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Porto Alegre, 1772
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Aí imagina o rolo: justamente no meio da tensão que resultaria no
massacre, chegam os inocentes imigrantes. Sua missão era povoar a área
situada justamente no coração da peleia. Quando souberam da roubada em
que iam se meter, concluíram que talvez fosse o caso de esperar um pouco
pra subir o rio.
Enquanto isso, descansariam dos quase três meses de viagem desde os
Açores: pequenas ilhas perdidas no meio do Atlântico Norte, na altura de
Portugal – mais perto da América do Norte do que do sul do Brasil. Pobres
açorianos: se chegando ao Novo Mundo encontraram esse pepino, a situação
no seu arquipélago natal também não estava nada boa. Uma série de
colheitas malsucedidas deixou a população sem ter o que comer. Foi quando,
ainda em 1746, foi acertado o envio de quatro mil casais da ilha para o Brasil.
Destes, só mil famílias (cinco mil pessoas), peitaram a viagem feita em
condições precárias até lugares de nomes animadores como Ilha do Desterro
– a atual Florianópolis.
A tradição fala até num número exato que teria aportado nas terras de
Ornellas: míticos 60 casais. “Vieram colocar-se no ponto em que hoje
pompeia, grande já e caminhando para o mais brilhante futuro, a nossa
formosa capital”. Essa frase, escrita em 1910, é de Achylles Porto Alegre, que
teve o melhor de suas duas dezenas de publicações compilado pela primeira
vez em 1940 no livro História Popular de Porto Alegre. É ele que também
registra como peculiaridade açoriana a sua “fecundidade extraordinária: (…)
raro é o casal que não contava mais de seis filhos, e alguns, como o do Lopes,
atingiram a fabulosa cifra de 21 filhos, e o do Manoel Jacintho, a de 30 filhos,
sendo 15 de cada uma das mulheres com quem foi casado!!” Com exclamação
e tudo.
Não é de admirar que o povoado tenha crescido rápido.
Na verdade, nem povoado era aquele punhado de (ainda segundo
Achylles): “choupanas de taquaras, ripas, barro e colmo, cobertas de capim,
aleatoriamente distribuídas onde é hoje a Praça da Alfândega”. Paralela à
praia, uma única rua, evidentemente batizada…
Rua da Praia.
E assim, completamente ao deus-dará, se passam vinte anos de
“acampamento provisório” do que já foi definido pelo pesquisador Eduardo
Neumann como os primeiros sem-terra da história do Rio Grande.
Por volta de 1770, o cenário já contava com uma enfermaria, armazéns,
aquartelamentos, alguma lavoura de trigo, plantações de frutas, cemitério e a
capela de São Francisco, localizada onde é hoje a esquina da rua da Praia com
a atual Caldas Júnior. Além dos açorianos originais, o povoado recebia muita
gente fugida dos castelhanos, que dominaram por 13 anos o sul do Estado.
Isso gerou alguma atividade como entreposto de comércio e muita frequência
de militares em alerta contra um possível ataque. O toque de recolher é
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obrigatório: ninguém nas ruas depois das nove da noite no inverno, dez da
noite no verão.
Um cenário quase desolador. Que é o que se mostra aos olhos do
governador José Marcelino de Figueiredo.
Governador?! Sim!
Marcelino é empossado em 23 de abril de 1769 e vem animado.
Porque, em função do rio, o povoado está situado em posição muito mais
estratégica do que a então capital Viamão. A 26 de março de 1772, Marcelino
consegue que o Vice-Rei desmembre esse porto da sua sede. E nasce aí a
Freguesia de São Francisco dos Casais, com suas mil almas e três ruas:
seguiam, paralelas à Rua da Praia, a Rua do Cotovelo (atual Riachuelo) e a
Rua Formosa (hoje Duque de Caxias).
Pouco mais de um ano depois, a freguesia é promovida a capital da
província, rebatizada de freguesia da Nossa Senhora da Madre de Deus de
Porto Alegre. E, provando a tradição de agilidade da burocracia luso-
americana, 27 anos depois Portugal paga a promessa de terras feita aos
pioneiros açorianos: desapropriam parte da sesmaria de Ignácio Francisco de
Melo, finalmente tornando donos de suas terras os imigrantes que ali
moravam (e alguns dos filhos dos que já tinham morrido esperando). Cada
família recebe um lote de meia data, cerca de 135 hectares. Obviamente, não
no atual centro da cidade, mas em zonas que, em alguns casos, são campo até
hoje, como os extremos suis de Porto Alegre. Como homenagem à paciência
lusitana, o agora município se chamava Porto dos Casais.
