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PauloF.

Santos

Quatro Séculos
de Arquitetura
1 -
l

r'

coleção iab
Introdução

Como na História Política, a da Arquitetura da


Cidade pode ser dividida em três períodos: COLO-
NIAL, IMPERIAL, REPUBLICANO.

No período COLONIAL, todas as nações colonia-


listas da época - Espanha, Holanda, França, Ingla -
ter ra-, tinham monopó lio de comércio com suas
colônias. O nosso só se faz ia através de Portugal:
comércio de bens materi ais e das prendas do espí -
rito também. Exportávamos matérias-primas e exo -
t ismos - já houve quem o disse - e recebíamos
produtos manufaturados: os da cultura inclusive da
arqui tetur a, nos chegavam de lá prontos para se-
rem aplicados. ·

As fontes em que Port ugal se abast ecia estavam


muitas vezes fora: na Europa - principalmente na
Itália, dado o avassalante prestígio da Renascença;
um pouco na Esp an ha, mais perceptível durante os
anos em que as duas coroas esti veram unidas
(1580-1640) ; e um pouco também na França -
preponderantemente no século XVI 11;mas mesmo
nesse século a influência italiana foi maior. Hou ve
muita& ou;ras infl!1ências: da mesma Europa e tam-
bém aa Asia e Africa, que não cabe citar numa
esquisse relativa ao Brasil. No qlle tange às fortif i·
cações, por exemplo, à influência itali ana - qu ase
a única no século XVI -, seguiram-se a holandesa
na primeira metade do século XVII e a francesa na
segunda metade desse século e nu XVI 11.

Na Itália, nos séculos XVI ao XVIII, a ar quitetura


teve quatro fases: Renascentista, Maneirista, Barro-
ca e Rococó. Portugal, depois do magnificente
surto Manuelino de curta duração, acusou também
com espíri to diferente mas com as mesmas raízes,
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as Renascença, e não dinâmica, que é a caracterí st ica
essas quatro tendências: mais t endênci as est ilístic
fundamental do Barroco. Do Rococó - cuja con-
do que fases.
tribuição à arquitetura cívil consistiu principa lmen-
e
te em introdu zir fo rma s mais sensíveis , delicadas
A expr essão Arq uitetu ra Maneirist a empregada em a proxi mada me nte a
do caprichosas - pode dizer -se
relação a Portugal é relat ivamente recente. Data
es mesma coisa.
relevo conferido ao Maneirismo pelos emine nt
a R. Wittk o -
historiadores e críticos de língua ingles
Pevsn er , em estu- No período IMPERIAL, com a Abertura dos Por-
wer, Anthony Blunt e Nikolaus
s tos decretada pelo. Prín cipe Regente quando em
dos estendidos à arquitetura portuguesa por outro a
r 1808 fugindo da il'ivasãonapoleônica t ransferiu
críticos de I íngua inglesa: John Bury (em caráte Brasi l, passa mos a receb er toda sorte
para o
exper imental ) e Robert Smith, com boa receptivi- Corte
eses Mário Chicó e Jorg e Paes da de inf luênc ias, na arquitetu ra e nas artes em gera l
dade dos portugu
da predo m inan do parad oxalmente as da França, resul -
Silva - também eles f iguras de alta categoria as
mod etna Histór ia da Arte. tado da vinda em 1816 de uma missão de artist
se no
desse país para o Rio de Janeiro. Assinalam-
de período duas influ ênc ias princ ipais - uma estilís ti-
O Brasil, cujos primeiros cinqüenta anos foram
çou as três últi - ca, o Neoclassicismo, qu e fo i aqui antes uma revives-
rudi ment ares realiza ções, só alcan
de cênc ia de forma s ainda uma vez da Renascença, do
mas te ndênci as, a primeira sendo aqui chamada
ue qu e um retorno às fontes pr imár ias da Gréc ia e
Jesuítica , aind a qu e nela se inclua arquitetura q
se Roma ant igas, como na França, 1nglater ra e Ale-
não pertence à Companhia de Jesus, a que
tendên cia do espír ito, o Ro·
seguiram a Barroca e a Rococó, não se tendo ainda manha; outra, como
expressões formais.
te ntado subst itui r a designação Jesuítica por Ma- mantismo, com variadas
neirista . da
Em meados do sécul o XIX com a inauguração
navegação a vapor transa tlân tica segui da do telé-
O Maneirism o na Itá lia foi atitude de rebeldia
con tr a a gram áti ca e as ordon ância s da Rena scen - grafo subm arino , entramos em rápido contato com
-
ça, tomada por quem as conhecia mas delibe ra - todos os povos. Consegüência : mesc la de influ ên
a REPÚBLICA e as invenções do
damente não as seguia (Michelangelo na Laurezia- cias que, com
forma s l ano , do cinem a e intens ifica ção da imprensa,
na, por exemplo), ao passo que no Brasil as aerop
que todo o Ocident e t ivesse uma fase de
da arquitetura de entr e Renascença e Barroco ex- fizeram as
pr imiram antes o arcaí smo pró prio ao meio ásper
o Eclet ismo. No Brasil, foi no Rio de Janeiro com
às grandes obras de remodelaç ão da cidad e empr een-
e rude do q ue uma maneira ou atitude contrári a
ssões Jesuít i- didas pelo Prefe ito Passos, qu e o Eclet ismo atingiu
normas consag rad as. Quanto às expre
suas formas mais desenvo ltas.
ca, Barro ca e Rococó só são legí timas para a nossa
arquitetura religiosa; porque a civil, quando rural, m-
de A década de 1920-1930, do Pós-Guerra, foi ta
nas suas formas desataviadas era desprend ida o Ocide nte uma fa se de reno vação à
- bém para todo
pretensões er ud itas e ainda q ue com raízes tam ica
u- procura de rumos. Na arqui tetura, toda a Amér
bém portu guesas, as teve primordialmente merg
lhadas na nossa t erra ; e quando urb ana e naquelas proc urou renovar-se seguindo dois caminhos: um
rea lizações em que se possa ter a pr ete nsão
de voltado para o passado, o Neocolonial; outro para
r.
encontrar fil iações esti líst icas mais definida s, usou o futuro, o Moderno, que acabar ia por prevalece
de vocabu lário plástico de pilastras , cornijas , enta- A arquitetura do Rio de Janeiro - por q ue
no
cimal has de sobre -verg a e frontõ e s cuj a revira -
blamentos,
duran te todo o perío do CO- Bras il foi aqui , com arquite tos daqui, q ue a
e foi marca da mais
sintax volta se deu - rap idamente vai situar-se : não
LON IAL pelos compa ssos da Renascença. Uma ou subservien te a Portugal, como no per iodo Colo
-
outra vez o Barroco se insinuo u em portadas volu- a, como no
e nial; não mais subserv iente à Franç
tas, quartilhas de começo de escada, cartela s odo Impe r ial; mas dona de seus própr ios desti -
i- perí
quejandos ace ssórios , mas a orgânica da co mpos nos, no pri meiro plano da arquit etu ra unive rsal.
da
ção dos espaços man te ve-se estática, à moda
Período Colonial

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A Cidade e sua 1 './../. 7 .J:9-' '.? - ::, terio r: a Casa da Câmara, sobradada, telhada e
Arquitetura Militar / ./ "!.,,! grande; a Cadeia; os Armazéns da Fazenda Real,
;l' ' t .. (_ ✓ também sobradados, te lhados e com varandas (isto
A Cidade Velha no Cara de Cão é: sacadas) ; a Igreja dos padr es de Jesus "te lhada e
e a Cidade Nova no Castelo bem cons ertada" e a Sé de três naves, " també m
telh ada e bem co nsertada"; dando ainda "ordem e
A Guanabar a, devid o à sua situação geográfica, era favor" para que fizessem muitas outras casas •~
um lugar privilegiado ; ali uma grande cidade teria il!!Qas..e,..sobradadas''.. Mudada a cidade, a do Cara
fatalmente d e surgir, por maiores que fossem os de Cão passou a chamar-se Cidade Velha ou Vila
obstác ulos à sua expansão urbanísti ca - disse Velha.
Albert o Lamego; e haveria inevitavelmente de per-
tencer - é ainda dele a observação- à categoria A localização da cidade no alto, já adotada pelos
das capitais naturais de que fala Vallaux - , cidades romanos, visigodos e muçu lmanos no território
que teriam sido vivas e populosas como núcleos de depois ocupado por Portuga l, foi também de tradi·
relações industri ais, comerciais e agrícolas, mesmo ção portuguesa como mostra o Livro das Fortale-
se o Estado não houvesse feito delas o centro de zas de Duarte Darmas, escudeiro de D. Manuel 1. A
sua atividade. Lisboa muçulmana, no ano da sua conquista pe los
cristãos (1147) tinha o seu castelo com uma mu·
A cidade de Estácio de Sá na Praia d o Cara de Cão ralha em volta.
não passavp. de um arraial de precár ias instalaçõ es:
balua~tdbertos de telhas vindas~e S. Vicente, Se Salvador foi a Forta leza Forte de que fala o
casas cobertas de pa lma, a ermida "'em que o ficia- Regimento de Tomé de Souza, Rio
foi o Castelo ,
ram os jesuítas. O sítio era ex ígup só explicável de proteção da costa sul - , ambas refe ridas nos
pela sua significação militar como senti nela da documentos como praças fortes, o que equivale
a
barra e trampolim para a conquista da baía, então dizer: com os RJanos urbanísticos subordinados aos
ainda em poder dos homens de Villegaignon. Mes- militare S:--
mo assim serviu por dois anos: março de -~a
janeiro-março de J,961. Al,%>15 A Praça Forte
At7o'7 dos Primeiros Anos
Exp ulsos os franceses, Mem de Sá, nos dezesseis
meses em que esteve na Guanabara ( 18 de janeiro Em princípios do século XVII havia na cidade: no
de 1567 a maio de 1568) constrói a nova cidade sopé do Morro do CastEtl9.,o Forte de São Tiago
no Morro de S. Január io depo is conhecido co mo (depois, do Calabouço); na Cidade la, o Baluarte
do Castelo. Descreve-a ele próprio, corroborado Cidadela, o Forte de São Sebastião e o Baluarte da
por testem unhas no "Instrumento" dos seus servi- Sé, ligando esse Baluarte ao Forte de São Tiago, a
ços (1570); cercando-a de muros co m mu itos ba- muralha em que ficava a Porta da Cidade, onde até
luart es chei os de art ilhar ia e construindo no in- pouco tempo at rás existia o Beco da Música; na
Paulo F. Santos
18
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Praia de Manuel de Brito, onde se ergue a Igreja da


ça XV), seguindo pela Praia de Manuel de Brito
o
Cruz dos -Militares,'""a primitiva Santa Cruz (cons- ( Rua Direita, hoje Primeiro de Março) até o Morr
de S. Bento , forma ndo o conju nto uma linha ar-
truída por Martim de Sá em 1605); na barra, as
fortalezas de São Teodósio e Nossa Senhora da queada que serviu de base ao traçado das ruas; as
Guia, nomes depois trocados para S. João e Santa transversais da Rua Antônio Nabo (S. José) à dos
Cruz, cujos balaços fizeram retrocedei· em 1599
a Pescadores (Visconde de lnhaúma) ficando nor-
esquadra de Oliver Van Noort. Mais tarde far-se -(a mais ao arco; as longitudinais, a começar da Rua
o Forte de São Bento no morro desse nom e. Des- Detrás do Carmo (Carmo), agenciando -se aproxi-
sas fortificações, a de Santa Cruz é a única de que madamente paralelas aos segmentos de corda do
se conhece a traça - indicada com clareza num mesmo arco.
canto do mapa Capitania do Rio de Janeiro do
No princípio do século XVII a Cidade da Várzea já
Cosmógrafo João Teixeira Albernaz (o avô) (que -
seria extensa, porque Dick Ruiter, capitão de mari
pelas legendas se vê ser posterior a 1625 e anterior 1618 , conta ter leva-
a 1631) -, traça de compromisso entre j Idade nha holandês aprisi onado em
com ~eias igand o do uma boa meia hora a percorrê -la ao longo da
Média e a Renascença; cortinas prai\ (Boxer) e uma d ezena de anos depois,
o
entre si cubelos e baluartes - estes com a forma já mostr a o
...... e mapa Capitania do Rio de Janeiro
cilíndrica detÕrres, quando o baluarte geralment povoamento atingindo S. Cristó vão, lnhaú ma, lrajá
compreendia quatro faces i:>lan as,as duas do cen-
e até Magé e S. Gonçalo do outro lado da baía.
tro em forma de cunha salient e';ou em ponta de Mas pouco ocupada, porque o mesmo cap itão -
lãnçaTalvez a Cidãdeâo7i.itõ'rro que Memde Sá que também se refere à existência de ruas e diz não
disse ter baluartes, os tivesse também cilíndr icos, serem pavimentadas-, consigna de z ou doze casas
porque Gabriel Soares (1587) a descreve como apenas, muitas baixas e escuras.
-
tendo torres e Frei Vicente (1627), quatro caste
los. A parti r de 1623 os rumores de próxima invasão
holandesa que se admitiu pudesse visar o Rio,
a
provocam pân ico e um re,trocesso na descida para
Descida para a Várzea Várzea: - referem-se os muros da Cidad ela do
Castelo; reforçam -se apressadamente as fortifica-
A descida da cidade para a Várzea começou ainda ções da barra; manda -se (Carta Régia de
no século XVI, em que se fizeram as ermidas ali 17-X-1632) que " a Cadeia e a Casa da Câma ra se
situadas de São José, Santa Luzia, Nossa Senhora conservem no sítio alto e se não mudem para
a
do ó e Ajuda, em to rno às quais foi se agrupando Várzea ... "; insiste-se em que "por nenhu ma via
o casario, e também o Hospital da Misericórdia, se faça obra nem casa fora das fortificações" (P.
que em 1582 atendia às vítimas da epidem ia que Calmon). Até as legendas do mapa de João Teixe
i-
grassou na armada de Valdez, e que Cardim de Salva dor pelos holan deses ,
ra falam na tomada
(1583-90) disse ficar na praia. Em 1568 (ano se- que acabara de ocorr er, traind o essa preoc upaçã o.
guinte ao da mudança), já aparece uma escritura de
- A part ir de 1637, Salvador Correia de Sá (filho de
doação de sesmaria: tudo cercado, com casas co
de Brito , e dali a Martim de Sá) assumindo a governança sem mais
meçadas na Praia de Manuel -
respeito a proibições começou a instalar os mora
quinze anos, duas outras, uma na mesma Praia de Casa da
dores na cidade em baixo (P. Calmon). Da
Manuel de Brito, outra no Caminho do Boqueirão
Câmara e Cadeia, que em 1631 os membros do
(Vieira Fazenda).
Conselho dizem estar muito velha e num deserto,
a
o em 1633, para erguer outra na Várzea, se mand
A ocupação nada teve de arbitrária. Apalpava-se -se as obras
das parte s enxut as. Daí ter ela modelo a el- Rei e em 1639 contratam
terreno em busca
com <;>pedreiro Francisco Monteiro (V. Fazenda).
começado no sopé do morro ( Rua da Misericór- o
Entra em decl ínio a Cidadela, de que em 1656
dia), infletindo pelas restingas arenosas, de um as ruína s de casas e a
o poeta R. Flecknoe afirma só
lado rumo ao Boqueirão (Lapa), do outro - e foi anece testem unham a
a (Pra- grande igreja que ain da perm
principal -, rumo à Várzea de Nossa Senhor
Arquitetura 19

ex istência (Boxer). (Refere-se à Igreja de S. Sebas- como engenheiro-mor do Reino, e em 1617-1618


tião e esquece a do Colégio). esteve no Rio, logo depois de ter projetado, com as
ruas se -~rtando em ân_gJ:!ló reto f mªn .eira q~
Renascenca1 a cidade de S. Luís do Maranhão (re-
O Traçado das Ruas produzida por Barleus (1647} e Santa Teresa
{1698) - primeira do Brasil com traçado desse
No Cast~ o_traçado das ruas eraJrregula r_§JTlQd.a gêne ro). Michel de Lescolles, francês , tomou posse
T edieva l eort.!:!auesa; mas na Várze1Ld1t$..d
.!LQ.
_prj- na Câmara do Rio (1649) como engenheiro de
meiro século e começo do segundo já se fala em S.M., sendo encarregado pelo Conde de Castelo
éodeamento, .!ifilDarcação_,_ruas direitas conforme Maior de fazer as plantas da cidade {fez ao todo
às mais,d e trinta palmos, etc. - e há uma relativa sete, de que há menção em documentos do Arqui-
regulariêlaae que reflete as idéias da Renascença, vo Ultramarino, dadas como perdidas).
postas em voga por Alberti (na sua interpretação
de Vitruvio), Filarete, Scamozzi, etc., idéias que
tiveram muito maior aplicação nas cidades da Século XVII
América do que nas da Europa, - já o disseram
Pierre Lavedan e Robert Smith - e comprova-o a Em 1647 cria-se em Lisboa a au la de Fortificações
comparação ent re os p lanos destas, reunidos por e Arquitetura Militar, em que pontifica Luís Ser-
Lavedan e os daq uelas, existentes no Arquivo de rão Pimentel, cujo curso, publicado em 1680 com
lndias em Sevilha reproduz idos por Chueca e Sai- o nome O Método Lusitânico, revela bom nível de
bas. E a regularidade fo i maior nas de colonização cultura técn ica. Cogita também da arquitetura,
hispânica (Buenos Aires e Santiago do Chile, por com o sobrecarregado gosto italiano do tempo e
ex., de que existem os planos quinhentistas) do citações de Vitrúvio. Sérlio e Scamozzi. Engenhei-
que nas de colo nização lusa, que Luís Silveira ros em maior número vão sendo mandadosparao
publicou em Cidades Portuguesas de Ultramar: 'Brasil. Oesenvolve-""se
. a ãffiã e construir (Bahia é o
como Salvador, Rio de Janeiro e S. Luís do Ma- -melhor exemplo). Com_ a fundac;ãoem 1680d a
ranhão. Colônia do Sacramento, o Rio cresce de significa ·
ção estratégica e com a descoberta do ouro nas
Antonelli, Filicaia, Minas na última década do século , adquire relêvo
econômico como porto de embarque do metal
Frias, Lescol les para a metrópole. Conseqüência: cobiça de corsá -
Quatro engenheiros podem ter interferido no tra- rios (da França, que estava em luta com Portugal) .
çado da cidade: Batt ista Antone lli, de nac ionali- A cidade tem então 12 mil habitantes. Para defen-
dade ital iana, que durante vinte anos foi o maior d~la cria-se nela uma aula de Fortificação {1699) e
fortificador da Amér ica, esteve em 1582 sete me- reforçam-se suas fortificações que não impedem a
ses no Rio com 70 artíf ices, quando sugeriu a invasão de Du Clerc (1710) e a conquista de Du
Salvador de Sá erguesse as duas fortalezas da barra Guay Trouin (1711 ).
., (origem de Santa Cruz e S. João) e em 1604 fo i
· mandado à América para fazer plantas topográficas João Massé
· de todos os portos, inclusive do Rio de Janeiro. e a Planta de 1713
Baccio da Filicaia, também italiano, que permane-
ceu no Brasil de 1596 a 1607 e reformou os portos Para corr igir o sistema de fortificações foi man·
a mando do governador Francisco de Souza, que ·o dado um compatriota dos invasores, o Brigadeiro
.convidou a voltar ao Brasil para a construção de João Massé1 _gue faz o mapa da ciçl_ade, o primeiro
. uma cidade. Francisco de Frias da Mesquita, portu- com traçado das ruas (porque os dos do is Teixeiras
1guês, egresso da au la (escola) de Arquitetura Civil além de- incorretos são sumários e os de Antone lli e
')dos Paços da Ribeira de Lisboa (primeira de Portu- Lescolles não se sabe como seriam). Nele vê-se que
'gal, fundada a mando de Felipe li pelo arqu iteto a cidade terminava na Rua dos Ourives, protegida
ital iano Felipe Terzi), chegou ao Brasil em 1,603 da parte de terra (porque foi desse Iado que Du
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Guay Trouin a atacou), por u~ muro com escalo- se alguma coisa havia que fôsse regular (!}; e man
nados e revelins i ligando os morros Conceição e da vir o Tenente General Henrique de Bohm e o
Castelo (abandonado três ou quatro lustros de- Brigadeiro Jacques Funk (1768) que na opinião do
pois), no qual mapa além das igrejas e edifícios Conde de Oeiras eram tudo o que de mais distinto
públicos aparecem as fortificações : de São Sebas - tinha o exército português; e de Funck: dos melho·
tião do Castelo, ligada ao Baluarte da Sé; da Con- res oficiais ... na engenharia e artilhar ia ... que
ceição; da Ilha das Cobras ; de São Tiago (no Cala- possuía a Europa ... onde havia um tesouro enco·
bouço). Esta tinha dois baluartes e urp, reve lim ao berto. Funck faz entre outros bons projetos, o de
centro do lado do mar e uma tenalha com revelim acréscimo do Arsenal do Trem (1770).
do lado de terra. As traças são bastante singelas se
comparadas às de Antoine de Ville, Conde de O Conde de Azambuja ( 1767-1769) transforma o
Pagan e Vauban, os três engenheiros de maior Colégio dos J esuítas em Hospital Militar e ante a
brado na opinião de Manuel de Azevedo Fortes em probabilidade de guerra com a Espanha inicia com
O Engenheiro Português (1728-1729) -, livro tão Bohm e Funck um plano de fortif icação, elabora-
importante para a primeira metade do século do pelo segundo {1768) de que subsistem um
XVI 11 quanto O Método Lusitânico para a segu nda relatório e 14 plantas aquareladas (Bibliotec a Na·
metade do século XVII, e que D. João só deixou cionál). Completa -o o Marquês de Lavradio
publicar depois de passar pela censura do Brigadei- (1769-1779), que constrói ou reforma com cuida·
ro João Massé, o que mostr a o pr estígio desse dbsos est udos de t iros cruzados, as fortificações do
engenheiro. Pico, Leme, S. Clemente, S. Bento, Santa Cruz,
S. João, Lage, Villegaignon, Ilha das Cobras, Gra·
O Século XVIII goatã, Boa Viagem, S. Tiago, Praia Vermelha; me-
lhora a Casa do Trem; incumbe o Brigadeiro
O governador Vahia Monteiro (1725-1732) ainda Funck, o Coronel José Custódio de Sá e Faria e o
que contrário ao Muro de Massé, que preferia Capitão Francisco João Roscio de faze r cada qual
substituído por um canal, não permitiu se cons- a sua plant a de defesa da cidade e ao Tenente-gene·
truíssem casas do lado de fora, do que resu ltou ral Bohm de se pronunciar sobre elas. Merece elo-
acerba contenda com a Câmara, terminada ao tem· gios a de Sá e Far ia, mas é preferida a de Roscio,
pode Gomes Fr eire (1733·1763) pelo abandono de quem o Vice· Rei disse ser ... talvez o único em
do Muro, que na planta do Capitão André Vaz toda esta capitania de quem se possa acredi tar as
Figueira ( 1750) aparece ultrapassado pelas atuais cartas e plantas que tem feito porque põem em
ruas da Carioca, Sete de Setembro, Alfândega, papel senão o que ele viu, mediu e examinou, o
S. Pedro e Largo de São Francisco. que todos os outros fazem pet o contrário, riscando
a maior parte das vezes por info rm ação ou est ima-
Em 1738 Gomes Freire de Andrade funda uma ção (1776). Roscio fez o seu projeto, em verdade
Academia de Artilharia cuja direção entrega ao mais de um projeto inspirando-se em Vauban . O
engenheiro de sua confiança, Brigadeiro José Fer- mais completo (repudiado por Lavradio, que lhe
nandes Pinto Alpoim. Este constrói a Casa do pediu para ref und i-lo) compreendia uma seqüência
Trem, que tinha também a finalidade de abrigar a de baluartes emergindo de uma cortina contínua;
Academia. baluartes simples, sem os orelhões que já estavam
em uso no sécu lo anterior (aparecem, por exem-
No vice-reinado, o Conde da Cunha (1763-1767) plo, no livro de Bétanvieu, que é de 1674), e foram
incumbe o Sargento-mor Manuel Vieira Leão de comuns na obra de Vauban (plano para Saint-Mar-
levantar o mapa da capitania do Rio de Janeiro (o t in-Ré, por ex.), mas que, talvez por serem muito
mais importante da Cartografia Colo n ial). Junto ao dispendiosos, Roscio não quis empregar. Além des-
Forte de Santiago e fazendo com a Casa do Trem se plano - existe, do mesmo ano, um plano da
um só conjunto - hoje Museu Histórico Nacio• cidade do Rio de Janei ro, de t raçado menos com -
nal - , ergue o Arsenal do Trem (1764). Muito plexo - que D. Isa Adonias, pelo desenho, colori-
severo com Bobadela, diz que de Alpoim não sab ia do e letra, identifica agora como sendo o de Sá e
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Faria -, ~ o_._
m,~r~ende.nci~ r{,~ r~ começ~ndo no ám OS JESUff AS. ~~ ip~d~undação da_cidad~, ,
Valongu inho e terminando na Praia de Santa Lu- os jesuítas tiveram na C idade Velha sua primeira 'Y
zia, com cortinas abaluartadas (do Valonguinho ao ermida, a de S. Sebastião, '~Era de palha e algumas \
Morro de Santo Antônio onde incluía um forte de vezes a furaram as flechas dos Tamoios". Na Cída- ,
quatro baluartes em ponta de lança) e escalonado de Nova, Mem de Sá lhes const ruiu igreja, que
do outro lado, e tendo por fora o canal com água tomou o nome de Santo lnácio,'.í)porque o de
do mar que fôra de resto preconi zad o, na terceira S. Sebastião passou para a Sé. Esta, com as suas ,.~~)
década do século, pelo governador Vahia Montei- três naves, e na fachada frontão ladead o de torres
ro. O canal atravessava a Lagoa do Boqueirão (Pas- arre matadas em pirâmide, obedecia a um partido r, ~
seio Público) e alimentava um fosso com os bordos comum no Reino; a outra, e o colégio anexo,
em talude, deixando do lado de dentro os morros foram reconstruídos em 1585 com projeto do Ir- \
do Castelo, S. Bento, Conceição, Santo Antônio e mão Francisco Dias, que foi o arquiteto também ~
toda a Várzea, só ficando do lado de fora o Valon- dos colégios da Bahia e Olinda, e chegou em 1577
go, a Capela de Santana {que deu o nome ao
campo, hoje Praça da República) e os seminários
de Lisboa, onde, com projeto de Afonso Alvares,
fôra o construtor da Igreja de São Roque . Da
0,
-~ ,
da Lapa e Ajuda e inclu indo três redutos de quatro coleção de desenhos jesuíticos existentes na Biblio· , r
pontas em Sta. Teresa, S. Diogo e na praia. Nem teca de Paris, tra~ida de Roma no século XVI li ...._,
esse nem o projeto de Roscio chegaram a ser pelo Bailio de Bréteuil, figuram plantas como sen·
co nstruídos, prevalecendo no fim do seculo a idéia do do Colégio do~io, de fato adotadas no de
generalizada na Europa, de ciâaâe aberta, corrente Olinda, onde a igreja é até hoje a mesma. A do Rio
nos tempos modernos . era menos profunda e não tinha a capela-mor nem
os nichos que na pernambucana a ladeiam; o teto
A Arquitetura Religiosa era em masseira, com caibros aparentes e pinturas
de motivos fitomorfos 0 geometrizados; a fachada
Edificações Monásticas arrematava com frontão de ponto alto e portada à
moda da Renascença, tratados com a frieza e o
Tendo um santo por nome de batismo, a cidade ascetismo próprios da arquitetura dos jesuítas, e
cresceu sob o signo da rei igião que , nos séculos no interior, possuía três belos retábulos de fins do
XVI e XVII, com os jesuítas , beneditinos , francis- XVI ou princípios do XVI 1, ainda existentes na
canos e carmelita s, teve na -arquitetura cõ nventual Igreja do Bonsucesso da Santa Casa da Misericór-
ou monástica, suas obras mais significativas. dia, todos de estilo plateresco espanhol (estava-se
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Colégio dos Jesuítas. Morro do Castelo - RJ. Projeto do
Irmão Francisco Dias. Início: 1583
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J
22 Paulo F. Sa ntos

na época da Dominação), feitos com madeira bras i- A Igreja, começada em 1633, ocupava um dos
leira (freijó), que Lúcio Costa admite tenha sido lados da quadra, tinha uma nave só, sacristia do
exportada para Portugal e vinda de lá já tr;:ibalha -lado da epístola, frontispício com frontão de pon-
da, e Seraf im leite lembra ser madeira existente to alto, torres de seção quadrada arrematando em
nas proximidades do Rio de Janeiro, e já haver no pirâmides, e na entrada, um pórtico ou galilé de
Colégio nessa época, entalhador que os pudesse ter três arcadas, característ ico de quase todas as igrejas
executado. da Ordem. Modificou-a Frei Bernardo, a partir de
1670, transpondo a sacristia para os fundos e
OS BENEDITINOS. Chegados ao Rio eJIL15~86 os acrescentando à nave colaterais. Outros aumentos
beneditinos instalaram-se na ermida de Nossa Se- se fariam depois: na igreja, a capela do Santíssimo
nhora do ó (Praça XV), transfer indo -se a seguir Sacramento , e no mosteiro, a das rei íquias , as
para o morro depois conhecido como de S. Bento, partes altas do soberbo claustro (obra de Alpoim)
onde já havia uma capela, junto à qual começaram o refeitório, os corredores, com seus tetos de arma-
a construção de um mosteir inho singelo de taipa ção tratados em cor escura de austero efeito etc.
de pilão, o qual, ampliado entre 1620 e 1624, Nessas obras trabalharam arquitetos, escultores e
aparece com a sua galilé de três arcadas na vista do pintores, os quais se tiraram ao monumento a
Rio publicada nesse últ imq ano na Holanda, e concisão e a clareza do projeto de Frias, to rnara m-
persistiria até 1652.Lquando começou a conste.u~ se no que hoje é: um tratado ilustrado da arquite ·
do_ moste~tua l. Este, D. Clemente da Silva tura re ligiosa no Rio de Janeiro colonial, em que
Nigra baseado nomanuscrito de 1684 Declarações todas as épocas deixaram a sua marca. O frontispí-
de Obras do Monge Beneditino Frei Bernardo de cio da Igreja, atribuído a Frias, é de filiação renas·
São Bento e no Dietário da Ordem, reconstituiu o centista. A portada da portaria do Mosteiro, com
projeto, provando ser o mesmo de Franc isco de os lados do frontão inter romp idos para inserção de
Frias da Mesquita (1ôn-1618): era em quaara um nicho com a imagem da Senhora do Monserra-
com um páffo- central rodeãdÕ-de um claustro, e, te (obra seiscentista do escultor Frei Agostinho de
na singeleza de suas apuradas proporções, não teve Jesus) e a nave da Igreja tal como a teria conceb ido
paralelo na colônia em sua época. Frias, são maneiristas. Porque esse arquiteto tendo

Mosteiro de São Bento. Morro de São Bento - RJ. Projeto Mosteiro de São Bento. Morro de São Bento - RJ. Projeto
de Francisco de Frias da Mesquita. Inicio: 1617-1618 de Francisco de Frias da Mesquita. Início: 1617-1619
Quatro Séculos de Arqu itetura 23
sido discípu lo de Nicolau de Frias, como este o tadas e vigorosas do Barroco e as caprichosas e
fora de Felipe Terzi na aula de Arquitetura Civil sensíveis do Rococó. Da capela do Santíssimo e da
do s Paços da Ribeira em Lisboa, tivera formação capela-mor existem desenhos do século XVII 1, que
ta mbém maneirista. Dele teriam sido ainda: a abó- se tem atribu ido a Inácio Ferreira Pinto em razão
bada em berço e as pilastras da Ordem Colossal, de de ter sido com ele contratada a execução da talha
vez que tais pilastras, postas em voga na Itália por da última capela (1787). Mas tais desenhos não
MichelangP.lo e em Portugal pelos discípu los de têm o fini, e nas legendas, o cu rsivo de calígrafo
Terzi, admitimos já existissem na igreja primitiva, e dos que se sabe terem sido executados por esse
seria uma explicação para o que Frei Bernardo entalhador-pedreiro-arquiteto para o Arsena l de
chamou "pilares" e uma escritura de 1717, "gigan- Marinha (1819), publicados por Juvena l
tes". As arcadas que Frei Bernardo criou na nave Greenhalg. O interior da Igreja, em que se inserem
par a acesso às capelas, teriam contribuído para imagens de corpo inteiro de vários desses esculto-
reforçar a solução maneirista. res e pinturas de Frei Ricardo do Pilar, foi dos
primeiros do Brasil, em chave com o da Capela
A marcenaria, a talha, a imaginária decorativa, a Dourada do Recife, como o colo cou Germa in
prataria , empregadas na Igreja e no Mosteiro por Bazin -, a usar talha dourada revestindo todas as
Frei Agostinho de Jesus (segundo quarte l a meados paredes, o que no próprio Portugal só teria come-
do sécu lo XVI); Frei Domingos da Conceição e çado a aparecer - notou-o Robert Smith - no
Alexandr e Machado Pereira (fins do XVII e princí- último quartel do século XVII, inaugurando lá, o
pios do XVI 11); José da Conceição da Silva e que os portugueses gaa maram igreja toda de ouro.
Simão da Cunha (fins do primeiro quartel e mea·
dos do XVIII); e Inácio Ferreira Pinto (Mestre
Inácio) e Valenti m da Fonsec a e Silva (Mestre OS CARMELITAS. Em 1590 vieram os carmelitas,.
Valentim) (últ imo quarte l do sécu lo XVIII) - , instalando-se na mesma ermida de Nossa Senhora
cuja s atribuições de autoria só em algumas peças do Ó, desocupada pelos beneditinos, junto à qual,
pude ram ser autenticadas - , completaram a crono- em terreno doado pela Câmara, começaram a cons-
log ia estilíst ica, acrescentando-lhe as formas alen- truir em 1619 o Convento do Carmo com do is
dormitó r ios de treze janelas cada um, que através
dos séculos receberia acrescentamentos até ser in-
corporado em 1809 à Casa Real e a Capela guinda·
Igreja do Mosteiro de São Bento - RJ. Interior, com
telha de frei Domingos da Conceição. Fi m do século XVII da à Catedral. A ermida cuja h°istória se apresenta
e século XVII de mistura com a lenda, tendo desabado, os frades
começaram em 1761 a Igreja atua l: de três portas
de entrada, uma só nave, cobertura em berço per-
fur ado de lunetas, formando em planta, com as
duas capelas fundas do transepto, cruz latina, e
tendo três outras cape las não comun icantes de
cada lado, encimadas de tribunas providas de va-
randas de grac ioso rendi lhado, pintadas de branco,
também existentes nas capelas do transepto e que
dir -se- ía serem as primitivas, embora Moreira de
Azevedo tenha descrito estas como douradas e de
balaústres. Malgrado as reformas que lhe alteraram
os interiores e o frontispício, aqueles conservam a
talha Rococó do século XVIII - começada em
1785 por Inácio Ferreira Pinto, então no apogeu
de sua carreira -, talha que é toda sobreposta,
desintegrada das extensas superfícies que decora,
ao contrár io do que se fez na fase anterior noutras
24 Paulo F. Santos

igrejas, em que a talha revestia todas as superfícies, . fundo dos alicerces a primeira pedra aos corredores
sem de ixar ver o fundo. Da fachada, Marques dos do convento" (1608}, cont inuando com as obras o
Santos possui um desenho com um alongado ático novo Prelado Frei Estevão dos Anjos, e o seguinte,
centra l e duas tor res que adm ite seja da igreja Frei Francisco dos Santos. Este, autor da traça do s
setecentis ta, e cujo motivo de coroamen t o lembra conventos de Olinda e Paraíba, Frei Basílio Rower
o da Igreja do Bonsucesso . diz, entre aspas, ter sido "quem planejou e deu o
risco do Conven to", sem esclarecer de onde tirou a
OS FRA NCISCANOS . Em 1592 chegaram os fran- informação, que Jaboatão, no "Novo Orbe Será·
ciscanos , instalando-se ~a e rmida de SantaLUZÍâ, - fico", não registra. Sob Frei Bernardino de
õnd e func ionava u ma con fra ria, passando-se da li Sant'lago (1617-1620), terminam as obras da Igre-
para o sopé do então Outeiro do Carmo (antes ja a qua l, segundo a tradição francisc ana, tinha
cedido aos carmelitas, que não o quiseram) (1606), apenas três a ltares, e de 16 19 a 1622, j á recebia do
onde já existia uma ermida de Santo Antônio, e ali lado - como por todo o Nordeste foi comum-, a
construíram (segundo Jaboatão), "uma casa térrea Capela dos Terce iros . Mas, ainda que o seu núcleo
co m seu clau stro e igreja", a qua l em 1877, More i- tenha sido conse rvado o mesmo, na última década
ra de Azevedo ain da viu e descreveu , também do século XVII aumentam-na para a frente de
referida como "recolhimento". Dele, no começo quase tr ês metros, com uma galilé de três arcos ,
do século XVI 1, fizeram prelado Frei Vicente do comunicando com a nave por uma porta só -
Salvador, sob cuja direção, no a lto do morro - que outra aproximação com suas irmãs do Nordeste.
tomo u o no me de Santo Antônio - "se lançou no Em fins do primeiro quar te l do século XVII 1,

Primitiva Sé. Mo rro do Castelo - RJ, Sdculos XVI -X VII


O.Uatro Sécu los de Arquitetura 25
encompridam-lhe a capela-mor de cerca de 3,5 m e Pádua, nas paredes do is estupendos painéis de azu-
revestem -na de talha, decoram- lhe a abóbada com lejos, arcaz de linhas ondula ntes , portadas também
pinturas e refazem-se-lhe os três ret ábu los ao gosto
ondulantes, não muito em harmonia com o dese-
do tempo. No terceiro qu artel do século XVI 11,
nho reco rtado pelo miúdo dos painéis que enci-
reco nstrói-se o Convento, e na Igreja, incorp ora-se
mam o arcaz. No compartimento contíg uo (segun·
a galilé à nave e substituem-se os tr ês arcos pelas
da sacristia), há Üm lavabo magnífico de mármo res
portas atua is. Na terceira década do século XX,
portugueses coroado pela estátua da Pureza.
subst itui-se o frontão tr iangular do frontispício
pelo vulgar coroamento que lá está, eleva -se desme-
suradamente o arco cruzeiro, que fica de gritante
despr oporção, co mp letand o-o com ta lha de esti lo OUTROS CONVENTOS. No século XVI 11, com
dife rent e da anterior -, resultando disso tudo o pro jet os do Sargento-mor engenheiro José Fernan·
abastardamento do monumento . Do ant igo se con - des Pinto Alpoim, foram construidos: o Hospício
dos Barbonos , dos frades Barbadin hos, na rua da-
servam: - uma bo11ita portaria cwntet o plaiiõ
decor ado com p inturas; uma pequena capela do·
quel e nome (1740), de que aind a ex iste m a planta
e a fachada assinadas pelo engen heiro; o convento
méstiç_a cõmbarr á de azu lejos,_retábu lo Bococó ao
de freiras de Nossa Senhora da Ajuda (1745), onde
fund o e pinturas; e uma sacristia - das mais lindas
hoje f ica a Cinelân dia; o convento, também de
do Rio_::.,~ n~no piso _mác_more Extremoz, teto freiras, de Nossa Senhora do Desterro ( 1750), de·
plano moldurado de desen ho mov imentado e pin- po is conhecido como~
turas narran do a história de Santo Antôn io de San.ta Teresa, no morro
desse nome.

Convento de Santo Antônio . M orr o de Santo Antôni


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RJ. tnício : princípio do Século XVII
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coloridas dos silhares t!e azulejos, criando efeitos


Igrejas Paróquias, de contraponto em que a pintura de cobalto tem
de Ordem Terceiras vibrações que chegam a ser violentas de tal forma o
e de Irmandades azul se apresenta nítido e destacado (Santos Si·
mões), efeitos que se ate nuam nos pa inéis de sob o
No Rio setecentista, domina a influência da arqui- coro, cape la-mor e sacristia. Esta é enriquecida
tetura oosmopolita de Lisboa. Na primeira metade com do is chafarizes de mármo res policromos e um
do século destacam-se as igrejas de N. S. da Glória arcaz, que tem por cima um frontal de pinturas
do Outeiro - a jóia do século -, $. Pedro dos representando os Doutores da Igreja .
Clérigos e S. Francisco da Penitência.

A da Glória - sobre a qual Augusto da Silva Telles


acaba de preparar uma substanciosa e erudita mo·
nografia -, e que, com a sua graciosa silhueta
Igreja do Glória do Outeiro - RJ. Projeto atribufdo ao
branca enobrec ida de embasamento, pilastras , cor- Tenenw-Coronel J osé Cardoso Ramalho. Principio do
jinas e coruchéus de cantaria, domina o outeiro, século XVIII
frente à barra, é dada por Moreira de Azevedo
como iniciada em 1714, ano em que, segundo o
Santuário Mariano a Irmandade já possuía recursos
para construir a igreja; em 1735-1740, já estaria
construída, porque essas crê -se serem as datas dos
azulejos da nave, capela-mor e sacristia feitos espe-
cialmente para cada lugar (Santos Simões) o que
co incide com o que diz M. de Azevedo, que a dá
como terminada em 1738. A planta tem uma única
torre à frente , seguida de um oito formado por
dois octógonos entre laçados - polígonos em moda
no princípio do século XVIII (igrejas do Bom
Jesus da Cruz de Barcelos (1701 ), e Menino Deus
de Lisboa (1711) ambas de João Antunes}; envasa•
duras em arco abat ido, já típicas desse século; teto
em abóbada de alvenaria (usada na Igreja das Bar-
rocas em Aveiros - 1722); cobertura em terraço
(empregada na Igreja de Barcelos); primeiro pavi·
mento da to rre, de cantaria, com almofadas em
losangos nos embasamentos e massa no segundo
pavimento (repetindo S. Bento do Rio); pequena
espessura da cornija superior em relação ao alto
pano da parede (arcaísmo de sabor românico} e
forma característica dos coruchéus (de sabor góti·
co }. As portadas late rais, em Lioz, de estilo Roco-
có, devem ser da segunda metade do sécu lo XVI 11
e a portada central, no mesmo Lioz, com o meda-
lhão da Virgem ao alto, e os retábulos de altar, do
últi mo quartel desse século. Na nave a atmosfera
luminosa da baía ace ntua os contrastes das pilas-
tras e entablamento de cantaria (também usados
na Igreja de S. Pedro dos Clérigos do Recife ), com
as notas claras das paredes caiadas e as alegres e
J
Quatro Séculos de Arquitetura 27
A Igreja de S. Pedro dos Clérigos (demolida para a jetista de temperamento diverso do da outra Igreja.
abert ura da Avenida Presidente Vargas) (1942), foi Nas elevações, a,,~ Glória tem agradáveis propor-
projetada pelo Coronel José Cardoso Ramalho ções, modenatura - duidada, valorização das escalas,
(1733) a quem Moreira de Azevedo - sempre tão e as notas arcaizantes exprimem sensibilidade e
veraz - baseado em informação de descendentes bom gosto; ao passo que a de S. Pedro - pelo
do Coronel, atribui também a autoria da igrejinha menos a que chegou até nós-, justifica observa-
da Glória, hipótese que, reforçada embora pela ções: as bonitas portadas das torres repetem em
ana logia das plantas - el ítica e octogonal - , só escala menor o partido da portada principal - o
pode ser aceita com reservas: - Na da Glória_a que raramente acontece nos edifícios de alta cate·
originalidade da planta não apaga a rigidez dos goria; há semelhança nos dois volumosos entabla-
traçados retil f neos, a contenção de propósítõs eõ mentos, o superior e o intermediário da fachada
peso da construção (espessura das paredes); na tje lateral, ambos com modenatura seca, convenc io-
S. Pedro o traçado amolece nas formas polilobadas nal, talvez resultado de alguma reforma; nas torres,
dos nichos laterais e do pórtico, e a maneira por são gritantes as desproporções das envasaduras
que entre uns e outros se inserem as elaboradas (veja-se o desmesurado arco abaixo do arco-sineiro,
torres (em que o círculo e o quadrado se entreco r- por exemplo, o qual, sendo semicircular, deve já
tam), revela virtuosismo amaneirado, ou seja: pro- ser do século XIX, ao passo que na igrejinha da
....
Igrejas da Glória do Outeiro e de São Pedro do Cl(Jrígos -
RJ. Projetos atribuídos ao engenheiro Tenente-coronel
José Cardoso Ramalho. lníâo: século XVIII. Plantas
baixas

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28 --;, Paulo F. Santos


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Glória as envasaduras são proporcionadas pelo S. Bento, onde aqueles ornatos, ainda que encerra-
miúdo ). O encanto da Igreja - ql!e era muito dos em volumosos e rígidos apainelados, que se
grande, apesar de tudo, e que a fotografia, apagan- admitiria uma limitação ao ímpeto criador, partici-
do os detalhes e suprimindo a monotonia da cor pam de urna atmosfera contrita de fervor religioso,
que resultava de ela ser toda de massa, favorecia -, que falta na da Penitência, mas é compensada,
o seu encanto resultava, nos exteriores, do envol- nesta, pela mestria de artistas consumados - verda·
vente jogo dos volumes, e nos interiores - estes deiros chefes de escola, cuja influência se exerceu
muito bons - , dos delicados estucados Rococós na talha do Rio em gera l (inclusive na de S. Bento
(obra já da segunda metade do século) , os quais de meados do século) e na de Ouro Preto, para
adornavam as movimentad as superfícies, que a luz, onde Francisco Xavier de Brito se transfe rindo
jorrando em feixe da abertura central da abóbada, (1741), ali executou, no mesmo estilo opu lento e
valorizava, criando faixas de intens idade variáveis. tumultuado, os retábu los de altar da Igreja de Sta.
A planta el ítica, ao em vez de originada na da lfigênia e Matriz do Pilar.
igrejinha da Glória, pode ter sido imposição da
Ordem de S. Pedro dos Clérigos, porque foi adota- No começo da segunda metade do século XVIII,
da nas igrejas da mesma Ordem: de Recife, de reeditam-se as plantas curvas, ainda que parcial-
D. Jacome (1728); do Porto, de N. Nazzoni mente, nas igreías da Lapa dos Mercadores, N.S.
(1732); e de Mariana (1785); e as formas curvas Mãe dos Homens e Conceição e Boa Morte. A da
polilobadas, já eram comuns no Reino (projeto de Lapa dos Mercadores (1747-1750), muito remode-
João Nunes Tinoco para a Igreja de Santa Engra- lada (1869-1872), se apresenta hoje, com uma
cia) (século XVI 1). galilé de três arcadas encimada de janelas rasgadas
e sobre elas um complicado medalhão e outros
A Igreja de S. Francisco da Penitência, iniciada na motivos , tendo ao centro uma porta abrindo para a
década 1650-1660, na de 1720-1730 ainda se cons - nave oval, coberta com cúpula e lanternim, e con-
truía. Tinha : nave e capela-mor retangu lares,exte - jugada a uma capela-mor retangular profunda , tam-
rior plano sem torres, portada ao centro, entabla- bém com cúpula e lantern im - uma e outra rica-
mento corrido, pequeno frontão (depois modifi- mente decoradas. Completam o programa aos fun-
cado). No interior : talha, realizada alternadamente dos, sacristia, consistório, etc . A de N.S. Mãe dos
por dois entalhadores, mas com unidade de con - Homens (iniciada em 1752), tem nave octogonal
cepção: Manuel de Brito (altar-mor e púlpito - ladeada de corredores, capela -mor retangular com
1726 e 1732); Francisco Xavier de Brito (arco-cru- retábulo de Inácio Ferreira Pinto (1790) e cons is-
zeiro, cornija da nave e seis retábulos lat erais - tório e sacristia aos fundos. A Igreja da Conceição
1735 e 1736) outra vez Manuel, cujo risco foi o e Boa Morte, projeto de José Fernandes Pinto
preferido - o que prova que houve outros (preen- Alpoim, e també m octogonal (no cruzeiro) e com
chimento dos claros das paredes do coro e nave abóbada, tem nave e colaterais prov idos de arcadas
entre os retábulos e a cornija - 1739) . A ele e tr.ês altares de cada lado, e na capela -mo r, ta lha
Germain Bazin atribui a talha da capela do novicia- de Mestre Valentim, autor igualmente do risco da
do da mesma Igreja, e crê seja ele próprio o enta- J'.)ortada. .
lhado r de mesmo nome que decorou o santuário
lisbonense de S. Miguel de Alfama (1723), referido
, .. .,, ,, • , ,,., 7 . ' ,~ '
.,,,. :;>y)
~

por Reinaldo dos Santos (A Escultura em Portu- Duas igrejás retdmam o partido tradicional no Rei-
gal) hipótese que o ajuste de datas nas pesquisas no, de duas to rr es, nave retangular ladeada de
!deste a pedido daquele (até 1723 teria estado em corredores, capela-mor ladeada de sacristia e cape la
Lisboa, e a partir de 1725, no Rio - já se sabia só privativa: as das Ordens Terceiras . de N.S. do Car-
se ignor ando tratar-se da mesma _p.,essoa), parece mo (1752) e S. F-ranciSCÕde Paula (1752). Ambas
confirmar. No desenho há rocalha ~ assimétricas, e têm as fachadas movimentadas, frontões curvi l Í· :v
a fatura dos acantos é mais livre do que a empre - neos de cantaria, torres .com coroamentos bulbosos ~
gada por Domingos da Conceição e seus continua- já de meados do século XI X, emergindo do cent ro
dores do primeiro quartel do século XVII I em de terraço s com ba laustradas, tra,tados pelo miúdo,
Quatro Séculos de Arqu it etura 29
com revestimentos de azulejos coloridos (comuns cromos-, distingue-se a capela do nov iciado , que
nesse século), sugerindo vagamente a forma de passa por ser toda ela de Mestre Valentim, cuja
minaretes. A do Carmo é toda revestida de granito talha em torno ao altar-mor tem dei icadas vergôn-
- como passou a ser freqüente-, e com uma teas de composição em diagonal, destacadas do
bon ita portada em Lioz vinda de Lisboa em 1760, fundo, tipicamente Rococós (1772 e seguintes),
enc imada por um medalhão da Virgem com o que se antecipam nesse tratamento à cape la do
bambino, de influência italiana , e na fachada late- Santíssimo, de S. Bento; e nas ilhargas - altares
ral outra portada igualmente em Lioz, mais fina e retábulos, espelhos-, formas novamente alentadas
delicada. O desenho, de um Rococó tardio, procu - de f im de sécu lo, aparentadas com as da capela-
rado das guarnições das envasaduras, é de um vir- mor de S. Bento. Na de S. Francisco de Paula a
tuos ismo que não elimina a secura de linhas, tam- Capela de N .S. das Vitórias - em que Valentim
bém das plantas, estas resolvidas com erudição, trabalhava quando morreu (1813) - o friso de
mas como aplicação de preceitos hauridos em mo· guirlandas no alto das paredes (tão empr.egados
delos gastos de tanto uso, em que a vida não pelos Adams), indica automatismo academizante, e
palpita . Na Igreja do Carmo - que tem na sacristia o advento do Neoclassicismo . Assim também o
um bonito lavabo, de mármores portugueses poli- retábulo do altar-mor da Igreja, com empertigadas

