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As Origens

Nós fomos “descobertos” 250 anos depois da Bahia. Temos as mesmas


características luso-brasileiras e africanas, mas de épocas diferentes e
com outras misturas de povos europeus e da fronteira castelhana que
eles não têm. As raízes deles são muito mais antigas e predomina a
questão da colonização escravagista. Para nós aqui as guerras foram
mais marcantes. Havia muita morte, muita luta e muito luto. Não
éramos tão dados à música, bailes e festas, porque dos nossos 250
anos, 100 foram de guerra. Isso precisa ser analisado
antropologicamente para se verificar as razões do comportamento da
comunidade, as ideias políticas, a cultura e tudo mais.
(Paixão Côrtes, folclorista)

Antes de tudo, os povos originários.


Cidades brasileiras como Salvador e Rio de Janeiro existiam há mais
de dois séculos quando, em 1732, os moradores das ocas de palha à beira do
Guaíba viram chegar os primeiros sesmeiros nos então chamados campos de
Viamão – região que ia do estuário até o litoral Norte do Estado, incluindo o
que hoje é Porto Alegre.
Não vinham pra povoar, e, sim, pra reinar absolutos – com direitos de
vida e morte sobre essas populações que já viviam na região. Tinham para si
intermináveis campos, e sediaram-se em fazendas onde criariam gado. Eram
três: Dionísio Rodrigues Mendes, Sebastião Francisco Chaves e Jerônimo de
Ornellas Menezes e Vasconcelos. Nenhum tinha a sede de suas terras onde
hoje é a capital gaúcha. Mas parte das fazendas de todos passava por ali.
A primeira povoação no Continente de São Pedro surgiria cinco anos
depois: Vila de Rio Grande, com seu respectivo forte. Seria a sede da
província até 1763, quando as eternas guerras contra os castelhanos perdem
o lugarejo para os invasores da Banda Oriental. E perde feio: quase todo o
território do que hoje é o Rio Grande do Sul fica todo sob o poder dos
espanhóis. O remédio é transferir o comando para outra cidadezinha,
Viamão.
Pois é entre uma coisa e outra, em novembro de 1752, que começa a
nossa história.
1752 = Ontem.

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Porto Alegre, 1772

E nem se precisa de padrões europeus, africanos ou asiáticos. Mesmo


se a gente pensa na história das Américas, Porto Alegre é uma cidade
recentíssima. Benjamin Franklin provava que a luz era um fenômeno
elétrico, Minas Gerais estava em pleno ciclo do ouro e até poetas tinha, e n-a-
d-a havia ali onde é hoje a cidade. Nada além do ancoradouro que ficava nos
fundos das terras de Jerônimo de Ornellas. Onde, neste ano da graça de 1752,
desembarca uma tropa de oitenta paulistas comandados por Cristóvão
Pereira de Abreu.
Quer dizer: naaaaaaada, não. Afinal, eles chegam e dão de cara com um
amontoado de gente instalado de forma precária e improvisada e, ainda por
cima, irritando o dono da sesmaria. Jerônimo queria criar gado e não
sustentar o que, para ele, era pouco mais do que uma praga de carrapatos. Já
tinha que se livrar dos indígenas e agora isso? Efetivamente, Ornellas não fez
nada por aqueles 52 paulistas, oito negros escravizados e dezenas de casais
de imigrantes portugueses.
Mas de onde tinha saído aquela gente?
Os paulistas e seus escravos, que haviam chegado antes, estavam ali
para construir as canoas que levariam os estrangeiros até as Missões,
subindo o rio Jacuí. Já os tais casais estavam destinados a uma futura
ocupação dos territórios recém negociados entre Portugal e Espanha no
Tratado de Madri. Assinado em 1750, o Tratado definia que os espanhóis
entregavam aos portugueses os Sete Povos das Missões, em troca da pioneira
e estratégica Colônia do Sacramento, situada na boca do Rio da Prata, no que
hoje é o Uruguai.
Como se sabe, ninguém levou em consideração o que índios e jesuítas
que moravam ali pensavam da mudança. Obviamente, o pessoal se recusou a
abandonar tudo que havia construído em quase um século, e o resultado foi o
massacre feito nas Guerras Guaraníticas, entre 1754 a 1756 (quando o índio
guerreiro Sepé Tiaraju se imortaliza como mito, junto com a frase “essa terra
tem dono”, que 250 anos depois ainda seria bordão de militantes gaúchos das
mais variadas cores políticas).

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Aí imagina o rolo: justamente no meio da tensão que resultaria no
massacre, chegam os inocentes imigrantes. Sua missão era povoar a área
situada justamente no coração da peleia. Quando souberam da roubada em
que iam se meter, concluíram que talvez fosse o caso de esperar um pouco
pra subir o rio.
Enquanto isso, descansariam dos quase três meses de viagem desde os
Açores: pequenas ilhas perdidas no meio do Atlântico Norte, na altura de
Portugal – mais perto da América do Norte do que do sul do Brasil. Pobres
açorianos: se chegando ao Novo Mundo encontraram esse pepino, a situação
no seu arquipélago natal também não estava nada boa. Uma série de
colheitas malsucedidas deixou a população sem ter o que comer. Foi quando,
ainda em 1746, foi acertado o envio de quatro mil casais da ilha para o Brasil.
Destes, só mil famílias (cinco mil pessoas), peitaram a viagem feita em
condições precárias até lugares de nomes animadores como Ilha do Desterro
– a atual Florianópolis.
A tradição fala até num número exato que teria aportado nas terras de
Ornellas: míticos 60 casais. “Vieram colocar-se no ponto em que hoje
pompeia, grande já e caminhando para o mais brilhante futuro, a nossa
formosa capital”. Essa frase, escrita em 1910, é de Achylles Porto Alegre, que
teve o melhor de suas duas dezenas de publicações compilado pela primeira
vez em 1940 no livro História Popular de Porto Alegre. É ele que também
registra como peculiaridade açoriana a sua “fecundidade extraordinária: (…)
raro é o casal que não contava mais de seis filhos, e alguns, como o do Lopes,
atingiram a fabulosa cifra de 21 filhos, e o do Manoel Jacintho, a de 30 filhos,
sendo 15 de cada uma das mulheres com quem foi casado!!” Com exclamação
e tudo.
Não é de admirar que o povoado tenha crescido rápido.
Na verdade, nem povoado era aquele punhado de (ainda segundo
Achylles): “choupanas de taquaras, ripas, barro e colmo, cobertas de capim,
aleatoriamente distribuídas onde é hoje a Praça da Alfândega”. Paralela à
praia, uma única rua, evidentemente batizada…
Rua da Praia.
E assim, completamente ao deus-dará, se passam vinte anos de
“acampamento provisório” do que já foi definido pelo pesquisador Eduardo
Neumann como os primeiros sem-terra da história do Rio Grande.
Por volta de 1770, o cenário já contava com uma enfermaria, armazéns,
aquartelamentos, alguma lavoura de trigo, plantações de frutas, cemitério e a
capela de São Francisco, localizada onde é hoje a esquina da rua da Praia com
a atual Caldas Júnior. Além dos açorianos originais, o povoado recebia muita
gente fugida dos castelhanos, que dominaram por 13 anos o sul do Estado.
Isso gerou alguma atividade como entreposto de comércio e muita frequência
de militares em alerta contra um possível ataque. O toque de recolher é

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obrigatório: ninguém nas ruas depois das nove da noite no inverno, dez da
noite no verão.
Um cenário quase desolador. Que é o que se mostra aos olhos do
governador José Marcelino de Figueiredo.
Governador?! Sim!
Marcelino é empossado em 23 de abril de 1769 e vem animado.
Porque, em função do rio, o povoado está situado em posição muito mais
estratégica do que a então capital Viamão. A 26 de março de 1772, Marcelino
consegue que o Vice-Rei desmembre esse porto da sua sede. E nasce aí a
Freguesia de São Francisco dos Casais, com suas mil almas e três ruas:
seguiam, paralelas à Rua da Praia, a Rua do Cotovelo (atual Riachuelo) e a
Rua Formosa (hoje Duque de Caxias).
Pouco mais de um ano depois, a freguesia é promovida a capital da
província, rebatizada de freguesia da Nossa Senhora da Madre de Deus de
Porto Alegre. E, provando a tradição de agilidade da burocracia luso-
americana, 27 anos depois Portugal paga a promessa de terras feita aos
pioneiros açorianos: desapropriam parte da sesmaria de Ignácio Francisco de
Melo, finalmente tornando donos de suas terras os imigrantes que ali
moravam (e alguns dos filhos dos que já tinham morrido esperando). Cada
família recebe um lote de meia data, cerca de 135 hectares. Obviamente, não
no atual centro da cidade, mas em zonas que, em alguns casos, são campo até
hoje, como os extremos suis de Porto Alegre. Como homenagem à paciência
lusitana, o agora município se chamava Porto dos Casais.
José Marcelino é reeleito e, veja que exótico, ordena que os vereadores
da cidade se mudem… para a cidade – todos até então viviam em Viamão e
pegavam o Caminho do Meio (atual avenida Protásio Alves) para vir “de a
cavalo’ de seus sítios quando havia sessão da câmara.
Em 1774, já eram 1.500 os porto-alegrenses. Um terço deles, população
escravizada. Proporção que se manteria inalterada por mais de 100 anos.
E a música ainda não apareceu nesta conversa. Mas vai.

***

Os açorianos são até hoje um povo pacato, cordial e festeiro. Achylles


“História Popular” Porto Alegre, da História Popular de Porto Alegre (de
novo ele) cita um tal Acurcio Ramos e o que ele conta no livro Notícia do
Archipelago dos Açores:

Amam a música, a dança, as representações teatrais, as reuniões de


máscaras, as loucuras do carnaval, as cavalhadas, as corridas de touros e
as festas do Espírito Santo, as mais populares e gerais do arquipélago.

