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MOTTA COQUEIRO
ou
A PENA DE MORTE
POR
JOSÉ DO PATROCÍNIO
RIO DE JANEIRO
TYPOGRAPHIA DA GAZETA DE NOTICIAS
1878
B I B L I O T E C A DA G A Z E T A DE NOTICIAS
MOTTA COQUEIRO
ou
A PENA DE MORTE
POR
JOSÉ DO PATROCÍNIO
RIO DE JANEIRO
TIPOGRAPHIA DA GAZETA DE NOTICIAS
1877
MOTTA COQUEIRO
OU
A P E N A DE MORTE
que nenhum (Telles reparasse que o outro, matar uma familia, isto, por ai ,
quebrando os esfylos da boa camarada- uma prova contra o senhor ?
gem e sociabilidade sertaneja, não fizesse — ValM-me Deus, isto não vem a p^AIo
uma longa parada para informar-se por O Motta Coqueiro não está n'esta ca ,o ,
m i u i o d i saúde e negocios do seu conhe- era um.homem tido e havido por n;áu eno
cido. todo o Macabú; malquisto com seu.- vla-
Essa actividade insólita denunciava que nhos sérios e só cercado de homer^ sgu^e.v
toda aquella gente reuni ^-se para assis- ao Faustino, um fugido das galé*, e o
tir a alguma scena extraordinaria, algum Florentino, o tal Fiôr, bem conhecido
d'esses acontecimentos memoráveis que pprperverso.
se gravam indelevelmente na memoria — Os senhores dizem s ó , mas não
dos povos, desinteressada archivista aos apontam os males que elle fez. O proprio
factos qus mais tarde terão de ser julga- Francisco" Benedicto foi por elle acolhido
dos pela imparcialidade da historia. em sua casa, quando, tendo sido corrido
Os pontos mais concorridos eram a pelo Di . Manhães, não tmíia onrie cahir
praça Municipal e a rua que, atravessan- morto.
do-a, vai terminar na praça do Rocio. ~ Agora é que o senhor disse tudo ;
No primeiro largo a população affiuia, para o desgraçado carnr morto era-pre-
estacionava, engrossava-se agora e para ciso me imo ir aggregar-se para a casá do
logo rareava, escoando-se para sul e faccinora, que não só lhe desmoral!sou
norte pela rua seccante. uma filha, mas ain Ia lhe queria roubar
Contrapondo-se á tamanha actividade, as bemfeitorias do sitio.
á serenidade expansiva das physiono- — E o que me diz o Sr. Martins a cer ca
mias, oadj havia o reflexo de um senti da mulher de Motta Coqueiro ? interrom-
mento honesto, o sino da Matriz come- peu um novo interlocutor.
çava a dobrar por morto. Eu sou da opinião do Sr. Luiz de
Esse facto, que destoa dos sentimentos Souza; para mim, Motta Coqueiro era
religiosos das populações do interior,fica- capaz da fazer ainda jnais, principalmente
ria, porém, cabalmente explicado para porque era açu lado pela mulher, a qual
aqaelles que se acercassem dos grupos,que dizia que, para despicar o seu marido,
estadiavam pelas praças citadas e ar.np-- venderia até o seu cordão de ouro.
pêiáT cadeia — Por Deus ou pelos diabos; os senhores
da cidade. faliam só e não me deixam f&llar. Com os
— Homem ! eu se vim aqui não foi para diabos, Motta Coqueiro já foi condem-
regosijar me com a morte do infeliz ; te- nado ; dentro de uma hora ha de ser pen-
nho certe/.a de que elle entrou n'isso durado pelo carrasco ; que eu diga que
como Pilatos no Credo. sim, que os Srs, digam que não, nada lhe
— O Sr. está fallando serio, Sr. Mar- approveita ; mas a verdade antes de tudo.
tins ? Eu não fallo por mim. O Conceição é
— Se estou, era até capaz de jurar que homem a toa ?
elle nãa mandou matar. — Eu vou com elle até o inferno.
— Ora isto é que é vontade de teimar. — Pelo menos nunca ouvi dizer que
Todas as testemunhas foram concordes elle não fosse um homem sério.
em dizer que foi elle. — Pois o Conceição diz que Motta Co-
— Então, Sr. Luiz de Souza, se eu fôr queiro é innocente oo assassinato da fa-
dizer aqui ao Sr. Cerqueira, e este a milia de Francisco Beneiicto,
outro, e a outro que o senhor mandou — Ora essa I..,
OU À PENA. DE MORTE 5
jL' E então porque não foi ser testemu- mente ao que prendesse o mandante uma
nha da defesa, se elle sabia do facto ? quantia — com que nunca sonharam os
/ — Não foi, e*fez muito bem; eram ca- pobres moradores das mattas, por onde
pazes de dizer que ©11© também ©ra um Coqueiro vagava refugiado;—dois contos
dos co-reus, porque o Conceição, como de réis.
sabem, estava na casa de Motta Coqueiro Entretanto do meio do odio geral qu©
na noite-em qué se deu o crime. cercava mais estreitamente o nome d©
— Ponhamos as cousas nos seuslogares, Motta Coqueiro alguns ânimos benévolos;
Sr. Martins, interrompeu Luiz de Souza. concordes em amaldiçoar os criminosos,
Niaguem diz que o Coqueiro foi o mata- affastavam todavia o seu vereiicto da
dor, o que se diz é que elle foi man- cabeça do principal accusado.
dante, e não havia da dar as ordens á Era d'esse numero o ar lente Sr. Mar-
vista de Conceição. Já vê que este nada tins, que sempre protestando não aceitar
pode saber com certeza. discussões a respeito do assumpto geral da
— Sr, Luiz da Souza, eu não quero conversação, não podia entretanto resistir
brigar com v-:cê, e por isso o melhor é a não chegar-se aos grupos para lhes ou-
cortar questões, O Sr, fica com a sua opi- vir as opiniões.
nião e eu fico com a minha, o tempo dirá Homem tão honrado e bondoso, quanto
qual de mói tinha razão. Eu digo que é gárrulo, o Sr. Martins n'aquella manhã
falso, é falso, é falso ; o Coqueiro não discutiu com quasi toda a população de
mandou fazer taes mortes ; esae desgra- Macahé, e o maior numero das vezes con-
çado morre innoeente. cluiu repetindo a phrase final da sua con-
Pela conversação a que acabamos de versação com Luiz de Souza: E' falso, é
assistir é f scii saber qua achamos-nos no falso; o desgraçado morre innoeente.
dia em que a jiistiça publica, para tíesaf- Desanimado e entristecido por não en-
frontar-se, ou meiiior, desaffrontar a in- contrar na compacta massa d© poyo uma
dignação publica, ia levar ao caiafalso pessoa só que concordasse comsigo, plena-
Manuel da MotU Coqueiro, que era geral- mente, na innceentação de Coqusiro, Mar-
mente accus&do como mandante do assas- tins atravessava rapidamente o becco do
sinato execrando, que exterminou toda Caneca, quando foi detido por uma vigo-
uma família á excepção de uma moça, rosa mão.
que não se achava no logar do crime. — Cam que o Sr. Martins veiu tam-
A noticia lactuosa correu veloz por todo bém assistir ap enforcamento da Fera de,
o Brazil, e todo o povo ergueu um brado Macàbút
de maldição contra os assassines. Estas ultimas palavras foram, pore'm,
Pedia-se. em altos brados, nas reuniões proferidas com accento tão repassado de
e na imprensa, uma punição famosa, que tristeza, que o Sr. Martins, sorrindo,
passasse da geração em geração, attes- abriu os braços © Telles estreitou o seu
tando que ao menos os contemporâneos, interlocutor, exclamando:
impotentes para reparar o crime, tinham — Até que,emíim, encontro um homem
sido inexoráveis n'um castigo tremendo. que pensa commigo 1
O nome de Motta Coqueiro ©ra profe- E os peitos (Taquelles dois homens dei-
rido com horror e bam assim os dos seus xaram que perto batessem poc longo es-
cúmplices, e as mães, ao verem os pa?sar, paço os c orações, que palpitavam por ura
ensinavam á« creanoinhas a maldizei-os. sentimento bem diverso do que animava
O governo provincial e as auctoridades á maioria da cidade.
looaes uniram-se em solicito exforço para Quanjo separaram-se ambos tinham os
a captura dos réus, cffereeendo especial- olhos rasos de lagrimas, e por um movi-
6 MOTTA COQUEIRO
os gritos partiram. Os mais nroços corriam A praça do Rocio, em que devia ter
rapidamente, e assenhoras idosas, camba- logar a execução, estava quasi literal-
leando aqui e acolá, e praguejando no mente cheia, e, soturnamente sonora,
puro estylo do beaterio, aproximavam-se transbordava esse zunido abafado {que
como um bando de ganços espantados. derrama o vento atravessando um tunnel.
Os pais e mais, no intuito de darem Reinava ahi a alegria e o dia esplen-
desde a infancia um exemplo â sua pro- dido, todo luz e céu azul, aqui e acolá sa- >
genie, levavam comsigo os filhos, e na rápintâdo de nuvens alvadias, como que
velocidade de que precisavam dispôr, santificava esse regòsijOj a não ser que na
quasi que os arrastavam, ao som de opulência de brilho um poder occulto ten-
ralhos impertinentes. tasse _ver se era possível que tim raio ao
Toda essa gente apr,essava-se, corria, menos peneirasse n^quellas consciências.
agglomerava-se, encontrava-se, e alguns Abertos òs guarda-soes e reunidos em
mais imprudentes, querendo a todo o grupos, os curiosos matavam o tempo
transe romper caminho no mais denso do commeutando as peripecias do crime e do
ajuntamento, provocavam, da parte dos processo, louvando a maioria o bom an-
desalojados, violentos empurrões e phra- damento da justiça.
ses duras, a ponto de ssr necessaria a Um d'esses grupos chamava a attenção
intervenção da auctoridade para evitar pelo ar de mysteriosa intimidade que o
eonflictos. envolvia.
Não foi um rebate falso o que se espa- Tinha a palavra um moço alto, de com-
Ihára. pleição fraca, elegantemente vestido, e em
Já a campainha, tangida por um dos tudo differenteyos habitantes do logar.
irmãos da Misericórdia, badalejava lugu — Se eu tivesse influencia, dizia elle,
bremente á porta da cadeia. obstaria por hoje a execução do Coqueiro.
Pedia-se silencio e repetiam-se insisten- — Era violar a lei, doutor; o codigo or-
tes psios por toda a multidão. dena que a execução se effectue no dia im-
— Ouçamos o pregoeiro ! ouçamos o mediato ao da intimação da sentença ao
pregoeiro! bradava se por toda a parte. reu.
Esse novo fermento lançado á soffrega — Sim, senhor; mas se o réu estiver tão
curiosidade de todos, fez com que alguns doente que nem se possa levantar, se o reu
se destacassem, porque temendo não po- estiver moribundo?
der vêr d'ahi o spectaculo, queriam bus-
— Mas eu vi o Coqueiro quando chegou
car em outro logar melhor ponto de ob-
servação. da côrte e não me consta ainda hoje que
O Sr. Luiz de Souza muito interessado elle esteja em tal estado.
em coadjuvar a justiça, quanto estivesse — Pois esteve bem mal esta noite. Ce-
em suas forças, elegeu se capitão dos re- dendo á vergonha ou ao desespero tentou
tirantes e suando em bica, bufando e suicidar-se, e para isso serviu-se de um
abanando-se com o chapéu, gritava a bons pedaço de vidro com o vqual faz um feri-
pulmões: mento no pulso.
— Vamos para o Rocio, lá o bicho não — E o que faziam os guardas f
nos escapará. — Não sei á uma fabula inventada pelos
Dentro em pouco o Rocio recebia mais amigos ?
um numeroso contingente de espectado- — Não, senhor, fomos vêl o, eu e o Dr.
res, anciosos por verem o epilogo d'esse Silva, e ambos ligamos-lhe as veias.
rosário de horrores, do qual durante tres — Embora, doutor ; elle p<5de ser con-
annos esteve pendente a attenção publica, duzido em uma padiola; e eu tenho cer-
8 MOTTA COQUEIRO
teza de que não sahirei hoje d'aqui sem Tamanha anciedade denunciava bera
vel-o pendurado acolá. que, em meio de toda essa gente, não
Na direcção indicada pelo interlocutor havia quem reflectisse no que ha de io"-
estava levantada a machida sombria da quidade n'essa desaffronta do crime peie
justiça social. crime.
A sua fealdade commovente, brutal A justiça, dynamisando a barbarida».•.•»,,
encarnação dos sentimentos da popula- folga e jacta-se de dar aos descendentes
ção, pavoneiava-se, entretanto, com o epi- dos cffendidos uma reparação, mas não
theto honroso de instrumento da dcsaf- vê que não será multiplicando a orphan •
fronta publica. dade e o desamparo que ella chegará
Todos fitavam-a com sympathia, cam um dia a trancar as pri&ões.
estremecimento mesmo, e caía um bus- A baba do sentenciado ca: como ináe-
cava tomar posição apropriada a têl-a de levelmancha negra sobre to^os os seus;
frente. e não pó le haver maior torpeza do que
Talvez pela imaginação exaltada do condemnar a quem não mereceu a con-
povo passassem as imagens das victimas demnação.
immoladas á sanha faccinorosa dos seus Os magistrados e os que mandam exe-
matadores. cutar essas barbaras sentenças dormem
„ tranquilamente na p^z de uma consciên-
Diante da horrorosa construcção, a me- cia honesta, porque entregam ás mãos do
moria popular avivava recordações de carrasco as pontas da corda ou o cabo do
outros tempos, ouvidas em serões de fa- alfange.
milia aos pais já finados. k sociedade por sua vez applaud*, na
— Ainda hoje isto é bom. Contava-me magistradura e em si mesma, a segu-
meu pai, que ouviu ao meu avô, que, no rança dos laies e o amor da justiça, no
tempo de D. João VI, primeiro o carrasco dia em que das alturas da Orca pende
desmonhecava com um golpe as mãos do mais um cadaver.
padecente e só depois é que elle era levado E todavia pareço que ha menos torpeza
à forca. em um h jmem matar outro, do que em
— Era o que esse precisava; eu sigo reunirem se miihsre* para t»atir, um £Ó.
a letra do evangelho; quem com ferro Não pensavam, porem, d'este modo os
fere com ferro seja ferido. grupos que estscionavam no Rocio no dia
O gracejo por sua vez vinha pagar tri- em que se devia executar osaccusados pelo
buto á reunião piedosa de tantos corações assassinato da família de Francisco Bsne-
jusfceiros, que n^quelle momento se ex- dicto.
pandiam folgadamente n'uma espontânea Ao contrario: havia quasi duas horas
conformidade de sentimentos. que do Rocio á cadeia andavam ancio?cs a
De vez em quando toda a massa popu- espera de ver coasammar se a execução.
lar ondulava, afíluia para um ponto e Todas as janellas estavam cheias, e as
refíluia depois. mulheres, coradas pelo sol e excitadas
Era uma voz que se levantava para pelo desejo de emoçõ:s, debruçavam-se
apregoar que estavam rufando os tam- cos peitoris espiando para o logar de on'e
bores e que, portanto, em breve se desdo- devia vir o préstito.
braria o painel anciosamente esperado. Um incidente inesperado veiu pôr bem
Serenava o susurro; as mãos arqueia- patente a approvação publica ao decreto
vam-se em torno dos pavilhões das ore- dos tribunaes.
lhas, e todos tomavam a attitude de quem Espalharam-se dois boatos ao mesmo
escuta. tempo.
OU A PENA DE MORTE 9
uma saccola negra, lá se foram pelo povo A poucos passos da cruz e latéraln, r ia
dentro a esmolar para os suffragios do a ella, vinha o porteiro tendo nas mà
que ia morrer. um papel, em que esteva exarad a a s n-
E aquelles mesmos homens que ainda ha tença lavrada pelo tribunal contra o vm.
pouco indignavam-se com a s<5 idéa da Quando esta parte do préstito pasmou ^
possibilidade de um perdão, concorriam limiar da prisão, o enorme derramam™
com o S6U obulo n ara "iie a religião se in- popular, que assemelhava-se a um latiu
cumbisse de redimir na eternidade a;alma est agnado, tamanho era o se a silencio e
d'aquelld a quem attribuiam um crime, quietação — agito u-se inopinadamôire,
que j osfcamente revoltava a todos os espi- brotando n'um surdo morosurio.
rito s bem formados. O murmurio fez-se sussurro e o sus-
Sublime contradicção entre o homem surro intenso rumor e ouviram se gritos
religioso e o cidadão: este consente que a e choros de crianças.
cabeça de uai irmão vá ter ás mãos do E' que na porta do calabouço, vestido
carrasco, aquelle dá sinceramente o seu com a alva foneraria e acompanhado por
obnlo para queda ignominia social passe um sacerdote, acabava de assomar o réu. i
o suppliciado ás felicidades sonhadas pela O seu nome era Manuel da Motta Co- 1
crença, queiro. Fôra, havia tr<rs annos um homem „
Tanto é verdade que, em consciência, o abastado, inflaencia politica de um mu-
povo nlp quer as penas irreparáveis ! nicípio, um dos convidados indispensáveis
Após a confraria app ireceu a bandeira nas melhores reuniões; agora não era mais
santa, outrora symbolo de esperança, a do que um padecente resignado mas tido
que se dirigiam os olhares do condam- por perigoso e por is:-;o espionado e guar-
nado, que ao vel-a, através da memoria dado solicitamente pela força publica, em-
afogueada pelas saudades da familia, dos quanto que, o'hado como um ente repul-
amigos, do trabalhoe da patria, contrapu- sivo, servia de p^ut ? á curiosidade vinga-
nha á imagem horrorosa do cadafalso o tiva de uma sociedade inteira.
sonho consolador do perdão. Com o andar vagaroso, porém firme,
Mas h lei inexorável eoademnou desapie- veio collocar-se no meio da clareira.
dadamente esta esperança, de maneira Acompanhou-o o saca-dota, que em uma
que é hoje um apparato v *o o painel em das mãos tinha um livro aberto enaoutra
que a pallida Maria, n'um abraço estrei- um pequeno crucifixo.
tado a o cajavoT de Jesus, consorcia-se Aos lados d'esses dois homens inermes
com o fliho adorado para a conquista da viam-se o carrasco e oito soldados, com
redenapí/ão humana, as baionetas caladas.
A religião no seu painel mostra que Pairava sobre este grupo a sclemnidade
possue prra as suprenias desgraças o da morte.
supremo pori&o; a socieiada com o seu Alto, magro, com as faces, escaveiraáas
carrasco, alimentado com a lama das en- e ictéricas, marcadas por uma grande
xovias, diz-nos que para as accusações mancha arroxeada, as pálpebras entre-
forrai *aveis ella f ó conhece o castigo ini- cerradas, completamente brancos os com-
quo> e i; i eparavel. pridos caballos, as sobrancelhas extrema-
S- gaú, se icnme iiatamenteso painel um. mente salientes e espontadas, e as barbas
sacardc-te tendo na^ mãos urna grande longas de sob as quaes pendia-lhe de
cruz, na qual abriam-se os braços e con- volta do pescoço até á cinta, entorno da
fraugia-seo corpo Si vido de um Christo qual se enroscava, o baraço infamante;
ensanguentado, cuja face voltava-se para Motta Coqueiro tinha mais a apparencia,
o lado do padecente. de um martyr do que a de um scelerado.
OU Â PENA DE MORTE 11
fazer o mesmo á família d"elle, para que Os pulsos vigorosos dos agentes pu-
elle soubesse se era bom 1 zeram-o fóra; mas elle, sem conter-se
— Deus te perdôe, Deus te perdôe ! proseguia, dizendo :
escapava mais adiante ao anonymo po- — Ddxem-me fallar ao Sr. juiz» Dei-
pular, xem-me 1 Eu sei. . .
E o préstito caminhava, parando, po- E1 fácil imaginar a confusão qua n'esse
rém, a todas ás esquinss para dar logar instants reinou no interior do templo.
á leitura da sentença. Os espectadores redemoinhavam, gesti-
De cada vez que o préstito parava ou- culavam, apertavam-se em estreito cir-
via-se um como cicio psrtido dos lábios culo em torno do desconhecido.
dos sacerdotes e do condemnado. Este, vencendo a onda popular poude
Uma d'essas vezes, poude-se distinguir de novo approxima^se da ala, e cami-
algumas das palavras segrejadas pelo nhava em direcção ao magistrado, quan^i
ministro de Deus : parou repentinamente.
— Confesse toda a verdade, irmão, pu-
O sentenciado com os cabellos erriça-
rifique a sua consciência ná hora de com-
dos, a pelle pergaminbada do rosto e os
parecer perante Deus.
lábios contrahidos, meio erguidos os bra-
— Repito, meu padre; não mandei
ços algemados, fitava no desconhecido ~
fazer taes assassinatos.
um olhar profundo, em que se misturava
E duas lagrimas tardas e volumosas,
a suppliea e a reprehensão.
d"essas que só os bypocritas confessos ou
Todos pasmavam, O desconhecido, como
os desgraçados sabem chorar, escorrega-
se fosse instantaneamente petrificado, não
ram pelas faces cadaverosas do padecente.
deu mais u^i passo; a cabeça pendeu lhe
Ora envolvido no rufo rouco dos tam-
como que humilhada, ao passo que_as
bores, ora atravessado pelo badalejar da
lagrimas corriam-lhe em fios.
campa e pelo clangor das cornetas, o
préstito seguiu vagarosamente pelas ruas O juiz ia talvez ouvir o desconhecido
mais concorridas da cidade, até parar em mas ao passar pelo sentenciado, este, di-
frente á igreja, onde o pregoeiro em alta rigiado-se ao sacerdote, murmurou:
voz leu ainda uma vez a sentença irrevo- — Peça que o deixem ir. E' um homem
gável, qua devia manchar na cabeça de de bem; esfcima-m«; queria talvez dizer-me
um homem o nome de toda a sua familia. na hora da desgraça algumas palavras de
Parte do préstito já estava dentro do consolo.
templo; algumas das seatinellas, que O préstito continuou a entrar no tem-
custodiavam mais de perto o réu, já plo. Ninguém buscou interrogar aquelle
transpunham o limiar, quando um in- homem que soluçava, encostado á porta
cidente inesperado veio pôr em alarma principal da igreja. Respeitou-se lhe a
a todos os circumstantes. dôr, porque elia mostrava ser bem pro-
Um homem desconhecido, com as faces funda e filha de um sentimento gentroso.
macilentas, o clhar e*gaseado, cs vestidos A tropa descançcu as espingardas en-
em desordem, e entretanto, revelando pelo chendo o recinto sagrado do barulho pro-
seu traje, pelo próprio desespero, ser um duzido pelo choque das coronhas no
cavalheiro; rompera á força uma das alas assoalho.
de praças e viera collocar-se em meio do O sentenciado ajoelhou-se, e os seus lá-
precito. bios começaram a ciciar uma prece, e o
Agarrado pelos soldados, debatia-se nas s-icerdote que desde o incidente empal-
suas mãos, exclamando : lidecera ainla mais, e tomara um ar
— Daixem-me fallar; deixem-me fallar! ainda mais contricto, ajoelhou-se também.
OU Â PENA DE MORTE 13
lhe grato poder vingar-se de um dos seus — Perdoa-lhes, irmão, elles não sabem
oppressores. o que fazem.
Revolvendo nas mãos o gorro vermelho Na embocadura do largo o pregoeiro
illudia porventura a impaciência que lhe cumpriu pela penúltima vez o seu dever,
causava a demora da execução. e as caixas expandiram-ss em rufos pro-
Negaças de tigre antes de dar o bote á longados.
presa. \ Pela cara angulosa do carrasco passou
O sacerdote acabava de resar o prefa- um vago estremecimento, semelhante aos
cio , e a campainha do ajudante acompa- frémitos electricos que percorrem os lom-
nhava a invocação dos santos, quando a bos dos tigres, e ao mesmo tempo tomou
campa funerário, do irmão da Misericórdia o aspecto metallico de uma camada de
apregoou a retirada do préstito. mercúrio.
O barulho dos que se levantavam para — Coragem, eoragem, meu irmão;
sahir perturbou o recolhimento devido ao chegado o transe derradeiro; exclamou o
acto da celebração, e grande parte do sacerdote para o sentenciado.
povo já estava de pé e de costas, quando — Peça a Deus por nós, meu padre.
a Ostia, levantada pelo celebrante, alvejou E caminhou, seguro no braço pela ca-
por cima do altar como uma estrella de losa e rude mão do carrasco.
amor, perdida na escuridão do odio. A poucos passos levantavam-se os dois
Lá fóra rufaram as caixas os runs- esteios negros que sustentavam a ma-
runs contestadores, com que a justiça china monstruosa da justiça humana.
enlucta ainda mais a perspectiva do tu- Se a machina tivesse alma devia estar
mulo; depois o pregoeiro declamou ainda bem desvanecida de ver a curiosidade
uma vez a sentença, e o préstito seguiu que despertava a sua brutalidade, e pro-
o seu caminho. curar attituies especiaes para relevar
A serenidade que, desde a sahida da ainla mais 03 seus toscos e hediondos
prisão não deixara de illuminar a phy- contornos.
sionomia do condemnado, persistia inal- A parte superior dos esteios era ligada
terada, porém, a fraqueza do corpo des- por uma grossa trave, e abaixo, mediando
dizia a fortaleza do animo. pouco mais da maior altura de um homem,
O desventurado quasi não andava, ar- corria um tablado, terminando, de um
rastava se; e algumas vezes o sacerdote lado, rente com a face dos esteios.
teve de ir-lhe em auxilio, para que não Do tablado até o chão corria uma es-
désse em terra. Outras vezes o c a r r p ^ cada de degraus estreitos e roliços. Tudo
impacientado pela morosidade do passo, tosco, brutal, como o fim a que era des-
impellia a victima, que nem siquer dava tinado.
mostras de censural-o por isso. Para ahi condusiu o carrasco o homem
Já os irmãos da Misericórdia, do des- aferretado pela condemnação publica.
empenho da sua caridosa missão, embara- Ia emfim desdobrar-se a ultima scena
f ustavam pelo meio dos curiosos que esta- do assassinato legal, esse que, mais digno
cionavam no Rocio, e os soldados abriam de reprovação do que os outros, é feito a
caminho para a entrada do préstito. sangue frio, premeditado nos commodos
Motta Coqueiro, desfigurado e tremulo, de uma cadeira de juiz de facto, de uma
ao ouvir os gritos que annunciava a sua poltrona de desembargador, e confirmado
chegada, com a voz entrecortada disse pela irresponsabilidade do poder mode-
ao sacerdote: rador.
— Aconselhe-lhes, meu padre, que não j Oè jaizes chegam ao tribunal com os es-
zombem de quem vai morrer. \tomagos cheios e os corações affagados
OU A PENA DE MORTE 15
Cerca de duzentos passos d'esta casa se erguia por entre as negras telhas do
chamada—a casa grande—estendia se um casarão central.
lanço estreito, coberto de sapé, de paredes Toda a vida e actividade estavam con-
apenas barreadas, atravessadas de espaço centradas em outros pontos, e fácil era ir
a espaço por umas partas baixas e janel- ter, a elles tomando um caminho, que pas-
las que teriam tres palmos de altura so- sava perto do curral, e seguindo por elle
bre dois de largo. em direcção ao occidente.
Era uma linha de senzalas, miserável A um quarto de hora de caminho
habitação dos escravos. estar-se-hia no meio de compridos acairos,
sombreados por enormes bananeiras que
Entra as senzalas e a casa grande —
dividiam umas de outras as terras culti-
duas casas — a do feitor e a do fabrico de
vadas.
faiinha, ou bulandeira, e além d'estas,
Ouvir-se-hiam então os cantos monó-
do outro lado da casa glande, uma es-
tonos e ver-se-hiam, com uma saia de ris-
pecie de barracão coberto de telha, com o
cado e alviís camisas de algodão, expostos
caio sujo e as paredes meio esburacadas,
ao sol os collos negros das escravas, e
c o m p l e t a v a m o numero das edificações,
vesti'os de calças de zuarte, os negros
se exceptarmos algumas palhoças collo-
serui-nús levanlo para diante o eito, esti-
cadas mais para traz e que serviam p&ra
mulados pelos gritos machinaes de arriba,
guardar os animaes domésticos.
arribai bradados pelo feitor, encostado
Como grande mancha negra no matiz ao cabo do seu rebenque.
da collina, via-se o curral, cercado por Se no meio dos cafesaes e manfliocaes
uma curva de baixos paus-a-piques, nos não fosse encontrada a gente do sitio, o
quaes preniia-se uma pesada cansella. tan-tan, tan-tan compassado dos macha-
A casa grande estava quasi sempre dos no cerne das arvores seculares annun-
fechada, porque o seu dono, Manuel da ciaria a sua estada nas mattas circ um vi-
Motta Coqueiro, residia em Campos e a zinhas.
maior parte do anno passava-a ahi, ou en- A's vezes o serviço era dirigido pelo
tão na sua chacara da barra de Macabú.
senhor em pessoa; mss o aspecto da casa
A alegria dos logares habitados não
não S9 alterava, porque vindo só para o
era, pois, encontrada senão raramente
sitio, Motta Coqueiro apenas era visto em
n'este local, onde a primavera desfazia-se
casa quando de manhã muito cedo dieta va
em florecencias esplendidas sem que
ordens ao seu feitor ou á noite ouvia d'elle
houvesse quem a contemplasse.
a narração do serviço feito. Em face
Quando o vento indifferente, enredan- d'elles quedavam então os escravos ali-
do-se na copa das arvores, transformadas nhados e taciturnos.
em ramalhetes monstros pela seiva vernal, Quatro annos antes da época em que nos
esfolhava-os desapiedadamente, a chuva achamos, primeiros mezes de 1852, outra
de flores e folhas cahia sobre o gado, que era a vida no sitio.
fugindo á canicula, deitava-se-lhes á som- O campo era quasi sempre percorrido
bra, ruminando silenciosamente. por cavalleiros e homens a pé, os quaes
Quando o calor abrasava, colhidas as dirigiam-se de preferencia para o velho
azas e occultas na frescura da folhagem, barracão que descrevemos.
as cigarras e as nuvens de passarinhos Por esse tempo, a pedido de um amigo,
chilravam e gazeiavam por alli como se Motta Coqueiro recebeu como seu aggre-
estivessem em logar completamente de- gado um d'esses pobres homens do sertão,
serto. Também de visinhança de homem que vivem da pequena lavoura e sem meios
só dava Mspaal uma espiral de fumaça que para ter um terreno proprio, cultivam o
18 MOTTA COQUEIRO
Havia t-fs iniiviiuos a quem tamanha ponteagudas, que faziam lembrar a fór-
familiaridade incommodava. Eram elles ma dos pecegos.
Manuel João,um mulatinho de viate e pou- Demais a mopa antes de entrar no rio,
cos annos, bem apessoaio efailante,—um colhera os vestidos até os joelhos, e
peino^tico, seguido o Vianna da venda; atara-o á cintura com um lenço, e para
o Sebastião Pereira, robuito rapaz que não molhal-os, apertou-os e itre pernas,
mcrava perto dcs terras de Coqueiro, e de maneira a formar com elles uma es-
muito conheci.lo peia pericia em tocar pecie de calçõe3 apertados.
viola e cantar o desafio ; e o Vianna da O remador que adjudava com remadas
venda já meio ma luro—como dizia o An- viris o deslisar espontâneo da canoa pela
dré iaspector, e creio mesmo que ligado correntesado rio. conteve a frágil embar-
por laços matrimoniaes. cação parou de remar, e deixou que ella
Ca la um desses tres indiviluos suspi- ficasse remanseando, emquanto elle en-
rava muito em segredo por uma das mo- volvia n'um olhar ardente as formas
reoas do Chico Benedicta—por pena das sculpturae 4 de Chiquinha.
pob es raparigas. Esta que disfarçadamente observava
O porte airoso de Chiquinha, a filha o canoeiro com um olhar contemplativo,
mais velha, o seu olhar meio escarninho, deixou-se ficar curvada, ostentando a cin-
meio melancólica, o confranger dos lábios tura fina, accentuada ainda mais pelos
para estalar um muchocho penalisaram amplos contornos dos qualris.
m u i t j a Sebastião. A canôa, entregue a si mesma, poz-se a
O compassivo rapaz levava a sua sen- boiar a mercê da correntesa, e como se
sibilidade a ponto de visitar sempre o mão noysteriosa a guiasse, veiu esbarrar
Chico Bsnedicto. n'um tosco branco de lavagem, que negre-
A principio, ao IUÍCO fusco, com a sua java junto a Chiquinha.
viola a tiracollo, e montado n'um ossudo — Que máu poupeiro que vosmecê é,
ca valia, a que todos chamavam—pangaré, oh seu Sebastião ; disse esta, eu não me
e só elle chamava-o—Suspiro, era visto embarcava com vosmecê, nem para o céu.
marchando para a casa, que lhe entris- — Pois é pena, sá Chiquinha, porque eu
tecia o coração. iria com vcsmecê até para o inferno.
— Era preciso que eu quizesse ir, res-
Mas, devido mesmo ao continuado tra- pondeu Chiquinha, soi rindo.
balho, aggrav. ram-se as mataduras do — Ejtá visto ; eu não queria nem esta
lombo do animal, e o Sebastião tomou o canoa cheia de ouro se fosse contra a sua
expediente de vir em uma cacôa. vontade.
Um dia, ao chegar ao porto, Chiquinha — Deveras?...
estava lavando. O sol re vestira lhe de um — Se duvida, sá Chiquinha, é só expe-
anacardino intenso as faces graciosamente rimentar.
túmidas. Os cabelk s negros como os fruc- Ao pronunciar a palavra Chiquinha ti-
tos da baraúna, reunidos em duas tranças, nha-se sentido perturbada e para não
que cingiam a cabeça pequena, afofavam- trahir-se levantou a alva peça que lavava
se em duas pa&tas, arqueadas por sobre para batel-a no banco, que tinha diante.
as têmporas.
O seu braço foi, porém, delicadamente
Entre as suas mãos delicadas alvejava s e g u r o pela mão de Sebastião, emquanto
uma peça branca de roupa, sobre a qual a com a outra o moço tentava tirar-lhe a
moça inclinava-se, mettida dentro do rio. peça da pequenina mão.
A posição curva,, que tomara, deixava — Não me segure, resmungou Chiqui-
vêr pela altura do collo umas saliências nha, fingindo se amuada; me deixe.
20 MOTTA COQUEIRO
— Não foi por mal, sá Chiquinha 1... A sala sem assoalho, com o chão ac-
murmurava Sebastião, ao passo que dei- cidentado por altos e baixos, ornada por
xava o braço da moça. E' que para bater uns bancos de pau, umas caixas e uma
a roupa é preciso força, e eu sou mais meza velha, em que assentava um orato-
forte. rio junto do qual espirravam dois can-
Chiquinha dando uma das francas risa- dieiros de folha de Flandres; semelhante
das características dòs filhos da roça , sala luzia na memoria do homem com ÉS
exclamou: scintillaçõss de um paraiso de amor.
— Uhê! seu Sebastião subiu a serra, E1 que ao entrar j fôra recebido por uma
gente! estrepitosa ovação, e ouviu á Antonica
O rapaz animado pelo,, dito e a risada chamar os seus quasi quarenta annos —
de Chiquinha desembarcou,segurando nas um mocetão bonito.
mãos a corda que amarrava o banco da Não ha alma de tendeiro da roça, por
prôa da canôa, e poz-se a perfurar o barro menos vaidosa que sêja, fortalecida para
do porto com o cabo do remo, dizendo: não penhorar-se com semelhantes sau-
— Eu pensei que você tinha-se zangado dações.
commigo. N^quella noits o Yianna, naturalmente
— Não me zanguei, n ã o ; foi só para folgazão, levou as lampas aos mais pago-
você não se metter no que não sabe. deiros ; tinha mettido no mesmo chinello
— Então eu não sei bater roupa ? o Sebastião e Manuel João, que improvi-
— Qual sabe o que; isto não é viola. savam estrophes com a fluência do jorro
— Pois fique sabendo que a gente de uma cascata, e com as mesmas quédas.
quando quer sabe tudo, até amar. Achava-se ahi por ter merecido um
— Ora, isto... tem muito que saber... convite de Francisco Benedicto para uma
— E tem mesmo; como eu você não brincadeira de Santo Antonio.
acha outro. O programma da festa era uma ladai-
— Agora, como se faz na caixinha dos nha, e em seguida um fado com muitas
tres desejos, diga, seu Sebastião — a quem raparigas, um leitão assado, dous garra-
ama ? fões de aguardente, ou melhor— de boa
— A você I . . . canna, e um garrafão de vinho, o qual
— Gentes I como você está adiantado I fôra dado de presente á Antonica, pelo
exclamou Chiquinha,depois de ter contra- compadre capitão, o Motta Coqueiro, que
hido os lábios corados n'um terno mu- fôra passar a fasta na cidade.
cfcôcho. Na casa não havia nicas, era casa de
Desde esse dia, Sebastião Pereira come- pobre ; e o Sr. Viaxma estava alli como
çou a sentir grande pena pela familia do se estivesse na sua venda. Podia também
Chico Bsnedicto, e a ter manifesta aver- levar quem lhe aprouvesse.
são pela familiaridade de Coqueiro junto Cantada a ladainha, começou calorosa-
d'esta familia. mente o fado. A viola retinia febril-
A partir de uma noite em que, sobra- mente ferida pelos dedos apaixonados de
çado o seu ponche de baeta negra, forrado Sebastião Pereira; rufavam entusiasti-
de fianella vermelha; posto no alto da ca- camente os adufes, e os pares rodavam,
beça o chapéu do Chile com largas fitas sapateavam, peneiravam, enchendo a sala
negras pendentes, oVianna da venda, en- de palmas e castanholas.
trou na casa de Chico Benedicto, a sua Uma das rodas era formada pelo Yian-
alma de tendeiro começou a pesar ouro fio na e Antonica, Manuel João e Mariqui-
os generos da vendola e a recordação de nhas, a mais nova das tres filhas moças
sá Antonica. de Francisco Benedicto.
OU A PENA DE MORTE 21
A solicitude de Yiaana não podia resig- deiro agachou-3e e cosau-se com a parede
na r-s 3 a mastigar o leitão da brincadeira, correndo, e só depois de alguns minutos,
quando Antonica, bonita como diabo, gritou de fora :
conforme elle dizia, ficara lá na sala so- — Eh, tá com o berreiro; já vou, já vou.
zinha e quem saba se amua ia comsigo. As pessoas que entravam na sala, en-
Assim pois, resolveu vir ter com ella contraram Antonica, seatada muito tran-
acompanhado de um prato com a iguarias quillament5», e ninguém su peitou, siquer,
da mesa e um copo, o único que havia, até a scena que antes se passara.
meio de vinho. Recomeçando o fado, o Vianaa mostrou-
Apresentou lhe o prato e o copo; a se por largo tempo menos expansivo;
moça não quiz servir-se, e pediu-lhe que esquivava-se de dançar, tíizendo-se fati-
a deixasse descançar. gado, e só se achava bem junto dos gar-
— Oh! sá Antonica, eu fiz-lhe algum rafões, em companhia de Caico Benedicto.
mal ? interrogou Vianna, ou sou algum - Antonica t&mbem não figurava nas
bicho que lhe metta medo ? rodas senão espaçadamente e tinha o ar
— Não é, nã~; mas ea não quero ouvir de quem queria chorar.
a bccca do povo.
O Sôbastiãí» Pereira, que ao lado de Chi-
— Qual historia, sá Antonica, elles de quinha parecia ter-se alheado de tudo
mim não faliam, porque todos elles têm a mais, não prestou a principio attenção ao
barriga lá em casa. mau eatar dos dois nam.r<*dos, mas sendo
— Já sei, já, seu Vianna; mas eu quero obrigado a chamar alguém para substituir
ficar sozinha aqui, ou então vou-me em- a sua viia, que precisava sahir, f ji ter
bora. Que aborreciment3, home f 1
com Antonica, e as lagrimas represas da
— Está bom, eu vou, sá Antonica.
moça revelaram-lhe o segredo do seu
Mesmo póle estar aqui alguém que vá
afastamento e tristeza.
contar a elle, e depois...
— Contar a quem, seu Vianna? não se Diriginio-se á Vianna, Sebastião ata-
dá esta ? te arrenego ! cou-o logo de frente, sem meias palavras:
— E olhe que não seria a primeira vida —Você pare3e criança; lá está a Antonica
que elle mandaria tirar. Eu sou pobre e a chorar, seu Vianna. O pai já está prom-
elle ó capitão, é rico, é magnata. pto e se vem a sabar d'isto, temol-a tra-
— Olhe, seu Vianna, eu chamo papai mada. Vá tirar a rapariga, e o mais corre
pira ouvir o que é que está ahi dizendo. por minha conta.
— Não precisa, não, sá dona\ depois No dia seguinte ao re'.irar-se da casa de
não se arrependa. Francisco Benedicto, o vendilhão levava
— E\ vocês todos são assim mesmo; eu a roupa e o coração igualmente machu-
dancei com você, e agora fica mal com- cados.
migo. Combinando, .porém, algumas palavras
— Qual zangado 1 não estou; é que de Antonica, poude abraçar-se a uma es-
penso; eu sei lá, o Manuel João é quem perança, ao passo que dava de mão a uma
diz que você gosta do capitão, e eu já teimosa somma debita ia ao pai da moça.
estimo você tanto... O sacrifício de seus interesses e o de
— E gosto, e agora? nunca me fez sua tranquillidade puseram muito natu-
mal. Quem manda aquella coisa espiar os ralmente o fcom do tendeiro na contin-
outros ? Nãoé o capitão quem nos dá casa? gência de condoer-sa da sorte da familia
Vozes partidas do interior gritavam: de Chico Banedicto.
— Oh 1 Vianna, onde está este diabo ? Mais apressado do que os seus dois
Galgando a janella de um salto, o ten- companheiros de compuncção, andou Ma-
OU A PENA DE MORTE
enganar a moça; tudo menos isso, inter- — Homem, eu sei lá, isto é com vocês
vrfiu energicamente o feitor. creançss. A rapariga pode não se arramar
— Assim mesmo pedaço dê tolo, não e quem fica mal sou eu, e . . . no fim de
queiras; o Manuel Joãí temboabocca, seu contas, seu Sebastião, eu estou aqui de
Vianna ; os outros comem a carne e eile fresco, e sem fazer escândalo, perdoe que
lhe diga, eu não conheço bem você.
róa os ossos.
— Por Nossa Senhora das Dores, vocês — Pois tire indagações, seu Chico; olhe
estão zombando. Eu arranco a lingua não lhe hão de dizer que eu seu desor-
áquelle cachorro, se elle se atrever ; vá deiro, nem ladrão, nem que tenha feito
elle para as profundas do inferno. Eaco- mortes,
ro-o no caminho e manio-o d'e ta para — Eu lhe digo já, seu Sebastião, pelo
a melhor. E sabe o que msis, o que você q t e você me parece, está feito, mas sem-
quizer que eu faça & só dizer. pre quero ouvir o que me diz o . . . uma
— Está dito ; está fechado; a ofensa pessoa.
de um é a offensa de todos : juremos 1 Aquelle uma pessoa proferido pelo
— Juramos! velho causou um estremecimento nos tres;
Ao a n o i t e c e r estavam os tres na casa Manuel João principalmente quasi per-
de Francisco Benedicto, que já dava fre- deu os sentidos.
quentes risa ias, graças á chegada do seu O valho, porém, ora coçando a cabeça,
filho, e de umas garrafas que elle trou- ora esfregando as mãos desfez a meio a
xera á@ parte do Sebastião. impressão desagradavel, murmurando:
Os visitantes foram recebidos somente — Com que seu Sebastião quer que a
pelo velho e sua mulher, porque as me- gente coma doce breve ?
ninas, desde manhã estavam na ca«a do — Sim, senhor, seu Chico, se não tiver
compadre. contra mim alguma receita de gente do
Depois das primeiras ccnversae, Sebas- bocca amargosa.
tião Pereira disse ao velho que vinha a — Qual, não ha d« ser tanto assim.
uma cousa de interesse acerca da qual Um aceno de Sebastião levou o Vianna
queria fallar-lhe, sendo ouvido sómente da venda a tartamudear para o Chico Be-
pelos dous am ? gos. nedicta:
— Pois venha de lá e3te golle; disse o —E que diria vosmecê, seu Chico, se eu
velho que tinha nas mãos uma caneca; viesse nas aguas de Sebastião ?
molhe se a palavra primeiro. — Sem escandalo, respondeu o velho
Sebastião começou por fazer ver que com uma longa risada; dizia que a vista
tinha o seu pedacinho de terra, que era faz fé.
bom falquejador, remador e trabalhador — Muito obrigado, seu Chico, eu ó com
de enxada. Nunca tinha passado misérias sá An tónica, se vosmecê fizer gosto.
e ao contrario quando mettia a mão no — Olé, quer ver que vocês todos tres
bolso tinha sempre o seu vintém. Se não querem me depennar a casa ?
era rico, também não lhe faltdva a graça E poz-se a rir muito, sendo imitado
de Deus, e a moça que se cssasse com elle pelos tres, e em seguida levantou-se,
não ficaria de máu partido. encheu a caneca e apresentou-a aos
— Ora, eu teaho amisade á sâ Chiqui- triumviros rústicos.
nha, filha de vosmecê e fazia go&to em — Vá este coãorio á boa harmonia.
casar com ella, se vosmecê quizesse. Eu nada decido; mas vá á saúde.
