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Achegas a historia de Somaba

Cônego Luiz Cartanho de Alwida (*)

SUMARIO

I. Primeiros AIbores Sorocabanos: a) O Ipanema; b) Ita-


vovú c) Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba.
11. A Igreja Matriz de Sorocaba: a ) Introdução; b) A '1.
Igreja Matriz (1661-1767) ; c ) A 2: Igreja Matriz
(1783-1840); d) A 3." Igreja Matriz (1840-1918).
111. O Sargento-Mor João Martins Claro.
IV. Nossa Senhora da Ponte.
V. Nossb Senhora da Conceição, Padroeira de Bandeirantes
VI. Nossa Senhora do Pilar e os Correias.

(*) O autor ex-secretario do bispado de Sorocaba, é justamente


considerado como um grande pesquisador da historia local e regional.
O presente trabalho foi apresentado pelo Dr. Afonso de Escragnolle
Taunay. - N. da R.
I

PRIMEIROS ALBORES SOROCABANOS

a ) O Ipanema.

O morro do Ipanema, que tirou esse nome do pequeno ri-


beiro que lhe corre do lado do nascente, até cair no rio Sorocaba
próximo, e cujas aguas ruins (segundo a etimologia tupí) fo-
ram sempre empregadas na industria do ferro, teve outrora, e
devia ser conservado, o apelido mais genésico de Araçoiaba, por
a!guns transformado em Biraçoiaba. Vindos do leste, os indí-
genas, logo mais os bandeirantes (e hoje qualquer um de nós),
notaram que o sol se punha' atrás dessa montanha. Daí o chama-
rem-lhe "coberta do dia", Ara-çoiaba, ou Biraçoiaba, esconderijo
do sol nos bosques. Prevaleceu o nome Aragoiaba, ainda exis-
tente para significar o morro e tambem para um bairro próximo.
Com três leguas de sul a norte e a metade de leste a oeste,
mais ou menos. e uma abertura de 900 metros acima do nivel do
mar, ergue-se, numa vasta planicie, cerca de quatro leguas adian-
te da serra de São Francisco, entre esta e o rio Tietê. Três gran-
des vieiros de ferro a Dercorrem de norte a sul. e dizia Var-
nhagen pai que apenas o minerio colhido na flor da terra sus-
tentaria, por mais de cem anos, uma importante fábrica de ferro.
Ora, contornando-a a sudoeste, passava', próximo do Ara-
çoiaba, uma trilha de bugres chamada peabirh, ligação preco-
lonial do Atlântico e planalto com o Guairá e Paraguai. Nos ex-
tremos e em varios trechos dessa estrada, moravam tribus da
raça guaraní. Procurava, descendo de São Paulo pelo vale do
Tietê, os grandes campos do Sul, donde se dividia em dois ra-
Ilios: um à direita, para o Paraguai, atravessando o Paranap-
nema, e outro à esquerda, para o Rio Grande do Sul, e do qual,
nas alturas de Curitiba, provavelmente um ramal demandava as
cabeceiras do Tibají alcançando o primeiro, do Paraguai.
Grandes viajores, os guaranís frequentavam esse caminho,
balizando-o com as montanhas, pontos de referencia muito no-
taveis. Descendo a serra' de São Francisco, mais à sua direita,
quasi à beira do Tietê, avistavam logo o Araçoiaba. Mais duas
jornadas, e tinham diante de si a pequena serra hoje chamada do
Angatuba e os morros isolados de Guarei e do Bofete, adiante
dos quais se estende, em gracioso semicírculo, a serra de Botu-
catú (ibitz'cutú, bons ares). A esquerda: atravessavam o Parana-
panema, deixando os campos e entrando nas densas florestas
onde mais tarde os jesuitas fundaram as Reduções do Guairá.
Alem das Sete Quedas, o Paraguai.
No século da descoberta houve mais de um viajante europeu
através destes sertões. E' muito conhecida a historia de Ulrico
Schrnidel, que veio do +raguai a São Vicente, passando por
Santo André, a vila de João Ramalho, em 1552. E a alfândega
de São Vicente rendeu 100 cruzados mais nesse ano de 1552,
por causa do comercio dos "castelhanos". Talvez por este ca-
minho tenha vindo o padre Nóbrega até estas plagas, aknçoan-
do-a's. Dado o caso que a aldeia de Maniçoba corresponda ao
local onde é ItÚ, ele não esteve longe daquí e seu olhar de após-
tolo deve ter pousado sobre o Ipanema, adivinhando, além, al-
mas a converter, povos numerosos e doceis.
Que povo habitava esta planicie e as vertentes destes morros ?
Isto já é prehistoria. Uma pergunta curiosa. Pelo menos
no século 16, eram da raça' tupi-guaraní os habitantes destas re-
giões, a julgar pelos vestigios deixados nas denominações geo-
gráficas.
Provavelmente começava por estas imediações o habitat da
grande tribu dos carijós, que se estendia desde o Itanhaem 5-té
o Guairá e o Rio Grande do Sul. Pobres criaturas, foram os
primeiros escravos e em proporção tão grande que, até no sé-
culo 18, se chamavam carijós os escravos da raça vermelha de
um modo geral.
Haveria uma ou mais aldeias por aquí, ou apenas passavam
em tropel para a caça e a' pesca?
A Phori, pode-se responder que muitas vezes os povoados
brasileiros nasceram de aldeias indígenas, mesmo porque os se!-
vagens tinham, como um sexto sentido, a boa localização, a geo-
grafia. Os primeiros documentos, já do século 17, falam em
<I
paragem" de Sorocaba. Note-se tambem que, nos fins do sé-
culo passado, foram descobertos sinais de provavel aldeia, ossos,
igaçabas, instrumentos de barro, etc., e que, no bairro da Apa-
recida, existiu até há pouco um "capão de bugres".
Afonso Sardinha, o moço, e talvez tambem "o velho", che-
garam a Ipanema cerca de 1590. Vinham do Jaraguá e passaram.
por Ibituruna, procurando ouro. O primeiro faleceu em 1592
no Jaraguá, onde ficaram as ruinas de sua fazenda. O segundo
morreu no sertão em 1604, possuindo, para testar, uma boa quan-
tidade de ouro em pó.
Ora, em 1591, começava a governar na Baía o sr. Dom
Francisco de Sousa, ou melhor, o Dom Francisco das "minas".
Sua vida toda tivera um fito: alcançar o Eldorado misterioso-.
e o título sonoro de Marquês das Minas. Este, ao menos, o apro-
veitaram os netos. Ele morreria pobre, em São Paulo, a 10
de junho de 1611.
A historia do Ipanema e de Sorocaba consagrou um capí-
tulo interessante a esta personalidade. E' um benemérito de So-
rocaba. Em 1598, partiu da Baía, parando em Vitoria do Es-
pírito Santo. Em 1599, estava em Sáo Vicente. A 23 de maio
desse ano, partiu de São Paulo para o Araçoiaba. Trazia os
mineiros Jaques de Unhalte e Geraldo Betim, o florentino Bac-
cio de Filicaia, o fundidor Cornelio de Arzão, soldados e povo.
As despesas eram grandes, tendo os mineiros a anuidade de
200$000. Da alfândega de Santos vieram 6:000$000 em novem-
bro.
Dom Francisco de Sousa levantou pelourinho num daque-
les dias de 1599, chamando à nova povoação Nossa Senhora de
Monte Serrate, de quem foi muito devoto. Parece que o gover-
nador não encontrou nem ouro nem prata, mas fundou um en-
genho de ferro. Em novembro, retirou-se.
E m 1605, está em Madrid o grande sonhador, batendo a to-
das as portas. Só em janeiro de 1608 é que obteve passagem
gratis para os aventureiros que o acompanhassem, um bom nú-
. mero de degredados, o direito de conceder os títulos de cavalei-
ros fidalgos e moços de câmara a 100 pessoas, respectivamente,
12 hábitos de Cristo de 20$000 e 6 de 50$000, eic.
E, em 19 de fevereiro de 1609, parte de São Paulo a gran-
de leva de povoadores, acrescida com um bom número de pau-
listas. Não consta de grandes resultados a respeito de oaro e
prata. Si algum ferro se obteve, não enriqueceu a ninguem, e o
pobre Dom Francisco, ao morrer, lhe deu de esmola um jesuita
a' vela com que, cristão e devoto da Virgem, ingressou na ver-
dadeira Gloria, como é licito esperar.
Os povoadores, estes, dividiram-se: a maior parte deve ter
voltado para São Paulo; poucos se deixaram ficar junto ao en-
genho de ferro, nas Furnas, e outros se aglomeraram no Itape-
buçú (pedra chata grande), que se corrompeu em Itavovú, ar-
raial, ainda hoje existente à beira do Sorocaba.

Um dos dois povoados, o de Ipanema e o & Itavovú, ou


então ambos, se chamaram de São Filipe. Sempre lemos nas
historiadores, aliás sem documento escrito, mas baseados na tra-
dição, que o Itavovú atual é o São Filipe, fundado de 1600 a
1611. A conclusão muito simples é que o proprio governador
mudou o local de sua gente e o chamou de São Filipe em honra
do seu real senhor. Esta mudança em vida do nosso fundador,
ou mesmo depois, só tem uma ekplicação: ele ou os seus com-
panheiros. ou todos eles, desistiram de uma riqueza imediata das
minas, para cuidarem da agricultura, porquanto é impossive!,
ainda hoje, morar no Itavovú e ir a pé trabalhar no Ipanenema,
mais de uma legua. E, todavia, não será mais razoavel pensar
que a mudança foi, depois de 1611, sponfe sua dos povoadores?
Quanto a o nome, poderiam levá-lo consigo, pois nada impede q u e
n a 2.* viagem, entusiasmados com os favores de Felipe 11, trou-
xessem-a idéia de mudar o nome do povoado das Furnas. Nós,
porem, para libertar-nos de tantas hipóteses, conservaremos uma,
que é verdadeira em grande parte, chamando de Nossa Senho-
ra do Monte Serrate à povoação logo extinta do Ipaneilia, e de
São Filipe S do Itavovú. (1)

(1) João de Laet esteve no Brasil em 1596, segundo Varnhagen, e


certamente antes de 1625, quando imprimiu O Novo Mundo o11 Des-
crigão das Indias Ocidentais, d o qual dois livros pertencem R coisas
do Brasil e, nestes, dois capítulos à capitania de S ã o Vicente.
Diz ele que havia ferro e tambem ouro, em Biraçoiaba montanha
onde "os portuguezes construiram presentemente uma villa denomi-
nada S á o Felippe, mas que não tem muita importancía", a sudoeste
de S5o Paulo. A 30 leguas da capital e quasi à s margens do rio
Tietê. põe o autor esta vila, e chama Nossa Senhora de Monte Ser-
rate outras minas, a 12 leguas da capital! A cinco leguas, no cami-
nho desta a Bessucaba, havia uma fazenda d e açucar e marmelos:
com amhos se faziam marmeladas . .
Em cocclusão: no Ipanema ou no Itavovú existiu deveras a vila
de São Filipe, e já havia estrada de Piratininga para Sorocaba. O
.resto é embriilho de leituras apressadas; o homem não chegou a t é aquí.
Despedimo-nos, aqui, do grande benfeitor de Sorocaba, do
seu primeiro carregador de povos, desse nobre aventureiro por-
tuguês e cristão, digno representante do seu século.
O Itavovú vegetou de 1611 a 1661. A historia emudece a
seu respeito. Nunca foi vila nem paroquia. Tudo leva a crer que
nenhuma das duas povoações de Dom Francisco tivesse verea-
dores. Vigarios, nem se fala. O pelourinho, pois, foi apenas o
companheiro temeroso de um governador-geral, um símbplo de
sua autoridade.
Por isso, não é bem uma mudança de pelourinho que se
efetua em 1661. E' a criação de uma vila de Sorocaba, indepen-
dente das outras duas. E' a elevação oficial a vila de um povoa-
do que existia desde 1645, com a consequencia infalivel de apres-
sar, numa terceira transmigração, a vinda dos últimos povoa-
dores do Itavovú, que em 1700 e poucos é uma simples fazenda
onde mora o parnaibano Luiz Castanho de Almeida, neto do
homônimo explorador de Goiaz.
Ruinas do Itavovú, existem apenas uns vestigios de taipas
e paliçadas, alem da ponte, e quasi uma legua mais longe, da baii-
da de Porto Feliz. Chamam ainda os caipiras, a este bairro, dos
Quartéis. Seria, acaso, uma defesa contra os selvagens, no seio
da mata virgem, que aí começava e seguia os vales do Sorocaba
e Tietê. Nos 1700 e poucos havia um "gentio do rio abaixoJ',
cujos batizados se registravam com essa procedencia, no meio
de outros,muitos de quem se declara administrados da casa de
Fulano. Seriam habitantes quasi livres, velhos donos desses lu-
gares, ou, mais provavelmente, escravos de um senhor que não.
se designa. (2)
(2) Foi durante a vida efêmera de S ã o Filipe que os tacóes das
botas dos bandeirantes bateram nestes campos, vindos de S ã o Paulo
para o Guairá, cujas reduções arrasaram. A historia desses tempos
'está hoje completa, graças aos informes obtidos pelo ilustre dr. Afon-
so de Taunay nos arquivos de Espanha. Por aquí transitou o gado
humano trazido através das matas, pelo caminho primitivo do Pea-
birú, milhares de pobres guaranís acompanhados pelos heróicos pa-
dres Mazzetta e Mansilla que iam a Madrid e a Roma chorar os
males de suas ovelhas e solicitar remedios.
Estes escravos é que em parte foram os fundadores hum.ildes de
Sorocaba, ficando nas fazendas e sesmarias da redondeza, socando as
primeiras taipas, aumentando a população entre si e, aquí tambem,
servindo à sensualidade de brancos e mamelucos. E m 1628 acabava
o Guairá e os bandeirantes continuaram a perseguir jesuitas e
Guarai~ís n o sul de Mato-Grosso e n o Rio Grande do Sul. A
caça a o indio cedeu à ambição do ouro de Cuiabá, em 1718: c r - r a - n
Uma hipótese: a estrada do peabirú, acima referida, pare-
c e que atravessava o rio Sorocaba nesse ponto, vindo de Parnaiba
aos campos de Pirapitinguí. Daí, a mudança para um lugar mais
conhecido.

c ) Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba

Pelos anos de "corenta e seis", diz em 1747, no 1." Livro


* do Tombo, o pároco Pedro Domingues, em 1654, preferem ou-
tros, expatriaram-se de Parnaiba e do Itavovú os primeiros po-
voadores para junto da ponte do rio Sorocaba, em terreno per-
tencente a Baltasar Fernandes.
Este autêntico "calção-de-couro" era o segundo filho de
Manuel Fernandes Ramos, natural de Moura, Portugal, e de
Susana Dias, filha de Lopo D a s e Beatriz Dias, e esta filha de
João Ramalho com Beatriz Dias.
Entre os seus 12 irmãos e irmãs, sobressaem o priinogênito
André, que com o pai fundou Parnaiba, e &mingoS, fundador
de Itú. A familia residia em Parnaiba, e em 1640 aparece Bal-
tasar representando esta vila numa reunião de representantes das
Câmaras de São Vicente, sobre a questão dos jesuitas e da li-
berdade dos indios. Susana Dias faleceu em 1634, já casada em
segundas nupcias.
André Fernandes, proprietario de grandes sesmarias na re-
gião de Parnaiba, Itú e Sorocaba, foi um grande bandeirante,
terrivel inimigo dos jesuitas do Guairá; e, no entanto, mandou
ao Paraguai, por terra, a ordenar-se de padre, o filho Francisco
Fernandes de Oliveira, que veio a ser vigario de sua terra.
- A sesmaria de Sorocaba ficou pertencendo a Baltasar. E m
1645, segundo Silva Leme, ou 1646, segundo o padre Domin-
gues, já citado, Baltasar Fernandes, seus filhos e genros, e pa-
rentes e escravos (ele tambem deve ter ido a caça dos indios),
sairam de Parnaiba para estabelecer-se em Sorocaba.
Maria de Torales foi a única filha que lhe ficou do casa-
mento com Maria de Zuniga, nascida em Vila Rica do Paraguai,
filha de Bartolomeu de Torales e Violante de Zuniga, e casada
fora com Gabriel Ponce de Leon, nascido em Guairá, filho de
Barnabé Contreras e Violante Gusman. Convolando a segundas
sorocabanos os novos bandeirantes. Destas guerras, resultou virern
primeiro a São Paulo e logo a Sorocaba, casando-se nas familias pau-
listas os Zuniga, Ponce de Leon, Torales, Peralta, etc.
nupcias, teve Baltasar, de Isabel de Proença, filha de João de
Abreu e de Isabel de Proença, mais 9 filhas e três filhos.
Potencia de Abreu foi casada com Manuel Bicudo Beza-
rano, em cuja fazenda de Apoterobí, hoje Apotribú, distrito en-
tão de Parnaiba, foi em 1660 passada a doação da igreja de
Nossa Senhora da Ponte e terras aos beneditinos; são os pais de
Isabel, mulher de João Sutil, irmão de Miguel SutiI de Oliveira.
Mariana casou com Diogo do Rego Mendonça.
Cecilia de Abreu foi mulher de seu tio André de Zuniga y
Leon, filho de Gabriel Ponce de Leon e Maria de Torales.
Verônica casou-se com Bartolomeu de Zuniga y Leon, ir-
mão do precedente. Os filhos Manuel e Luiz mudaram-se para
Itú. O primeiro é o pai de Antonio Fernandes de Abreu, a vi-
tima dos irmãos Leme ; o segundo é um dos ascendentes de Dom
José de Camargo Barros, bispo de São Paulo. O último filho
deixou terras em Sorocaba, por sua morte em 1655, a dois fi-
l h ~ s .A geração dos outros interessa menos ao nosso intento.
Aparecem mais, nos livros antigos da paroquia, os dois genros
André e Bartolomeu, bem como o segundo Gabriel Ponce de
Leon. Mahuel, porem, nos primeiros tempos, foi dono de casas
de taipa, que construiu no centro da vila. Baltasar era dono de
muita escravaria, a riqueza do tempo, indios carijós já batiza-
dos, provindos das reduções jesuíticas. Plantavam a mandioca.
o milho, o algodão, o trigo e a vinha. Criavam gado vacum. Sua
casa, um grande rancho feito de taipa e certamente coberto de
telha, devia de morar mais ou menos na altura de São Bento
atual. Podemos fantasiar o nosso fundador, no meio da campi-
na, olhando a leste a serra de São Francisco, a oeste o Ipinema.
ambos cobertos de matas, e, à sua frente, campos e cerrados
onde o mano Domingos estava fundando a vila do Outú e, um
pouco à direita, adivinhando-a através da mata impenetravel, a
terra natal: Parnaiba.
Estava-se em 1650 e tantos. Com o sossego e o vagar das
obras duradouras, vieram vindo outros habitantes do Ipanema,
do Itavovú e de alhures, congregando-se em volta do poderoso
senhor, em pobres casinhas de palha.
A ponte, lá embaixo, era um esforço notavel, naturalmente
iniciativa dele. Uma picada subia ao campo da Boa Vista, des-
cia entre a atual Aparecida e Brigadeiro Tobias, afundava-se no
Mato Dentro, deixava à direita São Roque, entrava no terreno
de Bezarano, em Apotubú, e surgia em Parnaiba. Muitos anos
depois, seria esta a estrada geral para São Paulo, evitando os
pontos mais altos de São Francisco e de São João.
A capelinha, onde se reuniam fundador e moradores, já não
bastava mais. Então, certo com a mira num projeto muito ele-
vado, quasi um sonho, localiza a igreja de Nossa Senhora, com
o tamanho atual de São Bento, frente para o nascer do sol, no
ponto que ele julgava seria sempre o mais alto da povoação.
Terra vermelha para a taipa estava quasi à mão. Os carijós le-
vantavam o grande soquete de cabreuva. Pumt Pum! Subiani
as paredes. Dos matos próximos, traziam as madeiras de lei.
A igreja ia se aprontando devagarinho. Estava coberta, sem
forro e sem soalho. Fizeram-lhe um retábulo decente. A iinn-
gem de Nossa Senhora, pequenina, acompanhava-o sempre. De-
via de ter um menino nos braços. Mas, qual seria o título IitUr-
gico? Talvez nem o soubesse o humilde artífice que a fizera. E
lá está, no altar novo, a imagem da Virgem. Os raros sitiantes
da redondeza vêm alí rezar o terço, ou talvez oiivir uma niissa
do vigario de Parnaiba, sobrinho do fazendeiro. Vão admirar a
ponte, o rio. Voltam para as roças: tinham estado na igreja de
Nossa Senhora da Ponte. Assim nasce um orago.
E no dia 21 de abril de 1660, após as negociações e vaivens
de tais negocios, estavam reunidos no Apotubú, em casa de
Manuel Bicudo Bezarano, o seu sogro, já velho, Baltasar Fer-
nandes, Claudio Furquim, Jacinto Moreira, André de Zuniga, e
mais o vigario parnaibano Francisco Fernandes de Oliveira e os
reverendos monges beneditinos da residencia e convento de Par-
naiba - o presidente frei Tomé Batista e frei Anselrno da
Anunciação. O tabeliãq Antonio Rodrigues de Matos, aparando
com solenidade a pena de pato, começou a escrever no livro pro-
prio: Saibam todos quantos este público instrumento de doação
virem.. . etc. na paragem chamada Apoterobí, termo da vila de
Santana de Parnaiba, da capitania de São Vicente, partes do
Brasil, etc. Em resumo, os beneditinos recebiam de Baltasar
Fernandes, para todo o sempre, a igreja de Nossa Senhora da
Ponte, com toda a sua fábrica, toda a terça que lhe cabia, por
sua morte, em terras e escravos, doze peças do gentio da terra
por conta da dita terqa, um moço gentio para a sacristia e uma
moça india para a cozinha. "E outrosim lhes dava dose vacôas e
um touro." Nomeava especialmente, na terça, o seu moinho e
a vinha, como quem diz: não faltará hostia n g n vinho para o
santo sacrificio. Em troca, comprometiam-se a levantar, por sua
conta, dormitorio com quatro celas, despensa, cozinha e refei-
torio, a assistirem na igreja, rezando pelo fundador, 12 missas
anuais, alem da festividade de Nossa Senhora da Ponte.
E, desde já, cabia aos padres, para o seu sustento, unia roça
onde se estava plantando mandioca, com os limites do rio, do
convento e das fazendas de Braz Esteves e Diogo do Rego e
Mendonça (outro genro do povoador). E, como o escrivão ga-
nhasse pelo trabalho, dobrou-o em tamanho com as fórmulas
cumpridas do costume.
Todos ouviram em silencio a leitura da doação. E assina-
ram os clérigos com toda a facilidade, os leigos com o vagar e
o escrúpulo de mãos habituadas a outros misteres. Depois, o es-
crivão deitou o pó de areia nas últimas linhas. Talvez só hou-
vesse a areia da parede. O certo é que estes nomes ficaram gra-
vados em versais douro na historia de Sorocaba.
Em plena renascenqa, a Ordem de São Bento ressurgia
aquem do Oceano, com as glorias de civilizadora, que sempre ti-
nha sido da Europa. Belos caminhos segue a Providencia!

A IGREJA MATRIZ DE SORQCABA

a ) Introdução

As páginas que seguem tem sua relativa importancia para


a historia regional religiosa, e não foram obtidas só com a co-
pia do Livro de Tombo, mas com as referencias ocasionais de
outros livros, de óbitos, da fábrica, etc.
Em 1918, construiu-se uma grande e bela matriz, sob a
direção técnica do padre Luiz Sicluna e graças aos ingentes
esforços do então cônego Domingos Magaldi, vigario da paro-
q ~ i a Ainda
. assim, ficou a majestosa frente com a torre do tem-
po de Dom João VI. Em 1924, criou-se o bispado de Sorocaba:
a 4 de julho, foi a eleição do 1." Bispo, atualmente em exercicio,
o Exmo. e Revdmo. Sr. Dom José Carlos de Agujrre, que se sa-
grou a S de dezembro em Bragança, sua ex-paroquia, e veio to-
mar posse, a 31 do mesmo mês e ano, de sua Catedral. Por ser
historia recente e andarem impressas nos livros e jornais, tanto
como no coração dos fiéis ps suas principais e gloriosas fases,
fazemos apenas a narragáo das matrizes de 1561-1918.
b) A @eira Igreja Matriz (1661-1767)