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Tudo isso e ainda aquela farta produção de filhos! Bom. O que
dançavam? A chamarrita (no Rio Grande do Sul chamada de chimarrita) e o
pezinho, por exemplo. Também é bom explicar o que eram as cavalhadas:
alegóricas lutas entre mouros e cristãos, eram peças de resistência do folclore
ibérico que teriam, no futuro, adeptos como Bento Gonçalves, Davi
Canabarro e o Marechal Osório.
O rico folclore açoriano foi peça-chave na formação do que seria a
música gaúcha e porto-alegrense. Duzentos e setenta anos depois de
chegarem às margens do Guaíba, esses cantos e danças seguem fazendo parte
tanto do folclore das ilhas quanto do repertório dos Centros de Tradições
Gaúchas (CTGs) espalhados pelo mundo. Cantos e danças cuja origem se
perdem na mais profunda Idade Média europeia.
E aí vão se somando os elementos. Da música dos indígenas,
massacrada ou ignorada como os próprios, não restou nada. Mas no mesmo
1794 em que começa a exportação do trigo local e se torna obrigatório o
calçamento na frente das casas, é inaugurado o primeiro teatro da cidade.
A Casa da Commédia era pouco mais que um comprido barracão de
pau a pique, mas contava com 36 camarotes e uma plateia para mais de 300
espectadores – mais ou menos o mesmo tamanho do futuro Theatro São
Pedro. Mas não vingou. O pessoal gostava mesmo era das funções ao ar livre,
que aconteciam aos domingos e feriados. Era montado um tablado entre os
dois principais largos da cidade. E ali, conta o historiador Athos Damasceno,
trupes ocasionais de instrumentistas e funâmbulos
(equilibristas/malabaristas) ofereciam ao povo o variado programa de suas
habilidades e proezas.
Em 1803 (há quem fale em 1797), a Casa da Commédia muda de nome
e estado de espírito. Chama-se agora Casa da Ópera, e é a primeira
responsável por inocular na população o vírus do canto lírico, que viraria
epidemia meio século depois. Mas em pouco tempo ela também fecha suas
portas.
Mozart já tinha morrido, a corte portuguesa estava às vésperas de se
mandar pro Brasil e, desde a segunda invasão espanhola ao Rio Grande do
Sul, em 1773, a futura Porto Alegre era cercada de muros (de taipa), como as
cidades medievais. O único portão era guardado por soldados e, depois de
certa hora, ninguém entrava nem saía. Pra completar o quadro de pseudo-
burgo, tambores rufavam para avisar que havia algum novo edital a ser lido
na frente do palácio do governo. O escrivão ou sargento lia, e este era
repetido em voz altíssima pelo porteiro Manoel da Espada. Que, pra
melhorar as coisas, era fanho.
Cena maravilhosa, fala a verdade.

***

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Os registros locais mais antigos especificamente sobre música são de
bandas tocando pelas ruas em 1804, festejando a custosa reinauguração da
Casa da Ópera pelo governador Paulo José da Silva Gama. O teatro reaberto
receberia montagens dramáticas e pantomimas humorísticas encenadas pela
mocidade local – só na metade do século XIX é que a ópera em si,
principalmente italiana, começa a ditar moda para os postulantes à categoria
de pessoa refinada. Mas, também, daí até 1900, o vasto apetite operístico da
capital seria amplamente saciado, em função das temporadas de grandes
artistas europeus que faziam de Porto Alegre uma escala entre o centro do
país e o Teatro Colón de Buenos Aires.
As apresentações aconteciam, basicamente, aos domingos. Atrações
anunciadas pelos próprios artistas, ali mesmo no que foi batizado de Beco da
Ópera (a futura rua Uruguai). Dali saiam, ao meio-dia, meia dúzia de
mascarados ao som de tambores, trazendo cartazes escritos à mão. Dava
certo: à noite, lá se iam as famílias assistir o espetáculo, precedidas dos
meninos escravizados cuja missão era segurar lampiões – iluminação pública
não havia. E seguidas de criados carregando cadeiras – não, o teatro não as
fornecia.
Também se cantavam canções populares das quais só restaram os
curiosos títulos, como o Dueto do Meirinho e a Pobre, ou a Ária do Galego. E
há pelo menos um registro de letra, de uma ária finalizada com um trocadilho
que, se alguém entende hoje, por favor escreva para este autor explicando:

Vivam as bonitas moças


Que sabem enamorar;
E aquelas que consolam
E nos movem a suspirar.
Ou viúvas ou donzelas,
Não se há de examinar;
Basta que sejam belas
Para sempre se amar.
As velhas pois escusamos
Basta que conclua… à… mos.

Grupos de atores e atrizes da Corte também vinham exercitar a arte de


Thalia e ganhar uns trocados. Atrizes, aliás, geravam suprema curiosidade, já
que os grupos e sociedades teatrais locais ainda seguiam as mais antigas
tradições europeias, contando apenas com homens – mesmo nos papéis
femininos. Como curiosidade, um dos donos da Casa da Ópera era um padre.
Chamado Amaro. Sabe-se lá se crimes cometia.
Em 1822, como se sabe, Dom Pedro I conclama “Independência ou
Morte!” e o pessoal unanimemente agarra a primeira opção. Porto Alegre

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estreia no Brasil Império com uma população de dez mil almas e elevada –
como todas as capitais de província – à condição de cidade.

***

Em 1820, o botânico francês Auguste Saint-Hilaire, ilustre viajante de


um tempo de viajantes ilustres, passa pela cidade. E escreve:

Surpreendeu-me o seu movimento. (…) Veem-se pouquíssimos


mulatos. A população compõe-se de pretos escravos e de brancos, (…)
homens grandes, belos, robustos, tendo a maior parte a pele corada e os
cabelos castanhos. (…) Todas as casas são novas e muitas ainda em
construção.

Logo em seguida conclui, esvaindo todo possível encantamento:

Mas, depois do Rio de Janeiro não tinha ainda visto uma cidade tão
imunda, talvez mesmo a Capital não o seja tanto (…) As encruzilhadas, os
terrenos baldios e, principalmente, as margens da lagoa são entulhadas de
sujeira; os habitantes só bebem água da lagoa e, continuamente, veem-se
negros encher seus cântaros no mesmo lugar em que os outros acabam de
lavar as mais emporcalhadas vasilhas.

Uma coisa o surpreende do mesmo modo que até hoje causa surpresa
em visitantes de países onde faz frio, seja a França ou a Argentina:

Frio se repete anualmente; todos se queixam dele, o que é de admirar-


se, pois ninguém toma providências para defender-se do inverno; só
cuidam de agasalhar o corpo com roupas pesadas. (…) Ninguém pensa em
(…) lareira.

Os hábitos sociais das gentes também lhe causam curiosidade:

Aqui as mulheres não se escondem; mas não há mais vida social em


Porto Alegre do que nas outras cidades do Brasil; cada um vive em casa ou
visita o vizinho, sem cerimônia, de casaco ou de capote.

Em 12 de julho de 1820, o francês é convidado a participar de um típico


sarau desses anos. E deixa escrito um raríssimo testemunho de época:

Essa casa era uma das mais prestigiosas de Porto Alegre. (…)
Encontrei num salão bem mobiliado e forrado de papel francês, uma
reunião de 30 a 40 pessoas, entre homens e mulheres. Em se tratando de

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parentes e amigos íntimos, não havia luxo nos trajes. (…) Dançaram valsas,
contradanças e bailados espanhóis; algumas senhoras tocaram piano,
outras cantaram com muita propriedade, acompanhadas ao violão, e o
sarau terminou com jogos de salão.

No final do mês, já se despedindo, novo comentário:

São frequentes as reuniões nas residências para saraus, e algumas


senhoras tocam, com maestria, o violão e o piano.

Curiosidade: o violão não era instrumento considerado de bem em


outros estados brasileiros nesta época. E logo em seguida seria banido
também dos lares porto-alegrenses para retornar só no século XX.
Corroborando as informações de Auguste, em 1827 – três anos depois
do início da imigração germânica para o Rio Grande do Sul -, passa pela
cidade um oficial germânico chamado Karl Schindler, e narra algo parecido:

Grande recomendação ao forasteiro será saber tocar alguns


instrumentos de música, sobretudo piano, mesmo pouco, pois o piano se
encontra em todas as boas casas. As mulheres quase todas tocam, embora
mais de ouvido e prática do que por estudo regular.

E segue:

Encontrei maneiras distintas em todas as pessoas da sociedade. As


senhoras conversavam sem constrangimento com os homens; estes as
cercavam de gentilezas. (…) Desde que estou no Brasil ainda não tinha visto
uma reunião semelhante.

Apesar de Salvador e Rio seguirem sendo as cidades mais badaladas,


ele acha a pequena vila desenvolvida e movimentada.
A julgar por dois comentários distintos, as moças da cidade eram
efetivamente menos reprimidas que a média nacional.
Mas quem talvez não concordasse com a afirmação era outro viajante
francês, Arsène Isabelle, que esteve na capital em 1833, quando ela já contava
doze mil habitantes e construía, em média, uma casa nova por dia:

Conheci alegres, lindas, amáveis e…, diria, graciosas mulheres que


não teriam pedido mais do que passear amiúde, frequentar a sociedade,
enfeitar-se e animar com sua presença as reuniões de homens, reuniões que
achei muito tristes e frequentemente insípidas, pra não dizer
desagradáveis.