--
Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo - Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo -
RJ. Sdculo XVIII RJ. Portada vinda de Lisboa em 1760
30 Paulo F. Santos

colunas de caneluras verticais, igualmente atribuí• zeiro à romana, da qual só subsistem a iconografia
do a Valentim -, e que a nosso ver é das suas obras da elevação, as portadas (transferidas para a Igreja
menos expressivas. A talha das naves das duas de Santo Inácio na Rua S. Clemente) e peças avu l-
igrejas, é já obra do século XIX, realizada com sas (na Escola de Belas Artes). A Igreja da Cruz dos
espírito de imitação e de que a vida igualmente Militares - projeto do engenheiro José Custód io
não participa. Sá e Faria (1780) -, tem nave retangular ladeada
de corredores, capela-mor com a sacristia do lado ,
Na segu_nda metade do século XVIII, predominou fachada sem torre (há uma só torre do lado aos
a tendência italianizante e o gosto do monumental, fundos) e o pavimento superior mais estreito arre-
mais um anúncio do retorno ao Classicismo . A matando em frontão e concordante com o térreo
prime ira das igrejas com esse caráter, foi a monu · por meio de volutas (como nas igrejas jesuíticas
mental Sé, projeto de Alpoim a qual na planta de romanas) e decorado com nichos providos de ima-
André Figueira (1750), já aparece e Ender (1817) gens de madeira, de S. João e S. Mateus (recolhidas
reproduziu erguida muitos metros acima do solo. ao Museu Histórico) atribu idas, como a primitiva
O projeto de Carlos Mardel foi preferido no Reino talha interior (destruída por um incêndio) a Mestre
ao de Alpoim, que com ele concorrera para a Valentim. A Igreja de Nossa Senhora da Cande lária
igreja, mas este, por ser de menos dispendiosa - projeto do Brigadeiro Francisco João Roscio
execução, acabou por ser o adotado (Moreira de (1775) -, tem a planta em cruz latina, com colate ·
Azevedo). Segue-se a igreja iniciada pelos jesuítas rais (ladeados no século XIX, por esdrúxu los corre·
no Morro do Castelo (1744), que - é de Bazin a dores), duas sacristias, uma de cada lado, fechadas
dedução - teria plano articu lado e cúpula no cru- com ordonâncias da Renascença em que domina o

Igreja da Cruz dos Militares - RJ. Projeto do Brigadeiro


Igreja de São Francisco de Paula - RJ. Século XVII José Custódio de Sá e Faria . Século XVIII

,··
Quatro Séculos de Arquitetu ra 31

gran ito (quase se não vendo o branco dó f undo ) à A Arquitetura Civil


qual os perfilados nos entablamentos e as curvatu·
ras ponteagudas nas sobrevergas, impr imem discre- Características Principais
ta revivescência barroca; nela a influência ita Iiana
chega ao ponto de o revestimento int erior ser (caso No agenciamento dos espaços e em cada elemento
único na cidade) não de talha de mad eira , à manei- da cons truç ão e da decoração, os séculos XVI ~
ra portugue§Ê, mas de mármore com as abóbadas XVII usaram de uma linguagem direita e simples,
enriêjuecidfil em fins do sécu lo XI X e princípio do desprovida de qualquer sofisticação ou subjetivi-
século XX, com p inturas de Zeferino da Costa, e dade na procura estética. Uma atmosfera de t ran-
po rtas portuguesa s em bronze, de Te.ixai.r.a-bQ.f)es.
quil idade dentro e forq dâ casa era a nota domi-
nant e dessa arq uitetura, feita de silêncios, a que ?
coloração das janelas e portas (verde, az ul, ocre,
vinho ), destacada contra o f undo branco da parede
caiada, produz ia, pelo contraste discreta vibração,
que não chegava a pert urba r aquela atmosfera e a
Igreja da Candelária - RJ. Projeto do Brigadeiro
Francisco João Roscio . Fim do século XVJ/f e início
que cont ribuíam: a rudeza do..,.wateriaJ das guarni-
do século XIX ções (pedra); a horizQ_ntaliç:lagedos_tra_çados, que o
beiral sacado franjado de telha s acentuava; ~ -
ciência para_ o __g
.!:!_
adrad 9 (em vez do retângu lo) nos
êom parti mentos e nas envasaduras de portas e ja-
nelas (estas , no Hospício dos Barbonos (1740)
eram quad rada s), o predomínio do s che ios sobre
os vazios - o que equivale a dizer: abafadas as
vozês na composição. No século XVI 11(_os cheios..
vão diminuindo e os vazios crescendo na altura , e
vai aparecen do g arco abati qo (quase desconhec ido
no sécul o XVII e raro no XI X), que se enriquece
com cimalhas de sobreve rg_a~ delgagas _ (fachada
laterai da casa do Bispo no Rio Comprido); ~
mesas e bem proporc io nadas (casa do Arco do
Têles ); demasiadamente pesadas (Casa dos Gover-
nadores); com as duas_~~tremidades de níve l con-
ferindo ao conjunto efeito ondulante, barroco (fa-
chada prTncipai da casa do Bispo-); com os ca !:l_tos
côncavos e tratamento amaneirado {casa do Co·
'mendador S iqueira, em Mata-Porcos).

- As jane las eram de peitor il, ou de púlpito, estas


com bacias de cantaria ligadas por filetes de igual
espess ura, que d ividiam entre si os pavimentos,
com perfilados nas pilastras dos cunhais (Santa
Casa); e guarda -corpos em treliças , com balaúst res
e almofadas por baixo, de ferro com peitoril de
madeira ou mesmo todos de ferro. Estes tinham
varas altas nas extremidades e ao centro e baixas as
dema is, todas decoradas com discos ou cones. Ti·
pos assim já aparecem nas gravuras quinhentistas
da Lisboa representada por Braulio, e no Brasil,
~ ~:::>e..;:) ~/C L<r.r,"" ~...<~,-;l<""'.2 ~ ~~ _,?..-<-c.r r> t
jÓ, ,O -,.-<-!"\ ...,Ú. ..r ,, '"I -"( _) ;(_~-;, IVÜ l _, -:,,..< • n /
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Paulo ,F.Santos
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num desen ho da ~rirneira metade do XVII para a afeiavam ás fac hada( só sendo conservadas nas
Casa da Alfâ ndega da Bahia (existente no Arquivo terreas, que foram as que Ender e Debret encontra•
Ultramarino) e na prime ira e segunda Casas dos ram.
Governadore s e na do Arco do Teles, do Rio de
Ja neiro. As folhas das janelas abriam espetacjas Nos prédios que atingiam as divisas, os telhados ou
para dentro, girando à francesa, e eram de dois eram em duas águas, com empenàs latera 1s, ou
tipos: de calha ou com almofadas de e~~esso mo!· quatro águas com calhas dos lados; e nos de centro
durado na face e reentrant es no tardoz ;7J
enquadra- de terreno quase sempre em quatro águas, com a
'\'I mento vasado ao centro e post igc.7b este último linha doce da sanca e cantos em peito de pom ba.
ti po a casa do Arco do Teles ainda conserva as Nos de grande porte (primeira e segunda Casas dos
\
r: primitivas. Governadores, Arsenal do Trem), e mesmo nos de
'\ porte médio, foi igualmente comum as coberturas
\
<- Vidraças, até o terceiro qua rtel do XVI 11 eram desdobrarem -se em vários telhados de quatro
raras; John Byron (1764) só menciona as do Palá- águas, de pontos ba ixos, solução que já era comum
eíõdos Vice-Reis, mas Langstead (1782) viu pou- na Lisboa do sécu lo XVI retratada por Brau lio. Às
cas, logo já havia algumas. Seriam das fábricas vezes não tinham simet ria (Câmara e Cadeia, de
reinói s da Marinha Grande (fundada em 1748), da que se conh ece um desenho setece ntista). Dava-se
Coina (fund ada em 1719) ou do Covo (fundada no então pouca importância ao ~ lb.sldo Q.r~tendendo;
século XV) e difundiram-se só depois de 1792, se as vezes escondê -lo - , prenúncio da chegada das
porque o Almanaque desse ano acusa do ze lojas de platibandas, que a princípio só se incluíam à fren-
louç a da lndia e nenhuma de vidros e o de Duarte te, depois (e foi um dos característicos da arquite·
Nunes, de 1799, nove lojas de vidros e louça fina. tura do século XI X) em todas as fachadas.
Começarama ser usadasem caixilhossobrepostos
às ant igas janelas, ou nos de- guilhotinas. 7:stes, a Nas casas urbanas as escadas, quando externas, só
principio - tinham vidros pequenos retangula res, de- excepcionalmente tinham mais de dois ou t rês
pois (século XI X) caprichosos desenhos nas folhas degraus (de cantaria) acima do passeio. E quando
superiores que variam em centenas de tipos de internas - que no mais das vezes eram de madei-
norte a sul do Brasil. ra - , ficavam metidas entre duas paredes ouàpre-
se ntavam o primeiro lanço à vista no fundo do
As portas eram de calhas, ou de almofadas, estas vestíbu lo, com degraus de convite e guarda -corpos
co m molcfura: só na face, ou também no tardoz. que terminavam em co luna ou quartilha; o segun-
do lanço, do lado do vestíbulo tinha co m freqüên-
Típicas eram as tre liças feitas de delgadas fasquias cia guarnecimento de tre liça, torneado ou recorta·
cruzadas, usadas nos guarda-corpos das sacadas e do, de que dá exemp lo Debret.
avarandados (Ender, 54), ou adap tadas a janelas e
portas que se diziam de rótulas-, destas, umas ~s raramente eram de tijolos (como na casa
não atingiam a parte superior dos vãos, que termi· da chácara do Conde da Barca) (Ender, 113). Co·
navam com bandeiras de moti vos recortados ou mum era o uso de tabuado sobre barrQ:t.es,mesmo
torneados; outras, formavam gelos ias, que semelha- nas lojas ( Luccock), que tinham 1,5 a 2 ,5 palmos
vam armários de três faces com cimalhas no topo de largura e dois dedos de espessura, sem rodapés
(Ender, 63), tendo por detrás jane las rasgadas; e (desenho de Joaquim Cândido Guillobe l), no livro
ainda outras, muxarabis, que vest iam de rótulas, de Ender). Os forros quase sempre tinha m abas e
com ou sem almofadas nas partes baixas, extensos cimalhas em volta, e ·o centro em sai'á ~i amísa, ou
abalcona dos (como o que 'até o século XIX existia plãnõ (a encher·) côn, - mo1 uras sobrepostãs de
na Rua do Hospício). Tod as essas peças g~para a_ formas barrocas (imitadas das sacristias das igre·
sensibilidade dos dias presentes, são bonitas, tive- jas). Estes eram apropriados para pinturas decorati-
ra m de ser ret iradas dos sobraâos eml809 airian- vas, como os da casa do Conde Von Eltz (Ende r),
do do fnte ndente de Polícia do Príncipe Regente , havendo ainda os de estuque, em fasquias de ma-
Paulo Fernandes Viana, sob a acusação de que deira sobre barrotes.
:.J ~ __ - t'\ 1í-. . r&'I
Quatro Sécul os de Arquitetura 33
Das pintura s, Luccock, na época foi o que tratou qu intal e cocheira. A carruagem estacionava no
com mais precisão. A sala - disse ele - apresenta vestíbulo. No soQrado ficavam: à fr ente a_sa1ª-..de
uma mescla curiosa de pinturas magníficas e pare- visitas - típica do programa brasileiro de mQ.[aL - ,
des caiadas de branco. A cornija, filetes pardos, cfue era atingida -atravé s de uma saíeta ou corredor,
amarelos, azu is-claros, vermelhos, -cor-de-rosa e de a que vinha ter a escada e, nas de maior testada,
outros matizes em arranjos variados; mas seja qual também o quartq principal; atrás, recolhida e ínti -
for o arranjo demonstram ser o objeto principal. O ma - o que era igualmente típico da nossa maneira
teto é dividido em caixotõe s e pintado de maneira de morar-, a sala de jantar , com janelas abrindo
análoga. A frente da alcova é por vezes pintada e para um pátio posterior; entre ela e a sala da
dourada, emprestando ao cômodo uma aparência frent e, quartos, alcovas e gabinete ou escritór io, os
de riqueza que não se poderia esperar de outras quais, às vezes, abriam para uma área central a que
part es dos seus ornatos, e as paredes por dentro e no sécu lo XIX viria incorporar-se uma clarabóia,
por fora pintadas de branco, realçando pela refie· facilitando seu uso para outras finalidades; aos
xão o esplendor do meio-dia e produzindo, às fundos, atingíveis por um corredor ou saleta, e
11\lzes,um mal-estar quase intolerável nos olhos de fronte iros à sala de jantar, seguiam-se: a copa, a
pessoas possuidoras de excelente vista. As aquare - cozinha e o quarto dos negros de dentro (Debret)
las de Bates (recém-publicadas por G. Ferrez), que - programa que amplia .se~ modificar, o da casa
são de um quarto de século mais tarde, quanto ao térrea, com a nítida dist inção entre a parte de
uso das cores confirmam tudo isso, incluindo tam - receber e a íntima da casa. -
bém, nas paredes, pinturas em amarelo ou rosa.
Edificações Urbanas Importantes
Edificações Urbanas em Geral :1
'(kJ_.-1 ,_;., 00 I C.,~ ) ~ r •>)
Dos prédi os const ruídos no século XVIII, Monse-
Na cidade predomina : a~ a 1a~a térrea e o sobrado nhor Pizarro em 1820 (VII, 23) destacou: 1C?)o
(ver Bates, Debret, Ferrez/Ender ), raras send o asae Paço Real (segunda Casa dos Governadores), à
três ou quatro pavimentos, não havendo exemplo da Praça do Carmo; 2<?)o Erário Régio, no Campo da
arquitetura Pombalina de cinco e seis que ainda há Polé (hoje Avenida Passos); 39) o da Provedoria da
na Bahia l Rua Conselhe iro Dantas). Os terrenos Fazenda ; (pri meira Casa dos Governado res), trans •
eram estreitos, e as casas frente de rua,-tocando -=sê" formad o em Banco do Brasil quando da mudança
entre si, com uas ou três aberturas,desti"nadas a do Erário para o Campo da Polé.
co mércío, moradia-, oü- ã comércio no • térreo e
moradia no sobrado. As lojas - que eram de salão Os governadores moravam em casas de aluguel,
cor rido ou com depósitos aos fundos - , abrigavam quando, em 1698 foi adquirida para eles, a do
o co mércio a varejo e as oficinas, um e outros espólio do Provedor da Fazenda , Pedro de Souza
relac ionados nos Almanaques de 1792, 1794 e Pereira (onde' fica hoje o Banco do Brasil), contí-
1799. O sobrado servia de escritório e dormida de gua à qual se construiu, sobre a Alfândega, a da
umpregados, ou de moradia do comerciante. As Provedoria (171 O) - ambas incendi adas (por Ou
térreas t inham à frente sala de visitas ou quarto, Clerc ou Du Guay Trouin). A dos Governadores
corredor ladeado de alcovas, sala de jantar atingin - abri gou os Contos quando estes sa !ram da Praça do
do as divisas e abrindo para um pátio com a copa Carmo para cons trução da segunda Casa dos Go-,
do lado, aos fundos cozinha, guarto dos negros, no vernadores; foi reform ada em 1805, e em 1815
quintal e- telheiro à guisa de estrebarias para Ô passou a abr igar o Banco do Brasil. Foi parcialmen-
<iavalo. Estas, · Luccock e Debret enco ntraram até te reproduzida (e a da Alfândega) por Ender
,,as que não possuíam porta traseira no quintal ou (1817) e no livro sobre o Banco, de Afonso Ari-
passagem independente para o animal. nos. Tinha, no térreo, entrada nob re e um oratório
ou passo saliente sobre a rna em forma de armário,
Noscasas de cinco, sete ou mais janelas de frent e, e no sobrado, do ze janelas rasgadas com varandas
tllspunham-se no térr eo: vestíbulo com a escada sacadas e guarda -corpos de ferro, cornija e beiral
nos fundos, depósito, grande quarto dos negros, corridos.
34 Paulo F. Santos

A segunda Casa dos Governadores {inaugurada em Supremo, e constituem hoje o Museu Histórico
1743 - hoje Correios e Telégrafos, na Praça XV-, Nacional . Do Arsenal se salvaram, além d.Q_go[JãQ.
f.oi abastardada pelas reformas a pior das quais, a de Minerva, de cantaria , do pátio, que tem cornija
Neocolonial de 1929 {compare-se a fachada atual de gneiss e opÜlento friso ondulante barroco, tam-
com a aquarela do livro de Mawe que é de 1812, bém as Arcadas dos Descobridores, que são dos
em que já aparece, do lado, acrescida de um pavi- mais nobres remanescentes do século e foram re-
mento). Dispôs-se em quadra, com pátios fecha- presentadas num bonito projeto de reforma, ainda
dos, em torno aos quais se infileiraram os compar· existente na Biblioteca Nacional, de autoria de
timentos. A escada nobre, larguíssima, ficou no Jacques Funck (1770), a quem ocorreria atribuir o
fundo do primeiro pátio, acessível através de uma projeto inicial, não fora saber-se que ele só chegou
portada Rococó e no prolongamento do vestíbulo. em 1768 quando o projeto foi de 1764 (Winz).
No conjunto externo - estático ao modo da Re-
nascença -, o acesso se faz através três portadas, a A ala da Santa Casa da Misericórdia em que se
do centro de gnaisse e Lioz com cartela Rococó e insere a igrejinha do Bonsucesso , tem cornija larga
as cimalhas arqueadas do frontão livremente inter - e generosa, nobreza de material, e o mais belo
romp idas para inserção da bacia sacada e guarda· cunhai da cidade.
corpo de ferro da janela de púlpito do segundo
· pavimento . O arquiteto foi o Brigadeiro José Fer- A casa dos Teles de Menezes, conhecida por Casa
nandes Pinto Alpoim, braço direito de Bobadela, do Arco do Teles, é plasticamente superior à dos
que passa (sem comprovação - Wínz) por ser tam- Governadores que lhe fica fronteira: pela propor-
bém autor da Casa do Trem (inaugurada em 1762} ção dos cheios e vazios, pela cornija inferior à da
a que se anexou o Arsenal do Trem, os quais , Santa Casa, mas sem a secura acadêmica dos da
conjuntamente, foram transformados em Pavilhões Casa dos Governadores (pelo menos da que chegou
das Grandes Indústrias da Exposição de 1922 até nós) e pela concisão do vocabulário: arco aba-
(Neocolonial) e depois em oficinas da Revista do tido, só na janela superior, as duas outras sendo em

Casa do Bispo do Desterro, no Rio Comprido - RJ.


SéculoXV/lf
Quatro Sécu los de Arquitetura 35
verga reta, ao passo que .na Casa dos Governadores casa; senza la; jardim; horta; pomar; poço de água
os arcos (resultantes do acréscimo realizado ao 1nativa com a cacimba; galinheiro; pomba l; chique i-
tem po de Luiz de Vasconcelos) se repetem prol ixa- ( ro; estrebaria, com a vaca, burro e o cavalo; estru-
mente. Assim também no Hospita l da Ordem Ter- meira; cocheira, com o carro rúst ico e a sege ou
ceira de S. Francisco da Penitência, no Largo da 1traquitana; e toda sorte de bichos caseiros: cachor -
Carioca, em que, como se vê em Debret, três arcos ros, gatos, cabras, papaga io, viveiros de pássaros
de diferentes alturas se superpõem. (até o mico, Debret observou ser inocente passa-
(tempo da dona de casa) - cada u m desses elemen-
Das residênc ias: a do Bispo do Desterro no Rio tos sendo considerado não como acessório, mas
Comprido, a do Comendador Joaquim de Sique ira, como peça de um sistema, que persistiu vivo e
em Mata-Porcos e a do Ministro da Áust ria, próxi- funcionando até princípios do presente século, e
ma à Quinta de S. Cristóvão - das quais só a só o surgimento da idade industrial, introduzindo
primeira ainda existe - eram as de maior classe. A novos valores , acabaria por destruir . Anúnc ios de
do Bispo que já não te m a capela e o avarandado venda de chácaras chegavam a mencionar as espé-
que a ligava à casa e aparecem nas aquarelas de cies frutíferas, os bichos, e antes da Abolição, os
Ender e Debret - foi tratada com ordo nâncias negros e negras com suas crias-, tudo isso em
renascentistas, e é a mais harmoniosa . A do Co- estreita associação com os atribuitfs da casa: de
mendador Siqueira, de que só Ender nos deu co- pedra e cal; madeiramento soalhos, portas e janelas
nhec imento, t inha o corpo cent ral térreo com arca - de madeira de lei; tantas salas; tantos quartos,
das de cantaria, o sobrado com janelas de púlp ito varanda em volta; muro e grad il.
enquadradas em ordonâncias de pilastas e entabla-
mento tam bém de cantaria. Foi das casas mais Variavam os partidos, parecendo mais característi-
monumentais do Brasil co lonia l, exprimindo no cos os fixados por Ender e Debret, que se inclue m
aparato dos jarrõe s que marcam as pilastras acima nos que sob a designação de "um tipo de casa rural
do te lhado e na tortura de curvas e contra-curvas e semi-rural" (e não como "cas a de chácara"),
amaneiradas das guarnições e sobrevergas da facha- Joaqu im Cardoso estudou para a DPHAN (atual
da lateral - , uma proc ura de forma academizante, SPHAN) (revista nQ 7) -, adotados por um intelec-
que anuncia o encerrame nto do ciclo estilístico a tual erudito como o Conde da Barca (Ende r) , um
que pert ence . Ao contrário, a casa do Embaixador diplomata requintado e mundano como o Barão de
Conde Von Eltz, com suas nove janelas singelas de Neveu (idem) e um arquiteto com estudos em Paris
parapeito no sobrado e poucas aber t uras no térreo, e Roma, como .Qr.!ndjean de Mo_m:igny
se enquadra na linha tradicional, que nos inter iores
trans parece nos tabuões dos pisos-, umas e outras Da propriedade deste à Rua _M--ªr_quês de S. Vicen -
abert uras em contraste com a riqueza de tr ata men- te, foram preservados - porq ue tombados pela ,
to dos tetos (decorados com sinuosas molduras DPHAN -, além da casa, esta influenciada, tam-
sobr epostas) e das paredes (providas de silhares bém, pela arqu itetura âã Toscâniâ (Flqrença -etc.},
sust entando apainelados com pinturas ou tecido de -a chácara , com as aléias _ensombradas pelo basto
um efeito ornamenta l que só o século XI X por ia arvoredo os relvados, o rio com as pontes, o poma r
em voga)-, decorações que é muito prová vel te- com as nufnêrosasã rvores frutífe ras7 das mesmas
nham resu ltado de acrescent ame ntos posteriores à que Aires do -Casal registro ü -como comuns no Rio
data da construção da casa. daquela época} . .
Casas de Chácara A tranqüilida de e a paz penetram o visitante no
ambiente dessas chácaras, em que os verdes de
Nenhum outro t ipo de edifi cação exprimiu co m todas as gamas, pintalgados de brancos, amarelos,
t anta autenticidade a vida ínt ima da gente carioca roxos, vermelhos e azuis, são um recreio para os
o o caráter regional de sua arquitetura como a olhos, e o chilrear dos pássaros , um embalo para os
"casa de chácara", refer ida por alguns viajantes ouvidos- , constituindo também eles, notas típicas
-
como "casa de campo", cujo program a abrangia:
--
desse programa de casa , completado com os jar·
36 Paulo F. Santos

dins, dos que tão viva impressão causa ram a Maria dias presentes. À mesma família arquitetônica, per-
Graham; jc1rdinsque lembram plantações do Orien- tenciam, certa casa da Penha, e três outras de
te ... (cercados) . .. de sebes de acác ias e mimo- Niterói, das quais uma em Porto Velho, outra em
sas ... esplêndidas trepadeiras .. . aléias em que se Neves (revista SPHAN n<?7), e mais uma no Oerby
cu ltivam toda espécie de flores . . . vasos de louça Club reproduzida (já modificada), por Ricardo Se-
da China cheios de alóes e tuberosas . .. fontes e vero (A Arte Tradicionalno Brasil,fig. 29) . Outras
bancos debaixo das árvores . . . estátuas que se tinham escada monumental na do Barão de Ne-
entreme iam aqui e ali ... formando em conjunto veu, por exemplo, representada sumariamente
uma massa de beleza e fragrância . (Ender, 123), a escadaria de acesso ao ter'reno
predom inava plast icamente sobre a casa; esta, que
Debret reproduziu a planta de uma dessas casas ficava engastada no ta lude, além do pavimento
(vol. 11, estampa 42), infe lizmente com a solução térreo (situado abaixo do nível do pátio lateral),
incomum de sobrado e escada nascendo da sala de tinha um corpo menor, no sobrado . Ainda outras,
jantar, tendo: varanda corrida, e na extrem idade o participavam dos dois partidos, com escada de
oratório, em que também os vizinhos e os escravos poucos degraus para a casa e escada monume ntal
assistiam do lado de fora aos ofícios religiosos do para a plataforma do terreno circundante; assim
capelão, casas havendo - é ainda de le a informa- certa casa da Rua Rocha Miranda na Tijuca, de que
ção-, que os possuíam, e era um luxo muito o Álbum da Prefeitura Municipal de 1922 reprodu -
honroso para um proprietário de chácara. Esta ziu à parte a escada a qual, de tão imponente,
solução tinha raízes na casa bandeirante e seiscen- dir-se-ía de um casarão de sobrado, mu ito mais
tista, estudada por Luís Saia (revista SPHAN) e nas ambicioso.
casas de engenho e fazenda~ que incluíam sempre a
capela. Seguiam-se, na planta representada por De- O mesmo tipo de varanda de todas essas casas,
bret, a sala de visitas, ladeada de quartos, e ma ts teria influ ido na solução do copiar (voltado para o
atrás, a sala de jantar que não passava de uma das jardim interno) da graciosa casa de chácara, toda
quatro faces avarandadas de um pátio posterior, murada, da família Tavares Guer ra, na Praia do
fechado ao fundo com um muro; dos lados. alco- Caju, edificada em terreno outror a dos jesuítas, e
vas, copa, cozinha e quarto dos negros doentes. que o Príncip~ D. João utilizou como casa de

A parte mais característica dessas casas era ~ varan-


ga, com o seu telhado de telha vã; a sanca ·eo
beiral com os caibros aparentes; as delicadas colu-
netas de base e capitel pseudo -toscano~ com ante- Casa de Chácara de São Bento, em Caxias - RJ.
ceden t es (a observação é de J. êardÕSO}, nos claus - Século XVIII
tros dos conven t os franciscanos do nordeste; mas
usadas também em Portugal ainda que com pro·
porções mais empert igadas e em casas mais aparato-
sas, de materiais mais nobres, como o So lar de
Pomarchão e o da Quinta do Sabão, em Arcoze lo,
Ponte de Lima, ou o de S. Paio de Figue iredo em
Guimarães.

Raramente a varanda ficava rasa com o terreno,


como na casa de Maruí (Ende r, 89). Algumas ti-
nham escada de poucos degraus, como na pitoresca
chácar ít)do Conde da Barca (Ende r, 112), em que o
renqu /a e .co lunetas da varanda prosseguia em vol-
ta sub,stituído por delgad íssimos esteios de madei-
ra que pela leveza, antecipavam o moderno dos
., r _, _.,;) ,. ~

Quatro Séculos de Arquitetura 37

banh os (tombada pela DPHAN) na qu al há uma junto com a varanda; e o estirado e enorm e telha-
escada monumental surpreendente para o tamanho do sonolento que domina a composição -, tem
da propr iedade e que ta lvez fosse remanescente de uma ,dignidade e nobreza que a situam como dos
out ra edificação. pontos mais altos dos quatro sé culos de arquite-
tur a no Brasil e ademãí sê:lisso,o _grest 1_gjõ ae=.-
sey
Essas casas avarandadas teriam provavelmente de - u·ma dan:as ·a-s-rnais autenticamente brasileiras - o
corrido de casas de engenho, algumas ainda exis- que pode ser constatãclo comparanao-acõm as
te nte s, tombadas pela DPHAN. a do Capão do reproduz idas nos Inventários da Academia de Be-
Bispo (à Avenida Suburbana), que tem pátio inter - las-Artes de Lisboa e na recente publicação Arqui-
no e já existia (seria a mesma?) em 1711 (Pizarro); tetura Popularem Portugal. . . L
a de S. Bento (em Caxias), que é de 1754-17 60 ~ 1'fi0U \{€fO ~ A. e I A:
C>11
(D. Cleme nte) ; a do Viegas (em Senador Gamará);
a do Engenho d'água (em Jacarepaguá); a de Colu- O Abastecimento de Água
bandê (em S. Gonçalo, Niterói), que já aparece nos Aqueduto e Chafarizes
mapas do século XVI li (só a capela seria pouco
ant erior a 1822, porque só a ela se refere Pizarro). Para abastecimento de água à cidade ~o primeiro
Todas participam do grup_g_e,síu dado por Joaquim Governo de Martim de Sá (1602 -160fJT se cogitou
Cardoso, podendo ser arroladas como ar uíteturéj de uma finta ; no segundo ( 1623-1 627), da constru-
do Rio âe-Janêtfõ -porque estão inc luídas na zona ção de um cano; vezes sucessivas protegeram-s e as
de recíprõéas - ,nfíuênclãs . Essas casas, na maío r águas afastaram-se os currais preservaram-se as ma-
parte dispunham de pavimento térreo para-d epó~ tas, reco nhec endo-se (1640) que a coisa de mais
sito e ce1
erf9 1 algumas- co!Tl ~ scad~ {Q_u rampaf uti Iidade para o povo era trazer à cidade a água do
Carioca. Em 1660 estavam feitas 600 braças de
monumental ficando a moradia no sobrado . Exce-
s.
tuam-se a "dó Engenno d'' Água e a de Bento que cano que se completaram no começo do sécu lo
XVIII com os depois chamados Arcos Velhos, si-
tê m moradia no tér reo e no sob~o. A de Colu-
band ê, com as formas desataviadas "e acolhêd orasê tuados entre o Morro do Desterro (Santa Teresa) e
a feliz disposição no terreno em aclive; da capela; a Ajuda (Praça Floriano) de que aparece uma deri-
do muro e portão e da escada, esta fazendo con- vação na Litografiada Rua dos Barbonos, assinada
A.J.P. Armand Jul ien Palliére. Mas foi Aires de
Saldanha (171 9-1723) quem con struiu o Aquedu-
to da Carioca no seu caminho atua l entre Santa
Tere sa e Santo Antônio o qual Aqueduto terminou
Casa de Chácara de Colubandê, em São Gonçal o - RJ. antes que em Lisboa se iniciasse o das Águas Livres
Sécu los XVIII-XIX (1732). Foi executado não com projeto fe ito no
·Rio (onde foram elaborados dois, o segun do com
parecer do Tenente-Genera l Félix de Azevedo Car-
neiro da Cunha, ambos rejeitado s) e sim em Lisboa
mas desse os pedreiros e os engenheiros co nvoca-
dos pela Câmara alterar a m, aqui, o rumo, op inan -
do pelo mais direto e econômico. No Largo da
Carioca construiu-se o prime iro chafariz; ficava por
fora do Muro de Massé e deu o no me ao largo; era
de mármore, veio de Lisboa - e a ser o mesmo
retratado por Ender (em 1817) e pelo Ostensor
Brasileiro(1846) e substituído em 1829 - tinha
16 bicas de bronze e pesad:is formas arrematadas
co m curvas barrocas, coroadas pelas arma s reais .

Ao tempo de Vahia fêz-se um cano de pedra que


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38 f - ,, Paulo F. Santos

através os Campos de S. Domingos (da Praça Tira- gnaisse (pedra de galho) com as faces ondulantes,
dentes à Rua Marechal Floriano) levava os sobejos duas delas em curvas errontra-curvas, cun hais cil ín-
da água à Prainha (Praça Mauá) e ao mar. E ao dr icos com bossagem,= oacias conchead as de vigo·
tempo de Bobadela, reformou-se o Aqueduto roso modelado, soberba cornija barroca de perfil
(1744-1750), obra do Brigadeiro Alpoim, com du- amplo e bem lançado com perfilados e pregueados
pla arcaria à romana, canos de pedra, calhas cober- - os quais conjugados à dei icadeza do Lioz nas
tas de abóboda s de t ijolos. Na Praça do Carmo, platibandas de balaúst res (postas em moda no Palá-
com projeto do Sargento-mor Engenheiro Carlos cio de Queluz e já prenúncio do Neoclassicismo) e
Mardel (1747) -, que preteriu o que aqui fizera na preciosa cartela Rococó onde se vêem as armas
Alpoim (porque, dizia-se, era obra mais miúda do de D. Luiz de Vasconcelos-, atingem magistral-
que convinha para o uso de negros), ergueu-se um mente a aliviar o peso do gnaisse.
"suntuoso" chafariz com bacia circular de mármo-
re de Lioz, fabricado na metrópole; e na Junta (nas
proximidades da Prainha) outro, fabricado aqui.
Ambos recebiam água do Carioca, o do Carmo
(construído em 1752-1753) atravésa Rua do Cano
(Sete de Setembro) e o da Junta através a da Vala
(Uruguaiana); tinha canos de ferro, que recebiam
em cada esquina uma bica com registro de mola
(imitados dos de Paris), que só deixavam passar a Chafariz de Mestre Valentim - RJ. Século XVIII
água enquanto a asa do balde carregava sobre eles.
A partir de 1760, começaram a ser usados na
cidade, canos de chumbo, embutidos em pedras
perfuradas capeadas com grossas paredes de pedra
e cal, vindas como os canos, de Lisboa. Estende-se
o abastecimento: Chafariz da Glória (1772); o das
Marrecas, obra de Mestre Valentim (1785); o do
Lagarto (1786), alimentado pelo Rio Catumbi, o
novo chafariz da Praça do Carmo (1789) igualmen-
te de Valentim; o do Largo do Moura (1794); o do
Campo de Santana (1808); o de Matacavalos ( Ria-
chuelo) (1817); o de Paulo Fernandes (Frei Cane-
ca) do qual uma caixa foi inaugurada ainda ao
tempo do Prí ncipe D. João , em que, com projeto
do Tenente -coronel Henrique Isidoro de Brito
( 1816) submetido ao Inspetor do Real Corpo de
Engenheiros, João da Silva, se começou o Aquedu-
to do Catumbi que alimentava esse chafariz. De-
dais de água foram concedidos aos conventos,
onde se ergueram chafarizes, entre os quais no da
Ajuda, o das Saracuras, de Valentim. E também
(informação de Aguirre, 1782) a algumas casas
particulares. Outras tinham fontes com água na·
tiva: a do Menino Deus em Matacavalos (1772),
com água da Chácara da Bica; a Bica da Rainha,
em Cosme Velho (que na sua forma primitiva seria
talvez a que Maria Graham representou como Fon-
te, de Saudade l (anterior 1823), etc. O mais belo
cfafariz é o da Praça do Carmo, de Valentim, em
p',. ') . -., 9-'i!tro Séculos de Arquitetura 39
/' r , r ✓7 J ,-::, • ?À
Medidas Edilícias - l _,,_ , ~. .--, .r~~ ---v
principais e dois nas secundár ias; baixam-se postu-
e Urbanísticas ; "). , • .-~ ,1. ras (1795) estatuindo que todo o que fizer casas da
p.

. ·t' vala para a cidade , sem sobrado ao menos na


frente, e as que sendo térreas se arruinarem no
Durante o século XVI 11: aterram-se pântanos, madeiramento ou nas paredes ainda que se não
constroem-se pontes; proíbe-se (Correição da Câ- bula nos alicerces, as não poderá reedificar sem
mara de 1735) se atirem imund ices ")
na vala e abri- fazer ao menos o dito sobrad o à frente, sob pena
ga-se se desfaçam os monturo sc:- e se joguem as de seis mil réis e demolição da obra, compree ndido
sujidades nas lagoas vizinhas; e que os moradores na mesma o mestre dela.
façam à sua custa na fre nte da suas casas . .. e
chãos ... cinco palmos de calçadas (as quais em Em 1782 o Pastor langstead falava em casas cons -
Lisboa, em muitos bairros, até depois do terremo - truídas sem gosto e simetria; desfiguradas pelas
to (1755) continuavam a não ex istir) (J. Ratton); sacadas de madeira; janelas quase sempre de rótu-
cobre-se com lajões de pedra a Vala (Uruguaia na). las (o que era apresentado num tom depreciati vo);
Sob a influência do que Manuel da Maia e Eugênio poucas vidraças; internamente, paredes nuas caia-
dos Santos haviam feito na Praça do Comércio em das de branco e sem qua lquer decoração; ruas
Lisboa, constroi-se na Praça do Carmo um cais de largas e bem traçadas, mas sem calçamento. Entre-
cantaria apare lhada com impon entes escadas e tanto, no mesmo ano - o que mostra como devem
rampa de embarque e torneiras de bronze para ser filtradas as informações dos viajante s estrangei-
aguada das embarcações - obra de Funck; e, para ros, Aguirre falando das ruas disse que eram calça-
propiciar pa radas mi Iitares, calça-se a Praça e des- das e uma coisa linda, que dava honra à polícia da
1oca-se o chafariz para a be ira da água cap it~ E Waltkin Tench cinco anos depois, tam-
(1779-1790) . Na mesma década: desmonta-se o bém as viu bem calçadas; as casas, razoa velmente
Morro das Mangueiras, aterra -se a pestífera Lagoa construídas; as lojas, bem fornidas; os transeuntes,
do Boqueirão; abrem -se as ruas do Passeio e das bem vestidos. E em 1792 John Barrow ainda que
Belas Noites (Marrecas) ; e, sob a inspiração do também critique as varandas de madeira e as som--
Passeio Púl?lico projetado para Lisboa em 1764, brias rótulas, gaba a amplidão de certas ruas (ou-
por Reinaldo Manuel (sucessor de Mardel na Casa tras seriam mu ito estreit as) e princ ipa lmente os
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do Risco), constrói-se com aque le mesmo nome passeios de lajes de pedra, que considera um re-
um jard im arbo rizado , cuja traça, de um geometris- quinte de conforto, raro na próp ria Inglaterra . Para
mo elementar e ingênuo, atribuída a Valentim, foi Sauton (na mesma data), a cidade teria progredido
reproduzida na planta da cidade de 1808-1812 . muito nos últimos anos: ruas retas, bem pavimen ·
Tinha um portão monumental (parcialniente ainda tadas e com passeios, a estreiteza de algumas, resul-
existente); uma fonte, a dos Jacarés (ta mbém exis- tando conveniente para um clima quente; nas pra-
ten te); um terraço ladeado de dois pavilhões, dedi- ças, fontes refrescantes que, como o aqueduto, à
cados a Mercúrio e Apolo, decorados com embre - romana, são também um adorno; a do Carmo,
chados de conchas e ap licações de pássaros (in servindo inclusive às embarcações, através de um
nat ura) por Francisco Xavier Cardoso (Xavier dos espaçoso cais de granito, material de construção de
Pássaros) e Francisco dos Santos Xavier {Xavier muitos dos principais edifícios {já o not ara Aguirre
das Conchas), e com pinturas de Leandro Joaquim dez anos antes); lojas abarrotadas de manufaturas
(um dos integrantes da chamada Escola Fluminen- inglesas e o povo com a aparência de bom gosto e
se de Pintura que floresceu no vice-reinado) . Pro- conforto.
longa-se o cais da Praça do Carmo pela Praia de
D. Manuel (1790-1801 ); a iluminação pública - Ao findar -se o século, a cidade tem 43.376 habi-
antes limitada aos lam piões de azeite de peixe tantes (1799) e, das lojas relacionadas com a cons-
frente ãs igrejas, e às lamparinas votivas dos orató- trução, 24 são de ferragens, 12 de vidros e louç a
rios, que havia em grande número (diante das quais fina, 12 de entalhadores, 64 de marceneiros, 25 de
os vizinhos se reuniam à noite para rezar o ter- serra lheiros e 32 de pintores. E, como se vê na
ço) -, é aumentada para quatro lampiões nas ruas planta, manda fazer pelo Príncipe Re!lente
40 Paulo F. Santos

(1808-1812), desenvolvem-se bons preceitos de


traçado urbano multip licando -se os largos e praças
que, excluída a do Carmo, praticamente não exis -
tiam no pr incípio do século: Passeio Públ ico; lar-
gos da Carioca, do Capim, de S. Domingos , de
S. Francisco de Paula; Praça do Carmo e da Lam-
padosa ( T iradentes); o imenso Campo de
Sant'Ana. Expande -se o arruamen t o: na zona norte
esboça-se a que veio a ser depois Cidade Nova; e,
na zona sul, ganha o Catete, Laranjeiras, Botafogo
e Gávea.
Período Imperial
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1runsferência da Corte camaristas para o consistóri ~ da Igreja do Rosário);


a Casa da Moeda continuou i:>rovisoria mente no
111:ilalação dos Novos Palácio, e providenc1ou-se a construção de outro
(), gãos da Adm inistração edifício para recebê-la, no quartel junto ao Real ·
Trem (transportado o Esquadrão para a Praça do
l'o,n a numerosa armada que trouxe de Lisboa, a Rosâíiílb) instalaram-se as cavalariças reais, acomo-
1111 te em fuga, ante ·a invasão napoleônica, chega- d;:indo•se as do Esquadrão na rua detrás do hospí-
111mem jane iro de 1808 à cidade engalanada e ante cio, onde existia o jogo da bo la de Bento Esteves, e
m, mais efus ivas demonstrações de reverência e ao longo da Praia de D. Manue l construíram-se
11preço da população, o Príncipe D. João e a Famí- cocheiras para os coches - estas reprodu zidas por
1111Real, acompan hados de fidalgos, açaf~tas, servi- Ende r em uma de suas aquarelas.
~•11ise agregados, num total de cerca de 1O mil
pussoas,que se acotovelavamnas embarcaçõessu- Dos fidalgos, uns, em razão dos cargos que ocupa -
porlotadas, rio maior desconforto. Chegou, tam- vam, acomodaram-se no Paço; para os ma is, requi-
hóm, um valiosíssimo materia l: os arquivos; os sitaram-se casas: no centro da cidade, às ruas: Di-
111llhares de volumes da biblioteca famosa de Barr reita , Detrás do Carmo, Quitanda, Detrás do Hos-
hosa Machado; o prelo e os tipos, ainda, encaixota- pício, da Guarda Velha; no Passeio Púb lico e Lapa;
tios, mandados vir de Londres para o Ministério na Glória; no Catete. Moradores houve que as
dos Estrangeiros de Lisboa, as jóias da Coroa, ced eram de boa vontade out ros à força, mediante
hoixelas, etc. int imação do jui z aposentador, contando-se a esse
respeito odiosos episódios, verberados pelos pró -
prios historiadores portugueses ( Rocha Martins, é
A acomodação quase improvisada de toda essa um deles). O Conde de Belmonte, por exemplo,
uonte numa cidade cuja população não passava de morou dez anos numa casa nova, ainda não ocu- .
11ns50 ou 60 mil habitantes, fez-se à custa de pada pelo propr ietário, apropriando -se, também, a
u1andes rebuliços e sacrifícios dos moradores: o dos escra vos (A.C. d'A. Gu imarães); a Duquesa de
Palácio dos Vice- Reis fo i transfo rmado em Paço Cadaval, dez ou doze anos numa chácara da Lapa,
Heal e residência do Príncipe Regente; nÕCÔnven- sem pagar aluguel (Tobias Monteiro); "houve
to do Carmo, que se uni u ao Paço por um passª= quem sub locasse res idênc ias tomadas a título de
díço ~ depois de transferidos osre lígiosos para o aposentadoria e até o caso assombroso do senhorio
ltos pício dos Barbadinhos e estes para a Casa de tornar-se inquilino do seu inqu ilino" (O. Tarqu í-
Nossa Senhora da GlóriaL agenciaram-se os quar- nio).
tos da Rainha e suas damas, aparelhando-se a igreja
do Convento para func ionar como Capela Real e Episódios assim provocaram revoltas, só atenuadas
ou t ras partes de e, para uc liana, cozrnlia e ofiCinas pelas febricitantes reformas e leis liberais acompa -
do Paço : na Casa da Câmara · e Cadeia, ligada- ao nhadas da criação de todé. uma aparelt,agem capaz
Paç~ ~or outro "l;>ã ssadiço , acõm õdar am-seõss êrvT:- de transformar a modesta capital da colônia na
çais (mudando-se os . __r esos para o aljub e'.?e os . sede digna de uma monarquia europé ia.
44 Paulo F. Santos

Para abrigar os novos órgãos da administração, leto, apesar de já ter consum ido para cima de 700
f izeram-se adaptações, ou co nstruíram -se edifíc ios mil cruzados (Marrocos) . Ergueu-se o Real Teatro
próprios. A Impressão Régia (1808 ) foi instalada S. João (onde ho je está o João Caetano). O Arse·
na Rua das Marrecas (L.G. dos Santos) e a Fábrica nal de Marinha funcionou no estaleiro fundado
de Pólvora, na Lagoa Rodrigo de Freitas (1808). pelo Conde de cunha, no sopé do Morro de
Dela subsiste o portão, com as armas rea is no alto, S. Bento. Fundararn·se ainda: o Jardim Botânico; a
tombado pela OPHAN. A Biblioteca Real ficou no Intendênc ia Geral de Polícia: o Conselho de Esta-
Paço e, em 1811, tinha como bibliotecário, Marro· do; o Conselho de Fazenda; a Junta de Comércio;
cos, o mais prec ioso informante dessa fase. Foi a Mesa da Consc iência e Ordens; o Desembargo do
transferida (1814) para uma parte do Hospital dos Paço; a Casa da Sup licação; a Academia de Medi·
Terceiros do Carmo (situado na Rua Detr ás do cina e Cirurgia; o Laboratório Farmacêut ico; o
Carmo) e os enfermos, para o Recolhimento do Instituto Vacínico; a Aula de Comércio; etc.
Parto. A Academia Militar funcionou, provisoria•
mente, no Consistório da Sé Nova (L.C. dos San· Particular importância _para as artes e a arquitetura,
tos). Esta, que fora começada por D. João V, no t eve a contr2_t~ão fieuma missão de artistas fran·
Largo de s. Francisco do Paula, foi demolid a a c.eses, chefiada por Joaquim Lebreton, entre os
mando do Príncipe Regente, para, com o material, guais se contaram: Grapdjean de M9ntigny (arqui•
construir-se o edifício da Academia, obra do arq u i- teto); Nicolau Taunay (pintor); Jean Baptista De·
teto francês Pedro José Pézérat . No mesmo edifí· bret (pintor); Augusto Marie Taunay (escultor);
cio em 1831, insta lou-se a Academia de Marinha Charles Simon Pradier (gravador); Segismund Neu·
(D;bret). Para receber o Banco do Brasil, foi refor- kon (compositor), incluído na lista de professores
mada a primeira Casa dos Governadores . (situada por Lebreton, mas que não fez parte da Missão; e,
na Rua Direita), e, para o Erário Régio ou Real ainda , os professores de mecânica e estereotô mia e
Tesouro, 0 Padre Luiz Gonçalves dos Santos disse os ajudantes de Grandjean e Auguste Tau nay, co·
ter sido feito edifício próprio, com aproveitame n- mo assim vários artífices - , com todos os quais fo i
to parcial do que havia sido construído da Casa fundada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios
dos Pássaros, iniciada por Luiz de Vasconcelos, o {1816) que só coméçou, oficialmente , a funcionar,
qual, em fevereiro de 1811 , ainda estava em esque · ~ com o nome de_ Ac~demia lm~ria l de _J!elas

Largo do Carmo - RJ. Princípio do século XIX


Quatro Séculos de Arquitetura 45
Artes, em 1826, já, então, uns tendo morrido, 1nstala-se a Família Real
outros, voltado para a França ou debandado. Dos
artistas plásticos, só restaram Grandjean e Debret, Ao Paço da cidade juntaram-se, para recreio da
verdadeiros iniciadores do Ensino Artístico Oficial Família Real: a Quinta da Boa Vista, que passou a
no Brasil cujos ateliers já funcionavam, primeiro ser conhecida como Real Quinta da Boa Vista ou
fora, depois dentro do edifício da Academia, du- Chácara ou Paço de S. Cristóvão, propriedade doa-
rante o período da sua construção. Aos membros da ao Soberano (janeiro de 1808) pelo negociante
da Missão, vieram juntar-se, incorporando-se à Elias Antonio Lopes (que Oliveira Lima diz te r,
escola de renovação artística por ela iniciada, os mais tarde, apresentado conta da dádiva); a da Ilha
irmãos Marc e Zépherm Ferre2, esc~lto res e grava- do Governador que, antes de 181 1, já era freqüen-
dores, incluídos em 1820 entre os pensionados da tada pela Família Real e foi ofertada ao Príncipe
Academia. pelos frades de S. Bento - os quais, no prepará-la,
ga~ram mais de 100 mil cruzados-, propriedade
a que Marrocos se refere como "magnífico Palácio
de Campo e formosa chácara com tapada e couta-
dos extensíssimos"; a da Ilha de Paquetá (hoje
chamada Casa de D. João VI), propriedade de
Academia Imperial de Belas-Artes - l:rJ. Projeto de Francisco Gonçalves da Fonseca que, ali, hospe-
Grandjean de Montigny. Princípio do Século XIX dava o Príncipe; a do sítio de S. Domingos, na
aldeia da Praia Grande (em 1831, elevada à Cidade
Real da Praia Grande, hoje, Niterói) - doada por
um rico proprietário , tinha um único pavimento,
ficava numa praça, por detrás da igreja e era a mais
bonita da aldeia; e, a Fazenda de Santa Cruz,
antiga propriedade dos jesuítas .