José Marcelino é reeleito e, veja que exótico, ordena que os vereadores
da cidade se mudem… para a cidade – todos até então viviam em Viamão e
pegavam o Caminho do Meio (atual avenida Protásio Alves) para vir “de a
cavalo’ de seus sítios quando havia sessão da câmara.
Em 1774, já eram 1.500 os porto-alegrenses. Um terço deles, população
escravizada. Proporção que se manteria inalterada por mais de 100 anos.
E a música ainda não apareceu nesta conversa. Mas vai.
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Tudo isso e ainda aquela farta produção de filhos! Bom. O que
dançavam? A chamarrita (no Rio Grande do Sul chamada de chimarrita) e o
pezinho, por exemplo. Também é bom explicar o que eram as cavalhadas:
alegóricas lutas entre mouros e cristãos, eram peças de resistência do folclore
ibérico que teriam, no futuro, adeptos como Bento Gonçalves, Davi
Canabarro e o Marechal Osório.
O rico folclore açoriano foi peça-chave na formação do que seria a
música gaúcha e porto-alegrense. Duzentos e setenta anos depois de
chegarem às margens do Guaíba, esses cantos e danças seguem fazendo parte
tanto do folclore das ilhas quanto do repertório dos Centros de Tradições
Gaúchas (CTGs) espalhados pelo mundo. Cantos e danças cuja origem se
perdem na mais profunda Idade Média europeia.
E aí vão se somando os elementos. Da música dos indígenas,
massacrada ou ignorada como os próprios, não restou nada. Mas no mesmo
1794 em que começa a exportação do trigo local e se torna obrigatório o
calçamento na frente das casas, é inaugurado o primeiro teatro da cidade.
A Casa da Commédia era pouco mais que um comprido barracão de
pau a pique, mas contava com 36 camarotes e uma plateia para mais de 300
espectadores – mais ou menos o mesmo tamanho do futuro Theatro São
Pedro. Mas não vingou. O pessoal gostava mesmo era das funções ao ar livre,
que aconteciam aos domingos e feriados. Era montado um tablado entre os
dois principais largos da cidade. E ali, conta o historiador Athos Damasceno,
trupes ocasionais de instrumentistas e funâmbulos
(equilibristas/malabaristas) ofereciam ao povo o variado programa de suas
habilidades e proezas.
Em 1803 (há quem fale em 1797), a Casa da Commédia muda de nome
e estado de espírito. Chama-se agora Casa da Ópera, e é a primeira
responsável por inocular na população o vírus do canto lírico, que viraria
epidemia meio século depois. Mas em pouco tempo ela também fecha suas
portas.
Mozart já tinha morrido, a corte portuguesa estava às vésperas de se
mandar pro Brasil e, desde a segunda invasão espanhola ao Rio Grande do
Sul, em 1773, a futura Porto Alegre era cercada de muros (de taipa), como as
cidades medievais. O único portão era guardado por soldados e, depois de
certa hora, ninguém entrava nem saía. Pra completar o quadro de pseudo-
burgo, tambores rufavam para avisar que havia algum novo edital a ser lido
na frente do palácio do governo. O escrivão ou sargento lia, e este era
repetido em voz altíssima pelo porteiro Manoel da Espada. Que, pra
melhorar as coisas, era fanho.
Cena maravilhosa, fala a verdade.
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Os registros locais mais antigos especificamente sobre música são de
bandas tocando pelas ruas em 1804, festejando a custosa reinauguração da
Casa da Ópera pelo governador Paulo José da Silva Gama. O teatro reaberto
receberia montagens dramáticas e pantomimas humorísticas encenadas pela
mocidade local – só na metade do século XIX é que a ópera em si,
principalmente italiana, começa a ditar moda para os postulantes à categoria
de pessoa refinada. Mas, também, daí até 1900, o vasto apetite operístico da
capital seria amplamente saciado, em função das temporadas de grandes
artistas europeus que faziam de Porto Alegre uma escala entre o centro do
país e o Teatro Colón de Buenos Aires.
