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SÉCULOS XVI A XX
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Publicado previamente em Marilza de Oliveira (Org. 2006). Língua Portuguesa em São Paulo: 450 anos.
São Paulo: Humanitas, pp. 19-38.
naturalidades, que possam ter aportado contribuições culturais e lingüísticas à exígua
sociedade paulista que se construía.
Ao longo das primeiras décadas de povoamento, e mesmo antes de Tomé de Sousa
desembarcar, a presença de castelhanos era, segundo os indícios, relativamente natural.
Embora rivais e comumente em conflito na Península Ibérica e no processo de construção
de seus espaços coloniais, podiam ser acolhidos em um porto tal como São Vicente, após
naufrágios, implicando em períodos mais ou menos prolongados de inevitável
convivência, até que fosse providenciado o transporte para domínios de Castela. O caso
mais notório dessa prática nos é fornecido por Hans Staden em seus relatos. À parte de
suas famosas descrições do cativeiro junto aos índios, o que nos interessa mais
particularmente é a informação de que chegara a São Vicente acolhido de um naufrágio de
embarcação castelhana, que se dirigia para o rio da Prata. Ainda mais significativo é o fato
de que não chegara, na qualidade de alemão incorporado como artilheiro, a ser recolhido
como prisioneiro, mas, pelo contrário, fora incorporado, como verdadeiro mercenário que
era, para compor a guarnição da fortaleza de Bertioga. A carência de europeus priorizava
tal prática, ignorando eventuais divergências políticas metropolitanas.
O próprio Hans Staden nos informa, também, da presença de outros estrangeiros,
alguns dos quais náufragos em sua companhia e que, chegados a São Vicente, procuraram
algum trabalho para ganhar seu sustento e viviam em uma aparente harmonia no pequeno
povoado (Staden 1999: 50):
‘Certo dia veio me ver na fortificação onde eu morava um espanhol da ilha de São Vicente
(...). Com ele veio um alemão de nome Heliodorus Hessus, filho do falecido Eobanus Hessus.
Heliodorus trabalhava num engenho de São Vicente (...). Este pertencia a um genovês de nome
Giuseppe Adorno.’ (Staden 1999: 53).
Outros ali estavam em função dos supostos lucros da incipiente produção açucareira,
tal como o ‘representante ou feitor de nome Peter Rösel’, ali radicado em nome de
comerciantes de Antuérpia (Staden 1999: 116).
Seja como for, à presença de comerciantes ou colonos estrangeiros vinham se somar
os franceses, formalmente os grandes inimigos no contato e comércio com os índios, a
freqüentar com desenvoltura as tribos do litoral norte. Embora não saibamos que gênero de
contato eventualmente se entreteve com os franceses, a assiduidade destes entre os
indígenas do litoral norte paulista deve ter permitido eventuais encontros, pacíficos ou não.
Serra acima, o povoamento iria se desenvolver após a ereção do colégio jesuíta de
São Paulo e a extinção forçada do núcleo povoador de Santo André da Borda do Campo. A
partir da nova vila, ainda no tempo de Tomé de Sousa, já se entretinha contatos comerciais
com a igualmente recém-criada vila de Assunção, no Paraguai atual. Essa tendência de
contato interiorizado rumo ao Paraguai era facilitada pela existência de antigas rotas
indígenas unindo aquela região ao litoral paulista, constituindo o chamado ‘caminho do
Peabiru’. Nas palavras do governador,
‘... achei que os de São Vicente se comunicavam muito com os castelhanos, e tanto que na
alfândega de V. A. rendeu este ano passado cem cruzados de direitos de coisas que os
castelhanos trazem a vender. E por ser com esta gente que parece que por castelhanos, não se
pode V. A. desapegar deles em nenhuma parte, ordenei com grandes penas que este caminho
se evitasse até o fazer saber a V. A.. e pôr nisto grandes guardas; e foi a causa por onde
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folguei de fazer as povoações que tenho dito no campo de São Vicente, de maneira que me
parece que o caminho estará vedado...’ (Sousa 1989: 186).
Tais contatos, por terra ou por mar, foram mais ou menos constantes ao longo do
período colonial, ao sabor das circunstâncias políticas e econômicas locais e européias. A
despeito de eventuais conflitos entre as duas metrópoles, os colonos tendiam a perseguir os
lucros do comércio quase sempre ilegal, de contrabando, entre as partes da capitania de
São Vicente e as possessões castelhanas do Rio da Prata e Paraguai. Os próprios
governadores das capitanias eram useiros em entreter tais negócios, de maneira nem
sempre discreta.
