Você está na página 1de 25

Artigo original

LEGITIMIDADE POLICIAL
Um modelo de mensuração*
Thiago R. Oliveira (1)

 https://orcid.org/0000-0002-3235-8686

André Rodrigues de Oliveira (2)

 https://orcid.org/0000-0003-2242-1992

Sergio Adorno (3)

 https://orcid.org/0000-0002-5358-1289

London School of Economics and Political Science (LSE), Londres, Reino Unido e Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
(1)

Paulo (NEV-USP), São Paulo – SP, Brasil. E-mail: t.rodrigues-oliveira@lse.ac.uk.

(2) Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), São Paulo – SP, Brasil. E-mail: andre.rodrigues.oliveira@usp.br.

Professor Titular do Departamento de Sociologia e coordenador científico do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo
(3)

(NEV-USP), São Paulo – SP, Brasil. E-mail: sadorno@usp.br.

DOI: 10.1590/3410007/2019

Introdução de legitimidade. Buscamos, assim, contribuir para


uma tradição de pesquisas que se valem de dese-
Como mensurar os sentimentos de legitimi- nhos de survey para investigar temas relacionados à
dade policial da população paulistana? O objetivo confiança nas autoridades legais.
deste trabalho consiste em discutir um modelo de Com frequência, criminólogos e estudiosos da
mensuração de atitudes públicas em relação à polí- sociologia da violência e da segurança pública se
cia, particularmente no que concerne ao conceito engajam em investigações a respeito das percepções
do público sobre as autoridades legais. Temas como
* Este artigo foi realizado como parte projeto do Cen-
tro de Pesquisa, Ensino e Difusão da Fundação de a confiança na polícia são, afinal, de interesse tan-
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid- to científico quanto político, uma vez que podem
-Fapesp 2013-07923-7) “Building Democracy Daily: ser considerados resultados socialmente desejáveis
Human Rights, Violence and Institutional Trust”,
desenvolvido no Núcleo de Estudos da Violência da
(Tyler, 2006). O presente trabalho se insere nessa
Universidade de São Paulo (NEV-USP). Agradecemos tradição de investigações que buscam compreender
ao apoio da Fapesp para a realização deste trabalho. as atitudes públicas em relação à justiça e à polícia.
Também agradecemos a colegas do NEV-USP por sua Por conta do interesse na opinião pública,
atenciosa leitura de versões preliminares deste artigo,
em especial à pesquisadora Ariadne Natal. Finalmente, pesquisas nesse campo científico se valem majori-
agradecemos aos pareceristas anônimos da RBCS pelos tariamente de desenhos de survey (Oliveira Junior,
valiosos e enriquecedores comentários. 2011; Silva e Beato, 2013). A possibilidade de re-
Artigo recebido em: 16/08/2017 presentar estatisticamente uma dada população é,
Aprovado em: 21/08/2018 afinal, particularmente importante quando o ob-
RBCS Vol. 34 n° 100 /2019: e3410007
2  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

jetivo consiste em investigar atitudes públicas. No co no que se refere ao debate nacional sobre ope-
entanto, a aplicação de métodos de survey também racionalização de conceitos por meio de desenhos
traz alguns desafios – em particular relacionados de survey.
ao processo de operacionalização de conceitos por O artigo se divide da seguinte maneira. Em
meio de questões (Hox, 1997). primeiro lugar, fazemos uma discussão conceitual a
De que maneira operacionalizar construtos respeito do campo de pesquisas sobre atitudes pú-
psicológicos como os sentimentos de confiança ou blicas em relação à polícia, com especial ênfase à
legitimidade da população na polícia? Ainda que conceptualização dos sentimentos associados à le-
haja um extenso debate metodológico a respeito de gitimidade policial. A segunda seção traz o debate
como lidar com a lacuna entre o que é definido em sobre mensuração em desenhos de survey, discutin-
plano teórico e o que é mensurado em plano em- do as principais abordagens de operacionalização de
pírico (Jackson e Kuha, 2016), não encontramos conceitos nas ciênciais sociais – também apresen-
na literatura nacional a respeito das atitudes públi- tamos uma revisão bibliográfica exemplificando
cas sobre a polícia algum estudo que não considere essas abordagens no âmbito da criminologia e da
as questões de um survey como os próprios con- sociologia da violência e da segurança pública. Na
ceitos – isto é, os estudos no panorama brasileiro terceira seção, apresentamos os dados trabalhados
acabam por pressupor que não há lacuna alguma e o modelo de mensuração de legitimidade policial
entre construtos psicológicos e respostas dadas a em São Paulo, assim como testamos a validade des-
um questionário fechado. Buscamos, assim, contri- se modelo em relação a estudos internacionais nessa
buir para esse campo científico apresentando um temática. Por fim, discutimos a importância de se
modelo de mensuração (Bollen, 1989) do conceito problematizar efetivamente as relações entre o que
de legitimidade policial (Jackson et al., 2014b) que é teórico e o que é empírico, bem como a relevância
efetivamente demonstra a relação entre o construto científica e política do conceito de legitimidade po-
e seus indicadores observados. licial para a segurança pública.
Argumentamos que a abordagem reflexiva de
mensuração, que pressupõe a existência de uma
variável latente causando a associação entre indica- Atitudes públicas em relação à polícia:
dores, pode contribuir decisivamente nas pesquisas conceptualização de legitimidade policial
que se valem de desenhos de survey para investigar
tópicos como os sentimentos de confiança e legi- Por que as pessoas obedecem às leis? Por que
timidade na polícia. Nesse sentido, utilizando da- indivíduos decidem se conformar às normas es-
dos da segunda onda de um painel representativo tipuladas pelas autoridades e não se engajar em
de oito regiões da cidade de São Paulo coletados comportamentos delinquentes? A literatura crimi-
em 2017, apresentamos um modelo de mensuração nológica especializada lista ao menos dois grandes
das percepções de públicas de legitimidade policial mecanismos de aquiescência legal que poderiam ser
como uma variável latente composta por duas di- incentivados por meio de políticas públicas de se-
mensões: um dever normativo de obedecer às or- gurança. Por um lado, a partir da premissa de que
dens da polícia e um alinhamento moral em rela- indivíduos agem racionalmente, a teoria da dissua-
ção a essa organização. Com o objetivo de validar são prevê que as pessoas deixarão de cometer deli-
a mensuração desse construto, testamos associa- tos a partir de um cálculo de riscos, isto é, caso a
ções consensualmente estabelecidas pela literatura certeza e a severidade da punição sejam superiores
(Sunshine e Tyler, 2003; Jackson et al., 2012) por aos potenciais ganhos de um comportamento de-
meio de um modelo de equações estruturais centra- linquente (Zanetic et al., 2016). Por outro lado, in-
do na variável latente “legitimidade policial”. Ainda divíduos podem se engajar em um comportamento
que concentrado no caso particular do campo de de respeito às leis porque legitimam a autoridade
pesquisas sobre atitudes públicas sobre autoridades legal – porque sentem que isso é o certo a se fazer
legais, este artigo pode ser de interesse metodológi- (Tyler, 2006).
LEGITIMIDADE POLICIAL  3

O tema da legitimidade se proliferou no âmbi- vo daquela interação, conferindo-lhes voz para que
to da criminologia a partir da publicação do livro expressem suas opiniões. Quando avaliam que a
Why people obey the law, de Tom Tyler (2006). Nes- polícia atua dentro dos parâmetros de justeza pro-
sa obra, o autor sugere que quando indivíduos con- cedimental, os cidadãos fortalecem seus sentimentos
fiam e desenvolvem um sentimento de dever em de legitimidade com relação à instituição policial e
relação à autoridade, quando internalizam as nor- às leis, tornando-se mais propensos a um comporta-
mas sociais e sentem que devem obedecê-las, quan- mento de aquiescência legal.
do acreditam que o respeito a essas normas prece- Desde a publicação do livro de Tyler, a teoria
de sua própria moralidade pessoal, eles tendem a da justeza procedimental foi testada em uma série
obedecer às leis. A toda essa construção, dá-se o de contextos diferentes. Os estudos essencialmente
nome de legitimidade – no caso, legitimidade das se valem de desenhos de survey com amostras repre-
leis, mas o mesmo princípio pode ser atribuído à sentativas de uma dada população e incluem ques-
polícia. Trata-se de um conceito de raízes sociopsi- tões que servem como indicadores de construtos
cológicas associadas a como o indivíduo se coloca como “percepção de justeza procedimental”, “per-
perante a sociedade da qual faz parte. Em um pri- cepção de eficácia”, “legitimidade policial” e “com-
meiro momento, Tyler definiu o conceito de legiti- portamento de respeito às leis”. Com isso, conse-
midade policial a partir de duas dimensões: dever guem testar as associações entre essas variáveis. De
de obedecer e confiança na polícia. maneira geral, as correlações ocorrem de modo
Ainda de acordo com as proposições originais bastante próximo ao teoricamente associado.1 Essa
de Tyler, o sentimento de legitimidade voltado à hipótese foi particularmente testada nos Estados
instituição policial seria de particular importância, Unidos por Sunshine e Tyler (2003) e Tyler et al.
uma vez que a polícia consiste justamente no braço (2014), no Reino Unido por Jackson et al. (2012),
do Estado ao qual é delegado o monopólio estatal Tankebe (2013) e Bradford (2014), na Austrália
da violência. Assim, uma maneira de se atingir re- por Murphy et al. (2008), em Gana por Tankebe
sultados socialmente desejáveis – como o respeito (2009), na África do Sul por Bradford et al. (2014),
público às leis e a disposição a cooperar com a polí- no Paquistão por Jackson et al. (2014a), entre mui-
cia – envolveria incentivar sentimentos de legitimi- tos outros. No Brasil, o tema foi discutido concei-
dade policial, influenciando a legitimação das leis e tualmente por Zanetic et al. (2016) e a hipótese foi
normas sociais. Nesse sentido, um papel central das testada por Oliveira et al. (2017).
políticas públicas de segurança seria o de incentivar De particular importância, a proliferação de es-
de algum modo a legitimidade e a confiança nas tudos nessa temática ao longo das últimas décadas
instituições policiais. também permitiu uma melhor conceptualização
Como? A obra de Tyler (2006) ficou particu- de legitimidade. Ainda que a comunidade científi-
larmente famosa por outro conceito para além da ca não tenha encontrado consenso em alguns dos
noção de legitimidade policial: o de justeza procedi- detalhes de operacionalização (ver, por exemplo,
mental. Esse conceito consiste no núcleo da proposta Bottoms e Tankebe, 2012; 2017; Tankebe, 2013;
do criminólogo norte-americano. Os sentimentos Tyler e Jackson, 2013), a maior parte dos criminó-
de legitimidade policial estariam mais associados, logos define “legitimidade” como “o direito de go-
para a população geral, ao processo do trabalho da vernar e o reconhecimento desse direito por parte
polícia do que aos resultados entregues. Isto é, uma dos governados” (Jackson e Bradford, 2010, p. 1;
organização policial altamente eficaz não se tradu- ver também Beetham, 1991, e Coicaud, 2002).
ziria necessariamente em uma organização legítima Isso significa que, seguindo essa definição, o con-
aos olhos do público; ao contrário, a melhor ma- ceito possui duas dimensões: o direito de governar,
neira de influenciar o processo de legitimação seria isto é, a autoridade possui o direito de comandar e os
fazer com que os policiais, em suas interações diárias governados devem obedecer a esses comandos mes-
com os cidadãos, os tratassem de forma respeitosa, mo que discordem de sua motivação; e o reconhe-
digna, transparente, explicando claramente o moti- cimento desse direito por parte dos governados, ou
4  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

