Você está na página 1de 81

Salomão Rovedo

Crônica

dos dias da Pandemia

Rio de Janeiro
2022
“Assim, durante semanas, os prisioneiros da peste debateram-se como puderam.
E alguns, chegavam até a imaginar que ainda agiam como homens livres, que ainda podiam
escolher.
Mas, na realidade, podia-se dizer nesse momento, nos meados do mês de agosto, que a peste tudo
dominara.
Já não havia então destinos individuais, mas uma história coletiva que era a peste e sentimentos
compartilhados por todos.
O maior era a separação e o exílio, com o que isso comportava de medo e de revolta.
Eis por que o narrador acha conveniente, no auge do calor e da doença, descrever de maneira
geral e a título de exemplo as violências dos nossos concidadãos vivos, os enterros dos defuntos e
o sofrimento dos amantes separados”.

***************

“Do morro escuro, subiram os primeiros foguetes dos festejos oficiais.


A cidade saudou-os com uma longa e surda exclamação.
Aqueles e aquela que tinha amado e perdido, todos, mortos ou culpados, estavam esquecidos.
O velho tinha razão, os homens eram sempre os mesmos.
Mas essa era sua força e sua inocência, e era aqui que, acima de toda dor, sentia que se juntava a
eles.
Em meio aos gritos que redobravam de força e de duração, que repercutiam longamente junto do
terraço, à medida que as chuvas multicores se elevavam mais numerosas no céu, decidiu redigir
esta narrativa, que termina aqui, para não ser daqueles que se calam, para depor a favor dessas
vítimas da peste, para deixar ao menos uma lembrança da injustiça e da violência que lhes
tinham sido feitas e para dizer simplesmente o que se aprende no meio dos flagelos: que há nos
homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar.
Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste
não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na
roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada.
E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste
acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz”.

Albert Camus, A peste, 1944 (excertos)

Capa: Ilustração sobre o Livro do Apocalipse.


Crônica dos dias da Pandemia
O mês de Setembro sempre me deixou ansioso. Pois quando chegava não
havia ameaça à Democracia que conseguisse demover o velho Quincas Oliveira
da excursão anual que fazia da Ilha de São Luís ao Rio de Janeiro. Arrumava as
malas, reservava passagem aérea, alocava apartamento e ei-lo desembarcando
no Aeroporto Tom Jobim, endereçando o taxista à Rua Dias Ferreira, Leblon,
onde se arrancharia por trinta ou quarenta dias desfrutando de puro prazer.
Caminhar pelas calçadas, aspirar a vasa atirada pelas ondas do mar, visitar
livrarias, tomar um café expresso, sorver uma tulipa de chope, assistir a uma
soirée no Theatro Municipal e mais de uma dúzia de pequenos prazeres – dos
quais eu dividia as sobras – que nem é bom lembrar. Isso porque estes anos
malvados de 2020 e 2021 trouxeram um matulão entulhado de sofrer – entre
tantos, a perda trágica de um ente querido. A idade também pesou, pesaram as
dores que atingiram os que o cercam diariamente e ferem o próprio corpo, mas
sofrimento corporal os velhos soldados aturam de montão. Será mais um ano
que não ouvirei do primo querido palavras cheias de sentido humano, muitas
das quais, como cronista, dividiu com centenas de leitores. Eu – privilegiado –
as ouvia de corpo presente. Sentirei falta do odor do fumo que exalava da
cigarrilha e se misturava ao sabor do vinho tinto degustado em sorvos
pequenos. Depois da prosa, um suspirar acompanhava o olhar perdido na
imensidão do mar do Leblon, o mesmo mar que se esparrama nas areias das
praias de São Luís. (09/9/2021)

Quincas, você fez muito bem em não vir: no Rio de Janeiro os dias
adquiriram um smog parecido com aquele londrino das histórias de Sherlock
Holmes, Inspetor Morse e Hercule Poirot, mas o nosso fumacê é efeito das
queimadas que torram todo o país. A CEDAE foi privatizada mas a água que a
gente bebe continua com excesso de coliformes fecais e geosmina. A maioria
dos ônibus e barcas deixou de circular pelos bairros transportando passageiros
depois que o cappo dos transportes coletivos sumiu e os políticos foram
promovidos à corrupção de Brasília. Aquela loirinha nunca mais veio pendurar
roupas no varal da varanda nuinha, como fazia. O preço da garrafa de vinho
tinto alentejano pulou de $25 para $35 assim sem mais nem menos. O
Flamengo é o único time que ainda dá alguma alegria pros cariocas. O bolo de
milho maracanã diminuiu, diminuiu, diminuiu tanto que ficou do tamanho de
um pudim. A variante Delta do Covid gostou tanto do litoral do Rio de Janeiro
que se mudou de São Paulo e se arranchou nas nossas praias. Por fim, a picanha
fatiada que os pés-sujos estão servindo aqui perdeu tanto em espessura que mais
parece aquele churrasquinho de gato que se comia na Central do Brasil. Por
essas e por outras que estou contigo: vem não! Vem não! (10/9/2021)

Perdi um primo e amigo em São Luís. Não, não foi por Covid, mas
morrer é morrer, tanto faz se por diarreia, aids, catapora ou gripe. Quantas vezes
fui a São Luís, tantas vezes o encontrei – jovem estudante de medicina – para
dividirmos os prazeres e os saberes da vida. Ouvir a palavra do meu querido
primo e amigo enriqueceria qualquer um. A diferença de idade entre nós não
inibia o relacionamento aberto a todas ideias, devido à cultura de que ele era
possuidor, era daqueles seres cuja destinação está predeterminada: tornou-se
não só o médico que pretendeu ser, mas – como não tinha fronteiras na
capacidade e na inteligência – avançou, se tornou cientista especializado sempre
ouvido na área que optou seguir. Numa dessas aventuras de juventude, certa vez
o encontrei em Barreirinhas, descalço, trajava só bermuda, tinha o torso forte, o
rosto, todo o corpo queimados pelo sol, amorenando mais ainda a tez de
beduíno. Nos abraçamos efusivamente e ele me disse: “Que sorte te encontrar e
logo aonde! Quando pensaria esbarrar contigo em Barreirinhas!” E me contou
esta história: “Resolvi atravessar os Lençóis sozinho. Para isso, deixei a
mochila com todos os meus pertences aos cuidados de uma senhora, esposa de
pescador. Levei pouco mais de uma semana para percorrer toda aquela
imensidão de areais. Quando voltei tive a desagradável surpresa de saber que
minhas coisas tinham sido furtadas. Estou, pois, sem lenço nem documento…
nem dinheiro algum. Estando você aqui me tranquiliza pois sei que não me
faltará”. Fomos logo ao banco onde tínhamos, os dois, conta e voltou ele
sorrindo: “Não precisa, não precisa, ainda tenho algum trocado e já estou
abastecido”. E continuamos nossa jornada: a minha em busca do passado, a dele
em realizar o Nirvana para iluminar o seu futuro, segredo que certamente lhe foi
revelado nos dias e noites de solidão que passou meditando na vastidão dos
Lençóis Maranhenses. (11/9/2021)

Entre dezenas de propagandas não solicitadas dei no Youtube com


“Câmara ao Vivo” transmitindo da cidade de Ushuaia, sul da Argentina. É uma
bela cidadezinha pacata, sem cangaceiros nem milicianos e as noites onde não
se explodem bancos madrugadas afora, devem ser silenciosas como as casas
dos anjos. Fiz amizade com um morador de Ushuaia tempos atrás jogando
xadrez postal. Ele invejava o forno carioca e me dizia que no verão se os
termômetros de lá chegassem aos 15ºC tinha festa com direito a tangos e
milongas. Hoje eu é que invejo a paz de Ushuaia… O termômetro da
transmissão ao vivo às 18hs marcava 7ºC. Ilustrava a Live ao fundo uma
paisagem feliz: um pôr-de-sol de dar inveja, igual ou mais bonito que os pôres-
de-sol de São Luís, Maranhão. Quando eu for à Argentina tenho agendada uma
visita obrigatória a Ushuaia. É claro que também visitarei o meu amigo Carlos e
toda a sua família, beberei um vinho na Recoleta, visitarei o Boca e o túmulo do
Maradona, caminharei pelas ruas de Almagro e por aí afora. Para encerrar me
esforçarei para ter um encontro com a poeta porteña Sandra Pien, quando
ouvirei a sua poesia impregnada de som e cor – degustando um té preto no
Tortoni ou Las Violetas. Se não achar lugar por aí irei ao El Último Beso,
Bonjour Paris ou La Biela. O importante é admirar a beleza da poesia de Sandra
Pien em “El gato de Rodas” e outros jardins poéticos… (12//9/2021)

Num desses dias “festivos” que as associações comerciais promovem


durante o ano todo para incrementar as vendas, ganhei uma caneca de porcelana
com o logotipo do patrocinador e a inscrição em letras graúdas: “Ao melhor Pai
do mundo”. Sim, era o Dia dos Pais, mas nunca fui merecedor desse galardão.
Na verdade não lembro o dia que tenha me sentido ou me incorporado a figura
de um Pai na verdadeira acepção da palavra. Para meu desdouro, jamais tive
esse sentimento. Desde que nasceu meu primeiro filho – tenho três –
desafortunadamente, nunca jamais fiquei de pé diante do espelho mirando meu
rosto bonito para declarar: “Eu sou Pai!” Não foi assim, confesso. As crianças
foram nascendo e se incorporando à tribo de forma natural e a vida seguiu seu
curso, sem que eu nem ninguém parasse, sem que se fizesse uma reunião formal
para me declarar Pai. Pensando bem, se isso algum dia ocorresse eu ficaria que
nem um burro olhando o altar: afinal, o que é ser Pai? Simples assim: para
minha vergonha, eu não saberia o que fazer, eu não saberia ser Pai. Isso não é
lição de vida, sei muito bem. Mas nestes dias em que a pandemia de Covid
assola o mundo e os 80 anos de idade estão à vista, vendo os filhos tão
preocupados com minhas mazelas, que não são tantas assim, ganhei ânimo para
finalmente fazer vestibular para ser Pai. Quem sabe não passo?… (13/9/2021)

Com o advento da Pandemia do Covid-19, a minha filha – e milhares de


pessoas aqui e mundo afora – entrou em home-office, como ficou consagrado o
fato de se transferir o trabalho que era exercido no escritório para fazê-lo em
casa. Em princípio, o quê se pensa? Trabalhar em casa é ótimo! Posso mijar e
fazer cocô quando quiser, tenho comodidades que não existem na empresa,
organizo o trabalho a meu modo, se tiver uma folgazinha posso até tirar uma
soneca após o almoço. Não é? No começo até que esse sonho pode ser
realizado, mas logo, logo tudo se esfumaça, vira pó: o trabalho atravessa o
horário comercial, estraga os sábados, feriados e domingos, cancela mil
eventos, adia fodas, coisas assim. Pior: logo se vê que não dá para evitar que
uma ou outra tarefa doméstica se interponha e aí vira bagunça geral, em
prejuízo para todas as atividades. Eu disse todas, porque no pacote estão
incluídos a novela que mamãe assiste, o futebol que papai não perde, o jogo
eletrônico que o filho não dispensa, a aula à distância, aquele papo com vídeo
que os celulares permitem e um monte de pequenas atividades cotidianas.
Parece que ninguém se dá bem com essa ideia forçada de viver e trabalhar em
home-office que, de qualquer modo, chegou por imposição da insustentável
leveza do ser... Mas, sim, para patrões de algumas empresas, foi um modo útil
de atravessar a crise, para os próprios Governos, foi um modo de testar a
paciência, o grau de animosidade, satisfação e insatisfação dos governados.
Também serve para mostrar a realidade do quanto qualquer regime é frágil: na
Pandemia, o número de perdas por morte é superior às perdas por catástrofes e
guerras. E um detalhe que não se pode deixar passar: a conta da energia, da
internet, o estresse, o Rivotril ® e as aporrinhações são pagas pela ‘home’, sem
direito a reembolso pelo ‘office’. (14/9/2021)

Por se estar vivo e são da cabeça e da alma, bem que se poderia manter o
direito de – em certos lugares – cumprir a extinta tradição de escolher o local
onde ser enterrado. Para meu corpo descarnado e impuro decretaria: enterrem
meu coração na curva do Rio Preguiça. Foi em Barreirinhas que conheci a
minha curva. Estava com meu amigo Artur Buna, que foi ali deixar material
para um fulano desmiolado construir uma casa na minha curva, a vinte passos
das margens do rio. Um crime contra a natureza, um crime contra a mansidão
das águas negras, cheias de vida. Ainda sem sair de lá, escolheria as praias
desertas – a selvagem Praia de Caburé, onde milhares de águas-vivas e
caravelas impedem qualquer banhista de se aventurar por ali. Poderia ser
também em Atins, porta de entrada para o deserto dos Lençóis Maranhenses,
onde ninguém iria perturbar minha alma aterrada pelas areias alvas. Certo
tempo, influenciado pelos gurus indianos, pedi para ser enterrado em Benares,
cidade onde os mortos, iluminados pelas tochas de lenha antes de se evolar em
fumaça branca, são perdoados de todos os pecados. Também pensei em
encomendar meu corpo para meu amigo, o Rei de Parságada ou para São Saruê,
onde não tem Governo, nem Senado, nem Câmara de Deputados, nem
Vereadores, nem Prefeitos, onde não se paga imposto nem se vai preso – ou
seja: o único estado anárquico sobre a face da Terra. Enfim, como não posso
escolher, foda-se! (15/9/2021)

Prisioneiro da Pandemia, é justo que o consumo do material televisivo


aumente. Tenho assistido a muitos filmes, de preferência drama e mistério, aí
incluindo os policiais. As séries intermináveis eu dispenso – mas já vi algumas
minisséries interessantes. A Lady Agatha Christie deixou uma fortuna temática
para as telas, que a BBC vem explorando desde há muito. A Agatha Christie
Inc. agradece. Pelas bordas correm inumeráveis personagens advindos de Sir
Conan Doyle e Agatha Christie, temática que foi exportada para toda a
Comunidade – Austrália e Nova Zelândia já têm seus heróis detetivescos. Além
do detetive belga Hercule Poirot, da velhinha Miss Marple, de Prudence e da
própria Agatha Christie– ela mesma personagem – outros autores criaram
detetives e histórias detetivescas marginalizados no Cachambi: têm excelente
produção o Inspetor Morse, de Colin Dexter, cujo intérprete famoso eraJohn
Thaw (1942-2002) e o Padre Brown. Morse, ao contrário da maioria dos
policiais, é culto, apreciador de ópera e música clássica (quartetos) e estudou
Literatura em Oxford. Já o Padre Brown (G.K.Chesterton), é um personagem
mais caricato, cuja nova sérieinterpretada por Mark Williams vem sendo
muitopromovida. O Padre Brown é tão antigo quanto Sherlock Holmes e Dr.
Watson. Quando John Thaw faleceu, o ator Kevin Whately, o inseparável
Sargento Lewis, recebeu merecida homenagem: foi promovido a Inspetor e
recebeu uma série mais moderna. Assim, o ciclo Morse se fecha, já que a série
Endeavour retrocedia no tempo para mostrar as primeiras aventuras do jovem
detetive Endeavour Morse (Shaun Evans). O diabo é que para encontrar essas
produções se faz uma ginástica danada: tem que ser nos canais pagos, no
Youtube entulhado de anúncios escrotos ou em outros canais do leste europeu
onde quase nunca vem legendado. (16/9/2021)

Escritores franceses também são bons de histórias policiais e de mistério.


Basta lembrar o pré-histórico Arséne Lupin, o clássico Ladrão de Casaca,
criado por Maurice Leblanc, que frequenta a alta sociedade parisiense e dá
preferência a roubar joias caríssimas dos cofres e colares dos pescoços e colo
dos ricos e ricas madames. Fantômas, criado por Marcel Allain (1885–1969) e
Pierre Souvestre (1874–1914), um dos mais populares personagens em seu país
no gênero policial. Fantômas foi criado em 1911 e apareceu em 43 livros e no
cinema foi representado por Jean Marais, entre outros. Fantômas veio depois de
Arsène Lupin, mas enquanto este não cometia assassinatos, Fantômas agia
como um psicopata cruel, matava com requintes de sadismo. Mas o personagem
policial mais famoso da Europa foi o Comissário Maigret. Maigret é filho de
Georges Simenon, belga naturalizado francês. Simenon é autor de 350
romances e novelas, obras autobiográficas, artigos e reportagens. Escreveu
também obras assinando 27 pseudônimos diferentes. No entanto, sobrou apenas
o Comissário Maigret… Maigret, naturalmente, passou para o cinema e para a
TV, não só da França, mas da Inglaterra, de Hollywood e outros países. Maigret
foi interpretado por mais de 20 atores diferentes, desde o 1º intérprete que foi
Pierre Renoir (FR) – filho do famoso pintor impressionista – depois vieram
Charles Laugthon (USA), Jean Gabin (FR), Rupert Dauir (UK), Gino Cervi
(IT), Jean Richard (FR), Bruno Cremer (FR), Michael Gambon (UK), Rowan
Atkinson (UK), Harry Baur (FR), Tichard Harris (UK), Albert Préjean (FR),
Heinz Ruhmann (ALE), Henry Nobert (CAN), Jan Teulings (HOL), Boris
Tenine (RUS), Herbert Berggof (USA), Luis van Rooten (HOL), Sergio
Costelitto (IT), Yuri Evisiokov (RUS), etc. Tem ator japonês, sérvio, tantos que
não dá para enumerar. (17/9/2021)

Este mês de setembro se divulga centenário de dois importantes mestres:


Zizinho, mestre do futebol, doutor em bola no pé e jogadas magistrais e Paulo
Freire, mestre da educação (ou pedagogia da educação, se preferirem). Ambos
“esquecidos” e ambos com referências influentes: Zizinho foi mentor de Pelé,
Paulo Freire seguiu o legado de Anísio Teixeira. Sempre que esse tipo de
comemoração ocorre, vem a reboque a lembrança de que “o Brasil é um país
sem memória”. Isso, além de ser uma burrice intelectual é um assalto à
formação dos jovens: a desmemória é cultivada aqui como programa de
governo, um drible na história para que as novas gerações não tomem
conhecimento do passado inglório e imoral de nossos políticos e da própria
política imposta no país, tanto na educação quanto no futebol. Os programas de
TV e jornais se encheram da história de Zizinho, grudada na inevitável
comparação a Pelé. Quem era o melhor? Quem fazia as mais belas jogadas? E o
mestre Didi? Coisa desse tipo incrementa mais ainda o dilema da falta de
memória: cada qual se culpa da ignorância. E é justo aí que cabem os métodos
de educação que Anísio Teixeira semeou e Paulo Freire metodizou, se fossem
aplicados de maneira contínua, incorporados ao programa educacional do país.
Mas, quanto a isso, esqueçam! Nossos técnicos são Tite e Milton Ribeiro. E a
quantidade de propaganda de CBX e do MEC traz muito lixo embutido. E isso
não é de graça, custa muito caro a nós, é um ralo invisível que sacrifica as
escolas e enterra ainda mais os legados de Zizinho e Paulo Freire. (19/9/2021)

Na esteira dos detetives na TV, minha sobrinha me alertou que a Netflix


tem uma série sobre Arsène Lupin. Fui ao site da Netflix ajuda. Trata-se da
Série “Lupin”, que já vai na 2ª temporada, “inspirado pelas aventuras de Arsène
Lupin, o ladrão gentil Assane Diop quer se vingar de uma família rica por
injustiça cometida contra o pai dele”. Arsène Lupin desta vez é o franco-
africano Omar Sy, um negão talentoso descendente da África muçulmana. O
premiado ator é acompanhado por Ludivine Sagnier, Clotilde Hesme e outros,
sob a batuta de George Kay. Já assisti a um filme Omar Sy em que ele auxilia
um cadeirante no dia-a-dia: espetacular. Sy também é roteirista, dublador e
humorista. Em 2011, estrelou ao lado de François Cluzet o filme ‘Intouchables’,
que, com 19,44 milhões de espectadores, foi o número 1 das bilheterias em
2011 e o terceiro maior sucesso do cinema francês. No ano seguinte, ganhou o
prêmio César de melhor ator por sua atuação no filme, tornando-se o primeiro
ator negro a ganhar o prêmio”. Então Arsène Lupin está bem representado. Na
mesma Netflix vem a Série “Sherlock Holmes” em que os mistérios são
solucionados por Robert Downey Jr. O vício da cocaína e o violino desafinado
acompanham esta reinvenção de Guy Ritchie, estrelada por Robert Downey Jr.
A reboque desse Sherlock moderno vieram as Séries “Enola Holmes” e “Os
Irregulares (?) de Baker Street”, gangue de garotos de rua que ‘ajuda’ Sherlock
Holmes em troca de impunidade. Ah, pra encerrar tem a boa versão de “O
Maskara”, de 1994, vindo dos quadrinhos e transformada em comédia de mau
humor e eventos sobrenaturais, representada por Jim Carrey e Cameron Diaz.
(20/9/2021)
Ademais da vida cotidiana, do comércio e das instituições oficiais, o
futebol está rolando na Europa. Além dos campeonatos nacionais, são
realizadas as eliminatórias para a Copa do Mundo, a UEFA e as Copas
Regionais – isso só pra falar na Série A. O estádios estão cheios, próximos da
capacidade máxima. Fim de verão, o torcedor aproveita os últimos calores para
tirar a camisa, beber uma cerva, essas coisas. Nós, abaixo da linha do equador,
assistimos tais cenas horrorizados: como pode, debaixo de uma pandemia
violenta, essa desfaçatez toda? Pode sim. Tem que fazer aqui o que fizeram por
lá: não politizar a vacinação; botar cientistas para tratar da pandemia; vacinar
toda a população; aprimorar o tratamento da doença; equipar hospitais para
acolher pacientes que vierem a ser acometidos pelo vírus. Assim fazendo, a
Covid vai virar apenas uma “gripezinha”. Deixando o futebol de lado – devido
à corrupção de dirigentes e jogadores, o jogo da bola há muito perdeu a
primazia e a popularidade – dois grandes eventos da nossa Pátria Amada estão
se aproximando: a festa de virada do ano e o carnaval. Comemorações nascidas
e enraizadas na tradição nacional (assim como em todo o mundo), ambos são
festejos populares impossíveis de se ter controle ou coibir, a não ser com gás
mostarda! Embora desejem ardentemente, as autoridades – devido a grandeza
dos eventos – não têm como evitar, não têm poder nem capacidade para proibir.
Vamos aproveitar que o presidente-ministro-da-saúde está fora para passar a
boiada de roldão, como disse aquele ex-ministro de óculos espertos. No bairro
revolucionário do Cachambi as baterias já estão soando… (21/9/2021)