Cem anos durou a primeira igreja de Sorocaba, começada


cerca de 1661 pelos moradores chefiados pelos filhos, genros e
parentes de Baltasar Fernandes.
Estes fizeram as duas igrejas: a de Nossa Senhora da Pon-
te, que ficou pertencendo a São Bento em 21 de abril de 1660,
e a matriz para a qual se mudou a mesma Senhora, e que, em
1667, segundo o documento da Câmara, de que tiramos estes in-
formes, estava pronta, pelo menos coberta.
A paroquia só foi provida, efetivamente, em 1679, data onde
principiam os livros de batizados e casamentos.
Em 1747, o vigario encomendado Pedro Domingues Pais,
distinto sorocabano, resumiu para o Exmo. e Revdmo. Sr. Dom
Bernardo Nogueira, 1." Bispo de São Paulo, o estado da igreja
e paroquia:
"A igreja matriz desta freguezia é da invocação de Nossa
Senhora da Ponte, tem dois altares laterais e a capella-mór na
qual se acha collocada a imagem de Nossa Senhora da Ponte em
hum nicho; nos collaterais se acha da parte do Evangelho collo-
cada a imagem de Nossa Senhora do Rosario, e da parte da
Epistola está collocada a imagem de São Miguel, cujos altares
estão encostados ao frontispicio do arco da capella-mór da banda
de fora; tem a capella-mór retabolo de talha douralda, com seu
camarim e tribuna tambem dourada. e onde se e x ~ õ enas festas
o S. S. Sacramento; tem sacrario tambem dourado e a capella-
mór é forrada pelo tecto sómente. A igreja é feita de taipa de
pilão sem naves, cujo corpo não está forrado nem estradado e
sómente ladrilhado de tijollos. Os altares collaterais têm seus
retabolos pequenos, com seus nichos dourados. Tem sacristia
por detraz da capella-mór, assoalhada por cima. A igreja tem uma
lampada de latão grande e bem feita, na qual sempre se conserva
lume, porque se conserva todo o anno o Santissimo Sacramento.
Tem ires sinos, um de seis arrobas, outro de tres e outro de
.
arroba e meia pouco mais ou menos. . Tem pia baptismal de
pedra. . . "
O padre Domingues era bem conciso, não há dúvida. Te-
mos, pois, na capela-mor, o retábulo dourado, um sacrario, uma
mesa de altar, que não existem mais, em arquitetura simples. Um
camarim para exposição do Santíssimo: é o conhecido trono de
muitos degraus, que conhecemos a s velha's igrejas, avançando
sobre o orago retábulo a dentro, e onde se acendiam dezenas de
velas nas festas. Até fins do século passado, se concedia licença
para expor o Santíssimo nas missas cantadas e tirá-L0 em pro-
cissão, pensamos que anti-liturgicamente, junto com as ima-
gens e sempre fora do tempo exato: Corpus-Christi. Tradição
portuguesa.
Nossa Senhora d o Rosario e São Miguel eram, com a Pa-
droeira, as únicas imagens mencionadas, porem outras menores
existiam no altar-mor e talvez mesmo nos laterais, segundo o
uso antigo.
Pois esse mesmo padre Domingues requereu e obteve li-
cença, a 5 de junho de 1927, do bispo do Rio de Janeiro, para
erigir um altar a Sta. Rita. D e fato, ele não construiu o altar,
mas colocou a imagem de sua devoção junto da de São Miguel,
como consta do inventario de 1752, feito por ele mesmo e o pa-
dre Vito de Madureira. Por e s t ~documento se vê que, no alta'r-
mor, estava a Senhora da Ponte, com a sua coroa de prata, e
o Menino nos braços, tambem com a coroinha de prata, a Se-
nhora Santana e São Joaquim, São José, e São Francisco de
Paula, o Único estranho na familia terrestre do Salva'dor. . . Sob
o altar-mor, estava o Senhor-Morto, costume comum, ainda ho-
je, em certas igrejas. Na sacristia, estavam São Mauricio, São *
Lourenço, outro São José, e a Sra. da Conceição, talvez a mes-
ma da capela de Braz Teves, já que se não fala de altar no corpo
da igreja, onde se erigiu um marco, um São Gonçalo, um Bom
Jesús.
Notemos, ainda, a impressão de nudez e pobreza que devia
de dar o corpo da igreja, sem tribunas douradas nem altares, sem
forro nem lustres, todavia, nos contam os livros de Óbitos que
alguem era enterra'do, no corpo da igreja, "junto aos bancos",
ou mais para baixo, junto à escada: do coro e da pia. Houve
sempre as paredes internas, pois, como se costumava em muitas
igrejas, deixando, entre elas e as externas, esses cômodos es-
curos para depósito de trastes uteis, ou esses muros só existiram
com a 2." igreja? Nada de positivo nos informam os livros ve-
lhos, e note-se que a expressão "uma só nave" não exclue a exis-
'tencia desses corredores, que não eram naves, absolutamente.
Que festas se faziam na primeira matriz?
Responda o padre Domingues, em 1747: "a festa da Pas-
.choa e Semana Santa, missa e oitava de Corpus-Christi, a festa
do Espirito Santo, si se fizér,'a de Santo Antonio na sua capella
sita nesta Villá; a de Nossa Senhora do Rosario na Matriz, de
Nossa Senhora da Ponte, Padroeira, poderá ser pe!o tempo
adiante se erijam mais festas."
Até 17&, e mesmo durante a reconstrução da 2." matriz.
o chão da velha igreja foi o principal cemiterio de Sorocaba,
honra que compartiihou desde o inicio com a de São Bento e,
já no coineço do século 18, com a de Sto. Antonio.
A fábrica da igreja recebia 640 réis de cada cozage na nave
central, e dois mil réis próximo ao arco, parece-nos que tanto
fora como dentro da capela-mor. Si o sacristão levava a cruz,
por isso chamada da fábrica, dava-se a esta a esmola de 480 réis,
entrando na conta a recomendação. "A tumba quando ha se paga
mií e' seiscentos reis para a mesma fabrica, e esta por acaso se
serve o povo desta villa pela demasiada pobreza, e tambem as
covages (sic) inuitas destas não se pagam pela referida razãoi
da pobreza." A tumba era um como caixão coberto de veludo
negro, que reaparece, imis tarde, sob o nome de túmulo. Ha-
via, então, só a Irmandade do Sai~tíssimo,e os irmãos tinham,
assim, no seu funeral, mais uma cruz e seus colegas. A 1rma1.i-
dade das Almas já existia em 1770 e tantos, e sua cruz, a cruz
das almas, aparece em muitos enterramentos. Com o tempo, se
fundaram as Irmandades do Rosario e das Dores, cujas cruzes
e irmãos concórriam a solenizar os funerais dos sorocabanos.
Eram lugares desejados, geralmente, os que ficavam próximos
aos altares laterais e ao arco.
Em 7 de julho de 1684, houve um funeral importante: Do-
mingos Leme da Silva, o pai do célebre bandeirante Pedro Le-
me, e1 Tuerto, que resistiu aos castelhanos do Paraguai nos cam-
pos da Vacaria e, por sua vez, pai dos não menos célebres irmãos
Leme. Ficou do arco para fora, junto do altar do Rosario. Em
25 de abril de 1685, foi sepultado, próximo ao altar de São Mi-
guel, Domingos Fernandes do Rego, vianense, casado com Su-
sana Moreira. Deixou 40 missas de sufragio! Dbmna (sic)
Maria de Torales, natural da cidade de Guairá e viuva de Ga-
briel Ponce de Leon, descansa, na terra da nossa matriz, desde
os 22 de outubro do mesmo ano. Outro guairenho, fundador d r
Sorocaba, André de Zuniga, desceu à terra, sob o cruzeiro, a 3
de janeiro de 1687. Foi tambem um grande bandeirante em 1680
e poucos, nas margens do Miranda. Nesse ano, outro fundador,
o paulista Claudio Furquim, foi sepultado na matriz; e outra
guairenha, Violante de Peralta, casada com o primeiro pernani-
bucano da historia de Sorocaba, Roque Lopes do Amaral.
Agosto de 1659 foi um mês de trovoadas: no mesmo [!ia 8,
os moradores assistiram ao enterro solene, com três cruzes, de
Domingos Ribeiro Vidigal, natural de São Paulo, e o do pobre-
zinho ituano Sebastião Francisco, que ficou junto à escada do
coro: ambos morreram "por um corisco".
Cecilia de Abreu, viuva de André de Zuniga e filha de Bal-
tasar, só em 8 de setembro de 1698 é que foi a enterrar, certo,
sob a saudade respeitosa cios moradores. Em 12 de julho de
1712, depositaram junto à capelinha 'da Conceição, dentro da
matriz, o inocente Tomé, filho do 2." Pascoal Moreira (o funda-
dor de Cuiabá) e Isabel de Godói. E m 1715, 18 de março, nu-
ma rede humílima trouxeram da roça a uiil filho natural do de-
funto capitão-mor Martim Garcia Dumbria. E m 31 de dezem-
bro desse ano, triste cortejo arrastou à igreja os curiosos e com-
padecidos: os corpos de Domingos Rodrigues, sua mulher, dois
filhos, e um rapaz carijó (escravo), que um negro matou, en-
quanto dormiam.
Em 27 de fevereiro de 1721, depositaram singelamente, no
corpo da igreja, o primeiro africano, "negro mina" que mor-
reu nesta terra abençoada pelo seu suor; chamava-se Antonio, e
era escravo de João Domingues do Prado.
Raimundo Claro, filho do guarda-mor João Martins Claro,
foi sepultado em 18 de outubro de 1722. E m 30 de abril de 1724.
o primeiro italiano que morou em Sorocaba, e era genovês, fui
piedosamente entregue à terra na nossa matriz ; chamava-se Jor-
ge Batista, recusou confissão, mas, ao morrer, deu sinais de
cristão.
No dia de São Toiiié de 1724, hwve um enterro solene, do
arco para dentro, de uma criança filha do capitão-mor Gahrie'
Antunes Maciel.
O sargento-mor João Martins Claro, irmão do Carmo em
Itú, dispôs em testamento que o levassen~para o jazigo claqiiela
Ordem Terceira. Eis, porque, a 22 de março de 1725, após a re-
comendação, e de-certo ao dobre dos sinos, uma grande comitiva
acompanhou a Itú os restos mortais daquele piedoso e notavel
morador de Sorocaba.
O padre Domingues, em 8 de novembro de 1725, recomen-
dou os ossos de João Antunes Maciel. falecido na viagem de
Cuiabá à terra natal, bandeirante, coronel das milicias, etc. E coii-
beram num saco, e reduziram-se ao pó (com todo o ouro de
Cuiabá), do arco para dentro da capela-mor.
A última guairenha sobrevivente, Ana Roiz de Torales, que
o vigario dá como natural do Paraguai, foi enterrada em mar-
(o de 1726. As cerimonias eram simples, e, si havia música, era
o cantochão do revdo. pároco. I&bravam os pequenos sinos
(o maior era de meia arroba). A gente rezava uma Ave-Maria.
Deitaya uma pouca de agua benta sobre a cova. E era tudo.
Quanto às festas, o repicar dos pequenos sinos na torre
provisoria de madeira, as novenas, a missa, a procissão, e, eiii
vez de míisica, os bombos do samba, do bate-pé, divertimento
apreciado pelos escravos, e contra o qual, mais tarde, o visitador
Manuel José Vaz chega a h e a ç a r multa de 3$000 para a fá-
brica, em 1756.
Aos domingos e dias santos, toda a gente da vila ia à missa.
Quanto aos escravos das fazendas distantes, aquele visita-
dor intimava aos senhores que os enviassem à missa e doutrina,
ao menos cada mês.
Nos meados do século 18 e na primeira matriz, foram sa-
cristães, entre outros Antonio de Arruda Leite, José Pais de
Almeida e Luiz Quaresma.
A lâmpada do Santíssimo era, até 1747, de latão, e fornc-
cia azeite o ano todo o rico português Luiz Teixeira da Silva.
Morre, e a sua viuva continua o piedoso encargo aké à propria
morte. em 28 de dezembro de 1787., e., no seu testamento. deixa
ainda esmolas para o azeite; chamava-se dona Maria de Almei-
da Leite. Eram bem ricos, a julgar pela quantidade de escravos
que aparecem nos livros de batismos, casamentos e bbitos, com os
nomes deles por senhores, e, alem da fazenda, tinham casa gran-
de à rua da Ponte, segundo refere um documento antigo sobre
questões de terras de São Bento com a Câmara. O sr. Luiz Tei-
xeira devia de ser negociante forte tambem; para isso o forne-
cimento de azeite indica uma probabilidade.
Em 1736. o termo de visita de Francisco Pinheiro da Fon-
seca proibe aos homens da vila o mau hábito de ouvirem missa
de fora da igreja, junto à porta. Não podiam tambem-os do sexo
forte assistir missa de chinelos ou tamancos e com os cabelos
atados, a não ser que fossem muito pobres.
Em 1759, por um dos inventarios ou róis feitos para a eti-
trega do novo sacristão, vê-se que as alfaias da igreja eram me-
lhores do que os seus muros. Havia paramentos diversos de
seda, inclusive frontais de altares e panos de púlpito, e linho
em certa abundancia. A prata que ainda hoje existe data dos
meados dos setecentos: a custodia de prata dourada, certamen-
te esta mesma, pesada! e belíssima, que dá tanto realce as festas
de hoje, os cálices, o turíbulo; de prata, enfim, já era a Gn1-
pada, e o ingenuo cronista dizia que a de latão estava desconser-
tadd. Havia um sino de 14 arrobas, 1 de 6, outro de 4 e um de
uma arroba.
E' nesta época que se diz das coroas de prata da velha ima-
gem da Senhora da Ponte e do Menino "que fordm para a ima-
gem nova".
Afirmativa cabal aparece, enfim, em 21 de junho de 1771 :
"a imagem nova de Nossa Senhora da Ponte com o Menino nos
bralços". A época coincide com a reconstrução, tirava-se dinhei-
ro para a reforma, igreja maior imagem maior, enfim, o bom
senso está deduzindo: a imagem atual de N." S." da Ponte, obra
de arte genuina, foi encomenda'da para a 2." matriz, cujo retá-
bulo seria proporcionado ao tamanho da imagem; e si ficou al-
gum tempo na 1." matriz, não era, contudo, para ela.
E, como d imagem de Nossa Senhora do Rosario primitiva
estivesse tão mal conservada que foi mister se adquirir outra,
dando-se a velha a um devoto qualquer, em 1772, e vendendo-
se as coroas, segue-se que apenas o São Miguel resistiu à prova
de antiguidade, atravessando a fundação, a I.", a 2." e a 3.a igre-
jas, e estaria ainda na 4." e última si mãos piedosas o não tives-
sem aposentado no pequeno Museu da Curia.
A primeira igreja de Sorocaba viu ainda, cerca de 1760, o
primeiro enterro com música. Eis aí, pois, uma data para a his-
toria da música em Sorocaba. Talvez uma rabeca. . . pois no rol
de alfaias há até matracas, mas não se diz palavra sobre orgáo
ou harmonium.
Deixando, akora, de lado os inúmeros visitadores diocesa-
nos, que cada quatro ou cinco, ou pouco mais, anos percorriam as
capitanias do sul, em nome dos bispos, sucessivamente, do Rio
de Janeiro e São Paulo, vejamos si a primeira makriz recebeu
algum Sr. Bispo.
Sim, em fevereiro de 1684, esteve aqui, alguns dias, o Exmo.
e Revdmo. Sr. Dom José de Barros Alarcão, Bispo do Rio de
Janeiro, o único que, daquela distancia e por aqueles meios de
viagem tão dificeis, chegou a Sorocaba durante a época da sede
do Bispado no Rio. Veio por Santos a São Paulo. Esteve com
Fr. Pedro de Sousa e Luiz Lopes de Carvalho no Ipanema, onde
assistiu a experiencias na procura da prata. Morreu em 17W, no
Rio, mal chegado de sua viagem a Portugal.
Quasi um século se passou, e, em 19 de abril de 1776, apa-
rece o 2 . O bispo de São Paulo, Dom Frei Manuel da Ressurrei-
ção, que, nzirabile dictza, não faz, no seu termo de Visita, nenhu-
ma referencia a matriz em construção. De maneira que não fi-
camos sabendo si a visita foi feita na velha matriz ou na matriz
provisoria do Rosario (atual Santa Clara). Em 19 de outubro
de 1798, é o 3." bispo que vem a Sorocaba, D. Mateus de Abreu
Pereira.
Seguir-se-ia bem, neste lugar, um elenco de sorocabanos
ilustres, batizados no seu primeiro templo, e outro de casamen-
tos notaveis ai efetuados.
Quanto ao primeiro, per transenanz, lembremo-nos de que
os povoadores primitivos de Sorocaba ali trouxeram os seus fi-
lhos para batizar. O mesmo fizeram muitos dos bandeirantes
mais conhecidos.
Casaram-se, tambem, fio velho templo, muitos sorocabanos
que entrarzim gloriosos na historia do Brasil antigo.
Receberam alí as aguas lustrais do batismo os filhos dos
Moreira Cabral, dos Antunes Maciel, dos Mendes e Domingues,
dos Pais, dos Ferraz de Araujo, dos Lemes, dos Falcão, dos
Fernandes, U r a s , Abreus, etc.
dia 2 de junho de 1685, por exemplo, tudo quanto havia
de melhor na Vila compareceu à igreja, a assistir à s bodas de
Tomé e Braz Moreira, filhos do 1." Pascoal Moreira, irmão do
futuro descobridor do Cuiabá e netos de Braz Teves, com, res-
pectivamente, duas filhas de André de Zuniga e netas de Bal-
tasar Fernandes, Luzia e Susana. Outra irmã dos Moreira, tam-
bem natural de Sorocaba, casava-se em 1686, fevereiro, com Mi-
guel, filho do futuro capitão-mor de Itanhaem, Martim Gar-
cia Lumbria. . .
Segundo a ordem do Sr. Bispo Dom Manuel da Ressurrei-
ção, cerca de 1750, todas as sextas, pelas três hords da tarde,
tocava-se o sino grande e os fiéis rezavam 5 Pater e 5 Ave em
honra da Paixão de Cristo Senhor Nosso.
Registemos, para fechar bem este capítulo, a devoção do
Rosario que teve o povo sorocabano desde os primordios, desde
a velha igreja, por meio do altar e imagem da Senhora do Ro-
sario, pela reza do terço inculcada pelos visitadores aos revdos.
párocos, e cuja prova é "este painel de Nossa Senhora do Ro-
sario e de São Domingos para o terço" de que nos fala um rol
de 1770, e que serviria para ir à frente dos rezadores pela's ruas
ou dentro no templo.
c ) A Segunda Igreja Matriz (1783-1840)