seja, a legitimidade envolve também a justificativa uma visão sistemática do que o fenômeno sendo
do exercício do poder, o que adiciona um elemento de estudado” (Hox, 1997, p. 49).
alinhamento moral entre público e autoridade (Jack- Evidentemente, há situações em que a corres-
son e Bradford, 2010; Jackson et al., 2014b). pondência entre a questão formulada e o interes-
Dada a definição conceitual, evidencia-se o se teórico do analista é mais simples – é o caso de
problema-norte do presente artigo: como mensurar construtos como cor/raça autorreportada ou idade.
algo tão abstrato? Nosso objetivo consiste no de- Em outros, o processo de operacionalização revela
senvolvimento de um modelo de mensuração que, complexidade – é o caso de construtos como con-
a partir de um desenho de survey, capte a defini- fiança institucional ou, nosso interesse particular,
ção teórica de legitimidade policial em suas duas legitimidade policial. De todo modo, em quaisquer
dimensões. Evidentemente, existe uma lacuna situações o analista deve partir de uma estratégia de
fundamental entre qualquer definição conceitual e mensuração (Bollen, 1989). Hox (1997) traz uma
dadas observações empíricas – tal lacuna, ainda que revisão interessante de um ponto de vista epistemo-
condicional à complexidade do conceito, sempre lógico a respeito de algumas estratégias possíveis de
existirá independentemente da estratégia adotada tradução de construtos teóricos em variáveis obser-
(Jackson e Kuha, 2016). Ainda assim, há distintas váveis que (presumidamente) lhes representem.2
estratégias para lidar com essa questão. A próxima Uma perspectiva bastante adotada é a chama-
seção busca resumir uma parte do debate sobre da operacionalismo (ver Bridgman, 1927). Resu-
mensuração e operacionalização antes de apresentar midamente, ela consiste na estratégia de adotar o
propriamente o desenvolvimento de um modelo de conceito como o construto: cada variável observá-
mensuração de legitimidade policial. vel (isto é, cada questão no questionário) coincide
integralmente com aquilo que se objetiva mensu-
rar, ou seja, assume-se que não há qualquer lacuna
Entre conceitos e questões entre a abstração de interesse científico e os dados
empíricos captados por um instrumento de sur-
O emprego de técnicas de survey como instru- vey. A definição operacional é o conceito – assim,
mento de coleta de dados em pesquisas científicas qualquer mudança operacional (nas questões, por
é bastante comum nas disciplinas das ciências so- exemplo) leva a um novo construto teórico (Hox,
ciais. Por seu potencial generalizante, normalmente 1997). Além de partir de pressupostos inflexíveis e
representando estatisticamente uma dada popula- por vezes não realistas, essa perspectiva ignora pos-
ção, ao mesmo tempo que configura a possibilidade síveis erros de mensuração.
de trabalhar com dados primários, essa abordagem Críticos da visão operacionalista buscam jus-
analítica é amplamente utilizada em pesquisas de tamente enfatizar a diferença entre construtos teó-
áreas como a sociologia e a ciência política. ricos e variáveis observáveis. De maneira geral, eles
Ao elaborar questões a serem aplicadas em um sustentam que variáveis observadas servem como
survey, analistas frequentemente não estão interes- espécies de indicadores de um construto, mas sua
sados nas respostas diretas às perguntas elaboradas, tradução nunca será integral (Idem). O modelo de
mas em suas implicações mais abstratas. Conforme mensuração, nesse sentido, serve justamente para
argumenta Hox (1997, p. 48), mesmo em casos explicitar esse processo de definição operacional –
como intenção de voto ou ocupação do responden- de acordo com Bollen (1989), um modelo de
te, o interesse do analista deve consistir em proble- mensuração é definido por um processo de qua-
mas tais qual a predição de uma dada eleição ou tro etapas: definição conceitual; identificação das
em localizar o entrevistado em alguma escala de sta- dimensões que compõem o conceito; formação de
tus socioeconômico. Isto é, o interesse primário de medidas; e especificação das relações entre medidas
uma pesquisa científica que se vale de um desenho e o construto (Idem, p. 180). Na perspectiva opera-
de survey envolve investigar “conceitos que estão cionalista, essas etapas não seriam necessárias posto
inseridos em uma teoria mais geral que apresenta que a definição conceitual é o próprio construto.
LEGITIMIDADE POLICIAL  5

Entre aqueles que criticam a visão operacio- formam linearmente um construto (ξ1), argumen-
nalista, há um determinado consenso a respeito de tam que
duas possíveis abordagens de mensuração em pes-
quisas de survey: a formativa e a reflexiva (Jackson
e Kuha, 2016). A abordagem formativa sugere que
um ou mais itens de um questionário formam um
construto – implica, em termos de ordenamento
causal, que os indicadores determinam o construto.
Ou seja, o construto teórico é definido dire-
A abordagem reflexiva, por outro lado, sugere que
tamente pelas variáveis observáveis . Tal qual em
as variáveis observadas refletem um construto teó-
relação à perspectiva operacionalista, possíveis
rico – implica, em termos de ordenamento causal,
críticas a essa abordagem envolvem justamente a
que os indicadores são determinados pelo constru-
desconsideração de erros de mensuração e o fato de
to. Em plano teórico, ambas as abordagens podem
que uma mudança em uma das questões impacta
seguir os quatro passos de Bollen para desenvolver
diretamente a definição conceitual em tela.
um modelo de mensuração. A diferença estaria ape-
Grande parte das investigações conduzidas por
nas na última etapa: na especificação das relações
meio de análises de survey parte dessa abordagem
entre as medidas e o construto.
de mensuração. Em particular no cenário nacio-
No âmbito da abordagem formativa, Bollen e
nal, é comum que as pesquisas considerem cons-
Baultry (2011) sugerem ao menos duas estratégias
trutos psicológicos como variáveis manifestas. Em
para relacionar os construtos e seus indicadores.
pesquisas de algum modo relacionadas ao tema da
Em primeiro lugar, os autores argumentam pela
legitimidade policial, por exemplo, não foram en-
existência de indicadores causais – seriam aqueles
contrados artigos brasileiros que não tenham ado-
que determinam diretamente a variável latente.
tado a abordagem formativa de mensuração com
Um exemplo empírico seria um índice de expo-
indicadores compostos.
sição a eventos estressantes causado por indica-
É o caso da investigação conduzida por Silva e
dores como mudança de emprego, mudança de
Beato (2013). Com dados do survey “Vitimização
residência ou a experiência de um divórcio. Uma
e percepção de medo em Belo Horizonte e Minas
mudança em algum desses indicadores causaria
Gerais”, realizado em 2009, os autores procuraram
uma mudança no índice de exposição a eventos
investigar os fatores que impactam a noção latente
estressantes, e não o contrário.
de confiança na polícia no estado de Minas Gerais –
Em segundo lugar, Bollen e Baultry argumen-
ainda que os autores não definam seu problema
tam pela existência de indicadores compostos.
em termos de “legitimidade policial”, há uma cor-
Trata-se dos casos em que os indicadores contri-
respondência temática. Para mensurar a ideia de
buem para a formação de uma variável composta
confiança na polícia, Silva e Beato utilizaram-se de
por sua combinação linear – parte-se do pressu-
uma questão do survey que perguntava diretamen-
posto de que os indicadores determinam perfeita-
te: “Por favor, gostaríamos que o/a Sr/a. dissesse o
mente o construto.
quanto confia em cada uma das seguintes institui-
Analistas que se valem da abordagem forma-
ções listadas a seguir: polícia”, a partir da qual o en-
tiva de mensuração normalmente partem de uma
trevistado deveria atribuir uma nota de 0 a 10 (Silva
perspectiva crítica ao operacionalismo. Isto é, sus-
e Beato, 2013, p. 134). As notas dadas pelos res-
tentam que as variáveis observáveis que formam
pondentes, tratadas como uma variável contínua,
um dado construto teórico são, na verdade, indi-
formariam a concepção abstrata de confiança na
cadores empíricos que buscam representar aquilo
polícia. Isto é, não houve o desenvolvimento de um
que definiram em termos abstratos. Ainda assim,
modelo de mensuração que tenha partido de
a utilização de indicadores compostos acaba por
uma definição conceitual; ao contrário, eles acaba-
aproximar o analista de uma lógica operacionalis-
ram seguindo uma estratégia operacionalista.
ta. Isso porque, ao sustentar que indicadores (xi )
6  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

