Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RIO DE JANEIRO
2017
Marcio André Araujo De Oliveira
Rio de Janeiro
2017
Marcio André Araujo de Oliveira
Aprovada por:
_____________________________________________
Presidente, Orientador Prof. Dr. José Ricardo Ramalho (UFRJ)
_____________________________________________
Profa. Dra. Maria Izabel de Medeiros Valle (UFAM)
_____________________________________________
Profa. Dra. Marina de Carvalho Cordeiro (UFRRJ)
_____________________________________________
Prof. Dr. Fernando Rabossi (UFRJ)
_____________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Salles Pereira dos Santos (UFRJ)
Suplentes:
_____________________________________________
Prof. Dr. Raphael Jonathas da Costa Lima (UFF)
_____________________________________________
Prof. Dra. Maria Raquel Passos Lima (UFRJ)
RESUMO
OLIVEIRA, Marcio André Araujo de. Trabalho e Negócio em Vias Públicas: a experiência
de Manaus (AM) no limite na informalidade. Rio de Janeiro, 2017. Tese (Doutorado em
Sociologia e Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
OLIVEIRA, Marcio André Araujo de. Trabalho e Negócio em Vias Públicas: a experiência
de Manaus (AM) no limite na informalidade. Rio de Janeiro, 2017. Tese (Doutorado em
Sociologia e Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
Theoretical approaches that deal with the notion of informality, from a functional-
structural explanation, tend to highlight in urban contexts its unregulated and illegal character
of economics and labor. However, the most striking feature is that one which occurs at the
boundary of work and business on the public road, and as a social phenomenon it usually
appears through the actions and the everyday interactions among the agents in “action
situated”. In view of this, the objective of this doctoral research is to discuss the process of
transfer and adaptation of “street vendors”, from the Central zone of Manaus (AM, Brazil), in
2014, to a Popular Shopping Center (PSC), seeking to understand the interdependence
between the government action and the strategic agents, by the interactions and relational
effects during the process. The analytical category “action situated” was used according to
the French pragmatist sociology of Louis Quéré (1997), Albert Ogien (1999), and Michel de
Fornel (1999), perceived as a qualitative and relational dimension between experience, social
organization and the environment. The challenge of this research consists of discussing about
the control mechanisms, the everyday forms of resistance, and the connections between social
elements that appeared distinct and disconnected in the stage set up by the municipal public
policies. Finally, it was intended to demonstrate that the pragmatic perspective of the work
and business inside or outside the public road enables a proposal of understanding opposed to
the conventional explanation focused on the informal sector.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 16
A EXPERIÊNCIA DE MANAUS OU “O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI?” ............. 16
A PESQUISA EM QUATRO MOMENTOS........................................................................... 25
1 EM MANAUS E OUTROS LUGARES ............................................................................ 30
1.1 A POLÍTICA PÚBLICA FOCALIZADA EM COMBINAÇÃO COM OUTRO SENTIDO
DE INFORMALIDADE .......................................................................................................... 48
1.2 O DESAFIO DA PESQUISA OU COMO AVANÇAR DO PROBLEMA PESSOAL
PARA A QUESTÃO SOCIAL E PÚBLICA ........................................................................... 55
2“LÁ NA RUA, VOCÊ TEM UM PADRÃO. AQUI É DIFERENTE” (PERMISSIONÁRIO DO
CPC) ..................................................................................................................................................... 61
2.1 SEGUINDO AS PISTAS E CONSTRUINDO O CAMINHO DO PROCESSO
RELACIONAL......................................................................................................................... 61
2.2 A TEORIA DA AÇÃO SITUADA NA PERSPECTIVA DA SOCIOLOGIA FRANCESA
PRAGMÁTICA ........................................................................................................................ 66
2.3 DE ONDE SE OLHA O ENQUADRAMENTO INICIAL................................................ 71
2.4 HÁ UM CAMPO EMPÍRICO AQUI? O PROCESSO, OS AGENTES E O PRIMEIRO
MOVIMENTO ......................................................................................................................... 86
2.5 DA PRÁTICA INICIAL E SEGUINDO EM FRENTE: O CAMINHO TEÒRICO E
METODOLÓGICO .................................................................................................................. 89
2.6 SOBRE INSTRUMENTOS E CATEGORIAS DO CAMPO.......................................... 100
2.7 AS OCUPAÇÕES NO CPC POR QUALIFICADORES INTERACIONAIS E
NORMATIVOS ..................................................................................................................... 106
3 NEM BELLE ÉPOQUE, NEM ZONA FRANCA. É PELA OCUPAÇÃO EM VIA
PÚBLICA?. ........................................................................................................................... 111
3.1 O PROCESSO EM VÁRIAS PERFORMANCES ENTRE O CENÁRIO E A
PLATEIA................................................................................................................................113
3.2 A SITUAÇÃO TEMPORAL E A EXPERIÊNCIA SOCIAL DO LUGAR .................... 149
3.3 O CENTRO POPULAR DE COMPRAS – GALERIA ESPÍRITO SANTO .................. 174
3.4 ATÉ ONDE SE ESTENDE O PROCESSO? ................................................................... 180
3.5 O MICROPROCESSO DE IN/CORPO(R)/AÇÃO E INTER/AÇÃO NO NOVO
MERCADO ............................................................................................................................ 190
3.6 COMO DEFINIR O LIMITE DA MUDANÇA? ............................................................. 199
4. A INSTITUCIONALIDADE DO PROCESSO, SEU VOCABULÁRIO DE MOTIVOS
E AS INTERCONEXÕES: FUMIPEQ, SEMCH E REGIMENTO INTERNO ............ 223
4.1 O FUMIPEQ ..................................................................................................................... 224
4.2 A SECRETARIA MUNICIPAL DO CENTRO HISTÓRICO (SEMCH) ....................... 236
4.3 O REGIMENTO INTERNO ............................................................................................ 259
4.3.1 Definições, Relação de Poder e Obrigações .............................................................. 261
4.4 A AUTONOMIA CONTROLADA ................................................................................. 271
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 275
REFERÊNCIAS....................................................................................................................282
ANEXOS ................................................................................................................................ 302
LISTA DE IMAGENS
Figura 1- Mapa das vias públicas afetadas pela primeira performance em fevereiro de
2014 e local originário dos permissionários entrevistados no CPC Galeria Espírito
Santo................................................................................................................................127
Figura 2 - Sequência de performances em 1989-1990...................................................168
Figura 3- Mapa da Área Central de Manaus..................................................................173
Figura 4 - O mapa apresenta a distância entre o CPC Galeria Espírito Santo [P] e área
onde a maioria dos entrevistados se encontrava [círculo em vermelho]. E, o local do
“camelódromo provisório” da Epaminondas/Lobo d’Almada [1], seguida da indicação da
localização do segundo CPC Galeria dos Remédios [2].................................................178
Figura 5 - A seta em vermelho, no fim do mapa, indica a posição do terminal central de
ônibus em Manaus, de onde um intenso fluxo de transeuntes se encaminha para as
avenidas Eduardo Ribeiro e Sete de Setembro e demais ruas adjacentes do centro
histórico da cidade. Os círculos em vermelho são indicações da figura 4......................178
Figura 6 - O círculo em preto indica a área onde uma quantidade significativa de
“camelôs” permaneceu por mais tempo (até agosto 2016) e que era motivo de embaraço,
aborrecimento e dúvida dos entrevistados sobre a eficácia do processo de
transferência....................................................................................................................179
Figura 7 - Três cenários propostos pela ação do executivo municipal..........................188
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO
1
Segue-se o estudo de Louis Quéré sobre o modelo analítico da “ação situada”, ao distingui-lo como
contraposição ao modelo de análise presente nas ciências sociais e cognitivas que reduz o ator, sua atividade,
deliberação e planejamento a uma situação desincorporada do seu ambiente e contexto. Neste sentido, quando se
propõe uma análise a partir do modelo de “ação situada” está se propondo analisar uma dada situação levando
em consideração que o ator não é mais o único locus da capacidade de agir, do controle da ação ou do processo
cognitivo. Pois, o tem como incorporado, que compartilha seus atributos com objetos, ferramentas, artefatos e
não humanos em geral. O ator-agente está situado no e faz parte de um ambiente, sua ação ocorre através da
concreta organização que estrutura uma interdependência entre o curso da ação e o ambiente no qual ela ocorre.
Na “ação situada” o agente tem a percepção dos elementos que envolvem o ambiente, e isto, envolve um grau de
habilidades adquiridas através da experiência que requer pouco ou nenhuma representação para implementá-las,
experiências incorporadas por rotinas e práticas. Entretanto, a “ação situada” não deve ser encarada como uma
sucessão de ajustes momentâneos àquilo que surge no aqui e agora (QUÉRÉ, 1998). No capítulo a seguir, de
modo mais detido, serão apresentados os elementos que compõem a análise, o processo e a dimensão da “ação
situada”.
17
diferentes momentos de suas trajetórias. Além do mais, a noção de ilegalidade pode muito
bem ser interpretada como uma instância ou posição de um campo social típico do Estado
moderno.
Na verdade, a questão dos limites entre o legal e o ilegal, questão à primeira vista
pacífica, quando examinada mais de perto se revela mais complicada do que uma
disputa entre honestos e desonestos, entre o bem e o mal, e acerca-se muito mais do
problema histórico da distribuição desigual de poder em um mundo econômica,
política e culturalmente diferenciado. [...] Qualquer visão que absolutize a rigidez e
a eficiência desta linha, absolutiza, para fins ideológicos, a eficácia quase panóptica,
a honestidade, a independência e a neutralidade totais da atuação do Estado, fato que
não resiste a um escrutínio sociológico e histórico maior (RIBEIRO, 2010, p. 25)
2
Quando se fala aqui sobre a sociologia francesa pragmatista trata-se, sobretudo, do conjunto de temas (como
quadro social da experiência, o público e seus problemas, arena pública, justificação etc.), perspectivas e
modelos analíticos para a compreensão do social. Suas linhas de investigações abordam a análise do social como
problema concreto que envolve sua dinâmica de conflitos, repertórios, mobilização coletiva e engajamento dos
atores participantes, entre outros. Podendo ser datada a partir da década de 80, como marca da crise dos grandes
paradigmas totalizantes, a sociologia francesa pragmatista toma como referência mais próxima a dimensão do
ator-agente e de sua experiência contextualizada. Por ter um quadro de autores e lógica de abordagem
diversificada, inclusive apresentando um arranjo entre o modelo pragmático norte-americano e francês, pode
apresentar abordagens divergentes para a teoria da ação, da situação e do foco pragmatista (como na crítica à
chamada sociologia pragmática de Boltanski, feita por Quéré e Terzi (2014)). Especificamente escolheu-se a
abordagem que tenta reformular a teoria da ação, dentro da perspectiva da lógica da situação, que articula de
forma relacional seres humanos, não humanos e suas consequências. Por fim, essa guinada pragmática pretende
superar o impasse do determinismo, do dualismo e do objetivismo através de um equilíbrio entre explicação e
compreensão. Na lógica da situação, esses estudos irão demonstrar que compreender a conduta do ator é
considerar fundamental a transformação interdependente e progressiva deste e de seu ambiente e, em particular,
a transformação do seu objeto de intervenção. Assim, outros modelos que tomam a “reflexividade” como um
elemento central da ação prática, porém rejeitam a ideia de que qualidades, fins ou valores podem ser
determinados sem experiência prática estão fora dos limites adotados pelo modelo analítico da sociologia
pragmatista francesa (CORRÊA, 2014; FREIRE, 2013; QUÉRÉ; TERZI, 2014; QUÉRÉ, 1998).
20
possíveis respostas dadas como solução. O contexto e a ação situada onde os indivíduos
estavam inseridos em processos relacionais foram os elementos analíticos e teóricos utilizados
aqui com a finalidade de compreender um objeto de certa instabilidade, complexo em sua
dinâmica social e de múltiplas faces, isto é, a micro-organização social densa e relacional do
trabalho e do negócio em “transferência/deslocamento” da via pública para outros lugares.
A amostra de estudos referida anteriormente define um mosaico de pesquisadores com
diversas abordagens e análises, no contexto das cidades brasileiras e de outros países,
oriundos de diferentes áreas das ciências humanas. Invariavelmente, os estudos mostram que
a ação de transferência/deslocamento mobilizada pelo executivo municipal é acionada por
meio de estratégias discursivas e práticas, compondo um panorama das políticas públicas de
reestruturação e reordenamento não somente do espaço físico da cidade, bem como do
direcionamento da ação econômica mais adequada para este espaço. São intervenções nos
limites da área central da cidade abrangendo a chamada política pública de “revitalização” e
“requalificação”, que marca e tenciona a ordem urbana através de mecanismos de gestão por
objetivo, descentralização política e de regulação que altera o ritmo de trabalho e o tipo de
negócio do lugar.
Em resumo, a ação governamental de transferência/deslocamento apresenta-se como
problemática a partir dos novos ajustes sobre a experiência singular do indivíduo ou do
próprio ajuntamento enquanto implementa, de modo top-down, o projeto modificador de
práticas e de aspectos característicos da ordem do trabalho e negócio em via pública. Por
outro lado, tende a mobilizar um vocabulário de motivos como estratégia discursiva
importante ligada à ordem da paisagem urbana e à proposta de adesão para o seu projeto. Por
fim, “camelôs” e “ambulantes”, e demais atores, que trabalham e negociam em via pública
devem se assumir como parte ativa e responsável da “solução” e do “sucesso” da
transferência, tanto no início do processo quanto durante a instalação no lugar, passando a
incorporar novas moralidades e responsabilidades objetivas.
Conduzido nestes termos, em geral, o processo de transferência/deslocamento
constitui uma dinâmica social específica e complexa. Ele envolve atores distintos, disputas,
interesses díspares e assume dimensões conflituosas em diversos graus. Exige articulação
política para a mudança na legislação local e, por vezes, resulta em estratégias e arranjos de
ações de conveniência para determinados atores, na tentativa de minimizar o conflito e
indisposição entre os agentes envolvidos, ou seja, minimizar a tensão política e cooptar
apoiadores. De modo geral, tal processo costuma ser naturalizado por sua reprodução regular
ao longo do tempo e em diferentes espaços. Ainda mais, apresenta um padrão discursivo em
21
defesa do engajamento para o bem comum da cidade e das práticas tidas como
modernizadoras.
A partir do trabalho de campo, aventa-se a hipótese de que um caráter de combinação
entre as noções de formalidade-informalidade persiste entre os indivíduos em ajuntamento e
ordena o trabalho e o negócio tanto em via pública como no novo mercado, o Comércio
Popular de Compras (CPC). Por princípio, deve ser considerado que o processo de
transferência/deslocamento tende a afetar a coexistência entre os atores-alvos. Isto pode
acontecer tanto na forma da experiência social do ajuntamento quanto no conteúdo da
organização do trabalho cotidiano, que combinados orientam os atores-alvos em sua
expectativa acerca dos resultados esperados e respostas dadas à situação. Tal combinação é
mais bem compreendida e interpretada quando se levam em conta tanto os conteúdos
interacionais e uma configuração relacional do processo quanto as formas cotidianas de
resistência inerente à organização social da experiência e ao tipo de armas políticas
disponíveis ao ajuntamento desses indivíduos. Por exemplo, como lidam com a normatividade
do ambiente, com a organização do trabalho entre si e com a participação nas organizações
coletivas3.
Defende-se aqui o argumento de que a partir das condições práticas das formas
ampliadas de ocupações além do mundo fabril, das práticas diversas de obtenção de renda
legítima e lícita, das formas diversas do uso do trabalho, das condições concretas com as quais
os segmentos populares se deparam ao tentarem inserção econômica e social no mundo do
trabalho é preciso avançar além do limite da noção de informalidade em seu entendimento
fechado, convencional e como contrapé da noção de formalidade. Especificamente, recusa-se
aqui a utilização da noção de informalidade do modo como esta é proposta pela explicação
convencional do chamado setor informal, pois este tipo de explicação não sustenta mais uma
força analítica e argumentativa concreta das transformações vigentes e não é suficiente
quando aplicado aos diversos processos relacionais na abordagem desse objeto, apresentando
por isso um limite compreensivo.
Deste modo, as indagações iniciais se configuraram pelas questões: como a ação
governamental considerou os mecanismos de arranjos e combinações entre os agentes
estratégicos e os diferentes níveis de poder durante a transferência? E, quais as possíveis
3
Algumas explicações podem ser dadas sobre o papel do Sincovam ou da Avacin, segundo as narrativas dos
permissionários. Numa escala que vai do sentido atribuído pelo indivíduo no qual não consegue perceber-se
representado legitimamente pela organização coletiva até chegar à forma estritamente individualizada de ação
em responder ao problema que lhe afeta, sem passar pelo envolvimento com a organização. Isto tende a reforçar
o nível de desencaixe do indivíduo, no sentido de Goffman (2010), considerando a situação de representação
coletiva por qualquer entidade seja sindicato ou associação.
22
mudanças na ordem da prática cotidiana dos indivíduos, que até então experimentavam o
ambiente da via pública em condições não reguladas, quando estes foram transferidos para
novos ambientes em condições normativas e regulados, inclusive outra categoria jurídica para
sua ocupação? Por fim, como os mecanismos qualificadores da experiência em comum e das
habilidades específicas individuais foram tomados e utilizados pelos agentes transferidos no
momento de gerir seu espaço e manipular os recursos escassos, ou mesmo aqueles
disponíveis, neste novo mercado?
Para responder estas questões, a pesquisa utiliza a categoria da “ação situada” e a
lógica das situações (QUÉRÉ, 1998; 1999; 2003; 2013; FORNEL; QUÉRÉ, 1999; DEWEY,
1938) como modelo analítico e interpretativo que segue a perspectiva pragmática de soluções
e ações possíveis que são incorporadas, realizadas e vinculadas às situações das atividades
ocupacionais e das trocas econômicas no novo ambiente. Entendendo que as situações
estruturam a ordem do lugar e envolvem o poder público municipal e seus agentes tanto
quanto os atores-alvos da transferência, os permissionários microempreendedores individuais.
Toma-se o ambiente, os seus objetos e o sentido atribuído pelo indivíduo ao contexto no qual
se encontra como elementos fundamentais para a análise da situação. Deste modo, busca-se
compreender a lógica da situação em seus elementos constitutivos (interação, sentido e
contexto) e identificar as formas de interação e o ordenamento das relações de poder.
Conjuntamente, pretendeu-se desenvolver a análise das razões práticas subjacentes ao
movimento do poder público e do contramovimento protagonizado pelos agentes transferidos
(nas ações cotidianas de resistência) e, por fim, dar conta dos processos relacionais implicados
nesta “situação”.
Os estudos de Fornel e Quéré (1999) definiram que a “situação” deve ser tratada de
modo objetivo, onde os agentes precisam estar em situações em que os fatos são constitutivos
com seus objetos e entram em relação uns com os outros. Os autores argumentam que, na
teoria da situação, as situações “suportam”, “determinam” os fatos, em função de um esquema
dado de individualização (que permite decompor uma situação em objetos, propriedades e
relações), como resultado tais fatos seriam intrínsecos à situação constituída.
Compreendem que situações vêm antes dos fatos, os segundos servem para classificar
os primeiros. Os fatos não fazem parte da realidade, pois procedem de uma pesquisa, de uma
inquirição sobre o ambiente realizada pelo indivíduo. Nessa premissa, está relacionada a
afirmação de que uma mesma situação pode, por consequência, ser classificada por diferentes
fatos. Desta forma, nega-se que a situação tenha seus contornos e conteúdos estáticos e
sedimentados, na medida em que um contexto muda e uma nova situação é inevitavelmente
23
4
Estudos no campo do direito administrativo apontam que a questão não está pacificada sobre a interpretação e
aplicabilidade desse tipo de contrato ou termo, que normatiza a permissão de uso de um bem público. É possível
ver algumas dessas discussões em Vasconcelos Junior (2013) e Mattos (2006). Uma definição possível desse
tipo de contrato ou termo entre as partes é estabelecida em Meirelles (2002): “Permissão de uso é ato negocial
unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual
de determinado bem público. Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por
tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável
24
unilateralmente pela Administração quando o interesse público o exigir, dado sua natureza precária e o poder
discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público” (MEIRELLES, 2002, p.
493). Entretanto, há uma concordância geral entre os estudiosos da questão que é a condição de uma autonomia
mais precária de ação inerente para uma das partes, o permissionário. Este contrato de permissão, em Manaus,
tem como duração um período de vinte anos com a possibilidade de prorrogação por igual período, podendo
mesmo ser transferido a um dos herdeiros diretos do permissionário.
25
5
O que seria interessante investigar, mas se tratava de casos muito específicos e espalhados fora do campo
empírico. Necessitaria de uma atenção mais próxima e apropriada, por se tratar da dimensão da competência
moral, da justificação pública a partir de uma provocação da justiça e do envolvimento de valores em disputa.
Além de trazer a discussão de uma concepção do bem comum que mobilizaria as categorias da universal e do
particular, seguindo certa perspectiva da sociologia de Boltanski.
28
se verá ora a sigla Semc, que toma como referência a exposição inicial do projeto “Viva
Centro Galerias Populares” e o cadastramento dos “camelôs” em 2013; ora a sigla Semch que
traz como referência o processo de transferência efetiva e de adaptação de 2014; por fim, a
sigla Subsemch que mantém as referências anteriores e se apresenta, até o momento, como
parte da mudança na estrutura da administração direta do executivo municipal, posta em
prática a partir de 2016. Preferiu-se ao longo da exposição se referir principalmente à sigla
Semch e em menor referência às demais, de acordo com a necessidade a fim de evitar
confusão. Neste capítulo será detalhado o papel estratégico dessa secretaria municipal.
As narrativas dos agentes públicos demonstram a complexidade em lidar com os
pontos que pareciam desfocados no início da pesquisa ou vistos como em segundo plano,
embora se demonstrassem como elementos bastante coerentes internamente e interligados às
situações fora do contexto de Manaus. No capítulo também se discute sobre a noção de
empreendedorismo aplicada aos permissionários e retoma-se o quadro analítico e crítico de
Machado da Silva, Lautier e outros autores. Ainda, foi preciso lidar com o dispositivo de
controle e da normatividade do CPC, o Regimento Interno, que ordena tanto a conduta do
permissionário como a forma em que o trabalho deve ser executado. E, assim, ao relacionar
com o capítulo anterior pretendeu-se demonstrar a lógica da situação, a partir da visão dos
agentes estratégicos, da construção de um vocabulário de motivos tanto como das respostas
dos permissionários transferidos diante das condições concretas do ambiente. Portanto, em
face de uma determinada atividade ocupacional e econômica tomada como “problema” pelo
poder público e tratada pelo regime de regulação, incentivo à aprendizagem de novas
habilidades de gestão do negócio e, principalmente, pela estrita responsabilização do
particular.
Os quadros, mapas, tabelas e fotos inseridos no decurso da exposição, como partes
integrantes e essenciais do argumento da pesquisa, têm a intenção de produzir um efeito de
resumo e de aproximação do leitor com o campo de pesquisa. Além de demonstrar, por
imagem, a problemática do campo e os desafios encontrados para localizar, posicionar e
possibilitar uma leitura visual do contexto da execução do trabalho. Nesta exposição, fez-se
uso de algumas imagens de fontes secundárias, principalmente em relação ao ambiente
interno do CPC – Galeria Espírito Santo. As poucas tentativas nas quais se conseguiu capturar
imagens foram seguidas por questionamentos e certo olhar de desconfiança e desconforto
entre os próprios permissionários, apesar das explicações sobre o papel da investigação
sociológica em andamento. Aceitavam conversar, mas se recusavam a serem fotografados.
Como foram poucas fotos e consideradas como não autorizadas, resolveu-se, ao final,
29
descartá-las. Foi menos desconfortável capturar as imagens dos locais provisórios, pois em
pouco tempo deveriam ser desativadas. Nos anexos, mostram-se outras imagens e a tabela
descritiva dos entrevistados-respondentes.
30
6
Sua pesquisa destaca o comércio e o circuito de distribuição na fronteira Brasil-Paraguai quanto à interseção
entre as diferentes disputas de poder político, grupos econômicos e distribuição do varejo: “O comércio de
Ciudad del Este e os circuitos que nele se interserem, articulam importantes grupos de poder, emergentes
31
Os circuitos sacoleiros e os seus mercados constituem universos que são muito mais
que viração ocasional. E a dificuldade que temos para pensá-los vem de uma questão
teórica derivada das categorias que utilizamos para pensar o trabalho, nas quais o
comércio sempre foi um problema. Entre o trabalho e o capital, sabemos claramente
de que lado está o empregado de comércio e o dono da loja. Mas onde colocamos
esse exército de sacoleiros? Esses feirantes e esses camelôs? (RABOSSI, 2015, p.6).
Em pesquisa anterior, tentou-se interpretar uma típica rotina das trocas econômicas
empreendida pelo ajuntamento de “camelôs” e “ambulantes” e demais atores articulados ao
circuito comercial de Manaus. Naquele momento, constatou-se uma estrutura ordenada em
rede que articulava diversas formas, pouco visível, de micro-ocupações (ver nota 15) que
emergiam conexas com a ocupação amplamente referenciada e visível do ajuntamento. Tal
ordem modelar estava configurada pelo intenso fluxo de consumidores na área, atingindo o
comércio regularizado e o não-regularizado, os agentes públicos de fiscalização, os familiares
e conhecidos dos “camelôs”, os estrangeiros e nativos, por meio da distribuição das
mercadorias em via pública (seja regulada/ilegal), nas experiências compartilhadas do
contexto da situação local e da construção de uma rede de interação mútua e diversificada de
agentes e da apropriação do ambiente (OLIVEIRA, 2009; OLIVEIRA; VALLE, 2012).
Uma ordem social complexa e vívida, intensa e difícil de recortar, abrindo portas às
diversas análises e interpretações. As ocupações em via pública apresentam um convite
irrecusável para a aplicação da imaginação sociológica, especialmente a partir da perspectiva
interacional dos agentes estratégicos, da forma em que as instituições e os interesses se
interconectam e da organização das táticas cotidianas de construção social econômica do
tempo e do espaço. As ocupações permitem também representar a sociedade mais ampliada
pela micro-ordem da hierarquia das ocupações, dos acordos políticos, da negociação dos
conflitos, dos encontros sociais, da manipulação de objetos e rótulos, da disputa pelo espaço
mais adequado de venda, da construção da moralidade, das relações de parentesco, da forma
rudimentar de arranjos econômicos, das experiências de violência e das intercaladas ações
governamentais.
Há um quadro de pesquisas que toma fundamentalmente como seu objeto empírico a
ocupação em via pública. Seja por via etnográfica ou outras metodologias, estes estudos
abordam a perspectiva do circuito comercial além das fronteiras nacionais, dos novos canais
de distribuição de mercadorias, das intervenções urbanas nas zonas centrais das cidades, da
segmentos comerciais e uma variedade enorme de medianos e pequenos comerciantes autônomos, empregados e
dependentes. Em vez de partir de diferenças que os coloquem em circuitos ou dimensões separadas, talvez
entendamos mais sobre esse comércio e sobre o funcionamento desses circuitos os considerando conjuntamente
com aqueles que cruzam em Miami e em São Paulo ou as “feiras paraguaias” com os shoppings sofisticados das
cidades brasileiras” (RABOSSI, 2004, p. 281).
32
discussão de gênero que entrecorta cada vez mais a discussão da informalidade, dos modos de
enquadrar normativamente as tradicionais ocupações urbanas de camadas populares ou do
papel da força de trabalho do imigrante refugiado (entre outras, CROSSA, 2015; POTRICH;
RUPPENTHAL, 2013; KOPPER, 2012; PÉREZ, 2011; CROSS; KARIDES, 2007; VARCIN,
2007; MONTESSORO, 2006; MAFRA, 2005).
Essa literatura que poderia ser chamada de estudos sobre o mercado de rua, ou estudos
sobre o trabalho não-clássico, ou algo aproximado, tem em comum um vínculo com noção
convencional de informalidade. O conjunto empírico das investigações envolve múltiplos
agentes e seus interesses determinados, desde a disputa de sentido legítimo ou/e ideológico
que é atribuído ao espaço urbano a partir dos diferentes grupos sociais que reivindicam o seu
direito de uso até as relações de distribuição de mercadorias em via pública a partir de
organizações criminosas. De modo geral, quanto ao tratamento teórico, ao se falar no trabalho
e no negócio em vias públicas está se caracterizando um limite setorial específico que muitas
vezes é representado por uma função desviante da organização social, não estruturado, oposto
do sistema formal-legal, por isso descolado do processo de regulação jurídica e de inclusão no
sistema de proteção social.
Porém, é importante notar que as perspectivas teóricas e conceituais que tratam de um
fenômeno social pela noção da informalidade são amplas, de diversas abordagens e observam
a partir de modelos teóricos e analíticos que privilegiam ora o ambiente econômico e os
efeitos da política de regulação sobre a formação do mercado, ora a partir do aspecto das
relações de trabalhos que podem modificar a organização de classe e o vínculo da ação
coletiva, das novas formas de ocupações e de acesso à renda como parte da sobrevivência do
indivíduo e do sentido atribuído à dimensão do trabalho em ambiente com baixas
oportunidades de emprego. Assim ao termo setor informal institucionalizado por organismos
internacionais, popularizado pela mídia e fundado numa explicação funcional-estrutural,
desdobra-se em outros termos para uma explicação mais precisa da noção ampla de
informalidade.
Deste modo, fazem parte do conjunto explicativo, distintas abordagens que
interconectam/confrontam/complementam os termos economia informal e trabalho informal.
Na perspectiva da economia informal, utilizada oficialmente por alguns organismos
internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (2002), o que deve ser
considerada é a unidade de produção e seu grau de formalização ou/e regulação pública. Neste
caso, mesmo que a unidade produtiva não seja estruturada adequadamente é importante que
seja formalizada contribuindo na queda do índice de economia informal. Toma-se como
33
7
A ONG StreetNet Internacional dos vendedores em via pública foi lançada em Durban, África do Sul, em
novembro de 2002. Seus membros são os sindicatos, cooperativas e associações que representem a organização
dos camelôs, vendedores de feiras e vendedores ambulantes pelo mundo, que tem o direito de fazer parte como
sócios da StreetNet Internacional. O ex-presidente do Sincovam, hoje vice, participou de algumas reuniões da
StreetNet realizadas no Brasil.
8
Lançado em 2008, o projeto Inclusive Cities é um dos parceiros da WIEGO e visa fortalecer as organizações
baseadas em trabalhadores pobres associados, atuando em áreas como organização, análise política e advocacia.
A fim de assegurar que os trabalhadores urbanos informais tenham os instrumentos necessários para se fazerem
ouvir dentro de processos de planejamento urbano.
9
Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing – WIEGO. É uma rede global cuja finalidade
consiste em garantir meios de subsistência para os trabalhadores pobres, especialmente as mulheres, na
economia informal. Pretende dar às organizações associadas pelo mundo, de trabalhadores informais, voz,
visibilidade e validade. Além de viabilizar mudanças através do fortalecimento da capacidade de ampliação da
base de conhecimento e influência nas políticas locais, nacionais e internacionais.
35
10
No artigo de Manuela da Cunha (2006) é articulado o debate histórico da dualidade formal versus informal e a
noção de “setor” aplicada ao debate nas instituições internacionais, como o Banco Mundial. A autora também
apresenta como, no meio acadêmico, as relações entre os diversos esquemas explicativos sobre teoria da
dependência, marginalidade e desenvolvimento no continente latino-americano formaram um campo de disputa
pela noção e sobre os modos de sua superação. A discussão fundamental em termos de crítica e análise sobre os
efeitos perversos do capitalismo brasileiro, seu efeito dual e de incompletude está em Francisco de Oliveira
(2003). Sua crítica ao que chamou de razão dualista, que desqualifica a imposição da abordagem binária,
debruçada sobre a existência de dois mundos cristalizados e irreconciliáveis (um arcaico e outro moderno) sem
que se leve em conta a perspectiva do tipo de capitalismo que se desenvolveu no interior da sociedade brasileira.
De igual modo, na discussão de Escobar Latapí (1990) é retomada a história sobre as variantes do termo
“informalidade”, analisando o papel do Estado na formação da economia política latino-americana, propondo
uma agenda de pesquisa para o avanço dessa questão dualística. Essas três discussões e análises são importantes
e indicativas, sem esgotarem o intenso e amplo debate sobre as condições de desenvolvimento social e
econômico na América Latina. Estendem-se ao longo da segunda metade do século XX, focalizando e tentando
compreender os fenômenos urbanos rotulados de informais. Tomam-se aqui estas leituras como indicações
pertinentes para quem deseja compreender e desdobrar por estas perspectivas o panorama histórico e social,
tanto no Brasil quanto no restante da América Latina, que envolve esse par de termos e evitar, assim, o viés da
dualidade ou a sua naturalização.
36
uma questão de oportunidade ímpar mobilizar o deslocamento das atividades não reguladas
em via pública para o interior dos mercados regulados e liberar a paisagem urbana para os fins
de controle do espaço (ROY, 2005, p. 148).
No plano global, quando discute a conexão entre a política de microfinança e a política
de desenvolvimento, a autora vê que tal mobilização e ideologia revelam-se como provocação
de um “capitalismo da pobreza”, isto é, o aspecto complexo de um desenvolvimento do
milênio com sua interconexão entre uma economia de desenvolvimento subjacente (com “d”
minúsculo) ao capitalismo global e uma ideologia de desenvolvimento sobreposta (com “D”
maiúsculo), que segue políticas culturais e pacotes de formulação de políticas usados para
organizar e legitimar práticas de caráter capitalista que enfatizam integração, inspiração e
expropriação. Uma política de desenvolvimento entrincheirada no tripé do discurso
acadêmico do pós-desenvolvimento, na promessa de liberdade associadas às formas de
inclusão individualizadas, empreendedoras e de um “populismo neoliberal” direcionada
principalmente para camadas pobres (ROY, 2010, p. 22).
Assim, a incorporação do caráter de “problema” urbano para este cenário passa a
mobilizar a agenda pública local em torno de uma solução política e econômica viável. Neste
sentido, a ação governamental deve ser realizada com o fim de desestimular a ocupação das
vias públicas para este perfil de comércio de varejo de mercadorias e serviços a fim de
incentivar outra proposta de ordem urbana. Como parte da ação, abre-se a possibilidade de um
direcionamento que mobiliza os atores-alvos da transferência/deslocamento à adesão de
projetos regulados pelo próprio governo local, como expressão do exercício do controle
social, aliado à proposta de uma nova dinâmica econômica que determina o uso dos espaços
urbanos para novos perfis de micronegócios e de empresários formalizados. Um sentido
ideológico altamente positivo tende a ser associado ao termo “formal” e “setor formal”, como
elemento qualificador de função integradora do desenvolvimento desejável da estrutura social
e econômica. Enfim, O limite para a ordem social legal/regular que é requerida, para a
“solução” do desenvolvimento e, principalmente, para a manutenção da conformidade da
norma jurídica como princípio universal.
Ao contrário, o termo “informal” concentra um forte caráter qualitativo no limite do
marginal e do indesejável. Sendo assim, convencionou-se que os termos demonstram-se
irreconciliáveis pelo forte caráter social e econômico como cada qual é compreendido, pela
capacidade de produzir identidades e estruturas próprias, com conteúdos específicos. De um
lado, o sentido da economia e do trabalho legalizado formalmente, com amparo social e
regulamentado, taxado oficialmente pelo governo e com relações de trabalho sob garantias
37
contratuais legais, fundada nos direitos trabalhistas e inserida na lógica de mercado; do outro
lado, seu antípoda. Em sentido estrito, convencionalmente o conteúdo da rotulada “economia
informal” ou/e “ocupação informal” tende a ser vinculado às camadas pobres urbanas, na
maioria das vezes como resposta ao desemprego de longa duração, como ação de
sobrevivência e de rotina cotidiana, ou mesmo quando envolve contratos com o mínimo de
direitos trabalhistas e garantias sociais, carregando fortemente o sentido da ilegalidade,
injustiça e imoralidade (NORONHA, 2003)11.
