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Salomão Rovedo

Amores

Obscenos
(Textos Malditos)

Rio de Janeiro
2022
Amores obscenos

1 - Esperança
2 - Viagens
3 - Anamaria
4 - Bruna
5 - Lia
6 - Maninha
7 - Marilza
8 - Piratas
9 - Ritinha
10 - Thália
11 - Anônima
12 - Cléo & Cléa
13 - Cypagu
14 - Ella
15 - Jurema
“Tendo sofrido um ataque raivoso por parte de seu "protetor",
um idoso senhor que a descobriu em plena traição com um jovem
amante, Vanessa, a fim de recuperar inteiramente a saúde, vai
para a Itália. No navio em que viaja de ida, tem uma aventura com
o Capitão e, quando do retorno, atrai a atenção de um Príncipe
indiano…”

Henry Spencer Ashbee: The Pearl 1881, citado no Index


Librorum Prohibitorum, do Vaticano.

“De uma feita, Casanova estava viajando numa carruagem


em companhia de uma linda mulher que havia repelido todos os
seus avanços amorosos. De súbito, uma tempestade desabou. Ela se
agarrou a ele, tomada de terror, e ali mesmo sua vitória foi das
mais completas”.

Morton M. Hunt: The Natural History of Love.


Decorations by Warren Chappell, Borzoi book, 1959.
Esperança

Estava no metrô para depois ir à Praça Mauá quando o celular


tocou. Não era um toque qualquer, era um som pornográfico, com
gemidos, gritinhos, música ao fundo, decerto gravada desses sites
eróticos. Sabe como é: muito ai ai, ui ui, vou gozar, vou gozar, mais,
mais, gostoso, gostoso, gostosa, gostosa – e mais uma dezena de
grunhidos de sexo explícito. É claro que àquela altura muitos
passageiros se viraram para ver de onde saía aquilo, me olhando
com a cara mais reprovável do mundo, como se eu fosse um
criminoso. Ainda bem que não tinha crianças, mas uns estudantes
começaram a rir.

O som se repetiu uma, duas, muitas vezes. Depois de enfiar a


mão em vários bolsos consegui achar o telefone que continuava a
reproduzir as pornográficas sensações como se fosse ela própria uma
orgia. Apertei em alguns botões tentando silenciar a pornografia
sonora, sem conseguir. O rapaz que sentava a meu lado me tomou o
telefone, correu o dedo sobre a tela para um lado e me devolveu para
atender a chamada. Era Esperança, bêbada, naturalmente.

– Esperança! Você é louca? Eu pedi para trocar o som do meu


celular, mas não era para botar música de filme pornô! Agora estou
no metrô e todo o vagão ouviu essa porcaria e alguns já ameaçam me
linchar.

E bem baixinho para que só ela ouvisse:

– Tem uns moleques aqui, uns estudantes, que já estão a ponto


de se masturbar. Por outro lado, os senhores e as senhoras sérias, de
cara franzida, estão prontos para me dar porrada.

...

– Você é louca? Trata logo de tirar esse negócio do meu


telefone. Sei lá! Bota outra coisa. Aquela musiquinha chata “Para
Elisa”, de Beethoven, por exemplo, serve. Não quero gravação de
filme pornô, ora.
...

– Não é filme pornô? Você mesmo gravou ao vivo? Mas que


história é essa? Onde você estava para gravar essa porcaria toda e
botar no meu telefone, sua devassa?

Eu disse e repeti a frase em tom mais alto para aliviar a barra.


Dei uma olhada e vi até uns gestos de concordância com o esporro
que eu dava em Esperança.

...

– Como? Você mesma gravou? Em sua casa, no dia da festa?


Que festa? Não me lembro de ter ido a nenhuma festa.

...

– Ah. Aquela festa. Mas naquele dia eu bebi tanto que nada me
passa pela lembrança. Como sempre – amnésia. Só do dia seguinte,
depois da dor de cabeça, da ressaca. O gato vomitou ao lado de meu
rosto, na minha cama.

...

– O quê? Eu bebi dois litros de uísque? Misturei com


caipirinha e cerveja? Então tá explicado: como você quer que eu
aguente tudo isso? Fiquei chumbado. Não sou mais um rapaz,
Esperança. Se você gosta de mim não deixe que isso aconteça.

...

– É. Sim. Devo ter feito muita loucura. Bêbado só faz merda...


Mas ainda assim não consigo entender como você gravou esse
maldito som e ainda por cima botou em meu celular!

...
– O quê? A voz masculina é minha? Ah, não fode...

A essa altura não conseguia mais controlar minha irritação e


minha voz troava em todo o vagão. As estudantes riam, os moleques
gargalhavam e surgiu até grito de torcida:

“Aí, coroa, tá com tudo, né?”

“Valeu, mandou bem, velho!”

– E outra coisa: aqueles gritinhos de ai ai, ui ui, não são nada


verdadeiros. É tudo fingimento teu. É coisa de atriz pornô mesmo.
Tenho autocensura suficiente para saber que não estou com essa
bola toda, não faço mais ninguém gemer tanto, a não ser de porrada
ou dor de barriga.

...

– Conversa fiada. Você me ama? Ah, me faz rir. Você tá a fim


do meu dinheiro, mas também sabe que não sou nenhum Donald
Trump ou Mike Jagger. Sou um durango. Um dia chega, a mixaria
acaba, você some...

...

– Mais o quê, Esperança? Ainda tem mais? Além do uísque, da


caipirinha eu tomei dois viagras? Fiquei de pau duro! Você mostrou
para todo mundo!

...

– Esperança, você é demente? Sua bêbada! Alcoólatra! Você


não sabe que sofro do coração, que tenho pressão alta, estou todo
bichado? E me faz beber um coquetel explosivo como esse? E depois
foder? Você quer me matar, Esperança?

...
– Você não viu eu tomar o Viagra? Eu que te contei? Eu devia
estar fora de mim. Esperança, se você gosta de mim um pouquinho
como diz, sua puta, não deixa isso se repetir. Pelo amor de Deus!

De novo bem baixinho no ouvido (celular) dela:

– Esperança, com dois litros de uísque, caipirinha e dois


viagras eu sou capaz de foder você, tua mãe e até até tua avó.

...

– O quê? Tá rindo de quê? Eu fodi? A dona Cremilda? A minha


sogra? O som do telefone, a voz, aqueles gritinhos, os gemidos, tudo
é dela transando comigo no tapete? E você gravando? Sua devassa!
Beberrona! Escrota!

...

– É muita palhaçada tua, Esperança. Então foi botar isso no


meu telefone para me chantagear, né? Coisa de alcoólatra. Um
presente? Tá bom. Mas comigo não cola, vá chantagear outro otário,
não esse aqui.

...

– Sei, sei. Mas uma coisa não compreendo é a tua mãe. Se não
me falha a memória, aqueles peitinhos, a bunda durinha, a boceta
apertadinha… sabe que ela está muito bem para a idade dela? Para
falar a verdade ela te bota no chinelo! Ouviu Esperança? Tua mãe tá
gostosa. Abre teu olho. Te cuida!

...

– É tudo silicone? Sei. Mas ficou ótimo. O dinheiro foi bem


gasto. Foi em Miami? Dr. Décio? É aquele que tem até programa de
TV? Valeu, sim, valeu a pena pagar por cada peito US$ 10 mil. Diz
que esse Dr. Décio daria jeito até nos peitos da Dercy Gonçalves ou
daquela mulher que o Van Gogh comia e retratou.
...

– Mas isso não se justifica, Esperança, você me deixar fazer


essas coisas. Transar contigo, com tua mãe, estava praticamente
doidão... Uísque, dois viagras, caipirinha. Isso é suicídio, Esperança,
você é malucona demais! Você sabe que sofro do coração, pressão
alta. Já estou com o pé na cova. Você quer se livrar de mim, não é
Esperança? Você quer que eu morra, sua piranha!

...

– Se você quer que eu morra para voltar do além para falar


com você – igual àquele filme Ghost que assistimos, saiba
Esperança, aquilo é um filme. UM FILME! Não é real. Você não é
Demi Moore, eu não sou Patrick Swayze e tua mãe não é Whoopi
Goldberg.

...

– E ainda por cima teve a coragem de botar tudo isso no meu


telefone? Não! Não precisa mandar mais som, nem foto, nem vídeo!
Maluca! Olha, faz o seguinte...

Nesse momento a ligação caiu. Dei graças a Deus. Mas foi por
pouco tempo. Daqui a pouco começa tudo de novo: ai ai, ui ui, vou
gozar, vou gozar, mais, mais, gostoso, gostoso, gostosa, gostosa,
urros e grunhidos de sexo explícito. Desta vez consegui parar o som
mais rápido e atender.

...

– Esperança! Alô, Esperança! Alô. Não me liga mais. Vou


desligar. Te ligo depois.

...
– Ah, é Dona Cremilda? Desculpe, não reconheci a voz. Como
vai a senhora? Desculpe mais uma vez: dona Cremilda, não, pronto,
só Cremilda. Então, como vai você, gostosa? Sei, lembro sim, claro
que lembro. Aquela festa foi de lascar. Você sabe que a louca da tua
filha gravou tudo?

...

– O quê, Cremilda? Foi você que pediu? E botou no meu


telefone? E agora, sabe onde estou? No metrô, indo para a cidade e
todo mundo sabe que nós fodemos o meio da sala. Todo mundo, tá
ouvindo Cremilda?, todo mundo escutou esse som pornô e pela cara
poucos aprovaram. Terei sorte se não for processado ou preso.

A essa altura o vagão todo estava ligado na minha conversa.


Teve gente que até deixou de saltar para continuar ouvindo. Uma
loucura, gritos, assobios, torcida para Cremilda! Cremilda! Torcida
para Esperança! Esperança!

...

– Sim. Sim. Entendo. Mas você, sendo mais experiente, não


devia ter me deixado beber tanto. Não, não estou chamando você de
puta velha. Aliás, pelo pouco que guardei, o seu desempenho foi
excelente. Você está fodendo melhor do que tua filha, gostosa! E
esses peitinhos made in Miami. Espetacular, Cremilda! Fantástico!

...

– Sim, Esperança também me disse que fiz muitas loucuras.


Espero que com você também eu não tenha decepcionado. Cremilda,
como você fode! A gente precisa se ver mais vezes, sabe? A
Esperança precisa de um rapaz jovem, garanhão, desses que transam
jogando videogame, depois ainda bate uma punheta. Já eu preciso
de alguém assim como você.

...
– Foi? Jura? Lá dentro? Olha, então foi inspiração tua. Nunca
fiz isso com outra mulher. Quantas fodas eu dei, quantas vezes te fiz
gozar? Ah, Cremilda, meu amor, não mente. Pára! Me engana que eu
gosto. Assim vou acabar acreditando.

...

– Mas Cremilda, minha querida, convenhamos que aquela era


uma festa atípica. Muita loucura. Repito para você o que disse a
Esperança: com dois litros de uísque, caipirinha e dois viagras eu
fodo até tua mãe.

...

– Tá rindo de quê? Pode parar, pode parar.

...

– O quê Cremilda? Eu fodi? A dona Zizinha? A tua mãe?


Mentira! Mentira tua. Você está me sacaneando.

...

– Verdade? Mas como ela conseguiu levantar da cadeira de


rodas? Não brinca! Eu desfilei pela sala na cadeira de rodas com
dona Zizinha nua no colo? E a velha ria e cantava? Puta merda!

...

– O quê Cremilda? A dona Zizinha nem precisa mais de


cadeira de rodas? Doou para o asilo? Milagre, Cremilda! Milagre,
Cremilda! Isso é que se pode chamar de milagre do caralho!
Viagens obscenas
(Ensaio inacabado)

Daiana
“Eu e meu namorado viajamos todo dia juntos. À noite, de volta para casa,
os trens estão cheios, lotados. A gente entra no sufoco mesmo, procura lugar
na junção dos vagões e fazemos a viagem coladinhos. Certa vez a luz do
vagão começou a piscar, depois apagou quase tudo. Demos jeito de transar
ali mesmo, na frente e atrás. Tinha uma amiga ao lado, viu tudo. Quando
virei para ele me comer o cu, ela aproveitou, pegou o pau e ajudou a enfiar
no buraquinho. Por alguns momentos ela me acariciou na bunda e esfregou
o dedo na boceta. Acostumamos a pegar o trem juntas. Deu certo. Depois
convidei-a a passar um fim de semana com a gente na praia. Quer
dizer:aquele momento no trem deu frutos, desencadeou a amizade (e boas
fodas) que dura até hoje.”
O nome

A coisa mais difícil que existe é encontrar um nome que


qualifique o breve encontro entre duas pessoas, limitado a uma
viagem geralmente curta, muitas vezes incomoda e quase sempre
desconfortável num transporte coletivo, seja ônibus, trem, táxi navio
ou avião.

As sensações são tantas e ocorrem tão rápidas, podendo


inclusive multiplicar-se indefinidamente de uma só vez, e foram tão
poucas vezes notadas ou estudadas que ninguém de preocupou em
qualificá-las.

Existe um nome em inglês (por que temos sempre que recorrer


ao inglês?), quase definidor de tal contato: petting. Mas o petting é
um contato sexual – ou pré-sexual – limitado a pessoas que já
mantêm relação entre si – namorados ou noivos, por exemplo. E não
é apenas um toque erótico como o que ocorre nos transportes
coletivos podendo (o petting) se converter – como muitas vezes de
converte – em ato sexual pleno.

O contato entre passageiros nos transportes coletivos é um


petting leve, sensitivo, fugidio. Pode (e deve) se limitar apenas a
roçados, breves empurrões e apertos moderados, muitas vezes en
passant, dos quais se extraem todas as sensações possíveis.

E, importante, jamais se transforma num petting ou num ato


sexual mesmo extensivo em consequência da breve carícia, breve
toque. Explica-se: os participantes do contato quase nunca estendem
suas ligações para além daquilo. O ato por si só se desfaz, pulveriza-
se, no encontra campo para ampliações, digamos, extra coletivos.
Acontece ali, no ônibus, no trem, no automóvel ou no avião, muitas
vezes sem justificativas plausíveis, e ali mesmo se encerra, numa
autodestruição também inexplicável.

Eliminado o petting, poderíamos chegar ao abrasileiramento


da palavra, que poderia ser roçado. Mais chegada ao ato em si, a
palavra roçado também pode significar o petting, ou seja, o contato
sexual fora de seu ambiente normal. E também poderia significar
esse breve contato erótico, não fosse uma palavra que possui
nuances pejorativas. O mais certo então seria intercalar a utilização
de diversas palavras, como contato, toque e um pouco menos
esfregação e roçado.

Somente assim poderemos explicar o que ocorre entre dois


passageiros de um transporte coletivo, quando eles, espontânea ou
acidentalmente, se juntam num balé amoroso, onde mais significam
os gestos, as ações e os olhares, onde qualquer palavra (mesmo um
pedido de desculpas) pode desmanchar tudo como um sopro destrói
um monte de areia.

*******

Depoimento
Karla
“Eu e algumas amigas vamos para a estação bem cedo, tanto para pegar
lugar o trem quanto para chegar ao trabalho no horário. Algum tempo
depois de parado o trem fica quase lotado. Passa as três primeiras paradas e
já está entulhado de passageiros. Mesmo sentada é inevitável alguém e
encostar no ombro. Se for homem se nota o pau crescer, o sacolejo do trem,
o pára e anda, os empurrões fazem o resto. Normal. Só reclamo quando fica
muito exagerado, outros passageiros começam a reparar. Já fiz até amizade
com alguns deles. Pra falar a verdade, gosto. Deixa a viagem mais relaxada.
Afinal, o calor de gente junta dá uma tesão danada! Então, um caralho bem
duro na bunda tira o estresse, faz o dia melhor.”

Origens

Parece que foi em virtude do latente desconforto das viagens


que começaram as fodelanças nos transportes coletivos. Mas é certo
que a cidade grande, com seus conglomerados angustiosos e vida
agitada, acelerou (podemos dizer: aprimorou) o contato erótico e
sexual entre os passageiros.

A busca de uma afinidade, fugindo da solidão que caracteriza a


vida nas metrópoles e, principalmente, a busca da distração física,
espiritual, momentânea, que diminua a tesão, o tempo da viagem
entre o trabalho e o refúgio da residência, muitas vezes
transformada na volta à realidade, após o rápido paraíso alcançado
com a ralação, a foda, a roçadinha amorosa, sexo sem compromisso.

Viajar sempre foi coisa inerente à própria condição humana.


Não fora esse desejo incontido de se locomover e o homem ainda
estaria preso a uma caverna em algum lugar desconhecido da União
Europeia. É mais certo que as condições adversas da natureza, a lei
do mais forte contra o mais fraco, a necessidade de sobrevivência,
ajudaram, melhor dizendo, empurraram o homem para o
desconhecido, expulsaram-no da comodidade para a aventura,
retirando-o de uma situação que poderia se transformar na
destruição da própria espécie.

Marco Polo, Genghis Kan, Giovanni Bocaccio, Giácomo


Casanova, Júlio César, Napoleão Bonaparte, o “Barba Azul”,
Américo Vespúcio, Cristóvão Colombo. Eles viajaram usando de
todos os meios para conseguir seus objetivos. A pé, no lombo de um
burro ou de um camelo, cavalgando cavalos ou elefantes,
atravessando mares e terras, montanhas que à vista pareciam
inacessíveis, cruzando desertos áridos e mares tempestuosos. E
todos fodem...
Foram, enfim, esses aventureiros os grandes homens que nos
legaram o futuro que hoje vivemos, que domaram a terra violenta
para que pudéssemos nela pisar e nos fixar tranquila--mente. Não
existe um só pedaço de terra em todo o Globo que ainda não tenha
sido pisado pelo homem em suas loucas e valentes aventuras, tendo
sempre a mulher como imprescindível coadjuvante.

Hoje vamos pouco além. Dominamos o ar e o cosmos. As


grandes naves espaciais em breve estarão atravessando o infinito em
busca de outros mundos mais perigosos e longínquos. Pouco
sabemos do que nos espera no universo negro e vazio. Apesar de
todas as histórias de ficção científica, na realidade nada sabemos de
outros mundos, se são pacíficos ou perigosos, se são mortais ou se o
homem pode sobreviver. E nem por isso abandonamos a aventura, o
sexo, o erotismo. O homem insiste, persiste em superar as
dificuldades, descobre novos veículos e novos combustíveis
propulsores que enviarão as astronaves a outras galáxias, a outros
mundos infinitamente distantes.

Entretanto, o homem não poderia superar todas essas


dificuldades se não tivesse um espírito superior e se não buscasse
meios de combater a solidão fastidiosa, o desânimo que tais viagens
provocam. Com efeito, não fosse a presença da mulher, o viajante
muitas vezes se sentiria desiludido com tudo e com todos. O vazio
que o cerca domina-lhe completamente o espírito, abate o ânimo que
lhe resta e muitas das vezes provoca a desistência da aventura a que
se propôs realizar. Mas quando tem a mulher a seu lado, tudo
supera.

O homem teve então que inventar, buscar e criar o


entretenimento necessário para combater essa solidão e manter o
espírito alegre e desperto para o desafio. O amor, o sexo, a bebida e a
jogatina eram algumas das diversões encontradas, ainda que muito
perigosas. As contínuas brigas e discussões, combates e duelos,
também sempre acompanharam os aventureiros em suas andanças
pelo mundo.
A diversão mais procurada, porém, eram as aventuras
amorosas. A mulher neste caso também é peça importante no
relacionamento do viajante, da sobrevivência e mesmo da
disseminação do homem em todos os cantos da terra. É um ponto
positivo esse contato entre o aventureiro e a mulher, que também
viajava ou mesmo a que, já estabelecida em sua terra, servia como
parada para o viageiro sedento. Positivo tanto para o aventureiro,
quanto para o aumento da população local, pois desses contatos
erótico-sexuais sempre sobrevinha o filho...

No interior de há muito de formou a lendária figura do


vendedor ambulante (ou representante comercial), que até nos dias
atuais infestam o interior com sua presença. Eles também levam o
progresso aos lugares mais isolados e distantes. Eles também fazem
parte dessa gente que, de galho em galho, vai criando uma situação
nova na cidade ou lugarejo -que pára para fazer o seu trabalho.
Quando essa figura, muitas vezes má vista pelas sociedades
interioranas, chega às cidades, as filhas e donzelas são trancadas a
quatrocentas chaves e sua pureza e virgindades protegidas por mil
guarda-costas. Os maridos escodem as esposas com medo do chifre,
mas em matéria de sexo, o inevitável não existe.