O velho, depois de arregalar muito os Na sala immediata ouviram-se n'este
olhos, e coçar a cabeça, respondeu vaga- instanie risadas, cochichos, e o ruf-ruf
rosamente:
de saias engommadas.
26 MOTTA COQUEIRO
trazer o Cífé aos hospeles, os tres aeer- — E \ . . quem ouve agora o capêta!
ciram-se das moças e cada um começou a Debruçadcs na janella,conversavam Se-
conversar com a sua predilecta. bastião e Chiquinha. O violeiro esforça va-
Manuel João, com a voz tremula, dizia te por convencer a moça de que devia
para Mariquinhas, que empallidecêra ceder a um pedi lo que lhe fazia.
desde que ouviu ao pai dizer o motivo da Tinha cousas que dizer-lhe mas não
visita de Sebastião, e Vianna: queria qus u ouvissem.
—_Só sá Mariquinhas é qua ainda não — O' Chiquiaha, dizia élle; que diabo de
tem noivo. me lo é este ? eu não s u bicho; e já
— Eu não posso obrigar ninguém a peiivociê.
querer cisar comigo, e eu mesma não — Não é por isso; é qu3 papai pôde
quero. ficar zanga lo; você bem sabe o génio
— Talvez, sá Mariquinhas, hsja quem dVlle, em scismando e&tá tudo perdido.
- queira e não possa. — Mas elle está lá com o compadre e
Boas; quam quer pode sempre. sóaca-o toda a noite. Você diz que vai
— E se fosse um pobre f íito sem eira dormir e sai pelos fundos da c;&a: eu
nem beira. estou no cajueiro da baixxda.
— Eu também não sou princeza, e, tra- — Veremos...
balhando nói dois, haviamos de viver. — Eu espero.
— E se seu pai não quizesse ; se ficasse A velha consorte de Francisco Bsne-
zangado com vosmecê ? dicto entrou trazendo duas chicaras de
— Paciência; mas eu queria sempre. café, ao passo que Mariquinhas sahia da
Esta ingénua revelação do amor puro sala e para logo voltava com uma outra
da Mariquinhas, quasi enlouqueceu o des chici.ra,que offereceu a Manuel João.
venturado feitor; sorria emquanto que as — Meu pai foi cavalleiro, disse Sebas-
lagrimas lhe escorregavam pelas f*ces. tião ; eu já me fazia na picada e assim
Por sua vez Mariquinhas tinha os olhos aproveito.
pregados no chão e com as pontas do in- — Tão cedo?...
dicador e pollegar beliscava o vestido so- — Nem todo o dia é dia santo, e ama-
bre os joelhos. nha tenho serviço.
Não havia duvida, o fdtor era amado, Sebastião despe iiu-se e após meia hora
e isto era para elle a maior de todas as de palestra os outros retiraram-se tambam.
venturas. Lisongeado com o pedido feito pelo
— Ficou zangada comigo, pelo que eu violeiro e pelo tendeiro, dupl<4 f^ce da
z, sá Antonica ? murmurava Vianna. independencia sonhada para as filhas no
— Eu o que não quero depois ê estra- rendimento de uma ven iola e na posse de
la la ; vocês voltam a cabeça da gente e um sitio, Francisco Banedicto quiz logo
depois... passe muito b m, porque os po- saber o acolhi mento que este facto me-
bres não regulam. recia do seu compadre Motta Coqueiro,
j - Não diga isto, sá Antonica ; o diabo que melhor conhecia os pretandentes.
não é tão feio como se pinta. Ojvèlho firmara-se no proposito de nada
— Não digo, não : está lembrado do resolver, senão de accordo com o seu bem-
que me disse na brincadeira de Santo feitor, fosse embora prejudica lo, fosse
Antonio ? Case e depois com ce com mau grado seu, obrigado a dar de mão á
historias. risonha perspectiva de felicidade, que lhe ^
— N'aquella noite eu estava meio tonto, dominava o cerebro aguardentado.
minha negra ; aguas passadas não moem — E' minha obrigação, dizia elle; am-
moinho. parou-me e tem sido meu amigo apezar
28
MOTTA COQUEIRO
das más línguas; não houve cão nem gato esses dois últimos lhe fizeram e concluiur
que não me mettesse o dente, e elle fez a — Eu e<tou velho, não tenho nada de
todos ouvidos di mercador. Hoje, nas meu, não disse que sim, nem que não;;
horas de Deus, tenho onde metter a ca- fiquei assim ; vosmecês o que acham?
beça, e com os diabos, se eu não ouvir o O embaraço interceptou por algum tem-
compadre não devo ouvir mais ninguém. po a resposta; mas afinal a senhora de Co-
Taes eram as disposições do velho ag- queiro rompeu o silencio para expender
gregado ao dar o clássico—oh! de ca?a— uma evasiva:
á portada sala d e j m U r da casa grande. — Eu não posso dizer nada, meu com-
O bom humor de Motta Coqueiro, e os padre, o senhor sabe que não moramos
modos prasenteiros de sua esposa, rece- aqui; eu estou sempre na cidade, e, quando
beram alegremente a visita em meio da venho para o sitio, nã > saio de casa; por-
familia reuni'a em torno da mesa de tanto nada posso dizer.
jantar. — Sá comadre tem razão de não que-
Vieram primeiro a narrativa do passeio rer fallar; respondeu o velho, mas seu
e os elogios á prosperidade das roças do compadre pôde me dar um parecer.
aggregado, tudo isso meio exagerado — O melhor ó você fazer o que enten-
pela amisade que a dona da casa deli- der, comp idre, respondeu o interpellado.
cava ás meninas do seu hospede, que lhe — Não senhor, eu preciso de saber do
respondia a gra lecido: parecer de seu compadre. Sou novato
— A gente vai fazendo o que póde L sá aqui; debaixo de Deus só devo a seu com-
comadre; somos só dois a trabalhar : eu paire a casa em que estou morando e as
que já não presto para nada e o Juca, terras em que trabalho. Quem dá o pão, -
que ainda não se póle dizer que é um dá o castigo; quem me avisa meu amigo é.
homem. Na plantação e na colheita é que — Ouça bem, compadre, o que eu lhe
as raparigas e a minha velha ajudam. vou dizer: nem o Vianna, nem o Sebas-
Mas vai-se vivendo, conforme Deus é tião querem casar com as meninas. Eu
servido. n&o pretendia dizer palavra, porque não ^
Uma creoula pousou na mesa, em gosto de envolver-me n'estas coisas ; mas
frente a Fraacisco Benedicto, uma chicara emfiaa, não quero que você tenha razoes
de café. 0 velho despejou o café no pires, de queixa, quando se arrepender. Eunoseu
e ao leval-o á bocca, demorou um pouco cato o que faria era dizer-lhesque não me
o braço no ar, dizendo para Coqueiro: viessem em casa, e se as meninas teimas-
— Eu queria que seu campadre e sá sem em querel-os para maridos, só lhes
comadre me dessem uma palavra á parte. abriria a porta no dia do casamento.
— As mulheres não podem ser padres, — Ora vejam só que biscas aquellas,
meu compadre, e não sabem também disse o velho sacudindo a cabeça ; e me
guardar segredo. prosaram com uma venda, com um
— Mas não todas, sá comadre ; a mi- sitio...
nha velha ó das taes, que o que se lhe — E' verdade que o Vianna tem uma
diz é ccmo j«gar n'um poço. venda, mas vive com uma mulher e pa-
— Vamos ao caso,compadre; disse Motta rece até que é casado com ella. O Sebas-
Coqueiro, que se havia levantado e tom iva tião tem umas terras, mas não as cultiva
o corredor que comn.unicava a sala de e não gosta de trabalhar. A vida d'elles
jantar com a de visitas. é fados e namoros. Eis o que tenho a
Chegados ahi e sentados, o velho referiu dizer; o compadre é livre, faça ú que
miu lamente a visita de Mam ei João, Vi- entender,
anna e Sebastião Pereira, o pedido que — O diabo é que eu vejo a cabeça das
OU A PENA DE MORTE 29
raparigas meio viradas para elles, . u r a Emquanto esta scena se passava na sala
inferno; não ha nada peior do que ser da casa grande, tfn lo por únicas teste-
munhas algumas cadeiras vasias, e uns
pobre.
apparadores de jacarandá, lá fóra, no
A ultima consideração do velho de-
campo do sitio outra se desdobrava ao
nunciava uma quebra do proposito com
luar, no silencio e no ermo.
q u e e n t r a r a na casa d e Coqueiro : a
imagem do sitio e da venda suffocava-lhe O triumvirato de amantes dissolvera se
a r e f l e x ã o . Além d"isso tinha esvasiado por aquòlla noite, mas um Vtlles apenas,
alguns canecos de aguardente, e o arras- o Vianna, reti -ara se immediatamente
tado da lingua e o cuspinhar conti auo para a sua morada.
d e n u n c i a v a m umà anormalidade nas fcuas Os cutros podiam ser encontrados nas
faculdades. circumvizinbanças da casa do velho ag-
Motta Coqueiro, como se se tivesse arre- gregado,
pendido, mostrava-se contrariado, e mais Sebastião Pereira, conforme tratara com
ainda do que elle a sua esposa, que apro- Chiquinha, foi esperai a na baixada. Era
veitou, para retirar-se, o ensejo que deu-lhe um logar apropriado para uma entrevistf;
a longa pausa succedida ás ultimas pala- os amantes alli ficavam pela jropria na-
vras de Francisco Beneiicto. turesa recatados aos olhares curiosos.
Logo qua a senhora retirou-se, Motta Uma grande entrada quasi circular, co-
Coqueiro reatou a conversa a respeito dos bsrta de grama, levantava se do sopé ao
espon?aes das filhas do seu compadre, cimo da collina. D \ h i um enorme cajuei-
porém, procurando desvial-a e flxai-a em ro vergava todos os seus galhos sobre a
outro ponto, e tanto msis decididamente entrada, cobrindo-a com uma especie de
quanto mais o valho mostrava-se propenso cupulã. Um banco de pau ornava o silen-
a não attenier o seu conselho. cioso e pouco frequentado recinto.
— E sem que se dê por isso, compadre, Daixando a casa do velho,Sebastião Pe-
vai quasi para dois annos que voceestá reira tomou cautelosamente o caminho
aqui comnosco. que conduzia á baixada e deitou-se no
— E' verdade, meu compadre, e em tão bmco, cobrindo o roíto com o chapéu. A
boa hora o diga, ainda não tenho uma sua immobilidade, o nenhum ruido da sua
queixa de nenhum dos donos da casa. respiração repreza faria crer a qualquer
Muito obrigado. O que você devia, sertanejo, que alli entrasse, não serem
compadre, era cuidar de fazer a sua casa. mentirosos os contos de alaaas penadas
A em que você mora, está velha, e muito e phantãsmas de que lhe fallavam desde
longe do seu trabalho. a infanda.
— E' verdade, meu compadre, mas as Aos segundos súocederam os minutes,
plantações, têm-me atrapalhado. Agora e a estes os quartos de hora, tardos como
se essss dois rapazes quizerem sgudar-me, afiguiMm-sea quem espsra. Nenhum gesto
eu, o Juca e elles sempre somos quatro e de sofregui ão foi, entretanto, feito pelo
a cousa vai depressa. violeiro; nem ao menos puchou pelo
Não havia duvida; Francisco Benclicto isqueiro e o cigarro, inseparáveis compa-
já fallava dos seus genros, os dois rapa- nheiros dos homens do sertão. Continha-o
zes, e contava com elles. a paciência do mal, inalteravel nos seus
— Pois faz muito bem: aproveite os planos.
para alguma coisa, disse MotU Ccqueiro, Passada maia hora, um leve ruido de
levantando-se. saias engommadas, produziu em Sebas-
O velho comprehendeu que eram horas tião o effeiío de um choque eléctrico;
de retira r-se. poz-se em pé de um salto e conchegando
30 MOTTA COQUEIRO
viava a face dos lábios, cem tentava samente a, das nymphéas que se nutrem
f u g i r dos braços de Sebastião. ,
das aguas pútridas dos brejos.
A sua vez fraca, coma se tentasse não Contrastado pela suspeita, o feitor via
serouviia pela própria moça, murmu- no lhano entregar-se de Mariquinha:-, não
r a v a machinalmente desculpas para acom-
uma prova da bondade d'aqutlle coração
modar o amante, era quanto este, dando ingénuo, mas a cilada indecorosa da n u-
azas á seducção, inundava-a de phrases lher .decahida., que planeja, a rehàbilita-
namoradas. ção na profusão dos &ffagos.
A esta sobrexcítação, saguiu-se um pro- Os..-preconceitos haviam o por varias
fundo silencio"; depois sahiram silencio- vezés esmagado, porque p-rtencia á raça
sos e caminharam para o casarão, em mixta, á raça a que traçam raias ao co-
cuja porta trocaram-se adeuses em voz ração e aos aífectos..
sumida» Mariquinhas devia partilhar a opinião
geral e, portanto, a sua acquiescencia ao
«
III amor, que lhe votara, devia ter um movei
òu muito generoso ou miseravelmente
CADA UM E M S E U POSTO
baixo.
A primeira ponta do dilemma não feria
O suspeitoso Manuel Jcão concebeu a
a imaginação tresvairada de Manuel Jcão;
respeito da demora da Chiquinha e do ca-
•malferia-o, porém, a segurda.
pitão na colheita das limas a mesma idéa,
— E' bonita de mais para um hemem
que atravessou a lúbrica imaginação do
de côr, dizia elle; e fisava a scismar.
violeiro e occasionou a entrevista na
Um observador perspicaz, ao ouvir
baixada.
estas palavras, comprehénderiairnmedia-
Era seu dever tirar a limpo a verlade;
tamentô que na memoria de Manuel João
impunha lh'o o juramento que, havia
desenhava-se na suavidade do seu amo-
poucas horas, empenhara ^ u m pacto de
renado a pedir uma piixão selvagem,
solidariedade inquebrantável, s, tanto
indómita, a imagem de Mariquinhas.
como o juramento, o proprio conceito que
Parava como em extasis, deixanlo ade-
levedava-lhe a paixão no mais azedo
vinhar que no seu espirito coava-se o
ciúme.
olhar m a c i o da moça, filtrado atrávez de
A desconfiança, esse feio ouriço que se
uns cilios negros, seiosos; olhar de pouco
nos revolve interiormente, espetando-nos
brilho, despretencioso, animador — uma
nas suas myriadas de espinhos a alegria,
gotta de oleo contendo um raio de luz, a
a boa fé, a bsnevdencia e a tranquili-
derramar-se eminundação diaphana sebre
dade, sangrava-o no mais intimo, no mais
um rosto oval, de linhas harmon;ces,
sagrado do seu affecto.
transparecendo singeleza e sinceridade.
Na conspiração horripilante, mas sem
éco, celere nos movimentos devastadofèp, Mariquinhas era realmente bella; ar-
mas" silenciosos, o hediondo monstro mo- queavam se lhe sob as narinas finas os
ral, com as secreções purulentas como o lábios semelhantes as azas do tigé no san-
vomito do phtisico, manchava qua&to o guineo colorido, e orlavam-lhe a testa pe<
amor podia phantasiar mais estreme, e a quena bastos cabellos negros, descendo em
dedicação requintar mais esplendido. ondas lustrosas a envolver-lhe dois terços
Onde estava um brocado superpunha da estatura mediana. Seu collo igualava
um andrajo; onde clareava um phanal a curva de um arco toam talhado, da que
urdia uma emboscada, onde brilhava um partissem a pequena distancia as extre-
raio de luar estendia um bulcão ; e, em midades ponteagudas de duas settas.
vendo vicejar uma flôr, lembrava cavilo- Quanálo nas. horas de trabalho ella
32 MOTTA COQUEIRO
Carolina! perguntou ternamente ã dissi- pé, de um salto, como se uma occulta força
mulada crioula. o houvesse repeliido.
— Estou doente hoje, respondeu sec- — Não estou zangado, não; exclamou
camente o feitor. contrariado, mas hoje quero estar sozinho
— Se é quebranto, eu sei rezar. Eu As lagrimas seccaram-se nos olhos do
curo-o hoje e de hoje em diante vosmecê Carolina ; e a dignidade da amante er-
traga no pescoço uma figuinha para livrar gueu-se de pé e solemne diante do feitor.
de máu olhado. —- Escute bem, seu Manuel João; eu não
— A doença que eu tenho você não lhe estimo nem por medo nem por ganân-
cura, sorria tristemente o feitor ; é mo- cia. Quero-lhe bem, está ahi tudo. Desde
léstia para outro doutor. que lhe estimei, ninguém se pode gabar de
— Então já não está aqui quem fallou. ter visto õs dentes d'esta negra. Não pense,
Calaram-se ambos; Carolina poz se a não, que eu deixando vosmecê voa andar
beber pela chicara de Manuel João, em por ahi. Pode perguntar ao Jaca Bene-
quanto este pecava sobre a mesa o fumo dicto como é que eu lhe respondo, e não
e ajustava uma palha de milho pai a fazer hei de mu lar, não, ainda que o senhor
o cigarro. passe a feitoria para o pai d'elle.
Emquanto bebia, a creoula fitava de — O que ? o que é que você acabou de
soslaio o seu amante, e o seu collo, negro foliar ?
como as penas do anum, arfava larga e — Digo que nã<> hei de mudar,ainda que
tumidamente. Rompeu por flm o silencio: seu Chico Benedicto fique sendo feitor.
— Sabe do que estou me lembra IGO, — Vccê está mentindo; o amo ainda não
seu Manuel ? se mostrou zangado commigo : não pode
— Sim... despedir--ne assim, sem mais nem menos.
— Da primeira vez que vosmecê fallou — Todo o mundo já sabe que o senhor
commigo no aceiro, quando eu passava vai chamar seu Chico; pergunte, para vêr
com o barril d*agua para a gente. se é mentira.
— E por que lembrou você isso? Dando este golpe certeiro no amante in-
— Vosmecê estava debaixo das bana- fiel, a creoula sahiu victoriosa, apezar das
neiras, tirando fogo do isqueiro; cha- rogativas de Manuel João.
mou me e deu-me de presente um lenço — Anda, dizia ella, lá fdra; vê quem
branco. Quando isto foi, ainda não era vale ma^s, se são as brancas ou as negras.
nascido o caçula de senhor ; e d'ahi para — Feitor! feitor! elle, o pai! excla-
cá vosmecê tratou-me sempre bem; mava de vez em quando Manuel João; não
ficava alegre quanio me via... ha duvida, uma das filhas ê o pago de
A creoula enxugou duas lagrimas que tanta amizade.
lhe desligavam pelas faces, e Manuel Chegando á sua senzala a creoula con-
João, prendendo-a com o braço pela cinta, servou-se algum tempo sentada na grossa
exclamou: esteira do seu leito miserável, sugando de
— Da que é que você está chorando, seu cachimbo negro densas fumaças opa-
Carolina ? ladas.
— Pois não é assim; eu não lhe sujei Um caco de barro vidrado, em cujo fundo
as suas barbas e vosmecê já não faz caso aspesaava-se uma camada de escuro azeite
de mim. de mamona, d'entre a qual partia, para A
Manuel João tinha-se inclinado para Ca- borda do caco, uma torcida de algodão
rolina e os seus lábios quasi roçavam os embebida do oleo e accesa na extremi-
grossos lábios da amante,quando se poz de dade, dava luz ao cubículo.
OU A PENA DE MORTE
35-
Por únicos ornatos via-se ahi uma velha Depois de deedobral-os entre as mãos e
caixa de madeira, uma corda estendida tornal-os a dobrar, a preta veiu coilocar se
n ^ m dos cantos do quarto, na qual diante do quadro da Virgem; e as lagri-
penduravam-se as saias brancas engom- mas até então contiias rolaram lhe em
madas e o vestido de cassa domingueiro. fios para logo estancarem-se.
Pouco aciaia da cabeceira do leito, pen- No rosto de Carolina a expressão pun-
dia da parade um quadro envernizado, gente foi então substituida pela da mais
em cujo fundo o ar-tista desenhou uma sombria raiva. As roupas foram feitas
bella mulher, de semblante sem tristeza, em tiras, calcadas e cuspidas, e a negra
mas tambem-sem sorrisos, na^alma ioef- amante do feitor, depois de assoprar o
fa*el da pureza. Rosto encantador, cuja candieiro, sahiu apressadamente do seu
testa debruavam crespos cabelios ne- domicilio ssm conforto.
gros que lhe desciam até os hombrcs ; o Cosida com a parede das senzalas se-
corpo de perfeição irreprehensivel, ves- guiu até a quinta janellin?»» e, pondo o
tia-o uma túnica amarrotada em pregas queixo sobre o peitoril, chamou com voz
caprichosas, e sotoposta a um manto azul abafada :
salpicado de estrellas. Os pés pequenos — Oh! tia Balbina, oh! tia Balbina;
pousavam sobre uma grande nuvem da faz favor de abrir *
alvura das camélias e amparada por hom- Lá dentro soaram uns estalidos de pa-
bros e cabeças de anjinhos alados. Todo o lhas seccas comprimidas ; .a janellinha
conjuncto emmoldurava-se n'uma ellipse abriu se.
de nuvens brancas, aífastadss por um — Queé que você quer com tia Balbina,
ciarão. quando o gallo não tarda a cantar ?
A religião tinha santificado este quadro, — E' porjnuita precisão, tia Balbina;
consentindo que se escrevesse sob elle: deixe-me entrar.
Nossa Senhora da Conceição. E Carolina, apoiando-se no peitoril da
D ante d^ssa mulher immaculada, Caro- janellinha, pulou por ella para dentro da
lina como que não se atrevia a dar som senzala.
aos seus pensamentos sombrios: eva-
— Que é quê foi; deixa accender o can-
porava-os silente nas baforaias de fumo.
A semelhança dos pantanos que dissi- dieiro. _ . • '
mulam a existencia da lama de suas A luz encheu o quarto, e deixou ver a
bacias, mostrando a superfície azulaia interlocutora de Carolina.
coberta de grandes ilhas íluctuantes, vi- Era uma preta, alta, corpulenta, de
rentes e tocadas de flores; a desditosa olhos máus, injectados de sangue, nariz
recalcava no coração os odios vingadores, grosso e beiços tumidi s.
emquanto que nos olhos merejavam lhe Atava-lhe a cabeça um lenço de chita
as lagrimas, essas tristonhas flôres em vermelha com frisos brancos, e vestia a
que desabrocha ò seffrimento das almas até a cintura uma camisa branca de al-
deliiadss. godão trançado, e d^hi até os tornozellos
De súbito, porém, arrancou d'entre salientes uma saia da mesma fazenda.
dentes o cachimbo, pousou o no chão Era cabinia e chamava-se Balbina.
junto da cama, levanteu sa e abriu a Havia, pouco tempo que se achava no
velha caixa que lhe estava em frente. sitio entre os escravcs de Motta Coqueiro,
De dentro de urá grande escaninho tirou entretanto a sua auctoridade sobrè elles
algumas peças de roupa. Eram umas tou- era maior do que a de seu senhor.
cas de lã, umas camisinhas para recem- Ouviam-a como a um or&caló e as suas
nascidos e alguns pannos de algodãosinho. ordens eram attendidas como se fossem
decretos.
36 MOTTA COQUEIRO
-na rollos de enxofre, uns maços de ca- como seu pai, com seus cabellos cachea-
bellos lanosos, um pequeno boneco de- dos e p»lle de capixaba.
forme de feiçòes gateadas e toscas, e uns Carolina pôz se a soluçar.
— A mãi chora porque tem bom cora-
ossos amarellados. ção, mas tem também máu senhor. Se é
De dentro da cesta tirou um embrulho
pelo feitor não tem que sentir. O Chico,
de arruda secca e um chocalho feito do
pai da que tirou o socego de Carolina, en-
e s p h e r c i i e de um cuité, tendo por cabo
trou na casa dos braaços em tempo de
uma lua nova. A semente que se planta n'esta
haste de taquara.
de ter queimado um galho lua, morre, a madeira que se corta, r&cha
e apodrece. A lua apparece um bocadinho
de arruda, e vendado ccm um lenço os
e entra logo, e tudo-fica escuro.
olhos de Carolina, a preta acocorou-se e
A camaradagem de Chico com a casa
poz-se a tanger o chocalho perto da ore-
grande dura pouco; veiu na lua nova.
lha, dizendo: ^ ,
— O chocalho falia que Caralma ha de As filhas do aggregado gcstam de gente
dar tres patê c as p % r a elle e uma vela para de que o macôta tem queixa, e quando
Nossa Senhora das Djres, cutra para elle souber, briga com o aggregado.
S. Benedicto e outra para S Miguel. — Já sabe, já, tia Balbina, exclamou
— Faço, sim senhori, tia Balbina. Carolina, que tinha ouvido a conversa do
A feiticeira tangeu de novo o chocalho. moleque com o feitor.
— O chocalho esta dizendo que o filho — Melhor para Carolina e para nós todos.
de Carolina tem de s ffrer captiveiro do O mau senhor disse a Fidélis que Manuel
máu senhor. Brancos podem surrar, João não puchava pela gente, e que o
podem vender o filho da sua e s c r a v a , melhor era dar a feitoria ao Chico, d J
e a escrava ha de chore r e tomar ogirisa quem a gente resmunga. Mas a gente nãa
dos brancos. Antes o filho não nasça, se terá tal' f-itor, porque tiles já estão rus-
ha de passar tantos trabalhos; antes vá gando. Fidélis ha de chamar seu senhor
para os anjos no taboleiro com rosas e gira- para mostrar o que o aggregado faz na
rdes. A cobra zangada ou morde a quem roça dos brancos, e o Chico não &erá mais
a zanga, ou morde o seu corpo cfella. A feitor, porque elle e soberbo.
mãi que tem de ficar sem o filho, que ê Balbina viveu na c sa grande de sen pri-
seu sangue, é como a cobra zangada. meiro senhor, e sabe como são os brancos.
— Sim, sim, tia Balbina. O moleque Carlos vai contar aosenhor que
— Escuta ainda, criança, continuou a vem toda a noite gente de fóra pousar na
africana, tangendo sempre o chccalho; casa do Chico, a mucama diz á senhora o
—a coral briga com o lagarto ; a cobra que fazem as filhas, e tudo e&tá acabado
faz rodilha e sacode a lingua de fogo ; o entre o aggregado e o máu senhor.
lagaito pára,estica a cabeça chatae es- Carolina vai primeiro do que os dois»
pera. A cobra dá o bote, o lagarto faz roda juato de seu senhor, dizer que tem um
e chicoteia, e quan io é mordido sabe no fiího do feitor, e Manu l João perde a
matto a herva contra adentada, que mata. feitoria e a filha de Chico volta logo as
Zambi, que está lá em cima, foi quem lhe costas para elle. Carolina conta tombem a
en iaou O remedio. Carolina foi mordida Manuel João que o Chico anda pedindo a
no co<ação, Zambi lhe ensina o remedio. feitoria-, ha briga entre os dojs e Ma-
De manhã, em jejum, o caldo do limão nuel João não volta mais a casa do pai da
corta, a cinza do burralho come. moça de que elle gosta. B atina faz omto-
— Sim, sim, tia Balbina. - Está direito, tia Bal binâ; eu faço tudo.
— Mas é pàlo máu senhor, que morre o Houve uma pausa, a feiticeira levantou-
filho de Carolina, que devia ser bonito
38 MOTTA COQUEIRO
sendo substtuida pelo das trivialidade Í À astuta africana prevenia assim quaes»
domesticas, e algumas medidas urgentes* quer suspeitas, que porventura podessem
no entender da senhora. gerar-se no pen amento do feitor,que todo
Uma delias sustentada com mais calor absorvido nos seus projectos de sorpre-
e af rro era a de apressar-se o corte hender os imaginados amores de Coquei-
da madeira. A razão occulta do enthu- ro e uma das filhas de Francisco Bene-
siasmo da senhora na sustentação d'esta dicto, talvez a Mariquinhas, nem siquer
urgência era a sua antipathia pela red- reparára, que a zelosa Carolina já não o
i dencia no sitio, obrigatoria agora peles visitava mais*
interesses píecuniarios da casa, muito res- Durante todosressesdias Manuel João
peitados pela senhora. não se tinha encontrado coxn os seus
— Descance, aíiirmou-lhe Motta Cquei- companheiros e nem podia atinar com a
ro, dentro em quinze dias hei de começar empreza a que tinha ido o violeiro.
a carreiar a madeira, e com certeza den- Também a sua preoccupação espacial
tro em um mez poderemos mudar-nos era vigiar estreitamente os passos do amo
para a ciia ie. e os das filhas de Francisco Benedicto.
— Deus 0 permitta; não pôde haver
Coimo o jacaré, no tempo do choco, vai
logar mais triste no mundo do que este
collocar-se a alguma distancia, e de lá,
sitio; parece um logar amaldiçoado. Por
olhos attentamente fixos, ouvidos solici-
minha vontade, Motta, você desfazia-se
tamente prestados, todos os sentidos, em-
d'estas terras,
fioa, aguçadamente applicadcs, vigia o
— E o resultado era não encontrar fa- ninho dá onde ha de nascer-lhe a prole,
cilmente outras com tão boas madeiras. e ao menor estremecimento, ao menor
— E* o que não falta por ahi. ruido acode prompto como um raio, feroz
Sempre que a conversa sobre tal as- como uma pantherá, decidido a atacar, e
sumpto chegava a este ponto, os esposos a morrer ou a matar; Manuel João, entre-
por uma inspiração do bom-senso passa- gue á conflagração dos zelos" e á guarda
vam a occuparse de outras matérias, da sua amante, seguia os menores e mais
quando não a interrompiam de todo. insignificantes movimentos do seu amo e
Na noite em que nos achamos a oonver- resolvido a punil-o desapiedadamente.
sação teve o seu ponto final no da ultima
phrase da senhora, e a familia, levantan- A's vezes, pelas estreitas picadas da
do-se da mesa, cada um de per si, foi matta virgem passava tranquillamente o
para os seus aposentos. fazenieiro, cortando com o facão de
D'ahi a pouoo o somno fez silenciar matto os galhos inclinados sobre o trilho.
toda a casa, excepto uma saleta onde o Dirigia-se áo logar onde os seus escravos
moleque Carlos, deitado da costas sobre e jornaleiros trabalhavam no falquejar
uma esteira, posto um dos braços sob a da madeira e na derrubada das arvores
cabeça, com a bocca escancarada roncava seculares.
forte e continuadamente. Os seus gestos machinaes, comnauns a
Cinco dins decorreram sem que ^ne- todo o h mem do sertão quando caminha,
nhum successo importante viesse artiou- provavam que elle estava bera longe de
lar-se aos que deixamos narrados. A fei- desconfiar de uma emboscada e prevenir-
ticeira e a creoula pareciam ter esquecido se contra ella.
o plano de oombate traçai o em palavras Entretanto, diversas vezes 6 beira da
cabalísticas. No eito e á noite ao voltar á estrada, ocoulto por d e t r a z dos trançado»
casa não se trocavam senão as saudações de cipós e d*s enrediças de unhas de gato,
usuaes, e isto mesmo friamente. alguém, esconiido, t#spreitav*-o, Era o
40 MOTTA COQUEIRO
mente á roça, e chamcu os seus compa- Perigrino, o parceira que fez a pergun-
nheiros para ã refeição. ta acompanhou com os olhos a interroga-
Era um caracter nobre o do preto Do- ç ã e exclamou em seguimento a esta :
mingos. A resignação tornava-lhe sym- .— Uhê, o que ê que tia Balbina tem,
pathico o rosto chato e feio. Amadurece- gente?
ram-lhe os ânuos e atê certo ponto a Todos olharam para a feiticeira. Bal-
própria severidade do seu senhor o ias- bina, pousado o queixo na mão e apoiado
tincto da obeiiencia. Tinha a fidelidade o cotovello no joelho, olhava distrahida
do cão, e a passividade da besta de sella. para o céu. A sua ração estava intacta
I n v e s t i a contra os que atacavam a casa diante de si.
grande e os brancos, e resfolegava e re- Sabiam todos que semelhante pcsição
cuava diante do abysmo de perversidade correspondia sempre ás grandes dôres ou
dos seus parceiros, que muitas vezes ti- preoccupações da cabinda, e por isso per-
nha-se-lhe aberto diante, attrahindo ocom guntaram em côro :
suggestões iniquas. — O que ê que tem, tia Balbina ?
Depois de tirado o eito, os escravos com — Não é nada, creanças. Estou imagi-
as enxadas ao hombro dirigiram se para nando na minha vida.
o aceiro, onde sentaram-se, depôndo os — Qual; vosmecê tem alguma cousa.
instrumentos de trabalho. — Para não fallar mentira, estava ima-
Domingos distribuiu por elles as di- ginando outra cousa. Carolina está muito
versas cuias, onde uns pequenos quinhões doente...
de carne secca assada sob esahiam da al- — E' verdade, parece cousa posta;
vura do pirão de farinha de mandioca. que moléstia tão ruim 1 disse Fidélis.
Feito isto, o preto, honesto e discreto, — E' verdade, respondeu o côro.
affastou se do grupo e foi sentar se dis- — Carolina está para morrer porque
tante sobre um largo tõco á sombra de está com um filho de Manuel João, que
uma laranjeira. anda agora ás voltas com a filha do aggre-
O acaso fez com que no centro do gado. A creoula tem sangue de cobra,
grupo ficasse a tia Balbina, que modifi- ficou tinindo quando soube. Depois lem-
cara os trages em que vimol-a na , sua brou que o filho ha de ser escravo ; nasce
senzala apenas em trazer hoje uma saia para o chicote e para o eito. Náo quer
* de zuarte. mais que o filho abra os olhos, coitada!
Acompanhando com os olhos o preto Ella pó 'e ir se embora também, se Bal-
que se retirava, a feiticeira, provocou a bina não fôr salvar a creoula de sen
hilaridade dos parceiros, dizendo. senhor. .
— Bem faz Domingos, foge dos maus — Antes morra, se ha deficarboa para
escravos para não perder a carta de for- soffrer.
raria.
— Que tem que ella seffra ? Nós vamos
— O nome d^lle está sempre na bocca scffYer, e ella é nossa parceira. 0 aggre-
da senhora; exclamou Fidélis, chas- gado vai ser feitor; senhor disse, Fidélis
queando.
ouviu. Homem máu, seu Chico, homem
Todos começaram a comer com o sadio máu aquelle 1 Enche a bocca de negro
appetite de homens de trabalho. Alguns captivo; hoje elle não ê ai ma feitor, mas
juncavam á refeição da casa as iguarias diz:—vou fallar com o meu compadre para
que prepararam de vespera, e as offere- maadar metter o chicote no negro. A fei-
ciam fraternalmente aos outros. toria vai para seu Chica, ou Manuel João
— Quer um p9daço cfeste gambá enso- fica maia bravo para n<5a. De hoje em
pado, tia Balbina ? diante nenhum me passa d'aqiu (a preta
42 • MOTTA COQUEIRO
assignalava com o dedo o pescoço) ; tão 03 remedios, como se fossem uma in.
bom como tão bom. Fidélis polia bem jecção caustica, longe de acalmarem-lhe,
livrar a gente; senhor falia com elle. Era exacerbávam-lhe as dores.
dizer: Manuel João não está mais na roça Era o cadaver da vingança galvanisado
uma hora inteira; Chico Benedicto farta por paiecimentos horríveis, ou melhor,
as roças de senhor. O macóta bufava, e a pela electricidade da dôr. Ora quedava
gente e>tava livre. inerte, quasi algida, com a respiração
— Isto é que é fallar certo, exclamou imperceptível, inundai a em suor viscoso;
Peregrino, um dos pretos do grupo. ora levantava-se sobre os punhes, com a
— E' verdade. cabeça pendente, o corpo descrevendo so-
— Eu sei lá; vocês depois dizem a bre o leito um angulo obtuso, e, arque-
senhor que Fidélis é que não gosta dos jante, prorompia em gemidos agudos,
dois. compungentes.
— Nós ? . . . Era o prenuncio do ataque assustador,
— Quem é que vai dizer ahi ? interveiu medonho, com as contorsõas da serpente,
tia Balbina; ceu está vendo nós; onde e as unhadas do jaguar; com o ganido
vai quem disser ? O gálio quando canta é dos cães leprosos, e o ranger de dentes
vida para o que faz bem e morte para o dos condemnados eternos.
que faz mal; tia Balbina entende o canto
Qual fosse a moléstia ninguém estava
do gallo. Onde vai Fidélis ? Vai salvar os
escravos do macóta; é bem para todes. hab litado a diagnosticar; inclinavam se
Onde vai quem fallar contra Fidélis ? Vai todos a uma idéa—o feitiço.
perder seus parceiros; é mal para todos. — Carolina amanheceu boa, diziam;
Balbina adavinha; o ceu vê; Zambi cas- alegre, como sempre aniou, febres não
tiga. eram, porque não teve os calafrios das
— E está muito direito. sezões, andaço na localidade; não tinha
— Pois, diabos me levem ! no primeiro nenhuma chaga; não era pleuriz porque
geito eu aprumo a cama para os dois. não se queixava de dôr no peito; logo era
Teve toda a razão a dissimulada Balbina feitiço.
quando considerou gravíssima a enfermi- Todos involuntariamente lembraram-se
dade de Carolina. da tia Balbina, sem todavia attribuir lhe
Attentando contra a vida do filho, con- maus intentos para com a creoula, que
forme o expediente aconselhado pela fei- nunca foi por ella maltratada; mas ao
ticeira, poz em risco a própria vida. contrario sempre quer .da.
Dir-se-hia a revoltada natureza indig- — Talvez a Balbina conheça, dizia a
nada contra a degeneração doa sentimen- dona da casa; o melhor é mandai a vir,
tos da mulher, que deu de mão aos não ê, Motta ?
sonhos maternaes, mundos roseos e bri- Depois de reluctar,não sd quanto ás ge-
lhantes, onie branqueiam azas de ar- raes manifettaçõ s sobre a moléstia, mas
chanjos atravez de irradiações de amor, ainda quanto á vinda da Balbina, Motta
A innocencia condamnada parecia pedir Coqueiro cedeu afinal, e a feiticeira tran-
á riôr as mais aguçadas púas para com cou-se sosinha no quarto com a doente.
ellas broqueiar asaelvajadamente o orga- Sentada á borda do leito, esperou tran-
nismo enfraquecido da creoula. quillamente a occasião opportuna para
Não havia abonançar-lhe o soffrimento: fallar-lhe.
o dia inteiro passou o ella debatendo se Ninguém que a visse ahi poderia sus-
em ancias dolorosas bem semelhantes ás
peitar que a feiticeira contemplava a sua
da agonia^derradeira.
obra sombria de vingança; estava serena,
OU A PENA DE MORTE 43
nada denunciava siquer um traço de re- nuel João, nunca penetrava no interior
morso. do casarão. Assentava-ae á porta ou ct n-
Quando lhe pareceu chegado o momento serva va S9 a cavallo emquanto entieti-
de fallar, começou: nha-se a narrar cousas banaes e ao pala-
— Garolina vai sahir d'aqui e vai con- dar dos ouvintes.
tar a sua senhora porque é que a creoula Um dia, porém, o feitor teve occasião de
está doente. Mas não diz que tomou re- recordar-se-do que lhe dissera Carolina no
medio da tia Balbina ; conta outra cousa.. dia em que cortaram as relações.
A creoula fez com a cabeça um signal — Compadre, disse Motta Coqueiro; eu
afíirmativo. vou começar amanhã o cerrei amento da
— Carolina está sofFrendo, mas o pai do madeira e precisava que você e seu filho
seu filho ha de soffrer também. Tia Bal- ajuiassem-me.
bina ha de vingar a creoula. — Eu S9i, compadre; mas, eu já estou
A feiticeira sahiu e revelou á senhora velho e o Juca para que diabo serve t
a moléstia de Carolina : era um aborto. — Então vocês não prestam nem para
Infelizmente este conhecimento nada amarrar uma balsa f Saiba, comadre, a
aproveitou á tranquillidade da familia; qualidade dos homens que tem.
mallograram-se to ias as esperanças de A familia riu-se muito e Motta Coqueiro
melhoras, e alta noite creram todos que continuou:
a doente não amanheceria. — E eu que tive tenções de chamar e^íe
Resolveu-se então que se Carolina não mpu amigo para feitor; estava bem arran-
morresse n'essa noite, logo pela manhã a jado !
senhora acompanhai hia para a cidade — Mas isto era outra coisa e se o com-
afim de serem prestados os soccorros mé- padre quizer....
dicos á creoula. —Yeremos;por agora quero somente que
Esta inopinada mudança do sitio seria vocês se occupem de embalsar a madeira.
entretanto definit va. Ocdrte da madeira A larga faca de Manuel João iuziu fora
estava quasi concluido e brevemente Motta da bainha; o despeito esbrazeiava-lhe as
Coqueiro podia deixar de resiiir ahi. A faculdades revoltas; não pensava, não
senhora, portanto, não precisava mais de discernia; o cerebro exhalava-lhe espessas
voltar para contrariar-se era residir em labaredas de odio e de cólera.
um logar, com o qual antipathisava. Surgindo d'entre uma espessa moita de
No dia seguinte effectuou-se a mudança, pèxiriqueiras, collocadaperto da parede do
e uma canôa, vigorosamente remada por casarão e quê lhe servia de escondrijo, o
braços robustos, voava em direcção a feitor seguiu pé ante pé, e teria realisado
Campos. os seus fins se não se desse uma circums-
A cisa grande cahiu na mais sombria tancia feliz.
tristeza; dir-se-hiá que a torturavam sau- tylotta Coqueiro que se conservara a
dades amargas ao recordar-se dos dias em cavello, em quanto conversava com o
que repercutia sonora as alegrias da com paire, so dizer-lhe as ultimas pala-
familia. vras, tinha se feito ao largo.
Alguém no emtanto contrastava com K> feitor, para atacai o, devia investir
esta tristeza; era Manuel João, que ap- de frente; mas era bastante cobarde para
plauiia se por ter agora occatião de não tentar semelhante commettimento.
vigiar de perto os passos do seu amo. Indignado contra si proprio e contra a
Ficando só, Motta Coqueiro passava as fatalidade que sempre defendia o seu
poucas hora3 de laz*r n a casa do com- rival imagiuario, o feitor tomou o cami-
padre, mas, com grande espanto de Ma- nho da venda do Vianna.
44 MOTTA COQUEIRO
Ao chegar, o vendeiro que desco- como o chumbo oxidado dos peses da sua
brira nas feições descompostas o tumul- balança enferrujada.
tuar dos sentimentos do amigo, pergun Tomando um copo e enchendo-o de
tou-lhe sobres alta do o que tinha havido vinho, Vianna caminhou para Manuel
no sitio. João, e pondo-lhe um braço sobre o hom-
— O diabo, um inferno, mil raios me bro, emquanto com o outro apresentava-
partam; maldicta a hora em que eu entrei lhe o copo, resmungou :
para semelhante casa 1 — Então com que você quer nos deitar
— Mas o que foi, horcem, desembuche! a perder, seu homem ; isto não é por
— Qíier saber, seu Vianna, eu estou força que vai, ê preciso geito. Vá lá o
aqui e estou na cadeia; não aturo desafo- codorio e depois vamos á falia.
ros ; por onde anda o diabo do Sebastião? — Beba vçcê primeiro, seu Vianna.
