como o remorso tortura
eãis hy irophobos.e atassalhavam-lhe con aquelle malvado, dizia o carcerti o ao
as piesas envenenadas a ptopiiedade e vA-o baqueiado n'e,-;sa côr profunda.
os brit s. Afinal de contas rão lhe valeu ter di-
Os civdores e o fisco escancaravam ss aheiio; nlo se pôle livrar da forca,
gudlas enormes e não as fechavam sem n-“m fd le fazer calar a consciência.
terem engcli Io parle do trabalho do fa E os que faziam na p isão a aprendi-
zenleuo doiante longos annos. A étn sagem da dureza do c ravã» e do cynismo
d’i.'SO 0 repitiam sempre estribilho n» li^m tiesaf gadamen e escaroeos )un-
dioudü da sua imaginaria barbai iJad^ geotes á santid ide d\ quelle s< íT imento.
contia a fam lia do aggiegado. Fóra da pii ão reinava a inexjiabili-
Tinha sido de novo trsmpoitado psra da e, e mais ainda a torpeza.
acô ite , e a s m fleavám-lhe sobre ma Um i (Ias ÍLÍlneacias de Macahé, muito
ni-ira diílicuitidas as suts relai,ô s, quer eoDienhadaem ver p n lid o i re x e iiiv e l-
com soa espo a e fllhis, quer com seus mente o desventuiaio reu, p'anejon uma
amigos. sc-na, cujo • ff ito demonstraria ainda tos
E.n tr.ca dos carinhos e c n olações mais t f nados deffeasorej a culpabili­
que estes lhe tAfereceriam, tinha apen&s dade de Mcitta Coqueiro.
I estiva d i ilia de F j’'DC sco Bea«-lei an a am-se apre-sadan eutadingindo-
dicto u(na unica fi ha, a quil dizia n ser »eáesíj di, e outios dtbruçaiam >e ás
cas d» com u i.a dbg unhas do p o- janellasdo ediflcio, prolougando assim o
C0‘ SO. Sebastião C o n ô ' Btpt'st», conhe-susun o.
ci '^0 em MaC’ bii Sebisfião Poreira. — 0 a, bem parecia-ma que não rra, ex­
A s»lic f.t inf.uenciO' ivscWen rrandar clamou-se bfloâi ; a fllnado pobre assassi­
vir pars MiCshé a amçs, cuja p'e-ença nado não tem mei s para vir aqui.
ccnfunditia infíilliveltneute o malvada, — Por isso não, poique o D r ,... man­
que persistia em mostrai-se appareote- dou a buscar.
meote tão seteno, que muitos já o consi- Afluil o rui lo dissipou-se e a voz de
derivam victima. Motta Coqueiro, tr-mulade commoção,
Appi’i'Ximan lo se a segunda s'>ssão do poude ser distinctamente ouvida.
ju i y a qu3 deviam respon^r os reus Depois de expor as .-uís relações com
mai-i odia os qu-' tôn ai p«rec d i eno tri Francisco Beneiicto durante q latro an-
buna^s brazüein s, a zelozí i<"flu^.r>cia nos dO'de a sua ch ga la no sitio e mora­
apr-ssou se em teaPsar rs seiS'ie<'jos dia n* Císa próxima a em que resi lia a sna
C lOfcO emflja o dia d i sessão, e os léus familia, até o espancamento que lhe foi
compareceram para ainJa uma vez af feito pelo aggregad ; <xposta amsrcba do,
f ontir a odiosilade popular, a rhetorica processo, o procedimsnto de Ljcerio e a
da pTomotiria, e a sensibilidade dos ju­ indisposição de Lucio hibeiro e Manuel
rados. João ; Motia C qoei o'deolarou que tii ha
Os espectadores , alegres por não grande (.arte de Maoabú por sua inimiga,
veiem na tribuna da defesa o advogado inis que não sabe a quam atiiiuuir o as­
que na primeira tes^ãr tinhs-os amea­ sas inato da familia do seu aggiegado;
çado com um prof nlissimo despeitc- seria f-zer juizos temerários.
manifestaram fracramente os sentimen­ A v jz foi tí>leceu-se então e adquiriu
tos contra Motta Coqueiro em um passa, timbie que encarnava em si a malaiçâo e
geiro inci e ite. ao mesmo tempo a resignação.
Os julgamentos do fazendeiro e ào es- — Q lanto á impuiação que me fazem de
crovo Dominfos foram separados dojulgf- semelnante crime, eu, perante o Sr. juiz
mento dos outros dois léus. e I s Srs. jurados, perante Deus e o ptvo,
— Faze lá o qua quizere«, matreiro, decNro que eatou injoccute : tal não
son iam os desalmados : já não ha quem man lei fazer 1
possa tiras te a cor Ia do pescoco ; estás Piolongaia hilsriJaie nas galerias re-
ahi e eslás a dançar sob as unhas do c-beu est.e brado da coi soiencia fl «gel-
carrasco. lada do f »zen leiro, que ouvindo a gii ga-
— O diabo ê que eUs assim detrora a Ihedi alvar dos ir seusatus, rahm como
confir nação <ia sentença dos outers. Eu que fulminado sobie o esc..bîllo infa­
80 f»se juiz r ã » r»ousentia que se rom­ mante.
pesse a cambulha ia ; mataram juntos, 0 infeliz Domingos nem podia aa
de' i m ser oon letonalos ju tos. menos lig ir (s f*ctos p u a tX.>ol <s ; li-
Q ian 1o começou o int-i rogatnrio de mitou se a resp' n ier á- perguntas d i
Morta Co^u^il•o, houve um grande su- peispic cia d. entia do magi>traio, e coa
su ro, q oen ãoceleu nem ao toque da cluiu p r fcffirmar com a maior smceri-
CAmp'<inha presiiencial. daie ; eu não flz ci iu e !
— E lá a l i e m baix>; eu estou venio 0 coos-lho letiivu se pira a sa^a se­
d’ - qui ; deve ser tlla. creta, m'asu’esta veZ a sua demoia já não
Diversos espectadores mais soffregos abria horiscnta aos alvores da esperança
f '

