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Chartres
O estilo
A arquitetura gótica surgiu na França em um período de grandes transformações, fim do século XII, com o
desenvolvimento comercial, o crescimento das cidades e com a centralização política. No entanto, ainda
estava dominada pela cultura religiosa e as cruzadas exerciam forte influência sobre a sociedade. Citada
como o auge do desenvolvimento artístico da Idade Média , a catedral gótica superou a arquitetura clássica
em termos de ousadia construtiva. As “bíblias de pedra” atingiram alturas impressionantes, suas paredes
parecem se desmaterializar, graças às abóbadas com traves, responsáveis pela abertura de espaços
quadrados, curvos ou irregulares, e aos arcobotantes , ou contrafortes, responsáveis pela elevação
vertical. A riqueza de detalhes atrai o olhar do observador, que se eleva às delgadas agulhas em direção
ao infinito, destino dos homens, junto a Deus
Nesse período, a beleza era concebida como o esplendor da verdade e as obras artísticas procuravam
espelhar essa verdade que transcendia a experiência material. Nesse contexto a arquitetura gótica
conseguiu refletir o belo e o espiritual e, durante séculos, foi capaz de atrair viajantes do mundo inteiro,
embevecidos com a magnificência das suas construções.
Enquanto nas igrejas românicas a luz era algo que se contrastava com as paredes pesadas e sombrias da
construção, no Gótico havia uma intrínseca relação entre a luz e a estrutura da edificação. Nesse estilo, os
vitrais passaram a substituir as paredes coloridas da arquitetura românica e, tanto estruturalmente quanto
esteticamente, se assemelhavam a paredes transparentes. As catedrais góticas não eram tão iluminadas,
mas se destacaram nesse aspecto se comparadas às românicas.
Sabe-se que muitos desses labirintos foram destruídos em séculos de iluminismo ou anticatolicismo.
Mas, o que faz um labirinto gravado no chão? Qual é a função desse desenho matemático no recinto
sagrado de uma catedral?
O termo ‘labirinto’ designa um percurso sinuoso, com ou sem cruzamentos, becos-sem-saída e falsas
pistas, destinado a perder ou enganar o intruso que nele penetra.
Quem visita Chartres pode encontrar pessoas executando um estranho ritual. Estão percorrendo esse
labirinto com ares de procurar “energias” provenientes de obscuras forças telúricas.
Em poucas palavras, trata-se de mais uma superstição Nova Era, de tipo neopagão, que nada tem a ver
com o catolicismo.
Na catedral de Chartres ou nas suas lojas de souvenirs, ninguém soube explicar-me direito a razão de
ser do labirinto.
Se eu fazia menção à ridícula crendice Nova Era, os lojistas sorriam. Para eles era mais uma tolice em
que guias inescrupulosos fazem cair turistas americanos ávidos de extravagâncias.
Numa livraria erudita, um estudante que preparava seu mestrado apontou-me o livro que explicaria o que
para mim era um enigma. E, no essencial, o fez: “Chartres: le labyrinthe déchiffré” (“Chartres, o labirinto
decifrado”), de John e Odette Ketley-Laporte, Éditions Garnier, 1997.
De volta a casa pude lê-lo pausadamente. Eis algumas das interessantes informações que nos devolvem
o autêntico sentido cristão – aliás, muito esquecido – do labirinto das catedrais.
Os labirintos dos quais mais se fala são o das pirâmides do Egito e o da ilha de Creta, na área de cultura
helênica.
Em ambos os casos tudo indica que não se tratou de construções materiais, mas sobre tudo mitológicas.
Atribui-se ao faraó Amenemhat III (1860 a.C. – 1814 a.C) a construção de um palácio monumental na
depressão de Faium, perto do lago Meris (atualmente Birket-Qarun). O palácio teria tido quase três mil
salas, ligadas por um complexo sistema de corredores em vários níveis. Esse prédio foi chamado pelos
gregos de Labirinto. Mas nada restou dele.
A lenda do labirinto, entretanto, sobreviveu ao palácio. Segundo ela, no prédio morava o deus Anúbis,
divindade com cabeça de cão, que por meio de um fio conduzia até o deus supremo as almas dos faraós
falecidos, superando os perigos do abismo eterno.
Segundo Heródoto, a lenda do palácio de Amenemhat III teria inspirado o arquiteto Dédalo – encarregado
por Minos, rei de Creta – a construir uma prisão para o monstro Minotauro.
A lenda do Labirinto de Dédalo foi a que mais marcou o Ocidente. Houve intensos esforços para localizar
suas ruínas ou, pelo menos, o local onde poderia ter estado.
“Nenhuma das numerosas escavações efetuadas nos sítios arqueológicos da ilha de Creta revelou
qualquer indício sério sobre a verdadeira natureza, nem mesmo da localização do famoso Labirinto” –
escrevem John e Odette Ketley-Laporte.
A lenda grega é uma adaptação da mitologia egípcia: Ariadne, filha do rei de Creta, deu ao herói Teseu,
como prova de amor, a ponta de um novelo de lã que ela desenrolava.
Teseu nunca devia afrouxar para não se perder no Labirinto e atingir por fim a salvação ou paz eterna.
No meio do Labirinto, Teseu encontrou o demoníaco Minotauro, acabou vencendo-o e por meio do fio
atingiu a salvação.
O primeiro labirinto cristão recuperado é o da Basílica de São Reparato, hoje em ruínas, construída em
estilo romano no ano 324, em El-Asnam (Argélia).