Os debates mais recentes apontam na direção do continuum entre os termos “formal” e
“informal” sob uma perspectiva não-setorial. Como no trabalho de Manoel Malaguti (2000)
que, ao abordar as relações de trabalho contemporâneas, ressalta a necessidade de uma
apreensão empírica e teórica de maior consistência sobre a chamada questão da
informalidade, isto é, a importância de um refinamento na distinção entre “informalidade” e
“setor informal”. Para o autor, a noção de informalidade é mais abrangente, enquanto a
distinção por “setor” mostra-se falha e impõe muitas dificuldades para a análise da pesquisa.
Nisto se destaca o argumento no qual o mercado formal (de assalariados clássicos) e o
mercado informal (de autônomos) coexistem, subsidiam-se, interpenetram-se e são
indissociáveis em suas relações. É exemplificado pelo fato de um funcionário público
(emprego formalizado) que durante seu expediente vende biscoitos, cosméticos, vestuário no
próprio setor de trabalho ou que, nos fins de semana, vende refeição na praça (ocupação
“informal”). Esta é uma perspectiva de análise que não toma a exclusividade do
enquadramento setorial ou do desprezo pela camada popular como variável aglutinadora de
mudança.
O autor contesta o “mito da pequena empresa” e o crescente discurso do
empreendedorismo como sendo, na prática, um modo de esvaziamento político movido pela
relação aproximada entre a proliferação das pequenas empresas e a implosão das conquistas
sociais pertinentes às relações de trabalho reguladas. Assim, os vínculos de subcontratação, da
ausência de contratos formais de trabalho e das transações de mercadorias ilegais (ilícitas ou
não), permitem perceber que, muitas vezes, o que se vê são relações de produção e de trocas
estruturando-se na forma de um continuum e não em uma forma bipolar ou setorial como em
11
A diversidade da noção de informal impõe um grau de complexidade que dificulta a própria formação de um
conceito aplicável a determinado fenômeno social, refere-se a um agregado confuso de situações, trabalho,
economia e direitos, segundo Eduardo Noronha (2003) que discute a relação entre padrões mínimos de
legalidade e as relações contratuais de trabalho (contratos eficientes economicamente, contratos legais
juridicamente e contratos justos do ideário popular). A discussão é pertinente e fundamental por introduzir os
diferentes significados – popular, legal e econômico – na diversidade de processos que geram as relações de
informalidade no Brasil.
38
um modelo “formal” versus “informal” (MALAGUTI, 2000, p. 86; ver também GUHA-
KHASNOBIS; KANBUR; OSTROM, 2006, p. 5; GHEZZI, 2010, p. 115).
Em recente estudo de caso, Roberto Véras (2013) discute a respeito de uma cadeia de
produção, comércio e serviços do polo de confecções do agreste de Pernambuco, onde
demonstra as relações de trabalho das “facções” (uma costureira ou um coletivo familiar e
domiciliar), de unidades de costura domiciliares enquanto unidades produtoras com
características de informalidade, subcontratadas de grandes firmas de tecido da região. Na
atividade produtiva, como elo da cadeia, nota-se quase nenhuma separação entre trabalho e
propriedade dos meios de produção (o proprietário trabalha diretamente na produção e é
auxiliado frequentemente por familiares e, em alguns casos, com trabalho assalariado). A
pesquisa ainda enfatiza o sentido cultural como fator importante para a expansão da produção
local, na medida em que essas unidades já detinham o conhecimento tácito sobre a produção
de vestuário.
Este demonstra que a dinâmica das atividades desenvolvidas tem primordialmente a
característica do tipo familiar, domiciliar e informal, segundo o autor. O desenvolvimento do
polo, em uma região tipicamente rural, proporcionou intensos intercâmbios materiais e
simbólicos numa troca que teve como efeito imediato a incorporação de um caráter mais
urbano industrial para a localidade. Neste contexto, ocorre um processo de institucionalização
a partir do desdobramento das atividades desenvolvidas na região, como sindicato, agências
de financiamento, representantes comerciais, associações, conflitos trabalhistas e ambientais,
alterando de certo modo as configurações anteriores (VÉRAS de OLIVEIRA, 2013, p. 269).
Para compreender esta relação como um continuum, de recíproca e imbricação entre
os chamados “setor formal” e “setor informal”, que, algumas vezes, torna-se ausente na
interpretação da noção de informalidade ou é esvaziada na sua trajetória temporal, é
necessário que se pese a capilaridade das práticas ocupacionais mais difusas e o alcance
múltiplo do sentido dado para as ocupações diárias fora do assalariamento. Estas são
observáveis tanto no escritório de uma grande firma quanto no carro-lanche em via pública;
ou, nas facções de vestuário em uma cidade do sertão pernambucano ou nos “costureiros
bolivianos” terceirizados em São Paulo. Convém considerar que o sentido assumido do
“trabalho informal” estruturado convencionalmente na sociedade brasileira não se enquadra
exatamente aqui ou ali especificamente, porém se organiza em diversos lugares, assume
lógicas diferentes e, por isso, se faz visível em situações simultâneas e conexas (no limite da
legalidade/ilegalidade, da flexibilidade/rigidez dos contratos de trabalho, nas relações de
39
poder legítima/ilegítima, dos elos entre produção e distribuição que envolve a longa cadeia
produtiva global, dentre outros). Como destaca Malaguti12,
Por outros termos, a discussão proposta por Adalberto Cardoso (2016) imprime maior
visibilidade política ao debate quando trata das várias formas de políticas públicas ao longo
das últimas décadas. Elas assumem como objetivo principal o combate a uma dada “condição
informal” que incide sobre a força de trabalho brasileira. Este afirma que,
As muitas políticas projetadas no Brasil nos últimos anos pareciam ter contribuído
para a redução da informalidade, em termos relativos e absolutos. No entanto, a
informalidade continua a ser a principal forma de alcançar os meios de vida de quase
40% da população. Mesmo que milhões tenham sido removidos desta condição,
ainda existem milhões de outros que não serão alcançados por qualquer política
específica, simplesmente porque toda a sua sociabilidade foi formada no âmbito da
informalidade. Habitação, acesso à eletricidade e outras infraestruturas urbanas,
relações sociais e relacionamento com o Estado - tudo é informal. Como são os
negócios daqueles que possuem um. (CARDOSO, 2016, p. 336).
Cardoso (2016) irá argumentar, dentre outros pontos que, os vários instrumentos
legais, em sua maioria são oriundos da esfera federal do Ministério do Trabalho Emprego,
foram instituídos (marcando a intervenção do Estado no tratamento de um “problema”) como
reconhecimento da existência das múltiplas informalidades em curso no mercado de trabalho
brasileiro. Tal multiplicidade requer ações que também sejam múltiplas, o que provoca, neste
sentido, o agrupamento em três grandes linhas de políticas públicas no combate à
informalidade: a) políticas de supervisão e fiscalização da legislação e formalização de
contratos de trabalho; b) flexibilização da legislação trabalhista; c) políticas destinadas a
aumentar o número de postos de trabalho e de geração de renda, compreendendo uma
variedade de iniciativas, como o microcrédito à simplificação tributária, incentivos fiscais de
diferentes tipos e política de aumento real do salário mínimo.
Neste caso, abre-se uma possibilidade de compreender o papel destacado que
protagoniza entre essas políticas a chamada Lei do Microempreendedor Individual (MEI), o
12
Igualmente oportuna é a discussão de Simone Ghezzi (2010) que também argumenta a respeito da falácia
dicotômica existente entre os setores formal/informal numa região produtora da Itália. Mostra os
entrelaçamentos nos mais diferentes níveis que operam as firmas de trabalho em rede, das pequenas cidades até a
economia urbana das grandes cidades italianas, num relacionamento contínuo em redes e práticas informais.
40
motivo de ter sido a mais incentivada e focalizada pelas diferentes instituições públicas e seus
agentes, nos vários níveis da administração pública. Ela tem orientado fortemente a política de
oportunidade de renda na esfera dos governos municipais, como resposta à diminuição de
postos de trabalho ou/e incentivo à condição de desemprego de longa duração. Em suas
próprias palavras, quando fala dos efeitos da MEI, Cardoso demonstra que,
[...], as políticas têm um efeito triplo: (i) reduz a zero o custo de entrada na
formalidade; (ii) diminui consideravelmente o custo de permanência na formalidade
(0,9% ou menos do faturamento anual dos que estão dentro do limite de 60 mil
reais); (iii) oferece incentivos importantes aos trabalhadores que anteriormente não
estavam cobertos pela pensão pública ou sistema de saúde. (CARDOSO, 2016, p.
333).
Por fim, o autor afirma que o trabalho assalariado como um objetivo coletivo da
estrutura social moderna não foi alcançado por todas as pessoas em condições de realizá-lo,
por diversas questões sociais e históricas inerentes à sociedade latino-americana, envolve a
difícil conexão entre a escala de crescimento das oportunidades de oferta de emprego (lado
exógeno) e a aspiração pessoal e sentido dado ao trabalho assalariado pelas pessoas que o
procuram ou desistem deste (lado endógeno), para buscar outras formas de ocupações e
oportunidade de renda (CARDOSO, 2016).
O universo do trabalho, então, é recortado e evidenciado cada vez mais pela dimensão
global dos negócios, pela nova dinâmica na forma de administração gestionária do poder
público (gerenciando as questões sociais do público), do seu conteúdo estritamente legalista,
dos discursos que enfatizam a necessidade do crescimento econômico tomando por base os
mecanismos indutores de contratos mais flexíveis e de padrões mais individualizados das
relações de trabalho, das condições de pressão e precariedade nos locais de trabalho, dentre
outros. O emprego assalariado e o contrato de trabalho com carteira assinada são as formas
clássicas e tradicionalmente aceitas como obtenção de renda, ocupação e contrato legalizado,
no entanto, cada vez mais novas formas e contrárias a estas assumem o lugar e determinam
novos conteúdos no universo do trabalho. A consequência tem um efeito direto a partir do
robustecimento das relações mais dúbias e nebulosas entre o que é percebido como “informal”
e aquilo que é chamado de “formal” (mesmo no seu sentido de legalidade e legitimidade).
É neste pano de fundo que se deve levar em conta, também, a expansão de programas
e aplicativos tecnológicos tratados como referência de autonomia de trabalho e liberdade de
tempo, os quais reforçam cada vez mais o impacto das tecnologias de comunicação e
41
informação de modo mais penetrante e modificando a forma como o indivíduo pensa, atribui
sentido e pratica sua ocupação e interação social.
Em vista disso, cabe pontuar a expansão de outra forma de trabalho ambulante e
atividade econômica, reconhecida legalmente, que corrobora com o desmanche das relações
de assalariamento e vínculos empregatícios, isto é, a ocupação realizada pelas vendas diretas
das chamadas consultoras de porta em porta, ou em local que aparenta ser loja, embora não
seja. É o que discute, entre outros pontos, a pesquisa de Ludmila Abílio (2011) ao analisar o
trabalho realizado pelas revendedoras de produtos cosméticos e perfumaria, aquilo que esta
denomina de “make-up do trabalho”. Enfatizando a força de trabalho fundamental do
contingente feminino no circuito de distribuição e organização de revenda, no contexto das
novas formas de desregulação e da crescente perda de proteção trabalhista, mesmo que esteja
ligada a uma grande corporação empresarial. Como enfatiza em sua análise,
13
Em outra discussão, a autora trata do estilhaçamento dos contratos de trabalho e dos vínculos de emprego que
ora são mediados por plataformas tecnológicas de serviços e de alcance global, provocando uma subsunção real
do trabalho, ao que ela aplica o termo “uberização” do trabalho. “A uberização, tal como será tratada aqui,
refere-se a um novo estágio da exploração do trabalho, que traz mudanças qualitativas ao estatuto do trabalhador,
à configuração das empresas, assim como às formas de controle, gerenciamento e expropriação do trabalho”. O
que de certo modo torna incerto, indefinido e nebuloso quem é quem neste universo do trabalho mediado por
aplicativos tecnológicos de serviços individualizados (ABÍLIO, 2017).
42
poder de polícia14. Em recente artigo, Daniel Hirata problematiza e discute as formas dessa
transição, demonstrando o tratamento do comércio de rua como “problema”, a partir do “tipo
de regulação que permite a circulação e o consumo de bens vendidos na rua” como aquele
momento de transformação das formas de ação governamental e da conformação de novos
mercados para essa atividade (HIRATA, 2014, p. 97-98).
Contudo, o que aparece como uma transformação desse posicionamento da política
local a respeito do chamado “problema”, em todo caso, é uma proposta que surte efeito
apenas performático, pontual e de movimento superficial, sem encaminhamento para uma
ampliação de direitos e melhores oportunidades à todos que vivem da ocupação “informal”
em vias públicas. A aplicação de uma política pública nesse perfil, na maioria das vezes, tem
como resultado um limite de curto alcance, relacionada à áreas específicas e, principalmente,
por ser direcionada à grupos determinados pode ser chamada de uma “política pública
focalizada” (pormenorizada mais adiante).
A pesquisa de Miguel A. Olivo Pérez (2011), na capital do México, enfatiza as
contradições e os embates da ocupação ambulante, que este enquadra como “trabalho não-
clássico”, instalado no centro histórico da cidade e afetado por reformas e reordenamentos no
lugar. É preciso destacar primeiramente que o quadro teórico da sua investigação está
vinculado ao conceito de trabalho ampliado e de um sentido de identidade baseado na defesa
do seu trabalho (o trabalho e o negócio em vias públicas). A construção teórica do conceito de
“trabalho ampliado” envolve a noção de “trabalhadores não-clássicos”.
O conceito de “trabalho ampliado” é definido e discutido por De la Garza (2011) como
nova abordagem para os estudos da categoria Trabalho. Em síntese, deve ser entendido no
contexto ampliado e contemporâneo do cenário de controle do processo de produção de bens
e serviços que introduz a figura daquele que não é nem o trabalhador e nem o patrão, mas é o
cliente como aquele que influencia no processo de como se produz, distribui e consome bens
e serviços. Tal contexto, por sua vez, desdobra-se em trabalho desterritorializado, na
subversão do conceito de jornada de trabalho e espaço produtivo e, principalmente, na
produção de símbolos, aplicativos e comunicação, na imaterialidade do trabalho. Convergindo
para uma complexa rede de ocupações e atividades diversificadas como o trabalho não
assalariado, por conta-própria, em família, tele-trabalho, entre outros, em uma dinâmica que
introduz especificidades que dificultam a distinção mais clara das características do próprio
trabalho como algo universal. Por fim, o “trabalho ampliado” implica na mudança da
14
A mudança institucional que opera de tal modo por mecanismos de negociação e combinação entre atividades
formais e da informalidade também merece atenção na pesquisa de Freire da Silva (2014).
45
fato, as diversas ocupações representadas pelo trabalho e negócio exercido em via pública
podem ser analisadas a partir da identidade criada pelas características do próprio trabalho e
tomando como referência o lugar no qual este é executado. Cabe destacar que essa ordem da
ocupação em via pública tem diferentes níveis de autopercepção e hierarquias relacionais e de
comando. Por outro lado, é possível notar, a partir das contestações coletivas e
enfrentamentos, certo grau de solidariedade e a instituição de representação coletiva entre eles
(mesmo que de caráter clientelista). Pérez relaciona isto à disposição da vida cotidiana do
ambulante como sendo carregada de ações criativas, de bastante significado para a modelação
e a transformação de estruturas mais amplas, como resposta diante dos problemas que os
próprios ambulantes tendem a definir coletivamente como seus (PÉREZ, 2011, p. 132).
Outro estudo recente sobre o tema é a investigação de Nina Martin (2014) realizada
em 2013, que traz uma discussão que interliga pontos específicos das relações de trabalho, da
ação governamental e do uso do espaço urbano. Sua tese centra-se na questão: quem tem
direito de usar o espaço urbano, para qual propósito e sob quais condições? O estudo é
desenvolvido na cidade de Chicago (Illinois), nos Estados Unidos, colocando em contraste
grupos de ambulantes que vendem e preparam alimentos na rua e um grupo representado por
chefs empreendedores da alimentação gourmet em foodtrucks. A pesquisa focaliza a mudança
de percepção da imagem e da ação da política pública sobre a paisagem dos centros urbanos
contemporâneos, provocada pela privatização e regulação do uso do espaço público. Isto não
apenas cria uma política de contestação entre grupos sociais como também pode levar a uma
mudança mais acentuada a respeito do trabalho executado na cidade, no direito ao uso do
espaço público e na percepção de segregação dos espaços.
O argumento principal discute (seguindo a crítica de David Harvey, Mike Davis,
Michael Smith) que a ideologia neoliberal incrementa o discurso e a prática das políticas
urbanas ao redor do mundo, implementando a desregulação das relações de trabalho, a
privatização do serviço público e a “devolução” do espaço urbano a determinadas atividades
econômicas e de residentes. A intenção é fazer com que as cidades busquem cada vez mais
avançar no “empreendedorismo” cultural, prontas para receber investidores, jovens
empreendedores e inclusive novos residentes, provocando certas mudanças para a
gentrificação dos espaços urbanos (MARTIN, 2014, p. 1.868). Promovida pela ação tanto da
municipalidade quanto do poder nacional, tais políticas incluem estratégias de reordenação e
reconstrução do centro da cidade, de estádios esportivos, de avenidas para eventos e festivais
culturais, incorporando ao espaço urbano os novos modos de lazer, turismo, consumo e
diversidade; criando as condições para a chamada “cidade criativa”, uma cidade aberta para
47
mais com a escassez daquilo que dava todo o sentido à sua ocupação na via pública, precisará
atrair um fluxo de consumidores. Neste sentido, é possível construir três encadeamentos sob
os processos relacionais que dizem respeito à experiência da ordem social dos
permissionários, aos sentidos atribuídos à situação e ao novo mercado e, na forma de
resistência, os mecanismos de arranjos e de combinações construídos no próprio ambiente
como resposta aos problemas práticos. De fato, coloca-se uma questão pontual: quais e como
os mecanismos e performances acionadas pelos agentes possibilitam uma reconfiguração do
cenário institucionalizado, quando buscam uma solução para algo percebido como negativo
em um ambiente normatizado/formalizado?
De modo geral, a ação governamental se apresenta como a tendência de administração
por objetivo e, assim, inscreve a transferência/deslocamento do trabalho e do negócio em via
pública (especificamente com “camelôs” e “ambulantes”) como uma etapa entre outras, um
objetivo específico em direção ao mais geral. Esta se insere na estrutura mais abrangente de
determinado projeto com vistas à mudança na paisagem urbana. Tal ação tem seu caráter de
projeto político e sua dinâmica, alcance e implementação não ocorrem de modo linear, muito
menos através de uma evolução natural dos centros urbanos, nem na implementação inicial e
nem nos ajustes posteriores do projeto. Ao contrário, apresenta recuos, desvios e dinâmica de
contrastes tais como: quando o mesmo agente público com poder de decisão apresenta-se
como opção mais forte em algumas situações e interações entre os atores estratégicos, mas
pode apresentar-se como opção mais enfraquecida em outras situações, quando determinada
etapa precisa ser executada de modo descentralizado e a cargo de diferentes órgãos públicos
criados especificamente para este momento; ou quando no momento de uma etapa os agentes-
alvos encaminham contestações que fazem recuar ou adiar a aplicação do projeto
governamental; ou quando é preciso negociar com mecanismos de convencimento, cooptação
e favorecimento de parte de agentes estratégicos para pressionar os agentes-alvos do projeto
em definir rapidamente a aplicação da etapa, dentre outros.
Ao mesmo tempo em que focaliza e atua sobre o ajuntamento de “camelôs” e
“ambulantes”, não é sobre o universo desse ajuntamento que a ação governamental tem
interesse real de mudança. Isto é, a ação de transferência/deslocamento é direcionada e
particularizada somente para um restrito ajuntamento localizado em específico traçado
urbano, uma determinada via pública na qual o programa de intervenção urbana acontecerá. O
processo não diz respeito aos demais indivíduos do ajuntamento localizados em outras vias
públicas da cidade. Ou mesmo, aos outros elos envolvidos diretamente com o núcleo central
de uma rede de relações com o ajuntamento, o que foi denominado em pesquisa anterior como
50
15
Chama-se aqui de “ocupações-periféricas”. Encontradas respectivamente no contexto da via pública em
Manaus, são rotinas de trabalho oferecidas e executadas diariamente e exclusivamente para o ajuntamento de
“camelôs” e “ambulantes” por indivíduos fora dessa figuração, mas que mantêm relações de trabalho regulares
com estes. Tais rotinas de trabalho são negociadas face a face, recebem pagamento diário ou semanal dos seus
tomadores de serviços, estabelecem um ritmo próprio de trabalho e constroem uma ordem de sociabilidade em
rede. De igual modo, são rotinas de trabalho interligadas ao núcleo central do ajuntamento, enquanto estruturas
de “ocupações-periféricas” interdependentes à ocupação de “camelô”, fundamentadas a partir de ofertas
regulares, práticas cotidianas, relação face a face, segundo o tipo de serviço oferecido, por exemplo, pelo
“carregador de banca” (invariavelmente homem, oferece sua força de trabalho e carrinho para levar a banca e
guardá-la em depósitos ou garagens próximas no fim do dia e retirá-la pela manhã, levando até seu ponto
original, sendo que garagens e depósitos pertencem a outro indivíduo); pela “merendeira” (geralmente mulher,
vende aos camelôs lanches pela manhã e tarde, armazena e carrega em caixa de isopor ou plástico, pode ser paga
na hora ou no dia seguinte); pelo “vigilante noturno” (invariavelmente homem, sua rotina é durante a noite e
madrugada, pode trabalhar em dupla ou individualmente, identifica com um sinal adesivo a banca pela qual é o
responsável, é pago semanalmente); pelo “fornecedor de água e café” (variavelmente mulher ou homem, oferece
ao camelô o serviço de deixar pela manhã, antes da abertura da banca ou logo que abrir, um garrafão com água,
ou saco com gelo, ou uma garrafa grande de café, é pago semanalmente); pelo “agiota” que realiza empréstimos,
entre outros (OLIVEIRA; VALLE, 2012, p. 151). Não está no horizonte desta investigação atual refazer a rede
de “ocupações-periféricas” da via pública e relacioná-la aos permissionários instalados no CPC, mesmo que seja
uma possibilidade interessante e futura.
51
assim, a porta para uma discussão mais ampla sobre as transformações na percepção social
subjacente ao tratamento acadêmico da relação entre a estrutura do mercado de trabalho e a
acumulação e, na direção oposta, do papel da produção sociológica na formação da percepção
social” (MACHADO DA SILVA, 2003, p. 142).
Esta condição cognitiva tem como eixo fundamental o convencimento
ideológico/prático de adaptação à nova estrutura do mercado de trabalho e dos negócios.
Portanto, o cenário composto pela crescente terceirização das atividades produtivas, de ataque
às leis trabalhistas e maior individualização e precariedade das relações de trabalho, o
mercado de trabalho passa a representar uma sociabilidade mais vulnerável. A consequência
de tal cenário mostra a necessidade de compreender o conjunto da vida social e as formas de
adesão aos novos modos de organizar o trabalho e o negócio em face das condições ainda
vigentes de uma sociedade salarial que não se expandiu para todos de maneira justa e
igualitária.
Exigir novas competências prático-ideológicas adaptadas à dimensão da organização
da produção mais recente (um modelo do tipo toyotista, na perspectiva do trabalho just-in-
time), por conseguinte, inclina-se a agir na dimensão da organização da distribuição de bens e
serviços, até chegar especificamente no trabalho e negócio em via pública. E, neste ponto,
elas dizem respeito à dinâmica da dimensão simbólico-ideológica, reforçando estratégias
discursivas e práticas do par “empregabilidade/empreendedorismo”, tentando o
convencimento e adesão do ajuntamento de “camelôs” e “ambulantes” para a nova dimensão
de seu trabalho e negócio através da aquisição de novas habilidades, comportamentos e
capacidades cognitivas. Portanto, tal transformação do sentido ideológico-prático do trabalho
tem a intenção de mostrar-se como solução possível à insegurança da demissão, ao
desemprego de longa duração e ao alcance de uma desejada condição de “autonomia” nas
relações de trabalho contemporâneo (MACHADO DA SILVA, 2003, p. 156). Como o autor
afirma, sobre as formas de sobrevivência de diferentes grupos de ex-assalariados, um
“exército de reserva” estagnado em expansão, com diferentes recursos disponíveis e
estratégias.
políticas seriam propriamente “públicas”, não só porque dizem respeito aos meios de
ação do Estado sobre o espaço público, mas porque “publicizariam” seu objeto, já
que, ao retirá-lo da esfera privada, poderiam projetá-lo na esfera pública, fazendo-os
objetos legítimos de intervenção do Estado e tornando-os, assim, objetos “públicos”
(LAUTIER, 2014, p. 464).
Lautier ao analisar as políticas públicas na América Latina, ao longo dos anos 90,
argumenta que uma resposta de política pública para contornar tal problema de intervenção
sobre a ocupação dos espaços urbanos e apoderar camadas pobres viáveis foi encaminhada
pela via do microcrédito, o beneficio para os pobres como “um registro moral: é uma medida
paliativa de uma injustiça, de uma “exclusão” (bancária)” (LAUTIER, 2014, p. 466). E, isto
tem efeito direto sobre a demanda de regulação das práticas e ocupações (diretamente sobre o
trabalho e negócio em via pública) e do controle da camada social de baixa renda.
Neste sentido, torna-se importante tanto o processo de formalização de microunidades
de trabalho e negócio quanto a criação de mecanismos de acesso ao microcrédito. Daí, em
conjunto com a moralidade, entrar em ação um sistema de regras e disposições para a ordem
social, a regra racional e normativa do direito16. Como efeito, o aspecto de despolitização e de
recusa de mobilização por direitos de categorias universais cede lugar a categorias
particulares, focalizadas e formalistas (LAUTIER, 2014). De fato, as
transferências/deslocamentos do trabalho e do negócio em via pública para novos lugares,
coordenadas principalmente pelo poder local, montam cenários e suas estratégias discursivas,
buscam replicar práticas em diferentes cidades brasileiras, condicionando contextos urbanos
diferenciados pelo ambiente e recursos disponíveis. Por outro lado, em suas táticas de
adaptação à situação imposta, os agentes contextualizam o cenário da transferência,
desmontam e remontam o script de normatividade e redefinem seu trabalho e negócio a partir
da manipulação e gerenciamento de recursos chaves como o fluxo de pessoas, dos artefatos de
16
A Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008. Cria a figura do Microempreendedor Individual -
MEI e modifica partes da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, a Lei Complementar 123/2006 (grifo do
autor) (BRASIL, 2008); Lei nº 12.009, de 29 de julho de 2009. Regulamenta o exercício das atividades dos
profissionais em transporte de passageiros, mototaxista, em entrega mercadorias e em serviço comunitário de
rua (a pesquisa de Juscelino Luna e Roberto Véras (2011) sobre o trabalho precário dos mototaxistas na cidade
de Campina Grande, na Paraíba é esclarecedora a respeito das discussões referentes a esta Lei e a condição
prática da ocupação) e o “motoboy”, com o uso de motocicleta, altera a Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997,
para dispor sobre regras de segurança dos serviços de transporte remunerado de mercadorias em motocicletas e
motonetas - moto-frete - estabelece regras gerais para regulação deste serviço e da outras providências. (grifo do
autor) (BRASIL, 2009b); Lei nº 11.898, de 8 de janeiro de 2009 (Projeto de Lei 2.105/07). Chamada de “Lei dos
Sacoleiros”. Cria o Regime de Tributação Unificada (RTU) para a importação de mercadorias do Paraguai por
via terrestre. Apenas simplifica a cobrança dos impostos e contribuições federais incidentes sobre a importação,
cobrados uma única vez das empresas que optarem pelo novo regime tributário. A proposta tenta trazer para a
legalidade os microempresários que vivem da importação de produtos do Paraguai e deve beneficiar apenas
empresas de pequeno porte que fazem parte do Simples Nacional (Supersimples). (BRASIL, 2009ª, grifos
nossos).
54
trabalho e das interações entre si mediadas pela visibilidade mútua e pelas informações de
contexto compartilhadas ou percebidas individualmente.
No desdobramento, as táticas17 que tramam os laços do trabalho e do negócio em vias
públicas correspondem a um movimento de disputa implícita e contradições entre lógicas
distintas de racionalidades e posicionamentos na arena política. De um lado, o executivo
municipal (e seus apoiadores) se posiciona e desempenha o papel principal da estratégia no
cálculo da ação e na tomada de decisão para impor uma relação de força como agente detentor
do uso do poder legítimo e decisório. Assim, estrategicamente a política pública, de
neutralidade nula, é alocada no interesse em determinar as relações econômicas e políticas
tanto como na firme intenção de controle e exercício da racionalização das vias públicas. Por
outro lado, a conduta e performances dos agentes-alvos, seja individualmente ou de modo
compartilhado, são apresentadas por outra racionalidade e posicionamento a partir de ações
desviantes e resistências cotidianas ou montando arranjos de trabalho e negócio no limite da
informalidade. Táticas que geram efeitos imprevisíveis ou imprecisos, que lidam com as
diversas situações de escassez e demandas reais, que criam formas de interação e modificação
do ambiente combinadas com as perspectivas da norma e regulação no cenário político-
econômico montado pelo poder municipal.
Portanto, se a ação governamental tem interesse em produzir cenários confiáveis, em
aplicar um projeto modelar que induza mudança ou em reproduzir estruturas de ordem e
sentido direcionadas aos agentes estratégicos alvos da ação, confronta-se com as táticas
individuais ou compartilhadas que articulam e reajustam em seu modo de subverter, de
encontrar brechas, criar escapatórias às condições impostas por mecanismos e contextos
normativos. É importante levar em conta, inclusive, a existência de práticas originadas em
motivações não-utilitaristas (componentes de ação e de tomada de decisão que envolvem
sentimentos ambíguos, crenças mágicas, imponderáveis da circunstância, impulsos,
frustrações em promessas, dentre outros). Como no paradoxo das empresas que atuam em
marketing de redes sobre o comportamento organizacional dos agentes sociais em estruturas
de distribuição de produtos, que se orientam por interesses simbólicos: prestígio, sentimentos,
noção de pertencimento, rede social, etc (PEDROSO NETO, 2010).
Não se pensa aqui num indivíduo que executa um script tal qual lhe é dado ou, ainda,
que é refém solitário e acuado de estratégias de dominação. Há um limite de manobra
vinculado à experiência. Como agente, o ator interage em diferentes graus de reflexividade,
17
Utiliza-se aqui uma noção com perspectiva dinâmica e relacional atrelada ao próprio caráter pragmático e à
dinâmica ecológica em via pública.
55
campo decidiu-se pelo papel de observador como participante (assumindo mesmo a crítica
pelo papel em não criar laços mais longos e profundos), na qualidade de um observador que
não participa imerso em uma atividade de longo prazo com os sujeitos pesquisados
(CICOUREL, 1980, p. 91-93). Em todo caso, o desafio da confiança poderia ser medido pela
aceitação voluntária do permissionário em participar da proposta de pesquisa, depois de uma
conversa informal, da identificação e filiação institucional do pesquisador e do interesse pelo
contexto. Contudo, este pesquisador precisava se expor como interessado pelo contexto e
trajetória particular dos entrevistados, estar pronto para ouvir, ser interrogado a respeito da
opinião sobre o contexto e declarar-se desvinculado do poder público municipal. Ao longo do
tempo a minha própria presença era objeto de especulação e observação, sendo que o maior
desafio era me desvencilhar do rótulo de agente de fiscalização municipal.
Se não houve um envolvimento tão ativo e profundamente participante na rotina dos
permissionários ao longo da investigação, não significa dizer que não houve
acompanhamento, desafios, ou que estas rotinas deixaram de ser observadas e apreendidas ou
não foram suficientes para construir o trabalho de campo. Diante do ambiente, dos agentes e
do contexto de trabalho e negócio no CPC escolheu-se gastar mais horas do dia em conversas
informais e entrevistas, buscando entre as narrativas espontâneas ou dirigidas encontrar
algumas pistas que apontassem os elementos e as conexões possíveis do processo.
Assim, encontrou-se um caminho que sinalizava as regularidades das ações que
colocavam em cheque tanto a normatividade quanto a expectativa de melhoria pela
transferência. A “rua morta” era o termo utilizado entre os permissionários para indicar vias
públicas que não geravam lucro. Esta indicação era muito importante no momento de tomar a
decisão sobre a escolha da via pública mais propícia ao seu tipo de comércio e serviço e,
assim, se afastar das “ruas mortas”. No entanto, o termo era recorrente como identificador do
espaço geográfico onde se localizava o CPC.
Essas pistas foram observadas nas entrevistas e nas conversas diárias com e entre os
permissionários. E, isto pode ser considerado como uma verificação de confiança estabelecida
na relação entre aquele que ouve a narrativa, o pesquisador, e aquele que narra sua
experiência, o permissionário. Nesta situação, acabava exercendo o papel de estrangeiro à
moda de Simmel18.
18
Sem abrir um debate neste momento, chama-se atenção para o artigo intitulado O Estrangeiro, de Georg
Simmel, que trata de um tipo de forma sociológica de interação específica, das condições espaciais de interação,
distância e aproximação social e da objetividade. Tomada aqui sob o aspecto de um tipo de posicionamento e
sentido metodológico da relação entre pesquisador e permissionários do CPC, vista neste trabalho de campo. Nas
palavras de Georg Simmel: “Fixo dentro de um determinado raio espacial, onde a sua firmeza transfronteiriça
57
poderia ser considerada análoga ao espaço, a sua posição neste é determinada largamente pelo fato de não
pertencer imediatamente a ele, e suas qualidades não podem originar-se e vir dele, nem nele adentrar-se.” [...] “O
estrangeiro é visto e sentido, então, de um lado, como alguém absolutamente móvel. Como um sujeito que surge
de vez em quando através de cada contato específico e, entretanto, singularmente, não se encontra vinculado
organicamente a nada e a ninguém, nomeadamente, em relação aos estabelecidos parentais, locais e
profissionais. De outro lado, a expressão para esta constelação de significados encontra-se na objetividade do
estrangeiro. Porque este não é determinado a partir de uma origem específica para os componentes singulares de
uso social, ou para as tendências unilaterais de um grupo. Vai além, faz frente a estes com uma atitude particular
objetiva, que significa não uma simples distância e indiferença, mas um fato especial da distância e da
proximidade. Fato especial dado pela relação ambígua entre insensibilidade e envolvimento”. (SIMMEL, 2005,
p. 265).
58
imputação de julgamento antecipado às ações dos indivíduos, o que na análise provoca uma
verbalização sintomática como base útil de “inferências para um típico vocabulário de
motivos de uma ação situada” (WRIGHT MILLS, 1940, p. 909; grifos do autor).