lo 8 MOTTA COQÜEIRO

no coração de Motta Coqueiro, estorle lencioso o veredicto tremendo que o pei dia
gaao ppH cruel cei tesa ce que seria no para sempre.
van évité condecnnado. De fe t) que palavras poderiam aioar- 1
O sol do dia vinte e oito de œarço de Dsrem si a amargura do ura esptri o qoe,
l f 53 (le-csmbava tiiite paiaooccideote, certo da so» ioao/ten i nã >tiaha fo ças
e p‘-ra elle oorno para om caiacter nobre para io p dirquaa scciedale, em n<me
eleal e^^tva perto otccôso; a regiào das da justiçs, lhe estorqu'sse tudo quanto
sonibras e des Œysteiios. mais presava.a honra, s. fa t i ia e a. vi fa ? 1
• A espeotstiva d<s afsiiteotes, pesta O que havia elle de dizer a um * s<cinda-
por muito tempo a mal soif idos tratvs, de que execra a memória do« barba; cs
foi en flou s&tisfeita: os jurados apresen- porqu ' de; truiram 's monum'mt .s da arte
taram-se com a 4 <!zejada resposta ats antiga, e no entanto julga-se com o di­
quesito?. reito de de.:truii’ 0 seu stmelh-iníe, o mo-
C' ndrmîrain por unaniroidade que o numeato ssgrado da nature/a Î
reu Manuel da Motta Coqueiro tioha man­ Que palavras mere.iauma sociajade
dado matar Fi'aucisco Bene icto, sua mu­ que exara nos ^eus codigris como circum-
lher e sous fl hos, alguns dos quaes me­ stiocia ag .r V nte a sup-rior d^de de
nores de sfte annos. f >jç*s do tffensor tobre o cíf n Í4 o, eqae
Por oito Yotos reconheciam as circuns­ no entanto api nta mil esping i’ 1sS contra
tancias aggravantes de logar ermo á noi­ 0 peito do 1 éu, algema-o, at --lue-ao pescoço
te, e tentativa l e incenõio ; por unsni- um baraço, e f-J-o subir ao cadaf also í
midade as aggravantes : motivo fiivclo Ha côres para as quaes não ht mani­
ou reprovado, prs m^ditaç.so, entrada ua festação'possivel; o coração humano ii-
casa do effendido, e ajuste com es execu­ mita-.e apenas a sentil-. s, quando não é
tores da matança. por ellas espedsç tdo.
Aos quesitos formulados a cerca áo reu Entre os agentes da força publ ca os
D 'tnmgos, respoudeu o mesmo cons Iho dois réus sahiram do tribunal, e c m
conflemancio por sete votos que o reu ti- ■ elles os espectadores, magistrado e ju ­
nha morto a fim ilia de Fraacisco Be- rados.
ned cto ; por nous re onhecendo as cir- A solidão sentou se então no meio da
cumstmetas aggravantes de legar ermo grande sala ainda h^t pouco povo.>dt, e
e de noite, tentativa de incêndio, motivo es roQ lante de maldic.õ‘~s, H»via ahi a
reprovado ou frivolo ; pov dez, a ngeva solemnidade das ruin&s d<s graudes ttm-
vante de ter entrado na casa do t ffenoi .o plos da antiguidade, e na verdade aca-
com 0 fim de matai o ; por sete a cir bava-se de esbjrv ar úm teaplo da senti­
cumstaacia de premeditat.ã v; por oito mentos tranquillos,erguido por um cara­
neg n 1« atténuantes a favor do reu, que cter de tempera.
não foi violentado por força irresistivci, A’ porfa d.) edifle if) irm hoxem,com os
nem msdo. b ’sçts cru-ados sebre o peito, cs olhos
O magistrado que presidia a sesíSo, tíx' s no aolo, pern ane.ceú immovtl em
deu então a sentença marcada pelo coii quauto a multidão desfilava,
feo—a peaa de morte ; e appeilou ü’e.-ta Este homem tiiihi ftit t parte do c'^nse-
deci.ãu. Iho oue acabava d*>coüdea,n .r á infimia
— A il resmungou o desgreçado Do­ e á morte um (os chefes pol tinos do Cam­
mingo«, os brancos são cígos; não que­ pes, conhecido cutr’<ira peia sua severi­
rem vôr a verdade 1 dade e V i d a immaculada.
Motta Ceque ro, com a cabeça pendida Dir-se-hia que era uma e-.tatus, ou uma
e &em po.er conter as lagiimas, ouviu si­ appaiição sobrenatural, tal era a pa;li-
A PENA DE MORTE 159
dtz de s- U Visti, a expressão tristíssima prisão do f&zendeiro, que, de pd com os
do seii olli r. braço^s 8 p^iados na grade e a cabeça dei­
EamuUiisr»,dist'nieado se, dividindo- ta la sf bre elles, amargava e;n silencio o
se, l areou e su.riiu-se ao longe, nas n a s seu lameotavel dest no.
e prsças, e o homem sempre imnacvel -P e r d o e -m e , perdoe-me; exe'amou
cen ervava-se como slheia o do que se S be g abrsçiu lo por entre a gradeo
pa-sava eca torno de si. condemna-lo ; reconheça-me para pord, ar
Um t'auseunte api oxîmou-se-!he e disfe um dos.seus a'gozfs.
lhe j'vialmeDle : Os Soluços de ambos embargaram lhes
— O a muito bem; trm^i um optimo por largo tempo a vez, mas íi lalmenta
If gro, sahi ronendo de casa para ouvir Motta Coqueiro, faz ndo um grau te ex-
a deei'<ão do ju y e nó emtanto acho tudo fo ç poude dirigir se ao seu inesperado
conc'uido, F -1 '/mente para mim’ encontro vis t-.ute...
feinoa 0 Sr. Seb rg. que jó le rtaí-m=>a — Os Srs. cumpriram o seu dever; não
EO 1'vúa qne desej a, O senhor não fez paite pies quero mal por isso. Perdôo mesmo
do conselho? aos que me f erder«.m, mss o qne eu não
St-bsrg não respondeu, nem mudou de po.-so explicar é a razão por que foi ern-
attitude, pelo que o rec<m-cbega’o ha- demna«1o o roeu pobre escravo, o iufe'iz
teu-lhe de leve r-o hombro, e per^u-itru D miutos. Eu tinha nimiges, mas e ile ...
precipitidamente ; 0 de.sgrbÇa1o !...
— Dar se-'ia o caso que absolvessem — Não perca a esp<>rança, exclamou
avíU' 111 fá a 1 Sôberg ; tudo aiuta não está perdido. O
— Não senhor; f i condemnado á morte, qne nosss exaltação impediu nos de ver
responleu Sebe g tristemeute, atéhi je, talvez r tribunal superior possa
— A hl exclamou o rec^m-chegado; eu descobrir. Tenha fé em D sus, meu amigo,
logo vi que nio havia nida a temer de resigne se e tspere.
uoQ jury em qu» entri^s m como juizej de O fazendeiro meoeiou a c?.beça. Era a
facto hoinecs iguaes ao Sr, S=brrg. muda conÔ-.sâodo desanimo, rtfpondtnjo
— D g i antes que não ha qne fiír em á consolação da amis.-de.
trib naes onde eatram para ju ’gflr ho­ Seberg abraçou pela ultima vez o des­
mens que nem ao menos conhecem os venturado e sffistoa-se dirigi ndo-.se para
piocesf os. a s a h id a d a c deia, oule p rou de cho­
— Está me parecendo que houve algum fre. Uma mulher c- berta c >m um véu,
jurado que tentou fazer tramóia. Vtjü-o e acompanhada por dois homens, entia-
tão incoíomodado.. . . va n’este momento. ,
— D'sculpe-me, acttliu Seb»rg brusca- Qaando estas tros pessoas passaram,
rcfn'e ; desculpe-me; t«nho necessidade Seberg exclamou tristemente :
de fillà r já e já a um smigo,
— Pobre familia; que desgosto e que
» E on.bce Sr. Seberg tomou, qnasi a
vergonha 1
corrfr, a direcção peii qual seguiram a
multidão e os r^us emquanto que o As ties pessoas que entraram, atraves­
recém-cbegado, perplexo acompanhava o saram uma pequena sai-, e. guiadas
pelo carcereiio, foram tomar o logar ha­
cem cs olhos. ,
Alguns íijinntos depois o jnrgdo entra­ via pouco deix -do pelo Sr. Sebeig.
va p«?la,ca êt de M cai é, pedindo pev- O con ierr n ido. pei transilo pela sua
mi.-8ão p'ii’i f -^1 ar a Mi tta Coqueiro. agiiuie, nâu p-rcebeu que junto de ei
A luz do candieiro fuliginoso que a^dia 1 olhos ciino-os espiavam-o, e nem oviu o
no corredor dacauèi guiou Seoergaté á quô se dizia a seu respeito*
IHO MOTTA COQUEIRO