Tanta gente gosta de dar lição de vida. Agora mesmo estamos engolfados
delas: nos dão aulas de vida a torto e a direito, aos milhares, tantas, tantas, que
nos sufocam à morte – com a melhor das intenções, claro. Mas o tempo passa e
o que a gente nota é que a vida não pode ser ensinada. Pode-se até contar a
própria experiência de vida. É bom. Já li, vi e ouvi tanta gente importante
narrando o próprio “on-the-road”, tanta história cheia de sentimentos mais
diversos, que tudo acaba por se converter numa vasta sementeira de ideias,
ideais, sonhos, utopias. Mas tudo vira ilusão quando se descobre que não, não
existe uma didática para a vida, não existe uma ideologia de vida, não existe
uma veia pedagógica capaz de criar um currículo para esta coisa estranha que
chamamos vida. Desde que nascemos o milagre acontece: a vida se entranha no
corpo todo de tal maneira que, mal aprendemos a ter entendimento das coisas,
as catástrofes vão nos envolvendo com desfaçatez e fingimentos. Ora fazemos
festas cheias de gritos e risos, ora acompanhamos féretros de negro silêncio. Em
certos momentos estamos felizes, cercados de gente amada, mas daqui a pouco
tudo se desfaz no ar. Inventamos preconceitos, animais destruidores,
decretamos preceitos que passamos a cumprir, como se fizéssemos semeadura e
safra de perda de tempo, toneladas de tristeza, tempestades de dores. Ah, sim,
existe o amor, o breve e velocíssimo amor, um tapa na nossa cara, um tapa no
que é a nossa existência. E só então descobrimos, às vezes tarde demais, um
outro lado da vida, que ninguém contou, nem está escrito. (23/9/2021)

“Luz, mais luz!” Essas palavras proferidas pelo poeta alemão Johann
Wolfgang von Goethe no exato instante de sua morte, alimentou (e continua
alimentando) o folclore intelectual do mundo literário. “Em 22 de março de
1832, falecia o grande poeta alemão Johann Goethe, autor da célebre obra
Fausto. "Luz, mais luz" - teriam sido suas últimas palavras, antes de partir.
"Onde há muita luz, mais forte é a sombra", havia ele sentenciado. Mas, se é
verdade que luz e sombra andam de mãos dadas, também é verdade que "onde
resplende muitíssima luz divina, faz-se luz sem sombras", diz outro alemão, o
teólogo Klaus Berger. “Mehr Licht!” foram as últimas palavras que Goethe
falou antes de morrer. A luz é uma máquina de tempo e espaço, é o segredo da
imortalidade. Ela olha para a luz na tentativa de capturá-la, criando um espaço e
um tempo só seus. Atravessa em segundos a história do mundo, desde quando
não existiam seres humanos até onde não existirá. Olhar, regard, retard, atrasar,
o filme é invenção de um tempo que não passa. Merh licht! (vídeo instalação)
2016 Merh licht! (curta) Duração: 11 min. 2017. Para ser preciso, Goethe
faleceu às onze e meia do dia 22 de março de 1832 com 82 anos. [Pensar que
110 anos mais tarde nasceria numa choupana às margens do Rio Tinto aquele
que viria a ser o maior poeta do Cachambi!). “Sempre disseram que as últimas
palavras de Goethe foram “Mais luz!”. Na verdade, parece que ele pediu que as
persianas fossem abertas para que entrasse mais luz no quarto. “Creio que nas
últimas palavras de Goethe podemos ouvir um brado da profundeza de seu ser.
Ao pedir por mais luz, ele estava manifestando seu incessante desejo de
continuar a observar o mundo e a aprender com ele, de continuar a dialogar e,
além disso, de continuar a dedicar sua vida e a empreender ações pelo bem do
mundo”. Tudo conversa fiada. Tudo cascata! Goethe estava morrendo e é isso o
que acontece com quem morre: adeus luz! (24/9/2021)

Mário de Andrade em cartas a amigos costumava brincar com o dia de


domingo e as referências folclóricas: “Hoje é domingo, pé de cachimbo”, assim
principiavam as saudações domingueiras. Mas ele usava também a expressão
“Pede cachimbo”, criando confusão e polêmica: afinal é pé de cachimbo ou
pede cachimbo? Tirando fora as tradições religiosas que usam o cachimbo –
parece que as há entre gentes nativas do mundo todo, tirando fora também as
tradições em curas religiosas usadas pelos caciques, pajés, pais e mães de santo
e similares – tradicionalmente o cachimbo tem uso popular entre todos os
povos, principalmente o pessoal interiorano. Vale fazer um parêntese para dizer
que o cachimbo agora é usado pela moçada moderna que gosta de puxar um
fumo, um haxixe, heroína, crack, esse tipo de droga… Mas o “pede cachimbo”
que Mário de Andrade usava era aquele momento de ócio espirituoso que o dia
de domingo traduz de imediato: o ócio, o lazer, o prazer, a despreocupação.
Deitar-se numa rede ou arriar o corpanzil numa poltrona almofadada,
geralmente nas varandas com que as casas do interior eram cercadas, enfiar um
cachimbo no canto da boca e fazer exalar o aroma típico do fumo especial, bem
diferente dos outros, mais aromático e temperado. Por outro lado, diversas
plantas silvestres e cultivadas têm o nome de cachimbo, flor-de-cachimbo ou
cachimbinho. Enfim, não vou me esticar, só sei que hoje é domingo, pede
cachimbo e os jardins um pé de cachimbo – com flores. Muitas flores, que hoje
é domingo. (26/9/2021)
Uma das últimas palestras que assisti do escritor José Saramago foi tema
do documentário sobre a vida desse tão querido escritor espanhol. Sim,
espanhol. Para desgosto das putas portuguesas, uma puta espanhola tomou
conta dele nos últimos anos de vida – pode-se dizer que o sequestrou, fê-lo
espanhol, obrigava-o a falar espanhol e, por fim, erigiu em terras canárias o
Memorial José Saramago. (Depois da morte de Saramago os portugueses
reagiram e fizeram na Rua dos Bacalhoeiros nº 10 em Lisboa, a Fundação José
Saramago). Nesse documentário, num minuto de liberdade, sem mesmo estar
no programa, José Saramago disse em português: “Se me perguntassem do que
mais preciso agora, eu responderia: tempo. Tempo, nada mais”. E assim
voltamos ao velho tema da vida. Quando alguém morre aos 90 ou 100 anos
dizemos que teve “vida-longa”. Ora, Matusalém viveu 300 anos! Diz que teve
vida profícua, que teve vida feliz. Hoje em dia, porém, não se usa tais palavras
para falar de quem morre longevo. Se o defunto foi político então nem há
palavra, só palavrão. O que todos têm em comum é que o tempo faz falta
quando mais se necessita dele. Esse tema já deu samba, conto, romance, drama,
ópera e o escambau a quatro. Alguém já pagou para pensar quantos anos
verdadeiramente a gente vive – mesmo sendo um sortudo longevo? Não, quase
nunca. Mas quando se está com o pé na cova pede-se tempo, que não tem. Pois,
se me perguntassem do que mais preciso agora, beirando os 80 anos, eu
responderia sem pensar: uma boceta, uma picanha mal passada e uma cerveja e
nada mais. Mas, como José Saramago, sei que não terei nada disso. O tempo é
implacável, a indesejada está na porta. (27/9/2021)

Uma das coisas que me deixa mais enquizilado é a frase feita, que nem
aquela dita por John Kennedy: “Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por
ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela”. É uma proposição tão maldosa como
aquela que botou nas donas de casa a culpa pela proliferação da dengue, que era
doença silvestre (contida nas matas e florestas), trazida pelo desmatamento. As
autoridades competentes, como sempre, tiram o corpo fora. Quem produz mais
mosquitos: a bandeja de vaso ou a piscina abandonada; as poças d’água do
terreno baldio ou as águas invisíveis que se acumulam nos ralos? Quem tirou o
fumacê das ruas? No caso de “morrer pela pátria” frase feita é o diabo. A
Espanha e depois Cuba celebrizaram o “No pasarán!” (que veio da França).
Revendo o próprio conceito de “pátria”, como defini-lo num mundo
globalizado onde as correntes migratórias circulam como o próprio vento? Os
hinos estão entulhados de frases feitas e conceitos patrióticos, que só nasceram
quando reinventaram a nação e as fronteiras. No mundo sem fronteira não
existia a pátria. "Pátria amada, Idolatrada" – diz o hino nacional que, louve-se,
não estimula ninguém a morrer por ela. Já o Hino da Independência é mais
incisivo: “Ou ficar a Pátria livre / Ou morrer pelo Brasil”. Nenhuma das nossas
pequenas guerras teve como motivo a defesa da pátria. E em nenhum momento
grave da história da nação irmã USA o conceito de “morrer pela pátria” foi
decisivo: na Guerra da Secessão os negros foram convocados em troca da
liberdade da escravidão; na II Guerra Mundial a justificativa foi o revide aos
ataques alemães e hoje as guerras são por petróleo, água e gás. Enfim, hoje,
para ter exércitos poderosos esqueçam o conceito de pátria: os soldados das
forças armadas não querem mais morrer pela “pátria amada, Brasil”, precisam é
de melhor salário e mais direitos, igual aos deputados e ministros. A indústria
de armas tem cacife para garantir as despesas. (28/9/2021)

Meu primo disse-me que se enfadou de escrever, logo ele que escreve
desde quando era jovem estudante de Direito, tendo como professor o Mestre
Sobral Pinto! Agora, que já ultrapassou a barreira dos 80 anos, me vem com
essa pose de avestruz. – Já escreveram tudo no mundo – diz ele. Não tenho
nada mais a dizer. É natural reagir assim, acho até que em toda arte ou profissão
isso ocorre. Mas é uma falsa impressão. Muito do que já se escreveu vai
passando para trás e tudo que está bem guardado em bibliotecas se torna
inacessível para a maioria dos leitores. Outra coisa: como o mundo se reinventa
a cada segundo, sempre haverá o que dizer ou comentar. Outra questão que o
escritor levanta é: – O que escrevo será lido? Os homens que deixaram textos e
imagens nas cavernas não pensaram assim. Agora mesmo, esta pandemia de
Covid tem se transformado desafiadora para todos os artistas. A pandemia traz
consigo não só destruição e morte, mas um vasto material que se impõe ser
decifrado não só para a ciência, mas também que requer uma interpretação para
as artes, exige uma reflexão para a sociedade. A pandemia – como um vulcão
que derrama lavas devastadoras sobre um vilarejo – cobriu a humanidade com
um pesado e mortal manto, que faz desmoronar a retórica política e põe a nu o
vasto campo da corrupção humana. A história bíblica de Sodoma e Gomorra se
repetiu, só que, por não termos os mesmos poderes, reagimos com maior
passividade, perdoamos pecados que aquele Deus não perdoou, porque sabia
que o Diabo estava no poder. Então, primo, como é essa história de não ter nada
sobre o quê escrever? (29/92021)

De todos os comentários ao texto anterior, achei o do amigo Francemir


Barra o mais enigmático, pois traz rasteiras filosóficas: “o grande devaneio da
velhice é julgar-se sábia em qualquer momento da existência!” Isso é verdade,
mas também uma maldade. É um pedaço de filosofia nietzschiana. Claro que
Nietzsche, como todo filósofo, bebeu em fontes antigas. Mas não é esse o papel
do filósofo: reconstruir ideias e pensamentos? No ensaio “O Filósofo e a
Velhice” (Aurora: Reflexões sobre os preconceitos morais, 1881), o filósofo
alemão diz com mais detalhes o que Francemir Barra resumiu num comentário:
“Não é bom deixar a noite julgar o dia: pois com frequência o cansaço torna-se
juiz da força, do êxito e da boa vontade. Assim também é aconselhável extrema
cautela em relação à idade e seu julgamento da vida, uma vez que a velhice,
como a noite, ama disfarçar-se de uma nova e atraente moralidade e sabe
humilhar o dia com os vermelhos do crepúsculo e o silêncio apaziguador ou
nostálgico. (…) De fato, não é raro que a ilusão de uma grande renovação
moral e de uma regeneração se apodere do ancião e que, a partir desse
sentimento, este emitia, sobre a obra e o desenvolvimento de sua vida, juízos
que poderiam levar a crer que acaba de chegar precisamente à clarividência:
entretanto, a inspiradora desse bem-estar e desse juízo de segurança não é a
sabedoria, mas o cansaço.” Ou seja, a velhice é sábia, sim, mas devido ao
“cansaço” que o viver longevo traz, cai na vaidade de transmitir a vivência
própria como se fosse sapiência. Na verdade o ancião quer esconder o mal
humor, as dores múltiplas, a perspectiva dos sem tempo, a falta de luz. Prefiro o
ponto de vista da escritora Ceres Costa Fernandes, que, sabiamente, sintetizou:
“A gente escreve porque escreve. Às vezes enfara, às vezes anima”. Simples,
né? (30/9/2021)

Não sei, mas acho que dou razão à turma que reclama de um poeta fazer
poesia em pleno desespero pandêmico. À luz da razão, não faz sentido. Esse
momento indiscreto ocorreu comigo, não na pandemia, mas na vida comum. Eu
frequentava a casa dela quase cotidianamente. Chegava, cumprimentava,
abraçava, beijava e só depois participaria da vida familiar, nas conversas,
problemas e sucessos. Éramos assim como parentes afins, isto é, pessoas que
não têm laço de parentesco, mas que a vivência e afinidades os fizeram
parentes. Então, mais que de repente, quando a abracei e beijei a bochecha
rosada ela me disse: “Agora não é mais, não é?” Fui vê-la no quarto, ela deitada
na cama tinha com um livro escolar nas mãos. Eu estranhei a frase não
explícita, mas seus olhos brilhavam, os lábios estavam molhados. Fingi não
entender e saí para a sala, a visita continuou comum a não ser pelos voejados,
passagens e demonstrações que ela fazia questão de executar interrompendo a
conversa, dando opiniões sem importância, pedindo que fizesse algo para ela.
Só quando ela me pediu para ajudá-la num trabalho escolar me dei conta da
realidade: ela me oferecia uma maçã, como a serpente, o mais astuto de todos
os animais. Ele perguntou: “Você quer?” Ela viu que seu fruto era agradável ao
paladar, de odor pecaminoso, atraente aos olhos e desejável por qualquer um:
depilou-o, perfumou-o e, como uma dádiva religiosa, ofereceu-o ao homem.
(02/10/2021)

Sono reparador. Essa expressão é muito usada em geral pelos médicos e


aderentes. Mas é verdadeira. Tirando fora aquele sono que no dia seguinte
resulta em ressaca, o sono é em grande parte "reparador". O sono bota a
máquina em repouso para que ela mesma dê conta e corrija as merdas que nós
fizemos quando "acordados". Mesmo quando resulta em ressaca acho que o
sono não perde a qualidade de "reparador". A ressaca já é meio caminho andado
para a redenção. Tem que dar um lembrete para avisar que a ressaca não é só o
resultado de bebedeira, de alcoolismo, ou outra droga que se usa e dá ressaca. A
ressaca pode resultar da merda que você fez sem ter bebido uma gota de uísque,
como, por exemplo, falar mal da sogra, botar chifre na mulher com a vizinha,
postar vídeo nas redes sociais desfilando em plena Avenida Paulista no dia do
orgulho LGBTIWFGay+. Enfim, para não ficar enchendo linguiça, para mim,
sono reparador mesmo é quando a gente acorda e vê deitada nua ao lado aquela
gostosona que sua mulher chama de galinha, piranha e diz que ela dá pra todo
mundo. (05/10/2021)

Ando muito decepcionado com meu cu – mais que decepcionado, o que


me dá é uma violenta revolta, aliada à impotência de não poder fazer nada. Já se
vê que estou falando das atividades fisiológicas para as quais o cu foi criado
pela mãe natureza. Todo mundo sabe para que serve o cu, tirando fora as
multiatividades pederastas e sexuais, claro: eliminar gases e dejetos produzidos
com a queima de gordura e proteínas. Pois não é que o meu cu resolveu, por
assim dizer, entrar numa fase de revolta operacional cuja maior gravidade é a
desobediência? Em resumo, meu cu resolveu dar o Grito do Ipiranga! Agora
peida e caga sem prévio aviso, de modo incontrolável, me deixa de cuecas
curtas a qualquer momento, em qualquer lugar, a qualquer hora. Aliás, a
qualquer hora é muito: a qualquer segundo. Os doutores médicos chamam a isso
de incontinência. Eu chamo de insubordinação. Todos sabem que tenho meus
pontos de honra, todos não negociáveis, entre os quais estão em lugar de
destaque: 1) jamais usar fraldão; 2) nunca usar bengala! 3) impensável passear
rebocado por um poodle de coleira! Usar Andador, nem pensar! Por enquanto, a
salvação temporária é aplicar a máxima do Dalai Lama e adotar a alimentação
macrobiótica ou vegana: – Quem come pouco, caga pouco – disse o sábio num
momento de profunda meditação no Himalaia. (8/10/2021)
Deixemos o meu cu de lado. Esse processo remete direto à longevidade.
Mas não quero fazer disso uma discussão. Cada um com seu problema, sua
opinião – tratados com todo respeito. Para mim chegar até aqui (79 anos) está
tudo bem, está ótimo. Ia até dizer que "estou no lucro". Ledo engano: agora é
que começam os prejuízos. Não só os levantados no texto mas todos os outros
que os amigos comentaram. Aí soma-se um monte de coisas que trazem os
males da velhice. Alzeimer, Parkinson, Demência, Esclerose, etc. Legamos
toneladas de aporrinhação para os jovens, que deveriam estar estudando,
trabalhando, amando muito – o peso que o idoso significa para a sociedade é
muito grande. Uma chatice enfim. Sejamos realistas: Não é uma "boa idade" de
modo algum. Milho pra galinha, Mariquinha… Obs: "Milho pra galinha
Mariquinha" é o título de um best-seller da jornalista e escritora Marisa Raja
Gabaglia (1942-2003), cuja vida daria um romance. (10/10/2021)

Um amigo facebuqueano que se dá ao trabalho de ler o que escrevo aqui


certa vez comentou sobre o excesso de temas escatológicos. Na verdade ele
disse que eu escrevo “muita merda”. Como que para alimentar essa má fama,
acabo de assistir no Canal Curta a chamada para o Documentário “Intestino,
Nosso Segundo Cérebro” (França, 2013), de Cécile Denjean. Apesar de antigo,
eu jamais havia lido ou ouvido algo sobre o tema. O trailer vem acompanhado
do resumo temático: “Há alguns anos, os cientistas sabem da existência de
outro cérebro dentro de nossos corpos – bilhões de neurônios conectados,
moléculas (neurotransmissores) que transmitem ordens e induzem reações
independentes. Este segundo cérebro, ou “cérebro lá embaixo”, não é outro
senão nosso ventre. Ele atua, muitas vezes, de forma completamente autônoma,
para muito além de nossa digestão. Ele reina sobre uma colônia espetacular de
cem mil bilhões de bactérias (nossa flora intestinal) cuja a atividade teria um
impacto sobre nossa personalidade, até mesmo sobre nossas escolhas, sobre
nossa timidez, e por outro lado, sobre nossa temeridade. O que é ainda mais
surpreendente é que algumas doenças cerebrais, como o mal de Parkinson,
poderiam ter origem na degeneração de neurônios do nosso intestino... E
poderíamos, em contrapartida, tratar de doenças gástricas com sequências de
hipnose... Ou como "falar com nosso intestino" para curá-lo. Todas essas
descobertas significativas revolucionam a nossa visão sobre esse órgão que
parecia bobo e passivo. A inteligência do ventre, uma nova linha de pesquisa
que fascina equipes ao redor do mundo e que este filme se propõe descobrir”.
Vou assisti-lo e depois talvez faça alguns comentários para não decepcionar
aquele leitor e amigo. (11/10/2021)

Uma das expressões mais agudas que o meu pobre cu recebeu na


croniqueta em que expus a intimidade dele escabrosamente, foi a singela
exclamação: “Afolozou!” Ri-me. O cu riu-se. Os intestinos riram-se. Muitas
vezes ouvi essa expressão que é para ser divertida mas às vezes soa trágica. Mas
só fui saber, digamos, a sua etimologia pela palavra do insigne Dr. Sylvio de
Mendonça Habib, médico maranhense que instalou consultório em pleno
coração da Cinelândia, à Rua Álvaro Alvim, lugar onde havia mais Cinemas e
Teatros por metro quadrado na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e por
isso a Praça Floriano merecidamente ganhou esse apelido. Fui ao Dr. Sylvio,
recomendado pelo Tio Zé Nahuz para, como se diz no popular, dar uma geral no
esqueleto. Não fui advertido, porém, que a cada consulta eu deveria ouvir o Dr.
Sylvio recitar, com pompa e fanfarras, um soneto da sua lavra. Foi assim que
fixei amizade com o maior sonetista da Rua Álvaro Alvim! Quanto aos exames,
estava tudo bem. Quase. Porque o meu pulmão de fumante, farrista, namorador,
mulherengo, jogador de peladas no Aterro e bebedor contumaz, estava nublado
e periclitava. “Pelo menos o cu não afolozou!” – disse Dr. Sylvio para levantar
a minha moral. Depois de meses de tratamento rigoroso – durante o qual eu tive
que fazer uma opção para eliminar um desses prazeres (escolhi o fumo), Dr.
Sylvio decretou: “Está pronto para outra!” Vocês podem imaginar a alegria que
encheu meu coração de vinte e poucos anos. Porém, antes de expressar toda a
minha gratidão – que é eterna – quis saber do Dr. Sylvio a história do
“afolozar”: “Ora Saloca, o ânus severamente castigado ou por qualiragem ou
por hemorroidas, entumescido e frouxo, parte dele é exposta e fica com
aparência de couve-flor. É um desastre moral e físico que não escolhe gênero:
tanto machos e qualiras são afligidos. Daí se originou a expressão”. Então, neste
momento solene, posso repetir: “Pelo menos o meu cu ainda não afolozou!”
(12/10/2021)

Uma das provações que todo escritor – famoso ou não – há de passar


quando dá palestras ou entrevistas sobre a arte de escrever é a famosa pergunta:
– De onde você tira inspiração para escrever seus textos? É uma saia justa,
como se diz. Foi desse inferno que surgiu a famosa definição exagerada: – O
que escrevo é 90% transpiração e 10% inspiração – que a maioria dos escritores
dá. Uma bobagem que responde a outra… Então se perde tempo com essa
besteira. Eu mesmo caí numa dessas quando alunos mexicanos de língua
portuguesa escolheram o livro de poesia “7 Canções” e me convidaram para
participar de uma live sobre o meu livro e a língua portuguesa. Depois de muita
conversa e leitura verifiquei que, apesar das origens mais diversas, eram alunos
aplicados e falavam português razoavelmente. Daí a dominar o idioma, porém,
segue-se uma longa jornada. Cada um escolheu um poema para ler e todos se
saíram muito bem. Conversamos um bocado sobre as dificuldades do
aprendizado da língua portuguesa e elogiei o grupo e a mestra que liderava a
classe. Já no finzinho, então, lá vem a pergunta sobre a inspiração. Eu confesso
que me saí muito mal, perdi a linha, o fio da meada: para decepção da minha
interlocutora, decretei que a inspiração não existe, que a arte de escrever era só
trabalho e outras bobagens afins. Aqui mesmo, escrevendo estas linhas
desimportantes, vou, volto, troco palavras, corto frases, recoloco pensamentos –
um saco enfim. Hoje acho que se pode chamar de inspiração aquele momento
imperceptível que a ideia surge, um repente miúdo, minúsculo, um átomo de
pensamento que pode ser palavra, imagem, sonho, utopia, momento alegre,
momento triste, momento sem cor, cheiro, nem dor – engano e desengano. Tudo
isso é inspiração, que pode, ao se finalizar e tornar esse momento viável,
transportar quem lê a um lugar que não havíamos sequer imaginado. Este livro
“7 Canções” nasceu de um desses momentos paridos por uma mulher sardenta e
de cabelos ruivos avermelhados. (15/10/2021)