Por fim, no artigo On Politics, um dos textos da coletânea A Imaginação Sociológica
(WRIGHT MILLS, 2000), o autor destaca que a pesquisa social deve dar a devida
importância à consciência vivida do relacionamento entre a experiência individual e a
sociedade mais ampla. Sobretudo às forças históricas que aparentemente são impessoais e
remotas, mas movimentam mecanismos determinados de poder e podem ser ligadas aos vários
incidentes em curso na vida do indivíduo. Isto significa, em sua análise, que as pessoas podem
olhar para os próprios problemas pessoais como problemas/questões sociais. E, conectar suas
próprias experiências pessoais com os macros fenômenos sociais. Esta seria a direção
centrada na dimensão política e pública e no conhecimento da pesquisa social que demonstra
o motivo desses problemas terem causas sociológicas, habilitando o indivíduo a entender
como sua biografia está atrelada à estrutura e à história de dada sociedade. A problemática
vista por Mills está em que os indivíduos frequentemente se veem como resultado de sua
fraqueza pessoal, criadores dos próprios erros singulares e, portanto, buscam as causas dentro
de si mesmas, internalizando o “problema”, contudo é improvável que as situações
encontradas em sua vida sejam completamente únicas. Deste modo, não se permitem
compreender que, uma vez ou outra, os erros/situações/condutas percebidas como singulares,
devem ter sido provavelmente experienciadas por outros. Assim, pode ser mais bem definido
como um problema social do que decorrente de uma deficiência pessoal. Em decorrência, esta
investigação assume uma posição na pesquisa social como tarefa/promessa da ciência social
que se dirige à tradução de problemas pessoais como uma questão do público (WRIGHT
MILLS, 2000, p. 177).
61
19
“O Polo Industrial de Manaus (PIM) registrou faturamento de R$ 74,4 bilhões em 2016, o que equivale a uma
diminuição de 6,14% em relação ao valor obtido em 2015 (R$ 79,3 bilhões). [...] Com R$ 19,5 bilhões (US$ 5.7
bilhões) faturados no ano, o polo Eletroeletrônico foi o maior responsável pelo resultado global de faturamento
do PIM, respondendo por 26,15% do total. Em seguida apareceram os segmentos de Bens de Informática, com
participação de 18,81%; Químico, com 15,46%; e Duas Rodas, com 14,12%” (SUFRAMA, 2017).
62
intenso fluxo migratório para Manaus e por uma alta concentração de investimentos na capital
do Amazonas (DIAS, 1999; OLIVEIRA, 2003; VALLE, 2007).
O poder público promove no primeiro cenário de crescimento econômico a construção
de prédios imponentes em sua época (no século XIX), a implantação da rede elétrica e a
construção de uma pequena usina hidrelétrica, o serviço de transporte público de bondes, o
sistema de abastecimento de água e rede de esgoto, entre outras melhorias urbanísticas.
Enfim, as reformas criaram padrões que redefiniram o mapa da cidade e, também, aceleraram
a segregação espacial. Em virtude disso, modificou-se o traçado da sua área central por meio
de desapropriações, do aterramento de igarapés e a construção dos limites do traçado urbano
da cidade.
Tanto no contexto da economia gomífera quanto no contexto do projeto Zona Franca,
as intervenções urbanas (como a destruição da cidade flutuante na segunda metade da década
de 60) têm como característica fundamental modelar a área do centro e montar um cenário de
“cidade moderna”, com o aspecto do progresso e da paisagem “ordenada e limpa”. Recortadas
pela dinâmica de sua época, as intervenções tentaram esconder ou expulsar para longe, para a
periferia no limite da cidade, as camadas populares e pobres que não condiziam nem se
relacionavam com o cenário das transformações impostas; a não ser pela dimensão da força
de trabalho disponível e necessária em determinadas tarefas e circunstâncias. Para estes
deslocados/expulsos, os projetos modernizadores eram excludentes e não se encaixavam nas
demandas de integração desses grupos sociais. O processo de urbanização, em ambos os
momentos de crescimento econômico e em distintas formas de implementação, inclinava-se a
um vigoroso caráter elitista, demonstrando a disparidade na concentração de renda e
determinando formas não-reguladas de ocupações do solo urbano. (DIAS, 1999; VALLE,
2007; SOUZA, 2010).
As atividades empresariais da pequena indústria, do tipo familiar, de produção
tradicional e atrelada à demanda interna, aos poucos cederam seu lugar de destaque no plano
local para as indústrias transnacionais do projeto Zona Franca. A instalação do cluster
industrial de produção em grande escala, com incentivos fiscais e com objetivo de suprir uma
demanda externa, modifica sensivelmente a trajetória de desenvolvimento e expansão da
cidade. No período de 1970 a 1980, Manaus deteve um dos maiores índices de movimento
migratório, desencadeando um processo de crescimento demográfico acelerado. De fato, a
cidade tem apresentado, nas últimas décadas, uma alta taxa de concentração populacional e de
maior concentração demográfico no estado: sua participação relativa passou de 44,3% em
63
1980, atingiu quase a metade (48%) em 1991, alcançando 50% em 2000. Os dados apontam
pra a tendência dominante de migração de natureza intrarregional (IBGE, 2014).
Desde a implantação, com destaque para o Polo Industrial de Manaus (PIM), o projeto
Zona Franca de Manaus vem aumentando gradativamente a sua participação no PIB brasileiro
passando a responder por 1,4% da economia do país (IBGE, 2011). Por outro lado, no começo
o projeto tinha um pilar fixado na exclusividade, com destaque nacional, do comércio
importador da Zona Franca, o que fortalecia a expansão da atividade de turismo de compras
de produtos importados na cidade. Esta atividade terá sua localização principal, mas não
exclusiva, a partir das lojas importadoras da área central de Manaus. Fortalecendo a dinâmica
concentradora para a área do centro histórico pelo conjunto de atividades comerciais, serviços
turísticos, funcionalismo público federal, estadual e municipal, as atividades portuárias e as
associações, sindicatos e entidades ligados ao comércio, entre outros. Aproximadamente até o
começo da década de 90, o centro histórico apresentou-se como um ambiente pulsante para o
comércio local, tanto em relação à sua condição concentradora de diversas atividades e
serviços públicos quanto em relação à zona de importação de mercadorias, tendo os lojistas da
área central como importantes distribuidores dos importados e alguns “camelôs” como a
ligação entre a loja e a rua20.
Entretanto, no início da década de 90, a política econômica que intensifica o processo
de redução tarifária de importação e eliminação de certas barreiras tributárias em todo o
território nacional, no governo do presidente Fernando Collor, provoca um efeito negativo e
impactante sobre o atrativo de exclusividade dos produtos importados da Zona Franca de
Manaus. Em meio à crise daquele ano e nos anos seguintes, os diversos fatores sociais e
econômicos ao seu modo e tempo definiram o formato das mudanças e intervenções para a
zona central de Manaus. Por exemplo, o ajuste organizativo promovido pelo conjunto de
lojistas quanto à diversificação e mudança de suas atividades e expansão para longe da área
central ocorrem paripassu quando os grandes empreendimentos de shopping centers chegam
à cidade e se instalam em novas áreas mais distantes do centro. Simultaneamente, há uma
expansão de áreas comerciais e um crescimento de empreendimentos médios localizados nos
bairros periféricos. E, por fim, a desconcentração e o deslocamento de diversas atividades de
serviços públicos e privados para outras áreas da cidade. No entanto, dificilmente se poderá
afirmar algo como a existência de um esgotamento ou esvaziamento da área central. Apesar
20
A relação de proximidade entre o camelô/ambulante na rua e o lojista estabelecido no comércio regular trata-
se de um arranjo econômico que atravessa tempos e lugares como bem demonstra Mafra (2005) na sua
investigação sobre a rotina do comércio ambulante no centro do Rio de Janeiro.
64
21
“Meu ponto de partida é que os mercados são arenas altamente pressuposicionais de interação social, na qual
os atores são confrontados com profundos problemas de coordenação. Embora a organização econômica baseada
na redistribuição e na reciprocidade também acarrete problemas de coordenação, esses problemas se tornam
muito mais exigentes nas economias de mercado” (BECKERT, 2007, p. 6).
65
consolidou a expansão da zona leste e norte da cidade, nas manifestações grevistas de vários
sindicatos de trabalhadores do setor público e do setor privado, na tentativa dos empresários
da zona franca comercial em propor o controle do comércio da área central em face da queda
nas vendas dos importados, na tentativa do poder público municipal em impor uma
organização da área central pelo combate ao trabalho e negócio na via pública combinado às
ações de restauração e incremento do centro comercial com amplo apoio dos lojistas, dentre
outros desdobramentos.
Neste caso, deve-se considerar que a ação situada em dado lugar tem uma história, tem
uma experiência de pano de fundo, que dá conta dos conflitos envolvidos, das ações de
controle e ajustamento, das marcas de pertencimento, do direcionamento de determinado
projeto político e econômico de intervenção urbana. Em face disso, toma-se como fio
condutor da pesquisa uma perspectiva relacional na qual não se trata a
transferência/deslocamento ocorrida na área central, em 2014, como algo isolado de agências
múltiplas e condições concretas, ou como algo pontual e naturalizado pelo crescimento
urbano.
A ação governamental quando propõe intervenções de transformação, mudança e
transferência, estas acabam por entrelaçar o ambiente da área central com as experiências
individuais e coletivas construídas no lugar por excelência do trabalho e do negócio da via
pública, afetando o conjunto das experiências singulares. Tem-se hipoteticamente, então, que
as intervenções estariam reordenando e confrontando a organização social da experiência, que
envolve o trabalho e o negócio em via pública, sob o pressuposto da concorrência e da
competição de mercado entre os “camelôs”.
De um lado, é possível observar que a ação proposta pelo poder público municipal
apresenta elementos relacionais entre o “antes” e o “agora”, ao mesmo tempo em que provoca
diferentes conflitos, “transações”, termos de adesão/conduta, recuos e possíveis ajustes no
decorrer do processo. Por outro lado, o modo pelo qual o processo é conduzido e impõe seu
movimento costuma dar pistas para outra perspectiva de captura do social. Sob essa premissa,
a ação governamental de gerenciar a transferência/deslocamento, de implementar um modelo
de mercado e de afastar determinado ajuntamento da paisagem urbana, considerou-se a
perspectiva do “social como problema”. Isto é, compreender que é preciso um enquadramento
e observação o mais próximo para destrinçar o emaranhado das relações que o social assume
(CORRÊA, 2014, p. 39).
Ao apresentar a sociologia pragmatista francesa, Diogo Corrêa destaca,
66
Mas o que isso quer dizer? Grosso modo, para esses autores o social deixa de ser o
elemento explicativo das coisas e torna-se aquilo que deve ser explicado a partir de
relações e movimentos problemáticos. [...] Como a sociologia pragmática francesa
advoga a importância das situações problemáticas e incertas como modalidade de
captação do social e, com isso, revela progressivamente o social como problema
(CORRÊA, 2014, p. 39).
22
Pontuada em outros termos em Quéré (2012).
23
Essa lógica do senso comum é muito bem representada e aplicada na gíria: “vai que cola...”. Na prática essa
lógica de investigação e experimentação do senso comum pode ser descrita como: fazer algo, ou induzir,
68
De fato, quando identificamos uma figura como um novo objeto, a descrição que se
apresenta vem incorporada de outros elementos semânticos e conceituais adequados,
a saber, os hábitos de comportamento, a capacidade de ação, as formas usuais de
reagir e as respostas eficazes (QUÉRÉ, 1994, p. 29, tradução própria).
sabendo antecipadamente da negativa ou do erro implícito na ação, mas tentar assim mesmo, experimentar para
ver se dará certo, agora ou depois. Coincide com a tentativa de práticas rotineiras que testam até onde as regras
podem ser quebradas ou negociadas, sem ser percebido ou sem que se sofra algum prejuízo. Quando o
permissionário chega tarde após o horário oficial de abertura do CPC, pode ser um exemplo prático e bem
observado. De algum modo, o ato, a prática, a situação pode se tornar coletiva (já que é, em ato, uma interação)
ao se esperar ou presumir que outros também estejam fazendo o mesmo “vai que cola”. Isto também pode ser
observado na exposição das mercadorias em lugares inadequados, fora das normas internas. São
experimentações de práticas, tentativas que ensaiam e seguem uma lógica específica do senso comum com o fim,
neste exemplo, inclusive, de resolver problemas particulares sem querer dar conta de observar as regras gerais.
69
completamente por todos, algumas vezes eram negociados por outras situações e outros
qualificadores.
Por fim, a perspectiva chamada de “teoria da ação situada” por Quéré (1998),
contempla o limite do dinâmico e do complexo, dos mecanismos sociais e fenômenos não tão
explícitos ou até desconsiderados por perspectivas fortemente funcionalista, ou mesmo
puramente empirista-positivista, mas, e principalmente, do modelo explicativo da escolha-
racional utilitária. Apresentados a partir da situação e da ação, certos problemas sociais de
limites localizados, como os problemas públicos de deterioração dos equipamentos públicos
urbanos, do desemprego em expansão em dada região e as formas coletivas de prevenção à
violência em um campus ou rua, é possível expor e identificar os mecanismos, agentes,
eventos e ações que denunciam os sintomas de desagregação social do indivíduo e dos grupos,
do conflito e enfrentamento em face da incerteza das condições concretas vividas e, além
disso, sobre o enquadramento da situação e suas tendências.
O que esta abordagem apresenta possibilita contribuir fundamentalmente para a
análise do quadro da ação econômica governamental e da ação de resistência cotidiana que o
indivíduo compartilha com seus pares próximos, em interação. Como os transferidos ao CPC
lidam com as contingências e normatividade do lugar e, ao mesmo tempo, demonstram o
nuance de uma situação específica onde as mudanças parecem sugerir um avanço além da
análise conceitual da estrutura estática e dual-opositiva dada pela explicação do “setor
informal”.
Observar e analisar como a conduta ou a atividade econômica e ocupacional é
organizada, pode também significar investigar quando o quadro de referências do indivíduo
ou do grupo social passa por processos de mudança e podem não lidar com as mesmas
referências que antes se apresentavam. Por isso, será preciso reordenar o horizonte de suas
experiências e adaptação em situação nova ou um tanto mais diferente. Ou, dizendo de outro
modo, quando o indivíduo se pergunta “o que está acontecendo aqui?”24, é quando uma
situação é percebida como fora da ordem da experiência, podendo ser apreendida por
diferentes níveis de afetação pelos agentes envolvidos.
Capturar essa discrepância, compreender o que está ocorrendo e demonstrar a
localização das diferenças pode permitir o avanço no conjunto das relações estreitas entre a
análise política, econômica e social dos repertórios e da performance dos grupos, dos
conflitos e das questões sociais que aprecem como um processo de mudança e inflexão nas
24
Uma questão classificada ao mesmo tempo como crucial e inicialmente confusa para o ator em Goffman (1986
[1974], p. 8).
70
práticas. E, que também ecoa em questões que dizem respeito ao público, à identidade,
interações sociais e sociabilidade.
O agente em ação situada compartilha atitudes, percepções e estímulos que recebe do
ambiente, localizado ou mais amplo que, de certo modo, é compartilhado em combinação
com uma visibilidade mútua entre os pares próximos. O que também poderia ser o
compartilhamento de experiências vividas, pois esta pesquisa não pensa em um modelo
esvaziado ou isolado de indivíduo. As experiências socialmente construídas, consideradas
fundamentais, para vincular determinada ação social, não apenas em relação aos meios e fins,
assim como na ordem das consequências e da solução cognitiva e do sentido atribuído ao
contexto.
Neste ponto, é importante lembrar a distinção observada por Quéré (1998, p. 243) da
polissemia dos termos ambiente, contexto e situação. O termo situação chama atenção quando
é considerado como entidade temporal. Não tendo tal sentido quando correlacionado aos
termos contexto e ambiente, pois estes devem ser tomados como formas ou desdobramentos,
ou mesmo desenvolvimento de algo. Contudo, acrescenta o autor, é possível falar em
distinção por visibilidade quando o fenômeno de orientação no espaço é introduzido como
qualificador da situação. Um ambiente em si mesmo não tem eixo nem direção, pois é o
agente quem define, em diferentes maneiras, este cenário que dá origem ao “mundo como
ambientalmente experimentado”. Na medida em que aquilo que é desorientado não pode
organizar a sua experiência, visto que não seria capaz de estruturar a sua ação. Neste sentido,
é a orientação da experiência, recebida do ambiente, que se desloca para a situação, no
momento em que a situação vem sobre o registro da organização da experiência.
Por isso, do ponto de vista fenomenológico e pragmático, Quéré considera a lógica da
percepção do fenômeno que vem do ambiente para a situação ocorrendo uma produção de
configuração em um pano de fundo, o que implica dizer que esta figura teve como
composição básica os elementos selecionados pragmaticamente do ambiente (QUÉRÉ, 1998,
p. 244). De outro modo, dizer que um ambiente se estrutura sob formas iguais, é
desconsiderar as várias formas pelas quais é construído, isto é, por dois diferentes processos.
De um lado, os arranjos organizacionais do espaço, de outro, o componente da situação com
sua estrutura temporal. A organização do ambiente como o CPC pode ser analisada e
percebida no confronto desses dois processos.
Quanto à distinção entre contexto e situação, mesmo que pareça lógico dizer que a
situação tem o sentido de “um todo contextual”, o autor chama atenção para uma diferença
fundamental na qual em certos contextos não são realmente situações, pois falta o
71
componente qualificador, a estrutura temporal. Outra vez, a relação com a experiência aponta
o direcionamento e o critério de distinção, o que será indicado por Quéré como sendo o
contexto, “o todo ou o campo no qual se empresta de uma ação, um gesto, uma palavra, um
evento ou um objeto a sua inteligibilidade, significado ou individualidade” (QUÉRÉ, 1998, p.
244). Mas, o que significa “o todo”? Ele pode ser uma conversação (sequência verbal), um
enredo (a narrativa) ou mesmo um arranjo físico do ambiente (atividade prática) e uma
configuração histórica (individualização de um evento). O contexto também é o cenário de
elementos onde se produzem adequação e ação, por isso pode ser considerado em sua
dinâmica ao longo do curso da ação ou sequência de eventos. Contudo, mesmo sob mudanças
quando terminadas ou quando estão acontecendo, tal sucessão de contextos ainda não
determina “a configuração global na qual os elementos podem ser integrados no interior de
uma totalidade orientada” (QUÉRÉ, 1998, p. 244). Daí, o autor desdobrar a distinção entre
contexto e ambiente, que em suas palavras:
Poderíamos dizer que alguém toma do ambiente para o contexto por operações de
seleção, totalização e inserção (contextualiza), comandadas por um objetivo de
produção (desempenha uma atividade) ou de recepção (entende ou interpreta um
evento, situação, gesto, enunciado etc.) (QUÉRÉ, 1998, p. 245, tradução própria).
Por fim, a situação traz elementos de estrutura temporal, atinge a ordem da experiência
e orienta a ação, enquanto o ambiente ordena dada organização no espaço e na configuração
dos elementos que o sustenta e, finalmente, no contexto os fenômenos podem ser
identificados e constituem o cenário passível de uma atribuição de sentido e desenvolvimento
da ação atual e potencial. Portanto, a ação situada que se aplica nesta investigação não
consiste em um retrato do instantâneo, do acontecimento, do evento ou do momento de
caráter “aqui e agora”. Trata-se de uma situação temporal e espacial, por isso, dinâmica e
processual, como as trocas mercantis, a transferência e as performances internas-externas de
negociação e movimentos de incorporação.
O fenômeno social seja quais forem os limites de sua investigação teórica precisa de
um ponto de partida. Tratar a ação governamental dentro dos limites da intervenção na área
urbana referente ao trabalho e ao negócio em via pública não é algo recente, cujo
enquadramento encontra-se datado desde que se pensou o cenário urbano em sua dimensão
72
ocupacional e econômica25. Portanto, estabelecer os limites está longe de ser uma tarefa fácil,
contudo por proximidade e relevância na origem da discussão, o papel desempenhado pela
pesquisa de Keith Hart nesta temática, aparece como uma escolha viável e propositiva.
Quando Keith Hart (1973), em sua pesquisa na cidade de Accra, em Gana, discutiu
sobre como parte da força de trabalho urbano (com ou sem emprego) buscava o suplemento
da renda ou a obtenção de oportunidades em atividades por conta própria demonstrou que
estas eram combinadas com emprego assalariado, chamando de “empreendedores de pequena
escala” (1973, p. 67). O autor construiu um cenário analítico na tentativa de abordar algumas
classificações e características de tais “empreendedores”, que tinham dificuldade de obter
emprego nas condições postas pelas exigências e garantias no mercado de trabalho dos
centros urbanos. Tomando como indicativo a produtividade de baixa renda no conjunto das
várias ocupações e trocas mercantis, originou a classificação deles como “força de trabalho de
desempregados e subempregados”, “setor urbano tradicional” e, posteriormente, o chamado
“setor informal urbano”. Ainda, para objetivar mais precisamente o macro agrupamento
dessas atividades desenvolvidas por conta própria no meio urbano, Hart produziu uma divisão
analítica em dois graus distintos de subgrupos: a) oportunidade de renda informal – legítima;
b) oportunidade de renda informal – ilegítima (1973, p. 69). Entre as variações possíveis
encontradas no subgrupo (a) oportunidade de renda informal – legítima, está a chamada
variação por conta própria – como a distribuição em pequena escala (small-scale
distribuition) e, entre esta, a ocupação como vendedor ambulante/camelô de rua
(streethawkers, streetvendors).
Em resumo, a sequência analítica de Hart (1973) torna-se constituinte desta tese na
medida em que disponibiliza a localização dos atores-alvos da transferência, identifica-os
nesse amplo espectro de atividades em via pública. Estes que em Manaus se tornaram os alvos
mais expostos da ação governamental de transferência e ajustes, que recaiu sobre as
ocupações do circuito comercial de distribuição de bens e dos serviços prestados em via
pública. Seguimos, assim, a sequência de Hart: Oportunidade de renda urbana
25
Por exemplo, a classificação das ocupações nas ruas de Londres por uma densa população pobre (segunda
metade do século XIX), em pleno processo de Revolução Industrial, escrita por Henry Mayhew. Pode-se dizer
que é uma obra antológica e curiosa. Na verdade, corresponde a um material organizado a partir de redação
jornalística, mesmo não tendo sido escrita na intenção de ser uma obra das ciências sociais, em tese, traz com
riqueza de detalhes a descrição de ocupações lícitas ou criminosas, como de camelôs, prostitutas, trabalho
infantil, batedores de carteiras, entre muitas outras. Infelizmente ainda pouco estudado como material de história
social ou no quadro de referência das identidades de ocupações urbanas ou do processo de crescimento
econômico versus desenvolvimento social, entre outros. MAYHEW, Henry. London Labour and London Poor.
In: DOUGLAS-FAIRHURST (ed.). London Labour and London Poor. A Cyclopaedia of the conditions and
earnings of those that will work, those that cannot work and those that will not work. New York: Oxford
University Press, 2010.
73
por conta própria), enquanto apontavam para outra figura da gradação hierárquica no lugar, o
“ambulante”. A figura do “ambulante” faz referência direta à prática de se movimentar pela
via com os seus carrinhos improvisados, a diferença entre este e a figura do “invasor” deve ser
distinguida pela posse da autorização municipal para realizar sua ocupação naquela área.
Portanto, em Manaus é possível assinalar três rotulações nativas, três gradações de
configuração e de produção de hierarquia social baseado no modelo de circulação,
distribuição e tipo de mercadorias encontrada na via pública de Manaus. Considerou-se
teoricamente, com base nas conversas informais pelos corredores que, no topo dessa
configuração hierárquica, encontra-se, agora, o permissionário/microempreendedor
individual, instalado no box do CPC; abaixo o permissionário/“camelô” com a autorização
legal do município para comercializar com uma banca na via pública; em relação mais
horizontalizada e outros qualificadores está a figura do permissionário/“ambulante”, com
autorização legal do município, com uma espécie de carrinho adaptado, transitando na via
pública com uma autorização específica ou eventual para determinados lugares; finalmente,
uma no último grau hierárquico, aquele rotulado como “invasor”, sem autorização legal e que
expõe a mercadoria normalmente no caixote/grade/chão/corpo e se utiliza de outro tipo de
regra e relações para acessar ou se manter nas vias públicas.
Tais rotulações nativas partem de situações concretas, verbalizadas pelos próprios
agentes em atividade cotidiana, a partir de visibilidade mútua, do tipo de mercadoria vendida,
das interações com o consumidor e com o agente público e, principalmente, do modo de
praticar a ocupação no ambiente urbano. Com a transferência para o CPC e a obrigatoriedade
de pactuar com o Termo de Adesão, “uma contrapartida pelo uso do lugar” (nas palavras do
secretário municipal), os anteriormente permissionários/“camelôs” ao se inscreverem na
figura jurídica do MEI alçam à categoria de permissionários/microempreendedores
individuais. A validade expressa pela opinião pública, a atribuição de sentido positivo à
organização do trabalho “fora da rua” e o avanço na hierarquia tornaram-se as marcas do
reconhecimento e do pertencimento ao novo mercado, um sentimento expressado e repetido
entre alguns permissionários no CPC.
Em exposição mais recente, Hart (2004) defendeu um argumento considerando a
crítica mais objetiva sobre a separação setorial de atividades econômicas e ocupacionais nos
centros urbanos, ou seja, um setor formal e outro setor informal como entidades distintas e
separadas estruturalmente26.
26
“O formal e o informal aparecem como entidades separadas por causa do termo “setor”. Isto leva à impressão
que as duas formas estão localizadas em diferentes lugares, como agricultura e indústria. No entanto, tanto a
75
burocracia como sua antítese contém o par dialético formal/informal dentro de si bem como entre elas mesmas”
(HART, 2004, p.1, tradução própria).
27
“[em outro trabalho] Argumentei que a capacidade de estabilizar a atividade econômica dentro de uma forma
burocrática torna os rendimentos mais voláteis e regulares para os trabalhadores e seus chefes. Essa estabilidade
seria garantida pelas leis do estado, que por sua vez passava longe da economia profunda de Gana. O “setor
formal” se constituía de atividades econômicas reguladas e o “setor informal” de todos aqueles que se
delimitavam além do âmbito da regulamentação, seja legal ou ilegal” (HART, 2004, p.7, tradução própria).
28
“As definições oficiais internacionais, por exemplo, codificadas pela OIT, estão se expandindo. A definição
oficial de “setor informal” foi adotada pela Conferência Internacional de Estatísticas do Trabalho de 1993 com
base sob a caracterização de uma empresa como informal. Em 2003, foram introduzidas as orientações para que
a definição fosse expandida e incluísse o “emprego informal” fora das empresas informais, como uma definição
mais adequada que a anterior” (GUHA-KHASNOBIS; KANBUR; OSTROM, 2006, p. 6, tradução própria).
76
Contudo, quando observada a partir de uma dinâmica recente e mais ampla das
mudanças estruturais, a categoria Trabalho implica em novos quadros de referencial
interpretativo para a ocupação, as relações de trabalho e o emprego assalariado. É o que
Enrique De La Garza traz como problematização para a perspectiva entre o trabalho clássico e
o não-clássico, partindo de que é importante na atual configuração do mundo do trabalho uma
compreensão que dê conta da dimensão ampliada na qual a relação laboral se apresenta. Isto
é, ao longo de décadas, o estudo de sociologia do trabalho colocou em destaque e estruturou
um forte quadro interpretativo sobre a relação trabalho e sociedade. Tomando como primazia
e valorização o trabalho assalariado e fabril em detrimento de outras formas de oportunidade
de renda e sociabilidade na relação laboral. Este quadro teórico acompanha a crise do
capitalismo e apresenta suas dimensões de renovação analítica ao tempo da expansão de
outras atividades econômicas como a de serviços, novas relações de trabalho, como a
terceirização e um elemento definidor com a entrada das ferramentas tecnológicas e de
informação. Neste sentido, o autor afirma,
Os limites que requerem uma nova discussão ou passíveis de reflexão, segundo este,
passam pelas fontes de identidade e de ação coletiva e, poder-se-ia mesmo acrescentar, o
papel que vem desempenhando os agentes do governo local em várias frentes de ação
governamental. Por exemplo, ou na mobilização de recursos financeiros, empréstimos e
microcréditos, ou na ordem de novas figuras jurídicas e dos contratos com o governo, a fim de
resolver a fragmentação e integração social em países subdesenvolvidos e naqueles em
desenvolvimento. Seguindo um direcionamento que passa a centrar-se na fronteira limite do
ordenamento sobre o trabalho imaterial. Diante disso, o conceito ampliado de trabalho deve
considerar “toda a relação social de produção ou circulação de valores de uso que não se
restrinja ao trabalho assalariado” (De LA GARZA, 2011, p. 14). Como destaca na sua
discussão:
77
O autor enfatiza a inflexão do caminho utilizado por décadas como objeto de estudo, o
tipo de trabalhador da grande indústria fabril, assalariado, que foi visto por uma série de
determinantes desde a instalação da maquinaria até a informatização e automação robótica no
local de trabalho. Mas, ao mesmo tempo, em que o processo fabril e seu trabalhador típico se
modificavam, surgiram novas ocupações como o trabalho em callcenter e o programador de
software, outros setores, outros trabalhadores em novas relações de trabalho, cada vez mais
em expansão. Nesse ínterim, De La Garza, introduz sua tese fundamental, o conceito
ampliado de trabalho que perpassa por duas distinções categóricas, o trabalho clássico e o
trabalho não-clássico. Em resumo, a primeira categoria, entendida como trabalho clássico
quer dar conta da relação laboral diádica entre patrões e empregados, isto sem que se pese um
envolvimento direto de outros atores no processo produtivo. Tendo por medida os países do
Norte desenvolvido, neste quadro está contida a maioria da população ocupada e são
considerados na teorização e investigação empírica como sendo a sequência determinante e
racional da evolução do trabalho e, em extensão, a outros setores – de serviços e agrícola.
A segunda categoria, chamada de trabalho não-clássico, pode ser atribuída ao quadro
de referencial formado incontestavelmente pelo quantitativo da força de trabalho nos países
em desenvolvimento, podendo ser analisada em relação à ampliação do tipo de trabalho
imaterial, como descrito. Destaca-se no trabalho não-clássico, a presença de clientes, usuários
e outros atores nas relações de trabalho29. Neste caso, os novos mercados podem partir da
dependência de demandantes, por isso a tendência em serem mais voláteis e de forte relação
com o trabalho não-clássico, o setor de serviços pode ser considerado um exemplo dessa
configuração. E, na dinâmica comercial, a própria forma de distribuição de certas mercadorias
29
O autor imprime na relação face a face, real ou virtual, o elemento importante capaz de conferir o ponto limite
da relação clássica (patrão-empregado). Neste sentido, as pesquisas teriam de expandir o conceito de relação de
trabalho, bem como o controle sobre o processo de trabalho. A gama de atores que interfere diretamente na
relação produtiva e distributiva concentra-se na figura, principalmente, do cliente-consumidor, como também na
organização de produtores, nos agentes públicos e na mídia, como agentes institucionais de interferência direta
sobre o controle do processo de trabalho e do consumo da mercadoria (De LA GARZA, 2011, p. 61).
78
Cabe lembrar que um dos primeiros e bastante conhecido por abordar a informalidade
em perspectiva de relação virtuosa entre o quadro jurídico e o quadro econômico como
resposta à pobreza foi o economista e político peruano Hernando de Soto (1989).
Apresentando em suas obras uma análise institucionalista, com preocupação em elaborar
propostas de combate ao subdesenvolvimento na América Latina, por medidas de
regularização fundiária para a promoção do desenvolvimento. Ao desdobrar a pesquisa toca
na economia informal urbana e na regularização do pequeno empreendedor como forma de
sair da ilegalidade, avançar economicamente e ter os benefícios da proteção da lei. Muitas de
suas ideias ainda encontram eco no discurso de políticas públicas para a defesa da
formalização e intervenção urbana. Contudo, ainda permanece a questão crucial, as formas de
intervenção para a formalização são as medidas mais viáveis para o desenvolvimento social
nos países em desenvolvimento? Como discorre Ray Bromley, a multiplicidade da
configuração informal tem seus aspectos incrustados na prática social de modo amplo,
campo empírico da via pública, passa a ser muito desconfortável insistir em considerar algum
tipo de uso metodológico e analítico alicerçado somente no sentido funcional explicativo para
a noção. E, a própria noção derivada e vinculada a esse entendimento passa a perder sua força
analítica específica.
Para compreender o processo relacional, as interações subjacentes e seus mecanismos
de controle foi preciso situar e observar tanto a ação dos agentes transferidos como a ação do
agente indutor da mudança, o poder público municipal, foi preciso reposicionar o valor da
informalidade no contexto empírico do campo da pesquisa.
Primeiro, quando se considera a noção de informalidade a partir da explicação
convencional vinculada ao setor informal, como o entendimento de atividade econômica e
trabalho não registrado, ilegal e prejuízo ao desenvolvimento, avesso ao regime burocrático,
inferior ao regime regular do mercado de trabalho, desviante do controle e regulação pública,
entre outros. Portanto, o ajuntamento tomado como referência nesta pesquisa, alvo das
transferências e que ratificou um novo contrato público com o executivo municipal, é
reconhecido normativamente pelo poder público como aquele que já mantém uma relação de
permissionário, isto é, aquele que possui autorização de uso da via pública para fins da sua
atividade e negócio. Deste modo, no inicio do processo foi contabilizado um quantitativo
oficial de 2.082 (dois mil e oitenta e dois) permissionários cadastrados, de variadas atividades,
para o projeto de 2014. Estes foram considerados os camelôs permissionários, regularizados
junto ao município. Eram o quantitativo estratégico, principal e alvo da ação governamental
de transferências/deslocamentos, avalizado inclusive pelas instituições públicas como o IBGE
(PREFEITURA DE MANAUS, 2015).
Segundo, quando se considera a noção de informal como caracterizado por baixa
produtividade, baixo rendimento e desorganizado ou ilegal, não regulado e ilegítimo é preciso
relativizar neste ponto, pois se convencionalmente a afirmativa pode valer e ser aplicada para
todas as atividades ocupacionais e as unidades mercantis no seu amplo espectro, em via
pública dependerá das circunstâncias relativas aos fatores tempo e localização. Por outro lado,
quando se observa alguns empregos com carteira assinada (serviço de portaria), contratos de
terceirização de mão de obra não especializada (em serviços de limpeza geral), ou
flexibilidade em condições de trabalho insalubre ou de risco, não se considera somente a
legalidade, regulação e legitimidade, mas o fator da precariedade das relações de trabalho.
Deste modo, em condições que podem ser comprovadas empiricamente, as referências
de informalidade, aquilo que caracteriza a propriedade qualificadora do “setor informal” pode
muito bem aparecer em relações de formalidade, em relações de trabalho tanto no setor
83
[No CPC] Você tá aqui, tá guardado, em segurança, tá livre de comer com poeira da
rua, a gente pegava chuva, era a maior dificuldade. Molhava tua mercadoria! Mas,
em compensação as vendas eram ótimas, você vendia mesmo! Vou te dar um
exemplo, a gente fazia R$ 2.000,00 no sábado. Aqui a gente faz R$ 20,00! E, às
vezes não vende nada, só pra tu ter uma ideia. [Q10]
Algumas ruas citadas estão a poucas quadras da Avenida Eduardo Ribeiro, ou mesmo
são paralelas a ela, ou próximas a outras praças como a Praça da Saudade. No entanto, o
quantitativo de bancas nessas vias era acentuadamente bem menor. Pois, ao se pensar num
mapa ou cartografia do fluxo de transeuntes, aquelas ruas não eram de fluxo, de movimento,
84
30
O temo em inglês commodity, utilizado aqui, grosso modo significa “mercadoria” e é utilizado principalmente
por economistas que analisam contratos futuros, formação de preço e mercado internacional de determinados
produtos, como minerais, agrícolas e financeiros, por exemplo, no sistema capitalista (NASSIF, 2011). Sem
defini-lo criticamente, utilizo aqui o termo como uma proposta futura de análise das condições que fazem do
“fluxo de transeuntes” um elemento fundamental de negociação, de melhor escolha e de preço para uma banca
localizada em determinada via pública. As commodities podem ser mercadorias padronizadas, mas que ao
possuir determinado elemento diferencial na sua composição agrega um valor maior. Chamar determinada via
pública de “morta”, “rua morta”, diz muito sobre a formação do preço e da negociação. O fluxo de transeunte
mais constante naquela localização indicaria a potencial presença de “transeuntes-consumidores” e de maior
volume de venda, fazendo com que a sua localização atingisse critérios ótimos para uma boa negociação, de
compra e venda do “ponto”. Portanto, está se pensando aqui numa “commodity” construída socialmente e por
isso negociada não apenas pelo tipo de mercadoria vendida na banca, porém o quanto a intensidade do “fluxo” é
forte ou fraca nessa via pública. Apesar da precariedade do uso do termo aqui, tentarei desenvolvê-lo melhor e
mais criticamente em outro momento.