— Espera um pouco; oh ! com os dia — Não senhor; venha de lá.
bos, você parece maluco; o Sebastião não Manuel João bebeu, e a convite do ven-
ha de tardar por ahi; accoinmode-se... deiro sentou-se com elle no balcão.
O vendeiro, hypocrita como todo um — Então com que o cabrinha es-tá com
mosteiro e astuto como cincoenta rapozas, o diabo na pelle? quer pôr o mundo
percebeu logo que a situação do triumvi- abaixo ? interrogou Vianna, que tirava de
rato era perigosa. sobre o pavilhão da orelha um cigarro e
Desde o domingo em que péla ultima levava a elle o isqueiro.
vez esteve na casa de Francisco B<na- — Você eitá com caçuada, seu Vianna,
dicto, reflectindo com madureza, resolveu e eu hoje não estou para graça. Filie-
impeliir com todas as forças o violeiro e mos serio, o Sebastião vem aqui, ou não
o feitor e conservar-se em uma distancia, vem? si elle iião vem, eu vou á casa
que o prôsertvasse de ser tido como ctim- d'elle.
plice em algum acto reprovado dos dois. — E' verdade que o demo está tardan-
Sabia elle já a que fôra o violeiro quan- do, respondeu Viaona já impressionado;
do os deixou no casarão ; sabia mais qce o melhor ê irmos á casa do bicho. Espera,
Sebastião ia todos os dias ao sitio e ahi eu vou bu&car os remos.
encontrava-se com Chiquinha, ora no po;- — Vamos mesmo, porque eu sou capaz
to, ora na baixada. de fázer uma asneira.
Conhecendo de perto o caracter de Motta Passados alguns minutos, Vianna fe-
Coqueiro nas suas asperezas e nas suas chava a porta da vendola e os dois com os
delicadezas, evitava o seu d*sagrado; era remos ao hombro caminhavam em direc-
a isto levado por uma questão moral mas ção ao porto.
principalmente por nma questão econo-
Era a hora serena do crepusculo, hora
mica.
em que as sombras invadem o céu e as
Supina imprudência seria irrital-o e in- consaiencias, em que surgem as estrellas
dispol-o contra si, qaando por outro lado
e os salteadores dos seus escontirijos; em
o Chico Benedicto nada valia, nem apre-
que o Armamento começa a inundar se de
sentava d ificuldades serias.
luar, e os viajantes a mergulharem-se no
O vendeiro pensando em Antonica via
temor das emboscadas; em que a poe-ia
simplesmente um breve afastamento ; as
desdobra-se em chimeras e o crime es-
circuinstancias aplainariam as difficulda-
praia-se em torpezas.
des, e o borradore as prateleiras da ven-
dola dariam a ultima de mão ao probl *ma. Manuel João entrara pela pequena
canôa que estava no porto, e Vianna
As palavras de Manuel João impressio-
já a havia desamarrado de uma estaca,
naram entretanto a alma do calculista, fria
quando ouviram o prolongado oh! com
QU A PENA DE MORTE
45
Quando Manuel João destanciou-se, o — Mais respeito, sêu vadio, nós não
vendeiro disse para o violeiro : somos da mesma igualha.
— Aquelle demónio é bem capaz de — Já estou na moita, meu branco, disse
perder-nos. o moleque e já se f*zia de volta, quando
o feitor agarrando o por um braço inque-
— Não pense n'isio, respondeu Sebas-
riu-lhe sobre novidades.
tião, squillo ê um covarde. — Tudo velho, respondeu Carlos, hoje
IV é que eu hei de v?r cousa nova.
1
— Boa ou ruim? _
A EXECUÇÃO DE UM PLANO —• Eu quero ver para acreditar; tia
Ao voltar ao sitio o feitor foi recebido B ilbina diz que viu lá na baixada,quando
por uma repreh«nsão aspera de Motta foi procurar uma herva para Caroliaa....
Coqueiro. Pelas palavras de Sebastião, ditas em
E1 que sahindo precipitadamente, es- segredo, e a ultima resposta do Vianna, o
quecera de que dispunha de heras de feitor suspeitou qual seria a visão da Bal-
trabalho, consagradas a uma séria obri- bina, e como não lhe conviesse que o se-
gação—fazer a revista. gredo fosse aos ouvidos do amo, tratou
A' noitinha os pretos vindos da ro?a de- de dissuadir o moleque.
puzeram na cczinha os feixes de lenha, — Balbina é uma tonta, disse elle, pode
e encostando os machados e as enxadas ser pêta e você perde o tempo.
da parte de fora, postaram-se em linha — Qual pêta, seu Manuel, ella diz que
no terreiro. viu uma das fiihas de seu Chico entrar.
Depois de «sperar por largo tempo, — E' que ella estava pssseiando.
a conselho de Fidélis, levantaram a sau- — De noite? sósinha? Ai! que seu Ma-
dação usual: —-louvado seja Nosso Senhor nuel João é o meço, s t i n e i ! . . .
Jesus Cbristo. — Máu, máu I faça ponto na graça, e
Só então Motta Coqueiro sppareceu na já lhe digo que estas cousas não são da
janella, e admirando-se de não vêr Manuel sua conta.
Joã!, responderam lhe que ainda não — Mas foi vosmecê quem me mandou
tinha chegado em casa. que espiasse...
— Elle não esteve assistindo ao ser- — Mas é então o senhor ? interrompeu
viço ? perguntou Coqueiro. o feitor sobre altado.
—• Já ha muito, respondeu Fidélis, que — Qual senhor, nem meio senhor; pobre
quando o senhor vem embora, s?u Ma- do velho.
nuel João acompanha o senhor. — Está bom, Carlos, você está se adian-
— Está bom; podem ir. tando de mais; fica o dito pór não dito.
A delação era grave e a censura foi-lhe Carlos nata respon 'eu, mas ao sahir
proporcional, mas nem assim altarou o passou a mão pela cara e depois agitou-a
bom humor em que ficou o feitor depois brandamente no ar, voltando-lhe a palma
da consulta ao astucioso violeiro. para a casa do feitor.
Sentado á soleira da porta, cousa que E' o signa! de que se servem os roc?i •
não fazia havia tempo, Manuel João poz- ros para dizer que vão tirar desforço da
se a tocar viola, cantarolando quadras offdnsa que lhe foi feita.
amorosas, até que veiu interrompel-o o Simples mimica da vingaoça, ella é
moleque Carlo?, que lhe trazia a ceia. muitas vezes o omeço de uma compli-
— Olé, exclamou o moleque, seu Ma- cada trança de ardis, cada qual o mais
nuel João está adevinhando passarinho t univel, até chegar muitas vezes a um
verdet desenlace fatal.
OU Â PENA DE MORTE 47
remltado seria uma profusão de agradeci- rido, fios q ie nos guiariam ao crime, a
mentos. outros que nos levam até a abnegação.
Mas nem por isso a posição do feitor era E' que se imagina que o hálito extra-
menos embaraçosa. O que havia de f zerf is do vem impregnado dos anceios do co-
accordar a familia ? prender a janella ração amado,das imagens que lhe povoam
por fóra ? o cerebro, que desejamos se estreite para
A noticia, dada a Francesco Benedicto, tudo mais que não seja o pensamento do
seria motivo para uma explosão tremenda nosso amor; e esse imaginar sébreexci-,
contra as filhas; subir ao peitoril para ta-nos o egoísmo, que conta com o periao
d'ahi puchar a porta da janella e pren- e atreve se por elle, ao mesmo tempo que
del-a, era demasiado arriscado. a consciência levanta-se tentando ccmba-
Se passasse alguém e encontrass í-o em tel-o e vencel o.
tal posição,não attribuiria por certo a uma A pouco e pouco o feitor foi movendo-
idéa nobre o que visse, e a diffamaçâo se, a principio tomou a posição de quem
corresponderia á expulsão do sitio. escuta, mas logo desejou mais do que
ouvir. Collccou a cabeça sobre o peitoril
O feitor recuou involuntariamente, mas e poz-se a olhar.
como se obedecesse a uma força magica de
attração veiu novamente collocar-sejunto A tibia claridade da noite deixava
á janella. apenas perceber a alvura dos lençóes
alheridos ás curvas formadas pelos ccrpos
Ahi conservou se a principio em uma
das adormecidas, mas a phantasia, esse
immobilidade de montanha, contendo a
clarão indiscreto que inunda os mais re-
re piração, para depois exhala-a n'uma
onda. Era a estatua da voluptuosijiade cônditos arcanos, esta divisou talvez mais,
profanando com o seu htilito o sanctuario muito mais.
do pudor. Gradativamente erguendo-se, o feitor
O cicio do resfolegar das moças, que chegou a collocar até meio corpo dentro
dormiam no quarto,derramava se no am da janella, e a flrmar-se nos pulsos, para
biente n"uma cadencia magica, e, se pode realisar o salto dentro do quarto, mas o
dizer — ad&esiva. estallar das articulações obrigou-o a des-
A mão avelludada e macia que se es- cer sobresaltado, e a recuar de novo.
mera n'uma caricia,o olhar meigo que se Arrastou-o, porém, a vertigem do
enlanguece a'ama supplica, ou se aban- crime, e resoluto voltou ao logar de onde
dona n'um consentimento, o lábio que se sahira.
entrega morno de amor, são fontes de Apoiando-se então afoitamente sobre os
delírios indisiveis, de sonhos inenarrá- punhos e erguendo se vagarosamente,
veis. O re pirar da mulher amada, ou- sentou se no peitoril. Então levantou gei-
vido-peio amante, falia primeiro á imagi- to*amente as pernas para passal-as pela
nação, penetra-o suavemente de uma janella. Mas a extrema cautela não poude
sensação que tem alguma cousa de an prevenir um desastre; as pernas bateram
gelica e ao mesmo tempo de infernal na porta da janella e esta foi, guin-
Como um condensador elactrico attrahe chando, esbarrar na parede. O miserável
e repelle; é ao mesmo tempo um incen- escal&dor conteve-se em meio do salto e
tivo á affoiteza e um anteparo á reso- atirou se para fóra precipitadamente.
lução. Faz pensar ao mesmo tempo na Uma palavra, um grito podia perdel-o
profanação e no cavalheirismo, e envolve aos olhos de Motta Coqueiro e este,se sabia
o espirito em uma rede incommoda onde relevar com braniura, sabia também .
se misturam, matizados pelo mesmo colo*
punir com severidade,
OU A PENA DE MORTE
49
Levaatando-se de prompt-?, o. feitor dei- — Está bom, tia Balbina ; veja se vai
tou a correr como se fôra' perseguido.. dormir.
Entretanto Èó o perseguia a consciência /,
da infâmia que tentou levar a effsfto.. No timbre d a voz de Manuel Joio tra-
Meio acordadas pelo barulho?-as moças hia-se uma profunda angustia; era um
ansn*s revolveram-se nos leitos, voltà- soluço do remorso articulado no tom da
ram-ee e continuaram a" dormir. bonhamia.
Na carreira que levava,-o feitor cosi eisu Balbina, porém, não ; apiedou-se do
sem trop€ÇJ 0 casarão e a casa grande, sofMmento que percebeu e replicou-lhe .
mas. ao *ahir do vão entre e?.ta e a ca;,a pela ferocidade de uma ironia cruel: >
eáTque residia:, foi' obrigado a deter' se. — Vosmecê pôde dormir, porque nada.
tem com a creoula, nem com o filho
A laz que sabia de uma das senzalas
d'ella; Balbina, não; elía estima Carolina
cuja porta estava abè.ita, deixava ver
corso se fosse sua mãi,
um vultò de mulher. Manuel João calou-se e seguiu para a -
O'cansaço embargou por algum tempo sua morada. Quando a luz do candieiro
a voz do corredor ; demais, filiar era deixou verem se-lhe as feijões, havia
no mesmo inst&nte dar logar a uma n'ellas o cunho da extenuação e do scffri-
suspeita contra si, caro alguém da fami- ; mento.
lta ãe Chico Beiedicto houvesse accor- Os &UCC&FSGS da noite enohiam-« de um
dado ao barulho que fizera ua escalada, pânico supersticioso; vigiava-se como se
Por outro lado a auctori-la-le qua exer- julgasse seguido e não ousava apagar o
cia no sitio obrigava-o a fallar, sob pena candieiro.
de'ver psrdida a soa força moral. N'om continuo vai vem, o desgraçado
Depois de descançar um pouco, Manuel
ora apertava a cabeça entre as mãos, ora
João caminhou áin ia arquejante até á
segurava a larga faca polida, que lhe
porta da sanzala, e dissimulando o es-
pendia da cintura, e brandia-a.
panto coro um a admiração, fi agida® ente
Adevinhava-se que aquelle espirito nu-
benavola, perguntou :
tava entre o suicídio e o remorso.
— O que é que você faz ahi, tia Bal-
N'um accesso de fúria o feitor, com os
bina ?
olhos injectados de sangue, os lábios e as
— A negra perdeu o somno4"veiu sentar mãos tremulas, segurou, entretanto, re-
na soleira, da porta, para ver o céu de solutamente da faca, que parecia fas-
Deus. cinal-o. :
— M;*s porque é que você perdeu o Olhou para o tecto e em seguida le-
sornso ? não trábslhou hoje, não é ? vantou o braço tendo a ponta da faca vol-
amankã ha de sor dobrada a doze. tada contra o peito; mas o instrumento
~r A negra veiu cansada, sim, e foi assassino cahiu lhe da mãe* e o desgraçado
para a sua cama dormir. Mas o canta da cahiu sobre um mocho, collocado junto á
coruja ve-.u com teu agoi o tirar o somno mesa e escondeu a cabeça entre os braços.
de Balbina. A lembrança de Carolina, Entre o silencio gemeram os pios agou-
que foi que si morta parar nas mãos do reiros da coruja.
doutor, veiu apertar o coração 4a negra. Sobre tamanha angustia a noite passou
A pobre da creoula devia ter um filho deacuidosa, como a criança que brinca
bonito, e o filho vai morrer também. junto da um leito de moribundo. E' que
Balbina, que sabe, tem pena de mãi e de a natureza é surda e céga para a peque-
filho, e a negra chorou o não poude nhez humana: carregada de sombras ou
dormir. inundada de luz, a vida do soberano des
4
50 MOTTA COQUEIRO
seres creados não desvia uma linha a si immenafts zorra», que sulcavam o
prescripta ordem dacreaçao. campo aopeso de enormes toras fálque-
Para recompensai-nos ou punir nos jídas.
nos rei,ta a serenidade do bem ou as tor- Na casa de Francisco Benedicto o dia
turas do mal que praticamos. correu através de com dentários acerca
O céu ou o iufdrno edificamol os nós da janella aberta.
mesmos diariamente a jorros de honesto À maioria opinava por uma explicação
heroísmo ou agolpes de infame covardia: muito natural ao3 espirites educados na
para o primeiro a consciência, tranquilla. mais grosseira super-t^ão.
nebulosa, cria as constellações da paz e — Isto, diâa a velha, ha de ser aviso
da virtude ; para o secundo e^pessa-nos a de algum conhecido que ,morreu ôu não
memoria as trevas relam^eautes do re- tarda m u í t a morrer.
morso. Cniquinha , porém, conservou-se im-
Ao romper do dia ninguém poderia pressiona la desie o amanhecer, e sento
dizer quão amargurosas tinham sido as naturalmente risonha, não tivera uma
horas d* noite para o coatradictorio ca- «xpáDsão durante o dia.
racter do feitor. — E' muito medrosa esta Chiquinha,
Desperta io ÍO torpor, que o avassallara, diz am-lhe as irmãs, ficou com medo-do
pelo barulho dos escravos, Manuel João tútú.
acomp*nhou-o8 até o terreiro com appa Nem o gracejo, nem os carinhos das
rente bom humor, levando o seu recalcar irmãs conseguiram dissipar a tristeza da
de soffrimentos ao ponto de sorrir benevo- moça que, no isolamento, chegava até as
lamente á repetição da ceauira, que na lagrimas.
vespera lhe havia sido feita pelo amo.
N'uma das occasiões em qu* achava-se
Este ordenou-lhe que no mesmo instante
dé-se providencias p*ra começar o car- só, Chiquinha depois de absorver-sa em
reto das madeiras, afioode serem embal- prolongada meditação, ao enchugar as
sa as por Francisco Benedicto, seu filho lagrimas que lhe borbulha vão, exclamou
e outros empregados que mais tarde çon resolut&mante:
tract »ria. — Não quero mais enganar os meus;
Ao concluir a ordem, Motta Coqueiro, vou acabar com iato.
misturando a asperesa á longanimidade, No dia seguinte 'evia começar a execu-
disse para o feitor: tar sa o contracto feito entre Motta Co-
— M*s veja bem, Sr. Manuel João, é queiro e seu cornp dre, para o embasa-
preciso não perder tempo ; não f«ça ct mo mento da madeira, e o fazendeiro foi
h^ntem. portanto lembral-o ao apgregado.
— Um dia não são dias, respondeu-lhe — Amanhã não me falte, está ouvindo,
Manuel João, e meu amo o verá. compa ire ? eu tenho pressa do trabalho.
D sde esta hora a gente do sitio poz te — O compadre está desejoso de matar
em activida ie e quanio o sol a pino ele- saudades, mas olhe que não ha tanto
vava intensamente a temperatura do tempo assim que ficou s' m a comadre.
ambiente, os bois já não eram vistos, — E' isto, mas também outras razões,
ruminando tranquilJamente á son br* d&s e eu quando fôr agora paru Campos não
arvores annosas; to contrario, c m os t< rno cá tão cedo.
museulis distendidos, as grandes e r u a s A familia de Francisco Benedicto, que
lioguas pendentes, av grossas ventas des- assistia á conversa, intei veiu então para
mesuradamente abertas, caminhavtsm a mostrar-se penaliza ia com a nova. An-
passo lento e regulado, arrastando após tonica levou, porém, a demonstração de
OU Â PENA DE MORTE 51
pezar a tsl exagero, que não ptssou des- i na porta do corredor ; e disse com voz
apercebido a Motta Coqueiro. suavemente modulada:
Conhece ser dos seus aggregados e do — Iziâbei M buscar uma caaoisa para
commum dos roceiros nas mesmas con- servir de molde á q*m ella quer que eu
dições, Motta Coqueiro, reatando a con- faça.
v e r s a , ' d i r i g i u - a de mo 3o que puzêsse bem Motta Coqueiro, que estremecera ao
patente as suas intenções. ouvir âs paUvras de Antonica, voltcu-se
— Este trabalho que faz-me grande entretanto,disfarçando ã coeimoção, e ex-
conta, disse elle, e também um adjutorio clamou com intimidade:
que o 'compadre tem para fazer a sua casa. — Ah! você faz camisas para vender;
Eu vou-me embora, e o compadre bem eu hei ãê lhe mandar panno para você
s&be o que são negros; em eu voltando as fazer-me também «soa de peito bordado.
cosias pintam a manta por aqui. — Ora, seu capitão tem muito quesa
— Lembra muito bem, compadre, eu faça, não precisa de uma matuta feia.
tenho da ir hoje ao Vianna e lá Miarei — Não pregue mentiras qua é o que é
com e le sobre o regocio feio.
Depois do jantar Francisco Benedicto — Então eu não sou feia ? É como é que
disse á sua molhei* que ia á venda buscar nioguem gosta de mim?
provifeões. — Ai'! que você é uma grande menti-
— Vamos agora para o serviço do com- rosa, Sra. Antonica. O ssu pai já dile-
padre» e eiie é amo com quem não se ma as cavalarias altas que lá vão per
brinca ; começada a obra não ha arre- casa com o . . . o . . Para que está ficando
dar pé. vermelha; levante os oifcoâ, deixe o lenço
Pouco depois da sabida do pai, Anto- socegado... Ah! so asinha.
nica pediu a su& mãi que a deixasse ii' até Antonica experimentou, de feito, uma
a caáa grande falUr com a Izabal cosi- sensível mudança quando Motta Coqueiro
nheira, que lhe ficara de ciar uma camisa, revelou-lne que sabia de seus tsponsses
para fazer-lhe por ella uma gola de crivo. com o vendeiro.
— Eu quero vêr se mando vir pela Com os olhos baixos, as faces em bra-
canôa um vertido para © Aano Bom, e zas, e as mãos a enrolarem as pontas do
quero segurar estas cobres, mamai. lenço, que lhe cingia o pescoço, a moça
A valha mãi não oppoz obstáculo ao pe- ' estremecia como se fôra presa de reniten-
dido da filha. tes c&lafrios.
Motta Coqueiro estava sentado na sala Não querendo augmentar a perturbação
de jantar da essa grande, quando Anto- de Antonica, o fazendeiro calo o-se. Entre
nica passou tão apressada como se não elles estendeu-se o silencio eléctrico que
desejasse ser vista. precele ás grandes explotõss do corarão,
— Então v&e fugida, perguntou elle; como o relâmpago preeeie o fulminar do
parece um pé de vento. raio.
— Vim faliar com a Izabal.
Juntava-se a este silencio a solidão e
— Eutâo não perca tempo; faz-se noite
e por &hi andam lobis-homens. melancolia do cwp osculo a cercai em
— Que me importa, respondeu a moça; e*se encontro inesperado.
é cousa de que eu não tenho medo. Como se oopiróe o palpitar contido
Antonica passou pela fazendeiro e en- dfaquelles c o r a i s , urn velho relogio de
trou pela primeira porta. Dapois de al- parede movia a pêndula, batendo com-
gum tempo, quando talvez Motta Coqneiro passada menta.
já não pensasse n^ella, a moça appareseu Antonica foi a primeira a romper o
52 MOTTA COQUEIRO
s
ilencio, e, dando á voz a brandura da pel- Mas esta resolução inconsistente, e
lucia, ponderou: aéria deáapparecia logo, e a moça reca-
hia no tédio e na abstracção.
— Mas £© o seu capitão quizer eu não
Era tão zelosa do seu ideal, que perce-
me caso.
bia ao longe a mais imperceptível sombra
— Eu, filha ? Eu nada tenho com isto. que se dirigisse para e l l e ; e sd ella
— Nada f! perguntou ella admirada. interpretou quanto havia de tr&voroso
Mas a comprehensão de Motta Coqueiro na ironia do violeiro, apreciando a demora
não illuminou-se apezar de ouvir esta dolo- de Chiquinha e do capitão.
rosa interrogação, em que a moça parecia
haver encarnado a alma inteira. N'aquella alma tão trabalhada, e que
N'esta simplissima palavra encârráva-se de repente viu-se forçada a quebrar o
toda uma historia de padecimentos indes- sigillo que se impuzsra, o despeito chegou
criptiveis, eexpandia-se a confissão quei- até a allucinagão.
xosa de um segredo, que ninguém jámais A principio quedou immove! com a ca-
percebera, g jardado peia mais reflectida beça encostada á ombreira da porta, mas
precaução, calculado hora á hora para co- em seguida caminhou para Motta Co-
ro ar-se com a victoria. queiro.
Santificava-lhe o desalinho das feições
Entretanto uma desillusão amarga, fria
a solemnidade da tristeza e recatava lhe
e acerbamente reprehensiva vinha mal-
a desenvoltura da phrase a eloquencia
lograr todo o trabalho de loiago tempo, e
da dôr.
esvaecer a esperança que morosamente
fecundara-se, e, crescendo dia á dia, — Então, disse ella, não se importa que
olhava como cer^a a realidade. eu me case com outro; não vê què êu não
Durante todo esse padecer o coração de quero, que eu não serei feliz ? Não tem
Antonica, fugindo de exhibir se á luz, £ó nada para me dizer; nada ? nada ?
uma vez não poule conter-se e deu forma Motta Coqueiro levantou-se estupefacto;
aos seus sentimentos. eúa scena era tão inesperada que elie
temeu que estivesse diante de uma louca,
Foi na noite fest;va da Sa^to Antonio e só poude dizer á Antonica:
quando o violeiro prenunciou desatten- —• Pois se você tem tanta aversão a este
ciosamente o nome de Motta Coqueiro.
casamento, não ceda, minba filha ; deixe
N'esta mesma occasião.porem, mascarou estar que eu fallarei com seu pai e hei de
com a gratidão o eeu amor, eteve d'ahiem protege-la.
diante força para não permittir nunca a
Ao dizer as ultimas palavras um dos
mais leve franqueza a sua psixão, que
braços do fazendeiro tinha cingido a moça
para satisfazer-se não mediria consequên-
que soluçava.
cia, não obstante procurar esmagar-se
de encontro a um casamento de conve- Antonica deixou pender a cabeça sobre
niência. o peito de Motta Coqueiro, e levantando
para elle os grandes olhos negros, mur-
Para dissuadir-se e esquecer-se, apro- murou :
veitava a ausência da Motta Ciqueiro, — Sim, sim, não deixe; eu lhe juro, não
as quebras temporarias do magnetismo gosto d'âile.
do seu olhar, para dar ouvidos e provo- — Descance, filha, descance, seu pai
car os galanteios de outrem. não ha de obriga-la ; vôce ha de casar
Assim era que tinha animado os dese- com quem quizer.
jos de Vianna, sahindo-lhe ao encontro — Se seu capitão soubesse, continuou
com uma lisonja, e favoneando-lhe a Antonica, as dôres que eu tenho passado,
esperança com um medido abandono, como tenho escondido de todos o que eu
OU Â PENA DE MORTE 53
Soffro ! Ninguém póle desconfiar apenas. que separava esta ultima sala áo corredor,
Eu tinha medo de lhe dizer; vosmecê me e à'ahi espreitou quanto se passava.
estima só cotno a uma criança, e nâ/» v ê . . . A curiosidade guiara-lhe os passos e
— O que e que eu não vejo, Antonica... elle regozijou-se interiormente, certo de
Como uma fera, que, sendo desapie- que a narração do que vira lhe recon-
dadamente fustigada, avsnça contra o quistaria a familiaridade rendosa do
aggressor,_mss é C3nt'da no impeto p^los feitor.
ferros da jaula; assim enraivecida, Anto- — Moleque, gritou Coqueiro, depois de
nica levantando os punhos cerrados e ran- algum tempo de silencio.
gendo os dentes, fitou os olhos esgazeados O moleque com os braços crusados so-
na face pallida de Coqueiro, que recuara bre o peito veiu po3tar-se diante d'elle.
instincti v a l e n t e . — Ouve bem, continuou o senhor, s<5
A moça quiz fallar, mas não ponde; vosmecê entreu aqui a esta hora; se uma
tentou avançar, e eahiu arquejante e lí- palavra só, das que se disseram aqui, for
vida. sabida, eu mando-té surrar e atiro-te para
Entre o susto e a piedade, o circumspecto a enxada; não serás mais meu p3gem.
fazendeiro tomou-a nos braços, e os lábios Carlos sff* stou-se si-encioso.
pousaram na frvnte descorada de Anto- Antonica entrou em casa fingindo-se
nica. extremamente contrariada com a escrava,
Depois conduziu-a para um canapá que a quem sc^usava de teí-a f?ito esperar
estava proximo, e deitou-a, poussndo-lha por muito tempo e finalmente adiar para
a fronte sobra os seus joelhos. Era um o dia seguiote a soluça-) do negocio.
pai velando uma filhe doente. O ardil produzia o desejado effeito, por-
— Não tem culpa do que faz, murmu- que ninguém reparou na desfiguração
rou Coqueiro, depois de contemplal-a que lhe causara a violência das paixões
longamente; é a inexperiencia que a ernptas durante a malfadada entre-
impelle. vista.
— E1 a ingratidão que me mata, res- A fortuna, que ainda havia pouco lhe
pondeu Antonica, e levantando-se de for ?, tão adversa, protegia-a agora mila-
chofre, sahiu sem lançar sequer um olhar grosamente, proporcionando lha meios de
ao seu honrado guardador. esconder o seu soffrimento.
Apenas Antonica sahiu, uma voz vinda
Chiquinha, dizendo se indisposta, reti-
do corredor que desembocava na sala,
rou-se para o q mrto ; Mariquinhas fôra
perguntou huaoild emente :
para o interior da cisa preparar o trem
— Senhor quer que accend», o candieiro.
— Deixa-me com mil dsmonios, patife ; para fizer o cafó para o seu pai, quando
nisgaem te chamou cá, respondeu Co- voltasse; o irmão era o companheiro obri-
queiro. gado do velho; e a religiosa mãi de An-
A extemporânea pergunta, que dizia tonica, assentada a cochilar n'uma ban-
claramente que alguém tinha presenciado quinha de costura, quitava se com a Vir-
pelo menos o fiaalda geena, que procura- gem, de quem era devota, desfiando em
mos descrever, era feita pelo malicioso o seu louvor o rosário de grandes contas
Carlos. negras.
O diabrete negro tinha visto Antonica Para poder dar curso ás lagrimas, que
entrar na casa grande e veiu disfarçada- nSo se continham, a moça ssntou-se a
mente collocar-se, a principio, n^raa sa- coser junto á velha mesa da sala.
leta próxima á sala de jantar, e em segui- Seriam oito horasdanoite quando Fran-
da poude esccnder-se por detraz da porta, cisco Benedicto, empurrando estouvada-
54
MOTTA COQUEIRO
msníe a psrta, estrou em casa, gritando não poaho-te peia porta f<5ra, porque não
com voz arrastada: fstou para desaforos. Fica entendido;
— Oh coca seiscentos: já domem por ponho te os quartos na rua. Póíe i r , . .
squi, suas malandras? Estas ultimas palavras foram acompa-
Aatoaiea e Ma? i^uiah&s, deixando os nhadas por um safanão brutal e Aatoaica
seus trabalhos, vieram beijar a mão ao silenciosa voltou para a sua costura,
pai, e a velha resmungou íá no seu canto: — O que foi ? perguntou la dentro a boa
— Ave Mima, que modos estes, seu Mariquinhas ao seu irmão.
Chico. — Ora o que havia de s^r, historias do
— A agua ç que já estava lá dentro casamento- Papai faltou com o Sebastião
rísoma&ndo ie Unto fe ver; rimes coiso e o Vianna, para ajudarem a fazer a casa e
peão dormindo, accrescsntou Mariqui- Sebastião disse que sim, comU ato que pelo
nhas. Natal elle havia de estar com Chiquinha
— Bico, sua posta.; não seja respon- em seu poder, e o Vianna fez uma casaa
dona ; eu quando f^llo ê porque sei; onde de Antonioa.
está Chiquinha ? — Veja só este papai; estão Antonica
— Está doente, pipai. é que ha de ir vê? seu Viatma lá na venda.
— Díga-lae que o Sebastião esteve — Eu não sei, o que eu ouvi foi o
commigo na venda e quer es enxovaes Vianna dizer que papai já deva na venda
prooaptos para o Natal, senão vai tu fo vinte mil réis de • mantimentos e qae, se
raso. Antonica não tem de sar «Telíe, quer o
As moças a Afastaram se e Chico Bene- seu dinheiro, porque não está para tra-
dicto M atirv.r-se sobre ura mocho como balhar p&ra o bispo.
um corpo inerte. — Esse desavergonhado; e tem uma
• -Q%ibuso dds bebida? alcoolicss tinham-o carinha d« santo; eu se fossa" pspai nlo
posto no hrthwso ê§t%$o de não poder queria mais que elle caí asse com a mana.
perfilar se, e a Jingoa trôpega mal podia — Ainda você não sabe tudo; elle disse
prestasse á falia, que era justamente o que, se Antonica não quizer casar com
sestro do sggregado, quando SG embria- elle, hsja o que houver, elle ha de mandar
gava . citar papai e fazer penhor* nas bemfei-
— Oh t senhora, exclamou elle para sua torias; do céo venha o remedio.
lher, isto por aqui não me está cheirando Mariquinhas, depois de ter servido a seu
be&i. Aiada agora o Vianna pre?ou-me irmão, foi á sala levar o café a seu pai,
lá um sermão de quaresma por causa da que continuava a reprehesader severa-
Antonica, e ' isse-me que aminbS quer mente a misera Antonica.
fechar o negocio ; ou ca^a ou não casa ! Então poude c/onfirm&r a exactidão das
A voiha n*da respondeu; continuava, palavras de seu irmão, porque ouvia a
pachorrentamente a rolar entre os dedos Francisco Benedicto esta phrase expres-
as contes do seu rosário. siva :
— On ! rapariga? br*dou Francisco Be- — E sabe o que mais, minha malandra,
nedicto, deixa iá esta costura e vam para lá está uma conta de vinte «oií réis, qus
o pé de mim. vocês comeram; eu não tenho dinheiro
Antonica obedeceu e co^coou-se junto 3gora ; o que vou receber do compadre é
ao pai que, seguranlo-lhe das mã*s, con- para a cms ; senão quizer casar com o
tinuou :
Vianna, você tem um remedio, pague-lhe
•— 01 h% bem para teu pai; amanhã ha os vinte mil réis.
de vir cá o Vianna, você não se ponha — Vãi para dentro, meninas! gritou a
com piégas; trate-me bem ao rapaz, s e ' velha mãi, ao passo que tomava a chi-
OU Â PENA DE MORTE 55
amigáveis provocações que lhe eram di- Ao som do baque nas aguas ur-a grito
rigidas, nada respondia, de desespero respondeu no grupo :
— SGCCCTFO, Loccorro ! gritaram todos.
A linha, cujo anzol boiava a flôr das
Francisco Baaedicto e seu filho,rápidos
aguas, deixava evidente que Antonica não
como um tufão, atravessaram a pequena
prestava a minima attenção á pesca.
distância que mediava entre o rio e o
Outro cuidado a impressionava, e este
logar em que se achavam, e precipita-
brouton-lhe no soluçado de um canto:
ram-se ao mesmo tempo, ao passo que as
— Moco fidalgo da corte moças no auge da afflicção gritavam a
Se encantou de D. Branca; plenos pulmões :
A moça foge aos amores, — So acorro 1 Soccorro 1
O seu pranto naa se estanca. Ao mesmo tempo vieram á tona os dois
nadadores e a pallida Antonica, que se
Já tam véu, j l tem grinalia, debatia quasi suffocada.
F r a n c i s c o Binedicto, porém,j % não tinha
Tem sapatos de setim,
Da côr que tem a nebrins forças para r e s i s t i r a correnteza, e foi des-
E as azas do cherubim. viado pslo r e d o m o i n h o das aguas, e só o
seu filho pouie aproximar-sede Antonica.,
no momento em que ella submergia-se de
Chega o dia do noivado
novo.
Branca triste inclina a fronte,
Mas pede para mirar-se O corajoso rapaz mergulhou no mesmo
No claro espelho da fonte. ponto, e, quando subiu á flôr do rio, trazia
segura pelo corpinho do vestido a moça
já sem sentidos.
Ouve o canto da Mãi d'agu'i
A affl cção cresceu nos espectadores ; a
D'entre os lábios de caral,
pouca idade do mocinho não lhe fornecia
E na harpa de fios de ouro
a força neces aria para levar acabo a em-
Sobre concha de crystal:
presa ; era um joguete da correnteza-
prestss a ser esmagado por ella, que lucra,
— « Vem a mim, filha querida
ria sssim mais uma victima.
Vem findar as tuas dores;
Eu tenho ricos palscios O-velho pai, agarrado ao galho de um
Para guardar teus amores. ingazeiro via, entre as torturas da impo-
tência, esta dupla a m e a ç a feita pela morte
ao seu coração angu tiado.
Em casa todos procuram:
Mas de repente uma esperança conso-
D. Branca onde estará ?
ladora luzia em todos os espiritos ; a vio-
O noivo já no seu carro
lência das éguas ce.leram diante da ro-
Na porta de casa está
bustez de ura naiador decidido.
Era Motta Coqueiro.
Pobra pai, os teus rigores
Ouvindo os gritos de soccorro, e vendo
Vão muc3ar-se em fundssmsgaas;,
o grupo correr em direcção ao porto, o
Da tua filha s<5 resta
prestativo fazendeiro sentiu atravessar-
O véu branco Fiobre as águas.—
lhe o espirito a lembrança das palavras
de Antonica : — é a ingratidão que me
Ao flsa da ultima estrophe, Antonica, mata — , e alevinhou logo o que se pas-
toda inclinada para o rio, olhou triste- sava.
mente o ceu e deixou-se precipitar na Montando no possante aUzão em que
corrente. sempre andava, e cravando-lhe desapieda-
OU A PENA DE MORTE 57
damente os alicates, Motta Coqueiro pôde Durante mais de uma hora de ancie-
em. alguns minutos arriscar á sua vida dade a trabalho, ninguém, a excepção de
pára salvar-a moça, Motta Coqueira, alimentou amais fugitiva
Nãlou direito a ella e segurando-a com esperança de ver salva a moça.
um dos braços,com o outro remou á mercê Todos abanavam a cabeça, exprimindo
das aguas até podar sgarrar-se a um dos assim a certeza que tinham de que eram
galhos da vegetação da margem. baldados os esforços feitos pelo fazendeiro,
D e n t r o era alguns minutos Motta Co-
que sobre-excitado aconselhavae tomava
ao mesmo tempo múltiplos expedientes,
queiro d e i t a v a sobre a gramma o corpo
Antonica jazia desacordada na immo-
i m m o v e l de Antonica.
bilidade dss estatuas, e apenas com um
A viveza encantadora de seu rosto fôra
leve respirar correspondia á robustez da
s u b s t i t u í d a pelo morte côr de uma longa
esperança do seu incançavel salvador.
s y n c b p e ; a luz suave e seductora dos
À proporção que desanimavam de todo,
seus olhos fôra trocada no brilho estagna- as pessoas da familia retiravam-se para ir
do, proprio dos olhos dos cadaveres, e mais longe derramar as lagrimas, que
além de tudo isso os braços, quando eram Motta Coqueiro não queria ver correr.
levantados, cahiam com o abandono da Havia já largo espaço que, a sés, o fa-
inércia. zendeiro velava junto á cabeceira de An-
— Está morta! está morta! minha irmã! to aica, quando esta pela primeira vez,
minha filha! pobre moça ! exclamavam depois da frustada tentativa de suicidio,
todos chorando. abriu as p&lpebras roxeadas.
Só o fazendeiro não havia até então Tudo quanto ha d© mais infantil e mais
perdido o sangue frio entr-3 a m<5 de pa- amoroso, de mais santo e louco passou
rentes, escravos e aggregados que cerca- pelo espirito e encarnou-se no olhar e nos
vam Antonica. gestos de Motta Coqueiro.
Ajoelhando se junto á'ella, poz-lhe a — Veja se dorme, se descança, mur-
mão sobre o coração, e seistiu que elle murou elle; não deve fallar, não deve
ainda batia. fazer nenhum movimento. Oh! que susto
Então como se fosse presa de uma lou- que nos pregou!
cura instantan^a, tomou nos braços o O olhar de Antonica, mixto de espanto
corpo molhado da moça, apertou-o contra e de pudor, continuou fixo a eavolver o
si, e cobriu-lhe de beijos a face livida. seu solicito velador, emquanto que TJO
A visiáhança do tumulo santificava canto do lábio pairou-lhe na ironia de um
esta explosão]mdomita do coração e longe sorriso toda a amargura da sua situação.
de prcvccar e^tranhesa serviu apenas — Porque não me deixou morrer, por
para aviventar uma esperança. que não teve animo ao menos para p » r
— Ella vive" ainda, não é verdade, com- em paz sobre a minha cova.
padre ; minha filha não morreu.
— Mas, minha filha, repare que esta
—• Vive, sim, para n<5s, p?»ra o seu
exaltação lhe faz mal; descance, is o ha
amor, para a sua felicidade ; respondeu
de passar ; você verá, ha de passar.
Motta Coqueiro, que não tinha mudado
de posição. As palpebras de Antonica cerraram se
Depois, como se accordas?e de um de novo e pelos seus cantos as lagrimas
sonho, levantou-se e gritou para os es- começaram a dv>slísar.
cravos e os çircum st antes: Um incidente veiu impedir, tdvez, que
— Estamos aqui todos pasmados ; va- uma involuntária quebra de resolução
mos, levemol-a para casa; Deus a sal- maculasse o papel digno que Motta Co-
v ará. queiro desempenhava junto da moça.
58 MOTTA COQUEIRO
Manuel Jcão .caminhou então para a dia limpido como o ether, um céu sereno
e uma tranquilla floresta suspirando a
ssla com a mesma cautflla.
báfcgem farfalheira de um vento sem
Deitando um braço sobre a mesa e a ca-
rancores, e ecoando o gazeado mavioso
beça sobre elle, Mariquinhas resonav*
de milharei da passarinhos; e então ri
-brandamente através dos lábios virgíneos
acs planos sombrios de novas emprezas; o
o somno do csnçaço e da confiança.
feitor encontrando, ao retrahir-se da sua
01?-ncinho branco, que ella diariamente
baixeza o olhar velutino de Mariquinhas
trazia ao pescoço, havia-se desatado, e o
e a suavidade da sua palavra, riu inte-
corpinho, formando pala posição contra- riormente a uma esperança lasciva.
feita da meça uma abertura concava, dei-
— Não Mie alto, que podem ouvir.
xava vsr o collo moreno. Assim as pétalas Deixe que ao- meu os hoje eu esteja junto
da rosa superpoem-se de modo que não ró de você; é tão diffiz-il isto.
deixam entrever-se.. mutuamente , mas — Deveras ? pois você não vem sempre
frsnqueaxia ainda a vista a dourada re- aqui,
gião dos estames. — Mas nunca tive uma vasa de dizer-
Um tosco a mal limpo candieiro bruxo- lhe que lhe estimo muito, muito, como a
leava ao lado de Mariquinhas, como se ninguém n-este mundo.
tentasse apagar-se para não dar logar a — Pois sgora já disse; o que quer mais?
que um olnar profano se atreves e a de- — Quero que você diga que também
vassar tamanhas perfeições.
paga-me essa amisade com a mesma
Pé ante ré o feitor approximou-se e
força; que é capaz de fazer tudo por ella,
parou junto da adormecida. Contemplou-a
sem medo, nsm de Deus, nem do mundo.
com avidez; corrert-lhe de leve a mão
— Ai 1 ai! você está a dizer peccados,
de,sde o alto da cabeça até a meio de uma
vá fazer o quarto e deixe-se de parte?.
d>js tranças que ammounhava o arfar do
— Não brinque, sá Mariquinhas; eu não
collo immaouladO, e finalmente ajoeihan-
do-se, roçou nos lábios entreabertos da saio hoje õ'aqui sem saber se devo viver
iroça um b°ijo, que alava-se no terr-or. ou morrer. Eu »Sò vim cá por sá Anto-
O somoo de Mariquinhas era profundo nica; eu vim para c e r t i f i c a r me de que
como soem ser es da fadiga ; a profanação você me estima. Qaero que jure-me, que"
poude continuar. repita uma, cam vezes : eu só serei tua,
Ao piimei.ro beijo, seguiu outro e ainda só t u a . . .
outro, até qce menos pela grosseria do Estas palavras seguiu-as o feitor com os
sttentado do que pela susceptibilidade do movimentos precipitados da paixão, e
puior, a moça dispertou scbresaltsida. quando padia a moça que j urasse .já a
Ao ver de joelhos o seusmente, ella que tinha cingido e beijava-a apezar do es-
não podia adevinhar a torpeza de que forço que ella fazia para libertar-se do
elle era capaz, não teve uma queixa á assalto.
vibrar-lhe, mas antes uma caricia para — Deixe-me, deixe me, exclamou Mari-
pèrd*al-o. quinhas, você está abusando, eu chawio a
— Ea não sabia que era santa, está rapariga.
fazendo oração ? Olhe o oratorio está aqui, Dita ámeia voz, mas com o sccínto im-
eu abro-o. < ponente do pudor e da dignidade, a phrase
O crime espojou-se diante de tão gra- de Mariquinhas repelliu para longe o
ciosa impunidade; e "a semelhança de feitor, não amedrontado, mas allucinado.
um forçado que, evaiindo-se da prisão, O seu plano de sedocçSo mallogrou-se,
encontra diante dos seus instinctos máus, evn mister levar a cabo o segundo : 6 da
não a mão pesada do carcereiro, mes um I violência.