Não seria demais lembrar, também, que dentre os jesuítas presentes na capitania,
alguns, tal como o próprio Anchieta, eram de origem castelhana, e temos o testemunho de
suas abundantes correspondências redigidas nessa língua (Leite 1954). Nesse sentido, o
fato de serem os principais responsáveis pelo ensino e disporem de bibliotecas os
envolviam com o esforço de alfabetização dos homens principais da terra. Estes, assim,
aprendiam a ler e a escrever com homens que dominavam perfeitamente o castelhano, e
que certamente dele se utilizavam em suas atividades rotineiras, aí incluído o ensino.
A partir de 1580, quando da União Ibérica entre Espanha e Portugal, e apesar da
separação administrativa das possessões das duas coroas, a presença de súditos espanhóis
tornou-se mais provável e pouco surpreendente no cotidiano colonial. Talvez a mais
notória presença em São Paulo tenha sido a de D. Luiz de Céspedes Xeria, Governador do
Paraguai, que desceu o rio Tietê em 1628 para tomar posse de seu cargo em Assunção.
Além disso, frotas castelhanas freqüentaram, em vários momentos, o litoral vicentino, com
total liberdade – inclusive para tentar combater os holandeses -, graças ao novo contexto
político ibérico.
Mas talvez o maior contato com os colonos de Castela tenha sido promovido em
função da preação de índios. À instalação dos primeiros povoados das missões jesuíticas, a
partir da década de 1610, seguiu-se, na década seguinte, as primeiras razias mais
consistentes de paulistas em busca da mão-de-obra ali reunida em grandes contingentes.
Embora a maior parte dos ataques tenha sido desfechada em território formalmente
submetido aos domínios de Castela, a conivência interessada do Governador Céspedes
Xeria, que mantinha laços familiares e econômicos com o Rio de Janeiro, aliada ao
contexto da União Ibérica, deixaram os bandeirantes sem embaraços para agir. Paraguaios
e paulistas tinham em comum o interesse em desbaratar as missões, visto que discordavam
da atuação dos jesuítas no controle da população indígena. Os sucessivos ataques às
missões sugerem o bom contato entre os colonos de ambas as partes, que iriam se
materializar, inclusive, em alianças matrimoniais.
A partir de 1640, com o fim da União Ibérica, os ataques dos bandeirantes se
desviaram para o Brasil central, novo foco da caça ao índio. Mesmo assim, os contatos
com os vizinhos parece ter sido preservado. Em data bem mais tardia, nas décadas finais
do século XVII, podemos detectar, nos registros documentais da vila de Sorocaba, a
presença de inúmeras famílias de origem castelhana – Zuñiga, Ponce de León, Torales,
Peralta – cujos membros ocuparam cargos públicos e contraíram matrimônio com os filhos
e filhas de famílias paulistas (Bacellar 2001: 14; Almeida 1938: 137).
A presença quase que contínua de alguns castelhanos nas terras de São Paulo ao
longo do século XVII, além de notícias esparsas de contatos via comércio ou contrabando,
nos dizem que o propalado isolamento da sociedade paulista não era tão severo como se
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poderia esperar. Seria, nesse sentido, interessante tentar analisar a escassa documentação
camerária e cartorial desse período em busca de indícios da língua castelhana no cotidiano
do colono, a sinalizar uma maior ou menor influência do falar e no escrever do português
em São Paulo.
Os sinais de nativos de outras naturalidades em terras paulistas parece ter minguado a
partir de finais do século XVII, justamente quando se descobriram os primeiros veios
auríferos em Minas Gerais. Embora se faça necessário maiores estudos para confirmar tal
assertiva, não seria exatamente uma surpresa detectar uma crescente dificuldade para os
estrangeiros penetrarem no território não somente de São Paulo, mas da América
Portuguesa em geral. Afinal de contas, a descoberta do ouro desencadeara uma reviravolta
nos destinos da colônia, provocando um esforço por parte da Metrópole no sentido de
buscar seu fechamento para o exterior. Visava-se, com isso, barrar o acesso e mesmo o
conhecimento mais detalhado das riquezas minerais, que, pensava-se, deveriam ser
ciosamente guardadas.