85
Neste caso, não seria estranho levar em consideração a variável do tempo, cujo efeito
sazonal mantém a balança equilibrada e desperta a atenção maior para as anotações na
contabilidade31. Meses sazonais de comemoração, das festas de fim de ano e Natal, ou mesmo
no final do mês por conta dos pagamentos dos salários, devem/deveriam ser levados em conta
na organização das rotinas em via pública, principalmente quando se conta o número de
camelôs e registra-se a sua atividade no centro. O período do pagamento do salário mensal era
seguido por um intervalo de maior queda nas vendas das mercadorias, na banca. Por outro
31
O objeto nativo identificado como “caderninho” que materializa o livro-caixa, a movimentação corrente e
contas a pagar é o fluxo de caixa feito pela maioria dos que trabalham e negociam em via pública.
86
lado, os ganhos tendem a ser bem mais elevados nesses períodos de datas comemorativas do
que no período comum. A mecânica dessa balança econômica diz respeito à sazonalidade e ao
ritmo regular de acesso dos consumidores a esse mercado, ou seja, ao período de ganhos mais
altos, um aumento no fluxo de estoque devido aos consumidores adequados. Isto se refere
inclusive à mudança no tipo de mercadoria (tempo de aumentar a compra de material escolar,
tempo de diminuir) como consequência direta da sazonalidade que opera sobre quais
deveriam estar em maior quantidade e exposição na banca do que outras. Deste modo, baixo
rendimento e baixa produtividade não são características estáticas e determinantes de
informalidade para o trabalho e negócio em via pública, caso seja considerada a perspectiva
em relação ao contexto de localização e às consequências advindas da sazonalidade nas
vendas.
Portanto, no conjunto dos argumentos metodológicos e analíticos esta pesquisa não
considera dar um tratamento prioritário para a noção de informalidade ou tomar a temática
como discussão central. Considerando que o recorte escolhido da pesquisa está mais
interessado na ordem da experiência dos indivíduos e no processo relacional da ação
governamental. Contudo, não se deixou de lado seu papel como parte da configuração do
trabalho urbano em via pública com o qual a noção ainda se relaciona.
Construir o campo empírico no CPC não é uma demanda de tarefa simples. Dizer que
o Centro Popular de Compras Galeria Espírito Santo é apenas um prédio de médio porte, que
funciona como um novo lugar para os ex-camelôs do centro, que executam suas atividades em
conjunto com os serviços públicos ali oferecidos, pode ser uma pista falsa ou um atalho
enganoso para o caminho da pesquisa. Neste caso, deve-se considerar o atual debate sobre a
“nova informalidade”, que problematiza a nova dinâmica e o conteúdo das relações de
trabalho que encobrem formas de exploração e de precarização, que se ampliam cada vez
mais sobre grande parte dos trabalhadores. Considerando que se trata de um desafio complexo
e robusto diante da expansão de relações de emprego disfarçadas, da difícil distinção entre
trabalhador por conta própria independente, empregado e empregador numa relação ambígua
que se impõe diante das transformações do trabalho autônomo, heterogêneo e expressivo que
ao longo do tempo vem se alargando (KREIN; WEISHAUPT PRONI, 2010).
87
Neste sentido, o relatório produzido por Krein e Weishaupt Proni (2010) traz um
importante panorama acerca de pesquisadores, parâmetros de abordagem e mudanças
possíveis concernentes ao tema da informalidade. Os autores discutem, entre outras questões,
as três posições definidas no cenário das investigações acadêmicas e institucionais que
abordam a mudança do enquadramento de “setor informal” para o espectro conceitual mais
consistente de “economia informal”, além de mostrar o avanço de uma “nova informalidade”
a partir das situações de demandas de contratos flexíveis e o uso de “pseudoautonomia”,
“autoemprego” e “pequeno empresário” como conteúdo inerente às novas ocupações
(KREIN; WEISHAUPT PRONI, 2010, p. 22).
Aqui, a pesquisa toma uma decisão, que diz respeito à construção dos dados tanto
como da problemática, da hipótese e das premissas, que estas são estreitamente interligadas e
tem relação com o processo interacional do campo de pesquisa. Naquilo que se pode construir
a partir do que os atores-agentes expressam por suas práticas cotidianas e em suas
justificativas tentando dar conta de suas condutas. Tomando por princípio que no campo
empírico não se fica imperceptível, devido às condições concretas e espaciais de interação, daí
a tarefa ser desafiante e, simultaneamente, conflituosa e delicada na dinâmica de construção
do campo, dos dados e da interação com os agentes e destes com o pesquisador.
A intenção projetada inicialmente para esta pesquisa, sob o efeito de questões
exteriores e anteriores ao campo empírico, pretendia enfocar um agente em especial, o
Sindicato do Comércio de Vendedores Ambulantes de Manaus (Sincovam), que atuava como
organização representativa entre os permissionários na via pública e continuou no CPC, mas
sob uma configuração diferente. Além de outra representação chamada de Associação dos
Vendedores Ambulantes do Comércio Informal do Estado do Amazonas (Avacin). Isto
porque pretendia seguir um caminho que havia deixado na última pesquisa em 2009. A
respeito do desempenho, coesão e papel desse tipo de representação coletiva, reconhecida
entre os permissionários, localizada no centro à época e sob registro legal em Brasília, após
2005.32
Com isto bem resolvido, tomar-se-ia a organização coletiva como unidade empírica de
análise e a ligaria ao quadro teórico sobre a temática de identidade coletiva e a problemática
do chamado trabalho atípico, não-fordista e a específica ação coletiva. Ainda, havia a intenção
de comparar esta organização em Manaus, Amazonas, com outra representação coletiva de
ambulantes, que havia mantido contato, na cidade de Belém, Pará, e a outra na cidade do Rio
32
Possuindo carta sindical, segundo entrevista concedida a este pesquisador em 2009, o ex-presidente Raimundo
Sena, atual vice da organização sindical.
88
de Janeiro, no Rio de Janeiro. Assim, tudo parecia estar mais alinhado quando três fatos
ocorreram. Primeiro, em um momento de diálogo com um professor que conhecia o interesse
deste autor na temática do trabalho em via pública, dissuadiu este ao afastamento dessa
perspectiva quando levantou dúvida a respeito da consistência empírica e do avanço
significativo para a pesquisa caso se tomasse essa unidade de análise como foco principal do
estudo, como estava inclinado inicialmente a fazer.
Segundo, enquanto estudava no PPGSA na UFRJ, este autor começou a visitar,
observar e conversar durante algumas semanas, num mercado popular no Rio de Janeiro, com
o diretor representante da coletividade do lugar, pois julgou oportuno verificar algumas
situações localizadas. Durante um intervalo de três semanas em abril de 2014, falou com o
diretor, acompanhou uma reunião geral para mudança do regimento interno, conversou
esporadicamente com algumas pessoas que trabalhavam nos boxes e observou o movimento
interno e alguns conflitos. No entanto, o que mais chamou a atenção foi o papel exercido por
alguns atores políticos de intermediação, que prestavam “ajuda” na resolução de certos
problemas estruturais do prédio, que facilitavam o acesso a algumas concessionárias de
serviço público para aprovar mudanças, assinaladas como necessárias, para a continuidade e
permanência das atividades no lugar. De modo panorâmico e o mais exploratório possível,
observou que os intermediadores políticos (vereador, secretário, técnicos) mantinham uma
relação muito estreita com a representação da coletividade e isto era considerado importante
pelo diretor para a estabilidade das atividades no mercado popular33.
Isto pareceu um esboço de figuração relacional onde um “ator-mediador” com menor
força de mediação ligava-se a “atores-tomadores de decisão” para construir certas relações de
interesse. Como consequência possível dessa configuração, estes traziam força para que o
representante da coletividade alcançasse resultados positivos em suas demandas; e, os
“tomadores de decisão” aproximavam os interesses de moeda de troca política entre estes e a
coletividade do lugar. Por fim, em uma conversa e outra foi informado que o Mercado
Popular pertencia à prefeitura e o contrato com os ocupantes do prédio era do tipo precário,
pois nenhuma decisão ou ação poderia ser tomada sem que houvesse a chancela do poder
público municipal. Além do que, a própria representação coletiva havia mudado seu status de
associação de camelôs (utilizado antes de serem alocados no mercado popular) para a
associação de microempreendedores. Com o objetivo futuro, segundo o diretor, de tornar o
33
Por exemplo, no último andar era necessário fazer adaptações na estrutura do prédio, na rede de água e esgoto,
para que atividades de salões de beleza fossem instaladas adequadamente.
89
Não se pode negar o ponto decisivo que foram os momentos iniciais de orientação da
pesquisa com o Prof, Dr José Ricardo Ramalho e os encontros e diálogos com os colegas do
grupo de pesquisa Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (DTA), em 2013. Nesse período,
ainda não havia sido cogitado uma delimitação da temática após esses encontros, pois estava
refazendo o projeto de pesquisa. Em 2014, as leituras e as discussões direcionaram a atenção
para a ação governamental. Esta foi colocada em prática pelo conjunto de atores como o
executivo municipal, a câmara de vereadores, a secretaria municipal estratégica e, ainda, em
34
Como consequência, está patente nesse trabalho a lacuna a respeito da representação coletiva dos indivíduos
instalados no CPC. Não há na pesquisa uma narrativa do presidente do Sincovam, apenas as narrativas de fontes
secundárias, como as incorporadas na fala dos permissionários, ou pelos recortes das reportagens jornalísticas na
qual é mencionado. Essa lacuna não foi proposital nem por falta de interesse do pesquisador, mas, em todo caso,
acabou por modificar a unidade de análise empírica e o direcionamento do estudo, que se voltou para os
processos tanto da ação governamental como para o microprocesso de estratégias adaptativas e de incorporação
do ambiente na prática dos permissionários.
90
(SZTOMPKA, 1998, p. 446). Não que fosse percebida imediatamente como algo negativo
pela maioria dos permissionários, pois percebiam pela movimentação do executivo que
alguma coisa seria realizada no período, de um modo ou outro.
A mudança induzida pelo empreendimento organizacional “desde cima” como projeto
do executivo municipal para a área central de Manaus precisou mobilizar uma série de
recursos, desde organizacional e financeiro até leis e compromissos com apoiadores e
representantes a fim de diminuir os obstáculos à implementação do projeto “Viva Centro
Galerias Populares”.
Todavia, nesta escala de mudança social, quantitativa e qualitativamente menor, de um
ajuntamento local e específico do circuito comercial e das conexões de distribuição de
mercadoria em via pública, o processo de mudança na forma de organizar a experiência social
pode assumir uma perspectiva relevante. E isto, diz algo em torno das relações políticas, das
relações de poder e da dinâmica na forma de ordenamento urbano e sua produção e
dominação. Como consequência, ponderou-se se isto poderia ser tratado pela abordagem da
agência do indivíduo, de como este organiza ou reorganiza sua experiência e suas ações
estratégicas diante do contexto de mudanças e, ainda mais, como sua reação diante das
normas e constrangimentos pode ser representada pelas situações de resistência.
A noção de ajuntamento apreendida e pontualmente utilizada ao longo da pesquisa tem
maior proximidade do sentido empregado por Goffman (2010[1963]) como a “implicação de
pertencimento a dada situação por modos de comportamento que parece ser comum [...] como
a regra que obriga os participantes a “se encaixarem” (GOFFMAN, 2010, p. 21). Esta noção
aplicada aos indivíduos que se ocupam do trabalho e negócio em via pública não acarretou,
necessariamente, modificação quando aplicada àqueles que haviam sido instalados no CPC.
Neste caso, tanto na rua como no CPC é o aspecto da interação e da situação que define a
condição do ajuntamento, na medida em que “deve permanecer no espírito da ou no ethos da
situação” (GOFFMAN, 2010, p. 21)35. O que se pretende com o termo ajuntamento, ao invés
da categoria de “grupo”, é demonstrar que as propriedades básicas indicativas do
ajuntamento, quando aplicadas em referência aos indivíduos em via pública ou quando
instalados no CPC, dizem respeito à sua presença física imediata entre si, em interação face a
35
De modo geral, a categoria grupo social quando empregada como referência a um agrupamento de indivíduos
denota um sistema de relações sociais de base associativa; muito forte na inclinação para a coletividade como
relação de identidade cultural, agregação, tradição, discurso coordenado e contínuo; com uma carga significativa
maior de homogeneidade e de aspecto orgânico do que o termo ajuntamento.
92
face36 (algumas vezes representada por seu objeto, como a banca/box). Ainda, em sua
perspectiva de convivência com relações mais “frouxas” e na manutenção de uma distância
social relativamente mais estreita apenas entre os pares mais próximos. Na categoria “grupo”
o elemento qualificador, ao contrário, se apresenta como uma coesão mais sedimentada entre
os indivíduos. Por fim, o ajuntamento tem um qualificador específico quanto ao aspecto da
conduta, baseado na mútua visibilidade pela qual o indivíduo se “encaixa”37 ou não, em dado
momento situacional.
Ao afirmar que o ajuntamento está ligado à situação38, Goffman (1964) estabelece a
situação como variável social de efeito sistemático sobre a análise da conduta ou a ordem da
organização social. De um lado, serviria para qualificar a forma de agrupamento observada
empiricamente e os modos específicos de interação situada no ambiente ou a posição
assumida e o distanciamento frente ao conjunto dos permissionários e entre os pares mais
próximos. Por outro lado, tal posicionamento do indivíduo demonstraria sua perspectiva
relacional em assumir com seus pares a ativação de condutas de resistência às regras
reguladoras do CPC e o encaminhamento das respostas práticas às condições problemáticas e
limitadoras do ambiente. Na medida em que os estudos que buscam fazer uma análise
correlacional ou indicativa assumem os determinantes sociais como: gênero, parentesco,
escolaridade, idade, país de origem, entre outros e, esses atributos sociais são tidos como
importantes e determinantes à constituição de novos indicadores ou novas correlações, algo é
relegado. Isto é, a situação seria negligenciada na análise da ação.
Esta pista, apontada por Goffmam, considera que a situação apresenta indícios
imprescindíveis e pode dizer muito a respeito do que fica encoberto pelos determinantes
sociais rígidos, ao se observar as formas gestuais associadas à fala, aos gestos corporais, aos
embaraços, às pausas nos assuntos desconfortáveis, o envolvimento com as práticas e as
respostas dadas às determinadas condições dos ambientes, tomam como referência o lugar,
entretanto não são vistas como relevantes e acabam ficando de fora de uma análise
correlacional. Assim, Goffman estabelece um item fundamental da ação situada, elegendo o
36
“Utilizarei o termo “ajuntamento” para me referir a qualquer conjunto de dois ou mais indivíduos cujos
membros incluem todos e apenas aqueles que estão na presença imediata uns dos outros num dado momento”
[...] (GOFFMAN, 2010, p. 28) “ajuntamento são situações que ocorrem no momento, de momento a
momento [...]” (GOFFMAN, 2010, p. 262, grifo da tese).
37
“A noção de “encaixe” para Goffman está relacionada ao sentido comum de que: “o que é apropriado em uma
situação certamente pode não o ser em outra” (GOFFMAN, 2010, p. 22).
38
“Ajuntamentos são situações que ocorrem no momento, de momento a momento, e por isso a prova da ligação
de um indivíduo precisa ser imediata e contínua” (GOFFMAN, 2010, p. 262).
93
39
“[...] É preciso admitir que o aspecto meramente situado da atividade em uma ocasião pode muitas vezes ser
muito mais importante e substancial do que o aspecto situacional” (GOFFMAN, 2010, p. 262).
40
Para indicar a pausa na fala, ou um corte interrompendo a narrativa do entrevistado utiliza-se o gráfico de
colchete e o sinal de reticências [...].
94
incorporar tempo e espaço como aspectos articulados na estrutura da ação situada. A ação
situada no ambiente concreto indica a organização do passo a passo da ação nas condições
concretas de sua efetivação, destacando que artefatos e objetos estão entre os atores situados
e integrados tanto no próprio ambiente quanto na experiência (QUÉRÉ, 1997, p. 172, grifo
nosso).
No caminho que propõe, e pelo qual este trabalho segue as pistas, Quéré passa a
questionar as categorias explicativas tradicionais como classes sociais, estruturas, movimentos
sociais em favor de uma maior proximidade entre o ator e sua experiência. O que se forma a
partir desse quadro é uma posição do trabalho do investigador social mais estrito com um tipo
de clarificação da trama de sentido tecida na própria ação. A sociedade e o vínculo social
passam a ser abordados sob o ponto de vista dos processos cognitivos, de categorias
semânticas ou dos métodos de coordenação que os constitui (QUÉRÉ, 1997, 1999; CORRÊA,
2010). Portanto, nos termos de Louis Quéré, o social não é mais o que faz ou produz a ação,
mas é o seu resultado, são essas situações com as quais a sociedade fora de sua dimensão
funcional ou totalizante se faz e se refaz, torna-se visível para os atores e para a análise da
sociologia, sendo que os atores-agentes sociais são considerados por sua competência criativa
(como em JOAS, 1996) ou inteligente na resolução de problemas (como em DEWEY, 1938).
A noção de ator está conectada ao quadro interacionista de Garfinkel, ao processo de
organização endógena, produzida pelo próprio agente, em sua maneira de organizar a vida
concretamente. Ator de uma sociologia que nem é determinista por sua totalidade, nem é
utilitarista em sua ação, mas é capaz de “clarificar” seu desenvolvimento sob a hermenêutica e
a pragmática (QUÉRÉ, 1987, p. 100).
A análise de Quéré classifica o conceito de accountability de Garfinkel como um
ponto útil para análise de sua concepção interpretativa de situação. O modo sobre o qual os
atores dispõem daquilo que encontram, das circunstâncias com as quais se deparam e sob as
condições de avaliabilidade da situação prática que intervém na organização de suas
atividades comuns. Portanto, a noção de avaliabilidade é mediadora da ação social (QUÉRÉ,
1987, p. 101). Neste caso, a objetividade do mundo social existe enquanto produto das
atividades práticas dos seus membros, ou seja, os fatos sociais são “performativamente
objetivos”, o modelo de ator social não se reduz ao homem em sociedade como desprovido de
julgamento, ou aplica-se à explicação de seu comportamento a partir das normas, regras, das
crenças ou qualquer outro determinante exterior. O argumento sociológico empregado é que a
accountability, dar conta de determinada conduta prática, é a mediadora entre a ação social e a
ordem social (QUÉRÉ, 1987, p. 102; 1988, p. 77).
96
Por outro lado, o autor realiza a análise das interações comunicativas da vida corrente
como uma perspectiva geral de análise dos fenômenos sociais, na medida em que tenta
escapar da dimensão reificadora do social, tomando por base a autoconstrução da realidade
social das ações recíprocas e das relações entre as pessoas e, mais precisamente dos processos
de produção da inteligibilidade, do sentido e da ordem como a mediação de sua organização
endógena (QUÉRÉ, 1988, p. 87). Isto se evidencia na preocupação sociológica que o autor
denomina, ao se aproximar de Goffman, como “os comportamentos menores” de nossa
sociedade. Seu interesse pelos contatos, encontros e as relações sociais, o mais
minuciosamente possível, é o recorte pelo qual as pessoas em sociedade gerenciam e ordenam
suas situações sociais.
A proposta de Queré (1998) considera a força crítica da microssociologia, fazendo um
movimento da ordem das estruturas para a ordem das situações. Examinando a experiência
social não como um puro psicologismo, como um “veículo subjetivo”, mas como atividade
situada e que diz respeito a produção da ordem moral. De tal modo que vida social e vida
pública se combinam neste caminho da pesquisa, pois falar de ocupação é falar que a
atividade é situada socialmente e, enquanto tal, é pública pela situação de copresença. O que
para ele pode ser interpretado como os agentes sociais agindo não em função de sua
interioridade (motivações, intenções cálculos etc.), mas considerando a situação na qual
estão fisicamente presentes, isto é, o fato de que são observados, que podem se perceber
mutuamente e estão conscientes dessa perceptibilidade no ambiente. Em percepção mútua, no
jogo face a face, é levada em conta a experiência anterior, além de considerar quem são e em
qual posição os outros agentes mutuamente percebidos se encontram. Por outro lado, ao dar
conta de uma ação em particular mobiliza-se o vocabulário de motivos, a semântica na qual os
termos utilizados são identificados, ao tipo de atividade ao qual está filiada e à situação em
particular a qual ele descreve, ou seja, ativa a linguagem da experiência (QUÉRÉ, 1993).
Por fim, Quéré (1998) vai retomar a discussão goffmaniana, posta em The still,
neglected situation? (de 1964), sobre o problema de negligenciar a situação na análise dos
fenômenos sociais. Isto diz respeito ao problema cognitivo do agente em tomar dada decisão,
em ter uma conduta apropriada ao ambiente, em dar conta de algum modo da ação em curso,
ou seja, que as condições da organização social (ou da ocupação) e sua coordenação nunca
são inteiramente predeterminadas e sempre precisarão de ajustes localmente, in situ (QUÉRÉ,
1998, p. 240). Sua crítica se direciona contra a perspectiva na qual o agente segue um plano
enquanto age e que este plano seja a base para a sua capacidade de controlar a sua atividade
ou a situação. Sob essa ótica, este é um típico pensamento que pressupõe a análise e
97
modo mais geral, entre os camponeses e os camelôs em via pública, quando Scott (2002)
apresenta a problemática dessas populações que “aparecem nos registros da História não tanto
como atores históricos, mas como contribuidores mais ou menos anônimos para as estatísticas
sobre densidade populacional, impostos, migração da mão-de-obra” (SCOTT, 2002, p.11).
Tanto de um lado quanto de outro, ambos podem ser identificados como formações sociais
vistas a partir do anonimato, ou no caso específico do “camelô”, muitas vezes rotulado como
aquele que desenvolve uma economia invisível, desorganizada ou subterrânea. Num primeiro
momento é possível mesmo afirmar que a densidade de “camelôs” em uma determinada área
deve ser considerada, porém normalmente há uma dificuldade em identificá-los no cadastro
público responsável, ou mesmo quantificá-los adequadamente. Às vezes, vistos como força de
trabalho pronta para a exploração não apenas pelo setor industrial, mas por setores do
comércio de bens e serviços podendo ser canais de distribuição e de baixo custo de
investimento. De um lado, é fundamental analisar como no início do processo de transferência
o ajuntamento de “camelôs” passa a ser parte da “solução” para o projeto da ação
governamental. Contudo, no decorrer atuando como agente transformador cria formas
cotidianas de resistência ao tipo de modelo estatal, às situações de cobrança e fiscalização
interna e às normas aplicadas ao contexto do CPC. Para o autor, a diferença entre essa forma
de resistência e as formas históricas de trabalhadores fabris, que são performances mais
vinculadas, de modo geral, às greves gerais e aos protestos, está na forma de resistência
percebida em grupos menos articulados politicamente e com menor engajamento que diz
respeito a luta mais vital/cotidiana, que pode ser a única opção disponível para a
sobrevivência (SCOTT, p. 11-13). O quadro das formas cotidianas de resistência pode ser
descrito pelas ações mais comuns dos grupos relativamente sem poder, ou em relações
assimétricas de poder, como fazer “corpo mole”, dissimular, ter uma submissão falsa,
incêndios premeditados, uma ignorância fingida, usar a fofoca, a sabotagem, a negociação de
normas, entre outras estratégias dessa natureza. Tais formas de resistência, segundo Scott,
segurança proposta pelo projeto pode ter como efeito a insegurança na obtenção da renda e
nas estratégias de sobrevivência dos transferidos.
Um desafio que se enfrenta é tomar uma posição de estranhamento em meio a algo tão
conhecido, visível e incorporado na paisagem do centro de Manaus, com os quais este
pesquisador já havia estreitado alguma proximidade. Contudo, causava certo estranhamento
no início quando se deu conta, pela simples observação, do número de lojas gerenciadas por
chineses ou coreanos em Manaus. Como não havia visto antes, uma expansão difícil de negar,
mesmo sem os números oficiais. Praticamente em todas as ruas do centro e, não sendo
demais, nas próprias vias públicas. Lojas com mercadorias, layout específico, atendentes,
operadora de caixa, gerente, vendedor, enfim, as lojas na zona franca comercial com padrões
estéticos orientais (pouco falando o idioma português, dizendo os preços com certa
dificuldade, organização de exposição da mercadoria). Seria um elo da “economia China-
mundo”41? O que teria impulsionado para a cidade tal volume intenso de imigração e de
comércio (do tipo face a face, não apenas de mercadorias)? Seria um caso exemplar de
economia étnica, como “a ação de empreendedores oriundos de alguma minoria racial em
economias capitalistas maduras”, como indicado no livro sobre a mudança na cultura do povo
armênio na cidade de São Paulo (GRÜN, 1992) ou aos modos de uma experiência histórica da
imigração de comerciantes sírios e libaneses no Brasil (TRUZZI, 1997)? Não será possível
responder isto aqui, mas se pode inferir que o comércio internacional e as montadoras
chinesas e coreanas instaladas no parque industrial da Zona Franca exerçam um papel atrativo
importante para o fenômeno. Um camelô comentou sua hipótese: “as lojas chinesas lá em São
Paulo estavam saturadas e houve muita apreensão de mercadorias por lá, por isso vieram
tentar expandir aqui, né?” (A. S., 34 anos, Rua Henrique Martins, 2014, em conversa
informal).
Por outro lado, uma falta de familiaridade se impôs nesta pesquisa quando se tentou
dar conta do processo e dos lugares de transferência. Não soava nada familiar ver, ouvir e ler,
acompanhar as narrativas sobre toda a promessa de retirada, escolha do lugar, “parceria”,
acordos firmados (se não com todos, mas com a maioria42), bolsa de qualificação, cursos, num
41
Ver o artigo de CHENG, 2016.
42
Essa é uma lacuna, ausência, dúvida que ficou aberta, a qual não se teve acesso à fonte de registros e dados
confiáveis para responder – Do total de camelôs, do número oficial estimado pela prefeitura, qual o percentual
101
ou número absoluto que concordou e acompanhou o processo de transferência? Quantos de fato, foram
transferidos das ruas para o CPC?
102
semanais de modo que havia uma semana na qual as observações eram feitas pela manhã e a
aplicação do questionário/entrevista pela tarde, trocando na outra semana. Assim, alguns
permissionários que não eram encontrados pela manhã podiam ser encontrados à tarde.
Sobre a observação, decidiu-se realizá-la em dois momentos fundamentais para a
construção dos dados: um primeiro momento de modo contínuo e o outro em tempos
intercalados. O período de permanência contínua de observação, aplicação de questionário e
realização de entrevistas no CPC ocorreu entre a primeira semana de fevereiro de 2015 e a
primeira semana de maio de 2015, foi o momento mais intenso para encontrar informantes e
respondentes possíveis. O período de encontros intercalados foi um momento para
observações pontuais e confirmações de práticas, encerrado definitivamente em julho de
2016. Porém, era distinto do período de permanência, pois ocorria de modo intercalado entre
algumas semanas dentro e outras fora do CPC, com conversas mais informais e verificações.
No momento intercalado, a finalidade era verificar algum elemento ou informação
nova e mais específica, ou mesmo, a confirmação de uma determinada informação inicial,
como, por exemplo, a reforma para a instalação do elevador e das escadas rolantes em agosto
de 2015, que havia provocado algumas divergências entre os permissionários (como a
instalação em determinado espaço poderia favorecer alguns em detrimento de outros). Ou
ainda, dois importantes momentos que ocorreram anteriormente ao período de permanência.
Como a observação da assembleia para discussão e aprovação do Regimento Interno do CPC
(na primeira semana de novembro em 2014) e a aplicação de um roteiro-teste do
questionário/entrevista para um permissionário microempreendedor individual (na primeira
semana de dezembro em 2014). A reunião sobre o Regimento Interno foi decisiva para a
escolha do lugar, tendo em vista ter sido a primeira norma regulamentadora da ordem, das
ações, da gestão interna, regulando a conduta do permissionário, chancelada pelo executivo
municipal para o funcionamento de um CPC em Manaus. E, o roteiro teste possibilitou a
correção e a melhoria das questões propostas pelo questionário e pela entrevista.
Em relação ao roteiro do questionário, estava organizado com um número menor de
perguntas fechadas, de sondagem com variáveis fixas como idade, lugar de origem,
escolaridade, lugar de residência, último vínculo empregatício, acesso ao financiamento ou
empréstimo, filiação à organização coletiva, mudança na rotina de compras. Contudo, o
questionário estava combinado com um momento de entrevista com um roteiro de perguntas
abertas que solicitava uma narrativa a respeito de temas como o processo de transferência, a
escolha do lugar, a percepção sobre o novo ambiente e a experiência anterior na via pública e
sobre a trajetória de trabalho.
105
43
Aproximando da argumentação de Simmel sobre o efeito da ação recíproca: “mas, por outro lado, ela é o
resultado de uma operação, na medida em que ela procede a partir de um processo na forma de interações. A
ação recíproca que transforma sem cessar a forma na qual ela se produz, seja para suprimir tais relações, seja
para criar nova ou seja para revivificar outras” (SIMMEL apud QUÉRÉ, 1988, p. 80).
107
44
Mesmo que o contrato de permissão de uso do bem público seja precário, os permissionários sinalizam uma
percepção de diversos ganhos e garantias, como de segurança pessoal, de proteção dos objetos, das condições
melhores de trabalho e negócio, ainda, da possibilidade de transferir para um herdeiro.
45
A ocupação qualifica uma prática rotineira, uma identidade, uma trajetória, os modos de agência e interação e
a formação de um vocabulário de motivo. Na prática das ocupações vistas aqui, o indivíduo busca oportunidade
de renda fora do emprego assalariado, em atividade por conta própria para si mesmo ou para outra pessoa. No
caso desta pesquisa tem como qualificadora fundamental a localização em via pública ou nova localização a
partir da transferida empreendida por disputa/acordo com o poder público.
109
dificuldades para explicar, nos dias atuais, a variedade das novas formas de
dominação fabris e não fabris, a flexibilização como elemento central das relações
de trabalho e a subcontratação do tipo “precário”. Além dos argumentos que
conferem às “leis do mercado” o poder de regulação do emprego em oposição a leis
trabalhistas estabelecidas em outras épocas (RAMALHO, 2013, p. 90).
46
O termo “solução” é utilizado especificamente como modo qualificador de práticas da ação governamental,
cujo objetivo intencional é a retirada de “camelôs” e “ambulantes” de determinado lugar, principalmente da área
central ao longo da década de 2000. Por exemplo, da tentativa de construção do Shopping Popular S. Vicente,
próximo à Praça D. Pedro II, Centro, no governo de Serafim Corrêa (PSB/2005-2008).
47
“O Ministério Público Federal no Amazonas reafirma impedimento de implantação de shopping popular no
Porto de Manaus” (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2012).
112
48
A Câmara de Dirigentes Lojistas de Manaus, CDL-Manaus defende a revitalização do centro histórico de
Manaus com projetos que tragam a incorporação da melhor estética do seu entorno, objetivando o controle e
“organização legal” dos camelôs. Esta defesa tem relação direta com alguns problemas elencados pelos lojistas,
sobre cada vez mais seus clientes deixarem de frequentar o centro da cidade devido à falta de estacionamentos,
de segurança pública e, além disso, do comércio realizado por ambulantes que dificulta o tráfego de pedestres
nas ruas (OLIVEIRA, 2009). O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Amazonas
(FCDL-AM), Ralph Assayag, entrevistado por um jornal local em 2009, declarou que “a Prefeitura precisa fazer
um estudo de viabilidade para avaliar qual é o melhor local para instalar os camelôs, assim como foi feito em
Belo Horizonte e em Brasília”. Uma opinião institucional que não apenas neste momento, mas mesmo nas
décadas anteriores, demonstra que a CDL mantinha plena convicção da necessidade de transferência de camelôs
e ambulantes da via pública do centro e, foi uma das instituições apoiadoras da ação governamental em 2014.
(MESQUITA, 2009, p. E4).
49
Nos termos indicados por Steinberg como os “contendores articulam coletivamente sua moralidade de
demandas e remédios e sua visão ideológica ampla da igualdade e do direito de posse social [...]” (ALONSO,
2012, p. 33). Ver a discussão completa sobre o conceito de “repertório” feito por Angela Alonso (ALONSO,
2012).
50
No momento, utiliza-se essa sequência de termos com significado o mais abrangente possível, sem o devido
tratamento crítico necessário.
113
51
O argumento que sustenta a noção de “cidade criativa” ancora-se em uma agenda neoliberal que incentiva
estratégias de desenvolvimento urbano ao promover a “cultura” criativa e as “artes” como rota de crescimento
econômico, entendendo a “criatividade” como característica chave de centros urbanos bem-sucedidos e de um
tipo de classe empreendedora, a chamada “classe criativa”. Este tipo de cidade, por sua vez, cria e organiza uma
“classe criativa” produtora de novos bens culturais. Os micro/pequenos empreendimentos de alimentação, moda
e startups tecnológicas seriam exemplos de alvos-chave da promoção de políticas de financiamento e crédito,
além de maior flexibilidade legal para incentivar tais empreendedores. Contudo, uma das críticas a este
argumento é que o modelo de política, na prática costuma provocar efeitos de gentrificação e acentuar a
segregação espacial (MARTIN, 2014, p. 1.870).
52
“[...] ela repousa sobre uma organização regular, de diferentes elementos, que se integra em um todo de coisas
que pertencem ao agente e às coisas situadas no ambiente, um todo onde elas operam em conjunto em uma
‘operação ativa’. Portanto, não é psiquê ou mental” (QUÉRÉ, 2013, p. 6, tradução própria). Nesta perspectiva a
prática é ação plural, como operações de atos relacionados às experiências anteriores, aprendizagem, sentido e
técnica comportamental de rotinas do saber-fazer e, muito próxima das atividades em via pública, nas quais os
indivíduos incorporam o ambiente na sua rotina prática e mental, interagindo e manipulando seus objetos
cotidianos de negócio e trabalho. A resposta para a pergunta por que se engajar no projeto local do executivo?
Não deveria ser analisada tão somente pela atitude unilateral de uma prática singular do indivíduo, soma-se a
isto, sua interação com ambiente saturado pelo adensamento da atividade, as experiências vividas e
compartilhadas pelo conjunto com formas de violência e apreensão de mercadoria, a criação de expectativa de
um status melhor inerente ao discurso político de mudança, a ausência de alternativas diferentes, entre outras,
formas de interação prática e corrente em ação situada.