Afla^l uui dcs rectmcliegudos tomou a da di.-simulação ; quem tem o corèção tão
p ilo v ra : f 10 podia assas.eiu>r 0 mundo luteiro.
— O S '. Ctiqiieiro dá licpnca que Ihe A ni.brez* do fazenleiru tirnou-o in-
aptes«£.t^mod uma pesioa que o veiu vi­ 'ul leiavel ao íjsuI o veíeno-íO, que lhe
sitar ? e a uirigido pelo brutal v sitante ; a cou-
— Oh I meuseohor, respondeu o senten- ^cieQci* abroqu lot-se-lhe com a njgai
ci»do, h<je uma visit* é a prova mai- ad , fl 0 desgiaçaJo responjau rcsigna-
sinjera de amizaie, qua me pode ttr daments.
daia. Eu sou tão o i a i o l . . . — Era, pois, mais uma tO't ira quatre
0 homem qua fdlou, ic^rcou-se entio havism p ep ralo. V rarr, p idm. q le
da mu'hfr e levantou-lhe o vdu. eu lião tiemi ; tão grande é a fritza i.o
M aha seoiu ra, exclao/ou Cf'qu‘=i<’o ; meu Cl r*sã >•
eu llie aaradeijO muito a sua c< mp i x 9o.
Camb liando e soloçanlo o f ZPn'’eiro
reiirvii- 6 para o fundo da pusão, d-i-
H i fie ensmar a meus fl hos a repetnem
0 seu nome.
x*udo p r fciguro tem,io immov-.is os in-
E não se á muito d ífi il que e)Ies o iiijinu- q-i8 cuufpiravam contra a sua
decoieui; é * S a, D. Cuiquinha, fllíia pa iencia.
de Fr*i Cisco B-nedicto.
Despeitado pelo mallogro do seu plano,
O «rffe.to dramaticp pro’ u'i io por f’stas o c. Ucl Visitante convidou aos seus com­
palfcvi'ss confundiu pi.ofundamente no panheiros para tai-irem ,et (5 quando fór»,
primeiro lan e ao inclemente tecem che- • u iado cs soluços mal coan ios de Chi-
gadn. EspecKVa talvez \êr ü f<Z8D'eiro q.jinria, tcVj c uaíem de f 11 >r :
lec a-' espavori to diante da mu her, cujo
— Ma V >10, mil vezes malvado; mil
nome e feivões, rec riavtm-lhe as victi
vid-^s que Ih-i fo sem ti aias nã > desaf-
mas que a n aioi ia do povo j Ig^va terem
f ontariam a sociedade. E'um a fé. a.
si'io por t-lle baibaramontft sacriflca.R.s.
Os movimentos do s-^nteociado contras- — Não diga, não diga, seu doutor;
tai'am. por^m, com a espect tiva do des- ninguém viu as mort.s, tx limou Cai-
humano p'eparadtr d’esta scena, tanto quinha, e eu não pos. o acr. d ita r.. . .
mais crufl qurbto eia já inemeaiavtl a — OeneroíO coração, disse o doutor ;
perilição de um actoies. coroo devia ser hom a lo o seu inf. Itz pai
E-t-üdando os braços por entre a grade para educar uma filha tão p elosa 1
e bU'Cando abrscar a moça que se esqui­ A;(5s o grupo sal.iu o Sr. Seterg, que,
vava, oi.-se M tta Ciqueiio: d ua volt*, po'-de conhecer uma das pes­
— Pobre C iiquinha, tu imspino o g< 1 ^e soas que deile f ziam parte.
^ t
que fer u ts o coi tçã >; pai, mài, irmàc s, A t fll cção do nobre e pi jto de Seberg
to ifs es que eram mais caros a tua alma. ciescia á medida q ia re passava n as
P d s bem av .liar o qua rã >as grandes horas ; to co que um i emorso e.-magador,
d'Sgr*ças; e ter piedaUe da minh* sorte. iosupitavel, polvo invisível que lhe ap-
Tamoem a mirn, C iqumha, roubsm-me pliCiva sobre o cor- <,â • as suas insacia-
cs que mais Oitiao; a diff-oen.-a d que Vf is ventosas, ia-lhe acs puucos haurindo
para vocô ha a pie lada gertl e para a vi ia.
mim 0 odio ou o der prezo.
— E’ impo'sivel,.dizia elle íP,a noite,
— Sr. Coqueiro, f x r l i m c u o recem-che- passe,n lu de um Ia lo para ouiro Ia sal *
g a l o , que tinha conseg ndo j á dis ipar a le j antar da casa em que m u ra 'a ; á
p i i x e i r a impi-e.>sào; e u n u n c * pensei que i.jüpossiv I ; se houvesse a isempçáo de
tiveuia de tusistir á ssmelaanta esforço animo exigiaa pela lei não ter-te hia dado
Oü A fENA DE MORTE

«emelhante escandalo. Meu Deus, meu mesa os cotovcllos, movimento que foi
Deus, l'azei coin que sc elucide a verdade. logo seguido pelo Sr. Appolinario, disse
Mais tarde accresccutou ainda; com solemne gravidade.
Oh ooino lui cruel, meu Deus! — Venho confiar á sua honra a solu­
aquclles infelizes são innocentes. ção de uma seria questão de consciência,
No dia seguinte, pela manhã, Seberg para a qual invoco também os seus ser­
saliiu para despedir-se de Motta Coqueiro viços de magistrado.
que dévia partir para a corte. — Oh! Sr. Seberg, pode contar desde
Com grande admiração de todos foi já com a minha dedicação, c ouso pro-
elle visto na praia, meditativo e com os mettcl-a por que sei com quem lallo.
ollios rasos de lagrimas, acompanhando o — Hontem, como sabe, foi ojulgamento
bote, em que Motta'’Coqueiro e seu escra­ de Motta Coqueiro e do preto Domingos, e
vo se dirigiam para bordo do vapor an­ eu fiz parte do conselho que os con­
corado ao longe. demnou.
— E’ um homem incomprehensivel este — Pobrchomem! fui eu quem sustentou
Sr. Seberg, diziam, condemnou Motta a sua pronuncia c entretanto faço hoje a
Coqueiro, e no entanto chora agora seu respeito juizo bem iliverso do que
talvez ter tido coragem de proceder assiin. então fazia.
Quando o bote sumiu-sc; quando já — Queira ouvir-me, e reilicta sobre o
não' podia acompanhar com a vista o in­ que vou contar-lhe. Hontem depois de re­
feliz condcinuodo, Seberg seguindo va- colhido 0 conselho do jurados á sala se­
garosainente pela pittoresca rua de Ma- creta e elfectuada a votação dos quesitos
calíe'. que descerra as jauellas da sua acerca deMotta Coqueiro, percebi que não
casaria olhando para a vastidão do m ai, havia no conselho aquella imparcialidade
enti'ou finalmente n uma pharmacia e que era de esperar em assumpto de tao
perguntou pelo seu proprietário. grande alcance.
Um homem de attrahentes feições, agra- Passando-se a votar o primeiro quesito
relativo ao preto Domingos, ccrtifiquci-mc
davel timln-e de voz, sahiu de um gabi­
do meu juizo, e, ainda mais, fui obrigado
nete lateral e, estendendo a mao a Seberg
a assistir a um grande escandalo.
disse-lhe jovialmente.
Procedendo-se á contagem das cédulas
_ Por Deus, Sr. Seberg; tanta cere-
o secretario do conselho contou treze, c
monia fez-me pensar que procurava-me
como era natural reclamei, e pedi ve-
iim dcsconlieciclo. -rifteação. Nova contagem do secretario
— Não me admiro que assim pensasse,
chegou ao mesmo numero. Pedi então
respondeu Seberg, eu sou o primeiro a
que se procedesse á nova votação e fui
desconhecer-me. Proedso fallar-lhe muito
acompanhado ]>or mais cinco jurados,
a sós. porém o presidente entendeu melhor pro-'
O Sr. Appolinario Pacheco, substituto
ceder por si mesmo a contagem e cousa
dc juiz municipal de Macahé, e que era singular appareceram apenas doze ccdnlas.
a pessoa que fallava a Seberg. apontou
Lidos os votos encontram-se sete
para o gabinete. cédulas reconhecendo o crime, e cinco
— Aqui podemos estar a vontade; o
apenas negando-o. '
meu caixeiro tem a particularidade de Com ggande pasmo certifiquei-me dc
não ouvir o que eu quero que elle nao (lue os cinco jurados tinham negado o
ouça, e alem d’isso ficamos retirados.
crime, c eu com elles.
Sentaram-se um em frente do outro — Mas isto é. ura iniquidade; <>pre­
tendo de permeio uma pequena mesa
ciso arrancar a inuscaru a esse homem
redonda, c Seberg, apoiando ;íObre a
S'i-
i r ? -I'/V
r