As apresentações aconteciam, basicamente, aos domingos. Atrações
anunciadas pelos próprios artistas, ali mesmo no que foi batizado de Beco da
Ópera (a futura rua Uruguai). Dali saiam, ao meio-dia, meia dúzia de
mascarados ao som de tambores, trazendo cartazes escritos à mão. Dava
certo: à noite, lá se iam as famílias assistir o espetáculo, precedidas dos
meninos escravizados cuja missão era segurar lampiões – iluminação pública
não havia. E seguidas de criados carregando cadeiras – não, o teatro não as
fornecia.
Também se cantavam canções populares das quais só restaram os
curiosos títulos, como o Dueto do Meirinho e a Pobre, ou a Ária do Galego. E
há pelo menos um registro de letra, de uma ária finalizada com um trocadilho
que, se alguém entende hoje, por favor escreva para este autor explicando:
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estreia no Brasil Império com uma população de dez mil almas e elevada –
como todas as capitais de província – à condição de cidade.
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Mas, depois do Rio de Janeiro não tinha ainda visto uma cidade tão
imunda, talvez mesmo a Capital não o seja tanto (…) As encruzilhadas, os
terrenos baldios e, principalmente, as margens da lagoa são entulhadas de
sujeira; os habitantes só bebem água da lagoa e, continuamente, veem-se
negros encher seus cântaros no mesmo lugar em que os outros acabam de
lavar as mais emporcalhadas vasilhas.
Uma coisa o surpreende do mesmo modo que até hoje causa surpresa
em visitantes de países onde faz frio, seja a França ou a Argentina:
Essa casa era uma das mais prestigiosas de Porto Alegre. (…)
Encontrei num salão bem mobiliado e forrado de papel francês, uma
reunião de 30 a 40 pessoas, entre homens e mulheres. Em se tratando de
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parentes e amigos íntimos, não havia luxo nos trajes. (…) Dançaram valsas,
contradanças e bailados espanhóis; algumas senhoras tocaram piano,
outras cantaram com muita propriedade, acompanhadas ao violão, e o
sarau terminou com jogos de salão.
E segue:
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Logo em seguida, sua mirada, que já não era boa, piora:
Não posso silenciar: as brasileiras desta Província não são nem belas
nem graciosas. Em vão exageram e sobrecarregam-se de joias, broches,
flores e ninharias: tudo isso não anima sua tez, nem dá expressão a seus
olhos. (…) Sua fisionomia (…) não indica nada, nem mesmo ingenuidade.
Têm, em público, um rosto de autômatas e nada mais. Eis o que fizeram os
portugueses! Dizem que elas são muito vivazes na intimidade e
apaixonadas ao excesso, mas apaixonadas por si mesmas.
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O Candombe da Mãe Rita reunia nos domingos a tarde pretos
roubados de variadas nações africanas, que ali misturavam suas diferentes
músicas, tocadas com uma variedade de instrumentos de dar água na boca de
qualquer percussionista. Além de tambores variados havia: sopapos – surdo
gigante, tocado com a mão, típico do Rio Grande do Sul, revitalizado no final
do século XX a partir do cantor, percussionista e compositor Giba-
Giba; canzás – nome que pode definir o atual ganzá (chocalho) ou
um tipo de reco-reco; urucungos – o berimbau original, africano; e balafons
– a mãe africana da marimba e do xilofone.
Ao som dessa festa de percussão, os negros cantavam e dançavam até o
transe religioso. Nessa época, pelo menos, a polícia não se metia.
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Tambor de Sopapo (Aquarela de Rudolf Wendroth)
Balafon
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Canzá
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fica proibido o jogo do Entrudo dentro do município, qualquer pessoa
que o jogar incorrerá na pena de dois mil réis a doze, e não tendo como
satisfazer sofrerá de dois a oito dias de prisão.
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O entrevero, com suas idas e vindas (incluindo uma proclamação da
República, separando parte do Rio Grande do Sul do Brasil), iria até 1845 –
quando o tratado de Ponche Verde encerra tudo de forma melancólica para
uns e terrível para outros, como os lanceiros negros traídos e chacinados no
Massacre de Porongos (dá um Google).