O projeto de centralização administrativa e ampliação da vigilância, visando a um
mais perfeito controle fiscal, resultou, de modo bastante claro, na tentativa de obstaculizar
o acesso às Gerais, através da implantação de barreiras ao longo dos caminhos que agora
conduziam levas crescentes de aventureiros para o interior da colônia. Isto, muito
provavelmente, se refletiu com alguma intensidade nas capitanias imediatamente vizinhas,
fazendo de eventuais forasteiros suspeitos em potencial. Não obstante, as vilas próximas
dos caminhos para Minas Gerais, Cuiabá e Goiás passaram a ter um contato cada vez
maior com uma população em deslocamento, viajantes em demanda das riquezas do ouro.
Oriundos de diversas partes da América Portuguesa e da própria Metrópole, vinham juntos
com uma profusão de escravos africanos, alterando profundamente o cotidiano das
populações dessas vilas.
A descoberta dos veios auríferos iria permitir que a população paulista crescesse a
taxas bastante elevadas. Se em 1690 havia uma população estimada em 15.000 habitantes
em toda a capitania, esse número teria crescido para 78.855 em 1765, demonstrando que
não houve nenhuma drenagem significativa de contingentes populacionais para as áreas de
mineração, desmentindo uma imagem persistente, porém inexata, de uma primeira metade
do século XVIII marcada pela ‘decadência’ econômica e demográfica paulista (Marcílio
2000: 71) 1. Também em função da descoberta do ouro, promove-se a reformulação
administrativa do sudeste da América Portuguesa, com a compra, pela Coroa, das
capitanias até então ainda hereditárias, com vistas a impor um controle mais efetivo da
área mais dinâmica da economia colonial. Ao mesmo tempo, e também em função de uma
maior presença administrativa da Coroa, resolve-se pela criação do bispado de São Paulo.
Conseqüentemente, cresce a presença de altos dignatários metropolitanos, que compõem,
juntamente com o governador-capitão general e o bispo, um pequeno grupo de
administradores, burocratas, religiosos e militares. Eram, certamente, homens mais
ilustrados, que passariam a freqüentar o cotidiano dos moradores locais, importando
hábitos, costumes e modismos da enriquecida Corte portuguesa, tal como uma Casa da
Ópera, em São Paulo, em finais da década de 1760.
Mesmo assim, é de se supor que os contatos com castelhanos permaneceram. Em
1732, a abertura do Caminho do gado, rumo ao sul da colônia, pode ter contribuído nesse
1
Os números referentes a 1690 certamente subestimam a população indígena. Mesmo assim, o
crescimento da população entre os intervalos em questão não deixou de ser significativo, contrariando a
tradicional descrição de ‘decadência’.
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sentido. Obra do rico comerciante Cristóvão Pereira de Abreu, homem de fortes interesses
na Colônia de Sacramento, possibilitou o estabelecimento de um crescente fluxo de tropas
de animais vindas dos campos sulinos e mesmo de territórios castelhanos do atual Uruguai.
Muito provavelmente aí se estabeleceram vínculos bastante consistentes com negociantes
do outro lado da fronteira, parceiros de negócios.
Os registros documentais de Sorocaba, porta de entrada desse comércio de muares
sulinos, parecem comprovar tal hipótese, mesmo que em data mais tardia. Três registros de
casamento apontam que alguns jovens de língua castelhana contraíram matrimônio com
moças sorocabanas: Tomás Ramires, natural de Buenos Aires, casou-se em 1752; Antônio
José Domingues Espinosa, natural de Santiago do Chile, contraiu matrimônio em 1775 e,
em 1776, o também nativo de Buenos Aires Pedro Nolasco Molina igualmente oficializou
sua união (Bacellar 2001: 54). A presença desses homens em Sorocaba, provavelmente
ligados ao comércio de animais, apesar de insignificante no contexto de uma comunidade
com quase 6.000 habitantes, indica que o contato existia, ou persistia, e que, naqueles
tempos, não era exatamente incomum escutar pelas ruas e durante as feiras de gado, o
castelhano.
A segunda metade do século XVIII daria início a um novo período do povoamento do
território paulista. O crescimento do cultivo da cana-de-açúcar e a ereção de engenhos
cada vez maiores viriam a exigir o aumento da importação de escravos africanos, até então
relativamente pouco representativos na região. Proibido em definitivo o recurso ao cativo
indígena, o braço africano passava, agora, a ser fundamental, no contexto de uma
economia cada vez mais exportadora, carente de força de trabalho. A presença de
indígenas começaria a minguar, desaparecendo quase por completo dos registros
documentais, muito provavelmente passando a serem descritos como pardos. Tinha
princípio, assim, o declínio da influência dos falares e das culturas nativas no cotidiano
paulista, que tanto marcara os hábitos e a toponímia regional.