Também a Princesa Carlota Joaquina - que prefe•


ria ficar longe do marido -, tinha os seus "refú-
gios": - a casa do Sítio de Botafogo , adquirida,
depois, pelo Marquês de Abrantes (Miguel Calmon
du Pin e AImeida} veio até nossos dias, sendo
usada para hospedar f iguras ilustres, como Julio
Rocca e Elihu Root. A de Mata-Porcos, em que
residiria o Conde das Galvêas e foi adaptada para
instalação da Princesa. O Palácio do Andara í, em
cujas obras, em novembro de 1814, trabalhavam
50 oficiais ( Marrocos}.
O edifício da Chácara de S. Cristóvão, a que Elias
A. Lopes mandou acrescentar, sobre a porta de
.entrada, as armas reais, teve, em 1808, o portão,
construído pelo arquiteto José Domingos Montei-
ro, e decorações nas salas do conselho e do trono e
na galeria aberta que ocupava a fachada inte ira,
pelo "arquiteto e decorador" Manuel da Costa
(Debret). Em 1813, descreve-o John Luccock co-
mo "acanhado e pretensioso, mal construído e,
pessimamente, mobiliado", mas dispondo de um
"grande conforto": por três lados, tinha "varandas
46 Paulo F. Santos

1 ou colunatas com ·anelas envidraçadas" e, à frente


do jardim , um portão monumental presenteado
palácio; restaurou a capela e já pro jetava um canal
de navegação para a propriedade, embelezada com
e,eiõsTrig Teses - oferta do Duque ·de N0rthum· um haras e, com os campos, cheios de an imais e
berland ao Príncipe D. João -, o qual, aqui, na cr iaçõe s de toda a espéc ie, quando o Impe rador
justa observação de Luccock, constituiu "um sin· deixou o Brasil, levando -o consigo para a Europa
guiar espécime de incongruência" . Com essa dispo· ( 1831 LE oram obras do mesmo argu iteto: a refor·
sição é que o edifício aparece na aqua rela de E nder ma_ da_casa de D. Domitilª, Marquesa de Santos
(p. 147). Montou o portão um arquiteto inglês da (1826) - ainda ex istente à Avenida Pedro li, tom·
corte, John Johnson, que segundo Debret, em bada pela DPHAN -: EL.Q _ pro jeto tj~_um palácio,
1816 já teria executado no edifício uma fachada não c9_n~tr1Jído, P-<!!:.ª
<!.J!YlperialFazenda da Con·
lateral "decorada em esti lo gótico e, além de ou · córdia, em Petr.QROlis LW30) do g ual chegõuã
tras obras, acabara de preparar um apartamento elabora r o orçamento . ·
para o Príncipe D. Pedro que cogitava casar-se.
Depois do casamento, que se realizou em 1817,
prosseguiu a construção com o erguimento de um Instalam-se os Fidalgos
dos quatro pavilhões góticos que, de acordo com o
plano de Johnson, deveriam ser acrescentados aos Os fidalgos , pouco a pouco, vão deixando as apo·
ângulos do edifício. Em 1822, tendo cedido o _ sentadorias e construindo suas casas. Militão José
telhado do novo pavilhão e Johnson, já não se Alvares da Silva, ao morrer, em outubro de 18 12,
achando no Rio, as obras de restauração e acres· tem a casa recheada de preciosidades; jói as, pren·
centamento foram entregues ~ Manuel Q.?.. Costa, das e "um aparelho de chá mui copioso e todo ele
que ç___l mperador nomeou seu arquiteto particu lar. de ouro maciço" (Marrocos), o que faz admitir
Este-, ainda, segundo Debret -, teria, externa- quão suntuosa seria a sua casa. O Barão, depo is
mente, reconstruído a escadaria, em sem icírcu lo Visconde do Rio Seco e, finalmente, -Marquês de
com duplo corrimão e, substituído o est ilo gótico Jund ia í, em novembro daquele ano, está "edifican·
da decoração por "um est ilo mais moderno, embo· do um soberbo palácio no Largo dos Ciganos"
ra, ainda, extravagante, pesadamente mourisco". (idem) (ta lvez reformando, porque V. Coaracy diz
Maria Graham, descrevendo o Paço, confirma: ter sido adquirido do Juiz de Fora Antonio Pedra
" construído um tanto em estilo mourisco, pintado de Bittencourt, promovido nesse ano a Desembar·
de amarelo com molduras brancas " . Com a mor te gador da Relação da Bahia que, nele, residia); o
g_e_Manuel da Costa, para substituí-lo o Imperador novo proprietário transfere-se para ele em agosto
contrata "o jovem Pézérat, artista francês" que de 1813, transportando a sua preciosa mobília,
restaura o palác io e constro"nT8'2 ·g-) o novo pavi- museu, etc. (idem). Na casa, que foi reproduzida
lhão paralelo ao antigo, com "bom gosto de arqui- por Ender, funcionou, até 1876, o Clube Flumi·
tetura" (em esti lo neoclássico) o mesmo, ocor ren- nense, sendo depois adaptada à Secretaria de ·Justi-
do__no Jardim {Debret). Comt..:: essay ar ie~de A..e ~~dos Neg?cios lnter~or~s do Império, ao Minis-
estilos o edit ício fo i dos primeiros exem plos de ter 10 ~a Just1~a ~a Re~ubhca e, atualmen~e, a lns·
Ecletismo do século . petona de Transito. Ainda, em 1813, o Visconde,
- - que era u m dos homens mais ricos da cidade,
O Palácio de Santa Cruz era usado pela Fam ília constrói outro palácio , "mais belo e estupendo
Real cada ano, por seis semanas. Em 1817, o segundo a planta e a linhamento" {Marrocos). No
Visconde do Rio Seco foi incumbido de reformá - ano seguinte, o Conde de Cavaleiro adquire "umas
lo. Mas a grande reforma realizou-a o já referido be las casas com sua chácara" (idem ). Mais um ano,
Pedro José Pézérat, tenente de engenhar ia, e o fez: e Antônio de Araujo (Conde da Barca) compra
com grande rapide z e economia, fabricando ele "umas nobres casas por 45 mil cruzados e, nelas,
pr ó prio os tijolos e as telhas, suprimindo os em - vai fazer a sua habitação, continuando, igu~lment e,
preiteiros ,_ mestres 1ª .s:ontramestres e empregana o · com o maior luxo as obras daquelas que tem
em lugar deles um construto r francês, aux iliado habitado, até aqui e que, também, são suas"
pelos escravos da fâzenda. Acrescentou uma a la ao (idem); uma dessas casas seria a da Rua do Passeio
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Oúáfro Século s de Arquitetura 47

que, depois de sucessivas reform as, foi demolida, já gado os proprietários ricos a demolir as casas que
nos nossos dias, para construção do Cinema Plaza. ameaçassem ruir e edificá (ifs de novo e os que não
Em fevereiro de 1816, fala Marrocos, no palácio tivessem maiores cabedais, a escorar as suas (idem) .
novo do Visconde de Vila Nova da Rainha, no Quando a Biblioteca (livrari a) Real passou para o
S ftio de Botafogo, em que, para obsequiar SS.AA. Hospita l dos Terceiros (181 4), quem cuidou da
Reais teria dado uma festa com o serviço todo da ada ptaç ão foi a mestrança da Casa das Obras (idem).
casa, orquestra vocal e instrumental, grandeza de
tre m e "a maior pompa que se tem obse rvado".
Em setembro desse ano, já tinham começ ado as A Cidade Impe rial
o bras "de um grande palácio para a Duque sa de
Cadava l no Sítio das Laranjeiras. Ela e seus filhos Sede da Monarquia
lança ram as primeiras pedras nos a licerces. O arg ui- ·
teto é francês e afirmam-me" - diz Marro cos - No ano da chegada de Luccock (1808), a cidade
"q ue t odos o LMe ~\!JlS também o são". Note -se ficava lelimitada pela Lapa, Rua dos Barbonos,
que, em 6 de abril do mesmo ano, entrara o Guarda Velha, Convento de Santo Anto nio, Cam-
Calphe, trazendo os componentes da Missão fran- po de Santana, Rua de São Joaquim, Valongo,·
cesa , entre os quais Grandjean de Montigny . A S. Bento -, perí metro , de nt ro do qual havia exten-
casa, depois Embaixada Italiana, muito m0difi- sos chãos não edificados, princ ipalme nte, nos mor-
cada, ainda existe, defronte da Rua Pinheiro Ma- ros de S. Sebastião, Conceição, S. Bento e, junto
chado . Ainda, na mesma década , 10 -20, const ruiu ao Campo e Largo dos Ciganos . Para além desses
casa (existente até hoje, tombada pela DPHAN), o limites, encontrávam-se umas poucas _i;a_ sas espalha-
Conselheiro Franc isco Bento Maria Targine, feito das, mas, a algumas centenas de jarda Ç,Y ía-se ter em
Barão de São Lourenço por D. João, e que , segun- pleno mato ou por entre mangues . Da Glória a
do Marrocos, perte ncia a um partido "grande e Botafogo, havia, apenas, uma est re ita senda de
poderoso". mula que o uso alargou , tornando-a carroçável ...
O mato, escondia, completamente, o mar . .. Ao
A Casa das Obras longo do Aqueduto, havia uma leve tr ilha . . • As
estradas de Mata-Cavalos e Catumbi não passavam
Para exercer jur isdi~ o sobre as cons t rucõe s, além de veredas para animais, ainda que bem freqüen -
ria Int endência de Polícia (que também tinha e·ssas tada. Mas, já para além, de Mata-Porcos ... , na
ntr ibuições) funcionou a Casa das Obras r_à imita· parte situada à .esquerda ... era impos sível passar-
ção da gue exis:ti_ a_ em Lisboa, sobre a qual,- ~ se a cavalo, e da direita, vivia embaraçada pela
18 12,. há uma referência no_ Arquivo da Fam ília maré e por terrenos pantanosos . Não havia , então,
Real (F. Auler), com dois nomes inscritos : arqui - caminho qu e, saindo do Campo de Santana atra-
tet o João da Silva Muniz e mestre- geral Reinaldo vessasse o mangue. Uma senda da mais modes ta
Jos é da Silva a que, no mesmo ano, se juntõu.Jose espécie conduz ia, por entre matas agradáveis e
da Costa eS!l va, com o cargo de arquiteto geral-d[ elevadas, ao Saco do Alferes e Gamboa (atual
toda s as obras reais (em lisboa tinha o de arq ui- Aven ida Rodrigues Alves).
teto gera l das obras púb licas) (Auler }. Quando , em
Gcte mb ro de 1813, ocorreram catástrofes na Bahia , Com a vinda da corte, em que pese a od iosa
r.om a queda de te rras e desabamentos, Costa e _aplicacão da Lei das Aposent ado r i~ ue_Levou
Silva e "grande número de outros arquitetos e muitos prop rietár ios a deixa r, em meio, à constru-
ongenheiros " foram mandados pa ra lá "à toda ção de suas casas, outros -ª-- n-ª.Q_ colocar ..D~l~s9
pressa, a fim de alinhare m uma cidad e nova fora da costumeiro _Let@ir:.o ®, casa para alugar; em que
,iminência de morros e montanhas" , de que co nti- pese a isso, a cidade progrediu. O Cônsu l da Fran-
nuavam a "despeja r-se pedaços" (Marrocos). E, em ça, Coronel Maler, registrou , em dez anos
1816, tendo ocorrido semelhantes desgraças no í1_
808-18 1 8) ~ a_ constru Ç_
ão de 600 casas e 150
ílio, o mesmo arquiteto foi mandado a visto riar chácaras . A popu lacão em 181 Zj á ~ i:_
ia de 110 m(I
todo s os edifícios da cidade, tendo, então, obri- habitantes Oliveira Lima , S_mx e_Martiu~ - _Rart i"-
48 Paulo F. Santo s

cipantes como Pohl, Natte rer e Ender da Missão com granito e têm passeios", ainda que "economi -
Científica, organizada para juntar-se ao séquito da camente iluminadas e, somente em algumas horas
Princesa Leopoldin a, refere rn:se à cidad~ como da noite, com lanternas, colocadas junto às ima-
compreendendo a cidade .:intiga e a cidade nova, gens de Nossa Senhora" . · (Mas, pelo menos, nos
separadas, uma da outra, pelo Campo de- Santana. dias de festa, não seria ass im, porqu e, poucos anos
A antiga, descrevem -na como êortada por .Õitoruas - depois ( 1822), já Maria Graham a descreve como ,
direitas, bastante estreitas, paralelas e part idas por "brilhantemente iluminada", acrescentando que
- muitas travessas particulares; e a nova - que d"í-. "nada há mais belo no gênero do que tal ilumina -
i e.rn,~ ó ter sido cons1ru ldª de go 1s da yinçfa□ .L ção vista do mar" . Mas a verdade é que a ilumi-
corte -, dão-na, como ligad 9 p_or m~io_g~ Ponte d~ nação, seis anos depo is, era feita por apenas 550
_ S. Dio 9 (situad2 _Jobr e o bqiç9. de mar que forma- lampiões a azeite de baleia . Em 1817 , obrigam-se
va o Saco do Alferes), com o quarteirão sudeste ao os proprietários de te rrenos vagos, do centro da
bairro de Mata-Porcos_, e pelo extenso arrãbãicie de cidade, a constru ir um pavimento térreo, ainda que
CatumbÇ com ã Quinta Real de s~ Cristóvão. de madeira, com as suas portas e jane las, às quais
·- Mata-Porcos encostava -se logo na dianteira do -cor - pod iam conservar-se fechadas e a terminação do
. cavado qu e s ee "levava· a sudeste :--:-. segui nçlo:se pavimento, ad iada por tempo indeterminado
- üma____ -. serie de co linas até a do Oute iro da Glória (Debret). Em 1828, os morros estariam pouco
- ue êlominavâ a Qarte ma is sul da cidade. Daí em ocupados com moradias, porque o reverendo
diante, Qara o ·su l, filas interrompidas de casãs Walsh descreve, então, a cidade, contendo noventa
ocupava m as duas enseadis em meio círculo, a do ruas, onze largos, duas praças, onze travess as, trin -
Catete e a de Botafogo, e casas isoladas aparec iam ta e cinco becos, onze pra ias e uma só ladeira .
-espa lhadas nos itor esêos vales vizinhos proceden -
tesd o Corcovado entre os qua is o mais ap razível
era o de Laraojeira i .- Ã " I Ín9.!:J.ª-
:S-ºJ~~ : arqu.ite .,_ A Cidade, da Independência
t!JU)-.1.?aflu,çg_d13produto _!_ga indt'.!.stria de tQdas as a Meados do Século XIX
__partes do mundo" . . . lhe ~~ ... "f eição ehlro-
pé ia". Maria Graha m confirma: "cidade mais eu - No conjunto , dominava a mata opulenta, que, dos
ropéia do que Bahia ou Pernambuco" . E se as morros, descia até dentro da cidade, com árvores
const ruçõ es na opi nião dos dois cientist as citados, imensas .
eram de "feição mesquinha e semelhant e à da
parte velha de Lisboa" e o Paço, não condizente O Campo de Santana que, pelas suas eno rm es
"com a grandeza do monarca de um reino tão proporções, estaria mais apropriado para receber
promissori e flo rescente", pareceu-lhes entretanto um parque do que uma praça à européia, tinha o
que a arte de construir ter-se-ía, "aqui, apr imorado chão de terra, com vegetação rasteira e as poucas
mais depressa do que em qualquer out ra parte". A casas que possuía e mais a igrejinha de Santana e,
presença da corte - são as suas palavras-, "já vai junt o de la, um chafariz-, se espelhavam, quase a
começ ando a influir favoravelmente _no _gosto ar- esmo, como aparecem numa aquarela de Ender.
q4ije t ôn ico; entre outros exemplos, a nova Casa da
Moeda (Erário Régio) e diversas casas particulares Em 1825-1827, uma Comissão de 14 membros,
no Cateie-e7vlã ta- Porcos, dao testemun ho disso ; nomeada pelo Se nado da Câmara , de que faziam
incessantem ente se exploram pedreiras de granito, parte pintores (Debret, Henrique José da Silva,
quer para calçar a cidade e tornar mais fáceis as Jos é de Cristo Moreira), escultores (J.J. Alão e
comun icações, quer para embel ezar os novos pré- Marc Ferrez) e arquitetos (Domingos Monteiro,
dios". "Em vez das antigas portas e janel as de Pedro AI exa ndre Cavroé e Grandjean de
oradas (rótu las), agõra, já se vêem por toda a parte, Montigny), fo i incumbida de pro jetar um monu-
po, ta s int eir1ças e Janelas envidraçadas, e ãfjãne las mento ao fu ndador do Império . Grandjean apre-
qu o t inha m sac adas fechadas, sombrias, à moda sentou do is projetos: um para a Praça da Constitui-
n 1lontn l, fo ram, por orde m sup erior, rasgadas em ção (atual Tiradente s), outro para o Campo de
lmlcõoft ul,ortos" . Na maioria, as ruassãõ - ca·lçadas Santana , já então crismado de Praça da Aclamação
Quatro Séculos de Arquitetura 49
(hoje Praça da República). Neste projeto (existente correr de prédios com o mesmo tratamento de
no Museu de Belas-Artes), Grandjean restringiu as fachada (ainda uma vez, influência de Paris).
dime nsões da praça, que - segundo suas palavras
escritas de próprio punho, no projeto-, no estado O Mapa de 1852 - edição Garnier - mostra a
e m que se achava, não podia, dignamente, receber ~e~ansão da cidade para as zonas sul e norte (liml--
o monumento. Sem esquecer porém, que ela tam- _t~ das pelo taman~o _go desenho). A_expansão para
bém se destinava a evoluções militares e festas o norte (Cidade Nova) foi favorec ida pela residên-
púb licas, deu-lhe 200 por 106 braças, o equiva len· _eia rea l na Quinta da Boa-Vista . - - -
te à reun ião das três maiores praças de Paris à
époc a (foi ele que o disse), dispondo, entre a nova Progressos nos Serviços Públicos
praça e a existente, em que ela se inscrevia, uma
"vasta rua" com quatro entrad as principais para a ~ rtir -~ L840 inicia-se uma fase de progressos
praça e, limitad a no perímetro interno, por um nos transp~r tes . Uma companhia d~ ônibüs -.:...
- pesa-
correr de edifícios, de 15 braças de profundidade, do s cJ oçoes puxados por muares :-que partiam do
circundados, do lado da praça, por pórticos, dest i- Largo de S. Francisco de Paula para os arrabaldes
nados a passeio do povo e ao comérc io. No que - começa a funcionar (1840-44). Em 1844, faz-se
tan ge a esses pórticos, acreditamos que o projeto um primeiro ensaio de navegação costeira entre a
ten ha se inspirado no que, nessa mesma ocasião corte e o Porto da Estrela. Paquetes a vapor come-
(182 5), Percier fizera para a Rua de Rivoli em çam a circular entre o Rio e a França (1843) e a
Paris - embora, o deste último, tivesse, por cima Inglaterra (1851'). Inicia-se o serviço telegráfico
das arcadas, três pavimentos e trapeira, e o de Morse (1852). Por iniciativa de Mariano Procópio.
Grandjean, só dois pavimentos e sem trapeira. Ain- o engenheiro Antonio Maria Oliveira de Bulhões
da que não o tenha, expressamente dito, é eviden- constrói, entre Petrópolis e Juiz de Fora (iniciada
te ter sido intenção de Grandjean, cr iar, para a em 1852, inaugurada em 1861 }, uma magnífica
mode sta cidadezinha, um centro, modelarmente estrada: a União e Indúst ria, que tem o leito abau-
concebido, a par tir do qual, seria feita a remodela - lado e inc lui suntuosas obras de arte (pontes de
ção de toda a área urbana, em moldes modernos, e, ferro , muros de arrimo, etc .). Era servida por dili-
abso lutamente revoluc ioná rios, porque, únicos no gências, providas de portas e janelas e assentos
Brasil. Os acontecimentos políticos, de abr il de internos e externos e puxadas por duas parelhas de
183 1, os anos agitados que seguira m, na meno rida- cavalos que se trocavam em pontos certos (mudas):
de do Segundo Imperador e a incompreensão do onde havia restaurantes, uma das quais (em Parai-
meio acanhado, impediram que passassem do pape l buna) , com curiosa aplicação de técnica de carpin-
esse e outros projetos urbanísticos do mestre fra n- taria suíço-alemã, ainda existe, tomb ada pela
cês, qua is o de arborização de praças e ruas o de DPHAN. Transfere-se para S. Cristóvão, o Mata-
recuo progressivo dos prédios para a largame nto douro que empestava a Praia de Santa Luzia
delas; o da abertura de uma grande avenida, ligan- (1853) (o qual, em 1876, é removido para Santa
qo a Quinta da Boa Vista ao Aterrado do Mangue; Cruz). A partir de 1854, por obra de Mauá , vão
o alargamento da Rua Estreita de S. Joaquim, que sendo substituídos os lampiões de azeite por Iam-
preten deu levar até o mar . Todos esses projetos .piões de gás; primeiro, nas ruas !)ireita, Ouvidor,
acabariam por ser seguidos na República, inclu sive Rosário, Hospício, Alfândega, Sabão, S. Pedro, es-
os dois últimos, estes com traçado s diferentes, tendendo-se, em 1862, a outras ruas . Também em
ombora, visando aos mesmo s objetivos. Só foram 1854, inaugura-se - ainda, devido a Mauá - nossa
executados: a abertura da Rua Imperatriz Leopo l- primeira Estrada de Ferro (do Porto da Estrela à
dina, traçada perpendicularmente à Praça da Cons- Raiz da Serra) . Em 1858 ficam prontos os 49
tit uição e terminando numa graciosa pracinha-, primeiros quilômetros da Estrada de Ferro Pe-
uma e outra, destinadas ã valorizaç ão do edifício dro li (Centra l). lnaugura-~e a H Exposição Nacio -
da Academia de Belas-Artes e à regularização do nal Agro-Industrial (1861 ). Barcas Ferry começam
Antigo Largo do Valongo (hoje Praça Municipal), a navegar entre o Rio e Niterói (1862). Nesse
com a construção numa das suas faces , de um mesmo ano, a companhia inglesa City Improve-
50 Paulo F. Santos

ments, inic ia o servico de esgotos na cidade. Esta- Drumond, de cuja atividade iria surgir o bai rro de
belece-se o telégrafo transatlântico (1874) ~ O surto Vila Isabel, com o seu grande boulevard (designa-
industrial toma grande incremento , invadindo , in- ção inspirada nos que Haussman acabara de abrir
clusive, os engenhos de açúcar da Baixada e as em Paris) - , e a de Alexand re Wagner, que teve a
fazendas de café do Vale do Paraíba. audácia de fazer um plano para a zona de Copac -
abana, até onde ninguém imag inava que a cidade
pudesse expandir-se, várias das ruas de hoje nesse
Desenvolvimento da Cidade na bairro já provindo dessa ocasião. Na mesma década
Segunda Metade do Século XI X cogitou -se do arrasamento dos morros do Castelo e
Santo Antonio, motivo de uma concessão ao Co-
Na segunda metade do século XI X, tomaram-se mendador Joaquim Antonio Fernandes (1873).
-_medidas objetivas de traçad~ dos logra_stouros, me-
lhoria do tráfego, posturas , visando à higiene públi· Com Augusto Francisco Maria Glaziou, em 1860,
ca e à estética urbana, etc. - Rasgou-se o Canal do Francisco José Fialho contratou, por iniciativ a do
- Mangue parã dêssecã mento de pântanos, rápido Ministro Angelo Muniz da S ilva Ferraz, a reforma
escoamento de águas pluviais e embelezamento da do Passeio Púb lico que foi iniciada, logo no ano
vasta zona, por ele abrangida - objetivos que, de segl,\inte, e de que resultou, em janeiro de 1868,
começo, não foram plenamente atingidos porque fosse o mesmo arquiteto paisagista, nomeado Dire-
três lustros depo is (1875), o canal continuava obs- tor de Parques e Jard ins da Casa Imperial. A e le,
truído . Concedeu-·se uma avenida (projeto Antoni o coube realizar o projeto e execução (nesta, saben-
Rebouças), que, partindo da Praça Pedro li (Praça do-se por Guilherme Auler que, em certa ocas ião,
XV) e acompanhando o contorno da baía, deveria teria tido, sob suas ordens, 200 t rabalhadores e,
segu ir até Botafogo, da qual se admitiu, pudesse por auxiliares, dois fe itores fra nceses. Casemiro
ser prolongada até à Praia Vermelhil. Outra avenida Larnotte e Augusto Mallernont), dos Parques do
chega a ter pr incípio de execução em Vila Isabel, e Paco de S. Cristóvão (Quin t a da Boa Vista) e do
o projeto de mais outra, com dez quilômetros de La~go de Santana (Praça da Repúb lica) que pe la
extensão, a partir da Praia dos Mineiros até o valorização pa isagíst ica que conferiram à cidade, se
Andara í Grande, é exposto, em 1874, por Augusto
constituíram em dois po ntos altos da hist ór ia da
Glaziou, na ,Praça do Comércio. Com a ajuda de arquitetura do período, cuja sign ificação, como
Machado Coe lho e do Barão da Estrela, Andlré expressão erudita de Romantismo, analisamos nou -
Rebouças constrói as Docas da Alfândega e de tro lugar.
Pedro li.
A década foi assinalada pela construção de escolas, .
Particular imQortância teve a década 1870-1880 , ·hospitais e nova -sede para a- muni c ipalidad~~P..9..!:_
na pr imeira metade da qual foi Ministr Õ dÕ Impé- ter dado solucão ao momentoso problema de dis-
rio (cârgÕ que abrangia, àque le te mpo-:- funções tribuição de água a domi êTli~ fõT,quan o apar e·
equ ivalentes às de Prefeito, na República), ~i ng u-1
ceram os art ígos do engenheiro Vieira Souto no
lar figura de estad ista de João Alfredo, entre cuj_2s_
Jornal do Comércio, reunidos, depo is, em livro de
méritos sobreleva o de ter nomeado uma comissão anális e e acerbas críticas do pla no urbaníst ico at rás
para e~ug_ar:..J2_s melh ~ra l',illL - à
ntos d~ gue _car:_ecia
refer ido, muitas das quais improced ent es como a
cidade ., constitu ída pelos engenheiros Pereira Pas- de considerar, economica mente, um exage ro a
sos, Moraes Jard im e Ramos da Silva, que elaborou abertura de 17 novas avenidas, a lgumas com 40 m
uma planté!_de grande formato, feita em duas et a- de largura e a extensão globa l de 16 km (hoje
pas, cada qu.al acompanhada de um relatq rio. lamentamos, não tenham sido constru ídas) e o
emprego de numerosas praças c irculares (rond-
Em parte, como conseqüência da confiança que o points ) - no entanto, tão práticas, como, até ho je,
Min istro inspirava, fundaram-se empr~as cgnstr JJ:_ se pode consta t ar na Europa-, crít icas q ue, ta l-
~~< gue se empenharam na arrematacão de terras vez, tivessem ger'ado co mplexos em Passos, por q ue
e aberturas de ruas - quais a do Barão de ele lhes restringiu o emprego no seu plano para o
Quatro Séculos de Arquitetura 61
Rio rep ublicano. Outras sugestões foram construti- sem luz, úmida e doentia". As filas desses tugúrios,
vas, como a dos recuos obrigatórios dos prédios (já eram simples ou duplas e, na rua do centro ou do
feita por Grandjean, como vimos), que, no futuro, lado, ficavam a fonte, o tanque e a latrina comuns.
se incorporaria à legislação municipa l e const itui Em 1869, havia, oficialmente, 642 estalagens, que
hoje - já o previra Vieira Souto - o meio mais representavam 3% dos prédios da cidade e 10% da
seguro e econômico de promover o alargamento sua população - elevando -se, em 1888, para 4% e
dos logradouros; e, principalmente, a da abertura 12%, respect ivament e. Porque a população escrava
dP. três avenidas (em lugar das sete previstas pela vivia nas casas dos senhores - em senzala3 ou
comissão), uma, partindo do Campo da Aclamação quartos dos negros ao passo que a assalariada
"e ntre as ruas do Sabão (General Câmara) e S. Pe- lutava pela própria subsistência e ém condições
dro da Cidade Nova", indo ter a Andara í (traçado advers,S, e.arque, tendo como concorren te ,~ es-
mais ou menos coinc ident e com o da Presidente cravo que podia ser alugado pelos senhores a preço
Vargas) outra, à beira-mar, a do plano Rebouças vil. Como a estalagem era uma chaga, os que, nela,
(que seria adotada por Passos, no Governo Rodri- investiam capitais, tinham o cuidado de dissimu-
gues Alves) e, finalmente, uma terceira "devia ser lar-lhe a entrada, encobrindo-a com uma venda,
dirigida pelos terrenos vagos resultantes do arrasa- uma casa particular ou um hotel à frente (Azevedo
ment o dos mor ros do Castelo e Santo Antonio" Pimentel, Estudo sobre a Higiene do Rio de Ja-
(aprox imad amente, as atuais Almirante Barroso e nefro, 1890).
Chile). Foi, part icularmen te, incisiva a crítica de
Vieira Sout o a não ter a comissão adotado a Aveni· De permeio com a população margina lizada das.
da Beira-Mar do proje to Rebouças "somente, por· ..§.tala_ge_me-9~ não usufruía dos benefícios do
que a realização desse projeto exige a construção progre sso, tomava corpo a classe média, a qua l, no
de alguns cais como se estes não fossem indispen· século segufnt e, iria conquistar o bastão de coman-
sáveis às praias de D. Manuel, Santa Luzia, Flamen- do da sociedade. Ela, já naquela época, demandava
go e outras, seja ou não aberta aquela avenida que, os arrabaldes onde, em suas casas, que atendiam
ao
aos nossos adversários (a comissão), parece inútil, programa tradicional com uma
parte para receber,
não obstante serem os bairros de Botafogo e Jar- outra para viver, uma terceira
de serviço e as de·
dim Bot ânico os preferidos para passeio e não pendências dos negros no quinta
l ou no porão - a
terem, apesar de populosos, outra comunicação par disso - é o mesmo higienista quem o diz-,
com o rest o da cidade, senão, pelo intermédio das '':,havia sempre um jardim, majestoso
ou modesto,
duas vielas, denominadas Rua da Lapa e cais novo ~m quintal asseado e um porão
a afasta r da casa, a
da Glória". Tudo isso revela visão de urban ista, umidade do chão".
que coloca Vieira Souto na altitude do seu eminen-
te conte ndor (Pereira Passos).
A Arquitetura
A popu lação da cidade - deixados de lado os
censos de 1849 (exagerado) e 1856 (incompl e- O Neoclassic
ismo
to)-, cresceu, no decorrer do século, de 112 mil
habitan tes em 1821, para 137 mil em 1838; 235 ~eoclassicismo predominou na arquitetu~ do_
mil em 1870; 621 mil em 1906. Rio de Janeiro da segunda década até o _te r_ceiro
qua rtel do século XI X e foi, _por excelência, ç_
Esse aumento de popu lação, como assim, a supres- estilo do período Imper ial. Refletiu, aqui, uma
são ou diminuição do tráfico africano a Qarti r êl.ê tendência comum a todo o Ocidente em fins do
1851, e a imi~ração dos trabalhadores livres p_ara as século XVIli e princípios do XI, de retornQ....às
co lônias rurais (desde a década de 40), muitos dos for mas da antigüida~clássica greco-romana, ten-
quais se bandeavam para as cidades , tiveram eomo dência cujas origens recuam até às escavações de
contrapa rtida, a Qrolíferacão dos cortiços ou esti- Hercu lanu m ( 1738), e Pompéia (1748) e às pub li-
lugens, na maioria das uais "tudo se reduzia ao cações do Museum Etruscum, de Gori (1737).
quarto de porta e jª-nelé!_ea uma recâmara~em ar, Ruínas dos mais belos monumentos da Grécia, de
52 Pau lo F. Santos

David le Roy (1758), Antigüidades atenienses, de cedentes do arquiteto que maior importância teve
Stuart e Rewett {1736-1816), História da Arte na sua implantação aqu i - Grandjea n de
entre os Antigos, de Wincke lmann (1764), gravu ras _Montig.D_Y - , verdadeiro chefe de escola cuja atua -
de Piranesi (1720-1778) e às invest igações arqueo- ção começou em 1816, com a chegada da missão
lógicas de Souff lot e Coc hin em Poestum (1750), Lebreton de que ele fazia parte e se estendeu até a
Robert Adam (1757) e Clérissau (1778) em sua morte, em 1850, ocorrida no Rio de Janeiro ,
Spalato, etc. - traba lhos que revelaram em todo o de que jamais se afastou, Aluno d e Percier na
seu esplendor as ruínas de uma antigüidade, supe- Escola de Belas-Artes de Paris, Grandjean entre-
riormente bela, e, quase, completamente desconhe - gou-se, na Itália, primeiro com seu colega de pre-
cida. miação Famin, depois, sozinho, a levantamentos
reu nidos em livro, de obras de Benedeto da Maiano,
Em Portugal, já se entrevia na reconstrução pom- Micheloso, Antonio da San Galo, Michelangelo,
balina de Lisboa , depois do terremoto de 1755, e Palladio e muitos outro _s grandes arquite t os da
se af irmaria em do is monumentos: o Teatro S . Car- . Renascenc_a ..,_de_cuja influêncla se deixou imp_!:_eg:
los (1792) e o Palácio da Ajuda (1802). No Brasil, nar e t ranspa rece em muitas das obras que realizou
conjugado ao Rococó, se insinua ra, desde antes do n_o Rio de Jane iro, ~rinc ipa lme n1ê ;-no projeto para
.último quart~I do séc~çi )iVl !1. Ex.: pro jeto de a Academia de Belas-Artes, o qual, na versão, orig i-
Antonio José Landi para a fachada posterior do na.!mente cons t ruída, revela, pe lo apuro de propor-
Palácio do Grão Pará (1767) que inclu ía, no segun - ção e elegância requintada de linhas, inequívoco
do pavimento, uma !oggia com o motivo de Palladio parentesco com a arqu itetura de Andréa Patladio
(arcadas separadas por colunetas geminadas) e na Vila Rotonda. É ig~alme nte, -reconhecíve l ,e m
fron tão triangu lar ao centro; pro jeto do Sargento - Grandjean, a influência da arquitetura francesa da
mor, arquiteto Cosme Damião da Cunha Fidié sua época, em part icular a de seu mestre Percier,
(1811), para o edifício da Praça do Comércio na um dos criadores do estilo Império (na técnica de
Bahia (Associação Comercial) de linhas classicizan- execução dos desenhos a bico de pena e até na
tes de inf luência inglesa - vagas, mas ainda assim, composição).
reconhecíveis infl'uências dos Adams-, e portada
Rococó. No Rio de Janeiro, anunciara -se,_ i,gual- Ainda que predominassem, nos seus trabalho s, as
mente , desde o últ imo guarte l do séc~ lo ~Y.!J.L:: influências das formas da Renascença e da arquite -
menos pe lo vocabu lário estilís t ico do que pelo tura francesa de princ ípios do século X IX, no
sentido, - já o seu tanto academizante da composi- ensino Grandjean não dispensav a o recuo at é a
çjo. Ex-:: planta da Igreja de S. Francisco de Paula; antigüidade clássica greco-romana, que servia de
fachada da Igreja da Cande lária. tema aos seus trabalhos escolar es e aos seus
alunos.
Na Europa , alguns de seus mais expressivos monu - Como teor ia estética , o Neoclassicismo d ifundiu,
mentos tiveram as raízes mergu lhadas, diretamen - em tódo o Ocidente, o retorno às formas est áticãs,
te, na arquitetura de ant igüidade clássica greco-ro - de tratamento linea r e, em- supe rflcie, da Renas-
mana, como ,por exemplo: na França, a Igreja de cença entre as qua is tinham se insinuado, nos dois
Santa Genoveva, hoje Pantheon (de Soufflot e séculos anteriores, as dinâmicas de tratamento
Rondelet), os Arcos de Triunfo de l'Éto ile (de pictórico e, em profundidade, do Barroco, A exu -
Chalgrin) e do Carrousse l (de Percier e Fontaine), a - berância decorativa e a libe rdade de expressao ce-
Bolsa (de Brogniart), a Câmara dos Deputados (de deram lugar à simplicidade de formas , à sobr iedad e
Poyet ), o templo à glória da Grand' Armée, depois ~os~o ~ à cont~nção e respe ito disciplinado
La Madeleine (de Vignon); na Alemanha, a Porta pelos cânones e gramáticas - gue se traqu ~irarri
de Brandenburgo (de Langhans), a Glipoteca de num _freiq, à imaginaçã.o çriadora ,
Munich (de Glenze) etc. -..J!Q.P.ª sso gu e, no Brasil,
as raízes ..9
0 Neocl_~ssicismo, ,__@,@mente, recu aram_ Pª rn_Jt vida P._olítica e soci_al, rep re_sentou l,!m-ª-fea-
aquém da Renascença. A ex plicação est~ _nos ant ~ . çãQ co ntra o Abso lutismo que, geça P.Pr geçª-,
Quatro Séculos de Arquitetura 53
vinha sendo desmontado no decorrer do sécu lo substi t uídos por delgadas chapas ou vergaihões d e\
XVfl I em fãvor de idéias democráticas que a Revo- seção quadradas que, pelos traçados caprichosos,
lução Francesa e a indepen dên cia- dasoo ló'nias se aproximam mais do Romantismo do que do
amêr.ic~nas puseram na ordem do dia. - --- Neoclassicismo. Nos cantos, inserem-se abacaxis e,
principalmente, pinhas, estas de overlay cor branca
0 Neoclassicismo desenvolveu-se paralelamente a leitosa, combinada com cristal vermelho, azul, ver-'
outra Revolução, a Industrial que, à técnica artesa- de ou amarelo. As folhas das portas abrem à fran-
nal, sobrepôs a mecânica de gré-fabr icação e ao cesa, para o interior: de vidro com bandeiras, as
trabalho por unidades, o traba lho em série - pr in- externas; de almofadas , as internas. Estas são es-
cípios que fo ram ganhando terreno no século XIX treitas e encartam, nas paredes, formando aduelas
e haver iam de prevalecer no século XX, modifican- para os vãos. Os vidros, nas casas patrícias, costu-
do, radicalmente os rumos da arquitetura. mam ser de cristal Saint-Gobain, apresentando de-
senhos de ramicelos, com ramagens à Renascença
que condizem com os das mangas dos lustres, aran-
Características delas e cast iça is de cristal e, nas bandeiras, um
do Neoclassicismo único vidro, desenvo lvido em volta de um pequeno
círculo de madeira; outras vezes, vários vidros,
O Neoclassicismo difunde, seja nas compos 1çoes divid idos por pinázios sinuosos. Às vezes, a bande i-
espaciais, seja nas decorativas, elementos caracte- ra superior é mais alta do que a inferior. Os pés
r ísticos ordonâncias clássicas, com o emprego de direitos vão crescendo, o que favorece a monumen-
or dens supêrps,s tas, ~redominandÕ no p avÍmentÔ tal idade dos ed ifícios . Aparecem vestíbulos com 1
té rreo a toscaiia.1 ou a dórica e, no superior, -~ nichos nas paredes - às vezes, de canto -, e está- (
jônica ou a coríntia, geralmente, sob a forma de tuas de mármore. As escadas externas são extensas
pilastr as, porque as co luna.tas - tão comuns na e imponentes, de cantaria (granito ou gneiss) , asso- 1
arqu itetura européia-, aq ui são quase, só limita- ciadas a pórticos de colunas soltas, do mesmo
das aos pórticos . Desaparecem os beirais de telhas material. As internas - que são de madeira, már-
à vi~t9. ....Q
~..!.fil11ª.ç!ÕSSãÕ
encobertõspo r plâ tíba ii"das more ou também de canta ria-; ao invés de fica -
- de almofadas ou balaústres inter calados de esti- rem metidas entre duas paredes, como no período
lóbat as gy~ sustentam estátuas ouvasÕs ge márm o- colon ial, aprese ntam, a princípio, o lanço central
re ou de louca . Nos entabla rn'ill!Q§, _aparecern mo - tangenciando "dois outros", dispostos em sentido
dilhões,. misulas, dentículos. óvulos. Np~_r~ sti- contrário; depois, vão se soltando entre si, com
mentos das paredes externas , em lugar da massa de corrimãos livres-, contando elas próprias como
cal, é comum a cantaria aparelhada, com bossa - elementos da decoração . Usam-se pisos de mármo-
gens, acentuando . os corpÕsce ntra is, os c~nhais e re coloridos (Lioz, Ext remoz, Rosa S. Miguel, Car-
o utras partes da composição. Com menos freqüên - rara, Belga). São ainda comuns os tabuões - geral-
cia, usa-se também o mármore. O frontão triangu- mente de canela preta - que, agora, se arrematam
lar é uma das notas mais característ icas, tanto da com rodapés de grande altura. Mas nos salões de
arquh etura relÍgiosa, como da c ivil - , nesta, até luxo, aparecem parquets de duas ou mais madeiras,
em prédios de exígua testada . Nos t ímpanos e n-as- formando desenhos que lembram os que no sécu lo
impostas dos arcos, inscrevem-se baixos-r êlevos , re"":""anterior se fizerarr. (com madeiras do Brasil), no
presentando dragões, motivos alegóricos e mitoló- Palácio de Queluz . Nos tetos, continuam a usar-se
gicos e figuras da antigülCJade clássica. O mater ial os frisos largos de saia e camisa, com cornijas e
é, às vezes, a cerâmica. A verga do arco abatido, abas, contornando os compar t imentos. Mas apare-
substhui o arco pleno-, ora em todos os ãvimen- cem também os frisos radiais, formando leque de
to s, ora alternado com a verga reta; mas, mantêm - rico efeito ornamental. E, também, os tetos de
se em volta, as cercaduras de cantaria lavrada, e ao est uque, às vezes, com apaõnelados em que se ins-
oito, as sobrevergas de massa. Nas g~ades_dQSguar - creve m baixos-rel evos com mot ivos fitomor fo s e
cla-corpos das sacadas, os pesados vergalhões de figurados . E as abóbadas que, na arquitetura civil,
svção circular, - decorados cõ m discos e cones, são - foram, ainda assim, raras. São freqüentes as clara-
54 Paulo F. Santos

bóias. Como acabamento das partes de madeira sido aluno de Percier na Escola de Belas Artes de
usa-se a pintura a óleo e, nas folhas internas, passa Paris, o ter alcançado, na mesma Escola, o 29
( a ser freqüente o verniz. Nas paredes é comum a Grand Prix de Rome (num prédio de cuja comissão
, pintura a óleo, formando desenhos geométricos ou examinadora tomaram parte Percier e Nicolau
cenográficos, à trompe-l'oei/. São também comuns Taunay) . Logo em seguida, funda o Conde da
os papéis acetinados. Nas plantas, acentua-se a Barca a Escola Real das Artes e incumbe
simetria, que, em certos casos, assume caráter con· Grandjean de elabo rar o respectivo projeto . Este o
vencional, dada a repetição de um e outro lado do fez com um extenso corpo central de três pavimen-
eixo da composição, de formas incomuns (como as tos e dois laterais (de três e dois pavimentos) e um
el íticas, por exemplo). Com o mesmo caráter, apa- pequeno pórt ico, ao centro, projeto, depois, por
recem, uma ou outra vez, galerias circulares. economia, reduzido para um único pavimento mas
com um pórtico muito maior e mais rico que foi o
executado . Compreendia: um portão em arco, en·
As Edificações cimado de baixos-relevos com enquadramento de
do Neoclassicismo colunas , ladeadas de maciços de cantaria com bos-
sagens e, ao alto , um templo da Ordem Jônica,
De 1810 a 1830. O Real Teatro S.João, que com colunas de granito e bases e capitéis de bron-
Adrien Balbi diz ter sido projetado pelo Marechal ze; balaustres entre os estilóbatas, também de
de Campo Manoel da Silva, tinha, na fachada, bronze; de cada lado, sobre socos de gra nito, está-
ordonâncias apilastradas, arrematadas ao alto com tuas de Apolo e Minerva - conjunto tratado com
um frontão que se prolongava em telhados latera is uma elegância de linhas que lembra Andréa Palla-
e, ao centro, um pórtico saliente , com três arcos de dio, na Vila Rotonda. No inter ior: piso de mármo -
pedra aparelhada. Esse partido era semelhante ao re de quatro colunas da Ordem Dórica romana. O
adotado no Teatro S. Carlos de Lisboa, por José da edifício que recebeu sucessivas reformas (minucio-
Costa e Silva arquiteto que pode ter interferido na samente, descritas numa monografia pelo prof. Al-
traça do teatro carioca. De fato: ainda que, em fredo Galvão), foi demolido em 1938, tendo a
outubro de 1811, já se instituíssem loterias para DPHAN salvo o pórtico, que recon stru iu no Jar-
"ajuda das obras" (Marrocos), a inauguração só se dim Botânico e Gustavo Barroso, o portão de ferro
fez em outu11'ro de 1813 e o arquiteto , em agosto que instalou na ala sul do Museu Histórico Na-
de 1812, já era, aqui, admitido na Casa das Obras cional.
(Auler), não sendo de excluir, tivesse chegado bem
antes, de vez que a burocracia das nomeações O inventário das obras de Grandjean foi feito num
daqueles tempos, não era menos emperrada do que trabalho, até hoje, o mais completo sobre o grande
a dos nossos dias . arquiteto, pelo prof. A, Morales de los Rios Filho
que, nele, reuniu, ao material coletado por Moreira
Em 1816, o Neoclassicismo marcou mais um tento de Azevedo , Araujo Viana e outros, a documenta -
com a construção no Paço de S. Cristóvão, do ção que encontrou no Arquivo da Escola de Belas
portão presenteado ao Príncipe Regente pelo Du- Artes e alhures e que, agora, vai sendo completada
que de Northumberland réplica do que foi proje- pelo prof . A. Galvão.
tado, em 1769, por Robert Adam para o Sion
House de Londres e, a nosso ver, uma das obras Grandjean projetou, na década 1810 -1820: as de-
mais requintadas desse grande arquiteto . Foi ergui- corações festivas (entre as quais um arco de triunfo
do ao lado do que fizera Domingos Monteiro, alegórico) erigidas na· Rua Direita, quando da che-
ficando a Quinta com a incongruência de ter por - gada da Princesa Leopoldina (1817); para a, Acla·
tões, assim dispostos de estilos diferentes. mação de D. João VI (1818), na Praça do Carmo,
frente ao antigo convento desse nome um arco de
Em abril do mesmo ano 1816, chegou Grandjean triunfo, um templo à Minerva e um obelisco (reali·
de Montigny - outro mestre do Neoclassicismo - , zados com a colaboração de Debret e Auguste
arquiteto que tra zia, como credencial, além de ter Taunay), e, fazendo conjunto com a varanda da
Quatro Séculos de Arqultetu ra 55
Aclamação, projetada por João da Silva Moniz; Na dfu::ada1820-1830, disti ~guiu-se,.J}_aarguitetur !
para o casamento de D. Pedro com D. Leopoldina , _ da cidade, 2. arquite to Pedro José Pézérat, contra-
um estádio elítico no Campo de Santana, com _ 1adQ__RorPedro I como se~ arquitetoNparticular.
colunatas em torno e, nas extremidades, um arco Além das obras no Páço de S. Cristóvao e na Fa-
do t riunfo e a Tribuna Real -, no qual se realiza- zenda de Santa Cruz e do projeto (não executado}
1 am cavalhadas, touradas, jogos e danças. Fez
ain- de um palácio para o Imperador em Petrópolis -
tia: a casa do Brigadeiro Oliveira Barbosa, à Rua do todos, já atrás referidos e o da Academia Militar,
PAsseio (que Vale Cabral diz ter sido construída têm-se atribuído a Pézérat, o da casa da Marquesa
um 1818) e que, com seu hemicíclo aos fundos, os de Santos, na atual Avenida Pedro li, a qua l, com
dois halls perfeitamen te simétricos, arrematados suas vergas em arco abatido, à maneira colonial,
um semicírculo, dá bem a idéia do rumo academi- parece ter sido construção de fins do século XVIII
,unte da arqu itet ura Neoclássica da época; ~ ou princípios do século XIX. Adquirida em 1824
meira Pra_çado Comércio (mi_cJada ...tun-1..819),
cujo pelo monarca para D. Domitila, recebe u, de 1824 a
projeto, ainda, existe no Museu de Belas-Artes e 1827, uma bem concebida reforma que fez dela
pode ser confrontado com o edifício, tam bém uma casa patrícia à altura da favorita de um Impe·
uxistente, tombado pela DPHAN, no qual sobressai radar: no exterior, delicadas ordonâncias de pilas·
u salão i:>rincQal,
i tratado com colunas dóricas r,o- tras jônicas; frontG es, tanto na fachada principal,
rnanas quet na admirável perspectiva de Grandjean, como nas laterais com agradável balanço de valo-
,1ssume uma monumentalidade que sugere as Ter- res; tímpanos e frisos ricamente estucados (que
mas de Caracala. podem ter sido da reforma de meados do século).
No interior, a inclusão de um compartimento ova·
. lado, aos fundos com janelas em arco pleno e,
tendo por fora, escadas curvas e bem lançadas,
f'ri mitiva Câmarado Comércio - RJ. Projeto de deu-lhe a nota inequívo ca da ascendência francesa
C,rsndjean de Mondgny. Prin cíp io do século XIX.
provinciana do século XIX; vestíbulo com o piso
de pequenas peças de mármore branco e preto,
tendo ao fundo três arcadas, situadas em nível