Dois anos depois que vi Aline pela última vez – lembro de ter desejado a
ela boas festas e feliz ano novo, foi, portanto, antes da pandemia – dois anos
depois, dizia, senti na pele e na alma o prejuízo que esta Pandemia do Covid-19
está me causando. É bem verdade que o tempo não parou por causa disso e os
anos tornaram meus cabelos alvos. Apenas nos cumprimentamos rapidamente e
ela se recusou a me dar o número do telefone. A Ana Lúcia? Casou, mudou para
a Itália, ainda não tem filhos, ao contrário de Taís que também casou, descasou,
casou de novo e continuará se casando, sem se importar de ter filhos. A Julinha,
de 20 anos, que conheci vendendo comida natural na esquina da Garcia
Redondo, estremeceu quando lhe toquei à cintura alvíssima e confessou num
simples olhar que gosta de meninas. Fazer o quê? Tá na moda. A cada novo
reencontro, um nome a menos na agenda da memória. Até a minha pombinha –
à qual recuso dar nome para não cair em línguas ferinas – não casou, mas voou
para terras longínquas e nem mais o facebook nos une. Colombina, bom, essa já
estava de malas arrumadas e deixei-a no aeroporto numa boa jurando que torcia
pela felicidade amorosa e profissional dela. A paz terminou no dia em que pedi
que me mandasse umas fotos pornoeróticas para eu relembrar os velhos tempos.
Bloqueou-me e as lembranças se esfumaçaram. A Luzia se cansou de morar no
Cachambi, apesar de todos os meus elogios à modernização do bairro: mudou-
se de mala e cuia para a Barra. Quer dizer: mala e cuia e namorada. Enfim, tem
mais uma dezena dessas histórias, que não vou relatar aqui, por um motivo:
Não é da conta de ninguém. Confesso apenas que o prejuízo é grande, o dano é
irreparável. Maldita Pandemia! (17/10/2021)
Com atraso, mas muita alegria, recebo a notícia que o poeta Fernando
Braga foi eleito para ocupar a Cadeira nº 2 da Academia Maranhense de Letras,
deixada pelo romancista Waldemiro Viana, a quem – tenho certeza – Fernando
Braga prestará as devidas homenagens a esse importante escritor
contemporâneo, injustamente esquecido pelos ensaístas literários. A poesia de
Fernando Braga ecoa nos becos e ruelas de São Luís com a mesma dignidade
que o cantar e os fados de Fernando Pessoa passeiam pelas calçadas do Chiado,
em Lisboa. Esta escolha mais que merecida serve como pedido de desculpas ao
poeta, quando foi injustamente preterido, devido a manobras políticas, quantas
vezes anteriormente pleiteou a vaga. Em resumo: levou rasteiras, mas, dono de
obra sólida, nem ligou: cancelou algumas amizades e seguiu em frente.
Fernando Braga é dos escritores na ativa que mantém fidelidade à Pátria-Mãe,
Portugal, enquanto que grande parte da intelectualidade maranhense tece loas e
broas ao pirata Daniel de La Touche, quando a França tinha pretensão de
colonizar o Norte desta terra ainda não chamada Pátria Amada. Bom, mas isso
são águas passadas, embora, convém lembrar, a França seja a única ocupadora
das Guianas que ainda não deu independência à sua colônia. O fará quando a
Inglaterra devolver as Malvinas à Argentina. Mas nem Lisboa nem São Luis
prestaram tanta homenagem a Fernando Braga: o chope rolou firme em Barra
do Corda e já corre abaixo-assinado para dar nome de rua ao ilustre membro da
A.M.L. (18/10/2021)

“Pobre amigo, amores gorados transmudam-se em lésbicas, senhoras


casadas, safadinhas fujonas. Tudo culpa pandemia!! Bom ficar alerta que a
peste está a acabar. A quem culpar depois?” – disse Ceres Costa Fernandes a
respeito da minha crônica de 17/10/2021, com absoluta razão. Mas senti nas
palavras o mesmo ódio adotado pelas feministas, desde o início do Século XX,
quando as sufragistas exigiam o direito da mulher votar. Isso é próprio dos
nascidos em Áries… O meu ofício de escrever não tem a cultura necessária das
academias e o autodidatismo me afundou no aprendizado vivencial. Já li
centenas de livros advindos de tese de mestrado para saber que existe a
linguagem acadêmica e a linguagem – digamos – corporal, intuitiva. Aprendi
pela segunda via, mas comecei cedo: não precisou vestibular. Não fui um aluno
relapso, escolhi bons livros, bons autores. Fui realista nas pretensões: jamais
sonhei escrever “Guerra e paz”, “Os miseráveis”, “Em busca do tempo
perdido”, “O tempo e o vento”, Grandes Sertões, Macunaíma. Não. Somente
depois de ler muito resolvi botar no papel a biblioteca acumulada nos neurônios
e – conforme a ciência moderna – nas vísceras. Só que tudo isso veio com
falhas biológicas: não consigo escrever sobre a fome e a miséria, não sei
descrever a feiura e o aleijão, faço poucas referências à política, religião e
futebol – me enojam a corrupção material e imaterial. Tudo que escrevo tem um
sentimentalismo bobo, um romantismo incestuoso, algo assim entre Sade e
Casanova, chulo e amoral. Só sei falar de mulher: acredito que foi o melhor da
Criação. Amo e amarei sempre as mulheres. Falo da relação natural entre
homem e mulher, do amor, dos amores – e não, não nego que renego os
“amores gorados que se transmudam em lésbicas, senhoras casadas, safadinhas
fujonas”. Os personagens são meus, por isso condeno-os segundo meu próprio
julgamento e vontade. No demais, assumo: aberrações não fazem parte do meu
cardápio. (19/10/2021)

Manhã chuvosa. O pessoal deve estranhar ver aquele velhinho de cabelos


alvos, antes mesmo do sino bater as seis horas da manhã, ir pra e pra cá sozinho
em afazeres tantos que quase não dá conta (eles também, em azáfama diária, se
preparam para sair, trabalhar, estudar, fazer exames médicos, viajar, tudo o que
a vida exige), mas o velhinho, por que acordar cedo, por que não ficar como os
outros dormindo mais um pouco? mas não, o velhinho lava o rosto, escova os
dentes, bota água na chaleira, bota a chaleira no fogo, tira da geladeira o leite, a
margarina, o queijo, põe tudo sobre a mesa, pega uma caneca branca com a
inscrição papai eu te amo, serve o leite até a metade da caneca, bota os pães no
pratinho, corta-os ao meio, passa margarina, bota a fatia de queijo, põe o coador
de papel na cafeteira, três colheres de pó, apanha a água fervendo, coa o café,
esquenta o leite, bota o café fumegando na caneca, o adoçante, separa os
comprimidos matinais, e só então, com as mãos equilibrando o pratinho e a
caneca caminha, senta-se na única cadeira na varanda para tomar o café da
manhã, sem pressa, de entremeio engole os comprimidos, molha a ponta do pão
no café com leite, vai comendo devagar, olhando a paisagem, as nuvens
encarapitadas na Serra Grajaú-Jacarepaguá, a movimentação no condomínio ao
lado, os carros saindo, os acenos à janela, uns e outros caminhando ou correndo,
a sós ou em casal, com o cachorro na coleira, a sacolinha de plástico para
coletar o cocô, enquanto isso o velhinho termina o café, sacode os farelos de
casca de pão no vaso de planta, volta para a cozinha, lava a louça que usou e
senta-se ao sofá para assistir na TV, ao lado do gato, o jornal da manhã, porque
daqui a pouco a filha se levanta, encontra a mas posta, faz o desjejum e pega o
ônibus rumo ao trabalho. Um dia – eu sei – manhã cedo ela irá acordar e não
encontrará nada mais disso… (20/10/2021)

Daqui vejo na varanda do apartamento em frente um cão que passa o


tempo todo andando em círculos. Mas não é como aqueles que tentam morder o
próprio rabo, é como se fosse um exercício, o único que pode fazer. Como os
moradores do condomínio, que descem para correr ou caminhar ao redor dos
prédios, aquele cachorro corre ao redor de si mesmo. Mostrei para minha filha,
ela opinou que ele pode estar cego, e não podendo enxergar, traçou uma rota na
qual nunca se perderá. Falei com o veterinário onde compro comida para o gato
e ele me disse que pode ser outras causas, como o fato de ser um cão idoso,
possuir algum machucado ou problema de saúde mental. Assim como nós –
contou o veterinário – os cães também ficam velhos e acumulam doenças
similares às nossas com mudanças de comportamento. Acredite: ele me disse
que o cão idoso também tem problemas de saúde mental. Existe até um tipo de
Alzheimer Canina que causa desorientação, demência, transtorno obsessivo-
compulsivo o famoso TOC. “O cão pode então andar em círculos como se
estivesse perdido, fitar portas, cantos da casa, um lugar ao longe e apresentar
alterações de personalidade. Pode esquecer aonde está a comida, a água, onde
fazer xixi ou cocô. Esses comportamentos estranhos podem sugerir problemas
neurológicos causados por trauma mecânico, infecção, tumor no cérebro ou
outras doenças congênitas. Uma dessas enfermidades é a Síndrome Vestibular,
distúrbio neurológico comum na medicina veterinária. O sistema vestibular tem
a função de transmitir a informação do ouvido interno até o cérebro, sobre a
posição da cabeça em um espaço tridimensional. Assim, atua diretamente na
manutenção do equilíbrio, na orientação da cabeça e do corpo no espaço e na
audição”. Pobre cão que, andando sempre em círculos, anuncia quanta maldade
me espera! (21/10/2021)

Esta semana choveu quase em todo o país. Deve ter chovido também nos
cofres da Aneel, da Light e demais distribuidoras. A corrupção no Brasil,
sustentada pelo Congresso Nacional e câmaras regionais, é composta de vários
elementos. O mais famoso e antigo deles é a Indústria da Seca do Nordeste, que
enriqueceu e continua enriquecendo os coronéis e seus descendentes há séculos.
A goela da Indústria da Seca do Nordeste é maior que a cratera do Vesúvio e
mais gulosa do que Lombriga. De uns tempos para cá foram expostas outras
indústrias, até então escondidas noutras regiões, para se juntar à corrupção da
Indústria da Seca do Nordeste. São elas: Indústria da Cheia do Amazonas, a
Indústria das Queimadas e a Indústria dos Reservatórios Vazios – todas
corruptoras e tão vorazes quanto a Seca do Nordeste. A Indústria dos
Reservatórios Vazios é alimentada pelas hidrelétricas, sistema escolhido pelo
país por ser “fonte renovável” e produzir “energia limpa”. Tudo mentira e por
não ser nem um nem outro, pagamos o pato. As represas para serem construídas
alagam cidades, expulsam populações, engolem florestas, terras produtivas,
enterram belezas naturais (entre todas a mais agressiva nesse sentido foi Itaipu,
que fez desaparecer o Salto de Sete Quedas), secam rios e pantanais,
prejudicam o abastecimento de água dos países e estados vizinhos. Sabendo-se
que 90% das reservas de água do país é consumida pelo agronegócio e pela
indústria, acaba-se por ver que a seca nos reservatórios não é só por causas
naturais. Políticos, reis, rainhas e cientistas que regem a nação brasileira sabem
a solução do problema. Mas quem quer acabar com essa mamata? (22/10/2021)
Meu primo Quincas é seresteiro de mão cheia. Não tem o vozeirão do
Pavarotti, mas é afinado e tem ritmo. Os sustenidos e bemóis são emitidos com
emoção, os trêmulos entonados no tempo dramático exato, porque até mesmo a
seresta tem seu momento de ópera lírica. Ele guarda de memória canções que
remontam ao Brasil Império e provavelmente Dom Pedro I cantava aos pés da
amada Domitila. Na juventude Quincas, acompanhado apenas por violonista,
acoitava-se nas praças ou debaixo das janelas e balcões onde entoava as mais
belas composições do cancioneiro romântico brasileiro, para deixar em pedaços
os corações e os cabaços das Julietas e Amélias. As serestas, acompanhadas
pelo luar, também serviam de pano de fundo para uma prática comum na época:
o roubo de donzelas. Roubo consentido, é claro, pois os casais fugiam com
malas e cuias para voltar tempos depois casados e com um neto na algibeira pro
mode de não ter jeito do sogro enfurecido desfazer a união sagrada. Só então se
dava a festa de casamento, que durava uma semana. Bolei usar com Quincas o
mesmo método aplicado à minha sogra, ela própria um repositório do
cancioneiro sacro do Nordeste. Lançava um desafio: – Essa você não conhece.
Para provar o contrário ela me presenteava com canções de procissão, de
enterros, incelenças, cantos votivos, novenas, ave-marias. Com Quincas bastava
jogar a frase inicial da canção no ar. Essa você não conhece: “Lábios que beijei,
mãos que afaguei, numa noite de luar sem fim”. Aí ele entoava, à capela, a
canção todinha de cabo a rabo, sem errar uma vírgula, uma reticência, sem
deixar de entoar a rima mais difícil. Eram interpretações para nenhum Nélson
Gonçalves botar defeito. Algumas delas arrancavam lágrimas, outras um soluço
contido, todas mereciam aplausos pois enterneciam os corações mais duros,
amalgamados em concreto. Bateu saudade, primo: é grande a distância entre
Olho d’Água e Cachambi.... (23/10/2021)

Hoje é domingo, mas não arredo o pé de casa. O fim do mês se aproxima


e estou mais duro que o mármore do túmulo do Mário de Andrade. Quando a
pandemia mostrou a cara feia anunciaram o fim do mundo, mas hoje se sabe
que os boletos, os chineses e as baratas sobrevivem a qualquer hecatombe. O
mesmo se deu quando se anunciou a vinda do Cometa Halley em 1902,
conforme registrou o poeta Leandro Gomes de Barros. Eu ia passar o domingo
preenchendo a ficha de filiação ao Partido Socialista Brasileiro – PSB porque
desde pequenininho quis ser comunista e não fui. Quis ser guerrilheiro e não
fui. Quis ser… bom deixa pra lá: pelo que sei hoje dos colegas de juventude
vejo o quão voláteis são os sonhos de mocidade. Enfim, tenho amigos aqui que
estão filiados ao PSB e agora, chegando os 80 anos de idade, me pedem para
ser um deles. Sei que o PSB é um ex-PCB ou PCdoB – não tenho certeza.
Então, por que não? Sempre acompanhei os ideais brizolistas e até ajudei –
instigado pelo meu amigo Gaúcho – a fundar o Diretório do PDT no Méier.
Depois políticos corruptos assumiram o comando e me enviaram para o Gulag
da Pç. Orlando Silva, no Cachambi, onde estou até hoje. Mas a ficha de filiação
do PSD, até certo ponto bem bolada, em amarelo e vermelho (amarelo do nosso
ouro, vermelho do banho de sangue de Stalin), tem um pecado grave, a citação
de Shimon Peres: “O socialismo não é um dogma, o socialismo é uma
civilização, uma atitude em relação às questões mais importantes de nossa
vida. Paz. Justiça. Igualdade. Humanismo”. Shimon Peres dirigiu por décadas
a política de Israel e não seguiu os princípios que ele mesmo pregou. Caiu mal
para o PSB, que teve entre fundadores os juristas Evandro Lins e Silva, Evaristo
de Morais Filho e o escritor Rubem Braga. Repete-se o velho e antigo “faz o
que digo, não o que faço”. Ou: “esqueçam o que eu disse”. Pensando bem acho
que vou recusar o convite para me filiar ao PSB. Tô fora! (24/10/2021)

É esse o triste retrato da minha pátria amada Brasil? Escárnio. Deboche.


Achincalhe. Zombaria. Burla. Dolo. Enganação. Fraude. Logro. Mistificação.
Caçoada. Troça. Mofa. Desacato. Desrespeito. Chacota. Insulto. Afronta.
Agressão. Bofetada. Tapa. Descompostura. Desfeita. Injúria. Insolência.
Difamação. Ofensa. Ultraje. Vitupério. Ludíbrio. Desprezo. Menosprezo.
Depreciação. Desdém. Menoscabo. Joguete. Judiaria. Momice. Apupo. Facécia.
Galhofa. Mangação. Sarcasmo. Broma. Destampatório. Farra. Pândega. Ironia.
Ridiculização. Achincalhação. Escarnecimento. Zombaria. Menosprezo.
Sarcasmo. Apupo. Caçoada. Facécia. Galhofa. Insulto. Trote. Sarro. Zoação.
Brincadeira. Broma. Chacota. Divertimento. Entretenimento. Facécia.
Folgança. Folguedo. Folia. Galhofa. Gracejo. Passatempo. Reinação. Troça.
Trote. Zombaria. Desfrute. Chalaça. Chiste. Bufa. Gaiatice. Graça. Motejo.
Pilhéria. Judiaria. Apoquentação. Maldade. Mofa. Caçoada. Desdém. Joguete.
Risota. Piada. Sátira. Apupo. Farra. Achincalho. Burla. Insulto. Ironia. Vaia.
Depreciação. Ridiculização. Tão de sacanagem comigo? É isso que vou passar
aos netos? Lembre-se de que o mundo dá voltas e chegará o dia da retaliação. E
quando a desforra vem é igual a um tsunami. Todos se unem para o desagravo.
Com desforço e determinação a forra libera o ódio represado. E a represália traz
consigo a retaliação às vezes violenta. A revanche será semelhante à vindita, a
vingança ainda que cruel. As maldades, os insultos, os achincalhes, responderão
pela afronta agressiva e às bofetadas, com implacável dureza. É hora de parar
com essa descompostura, com o escárnio, a injúria, a insolência para evitar o
revide, a lei de Talião. Que merda! Tô de saco cheio! Pô! (25/10/2021)

Estávamos pensativos – eu e o gato – diante da tela branca do notebook


matutando sobre o tema a escrever quando ouvimos um ruflar e algo passou
velozmente por detrás, deixando apenas o vento frio nas nossas nucas
arrepiadas:
– O que foi isso?
– Não sei.
A cortina tremulou fortemente como uma flâmula ao vento:
– Aí tem coisa.
– O que será?
Com todo cuidado e a vassoura na mão me aproximei da cortina.
– Vai pelo outro lado.
– Deixa comigo.
Afastei a cortina e o que vimos nos deixou de cabelos e pêlos em pé. Um
baratão! Ao sentir o movimento da cortina o gigantesco inseto saltou para a
varanda e tentou fugir, mas estava enfraquecido e não deu mais que dois passos.
Um pra frente, outro pra trás. O gato avançou e rapidamente imobilizou o bicho
pondo-o deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal.
Naquela posição, o superinseto começou a se examinar, levantou um
pouco a cabeça, divisou o ventre castanho arredondado dividido em duros
segmentos arqueados, sobre o qual ele dificilmente mantinha a posição e estava
a ponto de escorregar varanda afora. As inúmeras pernas, que eram
miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos.
– Gregor Samsa! Exclamei.
– Como? Você conhece esse cara?
– É o Gregor Samsa, não lembra? A metamorfose. Franz Kafka.
– Ah, Cafta. Por isso me parece tão saboroso.
– Você não vai comê-lo!
Antes que o gato devorasse sua cabeça e aquele ventre tão nutritivo,
Gregor Samsa rezou três pai-nosso, duas ave-marias e um creio-em-deus-pai.
– Asqueroso!
– Gatos são seres humanos como outro qualquer.
Enquanto o gato lambia os beiços com prazer, uma rajada de vento
carregou as sobras das asas do inseto pelos céus estrelados do Cachambi.
(26/10/2021)

No ano de 2016 fiz um esboço de uma ficção intitulada “O mecânico de


F1”. Anotei qual seria o roteiro e depois deixei pra lá. Ficou inacabado. Em
termos gerais seria o seguinte: de férias, um jornalista brasileiro na Itália entra
no bar, fazendo-se conhecer. Logo se aproxima o bebum local gabando-se de
falar português, de ter trabalhado na equipe de F1 da Williams e conhecido
Ayrton Senna. Hoje está aposentado e desfruta de boa renda mensal, recebendo
um bônus de fonte desconhecida. O jornalista fareja boa história e começa a
soltar a língua do bebum. Descobre que o cara estava na ativa no dia do fatídico
GP de Imola em que Senna faleceu. Senna liderava a corrida tendo nas mãos
uma Williams toda remendada, enquanto um furioso novato o perseguia em 2º
lugar: Michael Schumacher. De repente, na curva Tamburello, Senna passa
direto indo se chocar de frente com um muro de concreto. Eu assisti a corrida
narrada por Galvão Bueno ao vivo na TV Globo. O helicóptero fica com a
câmera no acidente, Ayrton não sai do carro, como era de se esperar, a cabeça
tomba para frente, Galvão comenta: “Pelo menos Ayrton se mexe”. Ledo
engano, como se diz, Senna estava dando o último suspiro, com o pescoço e
parte do rosto varados por uma haste de aço mal soldada, que o atingiu feroz
como a lança dum guerreiro huno. O jornalista investiga e descobre que o gordo
bônus que o ex-mecânico bebum recebe é em Marco Alemão; que foi
dispensado da equipe depois do acidente por alcoolismo; por fim, que a
soldagem mal feita era apenas para tirar Ayrton da corrida, não para matá-lo.
Por aí… (27/10/2021)

Como não uso relógio, na hora de acordar nunca sei que horas são.
Levanto e vejo que o tempo continua enfarruscado: a Serra do Sumaré está
mergulhada em névoa. Do outro lado, quando em dias claros dá para ver o
cocuruto da Serra dos Órgãos, as nuvens brancas escondem tudo. Como não
tenho mucamas para fazer meu desjejum, como o amigo das redes sociais
Evangelista (Evangelistas e Messias são privilegiados), eu mesmo cumpro o
ritual e agora estou no sofá tomando o café que preparei tendo como companhia
o gato e Bach na TV, executado pelo violinista chinês Ling Fen (mora em
Berlim) em Live direto do Wigmore Hall. Essa turma de há tempos vem
ganhando espaço na música clássica ocidental, trazendo na bagagem as
composições orientais, que não perdem em nada para os nossos sambas. Assim
foi com a pianista Zhu Xiao-Mei, que também interpreta Bach e vive em Paris
entre recitais e alunos. Parecemos civilizados, mas quantas interrogações
mofam nossas células cinzentas (como diria o detetive belga Hercule Poirot,
que vivia na França). O glorioso passado dos povos da Antiguidade não ensinou
nada a nós ou ignoramos premeditadamente, simplesmente nos recusamos a
aprender? Como disse o antropólogo e professor César Lotufo, “tem sempre um
Donald Trump atravancando o Progresso, entalado na goela da Humanidade”.
Graças a gente desse tipo – orgulhosamente imitados por tupiniquins – nós
vivemos em perene questionamento. As interrogações pairam sobre nossas
cabeças como nas histórias em quadrinhos do Gato Félix. Quando a Inglaterra
irá devolver as Ilhas Malvinas para a Argentina? Quando o Sargento Garcia vai
prender o Zorro? Quando a Espanha vai libertar os territórios de Ceuta e
Melilla? Quem inventou o papel higiênico? Quando a Inglaterra vai dar
independência a Gibraltar? Para que serve o rabo do gato? Quando o Brasil irá
devolver o Acre à Bolívia? Ó! Quantas dúvidas ingratas! (28/10/2021)