Outro exemplo pode ser encontrado em Oli- (Ceratti et al., 2015). A resposta direta a essa per-
veira Junior (2011), que procurou compreender as gunta foi tratada como o construto “confiança nas
relações entre a avaliação do desempenho policial e a Forças Armadas”.
confiança na polícia no Brasil. Para operacionalizar a Mais próximo do conceito que buscamos ope-
avaliação do desempenho policial, o autor criou um racionalizar aqui, Wolfe e colegas (2016) apresentam
índice aditivo com base em sete questões do survey, uma investigação a respeito da legitimidade policial
cada uma concebida a partir de uma mesma escala em que buscaram testar empiricamente as hipóteses
ordinal de quatro classes de respostas (de 0 = “dis- sugeridas por Tyler (2006). O trabalho teve como
corda plenamente” a 3 = “concorda plenamente”). objetivo testar a generalidade da hipótese da justeza
Atribuindo valores às respostas dessa escala, foi cria- procedimental em diferentes contextos sociais. Para
do um índice que varia entre 0 e +21, estruturado tanto, utilizaram-se de uma amostra de 1681 cidadãos
com base na soma das respostas das questões. Essa residentes em quatro bairros de uma cidade grande no
estratégia implica que essas sete questões do survey Sudeste estadunidense (Wolfe et al., 2016).
formam a ideia de avaliação do desempenho policial, Os autores elaboraram questões para mensurar
todas com o mesmo grau de importância. os conceitos de “justeza procedimental”, “justiça
Já a variável “confiança na polícia” foi opera- distributiva”, “eficácia policial” e “legitimidade poli-
cionalizada como uma variável binária a partir de cial” (esta definida a partir das dimensões “dever de
três questões do survey a respeito da confiança nas obedecer” e “confiança”), entre outros. Assim, duas
polícias Civil, Militar e Federal. As questões per- questões sobre a disposição do entrevistado em obe-
guntavam diretamente aos entrevistados sua con- decer às ordens policiais e uma questão sobre a con-
fiança em relação às instituições mencionadas a fiança depositada na instituição definem, em sua to-
partir de uma escala ordinal com quatro classes de talidade, o construto teórico “legitimidade policial”.
respostas (“confia muito”, “confia”, “confia pouco” Seguindo a mesma lógica e sempre a partir de
e “não confia”). Foram atribuídos valores a essas uma escala ordinal de concordância, “justiça distri-
respostas (“confia muito” e “confia” = +1; “confia butiva” e “eficácia policial” foram operacionalizadas
pouco” e “não confia” = 0), os quais foram somados como índices aditivos de dois itens e “justeza proce-
gerando um índice que varia de 0 a 3, de acordo dimental” foi operacionalizada a partir da soma de
com o qual o autor considerou que somente os in- quatro itens. Todos esses índices foram trabalhados
divíduos que somaram 3 pontos confiavam na po- como variáveis contínuas – tendo sido realizados
lícia, o que serviu de critério para a formação de modelos de regressão linear para estimar o efeito de
uma variável binária de confiança (Oliveira Junior, “justeza procedimental” sobre “dever de obedecer”
2011). Novamente, não houve o desenvolvimento e sobre “confiança” com a inclusão das outras variá-
de um modelo de mensuração que tenha partido veis de controle (Wolfe et al., 2016).
de uma definição conceitual – ainda que não tenha Outro trabalho que lida com o conceito de
utilizado apenas um item para operacionalizar cada legitimidade e que buscou operacionalizá-lo por
construto, o autor também acaba por utilizar uma meio de uma pesquisa de survey foi desenvolvido
perspectiva operacionalista. pelo próprio Tyler juntamente com colegas (Tyler
Ceratti e colegas (2015) também investigaram et al., 2014). Essa pesquisa teve o objetivo de in-
os condicionantes da confiança institucional a par- vestigar o efeito da avaliação que jovens (entre 18
tir de dados de survey – em particular, da confiança e 26 anos) da cidade de Nova York fizeram sobre
nas Forças Armadas. Baseados nos dados do survey o tratamento policial recebido imediatamente após
“Sistema de indicadores de percepção social: defesa terem sido submetidos a paradas policiais. A amos-
nacional”, realizado pelo Instituto de Pesquisa Eco- tra foi estratificada por aglomerados urbanos e os
nômica Aplicada (Ipea), os autores operacionaliza- dados foram coletados via contato telefônico com
ram esse conceito a partir de uma única questão: base em informações fornecidas pelo Departamen-
“O quanto o/a Sr/a. confia nas Forças Armadas: to- to de Polícia de Nova York. Participaram desse sur-
talmente, muito, razoavelmente, pouco ou nada?” vey 1.261 jovens (Tyler et al., 2014, pp. 760-761).
LEGITIMIDADE POLICIAL  7

O questionário aplicado por Tyler et al. buscou que esse construto latente é responsável por causar
mensurar os conceitos de “legitimidade policial” a variabilidade e a correlação entre os indicadores.
(aqui definido a partir de três dimensões: confian- Ao formular o desenho de pesquisa, coleta-se dados
ça, dever de obediência e alinhamento normativo), a respeito desses indicadores; em seguida, testa-se
“cooperação”, “eficácia policial” e “justeza procedi- um modelo de mensuração em que uma variável
mental”, entre outros. Para criar a variável “legiti- latente (ξ1) é responsável (sozinha3) pela correlação
midade”, um índice aditivo foi adotado a partir de entre esses indicadores (xi ):
25 itens que perguntavam o nível de concordância
(1 = “discorda fortemente” a 4 = “concorda forte- x1=τ10+λ11*ξ1+δ1
mente”) dos entrevistados com afirmações. Em
seguida, o índice foi trabalhado como uma variá- x2=τ20+λ21*ξ1+δ2
vel contínua. O mesmo procedimento foi adotado
para os outros conceitos, sempre com escalas ordi- x3=τ30+λ31*ξ1+δ3
nais de quatro categorias.
Há diversos outros estudos encontrados tan- [...]
to na literatura internacional (Reisig et al., 2013;
Tankebe, 2009) quanto na literatura nacional xn=τn0+λn1*ξ1+δn*
(Cardia, 1997; Zanetic, 2016) que partem de uma
abordagem formativa de mensuração em tópicos Vê-se, assim, que a abordagem reflexiva de
amplamente relacionados à confiança pública nas mensuração, ao incorporar métodos de modelagem
instituições policiais. Ainda que tratem as variá- de variáveis latentes (no caso, análise fatorial con-
veis observáveis como indicadores empíricos, assim firmatória), leva em consideração possíveis erros de
enfatizando sua postura crítica ao operacionalis- mensuração (δi ) e diferentes cargas fatoriais para
mo, esses estudos, ao ignorarem eventuais erros de diferentes indicadores (λi ). Trata-se de se orientar
mensuração e não problematizarem de fato a lacu- explicitamente por um modelo conceitual prévio,
na entre o que é abstrato e o que é empírico no em vez de se orientar diretamente pelos dados, o
estudo sobre crenças e atitudes, acabam adotando que permite a discussão teórica a respeito daquilo
uma perspectiva operacionalista, isto é, sustentam em que consistem os construtos e seus indicado-
que há uma coincidência completa entre o constru- res manifestos (Jackson e Kuha, 2016). Conforme
to teórico que buscam investigar e os indicadores Bollen e Bauldry (2011) argumentam, o pressu-
empíricos observados. posto de que há um construto psicológico subja-
Uma abordagem alternativa de mensuração cente aos indicadores empíricos é particularmente
consiste na reflexiva. A ideia, nesse caso, é inverter adequado em modelos de mensuração de crenças
a ordem causal entre indicadores e conceitos e su- e atitudes – como, justamente, os sentimentos de
por que, na verdade, as variáveis observadas é que legitimidade policial.
são determinadas pelo construto – indicadores alta- Alguns estudos inseridos na temática da legi-
mente correlacionados seriam, portanto, um reflexo timidade e confiança na polícia adotam essa abor-
da existência de uma variável não manifesta, isto é, dagem de mensuração, ainda que configurem mais
uma variável latente. uma exceção do que uma regra. Em particular, os
Ainda que não observáveis empiricamen- trabalhos de Sunshine e Tyler (2003), sobre as re-
te, argumenta-se que faz sentido teórico que esses lações entre cidadãos e a polícia nos Estados Uni-
construtos latentes existam e que tenham efeitos dos, e de Jackson e colegas (2012), sobre o Reino
sobre o mundo empírico. Trata-se de uma espécie Unido, fundamentam-se nesse escopo metodológi-
de abordagem dedutiva de mensuração: supõe-se co. No Brasil, não encontramos investigação nessa
teoricamente que uma dada variável latente existe temática que não tenha adotado uma abordagem
e tem efeitos sobre uma determinada gama de indi- formativa de mensuração – e nosso objetivo consis-
cadores manifestos. Ainda teoricamente, supõe-se te justamente em contribuir para a literatura nacio-
8  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

nal apresentando um modelo de mensuração dos senvolver um modelo de mensuração que, levando
sentimentos de legitimidade policial em São Paulo em consideração essa lacuna, otimize o processo de
a partir de uma abordagem reflexiva. operacionalização. No entanto, essa ainda é uma dis-
Sunshine e Tyler realizaram uma análise de sur- cussão teórica e que não pode ser resolvida simples-
vey na cidade de Nova York em 2001 com questões mente por conta da aplicação de uma dada técnica
que buscaram mensurar os conceitos de “justeza estatística. Conforme argumentamos, ainda que o
procedimental”, “legitimidade policial”, “respeito emprego de técnicas de modelagem de variáveis la-
às leis” e “cooperação com a polícia”, entre outros. tentes seja o mais próximo do ideal, ele em si não
Todos esses construtos foram mensurados por meio resolve essa questão fundamental. Além disso, tais
de uma análise fatorial confirmatória incorporada técnicas podem ser mal utilizadas.
em um modelo de equações estruturais. Em vez de Isso fica evidente no debate entre Tankebe
testar separadamente as duas hipóteses – o efeito da (2013) e Jackson e Kuha (2014). No plano con-
avaliação do contato sobre os sentimentos de legiti- ceitual, Tankebe realiza uma crítica bastante inte-
midade policial e o efeito desses sentimentos sobre ressante ao modo como a legitimidade policial vem
resultados socialmente desejáveis, como disposição sendo conceitualmente definida a partir da tradição
em cooperar com a polícia e em obedecer às leis –, de pesquisas iniciada em Tyler (2006). Para o autor,
Sunshine e Tyler (2003) elaboraram um modelo de uma dimensão fundamental dos sentimentos de
equações estruturais com uma análise de caminhos legitimidade consiste nos valores compartilhados
para toda a proposição teórica simultaneamente. entre público e autoridade – as expectativas nor-
O outro trabalho, desenvolvido por Jackson mativas do público são o núcleo do conceito. Tais
et al. (2012), buscou investigar o papel das insti- expectativas, que podem variar de sociedade para
tuições legais no comportamento de deferência às sociedade, de maneira geral incluem o tratamento
leis no Reino Unido. Diferentemente dos trabalhos dos policiais dentro dos parâmetros da justeza pro-
discutidos até aqui, os autores propuseram uma cedimental. Isto é, Tankebe rebate a teoria de que a
abordagem reflexiva de mensuração: ao tratar tais percepção de justeza procedimental tem um impac-
concepções abstratas – “justeza procedimental”, to positivo no processo de legitimação – a percep-
“legitimidade policial”, “percepção de risco”, entre ção de justeza procedimental, entre outras dimen-
outras – como variáveis latentes, pressupõem que sões, é a legitimidade policial (Bottoms e Tankebe,
são construtos não observáveis que causam a corre- 2012; Tankebe, 2013).
lação entre os itens do questionário, isto é, os itens Trata-se de uma posição razoável e que traz dis-
refletem um conceito estabelecido teoricamente senso à comunidade científica. O conceito de legi-
por meio de uma análise fatorial confirmatória. As timidade policial estaria, assim, aberto a discussões.
variáveis utilizadas no modelo não são, assim, índi- A estratégia que Tankebe utiliza para sustentar sua
ces aditivos simples, mas consistem em fatores la- definição conceitual, entretanto, é curiosa. O autor
tentes obtidos a partir da matriz de correlação entre elabora uma análise fatorial confirmatória, demons-
os itens do questionário. trando como seu modelo tem um bom ajuste aos
É importante pontuar que, embora a modela- dados, o que confirmaria que legitimidade policial
gem de variáveis latentes seja preferível no desen- é um produto das quatro dimensões que ele propõe
volvimento de um modelo de mensuração de cons- (Tankebe, 2013). Porém, pode uma análise fatorial
trutos psicológicos, como sugerimos aqui, ela não confirmatória confirmar a definição conceitual de
elimina a lacuna existente entre aquilo que é obser- um construto? Conforme Jackson e Kuha susten-
vável e aquilo que é teórico. Conforme os críticos da tam, “a resposta a essa pergunta é claramente não,
perspectiva operacionalista já sustentavam, tal lacu- [pois] isso permanece uma reivindicação conceitual”
na nunca deixará de existir: um conceito, como tal, (Jackson e Kuha, 2014, p. 26). Os autores afirmam:
é definido no plano abstrato e, por definição, não
coincide integralmente com indicadores observados Legitimidade é um construto não observável.
no plano empírico. Sustentamos que é possível de- Não se pode mensurá-la diretamente; deve-se
LEGITIMIDADE POLICIAL  9