Fsch ads da casa da Marquesa de Santos - RJ. Projeto


de Pedro José Pézérat
56 Paulo F. Santos

mais alto, que comunicam com a altíssima caixa da Da Academia Militar {hoje Escola de Engenharia , e
escada, prov ida de iluminação zen ita l e r ica decora- aumentad a e deturpada), se sabe ter começado a
ção nas partes altas; a escada no segundo pav imen - funcionar na Casa do Trem, transfe ri ndo-se, a se-
ia da Sé, no Largo de S. Franc is-
to é envolvida de varandas e galer ias, mas no pri- guir, para a sacris t
mei ro pavimento, ainda, não se desprende das pa- co de Paula. "Os corredores e as tribunas . .. se
uma galer ia divid ida em salas de
redes de alvenaria que a delimitam (como no Palá- aproveitaram para
cio dos Vice-Reis); na galeria posterior da escada, au la" (Oebret). Só em 1826, fez-se, para ela, "pro-
inscrevem-se envasad uras elançadas, com elegante jeto novo", obra do "senhor Pézérat, art ista fran -
carpintaria que, também aparece nas janelas da cês, aluno da Esco la Real de Arquitetura de Paris e
frente, de gira r, ã francesa {e não de guilhotinas da Esco la Politécnica. Esse jove m e inteligente
como nas pa rt es ant igas da casa) e com as fo lhas artista, era, no Rio de Janeiro, arqu iteto part icular
fachada, construída de
internas de encarta r dos lados, fo rm ando as adue - de S.M. o Imperador. A
acordo com a nova planta, já se achava pron t a mas
las das paredes; os tetos dos salões da ala esquerda
decorado s os trabalhos foram interromp idos, em 1831, em
do segundo pavimento são ricamente,
conseqüênc ia dos acon te cimentos políticos"
com estuques figurativos qu e, sem comprovação, lito-
(Oebret). Essa fachada foi represent ada numa
se tem atribuído a Marc Ferrez; nas paredes, pintu-
grafia de Berchtigen, de 1846 : tinha enquadra men-
ras com painéis à maneira da Renascença, figuras
de Francisco Pedro do Amaral, de fraca qualidade to de pi lastras toscanas; port a-sac adas de verga reta
de arcadas,
e magníficas naturezas mortas - vasos com dei ica- nos corpos laterais; ao centro, pórtico
encimado de po rta -sacadas de arco p len o e fron-
das flo res , adequados ao destino da casa; o quarto
é tão, singeleza e sobriedad e de linhas .
da favorita, qu e fa zia frente para o Paço Imperial
todo decorado com de licadas pinturas, sancas e
entab lamentos; pisos de frisos de um palmo, com Em 1824, foi nomeado Arquiteto do Senado da
os centros (inclusive nas galeria s), valorizados com Câmara, o português, f ilho de francês, Pedro Ale·
ão, exerceu as
riquíssimos embutidos de madeira escura, com ra- xandre Cavroé que, nessa qualificaç
fu nçõ es de fiscal das obras da Academi a de Belas
magens de vistoso efeito .
Artes, e, em 1825, a de arquiteto da Capela Real.
Esta ficou insta lada na antiga Igreja do Convento
do Carmo, para onde foi transferido em 1808, da
Igreja do Rosário, o cabido da Cat edral. Na refor-
ma que realizou, Cravoé d ispôs tribunas especiais,
na cap ela- mor para a Fam ília Real, corpo diplomá -
Fundos da casa da Marquesa de Santos - RJ. Projeto
tico, ministros etc. e na nave, para as damas da
de Pedro José Pdzérar cor te e mais pessoas gradas. A superfície das pare-
des, cape las laterais e abóbadas, enr iquec idas com
a ta lha set ece ntis ta de Inác io Ferreira Pinto, rece-
beram os acrescentamentos próprios às novas fun-
ções que a igreja ia exercer, inclus ive pinturas de
José Leand ro de Carvalho (na abóbada). Ali se
recitavam, dia riam ente, as "horas canôn icas"; do
seu púl pito, ouvia-se a palavra inflamada de Mon-
ta lverne; e, do seu coro e antecoro, que abrigavam
uma orquestra de muitos figurante s, reboavam,
pela nave, as me lodias do rein o l Marcos Portugal e
do m estiço brasileiro Padre José Maurício, aos
qua is o pe ndor musical do monarca confer ia pr ivi-
légio de concertistas sacros. Servia ainda a capela
de palco a grandes festividades, completadas com
proc issões que eram de uma pompa e magn if icên·
Quatro Séculos de Arquitetura 57
eia nunca vistas nesta cidade - relata o Padre José família r!:!inante, como por exemplo, em 1829, a
Gonçalves dos Santos, contemporâneo dos aconte- chegada da Imperatriz D. Amélia de Leuchtem -
cimentos-, "não só pela riqueza dos paramentos, berg, que propiciou a ereção de dois te mplos : um
mas também pelo grande número de cavaleiros, ao Amor, outro ao Himeneu - obra de Grandjean
comendadores e grão-cruzes das três ordens milita- de Montigny.
res do Reino de Portugal . .. com os seus respecti- É anterior a 1831, a casa de residência do mesmo
vos mantos e insígnias" que davam ao absolutismo Grandiean, porque foi retratada por Debret que,
monárquico agonizante (porque o espírito demo- nesse ano, deixou o Brasil. Ficava na Rua Marquês
crático do Segundo Imperador as aboliu}, um es- de S. Vicente, na Gávea, a qual sobre ter compro-
plendor que não se reeditaria no Brasil. Da facha- misso com as nossas casas de chácara .(como já
da, aproveitaram-se as partes baixas; nas partes dissemos), apresenta, il;!ualmente, inequívoca as-
altas, Cavroé introduziu um terceiro corpo; que cendência européia: por cau~a do compartimento
dispôs mais estreito, ladeado de volutas, com arre- circular que lhe marca o eixo aos fundos_, prov ido
mates em frontão, interrom pido na base para inser- -..d.Lgraciosa entradinha, delimitada por pilastras,
cão de um nicho e as pilastras que, no primitivo encimadas de um minúsculo frontão e pelas telhas
projeto, se destinavam às torres, foram incorpora- de cariai, que, inicialmente, eram de delicado for-
das às ordonâncias dos dois primeiros pavimen- mato, a limitação das que o arquiteto encontrou
tos -, com cujas modificações, a solução retornou em Florença, Siena e outras cidades da Toscania,
ao partido do projeto não adotado de Vignola fabricadas, provavelmente, por ele próprio, na ola-
para o Gesú de Roma, reforçando a tendência ria que tinha próximo à casa; ao passo que as do
italianizante que já vinha se afirmando desde as Brasil, daquele tempo, eram muito largas e compri·
igrejas da Cruz dos Militares e da Candelária. das, fora de escala para os prédios de pequenas
dimensões. A casa, como aparece num croquis de
Às festividades que, de rotina, se realizavam na Debret (da coleção Castro Maia}, tinha a frente ,
Capela Real, se juntav am, com freqüência, as que vasada em colunata, à maneira brasileira, mas a que
eram motivadas por acontecimentos adstritos à chegou. até nós, tinha, dos lados, paredes cheias e
só o centro vasado o que a enquadra nos modelos
comuns da Toscania; e não fora a qualidade do
tijolo (de data posterior) , encontrado por A. da
Silva Telles, nessas paredes, na refo rma, realizada
pela DPHAN sob sua direção, dir-se-ía que o acres-
centamento dessas paredes fora do próprio
Casa de Grandjean de Montigny, na Gávea - RJ. Projeto Grandjean.
de Grandjean de Montignv. Meados do século XIX
Serão , igualmente, anteriores a 1830 - po rque,
também, citadas por Debret, duas casas, uma em
Catumbi, outra em Mata-Porcos. A de Grandjean
da Gávea, "digna rival destas duas" ... "dá, como
elas um novo cachet às casas rurais de recre io,
cha:r,adas chácaras " (palavras textuais do autor da
ViagemPitorescae Históricaao Brasil).
. A década . 1820-1830, termina com um projeto do
1
· engenheiro militar Joaquim Cândido Guillobel
para o Chafariz da Carioca que substituiu o que
vinha do século XVIII. Todo de granito maciço,
com três nichos de verga reta, separados por pilas-
tras geminadas da Ordem Toscana, não chegou a
receber a ornamentação de bronze que lhe fora
58 Paulo F. Santos

destinada e lhe teria aliviado o peso e quiçá, lhe Bertichem e Buvelot & Maureau guardaram a ima-
modificado o aspecto, demasiado severo, que con- gem); tinha um pórtico com colunas avançando
servou até os nossos dias. Guillobel, que também, sobre a rua, encimado por um terraço; platibanda
era pintor e ilustrador (fez ilustraçõe s imitadas por ao alto (só à frente porque, do lado, o beiral ficava
Ender e Debret e que são, qualitativamente, equi- à vista); linhas singelas, que traíam, a procura de
valentes às desses dois artistas), chegou ao Brasil, um rumo diferente para o Neoclass icismo. Projeto
em 1808, com o Príncipe Regente, e, embora do mercado na Praia do Peixe (1835-1841), tam·
tenha voltado a Portugal, onde ingressou na Escola bém const ruído, tinha a planta em quadra, com
de Engenharia de Lisboa, foi, depois, aqui, aluno um pátio , rodeado de arcadas e, ao centro, um
da Academia Militar (tenente de engenheiros em chafariz; na fachada, arcos plenos, guarnecidos de
1827) e da Academia de Belas-Artes, nesta, tendo granito, dos quais, só as partes altas eram utilizá-
seguido o curso de Grandjean e adotado a arquite- veis; a solução, de muita originalidade, teve-a, ain-
tura Neoclássica que difundiu em trabalhos para o da, acentuada pelas ousadas proporções do alt íssi-
Rio de Janeiro e Petrópolis. mo arco encimado por um fron tão, que lhe mar·
cava a entrada . Projeto de vários chafarizes, entre
De 1830 a 1860. No decênio, 1830· 1840, assina- os quais um, de bacia de canta ria, erguido no
lam-se num erosas obras do engenheiro Julio Frede- Rocio Pequeno (Praça XI de Junho), ainda existe
rico Koeler, relacionadas por Guilherme Aulerr no Alto da Boa Vista, para onde foi transferido no
dentre as quais, sem mencionar as cartas topográfi- presente século. Projeto de reforma do Seminário
cas, relatórios e orçamentos, se contaram : Casa de de S. Joaquim , realizada para alojar, aí , o Colégio
Câmara e Cadeia para Maricá (1835); Casa de Cor- Pedro li (1838). Projeto da Biblioteca Imperial
reção para Niterói (idem); Chafariz de S. Lourenço , (18 4 1 ), não construída; projeto do Senado lmpe·
para Niterói (idem); obras em Magé (1837); obras
em Petrópolis, inclusive para o Palácio Imperial.
Com todas essas obras e outras, principalmente, as
realizadas por engenheiros militares, as formas
Neoclássicas foram se infiltrando pelas cidades f lu- Praça do Comércio - RJ . Projeto de Grandjean de
Montigny. Princípio do século XIX
minenses, acabando por ganhar toda a provínc ia.

De parceria com Charles-Philipe Garçon Riviére,


discípulo da Escola de Belas-Artes de Paris, Koeler
projetou a Igreja de Nossa Senhora da Glória, no
Largo do Machado (1842), cuja fachada tinha as
características de um templo romano (antes de
receber a torre central que a desfigurou) e foi
concebida à imitação de La Madeleine de Vignon
em Paris. E, no mesmo ano, para a nova sede do
Museu Nacional que o Ministro Cândido José de
Araujo Viana teve a intenção de construir, colabo-
rou com Grandjean, na elaboração do respect ivo
projeto.

Mas foi este último arqu iteto que dominou o pano-


rama da arquitetura da cidade até a sua morte,
ocorrida em 1850, contando-se entre aqueles dos
seus trabalhos de que ficaram documentos (os de-
senhos, ou as obras construídas), os seguintes: o
projeto da segunda Praça do Comércio
(1834-1836), construída à Rua Direita (de que

ll
Quatro Sécu los de Arquitetura 59
rial (1848), também não construído; foi um do s estu do mais demorado do q ue o qu e, até agora,
tr a b a lhos de ma ior mon u mentalidade de tiveram.
Grandj ea n; tinha o corpo central retangu lar, nele
se engastan do, aos fundos, um hemiciclo - fo rma O novo Hospital da Santa Casa constr uí do no
tão do agrado do arquiteto (também usado na casa terreno e m que existia o cem itério da instit u ição,
da Rua do Passeio ); à frente formando corp o dis- então transferido para o Caju, foi projetado por
tinto e de escala desmes urada, f icava um imenso Domingos Mont eiro mas, a crer -se em Moreira de
salão com as extre midade s semicilíndricas do lado Azevedo , o corpo da fre nte "ter ia sido levantado ,
exte rno, valorizadas, internamente, com colunatas, segundo desenho de José Mar ia Jacinto Rabelo,
apresentan do o conj un to, trata do com a pompa que modificou, em alguns pontos, a planta primi·
pecul iar à arq u itet ura francesa do tempo da rea- t iva ". Esta obedecia a um partido, em redent es
leza, ao cent ro, um imen so trono com doce l, que laterais, comum nos hos pitai s da Euro pa (o
lembra, pela forma, os que Percier e Fontaine Laboisiêre de Paris, por exemplo); à frente , u m
haviam projetado para os palácios de Napoleão. pórtico de granito, com coluna s no t érr eo e no
sobrado, e amplo frontão tria ngular, tendo, no
Out ra figura de primeiro plano dessa fase foi José t ímpano, baixos- relevos de Luís Giudica . A cape la,
situada no corpo centra l, por det rás do salão prin-
Dom ingos Monteiro, a quem Debret se referiu,
cipa l do segun do pavimento, se acusa, na cober -
com deferência, como arquiteto-engenheiro, qu e
tura , com zimbór io e lanterna octogo nal sust entan -
exerceu ativ idade como int egrante, primeiro , do
do uma cruz -, "r isco do engenheiro Joaquim
Real, depois , do Impe rial Corpo de Engenheiros
Cândido Guillobel" (Moreira de Azevedo). No in·
(era tenente em 1816 e, em 1830, sargen to -mor) e
te rior, preciosa coleção de retra tos dos benfeitores,
que, a lém de ter rea lizado os traba lhos , já ant erior ·
repr esent ados de corpo intei ro, em quadros sus-
mente, refer idos, foi quem substit uiu Pedro Ale-
pensos, à parede de uma das galerias, mu itos do s
xandre Cavroé como Arquiteto das Obra s Nacio· quais de auto res aind a não identificados, cuja
nais (março de 1830 a abr il de 1831, ano em que
seqüência, de grande beleza, apresenta um teste·
foi demit ido por força do jacobin ismo da regência munho único na cidad e, das expres sões de austeri ·
provisór ia) (Marquês dos Santo s). Nesse cur to pe·
dade e energ ia, que emanavam do s rostos, da indu -
1 lodo de perman ência no cargo, fez a reforma do
mentári a e da com postura daque les varões ilustr es
•;alão de sessões da antiga casa do Conde dos Ar·
do I mpêrio. No salão de honra, teto decora do com
cos, na Praça da Aclamação, a qua l, desde 1824 ,
baixos -re levos de Chaves Pinheiro (1874), autor,
obrigava o Senado e construiu o Chafa riz da Cario-
ca, projetad o por Guillobel. Em 1838, reapa receu também, da estátu a Pedro li, co locad a ao fundo da
c;omo arq uit eto da Câmara (Noronha Santos); em peça. Enfermarias amplas, prov idas de vidros, dota·
1839, trabalhou no levanta ment o da planta da dos de pequena s perfurações circular es para venti-
<Jlda de (V. Fazenda) e, em 1840-4 1, foi designado lação, de que, há pouco, havia remanescentes.
!!º r José Cl_eme~te ~ereira, arq uiteto da_s_obras da Do Hosp ício Pedro li cuja planta em quadra, com
-~unta Casa. (pri meira pe~~a, em 1840 , ina~gu~a- pátios extensos e agradáveis também obedeceu a
çlto, em 1852) e_do Hosp ': 'º de Pedro 11 (primeira -., um partido cornum nos estab elec imento s congê ne·
podra, em 1842 inaugu raçao, em 1852 ). res de Paris- , nos deu O pro f. Pedro Calmo n uma
substan ciosa mo nograf ia, em que reu niu dados im-
llulacionad os com essas dua s obras, aparecem do is portantes sobr e os arquitetos Dom ingos Monte iro,
dli.clpulos de G•randjean: o já referido Joaquim Rabelo e Guillobel. De Rabelo é conhecid a minu -
t: ndido Guillo bel e José Maria Ja cinto Rabe lo, os ciosa folha de serviços (documento do Arquivo
qrn1is, com Manuel de Araujo Porto Alegre e Fran- Nacional, publicado por G. Au ler), na qual se vê
1 l•,co Joaqu im Betencou rt da Si lva (também , discí · que, em setembro de 1847 , foi ele posto à disposi·
p11los de Grandjean), fora m figuras exponencia is ção do Ministro do Império para encar regar-se da
tio Neoclassicismo (o últ imo, já francamente eclé- direção das obras imperi ais. Teria dirigido tan to as
1hm} - , figuras que estão a ex igir, a cad a qual, da Santa Casa, como as do Hosp ício, em ambas , na
60 Paulo F. Santos

qua Iidad e de const rutor que, pelo que se infere das que lhe aliviavam o peso, alguns dos qua is, ainda,
suas própr ias informações, se sab e ter sido a q ue subsistem. A escada nobre, de acesso ao sobrado, é
exe rceu no Palá cio Imper ial de Petróp o lis, de q ue de jacar a ndá escu ro, de bela aparênc ia e tem um
foi arquiteto Guillobel (de Rabelo, nesse pa lác io, lanço central ladeado de "dois outros" em sentido
fo i, apenas, a ornamentação de estuques, no teto contrário (como no Paço da Praça XV e na casa da
da sala de baile-, e só a fez porque Guillobe l Marquesa de San t os ) mas pelo seu arranque, já
reta rdo u o envio do s compe te ntes desenhos). Mas ensa ia desprend er-se das paredes. As barras de azu-
Calmon reproduz uma notícia do Universo Ilustra- lejos int roduzem , no desdobram ento aust ero das
do (1858) em q ue o comendador info rm a t er visto lindíss imas galerias, uma not a alegre e fresca; as
desenho feito por Rabe lo para a Capela do Hospí · estátuas de Petr ich - a de D. Pedro 11, a de José
cio. E More ira de Azevedo, que dá Mont eiro como Clem ente Pereira e a imagem de S. Pedro de Alcân-
au t or do projeto do edifício , diz qu e "Rab elo t ara qu e, tamb ém, é dele (esta na cap ela } -, confe•
modificou o pri mitivo pla no" e que o pórtico teria
sido de "Gu illobe l". A co labor ação de Rabelo in-
duziu o qu e mais tarde, docu mentos da época o
dessem como aut o r do projeto (A. Galvão ), o que
não parece exato. A fachada, que se reves t iu com Hospício Pedro li - RJ. Pr oj eto de J. M. Rabelo e
pó de pedra pe los anos de 30 e foi restab elec ida J. C. Guillobel . Século XIX
depois, obedece às ordonân cias da Renascença,
com p ilast ras, separando , ent re si os panos de
par ede, em que se inscrevem as janelas; estas são de
arco pleno nos dois pavimento s - , as de baixo, de
peitor il, dispostas ao fundo de nichos, também,
em arco pleno mas de maio r diâmetro; as do alt o,
rasgadas (isto é: por t a-sacadas) com guard a-corpos
de ba laúst res de ferro fun dido; a platiba nd a, com -
preendendo almofad as, inte rcalad as de est ilóbatas,
de coroamento do edifíc io, tinha estátuas e vasos ,

Hospício Pedro li - RJ. Projet o de J. M. Jacinto Rabelo e


J. C. Guillobel . Século XIX
Quatro Sécu los de Arquitett1ra 61
rem ao monumento, gravidade e nobreza, a que, gado em prédios indu,stria is, como na Fábrica do
também con t ribuem, como na Santa Casa, os Gás cuja const r ução fo i iniciada em 1851 por
altíssimos pés direitos e os larguíss imos tabuões de Mauá no Aterrado (Senador Euzébio ) -, edifício
canela dos soalhos. No salão principal sobressai a com 800 palmos de front aria, pórtico de dois
be leza das guarnições das portas e as elegantes pavimentos, ao centro, com frontão ao alto, e, por
bande iras de pinázios radi ais destacadas sobre as cima, uma torre, tendo nas faces os mostrado res de
paredes; estas são decoradas com pilastras cane lu- um relóg io de fabr icação inglesa. Ingleses foram,
radas da Ordem Coríntia, e o teto, d iscretame nt e tam bém, os engenheiros que interferiram na cons-
estucado, com sancas em volt a. A capela é simpá- trução, entre os qua is Gu ilherme Bragge teria dado
tica, ainda que o retábulo do altar de S. Pedro de um grande impuls o às obras (Moreira de Azevedo}.
Alcântara (Neoclássico, como todo o edifício},
com sucessivas banquetas escalonadas, encimadas Das residências , variaram muito os tipos. Podem, até
por um nicho - atualmente, com duas imagens de certo ponto, ser grupadas na mesma chave - ainda
igual tamanho, uma no nicho, outra sobre a segun - que a escadaria de acesso ao segundo pavimento, nu-
da banqueta -, já revele o desinteresse (que, no ma delas, seja interna e, noutra, externa, as do Con-
fim do sécu lo e pr inc ípio do segu inte, veio a preva- de de ltamara t i (1851-1855) (antigo Ministér io das
lecer), pelos preceitos de boa proporção, hauridos Relações Exter iores, atual Pé!lácio do ltamarat i ) e a
nos tratadistas da Renascença. do comerciante João Machado Coelho (1853 ... )
(depois , Paço Isabel, hoje Palácio Guanabara), das
O partido, adotado nas fac hadas da Santa Casa e quais não se sabe quem tenha sido o arqu iteto, se-
do Hospíc io de Pedro 11, compreendendo um pór- não, que a am bas, se prende o nome de José Maria
tico central todo de cantaria, com dupla col unata, Jacinto Rabelo. Este, no exercí cio das funções de
no térreo e, no sobrado, arrematada com um fron - mordomo da Prince sa, fez, em 1865, a adaptação da
Lão - , foi repetido pelo eng enheiro Teodoro de casa de Macha do Coelho, para residência dos recém-
Oliveira na Casa da Moeda (1853), em que incluiu casados Conde d'Eu e Princesa Isabel; e na de
dois outros frontões e, por cima, vasos de mármo- ltamarati, teria sido o arqu iteto da fase fina l da
1e. É evident e, aí, a procura do movim ento que, constr u ção, projetista do corpo ante rio r, que faceia
uinda assim, não logrou aliviar, plas ticament e, a com a rua. Ambas eram casas patrícias, luxuosa·
1r,,pressão de peso que o tratamento das massas, a mente mobiliadas, com um cunho de distinção e
uhundância de cantaria e a modenatura adotada
IMundem.
O Neoclássico, também fo i emp r~ado em edifí -
r1os de tamanho méd io . No do Banco do Brasil,
Casada Princesa Isabel. Atual Palácio Guanabara · - RJ.
p, ódio de três pavimentos, situado na esquin a da Meados do século XIX
11110 da Candelária co m a da Alfândega - pro jet o
du Manuel de Araujo Pôrto Alegre (1850 - Morei·
111 de Azevedo), o qual tinha, nos dois pavimentos
11poriores, pilastras corínt ias em toda a altura e,
tl11modo geral , "detal hes" bem cu idados. Numa
lltrnJraf ia de Berchtingen, aparece com as propor-
, n11•,co mpletamente prej udicadas. Fo i demoli do
11n 1935, para dar lugar ao prédio da Associação
1 1111,ureia!. No do Cassino Fluminense (hoje, Auto -
1,1(,vol Clube ), projeto de Luiz Hosxe (1855), a
111lmda apresenta solução franca e firme, de agra-
il vul mo denatura e ba lanço de cheios e vazios. As
11•l1111nus que sofreu não pr ejud icaram, substancial-
11111111111ost as qualidades. Foi, igua lmente, empre-
62 Paulo F. Santos

nobreza que bem exprimia o sistema de vida re- mente). Nas portas da sacada, vidros inte iros -
quintado da aristocracia e das classes abastadas do daqueles em que costumava ser empregado (não
1mpér io. Planta em quadra, com a frente menor do sabemos se prim itivamente seria assim), cristal com
que os fundos (no do ltamarati, quase quadrada), ramagens, da fábrica Saint-Gobain -, e que se
compartimentos em todo o perímetro e um núc leo completa vam com bande iras de arco pleno e fol has
central, comp reendendo áreas de iluminação e ou- internas de encartar, envernizadas. Sacada de fora
tras peças. Na fachada, domínio da linha horizon- a fora, com guarda-corpo de capr ichosa obra de
tal, sem frontão. serralharia, introduzindo na gravidad e Neoclássica
do conjunto, a nota leve e delicada. Escada interna
O Paço Isabe l, infelizmente foi abastardado e prat i- movimentada e imponente; salões decorados com
camente destruído pela reforma que em 1908 lhe estuques e ricos tapetes- , moldura adequada para
fizeram com a finalidad e de adapt á-la à hospeda- o mobiliário, o qual em grande parte, é de proce-
gem do Rei D. Carlos, de Portugal; restaram da dência francesa, inclusive peças de acaju com apli-
pr imitiva casa um ou outro elemento da constru- cações de bronze de motivos típicos dos introduzi-
ção e um minucioso inventá rio, de autoria de José dos por Percier e Fontain e e pelos ebenistas da
Maria Jacin to Rabe lo, documento que se comple t a época napo leôn ica (Jacob, etc.), e preciosos obje-
com uma pintura de Angelo Hosxe e fotos anterio- tos e pinturas, que fazem hoje da casa, um museu.
res à refo rma. A casa de ltamarat i também recebeu
reformas : nos primeiros anos da República, para Do Paço Isabel, o inventário, as escrituras e demais
adaptá- la a sede do Governo; em 1902 e seguintes documentação da época em que foi adqu irido para
- fase de seu fast ígio, sob a liderança do Barão do moradia dos Príncipes (de que extens a mente tra-
Rio Branco - , em que lhe acrescentaram apêndices tou Gui lherme Auler), mostram ter ocupado ape•
late rais, destinados a dependê ncia do Chance ler, nas uma das cinco porções em que por morte do
etc.; em 1927-30, extensa remodelação realizada antigo proprietário, foi dividida a chác ara do Roso,
pelos arquitetos Prentice e Floderer, abrangendo a na qual em 1853 foram abertas as ruas Guanabara
criação de um edifício aos fundos, destinados a e Roso, ambas indo até às vertentes do morro (a
biblioteca e mapo t eca. Mas as reformas foram, no última, hoje parc ial mente incorporada ao Flumi -
principal, realizadas com critér io e bom gosto, sem nense Fut ebol Clube), na esquina das quais ruas,
preju ízo da apurada propo rção de cada parte do ficava a casa.
prédio.

No pavimento térreo a casa o itocentista (de que Casado Barão, depois Marquês de ltamaratí. Atua l
existe um levantamento da última década do sécu- Palácio do ltamarati - RJ. 1851- 1856
lo), compreend ia: vestíbu lo, saguão, dependências
de serviço. No sobrado; à frente, salões de receber;
aos fundos , salão de janta r e sala par t icular de
jantar abr indo para um pátio em que ficavam as
cavalar iças, cocheiras, dependências dos negros,
etc. - (hoje o pátio é envolvido por construções e
tem ao centro um espelho dágua decorado com
cisnes); ao centro do prédio, salão de festas; de um
e ou tro lado, fileiras de compart imentos para usos
d iversos, inclusive quartos (atualmente comple-
mentados com os apêndices já referidos). Na facha -
da, material nobre - mármore de Lioz -, enrique-
cendo as pilast ras, os entab lamentos, a bacia da
sacada e as guarn ições dos vãos, e destacando-se
sobre o fundo de massa colorida. Na plat ibanda,
estátuas também de mármore (inex istent es atua l- •·
Quatro Séculos de Arquitetura 63
O t erreno era murado, com gradil por ambos os dourada e estofada a seda escarlate, idêntica à das
lados; t inha árvores frutíferas, um jardim de estilo cortinas, com um sofá, oito cadeiras de braço,
seis
inglês e horta aos fundos. A casa era assobradada e cadeiras simples, um sofá de meio de
sala (conver -
media 128 palmos de frente por 118 de fundos. sadeira) e dois consolos com tampo de mármore.
Ao lado do muro da pedreira ficavam as cavalariças Tinha três grandes espelhos de
moldura dourada,
e cocheiras (40 por 120 palmos), com sala de um relógio
de bronze, quatro candelab ros e um
arreios, baias e manjedouras para dez animais. Co· lustre de bronze dourado para
vinte e oito velas.
mo na do Conde de ltama rati, dominava, na casa, a
linha horizontal, sem frontão, e com a mesma Descreve-se a mobília
de cada compa rt imento. Vê·
nobreza e distinção de proporções. Duas escadas se serem
comuns os embutidos, inclusive de tarta•
externas davam acesso direto a um pequeno pór - ruga. Além do jacarandá,
havia madeiras estrangei·
t ico saliente, sustentado por duas co lunas e em que ras. Não
se diz a procedência, mas, desde
uma portada de cantaria comun icava com o vestí · D. João VI se importava
m móveis da França e da
bulo (não referido nos documentos mas que deve- Inglaterra (Marrocos
). O piano, é de cauda, é de
ria ter exist ido ). Ladeavam-no dois salões: o "de nome alemão (Henn
Hezz). Nessa fase (segunda
visitas" e a "sala de espera e de visitas" ..., cada um metade do século
XIX), o Ecletismo, que em Fran-
dos quais com três portas-sacadas de frente e saca· ça desde 1830·1835
se foi instalando sob Luiz
das também de lado (provavelmente as três que o Felipe e Napoleão Ili, é reconhecív
el também no
inventário disse existirem na fachada lateral). Se· Brasil. Já se não vêem os
grandes conjuntos com
guiam-se cinco quartos de duas janelas de cada un idade de estilo. Das madeiras européias,
no Paço
lado, dos quais o primeiro do lado sul (a casa foi Isabel, citam-se: o mogno (móveis de sala de espera
apresentada como tendo dois setores: o norte e o e de visitas, do salão de jantar e da
sala particular
sul), destinado a bibliot eca, e o quinto do lado de jantar e de alguns quartos ; em que
figuravam
nort e, a sala particular de jantar . O grande salão de quase sempre cômodas oom tampo de
mármore); o
jantar ficava aos fundos; e ao centro uma área carvalho (biblioteca); o érable (um dos quartos).
ajard inada, com varanda -, espécie de pát io espa- Também se mencionam "made iras exóticas",
o
nhol (a designação é de Auler; não sabemos se "charão francês" (este, marchetado de madrepé ·
constava do inventário). O pavimento térreo tinha rola), e usam-se nomes igualmente franceses:
as mesmas divisões e aberturas existentes nas fa· chalse--longue, etagere, toilette, psyché (estes
dois
chadas do sobrado; à fr ente , portas; dos lados últimos tipos de móveis, foram novidades introdu -
mezaninos. zidas pelo estilo Império, que se general izaram no
Brasil até o fim do século XIX) . Nos leilões do
No pavimento nobre os tetos eram ricamente estu • terceiro quartel desse século, vimos
figurarem en·
cados ; dentre os salões destacava -se o de visitas tre as madeiras de uso mais freqüente nas casas
de
(lado norte) q ue tinha decoração dourada e pare· luxo, o mogno e o érable. Este, que é
de cor clara e
des apaine ladas, pintadas a fresco, com filetes tam - foi posto em voga no mobiliário de est
ilo Carlos X,
bém dourados. Nos ou t ros compartim entos as pa· já com Luiz Felipe e Napoleão
111começava a ser
redes eram forradas de papel. A sala e do is quartos posto de lado, novamente em favor do acaju.
eram atapetados; os demais traziam esteiras. Em
todos os compartimentos havia gás de iluminação Completavam o reche io, no Paço Isabel: relóg
io
(gás carbônico, é como o designavam); e n'alguns com caixa de música (tão com uns
na França);
quart os, na cozinha e no banheiro, água encanada; lustres de bronze dourado, um deles com flores de
oste último possuía banheira de vinhático forrada porcelana; outro oom pingentes de
crista l; cande ·
de chumbo, com chuveiro, espelho oval, sofá e labros; armários especif icament&
para prataria; lou ·
cadeira de mogno estofados. ~s; cristais, Nas paredes, espelhos de moldura,
retirados pelo vendedor do prédio . Houve peças
O vestíbulo era decorado com quat ro estátuas de transferidas do Paço da Cidade ou de
Petrópolis e
torro representando os continentes e sustentando ref erências ao que se havia comprado no Rio ou na
lampiões a gás. Na sala de visitas a mobília era Europa.
64 Paulo F. Santos

Partido diverso do adotado no solar ltamarati e no alemã, serviu de inspiração ao projeto, o qual pela
Paço Isabel, é o da casa à Rua do Catete nQ 6, massa compacta dos seus três pavimentos, parece
construída para João José Ribeiro da Silva, em de um dos palácios do Gran Canale. Fachada de
1862 (data que se inscreve no tímpano), vendida mármore (como as da Veneza renascentista), com
em 1868 ao Comendador João Martins Cornelio apurados pormenores; amp lo saguão com pé direi-
dos Santos, benfeitor da Santa Casa de Misericór- to duplo e suntuosa escadaria de mármore e bron·
dia que deixou a essa instituição para nela ser ze, conjugada a galerias que, no pavimento nobre,
instalado - como de fato foi -, um asilo sob a comunicam com os salões; estes são de uma sun-
invocação do santo de seu nom e. É de frente de tuosidade carregada pelos estuques, pinturas de
rua, muito extensa, com porão e único pavimento, cores vivas e imponente mobiliário. Ainda que
com jardinzinhos nas extremidades, em que se incluindo, na fachada, desenhos de inspiração
inscreve escadas curvas de ferro fundido com os Neoclássica, o edifício se distancia dos padrões
degraus e as capas de mármore. A fachada tem um anteriormente considerados, abrindo caminho para
elegante e sóbrio frontão ao centro, ladeado de o Ecletismo.
platibandas revestidas de azulejos e encimadas por
estátuas de mármore; entablamento de desenho Waeneldt, autor também de um dos projetos da
apurado, com dentículos e modilhões; janelas de cúpula da Igreja da Candelária, teria sido o prová-
peitoril, em arco pleno, com guarnições moldura- vel autor da casa Neoclássica, com colunata, da
das de mármore. Nos salões, teto s de estuque com Fazenda do Gavião, em Cantagalo, propriedade do
baixos-relevos e pinturas. mesmo Barão de Nova Friburgo.

Lugar à parte entre as residências de maior luxo do O partido de casa com o sobrado mais estreito do
Período Imper ial, tem a casa de Antonio Clemente que o pavimento térreo e colocado no eixo des-
Pinto, Barão de Nova Friburgo (hoje Museu da te -, fixado nas aquarelas de Ender e também no
República). Foi construida de 1862 a 1864 (datas quadro de autor anônimo, existente na Fundação
existentes no gradil do Museu) no Largo do Valde· Castro Maia (que representa o fim da Praia de
taro {alargamento da rua do Catete), em terreno Botafogo, e ali uma única casa, que se tem admi-
em que existiam no século XVIII enormes chácaras
(através as quais foi aberta a rua). Tem três pavi-
mentos, e como as do Conde de ltamarati e Co-
Casado Barão de Nova Friburgo , antigo Pal~io do
mendador Cornélia, é de frente de rua. Projeto do Catete, atual Museu da República - RJ. ProJeto
arquiteto alemão Gustavo Waeneldt - o terceiro Gustavo Waeneldt. 1862-1864
projeto dos quatro que o arquiteto exibiu, naquele
primeiro an~. na Exposição Geral da Academia de
Belas-Artes. Depois de ter pertencido em 1890 à ..
Companhia do Grande Hote l Internacional, passou
no ano seguinte à propriedade do Conselheiro
Francisco de Paula Mayrink, sendo desapropriada
em 1896 para sede do Governo da República, que
ali começou a func ionar no ano seguinte. Para isso
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foi refo rmada pelo engenheiro Aarão Reis que, .

auxil iado pelo artista Araripe de Macedo, presidiu


à execução das pinturas e suntuosas decorações de
interior, ainda ex istent es; à reforma dos jard ins,
real izada por Paul Villon, discípulo de Glaziou ;, ~
colocação de estátuas na platibanda da fachada
principal (substituídas em 1912 pelas atuais águias
de bronze, de Rodolfo Bernardelli). A Renascença
Veneziana, formalizada pela pesada interpretação à
Quatro Séculos de Arquitetura 65
t ido tenha sido a da Rainha D. Carlota), teve sua gosto pelas ruínas, difundido pelas gravuras de
correspondência Neoclássica, entre outras, na casa Piranesi; Antichitta Romane, modismo que chegou
(recém-demolida) à Praça Condessa Paulo de Fron- ao ponto de os grandes arquitetos construírem
t in nQ 52 (1850); na Casa Rui Barbosa, à Rua ruínas artificiais - como as que Robert Adam
S. Clemente; na Fazenda S. Bernardino, em Nova projetou para os jardins de Kedleston (1761) e
Iguaçu (as duas últimas tombadas pela DPHAN). para os de Sion (1768), aquelas, uma espécie de
termas romanas, estas, uma ponte com dois dos
Entre os edifícios Neocláss icos de menor porte, cinco arcos de pedra totalmente destruídos e os
vários dos quais tinham os frontões abrangendo guarda-corpos de alvenaria aqui e acolá substituí-
toda a largura da fachada, e estátuas sobre eles nas dos por peças rústicas de madeiras grosseiramente
platibandas, pqdem ser citadas: os das praças Ser- dispostas .
vulo Dourado e José de Alencar nC! 8, ambos
frente de rua; o da Rua Santa Alexandrina Se na literatura é possível precisar as etapas do
n9 1594, que fica recuado, e cujo acesso ao Romantismo, em que além de Rousseau e Bernar-
terreno se faz através de um volumoso portão din de Saint-Pierre se inscreveram : Mme de Stael,
de formas tradicionais, com pilares encimados Goethe, Chateaubriand, Lamartine, Hugo, Vigny,
µor cachorros de louça; os que até há pouco Musset, etc., e no Brasil: Porto Alegre, Gonçalves
existiam às ruas Desembargador Isidro nQ 144 de Magalhães, Alvares de Azevedo, Castro Alves,
(1869) e Dois de Dezembro n<?131 (1868), este, Casemiro de Abreu, Macedo, Alencar, Bernardo
c.Jeexecução muit o cuidada, tinha as pilastras dos Guimarães, etc. - , já o mesmo se não pode dizer
cunhais almofadadas e. com um disco moldurado à para a arquitetura, em que o Romantismo, numa
meia altura , já traduzindo o gosto do pitoresco, evasão predominantemente para o passado ou para
que anu nciava a tendência para o Ecletismo; os de longe, independentemente da cronologia e sem
1rês pavimentos - um ainda existente situado à fronte iras delimitadas, mesclou-se às mais diversas
11ua dos Inválidos n<? 138, outro já demolido, mariifest~ções estilísticas. Invadiu, por exemplo, o
1,ltuado à Rua do Lavradio; este último se impunha Neoclassismo, como aconteceu em Versailles,
pola cuidada execução das decorações (ramicelos e quando, sob a mão do mesmo grande arquiteto da
quejandas) inspiradas na Renascença, felizmente época de Luis XVI, Jacques Ange Gabriel, se cons•
fixadas em admiráveis foto grafias, pela DPHAN; o tru íram, a poucos passos um do outro e para o
dn Rua Aristides Lobo nC!175 (1882),etc. mesmo cliente, Maria Anton ieta, o Petit Trianon
(Classicizante) e o Hameau (Romântico) este com
as cabanas cobe rtas de sapé, o moinho , o estábulo
n Romantismo e a vaquinha, onde Maria Antonieta brincava de
pastora e leiteira com os seus íntimos; e invadiu
() ílomant ismo não foi um esti lo, mas um estado também a arquitetura da Era Industrial (meados
1111espírito, a que tem · sido associada a palavra do século XIX), como aconteceu no concurso para
"1111 são. Evasão para o sonho e evasão para a fanta- a ponie de Clifton, em que nos desenhos de mais
•111, Suas origens têm-se geralmen te buscado no de um concorrente , os tabu leiros sendo suspensos
~l\r.1110 XVI 11, em Rousseau, na atração pela vida por meio de cabos (na crista da onda do movimen-
1 ,u,1pestre e pr imitiva, clima de que também part i-
to renovador) os encontros eme rgiam de entre
1 lpum, por exemplo : a melancolia dos amores de · ruínas medievais.
1
1111110e Virginia ; de Bernardin de Saint Pierre; a
1l11r11ra da vida de família, dos quadros Maria Com tudo isso, o século XVIII, do mesmo modo
l\11tn nieta e seus filhos; de Mme. Vigée Lebrun, e que foi uma fase preparatória para o Neoclassismo,
1111 O psi de familia explicando a Bíblia, de Greuze; o fo i també m para o Romantismo . Ambos movi-
1111110assim o gosto pe lo bucolismo e o pitoresco, me ntos tive ram pontos de contato: a ·evasão para o
q11111il1rviam de tema aos pintores e transpareciam passado, por exemplo. ·
111,1 n6 nas ce nas da pintura figurativa corno nas
I' 1la1111
ons que lhes serviam de fundo; e ainda o Na arquitetura do Rio de Janeiro podem ser referi -
66 PauloF. San tos

dos como de fundo românt ico: 1) os jardins; 2) a Público (1860). Deste, Joaquim Manuel de Macedo
persistência da casa de formas tradiciona is; 3) o descreve a planta, e Moreira de Azevedo, o própr io
modismo dos chalets; 4) o apreço pelos estilos jardim: - desenvolvido em curvas caprichosas; com
históricos (Neomanuelino, Neogótico, etc.). tabuleiros de relva semeados de árvores em grupos
ou isoladas; maciços de vegetação, diversos no ta-
Foi com os chamados jardins à chinesa ou à ingle· manho e na forma; rochedo artificial do alto do
sa, de formas sinuosas, relvados com tufos de qual se precipitava uma torrente de água; esta
arbustos entremeados com basto arvoredo, cursos alimentando um rio tortuoso, que formava um
d'água irregulares, pontos em arco, ru ínas ant igas, lago com suas ilhotas habitadas por cisnes, marre-
etc.-, que, em pleno século XVIII,ter-se-ía inicia- cos e gansos e com sua gôndola veneziana; pontes
do na arquitetura o surto romântico -, palavra que diversas - uma rústica, outra de mais custoso
Louis Réau diz ter provindo da Inglaterra e da t rabalho e no estilo Renascença; ainda outra de
Arte dos Jardins, citando certo Le Blanc, autor das ferro; um pavilhão imperial; um lugar de repouso
Cartas sobre a Inglaterra que em 1745 teria dito: ornado com um rico vaso de Médicis e com plantas
"Muitos ingleses ensaiam de dar aos seus jardins estimadas; uma abóbada vegetal; bancos; estátuas
um ar que eles chamam de românt ico, quer dizer de ferro represent ando as estações do ano; guaritas
pitoresco". de madeira; uma pequena edificação de arqu itetura
neogrega, tendo à frente um perist ilo ladrilhado de
No Rio de Jane iro do século XIX os jardins foram mármore, formado por quatro colunas de ferro da
de dois t ipos principais bem diferente s entre si, um ordem coríntia; um quiosque ou pavilhão rústico
erudito: os jardins ou parques à inglesa, introduzi- tendo no centro um vaso Luís XV, com flores e
dos no terceiro quartel do século por Glaziou, frutos de ferro fundido.
outro, mais espontâneo e popular na sua repetição
de formas tradicionais: os jardins das chácaras. C.Omose vê: uma cabana rústica se irmanando com
um pavilhão neogrego, este tendo colunas corí ntias
de ferro
Auguste Marie Francisque Glaziou, botânico, hábil de ferro, e uma das pontes sendo tambéme para o
jardineiro, realizou para o Sr. Francisco Fialho, um imitando madeira. Evasão para longe
parque ou jardim paisagístico à Rua Monte Alegre passado: para a Grécia antiga e para as em habitações
s - e tudo choque
e depois, por intermédio dele, a reforma do Passe'io rústicas dos povos primitivo o Industrial .
com a inelutável presença da Revoluçã
No jardim da Praça da Aclamação (Praça da Repú-
Jardim do Passeio Público - RJ. Projeto inicial de Mestre blica) - o mais belo que se pode encontrar no
Valentim , refo rmado por G/aziou. Meados do centro de um capital, como not iciou o Jornal do
século XIX. Planta de situação Comércio no dia da inauguração (7 de setembro de
1880), o engenheiro e botanista dispôs uma cas-
cata ornamental de soberbo efeito vista do exte-
rior ... à noite iluminada por lampiões de gás-glo-
bo artisticamente dispostos . .. e no interior cheio
de episódios inesperados ... grutas .. , ornadas de
estalactites e estalagmites, onde o contínuo correr
da água completaria perfeita ilusão. A notícia fala
ainda num grupo de proporções monumentais
apresentando um combate do tigre com o homem
(procura do heróico, outro sentimento romântico);
e no jogo de cores pelas diferenças de matizes.