Falar nisso, quando o Donald Trump – tanto o candidato quanto o


Presidente – prometeu levantar um muro na fronteira com o México, o mundo
deu chilique. O Partido Democrata aproveitou a má impressão e não deixou que
a muralha de Trump se tornasse realidade. (Isso não é de todo verdade, porque
mesmo com pouco dinheiro, alguns Governadores autorizaram a construção e
tem pedaços de muro entre os USA e México aqui, ali e acolá). O mundo está
cheio de muros: a Espanha também resolveu amuralhar as fronteiras de Ceuta e
Melilla com o Marrocos, no Norte da África e Israel levantou muros nas
fronteiras com a Palestina. Mas o muro que ficou mais famoso (excluindo a
Muralha da China), foi o muro de Berlim. E logo na Europa cujo sonho de
unificação vem desde o Século 19, se consolidou no Século 20 – mas tinha um
muro no meio do caminho. Então, como de repente, assim, sem mais nem
menos, o muro caiu, ou foi derrubado, depende do ponto de vista. Só então o
sonho da Europa unificada, sem muros nem fronteiras, pôde enfim se tornar
realidade. No entanto, para pertencer à União Europeia cada país tem que
renunciar à sua própria Constituição, às suas próprias leis, à moeda e economia,
perde o sentido de Nação. No popular: perde a autonomia, a autodeterminação,
deixa de ser a pátria amada. A Inglaterra logo se deu conta que era grande
demais para papel de coadjuvante e caiu fora. A Grécia e Portugal já estavam
em pleno processo de independência quando foram comprados por punhados de
Euros. Agora é a Polônia que se rebela em defesa da sua Constituição e suas
Leis. Outros pequenos países do Leste Europeu – recém-saídos da dominação
da URSS – estão se dando conta de que caíram numa trampa. É que a União
Europeia está cheia de muros morais e imorais que cerceiam a Liberdade:
paredões invisíveis, piores que os de concreto. (30/10/2021)
Falo muito aqui no bairro que moro, Cachambi, que muita gente ignorante
desconhece. Fosse no passado, sim, seria normal que tivessem pouco saber
sobre esse importante bairro do Rio de Janeiro, posto que era apenas um sub-
bairro do Méier, do qual dependia em quase tudo. Importante, sem dúvida, pois
que o bairro tem até uma Associação dos Moradores e Amigos do Cachambi,
cuja sigla AMACAXA é do tempo que se escrevia o nome com xis: Caxambi!
O Méier era, vamos dizer, o último bairro que delimitava a Zona Norte – no
tempo em que o Rio de Janeiro era dividido em Zona Sul, Zona Norte,
Subúrbios da Central e da Leopoldina. A Baixada era constituída dos grandes
bairros mais distantes: Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, Belford Roxo, etc.
Mas, voltemos ao Méier, cujos bairros fronteiriços eram, de um lado Lins de
Vasconcelos, Boca do Mato e Água Santa; de outro lado, Todos os Santos,
Cachambi e Maria das Graças. Mais ou menos isso. Muita gente famosa morou
nas redondezas: os cantores Jorge Veiga e Orlando Silva, os escritores Agripino
Grieco, Stanislaw Ponte Preta (cuja Tia Zulmira tinha uma mansão no ponto
final do bonde Boca do Mato) e Millôr Fernandes. O privilegiado bairro do
Cachambi tem a vantagem de estar cercado de praias por todo lado:
comecemos pela praia Maria Angu, em cujo entorno está o famoso Piscinão de
Ramos, com pagode garantido desde sexta-feira à noite, varando sábados e
domingos e fica a 15min. daqui. Também em pouco tempo, 25min. no máximo,
estamos pisando as areias de Copacabana e do Leme, onde tem a famosa
feijoada de Benedita, nos arredores do morro Chapéu Mangueira. Ipanema e
Leblon, cujas qualidades não precisa destacar, distam 30min. Em 35 ou 40min.
você estará na Barra da Tijuca ou no Recreio dos Bandeirantes, cuja fama corre
por conta da Praia do Pepê e do Quiosque Posto 12, onde a Marrom aparece de
vez em quando para dar uma canja. Ah, ia esquecendo de falar no famoso
Pagode da Tia Gessy, na Rua São Gabriel, que há mais de 40 anos alegra os
domingos de cachambienses e turistas atraídos pela fama da feijoada completa
que rola entre um samba e outro. (01/11/2021)
Na pequena história do Cachambi que contei há pouco, deixei de lado
dois tópicos importantes: a religiosidade e a beberagem. Quem estiver
procurando sacanagem e putaria, pode procurar outro lugar: em todo o Rio de
Janeiro, que já foi apodada a Pompeia brasileira, só no Cachambi existe uma
reserva moral de virgindade. Quer dizer, à virgem com hímen, o que pode
parecer redundância, mas não é. O Cachambi pode ser considerado o local com
maior índice de cabaço do país: turismo sexual não tem vez. Os santos
guardiões dessa moralidade são a própria padroeira do país, a Virgem de
Aparecida e Santo Antônio, o santo casamenteiro. Pelo outro lado correm São
Jorge – o Santo Guerreiro e Pai Joaquim de Angola – Preto Velho que atende
aqui mesmo na Rua Basílio de Brito, num salão aconchegante olorizado com
incensos afros, charutos baianos e a famosa cachaça Praianinha. Se vocês
acham que isso tudo é fé de menos, lembro que foi erigida no bairro anexo de
Del Castilho, a Catedral da Fé, que é chefiada pelo próprio Bispo Macedo,
quando tem folga do Templo de Salomão, em São Paulo. Agora vamos falar de
beberagem: aqui no Cachambi tem dois bares supercampeões da Taça Comida
de Botequim do Rio de Janeiro – vai os nomes para que não me chamem
mentiroso: o Folia do Boi, que serve picanha na brasa pra ninguém botar defeito
e o Cachambier (já perto da Av. Dom Hélder Câmara), que inventou a melhor
Costela ao Bafo do subúrbio. Ambos os dois têm choperia e cerveja de iglu, isto
é, geladinhos ao ponto, mas não estupidamente gelados – que é uma estupidez.
Só que para chegar a esses dois pontos o turista tem alguma dificuldade e o
alcoólatra irá trupicando em vários obstáculos: no Carlinhos, no Oscar, no
Egídio, no São Jorjão e no Carlito, pés sujos da melhor qualidade. Não adianta
procurar o Brasília, de Arnesto&Margarida: o casal, cujo bar guardava a riqueza
do painel pintado por nada menos que Nílton Bravo (conforme o filósofo e
fotógrafo Ivo Korytowski registrou em fotos e blog) aporrinhado com essa tal
de Pandemia, passou o ponto e fez a travessia de volta para terras lusitanas. O
painel sumiu pois hoje o ponto é loja de material de construção e correlatos.
(02/11/2021)
Foto: Bar
Brasília de
Ernesto&Margarida (Ivo Koritowski)

Sob a competente Direção do MI Luís Rodí encerraram-se as competições


máximas do xadrez brasileiro: o 87º Campeonato Brasileiro Masculino e o 60º
Campeonato Brasileiro Feminino, realizados em Cuiabá (MT), de 28/10 a 4/11
no Hotel Fazenda Mato Grosso. A CBX uniu-se à empresa Contaud e unificou o
Campeonato Brasileiro ao Aberto do Brasil, torneio de grande magnitude que a
Contaud realizava anualmente à competição oficial. A prova define os
campeões brasileiros masculino e feminino e serve como base para a formação
das equipes que representarão o Brasil na Olimpíada de Xadrez de 2022 na
Rússia. O Campeão foi definido com o uso das normas de desempate entre os
três primeiros colocados com 9 pontos. Em 1º lugar ficou o GM Luís Supi (SP),
o Vice-Campeonato foi para o atual Campeão Brasileiro GM Alexandr Fier
(PR) e o 3º lugar ficou com o GM Darcy Lima (RJ). O título de Campeã
Brasileira levou a WFM Júlia Alboredo (SP) com 9,5 pontos, seguida da FM
Juliana Terao com idêntica pontuação e o 3º lugar, somando 9 pontos, foi
conquistado pela WIM Kathiê Librelato, ambas federadas em SC. Eu
acompanhava o evento dia a dia, mas fiquei sem internet nas duas últimas
rodadas – como num filme de suspense. Sei que muitos amigos que foram a
Cuiabá procuraram por mim, posto que participei dos eventos anteriores, mas
infelizmente não pude ir por falta de Visto no passaporte, negado por motivos
políticos, como sempre. Bem, fica para a próxima. (04/11/2021)

O ano da desgraça de 2021 está chegando ao fim e a morte continua


levando quem não devia, não só por causa da Pandemia do Covid, mas por
outras causas. Seja como for, tudo é culpa da Pandemia: mal direcionados por
nossos “donos” – os políticos e cientistas de baixo calão – nós caminhamos
errados, mudamos os hábitos para a pior opção. Mal acabávamos de prantear
nosso pianista mór da música clássica Nélson Freire e lá se foi a geniosa
compositora e intérprete de música popular Marília Mendonça, que já aos doze
anos compunha maravilhas. Nélson Freire tinha um pai compreensivo a ponto
de reconhecer que o talento do filho iria se perder se ficasse na pequena cidade
onde nasceu no interior de Minas Gerais. Juntou os trocados, arrumou-se como
pôde e se mudou de mala e cuia para o Distrito Federal, onde o gênio do
pianista encontraria melhores condições de se aprimorar e evoluir. Nélson
Freire cresceu e ganhou mundo. No caso de Marília Mendonça foi a sorte de
aos treze anos ser reconhecida por um espertalhão (ou um cara de visão, mão se
sabe) que, vendo o talento precoce, logo a contratou como compositora,
encomendando músicas para os cantores que agenciava. Mozart aos doze anos
também já compunha sinfonias, sonatas e até uma ópera. Mas o desejo do pai é
que ele ficasse em Salzburgo (que era mais ou menos como Piripiri na época)
sucedendo-o como Mestre de Capela do Arcebispo local Monsenhor
Pirocamolle. Mozart disse não, mandou tudo às favas e foi para Viena, onde a
vida acontecia. O cineasta João Moreira Salles perdeu a oportunidade de fazer
um grande documentário sobre Nélson Freire: ele retratou o gênio do piano
igual Santiago, mordomo do seu pai, o banqueiro Walther Moreira Salles. Não
foi para Nélson Freira o que Milos Forman foi para Mozart. O talento de
Marília Mendonça está à espera de quem reconheça a obra de uma poeta que
musicava a própria poesia, sem maiores pretensões. Sem sequer imaginar que se
tornaria ela mesma a melhor intérprete de suas canções de poesia simples, mas
com mensagens que feriam diretamente as emoções do ouvinte. Como cantora
ela cresceu justo no tempo em que o Brasil precisava renascer, como o
iluminado broto verde ressurge na negritude das florestas queimadas.
(6/11/2021)

Este gato não é burro. De manhã, ele sabe que o primeiro e acordar sou
eu, mas não caio na conversa dele e não dou sachê, só ração e água. Ele espera
e quando a segunda pessoa se levanta, ele se esfrega nas pernas, dá aqueles
miados de nordestino faminto de Vida e Morte Severina e ganha sachê. Mas,
pouco tempo depois, ainda não satisfeito disfarça mais um pouco e quando
alguém sai da cama para o café ele repete o mesmo teatro de sofrência, mia
como se cantasse música sertaneja, e ganha mais sachê. Só então se arreia
satisfeito, toma aquele banho de gato e dorme como um anjo. Digo isso por
puro hábito que nós humanos temos, desde a pré-história (desde Adão e Eva,
para ser mais exato), de estar sempre fazendo comparação com bichos. O fulano
é bom no que faz? Aquele cara é cobra! A sogra é uma fera? Minha sogra é uma
jararaca! O político é safado, como a maioria dos políticos? Aquele deputado é
um gatuno! Senador Fulano é uma ratazana! E assim vai. Centenas e centenas
de expressões mesclam homens e bichos, não só bichos, toda a fauna, incluindo
os insetos e os desconjuntados. Quantas vezes ouvi a definição do caráter de
fulanos e sicranas: É um verme! Não vale o que o gato cobre de areia. Tenho a
impressão que o Barão de Drummond traduziu bem essa familiaridade entre
animais e humanos quando inventou aquele jogo de 25 bichos para ganhar um
dinheirinho extra e manter o zoológico de Vila Isabel aberto para a população –
principalmente a criançada – se divertir com as micagens dos sagüis Leão
Dourado pulando de galho em galho, atingindo as visitas com casca de
amendoim, e as macaquices do Gorila Tião que jogava casca de banana e outros
dejetos nos visitantes, surpreendendo os mais desavisados. (8/11/2021)
Todo mundo tá percebendo que ando um bocado jururu e não é por causa
desse tempo acinzentado, do cobertor de nuvens, diria, plúmbeas, tempo que há
tempos anda cobrindo com essa cabeleira de chumbo que esmaga com um peso
invisível a humildade e a arrogância das gentes, nem porque Ela, depois do
tempo que dura esta Pandemia sem nos ver, sem nos abraçar, sem nos beijar,
decidiu tirar de mim todos os átomos de esperança de comê-la (não estou
falando de uma pizza ou uma picanha na brasa, mas sim de um corpo com
1,70m de altura recheado de pura carne e músculos que exalam, como a carne-
de-sol exala a salmoura, o hálito espumoso da libidinagem) e o fez de tal
maneira decidida e contundente que me deixou de imediato com vontade de
saltar das Cataratas do Niágara sem cuecas nem colete salva-vidas, de pular do
vão central da ponte Rio-Niterói de olhos bem arregalados, de enfrentar de peito
aberto a tempestade em copo d’água, de fazer roleta-russa com uma 765 sem
balas e, até, de comer uma feijoada completa no pé-sujo do Wakim na Cidade
Nova e depois me acabar bebendo muitos rabos-de-galo cercado das meninas
saudáveis da Vila Mimosa, de fazer, enfim, para não esticar a conversa, uma
dessas coisas que inspiraram aquele filme “Antes de partir”, mas, ora, porra, o
que é na nossa vida repleta de emoções mais uma ou menos uma boceta perdida
no meio dessa multidão esfacelada por problemas maiores que nos deixam
envergonhados e sem opção, a não ser dizer: bem fulana (quase que falo o nome
d’Ela), foda-se!, já tomei as três doses do coquetel de vacinas anti-Covid, tive
uma reação debelada com uma aspirina e agora, só para te sacanear, vou beber
sozinho a garrafa de vinho Cousiño Macul Pinot Noir de uvas cultivadas no
Planalto Central chileno que está encalhada na Adega do Egídio bem ali no
estado independente do Cachambi. E ponto final. (10/11/2021)

Ligo para o poeta Gonçalo Ferreira da Silva – fundador e presidente


honorário da Academia Brasileira de Literatura de Cordel - ABLC. Ele mesmo
atende. Me identifico e falo sobre o propósito do telefonema. Ele me diz: – Sá,
estou cego. Só posso dar retorno quando estiver o meu filho. Ter um atropelo
assim na reta final da jornada é um estorvo. Aliás, é uma aporrinhação a
qualquer momento. O compositor alemão Beethoven ficou cego dos ouvidos
quando se tornava célebre; Jorge Luís Borges, poeta argentino, ficou cego dos
olhos já famoso, reconhecido como poeta e contista; a cegueira pegou Glauco
Mattoso, célebre sonetista paulistano, de maneira lenta, mas não menos atroz:
trazida pelo glaucoma minou a visão até descer de vez o manto da escuridão; eu
mesmo estou aqui com o olho esquerdo assoreado por uma nuvem ameaçadora.
De qualquer modo, ficar cego, surdo ou mudo, para um artista no ápice da
atividade é um transtorno insuperável. Como poeta Gonçalo Ferreira da Silva
teve altos e baixos. Detentor de uma banca na Feira de São Cristóvão, traçou
sua trajetória com folhetos sinceros, com versos e temas acadêmicos, de boa
feitura, ou seja, obedecendo os cânones da poesia de cordel. Teve baixos
quando escreveu folhetos sobre filósofos e mitos antigos, gregos e troianos,
com fins educativos; teve altos quando escreveu poesia de cordel para crianças,
adotados por escolas primárias. E o cume deu quando o cordelista fincou pé na
fundação da ABLC, depois que muitas tentativas foram feitas e frustradas. Já
consolidada, tendo como sede inicial na Casa de Cultura São Saruê, em Santa
Teresa (RJ), ao lado do ateliê do escultor Zé Andrade, a ABLC é aceita aqui e
alhures, em terras d’além mar. Como uma condecoração, uma medalha de honra
ao mérito, o feito enriquecerá a biografia do poeta popular Gonçalo Ferreira da
Silva e nem mesmo a cegueira poderá ofuscar. (15/11/2021)

Como não sou político e prezo a liberdade de expressão, detesto a lei do


“politicamente correto”. Não sei se comparar a mulher e suas partes e portos a
frutas é politicamente correto. Mas é coisa antiga, a mais popular é: “Aquela
mulher é uma uva!” Na poesia comparar mulheres a flores é comum, às frutas
menos comum, mas popular. “Assim como a maçã doce se avermelha no cimo
do ramo, a mais alta no mais alto ramo... Esqueceram-se dela os colhedores,
mas não, não se esqueceram, é que não puderam chegar lá!”. Assim poetou Safo
de Lesbos, cuja poesia era recitada ao som das liras. Qual lira? Não sei,
pergunte ao Lousada. Já Yasmim Mineira (youtuber e atriz porn), em foto,
aparece só de calcinha deixando os seios à mostra e pergunta a seus fãs: “Quem
gosta de pêras pontudinhas?”. Na verdade são mais maçãs que pêras, mas eu
gosto. Na TV e mídia em geral teve a época das mulheres-frutas: Lembram? Era
a mulher Melão, a mulher Melancia, a mulher Morango, a mulher Maçã, a
mulher Pêra, a mulher Jaca e até a mulher Abacaxi! No Gênesis, Eva come uma
maçã e dá a Adão, assim a fruta se consolidou no imaginário. Mas o texto
original não dá nome, era o "fruto da árvore do conhecimento do bem e do
mal". A maçã, primeiro fruto transgênico, nem existia na época, há milênios
viajou pelo Caminho da Seda até chegar à Europa. Assim, Eva poderia ter
comido qualquer fruta, como figo, manga ou pera. Nos USA costumam
comparar seios a melões – peitões – é o que eles gostam. Já os brasileiros não
podem ver uma mulata sem exclamar “Que jaca ela tem!” – É o que nós
gostamos”. (18/11/2021)

Zé Andrade anda bulindo com fantasmas. Bulindo, dormindo e fazendo


lives. E agora resolveu me convidar para participar do grupo, mas a minha
memória (assim como o pau) já não é a mesma, não arde mais. Certo tempo,
que se pode mapear nos anos 1970, de maneira espontânea e silenciosa um
grupo se formou, reunindo-se como abelhas numa colmeia. De repente Zé
Andrade, Franklin Maxado, Ciro Fernandes, Marcelo Soares, Raimundo Silva,
Joel Borges, Sá (eu) e mais alguns bissextos, tinham o pensamento engajado
nos movimentos que se expandiam mundo afora, tendo como semente Paris
1968. Aonde quer que estivéssemos, todo evento a que um de nós fosse
convidado logo o chamado se estendia aos demais e a efervescência se dava
como por milagre. Quando o movimento “Diretas Já” chegou encontrou o
grupo consolidado, agregando simpatizantes, semeando ideias, pregando sonhos
e utopias. É que em todo o país as cabeças sentiam a mesma fome de poder,
sede de democracia, ânsia de liberdade. Quando a vitória chegou – sem que
nenhum de nós desse um tiro – trouxe a reboque a decepção: o perdão amplo,
geral e irrestrito dava o paraíso também a torturadores; a Constituição Cidadã já
havia sido mais remendada que atropelado em UTI; as mortes estranhas foram
arquivadas nas nuvens; os manipuladores, políticos, corruptos, sindicatos e
associações dividiram entre si o butim da liberdade conquistada. Os sonhos
foram parar na latrina. Assim, silenciosamente como se fez, o grupo se desfez,
atendendo o clamor da sobrevivência, o prato de feijão-com-arroz, o choro
desesperado do neném ou o grito aflito da mulher, pois a luta pelo sonho não
ensinou a trocar fraldas cheias de cocô. É isso que Zé Andrade me instiga a
reviver e eu reluto. O que me deixa tranquilo é que os fantasmas estão em Santa
Teresa e nenhum deles teve a ideia de pegar o bonde 3 Irmãos-Cachambi para
vir perturbar o meu esquecimento, o meu sossego de também fantasma.
(20/11/2021)

Tive também a experiência de viver com fantasmas. Depois de muito


tempo sem ir a São Luís (MA), cidade da minha infância e juventude, fui
recebido pelo meu irmão João Alfredo. Como seria natural, andei perguntando
pelos colegas: cadê Fulano? Morreu. E Sicrano? Morreu. Cadê Beltrano?
Morreu. Porra, afinal onde estão os vivos? Eles se reúnem todo sábado em tal
lugar. Fomos lá e não reconheci um sequer da dezena de velhos que comiam e
bebiam num restaurante. Alguns me cumprimentaram, respondi sem saber de
quem se tratava. Eram fantasmas vivos. Desisti de perguntar para não esbarrar
com outros fantasmas. Mas, num táxi, fui indagado pelo motorista de cabelos
brancos: tu não tinha um irmão assim assado? Fomos amigos. Meu apelido era
Felpudo. Como me reconheceu? Tinha memória fotográfica, o Felpudo. O João
Alfredo tinha lá seus afazeres e passei a circular sozinho pelas ruas e praças e
mercados e casas azulejadas e igrejas. Eu comigo mesmo, eu e meu passado,
éramos os únicos vivos naquela aventura. Minha maior alegria foi reencontrar a
janela de uma casa azulejada na Rua do Sol. Também naquele dia o sol ardia
com o furor de um vulcão. Nem liguei, estava de frente à moldura onde uma
menina de olhos negros e boca vermelha se debruçava para responder ao meu
aceno com um sorriso largo, espraiado. Logo me dei conta que estava defronte
de uma casa habitada apenas por lembranças, largada ao tempo, onde ervas
cresciam no rodapé, na parede, no telhado e passarinhos faziam morada no vão
das telhas musgosas. Depois vi que esse retorno assim de supetão foi uma
aventura que botou minha alma sentada no meio-fio. Não aconselho a ninguém.
O que me salvou é que tive a boa ideia de secar o suor no velho Mercado da
Praia Grande. O velho mercado apesar de carcomido pelo tempo, estava bem
vivo. Foi naquele ambiente simples que consegui me recompor, bicando uma
tiquira com camarão seco, alegria que meu irmão João Alfredo e o primo Toni
Nicolau – que se juntaram a mim – tornaram inesquecível. (21/11/2021)

Não serei o primeiro a notar quanta distância nos separa de nossos


vizinhos. Se Uruguai, Argentina e demais ‘hermanos’ estão próximos
fisicamente, a distância que separa nossas culturas é enorme. Há décadas o
poeta Floriano Martins vem tentando fazer com que a poesia latino-americana
seja mais conhecida aqui, deixando a nosso alcance os versos dos poetas desde
a América Central até o Cone Sul. Salvo a alguns iniciados, até hoje a poesia
hispânica mais conhecida é a de Pablo Neruda e talvez Gabriela Mistral. Um
muro invisível foi construído e não há nada que o derrube. Essa introdução é
apenas para registrar a alegria de ter recebido o novo poemário da porteña
Sandra Pien, poeta, jornalista e professora de literatura, “El gato de Rodas y
outros santuarios desolados” (Imprex Ediciones-Buenos Aires 2021). Em
tempos de crise a arte é mais que necessária. Quando vem em forma de poesia
então nem se fala. (23/11/2021)

UBI SUNT

Sandra Pien (Poeta Argentina)

Dónde están las palabras


estas y aquellas
las que estaban en mi patio
rebotadas en las golondrinas
con la gracia del sol en los malvones
las de la información y la posverdad
las reveladas y las intérpretes
en textos de pantalla fragmentada en diluvio
sonido lejano de balbuceo veloz.
Dónde la voz y la escritura
frases de carne viva en letra muerta
dónde emancipa y esclarece
un sentido eclipsado por miles
hilo conductor en electrónico modo.