A capital é então a quarta maior cidade do Império, com os já citados
13.500 habitantes. E capital de um estado que adorava uma peleia. Até o final
do século ainda haveria: a guerra contra o ditador argentino Juan Manuel de
Rosas – 1851 –; a intervenção no Uruguai – 1864 –; a Guerra do Paraguai –
1864 a 1870 –; a Revolução Federalista – 1893 a 1895. Sem contar, em
1874, o massacre da seita religiosa dos muckers, surgida no meio das
colônias alemãs do Vale dos Sinos e liderada por Jacobina Maurer.
Estabilidade político-administrativa também não era o forte do
pessoal: nos 67 anos entre a Independência, em 1822, e a República, em
1889, se sucederam nada menos que 86 governadores. E não melhorou
depois: da proclamação, em novembro de 1889, até a deposição de Júlio de
Castilhos, governador eleito em 1891, foram mais 18 presidentes da
província! Em três anos.
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Negro, nascido em 1800, em Vila Rica (hoje Ouro Preto), José Joaquim
de Mendanha fez-se irmão de caridade. Mas sua maior dádiva aos mortais e
imortais seriam seus dotes musicais.
Ele precisou de toda sua fé na justiça divina em 1837: tava lá, no bem-
bom, empregado como cantor falsetista da Capela Imperial, na corte, quando
o mandam para a longínqua Província de São Pedro, no posto de Mestre da
Banda do Segundo Batalhão de Caçadores da Primeira Linha. E em plena
Guerra dos Farrapos!
Em 30 de abril de 1838 as forças imperiais são derrotadas em Rio
Pardo, e ele e sua Banda caem prisioneiros dos rebeldes. Já que lá tá, que
lá teje: puxa seus dotes de multi-instrumentista e passa a animar os bailes
farrapos. Em seguida, recebe a encomenda: escrever nada menos que o Hino
Farroupilha – hoje hino oficial do estado. Pouco depois, é recapturado pelas
forças imperiais, mas já era tarde: tinha se agradado da terra e sua gente.
Antes mesmo de terminada a guerra, em 1842 se estabelece em Porto Alegre.
Quando morreu, em 1885, tinha 85 anos, o título de comendador (um
comendador negro, e antes da Abolição) e a aclamação de estrela local:
dirigira bandas, corais e orquestras, e fora professor de duas gerações de
músicos, militando tanto na música popular quanto na sacra – foi um dos
maiores divulgadores de seu contemporâneo e colega de batina padre José
Maurício. Batina que nunca o impediu de, segundo relatos da época, ter
especial predileção pela ala feminina dos corais que regia, tendo criado
inclusive um coral exclusivamente feminino e desdobrando-se em
salamaleques para dar a devida atenção a todas as sopranos, mezzos e
contraltos. Achylles Porto Alegre é quem entrega:
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A primeira letra do Hino Farroupilha. Publicada em O Povo, n. 63, p. 265)
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Thomas Edison
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hilaridade que tomava conta das ruas quando os desconjuntados grupos
saíam. Só paravam de tocar para que os oradores improvisados destruíssem
sem dó nem piedade a gramática, em discursos obrigatoriamente sem pé
nem cabeça.
Em 1874 estreiam os corsos, com as sociedades carnavalescas
desfilando seus carros alegóricos puxados por cavalos através de ruas
enfeitadas para a ocasião. As mais antigas foram fundadas em 1873 com a
declarada missão de matar o entrudo. Eram elas a S.C. Esmeralda e
a Venezianos, vindo a seguir as pioneiras os Congos, os Tenentes do Diabo e
os Filhos do Inferno. Por que pioneiras? Porque eram nelas que a população
negra (livre e escravizada) da cidade reunia dois objetivos: desfilar no
carnaval da forma mais impressionante possível, e realizar espetáculos para
arrecadar fundos usados para comprar cartas de alforria.
Pra completar, a alemoada da cidade (alemoada, em gauchês: coletivo
de descendentes de alemães – incluindo, se necessário, alguns alemães de
origem) funda a Sociedade Germânia. Já existia o clube que depois de
chamaria SOGIPA, desde 1867.
Juntos, imigrantes, senhores de escravos e as pessoas a quem
escravizavam conseguiram o que a polícia não havia conseguido. Tá lá no
jornal A Reforma, na edição de 19 de fevereiro de 1874 (evidentemente,
omitindo a contribuição das sociedades dos imigrantes e dos negros):
Parece tudo lindo. Mas a trégua duraria três anos. Em 1877, o entrudo
volta com tudo, e por pressão popular. O povo queria voltar a brincar sem ter
de pertencer a nenhuma sociedade.