Este labirinto é um mosaico, a exemplo de todo o chão da igreja. Suas dimensões – 2,40 metros por 3
metros – mostram que ele não foi feito para ser percorrido a pé, mas acompanhado com o olhar.
Cada pedrinha do mosaico tem uma letra, devendo o fiel encontrar no meio delas a frase Sancta Mater
Ecclesia (Santa Mãe Igreja). O ensinamento é que a Igreja é o caminho certo em meio à confusão desta
Terra.
No século VI em diante, aparecem labirintos de maior beleza e perfeição nas igrejas do norte da Itália,
como em San Vitale (Ravena).
Mas foi nas grandes catedrais medievais francesas de Poitiers, Amiens, Arras, Auxerre, Reims, Bayeux,
Chartres Mirepoix, Saint-Omer, Saint-Quentin e Toulouse, entre outras, que o labirinto atingiu sua
plenitude.
O labirinto mais completo é sem dúvida o da catedral de Chartres, construído na sua nave central por
volta do ano 1200 e medindo cerca de 13 metros de diâmetro.
Ele é redondo e suas pedras negras marcam o percurso – em pedras brancas – a ser feito a pé ou de
joelhos. A borda é finamente trabalhada, assim como o centro, rodeado por um desenho florido.
A renda de pedra que rodeia o labirinto estabelece uma fronteira entre o sagrado e o profano.
No centro do labirinto havia uma extraordinária placa de cobre. Não sabemos que imagens estavam nela
representadas, pois as testemunhas pós-medievais já as viram muito apagadas.
A impiedade sacrílega da Revolução Francesa arrancou essa placa com o pretexto de fundi-la e fazer
canhões para a República.
No dia da festa da Assunção de Nossa Senhora (no Calendário Juliano, ainda em uso na Idade Média),
um raio de sol atravessava o vitral central da fachada e projetava a imagem de Nossa Senhora sobre o
cobre, produzindo um efeito luminoso colorido de esplendor incomparável.
Esse centro é chamado de Paraíso, ou também de Jerusalém, aplicando-se o termo à Jerusalém celeste
e à Jerusalém pela qual os Cruzados combatiam.
Na catedral de Reims, o percurso dentro do Labirinto recebia o nome de “Caminho de Jerusalém” e era
percorrido recitando-se as orações contidas num livrinho de devoção especial.
Quem ingressa no Labirinto deve caminhar através de onze anéis até chegar ao Paraíso. O número 11 é
simbólico e ensina que é um caminho a ser percorrido pelo pecador.
Esses onze anéis sinalizam o conjunto das peripécias que o homem concebido no pecado deve
atravessar no decurso da vida.
Ele encontra obstáculos, voltas e desvios, retrocessos inesperados que o obrigam a começar tudo de
novo.
Sua vida está cheia dessas idas e vindas, das voltas que não se entendem, das aparentes aniquilações
dos trabalhos feitos, da necessidade de reiniciar uma e outra vez.
Essas situações da vida real, nas quais o caminho parece perdido e o trabalho de uma vida
desperdiçado, em que não se vê mais o ponto de chegada, também são momentos de tentação.
Esses são os momentos do anjo da perdição – representado pelo demoníaco Minotauro da lenda de
Creta – que figura de modo pagão o demônio do desespero que assalta os homens no meio de alguma
curva da vida.
Porém, no Labirinto de Chartres, está representado também o novelo misterioso que ajuda o pecador a
não se perder e a vencer a tentação: a graça divina.
Portanto, Àquele que é o criador da graça e que a dispensa a todos os que perseveram no labirinto da
vida, impedindo que se percam ou que caiam nas armadilhas e nos embustes que enchem a passagem
do homem pela Terra.
A condição para o fiel é uma só: nunca largar o fio do novelo, inclusive no momento em que tudo parece
rumar no contra-senso ou para trás
Mas há mais. A catedral de Chartres é dedicada inteiramente à Mãe de Deus. É Ela quem administra o
novelo do Filho e nos dá o fio, tornando possível sermos fieis e chegarmos a seu Divino Filho, após
atravessar todas as vicissitudes desta vida.
Por exemplo, o percurso do Labirinto ou ‘Caminho de Jerusalém’ está composto com 273 pedras.
Elas somam os dias dos nove meses da gestação, porque Nossa Senhora vai gestando para o Céu a
alma do pecador que percorre com o coração contrito e humilhado o caminho rumo à Pátria celeste,
guiado por Ela por meio do fio da graça de seu Filho.
A última pedra do ‘Caminho de Jerusalém’ tem um tamanho diverso de todas as outras e a proporção do
corpo humano.
Ela representa simbolicamente o católico que após completar o caminho prenhe de inverossímeis, chega
à porta do ‘Paraíso’, prosterna-se agradecido e implora à Virgem que o apresente a seu Divino Filho.
Nas como que intérminas idas e vindas, o pecador que não perde de vista Nossa Senhora talvez julgue
percorrer um caminho caótico. Porém os autores do livro mostram como, na realidade, esssas indas e
vindas pelo Labirinto desenham duas vezes o monograma marial – a letra M – de modo surpreendente.
O Labirinto de Chartres é bem uma “via de Maria”, porque nele Nossa Senhora nos faz chegar a
salvação eterna por sua intercessão, e é por causa d’Ela que o fiel triunfa sobre as vicissitudes da vida
mortal.