61
OU A PENA. DE MORTE
Levou a mão á cinta; estava desar- á cata de elementos psra com elles forta-
mado; voltou então para junto de Mari- lecer a teia em que buscava enredar os
quinhas e travando-lhe do punho, disse- seus senhores: for*m a tristeza de Chi-
lhe com um accento qua a fez tremer . quinha e um visível spaíetamento que
__ u m a palavra mais, e eu que ta es- obscurecia as fácaldaies de Mariquinhas.
t i m o como um ãoido,, arranco-te a lingua
Chiquinha chegou se um dia á Balbina
e queixou-sa-lhe de que passava cs dias
como um malvado. Olha que já ha noites
oppressa por uma tristeza inextinguível
que eu penso n'isto; en?orquem-me de-
ora p o v o a d a cia scbresaltos, ora de visões
pois, mas eu hei de çhamar-te minha
encantadoras- e carinhosas.
hoje, j á . . . Uma palavra mais e . . . esta
casa'tem armas e no meu pulso ha força. — Não sei o que tenho, tia B úbina,
— Para que ha de ser máu p'ra mim ; parece que estou sempre sonhando. „ . .
murmurou Mariquinhas,; que esperava — Além d'issa, continuou Chiquinha,
abrandai o pela humildade. tudo me aborrece e tudo me preocçupa;.não
Foi porém um novo incitamento. Da tenho vontade de comer e se alguma
força faço sobre mim caio n'am enjoo,
chofre Manuel João apertou sobre os
que só se acabappr vomites. Vouemmagre-
lábios de M a r i q u i n h a s a s u a mão vigo-
cendo a olhos vistos.
rosa, emquanto com o b r a ç o , que lhe
Os symptomas dados por Chiquinha
p&ssára a c i n t a e um esforço b r u t a l , f s z i a
vergar-lhe o corpo delicado. eram claros de mais para a arte dá feiti-
O candieiro, talvez psla agitação doar ceira e assim podia esta fallar com tola
durante a lucta, deixou de i Iluminar a segurança.
a sala. Mas o poder de Balbina era o myste-
Y. rio e ã dubiedade de sentido das suas pa-
LM CUMPRIMENTO DE PALAVRA
lavras, que lhe deixava s e m p r e aberta
naja sahiia. Preferia o labyrintho á
A moléstia de Antonica deu logar a linha recta. -
mais uma intimid&ds perigosa na sua Secundo
w
os seus hábitos Bilbinares-
familia. O
poadeu á queixosa:
Na qualidade de .meàinheira foi cha- — O coração da gente bate as vezes
mada a tia Balbina para debellar o com força; os oluos não vêoi, o corpo
mal que assombrosamente devastava o não foge. Á hora da lua o matta-p&sto
organismo da moça. de fiôr amarelia fecha, como os captivos
A feiticeira tinha para insinuar-se a SBUS olhos cançados, as folhas que são o
maciez da dissimulação e, apezar das relogio do escravo. Mas o coração não
asperesas do seu exterior, o trato, re- dtixa de bater, não quer se trancar dentro
fâlsadamente humilde, era agradavel do peito; que,' voar como o vagalume.
como o contacto do pello da lontra. Da manha, quando o sol nasce, a folha
Esperando pacientemente a opportuni- é que se abre então, e o coração é que
dade para arriscar uma palavra, pene- muitas vezes fica fechado. Balbina nao
trando até o funlo das consciências com pôde pi-ohibir qua o grilio verde rôa a
o seu olhar que poásuia a calma perspicá- folha que se abriu ao sol, nem que a tris-
cia da vingança, Balbina era dotada de teza more no coração que se abriu aos
uma espesie da talisman fatiáico que at- raios da lua.
trahiapara si todos os espirites, que se lhe — Mas quem é qua lhe disse que meu
acercavam. coração se abriu na hora da lua I pergun-
Dois factos chamaram promptamente a tou lhe a moça admirada.
attenção da cabinda, que andava sempre — Carolina gemia; a alma da Balbina
62 MOTTA COQUEIRO
ficou triste como o carneiro que vai Ainda uma extrema fraqitesa iMpedia-a
morrer, e a cabinría sahiu para pedir ás de levantar-se sdsinha, e todavia os ser-
hervâs de Deus o soeego da creoula. Na viços de Balbina foram dispensados pela
baixada cresce a herva de S. João com o familia do aggregado.
seu cheiro bom e com a saa penugem de Ponderando que as moças não deviam
pombo novo. A cabinda queria traser a afFa&tar se por muito tempo de *-ntomea
herva para remedio da doente. No meio
da colheita Balbina se assustou, porque para convêrssrem com ella e adjudai-a a
viu um vulto branco como a boneca da mover-se, Motta Coqueiro quiz que-Bal-
paina... bina continuasse no casarão, e a preta
foi incumbida da lavagem da roupa, e dos
— E quem era este vulto ? interrogou trabalhos da cozinha.
a voz tremula de Chiquinha. Francisco Banedieto e seu filho volta-
— A negra não ê quem pôde dizer á ram ao trabalho do embalsai ento, ao
filha des brancos, respondeu Balbina lan- qual reuniu se mais um novo empregado,
çando á moça um olhar, que a fez enver- Faustino Silva.
inelhtce . A negra viu o vulto branco,
mas não poude saber quem era o outro, Homem de i&á nota nos arredores, Faus-
que tomou pelo cammho da baixada. tino guardava entretanto o aprumo do
— Mas diga, tia Balbina, diga o qu* é respeito diante do capitão Motta Coqueiro,
que eu tenho; diga peio amor de Deus. a quem dava mostras da maior conside-
ração.
— Balbina só póie fallar dentro do
ouvido de sá Chiquinha; escute. Filho do logar esteve por longos annoã
A pret* começou então a segredar, e a fóra d'elle por ter sido condemnado a 20
proporção que ella fallava, Cniquinha annos de galés, por um assassinato.
empallidecia. Madrugava-lhe ainda a mocidade
Quando Balbina terminou, as lagrimas quando commétteu esse crime, e a convi-
corriam em borbotõss pela face da moça, vência de scelerados, combinada com a
que só teve forças para exslamar. própria indcle, conveitôu-1 Be o coração
— Oh I meu pai do céu5 salvai ine por n'uma pedra lascada e arestosa, cujo con-
que eu estou perdida. tacto feria, ou ao menos escore&va.
— O pai do céu é bom; se a filha dos Robusto e varonil, com quarenta annos
brancos disfarçar, se não ficar sempre de semi-òciosídade e de vida gargalhada
triste, póie esconder dos olhos da seu na ignominia da grilheta, e depois nos
pai, até que possa apparecer com seu requebros dos fados, Faustino era um
marido. Sa Chiquinha não ha de ser d'esses productos communs da ignorân-
infeliz como Carolina, qua foi quasi a cia, que tanto abundam paios sertões.
morrer parar nas mãos do doutor, porque Lia-se-lhe no rosto trigueiro, cercado
o pai desprezou o filho da creoula. por uma grossa barba negra, nos olhos
Cuiquinha começou desde esta hora a mal encarados, a torpeza de sua alma, e
esperar o dia em que devia ter uma fatal todos que o conheciam terminavam as
certeza, e Balbina continuou na sua suas apreciações ácerca do novo traba-
tarefa gratuita de tudo observar. lhador, dizendo : — aquiílo sempre é ho-
Antonica tinha entrado em convales- meai que mata os outros por dinheiro.
cença e já passava horas inteiras a con- Tal era Faustino, segundo dizia o povo,
versar com sua mãi e irmãs. que muitas vezes, que o maior numero
Atravez do aaúo inherente á enfer- das vezes, exagera os defeitos do indi-
midade já escapavam-lhe do coração para viduo.
os lábios uns fugitivos sorrisos. Um irmão de Faustino, o Bento Silva,
OU A PENA DE MORTE 63
contava a seu respeito uma passagem costura á sombra de uma arvore que fi-
romanesca. cava perto.
U aa noite, á hora da revista, urna Ahi estava guardada pelo movimento
das fort lezas do Rio de Janeiro, foucvu das pessoas de cas* e podia dar de mão ao
se a rebite peia fuga de um dos condem- temor que tinha de poder ssr outra vez
nados. assaltada pelo feitor.
Poz-se tudo em actividade psra effec- Um dia, porém, foi sorprehendida justa-
tuar-se a sua captura immedi&ta, mas mente pela pessoa a quem queria evitar
todo o esforço maliogroa-se. & to io o transe.
Os escaleres expedidos seguiram todos A voz do feitor plangente e submissa,
na direcção da terra, da pai te que ficava buscanao rodeios namorados, veiu aba-
mais próxima á fortaleza, mas o preso lar lhe a apathia intima em que vivia.
mais atii»do fceguiuem direcção cpposta. — Ainda não me perdi o», sa Mariqui-
Na iou ao largo da bahia. nhas.
Sd pela madrugada conseguiu pôr pé A moça não respondeu, mas abaixou
fór* das onlas„ mas estava, salvo. Nin- ainda mais a cabeça, e poz-sea cantaro-
guém o perseguiu, e eile poude embarcar lar entre dentes.
como marinheiro a bordo de uma escuna, As suas feições tinham, porém, tomado
que partia para Macabé. | um sccento soioame—a gravidada do pudor
Ahi de*p»diu-se do navio, e internou se offandido, e * ra bem fácil comprehender
para M&cabú, seu torrão natal, onde a causa d'esta mudança.
levava a vida de trabalhador. Mariquinhas amava sinceramente o
Eatre Faustino e Franci co Benedicto feitor. D sra-lhe as primícias immaeuladas
manteve-se a reserva que ha sempre entre dos seus sonhos dos quinze annnos, bando
individuos, que reciprocamente se co- louro de miragens a entrançar-se em
nhecem. choréas festivas para desfazer-se afinal
Nenhum d^lles gosava da boa fama, nos vapsras roseos de um anhello iudefl-#
porém cada um considerava-se m-dhor do nivel, que ihe dominava o coração enchen-
que o outro, e tinha escrupulos na fa- do-o de um sussurro longínquo de sauda-
miliaridade. des sem causa, de anceios sem objecto.
Francisco Bôneiicto nunca, por dife- Fizera das faces trigueiras de Munuel João
rencia ao menos, coavidou o seu compa- o ho ris anta do seu viver modesto, e ima-
nheiro para ir á sua casa, facto que ginára-se muitas vezes na sua casinha de
ofendendo profundamente o desalmado sapé, a estender no terreiro a roupa de
Faustino, fizia com que elie dissesse trabalho ou o seu fato domingueiro ao
quando faílava-se no aggregado : lado da camisa de morim, que se lhe aper-
„ — Aquilio é um cachaça; um dia eu tava contra os &eios, oppressa p^las bar-
parto-lhe c;s ossos e mais ao magarefe batanas do seu vestido.
do filho Vai tu lo ra&o; porque eu não A* tardinha iria esperal-o á porta, 9a a
gosto que me toi çam o f jcinho. meio caminho para acabar n'um be jo um
Mas apesar da reciproca antipathia, os sustosinho que se ihe ia alevantando com
homens harmonissivam durante o traba- a appiosimação da noite.
lho, e ifeto tastava. Custir-lhe-hia tanta felicidade, talvez,
Na casa do aggregado ficavam ep^nas o aesíiffícto" de seus pais, porque o seu
as mulheres. Para espairecer da funda amante era homem de côr, e pobre; mas
hypocon iria que lhe ia minando a < xis- tudo isso compensar-lhe ia o seu amt-r.
tencia, Mariquinhas costumava a sahir Um coração feminil vxve de tanta Chi-
á hora da sesta e ir sentar-se com a sua mera aos quinze annos!
MOTTA COQUEIRO
64
trou o olhar com a observação eommo- — E" mentira minha, é mentira, ex-
vida de Motta Coqueiro. clamou Antonica; eu estava sem tino, o
O quarto silenciava xfqma triste pe- que eu quero é v i v e r , seu capitão,
numbra, só, destuada por um listrão im- viver 1...
palpável de luz, coado pela fresta da porta — Sim, você ha de viver para seus
semi-aberta e no qual turbilhonavam sem pais, para mim, que tenho na sua ami-
ruido innumeras partículas de pó. sade o melhor premio do pouco*bam que
N'este ponto foi fixar-se o olhar da tenho feito.
moça. Este unicoaceno amistosc ao ideal de
__ Tive ainda fôgora um sonho, disse ella Antonica, roseo colorido dò alvorada em
depois de uma demorada contemplação; céu 'borrascoso, reanimou-a, ou melhor
como alli eu vi uma grande facha de luz, ainda, resuscitou-a.
onde em vez de poeira subiam e desciam As simples phrases da benevola conso-
anjinhos. Entra elles e sobre a luz boiava larão foram o esplendido flat no vácuo do
eu como uma folha no rio. Eu tinha os existir de Antonica; decompuzeram-se e
olhos abertos, via, mas nem podia mover- transformaram-se em outras tantasestrel-
me nem fallar. Ia á mercê de um empur- las, asterismcs tranquillos, convergindo
rão invisível, mas de repente parei, meu os raios em um único fóco — a possibili-
corpo havia-se encostado sobre o peito de dade do amor.
alguém. Se este sonho se re&lisasse eu Effectuou se a cura radical da loucura
preferia morrer. pela pelarisação da luz da esperança.
— Isto foi um delírio, minha filha ; não O restabelecimento caminhou desas-
pense mais na morte, e não terá d'estes sombrado e rápido e o amcr atulhou com
sonhos. Veja se pódé acalmar-se; eu estou pétalas de flôres a sepultura já hiante
aqui ao seu lado. aos pés da desventurada amante.
— E ha de estar sempre ? Os serviços de Balbina foram definiti-
— E por que não hei de estar ? Pensa vamente dispensados e a escrava tornou
que não lhe estimo muito, muito... para os ingratos labores do eito e para o
— Como estima a toda a gente, que meio da consideração supersticiosa dos
precisa que sa lhe faça bem. seus parceiros.
— Mais do que isso, Antonica ; é a O feitor era agora inexorável e exigen-
estima que se dá a um coração, que sa- te até a insensatez. Por maior que fosse,
bemos que bate por nós. Se você morresse, a agilidade dos escravos achava-os sem-
eu nem sei o que seria de mim. pre morosos, e não raras vezes vibrava o
— Eu tinha vontade de morrer, porque chicote sobre as, costas nuas dos miserá-
sei que seu capitão ficava descansado.' veis trabalhadores.
— Quem sabe do futuro, Antonica 1 A sua attenção voltava-se peculiar-
talvez eu não sobrevivesse multo. mente para a tia Balbina, a quem alcu-
O egoísmo incandescente do amor es- nhou—a m ar r alheira.
panejou-se triumphante no coração de — Arriba 1 arriba 1 gritou elle um dia,
Antonica; revelou-o eloquentemente a á medida que estalava o chicote sobre as
ternura de seu olhar. Uma alegria infan- espaiuas da preta; não dormes de noite
til dourou a pausa que houve no dialogo, ocsupada com a feitiçaria e de dia estás
alegria de um moribundo, que voluntaria- a cahir de preguiça. Vê se ficas asseiada
mente escondia na sombra de um tumulo
com este espanador.
as mais risonhas illusões, e que de súbito
Nem um ai escapou aos grossos beiços
affasta a sombra ominosa e secte inundar-
da feiticeira, amargou calada a vingança,
sedos esplendores da ventura.
a ruminar a desforra.
66 MOTTA COQUEIRO
A' noite a preta foi de novO sorprahen- Motta Coqueiro ouviu o resmungar do
dida pela cólera do feitor, que veíu pâs- feitor ô resolveu examinar com 03 pro-
sar-lhe revista á sensala. Achou só mente prios olhos a cansa qus motivava tanto
uns registros de santos, porque o mais a azedume contra Balbina.
prevenida Balbina tinha po&to em logar O sol era ardente, o calor abrasava.
seguro. Era a hora em que o canavial inclina as
folhas como as permass de um cocar enor-
Mas nem por isso o feitor julgou-se
me; em que a cigarra chilra tanto quanto
quite com a feiticeira; na hora da revista falia um energúmeno, sem pausa, sem
matutina, conscio de que Motta Coqueiro termo ; em que a araponga branca, á se-
acredital-o-hia, Manuel João lavrou car- melhança de uncLsedueo d á espuma sobre o
regando as côres um libello contra a verde-mar do CCÃSBO, tina entre a folha-
escrava. gem do ipê vestido de novo os seus cantos
— Não se pôde aturar, disse elle, nio aguios e tristonhos*
quer trabalhar, continua com as feiti- Võam as nuvens áe tiés ô gusxãs pian-
çarias, e já me contaram que ella quer do, tonto;? de calor, o as tiribas gárrulas
que o meu amo mande-a para a casa do coçam as azas de esmerai ia entre a som-
seu senhor; porque — diz ella —• vosmecê bra rarifeita das embaúbas.
está comendo o suor alheio com o traba- Sob a copa das grandes arvores do des-
lho d'ella. campado, o chão acolchoado da folhas
— Então ainda não te desenganaste, assemelha-se a uma praia cobsría de con-
negra? bradeu o fazendeiro; eu vou chas de ouro, mas conchas sonoras, como
d&r-te o senhor e o feitiço. Fidélis 1 Pere- pequenas m&rimbis eujàs cordas dedi-
grino ! agarrem-zse aquelle demomo. lhasse o teaue sopro da'aragem. E' a
Balbina não articulou uma queixa, multidão dos canarios que ahi se abriga
nem uma desculpa, deixou-^e ficsr cem os da crueldade da camouia.
braços cruzados e a cabeça baixa, Os dois No meio da floresta ouveaa-se todos cs
escravos obedeceram e fizeram-a chegar sons conhecidos; desde o uivo s&turno
até junto de Coqueiro. da turubiaa em actividade, imitada pela
Principiou então uma destas seenas cachoeira que ao longe sa despenha na
repugnantes e iníquas; os escravos ata- grota, até o tilintar do martelie na bi-
ram os paUos de Balbina e amarraram-a gorna imitado pela araponga; desde o
péla cintura a um âoi esteios do terreiro som do cornetim toca io ao de leve, fingida
© cada um empunhou um azorrague. pela alegria curiosa dos gallos da serra,
O castigo ia ter logar com a barbari- até o gemido profundo, soluçado pelas
dade de que são sempre alvo os feiticei-
juritys.
ros, entes mal dietas e execrados pelos
homens do sertão. E' a glorificação da sombra pelo mais
harmonioso dos córos, e a mais cadencia-
Pelo braço de Mariquinhas appareceu, da das orchestras, regidos pela natureza.
porém, no terreiro a agradecida Antonica. Os escravos de eito não se abrigavam,
Ao ver Balbina em semelhante posição; porém, senão sob a copa rendada das
lavando-se em lagrimas a maça pediu que sambab&ias, e as alas de cafazeiros.
peraoassam a escrava, que tão prestativa Manejando as enxadas polidas, consoo
lhe fôra na enfermidade. sachristã:» maneja a camp,;inha na hora
O fazendeiro attendeu. da elevação da estia, cff-reoiaat aos céus,
— E' assim que se botam a perder os entre os cantos monotonos, o maior de
negros, resmungou Manuel João; mas eu todos -os sacrifícios, o grande s&crificia
hei de mostrar, , do trabalho,
OU A PENA. DE MORTE 67
O eito subia rápido e já estava em mais mulando não ter ou fido ao confuso Ma-
de meio. Lavada em suor Balbina encos- nuel João*
tou a enxada a um cafezeiro e dirigiu-se — Oh 1 lá, vocês ficam por ora ás or-
ao feitor participanào-lhe que ia beber dens do Fidélis; é com elle que têm de
agua. se entender.
Dentro de alguns minutos a cabinda Olhando, porém, para o ex-feitor Motta
estava de volta, para não dar pretexto á Coqueiro fraqueou na resolução de fazel-o
explosão da raiva de Manuel João» sahir immediatamente do sitio»
— Oh! tia, bradou elle, a agua tinha O homem, que por vezes tinha-lhe feito
espinhas ? emboscadas, cujo rancor pelo fazendeiro
— Balbina não demorou, respondeu a era extraordinário, quedava covarde-
preta; o eito ainda não andou nem o cabo mente após tão grande desfeita na mais
de uma enxada. A carreira de café que humilde posição.
Balbina limpa^ ficou sem adjutsrio, por- Tinha o chapéu de lebre sobre o cabo
que ella pediu aos seus parceiros. Bal- do rebenque e os braços cruzados sobre
bina ha de chegar com elles ao fim do este.
eito. O rosto exprimia simplesmente o vexa-
— Vamos I continue oom o seu pala*- me que o acabrunhava, mas nem de leve
vriado ; êu estou ouvindo. um indicio de cólera; parecia resignado a
cumprir a pena, que a sua imprudência
— Vosmecê perguntou, eu respondi»
havia provocado.
Manuel João incumbiu ao seu rebenque
Completamente desarmado pela attitude
a contradicta á lógica da escrava, mas
inesperada do ex-feitor, Matta Coqueiro,
ainda não tinha descarregado a segunda
querendo dissimular a própria falta de
lambada, quando foi sustado por um
energia, dirigiu-se a elle, dizendo :
grito*
— Eu preciso de trabalhadores; se quer
Motta Coqueiro tinha acompanhado á ficar, faça o que entender; mas lembro-
distancia a gente e, escondido, seguia
lhe que o sitio está a cargo do Fidélis.
todos os movimentos do feitor e àa preta
Balbina. Era a melhor evasiva encontrada de
prompto pelo explosivo, e ao mésmo
Certo de que uma injustiça era a motora
do castigo, o homem que só se inspirava tempo bondoso coração do fazendeiro.
na rectidão e que só por ella era severo, Em rápido raciocínio convencera-se de
indignou-se e fulminou na mesma hora o que Manuel João não se decidiria a sub-
culpado. metter-se á auctoridade de um escravo
sobre o qual ainda havia pouco tinha po-
— Sr. Manuel João, está desobrigado da deres descricion&rios.
feitoria do meu sitio; eu quero castigos A proposta, pensou Motta Coqueiro,
mas não vinganças. irrital-o-ha e assim evitarei que elle con-
O miserável rapaz ficou por muito tinue. Mas a baixeza da caracter do ex-
tempo estatelado sem poder pronunciar feitor excedia todos os limites imagi-
uma única syllaba. náveis.
— Mas, meu amo, observou elle por fim», — Não importa, não, meu amo; o que
eu não posso sahir hoje d'aqui; não tenho eu quero é trabalhar, ao menos até ar-
para onde ir. Se meu amo não está sa- ranjar outra ca&a»
tisfeito commigo como feitor, deíxe-me Retiraram-setombos»o fazendeiro quasi
ficar por emquanto como trabalhador. arrependido da severidade com que punira
Motta Coqueiro tinha-se voltado para o empregado e este eom o desemb&raçt
os escravos e caminhava para elles, si do homem desbiicso.
68 MOTTA COQUEIRO
Os pretos ficaram sós, mas nem por isso Triste sorte a do captivo
a actividade diminuiu nem o trabalho des- Seja filho, ou seja pai,
acalorou-se. Ai!
Um desafogo intimo substituiu a pressão
moral que os opprimia, e agora podiam E1 triste como o ribeiro
livremente medir o esforço para o obrigado Que sempre rolando vai,
labutar, sem fim na vida, como a mon- E se espedaça na grota
tanha de Sisipho. Porém das bordas não sai,
As bagas mornas de suor como que se Ail
converteram em estrophes, aladas em sons
melancólicos de monotonia pungente, ins- A tia Balbina, mais do que nenhum
piração de poetas desconhecidos, talvez outro, deixava transluzir no semblante o
martyres de igual destino, e por isso jubilo que lhe ia n'alma. Duas vezes vic-
mesmo privando a intimidade de todas toriosa elevava-se ante o ex-feitor e isto
as tristezas, desillusões, desalentos, quei- firmava cada vez mais os seus créditos'
xas e suspiros da escravidão. de invencível.
Um desses cantos era assim : A's horas do jantar, contentes como
bons amigos que se banqueteam, os infe-
Nasce a fior, rebenta o fructo, lizes riam alegremente diante das cuias,
Secca o fructo, a folha cai, e adubavam a refeição com lisonjeiras
Ai! observações.
— A tia Balbina matou dois coelhos
Mas a agua do ribeiro
de uma só paulada.
Rolando, rolando vai,
— Tem mão certa.
E se espedaça na grota,
— Quando ella diz uma cousa acon-
Porém das bordas não sai.
tece por farça.
Ai! A feiticeira recebia prasenteira as ma-
nifestações amistosas dos parceiros, pre-
Corre a enxurrada roncando conissndo a protecção dos céus para os
Grita aos rios:—transbordai! innocentes, e a sua punição para os in-
Ail justos.
A refeição ia já no fim, quando chegou
Mas a agua do ribeiro ao logar o novo feitor, o destemido Fidé-
Rolando, rolando vai. lis, typo completo do negro de fazenda,
Suspira e chora na grota, com todas as suas virtudes e defeitos; "
Porém das bordas não sai. trabalhador e intrigante, supersticioso e
Ai! vingativo.
Não tiaha-lhe favoneado a vaidade a
Some-se a lua na aurora, inopinada distincção que mereceu ao se-
No sol a estrella se esvai, nhor, odiava os brancos e sabia que, des-
Ai! tinguindo ou castigando, o senhor só tem
em vista tirar o maior proveito possível
Mas a agua do ribeiro de seu escravo.
Rolando, rolando vai; Recebeu a investidura de feitor pela
Em vão soluça na grota, mesma ràsão porque levantava-se de ma-
Porque das bordas não sai. drugada para a revista, e em seguida tra-
Ai! balhava do sol nascente ao sol posto; re-
OU A PENA. DE MORTE 69
cebeu-a porque era escravo e para este só que lhe dava occasião de vêr a mulher,
ha uma lei — obedecer. que o apaixonava.
No mais era uma creatura da tia Bal- Foi justamente esse apego a causa da
bina, que o considerava a ponto de rir se sua prompta expulsão.
para elle. Balbina não podia soffrel-o nem mesmo
Por isso mesmo a siia nomeação foi re- depois de vel-o assim decahido; a sua
cebida com enthusiasmo pela gente de presença era uma ameaça ao seu bem
roça, convencida de qúe ia melhorar de estar e ao dos seus parceiros» e além d'isso
sorte. Assim é que foram cordialmente 'ella tinha dado palavra á Carolina de
recebidas as prirceiras palavras da nova punir o seu abandono. s
auctoridade, pondo em eiercicio as suas Resolveu, portanto, perdei o da uma
funcções. Mandando recomeçar o traba- vez aos olhos de Motta Coqueiro, cousa
lho, Fidélis disse com lhanura a seus facílima agora que Fidélis era o feitor
parceiros: da casa.
— Vamos rapazes 1 é preciso mostrar Uma noite a feiticeira convidou o feitor
que não é necessário chicote para se fazer para a sua senzala e dirigiu-lhe a pa-
o serviço; o negro não é boi, que precisa lavra.
de carreiro e ferrão. — Balbina, disse ella, queria fallar ao
E os escravos voltaram alegremente aos seu parceiro que é hoje feitor.
seus cantos^ e a manejo das suas enxadas — Eu quero escutar, tia Balbina, se
operando verdadeiros prodigios de bem que vosmecê deve estar zangada
trabalho. commigo pelo que se deu n'aquelle dia
Quando á tardinha o fazendeiro, mon- de manhã no terreiro.
tado no seu alazão, revistou o serviço do
— Balbina não se zanga com o galho
dia, ficou cheio de pasmo: tinha-se feito
de maricá, cheio de espinhos, que ati-
tres vezes mais do que ordinariamente.
raram no caminho, e espetou o pé da
Emquanto de modo tão expressivo os
escravos festejavam a sahida do ex fe'tor, negra. Fidélis ia ferir Balbina como o
este amargava em silencio bem tristes galho de maricá.
decepcções. Andava como que envolvido — Bem contra a minha vontade, eu
n'uma gargalhada geral, desdobrada pelo juro por DÔUS.
céu limpido, pela aragem tranquilla, — A cobra que largou a casca, pro-
pelas arvores virentes, e o que mais lhe seguiu a feiticeira, nem por isso perde o
doía, pela própria Mariquinhas. veneno. Outras escamas novas vem lhe
Era, prrétn, uma gratuita injustiça cobrir o corpo e ella continua a seguir
feita ao caracter da moça, a quem a no- a sua vida. O senhor não despediu o
ticia da demissão do feitor, se alguma feitor para sempre e pôde trocar Manuel
cousa causou, foi dó. João por outro. O mal fica do mesmo
Corrido diante dos seus proprios olhos, feitio.
Manuel João não tinha forças para au- — Qual 1 não é assim, não, tia Balbina;
sentar-se do sitio; ligava-o ahi o casarão, o senhor está contente com o serviço.
a imagem de Mariquinhas e a própria — Tôlol o branco mula de pensar
mfamia que contra ella praticou. como a mangueira muda de folhas. O de-
Acabrunhado pala infelicidade nem ao monio anda nos olhos das filhas do aggre-
menos lembrou-se dos seus companheiros gado como o canto da coruja que adevinha
e conselheiros; não arredou pé do sitio, morte. Quem sabe se é na casa grande,
temendo talvez q U 9 i s t o lhe custasse a quem sabe se é na senzala do captivo.
perda do proprio logar de trabalhador, Fidélis é preto e o branco terá sempre
MOTTA COQUEIRO
70
má fé com elle. E" preciso ganhar a ami- é que você cumpra o trato; no caso con-
zade e o respeito âo seu senhor. trario é outra cousa.
A cabinda começou então a dar o plano O modo brusco pelo qual Francisco
infallivel de que resultaria a total derrota Benedicto respondeu ao fszenieiro, e de-
e perda de Manuel Jcão. pois o amuo com que o tratava, contra-
Era o mais simples dos planos; atacal-o riaram-o extremamente. Motta Coqueiro
pelo coração, que suspirava ardentemente percebeu que as suas relações estavam
por uma palavra de esperança, por um estremecidas e desde logo retireu-se tam-
consolo no perdão. bém do familiaridades com a familia do
Carlos se incumbiria de dizer ao ex-feitor aggregado.,
que Mariquinhas o esperava para fallar- Antonica voltou de novo á exaltação
lhe, e Fidélis trataria de sorprehender da sua insensata paixão, e já agora não
com o maior comprometimento a entre- tratava de oecuital-a. Um dia em que o
vista. Vianna veiu á sua casa, rorapeu des-
Balbina reservou-se a parte mais diffi- abridamente com elle, pondo assim a des-
cil, a de fazer com que Mariquinhas se coberto m feernfaitorias do pai, « respon-
encontrasse com Manuel João. deu rudemente a este, dizendo-lho que
Antes, porém, o feitor faria saber ao não o temia, porque teria por si a pro-
seu senhor todo o movimento da familia tecção do fazendeiro.
de Chico Benedicto, conhecido pela feiti- Arrependida de ter assim procedido, a
ceira. moça tentou em seguida remediar o mal
O plano de Balbina mereceu inteira causado, reatando a amizade entre a sua,
approvação de Fidélis, que tratou logo de familia e o fazendeiro e foi procural-o á
pôr Motta Coqueiro de sobreaviso. O fa- essa grande.
zendeiro não viu, porém, nas communi- A allueinação impedia que Antonfaa
cações do feitor mais do que a realisação pensasse na impropriedade da hora esco-
das suas suspeitas acerca das intenções lhida, e Manuel João que, louco também,
dos noivos, tão caros ao seu compadre, farejava os arredores do casarão, viu-a
e mais um motivo para insistir com sahir e seguiu-a.
elle a apressar a construcção da casa Tanto bastou para que os ciúmes vehe-
longe da em que estava agora. m entes do ex-feitor se reaecendessem nTum
Estava quasi a fíndar-se o trabalho do incêndio devastador. Então . passeu-lhe
embalsamento e brevemente Motta Co- pela razão desvairada um argumento cri-
queiro devia retirar-se. Urgia, portanto, minoso, que lhe Explicava o affastâmento
tomar todas as providencias para que o e o odío de Mariquinhas.
sitio ficasse em paz durante a sua au- Antonica tinha tratado núpcias com o
sência. vendeiro ; tinha-a visto dar ao seu com-
— Compadre, disse um dia Motta Co- panheiro as mais claras provas de affecto
queiro a Francisco Benedicto; eu vou de- na sempre lembrada noite dá Santo An-
marcar as terras em que você ha de le- tonio, tão cheia de doçuras para elle ; e
vantar a casa. não obstante o ex-feitor via a noiva do
seu amigo acobertar-se com a noite para
— A fallar verdade, compadre, respon-
entrar sosinha na casa grande.
deu o aggregado; isto não me está chei-
Quem podeha desconvencel-o de que
rando bem. Parece qu© me quer pôr fóra
igual scena não era representada pela
de sua casa,e não tem franqueza de dizer.
preferida de sua alma, causa de todos os
— E' uma desconfiança para que não dissabores que lhe entiesticiam agora a
lhe dei causa, compadre; o que eu quero existencia?
OU A PENA. DE MORTE 71
Esporeado pelo desejo de viagar-se de cedo lhe foi transmittido pelo moleque
Motta Coqueiro, o ex-feitor correu até o Carlos, veiu tiral-o da anciedade em que
se achava.
casarão, mas em vez de bater á porta
Mariquinhas convidava-o a ir imme-
quedou estatelado.
diatamente encontral-a, em quanto não
N V t e homem tão malvado quanto ap-
havia quem os visse, Ella esperava-o por
prehensivo, a covardia exceda a todos detraz das casinholas dos fundos das sen-
os defeitos moraes, que o convertiam em zala.
um ente execrando. O ex-feitor correu promptamente e
Ponderou talvez quão tremenda era a
C3m effeito ahi encontrou Mariquinhas,
odiosidade que o seu passo ia provocar e
graças a tatica da tia Balbina ; o que,
recuou diante d'elle, sam lembrar que, porém» não poude gozar foi aeffasão de
att*nta a • idéa q m fazia da visita da affectos com que o desgraçado contava,
moça á casa grande, era um perjúrio o
A cólera irrompeu-lhe erriçada e bru-
seu. silencio.
tal, e Mariquinhas seria por elle estran-
Não foi só p i r a o ex-feitor que a gulada, se um soccorro inesperado não o
visita áe Antonica teve uma interpretação impedisse.
pouco lisongeira; o próprio Motta Co-
Fidélis a p a r e c e u de súbito no momento
queiro deu-lhe uma explicação injusta.
em que espumando, como um cão hydro-
Recorda a 1o-se das informações que
acerca da familia da Francisco Benedicto phobo, Manuel João puchando pelas tran-
lhe foram ministradas por Fidélis, o fa- ças de Mariquinhas, fel-a tombar em
zendeiro viu apenas n© acto de Antonica terra.
um ardil vergonhoso para que o aggre- O preto não disse uma palavra, mas,
gado podesse continuar a residir no ca- vibrando vigorosamente o cabo do reben-
sarão. que sobre os punhos do aggressor, conte- t
>
que fugira, ordenou,com gritos freneticos, procurando uma farda para estas cos-
que lhe trouxessem o alazão. tas .
A circumstancia da hora impediu o A alegria hospitaleira do prudente ven-
prompto cumprimento da ordem; ainda deiro foi logo obrigada a retrahir-se.
o valente animal de largo folego e car- Manuel João tomara a palavra e, depois
reira tempestuosa pastava namorando de narrar todos os seus soffrimentcs e
com relinchos galanteiadores o lote que o torpezas, acabou por interessar vivamente
cercava. o vendeiro :
Em vão d'ahi a pouco aos repetidos
— Agora escute bem, seu Vianna, eu ao
upas do cavalleiro, o alazão, quasi cosido
menos tenho uma gloria, é que hei de
com a gramma, mediu á brida solta o
vingar-me d'squell9 áemonio. Daixe-me
campo do sitio e depois em rapida an-
pensar e verá. Elle me fez uma ; ha dê
dadura o caminho que ia ter á venda do
pagar-me com juros,ou não estou fallando
Vianna.
com você.
O brutal aggressor tinha podido occul-
tar-se em logar seguro e d'ahi observar O vendeiro, vivamente impressionado
sem ser visto todo o movimento dos es- com o qne acabava de ouvir, ficou medi-
cravos e de Motta Coqueiro para captu- tando por largo espaço. Tinham-se-lhe
rarem o. extinguido os bocejos,e as palpebras como
^"Entretanto Manuel João não tinha cor- que se lhe paralysaram» Temia que fosse
rido até grande distancia; achava-se a descoberta a sua familiaridade com Ma-
meio caminho da venda e d'ahi podia nuel João de quem fôra até certo ponto o
illudir todas as pesquizas. instigador.
Quando estas afrouxaram, Manuel Diversas vezes o vendeiro levantou os
João, deixando o seu escondrijo, cami- olhos e cravou-os no rosto do ex feitor,
nhou cautelosamente até o logar onde o mas, encontrando as feições decompostas
presentimento conduzira também, havia do amigo, desviou o olhar. Vis ivelmente
poucas horas, o fazendeiro. o Vianna temia emittir a sua opinião.
Como uma aranha enorme no centro de — Quer dizer-me alguma couza, seu
immensa teia, Vianna estava no meio da Vianna; falle porque eu ainda tenho ou-
vendola sentado n'um caixão e com o vidos.
tronco recostado em um sacco de milho. — Você não se zanga ?
A ociosidade zumbia-lhe em torno a — Pdde dizer para ahi.
desaflar-lhe bocejos e pairava-lhe já nas — Bailando verdade, Manuel João,
palpebras, que pestanejavam morosa-
você foi um desastrado, e a cousa póile
mente.
custar caro.
Fóra chilravam as cigarras e estalava
— Pois sim; se não fosse por is-o era
ao calor, um panno de fructos de mamo-
na estendido ao sol. por aquillo ; o diabo andava-me com sede.
— Mas se você não provocasse.
Manuel João penetrou de um salto no — Deixe passar o tempo; você não ha de
interior da taberna e antes que o vendeiro fallar mais d'este modo, pó ie ir pondo as
tivesse tido tempo de espairecer o susto, barbas de molho. Lembra-se do dia em
já o hcspede tinha entrado para uma sa- que sa Antonica ia-se affegando ?
leta que se abria scbre a sala da venda. — Tenho de cdr.
— Veiu alguém procurar me aqui ? per- — N'esse dia foi que se descobriu qual
guntou o ex-feitor.
das ti es era a que elle estimava ; beijou
— Temos novas artes, bregeiro ? quem sa Antonica á vista de todos.
ê que havia de vir procural-o ? Tu andas A testa do vendeiro enrugou-se.
OU A PENA DE MORTE 73
tomando um chá que lhe disseram que de Lucio e Motta Coqueiro reinava a mais
era bom. irreconciliável desavença.
O remedio, porém, longe de fazel-a me- Lucio vivia da ser votante, uma profis-
lhorar, dea em resultado o trabalho que são muito rendosa e uma posição muito
temos tido para cural-a, e o susto que respeitável na roça. Sómente é preciso
tivemos de perdel-a. saber fazer o oflâcio de votante, que tem
Vim depois a saber por uma das mu- callos bem doloridos.
camas que Manuel João era amante de O votante é o guarda-costas da aueto-
Carolina e ella confirmou m'o. ridade e da influencia do logar; deve
Avalie quanto estes factos devem ter me expôr por elles a própria vida, como es
incommodado. Eu sempre tive escrupulos antigos germanos expunham a sua pelos
das relações com a familia do compadre, seus chefes.
e agora impressiona-me extraordinaria- Quande algum individuo iacommoda
mente a lembrança das suas familiari- de qualquer forma a influencia ou a auc-
dades com essa gente. toridada, estas esmeram-se em acobertar
Ha por força um fundo de verdade na o seu resentimenèo e impellem contra o
confissão da Carolina e péssima vista fará individuo votante. — especie de cão de
a sua convivência em uma casa, que dá fila que dorme 1/KS á porta.
guarida aos caprichos dos feitores.» A díffereaçs entre os dois animaes é que
Depois destas considerações e de re- — um ataca de frente, corajosamente, na-
commend&çõss familiares, havia na carta valhando e dilacerando com os dentes
e:.te post-scriptum : amolados; — o outro assalta traiçoeira-
— O embalsamento da madeira parece mente e maneja a espingarda ou a faca,
que não terá fim tão cedo. pelas costas da victima.
Ba primeira leitura Motta Coqueiro Lucio, bavia algum tempo, tinha ser-
comprehendeu apenas que havia esperdi- vido para significar a Coqueiro o desa-
çado os seus se a ti mentos generosos, grado em que tinha incorrido para com
quando encarregou-ss espontaneamente o subdelegado de Macabú, honrado con-
de punir o que elle chamava um miserá- servador que dominava o logar, e que,
vel abuso do ex-feitor. para avigorar-lhe a dedicação, ameaçava
Também da sua memoria varreu-se a constantemente, o fiel Lucio com um es-
lembrança de M muel João, por isso que o pectro horrendo— a praça.
seu acto appareceu lhe então ante a me- O resultado obtido paio rapaz foi gsnhar
moria revestido cem as rudes mas justifi- uma inimizado, e esta demonstrava a cla-
cáveis asperesas de uma geena violenta de ramente o fazendeiro negando a Lucio e
arrufos, a todos os seus parentes passagem pelo
- Nascau-lhe, porém, uma repugnância seu sitio.
invencível para com a familia do com- A prohibição tinha sido respeitada por
padre, a quem por piedade dias antes muito tetopo, mas agora acontecia o con-
recomeçara a tratar brandamente. trario ; Lucio, a pretexto de visitar Fran-
Um incidente veiu ainda eggravar esta cisco Benedicto, fazia do sitio o seu ca-
aversão. minho.
•Visinho» ás terras 'lo sitio morava Lucio ConhecUa por Motfa Coqueiro a quebra
Ribeiro, alcunhado o capaáocio. Era um da pena qao tinha importo a Lucio,
mulatinho de vinte e dois annos, fran- e infirmado de suas relaçõ s com
zino, de modos bruscos e palavras atre- Francisco Benedicto, o fazendeiro fez
vidas. Desde longa data entre a familia d'isso um motivo para renovar, mas já
OU A PENA DE MORTE 75
em tom de intimação, o pedido ao com- tava no terreiro da casa grande ora a ler,
padre para que fizesse a sua casa. ora a fumar distrahidamente, ella collo-
— Ouça, compadre, disse elle a Fran- cava-se junto da moita que ficava ao lado
cisco Benedicto; você pensa que é por do casarão e, pelas malhas do trançado de
lhe querer mal que eu insisto em querer arbustos, contemplava-o extatica. Só a
que você faça a sua casa; e no entanto noite tirava a do seu observatorio.
quero apenas evitar questões. Ainda Uma tarde esta contemplação foi per-
hoje disseram-me que o Lucio faz ca- cebida por Motta Coqueiro, que se apiedou
minho pelo sitio e desculpa-se com visitas do desditoso affecto a que elle, por sua
á sua familia. Eu não posso prohibir que honra, não podia bafejar.
você se dê com este ou aquelle, mas não Teve sinceramente piedade de Antonica
posso con j&entir que entre pela minha e dluas vezes agitou o lenço chamando-a
casa dentro um individuo que insultou-me para junto de si.
gratuitamente. Em todo caso, quando Uma recordação prohibitiva interpõz-
voltar ao sitio, desejo achal-o mudado. se-lhe, porém, aos sentimentos compas-
Francisco Benedicto nada objectou. sivos, lembrou-se da carta de sua esposa,
O silencio de Francisco Benedicto foi e uma força invencível impeliiu-o a re-
apreciado por Motta Coqueiro a boa parte, lêla.
e o fazendeiro e atendeu que estava resol- O só contacto do papel fêl-o estremecer;
vida a grande questão da mudança. parecia ter entre mãos uma sentença
Por esse lado creu estar descançado e cruel. O presentimento tornou-lhe maior
continuou a cuidar nos seus trabalhos a avidez da leitura, que ante mão assim
para termin&l-os o mais promptamente abalava-o.
possivel e deixar o sitio que tanto encom- O,? primeiros períodos desfizeram quasi
modava-o agora. totalmente o estado moral que o abatia,
Pensava em Antonica maldizendo a fa- e Motta poule sorrir ás veladas insinua-
talidade que arraigara tão intensa paixão ções âa sua esposa. Para o fim da carta
para a qu#l nem por um fugitivo pensa- a impressão foi bem diversa e o fazendeiro
mento elle quizera contribuir, e no em- chegou a repetir alto os dois períodos.
tanto eollaborara com a esperança. « Avalie quanto estes factos devem ter
A moça vingava-se do desabrimento me incommodado. Eu sempre tive es-
com que foi tratada na ultima vez que crúpulos das relações com a familia do
tinham Miado, deixando delir a sua for- compadre, e agora impressiona-me extra-
mosura por um» consumpção rspida e ordinariamente a lembrança das suas
fatal. familiaridades com essa gente.