Mas o irônico é que, mesmo nas festas da elite, o bicho pegava. Como
no carnaval de 1883, segundo o jornal O Século:
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CONGOS que ainda não deixam decair no conceito do estrangeiro civilizado
que assiste às nossas festas.
TEATRO DE VARIEDADES
SOCIEDADE CARNAVALESCA CONGOS
Grandi trumentação!!!
Grandi situsiasmo!!!
REGÁRA ÔIO! ABRE ÔBIDO!!!
Sicuta esse
Nosso tomá riberação prá reárizá grandi foria ni 3 dia di cranavá; nosso
vai zirifetuá com todo baruio esse fesita, a fim de nosso rancá di féra di
cravidão uma nosso pracêro; po isso nosso turo bem trazê ni frente dus ôio
di branco qui gerita di ribredade, esse uato di grandi firantropia.
Agora nosso turo ficá siperando qui essi genti qui é fio dessa tera, não bai
deixá di parecê, proquê Papai di Nosso qui tá ni céu ade judá a Papai e
Mamãi di fio di tera, aquere qui fá quarijuvá nosso, ni esse borabadá.
Pressita tenção!!
Siri programa bai se distribuída pro meio di esse couza qui tá casando
seripece ni quagueça di gente tura i qui si chamá – Terefone – i esse di
diztribuição di esse quaqué áde tê rugá ni Romingo, 4 di febrera di ano qui
tá caminhando.
PREÇOS
Camarotes com 5 entradas 5$000
Cadeiras 1$000
Gerais 500
Chuta di Zambezi ni Porito Aregre, 30 di mezi qui tá prá cabá.
O 1o Crivão
Paleguá Mongonguê
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(De todas as sociedades de negros libertos fundadas no final da
escravatura em Porto Alegre, resistiu até hoje a Sociedade Floresta Aurora.
Sem vinculação direta com o Carnaval, é um dos clubes mais antigos da
cidade, fundado em 1879. De 1902 é a primeira célula da Associação Satélite
Prontidão, clube da comunidade negra porto-alegrense ligado à atividade do
carnaval, que segue ativo.)
Em 1880, a grande novidade são os bailes públicos de Carnaval, com
sucesso imediato. Promovidos até em lugares chiques como o Theatro São
Pedro, eram abertos a qualquer um, fosse ou não filiado a alguma sociedade
carnavalesca.
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alemãs de São Leopoldo e Novo Hamburgo – esta última, a 40 quilômetros
da capital.
Outra novidade eram as ruas com iluminação a gás. Mas que ninguém
pense que a cidade fervia de modernidade. Achylles Porto Alegre, escrevendo
em 1919, joga água na fervura:
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A orchestra, composta de violões, bandurras, bandolins, um violino e um
violoncelo, regida pelo professor Luiz Roberti, executou de cór todas as
peças, obtendo aplausos espontaneos que, por fim, se transformaram em
ovação consagrada pelo auditório a moços tão dedicados à música e
animados por ella, como se patentearam “os sócios executantes” da
Estudantina.
A segunda parte do concerto foi preenchida pelas distinctas
amadoras e amadores que prestaram a sua coadjuvação (…) O número
mais característico, porém, foi o solo para violão, com acompanhamento,
executado pelos srs. Pinto Gomes e Pedro Alvares: este numero, admirável
no seu desempenho, foi bisado.
Dirigimos as nossas felicitações à activa directoria e aos zelozos
amadores de musica, membros da sociedade, que figuravam no referido
concerto, pela sua bem sucedida estréa, saudando igualmente o progresso
que a arte musical aufere da fundação de uma sociedade que tão
dedicadamente se lhe devota.
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livro, é ele o maestro da orquestra que, no Theatro São Pedro, abre a função
durante uma temporada de uma montagem local de A Dama das Camélias.
