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ASPECTOS GERAIS DA
COLONIZAÇÃO ITALIANA NO RIO
GRANDE DO SUL
ERNESTO PELLANDA
IN
ÍNDICE
X Per finire
FIG.1 Aspecto da região colonial italiana poucos anos depois de ocupada pelos
agricultores.
Não se fez ainda do Rio Grande do Sul, ao que saibamos, o estereorama exato
indispensável a um conhecimento mais objetivo e generalizado do relevo e da natureza
do solo, o que faz com que até nos compêndios e mapas corram falsas noções de sua
fiisiografia. Uma delas é a da continuidade em nosso território da Serra do Mar,
equívoco que, apesar de indesculpável, pois já em 1819 o Visconde de São Leopoldo o
corrigia, continua até hoje repetido. Dizia então o nosso primeiro historiador que o
Continente era dividido em duas partes quase iguais "pela Serra Geral do Brasil que,
acompanhando a costa nas primeiras vinte e sete léguas desde o Araranguá (limites da
época), até a latitude austral de 29û 41', pouco mais ou menos, volta a oeste mais de
oitenta léguas".
Na faixa litorânea são as praias rasas, os albardões e os cômoros que por duzentos anos
vedaram a aproximação da costa. A barra, "invisível do mar", incerta até poucos anos,
era mais um obstáculo que fator favorável à entrada portuguesa.
Quando, afinal, em 19 de fevereiro de 1737, aporta Silva Pais à Barra para a fundação
de um "presídio", já ali encontrou à sua espera, a mando do Conde de Sarzedas,
Governador da Paulicéia, o árdego sertanista português que abrira as duas estradas de
então, para São Paulo -- a da Costa do Mar e a da Serra Velha -- aquele mesmo Coronel
Cristóvão de Abreu Pereira, à frente de 160 cavalarianos em 4 companhias comandadas
pelos capitães Francisco Pinto, João de Mendonça, José de Melo e Nuno Álvares
Pereira, tenentes Francisco Manoel de Souza, Valério de Mendonça, Manoel Tavares,
Francisco Tavares e alferes Anselmo Gonçalves, Manoel Pinto, Antônio Gonçalves e
Manoel Pinto Bandeira, dos quais proviriam os primeiros campeadores gaúchos.
Em 1803 a população total do Rio Grande do Sul, inclusive 8000 índios das Missões, se
elevava a 59.142, dos quais 3.927 habitantes de Pôrto Alegre. Em 1822 calculava-se a
população da Província em 106.000 habitantes. Pôrto Alegre fôra elevada à categoria de
cidade; eram vilas: Rio Grande, Rio Pardo, Santo Antônio da Patrulha e Cachoeira, e
pequenas freguesias criadas: as de Vacaria, Aldeia dos Anjos, Triunfo, Taquari,
Encruzilhada, Santo Amaro, Mostardas, Estreito, Piratini, Canguçu e Pelotas. O
território estava, porém, integrado nos seus limites atuais, as raias meridionais e do
poente definitivamente traçadas, graças àqueles dragões de São Pedro, de fundo
paulista, carioca e mineiro, depois transferidos para Rio Pardo, de onde sairiam os
conquistadores das Missões e os dominadores das coxilhas.
Esta enumeração que parecerá ao leitor ociosa, pretende apenas demonstrar que a
população oriunda de paulistas e açorianos, os primeiros povoadores do "Continente
D'EI Rei", aprendera as lições dos cavalarianos de Cristóvão Pereira e de Silva Pais e
realizara, em campo limpo, as previsões de Ribeiro Coutinho: adquirira em pouco mais
de 60 anos (até 1801) e conservava firmemente em seu poder, "a maior extensão
daquelas campanhas" dominadas a pata de cavalo. Os alemães, e em pequeno número
outros imigrantes, se iriam fixando mais tarde, de preferência nas matas da encosta da
Serra Geral, de um lado, e nas da Serra dos Tapes, de outro. Marcavam-se assím duas
zonas perfeitamente diferenciadas à expansão das duas indústrias básicas do Rio
Grande: a agricultura e a pecuária.
À semelhança dos velhos mapas da África, a carta do Rio Grande da época assinalava
não o "Hic sunt leonis" da legenda, mas extensas áreas de matas em que se poderia
escrever "Hic sunt barbari". Eram os pinheirais nativos que, no outono, alimentavam as
tribos indígenas com seu fruto, por isso mesmo disputadissimo.
Pelos altos vales dos rios, desde as bordas do planalto até além do Rio das Antas na
região entre o Caí e seus formadores e o Alto Taquari, tal como nos matos "Castelhano"
-"Português" no planalto médio e mais além no vale do Uruguai e do Pelotas,
dominavam as copas da araucária e, entre elas, alguns campestres semeavam ilhas
dispersas no oceano verde-negro da floresta.
Eram terras devolutas. O temor dos índios e das feras mantinha afastada dali a
população continentina interessada apenas nos campos de criação.
A colonização alemã, por sua vez, parara junto às fontes do Caí-Santa Cruz e seus
tributários, do Pinhal, do Farromeco e do Maratá; e se subira o primeiro contraforte da
serra em Nova Petrópolis e na Feliz, em Santa Maria da Soledade e no Maratá, fugiria
de escalar o muro áspero que defrontavam os seus últimos lotes, indo espalhar-se pelo
Taquari e pelo Rio Pardo.
Mas não foi só êsse o seu prejuízo. Enquanto se providenciava na medição, por ato de
24 de maio de 1870, o Presidente Dr. João Sertório criava nos territórios em aprêço as
Colônias "Conde D'Eu" e "D, Isabel" e o Presidente Conselheiro Francisco Xavier Pinto
Lima, a 29 de abril de 1871, assinava a Lei número 749 autorizando o executivo a
firmar contrato com Caetano Pinto & Irmão e Holtzweissig & Cia. para a "introdução de
40.000 colonos industriosos, jornaleiros e principalmente agricultores, no prazo de 10
anos".
Fig. 2 Paisagem típica da zona colonial italiana, onde o aproveitamento da terra para as
lavouras é levado ao máximo possível.
Além disso assumia a Província, nesse passo, com a empresa, compromisso superior às
suas fôrças: Propunha-se pagar aos contratantes 60$000 réis por indivíduo maior de 10
anos e 25$000 pelos de l e 10, valores que representavam a diferença entre os preços
das passagens da Europa para o Brasil e para os Estados-Unidos. Os empresários
deveriam empregar essa soma na equiparação dos preços das passagens para os
imigrantes.
O pagamento lhes era porém feito 1/3 em títulos da dívida provincial, ao juro de 7% ao
apresentarem as listas dos imigrantes embarcados na Europa; 1/3 nas mesmas condições
ao serem entregues no pôrto de desembarque (Rio Grande) e o têrço restante em
dinheiro, também nesse ato.
Ficara a cargo da Província ainda a recepção e hospedagem dos colonos no pôrto de Rio
Grande, transporte e alimentação até a capital e daqui até a colônia provincial a que se
destinassem. (Ficando em Pôrto Alegre, só tinham direito a acomodações e alimentos
por 5 dias).
Poucos eram os que de início aceitavam o destino das colônias novas e desertas:
preferiam seguir para as particulares que então floresciam, ou ficar nas antigas. É certo
que a lei previa nesses casos a indenização dos gastos feitos. Como, porém, cobrá-los?
Mas, voltando ao território cedido, cujo perímetro medira o Major José Maria da
Fontoura Palmeiro: Situava-se a ambos os lados do pique que do Maratá seguia para o
Rio das Antas. Conde D'Eu situava-se à esquerda do caminho, confinando ao norte e a
leste com aquêle rio e ao sul com terras devolutas. Dona Isabel, colocada à direita da
"estrada", tinha ao norte o rio e ao sul terras que permaneciam virgens, cedidas pelo
Govêrno Imperial a Inácio José de Moura, Luiz Antônio Feijo Júnior e a um cidadão
Machado, e a leste terras devolutas.
O que era essa "estrada" limitante dos dois núcleos, di-lo o relatório de 1873 do agente
intérprete da colonização, o "inteligente Sr. Luiz Kraemer Walter", segundo expressão
oficial da época, e que passamos a resumir:
"Uma das mais palpitantes necessidades para essa colônia (Conde D'Eu), a limpeza
daquela parte da estrada do Maratá que fica aquém do Rio das Antas, foi devidamente
considerada pelo Conselheiro Figueiro de Melo que mandou contratar com o capitão
João Jacinto Ferreira êsse importante serviço, que acaba de ser concluído." "Além da
limpeza da estrada, carece também tratar-se de melhorar alguns pontos dela que
oferecem perigo à passagem dos cargueiros."
"Medeando entre a colônia Conde D'Eu e o último ponto habitado da colônia particular
do Maratá, uma distância de quase cinco léguas de terras devolutas, por onde atravessa a
estrada para cargueiros, de cuja limpeza falei, é óbvio que o principal impedimento para
a sua prosperidade está no abandono em que os proprietários deixam aquelas terras
intermediárias, abandono que tanto contribui para que aquela estrada, por mais que se
conserte, nunca possa considerar-se franca, porque quando as chuvas não destruírem o
trabalho feito, temos a floresta de ambos os lados de uma estrada de poucos pés de
largura, que não deixa penetrar os raios de sol nem as lufadas do minuano, êsses outros
inspetores de nossas estradas do interior que tão bons serviços soem prestar.
"Torno a repetir, concluía, que nada se poderá esperar da colônia Conde D'Eu sem uma
estrada de rodagem, que lhe dê comunicação com os pontos habitados da Colônia do
Maratá."
Quanto ao outro núcleo, escrevia: "Nada direi aqui da colônia D. Isabel por estar ainda
inteiramente desocupada e apenas com o perímetro medido."
Na mesma época tentava-se uma outra saída para o Conde D'Eu: uma estrada que a
ligasse à margem direita do Taquari. Pediu a Província auxílio do Govêrno Geral para
tanto, mas, em aviso de 17 de dezembro de 1872, dizia o Ministro da Agricultura que
nada podia dar sem um orçamento prévio e os trabalhos técnicos indispensáveis.
Mas, firmado o contrato Caetano Pinto a 31 de janeiro de 1872, o mínimo nele previsto
já se não verificaria no primeiro ano. Aumentou, sim, o número de entradas, mas não foi
além de 1.354.
Em 1873 os empresários introduziram 1.607 imigrantes, vindo ainda 259 por conta do
Govêrno Geral para a colônia de Santa Maria de Soledade.
Da relação oficial consta terem entrado 892 alemães, 643 austríacos, 174 franceses, 101
portugueses, 36 suíços, 10 belgas e 10 suecos.
"É porém convicção minha que dessa luta pacífica, mas porfiada, devemos sair
vencedores, como sairam os Estados-Unidos da que sustentaram, desde que dermos boa
direção aos nossos esforços e a mantivermos com perseverança".
Em 1874, a quota de imigrantes fornecida baixou para 580 (os restantes entrados vieram
por conta do Govêrno Geral para Santa Maria da Soledade), descendo, ainda, como
vimos, no ano seguinte para 315. Em tôdas as levas, até aí, predominaram os alemães,
austríacos e franceses. Não se falava absolutamente em italianos.