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Logo em seguida, sua mirada, que já não era boa, piora:

Não posso silenciar: as brasileiras desta Província não são nem belas
nem graciosas. Em vão exageram e sobrecarregam-se de joias, broches,
flores e ninharias: tudo isso não anima sua tez, nem dá expressão a seus
olhos. (…) Sua fisionomia (…) não indica nada, nem mesmo ingenuidade.
Têm, em público, um rosto de autômatas e nada mais. Eis o que fizeram os
portugueses! Dizem que elas são muito vivazes na intimidade e
apaixonadas ao excesso, mas apaixonadas por si mesmas.

E conclui, num dandismo de dar nojo:

Um chapéu dura uma eternidade, e modas que maravilham o Brasil são


antiquadas há mais de seis anos na nossa terra.

Traduzindo para 2020: “Noooossa, esse look é tão 2014”.

***

O que se conhece da música de Porto Alegre na primeira metade do


século XIX? Muito pouco. Sobre talentos individuais, há registros de um
certo Inácio Músico, que se chamava Inácio José de Figueiras, morava no
Alto da Bronze e tocava órgão nas missas do Padre Vira-Cambota (Padre
Vira-Cambota?!?!), acompanhando muitas vezes o tenor Amândio.
Ou então o Correia Músico, natural de Viamão, que tocava na Casa da
Ópera. E a dupla Corneta e Quinca do Violão, que tocava onde deixassem.
Quinca também tocava rabeca, e foi compositor de pelo menos uma valsa e
uma contradança de grande popularidade – chamadas justamente Valsa do
Quinca e Contradança do Quinca. Tem ainda o alferes José Victorino Pereira
Coelho, vulgo Rascada, violonista e cantor de pioneiras modinhas e lundus
porto-alegrenses (que espetacular achado seria encontrar algum registro
delas!). Também ficou lembrança do instrumentista Peres, com imitava o
David Bowie, com seu olho azul e outro pardo. E de João Batista Rabecão,
que tocava contrabaixo – vulgo rabecão – nas missas (pra vocês verem como
o troço já foi mais animado).
A todas essas, também poucos registros dos negros escravizados e sua
música. Nas imediações onde hoje é a rua Lima e Silva, havia o
Candombe da Mãe Rita. Não, não era candomblé (ainda que Achylles Porto
Alegre fale em candomblés na rua Avahy). Era candombe, mesmo nome do
ritmo criado pelos negros de Montevidéu que hoje é a música uruguaia por
excelência. Mas seria a mesma música? Se jamais saberemos, não custa
imaginar que talvez sim.

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O Candombe da Mãe Rita reunia nos domingos a tarde pretos
roubados de variadas nações africanas, que ali misturavam suas diferentes
músicas, tocadas com uma variedade de instrumentos de dar água na boca de
qualquer percussionista. Além de tambores variados havia: sopapos – surdo
gigante, tocado com a mão, típico do Rio Grande do Sul, revitalizado no final
do século XX a partir do cantor, percussionista e compositor Giba-
Giba; canzás – nome que pode definir o atual ganzá (chocalho) ou
um tipo de reco-reco; urucungos – o berimbau original, africano; e balafons
– a mãe africana da marimba e do xilofone.
Ao som dessa festa de percussão, os negros cantavam e dançavam até o
transe religioso. Nessa época, pelo menos, a polícia não se metia.

Urucungo (quadro de Joaquim Cândido


Guillobel)

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Tambor de Sopapo (Aquarela de Rudolf Wendroth)

Balafon

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Canzá

Na casa de Mãe Rita também se ensaiavam cocumbis – que até hoje


resistem no litoral norte gaúcho sob o nome de quicumbis, autos religiosos
de Natal que incorporam, em sincretismo religioso, as festas de Nossa
Senhora do Rosário, protetora dos negros. Vinham o rei e a rainha à frente,
a juíza do ramalhete logo atrás e, em seguida, toda uma linhagem
aristocrática africana. Dançavam e sapateavam em frente à Igreja Matriz,
cantando com guizos amarrados nas canelas. A cerimônia guarda parecença
com os maçambiques que ainda resistem em Osório, também no litoral
norte. Mas os cocumbis só existiram até o vigário José Inácio Pereira ser
designado para a capital. O padre que virou nome de rua mandou acabar com
essa pouca-vergonha na frente da Matriz. Como resposta, os negros
construíram a sua própria igreja: a Igreja do Rosário, erguida em 10 anos de
trabalho voluntário: negros escravizados trabalhavam à noite e negros
alforriados de dia.
Nada mais coerente com o nível de exclusão da sociedade em que
viviam. Afinal, no dia 13 de novembro de 1829, os vereadores haviam pedido
em ofício ao governador da província providências contra ajuntamentos
religiosos de pretos, cujos “vozerios e alaridos” ofenderiam a moral pública.
Por outro lado, a 21 do mesmo mês, o governador encaminhava um ofício
com requerimento do “preto forro Francisco Bernardo da Silva”. Francisco
era, creiam, rei eleito da nação congo, e ganhou autorização para ensaiar
pelas ruas a festa de Nossa Senhora de Nazaré.
E os Carnavais? Ainda eram na base do entrudo: durante três tardes, o
pessoal se armava com gamelas, bacias, seringas, copos, canecas e até
banheiras (!) para atirar coisas nos passantes. Moçoilas singelas atacavam de
seus lares, com polvilho e pó desodorante de sapatos. Já os rapazes, a pé ou
em seus cavalos, traziam criados carregando cestinhas de limões de cheiro,
que eram espremidos nas moçoilas das janelas. De preferência em algum
decote mais ousado, para observar os efeitos arrepiantes do ato. Os
escravizados, por sua vez, corriam pelas ruas atirando água e farinha,
enquanto seus donos tentavam lhes acertar água pela janela. Um quadro
singelo. Pelo menos tinha muita comida e bebida. Pros brancos, claro.
Mas aí, pimba: em 1837, o Conselho Geral declara que

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fica proibido o jogo do Entrudo dentro do município, qualquer pessoa
que o jogar incorrerá na pena de dois mil réis a doze, e não tendo como
satisfazer sofrerá de dois a oito dias de prisão.

Isso, para os homens livres. Para os escravizados, era cadeia direto e


um número variável de chibatadas.

***

Em 1830, a população escravizada seguia sendo um terço do total dos já


13 mil porto-alegrenses. O porto que dá nome à Capital já tinha linhas
regulares para as principais cidades do interior, numa média diária de 50
barcos chegando ou partindo – em sua maioria, com bandeiras brasileiras,
norte-americanas, italianas e inglesas. Italianos, ingleses, alemães e franceses
começavam a chegar, imigrados, em quantidade significativa. Já havia
educação primária e quatro ou cinco jornais – todos com ligações políticas.
Afinal, os ânimos estavam acirrados.

***

Foi no vinteeeee de setembro:

Senhor: em nome do povo da Província de São Pedro do Rio Grande


do Sul, depus o Presidente Braga e entreguei o governo ao substituto legal
doutor Marciano Ribeiro. E em nome do Rio Grande eu lhe digo que, nesta
Província extrema, afastada dos corrilhos e conveniências da Corte, dos
rapapés e salamaleques, não toleramos imposições humilhantes nem
insultos de qualquer espécie. O pampeiro destas paragens tempera o
sangue rio-grandense de modo diferente de certa gente que por aí há. Nós,
rio-grandenses, preferimos a morte no campo áspero da batalha às
humilhações nas salas blandiciosas do Paço do Rio de Janeiro. O Rio
Grande é a sentinela do Brasil que olha vigilante para o Rio da Prata.
Merece, pois, mais consideração e respeito.

Esse era Bento Gonçalves, logo após a tomada de Porto Alegre, em


carta ao Regente Feijó, então responsável pela administração do Brasil na
minoridade de D. Pedro II. Era 1835, explodia a Revolução Farroupilha e os
rebeldes haviam tomado a capital – que voltaria aos imperiais nove meses
depois.
Entre 1836 e 1840, a cidade resistiu a três outros ataques farrapos. E
foi ao resistir, que, para orgulho de muitos e vergonha de outros tantos,
recebeu do império o título de Leal e valerosa cidade de Porto Alegre.

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O entrevero, com suas idas e vindas (incluindo uma proclamação da
República, separando parte do Rio Grande do Sul do Brasil), iria até 1845 –
quando o tratado de Ponche Verde encerra tudo de forma melancólica para
uns e terrível para outros, como os lanceiros negros traídos e chacinados no
Massacre de Porongos (dá um Google).
A capital é então a quarta maior cidade do Império, com os já citados
13.500 habitantes. E capital de um estado que adorava uma peleia. Até o final
do século ainda haveria: a guerra contra o ditador argentino Juan Manuel de
Rosas – 1851 –; a intervenção no Uruguai – 1864 –; a Guerra do Paraguai –
1864 a 1870 –; a Revolução Federalista – 1893 a 1895. Sem contar, em
1874, o massacre da seita religiosa dos muckers, surgida no meio das
colônias alemãs do Vale dos Sinos e liderada por Jacobina Maurer.
Estabilidade político-administrativa também não era o forte do
pessoal: nos 67 anos entre a Independência, em 1822, e a República, em
1889, se sucederam nada menos que 86 governadores. E não melhorou
depois: da proclamação, em novembro de 1889, até a deposição de Júlio de
Castilhos, governador eleito em 1891, foram mais 18 presidentes da
província! Em três anos.

***

Porto Alegre, 1840

O melhor saldo musical da Revolução Farroupilha para a cidade


atendia pelo nome de Maestro Mendanha – o primeiro grande nome da
música de Porto Alegre.