Não das melhores, registre-se:
E segue:
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Rio Grande do Sul entre 1824 e 1839, umas mais ou menos 5 mil almas. Na
sua maior parte, eram camponeses que haviam perdido suas terras. E terra –
em tese – era o que não faltava no sul do Brasil. Chegaram e pegaram as
melhores, perto da capital. Daí, quando a partir de 1875 vieram os italianos,
já tiveram de ir mais longe, instalando-se na serra gaúcha. Até o final do
século, navios trouxeram para o Rio Grande do Sul 84 mil oriundi. Mais
abertos a integrar-se com a população local, mais urbanos que os alemães e
falando uma língua neolatina, bem mais próxima do português, eles também
chegaram em maior número e muitos fixaram-se na capital. Em 1890, são
10% dos 52 mil porto-alegrenses.
Com sua forte tradição musical, evidentemente havia muitos músicos
entre eles. Alguns vão ganhar seu sustento tocando nas esquinas, vários deles
em grupos cuja formação seria hoje curiosa, mas que era comum então:
harpa, flauta e violinos. O repertório era de seleções líricas – os greatest
hits de então –, preferencialmente de Verdi.
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Havia também o violonista negro João Batista, que, cego, e virtuose
em seu instrumento, jamais aceitava esmolas. Tocava apenas nas casas de
comércio que o convidassem, mediante um cachê que poderia até ser
irrisório. Mas era cachê.
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Aqui vale um parêntese para três fatos que marcariam para sempre o
imaginário local:
2) Em 1865 foi a única que vez que toda e qualquer festividade foi
cancelada na cidade (agora parece que 2020 terá a segunda). A culpa foi da
epidemia de cólera, que causou expressivas baixas na população, cancelando
toda diversão em grupo.
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livro em 1850. Não sei vocês, mas eu acho uma delícia imaginar que Catarina
poderia ter lido alguma tradução dessa história e achado uma excelente
ideia.
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Cantando Uê, Pai João
Saem os Catidumbas
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enfileirava os copos de cristal do estabelecimento, afinava-os com água e
mandava ver etéreas melodias no seu copofone.
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1) Cinema!
Dia cinco de novembro de 1896, num salão do número 349 da Rua da
Praia, Porto Alegre recebe mais uma invenção do inquieto Thomas Edison:
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o Scinomotograf. Por um conto de réis por cabeça, o empresário paulista
Francisco de Paola Xavier mostrava à cidade pela primeira vez o milagre das
imagens em movimento. Foram projetados numa tela improvisada os
filmes Danse Serpentine e o primeiro filme da história, filmado apenas um
ano antes: L’Arrivée d’un Train em Gare de La Ciotat (A Chegada de Um
Trem na Estação), ambos dos irmãos Lumiére, mais Bois de Bologne, de
George Méliès. Os três, juntos, não chegam a três minutos de projeção. Mas
ninguém reclamou e a atração ficou em cartaz por algum tempo. Sem falar
que, ao contrário do que acontecera em Paris, pouquíssimo tempo antes,
ninguém saíra correndo quando o trem se aproximou.
Apenas três dias depois, e a poucos metros de distância (no número 230)
nasce a concorrência cinematográfica na cidade: o francês Georges
Renouleau, fotógrafo radicado em Porto Alegre, passa num legítimo
cinematógrafo construído pelos próprios irmãos Lumiére outros três
filmes: O Carroção, Uma Criança Brincando com Cachorros e Exercício de
Equitação por Militares.
(Quase todos podem ser vistos hoje, com dois ou três cliques no Google).
2) Telefonia!
Pois então. A gente acha que hoje os tempos correm céleres, mas apenas
10 anos depois de sua invenção pelo genial Graham Bell a nova tecnologia
tinha se espalhado tanto que já fazia sentido até uma Companhia Telefônica
de Porto Alegre. Dia 15 de setembro de 1886, a cidade seria a sexta a receber
a nova tecnologia no Brasil, incentivada por Dom Pedro II, um entusiasta de
toda e qualquer novidade. O serviço era caro, pago anualmente, mas se
espalhou rapidamente. Antes do final do século a cidade já tinha 300 linhas
– e os maiores clientes estavam no comércio, incluindo algumas das
primeiras tele-entregas do mundo. Bem antes do Uber Eats.
Achou pouco?
Pois em 1897 ou 98 (as fontes variam), estreia no Theatro São Pedro Sul
na Ponta. Era, salvo engano, a primeira peça de teatro de revista escrita no
estado. Achylles:
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2.500 o número de pescoços cortados a sangue frio, numa guerra civil onde
de três a quatro por cento da população do Rio Grande do Sul foi morta. O
que chegou a chocar mesmo um estado acostumado a confundir gente se
matando com macheza e trabalho honrado.