É assim que as aventuras atravessam fronteiras e chegam até a


cidade grande. O rebuliço formado, as consequências imprevisíveis.
Muitos deles são ataviados violentamente quando ali retornam por
capangas ou mandados, outros são retidos e obrigados a casar para
"pagar a dívida", outros ainda são simplesmente fuzilados e
enterrados ali mesmo. A justiça é feita com as próprias mãos e a
honra está lavada. A mulher chora a morte do amado e se masturba
na lembrança.

Uma inversão interessante era observada no Velho Oeste


norte-americano, quando era comum se organizarem caravanas com
mulheres (as famosas caw-girls) para atender aos pioneiros
destacados em fundação de novas cidades ou quando se
encontravam explorando grandes e longínquas minas de ouro,
pedras e metais preciosos. Nesse caso era a mulher que se
transformava na viandante, sendo levada de lugar em lugar com
pequenas paradas de no máximo uma semana.

Do mesmo modo essas caravanas serviam as pequenas cidades


e vilarejos onde ainda não comportava a fundação nem zona de
prostituição formal (que raramente existia na época), de um
"saloon", agindo justamente como o lenitivo sexual para o longo e
cansativo isolamento dos pioneiros.

Elas mesmas se organizavam em grupos e muitas das vezes


alguma ou outra acabava gostando de um homem do lugar e ali se
instalava, juntando-se no trabalho, tendo filhos, consolidando enfim
o lugar como residência humana. Donde se conclui que o negócio
não era puramente comercial. As mulheres buscavam fuga ao
isolamento e diversão para os difíceis dias que passaram no velho
oeste, ante as condições muitas vezes adversas e insuportáveis de
tempo. O dinheiro servia apenas para a subsistência e manutenção
do grupo. Eram unidas, ordeiras e tinham alguns princípios morais
sustentáveis.

Em alguns episódios de guerra Que a humanidade já


enfrentou, quando os soldados eram obrigados a viajar para lugares
distantes, algumas mulheres das terras de origem eram enviadas
para o local da batalha para assim aumentar a produtividade do
soldado e diminuir as tensões de ordem interna. Muitas vezes essa
situação era provocada pela negativa das mulheres locais em manter
qualquer espécie de contato com os invasores (pois assim se
tratava). No entanto, este é um episódio raro e somente empregado
nas antigas guerras de conquistas, quando muitas vezes a
hostilidade da terra conquistada bastava para expulsar o invasor.

O problema surgiu quando da construção da Arca por Noé,


justamente para transportar uma coletividade preocupada com a
proliferação autorizada e exigida por Deus em Seu desígnio. Todos
sabemos que os passageiros da barca foram eleitos para a procriação
dum povo novo e tal somente poderia ocorrer por via do ato sexual
direto ou coletivo.
Através dos tempos o progresso dos transportes coletivos foi
nenhum, ou quase. O egoísmo tomara posse da alma do homem,
fabricara veículos de poucos passageiros: um ou dois e nada além.
Atravessamos a época das caleças, dos coches e diligências como
transportes terrestres; dos barcos, galeões e escunas para os
navegantes. Todos eles, porém, de pouca lotação e tripulados
somente por homens. Quando uma fêmea penetrava num desses
transportes populares, que não lhe era designado especialmente,
havia luta para possuí-la, luta entremeada de morte e sangue.

Hoje em dia inventamos as aeronaves, os transatlânticos, os


expressos e ônibus de luxo, com características de máximo conforto
para viagens longas e felizes. Com estas prerrogativas podem os
passageiros, homem ou mulher, romper barreiras sociais e se
entregar um ao outro com vida e amor: livres. Em contrapartida,
foram criados os ônibus e os trens suburbanos, os aviões e barcas de
curta viagem, com capacidade para milhares de pessoas, cujo
desconforto e a pouca distância do itinerário não impedem, como
seria de imaginar, o contato erótico, que no início ocorria entre a
camada mais pobre da população.

*******

Depoimento
Daiana
“Eu e meu namorado viajamos juntos. À noite, de volta para casa, os trens
estão cheios, lotados. A gente entra no sufoco mesmo, procura lugar na
junção dos vagões e fazemos a viagem coladinhos. Certa vez a luz do vagão
começou a piscar, depois apagou quase tudo. Demos jeito de transar ali
mesmo, na frente e atrás. Tinha uma amiga ao lado, viu tudo. Quando virei
para ele me comer o cu, ela aproveitou, pegou o pau e ajudou a enfiar no
buraquinho. Por alguns momentos ela me acariciou na bunda e esfregou o
dedo na boceta. Acostumamos a pegar o trem juntas. Deu certo. Depois
convidei-a a passar um fim de semana com a gente na praia. Quer
dizer:aquele momento no trem deu frutos, desencadeou a amizade (e boas
fodas) que dura até hoje.”

Literatura e arte
Não obstante, apesar de pouco estudada, essa situação erótica
já foi diversas vezes registrada pela literatura, geralmente por
escritores malditos, esses gênios que aprendem a ver tudo e tudo
anotar, como se fosse a coisa mais importante do mundo. Vários
escritores acompanharam de perto o fato e fizeram constar em suas
obras várias cenas de cenas eróticas nos transportes coletivos. Vários
registros a respeito do assunto já foram feitos, quer diretamente
quer disfarçados, inclusive na Bíblia, o primeiro livro histórico a
anotar o caso de contato erótico e sexual, coletivo e necessário.

Henry Miller, no livro “Trópico de Capricórnio”, conta um caso


em que o personagem viajava no trem metropolitano superlotado e
tentou meter a perna entre as de uma passageira sentada à sua
frente. Ela consentiu e ambos arrancaram desse contato prazeres
não só eróticos, mas sexuais. Logo depois combinou um encontro
com ela e mantiveram encontros e relações sexuais várias vezes.
Iniciou, assim, um contato amoroso permanente através de simples
ralação nos trens.

Anteriormente houvera recusa por parte de outra usuária em


participar do petting, o que vem demonstrar – isso faz parte do
presente trabalho – que a proximidade nos veículos populares
coletivos só ocorre com a condescendência de ambos.

Alice Askew, faz tema principal de seu livro “A mulher sem


fronteiras”, a apologia do petting e da relação sexual em viagem: a
principal personagem é justamente uma mulher que mantém
relações sexuais ou eróticas viajando através de vários países. Daí o
título. As relações são narradas em ritmo de confissão e passadas
nos mais diversos veículos: trem, navio, automóvel e até num
camelo. O registro mais acentuado é aquele em que a mulher se faz
possuir no corredor de um trem expresso em alta velocidade. Todos
os pormenores, todas as sensações, todo o gozo sentido nessa
relação é narrado num invejável estilo, igualado aos melhores
romancistas da literatura erótica.

*******
Depoimento
Alberto
“Moramos no mesmo bairro, na mesma rua, pegamos o mesmo ônibus, no
mesmo horário. Assim, é comum a gente conversar quase todo dia. Ela tem
a pele alva, cabelos castanhos, dedos finos, que ressaltam a aliança dourada
na mão direita. Está noiva com data marcada. Na última viagem que
fizemos, ficamos próximos de passageiros que saltaram logo. O primeiro
lugar foi dela. Senti o seu ombro derrear carinhosamente para minha coxa.
Continuamos a conversa, mas quando me olhava tinha os olhos lânguidos,
amorosos. Parecia mais ansiosa e excitada que de costume. Vagou outro
lugar e sentei-me a seu lado. Ela encostou o corpo ao meu corpo, a perna na
minha perna. Ao se despedir ela me pediu: “Me liga às 5:30h. É
importante.” Telefonei, nos encontramos: “Domingo me caso. Quero minha
despedida de solteira contigo. Meu noivo está com os amigos dele.” Ela,
nua, era uma linha reta com duas maçãs taludas, a boceta carnuda, a vagina
oculta por uma tênue linha. Fodemos desesperadamente até meia-noite.
Antes de sair do hotel , bridamos com champanhe: “Não podia ser melhor”
– ela disse sorrindo. Pegamos um táxi, deixei-a em casa e nunca mais nos
vimos.”
Beatles

O biógrafo dos Beatles, Hunter Davies, anota em seu livro as


viagens do famoso conjunto, que eram – quase sempre – tremendas
bacanais, não no sentido pejorativo. De fato, os povos de vida cigana
(artistas, circenses, teatro mambembe), sempre de vida estressada,
não têm outra saída sexual a não ser o erotismo viajante.
Posteriormente John Lennon confirmou as pseudos orgias (o que é
de admirar: em tom de acusação), sem que houvesse negativa de
qualquer dos outros componentes do grupo. Não estavam nem aí...

Não cremos (em nosso espírito superior só existe a defesa do


amor), que possa existir qualquer forma de fazer amor que possa ser
condenável, se feita com o objetivo de obter prazer. Quando a
satisfação total está presente, nada há a negar ou esconder. Isso era
regra comum naqueles tempos em que o parágrafo único da lei era:
Não faça a guerra, faça amor.

O escritor inglês Ian Fleming, criador do famoso espião James


Bond, transformou o trabalho do agente secreto em viagens pelo
mundo, sempre atravessadas com uma cama habitada por uma, duas
ou mais mulheres. O superespião ficou mais conhecido por suas
sensacionais trepadas, não pelo seu trabalho de matar – monótono
ofício de um espião capitalista...

Júlio Verne, em suas célebres viagens, ao centro da terra e à


lua, sempre fez com que seus homens fossem acompanhados de
animais pequenos e aves caseiras, com a frouxa desculpa de dar
início à criação naqueles destinos inabitáveis. Ora, mesmo o maior
dos idiotas sabe – e sabia à época – que era impossível se formar
núcleos habitacionais na lua (ou no centro da Terra), quanto mais
criar galinhas!

Todo mundo sabe e sabia que é o animal doméstico (ave, no


caso) a vítima da primeira relação sexual dos jovens imberbes. Freud
explica. Quem é capaz de afirmar que não possuiu sexualmente uma
galinha em sua mais tenra idade? Quem não enfiou o dedo num cu
apertado e quente de uma pata ou cadela? Sim, quem não? Ora a
literatura sobre a sexualidade está repleta de casos assim.

*******

Depoimento
Mirna
“Mesmo depois que inventaram a lei de vagões exclusivos para mulheres,
no trem e metrô, viajo sempre nos vagões mistos. Aliás, para mim, essa lei é
discriminatória, não é mesmo? Porque só favorece as sapatonas, as lésbicas,
LGBTQ, o caralho a quatro, que ficam dando em cima das garotas
acintosamente. Foi a primeira coisa que me aconteceu quando viajei no
vagão feminino. Senti logo dois peitões atrás de mim, mãos querendo me
alisar. Eu hem? Gosto de macho me cantando, gosto de ser paquerada, gosto
de receber elogios obscenos, gosto de um pau grande me dando prazer. Pode
me coxear, esfregar o pau no meu corpo, roçar meus peitos com o cotovelo,
sussurrar obscenidades ao meu ouvido. Tenho prazer ao saber que provoco
reações assim nos homens. É o mesmo que me chamar de gostosa. Os
passageiros me olham com inveja quando percebem minha mão indiscreta
alisar um caralho duro, que só falta explodir para fora das calças dos
machos. Eu quero é mais!”
Fesceninos

Os autores danados são os maiores historiadores da vida


intima e da sexualidade. Com suas obras malditas conseguem
manter acesa a chama de humanidade existente em cada gente
povoadora de nossa terra. Porque o homem proibido é renegado ao
recôndito da nossa alma.

Além dos mencionados Henry Miller (1891-1980) e Alice


Askew (1874-1917) – que escrevia em consorcio com o marido
Claude Askew – vários escritores fizeram das relações sexuais e do
erotismo em viagens, tema principal de suas obras. O temível
marquês Donatien de Sade (1740-1814) escreveu uma obra marcada
pela pornografia e pelo desprezo das instituições. Em “Justine e
Zoloé e suas duas amantes”, ele dedica alguns capítulos a descrever o
erotismo em viagem, apesar (ou justamente) das dificuldades de
trânsito na época. Movimentar-se na França revolucionária era
sacrifício que exigia recompensa aos transportadores e
transportados.

John Cleland (1709-1789), britânico, autor de “Fanny Hill -


Memórias de uma prostituta”, obra-prima da literatura erótica,
transporta seus leitores a uma deliciosa viagem erótica em
companhia de Fanny. A fuga da heroína do interior para a cidade
cria imagens eternas no estilo. Ninguém pôde mais descrever tal
passagem sem se basear na obra de Cleland. As viagens já atraíam os
seres entre si, já serviam de união e a proteção reciproca era
buscada. O passo seguinte era a busca pelo amor, prazer, sexo.
Cleland foi insuperável.

Poderia estender ao infinito o assunto sobre autores que já


fizeram registro e tema baseados no contato sexual e erótico nos
veículos coletivos. A Viscondessa de Coeur-Brûllant (que alguns
afirmam ser Guy de Maupassant), (1850-1893), em sua obra "As
Primas da Coronela", faz com que dois personagens passem horas
deliciosas dentro de uma carruagem: sob intensa nevasca os jovens
Querubim e Florentine se amam, fodem à vontade, sem serem
importunados. Enquanto Ao tempo que Querubim entrega sua
virgindade, Florentine – recém-casada – planta os primeiros chifres
no marido.

Dalton Trevisan no seu livro “O vampiro de Curitiba” e Sylvan


Paezzo no “Diário de um transviado” e “A época dos tristes”, quando
não fazem da viagem e do trânsito andarilho o motivo principal das
suas histórias, é através dela que os personagens se transportam ao
destino final: o amor, o sexo.

*******

Depoimento
Carlos
“No ônibus que pego diariamente (sempre à mesma hora), já tirei sarro de
muita menina. Também faço amizade, dou presente de aniversário, combino
encontros, festas. Certa vez não deu para escolher lugar, fiquei preso e tive
que fazer a viagem toda ali, até que passageiros começassem a descer. A
senhora que estava sentada me deu uma olhada, pediu a pasta que eu
carregava, segundos depois senti o ombro encostar no meu pau. Depois ela
começou a fazer leves movimentos de vai e vem, para cima e para baixo.
Olhei para os lados, só eu pressentia, cada um cuidava de si. Passageiros
passavam detrás, eu me curvava, aproveitando para roçar a mão os seios
dela. Quando fui descer ela me devolveu a pasta com um forte aperto de
mão. Agora, quando pego o ônibus eu a procuro e ela me sinaliza de onde
está.”
Mutatis, mutandi

Ressaltaremos, no presente exercício, de ora em diante, as


condições dos contatos eróticos nos transportes populares e
coletivos, tentando fazê-lo o mais racionalmente possível. Primeiro
vamos descrever o petting nos ônibus e trens, cuja viagem máxima
não ultrapassa três horas, mais ou menos. Tal peregrinação,
entretanto, é feita nas piores condições (e conduções): má
iluminação, desconforto, solavancos, freadas e desvios bruscos feitos
pelo condutor, causados pela péssima conservação das ruas e
estradas. É assim o quadro é composto: um grupo de pessoas, em
torno de 60 mais ou menos, viajando em pé ou mal sentado, tendo o
pior como companhia. Se no verão o forte calor irrita a todos
piorando a relação entre si, no inverno o frio, contrariamente, atrai o
aconchego dos passageiros e surge grandes oportunidades de
contato.

Então, o petting nas conduções públicas decorre da


oportunidade oferecida pelas condições mencionadas, tanto físicas
quanto climáticas. Acrescente-se o rigor da viagem, a chateação da
rotina diária e teremos o ambiente satisfat6rio para a busca, a fuga, a
evasão para outras sensações. Geralmente para o perfeito contato é
preciso estar as pessoas psicologicamente preparadas. Não um
preparo de cabine, de divã ou consultório.

Como tudo que ocorre nas relações populares e também nos


transportes coletivos, a preparação é dada pelas condições naturais
em. que todos vivem. O ambiente dispõe com antecipação o espírito
de cada um, de forma que quando ocorre o petting o participante
não se amedronta, ao contrário, há um consenso.

Não se deve, porém, achar a vida dessas pessoas fácil ou


apenas deliciosa. As retaliações, quando ocorrem, são por vezes
violentas. Muitas pessoas não entendem e as discussões são
sucedidas por taponas e agressões com bolsas e guarda-chuvas. Não
seria ridículo chamar esses frustrados de heróis, pelo que sofrem.

Já temos o ambiente. Vamos ao ato em si. Tudo pode começar


com um leve toque (consentido, na maioria das vezes) entre
nádegas, costa a costa. Eis um ponto de contato. O roçado bunda-a-
bunda é agradável a ambos os participantes. Evidentemente se é
feito com pessoas de sexo diverso. Mas não se assuste de sentir uma
bunda masculina roçando na sua. Afinal de contas não se deve
limitar a sensação de erotismo somente a um casal. Isto porque
acreditamos que aí existe uma total liberdade. É, pois, super normal
aquilo que se sente na posição bunda-a-bunda,

Não há também nenhum prejuízo moral: os demais


passageiros de viagem nada percebem. E os que percebem, por
muito conhecer o assunto, sabem respeitar o direito adquirido. A
irmandade existente entre os gozadores faz com que cada um aceite
o direito do outro.

*******

Depoimento
Lídia
“Ando sempre de ônibus, que pego a meio caminho, por isso nunca tem
lugar para sentar. É esse sufôco a semana toda. Mal eu chego tem sempre
um passageiro ‘educado’ que se afasta e me dá lugar ...na frente dele. São os
‘protetores’ dos ataques machistas. Dou uma olhada para a cara e aceito ou
não. Tem um que já é meu conhecido, de viajar quase todo dia. Esse aceito.
Nele me encaixo perfeitamente. Nossos corpos se fundem. É a viagem que
me dá forças para aguentar o dia. O pau dele se enfia entre minhas nádegas,
forço um pouco e sinto tocar o cu. Ponho minha mão sobre a mão dele,
aperto, dou unhadas: é esse o sinal que estou gostando e gozando. Tudo em
silêncio. Segredo de dois amantes. Eu desço, ele continua a viagem.”

(Fim do fragmento)
Anamaria

Na verdade a história de André começou na semana de férias


em Porto Seguro (litoral sul baiano), conseguida com a ajuda do
amigo que o substituiu, para escapulir do trabalho constante e
mentalmente pesado que cumpria na Bolsa de Valores. Lá conheceu
o casal Anamaria e Erik – ela baiana, ele sueco – que estava de
namoro, depois noivos e depois casados. Quando nos despedimos,
eu estava de volta à Bolsa de Valores e Erik e Anamaria de malas
prontas para viajar para a Suécia.

E pensar que tudo começou numa dessas noites de pouca lua,


nas areias da Praia de Araçaípe – um luau, como os nativos chamam
– que consiste numa festa ao som de rádio e à luz de uma fogueira
improvisada. Anamaria faz tempo reparava um branquela ruço,
tórax enfeitado de pêlo ruivo, copo de caipirinha na mão, dançando
sozinho. Gostou da animação do cara, poderia ter se metido entre as
meninas que coalhavam a praia, mas não: brincava sozinho, só
observando a turma. Ela então resolveu se aventurar: chegou perto
dele, falou oi!, botou o braço na cintura, recebeu o braço nos ombros
e o par não desgrudou a noite toda.

Antes que a fogueira virasse um monte de cinzas já tinham se


afastado do grupo para uma duna deserta. Quando Anamaria enfiou
as narinas no pêlos vermelhos e suados de Erik viu que a aventura
não tinha mais volta. Quando Erik beijou os bicos dos seios de
Anamaria (sentiu-os como pedra) e foderam nas areias de Araçaípe,
viu que tinha chegado ao fim procura, que o amor não tinha volta.
Anamaria se mudou para o quarto de Erik e só saíam para as
refeições, uma bebida na Passarela do Álcool, um bate-papo com
André.