Como a nuvem negra que, embora car- Ha por força um fundo de verdade na
regada de aguaceiro, deslisa sem ruido confissão de Carolina e péssima vista fará
pela face do ceu, Antonica, embora aver- a sua convivência em uma casa, que dá
gada ao soffrimento, vivia seaa um ai ao guarida aos caprichos dos feitores, »
lado do eleito dos seus sonhos. A odiosidaáte de que vivia cercado em
Procurava evital-o sem affsctação, mm Macabu, as provocaçõss de que era alvo
uma só esperes* de despeito, mas, ás para que desorientassem-o áos caminhos
vezes vencida pelas necessidades do cora- da prudência e perdessem-o n'uma pre-
çao e ao mesmo tempo contida pelo orgu- cipitação; as calumnias que arrebenta-
lho do amor despregado, guardava um vam do anonymo, á semelhança de uma
meio termo que aliciava-lhe os olhos e nuvem de mosquitos de um pantano, e
sopitava-lhe o tormento. assediavam-o entre zunidos importunos
Quando á tardinha o fazendeiro se sen- e mordidela» incommodas; as ciladas
76 MOTTA COQUEIRO
observação, ella via sempre Motta Co- — SOFF REMUITOJ TEU ESFÂTSO 1 <PLSAA 3B»
faz mal!
queiro retirar-se do terreiro logo ao oahir
da noite. Hoje, porém, o f4^«dmro pa- A voz da moça repassam ss s^
recia nem siquer aporc«b«í'sm do que phyitro irresistível de p a i x ã o z m o Bor-
havia muito que a melanaolid do crepús- dão dan-ic-se espontâneo, sem m mmos,
culo tinha dado logar ao mortiço treme- uma supplica; era o consolo a iiLtíbs^r
que o recebe&sam as ma.gnas sobrancei-
luzir das estrellas.
ras que se fee&âvam no propilo v a r a r ,
Sem saber como nem porq ue, Ari tónica
como &e nisto sa receissseau
veiu insensivelmente approximando-se do
fazendeiro, e, quando já perto d^eile, teve Também o íãas&áeirô, como se já espe-
a dolorosa certeza de que uma dôr pro- rasse a inopinada e^Dsoíação, responieu-
funda o acabrunhava e absorvia. lhe sem scbresalto,
Com os braços cruzados sobre o peito e — Sim, padeço maiio.
as palpebras fechadas, a cabeça descahida A resposta foi recolhida na tepidez de
para traz, Motta Coqueiro jazia em im- um suspiro, ao passo que a anciedaáa
mobilidade de cadaver. apressava-se em ouvir uma confissão 11-
E' fácil descobrir qual o fio dos pensa- songeira.
mentos da amante diante do homem que — E sou eu a causa ! eu que não tenho
fascinou-a. O amor leva seu egoismo a juizo 1 Meu Deus, para que me fez tão má!
attribuir-se todas as felicidades e desven- As exclamações de Antonica, se é pos-
turas do ente amado; imagina que o riso sível dizel-o, eram feitas de lagrimas
ou a lagrima só el!e tem força para pro- volatilisadas'; cunhavam-as uma implora-
vocal-os, só elle tem o condão de meta- ção suave e uma piedade indisível. E
morphosear a existencia em bulcões ou como não ser de outro modo se ella, que
luares, em abysmos trevosos ou em fir- daria, para que o fazendeiro tivesse um
mamento constellado. sorriso bom, a sua mocidade brunida pela
Uma injustiça pungente sangrava ainda formosura, os seus sonhos que ainda não
o coração de Antonica; ella, que se aban- tinham voado ao limiar dcs vinte annos;
donava somente á correnteza de uma se ella, amante apaixonada, tinha-o ante
fascinação, ao deslumbramento de uma os seus olhos... soffrendo.
paixão, tinha sido accusada como instru- As palavras da moça não for»m res-
mento ignóbil manejado por seu pai. pondidas e Motta Coqueiro en^urdecia-se
Não seria o arrependimento de tão na lethargia da dôr.
amarga injuria a causa do abatimento E eu que, ha tanto tempo, estou a
do homem que involuntariamente havia vêl-o d'alli, continuou Antonica, e que
monopolisado a tranquiliidade do seu não descobri logo que scffria. Não estava
existir ?... como nos outros dias, e eu não vim.
Tal pensamento atravessou talvez o Pensei que estava zangado commigo. Só
cerebro da moça, e, como ainda mais do fiquei certa de que seu capitão estava
que as próprias, torturavam-lhe as dôres triste, porque já tão noite e ainda está
do fazendeiro, Antonica approximou-se aqui fóra.
para levar lhe o perdão. Como quem desperta por uma sacudidela
Faltaram-lhe, porém, por muito tempo brutal, o fazendeiro levantou-se e correu
as forças ; a voz sumia-se-lhe, emquanto os olhos em torno de si, e depois para as
que os lábios eram attrahidos pela palli- mãos, em uma das quaes tinha a carta
dez da fronte do pensativo. amarrotada.
Afinal, derramando uma ternura infi- Antonica, assustada por esses movi-
nita, Antonica murmurou timidamente. mentos, ficou immovel, como se os pés se
78 MOTTA COQUEIRO
lha tivesâsín grudado aO MG, ô já fcome- alguém âppareeesse agoia, este papfei
çava a reprehender-se da nova imprttdeh- que você vê teriá toda a razão, e minha
c i á , èspérfiiiiO hífta dâS éíplosSas de mulher poderia com justiça étecusár-mé»
geniOj tãd fáêeis em Mattâ Coqueiro» — 1 que tem sua mulher e seus filhos
Mas em ve« da cansara temida* ehcsh* com a M&ha amizade? Pois que me
trdu a bêíievòlôíi&iãj e se as ffiãosj sè 09 matetâ.
gastos hão se avelludaram em affag^ss* a — Louquinha, faz-me pena»
voz transudou uma dompaikã& grata 0 — {'aòienciai mas é assim j í ^ a t e m ^ e
amiga. Sáqui2érem,mas hei de estimai o sempm
— Yôòê fâsí-me pénâí diise Motta Co- O silèáfeiô permeiou a tristeza â'esse&
queiro | não eohhècà a Vidã$ é Yâi até 0 dois cêra|õôs.
precipicio, querendo ãi-i-afetai* cômsigtf Passado algum tempo5 Motta Coquèird}
aquelles a quem tístMa*. Déifca-ffiè em corâo se hoUvessê encontrado uma solu-
jtôzi Mtôíiisá. Mâgti§m melhor £ue ção decisiva para a Sua situação^ pegou
eu |dâe avaliar o seu séffrimeatoj mas da mão dè Antonica e pefgdiitou-lhe com
tealld dêceâsidâde dê sé? cMel. O Con- voz commovida.
trario era a minha deshonra, 0 déâaso- ^ Eátão efetima^me muito^ Antòhitía.
eegò dê tòda a íâihhâ Vidà ê A Sik des- A mú^a respondei! movendo afíitma-
g r a ^ j Ahtoâidâ; Haja vseê âgaria satis» tivamsfité a eabi^ât
feita cêta as tíiiáhas CaíMâs j — E é é&p&É tazer tudo qua&to m
aáâtíiiiã, qtiãnâò òs sétiã $mis líié lhê pegtk
sém as gôftaãí qhâhde m m apshta^èíi^a — BiM, rê§^biiaêti aiê^eméãté â&tô4
éhtrè mofas e èsêarfieô⧠teria de ãm&l- nica.
diçoar-rile; Neffi Vdêê iiáagiâa qti&hta »1-
— i ' o maior saerifieio da tiia vidâ,
gumâs palavras qda lhê télhò dito* éfcã*
màs àêrá tua tràhquillidàaê mMs tãMê*
tam-me em áríepéndiMêntos Jtdgd-mê
e o socego dos meus. £ramette faèer-me ?
cfimiúôSô áhtè Ôã ffietis filhos ê ffiiiiha ^ Digâi digá já-.
mtílhéf, es èntrétâxlta ã miôhâ m i m á pfer Eil jtiío que htíi de velar pôr fci*
si haO é sehão â dê ttiftf âi. TéfihÔ dd dê út éòihb ãô fbsfeô SèU gaij mas Vôcô ha dê
Mas, meu Deus. d e s g i ^ â ê a íni- fazêfr à vontade ã sttâ fáfnilia, ácôôitando
íiiia qtiê hãtí pòssô nem esstàr àd pê de O bâsâmêhtò cbffl O Viahha.
vôsmèõê um iúfetàtitêj sèfn quê tògd mê — Ah 1 mètt Dêtiô 4, iato é âô Mais»
mande embora; seu cá|)ltld pÓdê fícii? Emc[hafitÔ Múttâ Coqueiro àáãim dedi-
Horas. inteiras a Olhar pára um fcâpei e
davâ-Sê ab zelo |>elft vépúmçU dê Anta'
fite põdô tóê Véi* nêífl hm ínsímtiúM.
•Màú e p i a tíahquillidâdâ do Jâr» trè»
Busêafidé éóMmotef, a moça MO fi?'
hòtoéris t r a t à t a k da miáar sôm raidô 0
mais do que âvitar âindâ mais na meatê
edifício de paz que elle tentava côfiStruiP
de Goquéiftí a íespofisabilidadô que lhô
êm ròda de sii
cabia fia átiéáâ quê se páfesata.
tím jurafâénto de muttm defôía Viíieti-
o papéi píèfôriíiô era a earta êm que
lâva a reciproca dedicação colligâhd0-lhè8
estava gravada a suspeita da sonâMê dtS
m esfói^cs. Eãsês homêns mm. Mishuel
fazéadêírOi e íémbral-o importava justi-
João, Sebastião Baptista Ott melhor SB*
fidar a delicada fepféhéhsla qiiê ho p á p l
bfestião í3tííéira--app6ÍÍiao què 0 Violeiro
oocúltata.
hérdoú a hm SéU ahtigb amo; e 0 Viann»»
— Não devo cOtíSèfitir, èij&tiritiôu O fa-
o mais conhecido dos véhdèitos d& visi»
zendeiro, porque tenho familia* pôíqué
nhança.
téáhS digaidadéi Basta já âe tíOmpFóffle-
O e i fôitòr dó Sitio de Mâtfàbtt, o fcóvárde
timehtOS; é & sua d iflifíhft freídigSò. Bõ
Mahtièl ú mMé ôonspii^v&m
OU A PENA DE MORTE 79
uifla causa rasoavei; tihMâl lévâid &ití- Áê íágrifcal déatífíêiârâm-líiê © êoff f iíhM-
famia â caga do sgg^egâdõ ê téffiiéUl ã to que ptdr ihuitd têmptf áe íófeíliítfa ââ
punição d'ès.gé Atito, ptmiçl© qtíe élléá iMà» á éeffiéihâú^à dê iitfi beãótiío
gioavam tremenda, porque éspê£aVaifi-& fiôgrd no ôatlicô de tifriâ a#&sáà.
fttltfcinâdã ^ Motta COqtieiíO. A p ô í l M grôlSas ê tardââ ligriffiáê êrârfí
A sittíaçlo do f i&léifO ãggfíWatfâ-âe ás a èèriè dêsâoíâdá dá^ âídêfítêfe illusõôs dé
férffia qdé tfcta qtialquôr páítè <|tié èllê Ohf^OrM, tiòjé M6§ câdâferèá j êomãffi
olhasse não déáeèrtihâfã é. Síriadaè ^élô Sàtígtté de tiffi cõrâçáo úieè-
perigos. • - cerado; impunham respêito, ê tésteMtt-
Bui Uffiá dás éfitíefistâã êOttt CM^iiiina fiháfâffitâ êifiééHdadê áòf de quém as
O ânimo âestémidô âú viéMrO hí*VÍ& éii- chorava.
fráquscido e baquéiádo MâémOi Selbãístiâíí fôi õâím|fâ§sifõ Mõ èiitíôfítro
S&staâd@4$fò intãmpastitaáiénté as dâ tdfttifâ qtlé tâtittí âíquèfcfávã á ffiO^á.
pansões, cort&ndó-llé de• HáS gêlpè & fiS Conchegou amOrOsââSéiité aô sêu ô tídn-
dos galanteios" seductores, A í&éç& féí* cO dMittâgfèSiáõ dê Ôíiipiãhá, é áêitdu-
gunWti-líiQ Bm dia: im & éâbèffà sõftfê 6 âéd hétffiWd;
— Yoeê pensá qfie ê Mtíité feltó ? — "Vejâm êdistO, dilêé èílê têtflâiííêâté;
Sebastião riu se com a bóa tdhtádé dé éâíâ aíílicta âisiM é nió nieí diàse M á â .
quem tem p&r hdriáòiSté $ £ò&& dá§is- Diga ,quem é a causa de seu chorô | êtí Az-
sembraáo dé utíiá áffôiçãd qtíé ãédá,< géiSI IM álguMâ éotíâa t àlgúéM ihé óffèiSdêti t
pedir, coasb retri&uiçltf máM do que fim* ¥tôrmpãã9 éÊi SOÍufôi « f i g t í ê t t ô ^
hora de ts©mftttufofip,ê áíg&iiiaâ défldéS» qtiô eht íécOítáfárà-ihé m {raíàVrâá, Chi-
cefídenciâs ãMgãs. quinha arrancou do intimo de êíiâ álíríá
•r* Bia péfgúntft eg-tá* GMfitiáíiAy tíéte grito déèOladôj qtie íhé máltràtâVâ O
pondeu Sebastião; âetttí erti teíihd íaZãd cúfãÇiòj eôíâo se ffié titíiá Mlèt éntffc
para yiêttmt? de èxftra aBsÈneirâ. vaáâ.
O semblante -jEttetOfilo dé dfiiqfitóM ^ Mú ê isto ; ê tiiÉsi dmgMÇãdã ; h é
in«ffídtítt-sé dát tfifctezâ eotnndoVetíté à é já cfoiâ mesieá taívéz quê m êótf fhãi.
desesperação représâ. Era íiiátef eMrar A dôr dé ÕM^uiàíid í^pêiChtití intéiiSá
&m u&a revelação dkfte?éââr <pe gertaf- tíó tíôrd0Q do ttóleiío ' éía a e^fl^ão fòl-
baria nsíessártasacíeiSté' a fefóci-áâdé. alar* caõiôà qtíé, aO pàsssõ quê ésbfâséiâ a ói-à-
deadss âlácfétfíeâté plOifeU ãí&afité, téfáj tíõbfe o éspsíço dê fujEâO,- olátf ééá e
A delicadesa do áfi&tOr pe<!iÉ-Íhe qtie Sé vOMit^â Vê^âlélhésé fâz eàfò&áétíèf todd
calaÊse^OíjÈíelmdíe d® pu^Oí acOvardaVa-a, úêólú m ãmeâéfi,
mas o perigo da suâ poáiçio dé iHfiâ-fâ* rnpêisf dê ttmà l&ngá pâtisà, qtíe péáOti
tiailia exigia que elía fiasse o áacíiáeio e QÔIMÔ itmâ b a f t â dé férrô sôbré <x ôi&p
desvendasse aos olhos» de Sebastião o ftí- ção da moça, Sebastião &m úê olfio^bâi-
turo que a esperara. xos e á voz afinada na entoação da àh-
— Você vive feliz, hão é verdade ? ge- gtistiá.
meu a voz dá íhoçiíSpois eu vivo bem — Só há uni tmeâíOi m n f m i ó H ; íú*
triâté. gimôs.
— Ora mst agora, M Chiquiíihá; ê — Fíigif, maá túêa p i , méu irmão hão
quem foi que matott ás guâs pitem í de peréegtííMíôS; á â s VOeÔ ptôtíiêtm
Esta nova resposta éè gaftastiSõ ôOii- câsatr^e é&mmígò. Md queí-O fugií, nãd
vencia á Wtiç* ã&qteUmn devo.
longe estavá do pensamento ã® se&amâttté O violei fd estâva dé /eito? cotômovido,
aquilatar st extensão da desgraça que ea- & nlo érâ coítí 0 fim de fuítaí-sé á réã-
haumdhe a pouco e pouco ai esisttfnclafc ponsábilidade c(aé fírepuzeíA o álvitté X
80 MOTTA COQUEIRO
Chiquinha; era o meio mais expedito amigo, o Vianna gritava á porta o fami-
para sabtrahil a ás iras da familia. liar— olé âe casa 1 e entregava ao critério
— Você disse muito bem, sá Chiquinha, do protector e guia ccmmum as suas ma-
ó uma desgraça, soluçou o violeiro. O que guas e sustos.
não vai ser de nós ; esse maldito capitão, O violeiro ouviu cam o maior sangue
seu pai; é uma desgraça, e o único re- frio a exposição dos acontecimentos que
medio ó este, fugir, Mais tarde eu reme- se atropeliavam a favor áos tres con-
diarei o mal, juro. Prometta-me que sa- jurados, respondendo apenas á saciedade
hirá d'esta casa. do Vianna com um frequente—continue.
— E' o que quizer, respondeu Chiqui- Quando Vianna concluiu a narração a
nha; eu já não sai o qua faço. afflictissxmo começou a dar aos -diabos o
Desde então os amantes esperavam só- pensamento de possuir Antonica, o vio-
mente a opport unida de para levar a effeito leiro desatou n'uma gargalhada estri-
o expediente desesperado. dente e franca e exclamou com uma.
O violeiro, certo da gravidade do passo alegria feroz.
que ia dar, julgou-se desde logo irreme- — Então o Thebas está pelo beiço pela
diavelmente perdido aos olhos de Motta Antonica ! E' verdade mesmo, o diabo não
Coqueiro e ateve se resignado-se ao seu abandona os seus.
infortúnio. Não era isto o que os dois interessados
N'este estado de espirito foram encon- esperavam ouvir de Sebastião; a calma
tral-o no dia em que Manuel João tinha do violeiro percudiu-lhes a derradeira
sido forçado peias circumstancias a dei- esperança e ambos bradaram furiosos:
xar o sitio. — Com os diabos I você está sempre a
Sebastião era a cabeça que dirigia to- vêr motivo para risadas, mesmo quando
dos os planos astuciosos do triunvirato. o caso não é para isto.
De improviso elle achava os meios para — Pois o que é que vocês querem, con-
obviarem-se dificuldades consideradas tinuou Sebastião, que não parava de rir-se;
insuperáveis, e além d'jsso integrava com estou com o melro seguro. "Vocês vão ver.
a coragem temeraria a covàrdia dos seus Apó3 a expansão estrondosa, que sobre-
companheiros. Era o Tyrteu no meio maneira desnorteava os dois timoratos
d'aquelles dois lacedemonios ir resolutos. conjurados; Sebastião, assumindo um ar
Manuel João procurou o seu valioso grave,poz-se a pasaeiar de um para o outro
amigo sómente na qualidade de hospede, lado da sala desornada.
porquanto não tinha outra pessoa a quem Durou ptiuco a meditação. Acercando-se
recorresse. Também limitou-se a narrar de Vianna disse o violeiro seriamente :
- o que se passava com elle, deixando á — Isto de amisade do mais arranjado
margem as relações do fazendeiro com com o pobre ó sempre uma boa pulha.
Antonica. Diga portanto cá, seu Vianna ; você quer
Vingava-se d'esta sorte do vendeiro que, gastar alguma cousa ou não quer ?
em vez de consolal-o na sua desventura, — Assim como vão as cousas, respon-
achara azada cccasião para censural-ò. deu o vendeiro, ha de ir tudo pelos ares.
Certo de que o Vianna nada resolveria Estou prompto para a despeza.
por si só, encobrir a Sebastião o que — Pois dê-me de cinco a dez mil réis, e
dizia respeito ao vendeiro importava tor- deixe rolar o dado por minha conta. Vá
tural-o ao menos por alguns dias. ; para a sua bodega sem medo, porque sé o
Mas infelizmente para o ex-feitor o seu individuo não lhe mandar tirar a vida
calculo foi de relance burlado; duas horas pelos escravos, ha de pagar-nos com lín-
depois da sua chegada á choupana do gua de palmo.
OU A PENA DE MORTE 81
— Mas o que é que você vai fazer ? Branco, elle não desdenhava sentar-se á
homem. mesa com os genuinos da raça africana,
nem com os filhos do seu cruzamento;
— Isto é segredo, esaorrupiche o cobre,
fazia este sacrifício a bem de seu negocio.
que ê o que; serve. Também era elle quem apresentava no
Satisfeita, não sem escrupulos e pezar, mercado campista o melhor peixe sal-
a exigencia de Sebastião, o vendeiro tor- preso da Lagoa Feia, e a melhor gara-
nou para a sua vendola, cujas portas teve poca das mattas de Macabú. Trabalha-
a precaução de especar solida e cuidado- vam-lhe a rasto de barato.
samente. Activo, diligente, intrigante, tudo a bem
No dia seguinte pela manhã, o violeiro, do negocio, estava sempre trabalhando,
esgsnchado sobre a ossada do — Suspiro, porque dizia elle—a familia vai crescendo,
ao qual o micuim convertera o couro em é preciso aguentai-a. o
um archipelago, marchava para a casa de Devotado de alma ao subdelegado, a
Lucio Ribeiro. quem chamava— o meu homem—só havia
Depois doscumprimentosao capaãocio, uma âffeição que lhé era mais cara—
o recem-chegado, arranjando uma entoa-
qualquer transacção commercial por me-
ção de gracejo, perguntou-lhe de súbito:
nor que fosse; a esta consagrava se em
—Então como vai de amizade com o
alma e corpo.
tútú cá da terra, o grande capitão ?
Quem fosse a Lycerio e lhe acenasse
—Mudemos de conversa, respondeu Lu-
com uma ntta do thesouro ou do banco,
cio ; aquillo é bise asinha que nunes me
podia descançar, que, se ella chegasse
passou da garganta.
—Isto é fumaça, seu Lucio ; se o ho- para o preço, estava servido.
mem ficar com o governo, você ha de Tal modo de pensar congraçava em
mudar. torno do negociante rabula uma clientella
—Veremos ; mas alli fica a serra dos immensa e devotada.
Olhos d'Agua e a minha espingarda não A sua casa de negocio, sortida de todos
•nega fogo. os generos, desde o medicamento até a
— E se alguém mostrasse um meio de carne de xarque, desde a ferragem até
livral-o do bicho, você tinha coragem ? as finas cassas, adaptava-se ao verso e *
— Experimente , respondeu resoluta- reverso da vida humana : era para a
mente o capadocio. saúde e para a enfermidade.
—Se tens coragem, meu velho, põe os Alli reunia-se a guapa rapasia do
arreios ao teu panga e vamos ao Lycerio. logar, os galhardos dançadores do' fado,
Tu és também da autoridade e o Lycerio amantes do murro, das brigas de gallo e
é unha e cama do subdelegado. apostas de natação, e o emporio, graças
Dentro em alguns momentos os dois a este ajuntamento diário, assemelhava-
trigueiros pernosticos marchavam em di- se a uma officina de toques e cantilenas.
re
cção á casa do amigo do subdelegado. Lycerio animava a freguezia, e demo-
Joaquim Lycerio, conhecido pelo al- rava com aneedotas e intrigas aquelles
cunha cigano, tinha grande influencia na que se queriam afiastar; a causa era o
localidade, peia sua dupla posição de ne- borrador, o seu caro borrador.
gociante e chicaneiro. Taes eram homem e casa procurados
Os moradores do sertão confiavam-lhe pelo violeiro para desfechar o «golpe em'
todas as suas causas e embora as perdes- Motta Coqueiro. .
sem, diziam convictos a seu respeito : Recebido pela amabilidade de Lycerio,
— Aquilio ó que é um homem para pen- o violeiro cortou as 'expansões do nego-
dências. ciante, bradando;
0
82
MOTTA COQUEIRO
— Êta l i , meu branco; eu não vim para costura ou em qualquer outra cousa em
á prosa, mas para serviço ; aqui está uma que a senhora tenha de mexer.
de cinco e eatre ps,r, o eseriptorio. — Qu^l o que, seu Manuel J /ão, eu en-
— È' requerimento, seu diabo, já sei; trego mesmo na mão da senhora; é mais
alguma citação para conciliar ; eu tem- certo.
pero a cousà. — E* verdade, mas como o amo anda.
— Qual reiuerimattto, interrompeu Lu- zangado com migo pôde se aborrecer com
cio ; é uma carta de recomméndação pára você por levar uma carta minha á se-
o bom capitão, o nosso amigo Çtqueiro. nhora, e a final você vem a soffrer.
— Caspite ! exclamou Lycerio, que per- .0 moleque, lembrando-se da ameaça do
cebia o sentido dss palavras de Lucio, e seu senhor na noite da primeira entrevista
a quem é que se vai recommendar & joíâ í de Antonita, aceitou plenamente a obser-
—• A' pessoa que ha de gostar muito da vação, e concordou com o expediente
festa ; porque o bicho deu em .passari- mo»trado pelo'ex-feitor para que a carta
nhem) cU pois dos quarenta ; quero fe- chegasse so seu destino.
commendal-o a quem se interessa por Estava desfechado o primeiro golpe,
esta nova. cuja profun Jidide o tempo e os aconteci-
Rindo muito amistosamente, os tres in- mentos incumbirarn-te de mostrar.
terlocutores, depois de uma libação a um5 A opportuaidade para o segundo não
copo de vinho, entraram para o escripto- tardou a apresentar-se.
rio de Lycerio. Ofendido peia intimação de Motta Co-
VII queiro, o aggregado tratou de angariar
i elementos para a construcção da casa r e
AS INTRIGAS
alguns dias depois, graças a emprestimos
De volta <?a casa ds Lycerio, o violeiro" de dinheiro por p.rte do subdelegado e
congregou os seus companheiros parai dos serviços cfferecid^s por Lucio, o ins-
effectuar a distribuição dos papeis, qué pector André, Sebastião e Vianna, come-
não tardaram muito a ser desempenhai os; çaram-se a fincar os esteios.
As operações deviam começar com á Lisonjeado pelo acolhimento que rece-
partida de Motta C cqueiro ps ra Campes é beu dos seus visinhos, F r a n c i s c o Bene-
esta effectuou-se alguns dias depois, pelà dicto convenoeu-sa logo, o que era fácil
influencia dolorosa que teve no espirito ao seu caracter, eátar invulnerável diante
do fazendeiro a cai ta de sua esposa, do seu compadre, fossem quaesquer os
N» véspera da partida, protegido pelá abusos que para contrarial-o praticasse.
08rteza que todas as pessoas do sitio nu- Assim, contra a vontade do feitor, e
triam de que elle não ousaria approximar- zombando até das ameaças d'e«te, lançou
S3 do seu ex-amó, Manuel João conseguiu mão de bois do sitio para carregar a ma-
f iliar a Carles. deira que tinha necessidade e provia-se
Vinha pedir-lhe uma coisa muito sim> dos cereaes de que precisava nas roças
pies: ser poitador de uma carta para á do seu compadre.
Sra. D. Maria. Essas represalias continuadas punham
Um generoso porte espiou iramedial- patente a mudança de F r a n c i s c o Benedicto
tamente a boa vontade de Carlos que, no modo de pensar a lespaito do seu pro-
não obstante, tev& medo da empreza por tector, e pela sua gravidade mesma não
uma circumstancia que lhe foi addicio- podiam passar desapercebidas aos olhos
nada... do violeiro.
— V ocê leva a carta } disse Manuel João, O vendeiro foi logo posto em campo
e lá um dia deixa-a ficar na cestinha da para extremar de uma vez esta ^situação.
OU A PENA DE MORTE 83
Já a nova essa, como um grande es^ Á moça, que estava cosendo a um esnto
queleto, erguia-se completa no seu madei- da sala, interveiu dissimuladamente na
ramento. At» lad o à^ella aval t ova ca gran conversa.
des pilhas da sapâ, que era,m destinadas — MÍSS eu não tenho vontade de ca-
a c u b r i r e m a Cumieira; e junto das pi- zar-me, papai; estou muito creança ainda.
lhas, em- enormes buracos, revolviam-sô — Cra vá d'ahi, atalhou bruscamente
as enxadas amassando o barro para su- Francisco Benedicto ; quem sabe se você
pgpar ss paredes. deve ou não deve casar sou e u ; pôde
O vendeiro, que tinha contribuído assaz metter a viola no saçco.
para a rapida promptfficação da casa, O que passou no coração de Antonica.
travou conversa com Francisco Benedic-' é ifâdiscriptivel, mas, a julgar pelo Seu
to a respeito do casamento. semblante, o golpe foi tremendo. Ella nada
— Então, seu Chico, é d^sia ou áa outra respondeu, mas o seu olhar fulminou,
que ha de s ahir o casamento. com a indignação e o despreso, o pertur-
— A sahir, seu Vianna, ha de ser bado vendeiro.
d'aqui, com o favor de D^us. Aquellâ Convencido de que Antonica submetter-
amaldiçoada , casa não me vê mais dentro se-hia á vontade de seu pai, Vianna es-
de oito dias, merava se em multiplicar obséquios ao
— Está-lfee esm muita gana hoje, mas aggregado, todos os dias de manhã vinha
já gostou bem d'ella. en^ontrar-sa com elle no casarão e d'ahi
— O» passado, passado. Hoje até me acompanhava-o á casa nova, onde não se
parece que ;.se o casamento sahisse de lá poupava no trabalho do embarréamento.
vocês haviam de ser infelizes, tem-me Era chegado o dia em que se devia dar
acontecido alli o diabo; estou com os ca- a ultima de mão á obra ; faltava apenas
belios brancos. embarrear algumas paredes interiores e
assentar as portas e janellas, que não
— Na verdade deu-lhe agua pela barba. eram muitas.
— Aíoecêu-me a Antonica proseguitt Todos os amigos de Francisco Benedicto
Francisco Banèdicto, que desde a queda apresentaram se logo de manhãsinha
no rio nunca mais teve saúde ; Chiquinha para, em companhia da familia d'este,
está que parece opllada,e se ella já tivesse
festejar o final da construcvão.
ido á igreja bem se podia dizer ao marido
Em ra acho festivo partiram para a nova
que era tempo da tratar das toucas de lã;
casa, acompanhados pelo aggregado, sua
a minha Mariquinhas, que era d'antes
mulher, o Juca e Mariquinhas. No casa-
um gaturamo, que passava os dias can-
rão ficaram Antonica e Chiquinha, cujo
tando, an la-me agora com uma cara de
estado de saúde impedia-as de caminha-
poucos amigos, bisonha e aborrecida.
rem através do campo, das picadas dos
— Mas então posso contar com o sim
capoeii ões ainda orvalhados.
da sua parte, seu Chico ? perguntou
Pouco tempo depois da partida do ran-
Vianna.
cho, chegou ao casarão, silencioso, o ven-
— Palavra de hoara 1 e vai vêr corno deiro que trazia as mãos carregadas de
isto se decide hoje, respondeu o aggre- garrafas e o coração cheio de alegria.
gado.
Antonica véiu recebel-o á porta e noti-
A' noite voltaram para o casarão é ciou lhe seecamente a partida da familia.
Francisco Benedicto, chamando sua mu- Contrariado pala friesa da recepção,
lher, dúse-lhe que tratasse de vêr o que Vianna apressou-se em despedir-se. Quan-
se havia de fazer para os enxovaes de do já se havia affastado alguns passos do
Antonica. casarão, Antonica fèl-o parar e aproxi
84
MOTTA COQUEIRO
mou-se d'elle, dissimulando o Sflio que Pensa que eu não lhe estimo ? E máu
lho gerara a persistência do vendeiro no pensar; não lhe estimaria mais uma
desejo de recebei a comò esposa. irmã. Pois se vosmecê foi sempre bom
— Ohl seu Vianna, exclamou ella, para mim e a prova é gostar ainda
vosmecê está se enganando por seu gosto, de uma pessoa que já lhe maltratou. Mas
ouvindo o que papai lhe diz. Eu não escute, eu juro-lhe por Deus que nos está
quero esse casamento; e não se deve ouvindo, se eu pudesse... mas não está
obrigar ninguém para esse fim. em mim, ê um feitiço; tenha dó, vosmecê
— Isto é criançada que ha de acabar teve mãi e pai, pelo amor que lhes teve
com o tempo, sa Antonica; respondeu me perdôe. E' que eu nunca viveria con-
Vianna dando ás suas palavras uma pun tente.
gente entoação de mofa.—Quer saber, eu Estavam claramente provadas as affir-
apanhei outro dia uma jurity no ninho; mações de Manuel João; o vendeiro ouviu
íevei-a para casa, e prendia-a n'um vi- no soluçar da supp!ica de Antanica a reve-
veiro. Que bonito passaro ê a jurity, não lação de um amor profundo, arraigado,
é ? Pois esteve bravo e quasi morreu, mortífero.
tanto bateu com a cabeça nas taboas do Não era igual a esta a affeição que elle
viveiro. Hoje está mansinho como um votava á moça; era uma cousa que im-
cordeiro e macio como um velludo. As pressionava ás vezes, mas que nunca lhe „
mulheres todas fazem como as juritys; ensombrara a razão ssq jer um momento;
amansam-se. Bom dia, sá Antonica nunca lhe arrancara lagrimas e soluços;
A dôr de tamanho escarneo encheu de nunca lhe diminuíra ao menos o apetite.
desanimo a debilitada Antonica, A's conti- Molestou-o, ê verdade, o mau trato que
nuas vigilies pranteiadas, que eram o seu recebeu da sua noiva, mas do mesmo
viver desde que ouviu a seu pai a senten- modo que o melestava a firmeza de um
ça que tanto lhe torturava o coração, a freguez quando, para não chegar ao preço,
moça debatia-se em meio das mais atro- ia fazer negocio em outra ven<ta. Demais
zes angustias. elle não pensou nunca em triumphar
De um lado flagellava-lhe o seu amor senão em virtude da sua posição de nego-
prudentemente regeitado, de outro a im- ciante e credor do pai de Antonica. O seu
posição cruel feita á toda a sua vida. Do casamento foi sempre, no seu entender,
meio d'esse flagello elevava-se-lhe o espi- um problema que, mais do que o coração,
rito para logo desmaiar em acerbas in- a gaveta do seu balcão podia render.
consequencias Ao dar de face Com esse mundo de ago-
Já não sabia resolver-se, boiava á mer- nias plangentes, a sua innata grosseria, a
cê de esperanças, & feição de illusoes ca- sua alma semelhante ás prateleiras da sua
ducas. Imaginara muitas vezes que as vendola, pouso e attracção do mosqueiro,
suas lagrimas teriam forças para conven- a sua falta de sensibilidade emfim só en-
cer o vendeiro de que elle só conseguiria controu uma pergunta bestial, e uma
fazer a sua infelicidade, e então deleitava condicção miserável.
em sonhar a piedade d W e homem com- — E' a quem é então que sa Antonica
movendo-se diante da sua sinceridade, estima? Se me disser o nome talvez eu
e salvando a de um martyrio sem fim. ceda.
Assim, pois, em vez de romper como O pudor da moça cobriu com um veu
era de esperar do seu génio fogoso, Anto- roseo o nome pedido, e o seu olhar in-
nica apenas desculpou-se e supplicou. fiammado, convergindo para o collo, para
— Nem sempre as juritys se amansam, esse espesso involucro do coração, fazia
á3 vezes as coitadas morrem de desespero. pensar na espada de fogo do archanjo
OU A PENA DE MORTE 85
Além d'isso, Antonica e Chiquinha, que m^s eu não sou o dono da festa, a culpa,
tinham chegado por ultimo áreunião, coh- é toda do Vianna que, sempre que a,
sérvavam-se visivelmente tristes, e man- gente falia no caso, fica extranhão como
tinham tão grande reserva csm os çirr uma creança de peito. 7 .
cumstantes que foi necessário explicar -r ppis isto não se faz aos amigos,
pela moléstia este factomespèrado. Sr. Viaana, continuou o subdelegado, á
No fim do jantar o subdelega© Oliveira, meáida que caminhava para o vendeiro.
a quem já o gárrulo aggregáíp havia an Pond^ lhe depois as duas mãos sobre,
nunciado o proximo enlace de Antp^ica os hombros e sacudindo© amigavelmente
com o vendeiro, admirado do affasta- proseguiu:
mento requintado entre os'-noivos, acer- — Já tem padrinhos, seu maganão ? O
cou-se do inspector André e disse-llie segredo nestes negocios é grande ta-
muito á paridade:" " leima. - *•„.
Oii! seu Á.Xíà.vê, não lhe ^àrecé que
aíida caça escondida à'este mátto ? Via#|ia, porém, nao deu em resposta
— V. S. que o diz é porque' é ; mss senão o riso alvar da acquiescencia con-
tombem se ha é tio arisca que ha de castar trafeita e Antonica denunciou claramente
a repugnância que lhe causava a audiçãç
a sahir da toca.
de palavras referentes ao consorcio.
— Pois bem, fique você'na espera, com
— E' novo isto, exclamou Oliveira, os
todos os cinco sentidos, emquanto eu vou
noivos parece que se zangam com a gente
pôr-lhe Q# cachorros.
porque lhes falia no casamento. O Viãn-
— Mais fácil é sp.r mordido por umar
na está macambusi© como um boi mor-
jararaca do que arredar pó um momento,
dido de cobra, e a Antonica arnarellou
respondeu o inspector, aproveitando o como uma fiôr de abóbora E M bom, esiá
encaixe para um riso apigarr^do de adu- bom, n|ose casam, não; quem é que disse
lação. qua vocês se casavam ? Ora é boa, nS©'
A' pouca distancia d'estes interlocuto- faltava mais nada ; calumnias 1 Ha muito.
res conversavam muito intimamente o mâ-lingua n'este mundo.
vendeiro e o violei o, Graves questões
debatiam a julgar pela gesticulação ani- Uma risada estrondosa acolheu o gra-
mada e um cerro ar d® irreâoluçlo que cejo dó subdelegado, que regosijou-se in-
envolvia o ven d airo. tíricrmente com a cèitiza de ter desco-
O subdelegado toco ou. nota do qi?e se berto c segredo dos noives, é, satisfeito
passava «ntr* os dois e bem assim dò olhar com esfía victoria da sua perspicácia, mul-
attento com que A « tónica os seguia, nãp tiplicou os epigrammas, com o fim de
obstante parecer cuicu&nfctameniô absor- ccn eguir pela irritação o que não podia
vida em uma eonver -açiío com Colqui;. tia. obter espontaneamente.
Batendo as palmas jovialmente, Oliveira — Já ha via-me passado pela cabeça uma
achou se logo cercado pqr todas as pes- idéa, disse elle ; era servir de padrinho ao
soas presentes, © começou n ) tom n^ais Vianna, se isto fosse do seu agrado, e nãa
«ordiai de meiuoria ue feoaens: houvesse pessoa msis considerada já convi-
— Para aqui junto de mim, Sr. Chico ! dada. Depois eu disse com os meus botões:
eu não metto prego sem e.-t» pa. D.ga-mí! não, não me bffareço ; o Cfiico é lá aggre-
cá, não síe faz.im os convites para o receio gaio do capitão e ha (te querei'que elle
a vós % Ande lá que parece querer 4ei- seja o padrinho; já lhe deu a baptizar
xar-me ficar no tinteiro ? uma filha...
— Bsm f&llado, meu senhor, muito — Mas hoje, interrompeu o 8ggreg[&(iOj
bem fallado, respondeu o aggrega,do; não lhe dou por meu gosto nem um c<5ço
88
MOTTA COQUEIRO
cfagiia. E' bichinho que entra cOm pés de Na porta do casarão, com o chapéu de
lã e depois arranha e morde. lebre na mão e rosto carrancudo, assomou
— Isto é o que você pensa agora, mas Faustino Silva, que apenas saudou o
antes elle era o sau deus; e o Vianna ainda aggregado e seus hospedes, e logo reti-
hoje não tem razão de queixa. Não é ver- rou-se depois de ter entregado a Fran-
dade, santinho ? cisco Benedicto uma carta que lhe era
— Queira perdoar vosmecê, seu subde- dirigida pelo capitão Motta Coqueiro.
legado, mas eu hcje estou , um pouco Um movimento de sorpreza descorou
doente e vou-me chegando á casa, respon- todos Os rostos e ainda os mais corajosos
deu o vendeiro. - estremeceram involuntariamente. Da feito,
— E dispensa uma companhia ? inter- ^ era singular que em tão pouco tempo de
rogou Oliveira. ausência já o fazendeiro tivesse motivos
urgentes para dirigir-se ao seu compadre.
— Está visto que não, até gostarei.
—
' • Pois n'este caso eu vou comsigo; a A pedido de Francisco Benedicto, o sub-
conversa abrevia muito as viagens. delegado collocou os seus oculos, quebrou
a obreia da carta e leu com voz pausada:
— O melhor é irmos todos, ponderou
Sebastião; não ha nada mais a fazer aqui a Compadre,
e para palestrar estamos muito melhor a Ao sahir do sitio tinha-lhe pedido que
lá no casarão. se apressasse a fazer a sua casa no logar
Quando o farrancho ia a entrar na casa que demarquei para servir-lhe dô situa-
do aggregado, o violeiro, apontando para ção. O tempo que o compadre gastou para
o porto, chamou a attenção geral para levar a effeito esta condição do trato que
essa parte do campo. de viva voz fizemos, quando entrou para
— Parece que chegou canôa da cidade nossa casa, faz me crer que o compadre
e se não me engano aquelles que lá estão ainda não ccmeçou o trabalho, ou que
no porto são o Faustino Silva e o Pe- não o terá muito adiantado. Aconselho-lhe
regrino. agora que ou não comece, ou pare a
Dentro em alguns minutos não houve construcção.
mais duvida ; as pessoas que estavam no A razão por que lhe aconselho isto é ter
porto, com os remos ás costas e cestos á deliberado montar melhor o meu sitio, e
cabeça, tomaram a direcção da casa tirar proveito d'elle de todos os modos.
grande. Sabe o compadre que o sitio não tem
— Agora não sai ninguém d'aqui, grande extensão e por isso não posso
exclamou o aggregado; o Faustino ha mais dispensar terras para estabeleci-
de candongar por força ao amo e eu mento de aggregados ; ao contrario pre-
quero metter-lhe ferro por saber que ciso de adquirir maior terreno.
vocês estiveram commigo. E' uma paga- Proponho-lhe um negocio que lhe será
sinha dos desaforos que me tem feito. vantajoso ; o compadre passar-me-ha por
E' direito, muito direito ; acrescentou o uma avaliação as suas bemfeitorias e fi-
violeiro ; mostre-se áquelle inchado ca- cará morando no casarão até que eu lhe
pitão que a gente não morre de caretas. possa arranjar um outro fazendeiro que
Todos concordaram com a resolução tenha terras devolutas.
do aggregado, patrocinada pela arrogân- Recommendo-me a todos e faço votos
cia do violeiro, ainda que não muito por para a inteira cura da Antonica. »
vontade do subdelegado e inspector, que — Não se pôde crêr em tanta infamia,
só ficaram para não mostrarem-se me- exclamou o subdelegado, ao terminar a
drosos. leitura.
OU A PENA DE MORTE 89
. Eu já esperava por'esta,'ajuntou Se- uma porta, sahiu por outra e manda el-
bastião ; elle é capaz de mais ainda. rei que conte, outra.