m MOTTA COQUEIRO

que tão baixamente abusou da sua po­ que 0 poder moderador não attenderia á
sição. sua supplica.
— Eu não quero fazer juizos teme­ Accresce que para aggravar ainda mais
rários, porém, entendo que este facto 0 supplicio moral dos condemnados o
deve ser já veriflt^do, para descanço da processo seguia com dolorosa morosi­
consciência de todos. dade, e só após dois annos de espera veiu
— Mas não ha duvida, meu amigo; 0 golpe final.
havia com eífeito treze cédulas e uma Domingos, intimado a fazer petição de
d’ellas que dizia não foi escamoteada graça, não a fez no prazo de oito dias
pelo presidente, que depositou na urna conforme a lei, e portanto estava irreme­
duas cédulas aílirmando o crime. Oh! diavelmente condemnado.
havemos de sabel-o, eu lh’o juro; o Sr. Pobre escravo i.como poderia elle com-
invocou a minha honra de magistrado, prehender, ouvindo a intimação do escri­
eu comprometto-a, vão, que uma demora custar-lhe-hia a
O Sr. Seberg sahiu relevando no sem­ vida?
blante 0 allivio intimo que experimen­ No dia 23 de Junho de 1855, o cortejo
tava, e 0 Sr. Appolinario sentando-se logo fúnebre da justiça recreiava a espectação
á escrevaninha oíUciou ao juiz de direito, geral da cidade de Macahé.
narrando a communicação que acabava Um dos reus do barbaro assassinato da
de lhe ser feita. íãmilia de Francisco Benedicto ia subir á
Infelizmente a questão que parecia forca.
facil de ser derimida, morreu abafada A victima chorava e caminliava quasi
nas pastas dojuizo municipal. aiTastada pelo carrasco e a população
Uma grave enfermidade obrigou o dig­ commentava desapiedadamente este hoi--
no substiiuto a passar a vara a outro ror da morte.
magistrado, e este oíliciado pela aucto- — Olha 0 negro, dizia-se; peusaVa que
ridade superior pai’a continuar nas pes- 0 dinheiro do senhor havia de livrai-o. e
quizas a respeito, discutiu o assumpto e por isso não chorou quando matou a po­
deu-o por esgotado, sem inquérito. bre íãmilia. Agora é rpie lhe correm as
Na tarde do dia em que Seberg deu lagrimas.
o honroso passo a favor de Domingos, Sabes? ouvi ainda ha pouco e de
foram condemnados também á morte pessoa muito séria uma cousa que está
Faustino Pereira da Silva e Florentino, e impressionando-me. •
todos os réus enviados para as prisões da — Então conta já essa novidade.
capital. — Dizem que o Domingos ao sahir da
Usando do recurso ordinário que lhes cadeia disse para o padre que, se elle não
restava, o tribunal da relação não se é innocente, a corda não rebentará, mas
dignou attendel-os, negando-se a con­ se elle é innocente a corda ha de arre­
hecer das appellaçées por não ser caso bentar.
d’ellas. Este boato circulou, cresceu e dominou
Este despacho está também na appella- logo todos os espectadores e na praça do
ção do réu Domingos, em que foram re­ Rocio, onde se erguia a forca, os logares
conhecidas circumstancias aggravantes eram disputados com tanto interesse que
por numero de votos superior ao que muitas vezes houve emprego de violência.
confirmava o crime ! Chegou a desejad^ hora da execução.
A desillusão do fazendeiro tinha chega­ A anciedade popular era febril e todos
do ao auge; não lhe era mais permittido intimamente receiavam assistir ao mi­
uma uniça esperança, porque sabia bem lagre prophetisado pelo escravo.
OU A PENA UE MORTE 163
A irmandade da Misericórdia collocou- Atravez da versão da seva asphixiação
se sol) a forca em posição >de ir cm de Domingos pela ferocidade do carrasco,
auxilio do condcmnado, caso fosse prote­ siu'giu uma evasiva.
gido pela fortuna, e o carrasco ao som — Então 0 (pié queriam que fizessem
do credo, resado pela multidão, subiu ao com um scelerado como o assassino que
morreu ; que perdoassem c surtisse etfcito
seu posto.
A escada foi logo retirada, o desven­ a maehinação do senhor?
turado ficou suspenso pelo baraço, mas — Quaes historias! Domingos prophe-
o seu corpo, impellido pelo carrasco, tisou.o acontecimento.
pouco tempo oscillou c foi logo caliir no — Eu também prophetisava se tivesse
solo. um senhor que tivesse dinheiro e amigos
A confusão foi immensa, todos corriam, na Misericórdia, que é d’onde vem as
impelliam-se, encontroavam-se phreneti- cordas para os enforcados. Com dinheiro
camente : e amigos tudo sc arranja : até milagres.
— Está salvo, está salvo, este era inno­ O povo julgou rasoavel esta explicação,
cente. e quando se retirou da praça levava mais
A agglomeração nao permittia que s.atisfação do que pezar.
todos se pudessem approximar do senten­ O cadaver çle Domingos foi entregue a
ciado, e dentro em pouco tempo a des jiolicia liara ser sepultado, e os autos pas­
consolação i>intava-se em todos os sem­ sados no mesmo dia ao Dr. Velho da
blantes. Silva, juiz municipal, que os tez conclusos
Fallou-se a principio cm segredo, c com no dia cinco dc julho ao juiz de direito.
imiTiensa precaução ; cm seguida as vozes A sociedade começava a indemnisar a
foram clevando-se, clevando-se e ouviam- sua divida com a familia de Francisco
se em todos os grupos discussões calo
Benedicto.
rosas. A cova aberta para o justiçado Domin­
— E’ muito boa, dizia o Sr. Luiz de
gos tinha dimensões para quatro cadá­
Souza, cabin morto e muito bem morto veres. e conservava-se hiante á espera de
— Não está má á ca])a ; todos nós vimos
ser atterrada com destroços hunianos.
a corda arrebentar. O pobre Domingos’
A justiça, um mez depois da execução
bem dizia elle que era innocente.
do escravo, metteu mãos ao resto da obra
— Arrebentasse, ou não arreijentasse,
da (lesalfronta publica e os très outros
a verdade é que elle caliio'jd morto.
réus foram notiiicados da sua movtc pre-
— Ora valha-o Deus, Sr. Luiz de Souza,
mais de cem pessoas estão promptas a xima.
Para Florentino c Faustino esse golpe
jurar que Domingos caíiiu vivo, e que, o
nada teve de descommunal ; havia longos
carrasco poz-llie terra ,a bocea jiai a as-
mezes que, alfazendo-sc a atrocidade do
])hixial-o. seu destino, esperavam todos os dias
' — E’ falso. ouvir 0 ranger das portas do calabouço e
— Não e' tal, exclamou um novo inter-
• locutor; eu vi com esses dois olhos que logo depois a intimação para seguirem
até 0 logar em que deviam ser suppli-
a terra ha de comer. Barbaridade sem
ciados.
nome!
Nada. porem, é mais fácil do que asse- '^Florentino, perdido no dedalo de con-
renar a indignação do povo. o eterno le jcctur.as limitadas a que podia' chegar o
viano que applaudc ou insulta, victoria seu raciocinio pouco esclarecido, acabava
por fundir em lagrimas o seu desespero
ou cülumnía conforme os boatos e as in­
trigas. que 0 im])ressionam.
e, sem consolar-se, calava-se e ficava si-
164 MOTTA COQUEIRO