Não é sem surprêsa assim que lemos na "Fala" do presidente Dr. José Antônio de
Azevedo Castro à Assembléia, na abertura da segunda seção da 16ª legislatura (l876), a
seguinte resenha de entradas na Província, de 1859 a 1875, que afirma tirada dos
registros da repartição especial de terras públicas:
Nacionalidades: Número:
Alemães 8.412
Austríacos 1.452
Italianos 729
Franceses 648
Sulços 263
Outras 1.050
TOTAL 12.563
Êsse número deve corresponder apenas aos vindos por conta da Província ou estará
errado para menos em 1.096 imigrantes cujas entradas constam das cuidadosas
pesquisas que realizamos para "Colonização Germânica no Rio Grande do Sul".
O milagre porém está ali naquele número de italianos que, quase diríamos, entrou de
contrabando... O mais provável é que tenham figurado como austríacos nas relações de
imigrantes.
Há, aliás, nos documentos oficiais da época silêncios e hiatos inexplicáveis em assunto
da maior importância. Assim só indiretamente ficamos sabendo que entre 1875 e 1876
passaram as colônias D. Isabel e Conde D'Eu para o domínio do Govêrno Geral.
Do mesmo modo, só indiretamente se descobre o fato do povoamento do núcleo dos
fundos de Nova Palmeira por colonos italianos a partir de 25 de outubro de 1875, data
em que parte daquela gleba (68 lotes coloniais) foi anexada à Santa Maria da Soledade.
De fato, naquela nossa primeira colônia mista, dividida em quatro distritos, havia então
a seguinte população escolar apurada, segundo minudente relatório de Carlos Jansen:
Havia, ao todo, 49 italianos nesse ano naquelas terras que foram depois anexadas a
Caxias e hoje pertencem a Farroupilha. A separação desse núcleo de Santa Maria era já
aconselhada por Jansen - devia, a seu ver, ser anexado à lª e 2ª léguas do núcleo vizinho,
formando uma colônia independente.
A grande imigração italiana viria porém a seguir, em 1876 e 1877, e, após um intervalo
de quatro anos fracos, se intensificaria para atingir a máximos impressionantes em 1885,
quando alcançou a 7.600 entradas, em 1889 quando se elevou a 9.440 e em 1892 no
qual totalizou 7.523.
Verifica-se assim que é possível, embora não esteja provado, que o contrato Caetano
Pinto & Irmão e Holtzweissig & Cia., tenha dado origem à imigração italiana, como se
tem afirmado. Mas, fora de dúvida, é que só quando rescindido êle e entregue o trabalho
de colonização ao Govêrno Geral é que a corrente se intensificou, alcançando volume
antes desconhecido na história da colonização da Província.
Essa passagem de domínío, e atribuições se fêz aliás com prejuízo dos registros da
época, tornando obscura a destinação dos colonos entrados e a história dos primeiros
anos da colonizacão italiana.
A imigração, na época, era recebida no Rio Grande por um agente do govêrno, agente
que foi por muitos anos Carlos Miller. Dali eram encaminhados a Pôrto Alegre, cuja
hospedaria se localizava no edifício que seria depois o quartel da Brigada Militar, no
Cristal, a cujo trapiche atracavam diretamente os pequenos barcos de então. Ainda por
via fluvial, como vimos, eram os colonos encaminhados a Montenegro de comêço e ao
Caí depois, seguindo dali para as colônias, nos primeiros tempos a pé.
Em 1878 foi extinto o lugar de inspetor geral e dispensado o agente no Caí, ao mesmo
tempo que mandava o governo imperial proceder-se a rigorosa inspeção nas colônias,
designando para isso o engenheiro José Tomé Salgado. Teve êste o auxílio dos
funcionários provinciais Norberto Vasques e Afonso Hebert, servindo de intérprete
Ângelo Giuseppe Baron. O resultado foi uma das derrubadas costumeiras de então. Em
Caxias foram exonerados o engenheiro diretor e dois agrimensores, o encarregado do
serviço da 3ª légua; em Silveira Martins, a pedido, o chefe da comissão de terras; em
Conde D'Eu e D. Isabel os diretores, o engenheiro chefe da comissão de estradas, um
agrimensor e dois auxiliares de engenheiros.
Explica-se assim por que entre 1875 e 1889, época em que a Província contou com 33
presidentes em 14 anos, sejam raros e incertos os dados sôbre a imigração e
colonização. De 1882 em diante, entretanto, existe apuração da corrente imigratória
relativamente exata, podendo-se calcular a entrada de aproximadamer-te 41.500
imigrantes italianos até a proclamação da República. De 1890 a 1914, entraram no
Estado mais 32.500 imigrantes italianos, o que nos dá um total de 74.000. A população
colonial de ascendência italiana era já então calculada em 250.000 habitantes.
Afirmamos, de uma feita, e houve quem estranhasse, que as três grandes correntes
povoadoras do Rio Grande do Sul: açorianos, alemães e italianos da Lombardia e do
Vêneto, pertencem originariamente aos mesmos troncos indo-europeus. Dos açorianos
parece pacífica hoje a aceitação de sua ascendência flamenga. Dos alemães todos
conhecem as raízes. Só dos vênetos e lombardos há entre nós pouco conhecimento
histórico. Parece-nos, por isso oportuno, retraçarmos uma breve síntese de suas origens:
Dos vênetos conheceu a antiguidade duas tribos: uma na Gália Céltica que deu muito
trabalho a César obrigando-o a acuá-la nos seus pântanos e ilhas para vencer a coligação
que chefiava; outra na Gália Cisalpina. Da etnografia desta sabe-se que observava o
culto ariano, usava um alfabeto misto de grego e etrusco e era grande comerciante.
Durante a segunda guerra púnica sofreram, os vênetos, a dominação romana e em 89
a.C. Gnaeus Pompeius Strabo os colocou sob o jus latinum. Sob Augusto a Venétia
constituiu com a Ilíria a 10ª região da Itália, com capital em Aquiléia. Durante os
últimos tempos do Império foi devastada pelos bárbaros, tendo muitas das suas cidades
destruídas por Átila. O resto é história moderna.
Dos lombardos ou longobardos, sabe-se que era um povo do baixo Elba, do qual deriva
a atual Bardengau ao sul de Hamburgo. Aparecem na história no ano V da nossa era
quando foram batidos por Tibério. Talvez sob o ímpeto de novas invasões do norte
vamos depois encontrá-los em 487 na Baixa Áustria. Em 546 o Imperador Justiniano os
convidou a se fixarem na Panônia e a seu lado tomaram parte na batalha dos Apeninos
contra os ostrogodos de Tótila, em 553. No ano de 568 deixaram a Panônia aos Avaros
e foram fixar-se no norte da Itália, estendendo-se pela Ligúria e chegando até a
Toscânia. Sob os Papas Gregório III e Adriano I, temerosos estes do poder que iam
tomando na península os lombardos, chamaram, para combatê-los, os francos de Pepino
e Carlos Magno que os dominaram, estabelecendo-se após o reino franco-lombardo na
região que fizera parte, sob a República, da Gália Transpadana, e constituíra, sob
Augusto, com o Piemonte (Piedmont) a 11ª região itálica. Vemos assim que a Itália de
além-Pó se compunha de povos celtas e germanicos latinizados. Daí se encontrarem
entre os imigrantes pelo menos três tipos étnicos distintos: o mediterrâneo de estatura
média ou abaixo da média, moreno, de cabelos escuros lisos ou ondeados, remanescente
do Homo Meridionalis; o tipo alpino de procedência celta, estatura acima da média,
braquicéfalo, claro, de olhos azuis ou cinzentos, e o tipo dinárico, predominante no
Vêneto, longillneo, branquicéfalo, de cabelos castanhos ou brunos. Não muito raro é
igualmente o tipo nórdico, embora sejam os seus caracteres todos rescessivos e tendam
a se fundir na massa bruna, como acontece com os alemães de Baden e da Baviera, de
idêntica ou semelhante mistura étnica.
A cana de açúcar fora da Sícília para a Madeira por sua mão e dali viera para São
Vicente trazida, entre outros, por um José Adorno. No Rio Grande do Sul há igualmente
um precursor na pessoa de João Batista Orsi que, em 1825, nos fôra enviado com carta
autógrafa de D. Pedro I para a cultura da vide, de que trazia bacelos na mala.
Estabelecido nos limites dos atuais municípios de S. Leopoldo e Caí, próximo a Nova
Petrópolis, em váríos lotes coloniais, cumpriu perfeitamente a sua missão. Subdivididas
depois as suas terras, deram lugar à linha S. Jacob, mas, no ,mapa do Caí, ainda que
desfigurado para Orsi, lá está o seu nome a atestar uma atividade fecunda.
Sucedeu-lhes o mesmo que aos Lins não italianos (Lintz), aos Vanderlei (Van der Lay),
os Dutra e outros que se aportuguesaram (alguns se traduziram como os Silveiras)
embora batavos e flamengos.
Como temos procurado demonstrar, a assimilação se faz sempre que há contato cultural
prolongado e só não se processou entre nós lá onde isolado e inteiramente entregue às
solicitações mesológicas, o camponês europeu seguiu sem contraste a sua tendência
para a rotina e a imutabilidade de costumes.
É ainda certo que o Rio Grande do Sul concentra 47,60 % dos que falam no Brasil uma
língua estrangeira no trato das coisas familiares. Mas dêsses próprios dados se infere o
rápido desuso da língua paterna pelos descendentes de italianos, de vez que mais nova e
maior a imigração itálica que a germãnica. Concorrem para esse resultado não só a
semelhança dos idiomas latinos, mas também o maior contato com as populações
nacionais da serra e das próprias colônias antigas, com cujos habitantes só se podiam
entender em português.
fig. nº 5 "Já o nosso vinho não teme, por algumas de suas marcas mais reputadas, o
confronto com o estrangeiro comum; tamém o tipo corrente de vinho em barris
melhorou consideravelmente. A produção vem se mantendo nos últimos anos acima de
50 milhões de litros." O clichê mostra dornas-pipas para a elaboração de vinhos brancos
de alta classe.
Demais, êsses números só podem impressionar aos que ignoram que se isso acontece
em tal proporção, será menos por culpa dos colonos que dos governos provinciais que
jamais lhes deram as vias de comunicação -- as escolas que sempre nos reclamaram. É
aliás evidente, por outro lado, o fracasso da resistência ultramentana movida pelos
governos totalitários no sentido de prender à pátria de origem dos pais, os filhos aqui
nascidos. Domenico Bartolotti, um dos caixeiros-viajantes do fascismo que por aqui
andou por volta de 1930, se assinalava que só em Caxias do Sul funcionavam 40 escolas
dirigidas por "italianos", dos quais 17 subvencionadas pelo govêrno de Roma, teve de
recorrer à injúria à memória de um morto ilustre para apresentar aos seus patrões o
nosso inesquecível Júlio Rafael de Aragão Bozano como "morto pela sua terra adotiva
após conquistar nela um lugar de destaque!"