Franci&co Benedicto vociferava como A applic&ç&o da historia contada pelo
u m possesso contra o compadre, e lasti- violeiro era f&cil de mais para que todos
mava-se ao mesmo tempo, e concluiu por immediátamente não a fizessem. O sub-
uma interrogação e uma ameaça. , delegado que desde o principio do conto
B U S(5 queria saber quem foi o demó- percebeu onde elle ia bater, desejoso de
nio que me indispoz d'está sorte com o tornar mais explicita a censura, que
diabo do malvado ; havia de moei-o a tanto infamava Motta Coqueiro, reteve a
pauladas ; ôésse no que désse; erupção da cólera de Francisco Benedicto,
ponderando ao violeiro:
_ Nada- é mais simples do que descobrir
a causa, interveio Vianna ; procure bem — Ora, outro ofiB.cio, Sebastião, isto é
por aqui mesmo; indague bem dentro de uma historia da carocha.
sua casa e verá. — A's vezes são verdadeiras, respondeu
Todos olharam-se espantadosj e cada o violeiro, ,e esta ê, eu lh'o juro.
um sentiu-se vexado como os apostoles Vianna que, depois de atirar a suspeita,
quando o Christo annunciou a sua próxi- se havia calado, collocou-se então na
ma traição por ttm dos que com elle frente de Francisco Benedicto, cujas mãos
.se. reuniam no Cenáculo. segurou, e disse, voltando-se primeiro
Antonica foi quem soffreu o golpe mais para o subdelegado e depois para o ag-
rude ; tinha a certeza dolorosa de que as gregado:
palavras de Vianna eram o prologo de * — Infelizmente ha historias da carocha
ima vingança desapiedada e inexorável. que são verdadeiras, e aqui temos uma
Sentiu faltarem-lhe as forças e não pôde prova. Seu Chico, escusado é ir longe
retirar-se da sala, como erâ seu desejo, buscar o seu inimigo; Antonica pôde
i — Eu vou contar uma historia, excla- dizor o que ha ccm o capitão.
mou Sebastião no meio da perplexidade O effôito das palavras do vendeiro exce-
da todos ; é uma historia que me conta- deu á máis caloulada espectativa: aama-
ram ha muito tempo. Havia um< trabalha- rellidão cadaverosa que tingiu as faces
dor já idoso que tinha muitos filhos, de Antonica, o tremor convulsivo que a
entre os quaes algumas moças, que todos obrigava a tiritar, o stupor chispante que
diziam ser muito bonitas. 'Um dia o ve- estagnou-lhe o olhar faziam pensar a
lho achou-se meio do matto sem casa todos os circumstantes não em um pro-
onde morar, sem trabalho; uma des- testo doloroso a uma effensa pungente,
graça. Um fazendeiro da vizinhança mas em uma confissão estorquida de sú-
! mostrou ter dó d'elle e ehamou-o para a bito a um sigillo que se julgava invio-
' sua casa, mas infelizmente o velho tinha lável.
filhas que eram umas jóias, e o fazendeiro E tinha justificação eloquente a pertur-
gostou d*ellas. Queria d'este modo cobrar-
bação da desventurada moça; pobre pé-
se do favor que tinha feito. 0 que houve o
rola perdida em um etterqujlinio de ca-
que não houve entre as moças e elle não
racteres em decomposição, sentia se ali-
sei, não me contaram ; o carto é que
desde que as moças foram pedidas em nhavada nos farrapos sordidos de. uma
casamento o fazendeiro começou a mal- vingança baixa e v)llã,que, sem coragem
tratar e a perseguir o pai a quem tinha para um desforço não já em uma lucta
antes protegido. de honra, mas sequer em uma embos-
cada, lançava mão da intriga e por ella
Ora eis ahi como foi o caso; êntrou por espojava-se em uma alegria insensata.
90 MOTTA COQUEIRO
vegetam sempre nos corações apodreci- quem visse Antonica ir por diversas vezes
á casa grande sosínha, e quasi sempre de
dos pelo vicio ou pela ignorancia, do
noit°.
mesmo modo que certas parasitas pre-.
ferem as a r v o r e s mortas para se .prove- E ainda não querem vocês que eu
rem de seiva. o; tire das costas d'&quell& sirigaiata os
O vendeiro não podia, s«3r classificado passeios sem licença dos seus pais ? I
senão na ultima das: du«s classes de — Bu por minha parte nada suspeitei
amantes, e por isso mesmo condescendeu nunca, mesmo depois que me contaram o
com a espei'811Çs dada por Sebastião..; caso, mas hoje sa Antonica me fez uma
Sepitando-se ao lado de Francisco Bene- partida que me fez pensar muito sério.
Depois de tudo tratado,disse me sem mais
dicto, começou a asserenal o, quando lhe
nem menos, que não me estima, já, e que
pareceu opportuno.
por vontade a'eÍl<*jáão se casa. Emfim eu
Ò velho, já vencido pela argumentação
não digo nada,mas uma cousa á'estas.tem
t e r s a do sub ielegado e pelas meias pala-
muito peso.
vras consoladoras de Sebastião, havia pon-
derado criteriosamente. Apezar de attenuaia de alguma fórma
— Quem pôde dizer se eu tenho ou não a culpabilidade de Antonica, todavia o
motivo para damnar é o Vianna, elle é aggregado não se mostrava propenso a
quem sabe do negocio, mas está ahi ca- forrar-se da supposição desairosa para
lado como um garrafas lacrado ; é q u j com sua filha. A tacíica do "Violeiro tor-
elle pensa commigó. nou;sé necsssaria, indispensável, para
Tem seus conformes, seu Chico, obser- multiplicar a queixa do seú inseparavel
vou o vendeiro; eu ainda não fillèi n&da. amigo.
— Pois safe se d*ahi logo com o qtli -r- Pela parte ãe sa Antonica pdíe des-
sabe, gritou o violeiro ; é prêciso a gente cançar, seu Chico; ellaó incapaz de virar
saber a quantas anda. Vamos por ora ás a cabaça. Ha testemunha de vista de um
apalpadelas. caso. O Manuel João foi despedido d'aqui
' —T O que eu Sei é isto : quando sá An- por causa d'isso e. disse-me tudo tim-tim
tonica por ura triz que não se afogou, o por tim-tim. E' d^ste geito.
capitão veiu de pressa em seu soccorro, Uma noite o capitão viu passar sa; An-
mas em vez de se portar como um homem tonica sosinha por defronte, da casa
sqrio beijou muito a ccítadfi. Foi pelo grande e f á divetir-se com a menina.
menos o que me contaram... Esta, porém, não ?<5 ficou muito amofi-
— A vsrdada é esta, entende, meu se-t nada, mas até ameaçou de vir dar parte
nhor ; interrompeu o aggregadò drigih- a você; está entendendo, seu Chico. Por-
do.-se ao Sr. Oliveira. tanto, o qua é que tem sa Aatoniea a ver
— Depois, coulinuoa o venáei; o, eu vi aqui.
com estes olhos o cuida io ào c«pitHO du- — A mim também parece que, se hou-
rante a doença de Antonica. Mandou es- vesse alguma cousa, ó capitão não que-
c a v a s servil-a e ella proprio passava reria que vc-cê fosse morar para mais
hor*s esquecidas'veiando a doente. longe; pmrWou o Sr Oliveira.
— Poitso jnrar r.os E^sng^lh^ coroo
— E&tá'visto. Se ha alguma cousa, é
tudo está s-^ndo dito o ire to, rbservou
raiva do capitão por não ter conseguido
Francisco Bentídicfcu.
os seus-fins ; isto e?tá saltando aos oihos;
— Ninguém desconfiava nada, prose-
O que a Jmlra é que o scismatico do seu
guiu o commentador, porque o capitão é
Vianna venha aqui contar historias ainda.
compadre da c«sa e um homem de idade.
Quanto mais se faz menos se merece. *
Depois de passada a doença houve,porém,
92 MOTTA COQUEIRO
Sebastião confessau-se culpado de le&a- a carta ; por força ha de tar dado ordem,
amisadé, mas attenuando a „ sua culpa ou ha-de mandar dar ordem aos escravos
pelo impossibilidade de resistir a torrente para me fazerem uma espera. Livra-te
das circumstancias que o arrastou na sua dos ares que eu te livrarei dos males;
onda vertiginosa. foi o que eu pensei. Indo todos os dias á
Chiquinha padecia a olhos vistos: não sua casa, seu Cliico, era fácil uma escora
tinha mais a frescura da mocidade, já no e depois .quem perdia a vida era eu, por
seu semblante não brilhava o plenilúnio que o diabo tem muito dinheiro para com-
d i paz intima que se esbatia em sorrisos prar a justiça.
deseuidosos, em galanteios delicados. — Não fallemos mais nisso, Sebastião,
Ao contrario: as lagrimas destruiam-lhe decidiu Francisco Benedicto; o que lá
a pouco e poueo a grasiosa carnação do foi lá foi, tratemos do dia de amanhã.
corpo, e, como os deposites sedimentares O armistício involuntário que tinha sido
a contextura primitiva do mundo, altera* concedido ao fazendeiro estava definiti-
vam-lhe a harmonia dos contornos, e a vamente findado pela volta de uma das
regularidade feerica das feições. potencias belligerantes ao pacto de guerra.
Semelhante ao passaro cujas azas foram Cumpre, entretanto, affirmar que as
molhadas pela tempestade, e sem tentar novas operações reduziram-se a simples
um vôo queâa tristemente pousado no escaramuças com o fim de arranjar pro-
galho secco de um pequeno arbusto; Chi- visões.
quinha, sentindo ss suas aspirações pre- Um serio confficto, que evitou-se por
sentemente cerceadas conservava-se re- uma felicidade quasi milagrosa, acirrou
signada no seu desconsolo. os odios e reaccendeu o fogo' dos commet-
Mas o passaro entristecido lamenta-se timentos.
em pios plangentes; assim também a moça O feitor Fidélis acompanhára alguns
desventurada carpia a sua desdita em dos seus parceiros ao mandiocal, para
fiebeis suspires. arrancar-lhe as raízes nutritivas. Ahi
Havia *só dois caminhos para mim, encontrou o Juca Benedicto provendo-se
accrescentou ainda o violeiro, ou aban- indevidamente; e este, longe de descul-
donar a infeliz Chiquinha, o que seria a par-se, continuou no seu furto sem dar a
sua morte; ou adoptar um meio qualquer menor importancia ao feitor.
para aviventar-lhe a esperança, até que — Glá, exclamou Fidélis, isto é então
seja possível effectuar o eonsorcio. roupa de francez, ou easa de viuva ?
Prevenindo a objecção muito procedente: O rapaz, sem responder palavra, e fin-
—ninguém na casa de Francisco Bene- gindo não ter visto os recem-chegados,
dicto impedia-lhe as visitas e familiarida- nem mudou de posição. Todavia como ti-
des, o violeiro defenáeu-se logo com a vesse arrancado um pé de mandioca, em
conversa que Lucio Ribeiro disse-lhe ter vez de quebrar simplesmente o caule frá-
ouvido a Faustino. gil, tirou da cintura uma larga faca de
O resultado das explicações do atilado matto e com ella decepou as raízes. Em
Sebastião foi hão s<5 o perião, mas tam- seguida tomou a rama do arbusto e a re-
bém o reconhecimento do aggregado pela petidos golpes partiu-a em pedacinhos.
coragem com que o seu amigo se expu- Feito isto passou a arrancar outro pé.
nha aos golpes do fazendeiro. — Formiga quando quer se perder cria
— Já vê, seu Chico, as cousas como azas, resmungou Fidélis; e levantando
se passaram: eu mandei dizer a D. Maria logo a voz, bradou : ohl seu Juca, você
o que fazia por cá a joia do marido; elle errou o seu mandiocal, este é de meu se-
já sabe que fui eu quem mandou escrever nhor.
104 MOTTA COQUEIRO ,
esposo levasse em companhia dous escra- Parecia que as forças haviam-a aban-
vos p a r a defènderem-ó de qualquer assal- do o ado, tornando-sa-lhe impossível dar
to, por ventura planejado; mas o Corajoso um s<5 passo. E' que a dominava um des-
fazendeiro, .referindo o que se tinha pas- falecimento hypocondriaco, um d'esses
sado dous dias antes, os modos humildes, spasmos moraes que entorpecem os mús-
e a deliberação em que Francisco Bene- culos e concentram todas as faculdades
dicto fingiu estar acerca da venda do si- em um ponto único, semelhantemente a
tio, hegou-se a ouvir o conselho que sè lhe um abat-jour á luz de um foco enorme
d a v a e: partiu s<5, cavalgando o seu fogoso em superfície restricta.
e celérè alazão. De súbito, porém, electrisada por um
Não obstante a resistencia do marido, a presentimento, voltou-se para dentro e
cautelosa senhora não abandonou a sua perguntou á sua irmã :
prevenção, e pouco depois de Motta Co- — o capitão não d"isse se hoje falloú
queiro fez sahir Carlos no seu encalço. já com papai ?
O moleque? obedecendo a meio,a ordem — Não, respondeu Mariquinhas distra-
recebida, seguiu a principio a galope, hidamente, perguntou sómente por elle.
porém logo depois na vagarosa marcha — Meu Deus, meu Deus 1 eu sinto tanto
do animal, guiando-se pelas pegadas das medo, parece-me que vai scontecer al-
patas do alazão. guma desgraça, murmurou Antonica.
Para atalhar caminho, o fazendeiro — O que é que você está dizendo, mana?
entrou pelo interior das suas roças, con- — Ah! sim, gritou a infeliz ; eu dizia
duzido ora pelo gàíõpar largo, ora pela que ó mais certo que papai tenha ido pri-
andadura veloz e uniforme do seu corre- meiro visitar Chiquinha.
dor, distanciando-se assim cada vez mais — Ha de ser isto.
do seu pagem. Antonica terminou o dialogo sahindo
N | o tardou muito a achar se diante da apressada e cautelosamente, e quando j á
casa de Francisco Benedicto, onde foi in- não podia ser vista correu incansavel-
formado de que este sahira justamente mente até a margem do ribeirão atola-
para' áicidir a venda. diço que espreguiçava o seu dorso limoso
algumas braças distantes do fundo da
— Então não ha tempo a perder, obser-
vou Motta Coqueiro; vou encontrar-me casa.
com elle em caminho. Atravessou-o animosamente por sobre
uma tora estreita que se lhe superpunha
Bando de radeas ao valente alazão, to- e, trepando pela margem opposta, re-
mou pela estrada geral, que apresentava folegou, para de novo correr por urna
o seu lombo vermelho no meio do capoei- picada do câpoeirão até á beira da
rão, como disforme coral estendida a fio estrada.
comprido sobre um capinzal.
Pensava que, por maior velocidade que
Quando elle sumiu-se na grande volta pudesse obter do seu invejável alazão, o
do caminho, Antonica veiu encostar-se fazendeiro não podia ainda ter passado
ao umbral, embebidos os olhares lamen- por aUi.
tosos na direcção tomada peio cavalleiro. De feito a topographia do logar funda-
Transluzia-lhe no semblante a eloquen-
mentava esta supposição. O valle, ser-
ciá arrebatadora da saudade, e logo se
vindo de escoadouro a enormes brejaes,
lhe deslisou do coração aos lábios uma
obrigava a estrada a uma volta alcmga-
queixs, repassada de tristeza : -
dissima e extremamente caprichosa,acom-
— Nem perguntou por m i m : soluçou panhando mais ou menos a fralda dos
baixinho a sua voz commovida. I morros visinhos.
106 MOTTA COQUEIRO
Para bem figurar o traçado, imagine-se — Não, não ha, mas pdde haver coisa
uma secção feita pela altura de um cone, peior, muito peior; Carlos, uma embos-
cujo vertice era occupado pela casa nova, cada e teu senhor morrerá.
Quando chegou a estrada estava deserta, N'este momento atroou, reproduzindo-
Amendrontada por sua própria cora- se por longo tempo no écO, ã detonação
gem, Anto ica, offegando de cansaço, não de um tiro.
atreveu-se a ir adiante; ficou occulta Quem n'este momento estivesse cerca
entre os arbustos marginaes da estrada. de um quarto de leçua de distancia do
Pendiam-lhe sobre ella, carregados de logar em que se achavam Antonica e o
cachos vermelhos, os ramos de enorme psgem, sssistiria a uma scena da mais
arueira ; em torno e em cima estendia-se cruel deshumanidade.
o silencio do céu a transbordar de luz ; Sobre a estrada pouco espaçosa incli-
da natureza asphyxiada pela canicula. navam-se, formando uma abobada folhuda
Para distrahir-se e desfarçar o temor, e virente, as ramificações e as pontas dos
Antonica puchou um dos ramos pendentes estipítes de taquarussús gigantescos.
e. cortando com os dentes um dos cachos Uma continua escuridão entristecia o
de fructos, começou de arr-ãnca-Ios repe- logar, porque a estrada, estreitando e en-
tindo baixinho, bem me-quer, mal-me- curvando-se como um pescoço de cysne,
quer. fazia com que as arvores marginaes qnasi
O estrupido de um proximo galopar entrelaçassem os galhos, improvisando
veiu tiral-a promptamente da sua distrac- uma espessa cobertura.
ção, precisamente no momento em que se Os raios do sol apenas coavam-se, dese-
despegava o ultimo fructo,correspondendo nhando no solo um crivo de sombra e luz
a uma grata lisonja : bem-me-quer. que, oscillando á mercê da viração, orà
Impellida pelo coração, sentou-se á abria as grandes malhas lúcidas, ora
beira do caminho e, derribando os olhos, adensava as largas manchas de sombra.
esperou por aquelle a quem se sacrificaria Ahi, d'esde o amanhecer, estavam em-
sem escrapulos.
boscados á espera do fazendeiro o aggre-
De chofre o som io galopar extinguiu- gado e o violeiro, para executarem um
se, e uma voz alegre fez ouvir. assalto conforme o plano traçado por este.
— Louvado seja Nosso Senhor Jesus Era de feito o melhor logar; não s<5 a
Christo, sa Antonica.
estrada estreitava-se, mais ainda fazia
Ainda Antonica não tinha voltado a si uma depressão, erguendo de um lado um
da profunda decepção, quando Carlos, que alto barranco. O declive ia terminar n'um
era quem a saudava, continuou: brejo que estendia o seu atoleiro até meio
— Senhor já passou por aqui ? da estrada.
Esta pergunta chamou Antonica ao Qualquer transeunte era, portanto, obri-
triste presentimento que a trouxera até gado a aproximar-se muito dos taqua-
alli, e acudiu de afogadilho: russús para não atufar-se no lodo.
— Vai, vai já, Carlos; um momento Aquelle que se emboscasse entre a enor-
mais e talvez... vai, vai já. me toceir-a das grandes taquaras podia
O moleque, talvez recordando a scena a sem perigo accommettér sem temor de
que tinha assistido na sala de jantar, não represalia : defendia-o uma couraça tres-
se deixava comoaunic ir pela anaiedade da dobrada.
moça; ficou frio e perguntou em tom es-
Quando Motta Coqueiro, no largo e des-
carninho:
cuidado trote do seu alazão, ia costeando
— Ha onça peio caminho ou algum boi o meio da grande curva da, estrada,
bravo ? Francisco BeneSicto desfechou-lhe a pri-
OU A PENA DE MORTE 107
meira paulada, que foi bater no hombro cuidado era defender-se para impedir a
do fazendeiro. ; derrota inevitável.
O alazão estacou de súbito, e o seu dono Uma paulada, vibrada por Sebastião,
tomou a attitude da defesa. Engatilhou lançou-o por terra afinal, inundaio n'um
rapidamente a pistola, e esperou como lago de sangue.
sangue frio que lhe era peculiar. Upa, upa, ouviu se n'este momento,
O aggregado apparéceu então sobre a ao mesmo tempo que o estrepiâo de uma
ribanceira. galopada.
— Matame, seductor e ladrão da gente — São 03 escravos do malvado; não ha
pobre; acaba assim a tua infâmia, não minuto a perder ; fujamos, seu Chico.
será a primeira que tenhas feito. Os, dois miseráveis galgaram preste o
_ Ora, compadre, você nunca tomará barráncó © internaram-se na matta,
juizo, homem f Yá para casa dormir que a-ados pelo teoôor ^o castigo.
é do que você precisa. Eu perdôo-lhe por De feito, não se haviam enganado.
esta, mas a menor cousa que me conste Ouvi 3 o o tiro disparado por Motta Co-
eu lhe farei as contas. Passe bem. queiro, um grito desolador, arrancado
Confiado na arma que empunhava, e peia paixão ao coração de Antonica,
ainda mais no seu possante alazão, Motta sanctiflc&do pélp soflrimento, misturou-
Coqueiro tentou seguir. se á detonarão, que transudava do seu
— Babado, não e? estou b ,bado; esta é roufenho arruir um pensamento ãe morte
a resposta. no espirito da moça.
O manguá vibrado pelo aggregado le- A desventurada amante cahiu de joe-
vantou-se sobre a cabeça do fazendeiro, lhos, e com voz quasi sumida, murmurou:
que disparou a sua arma, ao mesmo tempo —f Meu pai matou seu capitão 1
que esporeou o animal. — Malvado, bradou o molequê, hei de
matal-o também.
O manguá foi arrebatado pela bala das
Curvando-se sobre o cavallo esporeou-o
mãos de Francisco Benedicto; mas ao
mesmo tempo o alazão esticou se em rá- e partiu á brida solta, gritando com o
pido arranco e Motta Coqueiro foi vare- duplo fim de annunciar o proximo soc-
jado em terra. corro e incitar o corredor na sua dis-
parada.
Um novo inimigo veiu collocar-se-lhe
em frente, e este, mais pujante e mais te- Era uma tosca imitação do despeia
mível, era Sebastião Pereira. mento indomável do tartaro de Mazeppa.
Os arbustos, como que amedrontados,
Fôra elle a causa da quéia * do fazen-
passavam semelha-ntes a relampagos por
deiro.
diante do cavalleiro, e o ar, vibrado vio-
Manejando um grosso cacete arrancou lentamente, assoviava o cântico ironico
as redeas da mão do cavalleiro, que foi da vertigem.
inopinadamente arremessado pelo alazão. Atoleiros, pequenas pontes, tudo era
Começou uma scena horrível; um passado de súbito. O chão e os cascos do
homem inerme era forçado-a defender se animal formavam uma engrenhagem in-
contra dois outros que tinham a favcr n&o visível, rodando com o movimento do tur-
só as armas, mas também a fria premedi- bilhão.
tação do crime. Não era uma corrida, mas um vôo ; as
— Eiswos agora em frente, descaio, azas emprestavam as o temor e a dedica-
exclamou o violeiro ; ou morres d'esta ou ção.
has de guardar sigaal para toda a vida. — Upa, upa, bradava continuamente o
O fazendeiro não respondeu; tcdo o seu cavalleiro ; upa, valente !
108 MOTTA COQUEIRO
Áo entrar na grande curva do caminho, —Não, não diga, o coração de meu se-
empinando-se bruscamente sobre as patas nhor está batendo» veja.
trazeiras, o corredor- obstinou~se a não Felizes aquelles que sabem amar : têm
seguir, e tomando o freio entre os dentes, na própria desventura, nas horas da maior
voltmi na mesma desfilada. angustia, alegrias indisiveis. Para ssrem
Era impossível resistir-lhe ; Carlos pu- venturosos basta-lhes somente a espe-
lou resolutamente e correu. rança.
A poucos passos do logar em que o Ca- Antonica certificou-se de que ainda ba-
vallo refugara, jazia Motta Coqueiro es- tia um coração sob o peito do eleito de
tendido sobre a estrala e banhado em sua alma, e depois fez os seus lábios tes-
sangue. temunhar de que ainda por entre os Ja-
— Soccorro! soccorro Imataram o meu » bios d'elle passava o sopro da vida. Nas-
senhor, bradou Carlos dando de face com ceram-lhe espontaneamente os desvellos
o corpo do fazendeiro* de mãi, e, solicita, tráteu de prestar os
primeiros soccorros. " Coroou-lhe a felici-
S<5 o éco incumbiu-se de repetir-lhe,
dade os exforços ; as palpebras do fazen-
como por'éscanieo, as palavras cunhadas
deiro venceram em fim o torpor que as
pela sua sífilcção, e quando o som da sua
parslysava.
voz extinguia-se em successivos susurros
— Está melhor, não é ; já está melhor?
gradativamente esvaecidos, sobrevinha o
sorriu a dedicada amante.
profundo silencio dá matta, que exage-
— Covardes 1 murmurou o fazendeiro,
rava a tristeza do quadro. .
e cerrou novamente as palpebras.
— Meu senhor, meu senhor! conti-
A soffreguidão avassallou o animo de
nuava o pagem; sou eu, Carlos, o seu es-
Antonica ; nao podia mais conter-se ;
cravo Carlos.
queria convencer-se de que Motta Co-
E o afílicto rapaz apalpava e sacudia o queiro não estava irremediavelmente
desmaiado com uma impaciência febril. ferido.
— Ah! meu Deus; podem pensar que — Esc ato ; sou eu. Antonica ; os mal-
fui eu. Soccorro! vados já se foram, estamos eu e Carlos.
A mão de Carlos collocou-se sobre o Tenha animo. Deus ê grande; ha de
coração do fazendeiro. ficar bom.
— Está vivo; meu senhor 1 diga que As palavras da moça chamaram era fim
não fui eu; <5iga a todos. o fazendeiro á realidade. Sentou-se cheio
O infeliz pagem delirava e estafava os de espanto, e olhou ao redor de si.
pulmões em gritos de soccorro, disfar- Devia iulgar-se no curso de um pesa-
çando <festa sor to principalmente o te- dello, porque na verdade era incrível tão
mor de ser considerado o assassino do nobre dedicação na filha do ingrato que
seu senhor. lhe pagava os bsneficios recebidos com
Alguém veiu dentro em pouco tempo ua£>a tentativa de assassinato.
segundar os seus exforços para chamar Não menos para sorprehender era a
o fazendeiro á vida. dor estampada no semblante de Carlos.
Offegante, com os olhos avermelhados O generoso escravo esquecia n'aquelle
e as mãos tremulas, Antonica desceu cor- momento que estava em face de um se-
rendo a pequena ladeira, e veiu sentar-se nhor, e chorava como um homem de bem
junto d'elle, collocando sobre o seu collo a morte de um amigo.
a fronte ensanguentada do fazendeiro. — Antonica 1 exclamou elle, depois do
— Morto 1 os covardes mataram-o por primeiro espanto; p m ê você, minha
minha causa, por mim que o amo. filha ?
OU A PENA DE MORTE 109
— Vim pedir o seu perdão para a mal- — Adeus l respondeu Antonica n'essa
dade de meu p a i ; vim. pedir lhe que não triste entoação da condescendência quei-
me tenha odio ; eu não pude evitar, res- xosa, e levantou-se.
pondeu Antonica. — Talvez não nos vejamos nunca mais,
As. lagrimas corriam-lhe em fios, e os minha filha; quero que também me con-
s o l u ç o s trancavam-lhe as palavras. Pai- cedas um perdão; cohceães ?
r&va-Iha sobre o semblante a solemnidade Antonica acenou afirmativamente a
de uma boa acção, ô amor conquistava cabeça.
n'osta hora um perdão que se podia crer — Perdoa-me o s-.ffrimento de que eu
imporsivel—ó perdão do aggregado, teaho sido causa; perdoa me, porque eu
Porque havia eu de o;iial-a, Antonica? não faço mais do que cumprir com os de-
Nem odeio a teu pai; são a embriaguez e veres de honra para comtigo e para com
a malv&deza d*s Sebastião os seus anjos os meus.
èíáus; perdôoo sim, porque tu és boa, és — Eu já não me queixo, respondeu An-
uma santa. • tonica. ê o meu destino. Adeus.
— Eu hei de estimai-© ainda m á s . Bom Apenas alguns passos tinham sido
e santo é voss-.e;:ô; Deus ha de pagar-lhe. dados pela moça, quando Carles avisou a
Uma eífoaSo de ternura immaculada seu senhor de que se aproximava a
correspondeu ás palavras de Antonica. gente do sitio.
O olhar do fazendeiro COÍBO quecreava em Tanto melhor, respondeu Motta Co-
torno de si um mundo para os seus co- queiro, não ficarei sdsinho.
rações afinados ambos pela bondade. Com effeito, ouvia se perto? o tropel de
Machinalmente cingiu contra o peito a uma cavalgada e antes que Antonica ti-
meiga filha do aggregado e pagou com vesse tido tempo de occultar-se, Carlos
um beijo, rcçsdo na sua fronte descorada, exclamou cheio de espanto :
tanta coragem e amor. — É' minha senhora, meu Deus, é mi-
Mas comô se uma força mysteriosa os nha senhora.
repellisse, este abandono do amor não Na extremidada da curva appareceu,
demourou-se ; os lábios do fazendeiro re- montada em um forte mursello, a Sra.
tiraram-sa e ao beijo succeieu um estre- D. Maria. Os pés de Antonica negaram-se
mecimento. a caminhar; a apparição produzia lhe o
— E' necessário que você parta, que effeito de um espeetso.
volte para a cara de seus pais. Apeiando-se apressadamente a corajosa
— Porque? esposa, que adivinhara o acontecimento
— Porque ninguém acreditará que eu pela" chegada do alazão, disparado e só,
lhe voto o respeito de que você é digna, apertou nos seus braços o fazendeiro.
Antonica; hão de jdgar-me seu smante. — Bem m'o dizia o coração, soluçava
— E que me importa a mirn ? não sa- ella; mas havemos de vingar-nos, seja
birei d'aqui antes de vel-o partir. embora necessário vender o meu ultimo
— E' um comproraettimento, minha cordão de ouro. Covardes 1
filha, Q bastaria que alguém aqui ncs Houve um momento de silencio/De re-
visse, p^ra que seu pai justificasse o seu pente a Sra. P. Maria, tendo olhado em
crime. Parte, parte já, minha filha. volta de si, exclamou com a v<5z travorada
O fazendeiro ordenou em seguida ao de cólera:
seu pagem que seguisse Antonica, e ellá, — o que veiu aqui fazer aquella mulher I
sem íerçss para resistir, apenas protes- Motta Coquiro respondeu severamente:
tou abaixando os olhos. — Ouviu os gritos de soccorro, e teve
—AdeusI disse commovido o fazendeiro.
a coragem de vir.
110
MOTTA COQUEIRO
— Então não foi ella a causa da embos- tonico, por mais alheio aos anhelos
cada ! . . . sensuaes, o affecto votado pelo fazendeiro
— Não ; é uma infeliz ; culpada, não. á Antonica era uma espoliação ao con-
sorcio.
IX Convinha, portanto, desarraigal-o, dés-
truil-o como se faz com as hervas e
UM COMPROMETTIMENTO FATAL
os animaes damninhos.
• respeito que, pela modéstia, sobrie- A resposta de Motta Coqueiro proferida
dade de palavras, e maduresa de animo, o com um accento simples, mas solemne dè
fazendeiro conseguiu sempre inspirar á decisão, impedia á Sra. D. Maria tomar
sua esposa, obviou milagrosamente as qualquer expediente, qua não fosse o da
sérias dificuldades da situação embara- indiffer<»nça ou o da gratidão.
çosa. Escolheu o primeiro caminho,e a amante
O coração da mulher é, como pensava o retirou-se acompanhada por Carlos, em-
poeta inglez, um bello defeito da natu- quanto que por sua vez o fazendeiro e a
reza. Divide o em duas partes distinctas sua esposa acompanhados peles escravos,
e contradictorias uma separação fragi- seguiram para o sitio.
lima, feita de apprehensões e susceptibili- O ferimento capital não apresentava
dades: em cima azula-se um firmamento, gravidade, e o sangue poude ser facil-
em baixo ennegrece-se um abysmo. mente estancado, a vista do que Motta
Um abalo é bastante para oecasionar Coqueiro manteve-se na resolução de
uma explosão de trevas ou um transbor- tomar por única desforra a retirada de
damento de luz; as temeridades do ciúme Francisco Benedicto de suas terras.
ou os s&criflcios do amor. Sua mulher, porém, não se resignava,
Ha uma só excepção; é a que encerra nem podia satisfazer-se com tão pouco;
os corações apathicos e indifferentes, incandeciam-se-lhe á proporção que pas-
verdadeiras monstruosidades. savam as horas os seus brios de fazen-
A Sra- D. Maria não era excepcional; deira respeitada, e senhora de alta socie-
amava com a boa vontade de um espirito dade.
que encontrou no mundo um outro para Só por uma lição estrondosa, entendia
còmpletal-o nas alegrias, assim como nas ella, o seu marido poderia de novo entrar
dores, e por isso mesmo deixava-se facil- nas salas de seus amigos com a cabeça
mente avassallar pelo pânico de perdel-o. erguida.
A presença de Antonica revivera-lhe as — O que tenciona o senhor fazer a
angustias que lhe tinha causado a carta esse ingrato e ao seu cúmplice ?
anonyma forgica la pelo violeiro, graças — Entregal-os ao desprezo, respondeu
ã pericia de Lycerio, o rabula venal. fieugmaticamente o fazendeiro; são tão
Demonstrava-se claramente o amor da miseráveis que nem vaie a pena perse-
filha do aggregado para Motta Coqueiro, guil-os.
e embora estivesse absolutamente con- —E o que havemos de dizer aos nossos
vencida da nobrasa de caracter d'este, amigos, quando se espalhar o boato de
todavia arreceiou-se de que de futuro não que o senhor foi espancado por um aggre-
se alevantassem mais alto do que a refle- gado, que assim vingou a seducção de
xão os vôos da sensibilidade e da com- uma filha ?
paixão. — Direi que ó uma calumnia tão mal
Nem sempre o amor é filho da exalta- engenhada que basta uma simples consi-
ção dos sentidos, muitas vezes nasce da deração para confundil-a': o. homem que
piedade, e em todo o caso por mais pla- foi companheiro do supposto paioffendido
OU A PENA DE MORTE 111
na desaffronta imaginam) de sua honra, — E vocês não tem mãos ? Se elles re-
raptou-lhe uma das filhas.' sistir em tragam-os á força, tragam os seja
— Aeaiumnia será de preferencia acre- quando fôr, estejam aonde estiverem.
ditada porque a aggressão realisou-se, e Fidélis sahiu satisfeito; a feitoria esta-
não tardará que todos venham a saber va-lhe definitivamente entregue; não
que é real o amor de uma das filhas do havia mais possibilidade de passar ás
aggregado peio senhor, mãos de Francisco Benedicto.
— P a c i ê n c i a ; eu não posso retribuir a Além disso facilitava- se-lhe uma oppor-
violência com a violência. tunidade para vingar-se dos insultos do
— Ha um méio, é punir o crime ; para aggregado, mas, apezar da boa^çoatade e
isso é que existe a lei. zeloso esforço para capturar os fugitivos,
o feitor nâo regosijou-ae com a realisa-
O dialogo terminou pelo sileneio de
ção dos seus desejos.
Motta Coqueiro. Os criminosos tinham-se prevenido con-
As considerações da esposa tinham uma tra esta consequência necessária do seu
base irrefutável e não podiam ser abando acto; a essa hora descançavam tranqui-
nadas ; por outro lado o pedido de Anto- lamente á grande distancia, d completa-
nica, no momento em que expunha a sua mente fóra do alcance de qualquer vin-
r e p u t a ç ã o de mulher honesta è a própria gança.
vida,— porque a brutalidade de seu pai Quasi ao anoitecer os escravos vieram
não poupal-a-hia caso sorprehendesse-a participar a senhora o mallcgro das suas
em meio do acto meritorio, — fazia-o va- pasquizas, mau grado a solicita diligencia
cillar. que tinham feito para o êxito da empreza.
Um expediente apreeentou-se; mover o — Está bom, respondau-lhes a Sra.
processo contra o aggregado ò deixal-o D. Maria; elles hão de apparecer em
mais tarde, quando a primeira impressão qualquer teSapo.
desapparecesse, correr á revelia. Fideli3 retirou-se duplamente contra-
Harmonisados d"esta sorte o coração e riado p*lo sangue frio de sua senhora e
o dever, resolveu notificar o aconteci- pela sua f<a de pericia no ^desempenho
mento ao Sr. Oliveira, subdelegado do da commissão.
logar, e pediu a sua presença para ser Uma outra pessoa da casa mostrava-se
cumprida a lei. profundamente sentida pelo aconteci-
Estava, pois, satisfeita a vontade da mento ; era a tia Balbina.
esposa. Os seus soluços e imprecações conse-
Tranquiliisada por esta resolução de guiram captar novamente a sympathia
seu marido, a Sra. D. Maria teve um da Sra. D. Maria e desde aquella hora
verdadeiro desafogo ao saber de uma abriram-se lhe as portas da casa grande.
outra nova. Fatal imprevidência 1
Ao chegar em casa, a indignada con- A dôr de Balbina encontrou se com a
sorte despachara immediatamente os es- decepção de Fidélis, sinceramente empe-
cravos Fidélis, Peregrino e Alexandre, nhado em des«ffrontar Motta Coqueiro da
ordenando-lhes que percorressem as m&t- aggressão recebida I
tas visinhas afim de descobrir o escon- — Ah ! tia Balbina, disse Fidélis, eu
drijo dos criminosos.e piendêl-os antes queria ser surrado do que não achar
— A gente poáii fazer isto, minha se- o diabo do aggregado ; queria quebrar-
nhora, &e elles não se alevantassem contra jhe os ossos áquélle desalmado.
nós; como ha de acontecer, observou Fi- — O feitor deve estar sempre do lado
délis, dos brancos» respondeu a feiticeira, O
112 MOTTA COQUEIRO
grito vai sempre paia o lado que segue o nmguem que tivesse pena dV.Ha; todbs fu-
vento. Fidélis já não é como seus par giam da feiticeira, eomo se foge de cobra
eeiros, Os signaes do castigo estão nas — Hoje o senhor de Baibma apanhou
costas d'estes, não importa ; o sol qu i ^ a das mãos do aggregado, e mulher e filhos
ã sambabaia e mata as pucaçús, o eito e escravos, todos choram e F:d-l?s antes
s<5be sempre ; o escravo &úa a tirar fóra queria ser surrada, do que voltar para a
a camisa, não importa ; o feitor manda casa de seu senhor sem o ter vingado.
seguir sempre para diante pcrque é o — Para que ha de guardar este odio",
lucro do seu senhor. Fidélis já não é um tia Balbina ? Nós não encontraremos me-
parceiro, é um senhor-moeo; quem offen- lhor senhor.
de-lh© offanda ao senhor. — Balbina não tem od o, chor ou tam-
— Porque vosmecê diz isto, tia Balbi- bém a desgraça, mm lembra que ninguém
na ; eu tenho sido máu para os escravos chorou per ella, Hoje ninguém diz que é
do sitio ? ! . . . o castigo de Deus pela maldade com a
— Não sahiu isto da bocca de Baibma, innoeente; paciência.
nem da de seus parceiros: todos querem — Ah I sa o senhor soubesse d';sto tia
bem ao feitor, mas nem por isso esquece- Balbina; o que vosmecê não soffreria'
ram o rigor do c&ptiveiro. Fidélis sente O feitor affastou-se lentamente, mas
a áôr de seu senhor; Balbina lembrou se quando ia a ai-uma distância; foi detido #
de uma dôr sua. Um dia, ainda cahia ne- pela voz da feiticeira :
blina e o céu tinha a est^ella granie da — O parceiro de Balbina vai levar aos
madrugada, e Balbina foi amarrada no brancos o que ouviu; mas Deus está
cabeçalho do carro. O frio faria como es- vendo que Balbin % nãfl quer o mal d'elies.
pinhos de jurubeba o corpo da encrava, — Náo é meu costume, tia Balbina,
e o senhor de pé na porta* embrulhado no respondeu nobremente Fidélis ; eu tam-
seu capote, disse com má voz^surrem-me bém sou escravo.
esta negra. Os parceiros de Balbina foram — Jura pete morta de tua mãi, que
dizer que era e;H a que gerava a doença sempre foi escrava, que soffreu como
nos escravos e nos animaes do sitio. Na Ba bina, e não teve quem a chorasse
senzala da feiticeira estavam o Deua que quando soffria.
Balbina oonheceu na sua terra, e as her- — Para que me lembra minha mãi, tia
vas.com que a escrava tinha amisade Balbina ; o escravo não tem mãi. Juro,
quando era criança e livre. Bastou para juro sim.
se ver ahi a feitiçaria que mata. — Balbina quer que se faça o castigo
Os chicotes bateram SQJH dó nas costas do aggregado, inimigo dos escravos; mas
da feiticeira, como as varas fortes sobre não quer que Fidélis se esqueça de que é
as vagens madura? do feijoal. O sangue já escravo. Quem mandou ao feitor prender
corria, mas o castigo não parava. O filho o aggregado ?
dos brancos, creado por Balbina, o fiiho — A senhora mandou que o trouxés-
dos brancos querido por Balbina como seu, semos á forç%, e eu havia de trazel-o
estava amarello e magro; o doutor cançou ainda que fosse morto.
de tratar, não sabia a moléstia. E' feitiço — Sim, sim, meu parceiro; acudiu
da ercrava, diziam todos. O pai qusria promptamente a feiticeira. A senhora
vingar o seu filho e não teve dó de Bal- disse; cumpre, hoje, a manhã, sempre.
bina, que não chorava por que tinha odio Será menos um branco; acrescentou
só, e não sentia que a iam matando. n'um murmurio,e a perdição dos outros.
Quando o castigo acabou a nrgra ainda - O açodamento com que a tia Balbina
ferida foi para o eito, e lá não houve recebeu a revelação do feitor sob rosal-
OU A PENA DE MORTE 113
i o u A p r o t a t a Q B t ® ; © q u e h a v e r i a úéèr
Iatrodazido na sala de visitas, accsdeu
A b e r t o a escrava QvUm tão to-
sem resistencia ao convite para passar
aos aposentos do fazendeiro.
' pies e tão n a t u r a l ? 4 'Uma pallidez a proposito s.ttenuava o
• - D e p o i s d e separarem-se, a i n d a FidsÉp-- colori "sadio do rosto do subdelegado, e
pensava no t o a i - e s p e c i a l c o m q u e 4331 cerrar de mãos, assim como um me-
B o b i n a , l h e fállara p o r . ultimo, o, d e s - dido accento ioterjectivo mascar avam-ihe
c o n f i a d o , ím t e n ç ã o d e .rómmuniear a as intençõe?, á. semelhança de um rotulo
sua s e n h o r a P q u e sô p a s s a m e n t r â e l í e s . esmerado á mercadoria falsificada.
— Quebro o juramento, -gaas n m im- — Ninguém poderia pens&r ao menos
p o r t a ; d e s c u b r o a malvadeza q u e a s s a em que tal acontecimento fosse a paga de
feiticeira esconde.. tantos favores, exclamou elle. Esse mise-
U m a h á b i l manobra a a t i a B a l b i n a i n u - rável que em parte alguma obter ia siquer
t i l i s o u © p l a n © ée F i d é l i s . passagem pelos terrenos de um homem
- A o s-àMr d a r e v i s t a , a f e i t i c e i r a a c e r -
ssrio a com taflo conseguiu terras, casa,
j .
C0U-S9 UU leiWíi"
i J ««ffnm/kn/ifli
m cpoâ""^»» «S« nslâV?8S
- - -- e a amis?ide de V. S. Que alma, que torpe,
comas lagrimas,-'dissé-lhe "dolosamente: caracter a do tal Francisco Benedicto I
Faça-m.e o favor.
— B a l b i n a j á s a a r r e p e n d e u d© t e r f a l -
— Eu lastimo-o, não condemno-o abso-
l a d o do s e n h o r , p o r q u e elle é b o m . Carlos
lutamente, respondeu Motta Coqueiro ; é
contou que o braíieo v a i perdoar o antro
extremamente ignorante e além d'isso
q u e o esperou p a r a m a t a r . Balbina per-
embriaga-se. Não ó perdél-o que tenho
d e u o Odio, p o r q u e t e m c o r a ç ã o , e p e d e
esca vista mas' simplesmente intimidal-o.
perdão ao seu parceiro.
— Como ?l Perdoe-me V. S , ha de
— F o i D e u s q u e m l h e f a t i o u , t i a Bal- cumprir-se a lei. Yá lá que se tenha pie-
b i n a , foi D e u s ; r e s p o n d e u F i d é l i s ; era dade para com o velho desmiolado, mas
muita maldade. 'com o seu cúmplice, éimpossivel; Qual-
N o dia seguinte d u a s pessoas e n t r a r a m quer brandura com elle é nada mais, nada
na casa . g r a n d e e x t r a o r d i n a r i a m e n t e menos do que soltar uma fera em todò
commovidas. U m a era a tia Balbina a essa Macabú. Se elle sem protecção faz
q u e m foi p é l a S r a . D. M a r i a confiada, a d'estas, o que não fará se tiver a justiça
l a v a g e m d a r o u p a dos e s c r a v o s d o sitio, e por si.
dado um quarto na casa grande, honra — E' o que eu. penso, Sr. Oliveira, in-
q u e só r e c e b i a m a s b o a s e s c r a v a s » terveiu a Sra. D. Maria. Parece fabula o
A o u t r a e r a o s u b i é l j s g a d o Oliveira,, q u e que essses homens têm praticado com-
a todo o galopa a t r a v e s s o u o c a m p s do nosco. V. S., que é auctoridade, parecé-
s i t i o , e apeisnsio-sQ p r e c i p i t a d a m e n t e á me que deve fazer cumprir a lei, apezar
porta da casa grande, apertou com ambas da bondade do Sr. Motta.