114
53
Uma reportagem toma a declaração do Prefeito Artur Neto (PSDB), quando este respondia a respeito da
construção do “Shopping T4”, o maior entre os três Centros de Compras Populares (CCP): “Hoje temos o Centro
com cara nova e tendo sua identidade histórica revigorada. Tudo isso graças à parceria que fizemos com os
camelôs e agora microempresários que entenderam o nosso projeto e, em pouco tempo, serão donos do maior
shopping popular da capital” (FALCÃO, 2016).
115
54
Artur Virgílio Neto (PSDB), anteriormente, havia sido senador pelo Amazonas. Concorreu e ganhou as
eleições em 2012 para o executivo municipal propondo como compromisso de campanha, preparar Manaus para
a atração de novos investimentos em diferentes setores econômicos e, ainda, estruturar a cidade para os grandes
eventos. Sua eleição em 1989 foi a primeira experiência na frente do executivo municipal. Nesta primeira
experiência tomou a decisão, em diferentes momentos, de tentar pôr em prática o “ordenamento” do centro da
cidade.
55
Esta foi uma dentre as muitas exigências a cumprir das condições impostas pelo contrato com a FIFA. Quando
o poder público começa a projetar a retirada dos mais de dois mil camelôs (em tese) que ocupam o Centro
Histórico da cidade. Tendo em vista que os locais de atrações turísticas deveriam ter livre acesso de calçadas e
demais vias públicas e desobstrução da visão. Seção 3. Oportunidades das Cidades-Sedes. Ponto 32.
Embelezamento da Cidade-Sede (OBSERVATÓRIO, 2014).
116
56
O Centro Popular de Compras (CPC) chamado “Shopping T4” é o maior em tamanho e no valor da obra final
entre os três empreendimentos erguidos pela prefeitura (os outros dois foram apenas reformas e adaptações na
planta original). Possui uma área construída em torno de trinta e dois mil metros quadrados, o terreno foi
resultado de desapropriação (março/2014). As obras iniciaram no segundo semestre de 2014 e sua inauguração
parcial ocorreu em 30 de junho de 2016. Possui mais de 730 lojas e, abrigará praça de alimentação,
supermercado, um Pronto Atendimento ao Cidadão (PAC), miniauditório, salas de treinamento, agência
bancária, banheiros, elevador, escadas, estacionamento (300 vagas), pista de caminhada, Estação de Tratamento
de Efluentes (ETE) e uma subestação de 1.500 quilowatts de potência. Aqueles que ainda esperam nos
“camelódromos provisórios” serão transferidos para o “Shopping T4” juntamente com os demais que aguardam
fora dos provisórios. O “Shopping T4” como os demais CPCs pretende desempenhar o papel de “virar a página”,
o papel de transição entre a velha experiência em via pública e a nova experiência no CPC, até mesmo um papel
de mudança geracional. Através da fala da “microempreendedora” no dia da inauguração do Shopping T4 parece
demonstrar, em entrevista para uma reportagem: “Vinda uma nova safra de ex-camelôs e novos
microempresários, a jovem Cássia Dia Santana Soares, 22, também comemorou o novo espaço para a sua loja
Mademoiselle Moda Feminina. “Desde pequena eu trabalhava na Praça da Matriz, desde os 7 anos, ajudando
minha mãe e avó. Hoje tenho a minha banca e, diante da crise, um empreendimento desse porte, para a gente que
pegava sol e chuva na praça, isso é muito importante”. Presentes ao evento de inauguração parcial estavam um
representante do CDL-Manaus, Sr. Manuel Joaquim; o representante dos permissionários do “Shopping T4” e
presidente da associação Avacin, Sr. Givanildo Maia e o presidente do sindicato Sincovam, Sr. José Assis
Pereira. Os dois representantes do coletivo de camelôs e ambulantes são também membros do Conselho Gestor
da Galeria Espírito Santo. A construção do Shopping T4 teve foi orçada em mais de R$ 30 milhões, via
contratação de empresa por licitação, sendo os serviços executados pela Secretaria Municipal de Infraestrutura
(Seminf). Alem disso, R$ 6 milhões vieram do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (FMDU), que
compõe a estrutura do Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb). (LEAL, 2016; PREFEITO, 2016;
MANAUS, 2014a, p.1).
57
Por mais curioso que isso possa parecer, o número oficial tomado como base para a ação da prefeitura se
aproxima muito do número definido e mencionado durante as discussões de 1990, para a retirada de camelôs do
centro (ver os relatos jornalísticos quando trato da situação temporal).
117
Era perder, né? O ponto mesmo [na rua]. Ou, depois ficar o dito pelo não dito,
porque como não viemos direto pra cá e fomos pro provisório. E, você sabe que
esses projetos fracassam na metade e ficam por isso mesmo. Até mesmo depois,
cada um iria procurar seu rumo, o que seria complicado pra muita gente. [...] Eu só
num [aceitei]... Porque disseram que iam tirar todos e não tiraram e isso aí foi um
ponto negativo. E, também, que eles falaram que a gente ia sair da rua somente
quando tivesse pronto, mas, também não foi porque nós saímos antes de ta pronto as
galerias. Saímos da rua e fomos para os provisórios que era aqueles estacionamentos
ali [Rua Epaminondas]. Então, isso foi um ponto negativo porque se cada um de nós
tivéssemos saído direto, cada um pro seu local definitivo teria sido melhor. [Q24].
Foi a prefeitura mesmo. Foi tudo de surpresa pra nós. Foi porque pegaram a gente,
assim, muito [...] sem a gente esperar. A nossa primeira etapa foi toda assim... Agora
não, tão avisando antes, por exemplo, tão falando pra se preparar. Quem está na rua
até hoje, tá se preparando pra sair [...] Nós não. Fomos os primeiros a sair da rua,
fomos os que mais sentimos. [Q30].
As bancas instaladas nas vias públicas da Praça da Matriz, Avenida Sete de Setembro,
Avenida Eduardo Ribeiro foram alvos dessa primeira performance, em fevereiro de 2014.
Nos meses seguintes, as bancas instaladas nas ruas Henrique Martins, Epaminondas e
Saldanha Marinho foram removidas também. As primeiras bancas foram transferidas e
alocadas em estacionamentos reformados e chamados de “camelódromo provisório”. Um
localizado na Rua Epaminondas/Lobo d’Almada e outro na Avenida Floriano Peixoto58. Os
“camelódromos provisórios” foram peças chaves para o processo de transferência, na medida
em que funcionaram/funcionam como uma espécie de “sala de espera” para a entrada nos
CPCs. Para o primeiro grupo de transferidos, a experiência no “provisório” revelou-se um
tanto traumática a ponto de rotularem o lugar de “curral”. O termo citado em algumas
conversas com os permissionários que lá estiveram, tenta expressar a situação de um
amontoado no “provisório” da Rua Epaminondas.
Com certeza! Porque eles fizeram a transferência por etapas. Tiraram da [av.]
Eduardo Ribeiro, eles tiraram “a espinha do peixe” [risos], aí depois tiraram as
entre ruas [av. Sete de Setembro, ruas Henrique Martins, 24 de Maio e Saldanha
Marinho]. Então, nesse momento que tiraram a Eduardo Ribeiro com a Sete de
Setembro e a Praça da Matriz, eles foram pros camelódromos provisórios, porque na
época [2014] você era obrigado a trabalhar no “camelódromo provisório”. Hoje não,
hoje, você opta em ficar no “camelódromo provisório” ou ficar em casa. [questiono
a opção "ficar em casa"] Eita, 8 de 10 ficam em casa, se você der uma olhada nos
camelódromos o mais cheio é aquele da [rua] Floriano [Peixoto] porque o pessoal
todinho vai pro T4 [“Shopping T4” na Zona Leste de Manaus], então ninguém saiu
58
Em outras ruas transversais e demais vias do centro histórico um pouco distante desse foco, a etapa de
transferência demorou mais. Os camelôs e ambulantes prosseguiram sua rotina de trabalho e negócio em via
pública (até o momento, agosto de 2016, permaneciam nas vias do centro à espera de liberação para ocuparem o
“Shopping T4”. De certo modo esta situação refletia no descontentamento, embaraço e negatividade para os
entrevistados do CPC Galeria Espírito Santo, para aqueles que haviam sido os primeiros a serem transferidos e
haviam estado no “camelódromo provisório”.
118
de lá. Mas se o Sr. ver os outros, tem dez bancas, praticamente vazio. Ficar em casa
é modo de dizer, assim [...], tu vai ficar trabalhando no camelódromo na tua banca
ou tu vai fazer outra coisa? Minhas irmãs, por exemplo, todas elas, minhas duas
irmãs, têm banca e elas estão empregadas esperando ir pro T4, que vai demorar
‘pacas’ [gíria que significa bastante].59 [insisto sobre as irmãs] [...] Elas nunca
quiseram se empregar, tinham a banca delas no início, mas depois [...] porque o
comércio tem aquele processo de altos e baixos, né? Nos altos, tava legal, mas
quando chegava [período] os baixos, elas não tinham jogo de cintura de
comerciante. Então, elas estavam cansadas daquela vida. Foi quando ocasionou isso
aqui” [Q8].
Quando nós saímos da [rua] Henrique Martins [entre a av. Eduardo Ribeiro e Rua
Barroso, um trecho de aproximadamente 100m], eram 48 bancas na Henrique
Martins, 24 bancas de um lado e 24 do outro. Só que das 48, 30 estavam
alugadas, então nós perdemos força. Ou seja, aluguel de [R$]500,00, de
[R$]600,00, de [R$]800,00. Aí o Artur [prefeito] chega a uma pessoa dessa e diz –
“vou dar [R$]1.000,00”. Aí o cara diz – “me dá que eu assino logo”. Então, eu e
mais os 18, o restante, que tavam trabalhando não tivemos força pra dizer [...] pra
lutar. [pergunto sobre a prática de aluguel] Praticamente eles [funcionários da
prefeitura] não chegavam investigando para fazer o cadastro de transferência, eles [o
locador e o locatário da banca] sabiam o dia que ia ter a fiscalização e ficavam lá
esperando e o fiscal não chegava a detalhar nada, “o Sr. é dessa banca? e ele quem
é?”. Não tinha uma investigação detalhada, não queriam [ter] trabalho. [Q8] (grifo
nosso).
tal pra sortear, o pessoal do Sindicato comunicava pra gente. Por exemplo, eles
falavam, vocês vão receber o box, mas vão ter que mobiliar. Eles só deram o box cru
mesmo, a gente que tinha que comprar as prateleiras e as coisas. [seu ponto de vista]
Porque o Artur enganou todo mundo, porque o prefeito enganou todo mundo, se fez
de cordeirinho, cordeirinho, te juro. Isso aí foi lá com o pessoal de cima e o outro
pessoal lá de cima, isso foi lá com o pessoal da prefeitura e o pessoal do sindicato,
tudo entre eles lá. Aí reuniram as pessoas e foram comunicando, “vamos tirar e
colocar em tal lugar, vai ter galeria e vocês vão pra lá, vão sair do meio da rua”. Ele
não saiu batendo em ninguém, como fez daquela vez batendo em camelô. Agora
não! Disse que todo mundo ia sair, ia pra outro lugar, ia vender bem, ia dar tudo
certo! [altera o tom de voz] Aí todo mundo se iludiu! Disse que deu certo não sei
aonde e ia dar certo aqui também! Eu ouvia o pessoal que participava da reunião
dizer isso, eu soube que ele falou isso. Lógico que ele falou isso!. Aquela conversa,
blá, blá, blá pra enganar todo mundo. Aí todo mundo entrou nessa. Olha, eu não
discordei não. Primeiro, porque pra gente é melhor. Olhando estruturalmente a gente
tá ótimo!” [Q10].
Chama a atenção quando a entrevista [Q8] atribui um sentido específico para a saída
praticamente pacífica e sem maiores contestações dos permissionários da via pública. Este se
dirige ao sentido próprio das formas de praticar o trabalho e negócio em via pública. O que,
neste acaso, passa pela perspectiva de que alguns permissionários veem sua atividade em via
pública não como uma atividade direcionada ao comércio ou à prestação de serviços
exclusivamente, mas como uma oportunidade de extração de renda na forma de aluguel do
ponto a terceiros não permissionários ou de negociação de venda da banca/ponto. Nota-se
nessa mesma entrevista percepção de uma duplicidade de agentes estratégicos
hierarquicamente posicionados (“o pessoal de cima e o outro pessoal de cima”), referindo-se
aos representantes da organização coletiva e aos agentes públicos e, ao mesmo tempo, às
reuniões fechadas para a tomada de decisão entre estes. Por outro lado, ao ressaltar o
comércio/negócio realizado “em segredo”, não desconsidera que em tese poderia representar
uma conduta desviante para o uso da permissão, que é pessoal e intransferível. Isto para o
entrevistado enfraqueceu a força de contestação e apresentou uma piora na negociação junto
ao executivo municipal.
Quando a Copa veio para Manaus, passou uma duas semanas e eles anunciaram que
a gente ia sair. Só que isso aí passou uns dois anos, quando ficou mais próximo da
Copa agente sabia que nós ia sair das ruas. Fomos pro provisório e depois viemos
pra cá. [...] Olha, na rua eu tava numa esquina bem localizada. Era na entrada
120
principal! [fala com ênfase]. Na rua não passava tamanha necessidade como aqui.
[sobre o temor] É, assim, dizer que a gente iria ganhar box e no final,né?Nada! [...]
Porque eles queriam limpar as ruas pra mostrar pros turistas que tava tudo bacana e
tal [...] e, o prefeito que não gosta de camelô, [risos] com certeza! [...] [a
transferência gerou conflito?] Olha, Sim. Porque quando nós saímos pra cá, da rua
pra cá, muitos camelôs das outras ruas não apoiaram a gente, entendeu, pra gente
permanecer na rua [...] porque a gente da Eduardo Ribeiro e da Sete de Setembro
fomos os primeiros a sair. É [...] no caso dos da Henrique Martins, não apoiaram
a gente porque eles achando que a gente saindo, ia melhorar pra eles. [...] Foi
assim [o conflito], a rua primeira a sair foi a Eduardo Ribeiro e Sete, ficou só a
Henrique Martins e as demais ruas, entendeu? Quer dizer, a [os permissionários da
rua] Henrique Martins ficou só, na rua vendendo, entendeu? [...] Por isso, eles não
apoiaram a gente! [ênfase na voz] porque eles acharam que não apoiando a
gente a não sair e querendo que a gente saísse, ficava bom pra eles! Ficar na
rua só [...] Mas, só que eles passaram um ano vendendo na rua e depois colocaram
eles aqui pra cima [no mezanino]. Só que da Henrique Martins a maioria vai fechar a
loja, já viu essa aí? [aponta para a porta fechada de um box]” [Q28].
seguro sim, em relação a roubo. Com certeza, aqui acabou. Na rua não, era terrível.
[...] Eu acho e eu concordo também com a revitalização do centro. Sinceramente,
tavahorrível, eu era camelô, mas era contra isso aí. Tava feio demais no centro da
cidade! [fala com veemência] [Q9].
fato da ação não resultar em algo concreto e, portanto, na dimensão de mera promessa e do
não cumprimento. Por outro lado, a entrevista [Q8] refere-se à debilidade de fiscalização e
com menor interesse em aprofundar questionamentos ou informações, ou ainda, na melhoria
nas ferramentas para tal atividade, sem contar com as táticas de burla que parecem minar a
rigidez do sistema. Tal observação do entrevistado tem fundamento prático, na medida em
que se evidencia um tipo de fiscalização pós-transferência (quando esta já ocorreu), que não
tem ferramentas concretas para impedir o retorno ou a coibição de práticas ainda observáveis
e comuns de ocupação da via pública.
De outro modo, quando a entrevista [Q9] expressa uma ideia de “concorrência
desleal”, tomando como referência o restante de permissionários que permaneceram nas vias
públicas aguardando a saída definitiva, um quantitativo considerável entre 150 e 200
permissionários, comparando as situações diferenciadas entre os próprios pares
permissionários, uns do lado de dentro do CPC e outros que permanecem do lado fora. O
entrevistado atribui ao processo o sentido de não encerramento, levando em conta que saiu da
via pública e perdeu o volume de vendas, fato este que se liga ao incômodo gerado pela
situação de seus pares que ainda permanecerem lá fora. E, sobretudo na sua interpretação, por
continuarem atraindo consumidores que ainda referenciam a localização dos camelôs em via
pública, aqueles que estão no fluxo, aproveitando os consumidores de ocasião, os
“transeuntes-consumidores”.
Curiosamente, o sentido atribuído de negatividade e discordância diante da sua
situação e dos outros pares, toma a direção da ambiguidade quando se dá alguns passos para
trás e se sai do plano de close-up no CPC (e do entrevistado), ampliando a perspectiva para
ampliar cenários e atores, maiores e distintos. A mesma fala desse entrevistado, em relação a
quem está “do lado de fora”, não transferido, pode ser encontrada como um reflexo ambíguo,
no discurso dos lojistas da CDL em relação àqueles que estão na via pública sem pagar
“nada” de imposto. Rotulando, de igual modo, tal situação como “concorrência desleal”.
Deixando de lado a assimetria comparativa do lugar donde se fala, das circunstâncias sob as
quais se fala e de quem fala, isto que foi expresso como “o sentimento de concorrência
desleal” sobressai apesar dos contextos e qualificadores sociais diferenciados. O sentido
atribuído pelos lojistas do CDL Manaus e o sentido atribuído pelo entrevistado no CPC se
apresenta com uma carga inequívoca de negatividade, desequilíbrio de poder e
estigmatização60. O comportamento do outro, a condição contínua de uma ordem produtora de
60
Recorre-se à fala de trabalho anterior: “Um associado do CDL-Manaus afirma que “certa vez, uma cliente fiel
havia comprado quatro CDs no camelô e apenas um na loja, porque não havia achado o que queria no mercado
123
atos desleais, de diversas ações coordenadas que implica “prejuízo” pessoal como efeito
direto das ações e falas dos outros (WRIGHT MILLS, 1940).
Um cenário de convivência ambígua, de difícil definição, mas que somente o
detalhamento e interpretação das práticas concretas, interações cotidianas entre os pares, da
manipulação dos objetos e da interação com o ambiente podem construir a melhor
compreensão da ação situada no CPC. Pelo próprio sentido atribuído ao processo, na
expressão das entrevistadas [Q10] e [Q23], “Isso aí foi lá com o pessoal de cima e o outro
pessoal lá de cima, isso foi lá com o pessoal da prefeitura e o pessoal do sindicato, tudo entre
eles lá” e “Agora aqui, é um processo [...] porque lá, foi quase a minha vida toda [...] é bem
diferente daqui que a gente num tem nem um ano aqui”, respectivamente; E, do sentido das
rotulações jurídicas e da transferência em [Q9] – “Mas agora nós não temos mais
representante agora aqui, porque não somos mais camelôs, né?”. O que levaria à
pressuposição de que alguns permissionários tendem a encarar que, certa identidade, terá de
ser construída no ambiente, por outros caminhos e ações e assumindo diferentes papéis
estabelecidos pelas relações com o CPC.
O conflito representado pelas declarações não teve efeito prático nem força para conter
ou mudar a dinâmica da ação governamental. Entretanto, evidencia-se pelos vários
desdobramentos práticos e expressões de descontentamento entre os transferidos, como na
falta de uma representação coletiva mais propositiva, na ação parcial das transferências e no
seu caráter de incompletude, na fiscalização frágil sobre os insistentes “invasores” ocupantes
da via pública e nas cerimônias de adaptação ao novo ambiente.
A experiência do indivíduo no CPC aparentemente tenta organizar uma ordem social
de ruptura, diferente e descontínua da experiência socialmente construída em via pública.
Contudo, na prática cotidiana, há tendência de continuidade (como estar ainda num espaço
público), apresentam dimensões relacionais específicas (relações estreitas e pontuais com os
pares mais próximos) e tendem à relações conflituosas (com os representantes de coletividade,
com a adaptação ao ambiente e na forma de lidar com o baixo fluxo de consumidores). Isto é
expresso pelas narrativas envolvendo as comparações entre o antes (lá fora em via pública) e
o depois (instalados no CPC) e pelas ações práticas combinadas na intenção de resolver os
problemas que se apresentam no lugar. Isto é, reajustando e remodelando o ambiente e sua
ambulante”. “Além da deslealdade, esta concorrência coloca a saúde das empresas em extremo risco” (grifo
nosso). A fala do presidente (na gestão anterior de 2005) da CDL-Manaus, Sr. Ralph Assayag, expressa que o
posicionamento da instituição não é “combater” nem “expulsar” os camelôs e ambulantes da área central.
Entretanto, os representantes do setor de comércio formal exigem a reorganização do centro da cidade na
intenção de formar um mercado justo e digno para todos (grifo nosso). Segundo ele, o “centro comercial sem
camelô não é centro” (OLIVEIRA, 2009, p. 59).
124
Foto 2 – “Camelódromo Provisório da Epaminondas” entrada pela Avenida Epaminondas (vista do interior para
rua).
Foto 3 – Interior do “Camelódromo Provisório da Epaminondas” (saída para a Rua Lobo d’Almada).
Ao longo do ano 2014 e nos seguintes, 2015 e 2016, as sucessivas etapas não lograram
êxito na ação de transferência de todos os permissionários. Resultando, assim, na permanência
prolongada de um número significativo de camelôs nas vias públicas até o final de julho de
2016 quando se encerrou esta observação de campo. Uma situação classificada pelos
entrevistados como vantajosa para aqueles que estendiam por mais tempo na via pública a sua
ocupação. De um lado, quem permanecera, acabava observando as condições pelas quais
passavam os primeiros transferidos nos CPC. Por outro lado, continuaram vendendo
livremente e se planejando para a próxima etapa e, além disso, não passaram pelos
provisórios, os quais já se encontravam lotados. Os permissionários/camelôs que
permaneceram por mais tempo nas ruas Marechal Deodoro, Guilherme Moreira, Marcílio
Dias, Dr. Moreira, Theodoreto Souto e Quintino Bocaíuva (ver Figura 6) tiveram tempo e
oportunidade privilegiados para avaliarem e decidirem como fazer quando a transferência
finalmente ocorresse para essa área.
No mapa a seguir são apresentadas as vias públicas afetadas pela etapa inaugural de
transferência, que foi realizada com um grupo entre 600 a 650 permissionários/camelôs e
ocorreu sob grande performance do executivo municipal. Adiada algumas vezes a pedido dos
próprios, por fim, a ação foi realizada no final de semana entre os dias 21 (sexta), 22 (sábado)
e 23 (domingo) de fevereiro de 2014. No domingo, embora tivesse chovido pela manhã, não
impediu o prosseguimento das ações, acompanhadas pelo próprio prefeito e demais
observadores.
127
Figura 1 - Mapa das vias públicas afetadas pela primeira performance em fevereiro de 2014 e local originário
dos permissionários entrevistados no CPC Galeria Espírito Santo.
A rua é show de bola61 em relação aqui, na época eu via a rua como um meio de
trabalho, mas é tipo assim, como todo mundo aqui já comentou: “a gente era feliz e
não sabia” [ele sorri]. Ou seja, alguns reclamavam da rua, mas quando vieram pra cá
viram que a rua era bem melhor que aqui. Aqui, quer ver um exemplo,
matematicamente falando, lá na rua eu vendia trinta bolsas, aqui eu vendo duas ou
uma, quando vendo cinco é show de bola, campeão dos campeões de venda, por
semana. Hoje não vendi nada, ontem vendi uma [bolsa] e era esse horário [por volta
de 15:30h]. E não é só eu, não, ontem esse pessoal de baixo [primeiro piso] tavatudo
reunido revoltado porque não tinham vendido nada, fazia dois dias que não vendiam
nada. Eu fui na Secretaria [Semch] ontem resolver um negócio lá, porque quero sair
daqui, aí o cara de lá perguntou: “Por que o senhor quer sair de lá? Tá tão ruim
assim?” Respondi: meu patrão se fosse ruim não taria aqui conversando com o
senhor porque de ruim posso trabalhar pra chegar a bom. O ruim quer dizer que tem
pouco movimento. Eu não tô vendendo o que eu esperava vender. Ele [o secretário
Glauco Louzeiro] retrucou: “Mas tá tão ruim assim?” eu disse: “Tem nem descrição,
não passa ninguém, tá um deserto só” [Q8].
Da comparação entre a rua e o CPC expressa pela narrativa [Q8], o entrevistado toma
sua experiência focalizando de um lado os ganhos e do outro o conflito inerentes a estes
distintos ambientes, marcado pela consideração de qual condição específica poderia ser pior,
61
A expressão “show de bola” é uma gíria cujo significado equivale a algo muito bom.
129
Era o sistema de adaptação, né? A adaptação do local é sempre muito difícil. Você
perde muito cliente, você vai ganhar outros. Apesar de eu ter muitos, glória a Deus,
que eu fiz quando tavalá [na via pública], mas muita gente perde o teu cartão e fica
sem saber onde você tá. Aí você vai adquirindo devagar, de novo. É um novo
percurso, um novo começo, adquirir clientes aqui e o que já tinha. Mas, é difícil a
adaptação, foi mais difícil ainda porque fomos pra dois lugares, [para o provisório
primeiro e depois definitivo para o CPC][Q18].
Era pra sair por causa da melhoria pra cidade. Por causa das pessoas que vinham de
fora, os turista. Pra cidade ficar mais bonita, porque a cidade era suja. E sempre
chamava a gente pela atenção do lixo. Até no dia que nós saímos da rua, o prefeito
pegou a vassoura e foi varrer. Aquilo nós achamos um absurdo! Porque naquilo ele
chamou nós de lixo! Você pegar a vassoura e sair varrendo? Então, você tá tratando
uma coisa que não presta! Você se sente um lixo! Um cidadão, que fala de
democracia e que conhece a lei, não era pra ter feito isso, né? Achei muito ruim pra
nós, humilhante! [Q30].
A melhoria, né? Tanto pros ocupantes das calçadas quanto pro lado histórico da
cidade. Eu concordo que tava uma bagunça que precisaria ter, o que aconteceu com
a mudança, da organização da categoria, nós tamo procurando também, como outras
categorias tão legalizadas, que a gente se legalização também. Eu concordo que a
maneira foi rápida pra tentar restaurar as ruas, o lado histórico da cidade e ter uma
visão melhor da nossa cidade, eu concordo que tenha sido resolvido de maneira mais
rápida [Q2].
Cara, na verdade, toda vez se tentou tirar o camelô, toda vida, né? O Artur por duas
vezes conseguiu. Na “porradaria” e agora essa na “categoria”, né? Cara, eu acho que
o camelô não tava preparado para sair da rua agora não, olha. Porque foi uma coisa
assim, em cima da hora aí. Sei lá, cara... Ainda não tava não! Cara, acho que a
melhoria da cidade que tava meio bagunçada foi fundamental pra isso [a
transferência] [Q27].
No caso, eu achei bom essa retirada porque as calçadas já tava poluída de camelôs.
Você já não poderia andar mais à vontade, ou seja, você já andava sobressaltada,
porque através das bancas os cinco dedos se escondiam. Eram os ladrãozinho que
ficavam detrás das bancas e a gente ia comprar e os ladrões tavam ali por perto, a
gente já ficava sobressaltada. E, tando aqui dentro, não! Aqui dentro já não aparece.
Tem um segurança numa porta, tem um segurança na outra. A Copa fez isso aí,
também, sabia? Sabe por quê? Porque se ela não chegasse até a nós aqui no Brasil,
ainda tavalá os camelôs. Aí o prefeito o que ele fez? Ele raciocinou e viu que a rua,
Manaus toda, tava poluída pelos camelôs. [...] E ele fez uma solução boa [Q29].
das perdas e o enfrentamento de uma nova experiência fora da via pública. Aqui, a
problemática da transferência se apresenta pelo aspecto do risco da localização da ausência de
referência e identidade ao novo mercado, isto é, “onde estão localizados agora os antigos
camelôs da área central e como os consumidores vão até eles?” (preocupação apontada por
um permissionário/microempreendedor, em conversa informal no CPC). Uma mudança não
apenas localizacional, mas que pode ser considerada a partir da rotina de trabalho e de
negócio, uma preocupação legítima da condição concreta e inerente do tipo de dinâmica
cotidiana em via pública.
“Vamos trabalhar em um local onde as vendas vão cair. É necessário que os novos
locais sejam divulgados na mídia pela prefeitura”, afirmou. [Timóteo Vasconcelos,
de 45 anos, trabalha como camelô há 20 anos, na Avenida Eduardo Ribeiro] (MAIS,
2014).
“Na época de volta às aulas, a minha demanda é muito alta”, conta. Ele faturava
cerca de R$ 5 mil por mês e pagava dois funcionários que o ajudavam a cuidar da
banca. “Ninguém vai atrás da gente nos novos locais. Vai prejudicar muita gente,
mas espero que o prefeito cumpra com a promessa” completa (nosso grifo). [Getúlio
Alves, de 43 anos, banca entre a Sete de Setembro e a Eduardo Ribeiro] (MAIS,
2014).
“Vamos começar do zero, pois as pessoas não estão acostumadas ainda às galerias.
Mas espero que haja um estímulo para que as compras sejam feitas. É uma mudança
necessária”, disse. [Delson Pereira, de 50 anos, que trabalha há 10 anos, Praça da
Matriz] (CAMELÔS, 2014).
Foto 7 - Camelô acompanha a retirada das bancas até os caminhões-baú, que depois seguirão para os
“camelódromos provisórios”
Foto 09 - Calçada da Avenida Eduardo Ribeiro semana antes da etapa inicial de transferência, em frente àLojas
Marisa.
Foto 12 - Após o transporte dos objetos, o prefeito Artur Neto pessoalmente comandou a performance de
limpeza na Avenida Eduardo Ribeiro no domingo chuvoso.
Para montar a ação performática original houve a articulação entre várias secretarias
municipais como a Secretária de Limpeza Pública (Semulsp), agentes do Instituto Municipal
de Engenharia e Fiscalização do Trânsito (Manaustrans), a Secretaria de Mercados, Produção
e Abastecimento (Sempab), a Secretaria de Infraestrutura (Seminf) e a recém-estruturada com
uma função específica e fundamental no processo de transferência, a Secretaria Municipal do
Centro (Semc) cujos servidores foram todos convocados (MANAUS, 2013c, p. 11). Os
servidores da Secretaria Municipal de Meio Ambiente no mesmo compasso realizaram poda e
manejo de árvores durante a performance. Logo após esse trabalho, a Praça da Matriz
começou a receber os tapumes de isolamento para o início das obras de requalificação
organizada e gerida pelo Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb), que ainda
perduram no mês de agosto de 2016. A avaliação das obras de reparo e requalificação das
calçadas da Avenida Eduardo Ribeiro seguiu durante aquela semana com os servidores da
Secretaria Municipal de Infraestrutura (logo na segunda-feira, dia 24 de fevereiro de 2014)62.
As reportagens que presenciaram a performance destacaram que, quando as primeiras
bancas foram retiradas, as equipes da Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp)
deram início às ações de limpeza na Avenida Eduardo Ribeiro com a participação do prefeito
Arthur Neto (foto 12), ora jogando água, ora esfregando o chão. O gesto foi repetido por
secretários e vereadores seguindo a declaração do prefeito: “Temos que dar o exemplo. Se
quisermos uma cidade diferente, cada um tem que fazer a sua parte. E nós estamos fazendo a
nossa”63.
Na composição do cenário, um grupo de vereadores esteve presente durante a etapa
inaugural da transferência observando e avaliando a ação que não só ajudaram a pôr em curso,
bem como imprimiu sobre o trabalho e negócio em via pública uma mudança significativa
para camelôs e ambulantes64. Considerando a coordenação das ações entre legislativo e
62
Dois anos depois, observou-se em julho de 2016, 1º dia, no final da manhã, o prefeito e uma pequena comitiva
formada por políticos, secretários, servidores, representantes do coletivo de camelôs, partidários, uma plateia de
observadores ocasionais, trabalhadores das lojas, a inauguração do penúltimo trecho “revitalizado” da Avenida
Eduardo Ribeiro (a quadra entre a Rua Saldanha Marinho e Avenida Sete de Setembro). Na semana seguinte,
foram colocados os tapumes no último trecho da avenida, no segmento paralelo à Praça da Matriz, para dar
continuidade às reformas. Com o piso em pedras no lugar da cobertura de asfalto, trechos com exposição de
antigos trilhos do bonde, calçamento e meio-fio em pedras que relembram o início do século XX, bancos de
ferro presos ao calçamento, são agora parte do compõem um cenário que tenta reviver uma antiga “av. Eduardo
Ribeiro” à moda da Bélle Epoque amazônica. Mas, a figura do vendedor de pirulitos, do lambe-lambe, do
pipoqueiro não seriam formas e práticas de trabalho e negócio em via pública daquele cenário antigo?
63
(MAIS, 2014; RETIRADA, 2014; SEM, 2014).
64
“Entre os 41 vereadores, estiveram no Centro na manhã de domingo os parlamentares Sildomar Abtibol
(PROS) Júnior Ribeiro (PTN), Luís Neto (PSDC), Jornada (PDT), Joãozinho Miranda (PTN), Felipe Souza
(PTN), Wilker Barreto (PHS), Mitoso (PSD), Amauri Colares (PROS), Professor Samuel (PPS), Mário Frota
(PSDB), Marcelo Serafim (PSB), Carijó (PDT), Gilmar Nascimento (PDT), Reizo Castelo Branco (PTB),
Walfran Torres (PTC) e Alonso Oliveira (PTC) e Therezinha Ruiz (DEM)” (VEREADORES, 2014).
136
executivo municipal pode-se inferir que, posteriormente, o primeiro manteve o seu papel de
observador do cenário dos desdobramentos que ocorreram no futuro. Contudo, na origem do
processo desta performance de abertura, as declarações na tribuna da Câmara Municipal em
torno do tema mostraram o ótimo desempenho das alianças partidárias em favor das
demandas do executivo e o grau de esforço para acelerar a pauta de mudança, de ajustes legais
e de apoio na propositura de leis para dar legitimidade e efetividade ao processo.
A seguir, para demonstrar a coordenação entre os poderes em torno da ação
governamental de transferência, apresentam-se recortes do pronunciamento de alguns
vereadores no informativo da Câmara Municipal de Manaus (CMM) acerca dos fatos
ocorridos nos dias 21, 22 e 23 de fevereiro em 2014 e as performances que se desdobraram.
Neste sentido, pretende-se evidenciar como a ação governamental do executivo esteve em
estreita coordenação com o poder legislativo, como parte integrante e relacional da construção
do processo, sendo fundamental para compreender o desempenho e o cenário daqueles
eventos e de outros que se seguiriam. Ou seja, a relação amistosa e solidária entre as
diferentes esferas do poder se apresenta não apenas pela ação pontual, porém se desdobra
pelas estreitas ações coordenadas quanto aos valores expressos, às concepções políticas
defendidas e ao compartilhamento no modo de interpretar e de agir sobre os agentes
estratégicos alvos dessa ação situada. Construindo formas de interação que direcionaram os
efeitos da performance, dos interesses políticos e no caráter de legitimidade do processo.
Intencionalmente ganha força o apelo a respeito do valor cultural, simbólico e patrimonial do
lugar, o “centro histórico”, associado à questão da legitimidade do tombamento do patrimônio
histórico. Portanto, coordenando as relações de poder e fortalecendo o consenso entre os
agentes políticos considerados estratégicos na mediação entre aqueles que executaram o
processo de transferência e os que foram os atores alvos do processo.