A 5 de outubro de 1767, visitava a paroquia de Sorocaba,


em nome do Sr. Bispo de São Paulo, o Revdmo. Pe. Antonio
José de Morais, sendo vigario encomendado (ainda não fora co-
lado) o padre José Manuel de Campos Bicudo.
O termo de visita, enorme, após uma serie de elogios e de
avisos ao Vigario, entra de cheio no assunto da nova matriz. Eis
os trechos que dizem ao nosso intento:
"Causa lastima ver a pouca devoção destes parochianos a
qual se dá bem a conhecer na sua Igreja Matriz, que se acha in-
decente paira nella se celebrarem os officios divinos, tanto pela
sua antiga architectura e ruina que padece, como pela falta de
ornamentos. Húa e mtas. vezes se louva ao Revdo. Parocho o
desejo que tem da suai reedificação.. . . . (segue-se um trecho
que não pudemos copiar ad litteram, nzas que se refere ao di-
nheiro das festas) se não façãon festas e odinheiro que se gas-
tára se applique'a esta obra tão do agrado de Deus. Querendo,
pois, que com a brevidade.. . se dê inicio a esta obra e atten-
dendo ás justas escusas do Revdo. Parocho que pelas suas mui-
tas occupações não póde encarregar della, mas pareceu nomear um
director para isso, e achando que na pessoa do capitão José Fer-
raz de Arruda ocórrem as necessarias circumstancias de abo-
nação, fidelidade, zelo e união com todos os pa'rochianos, o no-
meio director para que tóme á sua conta a édificação da dita
igreja, que fará como lhe parecer melhor com approvação em
tudo do Revdo. Parocho. e o mesmo director cobrará todos os di-
nheiros que se acham applicados para a dita obra e de toda a re-
ceita e despeza se fará assento em um livro que para isso lhe fica
rubricado, fique certo não ha de ficar sem (paga?) seu traba-
lho, porque de Deus ha de levar o premio de sua devoção e zelo.
Será indecencia grande que tivesse o S. S. Sacramento e Ima-
gens e que se fizessem os officios divinos na igreja emquanto
se reedificar, por isso, depois de acabada e benta a capella de
N." S." do Rosario, para ella se passará o S. S. Sacramento e
-servirá de matriz emquanto durar a obra que logo se dará priii-
cipio e com o favor de Deus se espéra haja de ter o fim que se
deseja."
A 19 de maio de 1775, Dom Fr. Manuel da' Ressurreição
declarou altar privilegiado, por 15 anos, o de São Miguel e al-
mas. Não se compreende isto, a não ser que estivessem tão adian-
tadas as obras que já se pensava em favores espirituais futuros.
A 11 de janeiro de 1783, o mesmo Sr. Bispo assinou a pro-
visão de benção e licença para celebração dos oficios divinos na
nova matriz. O vigario Domingos José Belo diz: "benzi a nova
matriz com todas as circumstancias referidas", e data: 9 de fe-
vereiro de 1783. No dia seguinte, foi a solene transladação do
Santíssimo, N.a Siada Ponte padroeira e as outras imagens. En-
fim, a 11, foi a primeira missa.
Eis aquí, agora, um interessante atestado de óbito e entcr-
ro: "Liberata Leme, a 3 de Dezembro de 1778 foi sepultacia na
matriz nova'."
Vá outra inspeção ao livro de óbitos: de 24 de julho de
1751 a 5 de março de 1782, os defuntos foram sepultados -
27 em Sto. Antonio, 7 no adro da matriz e 1 na capela do Ro-
sario. Antes e depois, de 1767 a 1781, e de 1762 em diante, vol-
tam os assentos a exprimir na mor parte: nesta matriz.
Outro documento importante é o escrito pela propria m5o
do Pe. Francisco Teodosio, de Almeida Leme, o reformador da
igreja em 1840, que declara não ter derrubado a capeia-mor,
nem as paredes de dentro nem a' da frente, apenas as duas la-
terais de fora, e que nunca teve forro a matriz.
Enfim, desde 1789, já estavam em seus altares laterais o
Senhor do Bonfim, o Senhor dos Passos e a Senhora das Dores.
Já agora, de posse destas informações, estritamente do-
cumentadas, tiramos em resumo a nossa conclusão sobre a 2.a
matriz de Sorocaba:
Tinha, com pouca diferença, as dimensões da atual Cate-
clral, e exatamente as da matriz demolida em 1918, que era ela
mesma, a de 1783, com o acréscimo da torre, a reedificação das
paredes laterais, o forro na nave central, e outros reforços e or-
namentos.
A capela-mor era exatamente a mesma que durou até 3915,
assoalhada e forrada, com pequenas diferenças na colocação de
imagens, fora a da Pddroeira. Porem, não tinha retábulo e dou-
ramento, que datam de 1817.
A nave central ainda não era assoalhada, no benzer-se a
igreja, em 1783.
As paredes internas da nave central, de 1787 em diante,
até 1802, foram recebendo os altares laterais, que permaneceram
até 1918.
Externamente, a torre palrou em 1802, até 1815, no segun-
do cordão da cimalha, e ficou pronta de 1815 a 1817, graças ao
zelo do ajudante Mascarenhas Camelo.
Eis aí o que se sabe da 2." igreja matriz, cuja reedificaçiio
durou de 1767 a 1783, que foi aumentada com a torre em 1817
e com douramentos e retábulos do altar-mor e do de S. José. Os
muros todos foram feitos de taipa de pilão, exceto a torre, toda
de pedra.
Infelizmente, não sabemos o que a 2." igreja', de 1783, apro-
veitou da de 1667. E' certo que não houve demolição total:
como explicar, em caso contrario, os enterramentos nesta matriz ?
O fato de já no começo do século 19 começarem a ameaçar
ruina a's taipas laterais, como se lê nos livros de então, e o in-
forme obtido por nós, em segunda mão, de que, nos fins do sé-
culo XVIII, a Câmara pagou 600$000 pelas taipas muito altas
da matriz, dão-nos a entrever que estas, justamente as de fora'
(que não teve tribunas internas em paredes de dentro a 1." igre-
ja), duraram até 1840.
Já do primeiro altar-mor e retábulo dourado nalda ficou,
pois que o ouro para o retábulo da capela-mor da 2." igreja veio
do Porto, em 1802.
Podemos respigar alguns fatos importantes ocorridos na 2."
igreja matriz de Sorocaba, de 1783 a 1840.
O belíssimo Senhor do Bonfirn, - um Cristo crucificado
que teve o melhor lugar na piedade dos fiéis, - foi benzido e
colocado em seu altar (que durou até 1918) em 15 de fevereiro
de 1783. Maria de Nazaré do Nascimento Lima, 2." mulher que-
foi do coronel Paulino Aires de Aguirre, falecida em 1." de de-
zembro de 1835, dera em vida à matriz 6 castiçais de prata,
sendo 2 para o Santíssimo, 2 para a Padroeira e 2 para' o Se-
nhor do Bonfim.
O capitão-mor Claudio de Madureira Calheiros deixava ao
Senhor do Bonfim @$O00 por sua morte, ocorrida a 13 de
novembro de 1797. E o cel. Paulino Aires de Aguirre, falecido
a 6 de junho de 1798, deixava ao testamenteiro o encargo de.
mandar vir uma lâmpada de prata para o Senhor do Bonfim.
Nã;o ficaiam escritas as graças sem conta que, aos pés desse
Cristo misericordioso, de olhar tão compassivo e sofredor, rece-
beram ricos e pobres, senhores e escravos, tropeiros e peões. . .
Com que êxtase de admiração não teriam parado em frente da-
quela imagem esses homens valentes, acostumados à intemperie
e Bs lutas na's estradas, de repente domesticados diante daquele
olhar.. . Eis porque não se poderia escolher local mais digno..
para o Senhor do Bonfim do que o claustro de Santa Clara,
onde a todo o momento recebe as homenagens amorosas das con-
cepcionistas, penitentes e puras, que alí rezam pelos pecadores
para que tenham um bom fim.
Foi em 1817 que o povo se cotizou para fazer o altar late-
ral com retábulo dourado e mandar vir a nova imagem de São
José, em grande tamanho, da Baía. E' multo alrtística e piedosa,
e lá está ainda, na Catedral, a abençoar os seus inúmeros devotos.
Data desse ano o douramento do altar-mor e retábulo. O
ouro veio do Porto, e ficou em 500$000, obtidos em dinheiro e
jóias, respectivamente, do capitão Francisco Antonio de Aguiar
- pai de Tobias - e de dona Angela de Siqueira Aranha -
vium do capltãc-inor Calheiros, de Soroçaba, e f2ha do mais
que célebre capitão-mor de Itú, Vicente Taques, Góis Aranha,
etc. -, uin e outro juizes da festa de Nossa Senhora da Ponte.
Já nos referimos à imagem da Padroeira, que é de 1770, mais
ou menos, e veio pelo menos do Rio ou da Ba'ia, si não de Por-
tugal. Nossa opinião de que é portuguesa baseia-se nas feiçõzs
e no azul característico. Já tinha ela uma corrente de ouro e uma
outra jóia que lhe punham em dias festivos.
Não são menos belos o Senhor dos Passos e a Senhora das
Dores, desde 1787, e lidimamente portugueses.
Quanto ao exterior, a torre, que ficara parada desde 1813,
foi rapida'mente acabada em 1817, graças ao fabriqueiro - o aju-
dante Bernardo Antonio de Mascarenhas Camelo, que chegou a
emprestar 7 contos de réis, grossa quantia para o tempo, com a
condição de se lhe pagarem a'nualmente os 150!$W, sobras da
Fábrica, para amortização, e o restante em esmolas por ele ajuc-
tadas entre o povo. Duraram as obras de 21 de março de 1817
a' fevereiro de 1818. Joaquim Lustosa, Antonio Eufrasio, Manuel
Joaquim, Manuel Antonio e Manuel Cardoso foram os oper;i-
rios, a 800 réis, 480, 400, 360 e 320 diarios, respectivamente.
aumentando-se mais 7 operarios no 2 . O mês. Só o Lustosa e o
Cardoso, com um José Maria, termina'ram a obra, em fevereiro
de 1818.
Dona Maria Floriana de Madureira, filha e irmã de capi-
tães-mores, tinha um armazem na vila e caieiras em Itapeva.
Forneceu ao Mascarenhas a cal em alqueires, num total de.. .
783$600, mais ou menos a 1$00 o saco. De pedra, cremos que
o gra'nito da serra de S. Francisco, foi toda a torre, terminada
com uma cúpula muito digna, e seu globo de cobre e . . . o gali-
nho. (Contam as más linguas que um vigario, na Baía. ao to-
mar posse de sua paroquia, a primeira coisa em que entendia era
mandar tirar uma planta e fazer o galinho da torre para a nova
-
ACHEGASA HISTORIA DE SOROCABA 153

matriz. . . ) . Mais que centenaria, com alicerces muito sólidos,


- a torre da 2.a, 3.a e 4.8 matrizes de Sorocaba é quasi uin mo-
numento aere perennius.
Quanto aos sinos, que são muito antigos, mas não todos os
da primitiva igreja de Baltasar, sabemos que, em 1810, o fabri-
queiro Bento Manuel de Almeida Pais entregou ao caJpit2.i
Américo Aires 17$280 em cobres (moedas de 40, 20 e 10 réis -
que nós ainda alcançamos -) para a fabricação de um. O Aires
era. aca'so, um comerciante, intermediario.
Lendo o livro de contas da Fábrica , mais uma vez nos con-
vencemos de que a 2." matriz de Sorocaba durou boa muito pou-
co, esteve sempre em obras. Combine-se isto com a nudez dos do-
cumentos, entre 1767 e 1783, em que se estava levantando a
obra, e, mais, com o funcionamento normal da matriz naqueles
tei~ipos,exceto alguns meses, e concluiremos que o sri Ferraz
não teve coragem, ou o povo não o apoiou, para uma construçiío
con~pletamentenova. Era a igreja como as casas velhas, cujos
donos vão refazendo-as a pouco e pouco e ficam sempre velhas.
Pois, em março de 1810, estaVam fazendo "o encascamento
e rebóque (sic) da matriz. Em 1812 estava de correição nesta
villa o desembargador Miguel Antonio de Azevedo que exorta-
va o fabriqueiro á reedificação e reparos no templo". 44$W de
cal foram empregados em 1816, na reedificação da parede de
pedra que olha ao poente.
Nada mais grato aos curiosos do que rever as despesas in-
ternas da 2." igreja e os preços das coisas da época imediatamtn-
te próxima da Independencia. Aquí nos contentaremos com poii-
cos exemplos.
A medida de vinho custou 480 réis em 1808, mas esteve
.numa reviravolta continua de preços, mais subindo que descen-
do. Em 1810 chegou a 1$260, em 1815 caiu a $640. e em 1815.
estava a 1$000. Em 1836, subiu a 1$600, vinho branco.
Enl 1808, toda a despesa atingiu a 199$240. 81 libras de
cera custaram 48$óOO. E o carpidor do pateo e do cemiterio ga-
nhou 1$440 pela empreitada. O cemiterio era o jazigo. outrora
tambem chamado adro, que começou a ser usado desde 1780,
mais ou menos, ao lado direito da matriz, e alguns chamaram
tambem jazigo de Nossa Senhora das Dores, já no século 19.
O pateo e o adro são expressões equivalentes nos termos de óbi-
tos do fim do século 18. Pelo menos no começo dos 18ü0, n'ãa
se enterrava ninguem no pateo, atual praça. Deduzimos isto d a
expressão "pateo e cemiterio", como coisas distintas.
Já havia, desde 1780 e tantos, um jazigo externo, no local
onde se constrói hoje o predio da Ação Católica. Era pequen3.
Por isso, o vigario Mendonça mandou construir o primeiro ce-
miterio, propriamente, de Sorocaba, à direita de São Bento, e
em 1824 importou o "reboque" das taipas e telhas em 40$000,
e as ferragens para o portão em 13$800. Foi solenemente ben-
zido, pelo vigario Mendonça, em 4 de fevereiro de 1824. A ca-
pelinha de sta. Cruz resistiu até 1926. Mas, somente depois de
1850 é que terminaram os sepultamentos nas igrejas de Soro-
caba, pois em 1852 foi enterrada dona Ana Aguiar, esposa do
capitão Frco. Xavier de Barros, em Santo Antonio, e em 1839
ainda outro defunto - felizardo! - ficou depositado na igre-
ja matriz. De 1918 para cá, as leis canônicas reservaram o se-
-pultamento nas igrejas aos Srs. Bispos.
Já nesta época, fim de século e começo doutro, era mais
comum a música nos funerais, e o proprio pároco siime~tavlas
"recommendações", dando uma das abso1~ic;õeseiil plena rua.
.como vimos no livro de óbitok, atestando a veracidade da tradi-
cão referente aos cantores de mementos nos funerais.
A respeito de música, - façamos a transição para as fes-
tas. -- já havia um pequeno orgão na 2." igreja. Em 1836, ele
estava desmanchado e venderam-no por 25$600 ao Joaquim Mú-
sico. Estamos, pois, no tempo das missas cantadas e novenarios
a grande orquestra, não havendo a menor dúvida de faltarem os
outros instrumentos. E' o tempo em que a Corte de Dom João
VI favorecia a música, e os maestros Portugal e João Mauricio
contendiam em vencer um ao outro, do cravo para os minuetos
ao orgão para a capela real; e em que o primeiro Imperador
compunha o hino da independencia. O conventode Santa Clara.
instalado em 1811, tinha um desses Icravos ou pianos antigos, tal-
vez de alguma neta do Sarutaiá, e que exisfe ainda hoje eni poder
de um distinto sacerdote e músico, aliás, restaurador - em
grande parte - da música sacra em Sorocaba.. . Em 184$, na
1." Visita de Pedro I1 aquí, há a menção expressa de uma ban-
da de música. Podemos, pois, concluir que a música já era bem
boazinha nesta vila, no tempo de D. João VI. Na Catedral, ha-
via um orgão (talvez harmonium) em 1808.
Sobre os divertimentos que acompanhavam as festas, é cla-
ro que as coíigadas e moçambiques não esperaram o fim do sé-
culo 18 para se instalarem em Sorocaba, onde havia escravos
negros desde os 1700 e poucos, e vermelhos desde os inícios.
Quanto às cavalhadas das festas do Divino, temos justa-
mente nesta época o desenho e o comentario de Hércules Flo-
rence ( I ) , que passou por Sorocaba em 1830, e descreve a al-
cancia de canas e de limões, as cabeças e as argolinhas, os palan-
ques, as damas e cavaleiros, etc. A noite, enquanto o povo vol-
tava a praça píiblica (o pateo da matriz ?), ,para assistir gratui-
tamente, ou a troco de alguns vintens, a uma detestavel come-
dia (detestavel para o viajante. . . ), ele troteava para Campinas,
sob o luar.
Um festeiro do Diivino gastava, sem cavalhadas, 12 a 15
mil francos, com cavalhadas até 40 mil francos, isto é, 4 ou 5
contos e 15 contos, respectivamente.
Quanto aos banquetes e bebidas, que no Brasil inteiro acom-
panhavam as festas, não era preciso que, já nos meados dos
1700, nos falassem delas, - embora fossem nos sitios, e simples
novenas ou rezas, - os teólogos visitadores. E' preciso dizer
que isto era um desabafo necessario, numa época em que só para
festas religiosas se retiniam as farnilias, e nenhum puritano de
hoje terá ânimo para cotejá-las com as imoralidades modernas
das nações não católicas.
Coisa de muito pouco valor para as festas eram as lumina-
rias, velas de sebo dentro de lanternas de papel ou de vidro, era
maior ou menor quantidade, a espancar as trevas da noite, sem
luz'elétrica, e a arrastarem após si os olhos pasmados dos cam-
pesinos e. . . cidadãos. Até para as festas civís era um sinal
de alta distinção dispender dinheiro com luzes, e nada podia soar
mais agradavel aos povos do que o anuncio: à noite haverá lu-
minarias. E os fogos? E as roqueiras para a alvorada? E as
procissões com anjinhos de asas espalmadas, grandes, as vir-
gens com as suas grinaldas e o vestido roçagando a poeira, os
cartuchos de doces, sequilhos, suspiros, cavacas.. .
Não falamos dos bailes para os brancos, e dos batuques
para os pretos.
A historia não os registou, nem era mister festa da igreja
para lhes dar origem. Muito nos demoramos nesta página: é
tão brasileira, fala tanto ao coração dos que crescemos nas vilas
e cidades pequenas deste Brasil!
Foi na época da 2." matriz que Sua Alteza o príncipe re-
gente de Portugal, h m João VI, a 20 de janeiro de 1797, ele-

(1) Que o dr. Afonso de Taunay explicou na Ilustração Ameri-


cana e fez reproduzir em telas magníficas para o Museu d o Ipiranga.
vou a paroquia colada a de Sorocaba, fazendo mercê da terça
de 120$000 anuais ao pároco, mais 23$000 para guizatnentos, e
S$000 para reposteiro do Sacrario, tudo isto a requerimento da
Câmara.
Pouco tempo antes se erigira na matriz a Irmandade das
Dbres, que ia em grande aumento, com 7 túmulos para os ii-
mãos, missas todas as sextas-feiras.
Nesta 2." igreja é que o vigario colado Antonio Ferreira
Prestes derramou as aguas do batismo sobre Rafael Tobias de
Aguiar, aos 9 de outubro de 1794. Dez anos antes, fora batizado
o não menos valoroso Bento Manuel Ribeira; mas, não encon-
tramos ainda o assento.
Alí está Tomé de Lara e Abreu, sepultado em 1777. Alí, o
cap.-mor Claudio Madureira Calheiros, desde 13 de novembro de
1797, e que deixara 200$OOO ao Santíssimo, para o retábulo da
capela-mor. Alí, desde 1796, em tumba da Irmandade do San-
tíssimo, o capitão Francisco Manuel Machado, esposo que fora
de dona Isabel Loureiro de Almeida. E, desde 1799, a nonage-
naria Lucrecia de Almeida, viuva do capitão-mor José de Bar-
ros Lima.
Um jovem de 25 anos e solteiro, Antonio Alvares de Cas-
tro, filho de Manuel Alvares de Castro e Andresa de Almeida,
repousava, a 15 de março de 1799, entre os irmãos da Senho-
ra das Dores.
Seria um nunca acabar, si continuássemos nesta vereda.
Temos, para terminar, algo interessante da receita e despesa.
Em 1815, recebe a matriz a quantia de 3$000, "de um boi
perdido". Vi-se que o avaliador era sovina ao pagar a promessa.
Em 1816, Francisco de Martins cobrou 5$000 de 20 toros
de urundiba pala o, retábulo: aí temos o nome da madeira e, in-
diretamente, a proveniencia, das matas da Aparecida. Uma pe-
neirinha de seda, para a farinha de hostias, custou $600, e um
copo para a sacristia, $800: decerto haviam "demitido" o
"coco para beber agua", comprado por $140 em 1808. A fa-
rinha de trigo para hostias custava 1$600 a arroba, em 1810; em
1825, estava a 3$000.
Em 1821, Gertrudes Maria da Trindade deu, para as obras
da igreja, a sua escrava Ana, que dona Ana Custodia comproir
por 163$6CO, e pagou à Fazenda Real 79680 de cisa!
Em 1825, estava o incenso a 19920 a libra, e deram por um
almofariz de bronze, para o moer, 24560; custava, então, o cô-
vado de olanda $240, a fita larga $160 a vara, e duas varas de
V" --I- -. - ,. ., -