. a s m ã o s a s d a S r a . D» M a r i a , e x c l a m a n d o — Co ate commigo, minha senhora;
todo commovi^o; apesar de reparado do Sr. seu marido em
— E' incrivel5 m i n h a s e n h o r a ; é incrí- politica, tributo respeito ao seu honrado
vel qua possa h a v e r sobra a t s r r a tant» caracter.
mgraturãfi. A conversa, desviada para assumpto,
A s melhores e «aaU t o c a n t e s e x c l a m a - diverso do que dava motivo a familiar e
a
çÕ3s guat dou-*s p r u d e n t e e a i t i s t i c a - expansiva visita d> subdelegado, voltou
mente o Sr. Oliveira p s r a o effaito scs- por direcção d W e ao ponto primitivo.
nicOjO d e s l u m b r a n t e q u a d r o final do p r i - —« V. S. fará o favor de convidar as
meiro acto d a tragedia da i n t r i g a . suas testemunhai para a audiência na
8
114 MOTTA COQUEIRO
Taes factos eram meras consequências — Yocè parece que está tresleado; pro-
d a a n i m o s i d a d e áo Sr. Oliveira pára com
teger e fazer justiça a um adversario 11
o f a z e n d e i r o . Apadrmh&va-os o pensa- — Então V. S. entende que...
mento político de provar praticamente a — Que se lhe deve negar agua e fogo*
nullidade do chefe opposicionista, e assim eis ahi. E' o que se faz em politica.
a r r e d a r - l h e a popularidade.
— Está bem, está bem ; eu fico as or-
A trama para chegar a taes fias foi de dens de Y. S.
simplíssima urdidura ; uns pequenos — Adeus, eu vou mandar asserenar o
abusos de auctoridade. Depois de rèsal- coitado do Chico i se eu estivesse no seu
var a sua imparcialidade, pondo um si- logar fizia o mesmo. Os negocies de fa-
mulacro de sincero interesse ao baixo milia são muito sérios.
serviço de mesquinha vingança ás derro- Familia 1 Esta palavra por si só impel-
lia o ardiloso Lycerio aos maiores com-
t a politicas, b subdelegado, sahindo da
promettimentos, e por si só bastava para
casa de Motta Coqueiro, dirigiu-sé a Ly-
dissipar-lhe os escrúpulos
cerio e pol-o ao corrente dos aconteci-
O rábula era uma óptima, estofa para a
mentos.
famigerada communidade religiosa de
— A alma do rabula pensando no lucro
execranda memoria por um lado, de su-
liquido que lhe viria do pleito, esque-
blime e civilisadora recordação por outro,
ceu-se das conveniências politicas, bradou
e que elevou como dogma o celeberrimo
n'um excesso de enthusiasmo.
principio: o fim justifica os meios.
— E eu que antipathisava com^o Co-
Em falta de mais largos horisontes, de
queiro! Ohlelièpòde descançar, have-
uma côrte para intrigar, de uma herança
mos de esmagal-o; ha de pagar caro.
pisgue a reverter pelo bem da companhia
— Não ha melhor occasião para tédu-
em bem da humanidade, de uma cons-
zil-o a nada, observou o sabdelegádô; os
piração da magno alcance a dirigir, o
votantes verão que nós sabemos vencer.
bom e prasenteiro Lycerio atinha-se acs
— Está claro; perder dois votos não
enganos nas sommas das dividas dos fre-
coisa de grande monta. D0Í3 víddiviaos,
guezss e aos bandeiamentos largamente
dois biltres, o peseta do filho, grande
remunerados nas causas que lhe eram
coisa, mando recrutar o malandro, que
confiadas.
tem boas castas para a farda, e metto o
Resignado sabiamente ao seu destino
babado do pai e o tal Sebastião na cadeia.
eatfêgava-se com a melhor vontade e
— Escuso de estar com estas cousas,
humor á procreação do vinho e ao de-
porque estamos sós, é não precisamos de
longar dos pleitos. Tudo por amor da
enganar-nos.
familia.
— Sim, não precisamos.
— Arranja os cobres do Coqueiro, que Ora, justameúte este amor foi invocado
é o principal e dãixo-o dar os páus. pelo Sr. Oliveira em defesa de Francisco
— Mas... Benedicto, restava, portanto, ao amoroso
— Eu me responsabiliso pelo que so- rabula verificar atá onde era levado peio
brevier ; tenho certeza da que elle não aggregado o mais nobre,, o mais santo
atinará com a e s t m . dcs sentimentos humanos.
— Porém... eu fui incumbido de éasti Uma vez recebida a procuração ple-
gar os criminosos e tenho meios. naria do fazendeiro, Lycerio foi enten-
— E eu lhe digo que não tem, que não desse com Francisco Benedicto.
deve ter. Munira-se da suas mais francas é pro-
— Ahi isto é outro filiar, mas assim longadas risadas e igualmente da mais
& primeira vista. aturada atteatfSo, pfrr* b«m otofcrYar ao
116 MOTTA COQUEIRO
J
— Não basta, é preciso que pague a dança de Francisco Benedicto, disse sem
emboeead . reserva :
— O meio de que poleria dispor era — Aquelle branquinho tem agora de
processai o, o subdelegado é meu inimigo tratar ccmmigo : ha de mudar-se ainda
e protege o criminoso, é impossível fa-zer que eu lhe faça cómo aos maribsndos;
seguir o processo. Não tenho outro. ainda que lhe queime a casa.
— Era o que eu queria saber. Qs expedientes tomados pelo feitor
A conversação foi cortada bruscamente conseguiram intimidar por algum tempo
por uma ultima phrase da Sra. D. Maria, o aggregado, que se acovardou princi-
phrase que felizmente não foi toda ouvida palmente desde o dia em que,perseguindo-
por Motta Coqueiro. Ihe o atrevido filho, Fidélis não duvidou
— Eu hei de mostrar quem pôde mais, chegar até ás portas da sua casa.
Sra. Antonica. Então Francisco Benedicto julgou mes-
Antonica foi a única palavra ouvida mo ser prudente ceder á proposta dó
por Motta Coqueiro, e bem fácil ê aquila- fazendeiro para à venda das bem feitorias»
tar qual seria o movimento intimo que e incumbiu d'esse negocio um amigo
lhe correspondeu. commum.
Seria saudade ou seria piedade ? O certo As hostilidades arrefeceram e entabu-
é que voltando a conversar com os seus lou-se a negociação procrastinada pelas
empregados, Motta Coqueiro ponde- exigências irrasoaveis do aggregado, que
rou lhes : entendia receber o dobro do justo valor
— B* muito faliz o tal meu compadre ; na vencia,
tem por si a protecção, a saúde própria — EU© ha de ceder por fim, observava
e a dos seus. o intermediário a Motta Coqueiro; deixe
— Quanto á saúde dos d'elle não é lá passar mais algum tempo, não é muito
muit*, pi incip almente de sa Antonica. para quem tem tido t&nta paciência.
— Ah 1 ella está doente. Irritááo, porém, peia resi-tencia que
— Anda com umas queixas rio peitô, e as suas pretenções encontrav&m no ani-
uma tosse que v&i mettendo medo. mo inabalável do fazendeiro, e além
A Sra. D. Mari», que se* conservava á disso instigado pelas auctoridades que vi-
distancia de poder ouvir o que se dizia, savam a retirada do competidor tfaquelles
amargou em silencio a decepção que logares, Francisco Benedicto recomeçou
causou- a simples exclamação do fazen- desabridamente os seas desmandos.
deiro. Um dia em que em uma das vendolas,
— Hei de acabar com isto, repetiu a si quasi totalmente ébrio, o aggregado vo-
mesma. ciferava diante de Faustino e Florentino
Quando a canôa fez-se de volta a Ma- contra. Motta Coqueiro, disse Florentino:
oabú, a esposa do fazendeiro ordenou a __ Você é um malvado, seu Chico; é
Peregrino que transmittisse a Fidélis al- um homem que devH morrer.
gumas ordens. — Se me pagassem bsm, eu arranjava
Queria que o feitor fizesse respeitar a isto, resmungou Faustino ; queira o ca-
propriedade do seu senhor pelo aggre- pitão e eu ponho um ponto á pendencia.
gado e sua familia. Caso não fosse atten Uma troca de insultos de parte a parte
dido, ficava-lhe o direito de valer-se da seguiu se desastradamente e terminou
por uma intimação formal de Faustino a
força.
Francisco Benedicto :
Fidalis esperava semelhante auctori-
— Cala a booca d'ahi, velho cachaça,
sação para operar, e para exprimir a
ou faço-te calar á força. Quanto ao teu
energia oom que trataria de obter a mu-
OU A PENA DE MORTE 119
genro torto, pódes dizer-lhe que se elle Carlos que tinha sido mandado para o
continuar com os desaforos, ejà visto-lhe sitio por eastigó de algumas peraltadas, e
uma camisa de pau. com vento» fresco. E' ordenou-lhes que o seguissem.
o que falta a vocês dois, bêbados! Alumiados por um facho, os tres se-
A altercação na vendola surgiu (^ahi guiram pelos aceiros da roça é dentro em
a alguns dias corporada em uma ca- pouco achavam-se diante da casa do ag-
lumnia assás comprometedora, gregado,
pizia-se por toda a parte que Motta As portas e Janellas estavam fechadas,
Coqueiro tiaba encsrregáclo Faustino e porém partiam vozes do interior.
Flpre»tino de assassinarem a Sebastião — Estão acordados, disse Fidélis; tanto
pereira I melhor porque demora menos.
o mais grave, o mais iucrivel era que Quando o feitor ia bater á porta, par-
Sento Silva, irmão de Faustino, era um gxmtott-lhe Carlos, a quem o acoento da
dos que se apcarrQgav^pcx de propalar se- voz do parceiro impressionara profunda-
melhante veris|Q. e dizeM© qug ouvira §o mente;
próprio Faustino. —• O que é que você vem fazer na casa
Para cumulp de infelicidade sobreveiu gessas feras ? Isto dá em desgraça, Fi-
uma desordem entre o aggregado e os délis.
ésçravo3. — Bê no que der; eu tenho ordem dos
Corriam os primeiros dias de setembro. brancos, respondeu o feitor, e bateu bru-
Uns madeireiros-de Macahé,entre o» quaes tal e prolonga lamente á porta.
vinha o Sr. Conceito, chegaram ao sitio — Más horas de visita é esta, disse de
íte Macabú para comprar o resto das ma- dentro Francisco Benedicto; emfim va lá.
deiras ao fazencieiro8 que so achava em Apenas a porta abriu-se, Francisco Be-
Campos. nedicto, atemoí isado pela qualidade dos
Uma canôa foi despachada paya avisar visitantes, recuou até o meio da sala, gri-
Motta Coqueiro, e'íidelis com os seus tando compungentemente;
parceiros começaram de§de logo a em- — Estamos perdidos, estamos perdidos.
balsar as madeiras, por isso que o Sr. Con- — Não tenha susto, não, seu Chico;
ceição declarava que era negocio decidido vosmecê é tão valentão que até a gente
e tinha pressa de conduzir as balsas. não acredita que âque logo tremendo.
No dia 9 da setembro pela manhã, che- I to é só um aviso.
gando Fidélis ao porto,encontrou cortadas A' proporção que fallavft, Fidélis, acom-
as amarra* das balsas e grande parte da panhado por Perigrino e Carlos, entrava
madeira no fundo do rio. Evideaciava-se pela sala da aggregado, e apoderava-se
que a maldade fôra a conselheira do facte, de uma espingarda que OBtava onoostada
e esta não podia ser attribuiia senão a em um canto.
Francisco Benedicto, que já outras vezes — Nós não somos assassinos; não fa-
tinha praticálo actos mais gravas» zemos emboscada, não, meu brama;
O feitor catou se & durante a dia não mas eu sou feitor, e quero dizer-lhe que
^ m m siquer t^usparecgii' a raiva que isto de andar vosmecê, sen filho a seus
mentia, amigos destroçando o sitio, não me vai
A
Penas commumcou c? occorrida aos cheirando bem. Canalhada, can^lbada e
hospedes de seu Eeahor, p^diodo-lhes que meia; hoje amanheceram as balsas corta-
oescuip^gem a flexora iovoiímtaria, das; todos os dias ê um desaforo: morte
».nQ!íe* ^ P 0 ^ revista, Fidélis em-, nos gados, fogo nos cafesaes, o diabo a
picando sapingíiyda cbamou os quatro. Eu venho sahev se vo*mac§ quer
seus parceirog ?m%v'm% õ ir parfem eç ppr w r ir por mal
120 MOTTA COQUEIRO
MOTTA COQUEIRO
xou se ficar sentado, como até então de pé e sorria o habituai sorriso de es-
estava. - carne o •
Confuso ;qom sssa inliffarença, o que — Eu não posso mais; ha quasi um
fallQU, prpseguiu: anno queporveíi-s temos tido çcqasilo de
— Já não me engano facilmente, e sei acabar com isso, e 4eixa sempre
perfeitamente distinguir a voz d'ôlle, com vida o nosso inimigo. Se pão nos é
esteja em meio de inilhoas de ostros. posgivel vingar nos, p melhor é çuidar-
Escute; o malvado aproxima-se. lí ps de oútra cousa.
De feito, as vozes destinguiam-se clara- O corpulento emboscado sorriu e sacu-
mente e podia-se mesmo ouvir a conversa diu os hombros.
dos transeuntes -- Qu$m quer vingasse não faz cçmo
— Foi aqui que o bicho quasi esticou a vosmecê ; parece mais o anjo da guarda
lanella e foi dar contas ao dis.bo; que do que uma pessoa que eatá zangada e
pena não lhe acertar bamo cacete 1 dizia quer desforrar-se de outra. Eu vou seguir
Lucio Jfèibeiro. o meu caminho, como enteado, e o resto
fica entregue á minha go te,
— Qual, foi só uma arranhadéia que lhe
fizemòs.-^Com um tiro, disse em seguida -r Não, ifoto n | o pôde ser mais, arras^
Sebastião, levantando a voz, hei de varar tou-sa a voz rouca do emboscado: eu
a qualquer desalmado que ahi no3 esteja dei a você, e só a você, o meu segredo,
ouvindo. que morava conamigo lá vão muitos
annas, E' obrigarrme a ser mau, porque
— Só se for alguma cobra? porque os eu mato-o se desconfiar que quer fugir de
negros ficaram bem convidados e já não mia*, perder me e sacrificar o meu odio.
cahem n\>utra nestes mezes mais proxi-
E parque são se decide, porque
mos, advertiu Lucio.
a demorar isso ? Mate-me, é atá um bene-
— Cautôlla em todo caso; passemos ficio-
rente á barreira porque os-taquaruçús são — Não mato por oífioio, mato por vin-
boas to3as de onças. E nós que o diga- gtnça. Ainda Francisco Benedicto pão
mos; observtuo aggregado. tinha um filho, e eu já o seguia como um
Dentro da toceira das gigantescas ta- ema de qaça $ pista dos caitetúa. Tenho* o
quaras 03 dois emboscados representa- tido muitas vezes ao alcance da minha
vam uma, scena silenciosa, emqu^nto faca; bastava um salto para enterrada
blasonando cs tres atravessavam a es- até o cabo n'aquelle coração ieprosp, Não
treita curva da estrada. qqiz, n m o fls, Nos primeiros tempos eu
O homem possante, rastejando sem raido derramaria apenas o sangue d'elle e da
sobre folhas seccas, viera protegido pelas mulher, a não me bastava, Nao se apaga
arvores collocar-se á beira da estrada, e uppa forja Qum pingos d'agua.
com elle o scffrego companheiro. Depois veiu um Albo, depois outro,
Este, descobrindo o grupo, levou o dedo ' mais outra, e eu dizia cammigo: 4 tempo»
ao gatilho de uma espingarda que trazia ha sangue bastante n'esta raça para sa-
comsigò,mas $qou logo sem movimento, ciar, qqe pão para extinguir, Q meu odio.
porque a mão do outro tolheu-o CÍ m a U m pensava depois e lembrava-me que
força das dqas peças de um torno, aper- bavia no corpo do meu inimigo
tadas vigorosamente. forças para augmentar q pasto $ minha
Os pairar; ores pass&rnm impunemente. ira, e esperei. "
Quando já se haviam distanciado» P mais JSu sou filho de caboclo; do goytacaz
ifflp&cieiatf, dos embosca 1QS, que Qieia geín b&r^no, aus s o t o
m% disa9 aa outra, qaç tomtam s a p p ^ a q q ^ x a r ^ qçie juprre çejg ffêKW?
OU A PENA DE MORTE 123
imaginativa religiosa desenha nasgrutas — Gala te ahi já! Se eu não devo fartar-
inflâmmadas do inferno. me*no sangue do outro, quem me dia que
Interrompido brusçamente o beijo, o não posso beber o teu, a quem confiei o
faceinora disse resOlutamtiite i meu segredo e que me queres perder
— Não cedo, não quero ce ler nem uma Ouve bem ; não irás amanhã á noite a
gotta de sangue da g ração que ha lon- casa âo inimigo; .deixa que as mãos
g o s a n n o s condemnei. Que me importa a
escolhidas por Deus se incumbam da
mim que outros queiram vingar-se?Ne- vingança. Escuta e pensa; eu ando
nhum;tem soffrido toais do que éu. Te- sem ruido como o peixe nada no rio;
nho mulher e não panso n'elía ; tenho mudo de pouso como o vento muda de
filho e fujo de atfagabo ; e, coitadinho, rumo; se não] me attenderes, fugirás em
quando eu volto á càsa vem esperar-me vão. Para que me pudesses descobrir
no terreiro para pedir-ina a benção. Mu- era preciso pôr em terra todas as mattás
lher e filho agradecem-me o pouco que é arrazar todos os morros; desde os que
posso conseguir çpn$ heras de trabfifc se sobem er rrendo, até os que ser vestem
lho roubadas ã minha vingança ; choram de nuvens. Ainda assim era preciso «ecoar
de alegria, e eu nem demoro-ise para con- todos os rios ; eu corro como o veado,
solar-lhes as continuas saudades. mergulho como a anta e boio sobre as
aguas como a vagem do ingá a mercê da
, Qual é o outro que tem igual direito
correntesa, Escuta e pensa; o sangue do
ao sangue da raça amaldiçoada ? Ódio de
inimigo só currerá pelas mãos escolhida^
dois dias, sem rãizes e sem sacrifícios,
por Deus.
eis 0 que deseja partilhar commigo a vin-
gança! Não cedo, não quero cederá — Maldita a hora em que nos encon-
minha, minha s<5 a vida da familia indig- tramos; eu não recuaria com medo 1 não
na; só eu hei de saçiar-me no seu sangue. eeria fraco!
Juro I. De um salto o homem robusto tinha em-
Quasi ao romper d'alva o espião reu polgado e atirado por terra o companhei-
niu-se ao seu companheiro. ro, ao qual subjugava com um joelho
— Chegst amanhã á noite; amanhã, sobre o ventíe e uma dás mãos sobre a
amanhã,, exclamou elle, parando diante garganta, em quanto na outra brilhava a
do taciturna companheiro. faca luzidia.
O silencio d'este impressionando-o pro- Mas a explosão de oolera extinguiu se
fundamente, psrguntou-ltie o espião, mor- de chofre o o espião foi deixado em liber-
dido pelo despeito : dade, ferido apenas por um sarcasmo.
— Então vosmecê não se alegra. — Criança; vê se eu sou medroso e
— Não. fraco; alli estão as armas, mata-me!
— Pois não vai acabar os seus des- — Oh ! meu Dsus; eu sou bem desgra-
go tos. çado, soluçou o miserável.
— Sim, mas Dsus quer que não seja ©u A noite calada e escura e apds ella uma
quem me vingue; escolheu outro para aurora triste, parcamente gazeada e to-
ma ejar a arma. o ida apenas par uns ephemeros tons aver-
~ O&tro; eu, não é verdade j sou eu ? melhados em estreita barra de um céu côr
de manejai s, hei-de ? com a força do de chumbo, estenderam-se entre o silen-
meu odio.
cio dos dous companheiros*
— Não éa tu também, é outro. S e g u i u - s e da mesma sorte ó dia, suando
—_Ohl homem malvado, eJsolamòti o por entre nuvens carreged;;s baça e tris-
eipiio, pois você pensa que m consentirei? tonha claridade, que se humedecia pas-
antes morrer.
sando atrâVez de i m ^ ^ u ^ t ^ s chortabo*
128 MOTTA COQUEIRO
nossas duas espingardas defenderemos a emquanto» que sua fiebil voz, querendo
casa. Vem. bradar, murmurava apenas:
O moço, que não teve tempo de reflec- — Malvado, que mal te Azemos nós ?
tir, leyantoú-se de um pulo e, seguindo o Oá elhos do aggressor fuzilaram fran-
que elle julgava amigo familia, sahiu camente a cólera longos annos represa,
compile pela porta dos fundes, que foi fe- a ella respondeu apparentemente sereno:
chada por fóra. — Nenhum! Bem sabem que nenhum.
Logo porém qu© chegaram junto ás ba- — Silvai-nos, meu Deus; estamos todos
naneiras, com a J agilidade e cortesã de perdidos, exclamou angustiosamente a
um bote de tigre, Juca Benedicto foi co- senhora.
lhido peUs mão a vigorosas do homem — Nem Deus, nem o diabo 1
possante, e sem que tivesse podiío profe- Proferindo estas palavras, os punhos do
rir uma palavra, cshiu, em cheio por aggressor, calcando sobre os hombros da
terra. áesveaturada esposa, fizeram-a cahir de
O homem voltou- de sevo á casa, accen- joelhos. ..
deu com o maior sangue frio uai can- — Mite-nos, sa tanto deseja, mas poupe
dieiro e dirigiu-se á cozinha. nossos filhos, que não lhe fizeram mal
Tirou da,bainha a faca ensanguentada nsnhum. o
e, cortando cóm ella uma corda que se O monstro riu-se e á proporção que,
estendia de um canto a outro do vão, di- posto um joelho sobre o estomago e ar-
rigiu-ae em seguida ao quarto da sala, queada a mão sobre a garganta da in-
depois de ter trancado e guardado as M k , esfcrangulava-a cynicamente, dizia
chaves de todas as portas, e postó a foice entre dentes :
por detrás <lo e^tra lo. — Eu não esperaria tanto tempo para
Dormiam rfesse quarto Francisco Bene- vingar-rae se bastasse-me tão pouco san-
dicto e sua mulher. gue. Irão tedos, um oor um, desde o me-
O intruso, de uma reviravolta, amarrou nor até o maior. Bem sabe que já perco
os braços que o adormeci lo tinha cru- um d:s da tua raça ; é demais.
zados sobre ò peito. E o monstro continuava na sua pressão
O aggregado levantou-se de chofre; mas feroz, ainda que sob elle já não estivesse
não pôle clamar por soccorro porque foi mais que um cadaver, cujoè olhos des
no mesmo instante amordaçado. mes unidamente abertos e salientes pare-
Bispert&da pelo abalo que produziu no ciam querer feril-o como se fossem dois
leito o pulo do marido, e vendo diante de punhaes.
si aquelle homem com um sorriso mau
a contrahir-lhe os grossos beiços, ao — Amigo . Francisco, disse o monstro
passo que o marido forcejava para liber- que se levantára; vais vêr como seé leal
tar-se de suas mãos, a pobre senhora e bom pagador.
precipitou-se corajosamente sobre o mal- O aggregado apenas podia soltar gemi-
vado. dos abafados. O monstro arrastou-o até
F r a n c i s c o Benedicto já h a v i a cahido, á sala de visitas.
porque com u r a a ponta d a c o r d a f o r a m - Ouviam se dentro os gritos das duas fi-
lhe a m a r r a d o s os joelhos.- lhas mais velhas, que batendo á porta do
O faccinors esperou calmamente o as- quarto, a qual o faccinora tinha tido o
salto da fraqueza feminil, encorajada pela cuidado de fechar, exclamavam angus-
dedicação e o amor. tiadas :
As mãos da esposa seguraram-se como — Abram-nos a porta } perdão ! perdão
duas tenazes aos braços do homem; para nosso pai.
130
MOTTA COQUEIRO
Por sua vez as tres. creanças acordadas, — E' realmente bonita, e, peias'dores
vendo o velho pai estendido1 per terra, e que tenho soffrido, ju.ro-te, amigo Fran-
o homem de má catadura caminhar para cisco, o mau coracão está & peâir-me que
ellfts, choravam, peiindo-lhe que &ão as eu não mate-a,
matasse. Houve u a instante de silencio, durante
— Berra, corja miada, berrai ás em vão. o qual o pudor da menina, quasi desfal-
As portas estão fechadas, e a estas horas lecila, foi posto a tratos peio facciaora.
não passa viva &lma peia estrada. — Ah! seu capitão ! que mal lhe fize-
Pegou então na menor das tres crian- râBD as' creanças, tenha dò d*elías.~
ças, empurrando as ostras que, ae joe Este grito de desespero, proferido por
lhos e agarradas á irmãsiaha, pediam por Antonica, deteve em meio uma scena de
ella. As duas pobresiahas calmam abra- iniquidade indisivel.
çadas uma com â outra,. emquanto que o O malvado ergueu-se de súbito e arras-
monstro, sacudindo pelos c^bellcsa crian- tando apds si a preá», acocorou-se junto
cinha, esbofeteava-a sorrindo. de Francisco Benedicto. «
Depois cr&vcu-lhe aa garganta as u&hss — Ouviu o que disse a sua filha, amigo
de fera, balançou-a no ar e atixou-& ao Francisco? Ella pensa qoe é o capitão
lado do angustiado pai, que v&squejava a quem se desforra n1esce moxneato; e todos,
sua desgraça. quando encontrarem esta casa contendo
os pedaços -áa tua raça, liãii de p-ansar
— Por istosinho disse elle apontando o
também que foi o capitão o auetor d'esta
cadaver, nem valia a pena incommodar-se
vingança, fí eu vigerei tranquillamente;
um homem; porém era uma viborasiaha
nem ao menos podes levar a, esperança
que ficava. Vamos ás outras.
de que eu eoífra um pouco, uma hora
Durante o estrangulamento da irmasi- só mente l Quanto é bom ter-se como tu,
nha as duas meiímaa tinham se levanta- amigo Francisco, inimigos a cad» canto I
do e corrido para o interior, debalde, por- Oá que t ã j mais offendidos podem casti-
que não tardaram a ser descobei tas pelo gar sem temor. HA quem sofíra por elles.
a cassino, que as arrastou até á sala.
A faoa do assassino sumiu sa na região
Uma delias teria oito annos, <a a outra
thoraxica da indefesa menma, e duas
onze.
vezes mais cravou-se lhe no seio.
— Vamos primeiro acabar com a mais Quando a victií&a não dava mais sig-
moça, amigo Francisco, resmungou o mal- naes da vida, o monstro passou pelos
vado. L' preciso que eu ganhe força para beiços a lamina ensanguentada e disse
sahir perfeito o trabalho. demoradamente:
Com violento empurrão a menina foi — Oh I como é tão deca e cheiroso o
estirada no chão, e o d^monio do odio sangue dos teus. Devias amar muito a
levantando o pé, bateu-lhe em cheio nas tua mulher, amigo Francisco, para que
costas. Uma gjlphada de sangue espada- tivesses filhas ião banitas. Faltam-xte
nou e foi cahir sobre o aggregado, e aindii duas e é preciso que eu dê conta
mais uma victima foi immola&a a uma da tarefa antes que © dia clareie.
vingança de causa desconhecida. A poria do quarto, em que o assassino
A menina de onze annos foi então arras- tinha prendido as duas moças, abriu-se e
tada pelo monstro, que assentando-se elie, encostado á foice que antes escon-
n'un môcho obrigou-a a Bentsr-se nos dera, esperou que as desventuradas s&-
seus joelhos. hissem.
A lubricidade veiu então miaturar-se á As infelizes, abraçadas n'um canto da
ferocidade. casa, soluçavam de modo a commover ás
OU A PENA DE MORTE 131
Recostado n'um canapé, junto do qial meu compadre, attendendo a que tem
estavam assentados alguns hoioens de uma familia numerosa. Elle ha de achar
physionomias distinctas, Motta Coqueiro quem o insine, porque ninguém as fsz
presidia uma conversa de amigos. que não as pague. Ha cousas que dão ma
O mais jovial e que mostrava ma s pri- muito mais que pensar..*
vança com o fazendeiro era o Sr. Con- ^ Ah 1 tern também seus segredos;
ceição, negociante residante.em Macahé. deixe èstar que eu hei-de pôl-o em bons
O seu rosto cheio e vulgar era entre- l e n h e s còm a D, Maria. Vejam o sonsi-
tanto attrahente porque illuminava o um nho.
olhar cheio ds insinuante sinceridade.
— Qual, por este lado não ha que temer;
No mais era um homem de estatura
já tenho os meus cíncoenta sobre as
mediana, sem reservas aristocratiças,
costas. O que me impressiona mâis hoje é
sem posições estudadas; o antigo typo do
a eleição de deputados geraes, para cuja
homem do commercio, que se perdeu no
Victoria o governo mandou para Campos
diluvio fervido do aperaltamento moderno,
um juiz de direito, escolhido a dedo.
que olhando, para a fidalguia, fica
— Ora deixe-se àMsso ; você bem sabe
sempre no ridiculo.
que, trabalhando, taboqueia o bicho.
— Se você nao tivesse chegado hoje,
— Não é tão fácil; os diabos dos cau-
dizia o Sr. Conceição, amanhã só encon-
dilhos do governo têm-me intrigado á
traria aqui muitas lembranças nossas.
grande. Pois o que é a connivencia do
Batiamos azas sem mais demora.
Oliveira com o meu aggregado, se não
— O que custa é o mais desejado, res-
um meio de desmoralisar-me ? Agora a
pondia o capitão ; e a além d"isso as mi-
verdade é que o finorio perde de todo o
nhas madeiras são como o vinho, quanto
seu tempo.
mais velhas mais caras. Está ahi porque
. me demorei. A conversação estendeu-se por mais de
— E lá ficaria se ò vento não o fosse uma hora sempre salpicada pelos epi-
busear. Pelo que eu vejo você não chega gr&mmas e malignidades joviaes do Sr.
aqui sem tempestade. Conceição, que assim confirmava uma
— Nem'sempre ; aconteceu hoje para regra geral; os caracteres sadios e vi-
que vocês paguem-me não só as madeiras gorosos são intimamente alegres.
mas ainda o incotr modo da viagem. Eu Já pela madrugada os amigos separa-
levo só dez por cento. Antes isso do que ram-se e tomaram os seus aposentos.
ir para a estrada* O sol, apezar de alto, illuioinava furti-
— Homem ! por fallar em estrada, é vamente o céu, quando de novo o fazen-
verdade ; que se deu aqui um desagui- deiro avistou-se com os seus hospedes.
sado entre você e um aggregado ? Estes, que tinham pressa de voltar para
— E r verdade; mas eu nem penso mais Macahé, não deixaram esperdiçar um mi-
n'isso, porque o tal aggregado, que^é meu nuto e occuparam-se durante todo o dia
compadre, gosta de mais do copo. em discutir o preço das madeiras e as
— Mas n'e&te caso cozinhe as caraspa- condiçõQs do seu transporte.
nas em casa, e não se engane com os cacos A mais perfeita tr&nquillidade de espi-
alheios. Se fosse commigo o negocio não rito expandia cs modos e as palavras
ficaria ass<m. d'essa reunião de amigos, á excepção do
— Eu também quiz processal-o ; mss fazendeiro que parecia estar preoccupado.
não só tive de luctar com a animosidade Quem, á tardinha, affastande-se da casa
do Oliveira e trampolinice do Lycerio, grande, se dirigisse á casa nova, assistiria
mas também de compadecer-me do tal abi a uma geena de requintado cynismp.
OU A PENA DE MORTE
133
O assassino da indefesa familia andara não tornes nunca maia a este logar amal-
durante todo o dia rpdeiando as tuas diçoado. Eu também seguirei o meu
v i c t i m ^ s como um ccfcvo em torno da Jestino.
carniça. > O silencio e o abandono invadiram de
Qaasi ao pôr do stíl o companheiro, que todo o triste iogsr, onde o odio havia
na vespera fôra por elle despedido,,. veiu executado uma tremenda sentença.
também farejar as cercanias da casa do Talvez no mesmo in&tante em que o
inimigo coinmum. monstro imputava ao fazendeiro o seu ne-
O silencio profundo que reinava alli fando crime, os amigos á'este reunidos na
casa grande reparavam no seu mau estar.
f e l - o apprõxi^ar-se mais e mais,.até que
Já não era possível esoondel-o, porque
finalm;mta collocou-se entre as bana-
á proporção que a noite se avisinhava,
neiras.
Motta Coqueiro entristecia cada vez mais,
O aspecto da casa fêl-o pensar na pre- e chegou a tal estado de melancolia que,
visão do seu companheiro e para certifi- durante o jantar, foi amigavelmente in-
car-se chegou até mais perto. terpellado pslo Sr. Conceição.
O bafio do sangue apodrecido e o som
— Hcimm, você está com a cara da
do intenso eperenn^ zumbir do mosqueiro
noite de hontem. Quer até parecer-me
certificaram-o de que lá [dentro jaziam
que o nosso amigo deu agora em forreta
cadaveres. e áfctá arrependido, de não nos ter carre-
Olhou em torno de s i ; depois espreitou gado mais dez por cento no preço das
pela fcesta da porta, <e esmo se o et picas- madeiras. Mas não vale zangar por isso;
sasse o remorso, recuou espavorido, e, nós ainda estamos aqui, esfolle-nos a seu
arrancando violentamente o lenço que gosto.
lhe encobria parte do rosto, exclamou
dolorosamente. — E' mesmo verdade que eu estou
triste, respondeu o capitão e o mais sin-
— Míri^uinhgs, minha Mariquinhas 1
gular é ser por uma asneira.
ea havia de saber poupar-te.
Ao dizer a ultima palavra os cabellos — Perdão, interveiu o Sr. Conceição, é
erriçaram se-lhe, « agacho a-se transido o mais natural.
de terror. — Hontem, ou melhor esta madrugada,
E' que a pesada mão do companheiro quando deitei-me, continuou o fazen-
tinha se-lhe calíoc&do sobre o hombro, peiro, tive uma especie de pesadelo. Fi-
apertando-6 fortemente. gurou-se me estar em um um logar de-
— Trahiste a tua cobardia, ou mentes serto e como que ouvi gemidos dolorosís-
como um cão. O a assassinaste a esta raça simos. Procurei por toda a parte e não
damnada, ou querias enganar-me, vi viva alma. Porém, d'ahi a pouco des-
Mmuel João que era o companheiro cobri perto de mim grandes línguas de
do assassino, tremia miseravelmente e fogo, é depois um montão de cadáveres.
não ousava responder. O mais exquisito ê que durante todo o
— Ctimo tu és cobarde, bradou o selva- dia eu tenho pensado n'este sonho.
gem ; c^mo virias comprometter-me, se — Ha de ser lembrança d^quelle clarão
.eus confiasse a outras mãos a nossa que o Sr. disse-nos ter visto na viagem,
viogança. Felismente ainda ha homens pouco antes de çahir o temporal, inter-
de coragem. O capitão chegou hontem e rompeu ura dos amigos.
eis aqui os destroços. Bem t'o dizia eu ! — Ora sonhos! exclamou o Sr. Con-
Depois de uma breve pausa, continuou: ceição.
—E' preciso 'que nos affastemos d'aqui; — Ha de ser mesmo, proseguiu Motta
se nos vissem estariamos perdidos. Vai, Coqueiro, porque fiquei bastante imprea-
134 MOTTA COQUEIRO
pairei s porta, não pude conter o choro; mas saiba que não pode de hoje em diante
a os.:?8 de Francisco Benedicto é hoje um fazer nada sem minha ordem.
cemiterio; mataram todos, todos. O fazendeiro, que durante algum tempo
— Jesus! exclamou Balbina, nem pou- conservara-se no mesmo logar com a ca-
param a moça qne o senhor estimava beça sumida entre as mãos, levantou-se
tanto, fAnt-s os brancos não tivessem por fim e entrou na sala de jantar com-
dado oràem ! pletamente disfigurado.
— "Vai, vai, minha velha ; conta a teu Balbina que observava todos os movi-
senhor e&ta desgraça. mentos, ao vel-o assim perturbado, res-
Balbina, temporariamente commoviáe,' mungou at i a vez do odio encanecido :
apressou o pi$so em direcção á casa — A Estrella do céu já não defende a
grande, e o desconhecido, sorrindo então porta dos branccs e Deus não olha mais
'desdenhosamente, . disse com uma infle- psra a banda em que ella está. A escra-
xão de voz que f«ri& estremecer ao va pode rir, vai ser vingada.
fleugrnauíico dos homens. A noite foi uma longa tortura para o
— Túvn pena a desgraçada, e eu lasti- fazendeiro, que estava ainda muito longe
mo que fique sobre a terra uma filha da realidade horrorosa <?a sua situação.
d'aqtiell4 raça. Os malditos tinham pouco Via no acto doá escravos, auctorisado
sangue,, pela senhora, o descredito da seu nome e,
Dspoi.; de umab^eve pausa, disse ainda: o que lhe doia igualmente, uma arma se-
— Tenho peaa do capitão; t?*lv©z venha gura com a qual os seus adversamos
a softrer pela morte a'aquellas viborss. combatessem lhe a popularidade.
Deus o defcnd». , Com qoe presliglo, elle que mandava
Ditas estas palavras o desconhecido incendiar a ca?a de um pobre e seu hos-
affastou se cora passo lesto e firme. pe íe. poderia pedir ao povo da localidade
Q ciando Bídb^n;. chegou ao terreiro er- apoio e dedicação, se depois, esquecendo
controu ahi o fazendeiro, diante do qv.al, hHo, viria talvez a perseguil-03 cruel-
com o chape a na mão, Fidélis faikva mente !
humilde utente. Tarde da noite Motta Coqueiro, cuja
O feitor depois de contar as diversas momnia afeiava cada vez mais o acon-
tropelias feitas pelo aggregado, junte il- tecia? ento, foi ter com o sen amigo Con-
ibes a narração do estrago feito nas bsisas ceição « coremunicou-lheo oacorrido.
e o expediente que tomara, como feitor. O honrado negcciante Biostrou-se tam-
— Eu fui fallar cora s<m Chico, disse bém profundamente abalado e só depois
elle, xr:a? não fai at tendi 1o, e ainda o de lons;í> silencio disse para o fazendeiro:
filho <?eu vw;* cacetada era Alexandre. — Ovunioo remédio é psgar pelo preço
ea que Francisco Benedicto pedir as bem-
põr fogo á ca^a, n:as
não cheguei feitorias do sitio.
— E vigera d,60 lhe ordem para faaer — I to é o menos, roeu amigo, o que
c o o , a ? interrogou o fazen-eu queria era que vocâ visse como se me
deiro. preparam desgraças.
— S&nhora mandou qne puzesse fdra o Antes do nascer do sol, Motta Coqueiro,
sgxregado de qualquer so>t«. que passara a noite em atroz vigília,
— E o qus u 7 , depois o cowpadre. sahiu para ojterreiro, e, depois de orde-
' — P-ívec ' que foi dar parta a« inspector. nar qne lhe trouxessem o «avalio, porque
— Po e ir, pede ir embora, excUmou desejava sahir logo dep»is do almoço;
Motta Coqueiro dirigindo se ao escravo, poz se a passeiar de um para outro lado.
136 MOTTA COQUEIRO
me?m& oecasião Faustino e Flôr, que ia para Campos j á ; os seus amigos lá hão
ambos assustadíssimos disseram ao fa- de defendei o.
zendeiro que tínha-seido chamar as aucto- — Sim, sim, exclamou o fazendeiro,
ridadfs para verem o que havia na casa hei de faze confundir os caltimniadores
de Francisco Benedicto, que estava fe- e a desforra será tremenda.
chada e sobre a qu-sipairavam os urubus. Dentro em pouco tempo uma canôa, re-
— E o que tenho eu com isso; res- mada com extraordinária boa vontade,
pondeu Motta Coqueiro. voava pelo rio Macabú. Lavava e a si o
— Antea nada tivesse, seu capitão; fazendeiro', que ia .buscar no saio da fami-
mas estão a dizer que s gente de Fran- lia consolo para a sua afflícçãt».
cisco Benelicto foi morta por ordem - - D-urante toda © dia n?nguem aíreveu-se
de vosmecê ; soluçou BUorenti&o Silva. a approximar-se da casa, em que apodre-
— Equal fai o miserável qu© lsmbroa-se ciam os cadaveres da familia da Fraccisco
de accusar-me, diga-me o ssu nome, quero Stneiicto. Só a nuvem de corvos, «ras-
fazei-» engulir a caiuiania I nando áa espaço a espaço attrahid» pela
— Todos os que estavam na v é n i a . . . carniça, fazia sôiatinelía á mortoalha, ora
— Todos 1 concentrand-j-se e a immensa e*ph$ra ne-
A suais" diladerante angustia fU resu- gra, ora desdobrando-se e sbatendo-se
mida n^sta u&ica palavra. Encarnava a repentinamente sobre o tecto meio quei-
revolta da dignidade de hom m de bem mado.
e a dôr 'agudíssima a sangra" um ca- A' noite, po"Mm, um vulto chegou cau-
racter serio. GonoretisaçSo do desespero telosamente até á frente da casa, empur-
de um coração, lapii&do'pela severidade rou a porta e entrou sem hesitar, fechan-
p*ra a^.alanar-se com as irradiações da do-a de novo sobre si.
bondade a da juitiça, n'essa uaica paiavra Lá dezit>'0 ouviu-so apenas o ruido das
gemia todo um pastado de honestidade e íiicsfías espantadas psia visita inespe-
nobreza dy sentimentos agora desapieda- rada.
damente trucidado p*la calu-mnia. 'Passado algum tempo, o vulto sahiu
O fazendeiro sestiu-se no vácuo, mas com a mesma precaução, e, entrando pe-
esse vácuo horiivel do pesadelo, onde ce- las roças, seguiu paios aceiros, depois
h ridos como fogos tatu os &uccedeo>se e pelo campo, e afinal dirigi a-£ a para as
aprofuavam-se infinitos circalos lumi- senzalas do sitio.
noso?, aos quaes nos quarexnos segurar Abriu uma delias e entrou, accendenlo
quando se nos tfl»ura que íolamos e jogo depois um ca/tdieiro. A' luz deixou
sentimol-os ao nosso contacto des,fazsrem- então conhecer a pessoa que, zombando
se em fumaça. de temores supersticiosos, não trepidou
1 aventurar S3 na escuridão e no isolamento
< Ó q«e bo pssacíe © ê uma succsssão de áquePe domínio da morte.
círculos luminosos era no espirito do an-
Era a tia Balbina, que trazia sobraça ia
gustiado um tumultuar de seatimeatoi-,
uma enorme trouxa da roupa ensanguen-
que não tinham ecnsisteaeia para obstar
a queda na con letnn&çSo soei-d.
A feiticeira começou então a estender
— Todos, repetiu o <?esventara4o ; mi s
demora lamenta no chão os vestuários
que e mal âz eu a t«d:i essa gente psra qi e
impregna los pelas exhalações dos cada-
assim ma julgue?!
ve.-fcs.
• — O que quer v-smeeô, seu capitão; Depois reunin-as de novo, e f<<i colo-
.acontece qua*i ampre assim, d.us© Flo- cai os em ama velfta caixa, ao cauto do
rentino. Ea no seu caso e na sitaporíçSo quarto.