Busco aún el destino de la ocasión timada


lo que anida en las palabras que habitamos
los sabores los olores y los ecos
lo que queda en ellas de nosotros mismos
cuando nos vamos.

Hoje recebi uma notícia triste. A residência do meu amigo Vadinho -


Waldemar Costa - benemérito do xadrez carioca que faleceu há poucos meses,
que ele com muito carinho transformou num Centro Cultural, foi totalmente
saqueada. Suspeitas caem sobre as pessoas que tinham chave da residência, para
serviços diversos. Vadinho tinha uma boa coleção de livros, mas o forte eram as
colunas de xadrez que durante anos escreveu no Jornal dos Sports, do também
saudoso Mário Filho, irmão de Nélson Rodrigues e autor da obra-prima "O
negro no futebol brasileiro". Vadinho queria doar todo seu acervo para uma
imaginária Biblioteca Comunitária de Jacarepaguá. Correu por todos os lados e
não conseguiu nada. Não tenho informações se ele procurou a Fexerj - que seria
a entidade natural para guardar os acervos sobre xadrez carioca, mas a paixão e
o ideal do Vadinho era a promoção de Jacarepaguá, bairro em que sempre
viveu, bem perto do Friedrich Salamon, onde ajudou a fundar e manter por
muitos anos a Seção de Xadrez do Jacarepaguá Tênis Club. Nos recortes
caprichosamente catalogados da coluna de xadrez do Jornal dos Sports (o cor-
de-rosa), Vadinho guardava grande parte da história do xadrez carioca e
brasileiro. Uma perda irrecuperável. (7/12/2021)
Réveillon em Copacabana é acordar em pleno ano novo totalmente
escornado, todo sujo de areia, despertado pelo sol da manhã que bate direto na
sua cara, com uma mulher que você nunca viu na vida pendurada no teu
pescoço e um copo de uísque na mão. No Réveillon de Copacabana se faz mais
amigos que no facebook, Instagram ou outra mídia qualquer e – importante –
você nunca estará sozinho. Quer dizer: tem tanta mulher bonita, tem tanto
homem bonito, que a Teoria das Probabilidades com certeza garantirá que
algum deles irá beijar teus lábios sensuais com hálito de chope ou não. Então,
se você estiver desacompanhado rapidamente estará brindando com alguém que
te amará para toda a eternidade. Réveillon de Copacabana é a mulher usar roupa
de cor, calcinha de cor, sutiã de cor, roupas modernas tão fáceis de tirar e botar
com a rapidez do opisto da Ferrari ou da Mercedes na F1 – ou então dispensar
os acessórios interiores como coisas inúteis. Se alguma vez você sentir a
garganta seca, com falta de combustível, vá ao Alcazar, ao Pigalle ou qualquer
outro boteco da orla, pois é onde sempre se encontra um amigo ou amiga de
braços abertos, com as mãos ocupadas oferecendo uma tulipa de chope, uma
taça de champanhe, um vinho branco geladinho ou um copo de uísque com
gelo. Posto de abastecimento no Réveillon de Copacabana é coisa que não falta.
Por isso o Réveillon de Copacabana é único, pelo menos uma vez na vida você
tem que participar, aquela coisa a fazer antes de partir. O Réveillon de
Copacabana é inesquecível. Mas, atenção, muita atenção: ao sair de casa para ir
ao Réveillon de Copacabana, jamais esqueça de ligar o foda-se! (11/12/2021)

O teatrólogo e repórter João do Rio (1881-1921) seria um prato cheio


para a sociedade e tema obrigatório para os defensores das minorias, nestes
conturbados anos de 2021. Como se vê, celebram-se em silêncio 140 anos do
nascimento e 100 anos da morte do jornalista que se imortalizou com o livro
bem carioca “A alma encantadora das ruas” (1908), no qual reúne crônicas e
artigos sobre o dia a dia na cidade do Rio de Janeiro, numa época de transição
para a modernidade, focando principalmente nos tipos e costumes populares
encontradiços nas ruas, becos, vielas – até ‘onde às vezes a termina a rua’. João
do Rio teve a vida de pioneiro e desbravador. Homossexual assumido, vestia-se
como um dândi; passou em concurso para diplomata, mas foi recusado pelo
Itamaraty (sob o comando do Barão do Rio Branco) por ser gordo, mulato e
bicha; fundou a primeira sociedade sindicalista, a Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais (SBAT) para cessar a roubalheira que assolava os direitos
autorais. Em tempo: a SBAT existe até hoje e o assalto continua. Depois de se
apresentar três vezes como candidato a vaga na Academia Brasileira de Letras,
foi eleito em 1910. Ciceroneou a amiga famosa, a dançarina Isadora Duncan,
quando ela se apresentou no Rio de Janeiro e levou-a com os amigos para
dançar nua na então famosa Cascatinha da Tijuca. Em “A alma encantadora das
ruas” João do Rio registra os primórdios dos grafites nos muros, as pinturas de
botequim, entrevistou presidiários, as chamadas ‘mariposas de luxo’, rezadeiras
de mandingas, ciganas que prediziam o futuro e cometeu tantos outros
atrevimentos que não cabem aqui. João do Rio morreu espancado por
nazifascistas, que já existiam mesmo antes que Hitler e Mussolini tomassem o
poder. Vale a pena conhecer a obra dessa bicha gorda e mulata. (14/12/2021)

Ela estava cuspindo fogo. Botou o dedo indicador no meu peito e


desancou sobre mim algumas páginas do Dicionário de Expressões Chulas e
Afins. Era jovem, pele clara, bonita, olhos verdes e cabelos castanhos. Falou
sem interrupção até a garganta ficar seca. Mas eu nunca tinha visto aquela
figura na vida. Você não diz nada? Eu disse: Sabe que quando você está com
raiva seus olhos ficam verde-escuro, da cor das águas do Rio Amazonas? Ela
enfim conteve o tom agressivo. Continuei: Minha filha, você tem vinte e poucos
anos, uma vida plena pela frente, eu, ao contrário, já cheguei aos 80 anos e o
IBGE me dá três ou quatro anos de vida, se tiver sorte de não ser apanhado por
uma epidemia como as que grassam atualmente no Brasil. Nessa situação até
uma diarreia me leva. Abati a lebre. Ela se condoeu. Como não era bom ficar
numa calçada sendo poluído pelo gás carbônico do trânsito intenso da Rua
Cachambi, sugeri que fôssemos conversar no Evandro’s, dividindo o papo com
duas tulipas de chope. Então ela me contou que era eu o voyeur que ficava
paquerando ela quando saía do chuveiro para secar os cabelos na varanda. Isso
me tranquilizou: paquerar ainda não dá cadeia. Devo confessar que a ingestão
de chopes gelados amenizou bem mais a conversa. Não estávamos mais em
guerra. Que vida louca esta que estamos passando, né? Uma perfeita
insanidade: Pandemias agressivas vindo de todo lado a uma só vez! Quando
teremos coragem de fuzilar todos esses ladrões que fingem governar o país,
deputados, vereadores, senadores, prefeitos, governadores, presidentes, agentes
disso e daquilo? Ela também se indignou, mas em vez de engordar essa
conversa sem gosto e sanguinária, preferiu confirmar: É verdade? O quê? Isso
que meus olhos ficam verdes como as águas do Rio Amazonas? Claro que é
verdade, jurei ajoelhado a seus pés. E ficamos ali um bom tempo, ela me
ensinando a viver, eu tentando encontrar uma estrada melhor para cumprir a
estatística do IBGE. (16/12/2021)

Quando ia ao sítio – na Maioba ou no Turu – Tio Gastão sempre me


levava. Não era um regalo, em verdade ia cuidar da minha prima Selena,
bonitinha, de peitinhos salientes, que gostava de pegar no pinto dos meninos.
Lá Selena encontrava com Das Dores, filha de Ponciano, vizinho e amigo de
Tio Gastão. Das Dores ficava se roçando em mim para deixar Selena com os
namoricos. Das Dores trazia o irmão quase da minha idade, mas Tonico era
grande com cara de menino. Completava a festa as esposas, mucamas e
cozinheiras. Mal o sol começava a arder Ponciano se juntava a Gastão rumo ao
rio. Ali ficavam de conversa, água até o peito, a tábua de cedro flutuando,
uísque, cachaça e tiquira, travessa de camarão seco, até que o cheiro da peixada
e das tortas chegasse, anunciando o almoço. Comiam, as mulheres iam pro
quarto descansar, os amigos para a varanda, as meninas para o rio. Ponciano
acendia o cachimbo, soltava um fio de fumaça e saber a direção da brisa, para
se sentar a favor dela. Isso pro mode se defender do vento que o amigo Gastão
soltava, pois o almoço era temperado a muita pimenta. Quando Gastão ventava
era difícil aturar sem a proteção do perfume do fumo Belga que Ponciano
alimentava o cachimbo. Certa noite fui mijar e peguei o Tonico pulando da
janela das meninas. Não me viu. De manhã confrontei com a pior ameaça:
contar para Ponciano! A surra com vara de goiabeira era certa. Ele me contou
tudo. Toda noite? - quis saber. Dia sim, dia não. Amanhã é minha vez. E fui. E
aí, como foi? - Tonico quis saber. Foi bom. Acho que elas me conheceram
quando puxaram meu cabelo. Já sei: vamos os dois. Agora, tomando conta das
meninas no banho de rio, ficamos, eu e Tonico, rindo à toa, vendo os micos
pulando de galho em galho ou no juçaral, o bando de maracanãs voando no fim
da tarde. (19/12/2021)

Festas de fim de ano trazem toneladas de alegrias, realizações, decepções,


frustrações, etc. etc. etc. É oportunidade única para encontrar e reencontrar,
fazer promessas e juras de amor eterno, soltar os bichos guardados e relembrar
os fantasmas (que também estão presentes). O festejo serve, principalmente,
para fazer planos e promessas, cuja grande maioria não é cumprida. As festas de
fim de ano são o mais gigantesco divã psicanalítico do mundo! Foi a época que
meus pais resolveram dizer a um menino de 10 anos que Papai Noel não existe,
que os presentes eram dados por eles. Só pode ser brincadeira, pensei. Estão
querendo que eu desacredite um mito improvável que sai do Polo Norte e
percorre a Terra num carro puxado por renas voadoras distribuindo presentes e
felicidades para toda criança, não importa idade, crença, cor ou origem. Tanto
ricos e humildes recebem presentes. Fingi que acreditei, ajudei a distribuir os
presentes e fui dormir. No dia seguinte ficou comprovado que eu tinha razão:
meu presente estava debaixo da cama e todos os irmãos acordaram bem cedo
para mostrar o objeto dos sonhos. Outra coisa importante nas festas de fim de
ano é a culinária. Acepipes desconhecidos, uns gostosos, outros de sabor
estanho, vêm parar na mesa. Agora, de uma coisa tenho certeza: ninguém,
ninguém, fazia a melhor e mais saborosa Fatia Dourada que minha mãe. As tias
faziam questão de encomendar a ela a Fatia Dourada para as próprias festas. Era
sumarenta e ao mesmo tempo carregada de açúcar e canela, que ao morder um
mel estranho escorria pelos lados da boca, deixando os lábios castanhos.
Alguém precisa escrever a história da culinária das festas de fim de ano. Para
completar o ambiente era necessário um presepe. O nosso era feito com uma
gruta de murta e peças de cerâmica de Garanhuns. A Árvore de Natal era
colhida nas matas do Covão e enfeitada com bolas tradicionais de vidro que o
gato quebrava a todo momento e, bem, também tinha nos galhos neve de
chumaço de algodão. (22/12/2021)

Não se trata (como diria o amigo Francemir Barra), de pura nostalgia,


matéria para museus, evocação de páginas amarelecidas pelo tempo, mas assisti
pela segunda vez, dividido por muitos anos, dois filmes que gostei muito, tanto
da primeira vez – na telona do cinema – quanto agora, na reduzida tela da TV. O
primeiro, “Lawrence da Arábia”, relata a história de como as potências
ocidentais (no caso o Reino Unido), subjugaram os califados e reinados
precários que viviam nos desertos. O membro do Serviço de Inteligência Inglês
(leia-se: espionagem) T. E. Lawrence foi a isca que serviu aos propósitos de
dominação. O Príncipe Faiçal – cuja descendência mantém até hoje o domínio
da Arábia Saudita à custa de crime, terror e tortura – foi o elemento de ligação
para aceitar a insana invasão com objetivo de expulsar o exército turco que
ocupava o seu território. Fingindo não entender “o que tem na imensidão do
deserto que tanto interessa à Turquia, à Inglaterra e aos USA”, Faiçal escancara
as pernas para a exploração das riquezas minerais sob as areias dos desertos,
cuja mais conhecida é o petróleo. Está tudo no livro que Lawrence deixou: “Os
7 Pilares da Esperteza”... O segundo filme foi “Scrooge” da obra de Charles
Dickens “A Christmas Carol” que já serviu de inspiração a centenas de roteiros,
filmes, peças de teatros, desenho animado, musicais, para contar a história do
agiota Ebenezer Scrooge. Em plena véspera de Natal, Scrooge aproveita para
cobrar com crueza e crueldade as centenas de credores, não se importando com
a magia religiosa da celebração natalina. O fantasma do falecido sócio de
Scrooge, no entanto, perturba-lhe o sono. A cada pesadelo a vida de Ebenezer é
revista, desde a infância ao inferno final, no qual sua alma viverá acorrentada,
entre o brazeiro sem fim. O pavor do destino que o espera muda a vida de
Ebenezer Scrooge, que se torna um bonzinho e generoso “mão-aberta”. Só
mesmo a alma bondosa e o talento de Charles Dickens para pensar essa história:
os agiotas sempre foram e continuam ser tão crueis que acabam por assassinar
os incapacitados de saldar as dívidas intermináveis. Shakespeare que o diga.
(30/12/2021)

Todos nós desde a infância perdida até a velhice inevitável já tivemos as


histórias em quadrinhos como companheiras, ou na hora do divertimento, ou
nos tempos de estudos de todas as matérias. Desde a ingenuidade das histórias
de “Reco-Reco, Bolão e Azeitona” até a faculdade erótica que foi o pornô de
Carlos Zéfiro, os quadrinhos serviram de companhia para que as agruras do
tempo não abalassem a intrépida caminhada na vida, superando obstáculos,
estudando, trabalhando, casando, tendo filhos, descasando, o escambau a
quatro, enfim. Tem turma que trata a HQ como arte que merece uma disciplina
e até cátedra em universidade. Conheci o trabalho de um grupo que se enquadra
justo nessa posição. A garotada da UFMS-Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul – através do NuPeq (Núcleo de Pesquisas dos Quadrinhos) –
vem cuidando disso com muito afinco e dedicação, com pesquisas e estudos
que podem valer pontos importantes no currículo. Centenas de tarefas, e não só
aquelas teses chatas, são levadas a termo e distribuídas por um canal especial do
Youtube. Quem quer saber um pouco mais sobre a HQ, o NuPeq é o caminho
certo. O Cachambi está representado no NuPeq pelo professor, antropólogo e
ex-vinhateiro César Lotufo, que deixou o estudo das uvas e vinhos para os
enólogos e bandeou para a HQ de mala e cuia. Uns falam em traição, outros
dizem que foi uma arrebatadora paixão, o certo é que César Lotufo transformou
a paixão em dedicação. Com o sábio reforço de mesclar a HQ tupiniquim com
os poderosos sindicatos internacionais, as palestras e estudos de César Lotufo
encaixaram certinho no NuPeq. É ver e conferir. (02/01/2022)
Sigo agora a sapiência do cronista Quincas Oliveira que, do alto da
experiência plena de 85 anos vividos, decretou: nada mais há a escrever. tudo
que havia para ser escrito já o foi pelos sábios da humanidade. Como de fato: a
pandemia do Covid-19 está chegando ao fim, depois de ceifar a vida de milhões
de seres em todo o planeta. Agora se faz o rescaldo, enquanto outras pandemias
que nunca nos deixaram - como políticos gananciosos - se aproveitam da
fragilidade humana. Deuses, santos, profetas, curandeiros enfermeiros, médicos
e pessoal da área da saúde trabalharam com afinco e plena dedicação, que a
muitos custou a família e a própria vida. O Diabo também fez sua parte - enfim,
o estrago foi grande. A única coisa que a pandemia não derrocou foi a corrupção
dos políticos. Todos deitaram e rolaram, roubaram descaradamente se
aproveitando das exceções trazidas na mochila da pandemia. Enfim, temos que
voltar à normalidade, aos poucos: no próximo sábado fomos convocados (eu e a
variante Ômicron), pelo antropólogo César Lotufo para o níver do
multifacetado Ricardo do Carmo, depois será a vez do artista e amigo de
sempre Zé Andrade apagar as velinhas, que contam muitas. Zé Andrade faz
aniversário no mesmo dia que faria a minha irmã Clarinha, se estivesse viva.
Vou. Este ano teremos eleições e o que seria festa é apenas o triste fingimento
de democracia que vivemos, que traz a estranha sensação de que há 65 anos
venho votando nas mesmas pessoas. No demais tudo segue normal: estou
sempre devendo algum dinheiro a alguém, alguns amigos velhos e novos foram
abduzidos, simplesmente sumiram do mapa, jogo xadrez online porque só agora
as competições presenciais estão voltando, dizem que não teremos carnaval,
mas carnaval sempre tem a vida toda, os governos, câmaras e prefeitos ainda
continuam em conluio com os empresários para botar na bunda de seus súditos,
pagamos café e gasolina ao preço de Wall Street, a Xenia Antunes vive corroída
pelo remorso porque nunca mais voltou a Copacabana, minha conta no banco
está sempre em caracteres vermelhos (para aumentar a visibilidade), meus netos
estão num mundo no qual não sei caminhar, por aí afora. Como não quero viver
nesse futuro de incógnitas tecnologias e sentimentos humanos inimagináveis,
por força da idade, findarei em breve a minha existência com uma única
certeza: o gato jamais me esquecerá. Enfim, não há nada de novo para escrever
mesmo. (12/01/2022)
Alguém pode achar que falar da morte é assunto mórbido, mas não é. A
morte faz parte da vida. Quando se percorre a longa estrada da vida e pára para
o descanso eterno, dois temas afloram à lembrança: a evocação do passado e a
amizade obrigatória – diria o poeta Manuel Bandeira – com ‘a indesejada das
gentes’. Acrescento: também há que ter coerência com a religiosidade de cada
um. Por tendência esse será o meu roteiro: morrerei, subirei aos céus, sentarei
ao lado direito do Pai (que logo me repreenderá: o seu lado é aqui, à Esquerda)
e, claro, ressuscitarei dos mortos, mas não no sétimo dia. Para que esperar sete
dias para ressuscitar? Saio logo no segundo dia. Outra coisa: não ficarei no céu
por muito tempo, por mais que Ele insista. Ô lugar de gente chata, meu Deus!
Mudo-me de mala e cuia para o Purgatório, lá tem gente muito mais
interessante, inteligente e divertida. Ir para o Inferno, nem pensar: samba,
carnaval, orgia, mulher pelada pra lá e pra cá, aquele calor infernal de verão
carioca, cerveja estupidamente gelada, praias lotadas, Recreio dos Bandeirantes
todo dia, não, não e não! O Purgatório é mais atraente, é como se fosse, assim,
tal e qual as Academias de Letras: chá com biscoito maisena às cinco, mulheres
e homens velhos inteligentes, taça de vinho branco gelado, piadas que não
fazem rir, das quais a mais célebre é a do chifre que Machado de Assis botou no
Eça de Queirós. Isso é que é vida – quero dizer, morte! Quem aguenta? Eu não.
Por isso logo, logo, baixarei por aqui, estarei de volta, incógnito, para encher o
saco de vocês, beber chope na Taberna Carioca ou no Bar Luiz, comer o
bolinho de bacalhau no Cadeg, meter o dedo no cu do Cardosinho e outros
desafetos – coisas que só defunto tem direito de fazer. Aí, sim, estarei com a
vida – quero dizer, a morte – realizada... (15/01/2022)

Dialogo com minha filha: – Querida, deixei uma pendura de 90 paus no


Restaurante do Óscar. Cheguei lá, cumprimentei-o e à turma de assessores e
logo fui informado que tinha uma rabada daquelas que eu gosto, com agrião,
batata, principalmente a carne amanteigada soltando dos ossos. Enquanto
conversávamos, a Meirelle abriu uma Heineken e o papo fluiu como um riacho
de águas doces e puras. Ela respondeu: – Pai, quando for assim, me fala que
peço pelo iFood e mando entregar em casa. Não perdi tempo a explicar a ela
como a comida comprada pelo iFood e entregue em casa é insossa e triste.
Ademais, o cardápio do iFood não inclui pratos como rabada, mocotó, feijoada,
dobradinha, rins, joelho de porco, miolo a dorê, galinha ao molho pardo,
sarrabulho e outros acepipes que sumiram das cartas dos restaurantes. Agradeci
ao Óscar pela gentileza, derrubei a Heineken com louvor e levei a comida para
casa enquanto estava quente. A rabada do Óscar era farta: deu para mim e para
mais quem quis - até o gato levou uma sobra. Agora, se ter direito a fiado é
questão de fidelidade, amizade, vizinhança de bairro, confiança, pagar a
pendura é questão de honra, brasão de família, respeito à amizade e à confiança
depositadas. Minha filha insistiu no iFood, eu insisti em assumir a dívida, não
como Antonio, que teria que pagá-la com meio quilo da própria carne ao agiota
judeu Shylock. Não tive dúvida: entrei no cheque especial e paguei a pendura.
Que são os juros bancários de arrancar o couro, como Shakespeare previu,
diante daquela rabada com batata e agrião, soltando dos ossos, viajando
garganta abaixo como hóstia sagrada? (17/01/2022)