Amigos e amigas de Anamaria festejavam o noivado, as


perspectivas de vida, a paixão do casal. O resto do tempo eles
ficavam dando uma de Pedro Álvares Cabral: Erik não se cansava de
descobrir reentrâncias do corpo dela, a pele morena, quase escura,
sem marca de biquíni, a boceta com cheiro de caju, a bunda grande
que dificultava o acesso ao cu; Anamaria, por sua vez, cortava os
exageros dele forçando-o e se deitar, montava à cavaleira – era agora
a dominadora.
Sempre começava nos pêlos ruivos, descia ao umbigo, só uma
paradinha para chegar ao pau. Erik gemia na primeira chupada,
forçava a cabeça dela para o alto, tentava empurrar os ombros, mas
nada detinha a boca, a língua voraz de Anamaria. Vira para cá – Erik
implorava. Ela o castigava mais ainda: não! Você fica só olhando –
Erik se conformava com aquela condição, similar à de escravidão
(apesar das cores trocadas), até ele gozar na boca dela. Às vezes ela
se fingia de boa menina, atendia ao pedido dele e se virava
lentamente, bem devagar, o tempo necessário para criar um clima de
tesão insuportável. Erik respondia com desordem, sofreguidão,
ânsia descontrolada, que só se acalmava quando ela impunha ritmo
cadenciado, ondulando o movimento da bunda, enfiando o nariz
dele até o cu, aplicando movimentos pendulares da boceta na boca
de Erik, misturados a tremores excitados, até à parada trêmula que
despejavam rios alvos. Depois, tiravam-se lado a lado extenuados.

Erik e André se tornaram amigos e conversadores. Natural de


Kiruna, Erik trabalhava no transporte de minério, de vital
importância para a economia local, mas, devido a degradação da
cidade, pretendia se mudar para Luleå, mais ao Sul, e também trocar
de ramo, passando a transportar cargas em geral. Para isso já estava
garantida a compra do veículo apropriado, uma modera carreta, com
trânsito internacional. Em suma, trabalharia para si mesmo, como
autônomo. Era um progresso.

Para uma baiana, se mudar de Posto Seguro e seus 90


quilômetros de praias, incluindo Mundaí – onde Anamaria morava
com a família – e também a popular Taperapuã, a vibrante vida
noturna repleta de restaurantes, pousadas e bares na conhecida
Passarela do Álcool – trocar o calor do Nordeste brasileiro pelo frio
da Suécia, é de fato coisa drástica que só o desejo e o sexo fazem.
Porém (segundo promessa de Erik), eles voltariam todo ano durante
o Carnaval, para gozar do calor extravagante, ver os desfiles, sambar
e dançar à vontade, mas principalmente, ficar em Mundaí, rever a
família, amigos e amigas de Anamaria.

Esse contrato entre amores durou dez anos de idas e vindas. A


família do casal aumentou de crianças e diminuiu de velhos.
Bruna

A água salgada de vez em quando inundava minha boca. Como


no mar tranquilo, pequenas ondas iam e vinham. Minhas narinas
também sofriam com o vai e vem. A escuridão permeava o ambiente,
as águas, o céu. Às vezes ficava sem fôlego, que recuperava de
tempos em tempos. Era quando se abria uma fresta por onde podia
respirar. Águas Vivas inundavam meu rosto com cremosa maciez. Ia
e vinha, ia e vinha, ora em movimentos pendulares, ora em círculos
como água em redemoinho.

Por fim, acordei. Ressaca, pensei. Excesso de bebida, noite


maldormida – aos poucos fui me dando conta das coisas entre o
sonho e o real. Era Bruna que massageava a boceta em minha boca.
Deitada sobre mim, ponta-cabeça, as pernas cercavam meu rosto
pelos lados. Harmoniosa armadilha que deixava minha boca em
perfeita simetria com a sua boceta.

Os movimentos circulares permitiam aos lábios, a língua, o


nariz, palmilhar em toda a área, incluindo o cu, os lábios, o clitóris,
as reentrâncias. O movimento pendular, feito com precisão, sem
pressa, deixava a boca e a língua percorrer a estrada que vai do cu ao
umbigo, em linha reta, com algumas paradas em que os quadris
fremiam nervosos. Deixei que ela continuasse por algum tempo,
interrompendo apenas para ajustar as coxas, e assim proporcionar
uma respiração que não me asfixiasse.

Tentando participar mais ativamente, já desperto de vez, dei


uma nova atuação à língua, enfiando-a totalmente na vagina. Bruna
naturalmente percebeu a novidade, mudou de posição, quase de
cócoras, começou um sobe-e-desce perfeito, em que só a língua e a
vagina tinham contato. Às vezes ela parava e não sei como eu sentia
que munha língua era abraçada, um abraço apertado, caloroso, e
recomeçavam os movimentos ainda com aquele aconchego.

Bruna ria e se levantava um pouco só para ver as gotas de suor


e de esperma semearem quentes a minha boca.
Foi por acaso: estava tentando fazer minha língua circular
dentro da boceta de Bruna, numa exploração incógnita, quando
toquei numa parte. Ela vibrou, tremeu, emitiu um som, como corda
de violão. Após respirar mais longamente, repeti a manobra, novas
vibrações, mais intensas, mais sonoras. Usei a tática da distração e
quando Bruna menos esperava, ataquei com todo vigor aquele ponto
luxurioso, que ela reagiu de modo tão lascivo quanto inesperado:
saltou para o lado da cama, em desmaio, respiração ofegante,
descontrolada.

Minha língua doía. Bruna sorria.


Lia

Lia e eu costumamos beber no mesmo bar, mas não juntos.


Ocupamos mesas próximas e lá pras tantas a conversa começava do
nada e fluía até cada um tomar rumo próprio. Desta vez a TV
passava o noticiário local, em seguida começou um programa de
variedades que tem nas tevês de todo o mundo, bem ao gosto da
população caseira. A entrevistada do dia era uma famosa
apresentadora de programas infanto-juvenis, cuja decadência se
aproximara junto com as rugas.

Pergunta vai, resposta vem e o assunto caiu no abuso sexual


infantil.

– É um tema sensível, sei, mas tenho de perguntar: você sofreu


algum tipo de abuso?

As lágrimas afluíram no rosto da apresentadora loira.

– Bem, respondeu, já é tempo de enfrentar os fantasmas.

De fato, a idade acima dos 50 anos chegara para ela. É uma


prise que todas as mulheres têm, ainda mais esse pessoal de TV,
teatro, cinema, da música – os chamados “famosos” – porque os
pobres raramente têm crise de idade, coisa que nem percebem que
chegou e passou.

– Sim, eu fui abusada…

Quando ela deu essa declaração eu e Lia nos olhamos e rimos,


porque a trajetória da loira era de conhecimento geral: se iniciou aos
13 anos como modelo, sempre “apoiada” por famosos, mas o sucesso
mesmo se alargou quando se juntou a um jogador de futebol. Rio de
Janeiro, São Paulo, Nova York, Paris. Ganhou mundo!

– Mas consegui superar, continuou a resposta, me dediquei ao


trabalho, casei, tivemos um casal de filhos. Estou realizada – disse
tentando encerrar o assunto.

Estava ali mais para promover seu novo trabalho: um


monólogo teatral. Além da apresentação de programas e festas
juvenis, ela já tinha tentado cinema, aparição em novelas de TV,
agora partia para o teatro. Mas, não obtendo o sucesso esperado,
pulava de programa em programa em TV de menor expressão e
seguia a vida.

Nem o álcool nem outras drogas lícitas e ilícitas entraram na


entrevista, mas todos sabiam que ela tinha sido levada a essas
tendências, o que ela atribuía a consequências e traumas do abuso
sexual, do trabalho excessivo, das relações atribuladas com o pai e a
com vida: na verdade, o culpado foi o amor, a paixão: o namorado,
depois marido, era alcoólatra, viciado em comprimidos, consumidor
de cocaína. Foi o portador de todos os pecados, das atribulações da
vida, que refletiam também nas atividades profissionais e empurrava
para a decadência. O amor não traz vacina contra isso.

O programa passou para outro tema que não interessava, mas


eu e Lia continuamos o bate-papo.

– Eu também poderia dizer que fui abusada.

– Como assim?

– Sabe com que idade tive a primeira menstruação? Antes de


fazer 10 anos.

– Acho que é isso que chamam sexualidade precoce. As


crianças pulam uma etapa da evolução e passam direto para a
puberdade ou adolescência. Pelo menos é assim que entendo, mas
nunca me aprofundei no assunto, não sou especialista no tema.

– Não é mesmo – Lia disse rindo. E continuou a contar a


história.

– Estava no apartamento do vizinho, César, jovem professor de


literatura, com quem minha mãe me deixava quando ia ao trabalho e
ficava sem empregada. Também me ajudava os estudos. Fomos bons
vizinhos. Ele morava com a namorada, Carolina, porque não
queriam casar. Um dia fui ao banheiro e foi a ela que recorri quando
vi, apavorada, minha bocetinha manchada de sangue. Carolina viu,
me acalmou, e me disse rindo:

– Deixa de bobagem, não fica com medo. A partir de hoje,


todos os meses você terá que passar por essa tragédia.
Me ensinou a fazer a higiene, pegou um de seus absorventes
(tinha uma embalagem na bolsa), me ensinou como usar.

– Pronto. Amanhã ou depois tudo volta ao normal. Pede a tua


mãe para comprar um pacotinho de absorventes. Existe um menor,
para menina da tua idade.

Carolina, professora de línguas (inglês e espanhol), passava


trabalhos de gramática e redação, para melhorar minhas baixas
notas na matéria. Aprendi muito com ela. Algumas vezes eu ficava
sozinha na sala fazendo o trabalho e eles sumiam.

– Qualquer coisa é só chamar.

A curiosidade venceu e arrisquei ver o que se passava nesses


momentos. Eles estavam no quarto e pela fresta que a porta
entreaberta deixava vi eles na sacanagem. Se chupavam um ao outro
na posição 69. Carolina por cima, ora punhetava, ora chupava o pau
de César, cujo rosto desaparecia entre as coxas dela.

Fiquei um tempo ali dois corpos nus fazendo coisas que eu mal
começava a imaginar, e, súbito, sem me dar conta, já estava com o
dedinho massageando a boceta. Foi o primeiro prazer visual e
quando descobri que olhar uma transa se masturbando era ótimo.
Algum tempo depois senti aquela sensação estranha pela primeira
vez. Pedi a visão, minhas pernas tremeram, gozei.

Foi assim que tudo começou. Quando tinha oportunidade, eu


mesma tomava iniciativa de provocar o professor. Me metia entre as
pernas dele, enquanto conversávamos sentia o caralho crescer. Ao
deixá-lo me abraçar, por qualquer motivo, girava o corpo, deixando
que meus peitinhos duros, minha bunda, minhas coxas, se
esfregassem no corpo dele. Quando ele estava sentado, eu
aproveitava para esfregar minha boceta, virava, apertava com força
meu cu no joelho, depois dava jeito de levar minha mão às coxas e
até de apalpar o pau duro.

Certo dia estranhei o silêncio, pois quando eles transavam eu


ficava ouvindo os gemidos e as falas abafadas. Fui dar uma olhada e
vi os dois dormindo nus. Ela se virou para o outro lado, mostrando a
bunda perfeita e jovem e ele estava estirado, de peito para cima, o
pau descansando sobre a coxa.

Entrei no quarto fixando bem o cenário, como um diretor de


cinema. A luz varava a janela esmaecida pela cortina como uma
névoa, dando ao ambiente uma carga erótica venenosa. Não sei
porque eu gostava de ver coisas assim: gente transando me alertava
as sensações, a vontade de querer imitar. Espiava minha minha
mãe, a empregada transando, ouvia o que contavam as colegas de
escola sobre masturbação. Agora agora tinha meus vizinhos e podia
comprovar ao vivo!

Peguei o pau de César entre os dedos e comecei a chupar. Aos


poucos o pau cresceu e ele acordou meio sonado. Me viu, espantado,
olhou para Carolina, que continuava dormindo ao lado. Tirei meu
short e pulei para a cama, jogando minha bunda em direção à cara
dele. Duvido que resistisse. Ele perguntou:

– Lia! Onde você aprendeu isso?

Nem respondi.

Meses depois eles tiveram que se mudar para outra cidade.


Foram lá em casa se despedir. Minha mãe ficou chateada por perder
dois amigos e ótimos vizinhos, mas agradeceu por tudo e
emocionada desejou boa sorte ao casal. Eu chorei. César me
abraçou, Carolina me beijando sussurrou em meu ouvido:

– Eu vi tudo aquele dia. Você e César. Só fingi que estava


dormindo. Safadinha. Te amo. Te cuida. Tchau!
Maninha

Quando cheguei Maninha estava no quarto, sentada na cama


arrumando as roupas do finado. Nos cumprimentamos com os beijos
tradicionais, mas eu evitei perguntar como estava passando, hábito
difícil de controlar. Era evidente que não estava bem, apenas ela
cumpria um ritual ao mesmo tempo danado e prazeroso,
dependendo do que viesse à mente.

Os olhos ora ficavam úmidos, ora vermelhos, também


brilhavam às vezes, traídos por alguma lembrança mais forte.
Separava roupas, dobrava uma, alisava outra, tentando se lembrar
de qual momento a peça era mais representativa. Bem se importou
que vestia camsola transparente, mostrando todo o corpo.

– Te chamei pra ver o que pode te servir, depois vou


distribuindo conforme a necessidade dos outros.

– Ora Maninha, não precisava fazer isso tão pronto. Deixasse


para depois…

Ela ouviu o comentário calada. Na hora não replicou, mas


pouco depois comentou que, de qualquer forma, era bom ir
apagando logo a memória das fases ruins, conviver só com os
momentos bons do casamento.

Acabamos de enterrar seu marido na véspera. Ou ex-marido,


porque na verdade o casal não vivia mais junto, de qualquer forma, o
casamento permaneceu no papel. Maninha jamais perdeu a
esperança de que ele voltasse e desistiu da separação oficial, além
daquela natural, de carne e corpo, que já existia.

Todo o resto ela consentiu que ficasse igual: o quarto do casal,


as roupas que ele largou para trás, as comidas congeladas que
preferia fazer, a cerveja na geladeira, o bar carregado de várias
garrafas de cachaça com ervas, licores jamais usados (detestava),
litros de uísque e vodca pela metade.

– Enfim, disse ela, parece que foi um alívio. Dá a impressão


que Alfredo por fim voltou, determinado a reparar o erro. Quer
dizer, não parece que arrumo mala para viagem? Estas roupas, você
vê? As roupas, os calçados, as meias, tudo não parece tão novo?
Agora Maninha delirava, é certo. Despejava os efeitos da
perda.

Já conhecendo situações idênticas, deixei que devaneasse à


vontade. Pegava as roupas, uma camisa, estendia os braços
colocando-a aberta nos meus ombros, cuidadosamente, como se
experimentasse, mas via mesmo era a figura do marido vestindo-a,
não a minha. Sorria e me beijava. Traçava os gestos com
comentários, essa aqui vai ficar bem em você... Sorria e depois me
falava sério, como me repreendendo pelo passado.

– Vê se agora não some e vem me ver mais vezes, não do jeito


como fazia, para pegar Alfredo e sair pelos botequins para beber
cerveja, comer carne seca e outras porcarias, que é a comida de rua.
Vem me ver…

Sorri prometendo mil visitas. Embora não aparentasse de


modo algum afetada mentalmente, dava para ver que Maninha havia
parado num passado distante. Por isso nem ousar lembrar que fazia
anos que eu não vinha mais pegar Alfredo, como ela dizia, porque
depois que ele se separou nos encontrávamos na rua ou no botequim
mesmo.

Consenti em vir vê-la mais como a cumprir um ritual. Não


saberia recusar as ofertas dela, mesmo sabendo que muita coisa era
dispensável e certamente eu iria passar adiante. No momento era o
certo a fazer e eu tinha um dever a cumprir. Assim aceitei o teatro
com naturalidade, porque Maninha desde o casamento se mostrara
assim: ora com os pés no chão e a maior parte da vida num patamar
diferente, em outra dimensão.

Depois começou ame mostrar coisas aleatproamente,


conforme as achava. Pegou uma caixa de papelão com tampa, bem
conservada, parecia pouco mexida.

– Ah, agora acho que posso mostrar isto para você. São
fotografias antigas – disse rindo – você nem me conhecia ainda, ou
conhecia? Alfredo falava de mim a você?

Respondi com um sorriso que dizia sim e não… Muitas


fotografias íntimas dela, sozinha, com amigas, depois do casal,
retratos que iam desde a adolescência até as proximidades do
casamento. Poses imitando artistas, modelos, fotos eróticas,
Maninha tinha a pele alva salpicadas de sinais negros espalhados
pelo corpo. Os seios proporcionais, miúdos, com mamilos castanhos
inchados, mais abaixo o umbigo, o ventre plano antecedia o
montículo de pêlos, tão pequeno que deixava toda a boceta livre, à
mostra, as pernas se destacavam pelas coxas fortes. Não contive o
comentário:

– Você sempre foi bonita.

Ela me respondeu com um olhar úmido, emocionado, com um


beijo na boca demorado, macio, quente, grudado.

– Desde a primeira vez que te vi, senti minhas coxas tremerem,


um pinicado entre as pernas, um sentimento que molhou minha
calcinha.

Ela continuou mostrando as fotos, principalmente dela e das


colegas nuas:

– A gente se reunia em encontros marcados só para tirar


retratos. Por isso essa cara de artista, de modelo famosa, de capa de
revista, que cada uma preparava.

– Sim, mas tem umas bem safadas, não é?

– Essas eram tiradas só para mostrar aos namorados, a quem a


gente queria pegar. Era só mostrar e eles ficavam de pau duro.

– Como eu estou agora…

Ela me olhou com ternura e com tara. Nos agarramos, nos


beijamos, minhas mãos corriam por baixo da roupa dela, enfiei a
língua na boca, enfiei o dedo na boceta molhada.

– Pára! Pára!

Maninha se recompôs, as faces vermelhas, afastou a caixa de


fotografias, os nus ficaram espalhados pela cama.

– Este chinelo, será que dá em você?


– Não, não vê logo que o meu pezinho é bem menor que o de
Alfredo?

Maninha abriu a parte superior do guarda-roupa que estava


cheio de embalagens de plástico, que algum dia tinham servido para
margarina, doce, manteiga, creme, coisas de supermercado. Por
algum motivo Alfredo guardava todas as embalagens supondo que
um dia iria precisar delas. E Maninha jamais pensou se desfazer
daquele entulho. Pelo menos agora acho que ela não vai guardar
mais nada.

– Então Maninha, acho que agora é a hora de se desfazer dessa


tralha toda, antes que se transforme num ninho de baratas e outros
insetos menos votados. É hora de uma nova vida…

Com essa observação ela se apavorou. O medo de barata é uma


arma contra qualquer resistência. Ela logo se animou a trazer sacos
de lixos, desmanchar todo o estoque de embalagens vazias, não sem
antes dizer com um suspiro:

– Será que não tem utilidade nenhuma? Porque de fato é uma


pena jogar fora centenas de caixinhas de plástico juntadas durante
tanto tempo, mas infelizmente nada se pode fazer. Ninho de
baratas…

– Não serve para nada. Nem para vender no sucateiro.

Maninha arrumou um saco para lixo de plástico e ajudei-a a


limpar toda a parte superior do guarda-roupa. Agora eu suava,
começava a fazer calor, Maninha foi fazer um refresco de maracujá,
bem apropriado, aliás. Se bem que eu preferia atacar as cervejas que
Alfredo deixou na geladeira: deviam estar bem geladinhas.
Ensacados os potes de plástico fiz questão de levá-los até a lixeira.

Quando voltei Maninha estava no banho:

– Estou aqui – gritou de dentro do banheiro.

Fiquei olhando as coisas de Alfredo. Lá pelas tantas, como


Maninha demorava, voltei a mexer na caixa de sapato onde estavam
as fotografias. No fundo da caixa tinha um envelope carimbado pelos
correios endereçado para um dos muitos lugares que ele ficava
quando estava em viagem de serviço. Não contive a curiosidade e,
para minha surpresa, vi que a carta estava acompanhada de
fotografias dela nua. Completamente nua, em diversas poses
pretendiam ser sensuais, mas eram mais eróticas e pornográficas do
que aquelas fotos adolescentes tiradas com as amigas.