Os jardins de Glaziou (que se pode compreender


melhor no Parque de São Clemente em Nova Fri-
Quatro Séculos de Arquitetura 67
burgo, em que estão mais bem conservados do que sustentavam os terraços que, quando no limite da
no Rio de Janeiro), eram de um Romantismo rua eram encimados de balaústres ou gradis e nos
procurado, disciplinado, resultado de profundo co- quais se engastavam, para acesso ao terreno circun-
nhecimento de causa. Daí a classificação de eru- dante, escadas com degraus de pedra ou de massa e
ditos, que lhes demos. guarda-corpos retos ou curvos, cheios ou vaza•
dos-, estes formando triângulos de tijolo ou mes-
Muito diferen tes eram os jardins das chácaras. Dos mo círculos de telhas, como os que até pouco
que existiram no Andaraí e Tijuca nos deixou tempo atrás ainda existiam na plataforma em que
Araújo Viana sugestiva descrição, em muitos pon• se ergue a casa de Grandjean de Montigny, na
tos coincidente com o que nós próprios vimos nas Gávea. A regularidade e simetria dos traçados e..!
chácaras da Gávea (em uma das quais nascemos) e faceirice da ~~ção ~nvolviam um sentido de
nas do Jardim Botânico e Botafogo. Nestas, quan· graça ingênua, em harmoni a com o sentimento
do o terreno era em aclive, os jardins dispunham-se artístico da sociedaa e dã época, que o jard im ex•
em tabuleiros terraplanados; e mesmo quando pla- pri1J1iatalvez melho_! d~que a casa. A entrada, o
nos era comum fazê·los em terraços artificialmente portão ficava, seja no alinhamento do muro, seja
elevados. Havia-os assim nas ruas Marquês de S. Vi· recuado para dentro; e era de ferro ou madeira,
cent e, Jardim Botânico e São Clemente, mas eram ladeado de pesados pilares de alvenaria com enta-
também freqüentes, principalmente nas casas de blamentos de rico perfilado, em cima dos quais
menor- categ9ria, os jardins Q!_ai:,os.Os de maior assentavam, sobre embasame nto s de delicada cur-
apuro costumavam ser circundados de muros (com vatura, os cachorros de louça ou os leões incumbi-
'olisêm gradil), ou de balaustrada, em que se inter- dos da guarda da propriedade, seguindo-se os gra·
calavam pilastras encimadas de vasos ou figuras de dis em ponta de lança ou os muros moldurados por
louÇãesmaltada portuguesa (sóraramente de mar· cima, que engastavam nos pilares, formando, no
more), representando os continentes, as estações e alto, sinuosas curvaturas-, tudo o que concorria
as divindades mitológicas, e a que o movimento para conferir à entrada um cunho de nobreza e
indianista de Gonçalves Dias, Alencar, etc., acres· distinção.
centou, em meados do século, estátuas de índios
brasileiros com os seus cocares de penas em esdrú• A casa de partido tradicional, com o seu beiral de
xulo contraste com o tratamento greco-romano telhas de canal à vista, sem platibanda, que referi -
dos demais. No interior não faltava o repuxo ou mos como expressão de romantismo.esteve viva até
pelo menos uma pequena fonte com carrancas a o terceiro quartel do século XIX, em variado s
deitar em água em_tanques retangulares ou curvos; tipos, compreendendo dois grupos, conforme a
a água era também usada em cascatas ou riachos , telha usada no beiral, telhas de barro à maneira
"nunca deixava de figurar" (A. Viana) . Junto aos colonia l {serve de exemplo a casa do Visconde do
muros se construíam sofás de alvenaria com assen· Rio Seco no Largo dos Ciganos - hoje Praça
tos revestidos de mármore ou azulejos e espaldares Tiradentes), de magníficas proporções, bem repro-
decorados com relevos de massa ou embrechados duzida numa litografia de Bertichem (ao tempo em
de conchas ao centro dos quais às vezes se inse- que nela funcionava o Clube Fluminense); e telhas
riam, como no chamado Jardim da Princesa da esmaltadas (como na casa do lado do antigo Hospí-
Quinta da Boa Vista, pratos de porcelana da Com· cio de Pedro li, à Praia da Sauaade) -,em ambos
panhia das i'ndias (J. Mariano). Também com em- os grupos sendo usadas janelas em arco de círculo
brechados de conchas se decoravam, à maneira típico do século XIX (casa à Rua Desembargador
colonial, as bacias das fontes e as bordas dos can- lzidro n9 146), ou em verga reta (casa dos Prínci-
teiros. Aléias se interrompiam para formar grandes pes de Orleans e Bragança, à Rua S. Clemente);
c írculos com uma árvore frondosa ao centro e umas e outras com guarnições de cantaria e sobre-
bancos de alvenaria em volta. Caramanchões de verga moldurada - de cantaria ou de massa-; e
Jasmim e outras trepadeiras e !atadas de maracujá nas janelas em arco senao mais comum o emprego
0 imiscuíam entre os tapetes de flores. O musgo e
11 de festões ou ornamentação fitomórf ica em geral,
o limo revestiam pequenos muros de arrimo que acompanhando a curvatura do arco, como na boni·
68 Paulo F. Santos

ta casa fronteira ao Museu da Repúbl ica (ex-Pa lá- - bem típica da época -, os monogramas, também
cio do Catete) na rua desse nome n<? 160 {1891) usados nas baixelas de prata ou cristofle , nos servi-
que faz parte de um conjunto tombado pela ços de porcelana, na roupa de cama e de mesa.
OPHAN. Quanto aos telhões esmaltados, que tanta Completavam os guarda-corpos ou suportes das
admiração causaram a Le Corbusier, nos levanta - luminárias que acendiam nas noites de festa e
mentos estatísticos que fizemos dos poucos rema- in,.evitavelmente nas da realeza, e teriam sido as que
nescentes não encontramos nenhum anterior à dé- fizeram dizer a Maria Graham (1823) que "nada é
cada de 50 e raros posteriores à de 80, o maior mais belo no gênero do que tal iluminação vista do
número se concentrando nesta última década e em mar" . Os suportes contribuíam para quebrar a
maior quantidade na de 70 (identificação que pôde rigidez das sacadas corridas e formavam graciosos
ser feita porque os prédios dessa época gera !mente revoluteios, de bonito efeito pela repetição.
tinham as datas da construção nos frisos). Eram de
fundo branco e motivos azuis {excepcionalme n te De sensibilidade romântica a que não seria estra -
com pequenas notas amar elas, embora já tenhamos nha a presença de alemães ou suíços das colônias
visto nos antiquários, motivos cor de vinho e o de Petrópolis e Friburgo, eram também os gracio-
professor 01 ínio Coelho os tenha encontrado ta m· sos cha/ets com as empenas providas de beirais
bém vermelhos): folhas de parreira com pequeni· debruados de lambrequins abertos à serra de fita ,
nos cachos de uvas; motivos florais simetricamente tímpanos estucados à Renascença, envasaduras
disposto s entremeados com círculos ingenuamente guarnecidas de canta ria (em arco ou verga reta)
decorados com motivos fitomórficos ou geométri- arrematadas com sobreverga de massa ornamen-
cos; borboletas, pássaros . Se, a princípio, nessas tada. Assim o da Estrada Velha da Tijuca, ainda
casas, dominava a massa de cal, só havendo canta· existente; o do Marquê s de Olinda,· na Estrada do
ria nas guarnições das envasaduras, na década de Mundo Novo; os das ruas Voluntários da Pátria n<?
80, o qu e dominava era a cantaria, corretamente 270 (1882) , Estêves Jún ior n9 3 (1887); o da
t rabalhada, que penetrou nas molduras de sobre· Praça S. Cristóvão nQ 11. O estuque do tímpano,
verga, ou em q uase toda a fachada: entablamentos, às vezes era estereotipado e fabricado em série, se
modilhões, misulas, etc. As partes não revestidas repetindo em muitos chalets, noutros o tímpano
de cantaria o eram de azulejos (casa à Rua da era de madeira , rendilhado, a-jour ( Laranjeiras nC?
Quitanda , de três pavimentos, esquina de Rosário; ·141 (1893) e 19 de Fevereiro nQS 118e 122). E o
duas casas igualmente de três pavimentos, na mes- rendilhado acontecia f icar situado à frente, entre
ma rua, entre Ouvidor e Sete de Setembro - todas os esteios de uma varanda , ocupando mais de me-
ainda existentes). tade da altwra do pavimento ( Rua Costa Bastos nQ
68) (1891 ). Outras vezes, era de tão de licado trata-
Nas bandeiras das portas e nas folhas de cima das mento, que chegava a-lembrar coisa mourisca (casa
janelas de guilhotina, os vidros eram divididos por no Largo do Humaitá). Ainda noutros, repetiram·
delgados pinázios, uma ou outra vez retos, mas se nos gradis de ferro os motivos Renascença do
comumente de sinuosas curvaturas, com uma varie - tímpano. Assim os do cha/et à Rua Conde de
dade de desenhos admirável, que emprestava inte - Bonfim nQ 193 (1878), os quais pelo volume dos
resse singular a esses elementos. Nas grades das motivos e monumentabilidade estavam fora de es-
sacadas, cercaduras ou SS de variadas disposições cala em relação ao chalet. Gradis assim foram, de
emolduravam um painel cent ral, compreendendo resto, freqüentes nessa época. Ex.: casa Renascen-
às vezes varas de seção quadrada ou retangular em ça, na Rua Voluntários nÇ 45, ainda existente, em
toda altura e outras menores que terminavam em que eles fazem conjunto com dragões de ferro
setas, ou, depois de ligeira inflexão, desabrocha- enormes, dispostos sobre os pilares do portão.
vam em margaridas, palmas, ou girassóis; outras
vezes o painel central compreendia um único moti- Em maioria os chalets eram de 1875 a 1895, com a
vo, de graciosas curvaturas e envolvendo senso concentração máxima da década de 80 e qu ase
ornamenta l, centra lizando vasos com flore s e fru- total supressão no principio do século, quando o
tos, taças, liras e numa preocupação individualista Código de Polícia proposto por Alvarenga Fonseca
Quatro Séculos de Arquit etura 69
(1900), em defesa da estética lhes proibia o uso na estilo Neomanuelino, que na sua bem trabalhada
ton a urbana (artigo 32). fachada de Lioz, valorizada com estátuas de corpo
inteiro do f nfante D. Henrique, Vasco da Gama,
De sensibilidade de algum moc(o ligada ao roman- Pedro Alvares Cabral e Camões, de autoria do
tismo eram os edifícios Neogóticos, os mais anti• escultor Simoens da Silva, e nos artesoados e rica•
gos dos quais foram os pavilhões projetados em mente coloridos tetos dos seus salões, tem o pro·
1816 pelo arquiteto inglês John Johnston para os pósito de evocar glórias de um passado de audácias
quatro ângulos do Paço de S. Cristóvão, só um dos e heroísmo -, projeto do arquiteto português Ra-
quais chegou a ser executado. Estranhável é que os fael de Castro; e o do simpático Posto de Fazenda
concebesse nesse estilo quando veio com a incum- da Ilha Fiscal, da responsabilidade do engenheiro
bência de montar no Paço um portão Neoclássi- Adolfo José dei Vecchio, decorado com vitrais
co-, o que mostra que já nessa ocasião os estilos coloridos representando o Imperador e a Princesa
comecavam a ser buscados nos catálogos históri- Isabel, onde se daria sete dias antes da proclama·
cos, s'em qualquer correlação com a vida; atitude
semelhante, teve, a seguir (1822), Manuel da Cos- ção da República o último baile da monarquia,
ta, ao adot ar noutro dos pavilhões do mesmo Paço retratado num quadro célebre por Aurélio de Fi-
o estilo mourisco, ou o pseudomourisco. gueiredo, e a que compareceram, a par dos perso-
nagens mais conspícuos do regime alguns dos mais
Igualmente romântico foi o edifício Neogótico ma- proeminentes conspiradores republicanos . Tam-
nuelino da Escola São José (depois Conselho Muni- bém Neogótica foi a Capela do Hospício de Nossa
Senhora da Saúde, na Gamboa, que só referimos
cipal) iniciado em 1871 no Largo da Mãe do Bispo para citar Ernesto da Cunha de Araújo Viana,
(Praça Floriano), como assim dois outros edifícios autor do projeto, que nessa ocasião, além de ocu-
ainda hoje existentes, ambos em construção em par cargo de arquiteto da Santa Casa, era diretor
1886: o do Gabinete Português de Leitura, em
ela Revistados Construtores,tão importante como
fonte de informações sobre a arquitetura da época .

O Ecletismo
Posto de Fazend a na Ilha F iscal - RJ. Projeto de O Neoclassicismo e o Romantismo, comuns a todo
Adolfo José dei Vecchio
o Ocidente, fundiram -se na segunda metade do
século XIX numa mescla estilisticamente múltipla
e morfologicamente indefinível : o Ecletismo inter-
nacional, produto do intercâmbio de influências -
nos usos e costumes, na literatura , nas artes em
geral, na arquitetura -, provocados pelos novos
meios de comunicação introduzidos pela Revolu-
ção Industrial: barcos a vapor (que começaram a
trafegar regularmente entre a Europa e o Rio-de
Janeiro na década 1850-60), telégrafo submarino
(inaugurado entre aquele continente e a mesma
cidade em 1874) mais tarde, cinema, etc.-, inter-
câmbio ainda intensificado pelo hábito das viagens,
cada vez mais freqüentes e seguras, e pelo gosto e
melhores meios de divulgação dos estudos históri -
cos, de que a Revolução Industrial foi paradoxal-
mente uma das causas. Causa também da penetra-
ção em todos os países, de produtos industrializa-
dos em escala crescente, e de novos métodos e
processos de construção, que, independentemente
70 Paulo F. Santos

de questões de estilo, foram impondo sua presen- nas quais o vocabulário clássico se apresenta com
ça: a Era Industrial principiava . uma secura de tiralinhas -, todas sem o apuro de
forma, proporções e gosto que caracte rizaram as
Ante o influxo dessas novas influências múltiplas e obras de meados do século . Também sem apuro de
d íspares, as tradições de comedimento, serena dig- gosto, senão mesmo já francamente híbridos, fo -
nidade e sobriedade de gosto do tempo e D. Pe· ram alguns outros importantes edifícios projetados
dro 11,que eram como que um espelho da estrutura nos cinco ou dez últ imos anos do regime, como o
mesma do regime e das virtudes do monarca, trad i- da Imprensa Nacional (pseudogótico) e o da Esco la
ções que na arquitetura tiveram no Hospício da de Medicina (pseudoclássico), ambos do engenhei-
Praia Vermelha na casa patrícia do Barão de ltama- ro Paula Freitas, chefe das obras da Igreja da
rati e na Santa Casa de Misericórdia alguns de seus Candelária na sua fase de acabamento, como assim
espécimes mais qualificados - essas características os prédios que por esses mesmos anos já cons·
de estilo comuns também a tantos e tantos edifí- truíam os Irmãos Jannuzzi, aqui instalados desde
cios de menor porte, não mais se reconhecem na 1874,
década 1870 -1880 em que com projeto do enge-
nheiro José de Souza Monteiro se deu começo ao Eram típicas dessa época as casas com pilastras
edifício da municipalidade (depois, Palácio da Pre- apaineladas (às vezes de ornamentação sobrepos-
feitura, extensamente reformado no Governo Ro- ta); sacadas pesadamente estucadas, ou de grades;
drigues Alves pelo prefeito Passos); e com projetos entab lamentos pseudoclássicos com perfilados nas
de Bettencourt da Silva se fizeram as escolas do pilast ras às vezes arredondados dos cunhais; modi-
largo do Machado, do Largo da Harmonia e da lhões e misulas nas cima lhas, que eram protegidas,
Rua dos Inválidos esquina da Rua da Relação (esta na parte de cima, por fiadas de telhas de Roux
destinada a Escola Normal e depois utilizada como Freres de Marselha; pesadas platibandas de tramas
Forum); e, com projetos de Pereira Passos, a do de balaustrada intercalados de estilóbatas e compo-
Rosário Pequeno (Praça XI) e o edifíc io que desti- teiras de massa, tendo ao centro grandes e com pi i-
nado aos Correios serviu de fato ao Ministério da cadas cartelas, que formavam, em conjunto, espé -
Agricultura e depois ao da Viação, na Praça Pe- cie de ático em que os estucadores - entre os quais
dro li (XV de Novembro); ainda que os projetos muitos portugueses e italianos-, exibiam toda a
de Pereira Passos, como o do novo edifício da sua habilidade e fantasia: casas à Rua Cosme Velho
Estação Central da Estrada de Ferro de Pedro li no n<? 257 (1899); Catete nÇ 359 (reforma da casa
campo de Santana e a reforma, para transformá-lo antiga); Cosme Velho nQ 21 (1908).
em Ministério do Interior, da linda casa do Viscon-
oode Rio Seco (no Largo do Rocio esquina da Aparecem igualmente casas em quase todos os
Rua Visconde do Rio Branco, em que funcionou estilos históricos (até no estilo egípcio - Avenida
durante muitos anos o Clube Fluminense) conser- Pedro Alvares nQ 40 ( 1912) - , embora esse tenha
vassem certa sobriedade de formas, a que na última sido exceção, em formas híbridas, indefinidas.
década do Império parece ter procurado retornar Mas, apesar de tudo, numa antecipação da Aboli-
até certo ponto Bethencourt da Silva ao projetar a ção simplificavam-se os programas e restringiam-se
Caixa Econômica na Rua D. Manuel, a Praça do as plantas que nas casas de moradia de um único
Comércio na Rua Primeiro de Março e o Instituto pavimento tinham à frente a saleta de entrada,
dos Cegos na Praia Vermelha . Esse retorno foi de atingida pelo patamar da escada que vinha do
resto uma tendência da passagem do século, em jardim, e a sala de visitas; a seguir, um corredor
que aparecem edifícios como o da Avenid~ Presi- ladeado de quartos; mais at rás, a sala de jant ar;
dente Vargas nQ 1733 (1904) com colunas dóricas numa puxada aos fundos, a cozinha, a despensa e o
romanas, triglifos e guarda-corpos típicos da arqui- quarto de banho - este nesta altura já foi se
tetura clássica, com elementos radiais a partir de introduzindo também nas casas mais modestas, e
um núcleo central (verticais, horizontais e diago· nele ao invés das banheiras de mármore encontra-
nais); e da Rua Riach uelo nQ 201 (1895) com diças nas grandes casas dos senhores abastados de
pilastras hirtas pseudotoscanas e pseudojôn icas, épocas pretéritas, se viam as _de folha de Flandres
Quatro Séculos de Arquitetura 71
com pintura a cores, ou as de madeira revestidas Mas foi só na década 1850-1860, de constr.ução da
por dentro da mesma folha de Flandres, ou chum- Estrada de Mauá (do Porto da Estrela à Raiz da
bo - umas e outras muito anunciadas nos jornais Serra de Petrópolis), da Pedro li (primeira seção) e
desde meados do século, mais tarde substituídas da Mariano Procópio, - com que se iniciou o surto
pelas de ferro fundido esmaltado. Nas casas de dois rodo e ferroviário, que, com o emprego das primei-
pavimentos, a escada interna ficava do lado, tendo ras pontes de ferro fabricadas na Europa e monta-
à frente a saleta e a sala de visitas, atrás a de jantar, das aqui por engenheiros das empresas de que
ao centro algum quarto ou escritório e aos fundos provinham (uma delas, na Estrada de Mauá, como
o banheiro, a cozinha e a despensa; e no segundo noticiou o Jornal do Comérâo, foi montada numa
pavimento, à frente, ao lado e nos fundos, rodean- só noite, ã luz de archotes), que começou, também
do a escada, os quartos de dormir. No porão ou do no setor da construção a Era Industrial, e no da
lado de fora, ficava a criadagem . Tornaram-se arquitetura, o surto dito "Moderno". Porque mui-
igualmente comuns as casas geminadas, descoladas tas dessas pontes, na sua pureza estrutural, funcio-
de um e outro lado, ficando as escadas ao centro, nalidade perfeita e forma plástica atingida com
iluminadas por clarabóias, nas quais já então, ao simplicidade, contenção de meios e clareza de in-
invés das fo r mas cônicas, tão engraçadas, em voga tenções, - são lindíssimas, com maior significação
no princípio do século, se empregavam as quadran- como obras de arte, do que muitos dos edifícios
gulares, construtivamente mais práticas ·seguindo o que se construíram depois de 1930 - ano que tem
retângulo ditado pelo madeiramento do telhado. sido considerado como de início do Movimento
Moderno no Brasil.
Penetração da Revolução Industrial Produtos pré-fabricados de ferro vão ganhando
também a edificação . As casinhas de porte médio
Por ocas ião da Abertura dos Portos em 1808, de um e dois pavimentos que atrás descrevemos, e
verdadeira avalanche de produtos industrializados mesmo aos sobrados de cinco, sete ou mais janelas
foi despejada no Rio, principalmente de procedên- de frente, se acrescentam, do lado, avarandados,
cia inglesa (leia-se Mawe), em que se contavam até ora extensos, ora reduz ido s, ou quiçá minúsculos,
patins para gelo (encontrados por um viajante ser- estes formando apenas um simples patamar de
vindo de ferragem de uma porta e m Minas). O entrada, os quais eram cobertos com chapas metá-
surto de industrialização prosseguiu com a avidez licas ou telhas (já então sempre do tipo de Marse-
que o novo ritmo de fabricação exigia e foi ga- lha) e guarnecidos com lambrequins de folha es•
nhando não só a cidade - onde, com a criação ao tampada à imitação dos de madeira, e sustentados
tempo do Primeiro Império, da Sociedade Prote- por esguias colunetas de ferro fundido (novamente
tora da Indústria Nacional (de qu e durante decê - a inelutável investida da Revolução Industrial). De
nios participaram grandes persona lidades), influiu ferro fundido eram igualmente as bem lançadas
no desenvolvimento da incipiente indústria local, escadas, retas ou curvas, de acesso ao jardim. Tan-
ganhando também as propriedades rurais fluminen- to os avarandados como as escadas - que revela-
ses. Estas começaram a ser visitadas por engenhei - vam uniformidade de técnica na execução de cada
ros de firmas inglesas, americanas , holandesas e elemento, ditada pela fabricação em série-, pre-
francesas que, no afã de venderem e darem assis- nunciavam já a Era Industriál. Essas casas não
tê ncia técnica aos seus produtos (máquinas de be- tinham beleza e apuro dignos de par t icular men-
neficiamento e máquinas em geral)-, mesmo an- ção, algumas vezes seriam até feias, se quisessem,
tes de se fazerem as estradas carroçáveis (q1:1esó ma$ na sua compenetrada faceirice nem por isso
co meçaram a aparecer em meados do século) eram eram destituídas de graça e interesse.
tr ansportados em lombo de tropa, em fila indiana,
por tortuosas veredas, pernoitavam em ranchos e Outros acessórios de ferro - verdadeiros batedores
sofriam toda sorte de provações - que tal já era a da Revolução Industrial - forçavam sua presença
agressividade pela conquista de mercados que ca- até num prédio Neomanuelino, como o Gabinete
ract erizou a Revolução Industrial. Português de Leitura, em que tanto o altíssimo
72 Pau lo F. San tos

salão de consultas, com cobertura de vidros co lor i· do lado em conta t o com o ar). Grelhas de ferro
dos, como a escada interna, são desse material. também foram comumente emp regadas nos frisos
esta, num compromisso de técnicas, tendo os espe- dos establamentos de madeira de toda espécie de
lhos rend ilhados , à-jour, visando ao efe ito decora- casas, visando a saída do ar quente acumulado nas
tivo e ornamental. Também nos préd ios Neoclássi· partes altas dos compartimentos, facilitando a tira -
cos. o ferro se imiscuía em colunetas ou vigas, gem (que já não se faz com igua l perfeição nas
como por exemplo, em dependências do Hospício nossas casas dos dias presentes). Os porões com
de D. Pedro 11, Casa da Moeda, Santa Casa; pene · grades de ferro também tinham o objet ivo da boa
trou nos pequenos templos Neoclássicos erguidos ventilação .
por Glaziou nos seus jardins românticos, e assi'm
em edifícios religiosos. como a graciosa capelinh a
Mayrink, na Floresta da Tijucà (hoje enobrec ida
com os painéis de Portinari), a qual tem a forma de
temp lo romano. e à frente um pórtico sustentado
por esguias e graciosas co lunetas coríntias de ferro
fundido); e também penetrou nas marquises cober ·
tas de levíssimas folhas de flandres que protegiam
as entradas de sses prédios, como se pode ver na
casa da Marquesa de Santos, na Avenida Pedro 11
(que também foi residência do Visconde de Mauá,
de cujas usinas na Ponta da Areia, teria ta lvez
saído a marquise); na casa já demolida da Praça
Condessa de Frontin n<? 52 no Rio Comprido; e
ainda na casa de Fazenda de S. Bernardino, em
Nova Iguaçu - todas as quais co lunas, vigas, mar-
qu ises, eram peças ousadas, que abr iam um cami·
nho novo para a arquitetura .

Na casa da Marquesa de Santos ainda se conser-


vam, no madeiramento da cobertura: braça de iras,
peças em forma de losango (para associação de
uma linha de tesoura interméd ia aos pendurais que
lhe ficam por cima e por baixo), etc ., e Gera ldo
Câmara encontrou, nos barrotes que sustentam o
piso do salão oval dos fundos (que se supõe obra
de Pézérat), curiosos tirantes de uma polegada, em
cavaletes nos cantos e de níve l ao centro (um de
cada lado dos barrotes, e fixados a eles) -, inequi-
vocamente destinados a combater o momento po -
sitivo no centro do vão, visando redu zir a seção
dos barrotes (pouco mais de um pa lmo de altura).
Nos altíssimos rodapés dos salões do pavimento
térreo da mesma casa ainda ex istem grelhas deco ra-
tivas de ferro fund ido, que supomos se destinassem
a venti lar os soalhos de . fr isos, pela parte de baixo,
com o obje tivo de evitar que encanoassem (hoje
em dia costumamos dar, ao longo dos frisos, golpes
de serra contínuos, de fora a fora, com o fim de
"tirar a força da made ira", a qual sempre encanoa

L
Período Republicano
75

Da Proclamação da República mato, a roda d'água parada, as senzalas desmante•


à Revolução de Trinta ladas; dentro da casa, a capela despojada dos san-
tos, cabras pastando nos salões enormes e vazios.
Desagregação da sociedade agrária patr iarcal e as·
censão da burguesia urbana sob o trípl ice impacto Das propriedades urbanas, só persistiram vivas as
da Abolição, da República e da lndustrial izacão. pequenas ou médias, em que os escravos não ocu·
Conseqüências na arqui tetura. · pavam mais do que uma dependência dos fu ndo s.
As grandes casas, umas transformaram-se em esC<l·
Três fatores estão na base das profundas transfor- las, asilos e congêneres instituições: Escola Wences·
mações ocorr idas na cidade do Rio de Janeiro nos lau Braz (a da Princesa Leopold ina, fi lha de Pe-
últimos três quartos de século: a Aboi ição, a Repú- dro 11), Asilo S. Cornélia (a do Comendador João
blica, a Industrialização-, sob o impacto dos Cornélio ); outras, em paláciosdo novo regime: Palá-
quais a sociedade rural do Império, assente na cio do Governo (casa do Barão de Nova Friburgo),
exploração agrária e no braço escravo e aristocrati· Ministério das Relações Exteriores (a do Barão de
zada em suas elites - sociedade de senhores e ltamara t i); ainda outras t iveram de ser abandona-
escravos-, desinteg rando-se de sua coesão patriar· das sendo aproveitadas depois como casas de cô·
cal, cede u o bastão a uma burguesia urbana de modos, que, transformadas em cortiç os, foram, co-
comerciant es, indus triais, funcionários públicos, mo as estalage ns em que os novos-ricos acharam
prof issionais liberais e militares, e a um proletaria - um bom emprego de capital, uma nota t ípica da
do indust ria l cuja importânc ia tem crescido inin- paisagem do Rio nos três primeiros decênios da
terrupta ment e. República, que Alu ízio Azevedo, o nosso Zola,
A Abolição, para a arquitetura foi o fato capital. O descreveu em O Cort;ço. Mas como todas essas
escravo tinha na soc iedade colonial e na imperial moradias fossem insuficientes, foi invadido um
tríp lice significação : na economia, como fator de morro, o da Providência, na Saúde (que os solda-
produçã o; na família, de que participava efetiva- dos voltando de Canudos batizara m de Morro da
Favela por acharem semelhança entre a miséria
mente, contr ibuindo para lhe dar um calor de
deste e a do reduto cios fanáticos), primeiro de
human idade e uma coesão, que sem ele ela perdeu;
uma intermináve l série de morros que dão hoje à
na casa, fosse a rural ou a urba na, cujo funciona -
urbs um a aparência única no mundo, de uma cida-
mento dependia dele e cujo programa sem ele teve
de de que a quinta ou sexta parte de seus habitan·
de ser não somente redu zido C<lmo modifícadó na
tes vivem em casebres.
sua orgân ica e no seu funcionamento.
A Re,:iública, beneficiada com a Abol ição, que
As prop riedades rurais, ou empregaram o colono acarretou a imigração em larga escala do trabalha-
assalar iado, ou perecera m de todo, deixando atrás dor livre, foi causa de democratização pela extin -
ele si ru ínas pungentes, como ainda se pode ver no ção dos privilégios da nob reza e sua gradual des•
Vale do Paraíba: o terreiro de café invadido pelo truição e pela imp lantação de novos costumes a
76 Paulo F. Santos

que contribuíram o bonde, o café, o cinema, o duas culturas distintas, e que na arquitetura e na
futebol e tu(io o que favoreceu a mescla de clas- construção se fez acompanhar de múltiplos confli·
ses-, ainda que isso tenha sido atingido com a tos, causas principais da desorientação de arquite·
quebra de valores tradicionais insubstituíveis: os datos e construtores: 1Q) conflito de classes: aristo ·
vida patriarcal, destruída com a substituição da cracia versus burguesia; 29) conflito de programas:
grande propriedade, cujas raízes mergulhavam no a casa grande rural e a casa apalacetada urbana ver·
âmago mesmo da nacionalidade, pela unidade mer· sus a fábrica ou usina da casa de tamanho médio ou
cantil, despersonalizada e interesseira nos moldes pequeno, mais tarde substitu ida pela casa co letiva
ainda atuais. ( úesde então nossa economia embora de apartamentos; 3Q) conflito no agente de traba·
ainda agrária tem tido como pólo centra lizador lho. o escravo submisso e des interessado versus o
não mais o campo mas a cidade, onde se situa a homem livre, ·arrogante e ambicioso; 4q) conflito
sede da empresa mercantil). de técnicas: a artesana l a despertar uma atitude
compromissada, amorosa, entre o homem e o obje·
Na arquitetura reduzem-se os programas, primeiro to do seu trabalho versus a mecânica, impessoal,
pelo fracionamento da grande propriedade em lo· fria, em que o homem é reduzido a um autômato;
teamentos, cada terreno se repartindo em numero· 5Q) conflito nos métodos de trabalho: trabalho por
sos outros, em cada um dos quais se erguiam casas unidades, cada qual contando como um caso parti -
de menores proporções; depois, na substituição da cu lar, individualizado, versus trabalho despersona·
casa individual pelo prédio coletivo de apartamen- lizado, em série; 6Q) conflito nos mater ia is: alvena·
tos que reunia na mesma casa muitas famílias, a ria e madeira versus ferro, cimento Portland, con·
princípio pertencendo todo o préd io a um só pro· ereto armado, e, de modo geral, invasão de produ-
prietário, depois a proprietários distintos, um para tos industrializados, com os quais os outros não
cada pavimento; finalmente no fracionamento de podiam competir em preço: a partir da made ir~
cada pavimento em unidades separadas de condo· que submetida a processos de serragem e transpor·
mínio - seqüência que t raduz um inequívoco pro· te mecânicos nos chegava mais barata, como o
cesso de democratização. pinho de Westervick, Riga, Suécia, América, do
que das nossas matas vizinhas; vigas e colunas de
A Industrialização introduziu novos materiais e ferro de Liege, Essen, Shefield ou Birminghan;
processos e métodos de construir que afetaram te lhas Roux Freres de Marselha; telas de metal
irreversivelmente e em escala crescente a arquite· dép/oyé; papéis pintados e papier-marché de proce-
tura. Já no princípi~ do século XIX, a Revolução dência francesa; azulejos de Rock e Villeroy; ladri•
Industrial, iniciada na Europa no século ante rior, lhos de Laurin; cristais de Saint-Gobain; vitrais de
começava a influir no Brasil substituindo a produ· Dresden; vasos sanitários e lavatórios floridos de
ção artesanal pela mecânica padronizada e em sé- Dalton e Twyfords; ferragens francesas; pára-raios
rie, a qual, com a conquista dos mercados difundia belgas; lustres e arandelas para gás, de opalina ou
novas normas de pensamento e ação que conduzi· de cristal Baccarat (alguns para duplo fim, gás e
ram o arquiteto, o engenheiro, o construtor, a eletricidade, traduzindo mais um conflito de técni -
considerarem os prob lemas não em termos de arte· cas); estuques moldados em série "prontos para
sanato como no período Colonial, mas no de in- ap licar" (vasos, balaústres , cartel as, consolos,
dústria, criando a mentalidade propícia a esse cam· tímpanos de frontões, sancas, cimalhas); sacadas
po de atividade que com a República tomou novo de ferro também fundidas em série; etc. 7Q) confli-
alento e de etapa em etapa daria à arquitet ura to nas estruturas dos edifícios: edifícios de alvena-
caráter industrial. ria com varandas postiças de abobadilhas e colune-
tas de ferro; arranha-céus com as paredes perime·
A passagem de uma para outra sociedade - a dia trais sustentantes de tijolo e o miolo de ferro (os
Império para a da República - introduziu como tri· da Avenida Cent ral eram assim) e edifícios todos de
buto certa vulgaridade de costumes e gosto que só ferro imitando no ferro as formas peculiares à
agora começa a ser compreendida como inevitáve l madeira (Mercado Municipal, recentemente demo-
conseqüência de uma época de comprqm isso entre lido ) - através dos quais conflitos e aparecimento
Quatro Séculos de Arquítetura 77
de novos materiais, as novas condições de técnica, apenas 33 m de largura, quando a Avenida de
de trabalho, de vida, da Era Industrial acabariam Waterloo em Bruxelas fora aberta com 84 m, a des
inevitavelmente por se impo r. Arts em Antuérpia com 60 m, a do Ring em Viena
com 57 m, as dos Bois de Boulogne e Champs
A Década 1900-1910 Elisées de Paris, respectivamente 142 e 77 m, as
dos Passeo dei Prado e demais passeos em que ele se
De todos os fatos que assinalaram a passagem do prolonga, em Madrid, com largura variável mas
1rnpério para a Repúb lica, nenhum excedeu em também muito grande e servidos de vários rond-
importância para o Rio de Janeiro ., à remodelação points em que o trânsito até hoje se distribui de
da cidade, empreend ida no Governo Rodrigues Al- maneira admirável, e no próprio Brasil a Avenida
ves (1902-1906). O Rio de Janeiro dos últimos Afonso Pena em Belo Horizonte acabara de ser
anos do sécu lo XI X não passava de uma cidade de construída pelo engenheiro Aarão Reis com 50 m
uns 500 mil hab ita ntes (só em 1906 ela chegou a de largura.
62 1 mil), com ranço colonial: ruas estreitas, muitas
ainda calçadas a pé-de-moleque, casario rasteiro, Ambos melhoramentos - as instalações do porto e
raramente de mais de dois ou três pavimentos, a Avenida Central - faziam parte de um plano
iluminação mortiça de reduzido número de lam- urbanístico de envergadura, obra do prefeito Fran -
piões a gás, e em que só de quando em quando se cisco Pereira Passos que com atitudes decididas e
via uma carruagem ou um bondinho puxado a em certos casos até violentas (o bota aba ixo do
burros, trafegando morosamente. Em pouco mais dito popular), demoliu um número enorme de
de meio século a cidade ultrapassou os 3 milhões e prédios da noite para o dia, rasgando logradouros
500 mil habitantes, com amplas rua s e avenidas modernos, em que três grandes novas avenidas
asfaltadas, enxames de arranha-céus de 1O, 20 e 30 desempenharam papel decisivo: Mem de Sá, Cen-
pavimentos , iluminação elétrica feérica e um trân · tral e Beira-Mar, as duas primeiras formando um V
sito alucinante de automóveis. De cidade colonial, que cortava as quadrículas do centro em duas
transformou-se em metrópole moderna. direções-chave, o vértice do V sendo seccionado
pela última (velha sugestão do plano Rebouças),
principal responsável pela fisionomia inconfundí·
Passos e seus Colaboradores vel do Rio Moderno. Rasgou ainda as avenid as :
Salvador de Sá, Gomes Freire, Passos; um grande
Colaboraram na remodelação da cidade homens boulevard, o Vinte e Oito de Setembro ; con struiu .
ilustres, como Oswaldo Cruz que a saneou livran- na sua forma atual os largos da Glória, do Macha-
do-a do flagelo da febre amarela que a atormentava do, do Rocio, de São Domingos; remodelou o
desde meados do século anterior e Lauro Müller Campo de São Cristóvão; alargou as ruas Uruguaia·
que com a cooperação de José de i Vecchio e Paulo na, Treze de Maio, Carioca, Assembléia, Sete de
de Frontin dotou-a respect ivamente de um porto Setembro, Marechal Floriano, Visconde de Inhaú-
modern o à altura de uma metrópole e de uma ma, Acre, Visconde do Rio Branco , Camerino , Frei
urande avenida centralizando as comunicações para Caneca, Santa Luzia, Catete, Bento Lisboa, Laran-
11szonas norte e sul - Avenida Central. Esta - jeiras, Marquês de Abrantes, Senado r Vergueiro,
c:ontra a opinião do professo r Morales de los Rios etc .
(µai) que a queria com não menos de 50 m de
lnrgura e tendo no entroncamento com a Rua Sete Várias das novas ruas - com espanto e até prot esto
do Set embro um rond point de 120 m de diâmetro dos moradores - passaram a ter 17 m de largura,
(como em l'Étoi le de Paris) de onde haveria de ou 25 m, como a Marechal Floriano; os leitos
11111 tir até à Praça da Repúb lica outra larga avenida foram abaulados com sarjetas latera is (ao invés de
tio 40 m que no extremo oposto atingiria o Cala- caimento para o centro típico das ruas que vinham
1iouço - , ao invés disso, fo i traçada sem o rond· da corte); surgiram os calçamentos de asfalto ou de
11nlnt, sem essa avenida transversal, e, à imitação paralelepípedos de granito com lastro de.concreto
d t!', boul evards de Haussman, na mesma Paris, com (em lugar do pé-de-moleque colonial); passeios de
78 Paulo F. Santos

concreto cimen ta do (ao invés dos pesados passeios mento e autorizou porões habitáveis de no mínimo
de lajeões de pedral, ou ainda forma ndo capricho- do is metros e no máximo três met ro s. Os pés-direi -
sos desenhos - os passeios de pedras calcárias e to s no in ício. do século XI X raramente at ingiam a
basálticas trazidas de Portugal {como assim os cal- quatro metros; posturas municipais de 1838 eleva-
ceteiros especializados na sua colocação) , até hoje ra m para o mínimo de 4,40 m o do primeiro
conhecidos como de pedra portuguesa, usados em pavimento {admitindo a diminuição de um palmo
alguns logradouros principais entre os qua is a Ave- em cada pavimento super ior), ainda aumentado
nida Cent ral e que com o tempo se tornaram nota para 4, 70 rn nas de 1878 e para cinco metros nas
característica da cidade do Rio de Janeiro; chan - de 1892, estas últimas chega ndo ao extremo de
fraram -se e arredondaram-se os cantos dos quartei- estender a mesma medida ao segundo e ao terceiro
rões; criaram-se ref úgios para pedestres; melhora- pavimentos (red uzidas no ano seguinte para
ram-se as instalações de água, esgoto s (de águas 4,50 rn e quatro metros respectivament e). É possí -
servidas e pluviais, estes dotados de robustos e bem vel acompanhar o efeito desse au mento de pé-direi·
traçados bueiros), gás, iluminação elétrica; esten- to (desejável para os palácios e ed ifícios públicos)
deram-se as linhas de bondes pelos bairros e substi- nas casas de exígua t estad a, t endo sido essa uma
tuiu-se a tra ção anima l por tração elétrica; arbori - das razões de a arquitetura da década 189 0-1900
zaram -se as ruas; criaram-se jardins (na Praia de haver exigido uma sobrecarga de orname ntaç ão
Botafogo, na Glória, no Alto da Boa Vista, etc.), que plasticamente corr igisse o exagero da altura . A
reforma ndo-se ou melhorando-se os existentes na redução introd uzida pelo prefei to Passos fo i um
Praça da República e outros; abriu-se o túnel do benefício mas só em 19 17 foram adotados p és-
Leme; canalizaram -se, retif icaram-se, melhoraram- direitos de três metros em uso até hoje.
se os cursos dos rios: Comprido, Carioca, Trapi-
cheiro, Maracanã, Berquó, Joana e Banana Podr e;
remodelo u-se o Cana l do Mangue, marginando-o A Capi t al Federal
com palmeiras imper iais que tanto impressionaram
mais tard e Le Corbusier. O plano de Passos, elaborado com ponderação,
equilíbrio e largueza de visão de u m verdade iro
Foi de resto este genial arqu iteto franco-suíço urbanista, inaugurou uma nova etapa na hist ór ia da
quem deu a definitiva consagração à obra do gran- cidade. As artér ias que criou deram desafogo ao
de Prefeito em u ma de suas conferências pronun - tráfego e resultaram sempre de estudos cu idadosa·
ciadas no Rio de Janeiro em 1936, quando disse a mente rea lizados na pra ncheta que o Prefeito pu-
certa altura: "Be m sei que o prodigio so espetácu lo blicou em livro em 1906. As avenidas ajardinadas à
natural q ue envolve e dom ina o Rio - suas baías, beira -mar vaiorizaram as belezas natu rais d a cidade
suas montanhas - exist iram sempre. Faltava entre- e passaram a ser a sua atração mais procur ada. Aí
tan to dar a esses elementos naturais e exuber antes se fazia o corso de automóveis com a capo ta arr ia-
o meio de nos toca r profundamente . Era prec iso da, ou uma volta aos domingos em carros a lugados
encon tra r a escala humana que pudesse servir de a hor a; e aos sábado s, no Flamengo, no t recho da
base de aplicação. Sem Passos o Rio permaneceria Rua Paissandu, conc entra va-se à noite o footing
u ma agradáve l cidade de colôn ia. Com Passos ... elegante que à tarde demandava a Avenida Centra l
ingressou de vez no rol das grandes capita is do e se detinha em aglomerações não menos elegantes
mundo; Rio, paisagem admirável, transformou-se nas salas de espe ra dos cinemas e nas sorveterias,
em Rio, grande cidade ... " nas quais as orquestras tocavam músicas româ nt i-
cas, com que se completava o quadro Bel/e
Posturas Époque. A ida ao Municipal , seja em automóv e is
particula res ou de aluguel, seja em bondes esp eciais
Em 1903 o benemérito Prefeito elaborou novo - que t inham os bancos forrados com cap as de
regulamento de construç ão que vigoro u até 1925 e lona para preservação dos vestidos das senhoras -
0

que entre outras medidas reba ixou para quatro constituía nas soirées de gala da Ópera e da Com-
met ros o pé-dire ito mínimo do primeiro pavi· panhia Francesa o supra-sumo da elegância. Já não
Quatro Séculos de Arquitetura 79
se dizia mais "Rio de Janeiro ", mas "Capita l Fede- repetindo a prática adotada por Percier e Fontaine,
ral" - nome de um livro célebre de Coelho Neto , para Napoleão, nos prédios da rua de Rivoli em
que retrata a modernização da cidade. Paris e também empregada na Praça Vendôme, ou
seja a de se projetarem pr imeiro as fachadas e
t,..s novas obras atraíram engenheiros, arquitetos, depois as plantas - , institui u um Concurso Inter-
construtores e desenhistas estrange iros, e insufla - naciona l de Fachadas, em que como programa só
ram vitalidade nos de casa, principa lmente nos contav am a largura do lote e o gabarito regu lamen-
orqu itetos, que eram por então em número muito tar, com o que, cont rariando o sentido orgânico
redu zido, bastando dize r que a Academ ia Imper ial inerente a todo verdadeiro projeto arquitetônico -
de Belas-Artes, transformada pela Repúb lica em em que p lantas, seções e fachadas formam um só
Escola Nacional de Belas-Artes - fábr ica de onde todo ind issolúvel - se deu sanção lega l ao conceito
eles saíam - na década que se seguiu à mudança q ue persist iu por mais de tr inta anos {até o sucesso
do regime (1890-1900), não diplomou mais que .alcançado pela moderna . arquitetur a do Brasil} de
três desses profissionais , u m· dos quais Heitor de q ue o arquiteto era um desenhista de fachadas.
Melo, que começou a trabalhar como arqu iteto em
1898 . 1nscreveram-se 107 concorrentes - brasi leiros,
franceses, ingleses, italianos e outros-, com 138
A Arqui tetura na Avenida Central projetos, sendo classificados em 1Ç lugar Rafael
Rebecchi, em 29 Adolp ho Morales de los Rios
A abertura da Avenid a Central foi o fato cap ita l (pai) professor da ENBA, que também obteve três
desse pr incí p io de século. Com eçava numa praça a menções honrosas, em 3<? M.E. Hehl, professor da
(Jue sugestivamente foi da do mais tard e (1910) - Escola Politécnic a de São Paulo, em 4Q e 5Q Tho-
mas Drien dl, em 6Ç René Badra .
home nagem do Clube de Engenharia - o nome do
pion eiro da industrialização do Brasil, Barão e de·
po is Visconde de Mauá, cuja estátua (bronz e de R. No prazo record e de vinte meses foram desapro ·
l:3ernar de lli), à imit ação da de Nelso n em Trafalgar priados e demolidos 590 velhos prédios, numa
Square , foi colocada no cimo de um a coluna dór i- extensão de 1. 795 m, reloteados, vendidos ou per-
ca no centro da praça . Para os préd ios da aven ida, mutados os terrenos, e rasgada a avenida, inaug u·
11 comissão construtora incum bida das ob ras - rada por trechos, o prime iro em 7 de setemb ro de
190 4, o segundo em 15 de no vembro de 1905 ,
ambas as inaugurações com fest ividades de que nos
deram sugest ivas descriçõ es as revistas Kosmos e
J scola de Belas-Artes, na Avenid a Central, RJ. Projeto de
Renascença.Na inaugu ração do segundo trecho, a
1\, Morales de los Rios. 1900-1910 mais pomposa, feita com mau tempo , como mos-
tram as fotografias em que aparece um mar de
chapé us-de-chuva, já se viam ao centro lâmpadas
elétr icas de arco voltáico, dos lados lampiões de gás
(sempre o con flito de técnicas) e dezenas de pré-
dios recém-construídos, o prime iro dos quais , da
famí lia Guinle , tivera sua pedra fundame ntal lan-
çada em março de 1904, apen as três meses depois
de encetadas as negociações para as desapro-
priaçõe s.