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Negro, nascido em 1800, em Vila Rica (hoje Ouro Preto), José Joaquim
de Mendanha fez-se irmão de caridade. Mas sua maior dádiva aos mortais e
imortais seriam seus dotes musicais.
Ele precisou de toda sua fé na justiça divina em 1837: tava lá, no bem-
bom, empregado como cantor falsetista da Capela Imperial, na corte, quando
o mandam para a longínqua Província de São Pedro, no posto de Mestre da
Banda do Segundo Batalhão de Caçadores da Primeira Linha. E em plena
Guerra dos Farrapos!
Em 30 de abril de 1838 as forças imperiais são derrotadas em Rio
Pardo, e ele e sua Banda caem prisioneiros dos rebeldes. Já que lá tá, que
lá teje: puxa seus dotes de multi-instrumentista e passa a animar os bailes
farrapos. Em seguida, recebe a encomenda: escrever nada menos que o Hino
Farroupilha – hoje hino oficial do estado. Pouco depois, é recapturado pelas
forças imperiais, mas já era tarde: tinha se agradado da terra e sua gente.
Antes mesmo de terminada a guerra, em 1842 se estabelece em Porto Alegre.
Quando morreu, em 1885, tinha 85 anos, o título de comendador (um
comendador negro, e antes da Abolição) e a aclamação de estrela local:
dirigira bandas, corais e orquestras, e fora professor de duas gerações de
músicos, militando tanto na música popular quanto na sacra – foi um dos
maiores divulgadores de seu contemporâneo e colega de batina padre José
Maurício. Batina que nunca o impediu de, segundo relatos da época, ter
especial predileção pela ala feminina dos corais que regia, tendo criado
inclusive um coral exclusivamente feminino e desdobrando-se em
salamaleques para dar a devida atenção a todas as sopranos, mezzos e
contraltos. Achylles Porto Alegre é quem entrega:

Era um gosto vel-o, arrastando os pés, todo cheio de delicadezas para


com ellas (…) o que elle queria era estar entre as cantoras

Amigo de infância do poderoso Barão (e futuro Duque) de Caxias,


também mexeu seus pauzinhos na corte para criar a Irmandade Santa
Cecília, padroeira dos músicos, que promovia anualmente uma festa imensa
sob seu comando. Mas sua maior herança – além do hino, claro – foi a
criação, em 8 de dezembro de 1855, da Sociedade Musical Porto-
Alegrense, primeira iniciativa do gênero. Orquestra de 24 músicos que é
uma das atrações, por exemplo, da retumbante inauguração do Theatro São
Pedro, em 1858.

15
A primeira letra do Hino Farroupilha. Publicada em O Povo, n. 63, p. 265)

***

16
Thomas Edison

A cidade segue crescendo: eram já cerca de 20 mil almas quando, em


1860, nasce a sociedade musical Firmesa (sic) e Esperança, que ensinava
música e danças de salão e promovia bailes que varavam a noite.
Em 1872 eram 27.751 habitantes – 8.784 deles africanos e
afrodescendentes escravizados: seguia negro quase um terço da população da
capital do estado que volta e meia ainda fantasia o “somos tão europeus”.
Segundo o Almanak Administrativo, Comercial e Industrial Rio-grandense
para 1873, havia então na capital 486 estabelecimentos comerciais, 339
oficinas, 39 fábricas e mais jornais do que os há no começo do século XXI:
seis. Além de 28 médicos, 23 advogados, 10 engenheiros e nove
farmacêuticos. Músico de profissão, ao que parece, nenhum.
Também o traçado da cidade se modifica. De 1869 a 1879 vão ser
abertas quase todas as atuais transversais da rua da Praia, algumas com
nomes bastante auto-explicativos: a rua da Passagem (atual General
Salustiano), o beco dos Guaranis (General Vasco Alves), o beco do Bota Bica
(General Portinho), o beco do Pedro Mandinga (General Canabarro), o beco
dos Pecados Mortais (General Bento Martins), a rua Clara (General João
Manuel), o beco do João Inácio (General Câmara), a rua da Bandeira (Vigário
José Inácio) e a rua Santa Catarina (Doutor Flores).
Muito diferente das melodiosas páginas que passavam pelas estantes
do Maestro Mendanha eram os tonitruantes blocos de Zé-Pereira, que desde
1877 eram atrações do carnaval e inferno da vizinhança: zabumbas e cornetas
ensaiavam (como se adiantasse…) madrugada adentro. Valiam pela

17
hilaridade que tomava conta das ruas quando os desconjuntados grupos
saíam. Só paravam de tocar para que os oradores improvisados destruíssem
sem dó nem piedade a gramática, em discursos obrigatoriamente sem pé
nem cabeça.
Em 1874 estreiam os corsos, com as sociedades carnavalescas
desfilando seus carros alegóricos puxados por cavalos através de ruas
enfeitadas para a ocasião. As mais antigas foram fundadas em 1873 com a
declarada missão de matar o entrudo. Eram elas a S.C. Esmeralda e
a Venezianos, vindo a seguir as pioneiras os Congos, os Tenentes do Diabo e
os Filhos do Inferno. Por que pioneiras? Porque eram nelas que a população
negra (livre e escravizada) da cidade reunia dois objetivos: desfilar no
carnaval da forma mais impressionante possível, e realizar espetáculos para
arrecadar fundos usados para comprar cartas de alforria.
Pra completar, a alemoada da cidade (alemoada, em gauchês: coletivo
de descendentes de alemães – incluindo, se necessário, alguns alemães de
origem) funda a Sociedade Germânia. Já existia o clube que depois de
chamaria SOGIPA, desde 1867.
Juntos, imigrantes, senhores de escravos e as pessoas a quem
escravizavam conseguiram o que a polícia não havia conseguido. Tá lá no
jornal A Reforma, na edição de 19 de fevereiro de 1874 (evidentemente,
omitindo a contribuição das sociedades dos imigrantes e dos negros):

O inconveniente jogo de entrudo foi este ano substituído


completamente, nesta cidade, pelo Carnaval. Deve-se este acontecimento às
sociedades carnavalescas “Venezianos” e “Esmeralda”, que foram os
iniciadores da reforma, secundados pelos habitantes, que visando mais um
progresso, firmaram a abolição do entrudo e concorreram gostosos para o
abrilhantamento da festa carnavalesca.
Nas principais ruas da cidade, não se viu jogar um só limão; e nas
menos populosas aconteceu outro tanto.

Parece tudo lindo. Mas a trégua duraria três anos. Em 1877, o entrudo
volta com tudo, e por pressão popular. O povo queria voltar a brincar sem ter
de pertencer a nenhuma sociedade.
Mas o irônico é que, mesmo nas festas da elite, o bicho pegava. Como
no carnaval de 1883, segundo o jornal O Século:

Os Venezianos apenas primaram por uma cousa muito parecida com


grosseria ou falta de educação. Muitos interrompiam, mas por uma forma
que não se explica em linguagem decente, a passagem da “Esmeralda”, em
seu trajeto. – Chegaram ao ponto de quererem lançar do carro abaixo a
rainha da sociedade, caceteando os pobres cavalos que o puxavam! (…)
Felizmente para Porto Alegre, há sociedades da ordem da ESMERALDA e

18
CONGOS que ainda não deixam decair no conceito do estrangeiro civilizado
que assiste às nossas festas.

No mesmo jornal, se saudava a elegância dos Congos, que

(…) fizeram o seu passeio e foram imensamente aplaudidos pelo fino


espírito que desenvolveram. É uma sociedade que merece toda a admiração
pública, porque é composta de moços decentes que, divertindo-se sem
ofender a quem quer que seja, reúnem os seus sentimentos folgazões aos de
humanidade, promovendo em suas festas os meios necessários para
remirem do cativeiro alguns infelizes escravos.

Fora do Carnaval, o grupo também fazia espetáculos musico-teatrais


beneficentes para comprar cartas de alforria e libertar seus irmãos. Um
exemplo de anúncio nos jornais da cidade:

TEATRO DE VARIEDADES
SOCIEDADE CARNAVALESCA CONGOS
Grandi trumentação!!!
Grandi situsiasmo!!!
REGÁRA ÔIO! ABRE ÔBIDO!!!
Sicuta esse
Nosso tomá riberação prá reárizá grandi foria ni 3 dia di cranavá; nosso
vai zirifetuá com todo baruio esse fesita, a fim de nosso rancá di féra di
cravidão uma nosso pracêro; po isso nosso turo bem trazê ni frente dus ôio
di branco qui gerita di ribredade, esse uato di grandi firantropia.
Agora nosso turo ficá siperando qui essi genti qui é fio dessa tera, não bai
deixá di parecê, proquê Papai di Nosso qui tá ni céu ade judá a Papai e
Mamãi di fio di tera, aquere qui fá quarijuvá nosso, ni esse borabadá.
Pressita tenção!!
Siri programa bai se distribuída pro meio di esse couza qui tá casando
seripece ni quagueça di gente tura i qui si chamá – Terefone – i esse di
diztribuição di esse quaqué áde tê rugá ni Romingo, 4 di febrera di ano qui
tá caminhando.
PREÇOS
Camarotes com 5 entradas 5$000
Cadeiras 1$000
Gerais 500
Chuta di Zambezi ni Porito Aregre, 30 di mezi qui tá prá cabá.
O 1o Crivão
Paleguá Mongonguê

19
(De todas as sociedades de negros libertos fundadas no final da
escravatura em Porto Alegre, resistiu até hoje a Sociedade Floresta Aurora.
Sem vinculação direta com o Carnaval, é um dos clubes mais antigos da
cidade, fundado em 1879. De 1902 é a primeira célula da Associação Satélite
Prontidão, clube da comunidade negra porto-alegrense ligado à atividade do
carnaval, que segue ativo.)
Em 1880, a grande novidade são os bailes públicos de Carnaval, com
sucesso imediato. Promovidos até em lugares chiques como o Theatro São
Pedro, eram abertos a qualquer um, fosse ou não filiado a alguma sociedade
carnavalesca.