Desesperando, ao que parece, da ação italianizante da escola primária cujo efeito logo
desaparecia ao contato da vida nacional, resolveu o fascismo subvencionar um Instituto
Médio para influir especialmente sôbre os adolescentes. Veio para isso da Itália um
casal de mestres mais bem preparado que os simples "insegnanti" das primeiras
remessas. E Augusto Menegatti e d. Linda Menegatti, professôres laureados na
Península, fundaram entre nós o "Dante Alighieri" onde ao lado do italiano e da "Storia
di Roma" se ensinava contabilidade, francês, português, matemática e outras matérias
do curso médio comercial.
Ao cabo de poucos anos, a inutilidade da tentativa se patenteou. A rapaziada do
internato onde só se falava o italiano e se exaltava a glória romana, alguns desta capital,
mas a maioria vinda de Garibaldi, Caxias do Sul, de Bento Gonçalves, de Guaporé, não
se deixou contagiar. E quando o enérgico "maestro" lhes falava à mesa nos séculos de
civilização latina, depreciando o Brasil, se levantavam todos e, sem comer, firmes na
posição de sentido, metidos nos seus uniformes de "alpini", protestavam em silêncio
contra a injúria. Eram os Michielon, os Sassi, os De Carli, os Mottin, os Pilla, os
Lubisco, eram os brasileiros da 1ª geração de nome itálico diante do diretor autoritário e
estrangeiro, a jurar muda fidelidade à patria legitima e única.
E já numa atitude de revolta dos alunos o "Instítuto Médio Dante Alighieri", cortada que
lhe fôra a subvenção estrangeira, passou a ser apenas o "Instituto Médio Ítalo-Brasileiro
A. Menegatti' para encerrar, logo após, sem o menor resultado, a sua tentativa de
italianização.
Anos depois fomos encontrar em Caxias do Sul o casal Menegatti, excelentes e distintas
pessoas, de resto, como ecônomos do Clube Juvenil, numa função muito aquém da sua
capacidade e da sua cultura, mas conformados em servirem e admiravelmente, diga-se
de passagem, aos seus ex-alunos "brasiliani", substanciais pratos da Península.
Igual fracasso coroou a obra do cônsul e escritor Mario de Carli ao tentar, criar em
1932/3 nas escolas italianas de Pôrto Alegre corpos de "balilas" e de "avanguardisti".
Denunciada por nós, pelas colunas do "Diário de Notícias", a manobra de
desnacionalização das crianças brasileiras, a tentativa foi abandonada. Mas a denúncia
servira. Transferido para Nova York, lá não teve exequatur o cônsul do "fascio".
E isto se explica facilmente não apenas com a tradição de independência das repúblicas
do norte, mas com a falta de escolarização italiana da maioria. Estava muito viva ainda
no espírito dos velhos a opressão da escola austríaca, e os novos - dada a deficiência da
escola pública italiana da época não tinham sido de todo conquistados para nova
mentalidade pátria que se inaugurava. Avultado era o número de analfabetos nas levas
imigratórias, e, pode-se afirmar com segurança, poucos os portadores, já não diremos de
instrução primária completa, mas de um conhecimento elementar do toscano elevado à
língua oficial do reino..
Daí que, apesar de tôdas as graves falhas da nossa instrução, pudessem os filhos de
italianos, como antes acontecera aos de alemães, sobrepujar de logo em conhecimentos
de leitura e escrita elementar os seus velhos pais, como por várias vêzes demonstramos.
É sabido que a colonização do Rio Grande do Sul, por açorianos, alemães e italianos
tem longínqua origem no despacho do Conselho Ultramarino da metrópole lusa, de 22
de junho de 1729, no qual dizia "conveniente que, se não instalando no sul, nas
povoações da Colônia e outras, casais de ilhéus, e quando êstes forem insuficientes, se
podiam conseguir casais estrangeiros, sendo alemães ou italianos e de outras nações que
não sejam castelhanos, inglêses, holandeses e franceses".
A êsse conselho obedeceu a metrópole ao povoar o Rio Grande com casais das ilhas,
obedeceram D. João VI e D. Pedro I na fase da colonização alemã e a êle voltaria o
império de D. Pedro II ao recorrer à imigração italiana quando a primeira corrente
estrangeira já quase estancara e se estava revelando insuficiente.
O sistema de colonização adotado no país, desde o inicio, foi o chamado Walkefield que
constituía na distribuição de um lote de terra, ferramentas, animais e sementes aos
agricultores e no pagamento de módicos subsídios para a alimentação dos colonos no
primeiro ano do estabelecimento.
Ao tempo do contrato Caetano Pinto & Irmão e Holtzweissig & Cia., essas condições se
achavam porém muito modificadas. O colono pagava a passagem até o Rio Grande e
devia indenizar, no prazo de 5 anos, as despesas feitas com sua introdução. Continuava
porém o regime da diária para alimentação que era na época de 500 réis para os adultos
e de 250 para os menores, prestando em troca, o imigrante, serviços na construção de
estradas e caminhos vicinais.
A terra no regime imperial pertencia ao país. Dêsse modo a colonização só poderia ser
promovida, de início, como o foi, pelo Govêrno Geral. Em 1848 porém cedeu esta,
como já vimos, a cada uma das províncias 36 léguas quadradas de terras devolutas,
destinadas exclusivamente à colonização, não podendo, na expressão textual do artigo
primeiro da lei: "ser arroteados por braços escravos".
O Rio Grande do Sul foi talvez a província que melhor aproveitou esta dádiva. Fundou,
imediatamente após, a colônia de Santa Cruz. De começo tentou, pela lei nº: 229,
manter o sistema de doação gratuita de terras, estipulando a área de 100.000 braças
quadradas para cada lote. Corriam ainda por conta da Provlncia o transporte, as
ferramentas e sementes. Já em 1854, a lei 504 mudaria por inteiro essa orientação: a
colonização se faria daí por diante na base de venda da terra e da indenização das
despesas nos cinco anos subsequentes ao estabelecimento e foi êsse o regime que veio
entre nós encontrar a colonização italiana.
"Acresce que desde a sua fundação e durante o seu desenvolvimento houve o mais
lamentável descuido, que deu em resultados não saber-se hoje qual a área territorial que
ocupara e conseguintemente de que parte da concessão citada já se utilizou a Província."
Narra a confusão criada a respeito do Conde D'Eu e D. lsabel, que só puderam ser
povoadas pelo Govêrno Geral e o andamento das indenizações pretendidas, para
acrescentar: "De então em diante cresceu a incerteza sôbre a posse da Provlncia, não se
sabendo, em casos dados, de que terras se tratavam", pois não ocorrera a ninguém a
verificação da área ocupada pelas colônias provinciais. Mandou aquêle presidente fazer-
se essa avaliação, mas apenas Nova Petrópolis foi inspecionada. Entretanto, concluía
ele:
"De tôdas as informações colhidas pode-se presumir que as 36 léguas da lei de 1848 não
foram preenchidas; cálculo mais fidedigno porém e exato, só se terá quando houver sido
feita a delimitação das colônias e avaliada a sua superfície. Então será tempo, se já não
o é, de liquidar o direito da Província à inde-nização das despesas (com a discriminação
dos núcleos do planalto) ou tratar-se de estabelecer que terras mais possui ela, além das
36 léguas quadradas,
"O resultado era para ser previsto: o Govêrno Geral fundou apenas algumas colônias,
que ainda sustenta, é verdade: mas por um dêsses casos tão comuns em nosso país, com
as mudanças de ministros vêm também as mudanças de plano e a imigração que de
preferência e com assentimento do Govêrno procurava esta Província, tomou outro
rumo, encaminhando-se hoje quase na sua totalidade para S. Paulo, sendo insignificante,
o número dos que buscam a Província."
Começara, êste é o caso, o fluxo e refluxo migratório da mão-de-obra, com o auxílio da
qual o Govêrno Geral e o de São Paulo procuravam preparar a libertação da escravatura.
Eram levas de trabalhadores rurais assalariados que aproveitando as diferenças das
estações nos dois hemisférios embarcavam durante o inverno europeu para colher café
em São Paulo e trigo na Argentina, regressando após à pátria. Vinham "fazer a
América", como diziam.
É certo que a Província não mais retomaria a iniciativa a respeito. Todos os núcleos daí
por diante aqui fundados, até o último daqueles anos, o foram pelo Govêrno Geral ou
por particulares. Só em 1892, três anos depois da mudança do regime, o Estado entraria
a cuidar do assunto.
Mas da literatura oficial do fim do império, uma página há sôbre colonização que
merece ser salva das traças. É um capítulo da "Fala" do Dr. Joaquim Pedro Soares, na
sessão inaugural da 19ª legislatura de que nos permitimos retirar apenas alguns períodos
que ferem questões administrativas a que já aludimos.
Reflete ela, não é preciso dizer, uma reação ao descaso com que a Província estava
encarando a colonização, ao abandono do problema a que chegara. E embora não se
possa concordar com todos os conceitos daquele presidente, como os que entende emitir
por exemplo sôbre a língua nacional, interessante é a nosso ver a exumação que aqui
fica:
"Essa solução ainda não foi dada. É uma destas necessidades sociais que se não pode
acudir de pronto: depende de modificações profundas nas condições da sociedade
brasileira.
"É necessário preparar o terreno para receber e fixar a torrente imigratória, para ligar ao
solo com o ânimo de nêle fixar residência permanente o estrangeiro.
"Nos seus relatórios ao parlamento, o govêrno lhe dá conta de esforços feitos em bem
da imigração. Gastam-se somas consideráveis com êsse melhoramento e a população do
Império pouco ou nada cresce. Qual a razão desse malogro? É necessário dizê-lo com
franqueza e lealdade.
"Os estrangeiros não nos tem procurado por motivos que nenhum dinheiro pode abalar.
"Abandonados, a sua vida é uma luta insana e de todos os dias, de tôdas as horas e de
todos os momentos; Eles lutam com a nossa ignorância, com os nossos escravos, com
os nossos costumes, com as nossas moléstias, com as nossas necessidades, com as
nossas instituições.
"Para coroar todos esses males falta-lhes a primeira das liberdades: a liberdade religiosa,
e a primeira das proteções, a proteção ao trabalho.
"Avultadíssinia despesa temos feito com êsse serviço e se não temos compensação
correspondente a essa enorme despesa, contudo bastantes lucros já auferimos do grande
sacrifício que temos feito.
"Só depois de longos anos, depois da independência, pôde obter os resultados que o
mundo inteiro hoje admira. O malôgro dos nossos ensaios sôbre colonização, provém de
várias causas, das quais as principais são as seguintes:
- O govêrno em matéria de colonizaçào se tem guiado por um princípio ilusório, uma
falsa economia que não resiste ao menor exame.
"O governo da metrópole pela imprevidência com que durante o nosso regime colonial
procedeu na distribuição de terras, a avidez que os nossos antepassados se apoderaram
de vastos territórios que não podiam cultivar e a largueza com que foram concedidas
estas terras, que presentemente seriam mais aptas para a colonização, eis a primeira
causa geral das dificuldades com que temos lutado em matéria de colonização.
"O receio de grandes aglomerações de estrangeiros no Império tem sido um êrro que
gradualmente tem embaraçado a colonização entre nós.