inferir tanto sua existência quanto seu signifi- Utilizamos, para isso, dados da segunda onda de
cado. Inicia-se com um conjunto de reivindi- um painel desenvolvido no âmbito de uma pesquisa
cações conceituais sobre sua natureza; coleta-se no Núcleo de Estudos da Violência da Universidade
dados de survey que indicam os domínios pre- de São Paulo (NEV-USP), coletados entre janeiro e
sumidos de seu significado; e se utiliza alguma março de 2017. A amostra, representativa de oito re-
técnica estatística como a análise fatorial confir- giões do município de São Paulo selecionadas após
matória para avaliar a dimensionalidade subja- uma análise de cluster entre os setores censitários (ver
cente dos itens [...]. Mas a análise fatorial con- Nery et al., 2015), conta de 928 participantes (77%
firmatória não diz nada diretamente a respeito dos 1.200 participantes da primeira onda, cujos da-
dos domínios da “legitimidade” [...] (Jackson e dos foram coletados em 2015). O instrumento em
Kuha, 2014, pp. 26-27, tradução nossa). questão busca trazer o debate a respeito da legitimi-
dade policial para o contexto brasileiro, particular-
Nosso objetivo neste artigo é apresentar um mente para o contexto paulistano.
modelo de mensuração de legitimidade policial tal A primeira etapa do desenvolvimento de tal
qual definida na segunda seção do texto (“Atitudes modelo consiste em uma definição teórica, isto
públicas em relação à polícia: conceptualização de é, em explicar em termos simples e concisos o
legitimidade policial”), isto é, a partir das dimensões significado de um conceito (Bollen, 1989) – no
do direito de governar e do reconhecimento desse caso, do conceito de “legitimidade policial” tal
direito por parte dos governados. Isso não significa qual elaborado acima. Como explicamos, estamos
que tenhamos resolvido o problema da lacuna entre nos referindo ao sentimento, individual, de que a
o que é empírico e o que é teórico – nossas medidas autoridade policial tem o direito ao poder e que
não representam os sentimentos de legitimidade em deve ser obedecida – tal dever de obediência se dá
si. O que propomos é justamente um modelo que, normativamente, “porque isso é o certo a se fazer”
levando em conta a natureza abstrata do tópico da (Jackson e Bradford, 2010), em oposição a uma
legitimidade policial, capte melhor seus reflexos em- obediência por fins instrumentais (Tyler, 2006). A
píricos e nos permita estudá-la empiricamente. internalização das normas sociais manifestada por
esse sentimento de dever moral e de concordância
normativa com a autoridade é a definição de legi-
Este estudo timidade da polícia.
Evidencia-se, assim, que a definição concei-
tual exclui algumas dimensões que outros estudos
Um modelo de mensuração de legitimidade policial ou mesmo o senso comum poderiam incluir ao se
em São Paulo tratar de legitimidade da polícia. Por exemplo, ela
não se refere à legalidade: o fato de agentes policiais
Essa abordagem nos aproxima do desenvolvi- agirem dentro ou fora dos parâmetros estabeleci-
mento de um modelo de mensuração mais rigo- dos por lei, aos olhos do público, é irrelevante à
roso, tal qual sugerido por Bollen (1989; Bollen e sensação individual de que força policial goza de
Bauldry, 2011). O autor indica que o desenvolvi- legitimidade para exercer sua autoridade. Isso vale
mento de um modelo de mensuração segue quatro também para a confiança institucional: ao delimi-
etapas ordenadas: conferir significado ao conceito; tarmos nosso conceito de legitimidade policial, não
identificar as dimensões e as variáveis latentes que estamos nos referindo à ideia de que um dado cida-
as representem; formular as medidas; e especificar dão confia ou não nessa instituição.
as relações entre as medidas e as variáveis latentes Essa delimitação nos leva ao segundo passo
(Bollen, 1989, p. 180). Nesta seção, aplicamos as sugerido por Bollen: a identificação de dimensões
propostas de Bollen para desenvolver um modelo que representem o conceito em questão. Como
de mensuração dos sentimentos públicos de legiti- as dimensões “legalidade” e “confiança” foram ex-
midade policial na cidade de São Paulo. cluídas, quais dimensões compõem o construto?
10  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

Partindo da definição de que legitimidade policial DO1 – É o seu dever fazer o que a polícia diz, mes-
envolve tanto o direito de governar quanto o reco- mo que não entenda ou concorde com suas razões
nhecimento, por parte dos governados, desse direi- DO2 – É o seu dever fazer o que a polícia diz, mes-
to, vemos que há duas dimensões: (1) o sentimento mo quando não gosta da forma como é tratado pela
polícia
de dever obedecer; e (2) o alinhamento normativo
com a polícia (Jackson et al., 2014b).
ALINHAMENTO NORMATIVO COM A
Em primeiro lugar, uma das dimensões do POLÍCIA
conceito de legitimidade policial envolve a inter- Agora gostaria que o(a) sr(a) me dissesse se a polícia
nalização de uma obrigação moral de obedecer aos no seu bairro:
comandos da autoridade. Trata-se da disposição (Escala de frequência: sempre / quase sempre / às
em obedecer à polícia voluntariamente e porque vezes / raramente / nunca)
se acredita ser o certo, em oposição a uma dispo- AN1 – Age de acordo com o que o (a) sr(a) acha
sição em obedecer por conta do poder coercitivo que á certo.
da instituição. Em segundo lugar, a outra dimensão AN2 – Tem as mesmas expectativas que você sobre
envolve valores compartilhados entre cidadãos e a sua comunidade.
AN3 – Defende valores que são importantes para
autoridade, no sentido de que as expectativas nor-
uma pessoa como você.
mativas de ambos os polos dessa relação coincidem.
A identificação das dimensões do conceito é
Como a pesquisa em questão não parte de uma
particularmente importante na formulação das me-
abordagem formativa de mensuração, não há a ex-
didas. Em vez de elaborar questões que busquem
pectativa de que esses itens formem as noções abs-
abordar diretamente o conceito de modo mais abs-
tratas de “dever normativo de obedecer a polícia”
trato, Bollen argumenta que faz mais sentido men-
e “alinhamento moral com a polícia”, ou mesmo
surar indicadores de cada uma dessas dimensões – e
que todos eles formem a ideia de “legitimidade po-
partir delas para mensurar o construto. Nesse sen-
licial”. Ao contrário, partindo do pressuposto de
tido, o questionário do survey supramencionado foi
que se trata de um construto elaborado em plano
elaborado a fim de conter questões que servissem
abstrato, com possíveis efeitos sobre o mundo em-
como indicadores empíricos de “dever de obedecer
pírico, a pesquisa assume que esses seis itens são
à polícia” e “alinhamento normativo com a polícia”.
explicados pela variável latente em questão. Assim,
Partindo de uma abordagem reflexiva de men-
a associação entre os itens refletiria aspectos da “le-
suração, a estratégia adotada, quando do desenvol-
gitimidade policial”.
vimento do questionário, foi realizar tanto questões
Essa discussão nos aproxima da quarta etapa
que, hipoteticamente, estariam relacionadas entre si
do processo de elaboração de um modelo de men-
por serem causadas por uma variável latente denomi-
suração sugerido por Bollen: especificação das re-
nada “dever de obedecer a polícia” quanto questões
lações entre os indicadores e o construto. Se esti-
que estariam sendo causadas por uma variável latente
véssemos adotando uma abordagem formativa com
denominada “alinhamento moral com a polícia”. Ou
indicadores compostos, essa etapa seria cumprida
seja, questões cujas respostas refletiriam aspectos rela-
apontando a soma entre as respostas – criando um
cionados ao que definimos teoricamente como sen-
índice de 0 a +20, por exemplo. Entretanto, con-
do as dimensões do conceito de legitimidade policial.
forme argumentamos, essa abordagem acabaria nos
Esta é a terceira etapa sugerida por Bollen: formação
aproximando de uma perspectiva operacionalista
das medidas. As seguintes questões foram realizadas:
de mensuração, como se o conceito de legitimidade
policial fosse o próprio índice criado.
DEVER NORMATIVO DE OBEDECER À
POLÍCIA Ao contrário, adotamos uma abordagem refle-
(Escala de concordância: concorda totalmente / xiva de mensuração no âmbito do quadro teórico
concorda em parte / não concorda nem discorda / da modelagem de equações estruturais e tratamos
discorda em parte / discorda totalmente) o construto “legitimidade policial” (ηlegitimidade)
LEGITIMIDADE POLICIAL  11

como uma variável latente definida, por meio de Figura 1


uma análise fatorial confirmatória com base em Modelo de Mensuração (CFA) – “Legitimidade
duas outras variáveis latentes, “dever de obeder” Policial”5
(ξdever) e “alinhamento normativo” (ξalinhamento),
cada qual impactando seus indicadores, sempre a
partir de cargas fatoriais específicas (λij). Os resul-
tados desse modelo de mensuração podem ser vis-
tos na Figura 1.4
Essencialmente, a análise fatorial confirmatória
realiza um modelo de regressão para cada indicador
observável, tendo sempre a variável latente como va-
riável explicativa – assume-se ainda que a variabili-
dade dos indicadores explicada por esses modelos de
regressão é sempre integral (R² = 1), além de não se
permitir associações entre os itens manifestos (uma
vez que isso seria afirmar que há outros fatores res-
ponsáveis por sua associação que não a variável laten- Nota: Método de estimação6: ML (FIML). Teste:
te em questão, o que contradiz o modelo de mensu- x2=55.55: p<0,01. CFI=0,975, TLI=0,954,
ração). Convencionalmente, seleciona-se o indicador RMSEA=0,08, SRMR=0.054. *: p<0,001.
manifesto que melhor representa (conceitualmente) Elaboração própria com base nos dados de survey do
a variável latente e, ao restringir sua carga fatorial a 1, NEV-USP.
trata-o como variável de referência para a escala la-
tente (Bartholomew et al., 2008).
O modelo geral da análise fatorial confirmatória é
um teste de uma teoria. Nesse sentido, as medidas de
ajuste dos dados à hipótese devem ser avaliadas com o
intuito de adotar ou não esse modelo. Assim, alguns “legitimidade policial” tem ajuste aceitável. Isso sig-
testes são convencionalmente realizados nesse intuito. nifica que a hipótese de que os indicadores manifes-
Os mais comuns são o Comparative Fit Index (CFI) tos apresentados de fato não refletem esse fator não
e o Tucker-Lewis Index (TLI), ambos comparando a observável – conceitualmente denominado “legiti-
matriz de covariância observada com o modelo esti- midade policial” – pode ser rejeitada. Trata-se, pois,
mado e ambos variando de 0 a 1 – sendo 1 o ajuste de um modelo de mensuração que parte de uma
perfeito. Tradicionalmente, adotam-se e como crité- abordagem reflexiva, assumindo a centralidade da
rios de aceitação. Outros testes estimam a probabili- teoria na operacionalização dos conceitos.
dade do erro tipo II do modelo geral: o Root Mean Possivelmente, a criação de um índice adi-
Square Error of Approximation (RMSEA) e o Stan- tivo de legitimidade policial a partir dos mesmos
dardized Root Mean Square Residual (SRMR) são cinco itens levaria a um construto empiricamente
os mais comuns, ambos variando de 0 a 1 – tradicio- próximo à variável latente estimada acima. Isto é,
nalmente, adota-se RMSEA ≤ 0.08 e SRMR ≤ 0.06 a diferença entre os escores dos indivíduos dados
como critérios de aceitação do modelo. pelos dois métodos poderia não ser muito gran-
O modelo de mensuração de “legitimidade de – afinal, normalmente a correlação entre índi-
policial” apresenta ótimos valores de ajuste. Todas ces aditivos e construtos latentes é estimada acima
as cargas fatoriais são estatisticamente diferentes de 0,8.7 Entretanto, há uma importante diferença
de zero (ao nível de significância de 99%). Tanto o teórica. Conforme argumentam Jackson e Kuha
CFI quanto o TLI são próximos de 1, ao passo que (2016), é fundamental que considerações teóricas
RMSEA e SRMR são próximos de 0. Em outras pa- guiem o modelo de mensuração; como se trata aqui
lavras, o modelo de mensuração da variável latente de um campo de pesquisas envolvendo construtos
12  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