***

Quando, em 1873, a Companhia Carris inaugura sua primeira linha de


transporte, em bondes puxados a burro, as primeiras viagens eram tão cheias
de incidentes e emoções que podia-se levar inacreditáveis seis horas para
chegar do centro até o arrabalde do Menino Deus (sim, segundo o google
maps, a pé leva 45 minutos).
Em 1879, apenas dois anos depois de ter sido inventado,
o phonógrafo do eletricista Thomas Edison era apresentado a um Theatro
São Pedro lotado por uma incrédula plateia. Athos Damasceno é profético:

Surge-nos aqui o cavalheiro Eduardo Perris que, hospedando-se no


Hotel Lagache, faz a exibição de uma prodigiosa máquina falante,
destinada a guardar o som por muitos anos e reproduzindo a voz de cada
pessoa com absoluta nitidez e timbre. A máquina tem o nome de fonógrafo e
é a mais recente invenção do já famoso eletricista Senhor Edison. Dentro de
pouco tempo o invento pode chegar a tal perfeição que ninguém mais
precisaria ir a teatros escutar orquestras e cantores, porque qualquer um
poderia ter dentro de sua própria casa todas essas altas manifestações da
arte.

A máquina de Edison ainda era do tipo mais primitivo, com cilindros


fixos. Mas o próprio Eduardo Perris já anunciava para breve o advento do
cilindro portátil e removível, quando cada um poderia escolher a música que
lhe agradasse, adquirir o cilindro correspondente e levá-lo para casa. Um
conceito absolutamente revolucionário. Pela primeira vez na história da
humanidade se poderia ouvir música sem haver um músico por perto.
Nesse ano de 1879 a capital chegava a 40 mil habitantes espalhados em
seis mil casas, 52 ruas, sete becos, nove praças e três travessas. Alguns anos
depois das pioneiras, havia três novas sociedades (clubes): Club
Commercial, Sociedade Leopoldina e o Club dos Atiradores Allemães. Além
dos bondes puxados por burros, estreava a linha de trem até as colônias

20
alemãs de São Leopoldo e Novo Hamburgo – esta última, a 40 quilômetros
da capital.
Outra novidade eram as ruas com iluminação a gás. Mas que ninguém
pense que a cidade fervia de modernidade. Achylles Porto Alegre, escrevendo
em 1919, joga água na fervura:

Que eram estas ruas há pouco mais de 30 anos? (…) A iluminação,


nas principais, era feita com lampiões de azeite – quando não havia luar.
Às nove horas, no verão, e às dez, no inverno, o bronze médio da Matriz (o
sino) tocava o silêncio. Era o sinal para o recolhimento geral. A cidade
fechava e apagava-se. A população metia-se na cama.

Seguindo com metáforas flamantes, em 1878 um grupo de amadores


liderados pelos primeiros músicos profissionais da cidade – como José
Araújo Vianna – ergue das cinzas da Sociedade Musical Porto-Alegrense a
novíssima Sociedade Philarmônica Porto-Alegrense: 28 músicos (16 deles
também formavam uma banda de música – sem cordas – da mesma
sociedade), mais o reforço de um coro. O repertório alternava páginas dos
clássicos com números de música ligeira europeia. É bom lembrar que o que
se entende por música brasileira estava neste exato momento dando seus
primeiros frutos maduros, no Rio de Janeiro, por Chiquinha Gonzaga (cuja
polca “Atraente” é de 1877), Joaquim Callado (cujo grupo Choro Carioca
começou a tocar em 1870) e uns poucos mais.
A Sociedade Philarmônica sobreviveria por 20 anos, contribuindo para
o ensino musical e as noites engalanadas do Theatro São Pedro. Militavam
em suas hostes tanto músicos profissionais quanto diamantes brutos da
juventude local, como Luiz Roberti e Francisco Pedotti – então
orgulhosamente amadores.
Roberti logo viraria um dos primeiros profissionais da música na
cidade. Funda e dirige, entre 1883 e 1884, a Lira Rio-Grandense, o primeiro
jornal musical de Porto Alegre (no século XXI não há nenhum). Três anos
mais tarde, faria maior sucesso outro periódico do mesmo estilo – O
Guarany –, que fez história e se manteve até 1890. Pela mesma época, era
impresso O Progresso, dirigido por Roberto Ludwig, que também editava
partituras para piano e tratava de assuntos musicais.
É nele que está impresso o seguinte comentário de Ludwig, em
primeiro de setembro de 1888, acerca da estudantina organizada por
Roberti:

A Estudantina, sociedade musical, ha pouco fundada, que cultiva,


com preferencia, certo genero, muito sympathico, da musica instrumental,
alcançou, no seu primeiro concerto, realizado em a noite de domingo, um
optimo sucesso, olhando-se a tenra idade que ella conta.

21
A orchestra, composta de violões, bandurras, bandolins, um violino e um
violoncelo, regida pelo professor Luiz Roberti, executou de cór todas as
peças, obtendo aplausos espontaneos que, por fim, se transformaram em
ovação consagrada pelo auditório a moços tão dedicados à música e
animados por ella, como se patentearam “os sócios executantes” da
Estudantina.
A segunda parte do concerto foi preenchida pelas distinctas
amadoras e amadores que prestaram a sua coadjuvação (…) O número
mais característico, porém, foi o solo para violão, com acompanhamento,
executado pelos srs. Pinto Gomes e Pedro Alvares: este numero, admirável
no seu desempenho, foi bisado.
Dirigimos as nossas felicitações à activa directoria e aos zelozos
amadores de musica, membros da sociedade, que figuravam no referido
concerto, pela sua bem sucedida estréa, saudando igualmente o progresso
que a arte musical aufere da fundação de uma sociedade que tão
dedicadamente se lhe devota.

Roberti é uma figura curiosa: regente, editor, empresário teatral,


jornalista, intelectual, bom instrumentista e professor de diversos
instrumentos de sopro e cordas – segundo o pesquisador e violonista Márcio
de Souza, é possível que tenha sido inclusive professor de Octavio Dutra, de
quem falaremos muitíssimo.
Foi também o primeiro compositor popular de destaque na cidade,
atuando ao menos até a década de 1910 – quando escreveu o schottisch
Sinhá. Era figura tão popular que chega a figurante do romance Estrychnina,
um fenômeno de narrativa naturalista em Porto Alegre, escrito a seis mãos
por Paulino Azurenha, Mário Totta e Souza Lobo, publicado em 1898. No

22
livro, é ele o maestro da orquestra que, no Theatro São Pedro, abre a função
durante uma temporada de uma montagem local de A Dama das Camélias.
Não das melhores, registre-se:

Eram passados cinco minutos e a execução, a verdadeira execução


[grifo dos autores] do intermezzo, expirava, entre salvas de palmas e
repetidos gritos de bis! bis!.

E segue:

O maestro abandonava a sua cadeira de molas, voltava-se para o


público e, em sinal de agradecimento aos aplausos recebidos, curvava-se
até a espinha, deixava-se permanecer por alguns segundos nessa postura
respeitosa e galante de vinheta decorativa de seção de parabéns e, ao fim de
estudadas mesuras, tornava a seu posto, na intenção firme de, a
contragosto seu, mas devido à insuficiência quase absoluta da orquestra,
acumular mais um remorso aos seus remorsos, estropiando a sonoríssima e
extraordinária música de Mascagni.

***

Primeiro foram os “alemães” (aspas porque ainda não havia Alemanha


– só em 1871). Em busca de melhores condições emigraram em massa para o

23
Rio Grande do Sul entre 1824 e 1839, umas mais ou menos 5 mil almas. Na
sua maior parte, eram camponeses que haviam perdido suas terras. E terra –
em tese – era o que não faltava no sul do Brasil. Chegaram e pegaram as
melhores, perto da capital. Daí, quando a partir de 1875 vieram os italianos,
já tiveram de ir mais longe, instalando-se na serra gaúcha. Até o final do
século, navios trouxeram para o Rio Grande do Sul 84 mil oriundi. Mais
abertos a integrar-se com a população local, mais urbanos que os alemães e
falando uma língua neolatina, bem mais próxima do português, eles também
chegaram em maior número e muitos fixaram-se na capital. Em 1890, são
10% dos 52 mil porto-alegrenses.
Com sua forte tradição musical, evidentemente havia muitos músicos
entre eles. Alguns vão ganhar seu sustento tocando nas esquinas, vários deles
em grupos cuja formação seria hoje curiosa, mas que era comum então:
harpa, flauta e violinos. O repertório era de seleções líricas – os greatest
hits de então –, preferencialmente de Verdi.

O dinheirinho era engrossado com récitas noturnas em restaurantes.


Como conta Athos Damasceno, no seu fundamental Palco, Salão e Picadeiro
em Pôrto Alegre no Século XIX (Editora Globo, 1956), havia um virtuoso
harpista milanês, de quem infelizmente não se guardou o nome, que tocava
só para o público mais seleto, nos restaurantes mais finos. O que não evitou
que fosse protagonista de um causo impagável, numa das tantas épocas em
que as serenatas viraram crime. Voltava ele para casa, tarde da noite, com
seu instrumento na capa, quando a polícia o surpreende e o leva preso. Aí, ao
tentar explicar para o delegado que não era um reles seresteiro, recebeu
como resposta um incontestável argumento:

– Mas também, não se pode deixar escapar um violão deste tamanho!

24
Havia também o violonista negro João Batista, que, cego, e virtuose
em seu instrumento, jamais aceitava esmolas. Tocava apenas nas casas de
comércio que o convidassem, mediante um cachê que poderia até ser
irrisório. Mas era cachê.