As fotos mostravam a belíssima mulher que era, difícil de ser


identificada sob a vestimenta simples de dona de casa. Posso dizer
que conheci Maninha muito bem. Desde que ela e Alfredo
começaram a namorar, formamos dois casais e saímos várias vezes.
Era bonita, mas de tipo simples, as prováveis exuberâncias
escondidas sob o trajar discreto.

Mesmo na praia, de biquíni, não se notava exageros, pelo


contrário, Maninha tinha um corpo de formas harmônicas e por isso
mesmo indigno de masturbações sensacionalistas. Era assim que
resumíamos os comentários de solteiros sobre nossas namoradas.
Como pessoa sempre foi do tipo alegre, estudiosa que escondia uma
orgulhosa cultura tradicional.

Agora o destino me fez conhecer a outra Maninha, sensual,


cujos seios se mostravam aparentemente maiores do que
imaginados, que não tinha pudor de mostrar o sexo entreaberto
pelas várias poses do tipo das que se viam nas revistas masculinas. A
mesmíssima Maninha que nesse momento cantarolava no banheiro
uma canção melosa que exaltava amores eternos. Não pude deixar
de imaginá-la sob o chuveiro e os contornos que a água corrente
fazia sobre as curvas que agora estavam à minha vista.

Por um momento tive a impressão que o banho estava muito


demorado, mas foi só impressão. Continuei a ver as fotografias
(eram muitas), agora já completamente excitado, não só pelo que
tinha nas mãos, mas também pelo medo de ser surpreendido por ela.
Pude notar que as fotos atravessavam várias faixas de idade de
Maninha. Algumas delas, poderia jurar, eram do tempo em que ela e
Alfredo ainda namoravam. Era inimaginável pensar como pude
conviver com uma mulher por tanto tempo sem notar o quanto era
bonita.
Maninha saiu do banheiro, enrolada numa toalha e se dirigia
ao quarto. De repente me senti com uma bomba nas mãos. O que
fazer? Maninha daqui a pouco estaria de volta e me pegaria com a
mão na massa. Meti rapidamente o envelope no bolso, como a
solução mais viável, fechei o guarda-roupa e esperei.

Ela chegou sorrindo, fresca. Era sim, ainda era uma mulher
bonita, uma mulher que as rugas não ameaçavam a beleza. Gotas de
água pingavam deixando um rastro pela sala.

– Ah, que bom. Estava precisando de um banho assim. Estou


novinha, viva de novo. Vem cá para a sala, vamos conversar.

De fato o banho tinha feito muito bem a ela. Os cabelos


molhados, a pele alva respingada, o corpo que mal cabia na toalha,
tudo me mostrava outra mulher, uma que nunca tinha posto os
olhos. Fomos para a sala: ela sem se preocupar em estar tão à
vontade, eu completamente louco, sem adivinhar aonde tudo aquilo
ia chegar.

– Tem umas cervejas na geladeira. Acho que é um desperdício


deixá-las ali abandonadas.

– Você adivinha? Eu estava pensando justamente nisso. O


refresco de maracujá estava ótimo, mas uma cervejinha é
insubstituível. E você, Maninha, ainda está numa forma de dar
inveja. Aquelas fotografias me deixaram louco…

Pronto, deixei escapar uma insinuação, algo que não podia ter
dito, não naquele momento. Fiquei à espera da reação de Maninha,
já antevendo a bronca sobre “o corpo do finado nem ter esfriado”, “o
melhor amigo”, entre outras coisas do gênero.

– Safadão.

Foi só o que ela disse. Dei um sorriso ao ouvir a expressão dita


de forma maliciosa por Maninha. Ao demais ela nem ligou e pude
ver que de fato depois do banho outra mulher estava na minha
presença. Também aproveitei o clima que rapidamente tinha
passado de opresso para o relaxamento e beijei a mão com que ela
afagou em meu rosto e em seguida a boca, num carinho molhado,
antes de ir pegar as cervejas.
Fui até a estante e fiquei futucando a coleção de CD de
Maninha. Na maioria eram coleções temáticas. “Anos de Ouro”,
“Anos 70”, assim por diante. Separei um aleatoriamente e botei para
tocar. O envelope com as fotografias de Maninha pesavam toneladas
no bolso da calça. Ela voltou trazendo duas latas de cerveja e uma
travessa com porções divididas de azeitonas pretas, três tipos de
queijo, fatias de pão integral.

– Como você sabe que gosto dessa música?

Maninha dançou com um par imaginário, dando alguns


volteios pela sala com a lata de cerveja na mão. Em seguida me
puxou pelo braço e me tirou para dançar. Logo minha camisa estava
úmida da toalha e do corpo dela. Algumas músicas depois não
tínhamos nenhum assunto para puxar.

O velho Alfredo descansava em paz, as latas de cerveja foram


substituídas rapidamente, a música também. Entardecia, a sala foi
ficando numa penumbra de dar nó em qualquer situação. Antes de
ficarmos bêbados, Maninha me levou para o quarto. A toalha caiu.

– Você não sabe, mas eu perdi um seio para o câncer. Tive que
botar uma prótese. Sabe? Ficou ótimo, melhor até que o original!
Olha!

Se afastou e mostrou o corpo por inteiro. Era a Maninha pela


qual muitas vezes me masturbei. Quando a abracei de novo,
enrolando meus braços no corpo dela, senti falta de algo, pensei nos
seios pequenos e duros que saltavam das fotografias secretas.
Abraçava não a mulher madura, mas a namoradinha do meu amigo,
que sempre desejei e aquela outra dos retratos gravados na
imaginação.

– Você também não sabe, disse só para mim, mas eu tenho


você inteira, sua vida inteira, o corpo todo, em todas as idades,
dentro do meu bolso.

– Deixa eu guardar aquelas coisas todas de volta ao guarda-


roupas.

Sumiu no quarto. Minutos depois gritou o meu nome:


– Vem!

Quando entrei na penumbra Maninha estava deitada, nua em


pêlo. Os braços abertos se fecharam em torno do meu corpo, a boca
procurou a boca, depois me virou com determinação e começou a
acariciar e chupar o meu pau. Nem vi quando a noite nos encontrou
fodendo, incansáveis, repetidas vezes.
Marilza

Quando meu primo Rubem me convidou para morar com ele


na Rua General Polidoro, em Botafogo, não fiquei triste nem alegre.
Ou fiquei os dois. O apartamento era bom, muito bom, aliás, tinha
uma varanda enorme, mas a paisagem era triste: o prédio ficava bem
em frente ao Cemitério São João Batista. Mas quando a tarde caía e
a noite chegava era como se fosse a própria lua, só que cheia de
túmulos, cruzes, monumentos grandes e pequenos que tentavam
explicar a morte e a vida. Se o tempo ficasse chuvoso, ah, o cemitério
virava o cenário ideal para um filme noir, de terror, essas coisas. Era
bem triste mesmo.

E ao mesmo tempo era alegre, quer dizer, nos dias de funerais


importantes, dava gosto se ver a multidão para lá e para cá, se
espremendo para arrumar um lugar privilegiado, as câmeras de TV
gravando tudo, os repórteres fazendo entrevista, fotógrafos tirando
fotos trepados nos túmulos. A multidão variava para mais ou mais
menos se o enterrado fosse um figurão da política ou cantor de
música popular, artista famoso de novelas ou de filmes premiados.
Por isso, quando fiz o comentário pessimista, que todos fazem sobre
morar diante daquela paisagem, Rubem logo retrucou:

– Precisava ver isso aqui no dia do enterro do Ary Barroso. Ele


morreu em pleno carnaval, todo mundo na farra, todo o planeta
Terra fantasiado e Ary Barroso morrendo. Só mesmo ele podia
escolher o Carnaval para morrer e encher o cemitério de gente de
todo o mundo. Parecia o estádio Maracanã em dia de Fla-Flu: veio
muito nego de porre, fantasiado, alguns largaram o baile no meio
para vir, de copo na mão, dar o último adeus ao Ary Barroso.

– Que, aliás, era gente fina, só tinha um defeito: era mengo


doente...

– É verdade. Sabe que até o Carnaval acabar todos os bailes e


festas, rádios e TV, começavam a programação tocando uma música
dele? Uma coisa!

Assim foi no princípio, depois me acostumei com a paisagem.


Até passei a gostar. Para dormi então era ótimo: à noite o silêncio,
digamos assim, sepulcral, era o fundo ideal para um bom sono,
reparador do cansaço trazido do trabalho. Nos dias de enterro ou de
finados dava para ficar apreciando a gente toda se movimentando.
Seguindo sugestão de Rubem, arrisquei até a dar uma olhada dos
túmulos mais famosos. Tinha muita escultura bonita, muita coisa
curiosa para ver, os presentes e a fé que os admiradores
depositavam, devotadamente, nos túmulos de seus ídolos, muitas
vezes se desmanchando em lágrimas.

Como o Rubem morava sozinho, fui ficando por lá. Volta e


meia reuníamos os amigos para ir ao futebol, comemorar algum
aniversário, fazer um churrasco. Muita gente chegou, mas o grupo
foi se enxugando e por fim manteve-se entre seis amigos. Sem
misturar as coisas, tudo se fazia para manter a reunião em primeiro
plano. Ou melhor, num plano independente. Até para namorar tinha
tempo, mas fora dali. Durante as reuniões era comum fazer um
churrasco simples, que é coisa fácil de fazer. Em sendo apartamento
de homens, era fácil perceber-se a bagunça que ficava a cada
reunião. Aí entrava a Zezé.

Rubem um dia pediu a uma vizinha que indicasse "uma moça"


para fazer limpeza, arrumar, lavar ou passar algumas roupas, vez
sim vez não uma comidinha caseira, trivial. Assim foi que conheceu
Zezé, mais de 1,80m e bochechuda, ruça e de olhos verdes, dentes
enviesados e de cor variada, mas competente para o que veio.
Resolvia todos os problemas e com o Rubem, sabe-se, não são
poucos. Ou melhor, com Rubem tudo era problema. Ainda mais
enchendo a casa de amigos tão incompetentes quanto ele, a coisa
piorava. Mas a Zezé nem ligava, para ela tudo o que acontecia ali era
natural.

Tomando cerveja na varanda:

- comentários sacanas sobre Zezé (empregada que Rubem


arrumou para fazer tudo), tremenda Raimunda;

- depois da oitava cerveja todas as mulheres são Marilyn


Monroe;

- da cintura para baixo não é de se jogar fora;


- botar um travesseiro na cara - contar uma história paralela:
fulano conheceu uma fulana que era assim, feiinha, de óculos, mas
quando a espiou tomando banho, nuazinha, que corpaço!

Do outro que prometeu casar com uma mulher feia para não
ser traído, e casou. Mas a mulher era feia só de cara: que corpo! Etc.
Isso lembra a história de Carlos que, depois de muito bundear pelo
mundo, resolveu escolher como esposa uma feia. "Assim – dizia ele
– ninguém vai botar olho na minha mulher". Acontece que tem
também aquele velho ditado: "Há sempre pé para o chinelo velho".

No escritório dele tinha uma secretária mal arrumada – a


Marilza – era míope, usava aqueles óculos fundo de garrafa, se vestia
esquisito, blusas de manga longa, etc. tão feia que fizeram uma
aposta para ver quem encarava, quem tinha coragem de comer. Isto
é, quem perdesse tinha de encarar. Pois quem perdeu foi o mais
invejado. Marcelo chegou no dia seguinte sorrindo com as paredes.
Todos ficaram curiosos e o apertaram até que contasse tudinho...

Quando Marcelo contou o que havia debaixo daquelas mangas


longas, das saias compridas, a inveja tomou conta de todos e Marilza
não teve sossego por alguns anos. Até hoje não se tem dúvidas se foi
vingança do Marcelo com os colegas ou se Marilza deu alguma grana
para ele fazer todo alvoroço e assim alcançar o estrelato sexual.

“Não pensem que eu corri da raia. Perdi a aposta e cumpri a


obrigação. Saímos daqui como dois namorados, mas antes paramos
no Schinitt para beber alguma coisa. Foi a primeira surpresa: a
Marilza bebe pra cacete! Depois do terceiro chope, que bebíamos
intercalados com alguns Steinhager, o papo ficou bom e ela cada vez
mais bonita. Sério, a Marilza sem óculos não é nada feia. O nariz
arrebitado, a boca carnuda, o olhar sacana, derrubaram meus
preconceitos.

“Depois saímos e fomos pegar a barca. Como vocês sabem, ela


mora em Niterói, bem perto da Estação das Barcas, na Rua da
Conceição. A travessia trocamos o primeiro beijo. A língua da
Marilza encheu minha boca.

– Antes de subir a gente pode beber uma cerveja no barzinho


que tem ao lado do prédio.
“Chegando ao bar, Marilza se mostrou querida e popular: foi
muito cumprimentada, distribuiu acenos e olás, bebemos três ou
quatro Heineken, entre beijos e abraços apaixonados, depois
subimos para o apartamento, eu e ela já meio doidões.

“Entramos, ela me levou direto ao quarto, tiramos as roupas,


foi aí que pude ver Marilza nua de corpo inteiro. A bunda vocês já
conhecem, realmente um bundão; os seios, não tão grandes, mas
com os bicos enormes, rosados, tipo bico de mamadeira, sabe? Os
pentelhos, vastos e ruivos, dificultou chegar ao clitóris, mas ela me
prometeu que vai se depilar. Foi aí que pesei prós e contras: a
verdade é que não perdi aposta alguma e sim ganhei.

Ela me pegou pela mão:

– Vamos tomar um banho?

“Foi o palco das primeiras chupadas: ela só largou meu pau


quado gozei. Já eu, como disse, tive dificuldade de atravessar aquela
mata vermelha até chegar à boceta, usei as duas mãos para afastar os
pêlos e abocanhar toda aquela carne. Ela se virou e beijei aquela
bunda maravilhosa, mas não consegui chegar ao cu: os pentelhos de
Marilza eram tão vastos que começavam logo abaixo do umbigo e
terminavam na fresta da bunda. Depois de passar a toalha
rapidamente no corpo, fomos para o quarto. O que aconteceu não dá
para contar assim sem mais nem menos. Imaginem, carpos colegas,
botem a cabeça para funcionar. Só digo que quase não se dormiu...

Nesse momento Marilza chegou ao escritório, deu bom dia a


todos e se preparou para mais uma jornada de trabalho. Mereci
apenas um piscar de olhos e um sorriso apaixonado.
Piratas

Certa vez passei duas semanas na Praia de Iracema, Ponte dos


Ingleses. Primeira vez em Fortaleza. Férias? Que nada: trabalho no
Pecém, o porto do Ceará. A jornada iniciou no aeroporto. Vi uma loja
da Prefeitura oferecendo informações. Quem me atendeu foi a
Teresa (tinha o nome gravado num broche preso na blusa leve e
florida). Faz muito calor em Fortaleza. Os bicos dos seios de Teresa
cutucavam a seda leve. Expliquei a minha situação e ela perguntou:

– Quer conhecer a Praia de Iracema?

Teresa não era gorda, mas tinha um corpão, seios grandes e


beleza no olhar. Não poderia ter dado melhor indicação. Sabia das
coisas. Viu logo que praia, claro, é a minha praia! Teresa, bem
treinada e sorridente, cara de quem gosta de uma sacanagem, me
indicou um hotelzinho bom e barato bem em frente à Ponte dos
Ingleses.

– Pois procure lá a Hotel-Pousada Iracema, o dono é o Zé


Raimundo, diga que foi a Teresa, do Aeroporto, que indicou. Ele me
conhece.

Depois de receber votos de boa estada, de agradecer pelo ótimo


atendimento, me despedi dela:

– Pois Teresa, quado for por lá, me procure.

Ela sorriu fazendo sinal de ‘positivo’ com o polegar.

Peguei o táxi e me mandei. Era uma pousada simples – justo


como eu queria, perto do calçadão da Praia de Iracema e do Centro
Dragão do Mar de Arte e Cultura. O Zé Raimundo logo me pôs à
vontade:

– O local é ótimo para o que você vai fazer: o Porto não fica
longe, sabe como é, as atividades lá começam cedo e também
acabam cedo. Vai sobrar tempo para algum lazer, comer bem, aqui
tem ponto de táxi, ônibus, é lugar de fácil locomoção. E as cearenses
são muito acolhedoras, você vai ver – disse com uma piscada.

O Zé tinha toda razão. A pousada era confortável, perto de


lugares com coisas legais para fazer, proximidade de lojas de todo
tipo, Centro Cultural com música, cafés e livrarias (acesso direto por
passarela), muitos bares e restaurantes. Estava bem servido.

– Mas, cuidado! No fim da tarde o calçadão fica cheio de


garotas passeando. Elas são atrevidas: de vez em quando ‘esbarram’,
esfregando os peitos na rapaziada. Vai encarar?

Ri da advertência do Zé Raimundo, logo ticamos amigos. Em


vez de me alertar contra a possível violência, de punguistas e
moleques que arrancam qualquer coisa do transeunte, me falou das
mulheres bonitas e atrevidas.

– Deixa comigo, disse. Se tem uma coisa que carioca não


reclama é de mulher bonita. E já vi que isso aqui não falta. Aliás, a
Teresa, lá do aeroporto, quando falou de você ficou muito
empolgada. Elogiou muito, até demais…

Zé Raimundo riu dos comentários que fiz, me pegou pelo


braço:

– Agora vamos almoçar, você deve estar cansado da viagem…

Nos demos muito bem, de cara. Ficamos amigos. Ele me


encaminhou ao apartamento, onde deixei a mala e os alfarrábios.
Em seguida ele colocou a chave do quarto em minha mão, coisa
incomum, e me disse a caminho do refeitório, onde já tinha gente
comendo:

– Isso é para você sair e entrar a qualquer hora. E também


pode trazer quem quiser: das duas camas, uma é de casal…

Zé Raimundo era ou não era o cara? Não sei se o fato de eu ter


pago os vinte dias adiantados influenciou essa atitude. Acho que
não. Pelo cheiro, a comida era gostosa.

Uma semana depois, era sexta-feira, encontrei o Zé Raimundo


no café da manhã.

– Então? Como foi lá no porto?

– Terminei os trabalhos. Agora quero ficar uns dias para me


distrair.
– Pois aguente firme. Segunda-feira, é dia do Pirata. Conhece?
Já viu aí na praça ao lado uma réplica daqueles barcos de pirata
antigos? Na verdade é um bar! E só abre às segundas-feiras.

– Não acredito! Um bar que só abre um dia na semana? E logo


segunda-feira?

– E mais: tem que fazer reserva. Deixa comigo.

– Mas e você? Não vai?

– Rapaz, sou casado, tenho a Pousada para cuidar, a Teresa


para agradar e me mandar hóspedes legais... Aliás, esta segunda-
feira será especial: forró do Trio Tapioca e Piratas do Forró,
Quadrilha Junina do Zé Testinha e para encerrar a Banda do Pirata
toca forró, axé, carimbó, samba e muito mais! Tem uma parada para
recuperar as forças com o Sopão da Madrugada, depois vai até o sol
raiar!

Conversa vai, conversa vem e o Zé me contou toda aquela


história: o bar, de clima eclético e irreverente, abriu em 1986 por
Júlio e Rodolfo, (pai e filho). A mistura sem frescura, a alma natural
do brasileiro, as tradições locais, o cardápio típico e internacional, a
sociabilidade do cearense, tudo junto e misturado, fez do local ponto
de encontro, de badalação. Abrir numa segunda, para agradar a
amiga que queria festa de aniversário no Pirata, era quase
impossível: dia de descanso dos funcionários, de fazer compras, etc.
Mesmo assim, o Júlio convocou a turma, falou da importância do
evento, ganhou a adesão de todos e o Pirata Bar fez a festa com toda
empolgação do mundo.

A notícia da noitada alegre se espalhou de Fortaleza a Soutelo


de Montes. A segunda-feira mais doida do mundo – como ficou
conhecida – virou tradição. A balada vara a noite, feiticeira, com a
indispensável bênção da Princesa Iracema e só termina quando o
último bebum deixa o salão e o sol começa a nascer.

Deu até no New York Times e no Diário de Curupu.