"Mesmo nesta província, em que uma civilização mais adiantada, a altivez, energia e
valor de seus habitantes tornam mais fraco êsse anacrônico receio dos estrangeiros, êle
se manifestou até em alguns presidentes da província em referência à ex-colônia de São
Leopoldo, a ponto de aconselharem que não se admitissem mais colonos para aquele
núcleo que se tinha constituído um Estado no Estado."
"Entre nós tem-se acusado os colonos de não se quererem naturalizar, apesar das
faculdades que para isso lhes foram dadas: de conservarem sistematicamente o uso da
sua língua para não se confundirem na massa da população do país; não se prestarem ao
serviço da guarda nacional e resistirem ao recrutamento e finalmente não mandarem os
filhos para as escolas nacionais.
"Estas queixas não podem autorizar motivos de acusação contra a colonização e nem
autorizar o receio dos estrangeiros.
"Em geral, para êsses lugares não são nomeados os melhores juízes, nem as mais
distintas autoridades administrativas como devia ser.
"Não é porque os colonos não queiram falar a língua nacional, que seus filhos não
frequentam as escolas nacionais e sim porque os professôres que as regem não falam
senão o português e muito mal ensinam esta língua mesma.
"O Estado tem certamente interesse em que os membros da mesma comunidade falem a
mesma língua e uma há que deve ser sempre considerada como língua oficial; mas o
Estado não pode obrigar a que os descendentes de uma nacionalidade diversa deixem de
aprender a língua de seus pais, e sobretudo quando essa língua tem uma literatura tão
rica como a alemã. E, além disso, a língua não cunstitui a nacionalidade e povos há que
os nacionais falam mais que uma língua, dando-se até mais pronunciado patriotismo às
vezes naqueles que falam língua diferente da oficial, como alsacianos, que falando o
alemão deram exuberantes provas do mais entranhado amor à França quer antes, quer
depois de deserdados daquela pátria.
"O que se dá entre nós a este respeito também dá-se em todos os países euja população é
formada de raças diversas, como nos Estados-Unidos, no Canadá, no México, na
Austrália, na Rússia Meridional, na Bessarábia, na Hungria, na Argélia, etc."
"Não são as circunscrições constituídas pelos núcleos coloniais as mais apetecidas pelos
juízes, nem pelas autoridades administrativas e nem pelos brasileiros, importantes, pela
sua inteligência ou pela sua riqueza."
"Assim é que o fôro, nestas circunstâncias, organiza-se muitas vezes com maus juízes,
maus funcionários, de tôda a espécie que desgostam aos colonos e lhes fazem conceber
maus conceitos de nós, maus conceitos que durante muito tempo transmitiam para os
seus parentes, desacreditando a colonização para o império nestes centros de imigração.
"É necessário guardar o maior cuidado na escolha do funcionalismo que deve servir nas
circunscrições coloniais, convindo mesmo que maiores vantagens atraíssem para
aquêles pontos o melhor pessoal do funcionalismo.
"As posses e domínio de terras dadas e vendidas aos colonos não foram constituídas
definitivamente porque pessoas imperitas foram, em geral, encarregadas de proceder à
demarcação dessas terras o que tem sido origem de inumeráveis questões entre colonos,
causando-lhes graves prejuízos e desgostos.
"O povo das colônias, ativo como é no trabalho, não conta nem facilidades, nem
cômodos, nem garantias que devia gozar.
"Não é exato dizer-se que a geração nova das colônias manifesta antipatia pelo espírito
nacional; pelo contrário, observa-se que ela tem um certo orgulho de estar ligada ao país
pelos laços do nascimento.
"Muitos dêsses colonos tomaram parte na guerra civil; nas paradas onde dominava o
espírito católico, abraçaram a causa da rebelião, enquanto que os protestantes
pertenceram à legalidade.
"Só grandes benefícios tem trazido a esta província a colonização e muito nlaiores dela
ainda esperamos."
"Pôrto Alegre e o norte da província ostentam hoje um futuro grandioso devido à
colonização."
"Não lamentemos pois as despesas que temos feito com a imigração e não façamos
espécie dos nossos erros, que têm tido compensação de vantagens que os faz esquecer.
"O segundo se estende de quinze a cinquenta e cinco anos; é único período produtivo. O
terceiro, que vai dos sessenta até a extrema velhíce, é também, improdutivo. A êsses três
períodos chama êle o 1º - juvenil, o 2º - do trabalho, e o 3º - senil.
"O Sr. Kaap nos Estados-Unidos, revendo êste cálculo e tendo em atenção o elevado
preço dos objetos ali, calcula no dôbro, isto é, em 1500 táleres, equivalentes a 1500
dólares em papel, ou em moeda 1:590$000 réis. Sendo computado em metade dêsse
valor o custo de um operário do sexo feminino por se prestar em idade mais tenra aos
seirviços domésticos, serve a média do custo dos trabalhadores compreendidos em
ambos os sexos, 1:462$500.
"Já se vê pois qual o avanço que se faz ao capital nacional promovendo a introdução de
braços trabalhadores.
"Por estas razões tendo o Govêrno Geral ordenado, peremptoriamente que nenhuma
despesa fôsse feita, com os colonos espontâneos, por conta do tesouro nacional nesta
província, ordenei que fôssem êles aqui alojados e alimentados até as colônias de seus
destinos por conta dos cofres provinciais a fim de aproveitar o resultado dos trabalhos já
feitos, promovendo o aumento dessa corrente de imigração espontânea que ultimamente
nos tem dado magníficos colonos".
São, como se terá visto, as que ficam transcritas, palavras incomuns nos relatórios, e,
embora não tivessem outro efeito, revelam corajosa franqueza.
Facilitava essa delapidação do patrimônio público o regime que, como vimos, negava à
Província o que, pela autoridade desta, concedia a terceiros.
Curioso, sem dúvida, é o fato de esta legislar a respeito com liberalidade maior do que a
das condições que lhe eram impostas pelo govêrno do centro. Assim, o ato n.º 30, de
abril de 1886, consolidando disposições sôbre a venda de terras pertencentes à Província
(note-se que esta não sabia se tinha qualquer domínio territorial liquido) dispunha, por
exemplo, que as terras situadas em zonas não colonizadas, e que não fôssem contíguas
às colônias, poderiam ser vendidas a preços entre um terço e um oitavo do real por
metro quadrado, mediante pagamento à vista, a companhias ou particulares que se
obrigassem a colonizá-las.
Sabendo-se que nas terras junto às colônias se cobrava um real por metro quadrado,
obrigando-se o colono a indenizar as despesas de medição e demarcação, bem se pode
imaginar o estímulo à fraude que essa legislação representava.
Dispunha ainda que nenhuma concessão de terras seria maior de cem hectares, se
destinada à lavoura e de 400 se destinadas à colonização, caso em que teriam de ser
divididos em lotes e entregues a colonos nacionais ou estrangeiros no prazo de 5 anos,
sob pena de reverterem ao Estado.
Resguardava outrossim as zonas privilegiadas das estradas de ferro, uma faixa de 20 km
em cada margem dos rios navegáveis e das estradas de rodagem, para a formação de
núcleos coloniais que se destinariam a brasileiros e imigrantes.
"É sobejamente conhecido que os imigrantes chegados a êste Estado, onde vêm procurar
nova pátria e constituir-se nela um dos fatores mais importantes de seu progresso e
adiantamento, são quase que exclusivamente proletários, não trazendo recursos de
ordem alguma e por conseguinte compelidos a lutar com dificuldades insuperáveis até
que obtenham a primeira colheita de suas plantações. Privados dos meios de
subsistência e do teto provisório para se abrigarem nas matas virgens das nossas
colônias, muitas vêzes desanimam, abandonando os lotes à procura de outro meio de
vida. Sómente nos dois últimos semestres ficaram nesta capital 972 imigrantes que não
quiseram seguir para as colônias".
Alegando, porém, que não podia desfazer as levas constituídas na Europa por parentes e
amigos, já no primeiro mês de vigência do Convênio remetia a União 1.361 imigrantes
em vez de os 400 convencionados.
Pode-se imaginar as dificuldades e atropelos daí resultantes e que perduraram até 1914,
quando foi rescindido pelo Estado o convênio em aprêço.
A 13 de julho désse ano, às vésperas da primeira grande guerra mundial, voltava assim
o Estado ao regime de imigração e colonização espontânea, pago o lote de 25 hectares
um têrço à vista e o restante ao prazo de 5 anos.
A intenção era das melhores, como se vê; o resultado foi porém o de fazer com que o
excesso daquela população, "com experiência e conhecimento colhidos em largo
tirocínio de trabalho agrícola", a que se reservara a venda das terras do Estado, ir na
maior parte povoar o Contestado e outras regiões de Santa Catarina e do Paraná,
emigrando também para a Argentina. E o que então perdemos, foi na quase totalidade, a
prolífica gente itálica, saída das velhas colônias, mas, principalmente de Alfredo
Chaves, Nova Prata e Guaporé.
E em 1875, retomando ao assunto, nos diz que o número de lotes cultivados diminuíra
de 1, pois só havia 19. Ao todo, havia ali 74 pessoas, das quais 38 católicas e 36
protestantes, 27 casadas e 47 solteiras, e, acrescenta: "Pelos motivos já externados em
meus precedentes relatórios, não têm estas colônias podido prosperar, apesar da
uberdade de seu solo e da 'sua excelente situação".
"Para se poder povoar esta colônia com alguma probabilidade de sucesso, será
necessário não só aperfeiçoar a estrada que últimamente foi aberta a partir da colônia de
Santa Maria da Soledade, a fim de que os colonos recém-chegados alcancem os seus
prazos passando sempre por terrenos habitados; assim como que se crie uma diretoria na
própria colônia com casa de moradia para o diretor, etc., enfim, que se coloque a
colônia no mesmo pé em que se acham suas irmãs, oferecendo assim ao imigrante as
comodidades e garantias de que tanto carece em uma colônia nova".
Sonhava-se na época com uma estrada de ferro que partindo de Montenegro atingisse a
Feliz. Seria, ao ver do agente intérprete, a salvação não só das novas colônias do
planalto, mas de Nova Petrópolis, cujo desenvolvimento se via peado pela falta de boas
estradas carroçáveis.
De uma breve resenha histórica feita pelo Sr. Júlio Lorenzoni para o volume
comemorativo do cinquentenário da imigração italiana, consta, entretanto, a seguinte
lista dos imigrantes chegados a D. Isabel a 24 de dezembro de 1875: Isidoro Agostini,
Cristóvão Ambrosi, João Batista Bata, Leonardo Copat, Domingos Gasperi, Pedro
Dorigatti, Antônio Enel, Abraão Gado, José Giacomoni, Antônio Giovanini, João
Giovanella, José Lunedi, Tomaz Pintarelli, Nicolau Pozza, José Rampanelli, Carlos
Ranzi, Felix Refatti, André Slomb, Domingos Tomazinni e Mateus Valduga, todos do
Trentino.