Variedade de Estilos
Além dos premiados no concurso, praticamente
tod os os principais arquit etos, engenheiros e cons -
t rutores da época realizaram projetos de prédios
80 Paulo F. Santos

para a nova avenida, Of quais ainda que rotulados to Italiano; para a posterior, numa arquitetura livre
sob os mais diversos estilos, na maioria não os e ousada de grandes baixos-relevos a acentuar as
possuíam, resultando cada qua I freqüentemente da partes principais da composição.
associação de formas oriundas de estilos dist intos.
A preocupação maior era a da variedade, seguin- Misturavam-se assim os estilos no mesmo edifício e
do-se a inspiração vinda de fora, inclusive para os foi ainda o que fizeram, para citar dois nomes - o
prédios mais qualificados, como o da Escola de mesmo Morales de los Rios (autor de mais de uma
Belas-Artes, proieto do professor Morales de los dezena de projetos para a Avenida), no Café Ará-
Rios (pai), edifício de planta simples e bem resol- bico-Persa, conhecido por Café Mourisco, e Heitor
vida, e, no exterior , de nobre presença e importa n· de Melo, num trabalho que denominou de suíço·
te jogo de massas, inspirado para a fachada princi- alemão.
pal na ala de Lefuel e Visconti, do Louvre, de
meados do século anterior e ainda sucesso na épo- Outro dos principais edifícios da nova avenida, o
ca; para as laterais, na arquitetura do Renascimen- Teatro Municipal - que, _pelo partido e tratamento
plástico, se inspirou na Opera de Garnier -, soube
ter uma planta funcionalmente bem resolvida, que
o situa até hoje entr e as melhores casas da cidade,
no gênero - única apropriada para os espetáculos
Edifício conhecido como Café Mourisco, na Avenida de maior classe, como os de Ópera, Ballet e Compa-
Central - RJ. Projeto de A. Morales de los Rios.
1900-1910
nhia Francesa, nos intervalos dos quais, uso que já
vaí sendo abandonado, as circulações funcionavam
como salas de reunião, em que se mantinham con·
versas e comentários de espírito e onde as damas
exibiam suas jóias e toilettes - teve preciosa exe-
cução sob a direção do engenheiro Francisco de
Oliveira Passos, autor do projeto em que co labo ra-
ram Antonio Raffin, Charles Peyroton, Emilio
Bion e J. Personnene, sendo chefe da equipe René

Teatro Municipal - RJ. Projeto de Francisco de


O!iveíraPassos 1900-1910
Quatro Séculos de Arquitetura 81
Bad ra (que depois levaria a melhor a Heitor de Na mesma avenida foram construídos ent re nume -
Melo quando da escolha do arquiteto-chefe da rosos outros, em maioria de gosto duv idoso, o
Exposição de 1908}. Recebeu vitrais desenhados edifício do Jornal do Brasil, do arquiteto Ludovico
em Stuttgart e executados em Munich, lampadá- Berna, professor da ENBA; o do Jorna l do Comér•
rios de Verlet, estátuas de Rodolpho Bernardelli, cio da firma Anton io Jannu zzi Filhos & Cia., que
pinturas de seu irmão Henr ique e de Visconti -
estas no foyer , no pano de boca, na parte superior
do proscênio e na cúpula, as duas últimas tratadas
à maneira pont ilhista, filiad a à corrente Impressio-
nista européia do último q uarte l do século XIX, Edifí cio do Jornal do Brasil, na Avenida Central - RJ.
impondo-se para o Brasil, como expressão d e. arte Projeto de Ludovico Berna. 1900-1910
bem qualificada, prec urso ra da Idade Moderna,
q ue só trinta anos depois iria se firmar.

Teatro Mu nicipal- RJ. Projeto de Francisco de Oliveira


Passos. 1900-1910. Planta baixa
82 Paulo F. Santos

construi u o rnaior número de prédios da Avenida, mente o estilo Neogót ico (ou Neorornân icogó -
a que doar ia o obelisco que lhe marca o entronca - t ico) e os orientais. O primeiro, adot ado na bo nita
mento com a Avenida Beira-Mar; o do Hotel Ave- casa ainda existente na Praia do Russel, pro jeto de
n ida, do arquiteto F. Caminhoá (também autor da Thomas Driendl e em porme nores (janelas em
Matriz de Petrópolis, iniciada no ano da procla ma· ogiva) de um ou outro prédio foi de preferência
ção da Repúbl ica) o das Docas de Santos, com empregado na arquite t ura religiosa, nele sendo pro-
uma rica fachada de cantaria lavrada, construção jetadas as igrejas de Nossa Senhora da Paz em
de Antonio Jannuzzi Filhos & Cia., projeto de Ipanema e a do Senhor do Bonf im em Copaca-
Ramos de Azevedo, radicado em São Paulo, que bana, ambas de autoria do professor Gastão Bahia-
associado a Ricardo Severo foi lá o principal arqui- na que nelas fez praça dos seus conhec imentos de
teto da cidade; o da Biblioteca Nacional, projeto estereotomia, imitando na argamassa do revesti-
do General Souza Aguiar, autor também do pro - mento as juntas de pedraria da arquitetura medie-
jeto do Palácio Monroe. val, de que se mostrava autoridade nas suas lições
na ENBA; nos segundos, geralmente tratados com
O Neogótico grande perfeição de execução, construíram-se o
e os Estilos Orientais Pavilhão Mourisco, situado no fim da Pra ia de
Botafogo, no qua l predom inavam os dourados e
Nesse mostruário de est ilos em que se misturavam azuis de vistoso efeito; o Instituto de Manguinhos,
os característicos do século findo e alguns rema· obra do arquiteto Morais Jardim (também auto r
nescentes do período Colonial, as vilas francesas, do edifício da Benef icência Port uguesa e da Igreja
os villinos ita lianos - entre os quais se distinguiam, da Penha), que, com sua graciosa silhueta d e to ns
pelos extensos beirais e formas típicas, os florenti - rosados emergindo dos altos de um outeiro, forma
nos-, e ainda as casas de estilo internacional feitas hoje agradável contraste para quem vem da Ilha do
de tijolinhos com os cunha is salientes de massa e Fundão, com as formas funcionalmente frias da
bossagem (as casas florent inas comumente também Universidade Federal do Rio de Jane iro; o Café
tinham esse tratamento), incluíam-se esporadica- Mourisco e o Restaurante Assírio, este situado no
pavimento térreo do Teatro Municipal, o outro, na
esquina da Avenida Central com a Rua do Rosário,
ambos de autoria do professor Morales de los
Instituto Ô$Va/<JoCruz, atual FJOCRUZ - RJ. Projeto Rios (pai).
de Morais Jardim. t900-1910
Banimento do Colonial
A revivescência de estilos h istóricos não inclu ía,
nesse princípio de século, o estilo luso-bras ileiro
do tempo da colônia, o qual, nas reformas que se
faziam realizadas sempre com incompreensão e
desamor (ainda não tínhamos àquele tempo a ter -
nura que hoje nos inspira tudo que é português ), ia
sendo descaracterizado. Foi o que aconteceu com
o ant igo Convento do Carmo na Praça XV de No-
vemb ro - sendo, desde 1849 e durante mu ito tem-
po, sede do Instituto Histórico-, cuja fac hada fo i
radicalm ente modificada em 1906-1907 pe lo enge-
nheiro civil Hermann Fleuiss, com a aquiescência
de Rui Barbosa, Nilo Peçanha, Pinheiro Machado,
etc. e aplauso da revista Renascença,q ue fala em
"aformoseamento da praça" e classifica a nova
fachada como "uma das mais formosas desta capi-
Ouatro Séculos de Arquitetura , 83
ta l", tratando a antiga de "horrendo casarão" (pa- gosto e até técnica de apresentação exerceram in-
lavras de Max Fleuiss). Para nós da DPHAN, a nova fluência nas artes decorat ivas do Rio de Janeiro
não passa de um emplastro e a antiga, pelo que daquele tempo e mesmo nas artes maiores, em
conhecemos através das fotografias , nos parece tão Visconti, por exemplo, que segundo Angione Cos•
boa que estamos cogitando de tombar o edifício ta foi na Europa aluno de um dos g·randes da Bel/e
para ret irar o emplastro e restabelecer a anterior. Époque, Eugêne Grasset, também professor de Lu·
Outro exemplo é o da capela do antigo convento cílio de Albuquerque, cujos cadernos de aula Flá-
da mesma Ordem - sede do cabido e catedral vio Motta publicou. Na arquitetura, por falta de
desde 1808 -, reformada em 1889 e que em 1905 adequada catalogação nas épocas próprias - o que
ganharia nova torre de grande altura (projeto do vai exigir agora uma investigação muito mais peno-
arquiteto Sílvio ·Rebecchi) -, obra acadêmica e sa e difícil-, são muito poucos os remanescentes
inexpressiva, que à sensibilidade dos dias presentes estudados, entre os quais se contam dois já citados
parece muito inferior à da capela dos séculos por Lúcio Costa - um "na versão praieira da casa à
XVII! e XI X de que só subsistem o primeiro pavi- Avenida Atlântica, esquina de Prado Júnior, onde
mento da fachada e a maior parte dos interiores da morou Tristão da Cunha" ... que ostentava "no
nave e capela-mor . cunha i o timbre do arquiteto Silva Costa", outro
"na versão . mais 1::1laboradada casa onde residiu,
Na década 20 -30 o mesmo processo de descaracte- também no Leme, D. Lúcia Coimb ra, née Mon-
rização prosseguiria, com a pacífica e às vezes teiro", ambas já demolidas. Muitos prédios ainda
elogiosa sanção da opinião pública, quando foram existentes sem que possam a rigor ser considerados
modernizados, primeiro a antiga e famosa Casa do Art Nouveau, incluem elementos nesse estilo: gra-
Trem, para receber o Pavilhão das Grandes Indús- des, lambris, mobiliário, lustres, etc. É o caso da
trias da Exposição de 1822, por ironia concebido Torre Eiffel na Rua do Ouvidor, projeto do prof.
em estilo Neocolonial; depois, a Igreja do Parto, Adolpho Morales de los Rios (pai), principalmente
que afinal demolida deu lugar a um arranha -céu - nas grades dos guarda-corpos externos e internos,
ambas as obras de grandes arquitetos dessa fase. em particular nos últimos. Raro, aliás, é o prédio
do centro da cidade construido, por volta de 191 O
cujas grades não sejam Art Nouveau, em que domi-
Art Nouveau nava a linha serpentina com a disposição muito
típica de o mesmo vergalhão quadrado de ferro
Não se limitou apenas a revivescência de estilos nos caprichosos movimentos a que era submetido,
históricos esse princípio de século, notando-se mudar de seção, de quadrado tornando-se acha-
ta mb$m, desde 1900, manifestações de Art tado, mas de maneira irregular (com a seção trape-
Nouveau, então ainda em seu efêmero mas eferves- zoidal muito delgada de um dos lados e espessa e
cente surto, na Bélgica, França, Áustria, Alema- às vezes com rebordos salientes do outro lado),
nha, 1nglaterra, ltál ia e outros países da Europa. O recebendo nas extremidades motivos florais em
episódio ainda precisa ser estudado, mas é possível bouquet achatado . Foi de resto a insistência no
desde já avaliar sua vita lidade nas artes gráficas, na emprego de vergônteas e flores que deu ao estilo
pint ura, na sensibi lidade das elites, folheando-se as na Itália a designação de floreal.
,evistas da época: Renascença, Kosmos, Malho,
principalmente Kosmos, que veio ao prelo em À mesma chave de movimentos de arte nova per-
1904 e que na sua essência pode ser considerada, a tence o trabalho (não premiado) apresentado por
part ir da capa e toda ela - nas cercaduras dos Victor Dubugras no concurso de projetos para o
nrtigos, nas vinhetas, . em todos os títulos livremen- Teatro Municipal e os de Carlos Eckman para os
to desenhados - uma revista Art Nouveau. No- edifícios Hasenclever e Herm Stoltz, da Avenida
la m·se igualmente em muitas das pinturas apresen· Central, referidos por Flávio Motta num dos seus
Indas ao salão as características do cartaz de propa· interessantes trabalhos sobre Art Nouveau -, ainda
qonda típicos da Bel/e Époque, de que foi mestre que estes dois últimos sejam -num espírito diferen ·
no Europa Tou louse -Lautrec, cuja sensib ilidade, te do adotado pelo mesmo arquiteto na Vila Pen-
84 Paulo F. Santos

teado de São Paulo (que é dos mais qualificados arquiteto Antônio Virzi - que Lúcio Costa lem-
exemplos de Art Nouveau no país) - revelando brou ser cons iderado uma espécie de ovelha-negra
propósitos de simplificação formal num sentido da arquitetura, o que sendo verdade para os da
menos decorativo e mais estrutural. Heitor de nossa geração não o é para as gerações atuais a
Melo, na primeira fase de sua carreira (1898-1905), ponto de uma de suas casas situada à Praia da
hesitava entre o historicismo e a ruptura com o Glória, te r merecido a atenção do professor Yves
passado tendo realizado três trabalhos no estilo Bruand num substancioso artigo sobre Art
inaugurado por Joseph Olbrich na galeria da Sezes - Nouveau que acaba de publicar em Paris. Essa casa
sion de Viena (1898} e logo depois faria mais um e a recém-demolida casa da fam í1ia Smith de Vas-
projeto nesse estilo. · concelos na Avenida Atlântica, embora sem a niti-
dez de filiação se aproximam mais do Modernismo
Lugar à parte na arqu itetura do Rio de princípio Catalão de Gaudi em Barcelona ou de Riera em
do século deve ser conferido à arte pessoal do Madrid do que dos múltiplos outros movimentos
paralelos da Bélgica, França, Áustria, 1nglaterra,
Alemanha e Itália, que Benévolo (~961) e
Schmu ltzler (1964) enfeixam na chave Art
Nouveau. O Neogótico de Virzi na casa Martinelli
Teatro Municipal - RJ. Projeto apresentado em na Avenida Osvaldo Cruz tradu z vagam e nte mais
concurso por V. Dubugras (segundo Flávio Motta).
1900-1910
uma filiação com a arte de Gaudi (Igreja da Sagra-
da Família) e a casa Elixir de Nogueira que o
Patrimônio do Estado está cogitando de tombar,
também se aproxima do Modernismo Espanhol.

casaà Praia do Russel - RJ. Projeto de A. Virzí (d~cada


de 1910-1920)
Quatro Séculos de Arquitetura 85
A Exposição de 1908 um bom arquiteto de um mau terreno. Rafael
Rebecchi, vitorioso no concurso de fachadas para a
A desenvo ltura que caracterizou os projetos arqui- Avenida e para a sede social do Clube de Engenha -
t etônicos da Avenida Central, degenerou em licen - ria, projetou, já en tão com o filho, Sylvio, a casa
ça na Exposição de 1908 na Praia Vermelha, cujo cem por cento francesa da família Grandmasson na
plano foi co nfiado ao então jovem engenheiro Praia de Botafogo. De Sylvio Rebecchi cremos
Sampaio Correia, tendo como arquiteto-chefe deva ter sido também a bonita casa de linhas
René Badra, auxiliado nas decorações pictóricas florentinas dos Irmãos Bernardelli na Avenida
ent re outros por Amoedo, Hélio Seelinger, Calixto, Atlântica esquina do Lido, cuja construção foi dos
Timótheo, Crispim -, em que a má imitacão das Rebecchi e o projeto é de admi tir o tivesse sido
form as que se haviam dado à Exposição de Paris de porque a Angione Costa, Rodolfo Bernardelli falou
1900 conduziu a soluções de uma hibridez e desco- da sua intenção de construir um barracão habitável
medimento que só podem ter sido inten cionalmen- ond e montasse o seu atelier, a que se opôs "Sylvio
t e procurados se se tem em conta os nomes dos Rebecchi" seu "grande amigo", e ademais, há gran-
que assinaram os projetos: Ricardo Severo e Ra- de semelhança de estilo, partido e sensibilidade
mos de Azevedo, o do Pavilhão de São Paulo ;"' entre essa casa e a de residênci a do arquiteto.
Rafae l Rebecchi, os dos Pavilhõ es de Minas Gerais Rodolfo (que a prof. Celita Vaccani na sua biogra -
e Bahia e o da porta monu mental. Nem por h íbri - fia do artista diz ter sido o proprietário da casa)
da e descomedida na sua arquit etura, deixou a deve ter colaborado na arquitetura porque, quando
Expos ição de ser descrita na revista Kosmos, como o diretor da ENBA - no testemunho de Gustavo
" uma cidade de encantamento ... " . Barroso-, interferiu substancialmente na constru-
ção do edifício. Os do is torreões da casa, qu e
A Década 1910-1920 abrigavam os ateliers de pintura, eram decorados
junto aos beirais com afrescos de Victor Meirelles,
Rebecch i, Morales, Pedro Américo, Zepherino da Costa, Rodolpho
S. Telles, Heitor de Melo Amoedo, Henriq ue e Rodolfo Bernardelli e outros
e na grande sala de trabalho, com a imponent e
A passagem da primeira para a segunda década d o estátua do Cristo feita para o túmulo de Araripe.
,;écul o fo i marcada po r projetos que r evelavam Ambas as casas - a dos Grandmasson e a dos
maior coerência esti lístic a e apuro formal devidos Bernardelli - já foram de molidas , sendo de lasti-
ent re out ros a Rafael Rebecchi, Morales de los mar que a última não tenha sido transformada em
Rios (pai), Armando da Silva Telles e Heitor de museu. Armando da Silva Telles, arquiteto sóbrio,
Melo. Este, que era também construtor (const ruiu de bom gosto e sólida cultura estilística, foi o
co m projeto de R. Rebecch i o Clube de Engenha - autor das casas apalacetadas de grande classe, em
, ia e com projeto de Morales de los Rios, o Palácio estilo francês, das f amílias Lineu de Paul a Macha -
Ca, dinal ício de São Jo aquim ) foi galardoado com do, na Rua S. Clemente e Eduardo Guinle no par·
o grande prêm io de honra na seção de arquitetura que que lhe guarda o nome, hoje Palácio do Gover-
da Expos ição de 1908, e além do projeto da casa no.
da fa mília Betim Paes Leme na Rua Senador Ver- Técnica de
Transição,
11uciro e os do Hospital Central do Exército, Pol í- os Artífice
c·ia Central (Rua da Relação). Delegacia de Polícia
s
( Rua do Catete), Jóquei e Derby Club (Avenida Nessas casas como nas d~ estilo francês em geral,
Ilia Branco), fez o da casa Renascimento Fran cês empregavam-se revestime
nto a cimento branco fin-
cl.1 Avenida Beira-Mar esquina da Avenid a Oswaldo gindo apare lho, ornamentação cuidada de bom de-
Cruz em que colaborou Gastão Bahiana - casa que senho e telhados
de ardósia (de Angers e Lari-
dont ro das idéias historicistas pode ser considerada viere) ou de folha de Flandres (da Casa Conte-
dt• primorosa arquitetura - talvez o melhor ex em- ville) -, cuja disposiçã
o em mansardas com guarni-
plo eni toda a cidade, do partido que pode tirar ções rendilhadas de zinco ou cobre, lanternins e
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86 Paulo F. Santos

olhais e mesmo os materiais, eram no conjunto e· o serralheiro~, primorosos artesãos de riquíssimas


pormenor, solução hab itual em Paris. NÕs interio- grades e portões de ferro batido - os Santos Carva-
res, além dos papéis pintados (em que se incluíam lho, primeiro, os Pagani depois e os Fabri e os
os acetinados de durabilidade incrível) e dos Pacci no fim - para os quais na sua maneira não há
papiers machés de Henderson e Le Roy, importa- lugar na Era Industria l. Alguns, mais práticos, ten-
dos desde 1895 pela Casa David e usados para do aceitado o rumo que lhe impôs a máquina com
substituírem mecanicamente, nos tetos, os ricos a nova maneira de fazer - mais rápida e econô-
estucados, eram comuns desde as primeiras déca· mica. Dos estucadores, homens habi líssimos que
das do século as esmeradas pinturas a óleo com modelavam em barro toda sorte de ornatos e figu-
cercaduras floreadas, também de muita durabili- ras, alguns não tiveram outra alternativa a não ser
dade, de Puig Domenec Colon e Treidler (ambos mudar de profissão.
aquarelistas de mérito), Colon tendo feito a sua
última exposição já na década de 30 merecendo Na época em que estamos ana lisando, esses ho-
encômios da crítica e por ocas ião de sua morte mens, embora com o destino selado, ainda estava m
elogios também da revista Arquitetura e Urbanis- em plena forma, porque tudo se reduzia a questões
mo; depois as de Ricardo Wendt; esquadrias de gosto e de ~ti/o, já que os arquitetos não se
com assamblagens do melhor tipo francês, de tal davam conta de que as profundas transformações
erudição que pareciam copiadas do tratado de técnicas, eco nômicas e sociais provocadas no mun-
Oslet & Chaix, do carpinteiro Paul Rey (autor das do pela Revolução Industrial em marcha, cujos
obras de carpintaria da casa de Eduardo Guinle) . reflexos já se tinham feito sentir no Brasil desde
móveis de estilo, ricamente ornamentados de Lean- princípios ou meados do século passado, exigiam
dro Martins, a que mais tarde viriam a fazer con· na arquitetura modificações de fundo, orientadas
corrência os de Carlos Laubisch, Hirth & Cia. de dentro para fora (e não ao inverso, como se
(Hirth, desenhista; Laubish, anteriormente chefe fazia) e em que a forma plástica fosse mais efeito
da oficina de marcenaria de Leandro Martins), do que causa, antes resultante do que ponto de
firma de organização germânica, iniciada com pe- partida da transformação.
quena oficina em 1912 e que na década 20-30
começou a predominar sobre a sua concorren te, na Viret, Marmorat,
época em que dispunha de dois soberbos desenh is- Gire, Riedlinger
tas: Hubber e Bruno Salomão. A liquidação defini-
tiva de ambas iria ocorrer, por força de conflitos A década 1910-1920 foi assinalada pela presença
de técnicas: a técnica pré-Revolução Industr ial e a dos profissionais franceses Viret & Marmorat e
técnica de Revolução Industrial - a artesanal e a Gire e do tedesco L. Riedlinger, cuja atuação re-
mecânica - esta sufocando e praticamente anulan- presentou um passo no sentido da integração da
do aquela, reduzida nos dias presentes, de mais em nossa arquitetura na civilização indu str ial.
mais, como indústria, ao mero preparo de protóti-
pos para fabricação em série. Viret & Marmorat foram autores de um dos pri-
meiros prédios de apartamentos da cidade, o edifí-
A Máquina Anula o Homem cio Lafont, situado na Avenida Rio Branco, esqui-
na de Santa Luzia, que com suas circulações verti-
~ comovente conversar com os velhos artífices cais e horizontais bem estudadas e suas fachadas de
dessas e de outras companhias semi-arrasadas ou já grande apuro estilístico, tipicamente francesas,
completamente arrasadas, à espera do fim - profis- contribuíram para a apuração formal do Ecletis -
sionais capazes, oriundos alguns de estirpes ilustres mo. Gire foi o autor em 1917 , do projeto do
dentro da especialidade, cuíos segredos vinham Copacabana Palace Hotel, que com a sua planta
sendo transmitidos avaramente de pai a filho - e funcionalmente admirável, impecáve l ajuste na dis-
agora, desarvorados, sem saber o que fazer das tribuição dos serviços de abastecimento e manu-
mãos, tornadas inúteis por sua implacável concor· tenção e imponente massa arquitetônica, figura até
rente: a máquina. O , mesmo se pode dizer dos hoje en~re o que de melhor se fez no gênero entre
Quatro Séculos de Arquitetura 87
nós ; projetou mais tarde o edifício de A Noite, que de concreto-armado), do de A Noite (o primeiro de
co m os seus 22 pavimentos foi igualmente outro vinte e dois pavimentos com esse tipo de estru-
marco na história da construção da metrópole que tura), do viaduto de Cascadura, das Oficinas do
surgia. R. Riedlinger foi a principal figura dos Campo dos Afonsos (com 93, 1O metros de arco,
pr imórdios do co ncreto armado no Brasil; diplo· na ocasião, 1933, o maior da América), da cúpula
mado na Alemanha por uma escola técnica de do Cinema Roxy (com 36,20 m de diâmetro, à
ensino médio , fez-se aqui grande engenheiro e foi época, 1936, recorde mundial), da ponte sobre o
dos primeiros a mandar vir encarregados de obras Mucuri (com o vão central de 39,30 m, na ocasião,
daquele país, que manejando réguas de cálculo e 1937, também recorde mundial, do edifício do
tendo noção bastante aperfe içoada do concreto Ministéri o da Educação (1937), etc. Formou discí •
ar mado, contribuíram para o aprimoramento da pulos de envergadura: A.A. Noronha, Adalberto
téc nica de construir e para a formação de encarre - Nogueira , Fragoso, J .B. Biddart, Silvio Reis, Silvio
gados brasile iros de elevado gabarito. Chegado em Matos, Jermann e muitos mais, que colocaram o
19 12, no ano seguinte já inaugurava o escritório de concreto-armado brasileiro no destacado lugar que
onde saíram os cá lculos estruturais para os edifí · hoje ocupa e abriram caminho para enquadrar nos•
cios do Hote l Central (Praia do Flamengo, esquina sa arquitetura no verdadeiro espír ito da Era Indus-
de Barão de ltambi), Copacabana Palace Hotel e trial .
Hot el Glória. Fazia-lhe concorrência o escritório
téc nico de Hennebique (da Rua Dunod , em Paris) Foi, de resto, através das estruturas - de ferro
qu e começou a anunciar no Allmanack Laemert primeiro (principalmente nas pontes e estações fer-
em 1914 mas desde 1908 havia projetado uma roviárias, que se con·stru íram no Brasil desde mea-
ponte de concreto armado para o Rio de Janeiro, dos do século passado) depois nas de concreto-
con struída pelo empreiteiro Echeverria cujo nome armado - que a Era Industrial se acusou na nossa
aparece em anúncios nos jornais desde data ante- arquitetura, muito tendo para isso contribuído,
rior àque la, ponte essa antecedida de um ano por além dos citados, os alemães Kemn itz & Cia. e os
outra (Mart ins Costa), construída pelo engenheiro noruegueses Christiani & Nielsen, que embôra se
da Centra l, Carlos Euler, sobre o · Rio Trapicheiro, tenham dedicado também à edificação foram pr in-
co m nove metros de vão. A arquitetura tipicamen- cipalmente construtores de pontes e barragens.
te germânica do Hotel Central - que parecia tirado
por inteiro do Modem Bauformen, a revista que A Década 1920- 1930
marcou época antes do advento de Hitler-, a
at ribuem Lúcio Costa e Ângelo Brunhs à própria A déc ada 1920-1930 , do Pós-Guerra, caracteri·
eq uipe de Riedlinge r, que teria influído também zou -se em todo o Ocidente por movimentos de
na nossa arquitetura residencial da época, difun- inquietação e procura de rumos pa ra renovação das
dindo os rústicos à vassourinha (cinza ou oca), artes . Foi marcada pelo aparecimento de Vers Une
cornijas claras, caixilhos brancos e ~enezianas ver- Architecture (1923) e L 'Urbanisme(1925) de Le
des. Corbusier, que, pela genialidade das idéias e origi-
nalidade das soluções iniciaram uma nova era para
A Companhia Construtora em Cimento Armado a arquitetura e o urbanismo .
por ele fundada, depois encampada pela mundial -
mente conhecida Wass & Freitag, a partir de 1928 Nessa fase o Rio de Jane iro foi palco de um
loi transformada em Companhia Construtora Na- conflito de tendências: de um lado as tradicionais,
clo nal ainda existente . No seu escritório ingressou de outro as modernas. Na linha tradicional, depo is
desde o começo (1912) o estudante Emílio da apuração de formas da década anterior, entra -
Aaumgart, avô das estrut uras de concreto-armado va-se numa espécie de t riagem , em que iriam dispu-
de brasileiros, introdutor do .concreto ciclópico nas tar a preferê ncia dois est ilos o Luiz XVI ou , num
peças de grande volume e calculista, entre outros sentido mais exato, os estilos classicizantes, varian·
(Jermann), do ed ifício do Cinema Capitólio (o tes est ilísticas de uma or ientação que já vinha
pt lmeiro do Rio com dez pavimentos em estrutura desde pr incípios do século XIX, preconizados para
88 Paulo F. Santos

os edifícios de porte monumen tal, e o Neoco lonia l projetos anteriores a 1910 . O Palácio do Congresso
que, recém-adota d o em residênc ias, hotéis e esco- não chegou a ser executado e os outros dois foram
las, seria usado com sucesso em pavilhões de expo· termin ados pelos seus antigos auxiliares Arquime-
sição e acabaria po r penet rar também nos ed ifícios des Memória (maior figura de arquiteto dessa fase)
de porte monumenta l, afirmando -se como o est ilo que o substituiu como chefe do escritório e profes-
mais característico dessa fase. A linha moderna sor de Compos ição de Arquitetura na Escola de
iniciada com a literat ura, a pint ura e a escu ltura só Belas-Artes (onde adquiriu renome e teve influên -
depois ganhou a arquite t ura, em que tudo não cia muito grande na fo rmação de numerosas gera·
passou no Rio de Janeiro, du rante a d écada 20 -30,
de artigos polêmicos nos jornais e de tím idos en·
saias.

O Movimento Neocolonial teve sua maior oportu- Câmara dos Deputados - RJ. Projeto de A. Memória e
nidade na Expos ição do Centená rio da lndepen- F. Couchet. 1920-1930
dência realizada no Rio de Ja neiro em setembro de
1922; o Movimento Moderno, seu bat ismo na Se-
mana da Arte Moderna realizada em São Paulo
nesse mesmo ano e apenas sete meses antes, tam-
bém motivada pelas comemorações do Centená rio.

O Luiz XVI
e os Estilos Classicizantes

Quando Heito r de Melo faleceu em agosto de


1920, tinha em andamento os edifíc ios do Ca nse·
lho Municipa l e Derby Club e havia projetado o
Congresso Nacional (para a Praça da Repúb lica},
todos em esti lo luiz XVI e já com uma sobriedade
de gosto que se distanciava de muitos dos seus

Câmara dos Deputados - RJ. Projeto de A. Memória e


F. Couchet. 1920-1930. Planta baixa
Ouatro Séculos de Arquitetura 89
ções) e Francisque Couchet, dos quais mantiveram O Neocolonial
no escritório o nome do mestre (Escritór io Técni- e suas Raízes
co Heitor de Melo), e sob as diretrizes dele projeta-
ram em Luiz XVI ó Pr lác io das Festas da Exposi- O surto Neocolonial foi inic iado com a pregação
ção do Centenário e a Câmara Fede ra l {ambos de do arqu iteto português Ricardo Severo, radicado
1921) e o Prado do Jóquei Clube (de 1924 ). A na capita l bandeirante desde 1902 que , com os
Câmara, com sua planta bem articulada em que seus cole gas Raul Lino e Villaça - a informação é
cada co mpartimen to co nta como um to do isolado de Luiz Edmundo -, já em Portugal teria feito
e em que a procura de equilíbrio se fez através da ( independe nte mente dos outros dois , porque Raul
simetria at ingida inclus ive por meio de nichos ou Lino não o confirma} um movimento em prol de
painéis, foi o limite extremo de uma maneira de uma arquitetura de raízes nacionais, e que no
compo r em que do ajuste dos compartimentos Brasil, ao ser recebido em 1912 como sócio do
entre si result aram espaços vazios às vézes muito 1nstituto Histó rico de São Pau lo, pronunciou um
grandes nos quatro cantos da cúpula central, no discurso tomando por tema o Culto à Tradição,
int erior dos quais flutuavam os pilares da estrutura seguido de artigos e conferências sobre a nossa
de conc reto armado . Poder-se-ía fa lar em indepen- arquitetura colonial ilustrados com projetos e
dê ncia entre a estru tura e as paredes , mas indepen- construções de casas que a tomaram por modelo,
dê ncia não para deixar percebe r a função própria de autoria dele próprio e de Vict or Dubugras -,
de cada qual - como por esses anos já preconizava com tudo o que in iciou um movimento para dar
Le Corbusier -, e sim para en cob rir a estru tur a também ao Brasil uma arquitetu ra calcada nas for •
como algo qu e não deve sse ser exibido . O Prado do mas tradicionais. Para estas, no Rio, despertaram
Jóq ue i Clube com suas arro jadas marquises de con- inter esse desde o princípio do século os art igos na
cr eto armado engastadas na arq uibanca da Renascença e na Notícia de Ernesto da Cunha
Luiz XVI faria dizer a Frank Lloyd Wright em Araújo Vianna, profe ssor de História e Teoria da
1932: "é o futuro ancorado no passado". Arquitetura da ENBA.

Quando em 1921 se abriu concurso para a fachada O Neocolonial não foi idéia original nossa, mas da
do ed ifício do Forum (as plantas tinham sido maior parte do continente, que nas segunda e
desenhadas pelos engenhe iros Gastão Bahiana e t erceir a décadas do século adotou uma espécie de
Domingos Cunha} (!), os candidatos A. Memória e Doutrina de Monroe para a arqu itetura (e outras
Nestor de Figue iredo se apresenta ra m com proje- manifestações de arte) preconizando como qu e
tos em "Neo clássico francês"; Nereu de Samp aio e uma independência da cu ltur a, cada qual procuran-
Gabriel Fernandes, em "Neoclássico italiano"; do reviver formas senão autóctones, pelo menos
Ângelo Brunhs e Souza Camargo, em "N eocláss ico caldeadas no Novo Mundo ao tempo da coloniza -
olemão" e Saldanha da Gama, em "Neoclássico ção - algumas repúblicas como o México e os
1 omano"; mais t arde Nereu faria o projeto que Estados Unidos chegando a exportar essas formas
uorviu à construção em "Neoclássico grego" -, o ("Mexica no ", "California no", "Mission Style") .
que prova a variedade de estilos classicizantes com
que se iniciava a década, também adotados noutros É oportuno para quem q ueira estudar a gênese
co ncursos: Raul Pena Firme para a Escola Normal desse movimento no Brasil lembrar que em 1908
(1926); Ângelo Brunhs para a Universidade de quan do da vinda de Elihu Root ao Rio de Janeiro ,
Minas Gerais; Memória e Couchet para a Embai- o Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco inaugu -
Koda Argenti na (1928); Anton Flodere-r para a raram e batizaram com o nome do grande ame rica-
Mapoteca do ltamarati (construção terminad a co m nista de que os três eram continuadores, o Pavilhão
usmero em 1930). do Brasil na Exposição de 1904 em Sa int-Louis,
co memo rativa da compra da Luisiânia à França
. pela grande nação do norte, pavilhão executado
com estrutura de ferro e que pôde por isso ser
des montado lá e recon stituído aqui no lugar em
90 Paulo F. Santos

que ainda hoje está, conservando inclusive seu no- - das Grandes Indústrias, que resultou da reforma
me de batismo: "Palácio Monroe". Apenas três da Casa e Arsenal do Trem (arq. A. Memória e F.
anos depois Severo proferia o seu histórico dis- Couchet); da Viação e Agricultura (arq. A. Morales
curso em São Paulo. de los Rios Filho); Pequenas Indústrias (arq. Nes-
tor de Figueiredo e C. S. San Juan); de Caça e
Pesca (arq. Armando de Oliveira); Porta Monumen-
José Mariano Filho tal Norte (arq. Raphael Galvão); e a inda, no Pas-
seio Público, no local do Terraço de Mestre Valen-
No Rio de Janeiro, um dos primeiros arquitetos a tim, parcialmente demolido para isso, um restau-
adotar o Neocolonial foi Heitor de Melo, que no rante envidraçado incluído no plano das comemo-
ano da sua morte (1920) já tinha feito nesse estilo rações (arq. A. Memória e F. Couchet) -, a provar
sete projetos: Grupo Escolar D. Pedro 11, em Petró - que o Neocolonial ganhava adeptos entre alguns
polis; um grande hotel para o Leme (não construí- dos arquitetos mais em evidência.
do); outro para a Avenida Atlântica (idem); casas
para os srs. Ernesto da Silveira â Rua Marquês d,e
Olinda, Comendador João Lage em Petrópolis (não O Neocolonial
construída), Raul Barreto à Rua Domingos Fer- nos Concursos de Projetos
reira, Júlio Caetano Horta Barbosa à Avenida Co-
pacabana. Mas foi José Mariano Filho a alma do No mesmo ano de 1921 em que se realizaram esses
Movimento e seu virtual chefe, a partir de projetos a revista Fon-Fon consignava a índole do
1919-1920, e quem o levou a adquirir aqui ampli- Movimento.
tude maior que em São Paulo. Embora não fosse
arquiteto nem praticasse artes plásticas (médico de "Desenha-se agora na nossa vida artística em geral
profissão), tinha a têmpera de um condottieri, a um forte movimento tradicionalista, palpitante de
que a riqueza posta a serviço do que chamava "a aspirações nacionais. Cansados de copiar o que
minha causa", "a causa da nacionalidade", confe- fazem os estrangeiros, chegamos à conclusão que é
ria ares de mecenas da arquitetura, facilitando que necessário (fazer) qualquer coisa de acordo com a
dominasse rapidamente o panorama - seja através história, a raça, a alma da nação, em todas as
da palavra falada e escrita, seja pela direta atuação nossas manifestações artísticas. Daí o movimento,
junto aos arquitetos, primeiro no Instituto Brasilei- a cuja frente se pôs José Mariano Filho para resta-
ro de Arquitetos fundado em janeiro de 1921, belecer, pondo-os de acordo com o progresso, os
depois na Sociedade Central de Arquitetos funda - velhos característicos da arquitetura colonial adap-
da no mesmo ano meses depois por elementos tada aos ares do Brasil, por aqueles a quem deve-
dissidentes daquele Instituto, a seguir no Instituto mos a força da nossa coesão naciona l e o profundo
Centra l de Arquitetos que resultou da fusão em sentimento de nossa personalidade como povo".
1924 das duas associações (feita, de resto, para
atender a um apelo do próprio José Mariano), A conquista de posições do NEOCOLONIAL fez-
ambos os Institutos o tendo tido como diretor,' e se através uma avalanche de concursos púb licos de
ainda pela sua estreita convivência com os artistas
projetos que José Mariano patrocinou ele próprio
em geral na Sociedade Brasileira de Belas-Artes, de
no Instituto de Arquitetos: Casabrasileira ( 1921 ) ;
que foi por muitos anos presidente. Solar brasileiro (1923); Mobiliário D. João V para
Sala-de-Estar e Mobiliário Manuelino para Sala de
Jantar ( 1925) - , ou interferiu junto ao Governo
O Neocolonial para que constasse do edital a obrigatoriedade do
na Exposição do Centenário estilo: Pavilhão do Brasil na Exposição de Filadél-
fia (1925); idem na Exposição de Sevilha (1928);
Já teria sido em parte devido ao clima criado por Edifício da Escola Normal (1928}. Em todos os
José Mariano, que na Exposição do Centenário concursos os modelos da nossa arquitetura civil
foram executados em Neocolonial os Pavilhões: · que à sensibilidade dos concorrentes pareciam mui-
Ouatro Séculos de Arquitetura 91
to pobres foram enriquecidos com elementos de Particular importân cia teve o concurso para a Es-
arquitetura religiosa (front ões em forma de alça, cola Normal (hoje Inst ituto de Educação) que de-
etc.) . monstrou a adaptabil idade do estilo a um edifício
de port e monumen tal.
Participaram desses prélios quase tod os os princ i·
pais arqu iteto s da época: Ângelo Brunhs, com dois Ao inst itui r o t ema Solar brasileiro visava Jos é
prime iros lugares (Solar brasileiro e Escola Nor- Mariano buscar inspiração para a casa que a seguir
ma l) e um segundo (Casa brasileira); Lúcio Costa, executou para si mesmo, com projeto realizado
igualmente com dois primeir os lugares (Pavilhão de por um desenhista sob sua direção, e que pretendia
Filadé lfia e Emba ixada Argentina) e um segundo fosse o protótipo da arquitetura que preconizava .
(Solar bras ileiro); Nereu de Sampaio, com um pri- Ergueu-a num grande terreno na Rua Jardim Botâ-
meiro lugar (Casa brasileira) e um segundo (Pavi- nico envolvendo-a de basto arvoredo por ele plan -
lhão de Filadélfia}; Pedro Paulo Bernardes Bastos tado e deu-lhe o nome de uma propriedade de sua
com um primeiro lugar (Pavilhão de Sevilha ). E família em Pernambuco: "So lar Monjope", adotan-
ainda : Gabriel Fernandes (parceiro de Nereu na do como partido: no cent ro um pátio (em que se
Casa brasileira); Souza Camargo (parceiro de concentraram seus desvelos), tr ês escadas monu-
Brunhs no mesmo Concurso); Jos é Cortez (parcei - menta is de acesso ao segundo pavimento (!) e nas
ro de Brunhs no da Escola Normal); Augusto de elevações externa e interna elementos desconexos
Vasconce los; Raphae l Galvão; Edgar Pinheiro Via- das arquiteturas civil e religiosa (alguns autênticos ,
na; Raul Pena Firme; Jo sé Wasth Rodrigues. como silhares de azu lejos, portas, almofadas, etc. ,

Pavilhão do Brasil na Exposição de Filadélfia. Projeto de


Lúcio Costa. 1920-1930
92 Paulo F. Santos

provindos de igrejas demolidas). A obra, "mais em São Gonçalo - casas serenas, acolhedoras, mo·
museu do que casa" como a chamou Lúcio Costa, delas genuínos para uma tentativa de renovação.
resultou inferior ao que seria se tivesse repetido os
projetos de Brunhs e Lúcio (este, nessa ocasião Apogeu do Neocolonial
ainda aluno da ENBA), os quais fizeram grande
sucesso e firmaram seus autores no primeiro plano Em 1924 José Mariano, como presidente da Socie ·
do Movimento Neocolonial - embora ambos os dade Brasileira de Belas-Artes, comissionou arqui-
projetos, seja pelas plantas seja pelos alçados não tetos para fazerem em Minas levantamentos de
tenham tido nem no espírito nem na forma os detalhes da nossa arquitetura colonial com que
característicos da verdade ira casa colonial brasilei· tencionava organizar um álbum destinado aos ar-
ra, que nessa época, por falta de pesquisa histórica quitetos. Para Diamantina seguiu Lúcio cbsta; para
convenientemente orientada, era ignorada ou des• Ouro Preto, Nestor de Figueiredo; para S. João dei
prezada pelos nossos arquitetos, ainda que existis· Rey e Congonhas, Nereu de Sampaio. Em 1926
sem a dois passos: A Casa do Bispo no Aio Com· Fernando de Azevedo influenciado por ele e Ricar·
prido, a de São Bento em Caxias, a de Colubandê do Severo fez um inquérito em O Estado de São

Edif/cio do Instituto de Educação - RJ. Projeto de


A. Brunhs e J. Cortez. 1920-1930
Ouatro Séculos de Arqu itetura 93
Paulo toma ndo por tema a arquitetura brasi leira a Tijuca (1930) no tradicional parque Cockrane com
que além de Mariano e Severo responderam Ale· delicioso esboço inicial de Lúcio Costa, desenvol-
xandre de Albuquerque e J. Wast h Rodr igues, to · vido e mod ificado por César de Melo Cunha, qu e
dos propugnando pela renovação da nossa arquite- passou a ser ut ilizada pelo Governo para recepção
tura em moldes tradicionais. O O Jornal abr iu-lhe de hóspedes ilust res (Roosev elt, por exemplo) e,
uma página para que fizesse a crítica do Salão de na década seguinte: as casas de Octávio Reis (Ti-
Belas-Artes. Promoveram-se roma r ias de arquitetos juca) e Robe rto Marinho (Cosme Velho) realizadas
ao So lar de Monjope, já em adiantada construção. com sensib ilidade e gosto pelo mesmo engenhe iro
E finalmente - ponto mais alto de sua carreira -, Melo Cunha; e a da família Almeida Braga (Tram -
com a morte de Batista da Costa (1926), diretor da pol im do Diabo) pelo arquiteto José Cortez -
Escola de Belas-Artes foi ele nomeado para substi- todas com móveis antigos de altíssima categoria.
tuí -lo, ocup ando ainda no mesmo ano na revista
Arquitetura no Brasil uma espécie de consultoria Penetração de Estilos Hispânicos
para responder a perguntas sobre a nossa arquite ·
tura colon ial. Nenhum dos concursos citados reuniu tão grande
número de concorrentes como o da Embaixada
Em Neocolonial ainda se fariam na mesma década, Argentina (mais de 40), em que Lúcio Costa obte-
a casa senhorial de Ernesto Fontes nos altos da ve o 19 lugar, com um trabalho em estilo Hispâ-