Icncioso a contemplar a perspectiva do Como fecunda nebulosa appareceu nas


seu ladariü. trevas do seu viver uma petição das
Kaustino coneretisava no corarão re­ senlioras campistas a favor do senten­
voltado, as exalaoTies da sua indignação, e ciado, e era de esperar que o poder mode­
roinpendo l>ruscarnente o silencio, exte- rador attendesse a tão espdntanea mani­
nuava-se em col)rir de baldões a terra e festação popular.
de- l)lasijheimas o céu. De repente a miragem da salvação des­
Para o desventurado fazendeiro o fu­ penhou-se e atufou-se no lodo da enxovia,
turo era mais ameaçador e o p)'c.SL'ntc em que a justiçA prendia pai‘a enlameiar
mais cheio de fortuitas. () presente repi'e- 0 infeliz sentenciado, e em vez da espe­
sentava-lhe o abandono em que vegetava, rança appareceu como um esiiectrir a
sugando a existência das angustias e <lo crua realidade.
desconsolo, conio a planta iníezada a O (;ollector a b riu trem u lo de com m oção
seiva de um tci‘reno maninho; no futuro a c a rta què lh e e ra d irig id a p o r seu pa­
antolhava-se-llie o a))andono tres vezes d rasto , cuja le tra fora tro c a d a po r uns
mais cruel em que ficaria a sua íamilia. signaes diíficeis de serem entendidos.
Quando, em unia tranquilla manhã de Leu-a a primeira vez c não convenceu-
agosto, foi-lhe dada a noticia de qiu; em- se do que tinha-a lido; relcu-a, portanto,
Itarcrai-iá brevemente, para Macalu'. afim mas d’esta vez em presença de sua niãi.
de submetter-se à pena ijue llie-fõra im­ « Tudo está acabado; não ha mais pos-
posta pelo jury o des\’cntui’ado i sentiu sibilidade de fugir ás mãos do carrasco;
fraqueiai-lhe a coragem que ate' então as- minhas supplicas como que afléiam
mantivera-lhe o svgillo sobro o nome do ainda mais a aceusação que me fizeram, e
sü])posto culpado do morticinio. tornam mais inexoráveis os meus juizes.
8 c se pode traçar parallelo a semelliante Dize a tua mãi que se resigne á sorte
solfrimento, era como o do Cliristo diante que me foi prescrijita e console-se; aos
[•( do calix de amai-gui'a na tremenda noite meus filhos repete-lhes (|uc, na hora em
do Horto. que não havia mais uma csjierança (1e
Amljos, porém, acabaram pela resigna- salvação para si, o seu pai dizia sempre
çao, e tiveram a serenidade heroica de que matavam-o por um crime que não
encarar, caminhar e subir ao putibulo, commetteu. Para impedir-lhes a suspeita,
dando de esmola á atroz perseguição o pondera-lhes que não é fácil mentir-se
perdão sincero dos seus espiritos calmos. diante da morte.
J^ara desafogo do seu tormento Motta Nunca, nunca digas-lhes a parte invo­
Coqueiro escreveu á sua familia, noti­ luntária que tua «tãi teve na minha per­
ciando-] lie o horroroso dosfeclio da sua dição e no destroço d’aquclla familia.
vida de ])robidade e de respeito aos seus A minha desgraça deve santificar este
seineliiantes. Depois de escrever corre- pedido.
ram-lhe as tardas lagrimas ([ue deslisara Quero igualmentc que me façam uma
das consciências iinnuiculadas e deixou-se deri-adeira vontiiile: desde o dia quinze
avassallar pela liorri]>ilante caradura do de agosto até o fim d.o mcz nnuidem sem­
tumulo. pre celebi’ar missas jior minlia alma; que
• Igu.ü sercnhiade não foi, poivm. parti^p seja ao menos permittido ao. sentenciado
lhadu pelo dedicado enteado, para (juem pensar na i)az ah-m tumulo.
a iniquidade da sentença era um grifo Adeus, meu bom amigo; abençoa jior
de alarma aos justos sentimentos. mim os meus infelizes íillios e abraça a
Demais, vira nos escuros horizontes de tua mãi; adeus, até á eternidade! »
sua familia uma esperança consoladoi^a. A Sra. D. Maria, a quem os desgostos

■ b»
OU A PENA DE MORTE 165
tin h am depauperado e x tra o rd in a ria m e n ­ ram -se em m an d ar com m unicar o acon­
te, ouviu im m ovel a le itu ra com pungente tecim ento ao D r . . . . um dos aim gos de
e fa ta l; a dò r resig n ad a, que de continuo seu pai que lh e tin h a g u ard ad o m ais
a tiMH.-idava, com o qtie lh e hav ia anesthe- lealdade.
siado 0 coraç<ão e ella parecia já insen- À cordando-sepoi'ém , de chofre, ad o en te
sivel a novos golpes. encheu de espanto a quantos a cercavam .
E ntendendo m al o estado de sua m ãi, o — Meus fillios, soluçou ella, fiquem
0 collector i)erguntou-lhe, m achucando aq u i bem p erto de sua m ai ; não consin­
e n tre as m ãos o papel. tam . que m e levem d’aqui, eu não quero
— E a sen h o ra o que diz a isto? m o rre r ; sou m ãi, não quero m o rre r !
— O que hei de dizer, m eu íilh o : se a M al proferii'a estas p alavras desgre­
m in ha voz não tem forças p a ra desviar nhando violentam ente os cabeílos em­
0 golpe que nos deve ferir? branq uecidos pelo sotfrim ento, a desvai­
— S énliora, senh ora, esta resj)Osta é ra d a sen h o ra levantou-se de um pulo,
um a infam ia. rindo p ro lon gadam en te um a g a rg a lh a d a
— Meu Deus, soluçou a afflicta esposa, insana.
não quiz eu p o r ta n ta s vezes c o rre r a te Acercoti-se então da maior da suas
os trih u n a e s pai'a accusar-m e, e não fui filhas e disse no meio da gargalhada
co n tid a p o r ti m esm o, m eu filho? constristadora. ^
— Mas então hav ia a esperança de fazer — V am os, vam os todos ; é preciso que
reco n h ecer a innocencia de seu m arido ; vam os todos.
hoje não, hoje é m ister que evite a sua O p ran to filial recebeu esse convite do
injm sta execução. desvario com a p rofun da tristez a de co­
— Devo pois, e n tre g a r a m inha ca­ rações, qu e se ju lg av am já orph ãos de
beça ao b raço do cari’a sc o . . . todo.
U m ai repassado de afllicção em bargo u A m ãi allucin ada pegou então dos b ra ­
a voz á p o b re senhoi’a, que, levando as ços das duas filhas o (^m in ho u p a ra a
m ãos á fron te, baqueou sem sentidos. p o rta principal da casa, repetind o o con­
— C ovarde, covarde m u lh e r! g rito u o v ite m edonho :
filho allucinad'^; ten h o v e rg o n h a de ser — Vam os, vam os de pressa!
te u filho. Q ueres e v ita r a m o rte á custa Ao tra n sp o r o lim iar a S ra. D. M aria
da m o rte de um iú n o c e n te ; não, não, eu foiVen em bargad a pelo D r. que en trav a.
4 p a transfiguração do semblante
não o c o n se n tire i! da esposa do seu amigo, porguntou-lhe
E 0 hom em , que levava a honradez a té
a suífocacão dos m ais santos aliectos, sobresaUado — Qual é
;
a nova de.sgraça, m inha se­
sah iu correndo , com a se tem esse que a
sua perm anência ju n to de sua m ãi inhi- nhora*Vamovs, — ten h a confiança em Deus.
vam os de pressa, rep etiu
bissp-o de p roced er conform e lh ’o aconse­
lh av a 0 seu cara c te r. auto m aticam en te a desvairada.
,A fam ilia so b resaltad a pelo baque e — Pai'a onde q u er ir, m in ha senh ora !
ainda m ais pela c a rre ira insperada, aí- — P a ra onde? g arg alh o u a inleliz, p ara
fluiu to d a p a ra o gabinete em que o col- onde? N ãe sabe entao que eu devo ir p ara
la c to r con versara com sua m ãi, e encon­ a forca, não sabe que eu so u a assassina \
tro u ah i a S ra. D. M aria estendida no não— ouviu m eu filho dizer?
Oh! santo Deus, tende piedade d!es-
assoalho.
V endo que apezar dos seus esforços a ta s crianças que não fizeram m al a nin­
sen h o ra conservava-se’ livida e desacor­ guém , exclam ou o Dr,
dada, os desam parados filhos apressa- E’ íacil im aginar-se a tristeza d’esse
1G6 :»IOTTA COQUEIRO