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linho $260. Em 1830, um côvado de nobreza valia $960. e 200


telhas ao Pe. Morentino Pacheco 29560. Morrera o vigario Ma-
Iheiros, do Ipanema, depois Campo Largo; na pressa da neces-
sidade, emprestaram ao morto a casula, e mais ornamentos de
estilo, e o fabriqueiro recebera do testamenteiro, em 1831, da
mortalha, incenso e sepultura, 2$480! Em 1835, o capitão José
Ferreira Prestes deu um ano de serviço de um escravo, óO$OOO.
Seis cadeiras de damasco custaram 38$400, em 1827. Em 1839,
o dobre do sino grande era taxado em 2 $ W .
Já havia um mgrtno, em 1808. Em 1843, o fabriqueiro pe-
dia à Câmara a reforma de um orgão.

d ) A Terceira Igreja Matriz (1840-1918)

O padre Francisco Teodosio de Almeida Leme, filho do


tte.-cel. José de Almeida Leme, comendador da Ordem de Cris-
to, comandante superior da Guarda Nacional, etc., etc., que, te-
mos a certeza, morava pelo meio da atual rua 15 de NoVembro,
e quasi a certeza de que na casa onde hoje é a farmacia Cora-
ção de Jesús, do Sr. Arnaldo Cunha, um casarão centenario, --
o padre Francisco Teodosio, íamos dizendo, deu, no recensea-
mento de 1839-1840, a idade de 25 anos, e residia com um es-
cravo, junto ou paredes-meias com o ilustre Pai, e era o viga-
rio da vara.
Era jovem, filho de pais ricos, neto de capitães-mores, ter-
neto de bandeirantes, sorocabano até à medula dos ossos. Não
era vigario. Doia-lhe, porem, no fundo dalma, ver a ruina a que
se achava reduzido o corpo principal da matriz de sua terra. A
política, de um lado, os amigos no clero, de outro, e ei-10 com
a faca e o queijo na mão, para dirigir a obra que tanto ane!ava.
Nessa época - e durou pouco o cesarismo - as Câmaras to-
mavam contas ao livro da fábrica e nomeavam o fabriqueiro.
A receita ficou constituida: dos réditos ordinarios da fá-
brica, que sobravam da despesa com o culto; do auxilio d e . . .
400$OGQ,da Câmara, em 1838, pela décima dos predios urbanos;
do auxilio de 1:600$ooo,da Assembléia Provincial; das listas
que correram entre os fiéis, tendo havido uma de numerosas as-
sinaturas de 200$ e de 100$; das esmolas, que sempre foram
entrando espontaneas; da redução das despesas nas festas.
A obra só ficou concluida em outubro de 1840. Não foram
derrubados o frontispicio e a torre. Todos os grossos n:uros 13-
teiais vieram abaixo. Ouvindo o conselho dos antigos, o padre
Teodosio fez afundar alicerces enormes, 22 palmos. Encheu-os
com uma especie de concreto: taipa socada com pedregulho (este
vinha de meia legua). Essas paredes laterais foram afirmadas
com as de dentro por grosso madeiramento. Linhas de pesada
madeira ligaram entre si as paredes. Reforçado todo o madeira-
mento, não consta, todavia, que fosse inteiramente reformado.
O forro da capela-mor foi retocado, mas não se buliu no altar
e retábulo dourados. Houve reformas, forros e soalhos na sa-
cristia e cômodos internos. Consistorios para Irmandades se
aprontaram nas tribunas laterais. O reboco e a cal cobriram o
vermelho das taipas nestes corredores. Fez-se inteiramente no tio
o forro da nave, com 3, belos florões de madeira, donde pen-
diam os lustres de vidro. Os tetos das tribunas e coro, e suas
cimalhas, de madeira. O oleo cobriu tudo o que era madeira apa-
rente, forro, batentes, caixilhos. Houve até rótulas novas; en-
fim, em 1840 e tantos, a igreja*estava um mimo de graça e de
resistencia. Desde então, os livros não falam mais em ruina-s,
exceto a parte da madeira que, em 1918, não valia mais nada.
Não nos conta o padre Teodosio, que tudo levava a bico de
pena, si transferiram o Santíssimo e as imagens para outra igre-
ja (1). E m compensação, expande ele a sua alma de padre e de
sorocabano, ao encerrar a sua grandiosa tarefa, essa obra que
"muitos annos atraz" projetava, a 31 de outubro de 1840. Ora,
ele era jovem, e esses "muitos annos" só podem ser um sonho
de adolescente, que se tornou realidade. 4 anos, quasi, que dia
a dia, antes, a 26 de outubro de 1836, vieram da Câmara en-
tregar-lhe a nomeação de fabriqueiro e o livro rubricado pe!o
presidente João Nepomuceno de Sousa Freire.
Entre as esmolas de 100$000, estavam os donativos de João
Nepomuceno, João de Lima Leite, Francisco Lopes de Oliveira,
José Joaquim de Andrade, Bento Elesbão da Costa e Silva, AJ-
tonia Francisca de Barros, Joaquim José Loureiro de Almeida e
Francisco Xavier de Barros. Perto deste, com a mesma letra,
a sogra Eufrosina Aires subscrevia 200$000. A mesma impor-
tancia deu Esmeraldo José Pais, cuja assinatura brilha ainda
com o pó de ouro usado por mataborrão : e merecidamente. José
Almeida Leme, "por ser quem éra", ficou na classe dos 200$000,

(1) Por um livro de Atas da Câmara, descobrimos que Sto. An-


tonio foi, então, a matriz provisoria.
tainbem. Em começo de 1837, foi a derrubada. Até 1840, os
festeiros de Nossa Senhora da Ponte entraram com 550$Srn.
1: 6 0 0 m vieram do Tesouro Pro incial A~areceramaí uns
V

bulantins, e o teatrinho, em beneficio, rendeu 100$EQO. 151$6@)


deu outro espetáculo de amadores. E m vésperas de morrer, a
senhora do capitão José Ferreira Prestes reserva 204$280 para
a s obras. Etc. etc. Receita 9:165$940. Despesa 9:951$220. De-
ficit, deduzindo 300$000, que o Pe. TeoJosio dava de seu, . .
785$280.
A gente fica querendo bem a este padre, não é verdade?
Um moço como não há muitos ! Era o vigario da vara, mais jo-
vem que os outros párocos. Tambem, quando, a 17 de março de
1846, o Sr. Dom Pedro 11, jovem de 20 anos, cercado de figuras
importantes, como o presidente da Provincia, Manuel da Fon-
seca Lima, o ministro itinerante, José Carlos Pereira de Almeida
Torres, o chefe de esquadra, Grenfell, e quantidade de oficiais
do Exército e da Marinha (muitos, ainda, portugueses e estran-
geiros, comenta o nosso bom Pe. Raimundo da Silva), e ainda
rodeado pela Guarda Nacional de Sorocaba, em uniforme de
gala, com à frente o mesmo José de Almeida Leme ostentando
ao peito a cruz da Ordem de Cristo, enfim, quando todo este
cortejo avançou igreja a dentro, depois que, na porta principa!,
o vigario ofereceu a agua-benta a S. Majestade, faiscando sob
o mar de luminarias os dourados de todas as fardas e paramentos,
o Padre Francisco Teodosio teve o seu dia de triunfo. Incen-
sando o Imperador no seu trono, exposto o Santíssimo Sacra-
mento. quem sobe ao púlpito para saudar o único monarca ame-
ricano? E' o Padre Francisco Teodoiio, o neto daque!es bandei-
rantes que, em Mato-Grosso e no Rio Grande do Sul, aumentri-
ram para a casa de Bragança este grande imperio: é o iouenl
cheio de méritos que sauda e homenageia o ilustre imyerante.
Depois, o' revdo. vigario Mendonça descobre o Santíssimo e e ~ l -
toa o Te Deunz. De joelhos, no coxim de veludo, Pedro I1 recel:e
a benção do Senhor dos senhores. . . Lenta, lentamente, sob o
olhar ávido dos fiéis, o cortejo se encaminha para a saida. Fora,
hâvia arcos, dois arcos de luzes, luminarias, muitas luminarias,
e o Imperador pissava sob as lâmpadas multicores, e a matriz
se desenhava, no fundo da noite, coberta de lanternas, e tudo
aquilo parecia um mundo de sonho. Ah! felizes sorocabanos!
O que mais admira é que o padre Teodosio cedeu ao espírito
aventureiro da época: quis conhecer de visu aqueles patnpas ri-
sonhos, aquelas estradas longinquas, que eram, então, como as
arterias para o coração dos sorocabanos. Foi ser vigario no Riu
Grande do Sul.
. A 3." matriz de Sorocaba recebeu tambqm, e de novo, o Im-
perador, em 1876. Já grisalho, com a' modesta roupa preta de
alpaca, trazia consigo, desta vez, dona Teresa Cristina, a mãe
dos brasileiros. Os mesmos festejos, e ainda maiores. Te Deuwl!
Sermão pelo afamado orador sorocabano, o cônego José de Oli-
veira. A oficialidade, tanto a que o acompanhava como a da ter-
ra, trazia, agora, todas as características de brasileiros, heróis do
Paraguai.
Por falar em Paraguai, foi tambem um dia de júbilo, pala
a velha matriz e seus paroquianos, a chegada dos voluntarios d a
guerra, a 6 de maio de 1870, festejados com solene missa can-
tada e, a noite, Te Deum e luminarias. Quem não estimará esta
Igreja Católica que tão bem sabe compartilhar da alegria dos
seus filhos?
Mas, voltemos atrás um capítulo. Quando, de 17 de maia
a 20 de junho de 1842, Sorocaba foi a capital revolucionaria ;1n
Provincia, ecoaram, na grande igreja silenciosa, os alaridos da
guerra e, mais, o rumor de preces, pois os que assistimos a s ú!-
timas revoluções sabenios como se reza em tais circunstanciaa.
Aí estiveram Tobias, a marquesa de Santos, a duquesinha sua
filha, o senador Padre Feijó. E a igreja ainda cheirava a oleo
novo e a cal. E parece - a ser verdadeira uma tradição - que
o asilo da fé e da paz se transformou, por alguns dias, em quat-
te1 dos famosos "periquitos" do barão de Caxias.
Outro fato que hoje nos entristece a alma cristã era o das
eleições nas igrejas, graças ao regime de união entre a Igreja .
e o Estado. Noutros paises, a coisa correria com maior respeito.
Mas, no Brasil, sempre houve politic.. .agem. Após a missa etn
honra ao Espírito Santo, começaram a votar, formada a m e ~ a
próxima ao arco da capela-inor. As eleições de 1." de fevereiro
de 1852, para o Parlamento, p. ex., nos mostram uma face da
medalha: formara-se a mesa toda de liberais: Elias Aires do
Amaral, José do Amaral Gurgel, Elias Lopes de Oliveira, José
Bernardino Vieira Barbosa e Antonio de Mascarenhas Jor. O s
conservadores, fora, com o delegado, o tenente Queiroz, e co:~-
tando com a benevolencia do juiz Nebias, fizeram prender a
Elias Lopes, revistar ao velhinho e respeitavel Padre Manuel
Paulino Aires. Seus soldados, no pateo, punham medo aos ro-
ceiros. A mesa liberal recusou-se a fazer a chamada. Aí o Zwc-
passe! E ficaram firmes, dia e noite a dentro, guardando a me-
sa e . . . a lei. Então, os conservadores (tntús saquaremas) for-
maram a sua mesa no corpo da igreja e ganharam a eleição!
Daí a a!guns dias, a 20, todos se reconciliaram contra o inimigo
comum, celebrando, com Te-Deum e luminarias, a vitoria de
Monte Caseros, contra Rosas.
A 3." iilatriz foi testemunha impassivel da morte das feiras
e da inauguraçso da Sorocabana e do surgir da industria. Viu
passar o século. Acabaram-se as visitas do Imperador, dos pre-
sidentes de Provincia, dos condes e dos marechais. Uma noite,
em 1909, estranhas luzes fulguravam e q todos os altares, tribu-
nas e naves: a luz elétrica! Adeus, queridas luminarias!
E não esqueçamos o choro lastimoso da febre amarela, no
findar do século 19, nem os abnegados Monsenhor João Soares
do Amaral, Padre Luiz Sicluna, Padre José Raimundo da Sil-
va e o bispo Dbm Antonio de Alvarenga. E, no entanto, pouco
tempo antes, a velha matriz como ressuscitara para novas aie-
grias, com a poesia bconfundivel do mês de Maria, pomposa-
mente ceiebrado pelo "vigarinho", hoje monsenhor, Pereira
Barros.
A 3." matriz é ainda a das Semanas Santas, tão bem des-
critas por Camargo Cesar na correspondencia $0 Estado, com
os longos oficios de trevas e procissões, e as damas do patri-
ciado senta'das sobre ricos tapetes no chão. Das festas do Divi-
no, da Senhora da Ponte, da Aparecida, com os melhores ora-
dores e músicos !
Respigando, ainda: o brigadeiro Tobias deixara a N0shri
Senhora da Ponte umas apólices, cujos juros anuais, de 100$
para cima, eram sempre empregados na festa da padroeira. Já
em 1866, gastaram 114$000 com o conserto do orgão. A rnúsics
de igreja estava no apogeu. O instrumento não prestava. Em
1870, o Padre Andrade entregava aos intermediarios Rogich k
Cia. a quantia de 1:600$OOO para o novo orgão.
O capitão Chico (o cunhado do Tobias) legou 500$000 à
matriz, recebidos em 1877. Em 1881, o fabriqueiro entregava ao
vigario Andrade 1 :428$510, para a compra de alfaias.
Nesse ano, - nzirabile dictu! - ainda se carpia o pateo da
matriz. Em 1885, ainda faziam cerca de madeira e cipó para as
casas da fábrica. Estas na' rua Municipal, hoje Pe. Luiz, foram
doadas por um Antunes Soares, o que soubemos por informa-
ções verbais, e, derrubadas pelo cônego Antonio Costa Bueno,
í-ão a origem da casa paroquial de hoje. Ainda em outubro de
1886, com apenas 40$OOO, se caiou a matriz.
Em 1866, a Câmarà já pagava 6$000 por 11s; o zela-
dor do relogio. Eiil 1840, já o Sr. Elias Oliveira Cesar Leme o
zelava.
A devoção ao Sagrado Coração de Jesús teve os scus dias
de esplendor na 3.8 matriz, com as pregações do R. Pe. Barto-
lomeu i'addei, S. J., apóstoio da devoção no Brasil. Sorocaha
está entre as primeiras cidades em que se fundou o Apostolada
da Oração, em 1873. A este propósito, temos em Sorocaba urna
prova de antiguidade do culto ao Coração de Jesús: Dona Fran-
cisca do Amara1 Gurgel, natural de Itú e aquí residente, casada
com o sargento-n~or Américo Antonio Aires, faleceu aos 6 8
anos, em 13 de abrii de 1839. Db seu testamento consta a ver-
ba de 3000 cruzados, com os juros dos quais, todos os anos, se
celebraria na matriz missa solene ao Santíssimo Coração de Je-
sús e se daria jantar a 12 pobres.
A 3." matriz viveu os seus dias de grandes triunfos nas vi-
sitas pastorais a que os antigos se referem com saudade, con-
tando as recepções festivas já na estação ferroviaria, a multidão
de pessoas a crismar, as esn~olasde cobre, niqueis e pratinhas ti-
lintando na bandeja.
De fato, após a visita de Dom José de Barros Alarcão em
1684, só em 1776 veio o bispo de São Paulo, Dom Frei Manuel
da Ressurreição, e em 1W5 o Sr. Dom Mateus de Abreu Pereica;
na 2." matriz, fato este que não narramos no lugar oportuno.
Assim, para as nossas gei-ações, foi um sucesso de magna im-
portancid a visita pastoral de Dom Antonio Joaquim de Melo,
em 13 de fevereiro de 1859. Maior entusiasmo nos parece ainda
ter causado a de Dom Dano Deodato Rodrigues, em 7 de março
de 1876, o primeiro Bispo já recebido na estação da via-ferrea.
Vieram, depois, Dom Joaquim Arcoverde de Albuquerque Ca-
valcanti e Dom Antonio Cândido de Alvarenga. 0 1 Exmo e
Revdmo. Sr. Dom Lucio Antunes de Sousa, 1." Bispo de Botu-
catú, já ao passar por esta cidade, a 20 de fevereiro de 1909, pa-
ra a posse, foi festivamente hospedaclo pelo vigario Cônego Bue-
no, autoridades e uma comissão de católicos notaveis, que lhe
ofereceram almoço e o acompanharam, em seguida, à sede da
Diocese. S. Excia. R e v d d . esteve aqui, varias vezes. em Vi-
sita Pastoral.
Veio tambem, mais de uma vez, conferir ordens aos monges
de São Bento, cerimonias tão belas que estavam reservadas como
últimas glorias da 3." rna'triz. Estimava tanto esta cidade que
lhe trouxe a derradeira benção, pernoitando aquí, de passagem
I
de Minas para Botucatú, poucos meses antes de sua morte,
ocorrida a' 19 de outubro de 1923.
Não faltaram, tambem, na matriz velha, as multidões a ou-
virem pregadores de missão. O padre Taddei veio, algumas ve-
zes, afervorar a prática das virtudes religiosas. Já neste sécii!~.
Monsenhor Miguel Martins teve, aqui, os seus 15 dias de triun-
fo, conseguindo belas conversões de homens distintos e atraindo
as turbas i casa de Deus e aos sacramentos.
Ii
Fazemos ponto final, com muita' pena de não termos tocado
em tantos fatos que ilustraram a nossa 3.a matriz velha. i1