Solar Monjope - RJ. Projeto dirigido por J. Mariano


Filho. 1920-1930
94 Paulo F. Santos

nico penetrado do espírito Neocolonial , e o 4Q Reformas de Casas Coloniais


(F lorentino); A. Memória o 2<? (Neoclássico) e A.
Morales de los Rios Filho o 3Q (Neocolonial). Mais legítimas do que todas essas realizações e
mais significativas para a História da nossa arquite-
tura foram as reformas de casas antigas para rece-
O emprego de formas hispânicas (Mexicano, Cali· ber móveis antigos: a de R. Siqueira, no Largo do
forniano, Mission·Style - estilo das missões espa- Boticário; a de La Saigne, em Santa Teresa (arq. F.
nholas da América) fora aqui introduzido pe lo Valentim); a da Fazenda Samambaia, em Petrópo-
arquiteto Edgar Viana, diplomado pela Universi- lis (arq. Wladimir Alves de Souza); a da Fazenda
dade de Pensilvânia, que três anos ant es havia Colubandé, em São Gonçalo (as duas últimas, em-
conquistado o 1<? lugar no concurso anua I de fa- bora fora do Rio, participam da zona de influência
chadas insti t uído pela Prefeitura Municipal (casa da cidade). Em várias dessas casas foram também
da sra. Harry Parker em Santa Teresa) e em que fa- usados móveis imitando os antigos, prática de vali-
ria várias bonitas residências entre as quais duas à dade duvidosa, que tem até hoje prevalecido entre
Rua Frei Veloso ainda existente s. Com a mesma os decoradores.
orientação, executar am Lúcio Costa e Fern ando Ve-
lentim (associados des de 1922 até o fim da década) 1nfel izment e, se umas poucas das mais belas casas
as casas dos Daudt de Oliveira, no Cosme Velho, e a do Rio, de antanho , ainda subsistem - e são jóias
de Raul Pedrosa, em Santa Teresa . Quanto à asso- de inest imável valor- , numerosíssimas outras fo·
ciação das formas hispânicas com as do Colonial ram impiedosa mente destruídas , e as mais das ve-
brasileiro, foi ainda o mesmo Edgar Viana quem zes - é melancólico constatar-, para dar lugar a
lançou a moda no seu projeto para o Pavilhão do casas bastardas ou prédios de apartamentos de
Brasil na Exposição de Filadélfia (Neocolonial e vulgar arqu itetura.
Mexicano).
Constantes de Sensibilidade
O Neocolonial era grave e viril; o Mission-St:yle
gracioso e delicado; a conjugação dos dois (muito A ajustagem perfeita entre a arquitetura dessas
atélcada por José Mariano) constituiu uma das no - velhas casas e o sistema de vida que elas expressa-
tas características da sensibilidade artística da s·e- vam lhes dava esse tono de genuinidade brasileira
gunda metade da década. Na luta pe la sobrevivên- que t anta vez falta às casas dos nossos dias, mesmq
cia-, seriam as formas hispânicas - ta lvez por mais às melhores e que também na maior parte esteve
leves e menos anacrônicas - as que mais resistiriam ausente das experiências Neocoloniais, já que a
(ainda identificáveis nos primeiros trabalhos de pretensa ajustagem a que elas aspiravam assumia
Sérgio Bernardes para a Rua Adolfo Lutz e Aveni- um tom de falsete, que não convencia. E é o que
da Epitácio Pessoa - 1946-1948). tem levado muitos dos nossos arquitetos de van-
guarda, no afã de quebrar a frieza das casas que
projetam - frieza que é uma inelutável conseqüên-
Edgar Viana realizou também muitas casas imitan- cia da Revolução Industrial e da padronização geo-
do pan-de-boís, a melhor das quais sobrevive muito métr ica de linhas imposta pela produção em série,
modificada, à Rua Bambina -, variante romântica melhor: pela máquina - , a ir buscar para essas
das que Heitor de Melo fizera à Avenida Atlânt ica novas casas, dos ambientes de outrora, o contra-
para a Viúva Guinle e Lineu de Paula Machado. peso de que necessitam para restabelecer aquele
calor de tradicionalidade tão caro à alma brasileira:
Tanto a Mission-Style como as casinhas de pan-de- móveis, prataria, porcelanas, tapetes, azulejos e
boís invadiram o ensino na ENBA, estas com a portas de almofadas obtidos em demolições (uma
denominação de Normandas, as primeiras saboro- delitS usada por Alcides Rocha Miranda na capeli -
samente exploradas por Atillio Correia Lima e nha da casa AI meida Braga à Rua lcatu), telhões de
Paulo Antunes Ribeiro e as segundas por Lucas louça esmaltada (empregados por Lúcio Costa na
Mayerhofer e por eles exibidas no Salão de 1926. casa da Baronesa de Saavedra em ltaipava), etc.
Ouatro Séculos de Arquitetura 95
E talvez tenha sido a nostalgia da perda desses realizou-se com seriedade através de edições seja de
valores - que por subjetivos e impo nderáveis não livros de há muito esgotados, como na Biblioteca
são menos legítimos e importantes-, que teria Histórica, de Rubem Borba de Morais, seja de
induzido Oscar Niemeyer, quando construiu em ensaios atuais, como na Coleção de Estudos Brasi-
Brasília o remanso de sua morada para a quadra leiros, de Gilberto Freyre e Otáv io Tarquínio de
final da vida, a adotar não o partido da casa das Souza, e em coleções mistas de reedições e ensaios
Canoas no Rio de Janeiro, plasticamente admirá · recentes, como na Brasiliana, de Fernando de Aze-
vel, mas fria e sem ressonância, que lhe vinha vedo, ou ainda no reexame e aprofundamento das
servindo de residênc ia, mas um partido misto de investigações histórico-artísticas, como nas publi·
Casa de Moenda e Casa Grande de Engenho brasi- cações da Diretoria do Patrimônio Histórico e Ar-
leiro do sécu lo XVI 11: - planta quadrangular; co- tfstico Nacional (DPHAN), que, introduzindo no-
bertura de telha-vã contornando a casa por três vos métodos de análise, renovaram substancia lmen-
lados com a sanca característica dos telhados desse te aquele gênero de investigação no Brasil.
sécu lo, e assente sobre pilares de alvenaria; varanda
larguíssima aos fundos com as redes estendidas
num convite ao lazer; do lado e à frente o telhado O Movimento Moderno
avançado sobre chão coberto de capim; os cheios
dominando sobre os vazios. Reconstituição de am- O surto Moderno, ainda que iniciado nas artes
biente a atestar a força das constantes de sensibili- plásticas com a exposição da pintora Anita Mal-
dade da raça , que nas situações mais imprevistas fatti {1917), que provocou as mais duras críticas
irrompem com inesperado vigor. Essa mesma nos- de Monteiro Lobato, seguida da exposição do es-
talgia é sensíve l na obra de Lúcio Costa (casa de cultor Victor Brecheret, só adquiriu o sentido de
Argemiro Machado; hotelz inho de Friburgo; edifí- um Movimento com a Semana de Arte Moderna
cios do Parque Guinle). E o próprio Palácio da realizada no Teatro Municipa l de São Paulo em 13,
Alvorada em Brasília, em que pese as diferenças de 15 e 17 de fevereiro de 1922, em que tomaram
estilo, pertence à estirpe de Colubandê (bem da parte: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Me•
intimidade de Niemeyer, que é um conhecedor da notti dei Picchia, Cassiano Ricardo, Guilherme de
nossa arquitetura do tempo da colônia, de que Almeida, Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho,
organizou várias exposições a pedido de Rodrigo Vila Lobos, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e outros.
Melo Franco) : - a mesma serena grandeza, a mes- À frente, como figura de proa, Graça Aranha, que,
ma nobreza desaparatosa, e um não sei quê de no Rio (1924), dá um brado de revolta contra a
indefinive lmente brasileiro a provar que mais do Academia: "ou a Academia se renova, ou morra a
que a forma o que importa à tradição é o espírito; Academia", com o apoio, entre outros, de Alceu ·
é ele que, se sobrepondo às contingências efêmeras Amoroso Lima e Augusto Frederico Schmidt, que
de cada momento da História dos povos, perpetua o carregam em triunfo.
no tempo as constantes da sensibilidade nacional.
O Movimento - de que a arquitetura esteve prati -
camente ausente (ou quase) - germinou nos salões
Saldo Positivo ' paulistas, e teve expressão predominantemente li-
do Neocolonial terária. Vago, impreciso, não t inha prog rama, não
defendia uma tese. Reagia contra a pompa, o arti ·
Nem pelo que tinha de negativo deixou o Neocolo- fício, os chavões das frases feitas e o academismo
nial de ter a sua significação - e não apenas como empalhado, fofo, que esterilizava os espíritos .
expressão da sensibi lidade romântica da época, "Uma coisa pode ser afirmada'' - disse Mário de
mas como fator positivo, já que te ria paradoxa l- Andrade - "era um movimento destruidor, des-
mente influído no próprio movimento dito Moder- truidor até de nós mesmos".
no e para a criação de condições propícias ao
estudo de questões de raça, costumes, economia e Em que pese os aparentes antagonismos, o Movi-
vida social e artística do nosso povo. Esse estudo mento Neocolonial e o Moderno tiveram pontos de
96 Paulo F. Sant os
contato; a procura da substância brasileira, da cul- nária característica"; etc., etc. Um regionalismo
tura brasileira, da realidade brasileira. Prova da que reagiu contra o "esnobismo tradicionalista";
existência desses pontos de contato: o Moderno contra os "modernismos" da "mania" de mud ar
cindiu-se em outros movimentos em que esteve "os mais saborosamente regionais nomes de ruas e
presente o Brasil: Pau-Brasil (1924), Verde-Ama· lugares velhos"; contra "os engenheiros mais sim·
relo (logo em seguida), da Anta (1927}, Antropo · plistas, místicos do cimento-armado · e mistagogos
fágico (1928). das avenidas largas, gente que ... só sabe derruba r
velhas igrejas, sobrados de azu lejos, arcos como o
Cassiano, no discurso de recepção a Menotti na da Conceição, palmeiras antigas, gameleiras velhas,
Academia Brasileira de Letras, disse: jardins ou hortos coloniais, contanto que os velhos
burgos de fundação portuguesa se assemelhem às
"Outro aspecto do movimento 'Verdama relo' e da mais modernas cidades norte-americanas ou fran -
'Anta' era o de se dar ã arte a função socia I e cesas".
política que ela precisava ter. Queríamos todos
uma arte que tivesse pátria: ou melhor, uma ar te Como se vê: antagonismos (quando existiam} só na
que para adquirir o seu maior sentido humano e forma, não no fundo.
universal, rea lizasse aquele pensamento de Gide,
que Maritain (um católico) reproduz em sua Arte e A eclosão do Movimento Moderno foi seguida de
Escolástica: "toda obra de arte será tanto mais perto da vinda ao Rio e São Paulo em 1926 de
universal quanto mais reflet ir o sina l da pátria". Marinetti, papa do Futurismo italiano (nessa oca-
"Modernos e brasileiros", diria em 1924 o próp r io sião já com 15 anos de existênc ia), que fez no
Menotti. Teatro Lírico do Rio duas conferências nos dias 15
e 18 de maio, as quais, a par do mérito de agitar as
Mário de Andrade na sua conferência sobre o Mo· idéias de modernismo, tiveram saldo negativo po r·
dernismo (1942) para os estudantes cariocas, gas- que associaram ao Futu rismo conceitos de co isa
tou umas duas dezenas de linhas em demonstra r extravagante, feita para épater, que perduram até
que se "o espírito" e "as modas" no Modernismo hoje.
foram importados da Europa, o "me io paulista em
que ele germinou era nacionalista".

Ambas as correntes a Neocolonial e a Moderna Warchavchik


pugnavam pelo nacional. "A diferença é que o
Movimento Moderno procurava o genuíno" - Se a pintura e a escu ltura modernas do Brasil
observou-nos o Dr. Rodrigo Melo Franco de An· tiveram nos artistas da. Semana - Anita Malfatti,
drade. Di Cavalcanti def iniu bem: "Arte nacional Oi Cavalcanti, Brecheret, depois Tarsila (de algum
sem nacionalismo". modo ligada à equ ipe da Semana) - os iniciadores
de um movimento de renovação, a arquitetura
moderna do Brasil, melhor: a arquitetura contem·
Bastante nítido nos seus objetivos foi o Manifesto porânea do Brasil deixa à margem a Semana ou
Regionalista de 1926 no Recife, de Gilberto Frey- ignora a Semana, filiando -se diretamente a Le Cor·
re, em que se pretendia "reabilitar valores e tradi· busier . A Semana e os movimentos predominante-
ções do Nordeste": os produtos do seu solo (açú- mente literários que se lhe seguiram te riam influí-
car, etc.}; a sua casa-grande e engenho; o seu mo· do para cr iar uma atmosfera propícia à aceitação
cambo, que "se harmoniza com o clima, com as de arte moderna em geral, mas em relação à arqui -
águas, com as cores, com a natureza, com os co- tetura - ressalvadas as posições de Mário de An·
queiros e as mangueiras, com os verdes e os azuis drade, dos regionalistas do Recife e de alguns mais
da região, como nenhuma outra construção"; as - muitos modernistas, e neles incluímos os do
suas "velhas ruas estreita s"· ("superiores não só em Rio, revelaram desconhecimento ou incompreen -
pitoresco como em higiene às largas"); a sua cu Ii- são dos fundam entos do Movimento Moderno.
Ouatro Séculos de Arquitetura 97
A grande figura do Movimento Moderno na Arqui• exemplo - e as da casa quando no passado um
tetura da década 20-30 foi Gregori Warchavchik , carro de cerimônia trazia as mesmas decorações
russo naturalizado brasileiro; e o marco zero dessa que a casa do seu dono .
arquitetura, o seu Manifesto, publicado em 1925
no Correio da Manhã. A cultura de Warchavchik, O documento passou quase despercebido. Mas em
hauriu -a ele, prim eiro no Curso de Arquitetura da 1927-28, Warchavchik, unindo a ação à palavra,
Universidade de Odessa, onde perm aneceu at é constró i em São Pau lo na Rua San t a Cruz - , fada -
1917 e recebeu lições de Tatlin, Lissitzki e Fomim; da a muito maio r repercussão - , a primeira casa
a seguir, no Instituto Real Superior de Belas-Artes moderna do Brasil - "a romântica casa da Vila
de Roma, por onde teve diplomação de arquit eto Mariana" , como a chamou Lúcio, a que se segui -
em 1920, completada com um curso de extensão, ram várias outras , logo ape lidadas pelo povo de
que o habilitou a ensinar arquitetura, sendo ali futuristas. A da Vila Mariana visitada em 1929 por
aluno de Manfredo Manfredi e Guazzaroni, emi · Le Corbusier, lhe causou a mais fo rte impressão
nentes conhecedores da arquitetura clássica italia - como a melhor da moderna arquitetura "na paisa-
na, que lhe fizeram compreender que os clássicos gem t rop ical dessa terra", e fo i motivo para que,
ta mbém foram modernos em sua épo ca; finalmen- de volta à Eu rop a, indicasse Warchavchik como
te, na mesma Roma trabalhou dur ante cerca de de legado de toda a América do Sul junto aos
do is anos como assistente no atelier de Marcelo CIAMs -, os Congressos Internacionais de Arquite·
Piacent ini que o destacou para dirigir a const ruçã o tura Moderna, inaugurados no ano anterior no Cas-
do Teat ro Savóia, em Florença. telo de La Sarraz, na Suíça , instituição que gran-
jeara grande celebridade e que teve desde o primei -
ro momento em Le Corbusier (autor do primeiro
Extraordinár io é que Warchavchik não se tenha temário) uma de suas principais figuras.
deixa do influenc iar nem por Piacentini, o arqui te-
to oficial de Mussolini, famoso na Itália àque la Flávio de Carvalho,
época, nem por Le Corbusier, de cujos trabalhos só Baldassini, Buddeus
to mou con hecimento em 1924, quando já se acha -
va no Brasil. Um e outro, Piacentini e Le Cor· Out ra destacada figura dos primórdios do MO-
busier, pe lo conteúdo dou trinár io de suas obras DE RNISMO fo i Flávio de Carvalho, fluminen se
foram a nosso ver as duas persona lidades de maior radicado em São Paulo, que, já em 1927-28, tinha
antagonismo na história da arquitetura contempo- participado dos concursos para o Palácio do Gover-
rânea . Se influências houve sobre a arquitetura de no de São Paulo e Embaixada da Argentina no Rio
Warchavchik no Brasil é dele a inform ação - fo - com pro jetos de linhas modernas (e as faria tam-
ram as de seus mestres de Odessa, emb or a o Mani-
bém modernas nos concursos para o Farol de Co·
festo inequivocamente se ajuste também as idéias lombo e Un iversidad e de Minas Gerais) - todos
ospecíficas de Le Corbusier, com a repetição inclu - refletindo antes o sent ido plástico de um jogo de
sive da boutade famosa: casa, máquina de morar. sólidos (parale lepípedos, cilindros, et c. ), em pro-
Nele Warchavchik concitava o arquit eto a amar a cura de uma harmonia forma l, do que o sentido
~ua época e a se orientar pela lógica e a razão. estrutural e espacial inerente a toda a nova arquite -
Exaltava as formas das máquinas (ob ra do enge- t ura . E pretendia também escandal izar : para o Pa-
nheiro ) e acentuava a defas agem em relação a elas lácio do Governo de São Paulo concebeu pista par a
desse outro t ipo de máquina, a de morar. Dessa só ate rrisagem de aviões, ho lofotes, canhões anti -
-.o achava m atualizados o esqueleto e as instalações aéreos, etc .
(també m obra do engenheiro). A fachada (obra do
nrquiteto ) não passava de um emplastro a imitar Alessandro Baldassini foi , em terras cariocas o pri -
com pro pósitos decor ativo s o que nos estilos do meiro pseudo mod ernista, autor pe lo menos de
passado t inha sua função lógica e construtiva. Ha- duas grandes residên cias d itas modernas, uma no
via por isso discordância entre as formas das má- Morro da Viúva, outra na Tijuca , e do novo Teatro
•1uinas dos novo s t em pos - as db automóvel, por João Caetano, em que, malgrado a grita da crítica
98 Paulo F. Santos

oficia l, incluiu no foyer um painel de Oi Caval- Alexandre Buddeus, ainda que bastante moço ao
canti. Em todos esses trabalhos, embora se tenha encerra r-se a década (1930), que foi quando teria
esforçad o por integrar -se no sentimento moderno, vindo para o Rio, já executara na Alemanha, seu
não logrou fazer mais do que estilizações de for - país de origem, as obras importantes de boa arqui-
mas modernas, sem poder disfarçar sua pos ição tetura : o Pavilhão Hanseática Germânico da Expo-
acadêmica diante do problema (acadêm ica no sen- sição de Antuérpia, o Aeroporto de Munich. No
tido da aceitação sem reexame, dos métodos de Rio, difundiu idéias novas: "O modernismo não é
compor consagrados pelo formulário em uso). Fez uma evolução do tradicional, isto é, dos valores
Moderno como faria Renascimento ou Luiz XVI. artísticos do passado, mas uma criação integral do
Seus arranha-céus, ainda assim, representaram um nosso tempo. A orientação moderna é construtiva,
passo à frente no sentido da simplificação de for- social e econôm ia, ao passo que a orientação tradi-
mas: um edifício de apartamentos na Rua Barão ciona l era artística, decorativa, simbólica".
do Flamengo, com varandas curvas protegidas por
brise-soleil de placas verticais móveis, de alumínio
(na cidade o primeiro nesse gênero); o edifíc io Influência da Exposição
Guinle, na Avenida Rio Branco, com ornamenta- de Arte Decorativa
ção parca de discretos relevos geométricos e uma de 1925 em Paris
leveza de linhas que antec ipa o rumo certo; e o
edifício OK, no Lido, já totalmente despojado de Das tendências de renovação de fins da década
ornamentação, e que representou no Rio (1929) nenhuma teve importância igual à que resultou da
papel idênt ico ao que teve em São Paulo o edifício Exposição de Arte Decorativa de 1925, em Paris, a
Columbus, de Rino Levi, seu contemporâneo. qual, valor izando o Decorativo em lugar do Estru-
tural preconizado por Le Corbusier, teve influência
particularmente grande nas decorações das lojas e
interiores paris ienses, de onde se irradiou para
todo o Ocidente, inclusive para o Rio. Muitas das
Teatro João Caetano - RJ. Projeto de A. Baldassini. lojas cariocas - principalmente as lojas - salas de
Em torno de 1930 espera dos cinemas , cafés, sorveterias do centro da
cidade, passaram a ser decorados à moda paris ien·
se, imitada aqui por Marcelo Roberto, ainda estu·
dante, nos seus desenhos para a Revista de Arqui-
tetura (1928-29), que se caracterizavam pela sim·
plificação de linhas, ausência de molduras, p ilastras
facetadas ou estriadas sem base nem capitel, mot i-
vos florais geometr izados e abundância de vitrais
nesse mesmo gênero, em que se incluíam figuras
alongadas, com as pernas, braços, e corpos cil índri-
cos e a cabeça ligeiramente pendida para o lado, à
maneira de Modigliani.

Num espír ito diferente, mas ainda como decorrên-


cia dos métodos de composição postos em prática
na Exposição de Paris, elaborou o arquiteto Pedro
Paulo Bernardes Bastos o projeto do Pavilhão do
Brasil na Exposição de Antuérpia com que obteve
o grand-prix, e em que, abandonando o Neocolo -
nial q ue adotara nos seus projetos para o concurso
ao prêmio de Viagem Caminhoá e para as Expos i-
ções de Filadélfia e Sevilha (este premiado com
Quatro Séculos de Arquitetura 99
medalha de ouro), usou de arcarias em ogiva com do Morro do Castelo e at erro do Calabouço abri-
um tratamento rico de ornamentação no pavimen - ram-se concursos em que se disti nguiram Ângelo
to térreo, paredes claras, coroamento novamente Brunhs, que, de parceria cor:nJ osé Cortez, acaba ra
carregado de ornamentação miúda e preciosa. de ser vitorioso no prélio para a Escola Normal e se
firmava como um dos arquitetos mais distinguidos
Agache da épo ca e W. Preston.
A vinda de Alfred Agache foi o coroamento de A publi cidade feita em torno das soluções desses
iniciativas originadas em 1922, ocasião em que o arquitetos para os limitad os 'problemas que lhes
Prefeito Carlos Sampaio cogitou, sem sucesso, de foram propostos, pôs em termos realistas a necessi-
um plano de remodelação da cidade, idéia que só dade de um plano de remodelação de toda acida·
adquiriu sentido objetivo quando para urbanização de, para o que contribu iram os debates travados
da grande área de terreno resultante do desmonte no Touring Club (novembro de 1926), em que,

Cidade Universitária do Rio de Janeiro. Projeto de


AJfred Agache. Em torno de 1930
100 Paulo F. Santos

com a presença do prefeito nomeado Antôn io Pra- críticas); de focalizar a importânc ia das cidades
do Júnior, tomaram parte Souza Leão, F. Oliveira satélites (Petrópolis, Teresópolis) e das cidades-jar-
Passos, E. Pederneiras, Matos Pimenta, José Maria- dins (em que pode riam ser transformadas Governa-
no e Arquimedes Memória, e teriam decidido o dor e Paquetá -, idéias estas últimas inspirada s em
prefeito a contratar (fevereiro de 1927) o arqui- Ebenezer Howa rd, a quem dedicou uma de suas
teto Alfred Agache para elaborar tal plano que o conferências; e da adequada localização do "Bairro
urbanista francês fez preceder de cinco conferên- Universitário" (na Praia Vermelha) - contribui-
cias preparatórias: - "O que é urbanismo"; "Como, ções que nem sempre foram seguidas, muita vez
se elabora o plano de uma cidade " ; "Cidades-ja r- com prejuízo para o desenvolvimento da cidade.
dins e favelas"; "A fotografia aérea e a planta das Mas em que pese tudo isso, as soluções que preco -
cidades"; "O ensino e a propaganda do u rbanismo nizou não poderiam consubstanciar uma doutrina
em França" e completou com a publicação de um que ajustasse a Arquitetura e o Urbanismo às im-
livro, cujo mérito maior foi o de foca lizar a ampli- posições da Idade Industrial Contemporânea, que
dão da matér ia, o método de estudo e a sua im- nesta ocasião já t inham encontrado sua formulação
prescindível complementação edil ícia - conferên- doutrinária em Vers Une Archítecture e L 'Urba-
cias, plano e livro tendo sido pontos de pa rtida , n;ems de Le Corbusier . A esse mestre em pessoa, é
primeiro da Comissão do Plano da Cidade, depois que estava reservada no Brasil, essa missão.
do Departamento de Urbanismo da Prefeitura, em
que os problemas de urbanização acompanhados
de legislação adequada imprimiram novo rumo no Le Corbusier
desenvolvimento da cidade e proporcionaram ao
arquiteto um campo experimental que antes não A vinda do genial arquiteto franco -suíço em de-
possuía, encarecendo também a importânc ia de se zembro de 1929 foi indubitavelmente o fato capi-
criarem,nas universidades,cadeiras,cursos e insti- tal da década 1920-1930. Depois de ter feito nove
tutos de urbanismo. Para auxilia r o urbanista fo- conferências em Buenos Aires e duas em São Pau-
ram contratados arquitetos e desenhistas brasilei- lo, a convite do prof . Adolfo Morales de los Rios
ros, entre os quais (1926) o estudante Affonso (filho), presidente do Instituto de Arquitetos, fez
Eduardo Reidy . mais duas no Rio, todas as quais resumiu no livro
Précisions(1930) .
Agache - que, na informação do professor Stélio
de Morais, passa por ser o criador em 1911 da Assistimos às conferências . Cerca de duas horas
palavra "Urbanista" - , entre 137 concorrentes ao cada uma. Lógica implacável. Lucidez total. A
plano de Camberra fo ra classificado em 3Q lugar maior ia de nós ouvimo-lo perplexos . Le Corbus ier
(só superado por W. B. Griffin de Chicago e o já tinha atingido o ápice de sua carreira . A parte
finlandês Eliel Saarinen) . Como urbanista era um principal de sua obra Ve~ Une Archítecture
apreciador de Leandre Vaillat (que considerava das (1923) e L'Urbanísme (1924), seus dois livros mais
principais finalidades do urbanismo "le décor de la importantes, e mais: La Peínture Moderne (1925).
vie") e, profissional do século passado, um conti- L''Art Décoratif d'aujourd'hui (1926), Almanach
nuador e Haussman, colocando no pr imei ro plano d'Architecture Moderne, Une Maíson, un Palaís
de suas preocupações a abertu ra de grandes aveni- (1928) - todas precedidas da famosa Revue de
das e praças com a procura formal de pontos /'Esprit Nouveau (1919-1920) que lhes abriu o
estratégicos para as grandes perspectivas em que se cam inho - já tinha sido publicada. Agache na
imiscuíam conjuntos cenográficos e triunfais (co- primeira das suas confe rências tinha relacionado
mo a "Porta do Brasil") e jardins à Le Nôtre quais fossem as funções urbanas: circulação, respi-
(como o do Saco da Glória). Teve inegáveis quali- ração, digestão; Le Corbusier apresentou o proble -
dades e merecimentos no atacar os problemas de ma de maneira diferente, deslocando a questão da
desafogo do trânsito através de uma visão de con- cidade para o homem e sua maneira de viver;
junto das grandes artérias de circulação e rond habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espirita,
points; da criação de um zonlng (este não isento de circular. Estigmatizou a Academ ia com palavras
Quatro Séculos de Arquitetura 101
que lembravam as que havia escrito três meses parecia incompatível com a idéia de secura mecâ-
antes e serviriam de prefácio ao primeiro volume nica que os seus slogans funcionalismo e raciona/is•
(1910-1929) das suas obras completas: mo e casa, máquina de morar infundem.
"l 'Académie a fait encore da percée du boulevard Entre as soluções que preconizou para o Rio de
Haussman. El/e établit les plans de la :-oute Janeiro figurava um altíssimo viaduto ligando o
triom phale à Paris, qui ss terminera à l'Étoile. E/le centro da cidade com a zona sul, que a Lúcio
a besoins d'honneurs et de trophées, elle oublie Costa impressionou tão vivamente a ponto de vinte
que Paris s'anémie tout les jours, brisée par la anos depoi s, num trabalho de apenas 40 páginas
machine. Dans cette vil/e en plein danger, on pré-
em que fez uma esquisse de meio século da arqui-
pare des corteges et des triomphes. la tuberculose
tetura na cidade ter reservado duas e meia à análise
est dans les quartiers pauvres. À quoi servent tant e elogio dele: "empreendimento verdadeirament e
de trophées?. . • • . . Mais une nouvelle archi·
digno dos tempos novos ... capaz de valorizar a
tecture est née. Expression de l'esprit de notre
excepcional paisagem carioca por efeito do con·
temps. La vie est plus forte'~
traste Iírico da urbanização monumental, arquite-
Não se limita a críticas. Dá também o remédio: to nicamente ordenada, com a liberdade telúrica e
- A "cidade contemporânea" em comparação com agreste da natureza tropical".
a do passado terá 85% de espaço verdes contra
zero % nos séculos XVII e XVIII e 5% no XIX Parte Le Corbusier, mas ficam as suas idéias, para o
(Haussman); 390 habitantes por hectare de densi- estudo das quais se formou de 1931 a 1935 um
dade e domínio da altura (250 m de distância reduto purista de jovens arquitetos - a informação
entre os imensos arranha -céus), o que equiva le a é de Lúcio Costa - que estudava também as reali-
dizer: densidade alta com um mínimo de terreno zações de Gropius e Mies Van der Rohe, mas,
ocupa do na base, cada apartamento voltado para numa espécie de culto a um autêntico gênio, consi-
um parque de 400 por 600 metros; separação de derava a doutrina e a obra de Corbusier "não como
circulação de veículos relativamente à de pedestres um exemplo entre tantos outros, mas como o
- idéias que o mestre depois consubstanciaria na Livro Sagrado da Arquitetura".
Carta de Atenas (1935) do s CIAMs, verdadeira
cart ilha dos tempos novos em matéria de urbanis· Conf Iito entre
mo. Juntamente com a cidade - e como já fizera o Movimento Neocolonial
na Exposição de Arte Decorativa de 1925 (em que e o Moderno
ao lado do Plan Voisin de Paris exibiu o Pavillion
de l'Esprit Nouveau) -, tratou também da célula Chegamos ao fim da década. Ano de 1930. A
de habitação, a casa, com a "estrutura inde pend en- arquitetura está na ordem do dia. Em Belo Hori-
te" e os seus coro lários , os "cinco pontos" da zonte Luiz Signorelli e outros propugnam pela
arqu itetura nova: os pilotis, a planta livre, a facha- fundação de uma Escola de Arquitetura; em Recife
da livre, o ter raço-jardim e a janela rasgada; a casa faz-se um movimento com o mesmo fim; em
São
suspensa no espaço; recuperação quase de 100% do Paulo os arquitetos criam o Instit uto Paulista de
ter reno na base; jardim por baixo e por cima. Arquitetos. No Rio vive-se um momento de vibra-
ção. Precedido de grande pro paganda por todo o
Ao chegar ao Rio depois de dois meses e meio de Brasil e no estrangeiro, vai ter lugar o IV Congresso
permanência em Buenos Aires e São Paulo, que Pan-Americano de Arquitetos que será o palco
de
cons iderou como tendo sido de "contenção e re- conflito entre as duas tendências principais da
ar-
tra imento", sua reação fo i de inte nso lirismo d ian- quitetu ra na década q ue findava; a Neocolonial
ea
te da cidade e do povo , lirismo que aos que o Moderna. Os pontos de contato que no
fundomun •
ouviam e não lhe conheciam os livros em que a tal as aprox imavam não impediam na
prátlcu nntn
doutrina límpida como um cristal se veste da mais g<mismos formais inconciliáveis.
No Palóclo ctu,
pura po esia, haveria de surpreende r porque lhes Festas da Exposição de 1922
Agacho fn,, n <iu t:I 1
102 Paulo F. Santos

ção do seu Plano de Remodelação do Rio de tema que entusiasmaria qualquer auditório. Logo
Janeiro e no Teatro Municipal, uma confe rência na sessão inaugural comenta um jornal:
com projeções sobre o mesmo assunto. Prestes
Maia e Ulhoa Cintra expõem o plano de remodela- "Suas palavras repercut indo vivamente no espírito
ção de São Paulo e Carmen Portinho o de Natal . dos congressistas mereceram prolongadas aclama-
Medalhas de ouro são distribuídas em profusão. O ções da assembléia em peso. Houve um momento em
prêmio de honra é conferido a Arquimedes Memó- que a sessão ficou praticamente suspensa, erguen-
ria e Francisque Couchet pelo conjunto dos seus do-se todos os delegados, num movimento espon -
trabalhos tendo pesado na balança a contribuição tâneo, para aclamar e abraçar o Sr. José Mariano,
dos alunos do professor Memória, que até aos que teve então um verdadeiro instante de triunfo".
modernistas como Warchavchik causou boa im -
pressão. Nas sessões subseqüentes, José Mariano, que teve a
apoiá-lo delegados de quase todas as nações -
A sessão de abertura, com discursos do Ministro da entre os quais se salientou Angel Guido com a sua
Justiça e de Nestor de Figueiredo, presidente do tese da existência de uma filosofia própria ao ho-
Congresso, faz-se em 20 de junho de 1930 no mem americano - , recebe entusiástica manifesta-
Teatro Municipal, preparado com um décor em ção das delegações da Argentina, Chile, Uruguai,
que colaborou Lúcio Costa e em que se incluíam Brasil e dos estudantes de toda a América; os
móveis do Brasil antigo. As demais sessões reali- uruguaios dão-lhe o diploma de sócio honorário do
zam-se na Escola de Belas-Arte s. seu grêmio. Aprovam-se nas comissões e no plená-
rio todos os temas em conformidade com as suas
idéias; entre estes o de que os delegados deveriam
Na delegação de Minas se alinham os desenhos recomendar aos seus governos que as escolas de
academizantes de Luiz Signorelli e na de São Pau· toda a Américafossem projetadas em linhastradi-
lo, além das contribuições de Christiano das Neves, cionais de cada país.
vice-presidente do Congresso e ferrenho partidário
· do Luiz XVI, se incluem as de Warchavchik, Flávio Podiam divergir os caminhos, mas era inegável en-
de Carvalho e Jaime da Silva Telles, os três arquite - tre a maioria dos congressistas o apreço pelos valo-
tos que os jornais da Paulicéia apresentavam como res tradicionais e a compreensão da necessidade de
1íderes da Corrente Moderna. Mas Jaime não com- preservá-los e estudá-los, como se evidencia das
pareceu; Warchavchik, que só veio para fazer a teses apresentadas - para só citar a contribuição
arrumação dos seus trabalhos na Exposição, com - brasileira-, por Ângelo Brunhs e Paulo Thedim
pareceu apenas à sessão inaugural e embora man- Barreto, cujas idéias se acrescentaram às de Ricar-
dando uma tese muito boa desertou dos debates do Severo, José Mariáno e tantos outros, para
transferindo a Flávio - que apresentou também formar nos poderes púb licos um estado de espírito
uma tese, a mais discutida do Congresso - a mis- de que resultaria poucos anos depois a criação do
são de sustentá-los. Flávio, irreverente como sem- Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio-
pre, teve co mo principal propósito escandalizar e nal. As reuniões do Congresso assumiram um cará-
demolir com suas boutades e ironias, a partir do ter apoteótico e triunfal na "festa de S. João na
título da sua tese: "A cidade do homem nu" . Por roça " promovida por José Mariano no seu Solar de
isso quem ganhou a partida foi José Mariano , fi- Monjope em 23 de junho, em que além dos con-
gura central do Congresso, que assumiu a posição gressistas compareceu a nata da nossa sociedade e
simpát ica de defesa da classe dos arquitetos na que o Jornal notic iou assim:
sociedade, e em relação ã arquitetura , como se
fossem as próprias nações do continente, cada qual "O verde parque brasileiro , de doces sombras aco-
com os seus valores tradicionais, a sua cultura, a lhedoras" ... a esconder "ao fundo a grave beleza
sua personalidade, que estivessem em jogo e cum- da casa bonita do Sr. José Mariano Filho . . . " "no
prisse defende r, como herança sagrada a ser trans- terraço diante da lagoa , junto da casa admirável
mitida às gerações vindouras. Tratava-se de um que se debruça tranqüila .. . sobre a cenografia
Ouatro Séculos de Arquitetura 103

espeta cular de uma das mais impressionantes paisa- te-se à corrente moderna, de que será no Brasil o
gens do Rio, crepitava, enorme, a trad icional fo - principal doutrinador .
gueira de São João , cujas rubras Iínguas de labare-
das lambiam, coleantes, o ar puro da noite lin- Ainda que o Movimento Moderno nos 35 anos já
da . . . Balões, fogos e morteiros, ao lado de cava- decorridos revele admirável unidade, traduzida
quinhos e violas marcando o ritmo dengoso das num objetivo principal: o de integrar a arquitetura
mod inhas, dos desafios e das emboladas, completa- e o urbanismo nas novas condições técnicas, eco-
ram a marav ilha do espetáculo" ... a que não nômicas e sociais impostas pela Revolução Indus-
faltaram "a travessia da fogueira com pés descal- trial - ainda assim é possível distinguir dentro
ços" .. . "os zambês e os sambas" .. . "as ingênuas dessa unidade a existência de fases, cada uma das
batizadas" ... "o casamento de fogueira" ... "as quais sem negar a precedente ou contrar iar aquela
sortes" ... E ainda: "o milho verde e o cará assan- meta principal, incorporando novas formas de ex-
do na brasa, a cangica, a gengibirra e o aluá aro- pressão que têm const ituído etapas da escalada por
mando a mesa farta". uma liberdade maior: li!) Fase de implantação (ou
"heróica" na interpretação de Warchavchik): da
Era a consagração ao mesmo tempo do homem, de posse de Lúcio em 1930 na direção da ENBA à
um ambiente de vida e de uma arquitetura que vinda de Le Corbusier; 2é!) Da vinda de Le
parecia inapelavelmente vitoriosa. Mas estaria Corbusier em 1936 e início da construção do Mi-
mesmo? nistério da Educação e Saúde à Pampulha (1941 ),
esta precedida do projeto para o Pavilhão do Brasil
na Feira de Nova Iorque (1939} que pode ser tido
Da Revoluçãode Trinta como obra de transição; 3é!) Da Pampulha
à Eclosãodo Movimento Moderno (1939-1941) a Brasília (1957-1961); 4<!)Iniciada
comBrasília {1957 .•. ).
A Revolução de Trinta
As duas primeiras fases tiveram como palco acida-
A festa junina no So lar de Monjope mais do que de do Rio de Janeiro; as duas seguintes se processa-
apoteose do Neocolonial, foi um gran-fina/e com o ram fora do Rio, mas por obra predominante de
baixar do pano sobre todo um ato da nossa arqui- arquitetos cariocas, diplomados aqui, militando
tet ura . A vitória de José Mariano fora efêmera . Um aqui, que daqui irradiaram suas idéfas para todo o
ou tro ato iria começar. Enquanto se realiza o Con- Brasil e para fora do Brasil, situando o Rio como
gresso dos Arqu itetos a situação política ferve. um dos focos da arquitetura.
Arma-se a revolução que eclode em outubro e
domina a situação. Repúbl ica nova. Tenentismo.
Os moços no comando. SubstituiçãQ de diretores Reforma da Escola
do Servico Público. Para a ENBA vai Lúcio Costa. de Belas-Artes e do Salão
Tinha 29 anos de idade. Foi Manuel Bandeira
qu em lhe ind icou o nome a Rodrigo Melo Franco A posse de Lúcio Costa na direção da ENBA
de Andrade, chefe de gabinete do Ministro Francis- deu-se em 12 de dezembro de 1930. No dia 29
co Campos, para que o levasse ao Ministro. dava ele uma entrevista a Gerson Pompeu Pinheiro,
arquiteto recém -diplomado doublé de repórter e
Lúcio era amigo de José Mariano. Quando esteve caricaturista de O Globo, a qual caiu como uma
na Europa os dois se correspond iam afetuosamen· bomba, pulverizando a arquitetura de estilos da
to. Por isso todos acreditavam e também José década de 1920-1930, que tinha constituído a base
Mariano que o seu ingresso na Escola seria a consa- do ensino na ENBA. Arrasou com o Salão de
oração do Neoco lonial. Surpresa! Lúcio abandona Belas-Artes e com a orientação da Pintura que, a
11 situação privilegiada que suas vit órias em concur• seu ver, ignorava tudo, depois de Cézanne . "Faze-
,,us públicos de projetos lhe tinham granjeado, e, mos cenografia - disse ele -, estilo, arqueolo-
l11f'l
uenciado pelas idéias de Le Corbusier, conver· gia ... casas espanholas de terceira mão, miniatu -
104 Paulo F. Santos

ras de castelos medievais, falsos coloniais, tudo, "mode rnas" que desde 1927-1928 construíra em
menos arquitetura" . . . "Acho indispensáve l qu e São Paulo e o de ter sido esco lhido po r Le
os nossos arquitetos deixem a Escola conhece ndo Corbusier r epresentante dos CI AMs para t od a a
perfeitamente a nossa arquitetura da época co lo- América do Su l.
nial - não com o intuito da transposição r idícula
de seus motivos , ou de mandar fazer fa lsos móveis Os alunos de liram com as inovações. Entre eles
de jaca randá - os verdadeiros são lindos - mas de est ava lançada a revolução mode rni st a. Chefiav a-os
aprender as boas liçõe s que ela nos dá d e simplic i- Luiz Nunes, pr esidente do Diretório Acadêmico
dade perfeita, adaptação ao meio e à função, e (logo em segu ida afastado das lides pela enf ermi-
conseqüente be leza". dade que meia dúzia de anos depo is o vitimaria),
autor no Rio de um prédio de apartamentos na
Fora da Escol a, a reforma do Salão de Belas-Artes,
Rua do Lavrad io, com minúsculos balcõ es salientes
na opin ião do Dr. Rodrigo Melo Franco de And ra·
de, teve importância e repercussão maior es do que (inspirados em Gropius) e de outro na Rua Sena-
a Semana de Arte de 1922 e foi pon t o de partida dor Dantas, e que em Pernambuco fez obra de
para integração da pintura no Movimento Moder- pion eiro, não apenas como arquiteto, mas também
como doutr inado r, atra vés as funções púb licas que
no. Na seção de arquit et ura expuseram
Warchavchik - a quem Lúcio não conhec ia pes- exerceu. Um dos seus pr imeiros traba lhos lá, o
soalmente e no afã da coleta de material para o Castelo d'água em Olinda fo i construído pelo enge -
Salão fora procurar em São Paulo - e o própr io nheiro Ayrton Carvalho, depois chefe de d istrito
Lúcio, que exibiu uma bon ita casinha para si mes - da DPHAN e prof essor de Arquitetura no Brasil na
mo, a ser construída na Rua Gusta vo Sampaio . Escola de Belas-Artes (ho je Escola de Arquitet ur a)
de Recife, onde, em conformidade com a diretr iz
daquele serviço, traçada por Rodrigo M. F. de An -
Na Escola, a refo rma começa com a cont ratação de
drade, influiu desde o começo com sua co labora -
novos professores: Alexander Buddeus, pa ra a ca -
ção e apoio - como o far iam Luiz Sa ia em São
deira de Composição de Arquitetura do quinto
Paulo e mais tarde Sylvio de Vasconcelos em Belo
ano; Gregori Warchavchik , para a de Compos ição
Horizonte - , no duplo sentido da cultura tradicio-
de Arquitetura do quarto ano; Celso Anto nio, para
na l e da arquitetu ra moderna. Com a doe nça de
a de Escultura; Leo Putz, para uma das cadeiras de
Luiz Nunes, assume a pr esidênc ia do Diretório
Pintura. Aluno de Leo Putz foi Rob erto Bur le Acadêmico da ENBA o estudante Jor ge Moreira,
Marx, que ainda guarda com car inho pendurados que viria a ser arqu it et o de primeiro plano do
às paredes do seu atélier trabalhos desse tempo de Movimen t o Moderno, sucessivas vezes pre m iado
estudante. nos Salões de Belas-Artes e nas Biena is de São
Paulo e que nessa ocasião tinha por co legas de
Budd eus e Warchavc hik fizeram na Escola verda· Esco la, ent re outros Alcides Rocha Miranda, Erna·
deira revolução. As fontes de inspiração dos alunos ni de Vasconcelos, Oscar Niemeyer, Milton Ro ber-
eram até então os Concours d'École, os Grand Prix to, Helio Uchoa, todos arqu itetos de alto mereci -
de Rome e os Concours Chénavard, da Esco la de mento na moderna arqui t et ura do Brasil.
Belas-Artes de Paris. Budd eu s introduziu as revistas
Forme Modem Bauformen, com novo vocabulário Tendo se realizado nessa ocasião o conc urso do
plástico de sólidos geométricos elementares e nova prêmio de Viagem Cam inhoá com a vitória do
técn ica de apr esentação: exata, pura, que começou aluno Wladimir Alves de So uza (projeto nos mol -
a ser adotada dentro e fora da Escola e continua des habituais), Lúc io faz afixar na por tar ia da
em uso até hoje. E le era partidár io da escola "ra - EN BA u m aviso chaman d o a atenção dos estu-
. clonalista ou funcionalista". "A fachada dizia, dantes para o traba lho classificado em 2Q jugar , de
deve ser o ref lexo da planta". Ernani de Vascon ce- Affonso Ed uardo Reidy, "cu ja arquitetura era a
los, que foi seu aluno, fala de le com entusiasmo. preconizada pe la d ireção". E Reidy é gu indad o ao
Warchavchik como pioneiro do Movimento Mode r- quadro de professores como assist ente de
no, trazia para o ensino o prestígio das casas Warchavch ik.
Ouatro Séculos de Arquitetura 105