O vereador Luiz Alberto Carijó (PDT) destacou a ação exitosa do prefeito Arthur
Neto (PSDB), que contou com o testemunho dos vereadores, acompanhando a ação
no Centro. “As calçadas do Centro estão de volta, o Centro está de volta e o Centro
está livre de bancas de camelôs”, disse o vereador, ao destacar as manchetes dos
jornais desta segunda-feira (24), sobre um tema que é considerado por ele
137
As declarações anteriores indicam que, entre outras, se não houve o caráter físico da
violência, do confronto armado ou da apreensão de bens como de fato havia ocorrido em
1989, então, tudo ocorreu bem e em concordância para todos. Além disso, o Presidente da
Câmara Municipal, afirma a participação ímpar do legislativo na reforma do fundo municipal
que financiou a implantação do processo de transferência e de “revitalização” da paisagem
urbana. A expressão o “centro está de volta” é marcada como emblemática e tem referência
com outros projetos semelhantes aplicados em outras cidades brasileiras. O que para o
vereador é uma coordenação natural e espontânea entre os poderes, em concordância com o
Projeto Viva Centro – Galerias Populares.
Marcelo Serafim (PSB), por sua vez, explicou que a Lei para Projeto de Lei do
Executivo que dispõe sobre o apoio financeiro concedido pelo Fundo Municipal de
Fomento à Micro e Pequena Empresa (Fumipeq), à implantação dos Centros de
Comércio Popular (CPC) havia sido aprovada na semana passada (19/02). “Hoje a
Prefeitura tem R$ 50 milhões no fundo para atender essa demanda”, garantiu”
(TRANSFERÊNCIA, 2014, grifos nossos).
O prefeito de Manaus, Arthur Neto, se reuniu, nessa quarta-feira (12), com cerca de
500 camelôs. Durante o evento foi feita a apresentação do projeto, no auditório da
Prefeitura, na Compensa, zona Oeste. “Temos pressa neste processo porque estamos
falando da possibilidade de oferecer o Centro Histórico para os turistas que virão
assistir aos jogos da Copa. O que queremos é oferecer a solução para os camelôs e
para a cidade, que terá suas calçadas desocupadas e o Centro revigorado”, destacou
o prefeito (MAIS, 2014) [reunião aberta para performance, discursiva e visual.
Diferente das reuniões fechadas com os representantes coletivos].
De fato, é possível compreender que a ideia contida nas expressões como “marco
histórico”, “ganho geral” e “acontecimento emblemático” não exterioriza apenas a opinião
isolada do edil, bem como a intenção de ampliar e envolver o sentido da dimensão coletiva e
simbólica para as relações particulares e pontuais que a própria implementação da ação
governamental apresenta. Ao categorizar como “sujeira”, “desordem” e de atividade
socialmente “inferior” e “marginal” relacionada ao trabalho e ao negócio na via pública indica
a intenção de particularizar e pontuar os limites de ação do ajuntamento e o seu
comportamento desviante num lugar bem específico: “as vias públicas do centro”. De outro
modo, a ação governamental procura dissociar do próprio ajuntamento as condições concretas
nas quais organizam socialmente sua experiência com a cidade. Isto é, sua experiência com o
crescimento urbano sem formulação de política habitacional, com sua precária rede de
serviços públicos e com os baixos índices de desenvolvimento humano e a alta taxa de
concentração de renda (REGIÃO, 2015; PUFF, 2014).
A ação do legislativo revelou-se fundamental para reorientar o alcance e a aplicação
do Fumipeq, um fundo público direcionado ao apoio a pequenas empresas. Um mecanismo
financeiro primordial para fornecer legalidade, legitimidade e sustentação para os
investimentos na construção dos CPCs, pagamento de bolsa-formação, entrega de cesta
básica, desapropriações, enfim, na manutenção de praticamente todas as etapas de
transferência do trabalho e do negócio em via pública. Sua função, também, pode ser
relacionada como um instrumento de garantia de certo controle da tensão, que poderia ocorrer
quando a implementação das ações se efetivassem.
Por outro lado, a construção do processo de transferência manteve relações que
ultrapassaram os limites locais, por meio de objetos mediadores como o contrato entre
139
O terceiro orador, vereador Elias Emanuel (PSB), falou sobre o desejo dos
camelôs de saírem das ruas de Manaus por conta das inúmeras dificuldades para
realizar suas atividades comerciais, destacando as iniciativas da Prefeitura de
Manaus com aquele propósito, em especial para recuperar o Centro histórico. O
65
Chamadas informalmente de “zonas de exclusão” ou contratualmente de “áreas de restrição comercial”,
relaciona-se à ação de muitas prefeituras de cidades-sede do Brasil e em outras cidades-sede pelo mundo onde
tenha ocorrido Copa da FIFA, a transferir e reordenar o negócio e o trabalho de “camelôs” para outros lugares
mais restritos e controlados, com a intenção de proteger os negócios da organização internacional (DIP, 2012;
OUTRA COPA, 2011).
140
orador enumerou os serviços que seriam oferecidos nas galerias para onde os
camelôs seriam transferidos. Enfatizou, ainda, que a revitalização do Centro
contribuiria para a melhoria da qualidade de vida da população que residia em
Manaus (CÂMARA, 2014a, grifos nossos).
O primeiro orador, vereador Wilker Barreto (PHS), falou sobre as mudanças que
estavam sendo realizadas no Centro da cidade, visando à reorganização do local.
Salientou que algumas pessoas estavam distorcendo o sentido das ações realizadas
com aquele propósito e criticou a veiculação de matérias, em nível nacional,
mostrando apenas os pontos negativos da cidade de Manaus. Prosseguindo, falou
sobre os aspectos que atraíam os consumidores, exemplificando-os com o que
ocorria no comércio popular do Brás paulista. Falou, ainda, sobre as estratégias
utilizadas no comércio informal de Manaus que impediam a reorganização do setor,
salientando a existência de um esquema que possibilitava a um único indivíduo
ser proprietário de várias bancas de comércio popular, além de favorecer a
pirataria e o contrabando. O orador destacou os aspectos positivos que o projeto
de reorganização do Centro proporcionaria aos vendedores ambulantes e à
população da cidade de Manaus. Cobrou, ainda, a liberação dos recursos federais
para a recuperação do Centro histórico e falou sobre as ações da Prefeitura de
Manaus para promover tal recuperação (CÂMARA, 2014b, grifos nossos).
O terceiro orador, vereador Mário Frota (PSDB), refletiu que nem mesmo a
chuva, que assolou anteriormente a cidade, afugentou as pessoas que acompanharam
o procedimento de retirada dos camelôs das calçadas do centro de Manaus,
numa atitude que agradou aos camelôs, lojistas, prefeitura, Câmara Municipal e
à população de modo geral. Concluindo, o orador lembrou que os prefeitos que
antecederam a Arthur Neto não conseguiram tirar os camelôs das ruas (CÂMARA,
2014c, grifos nossos).
142
Porque [...] olha, ano passado precisaram do local por causa da Copa do Mundo, nós
estamos no ano de 2015. São três [...] tão construindo três minishoppings populares,
este Espírito Santo, o dos Remédios e o Shopping T4 que estão construindo. Então,
isso é fundamental pros outros colegas que estão saindo das calçadas agora, vão
desocupar agora dia 28, vão desocupar a [rua] Marques de Santa Cruz e vão ser
alocados nos provisórios até a entrega do Shopping T4. Então isso é fundamental,
porque o que está acontecendo? Estamos vindo pros definitivos e as calçadas estão
sendo realmente ocupadas por outros invasores. Nós tamos ficando aqui sem
renda por causa dos invasores [que] estão ocupando as calçadas. Foi uma promessa
feita pra nós, logo que nós saíssemos das calçadas a prefeitura colocaria fiscalização,
e não tá acontecendo [a] fiscalização. As pessoas tão deixando de vir pra Galeria por
causa disso, porque tão ocupando os espaços que nós deixamos [Q21].
Na época não tava por aqui. Mas, depois eu ouvi comentários que iam tirar os
camelôs da rua e iam fazer tipo um minishopping pra eles, que, de pouquinho em
pouquinho, eles iam sair e saiu mesmo. [...] Aconteceu ano passado, né? Ano
passado era época da Copa [mundial de futebol da FIFA 2014]. Com certeza foi pra
isso [...]” [Q25].
Foi o apoio que ele deu [prefeito Artur Neto], o projeto [dos CPCs], mostrando
assim algo concreto, entendeu? Quando fizeram a reunião mostraram a galeria, aí
deram o apoio, deram o benefício de R$ 1.000,00, acho que isso foi fundamental
para as pessoas aceitarem e sair. Todos os outros queriam fazer isso, mas não
144
sabiam como começar, não sabiam como fazer, não tinha local. Ele só deu inicio na
retirada quando já tinha o local das galerias. Quando já tava pago, já tava comprado.
Tudo isso eles mostraram nas reuniões que teve, eu acho isso, mas que o pessoal
confiaram mais nessa possibilidade. Que já tinha algo concreto. Porque antes as
pessoas só falavam que iam retirar, mas não mostravam nenhum projeto, não
mostravam nenhum local e ninguém aceitava. [como a justificativa...] Por causa da
Copa [FIFA 2014], porque as ruas, os patrimônios históricos teriam que estar
visíveis pelo fato dos turistas [Q24].
Rapaz, a justificativa foi que tavam precisando do local. Queriam adequar o local,
queriam limpar, deixar as ruas, as vias públicas, as calçadas à disposição dos
pedestres. Foi o que falaram. Mas, falaram que iam tirar todos, e aí só tiraram nós.
Quer dizer que as outras calçadas...[feição negativa] “Sem dúvida! Poxa, a maioria
não queria sair. E o que foi dito pelo prefeito [Artur Neto] não foi cumprido. Porque
ele falou que todos sairiam, mas ele tirou 30% e deixou 70%. Mas, ele foi na
televisão e disse que tirou todos. E, lá pro Brasil, lá pra fora, lá em São Paulo... ‘de
Olivença’66, ele aparece e o cara pensa que ele tirou tudo! Olha aí o que o cara fez e
tal! Mas é só uma capa, só aquele “migué” [disfarce, engano], sabe com é. Sem
dúvida, tem a referência [fala sobre camelôs que permanecem no centro à espera
das próximas etapas], é o centro, é a parte central, aqui não é a parte central
[referindo-se ao CPC – Galeria Espírito Santo] [Q26].
66
Expressão nativa que significa comparar a cidade São Paulo (SP) com a cidade de São Paulo de Olivença no
interior do Amazonas, de modo jocoso.
145
Cara, na verdade, toda vez se tentou tirar o camelô, toda vida, né? O Artur por duas
vezes conseguiu. Na “porradaria” e agora essa na categoria, né? Cara, eu acho que o
camelô não tava preparado para sair da rua agora não, olha. Porque foi uma coisa
assim, em cima da hora aí. Sei lá, cara... Ainda não tava não! Cara, acho que a
melhoria da cidade que tava meio bagunçada foi fundamental pra isso [a
transferência] [Q27].
Devido à Copa, né? Foi fundamental porque eles queriam limpar as ruas pra mostrar
pros turistas que tava tudo bacana e tal... E o prefeito que não gosta de camelô,
[risos] com certeza! [...] O que eles falavam pra gente era que se a gente não saísse,
ia ter que sair na marra, né! Ia ter que sair por bem ou por mal, entendeu? Pra te ver
como é [...] se não saísse numa boa ia ter que sair de qualquer jeito, mas ia ter que
sair da rua. Ia ser aquele quebra-pau! [Q28].
No caso, eu achei bom essa retirada porque as calçadas já tava poluída de camelôs.
Você já não poderia andar mais à vontade, ou seja, você já andava sobressaltada,
porque através das bancas os cinco dedos se escondiam. Eram os ladrãozinho que
ficavam detrás das bancas e a gente ia comprar e os ladrões tavam ali por perto, a
gente já ficava sobressaltada. E, tando aqui dentro, não! Aqui dentro já não aparece.
Tem um segurança numa porta, tem um segurança na outra. A Copa fez isso aí,
também, sabia? Sabe por quê? Porque se ela não chegasse até a nós aqui no Brasil,
ainda tava lá os camelôs. Aí o prefeito o que ele fez? Ele raciocinou e viu que a rua,
Manaus toda, tava poluída pelos camelôs.[...] E ele fez uma solução boa [Q29].
As narrativas apontam para um discurso de caráter moral que tende a ser construído a
fim de justificar a adesão e a minimizar o conflito político, como demonstrado em [Q2].
Sedimentar a preocupação com a cidade, o centro da cidade especificamente, em função da
consequência negativa a ser evitada e de um problema internacional a ser resolvido, tende a
evidenciar que embora houvesse o reconhecimento de que a ordem urbana estava colocada
sob a “questão do público”, mesmo com a memória coletiva do enfrentamento, no processo
146
atual deveria ser cuidadosamente minimizado ou contornado todo e qualquer confronto direto.
O mecanismo de apoio financeiro aparece na narrativa [Q7] como instrumento para “fisgar”
os “camelôs” mais desconfiados ou resistentes, o que também minimizaria um confronto com
o ajuntamento, na medida em que apareceria como a “boa vontade” do executivo em auxiliar
aqueles que aderissem ao projeto. Contudo, este instrumento também é percebido, pela
mesma narrativa, como desagregador da força coletiva de maior resistência e melhor
negociação para o ajuntamento.
É assim [...] Eu que sou mais antiga, os mais antigos, a gente pensava assim, o
centro tá cheio! Mas a culpa não fomos nós, mas sim dos governantes atrás que
colocaram muitas pessoas e ficou cheio o centro e através deles tava prejudicando a
gente também, entendeu? Daí a gente achava que era melhor sair porque ninguém
tava mais suportando a quantidade de camelôs que tinha na rua, já. Porque
antigamente quando a gente ia trabalhar o espaço de uma pra outra era uma aqui e
outra ali e todo mundo vendia bem. A gente já não vendia tanto assim como vendia
antigamente. A concorrência aumentou e a bagunça tava demais. Mas, nós não
pensava que aqui ia ser assim, porque aqui é bom, mas não pensava que ia ser assim,
da maneira que foi, né? Tão rápido! Mas, também, lá a causa de tudo foi a Copa
[FIFA 2014]. [...] Era pra sair por causa da melhoria pra cidade. Por causa das
pessoas que vinham de fora, os turista. Pra cidade ficar mais bonita, porque a cidade
era suja. E sempre chamava a gente pela atenção do lixo. Até no dia que nós saímos
da rua, o prefeito pegou a vassoura e foi varrer. Aquilo nós achamos um absurdo!
Porque naquilo ele chamou nós de lixo! Você pegar a vassoura e sair varrendo!
Então, você tá tratando uma coisa que não presta! Você se sente um lixo! Um
cidadão, que fala de democracia e que conhece a lei, não era pra ter feito isso, né?
Achei muito ruim pra nós, humilhante![Q2].
forças justificadoras da ação (em nível de município, estado e União) para implantar uma
rápida e pronta “resposta” modelar a partir de um projeto que tanto “ajustasse” o conjunto dos
agentes estratégicos alvos da ação quanto colocasse em movimento a “revitalização” do
centro histórico de Manaus. E, por fim, convém considerar que a reprodução modelar dessa
“solução” (da rua para o CPC) vem reforçar a função “estabilizadora” e de controle sobre os
que trabalhavam e negociavam em via pública.
Então, seria possível afirmar que esse conjunto hipotético importa um sentido prático e
intencional, na medida em que o novo arranjo de mercado e a nova forma de organizar o
trabalho fora das vias públicas em Manaus se expandem e constroem cenários nos quais
“camelô” não deve agir como “camelô”. Ao contrário, deve desenvolver um script de
“permissionário/microempreendedor individual” a partir da situação normativa e da inserção
no novo mercado. O que aparentemente daria uma resolução à situação “problemática” do uso
e ocupação da via pública por estes e, por outro lado, direcionaria a uma “nova experiência”
prática do indivíduo: manter-se por si mesmo em sua própria ocupação (autonomia),
contribuir para a construção de uma perspectiva de cidade e de economia (criativa) e construir
sua própria identidade e o próprio lugar nesse tipo de organização social (empreendedorismo).
Para isso, precisaria, principalmente, gerenciar melhor seus recursos materiais disponíveis,
suas habilidades adquiridas e sua busca por novas aprendizagens e recursos.
O sentido prático e a intenção de “camelôs” e “ambulantes” na zona central não está
descolado da experiência organizada socialmente, que toma como referência os eventos
ocorridos entre 1989 a 1991. A narrativa de alguns entrevistados retoma o último confronto
direto com o executivo municipal como resultado do processo de ordenamento da área
comercial do centro. Não somente os entrevistados como os próprios vereadores citados
recorreram à memória do evento, a qual se vincula à experiência social do lugar, da
coletividade e das relações político-econômicas. Assim, a exposição a seguir pretende
organizar a trajetória pontual desse processo e acontecimentos anteriores, argumentando que a
situação do atual do processo de transferência do ajuntamento da via pública para o CPC pode
apresentar elementos que marcam uma experiência do lugar, dos indivíduos e da forma de
intervenção do poder público. A ação situada temporalmente67, do mesmo modo, pode
67
Toma-se o termo “ação situada temporal” como noção analítica da temporalidade estruturante da ação e do
ambiente que produz os arranjos dos objetos e agentes em interação no curso da ação, abrangendo tanto a
dimensão temporal quanto a espacial, o que possibilita configurar e dar sentido à dimensão organizativa da
atividade prática dos agentes e suas consequências fundamentadas sequencial e temporalmente em uma ação
situada anterior. Portanto, esta noção tenta distanciar-se do viés que considere e interprete a ação situada como
colada ao momento do “aqui” e “agora” e ao instante do acontecimento. A ação situada tomada como momento
ou instante de acontecimento tornar-se-ia limitadora para a análise da dinâmica do processo que causa mudanças
149
Pretende-se circunscrever esta narrativa entre os anos de 1989 e 1990, por terem sido
recorrentes na memória dos entrevistados, sobretudo por aqueles que vivenciaram diretamente
o confronto no período aludido, ou mesmo que não tendo vivenciado fizeram questão de
mencioná-lo. Esta situação temporal é percebida como elemento relacional à situação
analisada da pesquisa corrente. Na proporção em que essa experiência do lugar se expressa
como justificativa para um tipo de engajamento mais tíbio, de adesão parcial ou de
desconfiança na ação governamental. Não deixando de ser notada, pelos entrevistados, a
forma de ação realizada pelo executivo municipal em 2014 e seus traços distintos do modelo
anterior. Em 1989 e 1990, os entrevistados e as matérias jornalísticas relatam que a ação
governamental se apresentou na forma de repressão e apreensão de mercadorias. E, em 2014,
constatou-se a ação do executivo sob um conjunto de estratégias discursivas pautadas na
oportunidade concreta de melhoria, acompanhadas por propostas de projetos urbanísticos que
localizariam melhor o ajuntamento e da regulação pela figura do microempreendedor
individual.
Esta situação temporal não significa dizer que o trabalho e o negócio em via púbica ao
longo do tempo não fosse uma realidade presente bem antes das décadas de 80 e 90, pois já
existia um mercado consumidor e um comércio efetivo e comum na zona central de Manaus,
o qual também era alvo das ações de realocação e expulsão. Por exemplo, no governo de
Manoel Ribeiro (PTB/1985-1988), houve repressão contra os “camelôs” e “ambulantes”.
Portanto, a ocupação do centro pelo mercado não regulado, por feiras populares na orla da
cidade e, quando se trata de moradias populares e ribeirinhas, sempre coexistiu, de certo
na ordem de como os agentes organizam sobre seu trabalho e negócio, respondem ante a recorrente ação
governamental e situam as mudanças ocorridas na estratégia dessa ação governamental. Nesta pesquisa foi
necessário retomar estratégias anteriores de retirada de camelôs e ambulantes tanto para desconstruir o aspecto
da “novidade” no direcionamento da ação governamental quanto para decodificar seus elementos diferenciadores
no processo corrente e, ainda mais, demonstrar ligações entre agentes e processos. Deste modo, ao se referir
neste trabalho à ação situada temporalmente se quer com isto “esticar” a dinâmica do processo às experiências
anteriores dos agentes envolvidos, do ambiente e da ação governamental, relacionando-a e conectando-a à ação
situada em curso (QUÉRÉ, 1998).
150
Jornal do Commercio e o jornal Amazonas em Tempo, que foram os mais consultados por
estarem em melhor conservação física e condições de manuseio para a pesquisa, foram
transcritos ipsis literis. Quando houve supressão de passagem, o sinal gráfico [...] foi
utilizado, é utilizado também quando da necessidade de explicação. A seguir, destaca-se o
noticiário correspondente ao tema e como foi tratado à época, apresenta-se um percurso
resumido e datado, intercalando os recortes seguem os comentários e a análise.
caixotes, o que raramente acontece nos dias atuais na zona central quanto ao tipo de
mercadoria comercializada. O dito popular de que “camelô” vende a preço menor suas
mercadorias era um trunfo fundamental para manter uma atração de consumidores naquele
período. Os noticiosos descrevem um cenário sustentado não apenas pela taxa de desemprego
em uma população economicamente ativa em expansão, assim como pela oportunidade de
renda e sustento familiar melhor em comparação aos ganhos gerados pelo emprego formal.
Nesse período, as articulações entre as secretarias e os órgãos públicos municipais
articulavam formas de enfrentamento à expansão do trabalho e do negócio em via pública,
entre elas a Secretaria de Municipal da Agricultura e Abastecimento, a Secretaria Municipal
de Saúde e o órgão sempre presente nesse processo, a Urbam.
3.2.2 Sobre uma “Solução” Possível para o Trabalho e Negócio, fora da Via Pública e da
Zona Central
Artur Neto: “Estamos fazendo tudo que é possível. No caso dos vendedores ambulantes e
camelôs sem violência pancadaria, ou outro tratamento que não seja digno ao ser
humano, vamos disciplinar o setor”. Na rua Marechal Deodoro foi implantado a primeira
experiência do Projeto Faixa Verde para Pedestres, pela Urbam. Houve apoio da
Associação dos Vendedores Ambulantes (Flavio Augusto) e o Sindicato dos Feirantes
(Francisco Borges). O projeto tem como objetivo: proteger os usuários das vias públicas
centrais das inconveniências causadas pelas desordenadas vendas ambulantes, pela
poluição de resíduos sólidos, sonora e visual. [...] A primeira ideia é adaptar as praças
Tenreiro Aranha e Praça dos Remédios e rua Marquês de Santa Cruz de forma que
elas sejam preservadas para a colocação dos camelôs (ARTUR ANUNCIA, 1989, p.2,
grifos nossos).
O camelô “invasor” aquele que está se fixando agora nas ruas do centro comercial
começa a ser retirado amanhã de seus locais, com a deflagração da “operação camelô”
desenvolvida pela Prefeitura e mobiliza neste sentido a Empresa Municipal de Urbanização,
a Secretaria de Saúde, a Secretaria do Meio Ambiente, Secretaria de Abastecimento e a de
Limpeza Pública e a Guarda Municipal, tem a recomendação do prefeito Artur Neto de
evitar o uso de violência. A explosão de um botijão de gás utilizado por um vendedor de
batata frita antecipou o início da blitz. [...] O próprio Sindicato indicará os invasores, disse
Flavio Augusto, afirmando que os vendedores já estão avisados. “Só ficarão os associados e
os autorizados”, alertou. Informando que existem nessa situação 2.500 camelôs em média
quando se calcula que o centro comercial está tomado por 5.000 ambulantes. [...]O
154
localizam na zona central. Por outro lado, se tornam mais intensas as tentativas de controle e a
imposição de “ordem” para as atividades em via pública.
exemplo, vendas de tacacá. Em outro momento, a entrevista concedida pelo novo Secretário
Municipal de Saúde, Evandro Melo, evidencia o alcance da ação governamental: “[...] a
intenção da Prefeitura inicialmente é retirar os vendedores de alimentos, partindo depois para
os boxes e os outros tipos de venda ambulante do centro da cidade” (CAMELÔS EM
TEMPO, 1990, p. 1; ARTUR DÁ PRAZO, 1990, p.1).
A instalação do chamado Projeto Faixa Verde tinha entre outros objetivos a proteção
do usuário das vias públicas contra “as inconveniências” causadas: a) pela desordenada venda
de ambulantes; b) pela produção de resíduos sólidos; c) pela poluição sonora. Tinha como
efeito impor determinada fronteira às atividades de “camelôs” e “ambulantes”, a partir da
prática de fiscalização e da aplicação de duas faixas laterais pintadas na calçada, na colocação
de placas de sinalização e orientação a respeito das proibições. Tais proibições, como a venda
ambulante de qualquer natureza, utilização de propaganda sonora, colocação de mostruários
de mercadorias na parte externa da loja, entre outras (PROJETO, 1989, p. 3; PREFEITURA
CRIA, 1989, p. 3; CDL, 1989, p. 2.). Neste caso, salienta-se, na notícia, como o ajuntamento
de “camelôs” e “ambulantes” era vinculado aos termos perigoso, negativo e barreira para os
transeuntes do centro, de acordo com o poder público e outros setores.
À medida que este projeto avança, outra proposta é levantada em questão e prometida
para setembro daquele ano, o Projeto Shopping a Céu Aberto, como ação articulada ao Projeto
Faixa Verde. O primeiro era direcionado para os empresários importadores da Zona Franca
que, em sua maioria, tinham lojas na área central. Nessa dinâmica, para impor um controle na
zona central e administrar uma situação específica dos importadores da Zona Franca, o
executivo adota uma estratégia não tão inusitada, do Estado monopolista, algo comum na
história econômica das sociedades capitalistas e ocidentais com a combinação entre a ação
governamental e o empreendimento privado. Em Manaus, significou a combinação de
interesses e forças entre o executivo municipal e um setor do empresariado local, ligados a
Zona Franca Comercial, especificamente localizado no centro da cidade.
Por conseguinte, no início de 1990, foi anunciada em uma reunião entre a Secretaria
Municipal de Obras (Semob), a Empresa Municipal de Urbanização (Urbam), a CDL-
Manaus, a Associação dos Importadores, a Secretaria Municipal de Turismo, o Sindicato dos
Vendedores Ambulantes, o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, o Sindicato dos
Hoteleiros e a Federação das Indústrias, a fim de propor a criação de uma comissão especial
para dar “corpo” e “execução” ao projeto público-privado. Por em movimento a sequência do
Projeto Faixa Verde em combinação com o projeto Shopping a Céu Aberto por meio da
instalação de uma Comissão de Cogestão. Tal iniciativa mantinha um caráter público-privado
157
e foi apresentada pelas classes envolvidas como uma nova política na administração pública,
representada pela cogestão entre o governo municipal e o empresariado local, na tentativa de
solucionar os diversos problemas encontrados na área do centro de Manaus. Foi instalado,
então, o “Conselho de Gestão do Centro Comercial da Zona Franca de Manaus” criado pelo
Decreto n.º 6.813/89 do executivo municipal.
[...] Apesar da disposição de afastar os vendedores das ruas centrais, a prefeitura tem
recomendação expressa do prefeito Artur Neto, deverá evitar ao máximo o uso de
violência. Artur deseja que toda a operação se desenvolva sem violência alguma
contra os camelôs em quem o prefeito reconhece a necessidade de trabalhar, mas
sem causar problemas para as outras pessoas. “Vamos usar rigor nunca a
violência, no meu governo não se usa a polícia contra o povo”, diz o prefeito.
Nem só vendedores ambulantes serão alvos dessa operação da Prefeitura. Muitos
comerciantes que utilizam as calçadas para expor as mercadorias em tabuleiros e
vitrinas serão obrigados a recolher os objetos para o interior do salão de vendas. A
operação vai envolver a Praça da Matriz, av. Eduardo Ribeiro e Sete de
Setembro, ruas Guilherme Moreira, Marcílio Dias, Dr. Moreira, Marquês de
Santa Cruz, Henrique Martins, Barroso e a Praça Tenreiro Aranha
(PREFEITURA DECLARA, 1989, p.1, grifos nossos).
158
As discussões sobre o espaço que era ocupado pelos “camelôs” nas vias públicas se
tornara um tema recorrente nos meios de comunicação e a intervenção da prefeitura em
novembro e durante o período de festas no final do ano, devido ao aumento dos chamados
“invasores”, era proporcional ao aumento do fluxo de compras nas ruas do centro. O sentido
de oportunidade podia ser percebido pela relação de mão dupla para os que participavam
desse encontro comercial e social. É até mesmo importante, e não menos curioso, observar
que mesmo como passar das décadas os lugares, quadrantes e limites da intervenção
municipal são muito parecidos, com pouca diferença localizacional entre as duas ações
governamentais, do passado e a mais recente. Na medida em que tais lugares representam
uma experiência socialmente construída, um tipo de memória coletiva de camadas populares
em suas atividades econômicas e ocupação regular das vias públicas, bem determinadas e de
limites definidos. O temor com o prejuízo e a quebra da rotina transparece no testemunho do
entrevistado pela reportagem, caso a retirada acontecesse. Essas “commodities” de
localização eram rentáveis e representavam boas vendas, enquanto que em outras áreas não
conseguiriam sequer sustentar suas famílias, nas chamadas “ruas mortas” (conforme o termo
nativo).
Abaixo, apresenta-se um recorte mais longo de uma matéria jornalística, sem dúvida,
uma leitura mais exaustiva. No entanto, como recorte de uma situação temporal descreve o
cenário de violência, de enfrentamento direto entre agentes públicos e “camelôs”. Na intenção
de recolher as narrativas do momento, a reportagem passa a impressão ao leitor da situação de
conflito, dos posicionamentos assumidos e que marcaram a experiência do lugar e dos atores
em confronto. Neste sentido, se pretende apresentar um cenário, mesmo que instantâneo, do
regime de controle social do espaço urbano, do tratamento do governo sobre o chamado
problema do trabalho e do negócio em via pública e sua tentativa de solução e,
consequentemente, a reação de “camelôs” e “ambulantes” durante as semanas seguintes.
A reação violenta dos camelôs com algumas prisões e o vidro da janela do prédio da
Prefeitura quebrado. Este foi o resultado ontem pela manhã de uma blitz realizada no
centro da cidade pela equipe de fiscalização da Prefeitura, que de surpresa cumpriu o
ultimato de retirar definitivamente os camelôs de venda de lanches e frutas
espalhados pelas calçadas da Praça da Matriz, av. Eduardo Ribeiro e av. Sete de
Setembro. Armados de cassetetes cerca de 200 homens das equipes de fiscalização
e da Guarda Municipal recolheram num caminhão caçamba dezenas de carrinhos
de frutas, refrigerantes, cachorros-quentes e outros tipos de comidas caseiras. Das
mãos dos “rapas” só escaparam os vendedores de comidas típicas da região que tem
autorização da Prefeitura para praticarem livremente suas atividades. Ainda
inconformados com o policiamento ostensivo sobre o comércio de comida, os
vendedores promoveram um grande tumulto no centro da cidade enquanto eram
abordados pelos guardas. Não houve acordo e nem perdão. Ontem acabou o prazo
para a retirada espontânea dos carrinhos de lanche e frutas, mas como o
159
A reportagem narra que no mesmo dia ocorreu uma reação violenta que terminou na
praça D. Pedro II, em frente ao prédio onde funcionava a prefeitura. A ordem de limpeza do
centro da cidade dava o norte do discurso do executivo. Não apenas os ânimos se exaltavam,
com a presença do “rapa” (rotulação da guarda municipal), mas pelos empurrões ou
afastamento do lugar à força, igualmente em relação aos objetos de trabalho que iam sendo
recolhidos ao longo do caminho. Vários agentes de outros setores e esfera de atuação do setor
público eram chamados para apoiar a tomada de decisão do governo municipal. Alguns
“camelôs” acusavam os guardas de furto de mercadorias o que estimulou a reação do
ajuntamento contra a blitz, na tentativa de reaver carrinhos de comida e bancas. A narrativa
jornalística segue dizendo que, enquanto dezenas de camelôs e populares jogavam pedras e
frutas podres nos guarda, a Guarda Municipal revidava dando tiros para o alto. Por fim, o
prédio da Prefeitura acabou virando o alvo dos manifestantes, que atiraram pedras contra as
janelas e inconformados negaram-se a aceitar as explicações do prefeito Artur Neto. Os
termos utilizados como limpeza, ordem e sonegação se inscrevem como justificativas
legitimas para a “Operação”.
que para isso contará com a ajuda da Secretaria de Fazenda do Estado, já que a
venda ambulante implica em sonegação de impostos. “Estou sendo cobrado”,
revelou o prefeito. O prefeito disse ainda que serão estudadas alternativas para a
criação de locais específicos para os camelôs, mas assegurou que esses locais não
serão no centro da cidade. “Preciso limpar o centro e acabar com a sonegação.
Não dá mais para continuar assim” (OPERAÇÃO, 1990, p.3, grifos nossos).
Bastou a fiscalização relaxar um pouco para os ambulantes voltarem com força total
para as ruas do centro de Manaus. Desde sexta-feira última os camelôs foram se
instalando em diversos pontos do centro e ontem já haviam tomado todos os espaços
perdidos a cerca de duas semanas. Quando o capitão PM Bonates comandante da
operação de retirada dos camelôs iniciou uma verdadeira limpeza no centro,
todos os ambulantes sem exceção foram obrigados a deixar as calçadas do
centro comercial da cidade. Na ocasião da operação da retirada dos camelôs o
capitão Bonates contou com um efetivo de mais de 300 homens entre policiais
militares, tropa de choque da PM, guarda municipal e até uma tropa montada
da PM. [...] O ambulante Valdir de Souza, 26 anos, afirmou que “o prefeito deve ter
sentido que os camelôs estavam sendo injustiçados. Nós precisamos vender nossos
produtos agora na época do Natal, porque é agora que nós conseguimos juntar um
dinheirinho para passar menos dificuldade. Dando até pra fazer uma festinha”,
desabafa. Mesmo obrigados a sair das ruas pela Prefeitura, alguns ambulantes
disseram que achavam a medida de Artur necessária, mas afirmaram também que
não podiam abandonar as calçadas sem um lugar determinado para comercializar
seus produtos. Raimunda Alves da Silva, 42 anos, trabalha a mais de 5 anos como
camelô e disse que outros prefeitos haviam tentado retirar os vendedores das ruas
sem sucesso, mas o Artur Neto conseguiu expulsar todos os colegas.[...]”
(AMBULANTES, 1990, p. 6, grifos nossos).
161
68
Os jornais utilizados como fontes da situação temporal eram impressos e estavam organizados na biblioteca
pública central do estado. A maioria dos jornais deste período ainda não foi digitalizada e quase não se pode
manipulá-los adequadamente para uso de pesquisa. O acondicionamento para esse tipo de material pode não ser
o melhor possível. Por isso, as condições de desintegração de alguns estão em início (Jornal Amazonas em
Tempo e Jornal do Commercio), outro já está avançado a deterioração e sem condições de uso (Jornal A Crítica).
162
69
Lojistas também foram alertados sobre a proibição em ocupar a via com seus manequins e balcão de venda na
frente do estabelecimento, o que é comum até hoje na rua Marechal Deodoro (ENTREVISTA, 1989, p. 1; O
IMPASSE, 1989, p. 3).
163
70
Não se pretende discutir aqui acerca do processo de construção da LOMAM em 1990, ou suas reedições e
ampliações nos anos seguintes, mas seria interessante se estudar no futuro como esse processo produz uma arena
política e a experiência da formação do “problema público”. De todo modo, na utilização prática de objetivar a
instrumentalização do lugar, a Lomam “afirma a necessidade de dotar a cidade de Manaus de instrumentos que
garantam seu crescimento equilibrado, ao estabelecer que o Plano Diretor deva ser elaborado, mantido e
atualizado, com revisões a cada dez anos. É importante destacar, que a Lei Orgânica atribui ao Plano Diretor
Urbano (a temática “mobilidade urbana” foi central no Plano Diretor vigente), a mesma importância dos demais
instrumentos considerados básicos para o planejamento das atividades do Governo Municipal, como o Plano
Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual” (VELLOSO, 2002).