Como primeiro diretor da colônia aparece o capitão João Jacinto Ferreira, nomeado -3m
agôsto de 1874, do qual, diz o relatório, "tem preenchido muito a contento a
administração de seus deveres". A 1º de fevereiro de 1876 nomeava o govêrno para o
cargo de guarda-livros e professor da colônia D. Isabel o cidadão Manoel Batista Lisboa
Bittencourt, percebendo a gratificação mensal de 200$000, servindo o mesmo
"enquanto não tiver casa para morar e lecionar, de ajudante de diretor da colônia".
Confessa assim o administrador, que linhas antes dissera ser uma injúria ao nosso
caráter hospitaleiro os embaraços de parte dos governos europeus à imigração e
afirmara ter o da província "empregado os maiores esforços, dispendendo quantiosos
capitais para engrossar a corrente da imigração, já facilitando os meios de transporte, já
provendo com o necessário para a subsistência o estabelecimento daqueles que
demandam as nossas plagas", que não possuía sequer um barracão para abrigar as
primeiras levas remetidas a Conde D'Eu e D. Isabel, nem estava aberta a picada da linha
Figueia de Melo.
Literalmente jogados no mato é que foram êsses primeiros imigrantes como daí se
depreende. Não obstante, o otimismo que passara a dominar os responsáveis pela
colonização afirmava em letra de fôrma que -"No curto espaço de 4 meses apresentam
eIas aspecto florescente".
E bem se pode imaginar que aspecto seria êsse quando é o mesmo presidente quem
observa que, entre os imigrantes desabrigados, como vimos, "apareceram alguns casos
de varíola, porém dei imediatamente as necessárias providências, remetendo ao diretor
algumas lâminas de pus vacínico, e não se propagou o mal".
D. José Barea, o eminente prelado de Caxias do Sul, no seu minucioso estudo sôbre a
"Vida Espiritual da Colônia Italiana", elaborado para o volume comemorativo do
cinquentenário da imigração, nos afirma que um dos primeiros, senão o primeiro
imigrante italiano estabelecido em Conde D'Eu, teria sido Cirilo Zamboni que então
(l925) ainda vivia, com 83 anos de idade, que teria chegado àquele núcleo a 15 de
novembro de de 1875, ali já encontrando algumas famílias, suíço-francesas. Em fins do
mesmo ano e começos de 76, lá chegaram, acrescenta, numerosas famílias tirolesas,
cremonesas, bergamascas, e vênetas que, transportadas de Montenegro em carretas até a
casa do cidadão Cristoffel, além de Maratá, dali se dirigiram ao seu destino parte a pé,
parte a cavalo, por Campestre e Poço das Antas, através de caminhos quase
impraticáveis.
No ano seguinte, passados os dois núcleos ao govêrno geral, cessam a seu respeito as
notícias nos documentos provinciais.
Ao que parece, teria havido confusão respeito à ordem em aprêço, dado que o Ministro
respondia a 20 de janeiro de 1879, declarando que o regulamento em vigor "não
obrigava o governo a dar trabalho aos colonos, não o havendo", mas autorizando a
presidência da Província "a marcar prazo dentro do qual receberiam êles salário para se
alimentarem, contanto que trabalhassem nos seus lotes".
Pelo referido motivo ou, quem sabe, como resultado da grande sêca de 77, o fato é que
setenta e tantos colonos de D. Isabel se dirigiram à capital alegando falta de recursos.
Providenciando a respeito o cônsul da Itália, mandou o presidente recolhê-los ao
barracão de recebimento de imigrantes e alimentá-los.
Verificando após que se tratava de colonos antigos que já haviam recebido os subsídios
do primeiro ano, mandou intimá-los a regressarem aos seus lotes, ao que não acederam,
sendo por isso excluídos dos quadros coloniais, exceção feita de Chitoline Pio que
regressou às suas terras.
Para Conde D'Eu e D. Isabel, onde, parece, os ânimos não estavam tranquilos, fêz o
governo seguir destacamentos de 10 praças para a manutenção da ordem.
Daí por diante escasseiam ainda mais as notícias sôbre as colônias a cargo do govêrno
geral, limitando-se as "Falas" dos presidentes a referir as mudanças ocorridas na
administração das mesmas.
Apenas em 1881 volta-se a tratar de ambos os núcleos para noticiar-se, então, que seu
diretor, o engenheiro João de Carvalho Borges Júnior, chamava a atenção da presidência
da província para a difícil posição em que se encontrava pela falta de recursos,
prevenindo que em fevereiro daquele ano, por não haver crédito, teriam de ser
suspensas as obras da estrada de rodagem de S. João de Montenegro, "de inevitável
necessidade para a emancipação que intenta o Govêrno Geral de ditos
estabelecimentos".
Sabemos, por outro lado, que o povoamento dos lotes coloniais dos "Fundos de Nova
Palmira" teve início em 1875 desde que anexado, em parte, à colônia de Santa Maria da
Soledade, ali se verificara no fim daquele ano a existência de 49 italianos.
Para as primeira e segunda léguas de Caxias do Sul dirigiu-se a imigração logo a seguír.
D. José Barea aponta como primeiros habitantes do território de Caxias do Sul três
famílias milanesas de Monza: Stefano Crippa, Luigi Speráfico, e Tomazzo Radaelli, que
realmente o foram, mas não só elas. É provável que a respeito tenha havido
esquecimento da tradição oral.
1º Radaelli, Giovanni e Maria com 9 filhos; e Tomazzo e Maria, casal sem filhos.
Contava u primeiro 52 anos e o segundo apenas 39. Daí talvez o fato de só se recordar o
nome do mais moço. ,
2º Crippa, Pietro (44 a.) e Maria, com 4 filhos; Emílio (41 a.) e Maria, casal sem filhos;
Stefano (22 a.) e Natalina (l8 a.) de certo recém casados; Carlo e Antônia, casados, e
Caetano, com 27 anos, solteiro.
6º Boratti, Giovanni (22 a.) e Teresa - Francesco (56 a.) e Adelaide, casais sem filhos;
Carlo (50 a.) e Carolina, com 2 filhos.
9º Brambiglia, Pascoale (33 a.) e Rachelle; Luigi (33 a.) e Giuliana com 2 filhos.
13º Benedetto, Tomazzo (38 a.) viúvo, Giorgio e Eugênia, sem filhos.
17º Mariani, Antônio (20 a.) e Giuseppina (l7 a.) que constituíam o casal mais novo.
Além dos rapazes solteiros, já agrupados segundo os nomes de família, figuravam ainda
entre os primeiros povoadores de Caxías do Sul os seguintes: Eugênio Pegoreti,
Giacomo Lamperti, Colli Ferruzzi, Luigi Porta, Zacarias Missaglia, Pietro Mame,
Ângelo Maggine, Carlo Pergoni, Luigi Gervasoni, Francesco Maggine, Carmelo e
Alessandro Andregoni, Agostino Salmori, Francesco Santo Agostino, Filippo Colonni,
Gaspare Sardo, Natale Bonadeo, Giacomo Ferrari, Severino Conzi, Eurico Sangagli,
Giuseppe Angeli, e Angelo Faccionello.
Em julho de 1876 começaram a chegar os imigrantes'ao Campo dos Bugres, ou seja aos
lotes das 5ª, 6ª e 7ª léguas. A sede da que seria depois chamada "A PÉROLA DAS
COLÔNIAS" teve a sua planta aprovada pelo Presidente Marcondes de Andrade a 10 de
janeiro de 1879, o qual autorizou o diretor a providenciar na construção da igreja, no
local assinalado no plano referido, pela quantia de Rs. 2:000$000, já concedida pelo
Ministério da Agricultura.
Mal terminara a divisão dos lotes urbanos ali se estabeleceram Felice Laner, Luigi di
Canali, Giovanni Paternoster, tiroleses; Giuseppe Sassi, e família, e Daniele Benetti,
mantuanos, e Roberto Lunardi, toscano. A primeira casa construída foi a de Laner, feita
de troncos de pinheiros superpostos, com a aparência de verdadeira fortaleza.
O quarto núcleo de população italiana no Rio Grande do Sul, em ordem cronológica,
mercê de sua situação no centro do Estado, do seu desenvolvimento por três municípios
distintos, da vizinhança do grande centro ferroviário que é Santa Maria, não logrou o
destino da maioria dos outros: constituir-se município autônomo.
Iniciada a colonização de Silveira Martins em começos de 1877, a ela foi dirigida uma
leva de 70 famílias que navegou até Rio Pardo e fêz o restante do percurso em carretas,
durante 15 dias, para chegar ao destino -- o Barracão de Imigrantes, no Val de Buia.
Dela faziam parte, segundo o Cav. Ancarani, antigo vice-cônsul em Santa Maria,
Prospero Pippi, Pedro Salla, Francisco Mezzomo, Domingos Panis, Antônio Fantineli,
Domingos e Guerrino Rech, Pedro e Guerrino Lucca, Valentim Zambonato, David
Monaco, Matteo Borrin e vários ramos de família Dotto, compreendendo cêrca de 40
pessoas. Chefiavam-na Lorenzo Biassus e Giovani Frota. Uma segxinda leva composta
de 70 famílias chegaria logo após, e no ano seguinte mais 170 viriam se alojar em seus
lotes.
Além dessas colônias italianas que constitulram os núcleos iniciais do povoamento das
matas da borda do planalto, muitas outras se estabeleceram na Província e depois no
Estado, com rápido e notável desenvolvimento.
Das colônias particulares povoadas por imigrantes italianos a mais antiga é a de "Vila
Nova", nos arredores desta capital, fundada por Vicente Monttegia; "Visconde de Rio
Branco" em Cruz Alta e "São Paulo" na Soledade, tôdas de 1898. Seguem-se-lhe os de
São Miguel (Cachoeira) e Dörken & Cia., (Guaporé) em 1899, os núcleos de Araçá
(8/3/l9Ol), Cacique Doble (3/4/l9Ol), Sananduva (l/6/1902), e São Ricardo (9/5/1904),
todos em Lagoa Vermelha, e os lotes de Bastian & Cia. (l9O6), Deodorópolis (l9O8), e
Ed. Palassin (l9ll), em Guaporé.
Colonizado o Rio Grande por povos habituados a beber vinho por água, desde cedo
desenvolveu esforços no sentido de produzir, o seu próprio vinho. Já na Capitania o
capitão-mor Manoel Bento da Rocha, fabricava em Pelotas de 5 a 6 pipas e Manuel
Macedo, em Rio Pardo, chegou a produzir 15 pipas num ano, merecendo honrosa
provisão da Junta de Comércio do Rio de Janeiro.
Pode-se, entretanto, atribuir a João Batista Orsi, pois que viera especialmente para isso,
a fundação da viticultura colonial, em 1825.
E se é certo que se ia procluzindo para o consumo, só muito mais tarde começa o vinho
a aparecer na pauta de exportação com quantidades ínfimas e sob o título de "Vinho
Nacional de São Leopoldo". Em 1872 há, por exemplo, anotados 8 barris, e em 1881 já
se apontavam 23.
Narra o Dr. Celeste Gobatto que desde os primeiros anos o imigrante italiano procurou
adaptar à nova terra os bacelos que trouxera da Europa. Preocupado com o insucesso
que, em geral, experimentou, não sabia como dar-lhe remédio.