139
OU A PENA DE MORTE
Os escravos do fazendeiro ficaram d'esda Os senis affagos para [os filhos e entea"
logo á disposição das auctorid*des, mss, dos foram misturados de lagrimas, e os
o Sr. Oliveira, nãrs obstante desenvolver abraços eram tão eitreiíos, os beijes tão
maxima actividade para a captura dos soffregos que a esposa e o enteado ex-
indigitados, criminosos disse todavia ao clamaram ao mesmo tempo :
inspector: — Olhe qua d'esta maneira faz-nes
— Era capas de jurar a favor do ca- pensar que perdemos o nosso quinhão.
pitão", não me parece capaz de semelhante A jovialidade de ambos foi, porém,
crime. bruscamente mudada em recolhimento
—• Mas as provas, que são tolas contra tristonho, porque em vez de sorrisos o
elle, dizes justamente o coatrario, com fazendeiro só teve^lagrimas ao abraçal-os.
perdão de V. S. — Faça com que as creanças se reti-
— Não vou fôra disso, mas Em rem, porque é necessário que fiquemos
todo o caso as eleições se approximam e SÓ3.
em quanto o cap : tão deslinda o negocio Depois que a fâmiiia retirou se, os me-
podemos descançar. nores cantarolando e gargalhando , sem
Na mesma hora foi expedido uai prrprio ccn&trangioaento, o collector pergunto a ao
psra Campos sfií» de communiear á po- seu padrasto qaal era a nova desgraça
licia o acontecimento e p?dir o seu auxilio succedida no maldito sitio de Macabú.
para a captura t o principal criminoso que — A maior qua se podia imaginar, res-
lá devia estar. pondeu Motta Coqueiro; Francisco Be-
O Sr, Oliveira não se enganava quer nedicto foi assassina-lo com toda a sua
quando negava a sua consciência & sasc- família!
cionar o clamor do povo, quer quando — E quem foi o auctor de tão tremendo
previa que Mottá Coqueiro estava em crime, ioterrogoa o collector que se pu-
Cflm;oí?. zera de fé, tremulo e perturbado ?
No dia da diligencia no sitio, o fazen- — Não s i ainda ao certo, mas diz-se
deiro tinha chegado á sua chacara na ci- que feiram os nossos escravos.
da~e, acompanhado pelo preto Domingos, — Meu Deus. meu filho, meu marido,
sobre quem não piirava no espirito áe exclamou a Sra. D, Maria, eu sou a cau-
Coqueiro a menor duvida a respeito da sadora d W a desgraça, eu sou a assas...
sua isempção no assassinato da familia, Um violento atalo nervoso, convulsio-
de Francisco Benedicto. nado prolongadamente, cortou em meio a
Sentndos sob um csrarnfmchão estavam accussçã> £,erigosissiaaa que a Sra» D. Ma-
a Sra. D. Maria e seus filhos tanto os ria pronunciava c-;ntra si própria.
do primeiro consorcio, como os do segun- Soccwrrida a esposa, que foi desie então
do, com o fazendeiro. prtsa de uma febre d-..vastadora, o fazea-
Um dos filhos do primeiro consorcio deiro e o collector reataram a conversa-
era já uma influencia campkta ; desem- ção dolorosa.
penhava as funoçoes de collector, e gozava — E onde ficaram os escravos ?
de consideração geral. — Fagiram os priacipaes' auctores e
O fazendeiro que atravessava cabisbai ficou apenas o Carlos, que deixei ficar na
xo a alêa que do portão da ohacara dii i" barra de Macabú para tratar-se. Quasi
gia se em linha rccta a tê á entrada da mstei-o na primeira explosão.
casa, foi dispeitado da. abstracção com Passadio um breve sileacio, durante o
que andava, pelos psios do grupo e logo qud o collector, c m os olhos rasos de la-
conduzido para elle pelos meninos que grimas, foi pouco a pouco desenrugando
lhe sahiram ao encontro. a fronte; exclamou:
OU A PENA DE MORTE 141
calço, chegava sempre depois que elle Eisiqaaaío assim era julgado, extenua
estava distanciado. do pelas continuadas jornadas, Motta Co-
A' medida que se decorriam os dias queiro arrastava-se pelas maita&, p; : ra
form&va-se uma lenda tristíssima. Já não fugir á injusta pos?ção.
era só dizer-se que os cadáveres foram Sedento, meditava primeiro e esprei-
encontrados, segando o Cruzeiro, já la- tava minuncú sãmente para chegar-se a
cerados pelos cães e aves carnívoras; algum ribeiro, qne murmurando descia
accrescentava-se que, tendo podido es- pelas grotas, brotando em s^ns tristes
capar á matança, sppareceu uma infeliz como um soluço.
filha de Francisco Benedicto, rota e fa- , Um i&ez depois da sua sabida da cidâ-le
minta, ainda mais, digna de compaixão sentiu que as forças abandonavam-o é
pelos seus poucos annos. lembrando-se da família, dos filhos inno-
Pobre menina 1 dizia-se, estremece ao centes que ficariam ao desamparo e infa-
ouvir o nome do fazendeiro, e pergun- mados, caminhou para uma casa que al-
tada porque tinha tanto medo d'esse vejava ao longe, e ahi pediu agasalho.
nome, respondeu: Receberam-o com a de'icadeza hospi-
« — Estav? mos eu e minha iram escon- taleira innata no sertanejo brazileiro, mas
didas em uma arvore ; eu que era mais gradativamente foi diminuindo a prasen-
velha subi até as grimpas e minha irmã teria da família.
ficou occulta no ouço da arvore. Em E' que ha?ia chegado o dono da casa, e
casá choravam e gritavam meus pais e antes só ahi estavam mulheres.
meus irmãos, mas a pouco e pouco todos Francisco José Diniz, chefe da familia,
caiaram-se. que hospedara o for&giio, era inspe-
Appareceu enfão cá fóra o Motta Co- ctor âe quarteirão, e embora o seu tino
queiro, alumiado por um escravo seu que policial não tivesse finura especial, a sua
trazia um facho. Procurou em roda da psrspicacia estimo! a va-se com a lembran-
casa e depois chegou se á arvore, onde ça dos prémios no valor de dois contos
viu os cabellos de minha irmã, pelos quaes de réis, offerecilos pelo chefe de policia
tirou-a do escondrijo. da província e a delegacia de Campo3.
— Mata este d^moninho, disfe elle ao Ao vêr aquelle homem vestido de preto,
preto. com um lenço atado ao queixo, e uma
— Senhor, é muito pequena, tenha peaa physionomia em que a desventura sul-
d'ella. cara rugas indeléveis, o Sr. Diniz lem-
— Covarde, tu me pagarás; exclamou o brou se do criminoso, cuja captura era
fazendeiro, e segurando com a mão es- esperada com anciedsde geral.
querda a perna de minha irmã, com a Deixanlo só o hospede, foi procurar
direita armada de um facão, partiu.-a pelo um ofíicio que lhe tinha sido dirigido pela
meio e depois fel-a em postas. delegacia, e chamando a sua mulher
— Falta-me ainda uma, disse depois. leu-o para que ©11a ouvisse:
Eu tremia, continuava a criança, mas — cc Fsça prender Mano al da Motta
felizmente elle não lembrou-se de subir á Coqueiro, alto, magro, corado, de sobran-
arvore.» celhas salientes e espessas, com uma
E a crédula população bradava indig- grande mancha no roito, casado, maior
nada : de 50 annos, e assim os escravos, que o
— E' a um malvado d'estes que querem acompanharem. »
livrar. Miséria da nossa terra; muito — E que tem este pobre homem de com-
óde o dinheiro I Mas se o jury absolver, mum com o malvado, que querem pren-
o povo far-se-ha carrasco. dei ? Pois não se está vendo que um ho-
OU A PENA DE MORTE 145
m em como esto, era incapaz de matar gravado na memoria um signal pelo qual
uma mosca 1 exclamou a esposa. ó fácil conhecel-o.
— Biles disfarçam.muito, os scelerados! — Ba também sei: uma grande man-
cha no rosto.
— E mesmo que fosse, aqui dentro é
— Exactamente, e d'este lado.
nosso hospede.
O incauto fazendeiro affastou o lenço e
— E eu sou s?o>pre i&spector, aqui den- deixou ver o maldicto signal, que o dava
tro, ou fora d'aqui. Vou confrontar. conhecer.
O inspector postou-se diante de Motta — Está preso! gritou o inspector.
Coqueiro, q« e sentado á mesa da sala de — Porque ? perpretei algum crime ? per-
jantar ceiava tranquiliamente. guntou oJiospeâe-perturbado. —
— Não me parece; mas é elle mas mo, — Os tribunaes dirão. Está preso por-
está se vendo; vamos eonversal-o. que o senhor é o Motta Coqueiro; não
Depois da ceia, Motta Coqueiro ccnser- pode nega-lo, e foi o senhor mesmo quem
. vou-se. sentado, e segundo cs estylos per" acabou de mostrar a mancha que Deus
guntou pelo numero de membros da fa- poz-lhe no rosto para que seja conhecido
„ milia de seu agasalhador e pelos seus em toda a parte. Está preso.
negocios. — Senhor, disse humildemente o fazen-
E ata bolada a conversação, o inspector deiro ; não tento resistir, e entretanto, se
/ affectando a mais sincera familiaridade, eu fosse um malvado,bem sabe que á pri-
perguntou ao hospede: meira voz de prisão, te-lo-hia feito eahir
— O Sr. vem de Campos ? varado por uma bala. Deixe-me seguir ;
— Estive lá, mas venho do sertão de o senhor é pai, ê marido, pdde vir a ser
Santa Rita, perseguido sem culpa, como eu hoje sou ;
— E quando passou por Campas não compadeça-se de minha desgraça.
ouviu fallar do Motta Coqueiro. A mulher, e os filhos de Diniz tinham
O fazendeiro sern pestanejos sequer, todos corrido para a sala de jantar, e
respondeu com firmeza. olhavam espantados para o hospede,cujas
— Ouvi. barbas crvalhavam-se de lagrimas.
— Qae malvado, heirn ? Uma familia O fazendeiro precipítou-se sobre as
inteira, velhos e erianças, e até a própria crianças e ajoelhando-se, e cingindo-ás
casa, tudo destruiu. Nem enforcado oito em seus braços, continuou:
vezes paga o crime que commetteu. — Olhem bem para mim, meus filhos,
— Talvez se o senhor o conhecesse não olhem. Digam; eu tenho cara de um mal-
dissesse o mesmo. Eu não acredito que vado, digam, digam a seu pai? Peçam-lhe
Motta Coqueiro tivesse alma para seme- que não desgrace uma familia inteira,
lhante horror. E' um homam serio o perseguida injustamente.
Motta Coqueiro, que eu conheço. As crianças pallidas tremiam abra-
— Quanto á certeza do crime, já não ha | çadas pelo angustiado fazendeiro; a es-
duvida : os proprios escravos e cs dois I posa de Diniz chorava, mas este desapie-
homens que ella pagou para o mesmo fim dado e inexorável, vendo o hospede com
confessaram o crime. os seus filhos entre os braços, após ins-
— Os dois homens que elle pagou, tantes de hesitação, atirou-se furioso
acudiu Motta Coqueiro commovido ; mas sobre elle e agsrrou-o pelas costas, gri-
quem é que*espalha isto, santo Deus ? tando :
— Oh ! o senhor conhece bem o assas- — Rapazes tragam-me cordas.
sino ; mostra-se tão penalisado ! Dois pretos aproximaram-se immedia-
— Sim, fomos amigos. Tenho até bem tamente e o fazendeiro foi amarrado,
146 MOTTA COQUEIRO
apezar dos seus regos e protestos de que era introduzida pelo carcereiro até diante
mesmo sem esta medida não tentaria das grades da eel ula em que elle jazia,
fugir. destroço de um grande nome, solemne no
A's seis horas e meia da tarde, do dia seu infortúnio.
vinte e tres de outubro, desde a rua Beira A baça luz de um grande lampeão alu-
Rio até a Praça de S. Salvador, onde está miava o corredor e pi ojectava a clari-
situada a cadeia de Campos, a população dade crepuscular no interior da cellula.
curiosa agglomerav&-se para assistir um — Papai, papai, exclamou a menina,
triste espectáculo. pondo os braços por entre as grades ; ve*-
Descalço, com as mãos algemadas, os nha comctigo para ver se mamãi deixa
olhos baixos, as faces emmagreciáas e de chorar. Ella está muito doente.
lividas, Motta Coqueiro desembarcou da Um punhal vibrado, pela mão do ver-
Barca de Passagens acompanhado por dadeiro assassino de BVancisco Bene icto,
grande numero de soldados. não teria ferido mais fundo no coração
O delegado de policia, Dr. Almeida Bar- do desventurado réu.
bosa, que esperava o preso a sahida da Da um salto veio collocar-s© junto da
barca, era alvo das mais enthusiasticas grade e seus lábios procuraram sofíregos
manifestações, mas em vez da natural as faces da menina.
expansão do seu semblante conservava-se O carceiro, com os braços cruzados e
frio e até mesmo comoaOvido. encostado á parede em frente á grade,
Ao ver o modo porque o preso era con- assistia immoveí á triste acena de expan-
duzido, o nobre doutor estremeceu, mas são do &mor paterno e da innocencia fliial.
a sua commoção não poude ser percebida; A menina, aproveitando a occasião em
porque uma nuvem de assovios e alguns que seu pai deixára-a um instante para
projectis atirados contra Motta Coqueiro, enxugar as lagrimas, dirigiu-se ao car-
causando indignação em vários grupos, cereiro.
desviou a attenção geral. — Para que é que tem fechado & porta
Contida pela polícia a baixa manifes- do quarto de papai ? Elle precisa de ir
tação do odio popular, o desventurado vêr mamãi; abra-lhe a porta.
fazendeiro foi conduzido á prisão, cuja — Elle está preso, minha menina, disse
guarda foi dobrada. o carcereiro, que se abaixara e beijou a
Declarado incommunicavel pela cruel- menina; não se pôde abrir o quarto d'elle.
dade da lei, desfizera-se-lhe a única es- — D^ixe o senhor, minha filha ; elle
perança que o alentara durante a vergo- não pó ;e fazer o que você lhe pede. Ve-
nhosa e fatigante viagem: a esperança nha conversar com sea pai.
de haurir nos beijos de seus filhos e nas Um leve ruido, vindo do lado da porta
lagrimas de sua esposa e enteado a triste principal da cadêa, dispertou a atteoçlo
consolação da amisade. do carcereiro, que de xou a menina e, pó
A grade da prisão trancou-lhe, porém, ante pé, dirigiu se a escada.
não só a consideração social, mas tam- Tres homens embuçados chegavam
bém a entrada á affeição da familia. n'*ste instante ao patamar. Disfarçadas
Felizmente superior á lei está a no- as physionomi&s por meias-mascaras de
breza de alguns caracteres, e o gelo dos panno negro.que cabia?» lhes das sobran-
artigos legaes não basta para petrificar celhas até a altura dos lábios.
algumas almas eleitas Sob a togados ma- Antes que o carcereiro tivesse ti1©
gistrados bate muitas vezes coraçõ s de tempo de profer r uaaa &6 palavra, um
homens! dos embuçados, arrancando do rosto o
Alta noite uma das filhas do fazendeiro panno negro, deu-se-lhe a conhecer.
OU A PENA DE MORTE 147
Dizia-se qae Faustino tinha espetado queiro buscou apenas, na simplicidade das
um pé, correndo após o filho de Francisco suas respostas, deixar clara a sua inno-
Benedicto, e com effeito elle testemunha cencia.
viu Faustino manco Os escravos confir- Os factos occorridos no sitio foram ex-
maram-lhe a narração de Faustino, que postos minuciosamente, e invocados sé-
era useiro e veseiro em taes crimes. rios testemunhos para explicar a coin-
Para provar que Faustino era crimi- cidência da sua ultima .chegada ao sitio
noso bastava dizer que elle tratou logo com o assassinato da familia
de esconder-se nas mattas. A temerosa accusação da cobrança do
Do que elle testemunha se admira é de valie foi desfeita com a singella narração
ver Florentino no numero dos assassinos ! de uma pequena transacção comraiercial.
Passando-se a inquirição dos cúmplices,
Confrontado este com os contradictorios
disse Banto Pereira da Silva que não
depoimentos das testemunhas, ficava por
sabia porque estava preso e quanto ás
demais provada a innocencia do réu,
mortes tinhão sido feitas pelos outros,
mas a exaltação dos espíritos, o clamor
porque o seu irmão Faustino lh'o disse,
popular impediam a boa marcha dos es-
convidando a elle réu para ir ressucitar
píritos.
Francisco Benedicto de quem. era amigo.
Não se admirara d'este procedimento O subdelegado Oliveira apressou-se em
de seu irmão que havia antes assassinado pronunciar os réus, como auctores do
a João de Carvalho, pelo que foi senten- cri Í e de homicídio previsto no srt. 192 do
ciado, e nao concluiu o cumprimento da codigo criminal, adduzindo as circums-
pena por se ter evadido da prisão. tancias aggravantes de paga ou esperança
Faustino Silva, respondendo ao inqué- de recompensa, entrada em casa do effen-
rito, confirma a segunda parte do depoi- dido com intento de commetter o crime;
mento, porém nega a primeira,affirmando resultar, além do crime, outro mal ao
que ouviu dizer que as mortes tinham offendido ou pessoa de sua familia, aug-
sido feitas por um preto desconhecido, o mento da tíôr physica por circuestancia
Botão e escravos de Coqueiro, mandados extraordinaria; augmento áo crime por
por este. circumstancia extraordinaria de igno-
Tratando de contrariar as testemunhas, minia, pala natureza irreparavel do dam-
apresenta-as como seus inimigos, e pon- no; e, finalmente, augmento da afflicção
dera que os que dizem que sabiam que ao afílicto.
elle réu queria matar Francisco Benedicto Conclusos os aaetos ao juiz municipal
são também criminosos, porque não avi- substituto de Macahé, foram enviados ao
saram a auctoridade. promotor que, depois da apreciação das
Florentino Silva, depois de expor a sim- provas, pediu que se fizesse a devida
plicidade de suas relações com o fazen- justiça.
deiro, concluiu por imputar o crime a Motta Coqueiro, declarado incopamuni-
Faustino, Manuel João e os escravos. cavei desde a sua prisão até a vespera de
Domingos limitou-se a narrar o que se seu julgamento, continuou a sua peregri-
tinha passado á sua vista; confessa não nação de infortúnio.
ter visto Carlos ferido, e clama pela sua Apregoavam por toda a parte cts seus
innocencia. detractoras qae sempre fôra um homem
Seguiu-se o interrogatorio do fazen- perdido no conceito publico, e entretanto
deiro. não o julgaram seguro na cadêa de Ma-
Sem accusar ninguém, porque não de- cahé, pelo que foi manda iio para a capital
sejava fazer juizos temerários, Motta Co- do império.
OU À PENA DE MORTE 151
ainda mais oega pela sobreexcitação sen- prolongado susurro que se derramou no
timental que a solicitude da calumnia recinto.
tinha sabido dispertar. Appareceu ^ntão no topo da escada,
Os pais de familia honestos 0 de con- todo vestido de preto, Manuel da Motta
sciência transparente disputavam-se logar Coqueiro acompanhado por Domingos,
nas bancadas mcommodas do tribunal, Fiorentino Silva e Faustino Pereira Silva,
cheios de uroa anciedade indisivel. rodeiados pela força publica.
Todos queriam var o réu principal, de- Os desgostos tinham descorado as faces
cididos a apascentar as manadas de apos- do fazendeiro e branqueado de todo a*s
'trophes de promotoria e odio insaciavel, barbas, que cahiam-lha como um disco de
quebaliam-lhes esf aimadas, conchegando - arminho sobre a golla da sobrecasaca
se agora e.para logo estramalhando se do preta.
aprisco moral, construído por uma certa Entrecerravam-lhe as palpebras o cons-
boa fé de convenção, que levava os homens, trangimento e o vexame, mas o andar
ainda os mais sisudos, a trapilharem mal- era firme, e o corpo conservava o aprumo
dições nos esterquilinios formados pela da confiança.
intriga em roda dos caracteres limpos. Os outros rens careciam da serenidade
Uma balaustrada dividia a sala em dois apparente, que envolvia a figura princi-
planos. No mais elevado em que via-se pal do quadro.
uma comprida mesa coberta por um pan- Florentino Silva denunciava mais do
no verde orlado de galão amaréllo, e que todos o pânico pelo qual estava subju-
cujos lados e cabeceira do fundo estavam gado ; tremia como se fosse presa de um
cercados de altas cadeiras negras de en- violento calafrio.
costo de pau. A cabeceira, que ficava pró- Faustino, embora apparentando mais
xima á balaustrada, era ílanqueiada por sangue frio, trahia entretanto a sua per-
quatro bancos de assento de madeira. turbação.
Junto d'estes bancos uma pequena mesa E' que sabia ao certo que, fosse qnal
fazia as vezes de trbuna da defesa. fosse o resultado do processo, seria con-
Ao longo das paredes encostava-se duzido de novo á pri ão para n'ella
grande quantidade de cadeiras de assento viver sepultaio durante es annos que lhe
de palhinha. faltavam da pana, que se lhe tinha com-
Fóra da balaustrada a gala, que dava minada como assassino, além da que
entrada a uma estreita escada, era occu- devia soffrer pela evasão.
pada por muitas linhas de compridos O ignorante Domingos, ai ida que não
banoos. pudesse demonstrar paio rosto negro e
Este lado destinava-se aos espectado- sem mobilidade o que lhe ia no intimo,
res ; o outro aos juizes, que deviam ou deixava não obstante bem clsro que um
pautar-se pela opinião publica, ou arcarprssentimento sinistro fazia-o desanimar.
com a responsabilidade tremenda que — Qual jury, nem meio jury para esses
lhes sobreviria de qualquer decisão que malvados, fosse eu auctoridade e lhes
a desgostasse. diria onde paravam elle? a^ora, excla-
mou um espectador vendo entrar os reus.
Também emquanto os espectadores da-
vam largas ás suas expansões, um recolhi- — Não, senhor; curopra-se a lai, ella
mento religioso ssolemnisava a attitude quer assim, seja assim. Póie ser que elle
dos juizes, trará documentos que provem qae é in-
nocente. Quem sabe lá ?
O presidente do tribunal fez soaracam — Ora vá bugiar, meu amigo; maa-
painha presidencial, para acalmar um dou-se intimar a mulher e um amigo
OU A PENA DE MORTE 153
0
papel com as lagrimas, escreveu quasi ss palavras seccas do carcereiro e os
mintelligivelmenta: olhares repulsivos de todos que por acaso
rel&nceiavam-lfte o semblante.
« Meu caro enteado, — Acabo de sor
O is fartum o havia por fica afugentado
condemnado á morte. Sirva de pai a
os caris aradas que outrora o cercavam ;
meus desgraçados filhos, »
affíistaram-se todos, porque a convivência
XIII com os scelerados ó indicio de mau ca-
racter.
A DESAFFRONTA SOCIAL Como os lazares, nos passados tempos,
A noticia da eondemnsçao do fazen- eram postos fóra das portas das cidades,
deiro voou ruidosamente, levando comsigo o infeliz fôra expulso d© toda a sociedade.
a satisfação e a confiança ás consciên- Ficava-lhe do feliz e sorridente viver de
cias dos cradulos adoradores da justiça quadra melhor apenas — s saudade, pa-
luimans. lheta encantada que esbatia rica de colo-
Os nomes cios jurados eram. repetidos rido, frescos commoveutes, em que eram
por quasi todos entre applansos, congra- representadas as crianças descuiâosas e
tulações e exageros tendentes a afeiarem prasenteiras, a espesa desvellada e tran-
sinia mais a reputação de Motta Co- qoilla.
queiro. Mas repentinamente o quadro desappa-
Nenhuma esperança restava pois ao recia como a . brancura de um velino
infeliz, contra o qual a socieiaáe "obsti- debaixo de um borrão, e o vulto negro e
na va-seá fechar os olhos para não ver iram horripilante do cadafalso surgia d'entre
só atfceuuante, que ao menos ameigasse esses festivos sonhos como a careta de
a monstruosidade da pena. Quasímodo entre a alegria dos eleitores
O cadafalso negrejava tremendo nas cio Summo Doi-lo»
brumas do futuro, e era dia por dia Então o desgraçado, com os cabellos
arrastado pelos quatro esteios, e appro- arrepellados e o olhar fiammejante,media
ximado inexoravelmente dss vistas do gjlencioso o estreito recinto da pvisão, o
ciíodemnado. só parava quanác, extenuado,cahia fobre
Contrariedades e desgostos corriam ao o leito afogado era soluços e em lagrimas.
seu encontro, COÍBO temerosa roa til ha de — Vejam como o remorso tortura
cã8shydrophobos,e atassaíhav&m-lhe COEI aquelle malvado, dizia o carcereiro ao
as presas envenenadas a propriedade e vSi-o baqueiado nVwaa dôr profunda.
os brics. Afinal de contas não lhe valeu ter di-
Os credores e o fisco escancaravam ss nheiro; n*o se pôde livrar da forca,
guélas enormes e não as fechavam sem nana póie fazer calar a consciência,
terem engolido oarte do trabalho do fa E os que faziam na pnsão a aprendi-
c. a.
sagem da dureza do coração e do cynismo
zendeiro durante longo» annos. Além riam desafogadamente escarneos pun-
d'i!?so o repetiam sempre estribilho hp- gentes á santidade dVquelle ^ ff ri mento.
diopdo da sua imaginaria barbaridade * Fóra da prisão reinava a inexorabili-
contra a familia do aggregado. dade, e mais ainda a torpeza.
Tinha sido de novo transportado para
Uma das influencias de Macahé, muito
a côrte, e arsim ficavam-lhe sobre ma-
empenhada em ver perdido iiremediavel-
neira difficultadas as suss relações, quer
mente o desventurado reu, panejou uma
com sua espo?a e filhes, quer com seus
acena, cujo effeito demonstraria ainda aos
amigos.
Em troca dos carinhos e consolações mais afanados deffensorea a culpabili-
que estes lhe cfferaceriam, tinha apenas dade de Motta Coqueiro.
OU A PENA DE MORTE 157
Afinal um dos recemchegados tomou a <de dissimulação; quem. tem o coração tão
palavra -. frio podia assassinar o imundo inteiro.
- O Sr. Coqueiro dá licença que lhe A nobreza do fazendeiro terao u-o in-
apresentemos uma pessoa'que o veia vi- vulnerável ao insulto venenoso, que ihe
sitar ? era dirigido pelo brutal visitante ; a con-
— Gill meu senhor, respondeu o senten- sciência abroquvlou-s^-lha com a digni
ciado, heje uma visita é a prova mais d&d-, e o desgraçado rtospoaleu rc&igna-
sinsera de amizade, que me poda ser damente.
dada. Eu sou tio odiado I . . . — Era, pois. mais uma tos tara que me
O hoaiem que faliou, acercou-se então haviam preparado. Viram, psróm, que
da mulher e lev&ntou-lhe o véu. eu não tremi; tão grande é a frieza do
•— Minha senhora, exclamou Coqueiro; meu coração.
eu lhe agradeço muito a sua cempsixao. Cambaleando e soluçando o fazendeiro
Hei de ensinar a meus filhos a repetirem retirou-se para o fundo da prisão, dei-
o seu nome. xando por fcígum tempo immoveís os in-
— E não será muito difíicil que elles o dignos qaa conspiravam contra a sua
decorem ; é a Sra. D. Chiquinha, fillia paciência.
de Francisco Benedicto. Despeitado pelo mallogro do seu plano,
O efíeiío dramatico produzido por estas o cruel visitante convidou aos seus com-
palavras cenícndiu profundamente no panheiros para sahirem,e só quando fóra,
primeiro lance ao inclemente recem-che- ouvindo os soluços mal contidos de Chi-
gado. Esperava talvez vêr o fazendeiro quinha, teve coragem de fá 11 ar :
recuar espavorido diante da mulher, cujo — Malvado, mil vezes malvado; mil
nome e feições, reccráavsm-lhe as vicíi- vidas que lhe fossem tiradas não desaf-
mas que a maioria do povo julgava terem rontariam a sociedade. E' uma féra.
sido por elle barbara mente sacrificadas. — Não diga, não diga, seu doutor;
Os movimentes do sentenciado contras- ninguém viu as mortes, exclamou Chi-
taram, porém, com a espectativa do des- quinha, e eu não posso acreditar....
humano preparador d'esta scena, tanto
mais cruel quanto era. já irremediável a — Generoso coração, disse o doutor ;
perdição de um actores. como devia ser honrado o seu infeliz pai
Estendendo os braços por entre a grade para educar uma filha tão piedosa!
e buscando abraçar a moça que se esqui- Após o grupo sahiu o Sr. Seberg, que,
vava, disse Motta Coqueiro: kó na volta, ponde conhecer uma das pes-
'— Pobre Chiquinha, eu imagino o golpe soas que deile faziam parte.
que feriu-te o coração ; pai, mãi, irmãos, A afflicção do nobre espirito de Seberg
todos os qae eram mais caros a tua alma. crescia á medida que se passavam as
Podes bem avaliar o que são as grandes horas ; como que um remorso esmagador,
desgraças; e ter piedade da minha sorte. insupitavel, polvo invisivel que lhe ap-
Também t, mim, Chiquinha, roubam-me plic&va sobre o coração as suas insaciá-
os qae mais estimo; a diíferença é que veis ventosas, ia-lhe aog poucos haurindo
para voc§ ha a pie dada geral, e para a vida.
mim o odio ou o desprezo. - E' impossivel, dizia elle alta noite,
—- Sr. Coqueiro, exclamou o reoem-cfce-. passeando de um lado para outro da sala
gaio, que tinha conseguido já dissipar a, de jantar da casa em que morava; ó
primeira impressão; eu nunca pensei quei impossivel; se houvesse a isempção de
tivesse de assistir ã semelhante esforço> animo exigida pela lei não ter-se-hia dado
OU A PENA DE MORTE
161
semelhante escandalo. Meu Deus, meu mesa os cotovellos, movimento que foi
Deus, fazei com que se elucide a verdade. logo seguido pelo Sr. Appolinario, disse
Mais, tarde accrescentou ainda: com solemne gravidade.
— Oh como fui cruel, meu Deus! — Venho confiar á sua honra a solu-
aquelles infelizes são innocentes. ção de uma séria questão de consciência,
No dia seguinte, pela manhã, Seberg para a qual invoco também os seus ser-
sahiu para despedir-se de Motta Coqueiro viços de magistrado.
que devia partir para a côrte. — Oh! Sr. Seberg, pode contar desde
Com grande admiração de todos foi já com a minha dedicação, e ouso pro-
elle visto na praia, meditativo e com os mettel-a por que sei com quem fallo.
olhos rasos de lagrimas, acompanhando o — Hontem, como sabe, foi ojulgamento
bote em que Motta Coqueiro e seu escra- de Motta Coqueiro e do preto Domingos, e
vo se' dirigiam para bordo do vapor an- eu fiz parte do conselho que os con-
corado ao longe. demnou.
• — E1 um homem incomprehensivel este — Pobre homem! fui eu quem sustentou
Sr. Seberg, diziam, condemnou Motta a sua pronuncia e entretanto faço lioje a
Coqueiro, e no entanto cliora agora seu respeito juizo bem diverso do que
t a l v e z ter tido coragem de proceder assim. então fazia,
Quando o bote sumiu-se; quando já — Queira ouvir-me, e reflicta sobre o
não podia acompanhar com a vista o in- que vou contar-lhe. Hontem depois de re-
feliz condemnodo, Seberg seguindo va- colhido o conselho de jurados á sala se-
garosamente pela pittoresca rua de Ma- creta e effectuada a votação dos quesitos
cahé,1 que descerra as janellas da sua acerca deMotta Coqueiro, percebi que não
casaria olhando para a vastidão do mar, havia no conselho aqueila imparcialidade
entrou finalmente n'uma pharmacia e que era de esperar em assumpto de tão
perguntou pelo seu proprietário. grande alcance.
Passando-se a votar o primeiro quesito
Um homem de attralientes feições, agra-
relativo ao preto Domingos, certifiquei-nie
dável timbre, cie voz, sahiu de um gabi-
do meu juizo, e, ainda mais, fui obrigado
nete lateral e, estendendo a mão a Seberg
a assistir a um grande escandalo.
disse-lhe jovialmente.
Procedendo-se á contagem das cédulas
— Por Deus, Sr. Seberg; tanta cere-
o secretario do conselho contou treze, c
monia fez-me pensar que procurava-me como era natural reclamei, e pedi ve-
um desconhecido. rificação. Nova contagem do secretario
— Não me admiro que assim pensasse, chegou ao mesmo numero. Pedi então
respondeu Seberg, eu sou o primeiro a que se procedesse á nova votação e fui
desconhecer-me. Preciso fallar-lhe muito acompanhado por mais cinco jurados,
a sós. porém o presidente entendeu melhorpro-
O Sr. Appolinario Pacheco, substituto ceder por si mesmo a contagem e cousa
de juiz municipal de Macahé, e que era singular appareceramapenas doze cédulas.
a pessoa que fallava a Seberg, apontou Lidos os votos encontram-se sete
para o gabinete. cédulas reconhecendo o crime, c cinco
— Aqui podemos estar a vontade; o apenas negarxio-o.
meu caixeiro tem a particularidade de Com ggande pasmo certifiq uei-me dc
, não ouvir o que ,eu quero que elle não que os ^cinco jurados tinham negado o
ouça, ealém d1 isso ficamos retirados. crime, o eu C011J
Sentaram-sc um em frente do outro ~ Mas isto é. .um iniquidade; (< pre-
. tendo de permeio urna, pequena mesa ciso arrancar a mascara a esse homem
redonda* e Seberg, apoiando sobre a
162 MOTTA COQUEIRO
que tão baixamente abusou da sua po- que o poder moderador não attenderia á
sição. sua supplica.
— Eu não quero fazer juízos teme- Accresce que para aggravar ainda mais
rários, porém, entendo que este facto o supplicio moral dos condemnados o
deve ser já verificado, para descanço da processo seguia com dolorosa morosi-
consciência de todos. dade, e só após dois annos de espera veiu
— Mas não ha duvida, meu amigo; o golpe final.
havia com effeito treze cédulas e uma Domingos, intimado a fazer petição de
delias que dizia não foi escamoteada graça, não a "fez no prazo de oito dias
pelo presidente, que depositou na urna conforme a lei, e portanto estava irreme-
duas cédulas afirmando o crime. Oh! diavelmente condemnado.
havemos de sabel-o, eu liro juro; o Sr. Pobre escravo ! como poderia elle com-
invocou a minha honra de magistrado, prehender, ouvindo a intimação do escri-
eu comprometto-a, vão, que uma demora custar-lhe-hia a
O Sr. Seberg sahiu relevando no sem- vida?
blante o allivio intimo que experimen- No dia 23 de Junho de 1855, o cortejo
tava, e o Sr. Appolinario sentando-se logo fúnebre-da justiça recreiava a espectação
á escrevaninha ofíiciou ao juiz de direito, geral da cidade de Macahé.
narrando a communicação que acabava Um dos reus do barbaro assassinato da
de lhe ser feita. familia de Francisco Benedicto ia subir á
Infelizmente a questão que parecia forca.
fácil de ser derimida, morreu abalada A victima chorava e caminhava quasi
nas pastas do juizo municipal. arrastada pelo carrasco e a população
Uma grave enfermidade obrigou o dig- commentava desapiedadamente este hor-
no substiiuto a passar a vara a outro ror da morte.
magistrado, e este oíficiado pela aucto- — Olha o negro, dizia-se; pensava que
ridade superior para continuar nas pes- o dinheiro do senhor havia de livrai-o. e
quizas a respeito, discutiu o assumpto e por isso não chorou quando matou a po-
deu-o por esgotado, sem inquérito. bre familia. Agora é que lhe correm as
Na tarde do dia em que Seberg deu lagrimas.
o honroso passo a favor de Domingos, — Sabes? ouvi ainda ha polico e de
foram condemnados também á morte pessoa muito séria uma cousa que está
Faustino Pereira da Silva e Florentino, e impressionando-me.
todos os réus enviados para as prisões da — Então conta já essa novidade.
capital. — Dizem que o Domingos ao sahir da ,
Usando do recurso ordinário que lhes cadeia disse para o padre que, se elle não
restava, o tribunal da relação não se é innoeente, a corda não rebentará, mas
dignou attendel-os, negando-se a con- se elle é innoeente á corda ha de arre-
hecer das appellaçóes por não ser caso bentar.
delias. Este boato circulou, cresceu e dominou
Este despacho está também na appella- logo todos os espectadores e na praça do
ção do réu Domingos, em que foram re- Rocio, onde se erguia a forca, os logares
conhecidas circumstancias aggravantes eram. disputados com tanto interesse que
por numero de votos superior ao que muitas vezes houve emprego de violência.
confirmava o crime I Chegou a desejada hora da execução.
A desillusão do fazendeiro tinha chega- A anciedade popular era febril e todos
do ao auge; não lhe era mais permittido intimamente receiavam assistir ao mi-
uma única esperança, porque sabia bem lagre prophetisado pelo escravo.
j
OU A PÈNA DE MORTE
163
depauperado extraordinariamen-
t i n h a m ram-se em mandar communicar o acon-
te, ouviu immovel a leitura compungente tecimento ao D r . . . . um dos aimgos de
e fatal; a dôr resignada, que de continuo seu pai que lhe tinha guardado mais
a trucidava, como que lhe havia anesthe- l^ildade.
siado o coração e ella parecia já insen- Acordando-seporém, de chofre, adoente
sivel a novos golpes. encheu de espanto a quantos a cercavam.
Entendendo mal o estado de sua mãi, o — Meus filhos, soluçou ella, fiquem
o collector pergúntou-lhe, machucando aqui bem perto de sua mãi; não consin-
entre as mãos o papel. tam que me levem d'aqui, eu não quero
— E a senhora o que diz a isto?. morrer; sou mài, não quero morrer !
— O que hei de dizer, meu filho; se a Mal proferira estas palavras desgre-
minha voz não tem forças para desviar nhando violentamente os cabellos em-
o golpe que nos deve ferir? branquecidos pelo soffrimento, a desvai-
— Senhora, senhora, esta resposta é rada senhora levantou-se de um pulo,
uma infamia. rindo prolongadamente urçia gargalhada
— Meu Deus, soluçou a afílicta esposa, insana.
não quiz eu por tantas vezes correr até Acercou-se então da maior da suas
os tribunaes para accusar-me, e não fui filhas e disse no meio da gargalhada
contida por ti mesmo, meu filho? constristadora.
— Mas então havia a esperança de fazer — Vamos, vamos todos; é preciso que
reconhecer a innocencia de seu marido ; vamos todos.
hoje não, hoje é mister que evite a sua O pranto filial recebeu esse convite do
injusta execução. desvario com a profunda tristeza de co-
— Devo pois, entregar a minha ca- rações, que se julgavam já orphãos de
beça ao braço do carrasco... todo.
Um ai repassado de afflicção embargou A mãi allueinada pegou então dos bra-
a voz á pobre senhora, que, levando as ços das duas filhas e caminhou para a
mãos á fronte, baqueou sem sentidos. porta principal da casa, repetindo o con-
— Covarde, covarde mulher! gritou o vite medonho:
filho allucinad^; tenho vergonha de ser — Vamos, vamos de pressa!
teu filho. Queres evitar a morte á custa Ao transpor o limiar a Sra. D. Maria
da morte de um innocente; não, não, eu foi embargada pelo Dr. que entrava.
não o consentirei! Vendo a transfiguração do semblante
E o homem, que levava a honradez até da esposa do seu amigo, perguntou-lhe
a suffocacão dos mais santos affectos, sobre,saltado:
sahiu correndo, como se temesse que a — Qual é a nova desgraça, minha se-
sua permanencia junto de sua mãi inhi- nhora?— tenha confiança em Deus.
bisse-o. de proceder conforme lh'o aconse- — Vamos, vamos de pressa, repetiu
lhava o seu caracter. automaticamente a desvairada.
A familia sobresaltada pelo baque e — Para onde quer ir, minha senhora I
ainda mais pela carreira insperada, af- —„ Para onde? gargalhou a infeliz, para
fluiu toda para o gabinete em que o col- onde? Nãe sabe então que eu devo ir para
lactor conversara com sua mãi, e encon- a forca, não sabe que eu sou a assassina;
trou ahi a Sra. D. Maria estendida no
não ouviu meu filho dizer?
assoalho.
— Ohl santo Deus, tende piedade des-
Vendo que apezar dos seus esforços a tas crianças que não fizeram mal a nin-
senhora conservava-se livida e desacor- guém, exclamou o Dr.
dada, os desamparados filhos apressa- E1 fácil imaginar-se a tristeza d'esse
166 MOTTA COQUEIRO
lis não. pôde ter descanço, resmungou o seu, não diga tal, interrompeu-lhe o filho
perturbado.
desventurado
— Pesadelo julgaram talvez os que eu
Quando o preto desapareceu, Herculano
matei ser a noite tremenda da minha vin-
que ficara á soleira da porta e acompa-
gança. Não poupei nem os velhos nem
nhava-o com os olhos, exclamou sincera-
as creanças ; depois lancei fogo á casa,
mente commovido:
mas a chuva do céu não quiz que a la-
— E' um d'eiles; adevinha-me o coração
bareda, que é pura, se manchasse no
que
r
e um íelles! Ainda soffrem, e soffre- sangue d'aquella raça.
ão sempre.
Longo tempo o caboclo permaneceu — Meu pai, tenha piedade dos que mor-
n'uma attitude desoladora ; em seguida, reram.
-porém sacucliíi os liombros, levantoitse.' & — Morreram pela mão de um homem,
e entrou para o casebre. " e mataram pela mão de um outro. Foi
Más a tranquilidade habitual' trocara- simplesmente uma paga. Ouve !
se-lhe em agitação ; e em breve, não po- A fraca e susurrante voz do moribundo
dendo acalmar-se, saliiu para distraliir-se. começou então a narrar a maneira, porque
Quando voltou ao casebre deitou-se tinha assaltado a casa das pessoas das
para não mais levantar-se. quaes se confessava assassino e a maneira
A variola fez-se instrumento da justifi- pela qual eífectuara a carnificina.
cação de um nobre caracter. Marcolino, perturbado e ao mesmq
Desde que sentiu que não poderia salvar- tempo reluctando dar credito ao que ou-
se, ao sacudir um dos penosos delyrios, via, perguntou ao narrador :
Herculano chamou para junto de seu leito — E onde fez meu pai estas mortes ?
o entristecido Marcolino. — Em Macabu, respondeu o mori-
— Tenho uma grande confissão a fa- bundo.
zer-te, meu filho ; disse o enfermo. — E qual era o nome do chefe da fa-
— Estou npto para ouvil-a e guar- milia que meu pai matou ?
dal-a até a ruinha morte. — Francisco Benedicto, sorriu o mori-
— Não; não é um segredo que eu bundo.
quero confiar ; é ao contrario um segredo — Mas então meu pai foi também do
da minha vida que desejo que tu espalhes numero dos que foram pagos pelo Motta
por toda a parte apenas eu morra. Ju- Coqueiro ? 1
ras-me que farás esta vontade a teu pai? Sentando-se violentamente no leito, o
— Bem sabe que não sei desobedecer- moribundo, como se quizesse fulminar
' lhe- com o olhar ao afflicto Marcolino, tentou
— Deixa-me um instante ligar as mi- bradar, e apenas disse baixinho :
nhas lembranças! — Teu pai nunca matou por ofíicio,
Estas palavras já foram pronunciadas matou a raça do seu inimigo por vin-
v
com accento que trahia a perturbação gança.
mental do moribundo. S<5 depois de meia — Mas isto não pode ser verdade.
hora de espera foi proferida a primeira, — E'; juro na hora em que vou morrer;
palavra do tremendo segredo : hora em que não se mente; Motta Coqueiro
— Meu filho, ha vinte e quatro annos nem me conhecia, nem suspeitava que
appareceram cortadas a foice, esfa- n'aquella noite devia sumir-se da terra
queiadas, e estranguladas todas as pes- a malvada raça de Francisco Benedicto.
soas de uma familia. O assassino de toda — E vosmecê consentiu que elle mor-
essa gente fui e u ! . . . resse; porque não confessou, e não defen-
— Meu pai, meu pai; isto é pesadelo deu o innocente?
OU A PENA DE MORTE 71
FIM.