psicológicos como confiança e percepções subjeti- Uma vez desenvolvido e testado o modelo
vas não diretamente observáveis, é importante que de mensuração – seguindo as sugestões de Bollen
não se considere as medidas o próprio fenômeno a (1989) passo a passo e adotando claramente uma
ser mensurado, mas indicadores cuja correlação é abordagem reflexiva de mensuração (Jackson e
causada pelo fenômeno subjacente. Kuha, 2016; Bartholomew et al., 2008) –, uma
Assim, é importante para o campo de estudos pergunta importante deve ser feita: esse modelo de
a respeito de atitudes públicas sobre autoridades fato mensura o que foi teoricamente definido como
legais que se reflita criticamente a respeito das es- “legitimidade policial”? Em outras palavras, qual a
tratégias de mensuração. O modelo de mensuração validade do modelo desse modelo de mensuração?
de legitimidade policial aqui desenvolvido consiste Trata-se de uma discussão de cunho teórico e que
em um passo nesse sentido, pois, conforme argu- nunca será totalmente resolvida – afinal, um cons-
mentado, trata-se de um modelo de mensuração de truto nunca será integralmente válido justamente
um construto psicológico que não acaba em uma porque representa um conceito desenvolvido em
estratégia operacionalista. plano abstrato. Ainda assim, existem algumas es-
Além disso, o emprego de técnicas relacionadas tratégias possíveis para tentar avaliar a validade de
à modelagem de variáveis latentes produz outros determinado construto.
ganhos do ponto de vista estatístico na comparação
com a formação de um índice aditivo. O mais im- Avaliando a validade do modelo de mensuração
portante deles diz respeito aos erros de mensuração.
A estimação simultânea de um modelo de mensu- A afirmação de que uma dada variável mede
ração (em que indicadores manifestos e variáveis aquilo que ela deve medir (isto é, sua validade) de-
latentes são causalmente ligados) e de um modelo pende do estabelecimento de um consenso no cam-
estrutural (em que variáveis, incluindo as latentes, po científico a respeito dos seus atributos teóricos
são direcionalmente ligadas entre si via análise de e empíricos. Num exemplo corriqueiro, uma régua
caminhos) garante maior eficiência estatística, com produz medidas válidas de distância, entre outros
erros-padrão reduzidos. Essa estimação simultânea motivos, porque existe um consenso (que, no caso,
é realizada por meio de um modelo de equações vai além de um campo científico) a respeito do sig-
estruturais (ver adiante). Por outro lado, o uso de nificado e da escala de medidas de distância. É pos-
indicadores compostos em dois passos separados – sível fazer afirmações similares no caso de conceitos
em que o primeiro consiste na criação do índice como “legitimidade policial”?
aditivo e o segundo, no uso desse índice em mode- Com a ressalva de que a validação de um mo-
los como os de regressão – desconsidera possíveis delo de mensuração é bastante complexa, Bollen
erros de mensuração e, por conseguinte, superesti- (1989) lista uma série de estratégias possíveis para
ma erros-padrão em testes de hipóteses. atestar a validade de uma variável latente. Três des-
Outro ganho do emprego de técnicas relaciona- sas estratégias são especialmente interessantes para
das à modelagem de variáveis latentes diz respeito à avaliar a validade do modelo de mensuração de le-
possibilidade de estudos comparativos, em especial gitimidade policial: validade por conteúdo, valida-
comparações entre países. Conforme Jackson (2018) de por critério e validade do construto.
argumenta, embora a produção internacional sobre
julgamentos públicos a respeito da legitimidade da Validade por conteúdo
polícia e das leis seja extensa, comparações transna-
cionais ainda são majoritariamente inviáveis — em A validade por conteúdo é realizada teoricamen-
parte por conta das distintas estratégias de mensu- te. Dada a definição conceitual daquilo que se busca
ração. Por causa da possibilidade de impor restrições mensurar, há uma coincidência entre o construto
aos parâmetros e da estimação de cargas fatoriais, mensurado e seu conceito? A validação por conteú-
modelos envolvendo variáveis latentes são particular- do de um determinado modelo de mensuração é
mente úteis em estudos comparativos. parte fundamental do processo. Entretanto, há uma
LEGITIMIDADE POLICIAL  13

limitação importante: não se trata de uma estratégia o objetivo do modelo de mensuração consiste nos
implementada empiricamente. Sustentamos, por sentimentos públicos em relação à legitimidade da
exemplo, que o modelo de mensuração de legitimi- autoridade policial. Nesse sentido, quaisquer mo-
dade policial aqui desenvolvido é válido em relação delos de mensuração de construtos psicológicos são
a seu conteúdo – os indicadores refletem, separa- limitados no que se refere à validade por critério.
damente, os dois construtos psicológicos que com- Ainda assim, alguma validação é possível.
põem a nossa definição conceitual, ou seja, um ali- Conforme discutimos, julgamentos em relação à
nhamento normativo entre cidadãos e polícia e um legitimidade da autoridade policial são distintos
dever normativamente fundamentado de obedecer à dos sentimentos de confiança na polícia, mas por
polícia. Mas essa sustentação teórica dependeria de certo esses dois atributos tendem a estar positiva-
um consenso na literatura a respeito da própria defi- mente correlacionados (Jackson e Gau, 2016).
nição de legitimidade policial – conforme buscamos Isto é, indivíduos que confiam na polícia tendem
demonstrar, tal consenso inexiste na literatura. Dada a legitimá-la mais fortemente. Além disso, também
a dificuldade de definições conceituais consensual- mencionamos que tais julgamentos de legitimidade
mente estabelecidas nas ciências sociais, chegar à não devem se confundir com percepções de lega-
validade por conteúdo é particularmente complexo. lidade e má-conduta de policiais – mas é sensato
supor que cidadãos que compartilham um senso de
Validade por critério moralidade com a polícia e que possuem um dever
normativamente orientado de obedecer às ordens
A validade por critério é o grau de correspon- dessa autoridade tendem a ter percepções positivas
dência entre os indicadores manifestos (xi) e uma do trabalho policial.
determinada variável escolhida como critério (C1), Portanto, uma maneira de indicar alguma va-
normalmente mensurada por sua correlação. Por lidade do modelo de mensuração de legitimidade
exemplo, caso se tenha um modelo de mensuração policial com base em um critério envolve comparar
cujo objetivo consiste em estimar os salários de uma a distribuição dos escores individuais da variável la-
determinada empresa a partir de alguns critérios tente estimada com as respostas às perguntas de con-
como salário autorreportado, esse modelo de men- fiança e percepção de má conduta policial. Conside-
suração poderia ser validado pela correlação entre o rando a extensão dos escores de legitimidade policial
salário autorreportado (e os outros indicadores) e o de -1.68 a +1.07, com média zero e desvio-padrão
próprio salário real fornecido pela empresa. igual a 069, vê-se na Tabela 1 que cidadãos que di-
Evidentemente, essa validação também é par- zem não confiar na polícia possuem um valor médio
ticularmente complexa por estarmos tratando de bastante inferior quando comparado com o valor
construtos psicológicos – não há qualquer variá- médio atribuído àqueles que dizem confiar muito na
vel que possa ser utilizada como critério quando polícia: -0.27 e 0.45, respectivamente.

Tabela 1
Sentimentos de Legitimidade e Confiança na Polícia
Você confia na polícia do estado de SP? Escores da variável latente “legitimidade policial”
Média Desvio-padrão
Não confia (319 respondentes) -0,564 0,75
Confia pouco (315 respondentes) 0,012 0,73
Confia (222 respondentes) 0,481 0,70
Confia muito (67 respondentes) 1,02 0,54
14  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

Tabela 2
Sentimentos de Legitimidade e Percepção de Má Conduta Policial
Pelo que você sabe ou ouviu falar, os policiais do Escores da variável latente “legitimidade policial”
bairro aceitam suborno? Média Desvio-padrão
Nunca (217 respondentes) 0,528 0,79
Raramente (96 respondentes) 0,076 0,83
Às vezes (172 respondentes) -0,247 0,67
Quase sempre (89 respondentes) -0,306 0,78
Sempre (123 respondentes) -0,537 0,92