Segunda-feira lá estava eu ocupando uma mesa no mezanino


tendo uma visão especial da multidão que se aglomerava bebendo,
dançando, namorando, ao som de um trio pé-de-serra. O privilégio
me foi concedido por Maxado (com xis mesmo), por indicação do Zé
Raimundo, que me reservou mesa especial. Volta e meia chegava um
petisco e nunca faltou o chope Gorilazz espumante e gelado, a noite
passava rápido, espantava o calor uma brisa que só tem na Praia de
Iracema, não deixa o suor nem o ânimo arrefecer na rapaziada.

Lá pelas tantas o Maxado se aproximou. Acompanhado de


duas “piratas”, imploravam por um lugar para sentar, deixar as
coisas, cair no forró, Maxado me explicou.

– Pois é aqui mesmo! Vieram ao lugar certo.

Foi assim que Marília e Alexandra ficaram na minha mesa.


Iam e vinham, subiam e desciam, bebiam e comiam, dançavam e
beijavam, tudo com a alegria e disposição comuns à juventude.
Passado um tempo acho que sofri um apagão, dei um cochilo
ajudado pelo sabor do chope Gorilazz – e quando reabri os olhos
uma fímbria de claridade já apontava no horizonte. O Maxado me
viu desperto e chegou querendo saber:

– E aí doutor, pronto para outra?

– Lógico, traz um gelado para rebater… Mas não sou doutor,


pode me chamar de Jorge. E as meninas?

– Estão lá embaixo. Moram longe, daqui a pouco vão embora.

A segunda-feira no Pirata me deixou generoso e feliz.

– A conta delas é minha, mas não fala nada.

– Deixa comigo.

Um pouco mais, as meninas chegaram, as músicas eram de fim


de festa, enxugaram o suor, esticaram as pernas, beberam um chope
geladinho e me contaram parte da história de suas vidas, coisa que
não me interessava nada.

– O Maxado falou que vocês moram longe. Estou hospedado


ali, no hotel Iracema, do Zé Raimundo, amigo do Maxado, se
quiserem descansar um pouco, tem duas camas no quarto, banheiro,
água fresca, ar-condicionado, um frigobar e depois a gente almoça.
Marília e Alexandra trocaram olhares como se avaliassem a
oferta. Eu fiquei na minha, fiz a minha parte.

– Jorge! Vem banhar! A água está uma delícia.

Fui. Marília já estava enrolada na toalha, Alexandra escorria o


xampu dos cabelos. Entrei no chuveiro, Marília saiu, Alexandra
voltou para enxaguar is cabelos. Mal encostou em mim, viu que o
meu pau crescia.

– Saliente!

Mas deixou. Me ajudou a passsar sabonete nas costas e depois


de banho tomado deu uma chupada no meu pau agradecido. Quando
saímos, Marília já estava apagada. Alexandra deitou na outra cama e
me chamou:

– Vem ver as fotos da festa.

E começamos a ver as fotos no celular.

– Teu corpo ainda está molhado.

– Ah, deixa.

Não deixei, comecei a chupar as gotas dágua, uma a uma. A


boceta tinha só uma linha de pentelho. Chupei. Alexandra não
largava o celular, mas abriu as pernas.

– Olha essa aqui! A menina com os peitos de fora, cercada de


marmanjo. Mas quem estava com ela era essa morena de blusa
preta.

Ela se virou de lado e deixou toda a bunda para mim. As fotos


rolavam no celular enquanto eu comia o cu de Alexandra. Pouco
depois ela suspirou cansada. Se virou devagarinho, me deu um beijo
e dormiu. Bebi um gole de uísque no gargalo mesmo e pulei para a
cama de Marília. Ah, Marília, aquela gata escrota que não queria
nada comigo. Começou me empurrando:

– Sai! Sai!
Depois, como eu não saísse, ela me flagrou chupando ávido os
seus peitinhos, sentiu meu pau duro entre as coxas, me deu um
safanão e disse:

– Me fode!
Ritinha

Não comi a Ritinha, não. É mentira. Ela passou pelo corredor,


me agarrou pelo braço e fomos ao seu quarto. Era para provar a nova
lingerie que tinha comprado, disse. Diante do espelho tirou a roupa,
vestiu o sutiã, a calcinha. A lingerie era mais transparente do que
uma alma. Virou-se de frente para mim. Aí! O que acha? Linda né?
Claro. Concordei rindo nervoso. Tira aqui esta etiqueta. Fui por trás
dela e cortei a etiqueta próxima ao pescoço. Senti o cheiro de
Ritinha. Ela se virou de repente ficamos boca a boca.

Espanto.

Caí sentado na cama. Ritinha se riu! Me pergunta: gostou? O


sutiã ficou bem, os seios pequenos, o mamilo querendo voar. Já o
biquíni mal comportava a selva de pentelho que varria as coxas e
terminava sabe Deus aonde. Ritinha deu voltas diante do espelho,
caminhou pelo quarto, gestos imitando desfile de moda. Por fim
tirou tudo, botou tudo de volta à caixinha dourada da loja e colocou
no guarda-roupas.

Cantarolava feliz, nua, de lá para cá como se fosse a coisa mais


natural do mundo. E era. Deitou-se na cama onde eu estava sentado,
botou as pernas sobre as minhas coxas, acendeu o cigarro e ficamos
trocando ideias. A cada conversa ela ria, ria sempre. Depois foi à
geladeira, tirou ostras, salpicou sal e limão e trouxe para a cama.
Serviu também doses de tiquira em copinhos. Bebemos o grogue,
chupamos as ostras e nos despedimos. Ela disse: que pena...

Correu boato que comi a Ritinha. Comi não. É mentira.

-0-

Dias depois encontrei Ritinha no elevador cheia de bolsas.


Ajudei. Mais lingerie? Não. Roupa de praia, biquíni e canga. Lindos!
Comprei no site www.riobeachwear.com. Vou provar agora. Vem.
Quero saber a tua opinião. Aliás, tenho também novidade para te
mostrar. Você vai ficar admirado. O que seria? Fiquei curioso. Que
parte do corpo de Ritinha seria novidade?

Ritinha foi lá para dentro a cantarolar. Voltou de repente, nua,


jogou os braços para o alto. Surpresa! Espanto! Ritinha, o que é isso?
Ela se depilou todinha. Gostou? Ora, como tu achas que se usa
biquíni? Com aquela pentelhada toda não dá. Só assim mesmo. Fui a
uma depiladora profissional. Doeu pra caralho, fiquei toda
vermelha, mas valeu a pena, não valeu?

Ritinha, agora, era a índia que deixou Pero Vaz de Caminha de


pau duro. A vergonha lisinha, a bunda de neném. Corpinho de
adolescente. O colorido do biquíni caiu bem no corpo dela. Mas a
parte de baixo era tão diminuta que deixava dúvida se Ritinha tinha
boceta ou não. Botou a canga ao redor da cintura. Tira umas fotos,
vou mandar para o site. Na foto saiu até a sombra do mamilo, uma
bola de gude rosada como uma romã.

Depois de guardar tudo, na ordem natural das roupas, ela se


deitou a meu lado. Cismou de esfregar o pé na minha cara. Ao fazer
isso o corpo de Ritinha liberou certo aroma que repercutiu algo do
passado. Ostras. O cheiro das ostras também remetia à minha
primeira vez. A gente botava a ostra na ponta da língua e slup!
Chupava. Ostras, sal, limão. Mar na boca e amar nas dunas. Segurei
a perna de Ritinha. Que foi? Ostras, Ritinha, ostras.

Os olhos de Ritinha marejaram quando chupei a ostra.

-0-

Vira pra cá. Vira!

Eu queria estar de cara com a bunda lisa e morena de Ritinha


enquanto ela chupava e fazia outras molecagens deliciosas com meu
pau.

Não, não viro! Desta vez você fica só olhando. E sumiu de novo
detrás dos cabelos revoltos.
Cacete! Como chupa a Ritinha!

-0-

Estou grávida! Ritinha gritou com os olhos grandes


arregalados. Depois riu feliz, nos abraçamos.

Aqui é lei. Engravidou, casou. Casei. Foi bom. Os amigos


vieram: Carioca, Vangico, Lima, Ivanira, Fernando, Márcia, Zé,
Gilberto, Ana, Franco, Arruda, Hilda, Francemir, Comaru, Teresa,
Arruda, Melo, Amélia, Otto, Milton, Beatriz, José Du, Machado,
Ricardo do Carmo, Marcos Papaléguas, César Lotufo, mais tantos e
tantos que nem cabem todos aqui, vieram.

Os não presentes se justificaram: Quincas Oliveira, atacado de


violento piriri, não veio. Ferreira Gullar, tirando medidas do fardão
para a posse na Academia Brasileira de Letras, não veio. Franklin
Maxado, pastoreando vacas, bois e bezerros em Feira de Santana,
não veio. Ceres Costa Fernandes, ocupadíssima escrevendo suas
memórias, não veio.

E agora? Adeus sinuca no João Paulo. Adeus Nhôzinho Santos.


Adeus farra no Filipinho. Adeus putaria na 28 de setembro. Adeus
jogo de bola. Adeus ostras em Araçagi. Adeus transar nas areias do
Olho D’Água. Muitos adeuses.

Assumi. Gostava ser eu e Ritinha. Andava atrás dela para gozar


a barriguda andar como pata. Patinha! Não enche, palhaço. Gostei
ser marido. Descobri que mesmo prenha dava para colher ostras nas
pedras. Fui ficando. O tempo passou. A turma cresceu, foi embora.
Agora, sós, criamos rugas, cajus, varizes, mangas e um gato.

Não dei vacilo. Nem quando esbarrei com Manuela, a nova


vizinha. Ela chegava das compras. Caiu uma bolsa. Ajudei. Vi peças
de lingerie. Gostou? Lindas, né? Gostei. Claro. Vou experimentar
agora. Quer ver? Vem. Balancei. Ela percebeu. Vem? Vou não.
Tremi na base. Bem que gostava, mas vou não. Manuela insistiu.
Tem ostras. Vem.

Com a pílula azul até que dá. Mas não fui. Não comi a
Manuela. Ademais, eu amo e sou fiel à memória de Ritinha.
Thália

Orgulhosa da boa ação Thália me deu o caderno d’O Globo


com o regulamento do Concurso Contos do Rio, exigindo com
determinação:

– Tio, trouxe isto para você, que gosta, tipo assim, de escrever.
Então, mãos à obra! Escreve um conto bacana.

Quando Thália me chama “tio”, melosa, é melhor obedecer. O


jornal diz: “Se você gosta de escrever, escreva um conto com o tema
A Paixão”. Thália é jovem, não sabe que a paixão é labirinto sem
saída, estreito como o bíblico buraco de agulha. Mas se Deus é
aventura, o demo é um bichinho plantado no ouvido que repete:

–Não pare! Não pare!

Então é nobre o destino de navegar na onda do teclado, sob a


vigilância de Thália e de Einstein, ajudante de tela.

– Thália, me diz o que é paixão? Ou paixão, entendida como


sentimento? Pode ver que há um longo caminho a percorrer. O
sentimento da paixão é conectado diretamente ao amor, mas se
acorrenta aos tentáculos da alma humana. Na minha idade, paixão é
amor às sobrinhas (arrisquei o piropo e ganhei um beijo como quem
diz: te vira!).

– Conhece René Descartes (1596-1650)?

Ela deu a maior gargalhada do mundo.

– René Descartes (1596-1650)? Peraí! Não vai botar isso aí, né


Tio? Essas datas entre parênteses. Parece, tipo assim, coisa de
enciclopédia, de tese acadêmica.

– Tá bom, Descartes, no ensaio “As paixões da alma”, fixou as


seis paixões fundamentais: admiração, amor, ódio, desejo, alegria,
tristeza. Passadas no liquidificador dão origem a todas as outras. Os
poetas acham que paixão não é um sentimento, mas chama breve,
violenta, capaz de levar ao crime:

“A paixão é um pecado capital, como a gula, o desejo, a inveja:


indigna de ser chamada de sentimento”.
Por detrás Thália deitou os seios nos meus ombros
impressionadíssima. O calor do corpo, os mamilos duros, o hálito
ansioso, o cheiro de mato, tudo isso logo, logo, me deixou cheio de
tesão, de pau duro.

– Enfim – ela perguntou – a paixão é, tipo assim, um


sentimento ou não? Discorra o coto. Será apenas tara pelo outro,
desejo incontrolável, sexo puro, tipo assim, só foder e mais nada?

– Sim e não. Tem a paixão pelo sexo oposto, dramalhão vulgar,


a paixão no que se faz, pelo gosto e no prazer. Minha mãe de 90 anos
é apaixonada por leitura e só quer livro de presente. O amor pelo Rio
de Janeiro é paixão nascida quando aqui se chega cheio de ideais
para transformar o país em modelo de igualdade social, sem
discriminação. Essa paixão me custou fugas, cacetadas nas costas,
muito gás lacrimogêneo. Salve, salve companheira!

Thália me abraça, o corpo todo colado no meu, sorrindo da


indecisão. Da janela vejo uma nesga do mar verde, ondas quebrando
na praia. Aproveito e roubo outro beijo, apalpo a bunda, aliso as
coxas, passo o dedo na boceta:

– E você, safadinha, já teve, tipo assim, alguma paixão?

Ela riu o riso jovem das paixões que não ultrapassam as cenas
da novela das oito.

– Por que você não escreve a história de Stênio, que quase


morre por amor de Magali? Agora mesmo vi os dois passarem
agarradinhos, tipo assim, trocando beijos apaixonados. Os vizinhos
reclamam do barulho que fazem à noite quando estão fodendo.
Enquanto você pensa no assunto, eu vou tomar banho, lavar os
cabelos…

Stênio, é amigo de fé, pedra 90, dividimos segredos, paixão


pelas praias, aventuras amorosas, surf na Prainha, peixadas em
Grumari, fodas em Guaratiba. Apostamos pules no Jóquei,
namoramos em Paquetá, repartimos dores, amores, mulheres, chope
gelado, chifres e traições. Muitas vezes fizemos o circuito
Jangadeiros, Plaza, Hi-Fi, encerrando o tour na arquibancada do
Maracanã, porque ver jogo em cadeira numerada é um saco.
Agora que a calva esfriou a cabeça e os cabelos brancos
concedem imunidade, bem que eu poderia falar sobre minhas
paixões da juventude, não as platônicas, masturbatórias, como
Gardênia, que eu namorava na velocidade do bonde e sim Anália,
paixão carnal, pecaminosa, que inaugurou um longo caminho a
percorrer entre travesseiros e lençóis. Ou sobre... Francamente, isso
não é história para contos e Thália, ciumenta como é, não vai gostar
das lembranças.

No recorte do jornal vejo a foto de Nélson Rodrigues cercado


de atores, cenógrafos, eletricistas, gente de teatro. Fico pensando:
existiu alguém no mundo mais apaixonado que Nélson Rodrigues?
Era apaixonado por tudo que fazia: tricolor doente, escritor doido
pela escrita, amante amado pelas mulheres, louco por futebol,
explorador da vida conhecida e desconhecida, esquartejador de
traumas.

– Este outro aqui – falei para Thália que voltou enrolada na


toalha e ficou vendo o jornal – é Gláuber Rocha, baiano louco,
apaixonado por cinema, pela terra, pelo Brasil, pela liberdade. Nesta
página está o nosso romancista maior, Machado de Assis,
desbravador de emoções mais graves que a própria paixão. Dizem
que ele tinha o pau enorme, quando rapaz gastava todo o dinheiro
do salário nos puteiros da Rua Alice, que mantinha uma mulata em
casa alugada nas Laranjeiras. Veja só quantas paixões, fica difícil
parar e pensar sobre qual escrever.

– Ah tio – Thália me faz carinhos molhados, enquanto procura


enxugar os cabelos. A toalha deslisa e mostra o corpo todo, os
pentelhos chuviscados com gotículas de água. Quado enxuga os
cabelos, expõe os sovacos depilados, sensuais. Os peitos balançam
como se tivessem vida própria. Que mamilos! Quando chupava os
bicos eles cresciam, enchiam minha boca, criavam sabor. Ela apoia a
perna na minha coxa para passar a toalha e secar a boceta
deliciosamente úmida, as gotas de água ainda grudadas nos
pentelhos recém-nascidos.

– Por que não escreve a história de Stênio ou, tipo assim,


alguma coisa desse gênero? O que não pode é, tipo assim, contar a
minha história. Que comecei a fazer sacanagem e transar com
primos desde os 11 anos. Meus pais me matam!

Stênio era, na verdade, o eterno garoto. Transmitia ânimo de


viver, era molecão na vida, garoto no estudo, aquele meninão em
tudo que fazia e pivete apaixonado por Magali. Jamais saberei por
que cargas d'água foi virar gente grande. Gostou de Magali sem
importar se ela era pobre, bancou o casamento, o enxoval, o
apartamento. Também, quem resistiria àquela morena gostosa de
olhos azuis? Sim, mulata de olhos azuis, raros e azuis!

O pior foi quando Magali, vendo as dificuldades, passou a


frequentar centros de espiritismo. Uma noite chegou trêmula, Stênio
a recebeu com o carinho de sempre, entre abraços e beijos viu
Magali à beira de um ataque de nervos.

– Amor, o que você tem? Está tremendo, branca como alma


penada. Já te pedi para não frequentar esses lugares.

– Fui me consultar, o meu conselheiro espiritual disse que vai


ter suicídio na família. E não vai ser eu!

Completou num grito choroso, o semblante sombrio, correu


para o quarto, se atirou na cama em estado convulsivo, que só cessou
quando dormiu. Pai de santo, macumbeiro, conselheiro espiritual!
Stênio saiu xingando tudo. Meu Deus!

Depois disso, ficou matreiro, tomou para si a dívida. Teve de


aguentar mil trancos e agora via a família em plena força do trabalho
desempregada, aguentando subempregos, Magali fazendo bico,
acompanhando idosos. Medo do desemprego grassando, pouco
salário, muita despesa, o aluguel devorador, a mixaria que sobra.
Somente o amor por Magali fazia a vida suportável. Sempre ouviu
falar de artistas e poetas que se suicidam, mas ele, que nunca
escreveu, ser condenado por um pai de santo de merda?

Cada frase que eu escrevia, Thália mordia com comentários,


fazia cara feia, dava risadinhas ridículas e assoprava com beijos.

– Vem cá, disse, deixa eu dar uma chupadinha nela e me


abaixei em direção às coxas. Ela abriu as pernas me deixando à
vontade, alisava meus cabelos ralos, minhas orelhas, até morder os
lábios estremecendo, gozando.

Não sei se é paixão os encontros e desencontros do amigo


Stênio, mas seu amor exacerbado por Magali, que quase dá em
merda, não sai da cabeça. Com as fotografias de aniversários,
reuniões, churrascos com amigo, vem a lembrança daquele dia,
Stênio arrasado, branco como defunto. Nos encontramos em
Copacabana, domingo gostoso, céu limpo, muito azul, dia quente,
gente assim na praia, nos bares, tomando chope, mulheres
desafiando a beleza da paisagem, o melhor da cidade e da vida! Ele
estava pálido como um tísico poeta romântico.

No balcão do Pigalle – nossa paisagem favorita – pedimos


chopes ao Manolo. Mais uma vez Stênio contou o drama, a situação
difícil que estava passando, eterna falta de grana. Qual a saída? Pela
voz embargada vi que estava mesmo encalacrado, situação difícil.
Respirou fundo tomando o chope gole a gole, admirando a
paisagem, as mulheres que passeavam, turmas jogando vôlei,
frescobol.

Thália saiu para dar um mergulho, enquanto Stênio me dizia:

– Para sobrevivência e felicidade da família, eu iria assumir a


profecia daquele sacana. Tenho um seguro e uma pensão de merda
que dá para eles viverem melhor. Vim te pedir para cuidar de tudo e
todos. Minha família é a tua e vice-versa. Mas, tomando este chope
geladíssimo, vendo tanta mulher bonita, pensei bem. Que dia! Que
chope! Lembra nossos dias de vagau, não lembra? Quer saber? Isso
lá é hora de morrer? O bruxo de merda que arranje outro otário.
Manolo mais dois. Saúde, moleque!

O chope desceu redondo. Admiração, amor, ódio, desejo,


alegria e tristeza. Quem não gosta do ser humano, da vida, do local
em que está, não se apaixona. O jovem Stênio, o moleque, estava de
volta. A paixão não é sentimento fugaz se temos capacidade de
entendê-la, vivê-la, nem de escrever sobre o tema. Pedimos mais
dois, estupidamente gelados e voltamos para casa.