qukdi’o, e a diiTiculdatle do Dr. em execução dos assassinos, ou haverá ainda


coft^er a allueinaçào da enferma. Afinal adiamento? perguntou o famoso inimigo.
triumj)]ioii a piedade do amigo c a Sra. — Creio que será amanhã mesmo, res­
D. Maria foi recolhida ao seu quarto em pondeu Seberg tristemente.
que jazeu .sobre o leito durante muitos — O seu voto contra aquelle malvado,
mczes. Sr. Seberg, é uma das maiores provas
O co llecto r p resa de ig u al desvario, ti­ da fortaleza elo seu caracter.
n h a m ontado a cavallo e galopava i)ela — Penso Justamente ao contrario; creio
e stra d a que se dii-igia a Macalni. que é a mc.ior proVa de fraqueza e ce­
Já havia chegado para Motta Poqueiro gueira que tenho- dado cm minha vida.
0 declinar reiientino da vida, e talvez na Bondade sua, Sr. Seberg; era im-
mesma hora em que a sua 1'amilia era jiossivel que semelhante scelerado não
victima de tanto martyrio, elle punha pé acaliasse ás mãos do carrasco. Felizmente
na cidade que se regosijava com a sua nem o diabo o poderá salvar agora.
condemnaçáo. Seberg não respondeu, caminhou di­
Foi esperado p o r um am igo, que, ,sem reito á sua casa, e voltou logo á cadèa.
affrontai- ciaram en te a anim osidade, que Não poude, porém, fallar ao amigo,
lh e re su lta ria das m anifestações am is­ que recebia do sacerdote as consolações
tosas p a ra com o sentenciado, todavia da religião.
não evitaAm-a a ponto de sacrificar os de­ Esperou, passeiando maehinalrncnte de
veres da am isade.' <' um ]>ara outro lado do corredor da
S eberg tin h a pago caro a facilidade cadeia.
com que. hom em de boa fé, dera ouvidos Quando o sacerdote retirou-se. Sebe rg
á infam ante aceusação feita ao fazendeiro. aproximou-se da grade c disse ])ara a
A leitura da carta, que o Sr. Martins victima que soluçaya :
mostrou na primeira sessão do jury ao — Meu amigo, não se submetta á in­
seu impertinente contendor, a scena da justiça dos homens e á malvadeza da lei,
prisão, cujo íim sõ mais tarde vein a não se sul)metta.
saber, a resignação evangélica de Motta — Mas 0 que hei de eu fazer para
Coqueiro, tudo, emfim, jirovava-lhe que evitar.
tinha condemnado á morte um innocente, Hquvc um momento de silencio, que­
e 0 seu caracter profundamente ferido brado depois por Seberg, que fuzilando
exigia-lhe a mais inteira dedicação ao nos olhos as flammivomas agonias do re­
sentenciado. morso, segredou a Motta Cocfueiro, cujas
mãos segurava fortemente :
Arguia-se diante de todos os ^ us ami­
— Suicidar-se! Eu condemneio-o ámor­
gos ; e trucidava continuamente a propria
te; venho agora ensinar-lhé o meio de
consciência, conservando-sc ao lado de
eftcctuar por si mesmo a sentença. Mate-
Motta Coqueiro, ouvindo-lhe os soluços,
se, mate-sc; não consinta que os seus ini­
c vendo o crescimento gradativo do seu
migos, que chegaram a illudir até os
desespero á medida que se aproximava
0 dia da execução. seus melhores amigos, triumphem n’esta
cau.sa iniqua.
Na véspera do derradeiro dia da exis­ Motta Coqueiro ficou só, perplexo, a
tência do fazendeiro, Seberg ao sahir da recordar o conselho de Seberg.
cadeia encontrou-se com uma das auto­ Olhou em torno do .si ; não havia uma
ridades macahenses, notoriamente infen­ arma, um meio de réalisai- o suicidio;
sas ao que ia. morrer.
nem ao menos podia enlbrcar-se porque
— Amanhã eífectuar-se-ha a demorada as .sentinellas á vista passeiavam decon-
ou A PENA DE MORTE Mu

tinuo dianttí da grado e vinham íreqnen- dade dosalfrontava-a. assassinando juridi­


temente espiai-o. camente a Manuel da Motta Coqueira.
Da parede ila cnxovia conio uni pun­ X’esta liora os sacerdotes eampistas le­
gente escarnco ao luxo pendia um pedaço vantavam as Ostia's consagradas, olferc-
de éspclUo. U fazendeiro caminhou até cendo ao seu Deus o incruento sacriíicio
elle, ' e r(!Cuou ospavorido gritando an- em favor da alma do condemnado.
giivitiosa mente ; E as Ostias erguidas no espaço, em-
-V Meu Deus, meu Deus; <• hornvel es­ quanto iiendia do baraço o cadaver do
perai' assim p( la morte ! justiçado, traziam ao pensamento d’a-
Voltando depois ao m; smo lugar agar- qiiellos que tinliara certeza da innocencia
roi^ do pcdaço de espeiho, cravou-o no da victima. um quadro do consolação
pulpo e rasgou um jn'ofundo e amplo iníinita.
golpe. IC que se lhes afigura va. verem na região
Foi porém sorprehcndido e ipipedido d l paz infinita o Martyr Deus abrir os
de terminar o seu intento. braços, c santificar com o seu olhar a,
\ A noitc veiii em seguida adiar por al- execução do martyr das intrigas de uns
gUraas horas o eterno descanço da vj C- bandidos, da colora de um selvagem, e
tilna. Dir-se-hia que. o tempo colaborava d l cegueira de uma ]iopulação.
naolira atrocíssima da sociedade. .V sociedade estava desatfrontada 1
Durante toda a noitc Motta Coqueiio Para,;as consciências dos magistrados e
repetiu senqire ao sacerdote do Cruci- do povo era verdade incussa, ponto de
fic|iido :■ dogma a culpabilidade Motta Coqueiro o
You morrer innocente! dos seus companheiros de destino.
Mas 0 ministro da religião do Martyr Quem ousasse negar semelhante axio­
• imiîolado ás iras pharisaicas. não cria ma correria o risco de vèr-se apedrejado
na jlureza da victima. e insistia em pc- e apupado por uma chusma de relhoricosi
dir-jlie a verdade em nome da condem- que zelavam com a mesma solicitude as
naçâp eterna.. Só no dia seguinte, ciuando victimas e os suppostos algozes porque
0 pibstito entrava no templo, quando a tiravam d’essa correlação muitos tropos
alvaldo condemnado infamava, um nobre deeffeito. e muitos lances de estylo admi­
carader, alu'iram-se os olhos do sacer- ráveis. '
dotc. O povo crédulo tratava de continuar
E’ que n’este momento um dcsconhe- por lendas supersticiosas o engano fatal
cido tentou revelar um segredo relativo e a cegueira pertinaz que o levara a
ao pidecentc; e no mesmo instante um commetter uma infamante injustiça con­
olha d’este impediu a revelação, tra um homem que na medida do suas
forçqs fòra sempre seu devotado servidor.
guem sabia ([uem era este homem ;
difiam apenas (jiie era um cavallciro que Pouco antes da complicação dos aconte­
tiiha vindo das bandas de Campos. cimentos que tiveram por epilogo a tris­
JeI feito, o desconhecido tinha chegado teza, o isolamento e a manchado patíbulo,
d’ sta cidade, o, se tivesse podido fldlar, Motta Coqueiro começara a edificar um
oivir-se-hia um filho denunciar á siia grande prédio á margem do rio Ururahy.
m i como involuntária mandante do bar- O edifício, abandonado em meio dacons-
bípo assassinato. trucção, semelhava a uma gi-ande ossada
das a grandeza d’alma do esposo fez de pé no meio da matta.
m llograr o acto de heroismo, e d’ahi a O local era mysterioso e tristonho. Uma
pmeo um negrodnstrumento da socie- velha ponte, quasi desgiantelada. ficava-
1 f)8 MOTTA COQUEIRO