Mas, descendo de suas montanhas com os primeiros produtos para venda no Caí, depara
nas imediações de Feliz as belas latadas de Isabel do calono germânico e desta entrou a
fazer a base da vinicultura rio-grandense, dada a sua robustez e grande resistência
mesmo às geadas tardias, visto que rebrota carregada de cachos.
Por volta de 1896 o Govêrno do Estado entrou a animar a iniciativa do colono italiano
no sentido de obter vinho nacional de boa qualidade. Importou bacelos, fundou uma
Estação Experimental de Agronomia, na qual se fizeram as primeiras análises dos
vinhos produzidos, aconselhando-se a correção do mosto e outras medidas
indispensáveis, sobretudo, à conservação do produto.
Em 1898 mandou vir 25.000 bacelos por intermédio da Casa João Adolfo da Fontoura
Freitas e os fêz distribuir aos colonos de Caxias do Sul, Antônio Prado, São Marcos,
Alfredo Chaves, Ijuí, Bento Goncalves, e também a agricultores de São Leopoldo, da
Tristeza e a proprietários de chácaras nesta capital, com o que dispendeu Rs. 3:199$760,
mais 42$500 de embalagens e carretos. No ano seguinte importou do Uruguai mais
20.000 bacelos, gastando a quantia de Rs. 2:751$878 com os mesmos e 175$500 com o
seu transporte para as colônias. Enquanto isto, a Estação Agronômica estudava a
adaptação de viníferas e comparava os produtos das castas finas e das comuns, realizava
enxertos etc. Dêsse modo já em 1901 podia distribuir 8.800 bacelos de produção
própria, o que continuou a fazer até 1910, quando foi cedida à Escola de Engenharia.
Por essa época estabelecera o Estado em Guaporé um pôsto agronômico que, sob a
direção de Lucanno Conedera, entrou a enxertar castas finas e aconselhar a substituição
de Isabel por estas, ensinando o processo de enxertia mais ao alcance dos colonos.
O próprio pôsto produziu, em 1910, 250 litros de vinho de Vernácia branca, 250 de
Cabernet, 250 de Merlot, 500 de Marta e 250 de Isabel.
Criou-se assim para a colônia italiana um mercado certo, como incentivo à produção.
Aos poucos foram conquistados outros mercados brasileiros, mas não a ponto de evitar
a superprodução que, afinal, se manifestou, ameaçando de ruína a nossa vitivinicultura,
por volta de 1928.
Fundou-se então o Sindicato Vinícola, depois transformado em Instituto Rio-grandense
do Vinho, com o fim de regular a produção e obter a progressiva melhora da qualidade
do artigo através da substituição da Isabel por castas de viníferas e híbridas. Ao lado do
organismo oficial de defesa que, então, só congregava os industrialistas, organizaram-
se, sob a orientação entusiasta do agrônomo do Ministério da Agricultura, Dr. Paulo
Mosetsohn Monteiro de Barros, dezenas de cooperativas de produtores.
A produção vem-se mantendo nos últimos anos acima de 50 milhões de litros. Em 1946
atingiu precisamente a 57.291.637 litros no valor de Cr$ 117.209.604,00, números sem
dúvida altamente expressivos, se tivermos em conta que se verificam em apenas 15
municípios nos quais predomina a colonização italiana.
A maior produção vinícola é a de Caxias do Sul que registrou naquele ano 24.352 Hl no
valor de 55,6 milhões de cruzeiros; segue-se-lhe Garibaldi, com 9,159 Hl e 12,4 milhões
e Bento Gonçalves com 8,610 Hl e 20,2 milhões.
Lavoura que admite largo tempo para sementeira, pois esta se pode estender de agôsto a
janeiro; de pouca exigência quanto ao preparo da terra, foi iniciada logo após a primeira
coivara, e prossegue intensa até hoje, aproveitando ladeiras íngremes e grotões até o
esgotamento do terreno que se deixa então repousar, crescendo a capoeira para nova
queimada. Afirma o Dr. Gobatto que nas terras recém-desmatadas chegou-se a semear
de 8 a 10 vêzes no mesmo lugar o precioso "grano-turco".
Mas, aos poucos a lavoura tritícola se foi desenvolvendo. Em 1909 colhiam-se 15.250
toneladas, em 1913 já a colheita se elevava a 53.694, para ultrapassar em 1923/24 de
110.000 toneladas. Destas, cêrca de 70 % provinham da zona colonial italiana,
principalmente de Alfredo Chaves que era o principal produtor, Caxias do Sul, Guaporé,
Bento Gonçalves, Garibaldi e Antônio Prado.
Hoje, que a produção de trigo no Rio Grande do Sul se eleva a 260 mil toneladas,
colhem os municípios da velha região 64 mil, ou seja 1/4 da produção total do Estado.
Com pão e vinho em abundância consolidou a colônia italiana a sua prosperidade. Mas
não só de pão e vinho vive ela. Outras lavouras florescem em suas terras, sem porém
assumirem a importância das enumeradas. Mesmo assim têm vulto relativo as culturas
de feijão, batata doce, cana, cevada e mandioca.
Para quem acompanhou de perto, como conosco aconteceu, a crise colonial de 1928/30,
motivada pela superprodução vinícola, a situacão atual se pode considerar lisonjeira. A
produção se vai diversificando, como vimos, e já o milho e o trigo superam em valor do
vinho, tendendo o trigo a se fixar como principal lavoura anual da região.
Sobrevoando hoje o planalto em tôrno do Vale do Rio das Antas pela quadra final da
primavera, o viajante se surpreende ante o número e a extenção dos losangos de ouro
que se incrustam nas encostas e nos cimos, atestando a atividade fecunda da região e a
sua riqueza. São os trigais aqui, as lavouras de linho ali, a madurar ao sol as messes
fartas.
Por sua vez, a produção pecuária que tem no rebanho suíno o maior valor na região.
assim se representa nos seus municípios:
Quando se manipulam algarismos como os que aqui ficam consignados é que se pode
calcular o quanto vale a assombrosa tenacidade do agricultor italiano localizado, em
regra, em lugares de difícil acesso e desprovidos de meios de comunicação com os
centros consumidores, por largos decênios. Vimos a propósito o que foi de início a luta
das colônias de borda do planalto, luta que se prolongou até 1910, ano em que foi
inaugurada a via férrea de Montenegro a Caxias do Sul. Outras, porém, continuaram
isoladas, e em 1911 dizia o Diretor de Terras e Colonização do Estado, Engenheiro
Torres Gonçalves, em relação a Guaporé, estas palavras de quase descrença no seu
progresso:
"Por falta de Viacão conveniente, a maior parte da região agrícola do Estado não tem o
desenvolvimento que poderia ter."
"Para citar um caso de mais característicos, Guaporé, por exemplo, onde as terras se
prestam bem à cultura do trigo, não pode desenvolvê-la por que o frete de um saco
dêsse cereal de lá a Pôrto Alegre, custa mais de 3$000 e o trigo argentino vale na cidade
do Rio Grande cêrca de 6$000, limitando-se por isso a produzir para o consumo. Em
relação aos poucos gêneros que consegue produzir em condições de suportar o
onerosíssimo frete por exemplo, a banha, acontece entretanto, nas ocasiões de grandes
sêcas, como sucedeu ainda neste ano, ficar o produto esperando meses na barranca do
rio, no pôsto de General Osório, aguardando que as águas cresçam e até lá sujeitos à
deterioração e às oscilações de preços, acarretando enormes prejuízos. Assim em muitos
casos.
"Quer dizer, a maior parte dos municípios agrícolas do Estado tem ainda o seu
desenvolvimento atrofiado por falta de vias de transporte barato."
Era isto em 1912, e certo não imaginava o Diretor de Terras o enorme vulto que tomaria
o transporte rodoviário, uma vez tornadas realmente "de rodagem" as estradas coloniais.
Vimos assim, desde o início, ficarem nas cidades principalmente os solteiros e vimos
também deixarem a agricultura muitos chefes de família, apenas acumulada alguma
economia, para se dedicarem, nos centros urbanos, aos ofícios menos incertos e talvez
mais lucrativos.
Entre os prédios que edificaram nesta capital conta-se a primeira sede da Cervejaria
Bopp, na rua que era então realmente da Floresta e o palacete da Independência esquina
da rua da Conceição, hoje de propriedade do dr. Eurico de Oliveira Santos, que foi a
primeira casa residencial de estilo neoclássico, construída em Porto Alegre. Foram esses
práticos os predecessores dos Tomatis, dos Ferlinis, dos Toigo, dos Geremia, dos
Cauduro, de dezenas de engenheiros-construtores, antigos ou atuais. Entre êsses
imigrantes havia Pillas, Marinos, Antonellos, e Pellandas e essa é a razão por que lhe
conhecemos a história desde a primeira morada no Morro do Céu que, com o Morro do
Carneiro, hoje desaparecidos, eram os únicos pontos habitados da atual avenida, do
Beco do Barbosa e da Rua Aurora, vale dizer da Rua Barros Cassal, para diante.
Em Jaguari, onde a população italiana se distribuía pelos núcleos Jaguari, Ernesto Alves
e Toroquá, existia moinho e serraria a vapor, 23 engenhos hidráulicos, 16 sapatarias, 8
ferrarias, 9 marcenarias, 2 selarias, l funilaria, etc. Mesmo em Vila Nova, no municlpio
de Santo Antônio, os italianos concentrados no Bocó, na Baixa Grande, e no Caraá,
possuíam moinhos e três casas comerciais.
Não admirará assim que nas colônias mais prósperas e mais antigas o desenvolvimento
comercial e industrial já se fizesse notar pela sua importância.
Caxias do Sul, por exemplo, contava, em 1892, nada menos de 10 serrarias hidráulicas e
três a vapor, 2 moinhos a vapor e 50 hidráulicos, 7 curtumes, 7 fábricas de cerveja e três
de licores, uma de gasosa, três de chapéus, uma de obras de vime, uma de pó inseticida,
duas de sabão, 14 ferrarias, 5 funilarias, 8 marcenarias, 25 sapatarias, 12 alfaiatarias, l
tanoaria, 2 selarias e 2 lombilharias, 26 alambiques, 3 teares, além de numerosas casas
de comércio.
Mas não apenas ali a prosperidade do italiano se fêz notar. Por todo o Estado espalhou-
se a corrente imigratória de artífices e comerciantes. Lamentàvelmente o censo de 1890
não classificou os estrangeiros por municípios. Mas fê-lo o de 1920, e dêle vimos que os
italianos estavam presentes em tôdas as cidades e vilas então existentes. Afora os
municípios constituídos dos territórios das antigas colônias, encontravam-se italianos
em elevado número nos de Cachoeira (l.198), Erechim (l.680), São Vicente, atualmente
General Vargas (1.114), Ijuí (825), Júlio de Castilhos (l.176), Lagoa Vermelha (l.921),
Passo Fundo (l.767), Pôrto Alegre (5.587), Rio Grande (937), Santa Maria (l.636), São
Francisco de Assis (737), São Francisco de Paula (683), Soledade (544) e Vacaria
(649).