Não importa. Quem não gostar, não gostou. E que me xingue de


saudosista: eu mereço. É que me lembrei da minha juventude – por aí – quando
fui numa vesperal no Cine Éden, na Rua Grande. Estava passando O bebê de
Rosemary e eu não queria perder. Quando cheguei e comprei o ingresso já
estava tocando Stars and Stripes Forever, de John Sousa, ritual que antecedia o
início da sessão. Depois vêm os trailers, alguns anúncios, para logo começar o
filme. Procurei um lugar com a visão ainda no lusco fusco e sentei sem saber
quem estava ao lado. Ao terminar esse preâmbulo o salão foi brevemente
iluminado e pude ver a vizinha: era uma garota de 11 ou 12 anos, acompanhada
na mesma fileira por algumas colegas. Risinhos e cochichos bondosos… Ela
também se virou para mim, curiosa em conhecer quem estava a seu lado.
Aproveitei a deixa para um cumprimento com com a cabeça, e ficou nisso. Ah,
deu para ver que ela tinha a pele morena, cabelos negros muito lisos descendo
além dos ombros, uma franja certinha cobrindo a testa, o que contrastava com
os olhos verde-escuros. Nem eu nem ela tínhamos informação sobre o filme e
assim quando as cenas de suspense e terror começaram ela agarrou meu braço
com as duas mãos, senti as unhas na pele, depois encostou a cabeça no meu
ombro, depois se grudou a mim. Quando as cenas horripilantes deram uma
folga pude comentar sobre o cheiro do corpo, misturado ao aroma dos cabelos. -
É que me banho com sabonete Phebo - explicou. Daí em diante trocamos
beijos, carícias e juras de amor eterno. Nosso amor eterno durou pouco: apenas
alguns encontros na saída do colégio Rosa Castro, e terminou tragicamente
quando a encontrei na Praia do Araçagy agarrada a um loirinho de olhos azuis
muito metido a besta numa motocicleta vermelha. Nem liguei, afinal não era
nem uma Harley-Davidson da vida. Ademais, não pude recusar o abraço
amoroso de Terezinha, que chegou à praia livre, leve e solta, contagiando a
todos com seu sorriso moreno. (18/01/2022)

Como a Tamara Freiper pediu, tentarei mostrar um breve retrato da


Terezinha, citada ao fim da crônica anterior. Terezinha era, como disse, do tipo
“Cheguei!”. A partir da sua presença todo o ambiente virava do avesso. Era
simplesmente, tipo: adeus tristeza! Como um gato de estimação, Terezinha me
escolheu: escolheu meus ouvidos para saber as novidades, fofocas, alegrias e
tristezas; escolheu meus ombros para derramar as lágrimas de decepção e
glória; escolheu meu peito para curar a ressaca com o sono breve ou apenas
suspiros trágicos; escolheu minha companhia para espantar a solidão ou fugir da
multidão avassaladora; me escolheu como capacho para pisar quando não podia
pisar o canalha desejado ou os próprios pais. Por aí… E eu gostava e ainda
gosto de Terezinha e Terezinha gostava e ainda gosta (espero) de mim. Era
aquele tipo: não fode nem sai de cima. Minto, Terezinha não me dava, mas me
apresentou a muitas amigas, que, depois, expressavam espanto, indignação,
ignorância e incompreensão do por que Terezinha não me dava. Em verdade,
em verdade vos digo que também eu nunca forcei a barra, ainda mais depois do
dia em que ela me confessou filosoficamente: se a gente transar a amizade
acaba. Verdade ou não, isso deixo para vocês, mas aceitei a premissa como
verdade. Terezinha não era pobre, mas frequentava tanto o Copacabana Palace
quanto a Feira de Tradições Nordestinas, churrascarias sofisticadas e pés-sujos.
Imaginem: várias vezes saiu de Ipanema para vir ao Cachambi. Mas tudo muda
e tudo mudou quando um dia ela me disse, depois de tomar umas e outras: –
Sabe, estou sozinha, deprê, vou para casa e NÃO QUERO que você me
acompanhe. Falar isso assim, a seco, causou frustração, me deixou no deserto
sem água. Então, nunca mais a vi. Não esperava tanta violência verbal, ainda
mais vindo dela, da Terezinha – aquela que nunca comi! (20/01/2022)

Assistir aos filmes de Ingmar Bergman num domingo de sol é dose. Mal
liguei a TV e estava lá o aviso sobre “O Sétimo Selo”, o que logo me lembrou
as noites de filas para assistir na Sessão da meia-noite no Cine Paissandu, no
Flamengo, a retrospectiva do Diretor Sueco, endeusado pela intelligentzia
contracultural daqueles dias e noites. A história conta o retorno do Cruzado
Block à terra natal após dez anos ausente servindo ao exército católico e ter sido
derrotado pelo xeique Suleiman. Para piorar, os Estados Nórdicos sofrem a
epidemia da Peste Negra. O primeiro ser que Block avista na praia em que
desembarcou é a Morte, que está ali para levá-lo. É mole? O filme abre com a
citação: “Quando o cordeiro rompeu o sétimo selo houve silêncio no céu por
cerca de meia hora. Eu vi sete anjos ante Deus aos quais foram dadas sete
trombetas”, que é do Apocalipse de João. Todos esses acontecimentos derrubam
a crença que Block tinha em Deus. Para driblar a morte e elidir as dívidas
religiosas e morais, o Cruzado repete a fórmula daquela formosa donzela d’As
Mil e Uma Noites: desafia a Morte para uma partida de xadrez. Enquanto a
partida se desenrola – lentamente, como a abertura dos sete selos do Apocalipse
– a temática sobre Fé e Deus se arrasta nos diálogos e dá mais sono que
Melatonina. Chamemos então outra cena, no Stabat Mater, em que Jesus
agoniza e, ao clamor da mãe aos pés da cruz: – Meu filho!, responde: – Eis teu
filho – e aponta para João, o irmão que nasceu com deficiência mental e que
depois viria a escrever o Livro do Apocalipse. Todos os evangelistas se
juntaram para manter João no grupo, inclusive Paulo, mas ele não recebeu
maior dedicação que do irmão Thiago. Essa situação foi explorada em tantas
obras, romances, músicas, dramas (Cervantes, Shakespeare, etc.) – mas jamais
foi tão vilipendiada quanto em mãos das próprias igrejas cristãs. Eu sei, já me
acusaram de criar personagens inverossímeis – eu e Kafka – mas essa é a
realidade histórica, queiram ou não. (23/01/2022)

Outro dia falei aqui sobre os filósofos do facebook. Vale para todas as
chamadas “redes sociais”. Mas tem uma categoria que supera em muito a dos
filósofos: o Poeta. Como tem Poeta neste mundo! Tem Poeta aqui mesmo, no
Instagram, no Tumblr, no Twitter não, no Twitter – apud Donald Trump – se
escreve alguma porcaria primeiro, para pedir retratação depois. Nem vou citar
as demais redes sociais porque tá assim dessas modernas criadoras de
comportamento no mundo todo. E em cada região, tem uma mídia social em
língua própria. E em todas elas o Poeta está presente. Carregar ou dar-se o
nome de Poeta não é fácil. Não por si só, você pode se batizar de qualquer
coisa, desde que com coerência e convicção. No presente caso, o Poeta carrega
a responsabilidade de ter nos ombros milênios de poesia. Para ficar cá entre nós,
desde José de Anchieta até a novíssima geração, da qual não consigo tirar um
nome porque são tantos e incontáveis. Ademais, ser Poeta requer – como o
alimento defumado, na salmoura ou o bacalhau desidratado – bastante tempo
para consolidar a poesia. Uns conseguem, outros não e daí vem a dificuldade
em nomear quem quer que seja. Mas muitos se autonomeiam Poeta – fazer o
quê? Torcer para que não passem o vexame de também terem de se retratar no
Twitter. E também: não basta ser Poeta, tem que viver como Poeta. Alguns
amigos – uns por generosidade, outros por gozação – me chamavam Poeta,
porque eu vivia tentando escrever poesia. Um deles, ao me colocar como fiador
num empréstimo bancário, na hora de preencher a minha profissão escreveu:
Poeta. É claro que o empréstimo foi negado, afinal qual banco empresta algo a
alguém tendo como fiador um Poeta? Então, depois de quinze coletâneas e uma
centena de folhetos de cordel, descobri que a poesia não era a minha praia. Não
sou poeta. Aí, entrei para o facebook para escrever essas besteiras e esperar
benevolência dos amigos, quando perguntarem por mim: – Salomão? Bah! É
um contador de lorotas. (24/01/2022)
Há algum tempo, médicos e cientistas andaram pesquisando a memória de
gente que passou pela experiência de ter sofrido, digamos, morte temporária.
Por algum problema, cardíaco ou cerebral, certas pessoas perderam
momentaneamente a capacidade de vida, mas conseguiram ser ressuscitados.
Então, a ciência e a pára-ciência ficaram curiosas em saber o que se passou
naqueles momentos extraordinários em que a morte tomou conta do corpo. Os
relatos mais comuns foram: 1) saí do corpo e fiquei me olhando do alto; 2) toda
a minha vida passou na mente como um relâmpago. Mais ou menos assim.
Antes, o poeta alemão Goethe, que estudava poeticamente a cor, deixou sinal
sobre os segundos que antecedem a morte. “Luz, mais luz” disse ele. Não era o
ambiente que estava soturno, era a morte que se aproximava rapidamente
trazendo a escuridão. Como a física não reconhece a luz no sentido goethiano
(tampouco reconhece a escuridão da morte) as interpretações sobre a frase são
milhares. Bom, deixa pra lá! Eu quero chegar no ponto em que viver e morrer é
uma aventura. Uma aventura como, Alexandre viveu, aventura como Safo
viveu, uma aventura como Aretino viveu, aventura como Antônio e Cleópatra
viveram, uma aventura como João Batista e Cristo viveram, aventura como
Cristóvão Colombo e Fernão de Magalhães viveram, como Marco Polo, Noel
Rosa, Chiquinha Gonzaga, Elza Soares e Mané Garrincha viveram. Então é
isso, entendeu? Sem parangolé, sem a Nega Fulô, sem abre alas, sem alalaô,
sem o General da Banda, viver é apenas isso: uma tremenda aventura, a maior
aventura da sua vida, a maravilhosamente dolorosa e alegre aventura que somos
obrigados a realizar. Então, o tempo é uma fera, o tempo ruge, morde nosso
calcanhar, urge viver. Tá esperando o quê? (25/01/2022)

Caro Ricardo do Carmo. Hoje, domingo, às 5,30h, estou tomando café


com manuê, lendo o seu livro “Leitores de aluguel – contos suburbanos” e o
Réquiem Alemão de Brahms tocando na vitrola. Estamos sós: eu, o gato, você e
Brahms, todos os demais dormem. Se eu estivesse em Caburé botaria um xote
do João do Vale, mas no Rio, manhã chuvosa, Brahms vai bem. Teu prefaciador
tentando qualificar as histórias esqueceu a máxima de Mário de Andrade: conto
é aquilo que chamamos conto. Então, teus contos estão bem enquadrados,
escritos com a técnica moderna que o tempo exige. Será crônica, pode ser a
anedota simples, reportagem do assassinato de dona formiga. Terrível
coincidência é que temos (eu e você) contos com o mesmo título: “As roupas do
morto”, mas são temáticas diferentes, senão iria contratar um advogado para te
arrancar uma grana (nisso eles são especialistas). De “Separação impossível” a
“Bodas de fumaça”, foi uma leitura ligeira, mas maravilhada. Depois farei uma
segunda leitura com mais vagar. Os “contos suburbanos” na verdade são bem
urbanos. Estão no dia a dia da cidade grande. Foi a mesma emoção que ocorreu
quando li pela primeira vez alguns livros: “Macunaíma”, de Mário de Andrade;
“O velho e o mar” de Ernest Hemingway; “Cem anos de solidão”, de Gabriel
Garcia Márquez; “Grande sertão: veredas” de Guimarães Rosa; etc. A lista é
grande, não cabe aqui. Já afirmei alhures que viver é a Grande Aventura a que
estamos destinados enfrentar. Também posso afirmar sem temor que ler é uma
aventura, tão destemida, tão maravilhosa, que exige tanta coragem quanto viver.
Muito obrigado, Ricardo do Carmo, por me proporcionar essa alegria. Não
podia começar um domingo melhor. (30/01/2022)

Nunca recebi tantos pedidos de amizade aqui no facebook como agora. A


maior quantidade vem daqui do Brasil, mas tem gente de Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau e me chegou até um “Bonjour” bem carinhoso de um amigo de
alguma ex-colônia francesa. Muitos amigos e amigas chegam do nordeste,
grande parte de São Luís, minha terra por adoção. As mulheres, todas elas
bonitas e de qualquer idade. Não sei se terei tempo para atender a tantos amigos
novos, mal dou conta dos velhos amigos, da turma do xadrez, maioria absoluta.
Agora, devo dizer que entre esses novos amigos – principalmente as do sexo
feminino – notei alguns nomes que me pareceram bem improváveis de serem
verdadeiros. Compreendo que nas mídias sociais todo cuidado é pouco: não tem
só ladrões de coração, mas alguns espertalhões tiram de você tudo o que for
possível, embora de pouco valor. Mas as meninas preferem mostrar a beleza das
curvas, a bunda elegante, os seios imponderáveis, as grutas e frestas mais
impensáveis, tudo enfim, a registrar o nome verdadeiro. De qualquer modo,
desejo dar – do fundo do coração e com a maior e mais pura sinceridade – boas
vindas a tantos novos amigos. Farei todos os esforços para contribuir com
palavras e atos, com amizade, carinho, amor e algo mais, tudo enfim que faça
esta relação com os novos amigos valer a pena. Mas sinto que terei que ter a
humildade de aprender a ser amigo de um pseudônimo. É a primeira vez, vocês
compreendem… (03/02/2022)

Há décadas que todo o sistema de transporte público – rodoviário,


marítimo e ferroviário – é dominado por grupos empresariais que não são nada
mais que quadrilhas, organizações criminosas. Entra governo, sai governo e
tudo continua na mesma. Isso vem desde o tempo das lotações, micro-ônibus
que antecederam os atuais. Basta dizer que nem mesmo Leonel Brizola, com o
moralismo e honestidade peculiares a alguns políticos gaúchos, não conseguiu
desmontar a máfia. O Presidente da ALERJ, segurou a barra. Os órgãos
fiscalizadores derrubaram centenas de árvores em papel, aplicando multas e
mais multas, para depois a Câmara de vereadores e deputados baixar decretos
perdoando-as: nunca as dívidas foram pagas (nem será). Foi assim que as
famiglias (notadamente os Baratas) chegaram a se espalhar pelo Brasil: achei a
empresa Guanabara em Fortaleza fazendo transporte em todo o Nordeste.
Agora, em pleno século 21, ano 2022, a história se repete em mãos dos atuais
prefeitos e governadores, que seguem a mesma linha. A Supervia (trens), ônibus
municipais, intermunicipais e interestaduais, barcas – todos prestam serviço
péssimo e os políticos passam a mão na cabeça. As empresas de vans crescem,
muitas em mãos de milicianos e traficantes. Pátios e portos estão com milhares
de veículos parados sem manutenção: é o cemitério da vergonha! A Prefeitura
criou um sistema de controle por GPS, aplica multas, “interveio” no BRT; a
Supervia, com trens sempre atrasados e superlotados, culpa o furto de cabos, o
vandalismo; a Barcas S/A, que não tem cabo nem trilho, culpa a falta de
passageiros, culpa a Pandemia. Mas tem solução: empresários da América
Latina, Europa, USA e Ásia estão ansiosos para trazer novas tecnologias em
transporte para o Brasil. Tá na hora de abrir o setor de transporte de passageiros
e cargas aos empresários internacionais e acabar de vez com essa máfia…
(05/02/2022)

A gente tem por hábito adotar costumes que chegaram até nós
atravessando gerações e persistem por séculos, sem ligar para as evoluções e
revoluções que, em teoria, deveriam nos tirar do limbo das crenças duvidosas.
Certa vez um amigo me pediu para pegar um medicamento receitado por um
médico espírita e enviar a ele. Era caso de vida e morte, tudo que a ciência
oficial sabia foi tentado, sem sucesso. Pedido de amigo não se discute, cumpri a
missão com a rapidez que o caso pedia, sem medir distância (era longe, assim
como Cururupu!), mas foi tudo em vão. Enfim, se tem medicina espiritual é
porque nosso corpo tem órgãos espirituais, não somos feitos apenas de vã
matéria. Por isso se diz: “Fulano tem bom coração” (um anjo); “Sicrano tá com
o fígado irritado” (de mau humor); “Beltrano tem o sangue quente” (com raiva).
Também são muitas as “veias artísticas” e não se esqueça de que a mulher foi
criada a partir de uma costela… espiritual. Por isso elas são inteligentes, bonitas
e muito, muito superiores e poderosas que nós pobres homens. Então pode ser
verdade que os órgãos tenham o lado material e o lado espiritual, não há prova
em contrário. Essa digressão toda vem a pus de uma sugestão para consultar um
médico espírita, apesar da solução para o mal que me aflige possa estar numa
mera tirinha do genérico. Pensei no Dr. Fritz e em muitos médicos espíritas
respeitados, mas parei no Dr. João de Deus. Acho que não. Afinal, não tenho
intenção de passar o dia fazendo aquilo: é só uma vez ou outra. E depois beber
uma long-neck Eisenbahn American IPA, de rótulo azul, em paz. Sem perturbar
a alma do meu fígado. (08/02/2022)
– Como está o tempo?
– O tempo está ruim.
Costumava-se chamar de ‘tempo ruim’ os dias de chuva. Hoje o tempo
ruim passou para o outro lado: dias de sol, calor de mais de 45ºC, necas de
chuva, umidade do clima péssima. No entanto, o ano de graça de 2022 começou
com meses em que a chuva, às vezes mal distribuída, se fez presente, constante,
visitando todas as regiões do nosso Brasil varonil. É claro: só não chove nas
regiões onde tem hidrelétricas, construídas nos desertos. É um problema da
nossa engenharia: as hidrelétricas são construídas onde, ao redor, tem muita
fazenda, muita agricultura, muito latifúndio, enormes propriedades de terra
abandonadas, quando poderia ser usada para o plantio do feijão, da mandioca,
do milho e criação de leitões, bodes, galinhas e patos, que são a base da
culinária dos menos afortunados. Daí porque a energia elétrica é cara, o feijão é
caro, a carne é cara, e os donos dos supermercados (que são cada vez mais
empresários estrangeiros) estão ricos e prósperos. Como tem chovido! Hoje
mesmo está uma quinta-feira cinzenta, enlutada com uma garoa tipo paulistana,
bem a gosto dos meninos da Semana de Arte Moderna, que este mês completa
100 anos de juventude. Se Santa Maria e Cururupu não terão na agenda eventos
para comemorar a efeméride, o governo de São Paulo não tem mais espaço para
nenhum evento, nem mesmo um show dos filhos e netos de Chitãozinho e
Chororó. O que pode rolar é uma Roda de Samba no Braz, um encontro de
chorões no Largo do Arouche, um baile funk no Capão Redondo, ouvir o grupo
Saudosa Maloca na Vila Itororó, no Bixiga, e as inevitáveis apresentações no
Theatro Municipal, onde Mário e Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Anita
Malfatti, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor
Villa-Lobos, Tácito de Almeida, Di Cavalcanti (Tarsila do Amaral só foi vista
em exposição, pois estava em Paris), entre outros, deram o Grito do Ipiranga
das artes tupiniquins. (10/02/2022)

(Detetives I) Depois de assistir as séries do Detetive belga Hercule Poirot,


ambíguo em todas as acepções, das estrepolias do casal Tommy Beresford e
Prudence “Tuppence” Cowley, dos pitacos de Miss Marple e as aventuras da
própria novelista Agatha Christie, fui explorando as produções detetivescas
inglesas e francesas. Passei por “Inspetor-chefe Morse”, homem culto,
apreciador de ópera e arte, que largou a faculdade de Oxford para participar da
guerra e depois ser policial. O Inspetor,já maduro na idade, gosta de birita e
vive cantando as mulheres – que às vezes ganha, às vezes não. A morte de
Morse e seu intérprete John Thaw aos 60 anos, gerou mais duas produções:
“Endeavour” (o Inspetor quando jovem), exibido em 2012 para celebrar os 25
anos de Morse e “Lewis”, seu sargento-detetive inseparável, finalmente
promovido a Inspetor-chefe. De entremeio assisti a série do Comissário
“Maigret”, baseada no texto escrito a partir de 1930 pelo belgo-suíço Georges
Simenon, cuja excelência e qualidade fizeram com que fosse adotada por vários
países europeus. As últimas aparições de “Maigret” foram recentemente
produzidas pela BBC, tendo Rowan Atkinson (Mr. Bean), como intérprete. Tem
também “Padre Brown”, sacerdote católico e detetive amador, cujas histórias
foram escritas entre 1910 e 1936, pelo romancista inglês G. K. Chesterton. O
Padre Brown, bom conhecedor da natureza humana, resolve mistérios e crimes
por intuição. Pois agora jogam na telinha a figura mais antiga ainda do “Frade
Cadfael”, baseada em “The Cadfael Chronicles”, novelas de Ellis Peters.
Cadfael é um herborista, ex-combatente das Cruzadas que participou da
Tomada de Jerusalém. Abalado pela carnificina que presenciou, mesmo sem
convicções religiosas, internou-se num convento beneditino, onde cultiva ervas
e produz medicamentos naturais. Nos tempos de sobra é convocado, tanto pelo
xerife quanto pelas autoridades, para resolver os crimes que ocorrem nos
tempos medievais. A produção é de 1994/1998, então, isso dá a entender quanta
coisa boa tem guardada por aí que precisa ser jogada no Youtube, Vimeo, etc.
Um recado: BBC vê se acelera essas entregas, porque já estou com o pé na
cova! (12/02/2022)

A gente ter parente médico é uma chatice. Toda hora fica nos lembrando
disso e daquilo como se aspirássemos a imortalidade. É claro que tudo com boa
intenção. Agora mesmo recebi mensagem do meu primo alertando que está na
hora de fazer o exame prostático anual (não será anal?). Faz dois anos que
ignoro os avisos. Mas esses alertas sempre vêm acompanhados com a ameaça
da doença mais temível do que a Covid – câncer. É terrorismo puro. O primo
Dr. Mário Rovedo, com clínica e consultório em São Gonçalo (RJ), é excelente
Clínico Geral com especialidade em gastro, então não faz exame de próstata,
óbvio, indica um colega proctologista. Mas reclamei, pois na última indicação
que me fez o coleguinha dele da área anal deu preferência ao sistema antigo: o
toque presencial, ou seja, a dedada. “É mais confiável” – disse. Mas a sensação
que tive foi de que, em vez de passar vaselina na luva, parece que usou pimenta
malagueta. Outra coisa: por que os médicos sempre elegem o dedão do meio
para fazer o exame? Por que ao final do exame todos sorriem? É porque o cu
não é o deles. Exame de próstata deveria ser opcional e permitir mandar outra
pessoa no lugar. Eu, por exemplo, poderia mandar o gato. O primo riu. “Tem a
opção do autoexame”, disse Dr. Mário. Como? Autoexame? É novidade para
mim. Mas como a gente leiga no assunto fará o autoexame? Eu mal sei onde
estão minhas amídalas, como vou saber onde está a próstata? Sei o caminho,
mas não sei onde é o “ponto G”… Um médico faz o exame de próstata em
trinta segundos, mas um ignorante como eu é incapaz disso. Esse autoexame
prostático – se optar por fazer – é bem capaz de me obrigar a passar o dia
inteiro futucando o cu em busca da próstata, com, pelo menos, duas
consequências trágicas: 1) eu gostar; 2) suspender o exame para continuar no
dia seguinte. Que merda! PS. Sei que muitos amigos vão se oferecer para fazer
o exame. Agradeço a solidariedade, não, obrigado. (14/02/2022)