Em 1801, já durante a fase áurea da lavoura açucareira em São Paulo, a presença de
estrangeiros na capitania era ainda pouco significativa, mas sempre presente. De acordo
com as listas nominativas de habitantes desta data, havia, em toda a capitania, 32
castelhanos de diversas procedências, dois ‘alemães’, dois franceses, um ‘italiano’, um
sardo e um inglês (Bacellar 2000). Poucos, mas não inexistentes, deixando claro que
jamais se conseguiu fechar inteiramente o mundo colonial aos estrangeiros. Os
contingentes populacionais totais cresceram ainda mais, em função da vigorosa expansão
da economia açucareira, alcançando, em 1800, 169.545 habitantes, fortemente elevados
pela expressiva importação de escravos africanos, dando um novo perfil demográfico à
sociedade local.
Os anos seguintes à Independência foram marcados, em São Paulo, pelo início do
processo de transição da indústria açucareira para a grande lavoura cafeicultora. Entrando
pelo norte da província, via vale do Paraíba, o café viria a estabelecer uma ainda mais
elevada demanda por mão-de-obra, justamente no mesmo momento em que o Brasil
começava a sofrer as primeiras pressões inglesas pela suspensão do tráfico africano. Se,
inicialmente, logrou-se prorrogar o comércio atlântico de cativos, finalmente a interrupção
definitiva veio a ocorrer em 1850, virando uma página na história da força de trabalho no
território brasileiro. A partir de então, o esforço do Estado Imperial e dos fazendeiros no
sentido de buscar fontes alternativas de mão-de-obra iria desembocar na imigração
européia, já nos anos de ocaso do Império.
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A introdução em massa do imigrante europeu viria a novamente alterar o perfil
demográfico paulista. O volume de população estrangeira instalada na Província/Estado de
São Paulo entre 1836 e 1947 somou por volta de 1.200.000 indivíduos, incorporando uma
multiplicidade de falares e de culturas nunca anteriormente vistos. A cidade de São Paulo
parecia ter se transformado em uma cidade italiana, tamanha a profusão de línguas e
dialetos que se ouvia no cotidiano.
Embora se saiba que essa imigração variou em sua composição e volume ao longo do
tempo, pouco se conhece sobre sua efetiva distribuição final no território paulista, já que a
mobilidade interna foi intensa. Mesmo os números globais são díspares, tanto os de saída
da Europa quanto os de desembarque; além disso, quase nada se conhece sobre o
fenômeno da re-imigração, em que indivíduos ou famílias inteiras saíram do Brasil rumo a
outros países do continente ou mesmo de retorno à Europa.
No que diz respeito à localização no território paulista, sabemos que a incorporação
progressiva de novos e amplos territórios do Oeste ocorreu justamente em função da
expansão da cafeicultura e da disponibilidade do imigrante. Relacionando-se tal processo à
chegada de volumes variáveis de imigrantes de cada nacionalidade, seria possível ao
menos mapear a distribuição geográfica de cada etnia, conquanto os dados para os
primeiros anos sejam escassos.
A Tabela 1 indica a localização dos principais pólos de concentração de imigrantes
nos estágios iniciais da experiência com a mão-de-obra européia. Os pouco mais de seis
mil estrangeiros registrados em 1854 eram, em sua maioria, composta de portugueses, e
não necessariamente se encontravam em zonas de grande lavoura, sendo o exemplo mais
flagrante os casos de Iguape, Itapetininga e Sorocaba.
Quase duas décadas mais tarde, em 1872, o primeiro recenseamento nacional mostra
que a presença de imigrantes quase triplicara na província, mas que ainda não era muito
significativo. Os portugueses permaneciam como o grupo mais numeroso, indício de que a
imigração espontânea de caixeiros e comerciantes era ainda forte. Mas, ao contrário do que
se identificara em 1854, agora os estrangeiros começavam a se concentrar nos municípios
diretamente envolvidos com a cafeicultura no Oeste Paulista, à exceção de Bananal,
comprovando que o processo de transição da mão-de-obra começara a ocorrer com maior
vigor nas zonas agrícolas mais ricas e progressistas.