A Tabela 1 mostra como os escores da variável numa aproximação às medidas cujos resultados são
latente “legitimidade policial” aumentam conforme teoricamente esperados e cuja utilização é ampla-
os respondentes do survey respondem mais positi- mente documentada (em particular no que se refere
vamente à pergunta a respeito de sua confiança na à confiança da polícia). Nesse sentido, às situações
polícia, comportando-se conforme teoricamente es- tais como o caso do construto psicológico associado
perado8. Nesse sentido, contribui, ainda que não de- aos sentimentos públicos de que a polícia é uma au-
cisivamente, para a validação da medida por critério. toridade legítima, Bollen sugere que seja utilizada
Por sua vez, a Tabela 2 mostra as médias de a validade do construto. Trata-se, essencialmente,
escores de legitimidade policial caindo conforme de testar associações teoricamente relevantes com o
os respondentes sugerem maior percepção de má construto – a medida em questão se relaciona com
conduta policial – enquanto os entrevistados que outras variáveis de uma maneira consistente com
afirmam que nunca ouviram falar de policiais do aquilo que seria teoricamente previsto? Por exem-
bairro aceitando suborno possuem um valor médio plo: pressupondo que “inteligência” é um fator que
de 0.21, aqueles que sugerem que policiais sem- evolui positivamente entre crianças com o passar de
pre aceitam suborno possuem um valor médio de sua idade, uma maneira de avaliar um dado modelo
-0.18. Isto é, há uma correspondência negativa en- de mensuração dessa variável latente seria analisá-la
tre a variável latente “legitimidade policial” e a per- comparativamente com crianças de, por exemplo,
cepção pública a respeito do aceite do suborno por zero a dez anos: se houver uma correlação positi-
parte de policiais, conforme esperado. Essa relação va, tem-se uma evidência da validade dessa medida.
também contribui, ainda que não decisivamente, Evidentemente, esse teste não é determinístico em
para a validade por critérios do modelo de mensu- sua avaliação, mas configura uma estratégia interes-
ração de legitimidade policial. sante para sustentar a validade de um dado modelo
de mensuração.
Validade do construto Nesse sentido, para avaliar a validade da men-
suração de “legitimidade policial” que sugerimos,
Conforme Bollen argumenta, é comum nas podemos testar sua associação com outras variáveis
ciências sociais que conceitos sejam dissensualmen- colocadas pela literatura especializada. Por exem-
te formulados, tornando a validade por conteúdo plo, conforme discutimos, fortes sentimentos de
particularmente difícil de ser aplicada. Além disso, legitimidade em relação à instituição policial es-
é comum que não existam critérios apropriados tariam positivamente associados a um comporta-
para determinadas medidas, o que faz com que a mento de deferência às leis. Conforme sugere Tyler
validação por critérios também apresente restrições (2006; Sunshine e Tyler, 2003) e outros estudiosos
à sua aplicação – o exercício aqui realizado consiste verificam em diversas localidades (Jackson et al.,
LEGITIMIDADE POLICIAL  15

Figura 2
Modelo Conceitual

Elaboração própria.

2012; Murphy et al., 2008), tal associação inde- Tem-se, pois, um complexo modelo teórico a
pende das percepções de risco de sanção em caso de respeito da legitimidade policial. Esse modelo está
descumprimento das normas. Desse modo, aferir a resumido na Figura 2. De um lado, o construto
validação da nossa mensuração de legitimidade po- tem duas variáveis preditoras; de outro, ele pró-
licial envolveria testar a hipótese de que há um efei- prio é preditor de outro construto, o qual apresenta
to significativo e positivo sobre o comportamento uma covariável. Tyler (2006) sugere que as seguin-
de respeito às leis, efeito que se mantém estatistica- tes relações devem ser significativas e positivas: o
mente maior do que zero mesmo com a inclusão de efeito de justeza procedimental sobre legitimidade
uma covariável referente à percepção de risco. policial (e deve ser maior do que o efeito de eficá-
Além disso, a literatura indica que cidadãos cia) e o efeito de legitimidade sobre respeito às leis.
apresentam sentimentos mais fortes de legitimi- Evidentemente, o teste dessa teoria contra os
dade quando esperam que a polícia aja dentro dos dados empíricos que estamos analisando não con-
parâmetros da justeza procedimental – oferecendo siste em uma perfeita avaliação da validade do
um processo de tomada de decisões de alta quali- construto. Afinal, o contexto brasileiro (ou da ci-
dade, o que envolve neutralidade, voz, tratamen- dade de São Paulo) pode apresentar distinções do
to justo e digno, transparência e demonstração de contexto anglo-saxão em que a hipótese da justeza
confiança, entre outros aspectos (Zanetic et al., procedimental foi extensivamente testada. O teste
2016). Assim, de acordo com a proposta de Tyler dessa hipótese com dados observacionais significa
(2006), espera-se uma associação significativa e po- também que não estamos efetivamente isolando
sitiva entre a percepção de justeza procedimental e os efeitos estimados, de modo que a possibilidade
um construto válido de legitimidade policial. Além de variáveis endógenas não observáveis ou não in-
disso, a proposta desse campo de pesquisas é que a cluídas ofuscando as essas associações é real. Apesar
avaliação do processo pelo qual a polícia age é mais dessas limitações, sustentamos a viabilidade desse
fundamental para a legitimação da instituição do teste para a validação do modelo de mensuração,
que a avaliação dos resultados entregues – isto é, o uma vez que as semelhanças e especificidades do
efeito da percepção de justeza procedimental sobre contexto paulistano no tocante aos julgamentos
legitimidade policial deve ser maior do que o efeito públicos sobre a legitimidade policial demonstradas
da percepção de eficácia policial (Tyler, 2006; Jack- em Oliveira et al. (2017) nos permitem pressupor
son et al., 2012). os mecanismos do modelo conceitual da Figura 2.
16  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

Além disso, a literatura internacional tem inferido É necessário enfatizar que nosso foco aqui é a
causalidade no âmbito da teoria da justeza procedi- validade do modelo de mensuração de legitimidade
mental (ver, por exemplo, Pósch, 2017). policial em São Paulo, para o qual estamos pressu-
Uma vez que os cinco fatores apresentados no pondo o modelo teórico elaborado por Tyler (2006).
modelo conceitual podem ser considerados cons- Evidentemente, encontrar relações que contrariem as
trutos, cada qual com seu próprio modelo de men- expectativas originais não necessariamente indica que
suração, e que as relações entre eles estão dispostas a variável latente mensurada não seja válida – poderia
em um formato de caminhos, a estratégia metodo- significar, por exemplo, que a hipótese tyleriana não se
lógica ideal para contrapor o diagrama da Figura 2 verifique nesse contexto. Este não é, entretanto, nos-
a dados empíricos consiste na modelagem de equa- so objetivo neste artigo.10 Limitamo-nos a discutir a
ções estruturais. Como o survey com que estamos mensuração desse construto a partir do modelo teóri-
trabalhando conta com ao menos três perguntas co resumido na Figura 2. Nesse sentido, a leitura que
que refletem cada uma dessas variáveis latentes,9 fazemos dos resultados dispostos na Figura 3 busca
essa estratégia foi adotada. O resultado do modelo apenas responder à pergunta referente à adequação da
de equações estruturais está na Figura 3 (resultados variável latente “legitimidade policial” tal qual propos-
detalhados no Apêndice 2). to pela literatura criminológica especializada.

Figura 3
Modelo de Equações Estruturais: Legitimidade da Polícia

Elaboração própria com base nos dados de survey do NEV-USP.


Nota: Todos os indicadores foram considerados categóricos. Erros-padrão clusterizados (a nível das áreas-chave) conforme
o planejamento amostral. Método de estimação: WLS (FIML). Teste: χ2=637,58: p<0,01. CFI=0.983, TLI=0,981,
RMSEA=0,018.
*: p<0,001. + : p<0,05.
LEGITIMIDADE POLICIAL  17

As flechas que ligam os construtos a seus indica- et al. (2014b) no âmbito da teoria sugerida por Tyler
dores representam cargas fatoriais (todas disponíveis (2006), podemos concluir pela validade do modelo
no Apêndice 1), ao passo que as flechas entre as pró- de mensuração apresentado a respeito dos sentimen-
prias variáveis latentes representam a parte estrutural tos de legitimidade policial em São Paulo.
do modelo – espécies de modelos de regressão. A fle-
cha curva e bidirecional indica covariância.
O ajuste geral do modelo é bastante eficiente, Considerações finais
com e Todos os modelos de mensuração também
são estatisticamente significantes, conforme se pode Neste artigo, buscamos contribuir para o cam-
verificar no Apêndice 2. A covariância entre as duas po nacional de pesquisas a respeito de atitudes
variáveis latentes exógenas (“justeza procedimental” públicas sobre as autoridades legais apresentando
e “eficácia”) é estatisticamente distinta de zero a um um modelo de mensuração dos sentimentos de le-

nível de significância de 99% (cov)=0,371; p<0.01). gitimidade policial da população paulistana. Com
Em termos mais substantivos, conforme suge­ base na definição conceitual de legitimidade como
rido por Tyler (2006), fica evidente como o princi­ dois estados psicológicos conectados, um dever
pal preditor da legitimidade policial é a percepção normativamente fundamentado de obedecer e um
de processos justos, não de resultados desejados. alinhamento moral com a polícia, desenvolvemos
Isto é, ao passo que a justeza procedimental tem uma análise fatorial confirmatória a partir de cinco
efeito substantivo sobre a legitimidade da polícia indicadores e dois fatores para mensurar a variável
(γ=0,92), a percepção de eficácia essencialmente latente que representa esse sentimento de internali-
não altera o reconhecimento da instituição como zação das normas e leis.
legítima (γ=0,13, mas possivelmente zero na popu­ A validade desse modelo de mensuração foi
lação). Ainda seguindo a literatura (Jackson et al., avaliada por meio de testes de associações consen-
2012; Tankebe, 2013), a legitimidade policial é um sualmente estabelecidas pela literatura especializa-
eficiente preditor do comportamento de desrespei- da. Por exemplo, a literatura sustenta que a expec-
to às leis (β=-0,175), diferentemente da percepção tativa de que policiais ajam dentro dos parâmetros
de risco de sanção, que não apresentou significância da justeza procedimental é forte preditora das per-
estatística. cepções de legitimidade dessa instituição, assim
Esses resultados convergem com o que foi teo- como a legitimidade é forte preditora de um com-
ricamente proposto por Tyler (2006) – a variável portamento de respeito às leis. Para essa avaliação
latente “legitimidade policial” comportou-se exa- da validade do construto, desenvolvemos um mo-
tamente conforme previsto pela teoria: fortemen- delo de equações estruturais – a variável latente “le-
te associada à percepção de justeza procedimental, gitimidade policial” se comportou exatamente con-
associação essa mais substantivamente significativa forme o hipotetizado pela literatura, fortalecendo o
do que a encontrada com relação à percepção de argumento de que se trata de uma medida válida.11
eficácia; e fortemente associada ao comportamento O campo de pesquisas em que nos inserimos
de deferência às leis, diferentemente da percepção de se vale majoritariamente de desenhos de survey que
risco de sanção. Conforme argumentam Jackson e buscam mensurar construtos psicológicos como
Kuha (2016), nenhum modelo estatístico seria ca- crenças e atitudes (Oliveira Junior, 2011; Silva e
paz de validar de fato a mensuração de uma variável Beato, 2013). No entanto, ainda não lhe foi incor-
latente como “legitimidade policial”. Trata-se de um porado o debate metodológico a respeito das dis-
construto cuja existência e seu significado devemos tintas abordagens de mensuração que buscam mo-
inferir. Ainda assim, é possível estabelecer critérios delar variáveis latentes considerando a lacuna que
objetivos para avaliar um modelo de mensuração existe entre o desenvolvimento teórico dos concei-
de uma variável latente no âmbito de uma determi- tos e coleta de dados empíricos por meio de ques-
nada teoria. Seguindo os critérios estabelecidos por tões. A maior parte dos trabalhos acaba adotando
Bollen (1989) e as definições conceituais de Jackson uma abordagem formativa com indicadores que
18  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