I11

O SARGENTO-MOR JOAO MARTINS CLARO

i
No arquivo da Catedral, antiga matriz de Nossa Senhora i
i

.-I
da Ponte de Sorocaba, encontram-se elementos preciosos para
a elucidação das biografias de alguns notaveis bandeirantes que
nesta vila nasceram ou residiram. Oferecemos ao Correio Fag-
listano, jornal em que desde a nossa infancia soletramos os ma-
gistrais artigos do dr. Afonso d'E. Taunay, hoje reunidos na mo-
n~mentalHisteria Geral das Bandeiras Padistas, as primicias
desta's incursões gratíssimas no dominio das traças, e estamos
certos de prestar um serviço, pequeno mas bem docurilentado.
1
aos estudiosos da historia patria, que não são poucos. Começa-
mos hoje - após os sinceros agradecimentos ao Correio - com
o sargento-mor João Martins Claro.
Lá está, a fls. 35 do 1." livro de Obitos: "Aos 22 dia's do
ii
mez de Márço de 1725 annos falleceu desta vida presente Joáo
Miz Claro, natural da Cide. de Miranda, do Reino, fez testa- i
mento e ordenou q. deixava na disposição dos testamenteiros os
legados que lhe pudéssem fazer, porque as dividas excediam aos
bens q. testava. Foi sepultado na capella da Ordem 3." da V." dt
Itú de Nossa Snra. do Carmo donde era 3 . O ; foram testamen
teiros o R. Pe. Frei João Baptista de Jesus, o C. Matheus de
I
i
I
I
Mattos, o C. Christovam Monteiro de q. fiz este assento, dia, I

mez, era ut supra. Falesceo com todos os Sacramentos. Pe.D.ucz 1


Vig.O" ( Padre Pedro Domingues).
I
i
Volvendo atrás as folhas do mesmo livro. encontramos este
assento curiosíssimo :
"Aos vinte e seis de Agosto de mil e setecentos annos fa-
leceo da vida presente com todos os sacramentos Mãi Joanna,
de casa do Sarg.-mór João Miz Claro, deixou por sua alma uma
capella de missas, foi sepultada nesta igreja matriz dentro da
capella mor para a parte do evang.O, levou todas as cruzes e
tumba, e a cruz da fabrica. Antonio de Carvalho."
Mais à frente:
"Aos dezoito do mez era ut supra (agosto de 1722) falece0
Raymundo Claro, filho do sargento mor João Martins Claro,
confessado e sacramentado. não fez testamento oor ser filho fa-
milia, e está sepultado junto á porta travessa ao pé dos bancos
e levou tumba e cruzes todas de que fiz este assento. O Pe. Braz
de Almcida Lara'."
O quarto documento em que aparece o nome do sargento-
mor é o de óbito de um escravo da sua casa: pagou o tributo ao
seu tempo, era senhor de carijós e, talvez, um ou outro preto.
Agora, podemos fazer a interpretação dos textos, comparan-
do-os com outros do mesmo sacerdote que os escreveu.
Era casado João Martins Claro?
O Padre Pedro Domingues, em todos os assentos que fez,
não mencionou o estado civil dos adultos casados do sexo mas-
culino. Não assim para as mulheres, que são ou viuvas, ou do-
nas viuvas (quando muito notaveis), ou mulheres de Fulano.
Logo, o não assentar ele o nome da mulher de João Martins
Claro, nada prova, si não até a' favor do casamento, si se com-
parar, p. ex., com o que praticou no assentamento de óbito de
Bartolomeu de Zuniga, João Antunes Maciel, etc.
Quem será a tal mãe Joana?
E' umai personagem importante, pois deixa uma capela de
missas e é enterrada no mais raro lugar da igreja que se per-
mitia então: na capela-mor e ao lado do Evangelho. Não é uma
escrava, pois. A mãe do sargento-mor tambem é que não podia
ser; teria o nome inteiro. E, por cima, seria uma heroina acom-
panhando o filho desde Miranda até Sorocaba. Alguma irmã?
alguma mdmeluca? Confessamos a nossa ignorancia.
E o filho Raimundo Claro ?
Todos os outros assentos que se referem a filhos-familia
dizem respeito a filhos solteiros de legitimo matrimonio. Mas,
nomeiam o pai e a mãe, p. ex., Salvador, filho farnilia' de Tomé
Nunes e sua mulher Joana Bicuda.
Quem era, pois, a legítima mulher de Martins Claro? -
Si não a houve, não teria sido concubina' aquela Joana?
E' notavel como Silva Leme não menciona o sarg.-mor na
sua Gmealagia. Passou, certamente, o seu olhar sobre estes li-
vros; mas, ou a mulher do sargento-mor não era paulistana, ou,
si o foi, era alguma india ou mestiça muito próxima dos abori-
genes. Nos dois casos, fosse ela portuguesa ou selvagem, a pro-
le conhecida nos livros de Sorocaba é este Raimundo, que morre
solteiro.
No entanto, existe há mais de cem anos, portanto já com 4
gerações após a morte do sargento-mor, uma familia Martins
Claro, ramificada em Sorocaba, Campo-Largo, Tatuí e Itape-
tininga.
Não pudemos encontrar todos os elos da corrente, mas tudo
leva a crer que é a enorme descendencia de João Martins Claro.
Nossa opinião pessoal é que ele foi casa'do. E que o não fosse,
não há motivo de vergonha para oito ou dez gerações com o seu
valor pessoal e inculpadas do fato inicial. Ou, então, nenhum
paulista terá o direito de se vangloriar com descender de João
Ra'malho, o patriarca.
No título Goiaz, Silva Leme menciona um destes Martins
Claro, João Silvano, casado na familia Aires. Aí mesmo, poderia
acrescentar que Manuel Castanho de Almeida!, 2." marido de
Ezequiela Rolim, já era viuvo de Maria do Rosario Martins
Claro, irmão deste João Silvano.
Aí está o que de novo obtivemos para a biografia do sar-
gento-mor João Martins Claro.
Os historiadores ou estudiosos já leram, em Basilio de Ma-
galhães, que ele foi provido sargento-mor da capitania dea Ita-
nha'em (a que pertencia Sorocaba) ; que foi um audaz explora-
dor, não só deste próximo sertão: Araçoiaba e vales do Ribeira
e do Paranapanema, mas até de Minas-Gerais; que foi amigo
de certo frade mercedario e minerador, a quem sustentou muito
tempo consigo ; idem,de um outro religioso beneditino cujas pe-
gadas descobrimos tambem aquí, mineralogista; e pouco mais.
Não podiam saber, porem, que, já em 1700, residia em Soro-
caba, que morreu paupérrimo em 1725, cheio de dívidas que fez
com os seus trabalhos do sertão; e que jaz alí em ItU, no histó-
rico cemiterio da Ordem Terceira do Carmo.
Da próxima vez, querendo Deus, seguiremos os vestigios
dos frades mineradores.
O sargento-mor João Martins Claro ainda não foi muito
bem estudado pelos historiadores. Dizíamos, com a documen-
t$ção do 1." livro de Obitos da Matriz de Nossa Senhora da
~ ó n t ede Sorocaba, que, não havendo referencias a sua mulher
e, doutro lado, havendo-as a uma certa Joana, com o interessante
apelido de "mãe" (que tambem ácabamos de encontrar noutros
assentamentos significando concubina), ficava em dúvida o ca-
samente deste bandeirante.
Prometíamos para um segundo artigo o remexer dos ve-
lhos livros em busca das pegadas (entre traças. . . ) de certos
frades mineradores ou de certos mineradores frades e amigos
do sargento-mor.
Devemos, porem, ainda à porta, dar a mão à palmatoria,
para gozo da fdmilia Martins Claro, a que temos a honra de
pertencer por uma das nossas bisavós. O homem era casado e
bem casado.
Vá lá o termo :
"Aos quatro dias do mez de Março de 1726 annos, depois
de corridas a's denunciaçóes em tres dias festivos nesta Igreja
Matriz de N." Snra. da Ponte de Sorocaba celebraram o Sacra-
mento do matrimonio Joseph de Borba Gatto, filho de Baltazar
de Borba Gatto e sua mulher Marianna Domingues já defun-
ctos rnor.'"a freguezia da Acotia, com Luzia Leme de Barros
filha do sargto. mór João Miz Claro já defuncto e de sua mu-
lher Ignacia Paes de Barros m ~ r nesta. ~ ~villa, a qual celebrid.'
assisti0 com presença moral o M. R. Presidente frei Ramiro da
Predestinaçáo com licença minha, sendo presentes as testemu-
nhas André dá Cunha, e Francisco de Arruda, Catarina Mendes
e Catarina de Borba, e tudo se fez com L.ça do R. Vigario da
Vara o L.doJoseph de Almeida, passada e celada (sic), e logo
tomaram bençoens conf. o Ritual Romano 'de que fiz este assen-
to, dia, mez, era ut supra. Pe. D.UezVigario." (Dbmingues).
Inacia Pais de Barros, o nome da esposa de João Martins
Qaro.
Como se lê nos cronistas de Mato-Grosso ter sido ele tio
dos irmãos Artur e Fernão Pais de Barros, da'dos como soroca-
banos, e sabendo-se que era ele português e provavelmente não
trouxe irmãos, é façil deduzir a verdade deste, digamos, nepo-
tismo.
Este Baltasar de Borba Gato é o mesmo de Santo Amaro,
em 1713, que a ata da Câmara de São Paulo, de 27 de julho da-
quele ano, menciona como capitão do bairro santamarense.
Silva Leme, à página 325 do tomo 7." da Genealogia Pau-
listana, dá o nome Baltasar de Borba, emancipado em 1674 e
terceiro filho do tronco lusita'no Belchior de Borba Gato. &ve
ser ele. Os genealogistas podem, agora, ajuntar que se casou
com Mariana Domingues, e tiveram José de Borba Gato, que
contraiu nupcias com Luzia Leme de Ba'rros, filha do sarg.-mor
João Martins Claro e Inacia Pais de Barros. Quanto a Catarina
Borba, testemunha, fica somente a hipótese de ter sido omitida
por Silva Leme. E, em tudo que está dito atrás, ainda há lugar
para acrescentar a possibilidade de já ser coisa velha e revelha
no monumental Silva Leme. Quanta vez, pronto a gritar eureka,
temos de abaixar a cabeça diante dos 9 volumes: o homem já
imprimiu isso. . .
Ainda sobra um pouco para os nossos fradinhos. Nada de
sensacional. Apenas uma confirmação in loco do que referem os
autores de historias generalizada's.
Frei Pedro de Sousa, por exemplo, o mui conhecido inine-
ralogista, que esteve fundindo ferro - segundo Azevedo Mar-
ques, e até prata, - segundo os documentos descobertos por Ba-
silio de Magalhães, - alí no Ipanema, em 1680, há de ser for-
çosamente o mesmo que substituiu o vigario de Sorocaba e as-
sinou, em alguns assentos paroquiais em Ietrinha cômoda e bo3:
frei Pedro de Sousa.
Podia ser beneditino, dos que nessa época auxiliaram o vi-
gario sorocabano. As vezes, porem, eles diziam claramente,
"monge de São Bento"; outras vezes, "Presidente". Logo an-
tes e logo depois, assinam outros conhecidamente beneditinos.
Enfim, em historia não se prova com dois mais dois; este é o
nosso frade "mineiroJ' que Pedro Taques diz ser da' ordem da
Santissima Trindade, e que nós julgamos ser o mesmo merce-
dario (das Mercês) que vem mencionado na patente do sar-
gento-mor João Martins Claro. Si o fosse, grande não seria a'
falta do linhagista, pois as duds ordens, da Mercê e da Trindade,
foram fundadas contemporaneamente e para o mesmo fim: a re-
denção dos cativos. 1.200.000 é o cômputo dos seus redimidos
em três séculos. Bela soma! E, o mais das vezes, os frades fi-
cavam em refens, até a chegada do preço!
E este frei João Batista, religioso do Carmo, que vem fazer
o casamento de Ana Pais de Barros com Domingos Nogueira
Homem, - a filha de João Martins Claro, em 1720, parece-nos
W b e m já ter lido o seu nome, algures, como minerador, sem
menção da ordem a que pertencia. IEouve, porem, contempora-
neo de João Martins Claro, um frei João Batista, beneditino em
Sorocaba.
O outro fradezinho amigo de João Martins Claro, - e este
vem mencionado claramente em Basilio de Magalhães, como frei
Frutuoso, Beneditino, - é frei Frutuoso da Conceição, presi-
dente do Mosteiro de Sorocaba. E m 22 de abril de 1721, assi-
nou um assento de casamento, como vigario encomendado. A 13
de fevereiro de 1725, com licença do vigario, assistiu ao casa-
mento de Maximiana da Cruz, filha do capitão Braz Mendes e
de sua "mãe" (concubina) Maria, mulher parda, com José
Vieira Fdgundes, da Ilha Terceira. Era instruido. Assinou Pa-
dre Mestre frei.
Aí está o pouco que colhemos sobre João Martins Claro e
seus amigos.
Em historia, a nosso ver, a hipótese bem fundada substi-
tue os claros da falta documentaria. Com a trddição. E com a
interpretação de fatos conexos e certos. Nossa desvaliosa opi-
nião é que João Martins Claro foi sempre um pobre explorador
de ouro, não um bandeirante caçador de indios. Suas viagens
deveriam ter sido pelos vales da Ribeira e do alto do Paranapa-
nema. Na capitania de Itanhaem. As vezes até Taubaté, onde se
estendia a jurisdição daquela e, pois, do seu posto. Daí, uma fu-
gida às minas do Caetê, talvez. Já nesse tempo, um natural das
Minas Gerais vem casar-se em Sorocaba.
A tradição conserva a lembrança de mineração. em Ipane-
ma e serra de São Francisco, de ouro de lavagem e prata. E
existem os poços. Vizinho a um deles, o bairro se chama Lavras
Velhas, desde o século 18 (já eram velhas, então), e os sinais
são claros de ouro de lavagem. Jaz, no cemiterio de Campo-Lar-
go, um preto que há 70 anos tirava ouro em pó do Ipdnema, e
com ele vinha a povoado fazer suas compras. E' fato notorio.