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Tabela 2 – Principais nacionalidades de imigrantes e na Província de São Paulo, 1872.
Nacionalidade Número de imigrantes Nacionalidade Número de
imigrantes
Portugueses 6.867 Suíços 560
Alemães 3.812 Franceses 544
Italianos 1.185 Ingleses 411
População imigrante total: 16.567
População total da Província: 837.354
Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872. (Bassanezi e Francisco 2002).
Como seria de se esperar, o censo de 1920 aponta para uma predominância ainda
maior da presença italiana no Estado de São Paulo e, ao mesmo tempo, uma cada vez
maior interiorização da presença de imigrantes. Chama a atenção, também, a maciça
concentração de imigrantes na Capital, agora inchada de 579.033 habitantes e contando
com mais de um terço de estrangeiros. Por fim, os dados referentes aos anos de 1934 e
1950 ilustram a progressiva mudança de perfil do movimento migratório desde antes da II
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Guerra Mundial, destacando-se a diminuição percentual da presença imigrante no contexto
do Estado – embora haja uma forte presença da primeira geração de seus descendentes,
não indicada – e o forte crescimento do afluxo de japoneses.
Os dados estatísticos vistos até aqui dão um panorama do fluxo imigratório, mas
pouco dizem a respeito da origem desses imigrantes. Sob a rubrica genérica de ‘alemães’,
‘italianos’, ‘espanhóis’ e ‘portugueses’ esconde-se uma rica diversidade regional, sendo
que nos dois primeiros casos nem mesmo havia, a princípio, o estado nacional
consolidado.
No caso dos ‘italianos’, por exemplo, sabe-se que a situação política e econômica,
relacionada ao processo de unificação nacional, influenciou fortemente a composição
diferenciada do fluxo de população para o exterior. Como a unificação se deu do norte
para o sul da península, a crise econômica seguiu as mesmas trilhas e, conseqüentemente,
o processo de expulsão dos excedentes humanos também se iniciou pelo norte, ainda na
segunda metade do século XIX. A progressiva incorporação das regiões sulinas pela
unificação fomentaria a saída de populações dessas áreas, alterando radicalmente o perfil
da imigração italiana que chegou ao Brasil.
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Tabela 8 – Emigrantes italianos para o Brasil, conforme a procedência regional, 1878-1920.
1878-1902 1903-1920
Região Número % Número %
Norte 496.217 52,9 85.325 27,8
Centro 100.274 10,7 33.633 11,0
Sul 340.775 36,4 187.695 61,2
Total 937.266 100,0 306.652 100,0
Fonte: Trento, Angelo. Do outro lado do Atlântico. Um século de imigração italiana no Brasil.
São Paulo: Nobel, 1989, p. 39 e 60.
2
Um meio interessante para se analisar a questão da alfabetização pode ser, em tese, através da qualidade
da assinatura pessoal. Nas listas nominativas de habitantes, produzidas entre 1765 e 1836, por vezes se depara
com assinaturas dos chefes de domicílio. Estas, de modo bastante peculiar, variam da clássica cruz do analfabeto
àquela fortemente desenhada, com inúmeros detalhes, passando, evidentemente, pelas mais diversas qualidades
intermediárias de caligrafia e elaboração.
3
A tentativa de normatização das transcrições, pela criação de uma série de princípios norteadores, foi
realizada por ocasião do II Encontro Nacional de Normatização Paleográfica, ocorrido em São Paulo no ano de
1993. O documento final desse Encontro, ainda hoje disponibilizado nas páginas do site do Arquivo Nacional,
tem aplicação restrita e não obrigatória.
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que rabiscavam suas contas ou anotações pessoais, posteriormente anexadas a processos
por ocasião de devassas, inventários, processos judiciais, etc.
Ao pesquisador do passado, não importa sob qual pretexto, é preciso, ou melhor, é
fundamental, a paciência do monge para garimpar as preciosidades de nossos arquivos.
Caóticos ou pouco organizados e acessíveis, estes já constituem, por si só, uma formidável
barreira. Passados tais obstáculos, a procura paciente e demorada levará a verdadeiras
pérolas, prêmio inestimável daqueles que saem de seus gabinetes e se aventuram pelos
meandros da pesquisa empírica. Oxalá os estudos da língua portuguesa no passado passem
por este ritual. Os ganhos serão extremamente gratificantes.
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