71
Tombamento Municipal: pela Lei Orgânica do Município de Manaus – “Art. 342. Fica tombado, para fins de
proteção, acautelamento e programação especial, a partir da data da promulgação desta Lei, o Centro Antigo da
cidade, compreendido entre a Rua Leonardo Malcher e a orla fluvial, limitado esse espaço, à direita, pelo igarapé
de São Raimundo e, à esquerda, pelo igarapé de Educandos, tendo como referência a Ponte Benjamin Constant
(Loman)” (MANAUS, 2013a, p. 9).
165
72
A Urbam (pertencia ao quadro da administração indireta do executivo municipal) foi extinta pelo Decreto nº.
6.744, de 14 de abril de 2003, suas atribuições e competências são desenvolvidas atualmente pelo Implurb
vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. A extinta Urbam teve um papel determinante
nessa performance temporal, pelas fiscalizações das vias públicas, discussões e determinação do perímetro da
zona central e do centro antigo.
166
Aqui é uma parte diferente do Projeto. A Prefeitura não está propondo que os
lojistas arrecadem o dinheiro e nos entregue para decidir o que fazer, não. Os
próprios empresários vão decidir com a participação da Prefeitura em que
local será empregado o investimento para recuperar o centro. Durante o início
das obras, de acordo com o programa traçado pela Comissão, os camelôs vão ser
retirados do centro e após a conclusão dos trabalhos só retornarão os que estiverem
cadastrados, com isso ficará de fora somente quem não for camelô, garantiu Julio
Verne. A Secretaria advertiu que o fato dos empresários entenderem a situação foi o
maior mérito da Urbam e do CDL. “Se os lojistas continuassem como estão hoje
iriam continuar perdendo terreno, as vendas iriam cair mais ainda quando fosse
inaugurado o Shopping da Djalma Batista. Com certeza as lojas do centro
iriam ficar à míngua, pois no shopping os turistas e os consumidores em geral
terão conforto, tranquilidade, segurança e higiene. O que não acontece hoje no
centro. (LOJISTAS, 1990, p.1, grifos nossos).
73
O “rapa” é a representação da fiscalização dos agentes das secretarias municipais envolvidas, como a de
vigilância sanitária, e propriamente a guarda municipal.
167
74
Ocupação em sentido duplo e correspondente. De um lado, no sentido de preencher ou encontrar-se em um
ambiente, um lugar; na prática, incorporar o ambiente por meio de situação de interação contínua entre
indivíduos, objetos e ambiente e indivíduos entre si. Por outro lado, no sentido de exercer atividade prática,
organizativa e experimentada, em uma “produção local da ordem”, mesmo por ajustes pontuais (QUÉRÉ, 1998;
2013).
168
Operação Camelô
Retirada e Fiscalização
sentados à frente de um box. Entabulou-se uma conversa onde se explicou sobre a pesquisa
em andamento, um deles aceitou participar naquele momento, enquanto o outro optou por
escutar. Em certo ponto do momento de entrevista referente à trajetória de negócio, o
entrevistado balançou a cabeça e narrou a seguinte situação:
[Ele sorri e balança a cabeça negativamente] Eu perdi foi tudo, meu amigo. Naquela
época, perdi foi tudo, tudo, tudo, não era pra mim tá nessa mais não. Era pra mim tá
bem, tá bacana aí, dormi rico e acordei pobre. É [...], rapaz, não tem essa! A pessoa
nem espera, era uma coisa que pega a pessoa despreparado, despreparado [sobre o
dia]. Você mora onde? Aí tua casa, vamo dizer, pegou fogo, queimou-se tudo e aí?
A gente se desespera, não tem como. Só um irresponsável, só um irresponsável, que
ele não valoriza suas coisas [silêncio] Tôte contando que eu tinha uma lojinha, lá na
[Praça] Tenreiro Aranha, bem de canto em frente da [loja] Tropical. Tem esse
negócio não, foi o seguinte, arrancaram tudo, tudo, assim, quebraram uma porta de
alumínio, assim, porta de rolar e tudo. Eu pagava a Urbam [Secretaria de
Planejamento Urbano da década de 90], legalmente, mas os caras tinha uma
violência muito doida [comando da guarda municipal]. Aí, foi dia 3 de dezembro de
1989, dia de segunda-feira, [lhe digo: o senhor recorda bem], Mas rapaz, claro! Eu
não tavano momento, porque trabalhava eu e um irmão meu. Aí ele gostava de
chegar cedo, morava aqui na [rua próxima ao ocorrido] Miranda Leão. Ele chegou
cedo, e aí ligou pra mim, ele me chama de maninho, eu morava na Matinha [bairro
adjacente], ele disse: – “Maninho, vem aqui que a Praça [Tenreiro Aranha] tá toda
cercada por uma corda!” Ficou cercada por uma corda, assim, dois metros da parede.
Uma corda de amarrar motor... Isso aí, laçando a Praça todinha, da corda pra frente
você não podia passar mais, nem pra tirar mais nada, nem documentos. Tinha mais
ou menos, uns dois mil policiais aí ao redor da Praça. Num passava pra tirar nada de
ninguém. Laçaram a Praça todinha com uma corda dessa grossura assim... [faz um
gesto pra demonstrar]. Isso, era só pra não entrar ninguém, eles iam demolir mesmo,
sem você saber [...], você não tava preparado. Tuas coisas tava tudo lá dentro. Se
você soubesse que ia passar por aquilo, tinha se preparado antes. Ninguém foi
avisado! [tom da voz elevada]. Eu trabalhei domingo até 12 horas na minha loja,
quando foi na segunda-feira, de manhã já não podia entrar mais. Sem você saber de
nada. De manhã, ninguém sabia de nada. Como você ia pegar sua mercadoria que
tava toda presa ali dentro. [...] Você não tava esperando, [...] ali dentro tava todo o
seu dinheiro. Todo mundo lá tentou falar, mas não teve negócio. Aí fomos e
arranjamos advogado, oito advogados pra trabalhar junto, só advogado bom. O que
eles iam ganhar pra desenrolar isso aí, dava pra comprar cinco carros zero. Quando
chegaram lá com o desembargador, o desembargador não recebeu. Tivemos que
negociar com o pessoal lá de dentro [não disse quem era o “pessoal lá de dentro”].
[...] Meu amigo, se você chegasse lá, o comandante [da operação] era o Capitão
Bonates, num sei se você se lembra disso, e só tinha coronéis lá. [...] Se você
chegasse lá, não podia falar nada, se falasse já ia preso. Perdeu, perdeu, não tinha
brecha lá, se você falasse alguma coisa metiam um spray de pimenta no meio da tua
cara. [Q5].
que não considera que os processos anteriores podem evocar no agente suas experiências,
interpretações e atribuição de sentido às novas interações e ao ambiente ao qual está se
adaptando, pode levar ao risco de enviesar a ação situada, paralisando-a no “aqui e agora” e
esvaziando as suas relações mais extensas e experiências requalificadoras de ação, os
elementos em interconexão temporal e experiencial, que tendem a demonstrar as “atitudes
similares” tomadas por base do ambiente, da experiência e percepção.
Considerando que o entrevistado e outros permissionários já experimentaram diversas
ações governamentais e, isto não está circunscrito ao âmbito das coincidências, que estas são
situadas no ambiente específico do centro da cidade e, por fim, que a ação governamental
busca novos mecanismos de controle e de ordem moral. Portanto, certa desconfiança, um
baixo engajamento e uma ação de contestação em via pública, mesmo que timidamente
executada, seria possível explicar tomando por base uma retrospectiva da experiência do
lugar, da interdependência entre elementos políticos, culturais e econômicos e os efeitos sob
uma nova situação prática.
Diante do exposto, a compreensão das ações produzidas pelos agentes no campo de
investigação, não deve ser limitada pelo fundamento de análises que tomam o ator no seu
cálculo de racional isoladamente e desassociado de sua cadeia de sentidos atribuídos à dada
ação situada e conectadas com sua experiência anterior, aos sentidos de apreensão, medo ou
crenças. Ainda mais, sem levar em conta as mudanças institucionais, o direcionamento da
ação governamental e a percepção de um vocabulário de motivos indutor de nova conduta
moral. O processo de transferência analisado aqui pode ser diferenciado de outras formas
anteriores de ação governamental e de intervenção urbana pelo seu aspecto de gestão por
objetivo, isto é, um controle gestionário em sua forma de gerenciar, apoderar e determinar
novas competências às camadas populares, aos “pobres viáveis”. Tanto pelo seu caráter de
esvaziamento político por mecanismos de individualização quanto pela proposta “sedutora”
de uma nova ordem de apoderamento legal, pela valorização em assumir riscos pessoais como
consequência das novas responsabilidades e na aquisição de novas habilidades para
determinado ambiente de trabalho e negócio. Por outro lado, na perspectiva de um processo
macro tem a pretensão de atingir partes da estrutura urbana ao fazer da cidade um espaço de
negócios, de empreendimentos competitivos, de segurança e paisagem limpa. Portanto, uma
proposta de gerir a cidade por objetivos do crescimento econômico e do domínio do espaço
urbano por novas atividades econômicas. Mesmo que ainda na zona metropolitana de Manaus
não se apresente as condições de uma concorrência interurbana, por sua dinâmica
concentradora dos projetos e recursos públicos na capital e por estruturas de serviços urbanos
171
precários, há uma tendência pelo discurso modernizador enfatizando uma governança urbana
empreendedora.
Isto, de modo, geral, representa certa transição no âmbito do serviço público, um
redirecionamento, que pretende trazer resultados sobre o desenvolvimento econômico, isto é,
que diz respeito ao tipo de gestão pública que pretende evidenciar uma dinâmica
empreendedora ao invés da administrativa (administrar os recursos e projetos públicos)75
(HARVEY, 2005, p. 165). Uma forte contradição, mas vista como estratégica, entre o
discurso e a experiência diária da ordem da cidade. Além do mais, não se pode negar quando
comparada ao processo de mudança em escala macro e histórica que atravessa a dinâmica da
governança das cidades, países e fronteiras. De um lado, a relação direta entre a formação
histórica dos estados nacionais e a densa rede urbana das cidades capitalistas do Ocidente ou a
criação de defesa marítima para as fronteiras que atuavam para a manutenção do comércio
marítimo, “[...] os interesses, as coalizões e os processos políticos que bloquearam a
construção de grandes Estados territoriais na zona urbana central na Europa” (TILLY, 1986,
p. 303). Por outro lado, não é de todo estranho o papel desempenhado por atos violentos que
cercam a criação das instituições da economia de mercado. A violência que é parte legítima
da ação do Estado ou mesmo outras formas de violência que se associam a este para impor
determinado tipo de ordem, atividade econômica ou dinâmica em sua formação, um tipo de
empreendedorismo violento, segundo Volkov (2002, p. 27).
Nos centros urbanos onde é aplicado o mecanismo de violência física em conjunto
com o sequestro dos objetos do ajuntamento de “camelôs” e “ambulantes” combinam-se,
agora, com os atuais mecanismos institucionais de vigilância e convencimento, de criação de
arranjos entre o poder público e grupos privados e de responsabilização legal personalizada,
além de repertórios de ação que tendem a induzir mudanças pontuais e modelares. Tais
repertórios são maneiras pelas quais os agentes agem politicamente num dado momento
histórico levando-se em conta a articulação com as estruturas culturais, podendo-se apresentar
por ações coletivas e estar à disposição de pessoas comuns. O repertório como um conjunto
75
Não é a intenção da pesquisa colocar em evidência uma discussão das categorias utilizadas por David Harvey
(2002) em sua crítica aos estudos da urbanização e o papel que esta categoria assume na dinâmica social. No
entanto, cabe considerar o argumento que não se deve desvincular a formação de um vocabulário de motivos
com a pretensão de configurar o espaço urbano em torno da justificativa de uma gestão empreendedora, inclusive
aplicando-a na prática como resolução possível da questão da desigualdade social; sem levar em conta, quando
sua a aplicação é descolada dos efeitos e causas reais do processo que tem origem. Nas palavras de Harvey: “O
poder de organizar o espaço se origina em um conjunto complexo de forças mobilizado por diversos agentes
sociais. É um processo conflituoso ainda mais nos espaços ecológicos de densidade social muito diversificada.
Numa região metropolitana devemos considerar a formação da política de coalizão, a formação da aliança de
classes, como base para algum tipo de empreendedorismo urbano” (HARVEY, 2005, p. 171).
172
de formas de ação que pretendem, em geral, a mudança, também pode ser vinculado ao
conhecimento social sedimentado, como experiências, memórias, relações sociais. Daí, o
conjunto de performances que podem ser vistas a partir do repertório, inclusive discursivo, de
dado agrupamento ou período, dando abertura para a inovação, mudança, criatividade e
improviso, mas com a intenção de produzir determinado efeito (ALONSO, 2012).
Isto se inscreve num convite mais ideológico pela adesão ao bem da cidade, que ganha
destaque com a promessa de crescimento econômico por meio da adequação às novas formas
e tendências das atividades ocupacionais e econômicas no atual contexto urbano. Deste modo,
tem-se apostado no modelo organizativo e burocrático via gestão empreendedora da cidade e
do indivíduo, para utilizar o ambiente urbano de forma privatizada e, assim, incrementar
práticas que corroboram na construção de mecanismos alternativos de integração social ante a
ausência e ao enfraquecimento da proteção social mais ampliada, na expectativa paradoxal de
produzir algum resultado público e democrático (LAUTIER, 2014; 2001; MACHADO DA
SILVA, 2003; HARVEY, 2005). A seguir, o mapa da área central de Manaus (Figura 3) como
representação localizacional das definições dos limites legais que evidenciam as áreas e
divisões dos setores do centro histórico e da visão geral da área central da cidade. A sigla
UES que aparece na legenda, na cor amarela e na cor cinza, significa Unidade Especial
Setorial, do centro e do centro histórico respectivamente.
173
Na transferência? [Não] Tinha temor nenhum porque eu sabia que ele [prefeito Artur
Neto] tava falando sério, na hora que olhei pra ele, eu sabia que tava querendo se
desculpar pelo que tinha feito atrás. Aí eu sei, que era um processo sério, que ele
não ia deixar ninguém na rua, porque ele queria se redimir pelo que tinha feito no
passado. Ele queria se desculpar e está se desculpando. Só que, tem muitos que não
estão gostando da mudança. [...]. Como te falei, “o homem” [prefeito Artur Neto] foi
tão “argumentoso” que todo mundo ficou [...] [faz um gesto com o dedo sobre a
boca, sinal de silêncio]. É porque ele queria se desculpar pelo que ele fez e queria
mudar. Foi uma justificativa boa que ele deu pra convencer o pessoal. [Q7].
76
Na câmara de vereadores em Manaus, o Projeto de Lei (PL) nº. 055/2014, de autoria do vereador Carlos
Alberto de Castro (PRB), teve a pretensão de oficializar no calendário da cidade: o Dia Municipal da
Reorganização do Centro Histórico da Cidade de Manaus, instituído com referência ao dia 23 de fevereiro (data
alusiva à retirada dos camelôs do Centro). Disponível em: <http://portaldoamazonas.com/dia-municipal-da-
reorganizacao-do-centro-historico-e-incluido-no-calendario-de-
175
parcerias público-privadas. De fato, todo o processo foi conduzido por articulações políticas,
estratégias administrativas, recursos normativos e econômicos, além, da aplicação de vasto
vocabulário de motivos possibilitando a construção do cenário que resultou, em fevereiro de
2014, na efetiva realização da ação governamental. Tal dinâmica pretendia evitar a violência
física ou qualquer ato de enfrentamento direto, além de minimizar a pressão política e,
inclusive, atos de protesto por parte dos transferidos.
O Centro Popular de Compras Galeria Espírito Santo77 é o lugar da primeira
experiência da ação governamental municipal de transferência/deslocamento de “camelôs”
das vias públicas da zona central para um empreendimento público, em Manaus. A trajetória
majoritária dos permissionários/camelôs “em transferência” passa pela permanência em um
“camelódromo provisório”. No maior destes, na Rua Epaminondas, no centro, é que irá ficar o
primeiro grupo de transferidos, no período de 21 de fevereiro de 2014 até 1º de agosto de
2014, quando, enfim, o primeiro CPC Galeria Espírito Santo foi entregue para ocupação
definitiva.
É importante salientar que este CPC, assim como os demais, possui uma característica
singular, é um mercado de múltiplas trocas mercantis privadas com disponibilidade de serviço
manaus?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=dia-municipal-da-reorganizacao-do-centro-
historico-e-incluido-no-calendario-de-manaus>. Acesso em: 27 jul. 2015.
77
O CPC onde se realizou a pesquisa empírica tem sua implantação normatizada pela Lei n.º 1.755, de 13 de
agosto de 2013, que regulamenta a alocação de comerciantes e prestadores de serviços informais em Manaus e
os procedimentos para isso. Os permissionários quando fazem referência ao lugar variam entre os termos
“shopping” e “galeria”, os quais apresentam uma relação, também, com o termo expresso no contrato de adesão
assinado por eles junto à prefeitura. O Termo de Adesão é o contrato de permissão individual de uso de
ocupação de imóvel de domínio público municipal, que oficializa a relação entre os “microempreendedores
individuais” e a prefeitura. Trata-se de parte integrante do processo de inscrição no Projeto Viva Centro -
Galerias Populares que instaura o processo de transferência e as intervenções urbanas conjuntamente. Em
particular, o termo “galeria” está incorporado ao jargão dos processos que dizem respeito às diversas tentativas
privadas ou públicas, nos centros urbanos brasileiros, de montar lugares para a instalação do trabalho e negócio
em via pública, ou seja, agrupar (ex)camelôs/ambulantes em estruturas prediais. Este termo também vem
carregado de um significado sobre o modo de organizar e localizar o trabalho e negócio em um espaço
subdividido por pequenas unidades geminadas de serviço e comércio. Neste contexto, juntam-se ao termo
“galeria”, os termos “shopping popular”, “camelódromo”, “mercado popular”, a fim de expressar essa
configuração de arranjo de mercado “popular”. Na expressão nativa, o termo “galeria(s)”, na “memória coletiva”
local, principalmente na estação das chuvas, vem servindo como referência e designação à arquitetura
subterrânea de vazão das águas pluviais, no centro da cidade, estruturas erguidas no final do século XIX, no
apogeu da “economia da borracha". Por fim, sem o dever de analisar, havia um igarapé (em outras regiões
riacho, córrego) que recortava o que era a cidade (como outros tantos igarapés que ainda recortam Manaus), em
meados do século XIX, próximo à Igreja Matriz, conhecido pela população manauara de Igarapé do Espírito
Santo. Este Igarapé, em particular, detém um caráter simbólico forte, significativo para o imaginário e
construção da experiência social, tanto na trajetória ambiental da cidade, na sua apropriação e controle, quanto
no seu traçado urbano. Sua trajetória ambiental é resultado da modernização e “embelezamento” propostos pela
Belle Époque manauara. Entre os governos de Eduardo G. Ribeiro e Fileto P. Ferreira, a construção das galerias
pluviais tinha como objetivo canalizar igarapés, porém outros foram aterrados completamente. No caso do
Igarapé do Espírito Santo, parte foi aterrada e parte canalizada, e sobre o seu traçado ergueu-se a movimentada,
moderna e nomeada, posteriormente, av. Eduardo Ribeiro. Ainda hoje, as lojas próximas dessa área, da Praça da
Matriz, convivem com o movimento sazonal do Igarapé do Espírito Santo, com suas cheias e vazantes (SOUZA
VALLE; OLIVEIRA, 2003, p. 151; MELO; PINTO, 2003, p. 15; GALERIAS, 2013).
176
localização do novo mercado, o CPC Galeria Espírito Santo, em um perímetro mais periférico
da área central78.
Estas figuras foram modificadas com sinalizações e legendas para que o efeito de
aproximação e captura do espaço geográfico e localizacional dos pontos importantes da
cidade, especificamente da zona central, pudesse facilitar ao leitor não apenas o aspecto
espacial. Mas, que ratificasse o argumento sobre a relação desigual entre as áreas originárias,
com maior fluxo de transeuntes e a área de transferência do novo mercado, como são distintas
e distantes. Na figura 4, por exemplo, o traçado pontilhado, feito pelo programa de mapas
online, mostra oito minutos de caminhada entre a Praça da Matriz (local originário de alguns
permissionários) e o ponto com a letra [P], onde está localizada a Galeria Espírito Santo.
Por fim, considerou-se importante o enquadramento da dimensão geográfica
representado pelos mapas, com a pretensão de pontuar a área na qual o novo mercado está
localizado em relação ao espaço ocupado anteriormente pelos permissionários/“camelôs” em
via pública. A localização do trabalho e negócio no CPC representa um dos pontos cruciais de
disputa, geradora de conflito e de combinações. Esse ambiente gradativamente vai sendo
incorporado pelos permissionários/microempreendedores individuais, em um processo de
transação que o transforma e o reorganiza a partir de práticas cotidianas, das narrativas, de
outra identificação e de resistências individuais ou compartilhadas. Levando-se em conta que
as comparações das experiências entre os próprios entrevistados indicam as mais diversas
apreensões e atribuições de sentidos, esboçando inclusive aborrecimento, embaraço e
desconfiança na ação governamental.
78
Ribeiro Filho, em sua tese, analisando o conceito de área central, define que, em Manaus, há limites
simbólicos e históricos, econômicos e sociais para estabelecer distinções concretas entre os limites de uma área
de centro histórico e de uma área de centro periférico. Neste sentido, os camelôs e ambulantes antes localizados
nos limites do centro histórico foram transferidos para os limites da área de periferia do centro e, nestas
condições, com relações econômicas menos favoráveis que a anterior para o tipo de trabalho e negócio que
executam (RIBEIRO FILHO, 2004a).
178
Figura 4 – O mapa apresenta a distância entre o CPC Galeria Espírito Santo [P] e a área onde a maioria dos
entrevistados se encontrava [círculo em vermelho]. E, o local do “camelódromo provisório” da
Epaminondas/Lobo D’Almada [1], seguida da indicação da localização do segundo CPC Galeria dos Remédios
[2].
Figura 5 – A seta em vermelho, no fim do mapa, indica a posição do terminal central de ônibus em Manaus,
donde um intenso fluxo de transeuntes se encaminha para as avenidas Eduardo Ribeiro e Sete de Setembro e
demais ruas adjacentes do centro histórico da cidade. Os círculos em vermelho são indicações da figura 4.
Figura 6 – O círculo em preto indica a área onde uma quantidade significativa de camelôs permaneceu por mais
tempo (até agosto 2016) e representava motivo de embaraço, aborrecimento e dúvida dos entrevistados sobre a
eficácia do processo de transferência.
“Estamos começando vida nova. Vida nova para a administração pública, que ganha
a chance de fazer um trabalho ímpar para a requalificação do Centro. Vida nova para
a população, que tem as ruas de volta, além de ganhar um novo centro de compras e,
principalmente, vida nova para esses mais de 300 trabalhadores que hoje ganham a
condição de microempreendedores e vão poder prosperar e manter um negócio de
família, que pode ser passado de pai pra filho”, resumiu o prefeito de Manaus, Artur
Virgílio Neto, que não consegue esconder sua emoção com este momento histórico”
(CAMELÔS DEIXAM, 2014).
79
O Sincovam encontra-se numa encruzilhada de identidade de representação coletiva, tentando modificar seu
estatuto para se adequar ao novo cenário, segundo um diretor da instituição. Durante o processo de transferência,
o seu papel de mediador era o de interlocutor entre o ajuntamento de camelôs e ambulantes e a prefeitura. De
acordo com alguns dos entrevistados, quando o executivo municipal convocava uma reunião mais restrita para
antecipar algumas decisões do processo, era com o representante do coletivo que ele se dirigia primeiramente
(discussão que não seguirá adiante por não ter conseguido agendar uma entrevista ou conversar nos corredores
do CPC com o presidente do Sincovam). Após isso, esse mediador encaminhava uma fala para o seu coletivo
reunindo em algum lugar no centro. Posteriormente, o outro momento era a convocação pela prefeitura da
reunião aberta e ampliada com todos (dirigida pelo próprio prefeito Artur Neto e seus secretários diretamente
envolvidos, no salão da prefeitura ou outro prédio que comportasse o tamanho do público, para confirmar datas e
lugares provisórios, convencer a plateia no engajamento do Projeto Viva Centro, mostrar croquis e plantas dos
três CPCs para onde seriam transferidos, acertar detalhes dos “Termos de Adesão”, construindo expectativas e
oferecendo o Projeto Viva Centro como a “solução” mais viável e vantajosa de mudança. A performance dos
representantes do coletivo de “camelôs” durante essa reunião ampliada tinha lá sua importância nesse momento,
pois desempenhavam o papel da demonstração de engajamento e o papel de “vigilante” daquilo que seria melhor
para o coletivo, mesmo quando a plateia desconfiava do que ocorria nos bastidores nesse estreitamento com o
poder público. Agora, passada a etapa inicial da transferência, o Sincovam se instala na Galeria Espírito Santo e
tem de lidar com uma nova situação. Os transferidos ao assinarem o Termo de Adesão, foram chamados a
cadastrarem-se como “microempreendedores individuais”, deixando de lado a figura típica de camelô, pelo qual
deveriam ser representados pelo Sincovam. A nova situação levou o presidente, como confidenciou ao
pesquisador um dos diretores, a pensar em mudar o seu estatuto para agregar mais esse coletivo. Tal como o
Sincovam, talvez estejam nesse mesmo impasse outros representantes, como a Avacin e a Cooperativa de
camelôs e ambulantes que, no início, sentavam-se à mesa de negociações com o executivo municipal. Sendo que
esta última se viu enfraquecida durante o processo e retirou-se do cenário.
182
na rua Henrique Martins não fizeram essa trajetória, que segundo um entrevistado poderia ser
rotulada como a trajetória das “primeiras cobaias”.
Após o início do processo de transferência de 2014, os permissionários da Rua
Henrique Martins ainda ficaram por volta de seis meses na via pública até que a Galeria
Espírito Santo ficasse pronta e posteriormente foram transferidos, sem passar por um
“camelódromo provisório”80. Por continuarem nas ruas, não receberam a bolsa formação no
valor de R$ 1.000,00, nem a cesta básica (oferecida pela prefeitura a todos que deixavam as
vias públicas como compensação temporária até a instalação definitiva no CPC). Alguns
entrevistados, entretanto, comentaram a respeito da reivindicação feita ao prefeito para que
recebessem ao menos o valor de uma bolsa formação no período de instalação e adaptação no
novo lugar. Como relatou a entrevista [Q9].
Quem orientou a gente foi o pessoal da secretaria, o secretário, né? Só que nós da
Henrique Martins, nós não fomos para o provisório, nós já viemos direto pra cá.
Ninguém pegou aquele benefício de R$1.000,00 e a cesta básica. Isso, só os da
Henrique Martins [não receberam, pois ficaram na rua aguardando], porque tinha
poucas vagas no provisório. [Q9].
80
O primeiro lugar como a alternativa mais imediata para a retirada de camelôs e ambulantes, das áreas mais
densas do trabalho e negócio em via pública, no Centro Histórico, foi rotulado pelo poder público municipal de
“camelódromo provisório”. Estes espaços ainda encontram-se abertos, até que seus ocupantes sejam transferidos
definitivamente para outros CPCs, Galeria dos Remédios e Shopping T4. Continuam “funcionando” três
“camelódromos provisórios” (agosto de 2016). Dois estão localizados na Rua Floriano Peixoto (um destes, após
um período desativado pela transferência dos ocupantes, cedeu lugar para a “Central de Artesanato “Tenreiro
Aranha”, após reivindicação de um agrupamento de artesões locais que estava anteriormente na Praça Tenreiro
Aranha, no Centro Histórico, que está sendo “revitalizada”), o terceiro está localizado entre a Rua Lobo
d’Almada e Avenida Epaminondas, tendo acesso por ambas as ruas. Todos os três lugares serviam como
estacionamento antes de virarem “camelódromos provisórios”. Os espaços, agora ocupados pelos
permissionários e suas bancas retiradas das ruas, estão visivelmente apertados, com relativa claridade e sem
condição para um pequeno fluxo de pessoas. Algumas vezes em que o pesquisador lá esteve, conversando com
os transferidos e observando, ou as bancas estavam fechadas, ou se aberta com poucas mercadorias expostas.
Carros-lanches ao fundo, cadeiras de plásticos ao lado da banca e um camelô que esperava. Esse agrupamento da
Floriano está aguardando a autorização definitiva para a ocupação dos boxes do CPC - Shopping T4, na zona
leste da cidade.
183
por alguns entrevistados era “curral”, que servia como metáfora para se referir à situação
experimentada como espaço apertado para o quantitativo de bancas no “camelódromo
provisório”.
Em virtude do tamanho dos “camelódromos provisórios” ficava patente que não
poderia caber, mesmo inadequadamente, todos os transferidos no processo de uma só vez,
além do fator localização que pesava para a atração de consumidores, segundo os
permissionários. Se considerar somente aqueles camelôs localizados ao redor da Praça da
Matriz, poderiam ser estimados entre 450 a 500 permissionários, de todos os tipos de serviços
e comércio de mercadorias, entre carros-lanche e bancas. Levando em conta somente a av.
Eduardo Ribeiro de um lado e outro da via, sem contar com as transversais, o número triplica.
Esta situação é exposta pelas entrevistas [Q18], [Q1] e [Q2] quando narraram parte de suas
experiências nesses lugares.
Esse foi o período mais difícil da nossa vida. Mas, tamos aí conseguindo superar.
[...] Muitos colegas nossos, uns entrou em depressão, outros até se enforcaram
[assusto-me e pergunto sobre isso]. Um amigo nosso que se enforcou, eu conhecia
ele, ele entrou em desespero, né? Tinha família [tempo de silêncio]. Ele entrou em
desespero porque o lugar que nós fomos...A gente passemos um período difícil ali
[“provisório”], porque a gente não vendia quase nada no lugar onde colocaram a
gente. Alguns colegas nosso vieram pra cá totalmente sem nada! [entonação forte],
acabaram com tudo naquele lugar, ficaram sem nada, nada. Acabou tudo porque
ninguém vendia nada lá, aí estragou a mercadoria [Q1].
Eu só num [aceitei] [...] porque disseram que iam tirar todos e não tiraram e isso aí
foi um ponto negativo. E, também, que eles falaram que a gente ia sair da rua
somente quando tivesse pronto, mas, também não foi porque nós saímos antes de tá
pronto as galerias. Saímos da rua e fomos para os provisórios que era aqueles
estacionamentos. [...] Então, isso foi um ponto negativo porque se cada um de nós
tivéssemos saído direto, cada um pro seu local definitivo teria sido melhor. [Q24].
Discordamos porque a gente queria vir direto pra cá, não pro provisório! No
provisório, na realidade, tu não trabalhava, tu guardava a tua banca!Abria tua
banca lá e não vinha ninguém. Tu ia pra lá só mesmo de “migué” [gíria que
qualifica a ação de enganar]. É esse da Epaminondas! Que ainda tá aberto. Agora
támelhor porque eles viram [...] porque nós fomos os cobaias, entendeu? Os
primeiros a ir pra lá e eles botaram uma banca colada na outra. Não tinha como [...]
nem cliente entrava pra dentro. Agora, lá tem espaço, se tu for por lá, eu passo lá,
agora tem espaço! Bem diferente de nós, daquele tempo. A gente comentava as
coisas no meio [...] entre nós próprios, com os colegas camelô. [Q28].
Foto 13 - Noite de inauguração do Centro de Compras Popular Galeria Espírito Santo nas esquinas das ruas
Joaquim Sarmento e 24 de maio.
Foto 14 - Fachada do Centro de Compras Popular Galeria Espírito Santo nas esquinas das ruas Joaquim
Sarmento e 24 de maio.
81
Não se foi bem-sucedido em conseguir informação concreta de nenhum agente público ou dos representantes
quanto ao percentual de adesão do ajuntamento ao Projeto Viva Centro Galerias Popular, isto é, o percentual
referente ao número oficial de camelôs no centro da cidade. De fato, assinar o Termo de Adesão não significava
na prática permanecer trabalhando e negociando no CPC. Visto que alguns dos entrevistados estavam ou numa
relação de aluguel, ou numa relação de empréstimo temporário do box de outro permissionário. Além de que há
aqueles que não concordaram, desistiram ou buscaram outro caminho para continuarem na via pública ou foram
para outro bairro da cidade.
82
A Lei Delegada nº. 1, de 2013, criou esta secretaria com o objetivo principal de acompanhar o processo de
requalificação da área central da cidade e de organizar e acompanhar o processo de transferência. Posteriormente
foi reordenada na estrutura da administração municipal como Subsecretaria Municipal do Centro Histórico –
SubSemch (MANAUS, 2013c, p. 11).
83
O Fundo Municipal de Fomento à Micro e Pequena Empresa (Fumipeq) foi criado para prestar apoio
financeiro para a construção e estruturação dos Centros de Comércio Popular, além de financiar bolsas, cesta
básica e crédito para os transferidos que assinam o Termo de Adesão, no capítulo 4 será pormenorizado o
funcionamento do Fundo.
188
Trouxe tudo da rua esse material [a mercadoria] [...] financiamento, até o momento
não, porque como eu falei que tenho outra fonte de renda, eu não pude financiar
porque eu tenho uma empresa, uma “EPP” da construção civil, aí tenho CNPJ, aqui
é só pra micro, eles fazem empréstimo, mas é só pra micro, eles fazem de R$
6.000,00 reais. Meu marido é que trabalha na realidade. Só que a empresa é minha e
dele, ele presta serviço na área da construção civil, ele é mestre de obras. Aí o que a
gente faz? Quando tem um emprego, um trabalho, a gente faz empréstimo no banco
[privado] [...]. O município, ele fez o quê? Quando nos tirou da rua, nós ficamos
recendo uma quantia, uma cesta básica e mil reais, enquanto aprontava aqui.
Quando ficou pronto, nós ainda recebemos dois meses R$ 1.000, (mil reais) e uma
cesta básica. Agora, eu não tenho certeza, disseram que vão nos emprestar R$
5.000,00 (cinco mil reais), mas não sei. [Q3].
Bom, aqui, né... [é] que você é dono do seu estabelecimento. Porque na rua, na rua é
um lugar público, onde você tava ali de penetra, que, na verdade, não é um local
onde as pessoas deveriam estar. Então, era uma insegurança porque quando viesse,
assim, o Ministério Público e quisesse retirar, ele mandaria tirar já que a pessoa não
era dona de nada, né? E, aqui é mais seguro, [por] que o box é da pessoa mesmo,
entendeu? Pode fazer um financiamento que vai ter lá um documento que comprova
pra você. [Q24].