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(…) entre as altas classes, o fandango, que até pelos anos de 1839 e
1840 ainda era muito usado, foi sendo substituído pelas danças vindas da
Europa, como o ril, a gavota, o sorongo, o montenegro, a valsa, e mais tarde
as polcas, os chotes, as contradanças, as mazurcas, e finalmente as
lindas havaneiras, expressão musical do langor e dos requebros.
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cidade chegava junto com toneladas de quinquilharias e artigos de luxo que
representassem o mais possível “europeização”.
Isso fez com que começassem a proliferar professores de dança e de
piano – instrumento que estreara no Brasil na bagagem da Família Real, em
1808, se espalharia pelas províncias nas décadas seguintes, e se popularizaria
em Porto Alegre em meados do século. Por volta de 1860 já há dezenas de
professores – como nosso citado Mingotão – dedicando-se a iluminar os
mistérios do teclado para as moçoilas casadoiras, que tinham nos seus
dotes pianísticos uma das mais relevantes e airosas prendas domésticas.
Como contaram os viajantes europeus de que falamos aqui anteriormente,
toda casa de família que se pretendesse “de bem” promovia saraus literários e
musicais, onde as filhas tocavam, os pais declamavam versos que lhe haviam
soprado as musas e uma que outra tia exercitava seus dotes líricos.
Pipocavam as valsas francesas e alemãs, polcas, schottisches, mazurkas
e cançonetas, deixando para trás as velhas quadrilhas, nascidas na Inglaterra
e incluídas na categoria das contradanças – country dances: ritmos de fora
da cidade (country), onde a moral ainda campeava e as pessoas não
dançavam em pares (ooohhh, indecência!), mas em grupos.
Esses ritmos para casais acabaram, evidentemente, dominando.
Seriam misturados, adaptados, definitivamente abrasileirados e, em alguns
casos, agauchados. Alguns mantiveram seus nomes originais, apesar de
ganharem características diferentes em cada região do Brasil e conforme o
estilo dos executantes. Como a primeira dança criada para se dançar em par:
a valsa. Uma valsa campeira gaúcha é bem diferente de uma valsa tocada por
um grupo de choro, por exemplo.
Outros gêneros viraram produtos 100% brasileiros.
Como o teuto-escocês schottisch, que virou chotis ou xotis, e depois,
finalmente, chote (como é no sul) ou xote (como é chamado no nordeste).
Possivelmente nascido na Escócia, vem daí seu nome, mas há quem sustente
que isso não quer dizer grande coisa e afirme que sua pátria original é mesmo
a Alemanha. O fato é que ele cai em cheio no agrado dos alemães do começo
do século XIX. Em 1848, vira moda na Inglaterra e na França. Daí para o
Brasil, seriam três anos: em 1851, o professor de dança Jules Toussaint o
ensina aos cariocas da Corte, e ele logo se populariza. Nas mãos dos futuros
chorões, algumas de suas variantes se desacelerariam e acabariam fundidas
com a já veterana modinha, outras virariam elementos essenciais das futuras
marchinhas. Se espalham pelo Brasil e, no Rio Grande do Sul e no Nordeste,
aportam junto com o início da difusão da gaita, fole, acordeom, sanfona ou
seja lá como o amigo queira chamar o instrumento. Resultado, como se viu:
logo o chote/xote terá sotaques bem diversos no sul e no nordeste.
Mais um exemplo: a habaneira, que tanto encantou Cezimbra Jacques.
Essa viajou uma barbaridade…
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Tudo começa no início do século XIX, quando uma country
dance tradicional do interior da Inglaterra começa a se espalhar pela Europa.
Na França, coerente com o hábito local de afrancesar as palavras
estrangeiras, virou contredanse (mudando inclusive o sentido de seu nome:
de dança do campo virou dança contrária). Foi com esse nome que
a contredanse foi exportada para colônias francesas como a de Santo
Domingo, no Caribe – a mais próspera colônia europeia da época.
Aí, quando os negros escravizados botaram os franceses pra correr –
proclamando a independência da Ilha, que passou a se chamar Haiti – os
brancos fugiram para o lugar mais perto: Cuba, colônia espanhola.