Precisa contar o resto? Stênio voltou para casa, proibiu


terminantemente Magali de frequentar centro espírita e viveram
felizes para sempre. Mas a dúvida fica: o que será a paixão, se o
drama de Stênio ressuscitado vai merecer alguma notinha no jornal?
Ainda que fosse menor que a reportagem "Taj Mahal—O túmulo de
uma paixão".

– Thália, o conto sobre a paixão está pronto. Quer ler?

Lá veio ela, nuazinha, os cabelos de uma loirece nova, dois


sanduíches na bandeja, olhos verdes, vinho tinto, crítica, feroz,
deitou o sofá com o sanduíche a mão e o conto na outra. Ao fim da
leitura, deu fim à taça de vinho e decretou:

– Tio, este conto, tipo assim, não sai nem no jornal do bairro!
Vem, vamos foder!

E cheia de dengue me puxou para o quarto. Como diria o


poeta: resistir quem há-de?
Anônima

Eu - oi, bom dia! trabalhando hoje?

Ela - pois é meu gostoso... vida dura, rsrsr, vida dura.

Eu - eu tb ia descer, mas desisti. deve estar tudo morto aí, né?

Ela - sim, há uma tranquilidade nas ruas.

Eu - fiquei mas me deram trabalho - cuidar da casa. tô sozinho


aqui, abandonado.

Ela - rsrsr poxa vida! cadê o resto?

Eu - varrendo farelos de pão... o resto tá de folga. mas eu curto


estar sozinho

Ela - rsrs... como assim? de folga!!

Eu - tudo passeando na praia.

Ela - é bom ficar sozinho quando é uma opção.

Eu - é vero... a galera tá toda aí trabalhando?

Ela - hoje é um dia morto... não tenho muitas funções aqui. eu


também gosto de ficar sozinha de vez em quando.

Eu - é uma! a gente faz cada coisa, né? livre...

Ela - eu com maus pensamentos, um vinho e um bom jazz...

Eu - oras, nem me fala! mas dá inveja! agora mesmo encerrei


um capítulo do que estou escrevendo agora... e estou aqui... os
pensamentos tb - começam a comichar... rsrs.
Ela - quando vim morar no rio, descobri a solidão... e tive que
me entender com ela.

Eu - existe essa palavra? o que você descobriu nela? confessa.

Ela - descobri que ela pode ser enlouquecedora se não for bem
tratada. Rsrsr.

Eu - puxa! é verdade! eu tb fico meio louquinho qdo estou só.

Ela - que por conta dela somos capazes de fazer besteiras.

Eu - algumas besteiras gostosas tb... mas veja, a net junta os


sozinhos... mudou um pouco a relação, né.

Ela - mas hoje, lido bem com ela. sim, a net é um ótimo meio
de se relacionar. sempre tem outro solitário na nossa tela... rsrs.

Eu - certíssimo. e estar só tb dá a liberdade de cometer alguns


pecadinhos, sem culpa….

Ela - kkkkkkkk. depende né? Rsrsr.

Eu - a internet também traz para perto coisas inimagináveis.


coisas boas, claro, e pensamentos imperfeitos.

Ela - na boa eu! se estiver solteira, vivo como tal.

Eu - concordo.

Ela - mas hoje estou quase casada... rsrs

Eu - quase casada, quase solteira - que liberdade!

Ela - dai nem me preocupo com a liberdade para cometer os


"tais pecados". sou moça casadoura, e para ser sincera adoro este
estado.
Eu - acho ótimo. do meu lado, já que recobrei a solteirice, não
caso mais….

Ela - kkkkk... eu costumo dizer que caso quanto vezes for


necessário.....gosto mesmo....rsrs... acho bom ter um parceiro
bacana, companheiro e cúmplice, e com ele viver todas as loucuras
possíveis.

Eu - é assim, você é super... acho que tua mala tá cheia de


felicidade. isso é bom, né?

Ela - é uma pena que os casais se distanciam, mentem, seguem


com vidas paralelas...

Eu - xiii! estão tocando lá fora. lá vou eu! volto já.

Ela – ok.

Eu - bye bom trabalho.

Ela - acabou sua solidão... rsrs.

..........

Ela - fala meu caro! bom dia!

Eu - replicando a:
“... ama!
isso do medo se acalma
isso de sede se aplaca
todo pesar não existe
ama!...”

Ela - bonito. Bom iniciar o dia assim.

Eu - oi. ainda não estou acostumado com esse bate papo aqui...

Ela - rsrs... pq o texto acima? rsrs...?


Eu - é só uma variante da poesia que você citou – troquei
palavras: em vez de alma = ama... rs.

Ela - lindo. rsrs... mandou bem.

Eu - você está bem?

Ela - sim

Eu - eu estou em casa, só desço 3a. ou 4a. feira.

Ela - vida boa sô!

Eu - esse teu prédio que teve incêndio é aí perto?

Ela - + ou -

Eu - ah, não atrapalha, né?

Ela - aqui não, acho que já estava controlado quando cheguei


ao trabalho.

Eu - bom... bem agora vou ao banco pagar contas e + contas. a


gente se fala. bye.

Ela - abração procê... inté mais!

..........

Ela (lido tempos depois) - ps: "quase casada", pq com ele só se


deve viver o "quase”... rsrs...

..........

Eu - dormir e acordar no meio da noite de pau duro pensando


em você, depois ter que se masturbar de madrugada.
Ela - ninguém merece... kkk.

..........

Ela - tem como perder a mnontonia.

Eu - ah sim, tem, mas às vezes é um dilema.

Ela - é sim. Você tem câmera?

Eu - câmera, assim, tipo na internet?

Ela – sim.

Eu - o desktop tem câmera, mas ainda ão sei como usar.

Ela - o desktop sim, e o telefone.

Eu - também não sei mexer nisso. sou um dinossauro.

Ela - não precisa saber mexer: eu faço uma ligação de video, o


cel pergunta se você aceita e basta clicar o botão “aceito”.

Eu - ah, chegou aqui. pronto, aceitei.

Ela - está me vendo?

Eu - sim, olha que colos e ombros lindos.

Ela - também estou te vendo. não é melhor assim?

Eu - muito melhor! que bom ver você assim à vontade,


mamilos bicudos.

Ela - tarado! assim?

Eu – sim, bem assim: que pernas, que coxas, que boceta


convidativa. depois vou refletir se ter câmera é bom ou não.
Ela - por que?

Eu - por causa da distância, quer dizer: que adianta ver, se não


posso tocar, apalpar, enfiar o dedo, a boca, a língua.

Ela - abaixa um pouco a câmera, assim. olha, não é tão inútil


assim, boto a imaginação para funcionar, estou me acariciando.

Eu - mas o futuro tem de inventar o cel com aroma e cheiro.


por outro lado você tem razão, estou me masturbando, mas é como
tua mão me tocasse.

Ela - isso, assim, olha para mim também, não só para a boceta,
mas para as coxas, para minha boca, para o meu olhar tarado.

Eu - é quase como se estivéssemos juntos, maneira diferente


de transar.

Ela - isso mesmo, agora não fala nada, também vou calar.

Eu - vamos apenas nos amar, apesar do que: prefiro mergulhar


no teu corpo.

Ela - eu também prefiro sentir teu caralho dentro de mim

(silêncio, gemidos, sussurros)

..........

Eu - ... bom dia!! o coração dele está pequenininho de tanta


dor... só você pode consertar o estrago.

Ela - então, a questão não é ser criança, e sim saber o que gosto
de viver com um homem. você não me conhece o suficiente, não sabe
das minhas experiências vividas e do que sou capaz. a questão é que
eu sei exatamente quando um homem sente “tesão” por mim, sei
exatamente quando sou feita de “boba”, e sei também que
“confiança” é a base de um relacionamento saudável. apesar de ser
bem mais jovem que vocês, isso não me parece algo difícil de saber.

Eu - ... é a tal coisa.

Ela - ...conseguiu cumprir a cartilha toda, de como perder uma


mulher, e não foi por falta de aviso, pois se tem uma coisa nessa vida
que eu faço quando me apaixono e amo, é fazer tudo para que dê
certo, caso precise, conversando e colocando tudo às claras. coisa
que ele não costuma fazer, pois seu discurso quando eu pedia
alguma explicação era: “mas não tem que falar tudo”, então que não
fale, mas não me tire o direito de pensar o que eu quiser.

Eu - puxa! mas a coisa está tão clara que é difícil não entender.

Ela - sim, creio que o ele e a outra são amantes, ele tem uma
obsessão por ela, e ela o mantém sob controle. ela queria um homem
para sustentá-la, como ele não tem essa condição, pois o padrão dela
é alto, como ele já disse, “é uma dondoca que não gosta de
trabalhar”, arrumaram uma forma de viver sem passar por isso. o
outro sustenta é eles continuam juntos.

Eu - hum, isso sempre acontece com as melhores famílias. até


em novela de tv.

Ela - além disso, existem outras coisas que eu já percebi, as


quais não me estimulam a continuar esta relação de namoro com ele.
tenho minha parcela de responsabilidade por ter deixado me
envolver tanto e não ter acabado com isto logo no início. mas como
falei, sou intensa quando amo, vou fundo, entrego-me inteira, vivo
até a última gota, mesmo que depois eu sofra feito uma condenada.

Eu - pessoas como você carecem cuidado no trato... rs... bem


sei... rs

Ela - mas o bom é que eu já aprendi a transformar meus


sentimentos em outros, assim, agora quero ter o ele como um grande
amigo e não como “meu homem”. porque hoje somente sinto
carinho, muita preocupação, admiração pelo trabalho, pelo estilo de
vida, etc., e não mais o desejo de fêmea, como era antes.

Eu - qualquer dia desses teremos que nos encontrar para


prosear mais, se possível, acompanhados de um bom vinho que tá
guardado em casa esperando ocasião especial.
ps. meu coração também ficou pequenininho de tanta dor várias
vezes nesta relação, e ele sequer percebeu.

..........

Eu - oi. que recadão! foi tudo bem assimilado. e concordo com


tudinho, mesmo porque tem coisa que eu desconheço. então fica
assim: quando você quiser bater um papo animado por uma boa
pinga... eu topo! a bola está contigo. bye.

Ela - ele quer falar com você, ele tá desesperado.

Ela - eu estou preocupada com seu amigo e você é uma pessoa


que eu confio para falar sobre. passa um número de telefone aí para
eu te ligar. in off, por favor!!

..........

Eu - oi. quanto tempo!

Ela - bom dia eu!!

Eu - bom dia! como vai? livre, leve e solta?

Ela - eu tô ótima? feliz com o momento histórico brasileiro.


manifestando muito... rss livre, leve e solta....sim rsss.

Eu - isso é bom... relembra-me os velhos tempos quando


estudei, peguei o vício de cheirar gás lacrimogêneo (naquele tempo
não tinha esse maravilhoso spray de pimenta malagueta nem
bombas de efeito moral com gás que dá diarreia!)...
Ela - kkkk… você sempre dá um jeito de me fazer rir.

Eu - tô indo para paraty, a convite de um primo que vem de


são luís, passo lá o mês de julho. dizem que lá tem ótimos
alambiques.

Ela - eu não estou indo na linha de frente, deixo para os mais


jovens, assim não cheguei a conhecer o gás nem o spray de pimenta.
ele falou sobre sua ida a paraty, já ouvi falar da cachaça deles
também.

Eu - aliás, só para lembrar, você está devendo (ainda) aquela


rodada de pinga.

Ela - rsss... uai, temos que combinar um dia desses, pode ser lá
em casa mesmo, assim a gente corta uns queijos para fazer tira-gosto
para gente.

Eu - ok. mas ele só reclama que tá trabalhando mto, não tem


tempo para nada. agora vou para mauá. tentarei trazer uma pinga de
paraty, se a $ permitir... bye bye bom dia para você

Ela - valeu!! abração (beijão) para você!!

..........

Eu - noutra mensagem você mandou umas fotos, reunião de


amigas. você bem no centro, líder, com esse jeitão só seu: saia larga,
pernas abertas, decote caído exibindo os mamilos, será que vi
direito?

Ela - deve ter visto, sim. eu estava sem calcinha e não sou de
me depilar, mas o importante é: gostou do que viu?

Eu - pergunta desnecessária – me masturbei mais de uma vez.

Ela - quer mais? te mando.


Eu - outra pergunta desnecessária, não só quero como
necessito é o ar que respiro, a boceta na qual queria me sufocar, os
pêlos, ah, os pentelhos, tão vastos todas essas coisas.

Ela - te mandarei as melhores. bons gozos!

..........

Ela - e aí, eu? bom dia! como foi lá na flip?

Eu - oi! a flip foi ok, mas não pude trazer a cachaça. os preços
estavam no nível do dom orleans e bragança!...

Ela - aquilo lá é para gringo... coisa desse brasil, explorador.

Eu - e você tudo bem?

Ela - eu tô joia!

Eu - mto ocupada?

Ela - + ou -..... pq?

Eu - para bater papo... tá na barra ou no catete?

Ela - tô na barra, em casa.

Eu - beleza! eu ainda tô no escritório.

Ela - aí deve tá complicado né? muita gente na rua?

Eu - complicadíssimo! os sindicatos estão na candelária... e eu


bebendo uma cerva na sacadura cabral. êita vida dura uai!

Ela - rssss... deu dó

Eu - rá, só faltava você né?


Ela - falar nisso, vou abrir um vinho.

Eu - aí sim a "inteligentzia", uai, completava a cena. vou aí


beber esse vinho?

Ela - se fosse outro dia até que rolava mesmo, mas hoje tenho
que resolver umas paradas aqui, amanhã vou dar um
passeio....tenho deixar uma coisas resolvidas. mas a gente pode
marcar semana que vem, aí no centro mesmo, depois do trabalho.

Eu - ok, o prazer será sempre meu. marca e marcaremos - ciau!

..........

Eu - coração. acabo de passar a semana na flip em paraty, rio,


lugar que você vai adorar conhecer, se já não conhece. ele me contou
do teu sucesso, mas para mim não é novidade. desde que te conheci
vi logo, com orgulho – essa menina vai longe. e vai mesmo, esses são
os primeiros passos. mas tem que avançar geograficamente também.
na sequência, sei que vais ultrapassar as fronteiras do brasil e que
onde estiveres serás vencedora. tua mãe, teu papai têm uma grande
filhoca! ele – apesar do chamego normal pelos novos que chegam –
tem em você a favorita (mas guarda esse segredo no baú para
ninguém saber).

Ela - que bom ouvir você. tá tudo guardado o meu coração.

Eu - na viagem do rio para paraty ele cismou de me dar o GPS


para ir guiando a viagem. é claro que aquela droga de aparelho tem
um rendimento de mais ou menos 50%. ele também me contou
sobre a tua briga com o GPS quando a informação vinha errada: -
cala a boca sua burra! eu vivia rindo quando a musa do gps falava
“vire à direita”, mas a gente não tinha que virar nada. aí eu: - cala a
boca sua burra! lá pras tantas, outra vez: “a 500 metros, mantenha a
direita, vire a esquerda” e nós em coro: - cala a boca sua burra! risos
e mais risos que alegraram a viagem.
Eu - até hj. guardo lembrança daquele dia que você e ela foram
almoçar com a gente. logo quando vocês duas chegaram eu disse: -
isso é que eu chamo felicidade em dose dupla! lembra? e foi de
coração cheio que eu falei. tenho esse sentimento até hoje. nunca
esquecerei aquele dia. imagina! eu estava perto de duas pessoas
amadas: a que conheci tão de repente e de repente por ela fico
apaixonado, outra amada que não via há muito e que renovou o
prazer de rever!

Eu - gosto demais de vocês duas, mas a distância é uma droga!


que fazer? de você ainda trouxe uma lembrancinha cheirosa que
durou o tempo que o cheiro durou. depois, a fonte secou, o papel foi
lavado pelo tempo... dela, não tenho nada senão a paixão que me
comove, o jeito de ser, único (como o seu). e não gosto disso de ficar
amando à distância, não dá, não dá, mesmo, né? em não podendo
outra coisa, amo vocês à distância mesmo. snif, snif! boas férias! bjs.

Ela - você guardou? ah, isso é bem seu.

Eu - é o meu channel número cinco.

Ela - perdi outrora tantas amigas leais! perderei também esta,


regressando a manhã? o corvo disse: nunca, jamais! estremeço. a
resposta ouvida é exata! é cabida, é tenaz, sem pausa. só ficou a
amarga cantilena: nunca, jamais! a alma, o sentido, o segredo
daquelas sílabas fatais, entender o que ela quis dizer, glosando a
frase: nunca, jamais! assim posto, devaneando, meditando,
conjeturando, não falo, mas se não falo, sentia o olhar que abrasa.
conjeturando fui ao tranquilo agosto, onde as louras tranças
angelicais dela esparziam agora não se alastram mais. nunca,
jamais!
Cléo & Cléa

Quando Luiz e Cléo acertaram morar juntos, hospedou a


cunhada Cléa, por proposta dela própria, que não teve dúvida em
concordar com o bom senso e boa vontade dele. Seria conveniente e
facilitaria a vida de todo mundo. Não porque Cléa era irmã gêmea de
Cléo ou qualquer outro lugar-comum das superstições que cercam a
vida desses seres especiais, mas por comodidade: ela trabalhava e
estudava bem perto de onde o casal iria morar, evitando o desgaste
das várias conduções que tinha de usar no dia a dia.

Os colegas, quando souberam do arranjo, encheram Luiz de


piadas e gozações. A principal delas, claro, era:

– Pior se fosse a sogra!

Uma injustiça que Luiz não conseguiu dissipar de pronto, já


que Dona Aureliana, a sogra, era em tudo o oposto das tradições que
cercam a má fama das sogras. Ela foi cantora da noite, tinha uma voz
quente e maviosa, apropriada aos bares e bailes noturnos, carreira
que interrompeu quando encontrou o grande amor da sua vida.
Casou, teve filhos, mas logo o casamento teve fim quando o marido,
garanhão espanhol que vivia explorando as cantoras da noite,
encontrou o grande amor da vida dele. Mas isso é outra história.

Agora que a nova vida começava para o trio, o passado se


esfumaçou. O arranjo não foi difícil: o apartamento era de dois
quartos e dois banheiros, mas o melhor de tudo é que os horários
harmônicos caíram como uma luva na vida deles. Cléo saía primeiro
– começava a trabalhar às 7,30h; depois era a vez de Cléa – o banco
abria para os funcionários às 8,30; Luiz era autônomo sem horário
fixo – podia sair direto para visitar clientes ou ir ao escritório antes.

A sinuca que ficou mesmo para Luiz era quando as irmãs iam e
vinham seminuas, se arrumando de manhã, enquanto ele ainda
dormia. Cléo tomava café, levava misto quente para o lanche, Cléa
cantarolava debaixo do chuveiro. Luiz acordava a se deixava
descansar um pouco mais, esperando a sua vez. Quando a porta do
banheiro se abria, Cléa saía com a toalha enrolada na cabeça (e mais
nada), bebia café, levava cafezinho na cama, sem se importar com a
nudez, com o pau duro sob o lençol, Cléo vinha para o beijo de
despedida enquanto Cléa, apontando para o cone que o caralho duro
de Luiz fazia no lençol, anunciava com fingido escândalo:

– Cléo, olha, olha o Circo!

Luiz vivia se confundindo quanto à identidade das gêmeas.


Chamava uma pelo nome da outra a todo momento, elas se
aproveitavam fazendo todo tipo de brincadeiras, piadas e
atribulações sem maldade. Para falar a verdade, ele só tinha certeza
com qual delas estava dormindo devido a singularidades sexuais de
Cléo. Fora isso, aceitava tudo com esportividade, a liberdade de ação
e expressão era total entre os três.

Ademais, por confidência de Cléo, ele soube que a cunhada


ainda era virgem – tradição que perdeu a utilidade com o tempo,
mas que se arrastou como dogma familiar por décadas – os pais
sempre aconselhavam:

– Dê tudo, mas o cabaço só para o marido…

Mas quando certa vez, estando sós, a cunhada recorreu a Luiz


para dissipar uma dúvida de cunho íntimo, ele desconfiou que nem
sempre os segredos eram divididos entre as gêmeas:

– Luiz, será que alguém se casará comigo, mesmo a gente


tendo transado antes?