Por todos os quadrantes do Rio Grande os industriosos imigrantes que, dia a dia vão
desaparecendo, deixaram traços do seu espírito de iniciativa e de emprêsa. Até mesmo
na mais nacional das indústrias -- a do charque -- poder-se-ia anotar as firmas de
Arcanjo A. Petrarca em Ibaré e de Natale Conte em Guaíba e Caxias do Sul.
Contudo isso sobrou gente para povoar o vale do Rio do Peixe, a região de Xapecó em
Santa Catarina e o sudoeste do Paraná, de agricultura e indústrias transferidas para
novas terras pelos filhos dos primeiros colonizadores do planalto gaúcho.
Do cadastro de emprêsas industriais organizado pelo Senai, em que figura a maioria por
designação e não por firmas, as prefeituras municipais, inúmeras sociedades anônimas
ou por quotas, com designação específica, além de empresas mistas, contamos 1.439
firmas de italianos e descendentes, contra 1.861 de nomes germânicos. Números sem
dúvida expressivos dada a diferença de 50 anos entre uma e outra Colonização.
Mas embora dêem até certo ponto a medida do desenvolvimento tomado pela indústria
da zona de colonização italiana, não dizem tudo, visto a dificuldade ocorrente de, na
maioria dos casos, identificar-se pela origem dos sócios, as denominações usadas.
Mais completa e talvez mais elucidativa será decerto a estatística industrial apurada pelo
Departamento do Estado, classificada por municípios, da qual, em relação, aos que
compõem a chamada velha região colonial italiana, se apura:
O que impressiona no quadro acima não é a soma geral que, confrontada com a dos
velhos municípios da região da Encosta da Serra, apenas chega à metade de seus índices
industriais pela simples razão de que contam aquêles também metade da população
dêstes; é o notável desenvolvimento do parque industrial caxiense que, mal situado em
relação aos portos de embarque, mais novo, e sem dúvida mais mal provido de
combustíveis e de energia elétrica, pôde superar muitos velhos centros como Novo
Hamburgo, Montenegro, Santa Cruz ou Lajeado. E se não supera São Leopoldo no
número de estabelecimentos ou de operários, igualava-o, entretanto, já em 1946, no
capital empregado na indústria.
O fato é tanto mais de notar quanto é certo que São Leopoldo não só dispõe de
facilidades incomparáveis de situação, mas conta ainda com maior área territorial e
população maior que a da Pérola das Colônias, tendo ainda atraído para o seu território
indústrias fundadas na zona colonial do planalto, mercê da energia elétrica abundante
com que conta.
Em relação a ambas se pode felicitar o Rio Grande por havê-las atraído conseguindo
fixá-las a seu solo fértil, fato que se foi causa da prosperidade econômica do imigrante,
não o tem sido menos do progresso geral do Estado e do Brasil.
Vale dizer que as baixas sofridas pelos componentes das antigas levas imigratórias não
tem sido preenchidas, pois existindo em 1920 no Estado 151.025 estrangeiros, só dêles
se encontravam 90.710 em 1940.
No que diz respeito aos italianos o decréscimo se fêz violento nos últimos vinte anos de
intervalo censitário. Em 1900 se registraram 58.466. Reduziram-se a 49.136 em 1920 e
dêstes restavam em 1940 apenas 18.785. Como é natural, a diminuição se fêz maior nos
núcleos mais antigos. Em Bento Gonçalves reduziram-se de 2.813 a 610, apenas; em
Garibaldi de 1767 a sómênte 434. Municípios há de onde quase desapareceram,
restando apenas 2 em Herval, 3 em Aparados da Serra, Bom Jesus do Triunfo,
Encruzilhada do Sul, General Câmara e Taquari, 4 em Rio Pardo e 5 em Caçapava e São
Lourenço. Caso único de manutenção do mesmo número se verificou em Santa Cruz do
Sul, onde existiam, nos dois censos, 29 italianos.
Contava o segundo em 1920 nada menos de 32.395 habitantes, dos quais 4.911
italianos. Em 1940 a população descera para 16.600 habitantes que, somados aos 23.000
de Nova Prata, desmembrado de seu território, totalizavam apenas 39.600, entre os
quais 1.103 italianos remanescentes. Tambem Guapore aumentou apenas de 39.380 para
45.400, enquanto que Caxias do Sul, que contava em 1920 só 33.773 habitantes, passóu
a 62.800, somados os de Farroupilha e Flores da Cunha de lá emancipados.
O abandono da terra se fêz ali mais vultoso em razão da dificuldade de transportes a que
aludimos noutro capítulo, do ônus dos impostos e da exaustão do solo, dado o processo
indígena de sua exploração. Nas colônias novas de Santa Catarina, situadas à margem
ou à pequena distância da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, além da terra virgem
se oferecia ao colono a isenção de impostos por 15 anos com, a finalidade de atraí-lo.
Famílias inteiras transferiram se para ali. E o mesmo espetáculo de desconfôrto, que
caracterizara as levas vindas da Europa, se verificou à saida dos numerosos cortejos de
retirantes que, entrouxada a roupa de uso, se punha a caminho de prometidas Canaãs.
Por mais de uma vez nos sucedeu encontrar ocupada a vasta gare de Santa Maria por
levas de imigrantes, desfeitos de cansaço e cobertos de poeira das estradas, a aguardar
as novas composições ferroviárias que haveriam de conduzi-las a mais uma tentativa de
prosperidade.
E no lugar do destino, pois que nada de fato aprenderam de agricultura racional na mais
ou menos longa permanência do Rio Grande, novas derrubadas nas encostas íngremes
dos vales e novas coivaras estão destruindo a terra que, no caso, ainda não chegaram a
amar.
O Professor Orlando Valverde, numa excursão por São Leopoldo, Caí, Farroupilha e
Caxias do Sul, em que se fêz acompanhar dos professôres Leo Waibel e Nilo Bernardes,
aquêle mestre de geografia econômica e agrária, em trabalho que diz influenciado pela
observação do primeiro, caracteriza os hábitos culturais do colono italiano, nos períodos
que aqui resumimos:
Na área de colonização italiana, diz êle, a agricultura usa métodos rotineiros exceção
feita da cultura da vinha. Na faixa cortada pela estrada de ferro já se não empregam
porém métodos primitivos; é antes uma área de agricultura comercial.
"Nos lugares mais afastados, que ficam ao norte e a leste da cidade de Caxias do Sul, as
comunicações com os centros mais adiantados são escassas; as populações vivem
isoladas culturalmente. Em consequência, o sistema agrícola ai usado manteve o caráter
primitivo. Apresenta notável semelhança com o sistema adotado pelos alemães na parte
superior da Encosta da Serra. À medida que os Contatos culturais vão sendo feitos nas
cidades mais importantes e ao longo das principais estradas, êste sistema agrícola vai
sendo gradualmente removido de suas redondezas. Entretanto é chocante observar como
a primitiva rotação da terra tem-se mantido mesmo nas proximidades de Caxias do Sul,
ao lado da cultura da uva.
"Os instrumentos agrícolas utilizados, daí em diante, são o arado pequeno e a enxada.
"Descendo alguns vales, acrescenta, vê-se que o perfil transversal dos mesmos se
assemelha aos dos vales da encosta da serra. Também há semelhanças no
aproveitamento da terra. As encostas são cultivadas a tal ponto que só se vêem restos de
mata onde a escarpa é quase vertical. A lavoura é tipicamente indígena; não há o menor
indício de proteção à natureza, defesa contra a erosão, ou coisa que se assemelhe. Da
ponte da Estrada Federal sôbre o rio São Marcos, chegamos a ver roças de milho
cultivadas em declives de 60 graus!"
Descrevendo tecnicamente estes vales, diz o professor Valverde que nos maís largos,
dada a resistência que cada lençol de trapp oferece à erosão, as encostas nunca são
regulares, formam sempre uma sucessão de patamares e escarpas que terminam no
fundo, muitas vêzes, por um verdadeiro cañon .
"Quase tôdas as escarpas estão recobertas por uma faíxa de mata cuja parte superior
marca com certa precisão, o rebôrdo de cada terraço. Este aspecto dá uma aparência
bizarra às fotografias aéreas. Tem-se a impressão de que o tipo de agricultura da região
é muito avançado porque os "debruns" de mata parecem trabalhos de terraceamento
para a defesa contra a erosão.
"Aí é o sertão, o predomínio absoluto das matas apenas interrompidas por uma ou outra
rocinha acanhada, nos lugares onde o declive é menos abrupto."
Da transcrição feita terá visto o leitor que se atribui ali ao isolamento cultural, em que
ficaram italianos e alemães, o atraso agrícola que ambos por igual apresentam logo além
dos limites suburbanos das cidades e vilas. É a verdade contra a qual lutaram em vão os
agentes intérpretes e inspetores de imigração e os diretores das colônias, sem que jamais
lograssem ser ouvidos dos presidentes que se sucediam no poder sem tempo sequer de
ler o relatório do predecessor. "Estradas e escoIas" era o binômio que viviam êles a
apresentar aos instáveis governantes provinciais, sem capacidade para resolvê-lo.
Não foi diferente, na república, manda a verdade que se diga, o procedimento dos
responsáveis pela educação.
Dos núcleos de Anta Gorda e Itapuca dizia o diretor: "A única escola existente a da sede
"Carlos Barbosa" em Anta Gorda, mesmo assim regida por um professor sem aptidões.
e uma escola particular subvencionada pelo município de Lajeado".
Erechim tinha por essa época 12.000 habitantes e também uma só escola. Passaria logo
depois a contar 14, das quais 6 públicas e 8 particulares; ensinavam 7 destas apenas o
alemão e l o polonês.
Longo seria citar exemplos, através do tempo, de reclamo sempre igual. Basta dizer que
ainda em 1946 havia na Secretaria de Educação mais de uma centena de pedidos de
escolas para a maioria das colônias novas no norte do Estado, até hoje desatendidos por
falta de recursos e de professôres.
Mais numerosas ainda eram as solicitações de estradas, vias de transportes dos produtos
e da imprescindível comunicação cultural que enseja a miscegenação.
O aprendizado de qualquer técnica mais apurada só poderá ser feito em qualquer das
zonas antigas de colonização pela prática e pelo exemplo. Para êsse recurso tiveram de
apelar a Cia. Souza Cruz quando desejou aperfeiçoar o cultivo do fumo em Santa Cruz e
Santo Ângelo, e a Cervejaria Continental quando introduziu entre nós a cultura da
cevada cervejeira. Do mesmo modo, ao lado das instruções impressas foi a
demonstração in loco que garantiu a observância dos métodos convenientes à expansão
da lavoura linífera nas antigas colônias do planalto.
Para demonstrá-lo, em relação ao imigrante italiano, basta ver que a sua própria
imprensa nunca passou realmente de um bi-semanário (isto nos melhores tempos) nesta
capital e de um semanário em dialeto, de caráter religioso, editado em Garibaldi, ambos
de pequena circulação. De "Stella di Italia" onde pontificou a bela cultura jornalista de
Adelchi Colnaghi e do qual foi durante 23 anos gerente, distribuidor, tipógrafo e
impressor o boníssimo Benevenuto Crocetta, basta que se diga que nunca teve
circulação maior de 1.500 exemplares.