Inevitavelmente, a contradanse acabou se misturando aos ritmos
espanhóis e locais, principalmente na cidade de Santiago de Cuba, onde
virou contradanza. E aí quando chegou a Havana já ninguém mais sabia de
onde aquele negócio tinha saído. Acabaram achando que era de lá mesmo –
de certa forma até já era – e batizaram o “novo” ritmo: habanera. Isso já era
final do século XIX, e sua dolência era tão sedutora que se espalhou pelo
mundo, virando hit nas pistas de dança de Cuba, México e Espanha. Foi até
tema de ópera do francês Bizet – a celebérrima La Habanera de Carmen. Na
Argentina, foi uma das matrizes do tango. No Rio, influenciou fortemente
Ernesto Nazareth, que a acelerou, misturou com o tango e rebatizou
de tanguinho.
Pois então.
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É como explica o pesquisador argentino Pedro Ochôa, em um inédito
livro sobre o tango em Porto Alegre. Ele conta que, ao final do século XIX,
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das mais curiosas novidades trazidas pela turma de Dom João VI em 1808.
Nos anos 1820 já é tocada e dançada em todas as cidades mais importantes
do Brasil. Até o final do século, fundiria-se com os mais variados nascentes
sotaques regionais desse país continental.
Na mão de chorões do Rio de Janeiro ou Porto Alegre, iria
desenvolver-se cheia de contracantos nas cordas graves dos violões, às vezes
meio seresteira, fundindo-se com a modinha, rumo à valsa–canção.
Influenciaria a própria modinha, aliás. Esta é em compasso binário,
enquanto a valsa é ternária (alguns defendem que existe modinha ternária,
mas eu prefiro evitar esta discussão). No Brasil, ela também incorporaria as
modulações (trocas de tom) típicas das polcas e a inevitável melancolia local.
No Rio Grande do Sul dos primeiros anos do século XX, sua pulsação
ternária iria se abagualando na forma da valsa campeira, além de se
misturar com a (polonesa) mazurka e com a rancheira – um dos gêneros
mais populares até hoje no Estado (e no México), quase extinto no resto do
Brasil. Na capital, como se vai ver, seria cultivada à exaustão até a década de
1930, gerando o que chegou a ser chamado de valsa porto-alegrense.
Voltaremos a falar muito sobre isso.
Pra fechar: o tango. Há menções à palavra em Buenos Aires desde os
princípios do século XIX, como sinônimo de baile de negros, ao som de
tambores. Alguns afirmam que ele teria nascido na Andaluzia, Espanha, um
pouco mais tarde: meados do século XIX. Outros, como o pesquisador
argentino Enrique Binda, contestam completamente a ideia, e apontam o Rio
da Prata como sua terra natal – e, efetivamente, há uma matéria no
jornal Sudamerica, em 1888, que cita as diferenças entre tango, zarzuela e
habanera, comentando uma música que havia sido lançada por uma pianista
e compositora local (contemporânea de Chiquinha Gonzaga e da
gaúcha Lídia Knorr, aliás).
O fato é que há uma variação da habanera que passa a se chamar tango
enquanto desenvolve-se paralelamente no Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Montevideo e Buenos Aires. No Brasil, começa a aparecer com esse nome na
década de 1870, quando Henrique Alves de Mesquita, compositor bastante
popular, começar a escrever e publicar… tangos. Na verdade, se pode afirmar
com boa dose de certeza que Henrique efetivamente inventou o que ele
mesmo batizaria de “tango brasileiro”, misturando tango andaluz, habanera,
polca e lundu – o primeiro resultado da mistura é Olhos Matadores, de 1868
(editado quatro anos depois).
A partir daí, ninguém é capaz de definir precisamente quando deixa de
ser “tango brasileiro” (ou, no apelido carinhoso, tanguinho) para virar
maxixe, choro ou mesmo samba. Só sabe o nome do santo que fez o milagre.
Santa, aliás: Chiquinha Gonzaga.
O clássico Odeon, escrito por Ernesto Nazareth em 1910, por exemplo:
é um tanguinho, não um choro. Nazareth, aliás, escreveu mais de 90 tangos.
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Pedro Ochoa, músico, compositor, bailarino (de tango) e pesquisador
argentino:
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Kinetoscópio
Cinematographo
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Thomas Edison. Sim, era meio surdo. Sim, era um gênio.
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