c>
Conseguimos assinalar a presenç~de João Martins Claro
em Sorocaba, a primeira vez que aparece nos livros da Paro-
quia, em 1693, a 23 de julho, quando foi testemunha no casa-
mento de Antonio de Almeida Cabral, filho de Manuel Bicudo
e Tomasia de Almeida, com Inacia de Almeida, filha de Tomé
de Lard de Almeida e Maria de Almeida. Era vigario o Pe. An-
tonio de Carvalho, que, segundo nossos livros, permaneceu aquí
até 1704, com um ano de intervalo, o de 1702, em que deve ter
explorado algum sertão, talvez desta zona da Ribeira e Parana-
panema, e pelos anos de 1730 é anotado como "vigario da vara
da villa de Iguape", no 1." livro do Tombo de Sorocaba.
A seguir, o sargento-mor testemunhou um casamento, em
1696; um, em maio de 97; o do apitá0 Gabriel Antunes Ma-
ciel, em 20 de dezembro de 98; um, em 1701 ; e aí acabam, até
1720, as referencias ao sargento-mor.
E m 8 de janeiro de 1720, casa-se Ana, filha dele e de dona
Inacia Pais de Barros, sua mulher, com Domingos Nogueira
Homem, filho de José Nogueira Homem e Maria Leme do Pra-
do, todos moradores de Sorocaba. Quem assiste a cerimoniã,
com delegação direta do Vigario da Vara de São Paulo, é o frade
minerador, frei João Batista, "religioso do Carmo". Lá está,
bem claro, "carmelita". A presença deste faz crer, com maior
fundamento, na' do amigo, pai da noiva.
Silencio nos livros. A 5 de maio de 1725, morre o sargento-
mor e vai ser enterrado na capela da Ordem Terceira do Car-
mo, em Itú.
Em 1726, 4 de março, outra filha, Luzia Leme de Barros,
casa'-se com José de Borba Gato, filho de Baltasar de Borba Gzto
e Mariana Domingues, defuntos, de Cotia. Ele estava morto,
vivia aquí a viuva, dona Inacia Pais.
As datas aquí conhecidas autorizam-nos a conjecturar que,
morta a sua mãe Joana, çonoubina, a quem fez enterro solene,
ausentou-se de Sorocaba, para os seus trabalhos de mineiro cru
gua'rda das minas. Imediatamente, em Itú, seria o seu casamen-
to (era sargento-mor tambem de Itú). Voltou para Sorocaba
já com uma filha casadeira. E aquí morreu.
Os seus descendentes aí se propagaram, humildemente, até
hoje. (1)
-
(1) Lê-se nos cronistas de Mato-Grosso que Artur e Fernão Pais
de Barros, descobridores do alto Paraguai Diamantjno, em 1733, eram
sorocabanos.
Após algum trabalho de buscas, encontramos o batismo de Fer-
não, filho de João Martins Claro e Luzia Leme de Barros. Era do
ano de 1700 e, pois, assinava o sobrenome do lado materno, a ser
O mesmo.. .
E' interessante como os velhos cronistas falaram a verdade, só
se enganando quanto ao grau de parentesco.
IV
NOSSA SENHORA DA P O N T E

Onde mandou fazer Baltasar Fernandes a primeira ima-


gem de Nossa Senhora da Ponte? Em Parna'iba ou São Paulo?
Ou veio feita da Baía ou do Porto?
I
Inclinamo-nos a crer que qualquer santeiro vulgar fez a
cabeça, mãos e pés da ima'gem, e o Menino, o resto, o manto azul
marchetado de estrelas, se incumbia de simplificar. De fato, nada
tem de artístico a imagem de rocâ que foi colocada no Consis-
torio da Irmandade do Santíssimo, num oratorio à esquerda e
com os fundos para o muro da capela-mor, e aí ficou até 1918.
O bom povo soracabano, porem, era cioso de sua velha pa-
droeira. As quintas-feiras, logo após a missa que sempre habia
do Santíssimo, recordação dos portugueses, embora o Senhor
estivesse no altar-mor, os assistentes não se esqueciam de dar a
volta (não havia' porta lateral direta) e visitar
>
N.a Sia da Pon-
te e o Senhor-Morto do Consistorio.
Chamou-se igreja de Nossa Senhora da Ponte a que hoje
se diz de São Bento, e dedicada a Santana. Já estava pelo menos
coberta e já tinha: o título de Senhora da Ponte, quando, a 21
de abril de 1660, o capitão fundador Baltasar Fernandes a en-
tregou com patrimonio aos beneditinos de Parnaiba, por escri-
tura passada em Apoterobí, fazenda de Manuel Bicudo Beza-
rano e com a condição de 13 missas anuais (12 por alma do doa-
dor e 1 em honra da Senhora da Ponte) e de construirem o
Mosteiro.
Depressa os padres aceitaram a oferta. Imediatamente veio
Frei Anselmo da Anunciação receber tudo e levantar o conven-
to. De tanta sorte estava o povoador que, já a 3 de março se-
guinte, de 1661, apenas com 30 casais espairsos colina abaixo, o
governador do Rio, então em São Paulo, Salvador Correia de
Sá e Benevides, lhe erigia em vila o povoado. Incumbia-lhe, pois,
fundar a casa da Câmara e Cadeia e . . . matriz, porquanto os
beneditinos, ordem isenta, não podiam ser párocos.
Mãos à obra! Ele, seus filhos, genros, amigos e escravos
começaram a nova matriz, certamente, em 1660 ou 1661. Que
podia estar funcionando pelo menos em 1667, quando já havia
Cadeia. De-certo, então, puseram Nossa Senhora e o Menino num
andor e, ao som daquelas toadas melancólicas do Padre-Nosso,
Ave-Mariai e Salve Rainha que só sabem hoje os nossos caipi-
ras, vieram colocá-la em seu novo trono. Trono de amor, donde
tem espargido tantas graças.
E, lá, em São Bento, os bons religiosos deixaram outra
Nossa Senhora de joelhos, aprendendo num livro aberto sobre
o colo de Santana. . . Santana, que eles trouxeram de Parnaiba,
certamente, e lá está, agora, no seu alto nicho, enquanto as gera-
ções vão passando, para o pó do sepulcro.. .
A 1." matriz de Sorocaba durou, certinhos, 100 anos. Tinha
capela'-mor assoalhada e forrada. Retábulo dourado com a Se-
nhora e o Menino, uma salinha assoalhada atrás do altar-mor,
sacristia. Um arco-cruzeiro, sob o qual havia' grades separando
capela-mor e corpo-da-igreja. Apoiando-se na parede do arco-
cruzeiro, dois altares laterais, com seus retábulos; à esquerda,
São Miguel e à direita Nossa Senhora do Rosario. Quasi que
certamente uma só nave, e só duas paredes laterais. Numa des-
ta's, um arco dando para a capelinha da Conceição. Um púlpito,
desses pregados à parede. Na entrada, uma pia batismal, de pe-
dra, em aberto. Doutro lado, a escada para o coro. Ma5s acima,
o torreãozinho com os 3 sinos. O corpo da igreja não era forrado.
O chão não foi sinão atijolado. E tinha bancos fixos ao solo.
Taimbem uma pia de agua benta. E' isto o que se pode deduzir da
informação prestada, em 1747, pelo padre Pedro Domingues, e
dos assentos de óbitos (davam o lugar da sepultura).
A belíssima e grande imagem atual de Nossa Senhora da
Ponte é de 1770, mais ou menos. A última pintura (incarna-
cão) foi há uns 50 anos.
De 1770 é a da 2." matriz. De 1 8 3 9 - 1 h a 3.", que dpro-
veitou da 2." a capela-mor, as paredes internas e o frontispicio
com a torre (esta é de 1818). A 4." matriz é de 1924 (aprovei-
tando a frontaria toda e torre da 3.") ; é catedral desde 1925.
Só a igreja de São Bento, primeira de N." S." da Ponte,
não sofreu mudanças essenciaiis desde 1660. Um monumento de
antiguidade, pois, e por muitos desconhecido.
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇKO, PADROEIRA -
DE B A N r n I R A N T E S

Braz Esteves Leme é um patriarca em Soro-


Braz Teves. caba, tal como João Ramalho em São Paulo,
ou mesmo o primeiro Braz Esteves Leme, que
se não casou, mas de quem foi ele um dos catorze filhos i,legí-
timos havidos com mulheres indígenas. São tambem catorze dos
filhos que lhe deram as pobres carijós de sua casa e seis os que
houve em legítimo
- matrimonio com dona Antonia Das.
Chamá-lo-emos Braiz Teves, como aparece no documento
de 21 de abril de 1660, onde Baltasar Fernandes faz a doação,
aos beneditinos da Parnaiba, da igreja de Nossa' Senhora da
Ponte de Sorocaba e de um patrimonio cujas terras se limitavam
com "o campo onde está Braz Teves". E', pois, um dos primei-
ros povoadores de Sorocaba, já então sogro de Pascoal Morei-
ra Cabral, o 1.O, e avô do pequeno Pascoal Moreira, o 2.O funda-
dor de Cuiabá.
Grande escravagista conjecturamos que foi
O sitio Braz Teves, pelo número de filhos naturais e
no SarapuT por ter sido em carijós a sua fortuna, que em
parte permitiu afazendar-se o primeiro Pascoal
e, acaso, começar suas correrias o 2 . O . Confirmamos a nossa opi-
nião com encontrar o nome dele nas listas de brindeirantes que
fizeram a caça aos indios do sul e do Guairá, e publicados pelo
historiador das Bandeiras, dr. Afonso d'E. Taunay.
Os escravos, primeiro capturados numa longa
. .. e os seus região que se estendia de Itanhaem aos Patas,
carijós tomaram, em São Paulo, o nome da tribu
principal : carijós, e conservaram esse apelido
até à extinção da escravidão vermelha por Pombal, inclusive nos
arquivos paroquiais, posto que, ao depois, pertencessem a ou-
tras tribus e raças, até.
Escrevendo, em 1747, no Livro do Tombo, o vigario de
Sorocaba, Padre Pedro Domingues Pais, por informações dos
antigos, diz que Braz Teves "era homem rico do gentio da ter-
ra, que era o cabedal daquelle tempo", e tinha a sede da sua fa-
zenda a 7 leguas "desta villa", junto ao rio Sorocaba e próxima'
a barra do ribeirão Sarapuí.
Pela distancia de povoado e solidão do lugar,
A capeh. f2zia-se mister uma capela, não só para faci-
litar aos mamelucos e carijós a recepção dcm
sacramentos, como para amenizar o agreste do sitio com o sinal
da civilização cristã. Braz Teves levantou, pois, a sua capelinha
e deu-lhe por padroeira Nossa Senhora da Conceição, estabe-
lecendo-lhe o pequeno patrimonio em "folegos vivos", em nú-
mero ignorado, no valor de 225$00, que é quanto renderam em
praça.
Este devoto e pequeno templo foi, pois, si não
Transferida anterior, pelo menos contemporaneo a l.a ma-
para a Matriz. triz de Sorocaba - (pouquíssimo mais nova
que a igreja de São Bento, ainda existente).
Eis, porem, que a morte leva o fundador e se espalharam os
moradores, ficando deserto o sitio e a capela arruinada.
Foi quando o capitão-mor Martim Garcia Lumbria, que o
era de Itanhaem, capitania a que Sorocaba' pertenceu, mas aquí
morou e criou os filhos, por sua espontanea vontade, resolveu
transferir a capela para' a matriz, a capela, isto é: a imagem e os
carijós do testamento.
Fez abrir numa das duas paredes laterais (não
U m arco no se sabe qual) e mais ou menos pelo meio, um
corpo da i g r e b arco, sob o qual colocou num nicho a imageni
veneranda, onde ainda se achava em 1747. Ao
pé desse altarzinho fizeram-se enterramentos, por exemplo o do
inocente Tomé, filho de Pascoal Moreira Cobra1 (o 2.") e Isabel
de Godói Moreira, a 12 de julho de 1712 (bisneto de Braz Te-
ves). Varias vezes se nos deparou, nos assentos antigos, a pito-
resca e popular "capéllinha" de ,N." S." da Conceição. Confron-
tando varias informações, de visitadores canônicos e inventa-
rios, após maduro exame, chegamos à conclusão seguinte: tão
pequena era ela que se não dizia missa, e é duvidoso si tinha a:-
tar; e a expressão "contigua" parece indicar que foi construido
fora o minúsculo edificio e logo aberto o arco para comunicação
com o corpo da igreja, e isto junto se resume tia palavra certa:
capelinha. Daí a razão por que o mesmo padre &mingues, em
1747, sem contradizer-se, enumera apenas dois altares laterais
na sua matriz. A matriz de Sorocaba foi reformada quasi
toda, ou mesmo derrubada, cerca de 1760. Ai termina a existen-
cia da capelinha. A construção da 2.a matriz só em 1787 estava
terminada, mas, já em 1770, havia uma imagem de Nossa Se-
nhora da Conceição na sacristia. Isto é, a padroeira de bandei-
174 CÔNEGOLUIZCASTANHO
DE &MEIDA

rantes não tinha mais lugar proprio. Daí em diante, este 2 . O


templo andou sempre em obras. A torre e o frontispicio se aca-
baram já em 1818. Em 18'40, o Padre Francisco Teodosio de
Almeida Leme fez quasi uma 3." matriz. E a atual, de 1924, é
quasi a 4.". Dizemos quasi, porque cada reformador deixava um
pouco do antigo, a alma da velha matriz de 1661. As pequenas
r imagens antigas acham-se dispersas por igrejas e capelas varias,
hoje. Alem disso, pelos anos de 1760, se construiu outra capela
de Nossa Senhora da Conceição, alem-Ipanema, próxima a San-
to Antonio, e Bacaetava de hoje. E tambem ruiu. E imagens e
alfaias vieram para a matriz. De forma que é humanamente im-
possivel discernir entre tantas, hoje, a "Nossa Senhora" de
Braz Teves.
Nas ruinas da capelinha de Braz Teves se edi-
E no Sarapuí? ficou outra mais tarde e, antes de 1750, segun-
do hipótese de Monsenhor Vicente Hypnarows-
ki, consultando a tradição. Ainda em meados do século 19, eram
vistas, da estrada para Tatui, que alí atravessa o rio Sorocaba
(hoje a estrada-de-rodagem segue o mesmo traçado), as ruinas
desta 2." capelinha, que se chamou de Santa Cruz. Quando Cam-
po Largo era, apenas, um pouso de tropeiros, cerca de 1820 foi
trazidal esta cruz para uma nova capela, e existe, até hoje, e é
notavel pelas pinturas de emblemas nos seus braços, numa re-
cente capela à entrada da cidade.