De Adelchi Colnaghi, disse o seu mais íntimo colaborador "que à causa da italianidade e
dos interesses dos italianos neste Estado dedicou abnegadamente "tuto sé stesso". Foi
um estrênuo sustentáculo das instituições coloniais, principalmente das escolas e
autêntico porta-voz de 22 sociedades itálicas que o constituíram seu representante ao
Congresso dos Italianos do Exterior, realizado em Roma no ano de 1911".
Está por fazer-se o estudo do que foi a influência dessas associações o dessas escolas
em o meio colonial. Das sociedades que conhecemos, podemos afirmar que se
destinavam ao auxílio mútuo e ao culto romântico de tradições e a difusão do ensino e
da literatura peninsular, sobretudo a de teatro, em nosso meio. Era, por exemplo, o que
fazia a "Elena de Montenegro". Se com o fascismo chegaram a desvirtuar essas
finalidades, não o sabemos; mas, o certo é que tanto as sociedades como as escolas
jamais conseguiram atrair os descendentes de italianos, ao menos aqui na capital, para a
"italianidade" visada pelos adeptos de Mussolini que, diga-se para honra da colônia,
foram pouquíssimos entre nós. No Rio Grande do Sul os maiores admiradores do
fascismo e de suas ações no sentido da recomposição do Império Romano, não eram
italianos ou descendentes dêles e se entre os signatários de telegramas de apoio e os
agraciados com comendas do governo de Roma, havia gente de estirpe itálíca, seriam
dois ou três desejosos apenas de notoriedade.
Das escolas particulares, convém que se díga, se supriram a falta de escolas públicas
com que ainda hoje lutamos, concorrendo para reduzir-se o número de analfabetos na
própria colônia e no Estado que se orgulha do seu índice a respeito, nunca foram além
do ensino das operações elementares de aritmética, de uma péssima leitura e estropiada
escrita. O mesmo se pode dizer das escolas municipais que, na falta de professôres,
lançavam mão, como ainda agora, de meros soletradores de um português quase
irreconhecível.
Privamos muito com o assunto para isso poder afirmar. De uma feita, aberto concurso
em Caxias do Sul para a efetivação dos mestres municipais interinos, apareceram-nos
professôras desejosas de algumas lições elementares de leitura, escrita e contas.
Algumas não iam além da soma de números dígitos e liam segundo a ortografia da
época - "parmácia" -- e coisas tais. Apesar disso, foram aprovadas. Em Erechim ainda
há pouco existiam professôres que, regendo escolas colocadas sob a invocação de
grandes nomes nacionais, escreviam "Olavo Bilacky", "Helmes Dafonseca" etc.
Mas, agem os coitados por necessidade, lá onde não chega o ensino estadual ou chega
intermitentemente e mal, e, por que não dizê-lo, incapaz de servir às necessidades do
meio e absolutamente em desacôrdo com os costumes, as crenças, a "cultura" local.
Não fôra porém êsse ensino particular e municipal insuficiente, senão inepto, e a
situação de obscurantismo das linhas coloniais "italianas" como das "alemãs", seria, sem
a menor dúvida, além de alarmante, perigosa.
E é graças a êle, ao enorme desejo de aprender das populações insuladas no interior dos
municípios coloniais, que pode a estatística registrar índices de matrícula efetiva
superior ao da população escolar obrigada em Flores da Cunha (l24,8), em Farroupilha
(ll3,1), em Garibaldi (ll3), em Veranópolis (l08,1), em Nova Prata (l07,8), em Bento
Gonçalves (l0l,8) e em Caxias do Sul (l00,l).
Imagine-se daí o que poderia ser a cultura da zona agrícola do Planalto se dotada de
escola rural que merece!
Nas cidades, nem sempre essas taxas se mantêm. É o caso de Antônio Prado, de Bento
Gonçalves e de Caxias do Sul, onde talvez as dificuldades da vida e as solicitações do
trabalho impeçam uma maior permanência na escola ou a sua frequência por uma boa
parte da população escolar.
Não temos à mão dados mais recentes, mas bastam os que figuram no Anuário
Demográfico do Rio Grande do Sul de 1942, para demonstrar o enorme progresso
realizado na matéria, em apenas 17 anos, pela população colonial do planalto.
Realmente, dela se vêem índices dos mais confortadores em matéria de alfabetização de
nubentes, índices que chegaram a 99,3 % em Farroupilha, 98,2 % em Garibaldi, 97,2 %
em Caxias do Sul, 95 %, em Bento Gonçalves, 93,3 % em Nova Prata, 92,3 % em
Veranópolis, 92,2 % em Flores da Cunha, 91,7 % em Encantado, 90,7 % em Guaporé.
Essas percentagens, superiores algumas à da própria capital do Estado onde não ia além
de 94,09 % sobem de mérito quando comparadas às de municípios vizinhos ao da sede
do nosso govêrno, uns modestos 82 % para Canoas, 81,6 % para Guaíba, 70,6 % para
Viamão e apenas 66,6 % para Gravataí.
Não é preciso assim dizer que a população de origem colonial mais recente nivela-se
rapidamente à alemã e que ambas ultrapassam de muito em conhecimento do alfabeto
aos descendentes daqueles heróicos açorianos e bandeirantes do primeiro povoamento, e
isso por um esfôrço próprio que, se houvesse sido bem compreendido e melhor
orientado pelo Estado, poderia ter produzido resultados assombrosos no adiantamento
cultural do meio e na completa assimilação dos filhos de imigrantes, cuja
marginalidade, onde existe, é crime que só a nós próprios devemos imputar, já que
nenhum esfôrço fizemos por evitá-la.
Não admira pois que seja a Encosta da Serra a zona fisiográfica mais produtiva do Rio
Grande. Ao lado da maior densidade demográfica, há nela, como acabamos de ver,
maior alfabetização, e como faz notar o professor Valverde, abundância de mão-de-obra
especializada nos mais diversos misteres, de onde o surto de sua industrialização.
Incalculável é, por certo, o prejuízo do Estado por não ter proporcionado a essa gente
admirável escolas práticas de agricultura, escolas técnicas, capazes de difundir, sem
exigências livrescas excessivas, as boas normas de trabalho rural e industrial.
Mas, teria centuplicado efetivamente, não seria apenas potencialidade, se desde então se
houvesse proporcionado aos seus habitantes, como a todos os rio-grandenses, a escola
rural apta, as escolas profissionais capazes, que ainda esperamos ver estabelecidas por
tôda a parte para o preparo indispensável da nossa gente e para a completa fraternidade
dos habitantes da gleba comum, sem as odientas discriminações em que se comprazem
alguns nativistas, dêsses que em vez do "patriotismo de vida, de solidariedade e de
cooperação" que Alberto Tôrres desejaria ver implantado entre nós, sentem e se
orgulham de o sentir, "um patriotismo de feição medieval com traços da hostilidade dos
primitivos: de ódio tribal e gentílico; patriotismo agressivo em cuja liga o sentimento
adverso ao estrangeiro sobreleva sentimento de amor pelo compatrício".
Dentre êles, 833 moças portadoras de nomes alemães e 775 de origem italiana, afirmam
aos descrentes do nosso ativlssimo melting-pot a sua completa assimilação e a sua
decisão de bem servir a pátria e a humanidade.
X. PER FINIRE
"Todos êsses caracteres que nos atiravam ao rosto como desonrosos foram os
coeficientes mais úteis da nacionalidade italiana; sem êles o nosso gênio não teria
podido ascender à dominação universal com o comércio, com a filosofia, com a ciência,
com as letras e com as artes".
"A característica psicológica dos italianos, acrescenta, aquela que os seus caluniadores
transformaram em servilismo, é a grande modéstia, a fôrça de iniciativa e de resistência
de que deram prova os colonos abandonados às solidões confinadas e pavorosas da
Serra Geral.
"Se não fôsse individualista o nosso colono, diz mais adiante, não teria resistido à
colonização desmetódica, irracional, desapiedada, dos primeiros tempos. A fôrça de
resistência do colono italiano e da mulher que o acompanhava era assim um capital
precioso, sem o qual a terra teria constituído para sempre uma riqueza passiva e não lhe
teria pertencido.
"Quem pode negar, então, conclui, que não tenha sido obra de civilização a levada à
cabo pelo colono italiano, idêntico sob todos os céus de alheias pátrias?" "Assim se
explica o triunfo das "multidões constantes e tolerantes", como define Lória a nossa
imigração, melhor e superior a qualquer outra no mundo".
Também o Dr. Lorenzo Cichero condena a forma de colonização sem nenhum plano de
que foram vítimas os italianos. Preferiria que o imigrante tivesse aqui aportado em
grupos organizados e encontrassem as colônias estabelecidas em lugares acessíveis,
dotadas de boas estradas de rodagem,e facilidades de comunicações. Assim, concluía,
"nenhum artifício poderia falsear ou de qualquer forma diminuir a grande contribuição
que tais grupos de imigrantes teriam trazido ao progresso econômico e social desta sua
Pátria de adoção. Os seus filhos, se levados pela inclinação, inteligência, atividade e
fortuna, a se afastarem dos povoados nativos, chegassem ao ápice da riqueza e das
honras, pensariam então sempre com admiração nos companheiros de seus genitores,
pois veriam neles não "pobres imigrantes", mas pioneiros, fatôres de riqueza, de
progresso e de civilização, e se gloriariam de haver nascido na vilazinha por êles
fundada, como de um título de nobreza".
Era êsse marginalismo de imigrante que aí transparece, essa desconfiança de serem mal
vistos pelos próprios filhos que, evidentemente, influía no jornal, nas sociedades e nas
escolas italianas.
Os filhos de italianos assim porém não não pensavam e não sentiam, como se verifica
do próprio volume em que D. José Barea, Francisco de Leonardo Truda, Mansueto
Bernardi e Ernani Fornari, decantam em prosa e verso, a latinidade, a glória da Itália e a
obra dos italianos em nossa. terra. Nem será preciso dizer que não era por desaprêço aos
"companheiros de seus genitores" que os rapazes do Instituto Menegatti, por exemplo,
não quiseram reconhecer como necessário "para continuar estudos superiores",
"conservarne lingua e cognizioni d' Itália"; e disseminar "i frutti di una completa coltura
e di un'educazione italianissima".
Nota do Editor: o cartografista, Sr. H. Thofehrn, como que numa ironia do destino,
comete exatamente o erro de chamar "Serra do Mar" aos Aparados da Serra,
confirmando assim o dito no primeiro paragrafo deste texto...
Queriam apenas ser brasileiros, porque o eram de fato e de direito e desejavam educar-
se para servir o Brasil e não a Itália.
Hoje que tal conflito de mentalidades desapareceu, ao menos nos centros urbanos,
verifica-se não só o reconhecimento geral do muito que devemos à colonização italiana
do sul do país, mas uma inteligente mudança de atitude da própria autoridade consular
que, em lugar de estimular a manutenção de círculos sociais fechados e ao esfôrço
perdido de ensinar italiano às crianças nacionais, prestigia o Instituto Cultural Italo-
Brasileiro, entidade capaz, sem dúvida, de aproximar brasileiros e italianos e de nos
fazer amar a ciência, a história e a arte do grande povo mediterrâneo.
Sangue latino - sol fluido, aurora