compõem linearmente um índice, o que culmina na modelagem dos indicadores após sua formulação.
em uma perspectiva operacionalista que, conforme 3 O que significa que o modelo assume que a correlação
argumentamos, considera as medidas como o pró- entre os resíduos é zero.
prio fenômeno que se busca mensurar. 4 Os códigos em R e Mplus necessários para replicação
Ainda que os resultados empíricos apresen- de todas as análises apresentadas neste artigo estão dis-
tados por pesquisas anteriores sejam de suma im- poníveis mediante solicitação.
portância para o campo de pesquisas sobre atitudes 5 Convencionalmente, as variáveis latentes são repre-
públicas em relação ao sistema de justiça criminal, sentadas por elipses, ao passo que os indicadores ma-
é preciso refletir criticamente a respeito de suas es- nifestos são representados por retângulos.
tratégias de mensuração. Cada situação demanda 6 Por se tratar de uma análise fatorial confirmatória de
um modelo diferente, uma vez que, a depender segunda ordem, o seguinte item (representado como
do construto em questão, os indicadores devem “A” na figura) foi incluído como terceiro indicador da
ser causais, compostos ou resultantes (reflexivos). variável latente “legitimidade policial” para que o mo-
delo seja identificado (sem alterações substantivas):
Quando o índice diz respeito a um construto psico-
“Você só obedece a polícia por medo” (escala likert,
lógico ligado a crenças e atitudes, a adoção de uma
concorda totalmente – discorda totalmente).
abordagem reflexiva de mensuração é teoricamente
7 No caso, a correlação entre o fator derivado da análise
mais robusta – o que é essencial para que se possa
fatorial confirmatória e um índice aditivo foi estimada
avançar nos estudos que tratam de atitudes públicas em r=0.9.
sobre autoridades legais.
8 Evidentemente, essa medida de um item não repre-
Nesse sentido, contribuímos substantivamen- senta o construto psicológico “confiança na polícia”,
te para esse campo de pesquisas ao apresentar, até conforme buscamos extensamente argumentar. Nosso
onde pudemos verificar, o primeiro modelo de objetivo com essa análise não consiste em validar a
mensuração de legitimidade policial no Brasil. Tra- mensuração do construto “legitimidade” a partir de
ta-se de um conceito central para o desenvolvimen- sua correlação com o construto “confiança”, afinal um
to de políticas públicas que vão além da dissuasão outro modelo de mensuração seria necessário para
(Zanetic et al., 2016). A polícia, afinal, precisa que isso. Nosso objetivo aqui consiste exclusivamente em
a população a legitime para exercer seu trabalho, ao demonstrar como os escores da variável latente “legiti-
mesmo tempo em que a população demanda a rea- midade policial” aumentam conforme os responden-
tes do survey respondem mais positivamente à pergun-
lização de um trabalho policial eficaz na manuten-
ta a respeito de sua confiança na polícia.
ção da ordem pública. Mensurar mais robustamen-
9 A relação de questões utilizadas pode ser encontrada
te os sentimentos e as expectativas do público em
no Apêndice 1.
relação às instituições legais é, pois, o primeiro pas-
so para se compreender a natureza das relações en- 10 Para uma discussão substantiva a respeito do teste da
teoria da justeza procedimental em São Paulo, ver
tre cidadãos e autoridade e, assim, contribuir para o
Oliveira et al. (2017).
desenvolvimento de políticas públicas de segurança
11 Para uma discussão mais substantiva dos resultados do
voltadas ao incentivo da legitimidade das leis. teste da hipótese da justeza procedimental com dados
similares, ver Oliveira et al. (2017).

Notas

1 Por se tratar de desenhos observacionais, os estudos não


BIBLIOGRAFIA
se engajam em inferência causal e se limitam a correla-
ções condicionais. Ver, no entanto, Pósch (2017). BARTHOLOMEW, David; STEELE, Fiona;
2 Evidentemente, estratégias de operacionalização de MOUSTAKI, Irini & GALBRAITH, Jane.
construtos teóricos se iniciam na elaboração do ques- (2008), Analysis of multivariate social science
tionário, o que inclui uma série de etapas – como pré- data. 2. ed. Londres, CRC Press.
-testes. O foco de nossa análise, no entanto, consiste BEETHAM, David. (1991), The legitimation of
LEGITIMIDADE POLICIAL  19

power. Londres, Macmillan. cial Science [online], 6 jul. Disponível em eprints.


BOLLEN, Kenneth. (1989), Structural equations with lse.ac.uk/86740, consultado em 10/4/2018.
latent variables. Nova York, John Wiley & Sons. JACKSON, Jonathan & BRADFORD, Ben. (2010),
BOLLEN, Kenneth & BAULDRY, Shawn. (2011), “Police legitimacy: a conceptual review”. SSRN
“Three Cs in measurement models: causal in- [online]. Disponível em dx.doi.org/10.2139/
dicators, composite indicators, and covariates”. ssrn.1684507, consultado em 15/8/2017.
Psychological Methods, 16 (3): 265-284. JACKSON, Jonathan; BRADFORD, Ben; HOU-
BOTTOMS, Anthony & TANKEBE, Justice. GH, Mike; MYHILL, Andy; QUINTON,
(2012), “Beyond procedural justice: a dialogic Paul & TYLER, Tom. (2012), “Why do peo-
approach to legitimacy in criminal justice”. ple comply with the law? Legitimacy and the
Journal of Criminal Law and Criminology, 102 influence of legal institutions”. British Journal
(1): 119-170. of Criminology, 52 (6): 1051-1071.
BOTTOMS, Anthony & TANKEBE, Justice. JACKSON, Jonathan; ASIF, Muhammad; BRAD-
(2017), “Police legitimacy and the authority of FORD, Ben; ZAKRIA ZAKAR, Muhammad.
the State”, in Antje Bois-Pedain, Magnus Ul- (2014a), “Corruption and police legitimacy in
vang e Petter Asp (orgs.), Criminal law and the Lahore, Pakistan”. British Journal of Criminolo-
authority of the State, Oxford, Hart Publishing. gy, 54 (6): 1067-1088.
BRADFORD, Ben. (2014), “Policing and social JACKSON, Jonathan; HOUGH, Mike; BRAD-
identity: procedural justice, inclusion and coo- FORD, Ben & KUHA, Jouni. (2014b), “Em-
peration between police and public”. Policing pirical legitimacy as two connected psychologi-
and Society, 24 (1): 22-43. cal states”, in Gorazd Mesko e Justice Tankebe
BRADFORD, Bem; HUQ, Azis; JACKSON, (orgs.), Trust and legitimacy in criminal justice,
Jonathan & ROBERTS, Benjamin. (2014), Londres, Springer.
“What price fairness when security is at stake? JACKSON, Jonathan & GAU, Jacinta M. (2016),
Police legitimacy in South Africa”. Regulation “Carving up concepts? Differentiating between
& Governance, 8 (2): 246-268. trust and legitimacy in public attitudes towards
BRIDGMAN, Percy. (1927), The logic of modern legal authority”, in E. Shockley, T. Neal, L.
physics. Nova York, Macmillan. Pytlik Zillig e B. Bornstein (orgs.), Interdisci-
CARDIA, Nancy. (1997), “O medo da polícia e as plinary perspectives on trust, Cham, Springer.
graves violações de direitos humanos”. Tempo JACKSON, Jonathan & KUHA, Jouni.
Social, 9 (1): 249-265. (2016),“How theory guides measurement:
CERATTI, Rubem; MORAES; Rodrigo & FI- examples from the study of public attitudes
LHO, Edison. (2015), “Confiança nas For- toward crime and policing”, in T. S. Bynum e
ças Armadas brasileiras: uma análise empírica B. M. Huebner (orgs.), Handbook on measure-
a partir dos dados da pesquisa SIPS – defesa ment issues in criminology and criminal justice,
nacional”. Opinião Pública, 21 (1): 132-156. Nova Jersey, John Wiley.
COICAUD, Jean-Marc. (2012), Legitimacy and MURPHY, Kristina; HINDS, Lyn & FLEMING,
Politics: a contribution to the study of political Jenny. (2008), “Encouraging public coopera-
right and political responsability. Cambridge, tion and support for police”. Policing and So-
Cambridge University Press. ciety, 18 (2): 136-155.
HOX, Joop. (1997), “From theoretical concept NERY, Marcelo; SOUZA, Altay; CINOTO, Ra-
to survey question”, in L. Lyberg et al. (orgs.), fael; OLIVEIRA, André; CARDIA, Nancy &
Survey measurement and process quality, Nova ADORNO, Sérgio. (2015), “A delimitação de
York, Wiley. áreas-chave para estudos longitudinais em São
JACKSON, Jonathan. (2018), “Norms, normativity Paulo (SP), Brasil”. Relatório interno [versão
and the legitimacy of legal authorities: internatio- 2]. São Paulo, NEV-USP.
nal perspectives”. Annual Review of Law and So- OLIVEIRA JUNIOR, Almir. (2011), “Dá para
20  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

confiar nas polícias? Confiança e percepção so- Amanda. (2014), “Street stops and police le-
cial da polícia no Brasil”. Revista Brasileira de gitimacy: teachable moments in young urban
Segurança Pública, 5 (9): 6-22. men’s legal socialization”. Journal of Empirical
OLIVEIRA, Thiago R.; NATAL, Ariadne & ZA- Legal Studies, 11 (4): 751-785.
NETIC, André. (2018), “Preditores e impactos WOLFE, Scott; NIX, Justin; KAMINSKI, Robert
da legitimidade policial: testando a teoria da & ROJEK, Jeff. (2016), “Is the effect of pro-
justeza procedimental em São Paulo” [working cedural justice on police legitimacy invariant?
paper]. 18º Congresso Brasileiro de Sociologia. Testing the generality of procedural justice and
Brasília, 26-29 jul. competing antecedents of legitimacy”. Journal
PÓSCH, Krisztián. (2017), “Prying open the bla- of Quantitative Criminology, 32 (2): 253-282.
ck box of causality: a causal mediation analysis ZANETIC, André. (2016), “Ação institucional,
test of procedural justice policing”. Law So- confiança na polícia e legitimidade em São
ciety and Economy Working Paper. Disponível Paulo”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32
em papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_ (95): 1-19.
id=3087872, consultado em 10/4/2018. ZANETIC, André; PAES MANSO, Bruno; NA-
REISIG, Michael; TANKEBE, Justice & MESKO, TAL, Ariadne & OLIVEIRA, Thiago R.
Gorazd (2013),“Compliance with the law in (2016), “Legitimidade da polícia: segurança
Slovenia: The role of procedural justice and pública para além da dissuasão”. Civitas – Re-
police legitimacy”. European Journal of Crimi- vista de Ciências Sociais, 16 (4): 148-173.
nal Policy Research, 20 (2): 259-276.
SILVA, Geélison & BEATO, Cláudio. (2013),
“Confiança na polícia em Minas Gerais: o efei-
to da percepção de eficiência e do contato indi-
vidual”. Opinião Pública, 19 (1): 118-153.
SUNSHINE, Jason & TYLER, Tom. (2003), “The
role of procedural justice and legitimacy in
public support for policing”. Law and Society
Review, 37 (3): 513-548.
TANKEBE, Justice. (2009), “Public cooperation
with the police in Ghana: does procedural fair-
ness matter?”. Criminology, 47 (4): 1265-1293.
TANKEBE, Justice. (2013), “Viewing things dif-
ferently: The dimensions of public perceptions
of legitimacy”. Criminology, 51 (1): 103-135.
TANKEBE, Justice; REISIG, Michael & WANG,
Xia. (2016), “A multidimensional model of
police legitimacy: a cross-cultural assessment”.
Law and Human Behavior, 40 (1): 11–22.
TYLER, Tom. (2006), Why people obey the law. 2.
ed. Princeton (NJ), Princeton University Press.
TYLER, Tom & JACKSON, Jonathan. (2013),
“Future challenges in the study of legitimacy
and criminal justice”, in Justice Tankebe e Ali-
son Liebling (orgs.), Legitimacy and criminal
justice: an international exploration, New Ha-
ven (CT), Yale University Press.
TYLER, Tom; FAGAN, Jeffrey & GELLER,
LEGITIMIDADE POLICIAL  21