***

Aqui vale um parêntese para três fatos que marcariam para sempre o
imaginário local:

1) Desde 1861, quando voltara da cidade de Alegrete para a capital, o


professor José Joaquim de Campos Leão parecia estranho. Na década de
1860, é processado por sua esposa, que o julgava maluco, e por isso foi
examinado pelos médicos da província e, depois, da capital do Império,
acusado de monomania. No Rio de Janeiro, o médico do próprio Imperador
Dom Pedro II declarou sua sanidade. No fim de seus anos, publicou uma
impressionante Ensiqlopédia ou Seis Mezes de Huma Enfermidade,
repassando tudo que havia escrito antes e contando dessa dura história. Foi
muito hostilizado por suas excentricidades. Coisas como rebatizar-se com a
alcunha de Qorpo Santo, ou escrever peças teatrais tão radicais como a que
terminava com um incêndio no palco do teatro. Passaria quase um século
esquecido ou ridicularizado por nossos intelectuais (Achylles Porto Alegre),
até ser redescoberto e aclamado nacionalmente como um gênio da
dramaturgia, já nos anos 1960.

2) Em 1865 foi a única que vez que toda e qualquer festividade foi
cancelada na cidade (agora parece que 2020 terá a segunda). A culpa foi da
epidemia de cólera, que causou expressivas baixas na população, cancelando
toda diversão em grupo.

3) Um ano antes, em 1864, a polícia tinha prendido o açougueiro José


Ramos e sua mulher, Catarina Palse. A história é controversa e nunca foi
totalmente deslindada, mas uma versão meio romanesca diz que ela seduzia
homens aleatórios, levando-os para a casa/açougue do casal. Lá, eram
assassinados e, literalmente, viravam linguiça. Completando o enredo
fantástico, Ramos venderia a especiaria para os homens e mulheres de bem
da cidade. Que, horrorizada, descobriria tarde demais que tinha comido
mamíferos da mesma espécie. Deu notícia até em Paris. E, sim, exceto pelo
dado de que é um açougueiro, e não um barbeiro, é o mesmo enredo que
inspirou o musical Sweeney Todd, transformado em filme por Tim Burton.
Só que o musical, de 1979, é inspirado numa penny dreadful, as pulp
fictions inglesas dessa época, folhetins semanais de histórias. Com o título
de Sweeney Todd, the demon Barber from Fleet Street, ele foi reunido em

25
livro em 1850. Não sei vocês, mas eu acho uma delícia imaginar que Catarina
poderia ter lido alguma tradução dessa história e achado uma excelente
ideia.

***

Não só o cólera foi epidêmico: o teatro também.


De repente, Porto Alegre tinha quase 50 grupos dedicados à segunda
arte. Salvo engano, nem no século XXI, com uma população quarenta vezes
maior, se repetiu essa cifra. O momento era de inegável efervescência
artística.
Brilhavam então nos palcos sociedades dramáticas formadas por
jovens da sociedade, que a elas dedicavam suas (não poucas) horas vagas. Os
melhores autores de então escreveriam peças para agremiações como
a Jovem Thalia. Já na literatura, pipocam efêmeros jornais literários
como O Guayba (1856). E atestando a definitiva ascensão dessa novidade
chamada Classe Média, entre 1868 e 1880 surge mais de uma dezena de
associações de escritores e amantes das letras. Mais importante delas, a
Sociedade Partenon Literário durou até 1885, tinha uma biblioteca de seis
mil volumes, editava sua revista e marcou a primeira geração da literatura
porto-alegrense. Promoviam saraus de música e teatro, eram militantes
abolicionistas e defendiam a alfabetização gratuita para a população carente.
Não é de estranhar que um de seus participantes, Carlos Pinto, fosse o dono
da primeira livraria da cidade (e do Estado), a Livraria Americana, fundada
em 1875.
Os grandes nomes do grupo, como Apolinário e Achylles Porto Alegre,
Bernardo Taveira e Caldre e Fião, são pioneiros numa discussão que seguiria
150 anos mais tarde: qual é, afinal, a identidade cultural do gaúcho? E do
porto-alegrense? Como bem explica o professor Luís Augusto Fischer, o
grupo de amigos criou ali um idealizado, quase mítico, fator de união
“nacional” do Rio Grande do Sul.
Caldre e Fião, por sua vez, havia publicado em 1847, o primeiro
romance de um autor rio-grandense – e o segundo (!!!) do Brasil. Mais que
isso: Porto Alegre era o cenário da história de A Divina Pastora – reeditado
nos anos 1990 pela RBS Publicações.

26
***

É destes anos também uma figura tão desconhecida quanto


pioneira: Lídia Knorr. Contemporânea da carioca Chiquinha Gonzaga,
poderia disputar com ela o posto de, salvo engano, primeira compositora
brasileira conhecida. O que se sabe é a história contada pelos homens: que
casou com João Negreiros de Sayão Lobato, cujo pai era Francisco
Riopardense de Macedo (homônimo e certamente ascendente do futuro
historiador, artista plástico e arquiteto), nomes importantes na história da
cidade.
Lídia deixou para a posteridade um álbum inteiro de partituras com
suas músicas, editado em 1881 (só pra se ter a medida, o primeiro sucesso de
Chiquinha, Atrahente, é de 1877). Há ali uma coleção de valsas e polkas –
como a lírica Esmeraldina, gravada mais de 100 anos depois, em 1991, pelo
pianista Giovanni Porzio, no CD que acompanha o fascículo As Origens da
série A Música de Porto Alegre, editada pela Secretaria Municipal de Cultura
da Prefeitura de Porto Alegre, pesquisado e escrito por este servidor (que
também produziu o disco, junto com o músico e pesquisador Hardy Vedana).
Um ano antes de Lídia editar seu álbum, nascia o grupo Os Cubanos,
dirigido pelo (segundo o mesmo Vedana) nobre comerciante de profissão e
pianista nas horas vagas Domingos de Campo Moreira Porto – o
popular Mingotão. O conjunto era uma espécie de rancho carnavalesco, mas
que saía às ruas, tocando e cantando, entre o Natal e o Dia de Reis. Música
não sobrou nenhuma pra contar a história, mas há o registro de uma letra:

Saem hoje os Catidumbas


Tendo à frente o Mingotão

27
Cantando Uê, Pai João
Saem os Catidumbas

Sem pandeirinho na mão,


Sem cornetas, nem zabumbas;
Saem hoje os Catidumbas
Tendo à frente o Mingotão

Se não é exatamente um tijolo a mais na construção do idioma de


Camões, vale pela curiosidade de saber-se que as zabumbas gaúchas
seguiram o mesmo destino das violas e rabecas: sumir no começo do século
XX, pra só reaparecerem “importadas” de outros estados, a partir dos anos
de 1990.
Em 1883, Mingotão deixa a direção do grupo mas regala à posteridade
mais uma pérola, chamada Ah! Que vai!, sucesso no ano seguinte. E com
uma gigantesca curiosidade, a ser melhor investigada: o ritmo de Ah! Que
vai! era classificado como… samba, 30 anos antes das primeiras gravações
do gênero.
Mas não, não é pra sair gritando que os gaúchos inventaram o samba
três décadas antes: já já falaremos dessa confusão de nomenclaturas típica
dessa virada 1880/1920.
Domingos saíra dos Cubanos para fundar um conjunto de homens
travestidos (era ou não um inovador, o tipo!?!): os Negros–Minas. Mas
seguia, do final de janeiro a seis de fevereiro, dirigindo o mais estimado
grupo de Terno de Reis da capital, do qual fazia parte gente da alta-
sociedade, como o Luiz Ferreira da loja de couros e o poeta, dramaturgo e
jornalista negro Artur Rocha, do Partenon Literário.
Figura múltipla, Mingotão circulava sempre bem apessoado (um bello
typo de homem, descreve Achylles Porto Alegre), casaca bem talhada e batuta
em punho. Aproveitando-se do renome que tinha também como pianista e
compositor, desde moço ensinava piano às meninas prendadas da urbs. Além
de música para o Carnaval, escreveu valsas – como Júlia – e até tangos–
baianos (sic!) – como o Querida Mariposa. E os pregões dos vendedores
ambulantes de balas não escaparam do seu faro: ele comporia e editaria, com
a grande voga nos pianos da cidade (ainda Achylles), variações sobre dois
desses anúncios gritados: Bala-balô, de um napolitano chamado justamente
Bala-Balô, e Araúna, de uma (Achylles:) baiana, quarentona, tipo
masculino. Nenhum exemplar dessas partituras, que se saiba, chegou aos
nossos dias. Seria um achado e tanto.
Mesmo calcadas na música dos negros, essas partituras eram sucesso
nos serões familiares. Ironicamente, Domingos terminou seus dias não como
músico, mas dono do restaurante Continental, na rua da Praia. Onde, pelo
menos, fazia mais sucesso ao piano do que no fogão – isso quando não

28
enfileirava os copos de cristal do estabelecimento, afinava-os com água e
mandava ver etéreas melodias no seu copofone.