Dizer que a catástrofe que caiu sobre a cidade de Petrópolis agora, no


começo de 2022, foi ‘tragédia anunciada’ é redundante: aconteceu, acontece,
acontecerá. As ‘autoridades competentes’ não fazem nada? Nos últimos anos
Petrópolis vem sendo governada pelos políticos mais corruptos de todos os
tempos. Tem mais ladrão no governo de Petrópolis do que na caverna de Ali
Baba. Aplicar verba em prevenção? Proibir construção em área de risco?
Formar e equipar modernas equipes de bombeiros, defesa civil, voluntários
permanentes? Nada. O importante é manter em dia os altos salários do Prefeito,
Vice-Prefeito, Vereadores + 40 auxiliares, Secretários, Subsecretários,
Secretários-Adjuntos, Assessores e das centenas de Secretárias cuja função é
sentar no colo dos Secretários. É assim que anda a política nacional e em
Petrópolis não iria ser diferente. Não é à toa: os corruptos procuram refúgio na
cidade que poderia se chamar Don Ratón – homenagem aos Rattes que
saquearam os cofres de Petrópolis há décadas. Para vocês crianças de memória
mais fresca, mando a lembrança da família Brasil – leia-se Roberto Jefferson –
atual dono do PTB, que encheu os cofres liberando licenças no Ministério do
Trabalho, para que Sindicatos, Associações, Clubes de Esquina e similares
funcionassem, a troco de propina, claro. Petrópolis e PTB têm mais a ver do
que se pensa: a Cidade Imperial nasceu como um cafofo para o Imperador
comer a Domitila. Em tempos de verão toda a comitiva imperial subia a serra
para fugir do calorão e da insalubridade do Rio de Janeiro. A República
manteve a tradição: Getúlio Vargas – além de Gregório Fortunato – não só
levava toda a família, mas também sua vedete predileta, que hospedava numa
mansão em Juiz de Fora para ir lá comê-la de vez em quando. O PTB foi
deixado de herança aos descendentes de Getúlio Vargas, que se juntaram a
famílias políticas tradicionais de Niterói – desembocando na genealogia
Moreira Franco – anexada aos Maias por laços matrimoniais dos filhos. Triste
História do Brasil, que não está nos livros. Ora, quer mais? Vai ao Google, ao
Yahoo, ao Ask, à Wikipédia, que vocês vão saber de tudo… (18/02/2022)

No começo de março deste 2022 a cidade de Poços de Caldas (MG)


abrigará mais um torneio de Xadrez Aberto do Brasil. Na última edição do
torneio, antes do ataque de Covid-19 e suas variantes, participei do evento, bem
organizado, bons árbitros, tendo o Júlio Lapertosa (que não via há anos) à
frente. Torneios e eventos de xadrez, ademais da luta acirrada de vida ou morte
(do Rei) e da corrida para melhorar posições, ganhar rating e prêmios, também
servem para rever e abraçar amigos. A cidade de Poços de Caldas nasceu da
descoberta de minas de águas quentes, onde, junto com a fama das termas
miraculosas, nasceu um povoado para acolher centenas de visitantes que
chegavam para sanar males das articulações e outros achaques. A visita, em
1819, do famoso naturalista francês August Saint'Hilaire, que em publicações
descreveu minuciosamente o lugar, as fontes termais, as águas minerais do Rio
Pardo, foi determinante para a fundação da vila e depois cidade, já com
edificações profissionais apropriadas, toda uma infraestrutura construída para
receber, tratar e curar os enfermos. Poços de Caldas, além de moradores que
recebem bem os visitantes, tem outros atrativos e passeios: um teleférico, um
centro para fisioterapia, massagem e banhos medicinais, além de doces e
queijos. Estou doido para ir, rever amigos, jogar xadrez e abraçar a turma de
rapazes que fabricam a cerveja caseira Gorilazz. Mas a grana tá curta: o BB
como um canibal voraz está me comendo cru e sem sal – a mixaria mal dá para
pagar as contas. Vôte Capiroto! (19/02/2022)

Em todo o Brasil pipocam eventos sobre o Centenário da Semana de Arte


Moderna de 1922. No entanto, continuamos de olhos fechados para nossos
vizinhos que também, desde 1890, no mesmo contexto histórico, avançaram a
arte para a modernidade, incluindo nosso país em seus estudos: “los centros
urbanos más importantes de América Latina como Buenos Aires, Sao Paulo,
México, Rio de Janeiro y La Habana (…) se manifestó diversas sensibilidades
vanguardistas tanto en artes plásticas como en poesía, y se materializó en obras
de arte, revistas y manifiestos que instalaron la discusión sobre la modernidad
en el seno de las preocupaciones ideológicas y estéticas del continente”. Aqui,
porém, sinalizam o eixo Europa-Brasil como fonte de nosso modernismo,
esquecendo “el manifiesto del muralismo mexicano y el de Martín Fierro en
Argentina, la Revista de Avance en Cuba, hasta el manifiesto Bachué en
Colombia o el del constructivismo en Uruguay”. Nos vários eventos,
exposições e palestras, os vizinhos exaltam “la obra de artistas como di
Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Petorutti, Xul Solar, Pedro Figari, Amelia
Pélaez, Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros, Pedro Nel Gómez, Luis Alberto
Acuña y Rómulo Rozo, Ignacio Gómez Jaramillo y Débora Arango en busca de
las raíces de la combinación entre lo nuevo y lo nacional”. Abriram caminho
publicações pioneiras como “La Ilustración Sud-Americana fundada en Buenos
Aires en 1892, El Mundo Ilustrado en 1894 y Arte y Letras en 1904, ambas en
México, La Lira Chilena en 1898 en Santiago de Chile y Revista da Semana en
1900 y A Ilustração Brasileira en 1909 en Río de Janeiro”. Às publicações
seguiram exposições e movimentos como o nosso em 1922: “Ignacio Zuloaga,
Julio Romero de Torres, Joaquín Sorolla, Hermen Anglada Camarasa y los
Zubiaurre estuvieron bien representados en las exhibiciones realizadas hacia
comienzos del siglo XX en Buenos Aires y Ciudad de México, y en la
Exposición Internacional de arte realizada en Santiago de Chile en 1910”. Esse
nacionalismo exacerbado que herdamos e faz deixar de lado a importância dos
vizinhos, foi semeado e estrumado com o ideário político que plantou
afinidades com as más ideologias, em vez de colher os bons benefícios da arte e
cultura europeias. (20/02/2022)

Com a tragédia que resultou do mar de água que caiu sobre a Cidade
Imperial, o nome do Petropolitano Foot-Ball Club voltou ao noticiário, desta
vez sobressaindo com o apoio exemplar e incondicional aos moradores carentes
e aos trabalhadores envolvidos na recuperação da cidade. O Petropolitano,
fundado em 1911, mostrou mais uma vez que as funções primordiais de um
clube, além da recreação, envolve o trabalho social ecumênico, o apoio
permanente aos moradores, ao comércio e indústria, se entregando de corpo e
alma, colaborando, aplicando todos os recursos de que dispõe quando a tragédia
das chuvas atinge a cidade – é na verdade uma cooperativa cultural e social para
a cidade. Foi nesse clube que tive a emoção de acompanhar o Interzonal de
Xadrez de 1973 em que Henrique Mecking teve seu nome consagrado como um
dos maiores jogadores da época. A competição começou na sexta-feira,
20/07/1973 e terminou no dia 17/08/1973. Foram os 28 dias mais incríveis que
passei, mesmo contando as emoções renovadas no Interzonal Atlântica-
Boavista, em 1979, no Copacabana Pálace. Pode-se dizer que sem um não
haveria o outro. O evento colocou Petrópolis no noticiário internacional: hotéis
lotados, turistas e participantes circulando pela cidade e pelo Rio de Janeiro,
nos dias livres. Botou a TVGlobo longe do futebol e da F1, sobretudo fez parte
da população esquecer as tragédias de verão que atingiram a cidade, como esta
de agora. A Editora Vozes, orgulho local, publicou o livro do evento, escrito
pelo mestre Dr. J. C. de Almeida Soares, que, como eu, se deslanchava
diariamente do Rio para acompanhar as partidas em Petrópolis. Só a turma da
velha guarda lembrará alguns nomes dos participantes. Félix Sonnenfeld fez
salão mostrando aos Grandes Mestres seus problemas, contando histórias. No
torneio principal só tinha cobra: Oscar Panno, Henrique Mecking, Peter
Biyiasas, Vlastimil Hort, Sammy Reshevsky, Lajos Portisch, Shimon Kagan,
Borislav Ivkov, Ljubomir Ljubojevic, Florin Gheorghiu, Lian Ann Tan, Werner
Hug, David Bronstein, Efim Geller, Lev Polugaevsky, Paul Keres, Vasily
Smyslov e Vladimir Savon, fizeram a plateia eclética encher as dependências da
Sede Social do Petropolitano, na Av. Roberto da Silveira. Meninos, eu estive lá.
Eu vi. (21/02/2022)

A tão falada “amizade de botequim” traz consigo maior proximidade com


as mazelas pessoais, as pequenas tragédias domésticas, das quais ninguém quer
tomar conhecimento. Por isso vai ao bar… Mas, enfim, amigo é para essas
coisas. Dr. Couto, por exemplo, era de discussões raras: por ser médico, o que
dizia sobre a saúde era decreto-lei. Até que, um dia, em meio a discussão sobre
o tema, apontou o dedo indicador para o teto do bar e decretou: “Amigo, você é
o que suas fezes são!” ou seja: tu és o que tu cagas. Causou certo espanto
porque Dr. Couto, afinal, não era de explosões, mas o tema se consolidou e a
cada reencontro a tese da boa cagada se transformou em religião e se agravou
de vez quando ele enviuvou. Chegava ao bar, cercava-se dos amigos e depois
do primeiro cumprimento: – Dr. Couto! Como vai? – Ótimo, não fossem as
agruras da vida. Acordei com ânimo, dei uma bela cagada e cá estou com os
bons amigos! Então o papo rolava agradável, não fossem as agruras de ser
intercalado com observações sobre a arte de bem cagar. Agruras que se
intensificavam a cada dia, reforçando a ideia de que Dr. Couto estava perdendo
a briga contra a viuvez, a amarga solidão, o fardo que traz ter que vencer os
últimos anos de vida sozinho. E começou a afetar também o último refúgio, o
remédio justo para essas amarguras: alguns dos amigos de botequim já
começavam a se afastar mal Dr. Couto apontava na esquina da Rua Ferreira de
Andrade. A maioria dos que ainda aturavam as intervenções cada vez mais sem
sentido – algumas até ofensivas – o faziam em silêncio desdenhoso. O estouro
final se deu quando uma dessas pessoas, sem mesmo pressentir a conotação da
palavra, confrontou um dos decretos leis da saúde com a frase: – Mas, Dr.
Couto! Me admira que afirme isso! Você tem merda na cabeça? A baderna que
se seguiu envolvendo todo o botequim só foi controlada com a chegada da
ambulância do SAMU onde Dr. Couto, depois de receber na veia 20mg da
famosa “sossega leão”, foi enfiado pelos paramédicos vestindo uma camisa de
força. PS. Baseado em fatos reais. (24/02/2022)

Este Carnaval de 2022 vai passar para a história de uma maneira


hipócrita. As “autoridades competentes” conseguiram apagar uma das mais
livres e populares festividades do mundo. Já podemos ver nos canais de
câmeras ao vivo o Carnaval das Máscaras de Veneza, o Mardi Gras de Nova
Orleans e outros entrudos menos votados – mas o nosso Carnaval, que é o
maior do mundo, não terá vez. As ruas estão vazias, os blocos se renderam de
maneira vergonhosa, os teimosos estão cheirando spray de pimenta, como se a
polícia ou guarda municipal não tivesse coisa mais importante que fazer. Não é
incompetência administrativa, não é burrice política, não, nada disso, é apenas o
prazer do exercício do poder, de realizar mais um “o povo que fique sabendo:
aqui mando eu”. Autoritarismo puro! O que vai acontecer é que o Carnaval de
Abril será um carnaval de 1º de abril… o dia universal da mentira. Então o jeito
é fazer cada um o seu carnaval. Eu já estou pronto, de camisa florida e colar
havaiano. Vou sair no Bloco-do-eu-sozinho, no Bloco-ninguém-me-ama, no
Bloco-somos-dois, no Bloco-eu-também-vou, no Bloco-eu-sou-teimoso, no
Bloco-deixa-comigo e, já que é para levar porrada de polícia, fecharei a terça-
feira gorda na quarta-feira. Sim, na quarta-feira sai o Bloco-chave-de-ouro que
há décadas é o representante solitário do nosso Carnaval contra o autoritarismo.
Todo mundo conhece o Bloco-chave-de-ouro: concentra mas não sai lá no
Engenho de Dentro. Tá marcado: quarta-feira de cinzas ao meio dia.
(27/02/2022)
Os tempos em que frequentei – levado por mãos do amigo Bahia (que tem
esse apelido, mas é maranhense) – a Pç. Gen. Osório, conhecido reduto de
Ipanema, cercado de bares e restaurantes famosos, onde aos domingos tem a
tradicional feira artesanal e nos carnavais sai a Banda de Ipanema, foi quando
conheci a melhor turma de amigos que tive. Em lá chegando fui apresentado
pelo Bahia: – Este é o Poeta – e Poeta ficou. Frequentávamos a última versão
do famoso Bar Jangadeiros, na Rua Teixeira de Melo, já na segunda geração.
Parte da turma, conheci o Robert, bem casado, três filhos, oriundo das primeiras
famílias ipanemenses. Tinha uma picape cabine dupla, com a adição daqueles
pneus maiores que o normal – estacionar um carrão desses naquela área era e é
impossível. Então o Robert deixava a esposa Alexandra e crianças com os
amigos na praia, passava no bar para um alô breve, ia estacionar o carrão onde
pudesse e depois voltava para o chope, que se esticava até o retorno da família.
Robert gostava de compartilhar as façanhas sexuais e certo dia me escolheu
para ouvidor. Contou a noite de amor maravilhosa que teve, descreveu o corpo
da mulher belíssima, as reentrâncias, as concavidades e convexidades, portos e
enseadas. Depois passava a narrar o próprio ato, em detalhes: como ela fazia
isso e aquilo, porque ela era diferente e avassaladora. Narrativa impressionante,
capaz de fazer qualquer um desejar repetir aquela experiência ou, pelo menos,
conhecer aquele “espetáculo de mulher”, como o próprio Robert fazia questão
de exaltar. Quando vi sua esposa Alexandra pela primeira vez entendi tudo o
que se passava. Era realmente uma mulher impressionante, bela, merecedora de
todos os adjetivos da empolgante narrativa de Robert, tanto tinha de bonita
quanto de simplicidade. Então, por que Robert se lançava nessas aventuras? Os
amigos sabiam o que eu estava passando (todos já tinham ouvido a mesma
história), lançavam olhares, risos, sinais… Mas o Robert era boa pessoa,
pressentiu minha ânsia, meus desejos ocultos por aquela mulher que eu ainda
desconhecia e desejava – respondeu à pergunta que eu não precisava fazer: –
Ora, Poeta, estou falando é da minha mulher! Por que não posso contar uma
noite de amor, os prazeres e a felicidade de transar com a minha própria
mulher? (28/02/2022)
Na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, ficarei com a Suíça. Aguerra foi
anunciada como propaganda de cerveja. A OTAN, louca para conseguir plantar
mísseis no quintal da Rússia, aproveita a inusitada eleição de um comediante
para Presidente da Ucrânia. O artista adora holofote, palco, aplauso – isso a
OTAN ofereceu de montão. Mas, o que é a Ucrânia? No Século 19 era um
poderoso Principado que se aproveitou da fragilidade dos vizinhos – Rutênia,
Galícia, Rússia Branca e outros – invadindo-os e anexando-os ao seu território.
Por isso pipocam na Ucrânia as dissensões, a luta pela liberdade, portanto,
como falar em “integridade territorial”? A Europa é isso: a Checoslováquia
virou Checo e Eslováquia; a Iugoslávia virou Sérvia, Bósnia, Croácia,
Herzegovina e outros; a Espanha (que precisa libertar Ceuta e Melila) é Galícia,
Andaluzia, Catalunha, País Basco, Astúrias; a Inglaterra (que precisa libertar
Gibraltar e Malvinas): Eire, Irlanda, Gales, Escócia; a França, a Alemanha, a
Hungria, a própria Rússia são países formados de pequenas raças com línguas,
religiões e sociedade diversas! Para conhecer a história da Ucrânia tem que ler o
famoso galiciano Leopoldo von Sacher-Masoch. Ele conta tudo: como o país
foi montado, o primeiro êxodo dos judeus expulsos da região, como partidários
da Assimilação chegaram à Áustria, Hungria, Romênia, Polônia e Alemanha,
como a Assimilação Social fez Theodor Herzl inventar o Sionismo, política de
fundação do Estado de Israel, ocupado pelos judeus dispersos. Essa é a história
política que está nos mapas: sempre o mais forte oprimindo o mais fraco,
botando o tacão sobre a cabeça dos habitantes, que nada têm a ver com a
loucura política de dirigentes temporários. Mas nem tudo dá certo, como se
sabe. Esta guerra está tão chata que atrapalhou o Carnaval – a maioria dos
municípios cancelaram o Reinado do Momo quando Vladimir Putin resolveu
invadir a Ucrânia e libertar os russos que estavam lá, oprimidos por um
comediante eleito para o posto mais alto da nação ucraniana. Deus nos livre de
Tiririca ou Didi, Dedé, Muçum e Zaca na Presidência. Que samba de crioulo
doido, meu! (01/03/2022)

As ‘otoridades competentes’ amargam as perdas havidas com o adiamento


do Carnaval. Se mesmo assim a indústria de turismo e hotéis cresceram 80%,
imagina se o Rei Momo estivesse trabalhando. Sabendo-se que notícias sobre o
Covid-19 estão com baixa audiência (só deu ibope como pano de fundo para as
mamatas e indecências administrativas, bem ao costume dos políticos), dá para
perceber a merda que foi a falta do velho Carnaval. Sai a pandemia entra o
calorzão carioca: finalmente passamos de longe os 40ºC, com as devidas e
repetidas reclamações. Reclamar do calor é tradição que o carioca curte. “Hoje
o maçarico está aceso sobre o Rio!” Meu neto está cansado de ouvir minha
réplica a essas queixas de mentirinha: “Carioca e Saariano não podem reclamar
do calor”. Quando Dom João VI resolveu se mudar da Bahia de Todos os
Santos para São Sebastião do Rio de Janeiro tinha notícia do calorão, mas o
Comitê Científico já o alertara também das compensações: banho de mar para
curar as perebas, subir a serra para sanar o calor – e fugir do fedor da cidade
insalubre. Se não tivesse calor, não teria praia cheia. Se não tivesse calor não
existiria o biquini. Se não tivesse calor, de quê serviria a cerveja estupidamente
gelada? Se não tivesse calor, como nos alegraríamos sem as coxas, as bundas,
os seios? Se não tivesse calor, não existiria o Piscinão de Ramos. Se não tivesse
calor, não se inventaria a tanga, traje oficial do verão carioca. Se não tivesse
calor, a vida seria sempre camisa-de-colarinho-com-terno-e-gravata. Se não
tivesse calor, não teria a sunga e a sandália havaiana. Se não tivesse calor, não
existiria a tulipa, o chope dourado, o colarinho. Então, reclamar do calor, só
como gozação mesmo. (03/03/2022)

É fato que uma Andorinha só não faz verão. Aliás, para falar a verdade,
ninguém faz verão sozinho. É um desperdício da natureza, repartida em
estações climáticas. Nos lugares onde o calor é perene, nas partes da terra onde
o verão é apenas um nome técnico, não se pode dizer o mesmo. Isso vem a
propósito de que, mal o termômetro superou a marca dos 40ºC – o que é normal
nesta época – lá vem a Andorinha voar e revoar diante da minha varanda.
Pensei que era uma Andorinha solitária, por isso a frase me veio à memória.
Mas qual nada! Fora de minha vista lá estavam mais outra meia dúzia fazendo
voos malabarísticos para espantar o calorão. Estas são do tipo pequeno e de
pouca cor: apenas o peito branco e as asas e cauda negras. Mas no revoo há
muita beleza, talvez não intencional. Planagens, curvas, paradas antes de
estolar, mergulhos alucinantes, adejos, voos de curvas sinuosas, sensuais. Ao
longe ouço o silvo agressivo do gavião: está em algum ponto estratégico, alto,
de onde, com olhos de gavião, pode alcançar área suficiente para caçadas.
Andorinhas não interessam a gavião nenhum, antes, são evitadas por eles
porque qualquer aproximação resulta num cerco estratégico e bicadas vindas de
todos os lados. As andorinhas do Cachambi são da espécie Andorinha-pequena,
miúdas, não chegam nem perto das grandes andorinhas cauda de tesoura que
costumam aparecer em Santa Maria e Cururupu. Embora pertença ao grupo que
agora revoa à minha frente, uma delas se destaca, não acompanha as restantes
nas revoadas, prefere ficar aqui na minha frente exibindo-se: aplaina, adeja,
esvoaça, drapeja, paira na subida, depois plana, revoluteia, voa e revoa, voeja,
circula em volteios e revolteios, movimentos de beleza e conotações eróticas
que bastam ao meu prazer. Deve ser uma Andorinha fêmea: somente as fêmeas
são assim exageradas e atrevidamente exibidas.
Ah, se eu fosse um Andorinho… (05/03/2022)

Outro dia falei sobre as comidinhas que estão sumindo da mesa brasileira.
Não sei se por culpa dos vegetarianos e veganos, da influência da culinária
internacional que invade tudo via internet ou das iguarias que são degustadas e
guardadas sob a égide de “pratos típicos”. Tirando fora a tradicional Feijoada
Completa, que chegou com os africanos para ficar (carne seca, costela, linguiça,
chispe, orelha, rabinho, lombo, toicinho, goela de porco, bucho e tripas), outros
pratos estão escasseando ou sumindo de vez: a Dobradinha (bucho fatiado, paio,
azeitonas, cenoura); o Ossobuco (osso com carne e tutano); o Joelho-de-porco
(eisbein, alemão), com chucrute e batata assada; o Rim de porco ou boi, au
sauté (polvilhados com sal grosso, alho migado, sumo de limão, salsa,
repousado toda a noite, para frigir na sertã, na mistura meio por meio de azeite
e manteiga, antes de chegar ao ponto, meio cálice de vinho do Porto Tawny de
10 ou 20 anos, segundo receita galega); a Buchada de bode ou cordeiro,
nordestina, via Portugual ou “crux mechi”, do Líbano, feita com rins, fígado e
vísceras, lavadas, fervidas, cortadas, temperadas e cozidas em bolsas da barriga
do animal; o Sarrabulho ou Sarapatel feito com as vísceras vermelhas, coração,
rins, pulmão, fígado e baço, receita tradicional trazida de Portugal; o Miolo-de-
boi cortado em pedaços, temperado com alho, sal, orégano e vinagre,
empanado, frito no azeite; todos – mais alguns – viraram comidas especiais
(alguns dizem “malditas”), raras e caras. Eu, que por força do estudo e do
trabalho sempre comi fora de casa, enfrentei a maldição e ganhei muitas pragas
por “comer bicho morto”. Mas sinto saudades dessas porcarias todas: do Bife-à-
milanesa, do Creme-de-espinafre, do Escalopinho-ao-molho madeira, do
Espaguete-à-bolonhesa, do Filé-à-cavalo, da Posta-de-peixe com pirão, do
Quibe-de-forno, das Lasanhas e muitos outras delícias. Foram consumidos com
prazer e muitas das vezes preliminares para outras gostosas comidas.
(08/03/2022)