Agora, feita ama justa pausa, podemos cami-


V60 mais longo. nhar mais dentro ainda do "bandeirismo".
A Cuiabsi. Pascoal Moreira Cabral, o 2 . O , nasceu no si-
tio de Braz Teves, seu avô materno, e foi den-
tro da capelinha sita à barra do Sarapuí com o Sorocaba, e
diante desta Nossa Senhora da Conceição, que ele fez as suas
primeiras orações e, no caso de ser anterior esta capela à pro-
pria matriz de Sorocaba, foi aí batizado. Digamos desde logo
que esta nossa hipótese se funda em argumentos tão sólidos, a-
pesar-de negativos, em parte, que só pode ter mor forqa uma
certidão de batismo inda não aparecida. Pedimos venia ao leitor
para enviá-lo ao capítulo: Nossa Semhora de1 Popolo, onde ali-
nhamos nossas razões. Em todo o caso, a capela da Conceição
pertenceu aos avós maternos do fundador de Cuiabá, que aí es-
teve, certamente, si não morreu e cresceu.
ACHEGASÁ HISTORIA DE SOROCABA

Desbaratada, pois, a capela, e transferida, sem


Capitães-mo=. licença de Prelado, paira a matriz, pelo capitão-
mor Martim Garcia Lumbria (que tambem
explorou o Araçoiaba), os carijós foram por ele vendidos ao
correr do martelo. Produziram 225$000. A esse tempo, valia
20 ou 30s uma "peça". Cerca de 12, portanto. Foi esse dinhei-
ro que recebeu, junto com o titulo de protetor da capelinha, o
capitão-mor Fernando Dias Falcão, e provavelmente entregou
logo ao vigario desta, Antonio Carvalho de Oliveira.
Este foi nomeado vigario da vara em Iguape,
O Vigatio da segundo se lê no nosso Livro do Tombo, e é
Vara e m Igua~e. um fato notavel, considerando-se que São
Paulo ainda não tinha sede de Bispado. Alem
disso, de haver ele enviado varias vezes portadores aquí a So-
rocaba, e de estar residindo aquí um pouco antes o capitão-mor
de toda Itanhaem, bem como, logo mais, o sargento-mor dela.
João Martins Claro, decorre de tudo uma presunção notavel: a
ligação do planalto com o vale da Ribeira, sem passar por São
Paulo, com a mineração e a escravização por pontos de apoio.
E tudo nos leva a crer que o padre Carvalho empregou em "ban-
deiras" esta importante soma de dinheiro, como fazia quasi to-
da gente em Iguape. Seu fiador, João Martins Claro, chegou a
sustentar em su;, companhia um frade mercedario mineralogista.
Um sorocabano pobre, depois riquissimo e no
Em 17l2 fim miseravel, foi este célebre Miguel Sutil
Aparece Mime1 de Oliveira, que deixou o seu nome no Paraná
Sutil. e no Mato-Grosso. Aquí ajudou ele a fundar
Cuiabá, quando na Forquilha encontrou o ou-
ro à flor da terra, em 1718. Ora, em 1712, ele precisava de uns
cobres. Nossa Senhora da Conceição emprestou-lhe 77$280, a
11 de março, e a juros de 6 1/4 %, mas.. . foi-lhe preciso
encontrar um fiador, na pessoa do então al-
Outro bandei- feres Antonio Antunes Maciel, o mesmo que,
rante. Antonio em 1719, voltaria de Cuiabá como uma trom-
Antunes Maciel. beta tonitroando : Ouro! Ouro!, mensageiro
feliz de Pascoal ao governador-general Rodri-
- go Cesar de Menezes. Quanto ao protetor de Nossa Senhora, o
capitão-mor Fernão Dias Falcão, o dinheiro que entregava ao
Sutil mal lhe esquentara as mãos, chegado que fora de Iguape
e enviado pelo vigario Carvalho.
O 3." dos Maciéis tambem havia mister uns
Tambem o ca- cobrinhos. A caixa de Nossa Senhora, pois!
pitão Ciabriel Ou Falcão não estava, ou o portador do padre
Antunes MadeL Carvalho lhe entregou sem medianeiro a pe-
quena irnpoftancia de 31$360, a 8 de julho de
1713, e era o capitão Francisco de Lara de Almeida. E m 19 de
abril de 1719, aprontando as malas e os livros para se embar-
car na monção de Cuiabá, viu a conta em aberto, e mandou que
se passasse outra escritura com fiador. Porem, em 1732, o es-
crivão Lourenço Costa Martins buscou e não encontrou esse
documento. E como, até há pouco, fio de barba de paulista ou
sua firma valiam até o sacrificio, é claro que o Antunes, um dia,
se achegou do capitão-mor regente, com um punhado de ouro,
e disse: - Ai astá a minha dívida, capital e juros. - Nossa
Senhora lhe ajude !, podia ter respondido o Falcão.
E m 171Z, em data não mencionada, o vigario
Pontualidade . da Vara de Iguape (com jurisdição em Soro-
sacerdotal. cabal mandou, enfim, o resto de sua conta, ju-
ros e principal, descontando, todavia, quarro
missas que mandou cantar em quatro anos seguidos, a Nossa
Senhora da Conceição, pela espórtula de 18$580. O padre baii-
deirzinte levara 225$000. E pagava 450$000, o dobro. Foi-lhe
destratada a escritura de dívida e o capitão-mor Falcão, tam-
bem juiz ordinario nesse ano, lhe deu plena quitação e ao sar-
gento-mor Martins Claro. Particularidade notavel, não havia
casa da Câmara, pois a audiencia se dava em casa do juiz. Em
1804, tambem não a havia, quando se reuniram os oficiais dela,
em casa do juiz presidente, para resolver a construção das Ca-
sinhas (mercado) e da Santa Casa. Logo, os fundadores, em
1661, só construiram a Cadeia, que sempre houve e foi derru-
bada no reinado de Dom João VI, quando se construiu o so-
brado que serviu de Câmara e Cadeia, na rua já chamada da
Cadeia, hoje Barão do Rio Branco, até 1866.
Fernão Dias Falcão não levou na sua mon-
ção o dinheiro de Nossa Senhora, a não ser
Depois de 1720. alguns poucos de mil réis. Deixou certamente .
o débito e o haver ao cuidado do capitão Do-
mingos Soares Pais, que era juiz ordinario em 1725, e que nesse
ano deu 284$800 ao capitão Antonio Pompeu Taques, sendo fia-
dores o cap. José Pompeu Castanho e o cap. Francisco de Al-
meida Lara; e 100$000 ao seu colega juiz Bernardo Antunes de
Moura, cujo fiador foi o cap. João Pais dos Reis. O restante
em caixa, a 21 de novembro de 1725, o honrado cap. Soares, por
ordem vinda de Cuiabá, entregou em cartorio a Lucrecia' Pedro-
sa (mulher do capitão-mor regente), a qual não soube assinar
o nome. Entre as dívidas se contavam: 60$000, que em 1721 o
sargento-mor José de Faria' Pais recebera das mãos do capitão-
mor Gabriel Antunes Maciel, juiz ordinario
Ainda Gabriel então, e a de 446$000, que Luiz Castanho de
Antunes Maciel, Almeida tomara em duas vezes das mãos de
Juiz de orfãos Fernáo Dias Falcão, e apresentou em carto-
em 1721. rio em 1724, homem de bem, as escrituras,
sendo fiadores Inacio de Almeida Lara e ou-
torgando seu beneplácito Ana Pedrosa, sua mulher. Este é um
dinheiro empregado nas lavouras e talvez nelas somente. Lê-se,
à margem, que o depois sargento-mor e fazendeiro no Itavovú
pagou tudo. Era o 7.O avô e homônimo do autor destas linhas, e
por sua vez neto de outro homônimo bandeirante em Goiaz.
Que foi feito do resto do dinheiro? Em 1747, só existia'm
dívidas.
Os visitadores acentuavam que deviam ser re-
O fim, sempre cebidas, mais tarde. Talvez na reconstrução da
melanc6lico. matriz, o então e Último protetor entregou o
restante ao mestre-de-obras. . . O padre Do-
mingues deixa a entender que muitas dívidas não foram cobradas.
E> interessante, contudo, como se reunem em volta de Nos-
sa Senhora da Conceição, mais ou menos devotamente, Braz Es-
teves Leme e Pascoal Moreira Cabral-o-fundador, Fernão Dias
Falcão o 1.O capitão-mor-regente, Miguel Sutil de Oliveira e
os dois Antunes Maciéis, os descobridores das Minas-de-Cuiabá.

NOSSA SENHORA DO PILAR E OS CORREIAS

Até 1907, mais ou menos, havia, no altar lateral da igreja


de São Bento, da banda do Evangelho, umai pequena imagem de
Nossa Senhora com o seu pilar. Este não existe mais. A imagen-
zinha se conserva ainda bem guardada, e fio altar está uma bela
imagem da Imaculada.
CÔNEGOLUIZCASTANHO
DE ALMEIDA

Tão pequena, e teve a cingir-lhe a cabecinha de madeira uma


pequenina coroa de ouro, o primeiro ouro de Goiaz, a darmos
crédito aos cronistas, e que lhe mandou um Manuel Correia, es-
pecie de bandeirante proletario, não desses que rangem a dentuça
contra tudo que é sagrado, mas desses humildes trabalhadores
que honram um povo. A sua oferta é de pobre. Mas, note-se
bem : são as primicias ! Não consta que Pascoal Moreira Cabra1
e outros felizardos de um momento (que tambem'morreram po-
bres) se lembrassem de um presentinho para a sua terra. Para
a Europa foi o ouro dos bandeirantes. Porem, o pouco, que era
o tudo de Manuel Correia, aquí ficou. Certo, antes de sair para
a arrancada temerosa, ajoelhaira-se diante do querido ícone e
pedira boa sorte. Não ficou rico e milionario. Mas, entrou na
historia das bandeiras com uma' nobreza de sentimentos que mar- -
cam uma época.
Há qualquer coisa de comum entre os Correias e Nossa Se-
nhora do Pilar. Dir-se-ia que eles deram a igreja a' imagem, ou
zelavam do altarzinho.
A data de 1H7, para o descobrimento das primeiras minas
goidnas, cai por terra diante do simples fato de que só em 1660
se fundou a igreja de São Bento. A de 1719 concorda, alem dis-
so, com o parentesco mais próximo entre Manuel Correia e Ca-
tarina, a que desejou ser enterrada junto a Senhora do Pilar.
Hgvia tempo de ele chegar e nascer-lhe esta talvez filha.
E porque não há de ser desta mesma piedosa familia po-
voadora de Mato-Grosso um poeta (poema foi tambem o gesto
do ancestral) que a Nossa Senhora tem ofertado tantas coroas.
digamos logo, Dom Aquino?

b)
"AoL, nove dias do mez de Julho de mil setecentos e cin-
coenta e nove annos falleceu da vida presente Catharina Cor-
rea natural desta villa casada com Geraldo Domingues. Fez tes-
tamento em que ordenava que por sua alma se dissessem tantas
missas de corpo presente, quantos sacerdotes se achassem pre-
sentes; e que seu corpo amortalhado no h$bito de São Fran-
cisco fosse sepultado no Mosteiro de Sam Bento junto ao alta1
(sic) de Nossa Senhora do Pilar onde com effeito foi sepultáda
no habito de Nossa Senhora do Carmo por se não achar o habito
que pedia. Falleceu com todos os sacramentos e sendo da idade
ACHEGASá HISTORIA DE SOROCABA

de trinta e tantos annos mais ou menos, e recornmendada por


mim com assistencia da cruz da fabrica No fim depois da appro-
vação do Testamento se acha h'ua cota ou declaração na forma
seguinte = Declarou a dita testadora depois desta escripta, que
queria e era sua vontade que a metade de sua terça queria em
missas e outra' metade deixava para suas filhas. =
"A dita cota da letra do mesmo tabaliam que proveu o tes-
tamento. h que tudo fiz este assento que assignei. Deixou por
testamenteiros Manoel de Arruda e Sá e a seu marido e a' seu
cunhado Jeronymo Leite o qual assistiu o enterro. Manoel de
Arruda." (Livro 2." de dbitos d'e N.' S.a da Ponte de Sorocaba,
fls. 30).

c) Algumas assinaturas Correia encontradas no


Arquivo Pmoquid :

Luzia Correia, casada com Manuel Vaz, perdeu o inocente


José em 1758.
João Correia faleceu aos 80 anos, sa'cramentado, a 16 de
junho de 1756: Viuvo.
Maria Correia, casada com Pascoal Moreira Pais, de qua-
renta anos, faleceu a 23 de junho de 1763.
Salvador Correia, velho de 80 anos, viuvo, morador que
foi de Jacareí; morreu a 11 de setembro de 1763.
Isabel Correia, viuva de Manuel Delgado, com mais de 60
anos, morreu no Ipahema, a 2 de março de 1767.
A 25 de dezembro de 1768, morreu, no bairro da Boa Vista,
com todos os sacramentos, Maria Correia da Luz, com quarenta
e tantos anos, viuva de Jerônimo Leite. Foi enterrada na ma-
triz. Sendo Jerônimo Leite cunhado de Catarina, conforme o as-
sento de óbito desta, e não devendo ser irmã de Geraldo Do-
mingues, resta, evidentemente, que Maria Correia da Luz é irmã
de Catarina Correia.
A 23 de setembro de 1771, faleceu, no bairro de Bacaetava,
Rita Leme, de 35 anos, casada com Antonio Correia da Silva.
Francisco Correia de Figueiredo, natural de Santo Amaro,
com 70 anos, casado com Escolástica Barbosa, faleceu a 6 de
março de 1772.
Francisca Correia, viuva que foi de João Varela, expirou
ai 6 de fevereiro de 1773, com 90 e tantos anos !
Antonio Correia, filho solteiro de Francisco Correia e Es-
colástica Leme (é o mesmo casal ante-precedente) morreu com
22 anos, em 18 de outubro de 1774, "no Salto".
João Ferreira da Silva teve um filho (que faleceu) com uma
Catarina Correia', solteira em 1755.
Francisca de Almeida (Correia?), mulher de Antonio Pais
de Almeida.
Antonio Nunes de Queiroz, marido de Escolástica Leme
Barbosa, faleceu a 21-IV-1766.
Nota : há duas Escolástica Leme Barbosa.
Duas observações :
1) Estes Correias estão todos dormindo o derradeiro sono
na igreja matriz, o que'se explica por morrerem ab intestato, to-
dos pobres, e sem meios pdra escolherem a sua tumba. Todos re-
ceberam os sacramentos. E muitos moravam a 4 leguas, no Ip%-
nema e Bacaetava.
2 ) ' 0 s dois nascidos fora (Jacareí e Santo Amaro) podem
ser da' mesma familia.

d) T e m a palavra Basilio de Magulhães

"Tambem por meiados do seculo XVII (em 1647, asseve-


ram alguns historiadores) Manuel Correia, que penetrara glém
do ultimo ponto a que chegara a bandeira de Nicolau Barreto, -
a qual, em 1602-1604 tainto se avisinhara do sertão goyano -
embrenhou-se mais longe nesta zona occidental, donde, regres-
sando pelo Araguaya, achára, n'um pequeno rio occupado pelos
aráes, algumas oitava's de ouro trazidas por elle a povoado. Luiz
d'Alincourt.. . dá o paulista Manuel Correia como descobridor
da parte septentrional de Matto-Grosso, além do Araguaya, an-
nos depois de haver passado o Paraguay Aleixo Garcia.. ."
(Expansão Geográfica do Brasil Colonial, pág. 125 e 126. Edi-
ção da Cia. Editora Nacional).

e ) O que diz o historiador das Bandeiras,


Dr. Afonso d'E. T m n a y :

"Bandeira notatrel de descoberta e préa de indios. em mea-


dos do seculo XVII, que na opinião dos auctores devassou enor-
mes tractos de terra." Diz o Cônego Silva e Sousa, nas Memo-
rias.. . : "Consta por tradição antiga que Manuel Correia foi
o primeiro que aknbicioso deste lucro chegou até o lugar dos fa-
migerados Aráes desta Capitania a que depois o gentio Goyaz,
habitante no lugar de maior riqueza, fez dar o nome que ainda
conserva de Goyaz ; que o ouro alcaso encontrado e extrahido sem
industria, que na villa de Sorocaba offereceu em donativo para
a coroa da imagem de Nossa Senhora do Pilar, foi o principal1
motivo das suas fadigas, bem que depois com o seu esplendor
captou a s animos dos que em tropel vieram a formar esta nova
colonia."
Alencastre cita Frota, Historia da Capitania de Goiaz, mar-
cando o ano de 1719 para este acontecimento; diz que Correia
era indigente, e tirou apenas 10 oitavas, então 1$500. (Historkz
Geral das Bandeiras Paulistas, tomo IV, pág. 22 e 23).
Nota: - A pobreza acima notada' combina bem com os
dados sobre os Correias em Sorocaba.

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