– Bom, tirando conclusão pela minha experiência, se a pessoa


gostar de você verdadeiramente, isso não será problema.

Os pais começaram a aceitar que esse tabu não resistiria às


novas gerações, ao poder de discernimento, da conquista da
liberdade pela juventude. Isso é fato. Luiz tinha certa aversão por
frases feitas, mas teria que admitir, pois sai diariamente nas
reportagens e entrevistas na TV, internet, redes sociais: a vida sexual
explodiu e implodiu ao mesmo tempo. É a incógnita de Newton, o
Buraco Negro dos astrônomos, a fissão nuclear de Einstein: os
jovens conquistaram na marra cuidar da própria sexualidade, que
começa já na adolescência, às vezes antes – e não tem fim. À família
restava apoiar e proteger seus filhos de outros vilões mais agressivos
e letais: drogas, psicóticos, guerras. É o efeito 1968...
Depois desse ‘filosófico’ conselho, Cléa começou a tratar o
cunhado com mais liberdade, mostrar a intimidade às claras,
acompanhar a irmã quando se davam o braço, lá ia Luiz com duas
esposas iguais, causando admiração nos que reparavam.

Em casa as coisas caminhavam bem, a vida do trio estava


financeiramente bem administrada, Cléo trabalhava, filhos nem
pensar, por outro lado Cléa fazia poupança pesando no futuro
casamento, faziam tudo com extrema liberdade, sem respeito a
limites. Nos dias comuns, desde manhã cedo, ainda de madrugada, o
movimento começava na casa. Hoje não. Era sábado, somente Cléa
saía para o trabalho, então ele podia demorar mais um pouco na
cama, acordar mais tarde, recuperar os músculos cansados, não
levantar tão cedo.

Nas manhãs frias de inverno o sol demorava a aparecer, o


corpo pedia mais descanso, e ele estava cansado. Sentiu um corpo nu
se deitar ao lado, abriu mais espaço, cedeu mais lençol, não se opôs
quando o braço puxou o seu braço para redor do corpo. A cama ficou
mais aconchegante, mais quente, mais macia. O braço e as mãos,
entre um abraço e outro faziam carícias no seu pau, enfiando os
dedos entre as coxas, alisando o saco, os colhões, a bunda. Semi-
sonado como estava, Luiz não reagia, tornava-se o ser passivo, entre
o sono, o sonho e o desejo irreprimível.

Percebeu ou imaginou lábios rodearem a glande, a boca e a


língua envolverem todo o pau. Mas a reação mais forte, que fez o
erotismo despertar no corpo dormido, foi quando sentiu o caralho
massagear os lábios da boceta úmida, sem penetrar. Nada, porém,
conseguia despertá-lo de todo, superar o cansaço da semana,
adicionado às exigências sexuais dos recém-casados.

Mesmo quando o pau duro e sensível foi encaminhado ao cu


por mãos habilidosas e envolventes, como as das bailaoras de
flamenco ou dançarinas tailandesas, abrindo primeiro o par de
bundas para dar caminho à glande indômita, Luiz não acordou.
Com a ajuda do colear imperceptível, como cobras que deslisam nas
areias do deserto, o o pau duro desbravava, lentamente mas com
decisão, o cu quente que agora e por diante não o deixou quieto por
um segundo, até que ele ejaculasse vorazmente incontidas vezes.
Luiz tinha mania de passar a mão na bunda da mulher toda vez
que se cruzavam. Nessas ocasiões ela parava rindo e esfregava ainda
mais a bunda, encerrando a sessão com um beijo. Mas teve uma vez
que Luiz, sem se dar conta, errou de bunda: era Cléa que saía do
banho. Sentiu a mão do Luiz apertar a bunda, mas não parou, deu
apenas um olhar sacana e seguiu para o seu quarto. Daí em diante
ele não se preocupou em distinguir a dona da bunda, apenas gozava
a reação de cada uma.

As liberdades só aumentavam. Quando Cléo saía, a irmã


entrava no banho, depois se enrolava numa toalha e começava o
entra e sai pelos quartos, era inevitável ver Luiz nu ainda dormindo,
o pau reagindo conforme os desejos sonhados. Cléa ia para o espelho
do banheiro para se maquiar, Luiz despertava doido para dar uma
mijada e a caminho do outro banheiro passava a mão na bunda dela:

– Bom dia, linda!

– Bom dia.

Luiz lá mesmo começa as ablações matinais, bebe um gole de


café, volta ao quarto, Cléo passa rímel nos olhos, ele tira a toalha do
corpo dela, começa a acariciar a cintura com as duas mãos, ajoelha-
se, abre as nádegas, enfia o nariz bem lá dentro, aspira fundo o
cheiro e corpo, sabonete, creme, passa a língua:

– Luiz! Assim vai me atrasar o dia.

– É só enquanto você se maquia…

E então, aproveitando o silêncio de quem consente, ele toma


posse do cu dela, fecha os olhos, funga a nuca, os dedos massageiam
a boceta molhada. Cléa continua com o lápis, cremes, sombras,
massagens pelo corpo, perfumes, por fim, estando quase pronta para
ir ao trabalho, dá um suspiro concentrado, puxa a bunda de Luiz de
encontro à sua, mexe os quadris, faz movimentos musculares com o
cu, ele não resiste e goza.
No dia seguinte, mal a porta bateu com o grito de despedida de
Cléo (– Estou indo. Xau!), Cléa correu nua e se jogou escanchada
sobre Luiz.

– É isso que você quer?

E começou uma série maluca de sexo, primeiro chupou o pau


longamente, esfregou a boceta na boca, na cara, no nariz, para
depois se fixar sobre os lábios e na língua dele, demorou ali um
tempo até gozar, se virou, fingiu que cavalgava um potro, lento e
corrido, ofereceu os seios, levou-os à boca de Luiz, por fim,
empurrou com toda força o cu sobre o caralho dele e saltou para fora
da cama tão rapidamente quando chegou.

Depois de um beijo de despedida demorado se arrumou e saiu


para nunca mais voltar. Luiz continuava na cama semimorto, sem se
dar conta que a constância dos prazeres havia terminado, sem prévio
aviso – Cléa estava de apaixonada por um cara há tempos e agora se
mudava para a casa dele.
Cypagu

Certa noite Ascoroso Miramar conheceu a jovem normalista,


de tenra idade, que atendia pelo nome de Cypagu. Ela era a Anita (de
Mário Donato), a Lolita (de Vladimir Nabokov), feitas em carne viva,
uma só pessoa. E ardilosamente mimada por Miramar: acariciada
com pentes e escovas inglesas que alisavam os cabelos compridos até
a cintura; massageada com cremes e óleos que faziam o corpo
sedoso, os seios, a bunda, a boceta perfumada com colônia francesa,
cigarros indianos com piteiras inglesas, sabonetes de sândalo,
incensos para ambientes amorosos.

Como se tivessem combinado, Ascoroso Miramar e amigos se


reuniam para assistir ao ritual toalete da ninfeta. As unhas dos pés e
das mãos eram pintadas com tinta dourada. Cypagu maquiava os
olhos com pesadas sombras nas pálpebras, que ressaltava ao
extremo as olheiras roxas, herança natural de antepassados
orientais. Essa tonalidade contrastava com a palidez amarelo-limão
do rosto, da alvura do corpo, com que Cypagu, empertigada com a
altivez das deusas egípcias, recebia como dádiva extraterrestre,
celestial.

Houve acalorada discussão sobre a cor dos lábios. A plateia


opinou com as cores do arco-íris. Ascoroso Miramar optou pelo
preto e venceu, mas os lábios receberam sobrecarga de vermelho-
chinês. Mais de uma vez assisti ao enfeite dessa deusa adotiva
ajoelhado, com as narinas enfiadas na floresta de pentelhos,
aspirando o odor da boceta.

Ascoroso Miramar recebia bilhetes e recados: Meu solteirão.


Estou em casa, desoladíssima, presa com 28 correntes, correndo 28
vezes o quarto para não engordar. Quero estar assim magérrima,
expondo as costelas sob a pele, como o meu Ascoroso Miramar
gosta.

Cypagu é dominadora: O papai não decide nada. Quer o seu


casamento comigo, mas diz que só posso ver o Ascoroso Miramar
no dia. Ele me disse muita coisa má de você: eu não acreditei só
porque você disse para eu não acreditar. Mas sei que é tudo
verdade: você gosta de putaria, bacanal, absinto, fumar cigarros
de cânhamo e cachimbos de ópio. Você vai me fazer experimentar
tudo um dia, não é?

Quero somente você ao meu lado para dar o primeiro beijo


em sua Cypagu, que está completamente depilada em alvura
celestial. Você foi tão bom... tão bom... para mim. Passar mais uns
dias com todo o carinho de você, bem perto da minha/sua
bocetinha adorada. Você conheceu Cypagu pequenina e depois
nunca mais, nem ela nem eu – Cypagu cresceu...

Cypagu, ela sozinha, basta para encher um ambiente


intelectual de homens, quando eles precisam do feminino, para
alegria e encanto. Os amigos da garçonnière sentiam-se atraídos pela
feminilidade esquisita da jovem de forte e excêntrica personalidade.
E mais: Cypagu tem idade indefinida entre 12 e 18 anos.
Sintomáticos eram seus apelidos: além de Miss Tufão, Miss Zéfiro,
Miss Terremoto, Miss Furacão, Miss Puticar, Miss Ciclone.

A Cypagu era tudo isso junto, mais o inferno de Sade.

Quando ela chegava à garçonnière, encontrava o ambiente


cheio, o som das sonatas de Schubert, a sonância de cristais das
peças de Debussy, o vozerio enfumaçado, copos tintilando, odor
misto de absinto e perfume francês. Reunião animada, ruidosa,
silêncio apenas para os cumprimentos de praxe: primeiro beijar os
convivas e apalpar o pau de cada um, depois Cypagu atravessava o
tapete vermelho em direção ao quarto. Juntos, conversando,
bebendo e fumando, esperavam ansiosos a brilhante e divinal
reentrance, que surpreendia a todos, como uma sereia que emergisse
das águas. Então, as portas do quarto se abriam, Miss Cypagu,
seminua, pairava alguns segundos sob o portal, em pose clássica:

* sobre os cabelos trazia um chapéu de veludo negro com


penas de avestruz;

* na piteira longa e dourada entre os dedos, um cachimbo


exalava fumaça azul de odor peculiar – o perfume do ópio;

* na boca, palco para a língua dançar valsas obscenas, reluzia o


batom lilás;
* duas peças de lingerie transparente vestiam o corpo alvo e
magro da Messalina de Ourinhos;

* os bicos túrgidos dos seios, eriçados pelas pontas dos dedos,


flutuavam no ar;

* no umbigo resplendia a joia dourada com rubi no centro;

* a calcinha de véu, justa, aberta ao meio, destacava os lábios, a


boceta nua;

* o Monte de Vênus, de convexidade exagerada, saltava das


coxas, atraindo todos os olhares;

* da cintura fina pendiam ligas com meias de nylon clássicas


até o meio das coxas;

* sapatos de saltos altos incomuns equilibravam o corpo


depilado, os pés de dedos longos, as unhas esmaltadas de vermelho
sangue.

Aplausos. Só então miss Cypagu flutuava pelo salão,


abraçando, beijando e acariciando a todos, chupava o pau de cada
um, posava para fotos e caricaturas obscenas, exibia-se de frente e
de costas, pernas sempre escancaradas, a boceta cabeluda, o buraco
do cu, cujas bordas se mexiam sozinhas como se tivessem vida
própria. Cypagu, após consumir muita bebida, ópio e fumar
maconha, aportava apoteótica nos braços enormes de Ascoroso
Miramar.

Então o casal sumia no interior da caverna do pecado, cama


mobiliada com lençóis de cetim, travesseiros de penas de ganso, par
de abajur lilás, janelas cobertas com cortinas de veludo vermelho,
petrechos sexuais, cremes e comprimidos excitantes. Entre a exótica
perfumaria que impregnava o local, sobressaía um aroma de
esperma no ar.

Mas o diabo anda solto à procura de ambientes assim. Cypagu,


debilitada pela ânsia de viver, de gozar velozmente todas as
experiências sexuais, adoeceu em silêncio. Como o incômodo, do
qual volta e meia reclamava, se transformou num tumor doloroso
demais para ser suportado, ela operou, sem sucesso: extirpou o seio.
O câncer atuou no corpo de Cypagu, devastador como fogo na
floresta. Sobre os fiapos dos cabelos que sobraram trazia uma
echarpe negra, nada mais de piteiras longas, fumo e bebidas, a boca
seca, lábios pálidos, desnudados do batom lilás, desfiguravam
Cypagu.

O corpo magérrimo não suportaria as peças de lingerie, os


bicos túrgidos dos seios encolheram, grudados sobre as costelas
ossudas, o umbigo era uma cratera sem fim, as unhas estavam roídas
até à carne pela ansiedade doentia, os vestidos longos se resumiram
à roupa hospitalar, o sexo murchara junto com a vida.
Ella

Ella agora estava ali na minha frente, ainda molhada, me


recebendo enrolada na toalha de banho. O sorriso que deu
denunciava a alegria de me ver.

– OOOiii! Só podia ser você, para alegrar meu dia! Todos


saíram para a praia. Só voltam segunda-feira. Não te contaram?

Ma abraçou, me beijou, intensamente, como sempre o fazia.

– Não, mas a culpa é minha, não avisei que vinha. Quis fazer
uma surpresa, mas volto outro dia.

Ella pegou minha valise, o livro que estava lendo durante a


viagem, levou tudo para o quarto. E decretou:

– Como sempre, as surpresas. Voltar? Não faz sentido.


Ficamos nós três: eu, você e o gato. Toma um banho e depois vem
almoçar comigo. Fiz peixe.

Não era mais a criança que vi nascer, crescer e agora, formada


em pedagogia, se atirava na vida independente. Nem éramos
parentes, mas quando o pai, pai, meu amigo de infância, morreu de
infarto eu estava ali. A mãe trabalhava, se juntou a um companheiro
e praticamente a deixou a meus cuidados: Ella se apegou a mim (e
eu a Ella) de modo natural.

– Estranho – disse Ella quando voltei do banho – não ouvi o


resmungão moralista reclamar por eu estar andando nua para lá e
para cá.

Ella não sabe, mas quando nasceu e a mãe saiu da


maternidade para casa, o pai estava de plantão e me pediu para ir lá.
Recebi mãe e filha, vi se tudo estava bem, abastecer a despensa com
as necessidades de recém-nascidos, coisas assim. Fiz o que pude,
deixei a mãe dando de mamar, uma moça para ajudar a fazer
comida, cuidar da casa, da mãe e da recém-nascida. Foi assim que
conheci Ella: nua no colo da mãe, mamando nos primeiros dias de
existência.

Agora Ella estava sentada diante do espelho passando creme


no rosto, vestida apenas com uma toalha pequena envolvendo os
cabelos. E se contasse que a vi nua quando menina, depois já
adolescente, os mamilos começando a apontar no busto liso? E se
relembrasse também no dia da grande tragédia (Ella engravidou de
um colega da escola e eu tive de me desdobrar para resolver tudo,
sem que ninguém soubesse) e outros tantos acontecimentos mais?

Depois desse aborto prematuro, percebi que Ella mudou por


completo: o comportamento, tanto pessoal, quanto social, assim
como mudou a visão e tradução das coisas que diziam diretamente a
Ella. Cresceu em personalidade, o conhecimento vinha rápido,
tomava decisões sem perder nada de vista. E quando nos víamos –
com frequência média mensal – Ella me dava demorado abraços,
que faziam sentir o corpo todo grudado em mim, o rosto, os seios, as
coxas. Depois se afastava o necessário apenas para fixar os olhos
verdes enormes nos meus e soltar a frase enigmática:

– Agora não é mais... Agora não é mais…

Juro que nunca entendi, nem perguntei o quê Ella queria dizer
com isso. Na verdade nunca dei importância, até um dia quando Ella
me beijou na boca deixando com a saliva o sabor exótico do aparelho
que usava para corrigir os dentes, gosto de ferro, que sufocava
qualquer sensação de beijo. Mas desta vez algo mudou de verdade,
porque Ella ficou mais tempo abraçada, pousou a cabeça no meu
peito. as unhas fincadas nas minhas costas.

O que me passou pela cabeça é que tudo aquilo, que julgava


um equívoco da adolescência, Ella levava a sério, que a frase
enigmática afinal ganhava vida. Mas esqueci, não mudei em nada, a
vida seguiu seu curso, Ella se graduou em pedagogia, fundou com
amigas a própria escola infantil, noivou, casou, teve filhos, descasou,
do jeito e ordem determinados por Ella à vida que queria.
O trago de burbom caiu como uma luva. Eu estava cansado e
me deitei, com o litro e o copo ao lado com a visão daquela figura
desmaiada, nua, branca, massageando o corpo com creme, sem
vergonha de mostrar a beleza a alguém que sempre demonstrou a
Ella a insensibilidade de um muro. Todos os momentos que
passamos, com atropelos e tudo mais, se projetou como flashbacks
até a hora em que Ella me beijou na boca, oferecendo a língua, a
saliva com o sabor exótico do aparelho odontológico, um gosto de
ferro que sufocava a sensação de beijo, mas me deixou de pau duro.

Ella afinal terminou o ritual de beleza, sacudiu os cabelos livres


da toalha, foi à geladeira, pegou a garrafa de vinho branco que estava
bebendo e se deitou a meu lado. Passou o braço pelo meu pescoço,
usou os pés para tirar a cueca samba-canção, me deu um beijo
demorado, misturado, misturando os sabores das bebidas e de forma
simples, aos poucos, lentamente, moveu os quadris, esfregou,
massageou, engoliu o meu pau com a boceta molhada.

Fodemos e gozamos, como os bichos primitivos, Adão e Eva


que se enrolam, viram de lado, trocam de posição, mudam de
cheiros e sabores. Fodemos, fodemos, fodemos, até desabar cada um
para o seu lado, meio bêbados, meio exaustos. Antes de cair no sono,
ainda revi todos os momentos que passei ao lado dela, tempos de
atropelos, dificuldades e, para mim, de inocência. Ella sorrindo meio
sonada me ofereceu a língua, a saliva era um coquetel de burbom e
vinho, mas o que me vinha à cabeça era o sabor exótico do aparelho
dental, o gosto de ferro, a sensação do seu corpo de menina grudado
ao meu, os olhos verdes e grandes vidrados nos meus, a frase sem
explicação:

– Agora não é mais... agora não é mais…


Jurema

Lusitano, apesar dos sessenta e tantos anos, rebocando a


tiracolo o cãozinho Tito, anda ereto como um babuíno: os ombros
desempenados desviando o olhar do chão para as coisas em volta. É
roteiro preconcebido que percorre todos os dias, mal bate o sino da
igreja às seis da matina. Aliás, quando o badalo de aço faz soar o
bronze do sino ele já está de pé. Lava o rosto, escova a dentadura,
assoa o nariz, uma narina de cada vez, expele a gosma catarrenta que
durante a noite acumula na garganta (herança da época que fumava
um maço de cigarros por dia), põe a cabeça sob a bica alguns
segundos para gozar a água fria da manhã.

Antes de tudo ele limpa a língua com bambu que compra do


chinês e bebe um copo de água bem gelada para dar arrotos e peidos
seguidos. Tito a essa altura já se esfrega em suas pernas, grunhe,
late, como que alertando que é hora de comer ração e descer para a
rua, onde poderá cagar e mijar à vontade. Mas o cachorrinho terá
que esperar que o velho tome todos os comprimidos de uso
contínuo, faça o café, passe margarina no pão, esquente o leite e
coma a breve refeição assistindo Bom Dia Rio de Janeiro na TV. Só
depois de se atualizar com os tiroteios, as mortes, os assaltos e
atropelamentos, aí sim, lava todas as louças que sujou, põe a coleira
no Tito, arruma o chapéu de palha na cabeça e se encaminha ao
elevador de serviço.