lhe ao lado, e o rio de aguas verde-negras tiçados, que penavam mysteidosamente


espuniava-lhe sem ruido ás plantas. na terra o seu crime sem nome.
Por noites de luar a sombra do prédio Emquantoa superstição arraigava d’es-
vinha oseillar sileneiosamente na face da ta sorte a animadver.são publica não já
corrcntesa, e quando o céu era sem lua, para Motta Coqueiro, mas pai'a a sua
ou quando soprava mais forte o vento, memória, os seus inimigos e o verdadeiro
via-se um vulto surgir immenso da escu- assassino da familia do aggregado viviam
1'idão. ou ouviam-se erebos sons que lem­ tranquillamente.
bravam um côro de gemidos. Balbina e Carolina, cujos depoimentos
Ninguém, portanto, aventurava-se a serviram de base á condemnação do fa­
passar por alli em horas de silencio e re­ zendeiro, foram libertas pela generosi­
pouso; ninguém, porque era preciso animo dade pojiular,. que não podia consentir
inquebrantável para assistir ao espectá­ em que os dois instrumentos tão uteis ao
culo que todas as noites se representava serviço dá justiça, fossem traçoeirarnente
n aquelle theatro escuro e não concor- quebrados pela vingança dos parentes do
i‘ido. ex-senhor das duas pi’etas.
Ouvia-se um gemido agudo, horripi­ Balbina podia sorrir tranquillamente;,
lante de i>roduzir calafrios; em .seguida queria apenas vingar-se e conseguiu tam­
um phantasma, cuja altura entestava com bém a liberdade.
a cumieira do prédio, surgia como um Sebastião Pereira, o Vianna da venda,
jorro das trevas subterrâneas. Lycerio, Lucio Ribeiro e as demais teste­
Como a soml)ra dos telhados pela super- munhas c actores da dolorosa tragédia,
li<'ie das paredes, subia sem a|)Oiar-se, até desflavam materialmente os annos na
ao tecto do cdilicio, e ahi abrindo os bra­ a])athia de consciência que é a maior feli­
ços deseommunaes tomava a attitude de cidade da vidai
um blasphemo ou de um precito, apos- S() um homem dos que tinham entrado
trophando o céu. no entre(dm e desenlace da tragédia ha­
N’esté momento très outros phantas­ via desapjiarecido. Era Manuél João, a
mas appareciam inopinadamente ao seu testeniunha que talvez mais aceuseu e
laflo, e todos prorompiam em gemidos c calumniou o desgraçado fazendeiro.
soluços assomijradores. Ninguém sabia novas d’elle e taml)em
Quando as quatro larvas se congrega­ ninguém as procurava.
vam, como se as folhas, se as gottas de Onze annos tinham passado indifîe.'en-
orvalho,,se as espumas do rio se conver­ temente sobre a cova dos justiçad)s e
tessem repentinamente em fogos-fatuos, sobre as dôres da familia de Motta Co­
via-se uma alluvião d’estes ondular, reu­ queiro, que herdara a pobresa de envolta
nir-se, desaggregar-se, afmidir-se. e ale- com a rlifamação do nome do seu chífe*.
vantar-se enchendo a matta <ia claridade Onze ann os chorados continuam ente,
ominosa do sou luzir. p o r um a esposa que se condernnava como
Ai)ós a inundação dos fogos fátuos um culpada da p erda de seu m arid o ; onzo
clai-.ão vermelho, como um ferro ao sahir annos repassado s de v erg o n h a p a ra Oi
da forja, flammejavana escuridade, e os filhos, que se viram obrigados a té a repi-
quatro iihantasmas, acompanhados pelos diação do appellido p atern o , Servian
Ibgareus de baça claridade seguiam pelo apenas ])ai’a a g g ra v a r dia p o r dia a si­
cimo da floresta até })erderem-se no ho- tu ação da m isera co n so rte e ain d a m ah
risonte. a dos lastim áveis descendentes do fazen­
Era;n as almas OBndemnadas dos ju.s- deiro.
Corria, portanto, o anno de 1866, un-
proferidos, resultassem-Jhe embora da
mudança grandes prejuizos pecuniários.
deciuio primeiro da desalironta de Ma-
Essas mudanças rapidas e bruscas ex­
cahé e Campos.
Uim caboclo de raça,.liomem de estatura plicavam-se por uma phrase;
heroica, de compleição robusta,appareceu — Todo 0 caboclo é scismatico, em
na villa de Itabapoana, pequeno centro daiulo para uma cousa é como o burro
povoado das fronteiras da ■ provincia do quando empaca. O melhor é deixal-o.
Itabapoana, já bastante atfastada da
Rio de Janeiro.
Apezar das maneiras humildes e sub­ localidade, de cujo nome soava mal aos
missas, 0 recem-chegado
ouvidos de Herculano, agradou extraor­
attrahiu
nenhumas sympathias no-ddígar, antes dinariamente ao inconstante trabalhador.
Ahi deviam correr os últimos dias de
para a antipatliia geral concorriam pode­
sua vida sem ambições e, por isso mesmo,
rosamente as feições do caboclo.
O seu rosto pentagonal, de pomas car­ talvez sem maguas.
ülíicial de ferreiro, conciliava o traba­
nudas e salientes, os beiços grossos, p
lho com a liberdade de acção, ora ma­
nariz chato, e sobretudo os seus olhos ^
lhava aípu, ora limava acolá, e o pequeno
que não se atreviam nunca a encarar, e só
obliquavam uns olhares furtivos e maus. salario era por elle recebido com a ale­
esse conjuncto. physionomico induzia a gria de quem satisfaz facilmente a sua
população a guardar certa reserva para o sobriedade.
O independente viver do velho, e por
espontâneo immigrante.
seu lado, o amor do trabalho e bom ca­
Para explicar a repulsão que instincti-
racter do filho, acabaram por dissipar a
vamente sentia, a população dizia dissi­
antipathia, e até mesmo transformal-a de
mulando os seus sentimentos.
— Nada de amizades com caboclos; são alífuma fórma em lioa vontade j>ara com
muito desconfiados; nunca se sabe quan- ambos.
Dez annos decorreram assim, dez annos
, do estão pelos pés ou pelas mãos, e foi
tr^uiuillos, felizes e poetisados pela de­
um d ia ... Tèm-se visto muita cousa.
Uma circumstancia attenuou em breve dicação illial e iielo reconhecimento pa­
tempo a indisposição geral contra o re­ terno. .
cem-chegado ; é que em sua companhia Ao lusco fusco de unrt*'dTa dos meiados
andava um rapaz, que além da submissão de 1876 , um preto velíio, magro e róto,
natm-al da sua indole, illuminava o sem­ bateu á porta do casel)re em que, fóra «Ia
blante com as irradiações de uma cons­ Vilia residia Herculano.
A hositedagem é uma lei inviolável para.
ciência limpa.
Herculano, o velho caboclo, desde muito 0 indigena ; a porta loi aberta imme«liata-
que tinha em seu filho Marcolino a aprc- ruente.
» sentação, que o rccommendava ás povoa­ O preto e Herculano estremeceram in­
ções onde estadia va. jior isso mesmo o voluntária mentq ao íltarem-se, e entre­
vellio caboclo estremecia o moço Iraba- tanto não se conheciam. Era a repulsão
innata da innocencjme do crime.
Ihador.
Trocadas as primeiras saudações, o
Itabapoana foi o logar escolhido ]ior
Herculano para «lar estaliilidadc á sua preto pediu simplesmente a Herculano
lhe obsociuiasse com uma braza para ac-
vida até então nômada.
Como ao caminheiro da legenda christã, cender o cigarro.
havia palavras, nomes, que faziam com — E’ quasi noite, camarada, ponderou
que Herculano tratasse immediaíamente 0 caboclo ; pouse aqui e saia de manha.
de retirai’-se do logar em que elles fossem — Não posso, respondeu o preto; Eide-