Em 1962 (vocês nem eram nascidos), aviões de espionagem norte-


americanos flagram a construção de bases para mísseis em Cuba, ou seja, na
varanda dos USA. No dia 22 de outubro, o presidente John Kennedy denunciou
a ameaça: “Essas rampas não devem ter outro objetivo que o ataque nuclear
contra o mundo ocidental”. No mesmo dia, os USA impuseram bloqueio naval
contra a ilha e decretaram sanções que duram até hoje. Que atrevimento!
Desafiar os USA! Em sequência, Kennedy exigiu de Khruchev o desmonte das
rampas, o retorno dos mísseis e advertiu que, se o bloqueio não fosse
respeitado, a ilha seria invadida pelos USA. Pois, em 2022 é os USA e a OTAN
que pretendem instalar mísseis na Ucrânia, ou seja, no quintal da Rússia, como
já está feito na Estônia, Letônia e outros países do Leste Europeu fronteiriços à
Rússia. Então, qual seria o objetivo da OTAN ao instalar mísseis nucleares às
portas da Rússia? Putin poderia repetir: "Essas bases não devem ter outro
objetivo senão o ataque nuclear contra a Federação Russa". Os criadores de
teorias da conspiração volta e meia revivem os “planos da China para dominar o
mundo”! Meu! Vá ao Google e dê uma pesquisada onde os USA e aliados (que
chamam de Coalizão) têm bases militares. Não, não procurem por prisões
secretas e não secretas tipo Guatánamo, porque não aparecem nem 50% da
realidade. Já está na hora de alguém criar uma teoria conspiratória dos USA e
seus aliados para dominar o mundo. E já chega tarde! Dizem que a História se
repete em forma de Comédia. Quase. Não tem graça nenhuma o Presidente de
uma nação levar o país e seu povo à uma guerra, ainda mais nos dias de hoje.
Quando Putin declarou que pôs em “estado de alerta” todo o arsenal nuclear da
Federação Russa e seus aliados é que esses malucos viram que a coisa é séria.
Brincadeira, meu! Pimenta no cu dos outros é refresco. (11/03/2022)

(Detetives II) Não sei por quê, mas autores de novelas de detetives
escolhem os personagens já na meia-idade e não jovens ambiciosos para crescer
na carreira. É claro que me refiro a livros e filmes que li e assisti. São os coroas
que fazem sucesso. O primeiro deles, claro, é Auguste Dupin, detetive criado
por Edgar Allan Poe na famosa novela “Os assassinatos da Rua Morgue”,
publicado em abril de 1841. Aliás, Allan Poe é considerado precursor da
literatura policial-detetivesca, cuja primeira influência confessa foi Sir Arthur
Conan Doyle, criador do Sherlock Holmes. Poe jogou o cenário para a Europa
(o detetive mora em Paris) e sua atuação se estende a mais duas obras: “O
mistério de Marie Rogêt” e “A carta roubada”. Dupin fuma muito, gosta de
uísque (às vezes do vinho borgonha), joga duro nas investigações e sempre
chega ao suspeito. Morto aos 40 anos, Poe não pôde concluir sua obra literária,
que também abrange jornalismo, poesia e teatro. Já o famoso Sherlock Holmes,
investigador particular de fins do Séc. 19 e início do Séc. 20, aparece pela
primeira vez em 1887 na novela “Um estudo em vermelho”. Holmes ficou
famoso por usar métodos científicos, lógica dedutiva, aliados às pesquisas do
companheiro Dr. Watson. As marcas particulares são o cachimbo com a piteira
quase vertical em curva, a capa xadrez que ninguém em Santa Maria tem
coragem de usar e o violino desafinado onde mal toca algumas notas. Um dos
maiores personagens do romance policial, Holmes também gostava de dar uma
cheiradinha. Como curiosidade: em1874, o emigrante alemão Frederick Kapp
mudou a fábrica de cachimbos de Londres para Dublin (Irlanda). Um ano
depois, Fred empregou o jovem marceneiro letão Charles Peterson para ajudá-lo
no fabrico e reparos de cachimbos. Anos depois Peterson assumiu a fábrica e
lançou a coleção Sherlock Holmes, que existe até hoje. (13/03/2022)
Pausa para prestar justa homenagem ao poeta maranhense Fernando
Braga, recém-falecido, às vésperas de tomar posse da Cadeira 2 da Academia
Maranhense de Letras, para a qual foi eleito. Fernando Braga não viveu a vida
de poeta, mas viveu a poesia e tendo realizado a trajetória destinada a seu
cantar, recolheu-se na lembrança, tornando-se detalhado memorialista.
Tornamo-nos parentes afins depois de um casamento familiar e se já éramos
irmãos de leituras e escrituras, ficamos mais íntimos, alargamos as visões
pessoais, fazemos reparos e trocamos ideias sobre textos, coisas assim. Eu já
estava de matulão arrumado para ir a São Luís, querendo muito rever o
Fernando Braga, torcendo para que ele – que decerto seria muito requisitado –
arranjasse um tempinho para o bate-papo reparador do tempo que o tempo nos
afastou um do outro. Fernando Braga há anos pleiteava vaga na Academia
Maranhense de Letras – não o faria se não guardasse talento, qualidade e
méritos para ocupar cadeira naquela Casa de Cultura – mas sempre foi
preterido, sempre recebeu um “não”. Um bloqueio injustificado: por residir em
Brasília, por não comungar com as fofocas, o disse-me-disse, os mal
intencionados trapaceavam sua candidatura, postergando-a para a próxima vez.
Na Academia Brasileira também Machado de Assis sacaneou as pretensões de
Emílio de Menezes, que tinha apoio dos colegas, mas, segundo Machado,
gostava de uma farra e essa imagem seria negativa para a entidade. De fato:
numa cervejaria recém-inaugurada, há duas quadras da ABL, o proprietário
colocou no salão principal um enorme quadro de Emílio de Menezes
empunhado para o alto uma caneca dupla transbordando chope! Mas nem
Emílio de Menezes, nem Fernando Braga, sabendo que os próprios opositores
amanhã seriam uma vaga, jamais desistiram e tiveram, enfim, os nomes
imortalizados nas letras brasileiras. (15/03/2022)

Detetives (III) Hercule Poirot é o mais célebre dos muitos personagens


criados por Agatha Christie. O detetive belga mora na Inglaterra, onde chegou
como refugiado da I Guerra Mundial. O vaidoso Poirot se veste elegantemente,
tipo janota, vive se gabando do uso que faz das células cinzentas para entender
e desvendar a mente criminosa. Nas páginas dos livros, é descrito como de
cabeça oval, olhos que brilham quando descobre uma pista e um excêntrico
bigode. Poirot apareceu no livro de estreia de Agatha Christie “O misteriosos
caso de Styles” (1920) e figurou em mais 84 obras (romances e contos). A ideia
de Agatha Christie para criar Poirot veio de um refugiado belga que acolheu,
com o qual teve um amorico. Dona Agatha não era mole. Em suas obras os
casais se diversificam com toda liberdade: bissexuais, lésbicos, homossexuais –
em se tratando de amor, era libertária. A primeira aventura detetivesca de
Poirot, “O Misterioso Caso de Styles”, foi publicado em 1921 e a última, “Cai o
Pano” (a morte de Poirot), em 1975. No dia 6/8/1975, Poirot mereceu obituário
de primeira página no The New York Times. Na autobiografia, Agatha Christie
explica que matou Poirot porque não queria que ninguém escrevesse sobre ele
depois que ela morresse. É amor ou não é? Aquele que se tornou o personagem
mais famoso da Rainha do Crime, de nacionalidade belga (e não inglês), Poirot
é peculiar: se orgulha da forma como usa o cérebro para solver mistérios, sem
usar armas nem violência. Além do belo bigode, tem sempre aparência elegante
e vestir impecável. Casos marcantes foram: “Assassinato no Expresso Oriente”,
“Morte no Nilo”, “Morte na Mesopotâmia”, “Os crimes A.B.C.”, “Cipreste
triste” e “O assassinato de Roger Ackroyd”, considerado por alguns a melhor
novela policial de todos os tempos. É de notar que Agatha Christie jamais
deixou que Hercule Poirot se enamorasse de outra mulher: jamais namorou,
jamais noivou, jamais casou. Nos assédios feminimos – havia alguns – dava
sempre um jeito de sair pela tangente. Uma má fama para os belgas, mas dona
Agatha não gostava de se sentir traída… (16/03/2022)

(Detetives IV) O londrino Padre Brown, padre detetive, mais uma


produção britânica, foi baseado no livro de G. K. Chesterton “A Inocência do
Padre Brown”. Começou bem: o padre é representado pelo célebre ator Alec
Guiness. A trama conta a história da dialética relação entre o Padre Brown e
Gustav Flambeau, famoso ladrão a quem o padre busca persuadir a abandonar o
crime. Brown é padre católico e investiga crimes numa vila, ambiente
interiorano, auxiliado por alguns moradores. Hoje quem veste a batina é Mark
Williams, conhecido por ter interpretado Arthur Weasley, na série de Harry
Potter. Apesar da fama ter vindo do cinema, o ator é veterano na televisão. – A
TV é uma chance de viver papéis excelentes, disse numa entrevista. – Também
é bem mais rápido trabalhar com séries do que filmes, que levam muito tempo
para serem gravados. É um padre simpático, condescendente, vive em contínuo
atrito com as autoridades policiais do local, pois sempre consegue solucionar os
crimes e mistérios antes deles. A série é nova e irregular no Brasil, uma
sacanagem porque “Padre Brown” é transmitido desde 2013 no no mundo todo.
Mas aqui não é o mundo, é o cu do mundo. Dizem que essa sacanagem é devido
à comparação às aventuras de Sherlock Holmes, de Sir Conan Doyle. Segundo
alguns críticos, o conceito é válido, pois Sherlock Holmes reviveu como “o
jovem Sherlock”: em adaptação da BBC o detetive usa métodos modernos,
técnicas científicas atuais e mora na movimentada Londres dos dias de hoje.
Enquanto isso, Padre Brown está nos anos 1950 redimindo as desventuras no
interior da Inglaterra. E eu com isso? (20/03/2022)

Decididamente hoje acordei incarnado no espírito do Dr. Couto: ao


primeiro “bom dia” responderia com as frases que o doutor e amigo costuma
pregar abertamente sobre a arte do bem defecar. – Bom dia! Acordei, dei uma
bela cagada e aqui estou entre os melhores amigos! Pois assim foi comigo: ao
ser convocado para cumprir a exigência fisiológica, corri ao banheiro
imediatamente e, por trauma psicológico ou não, com o pensamento
acorrentado às ideias do Couto. É claro que esse pensamento veio acompanhado
de risos, pois o Dr. Couto, mesmo quando fala profissional e cientificamente,
provoca a dúbia sensação de que o tema ora é sério, ora é piada – nunca se sabe.
– Meu amigo, dizia Dr. Couto sussurrando em meu ouvido como confiasse
segredo de Estado: nosso intestino é um aterro sanitário que precisa ser
higienizado a todo instante. Essas lições do bem cagar segundo Dr. Couto,
trouxeram lembrança do ensino que o meu amigo Salvador (grego que já
atropelara os 90 anos e seguia firme e forte), me deu sobre a própria
longevidade: – A única coisa que faço é jamais dormir com o intestino ocupado
(cheio). Também, ainda sentado no troninho, recordei os versos que li no
banheiro da rodoviária e que o engenheiro e escritor paranaense Eno Teodoro
Wanke – que foi o maior conhecedor da história da Trova e do Trovismo,
cavoucando-a em 5 volumes desde os tempos medievais – reproduziu em livro
(do qual fui colaborador) em que publicou sua pesquisa sobre a dita “poesia de
latrina”:

Neste pequeno recinto


Toda vaidade se acaba:
Aqui o medroso faz força
Aqui o valente se caga!
(21/03/2022)

É claro que fui bebemorar os oitentanos no botequim. Não foi nada


combinado, aproveitei o dia em que a turma de sempre estava quase completa e
cheguei. Até o Couto esteve lá, o Quincas também, mas Zezinho e Wilson não
assinaram o ponto e andam sumidos faz tempo. Tinha também o time feminino,
a Tânia, Léa, Valquíria, Tia Jessy, sambista e feijoadeira de fama – todas mais
novas e mais consumidoras de cerveja do que este que vos fala! O engraçado é
que, quando a gente cheda à ancianidade, todos nos ouvem como se fôssemos
sábios gregos. Me salvei dessa situação pulando para o assunto do momento: a
quarta dose da vacina contra o Covid. Que diabo, por que não deram as quatro
doses de uma só vez? Nesse caso é sempre bom ficar com um pé atrás: a turma
comprou vacina pra caralho, o estoque está alto, as eleições se aproximam, tem
dinheiro para distribuir além dos R$ 4 bilhões do fundo eleitoral, enfim, o
terreno ideal para que a corrupção prospere impune. O fato é que estamos mais
espetados que viciados em cocada boa, crack e outras drogas ‘ilícitas’. O papo
rolou, rolou, alimentado por drogas lícitas, gente chegava e saía, abraços sem
máscara, só não teve beijo na boca. É bom a gente ser querido, ter tantos
camaradas (alguns até então não sabidos), ainda que xingados com a pecha de
‘amigos de botequim’. Amigo de botequim, fique sabendo, já salvou muito
casamento da ruína, uniu Romeus e Julietas que alguma coisinha boba
separava, já tirou muito suicida do alto da ponte, evitou que muitos psicóticos
deitassem no divã do Dr. Freud e se hospedassem na casa do Dr. Eiras. Por tudo
isso e mais, foi muito bom. Gostei. Só faltou você. (22/03/2022)
(Detetives V) Auguste Dupin, considerado o primeiro detetive da ficção
policial, foi criado por Edgar Allan Poe. Pode ser que a visão de Poe ou de seus
editores fosse curta demais para acreditar num personagem permanente, mas o
fato é que Dupin estrelou somente três episódios: Os Assassinatos da Rua
Morgue (1841), O Mistério de Marie Rogêt (1843) e A Carta Roubada (1844),
considerados ainda hoje as primeiras histórias de detetive da moderna literatura
de mistério. Edgar Allan Poe também inaugurou o estilo do policial sem armas,
que usam o raciocínio lógico, a intuição, a análise dos fatos, o passo a passo do
crime, desenhando cada detalhe, estabelecendo padrões, que levam direto à
elucidação do crime. Nessas três histórias Poe fixou a necessidade de existir o
contraponto, ou seja, aquele personagem que auxilia o detetive preenchendo os
espaços deixados nas investigações, equilibrando as deduções quando se tornam
mirabolantes demais, chamando a atenção aos detalhes esquecidos. Neste caso,
quem auxilia Auguste Dupin é o amigo com quem divide o apartamento em
Paris. É a persona-raiz que viria desembocar na figura do Dr. Watson
sherloquiano, responsável nos romances de Conan Doyle pelo registro e
publicação das peripécias investigativas da dupla.Outros clichê criado por
Edgar Allan Poe é a inusitada reunião num só espaço de todos os suspeitos, na
qual o detetive explica em detalhes como chegou ao culpado, descrtando as
pistas falsas plantadas para atrapalhar a investigação. Esse método foi seguido
mais de perto por Agatha Christie, através do indefectível detetive particular
belga Hèrcule Poirot. (24/03/2022)

(Detetives VI) Dick Trace. O mais durão dos detetives das histórias em
quadrinhos foi criado pelo cartunista Chester Gould em 1931. Tracy entrou para
a polícia após o assassinato do pai de sua noiva, Tess Trueheart, morto por
bandidos. Em sua incansável luta contra o crime, antecipou modernos
apetrechos eletrônicos, como o videofone. Com ele, conseguia se comunicar, à
distância, com os colegas da polícia. Em 1990, foi interpretado pelo galã
Warren Beatty no cinema. Nero Wolfe. Criação do estadunidense Rex Stout,
Wolfe é um detetive privado e sua primeira aparição aconteceu no livro
Serpente, de 1934. O narrador dos livros é sempre Archie Goodwin, o ativo e
intrépido assistente e responsável por buscar as pistas para que Wolfe resolva os
intricados mistérios sem sair de casa. Entre suas tramas mais famosas estão: A
confraria do medo, Milionários demais, A voz do morto, Mulheres demais e A
caixa vermelha. (25/03/2022)

(Detetives VII) Comissário Jules Maigret. O mais popular entre os


personagens criados pelo escritor belga Georges Simenon ficou conhecido por
sua incrível capacidade de compreender a natureza de seus investigados. Ele
aparece em 75 romances e 28 contos publicados entre 1931 e 1972.
Recentemente foram lançados alguns telefilmes, com o protagonista
interpretado por Rowan Atkinson, famoso pelo personagem Mr. Bean. Para
quem quer conhecer mais do comissário, recomendamos: Pietr, o Letão –
primeira aparição de Maigret, A velha senhora e Maigret no tribunal.
(26/03/2022)

(Detetives VIII) A idosa senhorita Jane Marple não é propriamente


'detetive', é mais a observadora que se aproxima sorrateira e inocentemente dos
suspeitos e envolvidos para farejar culpas e assim descobre muitas evidências,
as quais trata de repassar de modo ambíguo à autoridade policial responsável
pelo caso. Miss Marple é solteirona, mas nas mais de 30 histórias em que foi
personagem sabe-se que teve o seu grande amor perdido na guerra, cuja
fidelidade e lembrança mantém guardadas na memória, nas fotos antigas e em
pequenos objetos sentimentais. A senhora solteirona vive no vilarejo de St.
Mary Mead, é famosa entre os moradores e temida pelas autoridades policiais
que em geral são atropeladas nas investigações: ela desvenda os mais
intrincados crimes e mistérios baseando-se apenas no conhecimento psicológico
da natureza humana, seus defeitos, suas fraquezas. O primeiro caso de Miss
Marple foi “Assassinato na casa do pastor”, publicado em 1930, livro que foi
imediatamente para a lista de best-seller, provocando uma sequência inumerável
de casos. Entre a xícara e chá e o tricô, Jane Marple cuida do jardim, lê o jornal,
visita vizinhos e desvenda mistérios. O último caso de Miss Marple foi “Um
Crime Adormecido”, escrito em 1940 (só saiu após a morte de Agatha Christie).
Para o necessário contraponto, o sobrinho Raymond West, que vive
subestimabdo as qualidades detetivescas da tia Jane, ela solta frases enigmáticas
e cheias de quebra-cabeças, todas, porém, encaminhando à solução do crime, à
confissão e prisão do culpado. (27/03/2022)

(Detetives IX) Philip Marlowe. Personagem de oito romances de


Raymond Chandler, Marlowe fez sua estreia em O sono eterno, de 1939. O
detetive apareceu numa em publicações populares explorando contos ficcionais
sobre crimes, surgida nos Estados Unidos em meados dos anos de 1920. Ele é
beberrão, tem uma atitude contemplativa e filosófica. Não teme riscos físicos
nem de usar violência quando necessário. Moralmente correto, ele encontra em
suas aventuras várias “mulheres fatais”. Entre seus romances temos: Adeus,
minha adorada, Janela para a morte e O longo adeus. (28/03/2022)

Obs. Parte do material sobre a série “Detetives” foi extraído da internet.

Rio de Janeiro, Cachambi, Setembro 2021/Março 2022


O AUTOR
Salomão Rovedo (João Pessoa, 1942), formação cultural em São Luís (MA), mora no Rio de Janeiro.
Livros: Abertura Poética (Antologia), Walmir Ayala/César de Araújo, 1975; Tributo, 1980; 12 Poetas
Alternativos (Antologia), Leila Míccolis/Tanussi Cardoso, 1981; Chuva Fina (Antologia), Leila
Míccolis/Tanussi Cardoso, 1982; Folguedos, c/Xilos de Marcelo Soares,1983; Erótica (Poesia), c/Xilos
de Marcelo Soares, 1984; Livro das Sete Canções (Poesia), 1987.
e-Books:
Poesia: Pobres Cantares, Porca elegia, 7 canções, Sentimental, Amaricanto, bluesia, Mel, Espelho de
Venus, 4 Quartetos para a amada cidade de São Luis, 6 Rocks Matutos e 1 romance rasgado, Amor a
São Luis e ódio, Sonetos de Abgar Renault (antologia), Glosas Escabrosas (c/Xilos de Marcelo
Soares), Suite Picasso, Salomão Rovedo & Sigur Ros, Cancioneiro Nordestino, Arte de Trobar,
Proseando com a morte.
Contos: O sonhador, Sonja Sonrisal, A apaixonada de Beethoven, Arte de criar periquitos, A estrela
ambulante, O breve reinado das donzelas, Contos Remidos, Um dia direi que te amo e outros contos,
Duelo de farelos e outros trambolhos (contos).
Outros: Cervantes e Quixote (Artigos), Gardênia (Romance), Stefan Zweig Pensamentos e Perfis
(Antologia), Ilha (Romance), Meu caderno de Sylvia Plath (Antologia), Viagem em torno de Dom
Quixote (Ensaio), 3 x Gullar (Ficção), Literatura de Cordel (Ensaio), Por onde andou o cordel?
(Artigo), Poesia maranhense (Ensaio), Atila de Almeida - Correspondência Mínima, 1942-A misteriosa
morte de Stefan Zweig, A saga dos Gudrun (novela), Carlos Drummond de Andrade e a Literatura de
Cordel (ensaio), Diários do facebook (I), Nos tempos d'A Confraria (artigos), O bêbado pede
desculpas e cai (novela), O doce olhar das baleias (novela), O gato que ouvia Mahler (novela), O
pacto dos meninos da Rua Bela (novela), O pianista da Rua da Carioca (novela), ABL-Pertencer ou
não, eis a questão (ensaio), Cartas de amor a Jerusa (novela), Diários do facebook (III), Machado de
Assis-Fragmentos de um diário (ficção), Mate as cinco (novela), Diários do facebook (IV), Memorial
de Aires: Gênese, Apoteose, Réquiem (ensaio), Seu Machado e Dona Hylda (novela), Crônicas
Maranhenses, De Ubaíra a Santa Teresa (ensaio biográfico), Messianismo e Evocação nas crônicas
de Joaquim Itapary (ensaio), Pasquim dus temps de la pandemie, The facebook diaries, The
Pandemic Times, Assassinato no Cachambi (novela), Crônica dos dias da Pandemia, João Bala
(memória).
Obras de Sá de João Pessoa: Macunaíma, em versos de cordel, Antologia de cordel #1 - #2 - #3 e #4,
Folhetos de cordel.
Todos os e-books estão disponíveis na Internet:
https://www.academia.edu
http://www.dominiopublico.gov.br

Foto: Priscila Rovedo

© Salomão Rovedo

Você também pode gostar