O novo diretor age discricionariamente . Transfere, - conta Wright na sua Autobiografia - , vamos
demite professores. Estes movimentam-se contra para a frente. Vou entrar no barulho". E entrou
ele. Os alunos tomam partido , transfo rmando uma mesmo. Nem urna só vez deixou passar a oportuni-
greve contra determinado professor num movimen· dade de fazer um apelo a favor dos moços. Falava
to de solidariedade a Lúcio Costa. Procuram influir sempre: nas recepções no Instituto de Arquitetos e
no Governo para que lhes dê ganho de causa nas na Academia de Letras, nos banquetes e nas entre -
suas reivindicações que no essencial eram de apoio vistas aos jornais e nos encontros com os estudan·
à política de Lúcio Costa. Jorge Moreira vai buscar tes que eram diários, no decorrer dos quais lançou
Rodrigo de Melo Franco de Andrade para que o as expressões beaux-arts e estilo beaux-arts para
acomp anhe, como de fato fez, à casa de Juarez estigmatizar o academismo resultante dos métodos
Távora, então Ministro da Agricultura; José Maria- de Ensino difundidos pela École de Beaux-Arts de
no cansado de ver inatendidas suas reivind icações e Paris, então em voga no mundo todo.
criação na Escola de uma cadeira de Estudos Brasi-
leiros, entra na contenda, atacando Lúcio pelos Nas suas conferências na ENBA, Wright foi quase
jornais. Lúcio revida. A linguagem dos contendores carregado em triunfo pelos estudantes. - "Por mi-
torna-se desabrida. Não se tratava de uma polêmica nha fé - disse ele na sua Autobiografia - a greve
ent re duas pessoas, mas entre duas doutrinas. uma das Belas-Artes começou a esquentar . Não melem-
de um tradicionalismo romântico, tinha os olhos bro onde nem quantas vezes tomei a palavra nem
voltados para o passado; outra, racionalista e quantos artigos de jornal escrevi para O Globo e A
moderna, perscrutava o futuro. Manhã (referia-se ao Correio da Manhã), as folhas
marcantes do Brasil. Os jovens vinham me procu-
A polêmica entre os dois contendores e o antago-
rar, eu os acompanhava e Herbe rt Moses traduzia
nismo entre o diretor e a congregação t iveram minhas palavras - se é bem isso que fazia. Ele
eletrizante efeito sobre os arquitetos e o público e tornou-se de uma eloqüência inflamada - mas
puseram em evidência o movimento renovado r que desconfio de que me atribuía freqüentemente mais
de outro modo poderia ter passado quase desaper- do que eu tinha lhe confiado". "Ah! Esses riodeja-
cebido-, fato com similitudes ao que aconteceu neirenses são vivos e cheios de fogo". "Jamais
em 1918 na Alemanha, quando, ante a grita dos imaginei que latinos me agradassem tanto". E de-
conservadores o Bauhaus teve de ser transferido de pois de narrar a roda-viva em que os estudantes o
Weimar para Dessau, conferindo repercussão mun- mantiveram , fala da serenata de despedida que
dial ao que de outro modo não teria passado de dedicaram à sua senhora na Praia de Copacabana, à
um episódio de província. noite, defronte do Copacabana Palace, onde se
achava hospedado: "Os jovens, que disseram não
Vinda de ter dinheiro para comprar um ramo de flores e o
Frank Lloyd Wright ofertar a Oligivanna, improvisaram instrumentos e
vestes sumárias e cantaram e dançaram até às três
Estamos em agosto de 1931 . Em outubro chegam horas da madrugada, enquanto nós os contemplá-
para julgar a segunda etapa do concurso do Farol vamos do alto de um balcão" . "Foi uma perma•
de Colombo: Frank Lloyd Wright, representando a nência prodigiosa" - arrematoL: o grande arqui-
América do Norte; Eliel Saarinen, a Europa; e teto.
Acosta y Lara, a América do Sul. Uma delegação
de estudantes de arquitetura vai a bordo pedir o
apo io de Wright. Os moços fazem a caveira da F. Lloyd Wright
ENBA, que, dizem, bania os livros de arqu itetura na Casa da Rua dos T oneleros
moderna, cont inuando a tomar por modelo a atra-
sada Escola de Belas-Artes de Paris. - "Tome Durante a estada de Wriqht no Rio, Warchavchik
cuidado - disse Saarinen a Wright -, este é um terminava a sua primeira casa moderna da cidade,
país em revolução: Skk (fez um testo de quem na Rua dos Toneleros, a qual até poucos anos
corta o pescoço). Era uma vez você! - "Tanto pior ainda existia e foi visitada pelo ~minente ameri-
106 Paulo F. Santos

cano que ali fazia quase diariamente preleções aos Os slogans da nova arquitetura eram Racionalismo
jovens, entre os quais, além de Lúcio Costa e " e Funcionalismo que já vinham do século XIX,
Alcides Rocha Miranda - que serviam de intérpre- com Labrouste e Viollet-le-Duc na Europa, e
tes-, incluíam-se Jorge Moreira, Ernani de Vas- Greenough e Sullivan nos Estados Unidos, e foram
concelos e João Lourenço. O geometrismo desnu- retomados por Le Corbusier com nova ênfase e
do da casa teria impressionado o grande arquiteto, mais um slogan; Casa, máquina de morar, que,
que, de volta aos Estados Unidos ao projetar uma repetido por Warchavchik no seu Manifesto de
de suas residências mais famosas, Fafling Water, 1925 e muito divulgado nos jornais do Rio e São
usou - e pela primeira vez na sua carreira-, de Paulo, foi interpretad o entre os arquitetos como se
um balcão prismático branco, cuja inspiração Lú- o projeto arquitetônico devesse ter a precisão de
cio admite tenha haurido - e também a nós nos uma fórmula matemática. Mas só em teoria, por-
parece - nessa casa (opinião de que Warchavchik que na prática a arquitetura que resultou dessa
não compartilha). interpretação tinha muitas falhas: - basculantes de
ferro com vidros estreitos translúcidos mas não
Com a construção dessa casa, os pronunciamentos transparentes, barravam a visibilidade dos jardins e
de Wright, o ambiente de tensão na ENBA, a transformavam as casas em prisões; janelas de can-
projeção de vários dos participantes nos episódios, to convencionais; óculos inspirados nas vigias dos
a cooperação da imprensa, a perplexidade simpati- navios e pilotis encaixados a martelo, não tinham
zante dos arquitetos e acima de tudo o prestígio outro propósito a não ser o de parecer modernos;
pessoal de Lúcio Costa e a força que emanava de com a ausência de beiral, os revestimentos (à base
suas convicções, estava definitivamente lançada a de cal) enegreciam depressa; terraços mal isolados
arquitetura moderna. Irreversivelmente. Embora e mal impermeabilizados deixavam-se atravessar
não sem tropeços, dúvidas, indecisões, incertez as pelo calor e pela água e tornavam escaldantes os
principalmente dos menos jovens que já tendo se compartimentos-, resultando disso tudo: frieza,
exercitado nos esti los históricos na vida prática agressividade, às vezes pedantismo e sempre anti-
não tiveram a mesma facilidade de enveredar pelo racionalismo e antifuncionalismo, que tornavam
novo caminho: alguns ainda quando depois vissem essas casas inferiores às da arquitetura neutra de
a tornar-se dos mais proeminentes da vanguarda, Prentice e Floderer, tida nessa ocasião na mais alta
projetavam . ao mesmo tempo casas modernas e conta entre os arquitetos diplomados anteriormen-
normandas, missões ou de quejandas variações esti- te a 1930, ou quiçá às da arqu itetu ra estilistica-
lísticas. mente menos ambiciosa da Companhia Constru-
tora Freire 8: Sodré, encarada com certa reserva
Primeiros Ensaios pelos arquitetos mas preferida das classes proprie-
da Nova Arquitetura tárias mais abastadas. ·
Foram obras importantes dessa primeira fase:Abri- Arquitetura de caixas d 'água, foi como José Maria-
go da Boa Vontade, de Affonso Eduardo Reidy e no a apelidou. Proprietários . insatisfeitos apresenta-
Gerson Pompeu Pinheiro, construído com projeto vam reclamações, de que não se podia deixar de
premiado em concurso público, e as Escolas da reconhecer a procedência, e foi uma das razões de
Prefeitura do mstrito Federal, de Wladimir Alves ter-se mobilizado contra ela uma parcela ponderá-
de Souza, Enéias Silva e Paulo Camargo, deste vel da opinião pública. Oscar Clark, professor da
último tendo sido igualmente a primeira casa de Escola de Medicina e Inspetor Escolar, invectiva
apartamentos com pílotis da cidade (segundo pré- pelos jornais (e depois em livro) contra as salas de
dio da Avenida Delfim Moreira a partir da esquina aula das ·escolas municipais, muitas das quais visita-
com Avenida Visconde de Albuquerque, ainda, das ao fim da tarde mais lhe pareceram estufas.
existente}. Paralelamente, fizeram-se dezenas de Algumas - como as da atual Praça José Mariano na
casinhas para exíguos terrenos (os proprietários de Rua Jardim Botânico e da Quinta da Boa Vista -
grandes terrenos, reagiram mais do que os outros exibiam papéis pardos colados às vidraças, para
contra o novo estilo). evitar o excesso de luminosidade, que estava au :
Ouatro Séculos de Arquitetura 107

mentando a incidência de doenças oftalmológicas te na arquitetura contemporânea do Brasil, inclus i·


entre as crianças. Várias das escolas e residências ve no Palácio da Alvorada, em que o mobiliário
assim feitas, receberiam anos depois o tradicional antigo se alterna com o mode rno, raro sendo o
telhado com os beirais protetores; outras tiveram arquiteto de vanguarda - citam-se ao acaso Lúcio,
os basculantes substituídos por janelas de venez ia· Niemeyer, Sergio Bernardes, Paulo Antunes-, que
nas; e as que se mantiveram tais como foram prescinda de alguns móveis antigos como comple-
projetadas, no que tange ao conforto e à conserva- mentação do equipamento de suas casas.
ção não resistem ao paralelo com as casas cobertas
com telhados da arquitetura neutra que lhes era Pouco depois Marcelo Roberto inaugura, na Rua
contemporânea. Barata Ribeiro, uma casa projetada, construída e
decorada por ele, a qual exposta à visitação públi ·
Salão de Arquitetura Tropical ca, como o tinham sido a casa da Rua dos Tonele·
ros e o apartamento da Avenida Atlântica de
Nessa ocasião Warchavchik e Lúcio Costa fazem-se Warchavchik, faz grande sucesso.
sócios e enquanto o primeiro executa para um
arranha-céu da Avenida At lântica um apartamento
moderno equipado com móveis modernos e, para o
mesmo bairro, a casaSchwartz {na Rua Raul Pom- O Urbanismo
péia) e duas outras casinhas de cor verde que até
poucos anos atrás ainda existiam, o segundo cons- O urbanismo em São Paulo começa a tomar incre-
trói na falda do morro onde hoje fica a Rua mento com Anhaia Melo, Ulhoa Cintra e Prestes
Sambaíba, no Leblon, duas casas modernas para a Maia, que publicam na Municipalidade,um plano
família Coelho Duarte e reforma a casa de Paulo de avenidas, acompanhado de texto ricamente in·
Bittencourt no Largo do Boticário: "uma casa anti · formativo (1930). No Rio, para regulamentação do
ga reformadapara receber móveis antigos" . Plano Agache é nomeada a Comissiodo Planode
Cidade (1931) de q_ue fazem parte Armando
Logo em seguida (1933) a Associação dos Artistas Godoy (presidente), Angelo Brunhs, Arquimedes
Brasileiros - que já desde 1931 sob a presidência Memória, Lúcio Costa, Affonso Eduardo Reidy,
de Nestor de Figueiredo propugnava por Um plano José Mariano Filho e outros. A comissão que em·
integral de Educação Artlstica para o Brasil, que preende uma metódica revisão do plano, bairro por
compreendesse música, arquitetura, pintura, escul- bairro, tem sua atividade interrompida em 1934 e
t ura e teatro -, promove um Salão de Arquitetura retomada em 1938, já então com o caráter de um
Tropical com um catá logo em que colaboraram verdadeiro departamento, tendo por diretor o en-
vários escritores (Ana Amei ia, San Tiago Dantas, genheiro José de Oliveira Reis (mais tarde nomea·
etc.), cada qual dizendo como desejaria a sua casa do professor do Curso de Urbanismo da Faculdade
ideal, precedido de uma exortação do seu presiden· de Arquitetu ra, a que até hoje pertence) e numero•
te - então Celso Kelly (um dos primeiros, diga-se sos arquitetos: Hermínio de Andrade e Silva, Aldo
de passagem, a encontrar traços de genialidade em Botelho, Armando Stamile, David Xavier de Azam•
Portinari que, recém -vindo da Europa onde estive• buja , Nelson Muniz Nevares e outrcs .
ra com o prêmio de viagem, estava sendo muito
ata cado pela crítica oficial~- No Sa lão, organizado Atíllio Correia Lima tendo conquistado na ENBA
por João Lourenço, Reidy e Gerson expõem o o prêm io de viagem à Europa, cursa o Inst ituto de
Abrigo da Boa Vontade; Marcelo Roberto, uma Urbanismo da Universidade de Paris e publica à
cas inha em Laranjeiras; e Lúcio Costa, conjugando guisa de tese, com prefácio de Prost o Avant-proíet
num mesmo projeto a arquitetura moderna (como d'amenagement et d'extension de Niteróí (1932}, e
a das casas dos Coelho Duarte) e móveis ant igos fará depois no Brasil o ;Jlano radiocêntrico da
(co mo os da casa de Paulo Bittencourt) expõe com cidade de Goiânia em Goiás (seguido à risca, hoje,
sucesso duas graciosas casinhas, inaugurando um urna grande cidade) e o da cidade industrial de
caminho novo, que desde então tem estado presen· Volta Redonda.
108 Paulo F. Santos

Nestor de Figueiredo é contratado para fazer os Também em São Paulo movimentam-se os arquite-
planos de remodelação de Recife, João Pessoa e tos, que, com Flávio de Carvalho, Warchavchik,
Cabedelo e de duas outras cidadezin has nordesti - Rino Levi, Mova e Malfatti Francisco e Jaime da
nas, trabalho que faz acompanhar de muitas confe· Silva Telles (este bandeado do Rio para São Pau-
rências, entrevistas e artigos (1933), tudo isso lhe lo), Baldassini (também do Rio) e outros, organi-
dando credenciais para ocupar depois no Instituto zam um Sindicato dos Trabalhadores de Arte
de Artes da Universidade do Distrito Federal de (1931}, e com D. Olívia Penteado (mecenas da
que era diretor Celso Kelly, o cargo de professor de Semana da Arte de 1922), Tarsila e outros, a
Evolução dos Planos das Cidades, tendo como co- Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM). Desta, fa-
legas de curso Marcelo Robe rto, professor de Ar· zem presidente D. 01 ívia Guedes Penteado, e de·
quitetura das Cidades, e Adolpho Morales de fos pois Lasar Segai, este pioneiro do Movimento Mo-
Rios Filho, professor d~ História do Urbanismo. derno na Pintura do Brasil (com a sua exposição de
1_913 em São Paulo) .
Como contrapartida à posição dos arquitetos di-
plomados no Brasii, que eram homens de pranche·
ta e estudavam os problemas predominantemente Início da Segunda Fase
em termos de composição, inicia a sua atividade Vinda de Le Corbusier
Washington de Azevedo, diplomado nos Estados
Unidos, com interesse sobretudo nos fundamentos Se a primeira fase da arquitetura contemporânea
econôm icos ou sócio-econômicos dos planos das do Rio (e do Brasil) ficou assinalada pela difusão
cidades, assumindo, com isso, uma atitude nova dos slogans Racionalismo e Funcionalismo, a se-
diante deles, classificando de romântica e fora da gunda fase vai se caracterizar pela aplicação da
realidade a dos seus colegas diplomados na ENBA. estrutura independente e do brise solei/, de Le
Nesta, a reforma de '1932 cria a cadeira de Urbanis- Corbusier .
mo, inicia lmente ocupada por Atillio e conquis-
tada em concurso pelo engenhe iro civil J .O. de Em 1935 abre-se concurso para projeto do edifício
Saboya Ribeiro, autor de planos urbanísticos para do Minístério da Educação e Saúde, realizado em
bairros do Rio de Janeiro e para várias cidades do duas etapas, na primeira sendo selecionados os
Brasil ( Fortaleza inclusive) e que agora cogita de trabalhos de Arquimedes Memória & Francisque
fundar na Universidade um Instituto de Urban ismo. Couchet, Raphael Galvão e Gerson Pompeu Pinhei-
ro, que na segunda etapa nessa ordem obtiveram a
classificação final. O projeto premiado era em esti-
lo Marajoara, com uma perspectiva a pastel de
Congregam-se os Arquitetos Louis Lacombe e a planta com numerosos pátios
fechados (sete, se bem nos lembramos), não repre-
A profissão de arqu iteto vai-se impondo, equipa- sentando o máximo que os arquitetos seriam capa-
rando-se à de enge nheiro civil. Com a promulgação zes de realizar.
do Dec. 23.569 (1933) que até hoje regulamenta
as duas profissões e a de agrimensor, são criados os As formas Marajoaras- última tentativa de criação
Conselhos Regionais e o Conse lho Federal de En- de uma arquitetura com raízes nacionais - tiveram
genharia e Arquitetura. Neste, com a morte do seus antecedentes em sugestões de Couchet em
engenheiro Pedro Rache, ocorrida logo depo is, é entrevista a um jornal (polêmica com José Mariano
guindado à presidência o arquiteto pro fessor Adol- em meados da década anterior) e foram adotadas
pho Morales de los Rios Filho, cuja presença hábil, por Agache no projeto de pérgulas e outros acessó-
equilibrada, lúcida e operosa durante um quarto ele ríos arquitetônicos para os jardins da Ponta do
século nesse elevado cargo, foi o principal fator Calabouço (1929), mas foi Edgar Viana quem lhes
dos progressos alcançados pelo arquiteto na admi- deu a cons istência de um estilo, quando (a ínfor-
nistração pública, os quais influem no conceito de mação é de Ernani de Vasconcelos), inspirado nas
que atualmente desfruta. aplicações de motivos mexicanos a painéis decora-
Quatro Séculos de Arquitetura 109
tivos de azulejos, majólicas, etc. que fazia o arqui- Eduardo Reidy, a que cedo se acrescentariam Er-
teto Galo (nessa época seu companheiro de escritó- nani de Vasconcelos e Oscar Niemeyer -, todos
rio), imaginou usar com o mesmo fim os da cerâ- participantes do reduto purista (a expressão é de
mica da llha de Marajá. De parceria com Louis Lúcio) que, de 1931 a 1935, para estudo das obras
Lacombe aplicou-os à arquitetura (como o fizeram de Mies Van der Robe, Walther Gropius e princi-
Galo, Barata, Fonseca e outros arquitetos) -, seja palmente Le Corbusier, se reuniam num escritório
associando-os a motivos californianos (casa de fundado por Lúcio e Leão, a que se agregaria,
Nelito Dias Garcia na Avenida Atlântica), seja a quando associado a Lúcio, Warchavchik.
formas pseudomodernas (casa na Rua Visconde de
Ouro Preto), ambas ainda existentes, o que iria A equipe elabora novo projeto para o Ministério:
resultar em arquitet ura inferior a dos saborosos pilotis, part ido em U no côncavo do qual ficava
Missões e Normandos em que se distinguira na um corpo transversal que à frente do prédio in-
década anterior. cluía um auditório trapezoidal. A Lúcio não satis•
faz o projeto e daí a iniciativa, que foi sua, de
Os partidários do Movimento Moderno - Mário de convencer o Ministro Capanema "com o apoio
Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond e discreto mas decisivo do Sr. Carlos Drummond de
Rodrigo Melo Franco - reagem contra o projeto Andrade, então diretor de gabinete do Ministro, da
premiado. O Ministro, partidário de uma arquite· imperiosa necessidade da vinda de Le
tura de meio termo - um edifício plantado no Corbusier ... ".
chão (e não sobre pilotis como no projeto de
Gerson), acessível através de uma escada monu- Cede o Ministro. Há sempre um homem de estado
mental -, trabalhado, nessa alt ura pelo seu lúcido e audacioso nos grandes movimentos de
ent ourage de modernistas (viam-se I ivros de Le renovação da arquitetura: o Ministro Rockroy,
Corbusier em sua mesa de trabalho), paga o prêmio quando da construção da Torre Eiffel, a que se
aos vencedores e nomeia Lúcio (participante não opunha num documento dramático a mais fina flor
classificado no concurso) para elaborar novo pro- da intelectualidade parisiense; Capanema, nessa
jeto. Essa iniciativa, embora sendo o ponto de ocasião; Juscelino Kubitschek, primeiro quando da
partida de uma série de outras que conduziriam a construção da Pampulha, depois na de Brasília.
nossa arquitet ura para o lugar privilegiado que hoje
ocupa, não podia deixar de magoar Memória, ge-
rando surdas revoltas e desarmonias, que só vinte Chegada de Le Corbusier
anos depois começaram a aplacar, e foram motivo As Conf erências
para que não part icipassem do ensino oficial da
Escola, com grande prejuízo para a formação das Jun ho de 1936. Chega Le Corbusier. Momento
novas gerações - (e é o que justifo;a ser contado culminante para a história da nossa arquitetura.
aqui, porque dá resposta a uma pergunta que a 1mpacto vigoroso sobre os moços, frente a um dos
todos intriga) - de arquitetos como Oscar mais proeminentes apóstolos de um mundo novo.
Niemeyer, Lúcio Costa, Jorge Moreira, Reidy, Mar- Olha o projeto em U e vai logo dizendo (é de Jorge
celo Roberto e muitos outros que logicamente Moreira a informação): - Por que vocês não põem
deveriam ser dos primeiros a lá ingressar. Fizeram- dobradiças nestes braços, fazendo-os girar, e não
se professores em seus escritórios, acolhendo levas deslocam para um dos cantos à frente o auditó -
e levas de estudantes estagiários, que ali e em rio? E assim lançava o partido do novo projeto do
outros escritórios equivalentes, complementaram a Ministério da Educação.
sua formação.
A atuação de Le Corbusier foi absolutamente fun•
A pedido de Lúcio Costa são nomeados para com da mental. Ensinou a teor ia em seis conferências, a
ele colaborar no novo projeto do Ministério os 31 de julho, 5, 7, 10, 12 e 14 de agosto de 1936 e
demais arquitetos modernistas desclassificados no a prát ica durante cerca de um mês diariamente na
concurso: Carlos Leão, Jorge Moreira e Affonso prancheta. As suas conferências, em que abordou
110 Paulo F. Santos

problemas de palpitante atualidade, completamen- projetos monumentais, é claró},. Le Corbusier gos


te desconhecidos da maioria do auditório, tiveram tava de incluir n~a época umtr figura sentada, do
efeito equivalente ao de uma introdução à arquite- grandes propofçõés,_ espécie de~1-1
scriba egipcio ,quu
tura da Era Industrial: 1CJA máquina e o homem. da1Ja uma nota muito pessoal ,:aos. seus traba lhos.
Sob o signo da ação. A máquina esmagou o ho• Tudo isso começou a ser imitado ,por praticamento
mem. Milhares de seres sem ar e sem sol. Necessi• todos os arquitetos modernistas do .Brasil.
,
dades psicológicas. 112% de espaços livres. O ho- ( /

mem, o sol, o espaço e as árvores. 2<?A desnatura- Na intimidade era, simpJes,, irdorítial , gostava de
Hzação do fenômeno urbano. A disposição em brincar, mas sempre alinhadó ;·'i'rtipecável no tra jar ..
torno das cidades. O grande desperdício . A catás- Boa praça, diziam os moços ...?,. observador sagaz.
;rofe urbana. A cidade horizontal e a cidade verti- Tuôo era para ele motivo de cO'thentários penetran -
cal. A cidade radiosa. 3<?A máquina reduz o tem- tes ou de t irada~ filosóficas , irue . conferiam uma
po de trabalha . Os lazeres. Esporte espetacular e nota original e 'densa de conteúdo aos fatos mais
exercícios físicos . Os prazeres intelectuais. A ale- vu,lgares com que ninguém s"$ ::w~ocupa. Era mes-
gria de viver. A morte da rua. Pedestres e veículos. mt> o homem de· gênio de qúe "a sua obra provai/a
4QA pequena habitação considerada como prolon- ser. Um dos gênios do sécuk;_·xx na opinião-da
gamento dos serviços públicos. O urbanismo faz Bertrand Russel. · , · ,• ·
dinheiro . O urbanismo não custa dinheiro. 5q Os
tempos novos e a vocação do arquiteto. Programa Visitava muita ge.nte. . Port'inâr.\~ por exemp lo. Ê~
de uma faculdade de arquitetura. A função das muito ligado a Léger (a observe1>ãpé do Dr. Rodri-
artes maiores na arquitetura. 6QA autoridade não go.)-cuja pintura ~ tão difere~da de Port inari _.,
está instruída. Os Congressos Internacionais de Ar- lhe pa-recia perfeitífmente aj.~<là ao tipo de ª"""
quitetura Moderna (CIAM). Legislar sobre bases quitetura que 'p>reéotiizava; f~z Úít-icas aó nossq
modernas. artista que por .m_ujto tempo o· i:fêsfiortearam. Mas
há dois anos, cfúando de volla ."de Brasília a qlu~
fôra ter para con hecer ó terr~o da futura Emba.r-.,
No Trabalho e na Intimidade xada da França, cujo projeto ·fh'eha1Jiasido confia--
do - , visitando o ~inistério dá-.,Ç(Jucaçãosurpree n·
Le Corbusier era um trabalhador infatigável. No deu-se com a força dos.painélf depintor brasileirrr
primeiro dia chegou ao escritório às oito horas da (é ainda do Dr. Rodrigo a infort:páção).
manhã, estrilando com os outros que chegaram
atrasado s. Sua produção era maciça. Virava o dia lr~ipressionou•se .c~in particul~icàdes da nossa át--.
todo. Na prancheta fazia as esquisses preliminares, quitetura colonial : os te lhões de louça e os azulejos
lançando os partidos, delimitando os volumes, dan- de rev!!stimento da·s fachadas ;;quais os da casa na
do ênfase a um qualquer pormenor com uma pers- Rua São Clemente escil!ina cfa:?Faia de Botafogo ;
pectiva adicional. Os outros desenhavam em proje• os painéis de azulejos da nave.-,~ sacristia da lgrej•
ção nas escalas indicadas . Niemeyer , que se habi· inha da GlórJa do Outeiro, a 'Qí!e mais de uma vez
tuara a fazer perspectivas de apresentação para retornou; as -rótulas, treliças e muxarabis dos nos-
outros arquitetos e as fazia como auxiliar de Lúcio sos documentários daquele tempo. Acha Ernani de
C.osta no escritório deste com Warchavchi k, tam - Vasconcelos_ (de quem colhem~s todas essas infor-
bém com Le Corbusier ficou com essa atribuição. mações), tenha part ido dele á"i,ntrodução de e'le-
Mas era o mestre quem dava o toque final . Os mentos tradiciól'!aís na nossa ar,ql:Jiteturamoderna.
bonecos (figuras habitualmente incluídas nos dese-
nhos para dar aos projetos a escala humana) eram Projetos de Le Corbusier ...•
sempre dele. Bonecos com camisa de malandro, '•
cheirando a suor, que substituíram nos desenhos as Para o Ministério da Educ~ção Le Corbusier
habituais figuras de paletó saco ou qu içá as de esquissou dois projetos com sahorosas perspectivas
~brecasaca e cart ola que costumávamos empregar. de interior e exterior . O priméito para o te rreno do
A frente de um dos lados, ou no vestíbulo (só de Castelo; o outro para um ter.refio mais próximo do
Ouatro Séculos de Arquitetura 111
mar, escolhido por ele próprio num vôo de avião, Agache havia localizado a Cidade Universitária na
íá que aquele lhe parecera inadequado. O primeiro Praia Vermelha (do atual Instituto Militar de Enge-
projeto tinha a forma de um prisma de base retan· nharia ao antigo Hospício de Pedro 11) Marcello
gular alongada (com as partes de serviço em apên- Piacentini, acadêmico de Itália e arquiteto oficial
dice) e o auditório à frente, disposto paralelamente de Mussolini, autor do projeto da Cidade Universi-
a ele e fora do eixo da composição; no segundo, o tária de Roma, contratado pelo Governo indicou
prisma era ainda mais alongado e o auditório loca- como os melhores para o fim visado vários terre-
lizado igualmente fora do eixo da composição, mas nos, dentre os quais o engenheiro Morais Vieira e
fo rmando um prisma (em que as partes de serviço os arquitetos Evaristo Sá e José Souza Reis preferi-
ficavam em apênd.ice nas duas extremidades), um ram os da Quinta da Boa Vista e Estação da
corpo transversal que continuava em cruz na parte Mangueira, e foi para esse que Le Corbusier real i•
posterior; mas este último terreno teve de ser aban- zou o se.u projeto . Tal projeto foi subst itu ído por
do nado porque as démarches ulteriores para a sua outro elaborado por uma com issão de arquitetos
utilização fracassaram. constituída por Ângelo Brunhs, Firmino Saldanha,
Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Reidy, Jorg9 Morei-
ra, José de Souza Reis e Paulo Fragoso (este enge-
Além desses projetos fez Le Corbusier, em pouco nheiro civil).
mais de uma semana, o da Cidade Universitária, na
Mangueira, em que se distinguiam pela originali· Embora constando oficialmente como realizado
dade: um auditório com a cobertura suspensa a por essa equ ipe, o novo projeto da Cidade Univer-
vigas de concreto dispostas do lado externo e uma sitária da Quinta da Boa Vista e o respectivo rela-
avenida monumental valorizada por numerosos tório foram obra quase exclus iva de Lúcio Costa,
renques de palmeiras imperiais (que tanto o ha- cuja participação é reconhecível nas graciosas pers-
viam impressionado), numa solução de conjunto pectivas que ilustram o plano e nas idéias do rela-
admirável. tório . Neste o que mais interessa focalizar é o
roteiro das etapas adotadas, que indica o caminho
A elaboração de ambos os projetos - o do Ministé- aconselhável para qualquer trabalho no gênero:
rio e o ela Cidade Universitária-, que a equipe de a) Escolha da orientação ideal para as salas de
arquitetos viu nascer desde as esquisses prelimina- trabalho; b) Em função da orientação determina-
res, acompanhados de magistrais lições, equivaleu a ção do eixo principal da composição; e) Também
em função da orientação, determinação do partido
todo um curso de inestimáveis ensinamentos, se-
em planta das escolas e da sua disposição no con-
mente generosa que germinou nisso que aí está: a
junto atendidas também às circulações ; d) Racio-
arquitetura contemporânea do Brasil, e representa
nalismo e Funcionalismo na escolha das soluções:
uma dívida que para nossa vergonha jamais procu-
ramos saldar, nem mesmo dando o nome do mes-
construtiva (estrutura independente), espacial (li-
berdade de planta), plástica (liberdade das eleva-
t re a uma praça (por que não a dos Três Poderes
ções) - todas com uma intenção técnica e artística
em Brasília? ) ou a um parque (por que não o do de índole superior; e) Senso de medida na fixação
Aterro da Glória no Rio? ), ou sequer conferindo da escala (escala humana, diferente da super-huma-
ao grande arquiteto, como fizemos com Walther na de que se tem acusado a atual Cidade Universi-
Gropius - e seria pouco -, a medalha de honra tária do Fundão); f) Quase sentimento de humil-
numa das Bienais de São Paulo e o título de dade no projeto de cada unidade, a partir do
do utor honoris-causana Universidade do Brasil. pórtico até o Hospital das Clínicas-, o que não
Receamos não tenha sido por outro motivo que o impediu o lirismo que ressalta da orquestração de
mestre quando esteve em Brasília e no Rio, há conjunto.
cerca de dois anos, sem embargo de suas polidas
excusas, não tenha querido pronunciar nenhuma No eixo da composição e precedida de um pórtico
palestra e tenha morrido magoado conosco pela singelo junto ao qual se erguiam, de um lado a
nossa ingratidão. reitoria, do outro o auditório, estendia-se a grande
112 Paulo F. Santos

avenida sublinhada de seis renques de palmeiras do edifício), a planta livre e a fachada livre, isto é:
imperiais, transplantada - como o foi também o planta e fachada dispostas de acordo com as conve-
particularíssimo auditório dotado de nervuras ex- niências espaciais e plásticas, sem subordinação aos
ternas - do projeto de Le Corbusier. De um lado e elementos da estrutura - idéias devidas a Le
do outro, suspensas no espaço {para não prejudicar Corbusier e que em projetos anter iores não t inham
a visibilidade do jardim) por meio de pi lotis reves- ainda sido assimiladas e agora concomitantemente
tidos de azulejos à maneira tradiciona l, erguiam-se aparecem no s pro jetos dos t rês edifíc ios com que
transversalmente as escolas e institutos de quatro e se inaugura a segunda fase: Associação Brasileira de
cinco pavimentos apenas, em que todas as salas de Imprensa, Obra do Berço e Ministério da Edu-
permaência (e não apenas algumas) tinh am a mes- cação.
ma orientação, a priori determinada depois de lon-
gos estudos por uma autoridade em Orientação e Associação Brasileira de Imprensa
Conforto Térmico e Visual, o prof. Paulo Sá. Daí e Obra do Berço
resu ltou em planta o partido em 1 (e não em U, T,
H ou O, como era habitual), com uma galeria de Em fins de 1935 a Associação Brasileira de lm·
ponta a ponta separando as salas e laboratórios prensa inicia as démarches para a realização de um
(situados à frente), dos auditó rios (cuja iluminação concurso que é aberto no começo de 1936 e jul-
era artificial) e dos serviços, situados atrás. Ao gado em meados do mesmo ano. Competiram,
fundo, no alto de um outeiro e no prol o ngamento entre outros, Oscar Niemeyer, Jorge Moreira de
da ave nida, ficava o Hosp ita l das Clínicas, que parceria co m Ernani de Vasconce los e a dupl a
dominava a composição. vitoriosa Marcelo e Milton Roberto, cujo projeto,
por sua originalidade e ousadia sem precedentes,
Depois de um dramát ico diá logo entre Lúcio Costa além de colocar os arquitetos no primeiro plano
do
e o Conselho Universitário este assessorado pela Movimento Moderno, assumiu uma posição revolu-
figura majestática do professor Azevedo Amaral, cionár ia que não poder ia ter sido sanciona
da pela
que tinha sempre inesgotáve is reservas de eloqüên- comissão julgadora não fora o apoio decis ivo de
cia contra as idéias de Le Corbusier, o projeto fo i Herbert Moses, presidente da Associaç
ão, que nos
abandonado, perdendo -se com e le a oportunidade contatos com Frank Uoyd adquirira entusiasmo
de lavrar um tento na arquitetura contemporânea pe la arquitetura moderna e embarco u na aven t ura.
do Brasil. Porque em verdade foi uma aventura fazer um
prédio sem janelas. O projeto premiado e os dos
Razões da Nova Arquitetura outros cita dos concorrentes além de estrutura in-
dependente, planta livre e fachada livre, aplicaram
Como doutrina, aparece nessa ocasião Razões da brise-solei/ - mais outra das inovações que Le
Nova Arquitetura, artigo de Lúcio Costa, pondo Corbus ier tinha tentado rea lizar na Argélia e em
em re levo: a) A confusão do movimento de transi- Barcelon a mas pelo capricho da sorte encontrou
apl icação primeiro no Rio de Janeiro e pelas mãos
ção que o mundo atravessava e ainda atravessa;
dos arquitetos brasileiros. Jor ge Moreira e Ernani
b) A posição da Arte e dos Artistas na procura de
de Vasconcelos empregaram brise-so/eil em caixões
um novo equilíbrio c) Destaque, como ponto de
(como os de L. C. em Barcelona); Oscar Niemeyer,
partida para renovação da Arquitetura, da nova
paredes escalonadas, em que alvenaria e caixi lhos
técnica - mecânica em lugar da artesanal - e
de vidro se alternavam; Marcelo e Milton, p lacas
como resultado do uso de novos materiais (o ferro oblíquas de alumí nio, que por economia foram
e o concreto armado), afirmação do princípio da feit as
de concreto às quais vest iam todas as fac ha-
estrutura independente, à qual deve caber a m issão das, encobrindo as esquadrias, que uma galer ia
de suportar todas as cargas do edifício, relegando isolante do calor separava do bríse-so/e;/.
as pared es a mera função de vedação, e tendo
como coro lários, a lém dos pílotí s e do terraço-jar- Quant o à Obra do Berço na Avenida Epitácio
dim (recuperação do terreno por baixo e por cin"-ia Pessoa, foi
uma das prime iras de Oscar Niem eyer
Ouatro Séculos de Arquitetura 113
(1937) impondo-se como solução muito pu ra pela rém ao corpo transversal (o do auditório) a disposi-
singeleza de linhas e naturalidade com que cada ção por ele dada ao projeto para o outro terreno,
elemento se insere no projeto, a que o brise-so/eil mas simplificando o partido pela inserção das par-
- não fixo como o da Associação Brasileira de tes de serviço no próprio prisma e uma apuração e
1rnprensa, mas móvel - dá um sentido plástico de harmonia de forma maiores. O tratamento que lhe
interesse particular . foi dado: brise-solei/ à frente de fora a fora na
fachada castigada pelo sol (em que ficaram tam-
Ministério da Educação e Saúde bém os serviços e as circulações) e um pano de
vidro aos fundos (parte reservada às salas de traba-
Depois da partida de le Corbusier a Comissão de lho) -, conferiu-lhe uma concisão de linguagem
arqu itetos incumbida do projeto do Ministério da que os partidos do mestre não poderiam alcançar.
Educação retomou os estudos que ele havia feito Também o aumento no número de pavimentos
para o primeiro dos dois terrenos, adaptando po- (quinze em lugar de dez), motivado embora antes

Associação Brasileira de Imprensa - RJ, Projeto de Obra do Berço ·- RJ. Projeto áe Oscar Niemeyer.
M,M, Roberto. Início em 1935 Início r,m 1936
114 Paulo F. Santos

por imposição do programa do que por desejo dos dos pilotis; Roberto Burle Marx, os jardins e Celso
arquitetos, melhorou-lhe as proporções . Antonio e Bruno Giorgi as estátuas que o decoram;
Lipchitz, o Prometeu de Bronze (concebido inicial-
Por alvitre de Le Corbusier as paredes laterais do mente para o dobro do tamanho); Emílio
edifício foram revestidas com o mesmo gneiss que Baumgart, a estrutura levíssima de concreto arma-
viu empregado no lindíssimo chafariz de Mestre do, uma das primeiras aplicações de lajes lisas em
Valentim na Praça XV de Novembro . Grandes no- rippendeck que depois se generalizaram; Saturnino
mes colaboraram na complementação artística e de Brito fez as instalações hidráu licas e Carlos
técnica da obra : Cândido Portinari (lembrado por Stroebl as elétricas, sugerindo inclusive (o que ,não
Mario de Andrade) fez os murais das dependências foi aceito} o comando do bríse-soleil por células
do Ministro e o desenho dos azulejos do pavimento fotoelétricas que fariam as placas deslocar-se com
o movimento do sol. O brise-so/eil foi principal-
mente estudado por Jorge Moreira que ajudou
Niemeyer a resolver o da Obra do Berço.

Edífício do Ministdrio da Educação - RJ. Projeto inicial O edifício, em que o fervor e o arrebatamento dos
de Le Corbusier desenvolvido por Lócio Cosra, Oscar moços se contêm ante o senso de medida e o equil í-
Niemeyer, Jorge Moreira, Affonso Eduardo Reidy, brio inspirados pelo mestre, .tem a torça, a graça, a
Hernani de Vasconcelos e Carlos Leão. 1936-1943
harmonia perfeita de um clássico, avultando "em
meio à espessa vulgaridade da edificação circunvizi-
nha", no dizer de Lúcio Costa", como algo que ali
. pousasse . serenamente, apenas para o comovido
: enlevo ··q9 transeunte despreocupado, e, vez por
outra, sürpreso à vista de tão sublimada manifesta·
ção de pureza formal e domínio da razão sobre a
inércia.· da matéria". "Entretanto o êxito integral
do empreendimento só foi assegurado devido à
circunstância ·de estar incluída entre os seus leg íti·
mos autores a personalidade que se revelaria a
seguir decisiva na formulação objetiva, pelo exem-
plo e alcance da própria obra, no rumo novo a ser
trilhado pela arquitetura brasileira contemporâ-
nea". Lúcio Costa se refere a Oscar Niemeyer
"arquiteto de formação e mentalidade genuina-
mente carioca", e transfere para ele - não havendo
razão para que se ponha em dúvida o que diz - o
êxito principal do .~r:npreendimento que colocou o
Brasil no prirri~irp.'
,'._'(j{â.~o
da arquitetura interna-
cional .
A Associa.çãçi'Brasiletrá' de Imprensa e o Ministério
da Eduqição~ mesmo .quando ainda em construção,
atraem :~ravanas de turistas e a consagração da
crítica eshang1iira, e abrem com sinal verde o cami-
nho par~-,a nova arquitetura, entre cujas realiza-
ções, dê 1937 a 1940, 'podem ser referidas: de
M. M. Roberto - Instituto dos lndustriários, Aero-
porto Santos Dumont e Liga Brasileira contra a
Tuberculose; de Atillio Correia Lima e Renato
Quatro Séculos de Arquitetura 115

Soeiro, com a co labor ação de Renato Mesquita, Prentice na firma Prantice & Floderer) - que na
Jorge Ferreira e Thomaz Estrella - Estação de ·Hi· Áustria, com a arquitetura tipicamente germânica
dros do Aeropo rto; do mesmo Atillio - Estação de contornos sóbrios e firmes realizara obra de
Marítima da Avenida Rodrigues Alves, sucessão de muita monumentalidade - fez aqui sucesso com
cascas cilíndricas - inspirada na Maison Monol de algumas residências e edifícios de apartamentos,
Le Corbusier, que por sua vez diretamente se inspi- entre estes se destacando o Edifício ltaoca, na Rua
rou nas Docas de Casa Bianca, de Auguste Perret; Duvivier, com a entrada e o vestíbulo revestidos
de Paulo Camargo e Almeida - Asilo S. Luiz para com majólicas verdes, no gênero das que empre-
a velhice desamparada; de Álvaro Vital Brasil - gara Buddeus no seu bonito prédio da Rua da
casa do arquiteto, na Rua Almirante Alexandrino. Alfândega. De arquitetura mais simplificada, mas
algo rígida e igualmente pesada, eram os edifícios
de Adalberto Szilard, Roberto Capelo e Arnaldo
Outras Realizações Gladosh, realizados, como os demais citados, com
a compenetração de profissionais categorizados. ·
Os edifícios que vimos anal isando só moderada-
mente foram influ indo no grosso das realizações da
época e não gozaram do favor público na medida Lugar à parte entre os estrangeiros ocupa Henri
em que dele desfrutaram, por exemplo, as obras Sajou, que, associado ao engenheiro Rendu, intro-
que com impecável compenetração e idoneidade duziu no Rio formas estilizadas de grande sedução
técnica, produziu Robert Prentice (que mais tarde plástica e um requinte de detalhe aqui desconheci-
executaria usando moldagens dos ornatos de do (edifícios Biarritz, na Praia do Flamengo, e
Robert Adam, do século XVIII, atualmente incor- Loreto, na esquina dessa Praia com a Rua Paissan-
porados à Faculdade de Arquitetura, o edifício da du; Igreja da Santíssima Trindade (na Rua Senador
Emba ixada Britânica, na Rua S. Clemente). Pren-
Vergueiro; Edifício Mesbla; Palácio do Comércio) .
tice, além das residências da Avenida Visconde de Essas formas filiavam-se às de Lepeyre e outros
Albi.Jquerque, Vieira Souto e Rua Otto Simon, que
arquitetos da Exposição de Arte e Técnica na Vida
se inscrevem entre as de maior classe da época,
Moderna, de 1937 em Paris, cujos processos de
inaugurou um novo tipo de edifíc io de escritórios
composição (como os da Exposição de Arte Deco-
(edifícios Raldia, Nilomex, Castelo! Su_lacap) com
as circulações, instalações e esquadrias bem estuda- rativa de 1925, na mesma cidade - comuns de
resto à mor parte da arquitetura francesa anterior a
das, int roduzindo janelas rasgadas que, no mais
rec_ente deles, s6 não igualaram as célebres janelas 1950), se baseavam antes no decorativodo que ·no
de Sull ivan em Chicago, porque a estrutura de orgânicoe estrutural, prevalecei:am sobre os de Le
concreto exigia grandes volumes dos montantes. Corbusier em ambas as exposições. Particular im- ·
Arquiteto de formação histor icista, seu talento não portância teve o Palácio do Comércio, corn seu
logrou superar a carapaça de preconceitos de que vestíbulo de altura enorme decorado com grades
vinha armado, como aconteceu à maioria dos ar· de originalidade só excedida pelas do Edifício
quitetos que se tinham exercitado nesse rumo . Daí Mesbla, e baixos-relevos de boa classe, de
Freyhofer, resultando numa monumentalidade de
a plástica pesadona dos seus edifícios, em que usou
efeito sui generisna nossa arquitetura.
de molduras simplificadas e ornatos geometriza-
dos, em verdade inexpressivos, e cuja conjugação
com a ornamentação convencional (como nos cine- Cabe finalmente uma referência a Marcelo Piacen-
mas Metro do Rio e São Paulo) conduziu arquite- tin i e Vittorio Morpurgo, já citados que publica -
to nicamente a resultados negativos. ram em setembro de 1938 na revista Archittecture,
o projeto para a Cidade Un iversitária da Mangueirai
Entre os estrangeiros filiados à mesma corrente - resultado de um "lungo e appassionato estudio" e
não pelo estilo mas pela técnica de compor - num espírito bem semelhan te ao da arqui t etura
merecem ser citados Preston & Curtiss e Anton adotada na Universidade de Roma, por Marcello
Floderer. Este (em certa ocasião associado a Piacentini, o arquiteto do Fascismo, tão estigma ·
116 Paulo F. Santos

tizado pelos modernos e do qual já se começa a sem as destruir ou deformar, as que se tinham
fazer a reabilitação. afirmado como novidade na fase anterio r, novas
idéias que Niemeyer no prefácio do primeiro volu-
Entre os arquitetos nacionais podem ser citados: me do livro que lhe dedicou Stamo Papadaki
- Paulo Antunes Ribeiro, em que em meio a casas (1950) def iniria assim:
de linhas ainda historic istas {como a de Mário de
Oliveira em Santa Teresa) já é patente a procura do "A arquitetura do Brasil, dominando o estágio do
moderno (casa na Rua Pinheiro Machado); projeto Funcionalísmoortodoxo está agora à procura de
vencedor para o Hospital Eufrásia Teix eira Leite expressões plásticas. É a extrema maleabilidade
de Vassouras; Casade Saúde de Arna ldo de Morais; dos presentes métodos de construção juntamente
Edifício da Previdência {ainda com beirais e plati- com o nosso instintivo amor pela curva - urna
banda, um dos que iniciaram o modismo das domi- afinidade real com o Barroco dos tempos coloniais
nantes horizontais); Firmino Saldanha (edifícios - que sugereas formas livres de um novo e admirá-
Mississipi e Missouri, também com dominantes ho- vel vocabulário plástico".
rizontais), de agradável efeito, dada a amplidão dos
t raçados; Edifí cio do Banco do Brasil, em Niterói,
este como os outros dois, com as l inhas simplifica -
das mas muito pesadas - lembrando o Pavilhão
Hanseática de Buddeus, da década anterior, em Edifício Brístol - RJ. Projeto de Lúcio Costa. 1950
Hamburgo, que t raía a allure monumental de
Schinkel e se tornou em todo o mundo um dos
caminhos da arquitetura nas décadas 30 e 40;
várias realizações de Jorge Moreira e Ernâni de
Vasconcelos, que nessa ocasião já tinham se f irmçi-
do no pelotão de vanguarda do Movimento Moder-
no; Ângelo Brunhs que fora dos maiores arquitetos
da década 20-30 ainda mantendo o prestígio entre
os colegas, mas com arquitetur a que, embora cons-
cienciosamente resolvida e despojada de molduras,
era derna'siadamente pesada {Edifício Assicurazio-
ni; projeto premiado para o Clube de Engenharia;
projeto para o Aeroporto Santos Dumont).

Início da Terceira Fase


Com os projetos para o Pavil hão do Brasil na Feira
de Nova York (1938-1939) e para a Pampulha
{1941-1945) os arquitetos cari ocas vão marcar o
início de uma ter ceira fase na arquitetura do Brasil
- fase de superação da ortodoxia funciona l e regu-
laridade geométrica de traçados, rumo à pr.ocura
da liberdade formal. Não s1 tratou do encerramen-
to de uma fase para começo de outra, já que as
idéias postas em voga pelo Ministério da Educação
continuam válidas até hoje e esseedifício não foi
ultrapassado por nenhum outro construído no Bra-
sil; o que houve foi a incorporação de novas idéias
que numa interpretação mais livre enriqueceram,
Quatro Séculos de Arqu it etura 117
Aos slogans Racionalismo e Funcionalismo, que Realizaçõesde Arquitetos Cariocas
tinham adquirido prestígio com os edif ícios da Fora do Rio de Janeiro
ABI e do Ministério, acres ce nta m-se os da intenção
plástica ou qualidade plástica, difundidos por Lú-
cio Costa em do is trabalhos fundamentais dessa Pavilhão do Brasil
fase: "50 anos de arquitetura - Depoimento de na Feira de Nova York/ Pampulha
um arquiteto carioca" e "Considerações sobre a
Ane Contemporânea". Com este últ imo trabalho, Para o Pavilhão do Brasil na Feira de Nova lork
em que revela nas suas correlaçõe s com a art e abre-se em 1938 um concurso de proje tos: 1Q lugar
universal uma largueza de horizonte e agudeza de Lucio Costa; 29 Oscar Niemeyer. Lúcio protesta: o
percepç ão desconhecida s na nossa crítica de arqui - 1C? lugar dever ia ser de Niemeyer. Decisão do Mi-
tetura, e que o conf irmaram como o doutri nado r nistro : 19 lugar para ambo s, que, t o mando por
por exce lência da arquitetura contempo rânea do ponto de partida o estudo de Niemeyer, elabora-
Brasil -, pôs ele "na ordem do dia com a devida ram o projeto definitivo, em que à regu laridade
ênfase o prob lema da qualidade plástica e do con- resultante do encontro das paredes em ângulos
teúdo //rico e passional da obra arqui t etôn ica, reto s (co mo no Ministério da Educação e na AB I )
3qui fo porque haverá de sobr eviver no temp o se sucede a flexibil idade de cu rvas q ue ondulam
quando funcionalmente já não for mais útil". Toda livrem ente (como no corpo maior do Pavilhão), ou
a obra de Oscar Niemeyer - desde então interna - livrem ente se contrariam (como na abertu ra da laje
ciona lmente o mais distinguido obreiro da moder - que cobr e o pát io interior relativamente às paredes
na arqu itetura do Brasil - , vai or ientar -se estrit a- que o delimitam), ou se inscrevem em dup la cur va-
mente por esse postulado. tura (como na rampa solta em diagonal, que marca

Sede da Sotreq - IM Projeto de M. M. Ro be rto. 1949


118 Paulo F, Santos

com naturalidade o acesso ao edifício) - formas estrutu ra de concreto armado, esta so lta em meio
que contrastam com a regularidade do brise-soleil dos espaços vazios delim itados pelas alvena rias e
de pequenas peças vazadas em cobogó, as qua is por elas intencion a lment e escon did a: os compar ti-
introduzem na fachada um ritmo novo. Painéis de mentos se ajustam uns aos ou tros cada qual con·
Portinari decoram o hall; uma répl ica da estátua de tando como um todo isolad o; nas elevações emp re-
Celso Antôn io para o Ministério da Educação, or- gam-se estilos histó ricos. No Abrigo da Boa Vo nta-
namenta a esplanada; jardins do pa isagista brasilei- de, desaparecem os vazios no inte rior das alvena-
ro Price e arranjo e mo struá rios do arquiteto ame- rias, mas a estrutura de con creto -armado se insere
ricano Pau l Lester Wiener, comp letam o Pavilhão, dentro dela, confunde-se com ela, não se sabendo
que Architectural Forum destacou de par ao da se é a estrutura ou se são as paredes de alvenaria
Suécia, como dos mais belos da Exposição. que estão suportando as cargas. Em que pese a
simplifica,ção geométrica de forma s e a supressão
Por indicação do Dr. Rodrigo Melo Franco é con· de qualquer resqu.ício historicist a (o qu e daqui por
fiada a Niemeyer, pelo prefeito de Belo Horizonte, diante será uma constante) o sistema de composi-
Juscelino Kubitschek, o projeto do conjunto -da ção subordinado a eixos e a uma simetr ia puramen-
Pampulha ( 1941 -1 ~43), compreendendo o te convencional, não difere subst anc ialme nte do
Cassino, em cuja entrada um a cobertura de concre· adotado na Câmara. Na ABI e no Ministér io da
to sustentada por delgadíssimas colunas de ferro Educação, é nít ida a afirmação da indepe ndênc ia
exibe a gratuidade da sua forma caprichosa, sob a da estrutura, que aparece desnuda em todo o edif í-
qual repousa um bronze de Zemoisk; o Restauran· cio; a a lvenaria, os pal'ios de vidro, o brise-sofeil
te, cuja cobertura prolongada para o exterior on- têm cada qual sua função própria, sem o encargo
dula graciosamente com int enção pu ramente plás- de suportar a não ser seu próprio peso; a planta e
tica; o Yatch C/ub, com um revo lucionário teto as elevações são resolvidas em razão das conven iên-
borboleta; e ao fundo a capelinha, que, com a sua cias funcionais e plást icas, sem subo rdinação à
torre sineira piramidal de vértice para baixo (assim estrutura, mas nas plantas predom ina a cont enção
disposta para sábio equilíbrio da composição) e as regular dos traçados . No Pavilhão do Brasil na
suas sucessivas formas parabólicas - a que as notas Feira de Nova York e na Pampul ·ha persistem essas
prescas dos azulejos azuis e brancos de Portinari mesmas idéias, mas as formas curvas livremente
(autor também dos painéis e murais internos) re - t raçadas, em planta e elevação, predomina m no
vest indo toda a parede frontal, conferem uma se· conjunto infundindo a idé ia de liberdade total ; a
dução plástica que a fotografia não reproduz - se qualidade plást ica é a nota dominante do con-
destaca isolada na quietude agreste da paisagem, junto .
envolvida de morros e refletida por inteiro, em
todos os detalhes, no espelho do lago. O que de
tudo resu lt ou foi uma autêntica obra-prima, tão
importante para a arquitetura do século XX como
o foi a Capela de S. Francisco de Assis de Ouro
Preto, de Anton io Francisco Lisboa, para a do
século XVIII.

O Caminho Percorrido
Um retrospecto do 'ç:aminho percorrido em vinte
anos (1920-1940), da Câmara dos Deputados ao
Abr igo da Boa Vontade, ABI e Ministério da Edu·
cação, ?av ilhão do Brasil em Nova York e Pampu-
lha, elucida o sentido em que se processou a t rans-
formação: - Na Câmara, divórcio entre alvenaria e

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