Agora Lusitano irá cumprir o roteiro de calçadas, becos, postes


e árvores, que Tito determinou ao demarcar a área de abrangência
mijando sobre a urina de outros cachorros. Além de conversar com
Tito como se fosse gente, Lusitano cumprimenta os amanhecidos
tirando o chapéu. Fala com as crianças, com os rapazes e moças que
chegam da balada entorpecidos, sapatos nas mãos, agarrados como
namorados, com os olhos avermelhados e mortiços pela energia
gasta. Depois Lusitano voltará para casa e o dia se esvanecerá entre
ouvir rádio, ver televisão e dormir breves lapsos de tempo, por culpa
do diabetes ameaçador.
Quando ouve ruído na cozinha sabe que Jurema chegou. Ela
tem chave própria e entra pela porta dos fundos em silêncio
pressupondo que todos dormem, cumprimenta o madrugador Tito,
liga o rádio baixinho. Lusitano, sorrateiro, corre para ponto de espia
secreto que montou para ver Jurema trocar de roupa. O ritual da
mulata é lento, quase religioso: tira os sapatos, massageia os pés
cansados, corre o zíper e quando o vestido cai fica só de calcinha.

Lusitano começa a se masturbar quando Jurema tira a última


vestimenta, mais transparente que véu, se recosta na cama com as
pernas abertas, começa acariciar a boceta à mostra, com a outra mão
aperta os mamilos, olhos entrefechados, um dedo some dentro da
vagina, dois dedos somem dentro da vagina, o vai-e-vem acelera,
depois de alguns minutos, Jurema goza, a respiração se acalma,
Lusitano deixa o esperma escorrer pelas pernas e sai do esconderijo
em silêncio. Todos os dias, de segunda a sexta, a cena se repete com
algumas variações, mais eróticas ainda. Durante o ato sempre
ruídos são produzidos, sem querer, que deixam dúvidas se Jurema
faz isso de propósito ou não.

Ela troca a roupa e agora usa um vestido mais leve, que a deixa
seminua e vai procurar onde Lusitano anda para dar bons dias e
perguntar como está passando, bem sabendo com certeza que ele
está deitado fingindo dormir. Jurema é mulata, portelense, que
trabalha saracoteando a bunda grande em passinhos, ao ritmo do
samba que toca no rádio. Lusitano aproveita a deixa e vai até a
cozinha se valer do café fresquinho que Jurema faz, preto como o
diabo, bebe uma xícara pequena, beija a mulata no rosto, olha os
peitos pelo decote, admira o volume da bunda e volta para o sofá na
sala onde imagina que fuma um cigarro.

Entretanto, ele fica de olhos atentos aos movimentos da


mulata em sua faina: ela se move, os peitos saltam, a alça da blusa se
cai e os bicos negros cegam a visão dele. Quando Jurema se abaixa
para limpar os lugares mais recônditos é a hora em que Lusitano
está sempre alerta – pois terá a visão mais maravilhosa do dia: a
réstia da calcinha branca se perdendo entre as nádegas e a boceta.
Lusitano se masturba descaradamente com as mãos dentro das
calças. Jurema espia soltando largas gargalhadas, mostra mais,
canta e samba, samba e canta. É essa a melhor parte do dia, demora
até que Jurema termine o trabalho e se mande logo em seguida com
um sonoro e alegre até amanhã. A partir daí ele sonha com o dia
seguinte.

– Ah se eu tivesse essa mulata na minha cama!

No momento Lusitano está sozinho, tendo Tito por


companhia, mas sua consorte inseparável foi Míriam, mulher
orgulhosa e desbocada, com quem ele viveu casado até que a morte
dela os separou. Não faz muito tempo, não. Quem relembra sentia
inveja daquele casal de velhinhos simpáticos, casados desde sempre
que caminhava, ia à missa e reuniões sociais sempre juntos. Um
exemplo! Era isso o que diziam as aparências, enquanto o casal
cumpria seu papel social. Mal os dois atravessavam o portal do
pequeno apartamento, o silêncio amargo, as carrancas medievais
impregnavam o ambiente. Falavam por sobrolhos, pigarros, rilhar de
dentes, olhares criminosos, palavrões sussurrados e replicados com
ódio.

E quem pensa que a esse estado de coisas o casal chegou por


ofensa grave, insulto indesculpável, afronta ao matrimônio, injúria
sem perdão ou ultraje irredimível, se engana. Para falar a verdade a
causa original da discórdia se perdeu no tempo. O acúmulo de
pecadilhos desimportantes é que deu asas para que os dois,
predispostos pelas rusgas do tempo, criassem o ambiente amargo
que tomou conta da vida como erva daninha. Eis a fotografia exata
do outono dos anciões. Casaram-se jovens, com beleza e atrativos
mútuos, hoje são folhas sáfaras de samambaia, irrecuperáveis,
caídas no chão seco e sem dono.

A cor da ferrugem substituiu os sonhos azuis, o ramo de flores


do campo secou no vaso, as palavras são como balas perdidas, a voz
é dura como pregos, mortal como a cicuta. Natureza morta de jeito
estranho, a pele macia de Míriam hoje está seca – repete a casca de
maracujá: quando madura foi lisa de brilhante amarelo. Não só a
cútis engelhou, também franzido e encrespado se tornou a alma, o
relacionamento de ambos. Lusitano é exemplo de que também o ser
humano faz parte da natureza morta – infinita natureza. Como
desdenhar daquilo que já foi verde e hoje se impõem crostas rugosas
e cruas? Como desprezar o que foi beleza e humilhar o que teve tanto
viço? Quantas vezes Jurema não tomou a liberdade de interferir
nessa briga sempiterna e indesculpável. Míriam se defendia com
unhas e dentes:

– Quando você não está aqui, minha filha, eu é que tenho que
ficar recolhendo as migalhas de comida, os farelos de pão, os cabelos
brancos que se espalham por toda a casa!

Por seu lado Lusitano grunhia mais brabo ainda:

– E eu é que tenho que recolher os copos, pratos e panelas que


ficam esquecidos em todos os cantos, além de esvaziar o vaso
sanitário de papel higiênico acumulado durante a noite! Ademais,
farelos de pão não matam ninguém.

Quando se cruzavam nas andanças necessárias pelos cômodos,


provocavam-se com palavras sussurradas. Esses ataques tiveram fim
quando Lusitano, passando por ela, atirou:

– Bruxa!

Na volta, pois teria que estar ali de novo, ouviu Míriam contra-
atacar:

– Corno!

Ele ficou branco. – Perdi! – murmurou espantado e o


derrotado abaixou a cabeça, olhos no chão. Perdeu também horas de
sono para descobrir com quem ela havia plantado os chifres no
marido. Chegou à conclusão que só poderia ter sido com o vizinho
eletricista que consertava, sempre sorrindo e de graça, todos os
aparelhos elétricos que queimavam em casa. De graça? Parece que
não.
Lusitano não era ingênuo, certo tempo desconfiou, mas não
tinha como provar. Afinal, o cara era casado com uma morena
arrojada que gostava de andar nua em casa. Assim que o casal
brigava os vizinhos arranjavam desculpa para aparecer. Os homens
ficavam de um lado, conversando, bebendo cerveja e as mulheres do
outro contando anedotas para dissipar as nuvens negras. A algumas
trocas de olhares Lusitano, sem premeditar, rogou praga ao
eletricista: “Por que esse sacana não morre eletrocutado?” Menos de
cumprir um mês o cara morreu debaixo de descarga elétrica de não
sei quantos mil volts. Preto como carvão, seu corpo esturricado cabia
numa garrafa de Coca-Cola de dois litros. Míriam, descarada, foi
consolar a viúva – e ambas choraram a perda no ombro da outra.

Depois de ver sua praga concretizada, Lusitano chegou a


pensar que tinha o dom de ver realizados seus desejos. Imbuído
desse sentimento passou a desejar a morte da velha. Mas adveio o
tempo, a mulher não morreu e ele deixou de lado a ideia de que era
deus, com poder sobre a vida dos outros. Ainda teria que aturar por
muito tempo as reclamações de Míriam sobre os farelos de pão que
se espalhavam pela casa e de como ela invejava o espírito alegre que
Lusitano exibia ao voltar da rodada de cerveja com os amigos. Ainda
teria muito tempo para ouvir as exclamações ditas com ódio:

– Pão! Pão! Pão! É só o que se come nesta casa! E esse hálito


de cerveja! Esse bafo de cachaça!

Lusitano no íntimo se entregou – era mesmo viciado em comer


pão. Todo prato de todas as culinárias só valia a pena se fosse
acompanhado de pão francês, massa grossa ou Brigite. Por tempos
tentou a conselho médico comer pães ditos especiais. Mas tirante o
pão preto de cevada e o Provença, feito com massa especial, para ele
nenhum se comparava ao crocante pão francês ou à Brigite, massa
grossa. Todas as manhãs em que ia à padaria pegar o pão quentinho,
ele não perdia a viagem: pedia um cafezinho para tomar comendo a
casca torrada de um pão, jogando fora o miolo. Mas cachaça, não!
Se por acaso passasse pelas lojas de comida árabe carregava a
sacola com dúzias de pão asmo, mais tachinha, que em casa era
enriquecida com azeite e salsa. Noutras ocasiões o pão árabe
dobrado ao meio servia para o lanche reforçado com frios e toda
espécie de verduras. Mil e uma utilidades tem o pão árabe, pois tudo,
absolutamente qualquer coisa pode ser metida dentro dele e fica
saboroso! Sim, Lusitano era viciado em pão. Aquela peleja insana
teria fim se ele parasse de comer pão. Mas sua vida também teria
fim. Portanto, a refrega continuava.

Para minimizar o estado belicoso a que o casal chegou, Jurema


teve a ideia de tornar habitável um quarto vazio que servia para
guardar trastes e velharias. Depois de limpar as sujeiras e mofos, ela
mobiliou com cama, guarda-roupa, rizadinho de pilha e TV de 20’,
um ventilador que circulava o ar quase silenciosamente. Ficou
ótimo. Quando achou que estava tudo arranjado, chamou os dois e
deu a sugestão, em tom de pregação:

– Seu Lusitano, que tal se mudar para este quarto? Assim acho
que não haverá mais motivos para brigas e a paz reinará sobre este
lar. Que acham? Eu já estou farta de ouvir esse tiroteio verbal que
não acaba nunca. A continuar assim pego meus trens e vou embora...

E ficou esperando a reação de ambos. Perder Jurema? Jamais!


Não sem surpresa Jurema não ouviu nem um ai de exigência, a
mínima reivindicação, nem qualquer protesto ou queixa que fosse
pela sábia atitude que tomou. Pelo contrário, Míriam foi a primeira a
concordar:

– Para mim está ótimo! Estou cansada de ouvir os roncos,


cheirar peido e me alarmar com os gritos dos pesadelos que esse
monstro tem à noite, coisa que me faz sonhar que durmo com o
inimigo ou assassino frio, cruel serial killer como vejo nos filmes
americanos.

Lusitano olhou para Míriam, espantado com tão grave


acusação. Logo ele que tinha a imagem a preservar; que era
considerado e respeitado junto às autoridades como legítimo
representante do bairro; que era Conselheiro da Associação dos
Moradores; ser assim, sem mais nem menos, acusado de ser
assassino frio e cruel, um serial killer! Ainda pensou no revide, se
virou para Jurema, mas logo se acalmou ao receber dela o olhar
cúmplice, apaziguador. Também concordou com tudo, e pensou que
assim teria mais chances de um dia poder desfrutar aquele corpaço
moreno. Ai, Jurema, me mata!

Lusitano fez questão de responder em alto e bom som,


evitando revidar a agressão verbal e com isso se diminuir perante
ela:

– Para mim também está ótimo! Acho que foi grande ideia
Jurema. Parabéns! Considere esta casa como sua casa. Aqui você
será sempre tratada como pessoa da família!

E fechou a encenação com um olhar desafiador para a bruxa


velha. Assim se acertaram os dois para prorrogar a bélica
coexistência, sem tiroteios e morte. Mas diminuiria o ranço? Não foi
bem assim. Com exceção da instalação dessa fronteira tudo
continuou de igual para pior. O farelo de pão era a munição que
desandava o resto da vida do casal de velhinhos.

Certa noite, vindo da rodada de cerveja, Lusitano encontrou


sua cama (que Jurema deixava como sempre limpa e imaculada),
avassalada por miríades de farelos de pão que cobriam toda a
superfície do lençol branco. Branco, igual como ficaram suas feições
lívidas de raiva e ódio. Ele pegou um copo e recolheu as migalhas
com toda paciência possível. Só parou quando o vasilhame estava
quase cheio e não cabia mais nada. Deixou de lado o copo, levou o
lençol até a área e sacudiu bem até ficar limpo. Depois voltou à cama
e arrumou enfiando-o por debaixo do colchão, como aprendeu com
Jurema.

Bendita Jurema, pensou, que só me ensina coisas boas. Minha


vida seria bem pior sem ela. Imaginou como ela era alegre, chegava e
voltava para casa com a mesma feliz disposição. Ainda mais era uma
mulata gostosa. Lusitano se deitou com esses pensamentos, estirou
as pernas na cama levemente perfumada com colônia (outra ideia de
Jurema), ligou a TV e ficou assistindo a partida de futebol. Quando o
jogo terminou foi ao banheiro para as abluções noturnas. Voltou ao
quarto e fixou o olhar demorado no copo cheio de farelos de pão.
Conformou-se: a velha perdia o juízo, pensou. Quem vive em sã
consciência tendo tanta maldade dentro de si?

Pegou o copo e se dispôs a despejar os farelos na lixeira. Ao


passar pelo quarto de Míriam ouviu o sibilo típico do ronco, mais
alto que o ruído do ar condicionado. Abriu a porta em silêncio e se
aproximando do leito a viu com as pernas estendidas, deitada em
decúbito dorsal, totalmente esparramada na cama. Dormiu com a
TV ligada, que chiava na tela cheia de chuviscos. Na mesinha ao lado
ela esqueceu o copo de leite pela metade.

Agora, dormindo, talvez sorrisse em sono tranquilo, feliz com


as maldosas provocações que fez durante o dia. Quando ela
adormecia os olhos semiabertos como que fitavam o teto; a boca
sempre escancarada era por onde respirava depois que operou sem
sucesso o septo nasal. Lusitano por um segundo esqueceu todos os
resquícios de bondade, as palavras pacientes que Jurema propunha
a ele e com os olhos semicerrados despejou todo o copo de farelo na
boca da velha.

– Coitada – disse o médico ao assinar o atestado de óbito –


morreu sufocada com farelo de pão e leite. Ela tinha mania de comer
isso deitada?

Lusitano, que pensou apenas em dar um susto na velha


aquiesceu consternado. Jurema havia chegado e o consolava
massageando a nuca para baixar a tensão. Diante do trágico fato ela
se ofereceu para dormir em casa e ajudá-lo em hora tão difícil. Se
não fosse Jurema ter a sensibilidade de se oferecer, Lusitano não
teria como fazer tudo sozinho, desde a papelada até o enterro da
mulher. Ao fim da noite, tudo acabado, ainda teve tempo de beber
cerveja com os amigos e caiu na cama.
Quando ele acordou às cinco da manhã encontrou Jurema
dormindo no quarto da finada. Tinha arrumado tudo, esvaziado o
guarda-roupa, as cômodas e agora serenava o corpo negro sobre a
colcha branca. A cama larga, vazia vastidão de deserto, o lençol de
seda faiscando lascas de luz, agora se enfeitava de montes negros
ondulados. Jurema dormia com um dos braços levantado, a mão sob
a cabeça, o sovaco, luzidio, plantado com cabelos crespos deixou a
boca de Lusitano cheia de água.

Esfregando os olhos mal dormidos teve a ilusão de ver Jurema


sorrindo, chamando-o de braços abertos, os seios escapulindo para
fora da camisola acetinada. Olhando de través dava para perceber a
calcinha fio-dental de tule, delicada rendinha adornando a parte
frontal. Lusitano delirava! E voltou a pensar que de fato tinha o dom
de fazer seu pensamento se tornar realidade.

Ele se aproximou da cama em silêncio. Jurema dormia ou


fingia dormir. A boceta entressaía da calcinha mínima mais da
metade. Sem tocar em outra parte, esfregou a língua na junção da
coxa e foi subindo as lambidas até a borda carnuda do sexo.
Atravessou aquela fronteira, só a língua massageava a boceta, o
clitóris, os lábios nada mais – a não ser o hálito quente, impossível
de reter.

Jurema delirava, petrificada. Naquele momento entre o sono e


o despertar sentia a boceta ardendo como fornalha, calor que
começava a se espalhar pelas pernas, depois tomar todo o corpo.
Tremeu. Lusitano sentiu a mão forte da mulata puxar energicamente
sua cabeça, enterrá-la na boceta e, assim, afundar no lago lácteo do
gozo de Jurema.

Finis

Rio de Janeiro, Cachambi, em 7 de outubro de 2022.


O AUTOR

Salomão Rovedo (João Pessoa, 1942), formação cultural em São Luís (MA), mora no Rio de
Janeiro.
Livros: Abertura Poética (Antologia), Walmir Ayala/César de Araújo, 1975; Tributo, 1980; 12
Poetas Alternativos (Antologia), Leila Míccolis/Tanussi Cardoso, 1981; Chuva Fina (Antologia),
Leila Míccolis/Tanussi Cardoso, 1982; Folguedos, c/Xilos de Marcelo Soares,1983; Erótica
(Poesia), c/Xilos de Marcelo Soares, 1984; Livro das Sete Canções (Poesia), 1987.
e-Books:
Poesia: Pobres Cantares, Porca elegia, 7 canções, Sentimental, Amaricanto, bluesia, Mel,
Espelho de Venus, 4 Quartetos para a amada cidade de São Luis, 6 Rocks Matutos e 1 romance
rasgado, Amor a São Luis e ódio, Sonetos de Abgar Renault (antologia), Glosas Escabrosas
(c/Xilos de Marcelo Soares), Suite Picasso, Salomão Rovedo & Sigur Ros, Cancioneiro
Nordestino, Arte de Trobar, Proseando com a morte.
Contos: O sonhador, Sonja Sonrisal, A apaixonada de Beethoven, Arte de criar periquitos, A
estrela ambulante, O breve reinado das donzelas, Contos Remidos, Um dia direi que te amo e
outros contos, Duelo de farelos e outros trambolhos (contos).
Outros: Cervantes e Quixote (Artigos), Gardênia (Romance), Stefan Zweig Pensamentos e Perfis
(Antologia), Ilha (Romance), Meu caderno de Sylvia Plath (Antologia), Viagem em torno de
Dom Quixote (Ensaio), 3 x Gullar (Ficção), Literatura de Cordel (Ensaio), Por onde andou o
cordel? (Artigo), Poesia maranhense (Ensaio), Atila de Almeida - Correspondência Mínima,
1942-A misteriosa morte de Stefan Zweig, A saga dos Gudrun (novela), Carlos Drummond de
Andrade e a Literatura de Cordel (ensaio), Diários do facebook (I), Nos tempos d'A Confraria
(artigos), O bêbado pede desculpas e cai (novela), O doce olhar das baleias (novela), O gato que
ouvia Mahler (novela), O pacto dos meninos da Rua Bela (novela), O pianista da Rua da Carioca
(novela), ABL-Pertencer ou não, eis a questão (ensaio), Cartas de amor a Jerusa (novela),
Diários do facebook (III), Machado de Assis-Fragmentos de um diário (ficção), Mate as cinco
(novela), Diários do facebook (IV), Memorial de Aires: Gênese, Apoteose, Réquiem (ensaio), Seu
Machado e Dona Hylda (novela), Crônicas Maranhenses, De Ubaíra a Santa Teresa (ensaio
biográfico), Messianismo e Evocação nas crônicas de Joaquim Itapary (ensaio), Pasquim dus
temps de la pandemie, The facebook diaries, The Pandemic Times, Assassinato no Cachambi
(novela), Crônica dos dias da Pandemia, João Bala (memória).
Obras de Sá de João Pessoa: Macunaíma, em versos de cordel, Antologia de cordel #1 - #2 - #3 e
#4, e publicou mais de 100 Folhetos de cordel.
Todos os e-books estão disponíveis na Internet:
https://www.academia.edu - http://www.dominiopublico.gov.br

Foto: Priscila Rovedo

© Salomão Rovedo

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