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170 MOTTA COQUEIRO

lis não pódo te r descanço, resm u ngo u o seu, não diga ta l, in terro m p eu-lh e b filho
<lc.sventiirado p ertu rb ad o .
Ouando o p reto desapareceu, Ile m ila n o — P esadelo ju lg a ra m talvez os que eu
(pie íicára á soleii'a da porta e acompa- m atei se r a noite trem en d a da m in ha vin­
nl.iava-o com os olhos, exclamou sincera- gan ça. Não po up ei nem os velhos nem
mente commovido : as creanças ; depois lancei fogo á casa.
— E’ um d'elles; adevinha-mo o coração m as a chuva do céu não quiz que a la­
que e' um d’elles ! Ainda sofírem. e solFre- bareda. que é p u ra . se m anch asse no
i’ão sempre. san g u e d ’aquella r a ç a .'" ^ ^
Longo tempo o caboclo permaneceu — ãleu pai. te n h a piedade dos que m or­
n'uma attitude desoladora ; em seguida, reram . 4^^
jmrém sacudiu os liombros, levantoivse — M orreraSü pela m ao de um hom em .
e entrou para o casebre. e m atai'am pela m ão de um o u tro . Foi
j\ías a tranquilidade habitual trocara- sim plesm ente um a p ag a. Ouve !
se-lhe cm agitação ; e era breve, não po­ A Iracap su su rra n te voz do m oribundo
dendo acalmar-se, sahiu para distrahir-se. com eçou então a n a rra r a m an eira p o rq u e
Quando voltou ao casebre deitou-se tin h a assaltad o a casa das pessoas das
para não mais levantar-se. ' quaes se confessava assassino e a m aneira
A variola lez-se instrumento da justifi­ pela qual efi'ectuara a carnificina.
cação do um nobre caracter. ■ Marcolino, jtertu rb ad o e ao m esm o
Desde que sentiu que não poderia salvar- tem po roluctando d a r cred ito ao que ou­
se. ao sacudir um dos penosos delyrios. via, p erg u n to u ao n a rra d o r :
llerculano chamou para junto de seu leito — E onde fez m eu pai estas m o rtes ?
0 entristecido Marcolino. — Em M acabu, resp on deu o m ori­
— Tenho uma grande confissão a fa- bundo.
zcr-tc, meu filho ; disse o enfermo. — E qual era o nom e do chefe da fa-
— Estou ]U'ompto para ouvil-a. e guar- m ilia que m eu pai m ato u ?
[•< — F rancisco Bonedicto. so rriu o m o ri­
dal-a atd a minha morte.
— Não ; não 6 um segredo que eíí bundo.
rpiero confiar ; é ao conti’ario um segredo — M as então m eu pai foi tam b ém do
da minha vida que desejo que' tu e^s])alhes num ero dos qite foram pagos pelo M otta
])0r toda a parte apenas eu morra. Ju- C oqueiro ? I
ras-mc que farás esta vontade a teu pai? S entando-se violcntam en te no leito, o
— Bom sabe que não sei desobc lecer- m oribundo, com o se quizesse fulm inar
Ihe. com 0 o lh ar ao aíílicto M arcolino. ten to u
— Deixa-me um instante ligar as mi­ b ra d a r, e apen as disse baixinho : •
nhas lembranças! —- T eu pai n u nca m atou p o r oílicio,
FiStas palavras já foram pronunciadas m ato u a raça <lo seu inim igo p o r vin­
com accento que trahia a perturbação g an ça.
mental do moribundo. Só depois'de meia — M as isto não póde ser verdade.
hora de esjjcra foi p^tpferida a primeira — E’ ; ju ro na hora. cm que vou m o rrer;
palavra do tremendQ/í. -grodo : h o ra em que não se m ente; M otta C oqueiro
— Meu fillio, hà vinte e quatro annos nem me conhecia, nem su sp eitav a que
appareceram cortadas, a foice, esfa- n 'aqu ella noite devia sum ir-se da te rra
quoiadas, e estranguladas todas as pes­ d m alv ad a raça de F rancisco B enedicto.
soas do uma familia. O assassino de toda — E vosm ecè consentiu que elle m o r­
essa gente fui eu !... re sse ; po rq ue não confessou, e não defen- '
— Meu pai. meu pai ; isto é pesadelo d e u 0 innocente? t
PENA DE MORTE
ordem que d’elle recebera, declara\a
— Ninguém viría em> mim senão um
•instrumento de Coíiueiro, e morreriamos diante de testemunhas que seu ]>ai fòra
jos dois, c a verdade não seria sabida. 0 assassino de Francisco Benedicto ò
— ü li! Deus de Miseriçordiá ! sua fãmilia. Juntava cpfe ãlotta Coqueiro
nem ao menos tinha conhecido ller-
— Escuta, escuta; já te disse, lui eu
culano !
quem matou o misei*avel. Devia-llie...
O i)OVü de Itabapoana murmurou acerca
— O que, qual era essa divida'?
da confissão de flerculano, tão baixo,
— A deshonra de minlia lámilia.
quanto alto clamaram campistas e ma-
Em vão Marcolino tentou arrancar o cahenses contra Motta Coqueiro. E ainda
resto da confissão; o moribundo tintia ■ mais, depois de vinte e cinco annos dc
licrdido a voz. opprobrio sobre uma lamilia martyr, h<v
O filho dcávairado )>erguntou ainda cora(^'ões tão miseráveis que ousam con­
uma vez ao moribundo, se era elle de tinuar a infamar a memória da victiina
leito 0 baa-baro assassino de tantos infe­ da ceg'ucira jurídica, mesmo depois da
lizes. O velho fbrcejando por abaixar as declaração terminante de um moiãbundo.
palpebras, levou dillicultosamente uma^' Homens perdidos que são estes ! São
das mãos ao peito em signai de aflir- ’i'Îiais torpes do iiue os assassinos, porque
mação. buscam justilicai-os enviieçendo innocen­
Passados alguns minutos. Hercuiano tes;, mas nem semelhantes cabeças eu
era cadavcr, e seu filho, obedecendo á quizera vèr na mao dos carrascos.
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