Apêndice 1 – Questões utilizadas DEVER NORMATIVO DE OBEDECER A


POLÍCIA
JUSTEZA PROCEDIMENTAL Agora gostaria que o/a Sr./a me dissesse se concor-
A polícia no seu bairro: da com cada uma das frases abaixo:
(Escala de frequência: sempre / quase sempre / (Escala de concordância: concorda totalmente /
às vezes / raramente / nunca) concorda em parte / não concorda nem discorda
/ discorda em parte / discorda totalmente)
1. Trata com respeito todas as pessoas: ricos e po-
bres, negros e brancos. 1. É o seu dever fazer o que a polícia diz, mesmo
2. Explica claramente porque revista ou prende as que não entenda ou concorde com suas razões
pessoas. 2. É o seu dever fazer o que a polícia diz, mes-
3. Toma decisões que são justas e imparciais. mo quando não gosta da forma como é tratado
4. Dá atenção às informações que as pessoas trazem. pela polícia
5. Assume e corrige seus próprios erros. 3. Você só obedece a polícia por medo (codifica-
6. Trata bem pessoas como você. ção invertida)

EFICÁCIA
Como o/a Sr./a avalia o trabalho da polícia no PERCEPÇÃO DE RISCO
seu bairro em relação à/ao: O o/a Sr./a acredita que seria pego/a pela polícia
(Escala de avaliação: muito bom/bom/nem ou alguma autoridade caso tomasse alguma dessas
bom nem ruim/ruim/muito ruim) atitudes:
(Escala de frequência: sempre / quase sempre /
1. Diminuição do tráfico de drogas. às vezes / raramente / nunca)
2. Diminuição do assalto à mão armada.
3. Atendimento às chamadas de emergências 1. Tentasse subornar um guarda de trânsito ou
(190). rodoviário para evitar multa?
4. Atendimento na delegacia de polícia. 2. Comprasse produtos falsificados ou piratas?
5. Investigação de crimes. 3. Usasse sinal de TV a cabo sem pagar por isso?
6. Manifestações / protestos 4. Comprasse produtos sem nota fiscal para redu-
7. Manter as ruas do bairro tranquilas. zir o preço?
5. Pagasse o médico ou dentista particular sem
ALINHAMENTO NORMATIVO COM A recibo?
POLÍCIA 6. Pegasse algum produto de uma loja sem pagar
Agora gostaria que o/a Sr./a me dissesse se a polí- por ele?
cia no seu bairro: 7. Desrespeitasse vagas ou assentos preferenciais
(Escala de frequência: sempre / quase sempre / para idosos ou deficientes físicos?
às vezes / raramente / nunca)

1. Age de acordo com o que o (a) sr(a) acha que á DESRESPEITO ÀS LEIS
certo. Alguma vez na vida o/a Sr./a
2. Tem as mesmas expectativas que você sobre a (Sim / não)
sua comunidade.
3. Defende valores que são importantes para uma 1. Tentou subornar um guarda de trânsito ou ro-
pessoa como você. doviário para evitar multa?
2. Comprou produtos falsificados ou piratas?
3. Usou sinal de TV a cabo sem pagar por isso?
4. Comprou produtos sem nota fiscal para redu-
22  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

zir o preço?
5. Pagou o médico ou dentista particular sem recibo?
6. Pegou algum produto de uma loja sem pagar
por ele?
7. Já desrespeitou vagas ou assentos preferenciais
para idosos ou deficientes físicos?
LEGITIMIDADE POLICIAL  23

Apêndice 2 – Anexo Estatístico

Modelo de mensuração Estimativa Erro-padrão Estimativa Valor p


(clusterisado) Erro – Padrão
Justeza procedimental:
Indicador 1 1,000 - - -
Indicador 2 0,876 0,017 51,75 <0,001
Indicador 3 0,960 0006 166,15 <0,001
Indicador 4 0,939 0,022 43,13 <0,001
Indicador 5 0,944 0,028 33,17 <0,001
Indicador 6 0,910 0,024 38,05 <0,001
Eficácia:
Indicador 1 1,000 - - -
Indicador 2 1,046 0,030 35,25 <0,001
Indicador 3 1,049 0,037 28,17 <0,001
Indicador 4 1,020 0,034 30,37 <0,001
Indicador 5 1,107 0,032 35,03 <0,001
Indicador 6 0,883 0,051 17,25 <0,001
Indicador 7 1,156 0,029 40,30 <0,001
Alinhamento normativo:
Indicador 1 1,000 - - -
Indicador 2 0,949 0,017 57,26 <0,001
Indicador 3 1,014 0,012 82,40 <0,001
Dever de obedecer:
Indicador 1 1,000 - - -
Indicador 2 0,871 0,065 13,32 <0,001
Indicador 3 0,488 0,043 11,22 <0,001
Percepção de risco:
Indicador 1 1,000 - - -
Indicador 2 1,109 0,037 30,23 <0,001
Indicador 3 1,108 0,013 82,37 <0,001
Indicador 4 1,182 0,038 31,11 <0,001
Indicador 5 1,137 0,031 36,19 <0,001
Indicador 6 0,927 0,036 26,10 <0,001
Indicador 7 1,027 0,031 33,52 <0,001
Continua...
24  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 34 N° 100

Modelo de mensuração Erro-padrão Estimativa


Estimativa Valor p
(clusterisado) Erro – Padrão

Respeito às leis:
Indicador 1 1,000 - - -
Indicador 2 1,576 0,252 6,26 <0,001
Indicador 3 1,042 0,159 6,57 <0,001
Indicador 4 1,372 0,210 6,53 <0,001
Indicador 5 0,257 0,220 1,21 0,225
Indicador 6 1,218 0,169 7,21 <0,001
Indicador 7 0,719 0,095 7,54 <0,001
Legitimidade policial:
Alinhamento normativo 1,000 - - -
Dever de obedecer 0,377 0,048 7,77 <0,001

Modelo estrutural Estimativa Erro-padrão Estimativa Valor p


Erro – Padrão
Legitimidade policial:
Justeza procedimental 0,923 0,045 20,57 <0,001
Eficácia 0,126 0,060 2,10 0,036
Respeito às leis:
Legitimidade policial - 0,175 0,043 - 4,07 <0,001
Percepção de risco - 0,004 0,042 - 0,10 0,920
Justeza procedimental / Eficácia 0,371 0,020 18,79
(covariância)
RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  25

LEGITIMIDADE POLICIAL: UM POLICE LEGITIMACY: A LÉGITIMITÉ POLICIÈRE: UN


MODELO DE MENSURAÇÃO MEASUREMENT MODEL MODÈLE DE MESURE

Thiago R. Oliveira, André Rodrigues de Thiago R. Oliveira, André Rodrigues de Thiago R. Oliveira, André Rodrigues de
Oliveira e Sergio Adorno Oliveira and Sergio Adorno Oliveira et Sergio Adorno

Palavras-chave: Legitimidade policial; Keywords: Police legitimacy; measure- Mots-clés: Légitimité policière; Modèle
Modelo de mensuração; Atitudes públi- ment model; public attitudes towards de mesure; Attitudes publiques à l’égard
cas sobre a polícia; Abordagem reflexiva; the police; reflective approach; public de la police; Approche réflexive; Sécurité
Segurança pública. security. publique.

O objetivo deste artigo é o desenvolvi- The purposeof this paper is to develop a L’objectif de cet article est de développer
mento de um modelo de mensuração measurement model of the sentiments un modèle pour mesurer les sentiments
dos sentimentos de legitimidade policial of police legitimacy among São Paulo de légitimité policière de la population
da população paulistana. Identificamos citizens. National survey-based research de la ville de São Paulo. Nous avons
que, na literatura nacional a respeito das on public attitudes towards the legal au- identifié, dans la littérature nationale à
atitudes públicas sobre as autoridades le- thorities commonly adoptsan operation- propos des attitudes publiques à l’égard
gais, pesquisas que se valem de desenhos alist approach, ignoring the gap between des autorités légales, que les recherches
de survey comumente adotam uma pers- concepts and survey questions. We con- qui utilisent des schémas d’enquêtes
pectiva operacionalista, negligenciando tribute substantively to this research field adoptent habituellement une perspec-
a lacuna existente entre os conceitos e as by developing a measurement model of tive opérationnaliste, négligeant la la-
questões. Contribuímos substantivamen- police legitimacy, which is conceptually cune existante entre les concepts et les
te para esse campo desenvolvendo um defined as a normatively grounded duty questions. Nous contribuons de façon
modelo de mensuração de legitimidade to obey the police and a moral alignment substantielle à ce domaine en dévelop-
policial, definida conceitualmente como with the police. Using data from a rep- pant un modèle de mesure de la légiti-
um dever normativamente orientado de resentative survey of eight regions of the mité policière, défini conceptuellement
obedecer e um alinhamento moral com city ofSão Paulo in 2017, we performed a comme un devoir normatif orienté vers
a polícia. Utilizando dados de um survey second-order confirmatory factor analy- l’obéissance et un alignement moral avec
representativo de oito regiões da cidade sis. Subsequentely, we estimated a struc- la police. En utilisant des données d’une
de São Paulo em 2017, realizamos uma tural equation model centered on the enquête représentative de huit régions de
análise fatorial confirmatória de segunda legitimacy construct so as to validate the la ville de São Paulo en 2017, nous avons
ordem. Posteriormente,validamos essa measure. Policy implications of both the effectué une analyse factorielle confirma-
medida por meio de um modelo de equa- concept and the measurement of police toire d’un second ordre. Par la suite, nous
ções estruturais centrado no construto legitimacy are discussed. avons validé cette mesure au moyen d’un
legitimidade. Implicações do conceito e modèle d’équations structurelles centré
da mensuração de legitimidade para a se- sur la construction de la légitimité. Des
gurança pública são discutidas. implications du concept et de la mesure
de la légitimité pour la sécurité publique
sont égalementabordées.

Creative Commons License This is an Open Access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License,
which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

Você também pode gostar