***

Chegamos a 1890, quando a capital gaúcha da agora República conta


com 50 mil almas – 42.115, segundo o censo de 1888.
Enquanto isso, uma região da cidade ia concentrando de tal forma a
população negra que foi batizada de Colônia Africana. Ficava entre os atuais
bairros Rio Branco e Bom Fim. Como no resto do país, a vida dos negros não
melhorara magicamente com a abolição. Aboliu-se, na verdade, o chicote.
Mas as condições seguiam desumanas para os muitos que continuavam
trabalhando para senhores brancos, praticamente sem remuneração, em
troca de pouco mais que casa e comida.
E também, quando isso acontece, em 1888, instigada pelo pessoal do
Partenon Literário a cidade havia alforriado quase todos seus 5.790 escravos.
Quando entrou em vigor a Lei Áurea, em Porto Alegre apenas 58 pessoas
ainda pertenciam a outras. Claro que não havia sido meramente altruísta o
gesto geral. Muitos dos libertos tinham de seguir trabalhando de graça por
até cinco anos para pagar sua carta de alforria. Já outros senhores libertavam
seus negros para deixar de pagar impostos sobre a “propriedade” – mas
continuavam, na prática, a escravizar seus “funcionários”.
A Colônia viraria ponto turístico, como bem descreveria com
indisfarçável deleite Achylles Porto Alegre:
(…) o Beco do Poço, o do Jacques e a Rua da Floresta eram sítios de
eleição para o batuque. Nos dias de folia, já de longe se ouviam a melopeia
monótona do canto africano e o som cavo de seu originalíssimo
tambor. (…) O batuque prosseguia pelo dia e pela noite adentro (…) e os
garrafões de cachaça se sucediam uns aos outros. Não havia, porém,
algazarra. O africano não grita. Era a melopeia, em coro, e ao som
compassado do tambor. (…) Havia também os batuques ao ar livre. (…) Um
dos mais populares era o do Campo do Bom Fim, em frente à capelinha
então em construção. Cada domingo que Deus dava era certo um batuque
ali, e o interessante é que muita gente se abalava da cidade para ir ver a
dança dos negros.

***

Fecha-se o século com duas grandes novidades:

1) Cinema!
Dia cinco de novembro de 1896, num salão do número 349 da Rua da
Praia, Porto Alegre recebe mais uma invenção do inquieto Thomas Edison:

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o Scinomotograf. Por um conto de réis por cabeça, o empresário paulista
Francisco de Paola Xavier mostrava à cidade pela primeira vez o milagre das
imagens em movimento. Foram projetados numa tela improvisada os
filmes Danse Serpentine e o primeiro filme da história, filmado apenas um
ano antes: L’Arrivée d’un Train em Gare de La Ciotat (A Chegada de Um
Trem na Estação), ambos dos irmãos Lumiére, mais Bois de Bologne, de
George Méliès. Os três, juntos, não chegam a três minutos de projeção. Mas
ninguém reclamou e a atração ficou em cartaz por algum tempo. Sem falar
que, ao contrário do que acontecera em Paris, pouquíssimo tempo antes,
ninguém saíra correndo quando o trem se aproximou.
Apenas três dias depois, e a poucos metros de distância (no número 230)
nasce a concorrência cinematográfica na cidade: o francês Georges
Renouleau, fotógrafo radicado em Porto Alegre, passa num legítimo
cinematógrafo construído pelos próprios irmãos Lumiére outros três
filmes: O Carroção, Uma Criança Brincando com Cachorros e Exercício de
Equitação por Militares.
(Quase todos podem ser vistos hoje, com dois ou três cliques no Google).

2) Telefonia!
Pois então. A gente acha que hoje os tempos correm céleres, mas apenas
10 anos depois de sua invenção pelo genial Graham Bell a nova tecnologia
tinha se espalhado tanto que já fazia sentido até uma Companhia Telefônica
de Porto Alegre. Dia 15 de setembro de 1886, a cidade seria a sexta a receber
a nova tecnologia no Brasil, incentivada por Dom Pedro II, um entusiasta de
toda e qualquer novidade. O serviço era caro, pago anualmente, mas se
espalhou rapidamente. Antes do final do século a cidade já tinha 300 linhas
– e os maiores clientes estavam no comércio, incluindo algumas das
primeiras tele-entregas do mundo. Bem antes do Uber Eats.
Achou pouco?
Pois em 1897 ou 98 (as fontes variam), estreia no Theatro São Pedro Sul
na Ponta. Era, salvo engano, a primeira peça de teatro de revista escrita no
estado. Achylles:

Era uma revista apimentada, escrita maliciosamente, com uma música


alegre e saltitante (…) Um verdadeiro sucesso. Foi recebido entre palmas,
toda vez que subiu à cena da revista o Ora, Tome, Mariquinhas. Versos
brejeiros que fariam corar um frade de pedra, e era sempre bisado.

Realmente, os tempos eram definitivamente outros. E o estado finalmente


começava a se recuperar do trauma que fora a revolução de 93, que lembrou
que civilização e barbárie seguiam perigosamente perto: a selvagem prática
da degola fora disseminada em ambos os lados do confronto, com aprovação
dos chefes das duas partes. Não há números exatos, mas pode ter chegado a

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2.500 o número de pescoços cortados a sangue frio, numa guerra civil onde
de três a quatro por cento da população do Rio Grande do Sul foi morta. O
que chegou a chocar mesmo um estado acostumado a confundir gente se
matando com macheza e trabalho honrado.

***

É nessa virada de século que, por todas as Américas, acontece de forma


inédita e simultânea o fascinante processo de nascimento das músicas
nacionais. O esquema é sempre o mesmo, e é curioso pensar que, de todas as
músicas populares que se transformaram em fenômenos culturais globais ao
longo do século XX, só a música eletrônica não foi parida desta mesma
síntese: músicas de diferentes culturas africanas escravizadas + música de
diferentes culturas europeias imigradas, misturadas em terras americanas.
De diferentes combinações destas matrizes nasceu o jazz, o tango, o samba, o
choro, as marchinhas, os ritmos cubanos, o blues. E, deles, mais tarde, o
rock, a bossa-nova, o soul, etc. etc. etc.
Só o parágrafo anterior daria uma tese de doutorado, mas cabe
aprofundar um pouco aqui, numa rápida passada pelo processo de síntese
que gerou cada um dos gêneros populares que viriam a se estabelecer na
cidade (alguns, desaparecendo mais tarde) ao longo do século XX.

O tradicionalista avant la léttre Cezimbra Jacques, escrevendo no final


de século XIX sobre um tempo já então remoto, resume a cena de que
partiremos:

(…) entre as altas classes, o fandango, que até pelos anos de 1839 e
1840 ainda era muito usado, foi sendo substituído pelas danças vindas da
Europa, como o ril, a gavota, o sorongo, o montenegro, a valsa, e mais tarde
as polcas, os chotes, as contradanças, as mazurcas, e finalmente as
lindas havaneiras, expressão musical do langor e dos requebros.

Além desses ritmos, havia também o lanceiro, a grulha e a maior


novidade dos salões de meados de 1850: uma dança chamada miudinho.
Enquanto as famílias mais aristocráticas ainda bailavam comportada e
afetadamente ao som dessas europeíces em encontros familiares nos salões
das casas mais abastadas, o povo ainda se divertia a valer com as
açorianas chimarritas, tiranas e canas-verdes – todas já com mais de um
século de vida porto-alegrense.
As novas danças de salão da elite eram tão complexas que criaram um
novo emprego: o mestre de cerimônias, também conhecido como animador
de bailes. O aumento do poder aquisitivo das classes mais altas da

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cidade chegava junto com toneladas de quinquilharias e artigos de luxo que
representassem o mais possível “europeização”.
Isso fez com que começassem a proliferar professores de dança e de
piano – instrumento que estreara no Brasil na bagagem da Família Real, em
1808, se espalharia pelas províncias nas décadas seguintes, e se popularizaria
em Porto Alegre em meados do século. Por volta de 1860 já há dezenas de
professores – como nosso citado Mingotão – dedicando-se a iluminar os
mistérios do teclado para as moçoilas casadoiras, que tinham nos seus
dotes pianísticos uma das mais relevantes e airosas prendas domésticas.
Como contaram os viajantes europeus de que falamos aqui anteriormente,
toda casa de família que se pretendesse “de bem” promovia saraus literários e
musicais, onde as filhas tocavam, os pais declamavam versos que lhe haviam
soprado as musas e uma que outra tia exercitava seus dotes líricos.
Pipocavam as valsas francesas e alemãs, polcas, schottisches, mazurkas
e cançonetas, deixando para trás as velhas quadrilhas, nascidas na Inglaterra
e incluídas na categoria das contradanças – country dances: ritmos de fora
da cidade (country), onde a moral ainda campeava e as pessoas não
dançavam em pares (ooohhh, indecência!), mas em grupos.
Esses ritmos para casais acabaram, evidentemente, dominando.
Seriam misturados, adaptados, definitivamente abrasileirados e, em alguns
casos, agauchados. Alguns mantiveram seus nomes originais, apesar de
ganharem características diferentes em cada região do Brasil e conforme o
estilo dos executantes. Como a primeira dança criada para se dançar em par:
a valsa. Uma valsa campeira gaúcha é bem diferente de uma valsa tocada por
um grupo de choro, por exemplo.
Outros gêneros viraram produtos 100% brasileiros.
Como o teuto-escocês schottisch, que virou chotis ou xotis, e depois,
finalmente, chote (como é no sul) ou xote (como é chamado no nordeste).
Possivelmente nascido na Escócia, vem daí seu nome, mas há quem sustente
que isso não quer dizer grande coisa e afirme que sua pátria original é mesmo
a Alemanha. O fato é que ele cai em cheio no agrado dos alemães do começo
do século XIX. Em 1848, vira moda na Inglaterra e na França. Daí para o
Brasil, seriam três anos: em 1851, o professor de dança Jules Toussaint o
ensina aos cariocas da Corte, e ele logo se populariza. Nas mãos dos futuros
chorões, algumas de suas variantes se desacelerariam e acabariam fundidas
com a já veterana modinha, outras virariam elementos essenciais das futuras
marchinhas. Se espalham pelo Brasil e, no Rio Grande do Sul e no Nordeste,
aportam junto com o início da difusão da gaita, fole, acordeom, sanfona ou
seja lá como o amigo queira chamar o instrumento. Resultado, como se viu:
logo o chote/xote terá sotaques bem diversos no sul e no nordeste.
Mais um exemplo: a habaneira, que tanto encantou Cezimbra Jacques.
Essa viajou uma barbaridade…

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Tudo começa no início do século XIX, quando uma country
dance tradicional do interior da Inglaterra começa a se espalhar pela Europa.
Na França, coerente com o hábito local de afrancesar as palavras
estrangeiras, virou contredanse (mudando inclusive o sentido de seu nome:
de dança do campo virou dança contrária). Foi com esse nome que
a contredanse foi exportada para colônias francesas como a de Santo
Domingo, no Caribe – a mais próspera colônia europeia da época.
Aí, quando os negros escravizados botaram os franceses pra correr –
proclamando a independência da Ilha, que passou a se chamar Haiti – os
brancos fugiram para o lugar mais perto: Cuba, colônia espanhola.
Inevitavelmente, a contradanse acabou se misturando aos ritmos
espanhóis e locais, principalmente na cidade de Santiago de Cuba, onde
virou contradanza. E aí quando chegou a Havana já ninguém mais sabia de
onde aquele negócio tinha saído. Acabaram achando que era de lá mesmo –
de certa forma até já era – e batizaram o “novo” ritmo: habanera. Isso já era
final do século XIX, e sua dolência era tão sedutora que se espalhou pelo
mundo, virando hit nas pistas de dança de Cuba, México e Espanha. Foi até
tema de ópera do francês Bizet – a celebérrima La Habanera de Carmen. Na
Argentina, foi uma das matrizes do tango. No Rio, influenciou fortemente
Ernesto Nazareth, que a acelerou, misturou com o tango e rebatizou
de tanguinho.
Pois então.

A habanera aparece em Porto Alegre pela primeira vez na década de


1880. Logo muitos dos compositores locais passam a se dedicar ao gênero,
escrevendo desde peças para piano solo até as mais variadas formações –
algumas delas editadas em partitura. Dali a pouco, o ritmo começa a acelerar
e pegar uma certa cor local. De Porto Alegre, ruma para o interior, onde tem
seu nome aportuguesado já nas primeiras décadas do século XX. De
havaneira vira “a vaneira”: vaneira. Acabaria ainda mais acelerada, e lá vem
o aumentativo puxando seu nome para… vanerão! Mas aí já estávamos na
década de 1950.
Long and winding road: a brava vaneira, o glorioso vanerão, defendido
com unhas e dentes pelos mais ortodoxos e xenófobos tradicionalistas
adeptos do “gaúcho melhor em tudo”, tiveram nascimento lento e inglês, e só
chegou aqui graças a compositores e instrumentistas cubanos. Mundo velho
sem porteira.
Esse é um dos aspectos mais fascinantes do estudo dos ritmos/gêneros
musicais e seus desdobramentos: estilos que muitos creem hoje como
profundamente campeiros aportaram em contextos urbanos. Outros não só
seguem existindo com suas adaptações às linguagens regionais como se
misturaram entre si, gerando variados filhos.

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É como explica o pesquisador argentino Pedro Ochôa, em um inédito
livro sobre o tango em Porto Alegre. Ele conta que, ao final do século XIX,

Valses, polcas, cuadrillas, lanceros, mazurcas, schottischs,


habaneras, no faltan en el carnet de baile de ninguna niña casadera desde
La Habana hasta Buenos Aires.

Passando, evidentemente, pelo Porto dos Casais.


E ainda nem falamos da polca!
Essa é especialmente fascinante: promíscua como só ela, foi uma
espécie de rock’n’roll do século XIX. Explodiu como febre mundial e
misturou-se a outros ritmos onde quer que chegasse, deixando pelo caminho
descendentes tão diferentes quanto o choro, o tango, o samba e o maxixe.
Polska quer dizer Polônia. Mas, na verdade, o ritmo é da Silésia, que
fazia parte da Boêmia, região oeste da hoje República Tcheca. Nascida no
começo do oitocento, a polska começa a se disseminar pela Europa a partir
de 1837, quando chega a Praga – capital cultural do poderoso Império
Austro-Húngaro. Dali, vira febre por toda a Europa, contagiosa como a gripe
espanhola. No mês de setembro de 1844 estava em Lisboa. Menos de um ano
depois, dia sete de julho de 1845, um concerto no Teatro São Pedro do Rio de
Janeiro apresenta “oficialmente” o ritmo aos brasileiros. Se instala a
epidemia. No ano seguinte estava disseminada pelos quatro cantos do
Império.
A coisa foi tão avassaladora que gerou até um verbo: polcar. Foi
definida pelo pesquisador José Ramos Tinhorão como uma
verdadeira loucura coletiva, e até Machado de Assis ironizou genialmente a
situação num retrato de época que é um de seus melhores contos: Um
Homem Célebre. Nele, Pestana é um celebrado compositor de polcas de
sucesso que tenta em vão se consagrar como autor de sofisticadas peças
eruditas. Mas seu talento era incontornável: o que quer que ele tentasse
virava um novo hit, imediatamente editado, tocado por todos e assoviado nas
ruas. Leia já!
No Rio Grande do Sul, a polca chega nas cidades maiores como dança
de salão, e dali volta ao campo, ainda que décadas e milhares de quilômetros
distante de seu torrão natal. Em pleno século XXI, além de ser até categoria
do Grammy – best polka performance – ela segue firme pelos suis, ainda
limpando bancos em bailes regionalistas, sob o nome de polca mesmo, ou sob
as alcunhas de limpa-banco, serrote ou gasta-sola.
História mais longa que essa, só a da valsa.
Primeiro ritmo popularmente global, ela nasceu em Viena, Áustria, em
meados do século XVIII, espalhando-se pela Europa ao final do mesmo. Na
França, ganharia um andamento mais lento e solene, e é esta primeira
variação que chega ao Brasil, junto com a Família Real Portuguesa. Foi uma

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das mais curiosas novidades trazidas pela turma de Dom João VI em 1808.
Nos anos 1820 já é tocada e dançada em todas as cidades mais importantes
do Brasil. Até o final do século, fundiria-se com os mais variados nascentes
sotaques regionais desse país continental.
Na mão de chorões do Rio de Janeiro ou Porto Alegre, iria
desenvolver-se cheia de contracantos nas cordas graves dos violões, às vezes
meio seresteira, fundindo-se com a modinha, rumo à valsa–canção.
Influenciaria a própria modinha, aliás. Esta é em compasso binário,
enquanto a valsa é ternária (alguns defendem que existe modinha ternária,
mas eu prefiro evitar esta discussão). No Brasil, ela também incorporaria as
modulações (trocas de tom) típicas das polcas e a inevitável melancolia local.
No Rio Grande do Sul dos primeiros anos do século XX, sua pulsação
ternária iria se abagualando na forma da valsa campeira, além de se
misturar com a (polonesa) mazurka e com a rancheira – um dos gêneros
mais populares até hoje no Estado (e no México), quase extinto no resto do
Brasil. Na capital, como se vai ver, seria cultivada à exaustão até a década de
1930, gerando o que chegou a ser chamado de valsa porto-alegrense.
Voltaremos a falar muito sobre isso.
Pra fechar: o tango. Há menções à palavra em Buenos Aires desde os
princípios do século XIX, como sinônimo de baile de negros, ao som de
tambores. Alguns afirmam que ele teria nascido na Andaluzia, Espanha, um
pouco mais tarde: meados do século XIX. Outros, como o pesquisador
argentino Enrique Binda, contestam completamente a ideia, e apontam o Rio
da Prata como sua terra natal – e, efetivamente, há uma matéria no
jornal Sudamerica, em 1888, que cita as diferenças entre tango, zarzuela e
habanera, comentando uma música que havia sido lançada por uma pianista
e compositora local (contemporânea de Chiquinha Gonzaga e da
gaúcha Lídia Knorr, aliás).
O fato é que há uma variação da habanera que passa a se chamar tango
enquanto desenvolve-se paralelamente no Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Montevideo e Buenos Aires. No Brasil, começa a aparecer com esse nome na
década de 1870, quando Henrique Alves de Mesquita, compositor bastante
popular, começar a escrever e publicar… tangos. Na verdade, se pode afirmar
com boa dose de certeza que Henrique efetivamente inventou o que ele
mesmo batizaria de “tango brasileiro”, misturando tango andaluz, habanera,
polca e lundu – o primeiro resultado da mistura é Olhos Matadores, de 1868
(editado quatro anos depois).
A partir daí, ninguém é capaz de definir precisamente quando deixa de
ser “tango brasileiro” (ou, no apelido carinhoso, tanguinho) para virar
maxixe, choro ou mesmo samba. Só sabe o nome do santo que fez o milagre.
Santa, aliás: Chiquinha Gonzaga.
O clássico Odeon, escrito por Ernesto Nazareth em 1910, por exemplo:
é um tanguinho, não um choro. Nazareth, aliás, escreveu mais de 90 tangos.

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Pedro Ochoa, músico, compositor, bailarino (de tango) e pesquisador
argentino:

Los tangos de Nazareth son plenamente brasileños; no obstante, en


algunos momentos, cuando conservan el pie con puntillo (a pulsação de
semínima pontuada) y la melodía sentimental de la habanera, recuerdan a
Francisco de Caro o a Enrique Delfino (grandes nomes do começo do tango
argentino como o conhecemos).

Na verdade, vale escutar tangos brasileiros e argentinos da mesma


época para sentir o quanto eles se assemelham.
Mas, ops!, nesse vai e vem já viramos de século há horas. Paremos para
retomar o fio da história.

Primeiro modelo comercial de telefone usado no Brasil. Aparelho sueco, já da


marca Ericsson (sim, a Ericsson não surgiu na era do celular...), de 1882.

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Kinetoscópio

Cinematographo

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Thomas Edison. Sim, era meio surdo. Sim, era um gênio.

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