O primeiro grupo de transferidos não fazia ideia de como seriam nem o local
provisório nem mesmo o local definitivo, nem como se estabeleceria a organização do
trabalho e, mais importante, como seria o fluxo dos consumidores, a dinâmica das vendas. No
recente desdobramento do processo de transferência muitos já escolhiam não ir para os
“camelódromos provisórios” ou mesmo para a “Galeria”. Esse momento de decisão, daqueles
que aguardavam na via pública por sua transferência/deslocamento, em grande parte estava
vinculado à situação vivenciada por seus pares no CPC. O número final do processo de
190
transferência em torno do Projeto Viva Centro - Galerias Populares tinha como pretensão
abranger um pouco mais que 2.100 pessoas. No entanto, o questionamento sobre quais
atividades estariam nesses Centros Populares de Compras parece ser uma chave para se
problematizar a construção desses novos mercados e os constrangimentos que produzem à
atividade escolhida pelo indivíduo para se desenvolver em seu ambiente84. Sobretudo quando
se trata de atividade originária de via pública. Não se deve negar que na prática cotidiana há
uma hierarquia social e determinadas diferenças entre os trabalhos e negócios desenvolvidos
em via pública (verificar no capítulo anterior, no subtítulo 2.3), com um significativo grau de
heterogeneidade que, possivelmente, não se “encaixe” nesse tipo direcionado, de projeto
específico e único, de empreendimento púbico e que não seja capaz de alcançar a todos tão
facilmente.
A “solução” modelar de empreendimento público via Centros Populares de Compras
não é algo recente. O modelo é citado, reconhecido e, antes de ser implantado em Manaus, foi
visitado pelos agentes públicos e pelos representantes do ajuntamento, em outras cidades do
Brasil. Além disso, algo semelhante já era planejado desde a década de 90. Como visto, é
aplicado indistintamente, desconsiderando alguns traços de heterogeneidade e hierarquias
inerentes ao trabalho e negócio em via pública. Portanto, não são todas as atividades e
negócios, por um motivo ou outro, que poderão fazer parte dessa proposta modelar.
84
Cabe ratificar o resumo da montagem do cenário: “[...] Só no primeiro dia, a adesão foi de 528 trabalhadores.
Os camelôs ficarão nos camelódromos até que sejam finalizadas as adequações nos dois espaços definitivos do
Centro (Galeria Espírito Santo e Galeria dos Remédios) e construído o Shopping T4. Enquanto isso, os
trabalhadores receberão bolsa de R$ 1 mil, condicionada à participação deles em cursos de qualificação
profissional. Os cursos escolhidos direcionarão estes trabalhadores a aperfeiçoarem técnicas de atendimento e
empreendedorismo. Houve ainda a opção de um financiamento de R$ 10 mil para a abertura de novo negócio
fora do logradouro público. O valor é proveniente do Fumipeq”. (SORTEIO, 2014).
85
Logo que se entrou no campo empírico para observação da rotina diária e realização da entrevista, achava
curioso aquele conjunto de barracas cobertas montado bem no hall de entrada, o que destoava do padrão dos
boxes construídos no CPC. Na medida em que foi a própria secretaria que autorizou a construção num espaço
que, dentre outras coisas, seria instalada a escada rolante. Em 2015, a Secretaria Municipal do Centro Histórico
decidiu retirar as barracas do hall e ofereceu boxes em outro corredor do CPC. Um permissionário discordou e
191
[...] Fizeram um sorteio [distribuição dos boxes]. Ninguém escolheu, não! [...] só decidimos
onde é que nós íamos ficar, né? Se era aqui no Shopping Espírito Santo, se era aqui no
centro [...]. Pegaram quais são esse total de pessoal, aí fizeram o sorteio pra ver quem vai
ficar em cada loja, foi assim que aconteceu. [...] tá vendo essas três barracas ali [aponta na
direção de três barracas com lona verde], aí cada um cedeu, só quem não cedeu foi aquele
cara ali, e tão tentando tirar ele daí. Fizeram um outro box ali embaixo da escada pra ele,
mas tá ainda na justiça pra tirar. Os outros cederam pra ir lá pro T4, aí esse daí quis ficar aí
mesmo, fizeram uma outra pra ele, mas ele não quer sair daí.Tá na justiça, o direito é dele,
deram pra ele, é dele e ele não quis sair, tá procurando o direito dele, né? [Q2].
Foto 15 - No ângulo centro esquerdo da foto aparecem as coberturas verdes das três barracas montadas no hall
de entrada do CPC, antes de serem retiradas.
não aceitou a ordem de nova mudança entrou com recurso jurídico para se manter no mesmo lugar, segundo um
dos entrevistados num momento em que se mencionou a demolição daquelas barracas. Durante o período em que
este pesquisador esteve no CPC, apenas observou trabalhadores desmontando as barracas, mas nunca viu alguém
as ocupando ou vendendo algo ali. Soube depois que um deles aceitou ser alocado em outro box no corredor dos
fundos. Mas, não se conseguiu entrevistá-lo nem outros ou estreitar aproximação para compreender dos próprios
sobre o evento ocorrido. Alguns sempre estavam ausentes durante toda ocorrência e o encontrado depois não
quis falar nada. No segundo semestre de 2015, o hall estava liberado para a futura instalação de duas escadas
rolantes, ligando o piso ao mezanino, o que ocorreu no primeiro semestre de 2016.
192
Olha, realmente o nosso sindicato não teve, assim, uma conversa direta com nós.
Sempre acertavam entre eles, chegavam e se reuniam entre eles e nunca com nós.
Então, isso aí foi tipo um constrangimento com alguns dos nossos colegas da
categoria. Eles deviam ter chamado mais, escolhido um lugar, assim, mais próximo,
um lugar melhor para entrar num acordo com nós. [intervenção do pesquisador sobre
o local das reuniões] As reuniões aconteciam na prefeitura, eles se deslocavam pra
193
lá, nunca nós, escolhiam um entre eles e iam pra prefeitura. [...] Olha, o papel deles,
até que fizeram um papel bom, uma escolha boa, mas em outros termos poderiam ter
escolhido, ido atrás de um lugar mais próximo da parada de ônibus, próximo do
povão. Atrás de um local mais próximo para fazer o shopping. [Q1].
O temor mesmo era de não dar certo mesmo! De não dar certo pra nós! Mas a gente
sempre procurou que desse certo, mas não[...] Sabe, foi o tipo do local que a gente
escolhemos, que foi um local longe do centro. Que tinha que ter, ou que já fizesse,
um prédio perto de onde tem movimento, né? Fazer tipo uma galeria. Por ali tem
muitos, né? Se for falar assim [...] mas tem que tá perto das ruas. [Q30].
Dois dias antes da inauguração, as chaves foram entregues para que os permissionários
organizassem seus boxes. Entretanto, partes do prédio ainda estavam sendo “retocadas” e,
enquanto este pesquisador permaneceu no campo pôde observar as contínuas mudanças na
disposição do espaço interno do prédio. As empresas contratadas modificavam as formas
organizadas inicialmente e faziam novas adequações no ambiente, como abertura de entradas
laterais, elevador para pessoa cadeirante, painel central e distribuição de energia elétrica
individualizada, novos espaços de serviços, desfazendo e reposicionando alguns boxes. Por
outro lado, não é somente a ação governamental que “arrumava” e dava nova estética ao seu
objeto.
Em campo, observaram-se as práticas cotidianas dos permissionários em fazer o
reajuste do ambiente privativo dos boxes, a partir de seus interesses, necessidades e
experiências. Por meio das entrevistas e de conversas informais, soube-se que a disposição
interna do box precisava ser reorganizada de algum modo. Foram as práticas de ações
recíprocas, pequenos conflitos pessoais entre os permissionários, pequenos favores e vista
grossa, as burlas, não tão veladas, com a normatividade que produzirão um ambiente
incorporado pelas práticas cotidianas de adaptação e recursiva a experiências anteriores.
Um novo ambiente duplamente qualificado tanto pelas ações e normatividade do
poder público quanto pela rotina incorporadora dos permissionários. A experiência
socialmente construída pela prática cotidiana na via pública não é descartada, apesar de
vivenciarem novas regras em um novo ambiente, uma nova ordem de comportamento e
organização do trabalho. Como verificado, em vários momentos de interação entre os
permissionários, um tipo de cooperação e ajuda mútua ou mesmo forma de espelhamento de
conduta e a percepção mútua do ambiente em comum, anteriormente adotada, apresentam
determinada reprodução no CPC. Rotinas que tentam trazer sentido de pertencimento, de
produzir condições concretas de posse (mesmo que legalmente precária), ajustamento de
normas, realização de “cerimônias de adaptação” ou maneiras de proceder a diferenciação e
194
organização social no seu pequeno entorno. Representam microprocessos que produzem certa
ordem de interação que, de nenhum modo, encontra-se dissociada da experiência individual
ou de modos de interação já conhecidos, ou seja, a maneira de se construir uma nova
experiência nesse tipo de mercado e na organização do trabalho nos limites da estrutura
normativa/legal do CPC problematiza e pressupõe que essas ações situadas estabelecem
conexão e tipos de combinação entre a ordem “lá fora”/em via pública e a ordem “aqui
dentro”/no CPC.
Um fato prático e de demonstração de solidariedade pontual é o pedido ou a
disposição em cuidar do objeto de alguém enquanto este não se faz presente. Isto é uma ação
comum, compartilhada e inerente à ordem da interação e à experiência em via pública, do
processo de aprendizagem das relações interativas entre os pares mais próximos e que
fundamenta certa ação de reciprocidade, ajuda mútua e solidariedade86. A importância de
manter uma confiança prática, alguém que vai “reparar”87 seu objeto enquanto permanecer
ausente, pressupõe e constitui um problema empírico a respeito da forma subjetiva de regular
a continuidade do indivíduo nesse ambiente de trabalho e de negócio e na tentativa de manter
algum tipo de estreitamento de laço em condições comuns. Portanto, tem consequência direta
sobre a manutenção da situação de copresença representada pelo “objeto” do permissionário
ausente e, do mesmo modo, sobre a prática de minimizar conflitos e transtornos maiores entre
os pares próximos, seja pela falta de reciprocidade, seja pela reprodução de comportamentos
que exprimem condições de conduta semelhantes às condutas em via pública.
No CPC, durante a observação e nas entrevistas, era bastante comum e sem muito
constrangimento, alguém se aproximar do outro e solicitar: “pode dar uma olhadinha aqui pra
mim enquanto vou resolver um negócio ali, eu já, já volto. Não precisa vender nada”. A
verbalização do “pedido”, feito enquanto a pessoa já estava mesmo de saída ou apenas
lembrando algo já combinado anteriormente, apresenta a marca da linguagem, da prática e da
experiência da interação social de confiabilidade entre os pares mais próximos. A manutenção
da solidariedade possível, em um ambiente de paredes e portas que separam o trabalho e
negócio individualizados e em condições de concorrência e disputa por clientes, ainda é uma
prática concreta de percepção mútua entre os indivíduos e, também, resultado da percepção do
contexto não tão díspar a ponto de criar isolamentos e entrar em conflito com os pares nem a
ponto de produzir firmeza e densidade de coesão entre eles.
86
Uma participante expõe um pouco dessa solidariedade entre os pares próximos: “A gente divide as refeições
aqui, eu trago um pouco, ela ali traz um outro pouquinho e aí a gente se ajuda. Quase todo dia”. [Q11].
87
No sentido de cuidar, observar com atenção.
195
Notei discussões, mas não é nem discussão. Foi uma insatisfação! a palavra
correta. Uma insatisfação por causa de uma mudança! Foi uma mudança brusca pra
muitos. É que você tavaacostumado com um serviço e vem pra outro, trabalhando
com o mesmo, mas que é diferente pra gente que trabalhava na rua. É diferente
não só pela renda, mas por outras coisas. Por exemplo, aqui nos fizemo um curso de
reciclagem pelo Sebrae. É[...], por exemplo, eu fui fazer, porque gosto de fazer as
coisas que são benéfica, né? Mas, os colegas que fizeram, eles não absorveram pra si
a mudança que nós tivemos. Por exemplo, lá na rua, quando você tem um padrão,
[...] eu sempre trabalhei, eu fui uma pessoa responsável pelo meu horário. Eu
sempre cheguei cedo no meu trabalho, eu saía no máximo que eu podia explorar do
meu horário de trabalho. Rapaz, isso é complexo. Tem muitos quesitos que são
bom, mas não tão sendo cumprido. Este, por exemplo, o do horário. Pena, esse
do horário foi um levantamento que nós fizemos, mas não tem sido cumprido.
Entre outras coisas. [...] E aqui, o questionamento mais é esse, as pessoas não
querem! Pensam que tão lá na rua que chegavam 10 horas, 9 horas, 11 horas, 13
horas. E aqui tá acontecendo a mesma coisa, a pessoa dizia “eu trabalho por conta
própria, eu vou trabalhar se eu quiser”. Isso é uma ignorância, isso é tipo de
ignorância! Porque como é que eu trabalho por conta própria, o meu patrão sou eu,
minha renda quem faz sou eu, como é que eu vou ter esse luxo? Só se eu tiver uma
outra coisa. Mas, quando você não tem uma outra fonte de renda, vive daquilo
mesmo, tem que tá todo dia! O que tá havendo aqui é sobre isso. [Q23].
196
O fato de que nem todos foram para os CPCs, ao contrário, permanecem na via
pública trabalhando e negociando aparece como um dos problemas de maior conflito entre a
promessa de ordenamento da cidade e a transferência. Este impasse entre o plano de
transferência prometido e a prática da execução parcial provoca entre os permissionários do
CPC uma percepção de prejuízo econômico de um lado e de motivação para a retomada das
condições anteriores em via pública, de outro. A presença dos “camelôs” que aguardam nas
ruas é relacionada e notada na maioria das narrativas como um fortalecimento da tomada de
decisão dos consumidores em não frequentar o CPC. Por outro lado, na entrevista [Q6] é
possível observar uma amostra das narrativas que expõe a percepção própria das condições
mais gerais do mercado de trabalho em Manaus, tomando a experiência de sua própria
trajetória ocupacional e dos seus pares. Sabem qualificar os elementos que definem as portas
de entrada e saída do mercado de trabalho regular e das ocupações em via pública.
Mais ou menos. Discordei porque, na verdade, na reunião era uma coisa e depois na
hora de agir foi outra. É porque nós estamos aqui na mão da Secretaria [Semch], né?
Então, nós não podemos fazer nada cem por cento, [...] que o box pode ser repassado
pra família isso procede, tá em lei, mas a pessoa não pode se segurar nisso, porque o
que nós estamos vendo dos nossos mandatários que uma hora é uma coisa e depois
é outra coisa, ninguém pode ficar seguro, entendeu? A vida do camelô na rua não
vai voltar, porque isso vai indo, vai indo e vai virar lei; o camelô na rua, nos espaços
do centro da cidade, em nenhuma capital brasileira vai ter, isso vai ser lei. Mas essa
lei vigorando e o povo passando fome. Vai ficar sem opção, já está sem opção.
Ganha pouco, praticamente analfabeto, menos favorecido, aos 45 anos já não tem
mais emprego, as portas das fábricas se fecham, e aí? O que ele vai fazer? Vai
trabalhar alternativo, mas não tem mais como trabalhar alternativo. Vai lá pra
periferia, ele tálá na periferia passando fome, ele vai fazer o que na periferia? [Q6].
sempre entre pares próximos, cada um trazendo um pouco, não somente demonstra o
momento tenso da transferência e da adaptação como é qualificadora dos pequenos laços e
das ações de solidariedade impostos pela condição ainda instável do CPC.
A conduta mais “frouxa” em relação às normas internas e a burla das regras que todos
deveriam cumprir contribuem para a ação de duas condutas em disputa, sinalizando outra
forma cotidiana de resistir e tentar responder pragmaticamente aos desafios do lugar, como
aponta a entrevista [Q12]. Primeiro, com a conduta de negociação conveniente e pontual tanto
em relação às regras como em relação à fiscalização dos agentes. Segundo, a percepção de
alguns é que essa conduta reiterada desorganiza o conjunto de atividades e a identidade do
lugar, principalmente no que diz respeito aos horários, padronizações e permanência no lugar.
Em contrapartida pode estreitar e fortalecer os laços de proximidade entre os pares, devido às
situações no ambiente em comum.
Ah, discordei sim de muita coisa. Como te falei, vim pra cá, tudo empoeirado, aí o
pessoal trabalhando [...], a gente passando pelo meio, correndo até o risco de se ferir.
Então, tem coisas que até hoje eu não aceitei. E, na desorganização que tá até hoje
também. Tá tudo bonitinho? Tá, mas é loja sendo vendida, é loja alugada e o
contrato que não pode nada [permite fazer]. Porque eu sou assim, se pode, pode; se
não pode, não se faz. Não é que eu seja perfeita, mas eu não gosto disso. Uma vez
aí, fizemos uma reunião e passamos horas [enquanto ela ia respondendo minha
indagação levantava-se para dar uma “espiada” num box, aberto, que vende roupas,
mais à frente, de outra permissionária que havia saído para resolver algo na rua. Em
uma dessas vezes,ela atende um cliente e negocia. Não pode vender uma loja, não
pode passar nem pro esposo, só se for pros filhos [...], pois agora vou providenciar
um filho pra mim, então. E agora aí tá podendo vender tudo, já. Num sei nem quem
é o responsável se é a prefeitura ou o sindicato, tá tudo errado. [...] Mas num tem
ninguém pra botar regra. Olha esse monte de mercadoria nas fachadas, não pode,
não dá nem pra ver o nome da loja [não é permitido no CPC afixar nada na fachada
do box além da placa com a identificação]. Teve um tempo [em] que eu coloquei
aqui [aponta para fachada] de propósito, de propósito bastante mercadoria,
vieram em cima de mim, foram falar pro secretário [da Semch]. Eu queria que o
secretário viesse aqui falar comigo, mas não veio. Aí, veio o Assis [presidente do
sindicato] falar comigo, eu tirei. Mas, aí voltei a colocar, mas aí não cobri a
fachada, coloquei do lado esquerdo e do lado direito aqui, mas dá pra ver o nome [da
fachada do box]. Da primeira vez, eu queria realmente viessem aqui comigo, pra
falar. [...] Porque ninguém tava fazendo nada [tom de apelo na voz]. Aí, eu disse, eu
só posso ajudar, se tiver no meu alcance, eu ajudo. [Q12].
Por sua vez, os impasses entre o “lado de dentro” e o “lado de fora” criaram um
ambiente de contraste, incerteza e conflito iminente. Uma linha tênue entre ficar ou sair de
vez, ou na melhor das situações, negociar com os problemas e as limitações impostas. Nas
próximas narrativas, tais impasses e problemas concretos são resolvidos por mecanismos de
tomada de decisão e ações variadas. À proporção que o permissionário se vê confrontado
198
como problema do declínio das vendas e a baixa expectativa de consumidores em curto prazo,
decide buscar um tipo de solução particularizada (em termos, pois tem de contar com uma
cadeia de situações e de relações pessoais com outros agentes). Isto implica, por outro lado,
que a solução pensada é movida pelo sentido do imprescindível e do premente, muitas vezes
no limite do emocional, inclinada mais a uma conduta que não mede as consequências
futuras. Em tais condições seria possível: a) posicionar-se pela quebra ou negociação das
regras internas, a fim de pôr em prática sua solução particular do “lado de fora”; b)
permanecer do “lado de dentro”, observando os procedimentos normativos e esperar uma
mobilização da coletividade que encaminhe determinada resolução de maior abrangência.
A ação situada que entrecruza os permissionários, geralmente, acarreta microprocessos
no interior do CPC, os quais, por sua vez, são ativados pela rotina de manipulação dos objetos
nas unidades mercantis, pela negociação com a normatividade que institucionaliza e ordena o
lugar e pela busca de solução imediata aos problemas percebidos em interação com o
ambiente. Portanto, torna-se nítido que as condutas e as rotinas cotidianas são estruturadas
tomando como referência a organização social da experiência em via pública. E, a rotina do
trabalho duplicado, para a maioria, está construída em torno das noções do “lado de dentro” e
do “lado de fora” do CPC, que passou a ser uma prática recorrente na ação situada dos
permissionários. Como salienta a próxima narrativa [Q11].
Vou te falar uma coisa que acontece aqui. Eu te falei que quando chega no dia de
domingo, eu tô trabalhando numa feira, que fica nessa rua aqui [aponta em direção à
av. Eduardo Ribeiro onde acontece todo domingo uma feira de variedades]. Olha
como é a administração daqui [...]. Trabalho lá na feira, obrigatoriamente porque não
tenho opção, então o que aconteceu, fui falar com o administrador daqui, o Assis
[Presidente do Sincovam, parte gestora do CPC], falei: “trabalho ali na feira, o que
você poderia fazer pra gente vir pegar nossa mercadoria aqui?” No primeiro dia ele
disse: “tá bom, vocês levam, tiram no sábado e no domingo quando terminar aí, vem
e colocar de volta, vê quem é o pessoal, coloca o nome das pessoas e tal”. [...] Olha
só a situação, eu não tô reclamando porque tenho carro, eu pego minha mercadoria e
sacola tudinho e coloco no carro. Olha só o trabalho, pego meu carro, 19horas,
20horas, da noite trago o carro, carrego a sacola e boto tudo dentro. E quando é no
domingo que saio da Feira, boto tudo de novo dentro do carro e só venho pra cá, na
segunda-feira. Ainda corro o risco de pegar uma multa bem aqui, porque tenho que
estacionar aqui perto na segunda pra devolver as coisas, porque domingo não
deixaram mais abrir. Agora que custa, ficam dois guardas que trabalham aqui no
domingo? E quem não tem carro como fica? Como a minha colega, ela pega o táxi
daqui pra casa dela com as mercadorias, e quando é domingo de manhã ela pega
outro táxi pra trazer as mercadorias domingo de manhã, ela mora lá no S. Jorge
[bairro próximo ao centro]. Segunda, ela pega outro táxi pra vir pra cá e o lucro foi
embora todinho. O que você acha? Tu acha que uma administração dessa é boa?
[grita um palavrão] Custava avisar um guarda [a guarda municipal que cuida da
segurança e vigilância do CPC] com uma lista de nomes e falava um horário, tal
hora, por exemplo, 14horas tem que vir botar a mercadoria. Pega, abre a porta, a
gente joga aqui dentro e vai embora, já tava mais morta do que viva. Na segunda-
199
feira a gente chega e arrumava tudo! Ninguém resolve nada! Só querem dificultar
nossa vida! [ela se exaspera]. [Q11].
Olha, é a maioria que sai daqui pra vender lá fora mesmo! É daqui que vão
sobreviver lá fora. Pra comprar seu pão de cada dia e pra manter isso aqui aberto
[CPC], se eles não fizessem isso tavam tudo morto aqui. Vão de manhã naquele
momento, vendem e,umas 16horas, vêm embora. Porque se não, não estaria nem a
metade aberta aqui em baixo. São os daqui mesmo, poucos que são invasores! E
domingo também, porque eu também vou dia de domingo, tentar vender umas
mercadorias lá pra feira do São José [na periferia]. Mas a gente gasta muito, a gente
vende bem só que o custo é maior. Eu pago um frete particular, às vezes tem o carro
de um parente, também tem que pagar o da gasolina. Lá você paga. Eu não tenho
banca lá, eu tenho que alugar pra mim trabalhar lá, tem que pagar o aluguel e a água
pra limpar lá. E você tem que vender pra cobrir essas despesas aí. A gente tem que
levar pra casa [parte das mercadorias do box], no sábado [deduz-se que o final de
semana é que aguenta a semana] e aí traz o que sobra. [Q5].
Como esclareceu um entrevistado: “é preciso fazer com que as pessoas sejam obrigadas a
passar por aqui, já que elas não vêm espontaneamente”, sua ideia é reproduzida na declaração
de outros permissionários. Ao organizar o trabalho do “lado de dentro” e do “lado de fora”,
parte dos permissionários, por sua vez, utiliza ferramentas de curto alcance comunicativo. Por
exemplo, a distribuição de anúncio impresso em panfletos, alguns ajudantes “puxadores” de
clientes da rua para o CPC (principalmente venda de semijoias), chamada com megafone e o
pagamento para um carro de som circular pelas quadras ao redor anunciando alguns serviços e
produtos do lugar. Essas ações mais pontuais e individuais pensadas para fora do ambiente, de
igual modo, são combinadas com a prática extensiva de saída para as feiras próximas, ou fora
dos limites do centro, como resposta mais imediatas à falta de clientes e de vendas.
Este tipo de combinação envolve arranjos práticos, nem um pouco simples, visto ser
articulada pelos próprios permissionários, com sua forma particular de organização do
trabalho “dentro” e “fora” do CPC, ocasionando interesses conflitantes com agentes públicos
e com a regulação interna do novo ambiente. Além de exigir diferentes formas de
manipulação de seus objetos e contatos externos, como algumas narrativas evidenciaram.
Combinações e arranjos que a um só tempo apresentam, de um lado, uma razão prática de
buscar lá fora, na via pública, seja nas feiras semanais ou na própria rua em situação de
disfarce e de risco, uma renda principal ou complementar ao trabalho e negócio no CPC. Por
outro lado, representam um grau de expectativa do conjunto de
permissionários/microempreendedores em manter-se dentro do prédio, não apenas estocando
com segurança suas mercadorias, mas construindo um sentido desejável do conforto, da
tranquilidade de proteção pessoal, da sensação de posse “privada” (apesar da precariedade do
contrato) e a impressão de um novo nível de status social. Ainda mais, tornou-se perceptível a
intenção de um autoconvencimento, compartilhado entre muitos, da probabilidade de
melhoria nas vendas e da situação em geral no ambiente após a “crise econômica”; ou mesmo,
da possível futura “negociação” do box (como ocorria na via pública).
Uma combinação complexa de qualificadores de atividades socialmente situadas
conforme a ação, a interação, a experiência e o contexto. Uma combinação que foi constatada
no campo empírico durante o processo de pesquisa como qualificadores teóricos que figuram
como “perda/ganho”, “dentro/fora”, “ajuntamento/pares próximos”, “movimento de ação
governamental/contramovimento de resistência”. Seguindo um traço da perspectiva deweyana
para apreender o caráter lógico de tal ordem construída na ação situada: “Como tenho dito,
uma situação qualitativa e qualificadora está presente como pano de fundo e controle de toda
a experiência” (DEWEY, 1938, p. 70).
202
Conforme afirma Louis Quéré (1998, p. 225), a recusa em ter/estar em uma situação é
equivalente a não querer ter nenhuma experiência. Deste modo, a ação situada no CPC tende a
aproximar a experiência dos próprios permissionários, situada temporalmente, às ações e
sentidos que estes incorporam por meio das atividades socialmente construídas e em interação
com o novo ambiente. As experiências anteriores (do trabalho e negócio em via pública)
podem ser percebidas concretamente, mesmo em um novo ambiente, na construção de prática
e de sentido atribuídos pelos permissionários à situação no lugar. Em consequência, os
processos de interação tornam-se mecanismos complexos de como os agentes tentam
responder às situações percebidas como negativas neste ambiente em comum. Negando ou
negociando o script montado pelo executivo municipal e seus mediadores, ou por não
encontrarem meios concretos para atuarem no cenário montado, ou por construírem
mecanismos de ajustes in situ para desenvolver suas atividades e manipulação dos objetos, ou
ainda, por visualizarem-se mutuamente e perceberem que seus pares próximos não produzem
a ordem do script, apesar de aparentarem fazê-lo (GOFFMAN, 1964; QUÉRÉ,1998).
Ao tentar reescrever um roteiro predeterminado que lhe é apresentado em dado
ambiente, cada permissionário, ao seu modo, constrói um conjunto de mecanismos sociais
que qualificam a pragmática da ação situada. Esta tende a estruturar determinada ordem
objetiva, na forma de organizar seus objetos, seu negócio e trabalho, ao mesmo tempo em que
busca responder às formas de controle e imposições do script do poder público. Portanto, o
agente toma o script das regras do regimento interno, da ordem do ambiente e da fiscalização,
reescreve-o em certos termos, redefine os objetos e negocia seu papel neste cenário.
Organizar o trabalho é dar um sentido prático em sua execução, dando conta dos
objetos, ferramentas e do ambiente que envolve qualitativamente o processo dessa ação: “[...]
No sentido de que realizar uma tarefa (sozinho ou em colaboração com outros) ocorre através
da organização concreta do curso da ação situada, isto é, pela produção local de uma ordem
observável, inteligível e descritiva” (QUÉRÉ, 1998)88.
A noção pragmática/etnometodológica de “produção da ordem local” é aplicada e
compreendida por esta investigação tanto como a possibilidade de observar, analisar e
construir a crítica e o cenário do CPC quanto apreender as consequências que dada ordem de
organização do trabalho representa para o conjunto de permissionários em sua nova
88
“In ethnomethodology, the expression ‘local production of order’ covers a wide area, because it deals with
ordering a sequence of activity, conforming to demands of meaning, coherence, relevance, and intelligibility, as
well as the interdependent structuring of a course of action and the environment in which it occurs, or again, the
arrangement of objects and tools in a work space in such a way as to produce configurations that can be used to
support the sequential and temporal organization of an activity” (QUÉRÉ, 1998, p. 226).
203
exclusivamente com as mercadorias novas, porém muito mais com as mesmas mercadorias
que eram retiradas dos boxes e levadas para as feiras e outros espaços na via pública, no
sábado e domingo, e depois retornavam para o CPC. Alguns encontros com os participantes
da pesquisa foram realizados durante a arrumação do boxe, quando o permissionário colocava
em ordem a sua exposição, dispensando um pouco de atenção para mim e outra atenção para
sua tarefa e, de vez em quando, o esperado atendimento ao cliente. Pelo fim da tarde, em
geral, passava-se o tempo de forma mais reservada dentro do box, poucas conversas nos
corredores, resolução de problemas particulares e fechamento do box bem mais cedo do que o
previsto pelo regimento interno. Entre o final da manhã e aproximando-se o fim da tarde era
mais provável encontrar permissionários dispostos a concederem entrevistas, conversarem
mais abertamente e permitirem a gravação.89
Quando se considerou que poderia demonstrar que, nesse ambiente “entre paredes”, o
trabalho e o negócio dos permissionários teriam assumido o tipo característico, ao menos em
parte, de grupo com laços mais firmes, de um grau de relações mais estreitas, e maior
cooperação para o desenvolvimento do lugar. Então, este pesquisador se propôs a verificar tal
hipótese a partir das práticas de compra de mercadorias dos entrevistados, a respeito de: a)
onde comprava; b) se havia mudado o modo de comprar devido à transferência; c) se
comprava em grupo ou individualmente. As respostas apresentaram indicações de como a
organização dos permissionários neste CPC se constitui, afeta terceiros e em que ordem de
relações está estruturada o envolvimento na situação comum.
Em geral, a noção de ajuntamento90 ainda se faz presente como própria do tipo de
configuração organizacional das atividades no lugar, que apresentam um caráter estritamente
individual e não referente à noção de grupo ou de identificação coletiva. Resultando em
práticas de envolvimento mútuo mais frágil e em baixo grau de engajamento para esta
situação de prática de compras. Cabe considerar que, embora haja uma proximidade entre os
permissionários na ordem da experiência em ambiente comum, tanto em via pública quanto
89
A certa altura da rotina em campo, não precisava mais fazer uma longa apresentação pessoal, como no início.
Minha presença já era percebida e observada no ambiente e já mencionavam “a pesquisa” antecipadamente
quando eu começava minha fala introdutória de aproximação, mesmo que outro sentido fosse dado para minha
ação e intenção da minha prática – trabalho universitário, agente público de fiscalização, entre outros, ou na
indagação “você é de que jornal?/É uma reportagem?”.
90
Ratifica-se que a noção de ajuntamento utilizada neste contexto é considerada como o modo em que os
indivíduos demonstram-se conscientes da copresença, percebendo-se em atos de visibilidade mútua, mantendo
mesmo relações aproximadas e em comum, de grande possibilidade comunicativa, porém com baixo grau de
engajamento coletivo ou grupal e com demonstrações de afrouxamento da cooperação na maioria das práticas.
Possibilitando, assim, um corpo à vida social, mas como um mero agregado de pessoas presentes. Parte-se de
uma tentativa de síntese das definições sobre estrutura de envolvimento, propriedades situacionais e situações de
encontros discutidas no trabalho de Goffman (2010) e aplicada para a análise desta ordem de interações.
205
solidariedade nos negócios ter sido impactado pelos limites e direcionamento de como o
processo de transferência se estabeleceu. Marcado diretamente pelas formas burocráticas por
meio do Termo de Adesão, como contrato unilateral entre a prefeitura com cada
permissionário individualmente e, tendendo a isolar cada “microempreendedor individual” no
seu box, responsabilizando-se por sua própria tomada de decisão e ações realizadas. Por outro
lado, pode-se inferir que a própria organização social da experiência que configura a
pragmática do ajuntamento, é construída com certa inclinação para uma cooperação menor em
relação à prática de compras das mercadorias vendidas em via pública. Além do mais, deve se
considerar a condição socioeconômica diferenciada entre os
permissionários/microempreendedores individuais, como descrito anteriormente, na qual
alguns deles “chegaram sem nada” no CPC vindos do “camelódromo provisório”91. De acordo
com a participante da entrevista [Q25]:
Nós passamos uma vida muito ruim nos seis meses lá no provisório. Você sabe, que
a gente não podia nem se mexer, nem como vender! A pessoa que está acostumada a
vender todos os dias, quando [vai] para aquilo é um deserto muito grande. E, ainda
tamo passando aqui, entendeu? Olha ali, tudo bonito, você vê, tem tudo, uma loja
dessa... Mas ninguém tá vendendo! Você vê uma loja dessas, mas cadê as pessoas
pra comprar?[Q.25].
E, por fim, a condição particular que cada permissionário possui para desempenhar,
racionalizar e determinar formas de manipulação do ambiente e dos seus objetos
possibilitando uma menor condição para a formação de laços mais firmes de solidariedade,
inclusive na prática de compras. O entrevistado participante que afirmou comprar em grupo
informou que fazia isso com pessoas que não eram do CPC e que compravam fora de Manaus
expressando sua reação com: “classe desunida é essa!”. A mercadoria que comercializava era
do tipo acessório de informática. Outro dado relacionado à prática de compras dos
permissionários evidencia que dezessete (17) dos respondentes, aproximadamente cinquenta e
cinco por cento (55%) mudaram sua forma de comprar (a pergunta – após a instalação no
CPC sua forma de comprar teve alguma mudança, com a alternativa se 1, sim ou se 2, não,
com o desdobramento, qual foi mudança). Neste grupo segue a indicação de mudança como
causada pela menor regularidade e quantidade na compra, por venderem bem menos agora
que estão no CPC (o que pode reforçar a individualidade e distinções no período de compras).
“Tá ruim de vendas, não temos lucro aqui pra vender”, afirmou o participante [Q10]. Outro
91
“Tem muitos que não tão nem vindo pra cá porque não tem como pagar condução ou comida. Não tem
mesmo! Num tem quem ajude, às vezes, pede tanto que ninguém quer mais ajudar, entendeu?” [Q1].
207
participante informou que foi o tipo de mercadoria vendida que mudou. Explicou: “Porque, na
verdade, a gente trabalhava com outras coisas, vendendo outro tipo de produto, por exemplo,
com meias, cuecas, variedades. Antigamente o dono daqui falou pra mim: ‘como a gente tem
mais segurança, agora a gente vai trabalhar com ouro’, que já era o planejamento, já. O
negócio do ouro começou aqui [no CPC]” [Q4]. Os respondentes que afirmaram que nada
mudou na prática de compras foram quatorze (14) representando quarenta e cinco por cento
do total. Embora tenham afirmado que a prática de compras não tenha sofrido mudanças, de
igual modo, alegaram a queda das vendas e, por conseguinte, menor ida ao fornecedor. Na
continuação da entrevista [Q28] e na narrativa da entrevista [Q14], os participantes
mencionam as mudanças na rotina para uma possível piora das condições.
Se mudou algo na rotina de compra? Rapaz, a alteração foi que a gente comprava
mercadoria, às vezes, quase todo o dia. Aí, agora, a gente compra por aí duas vezes
por mês, depende muito. Mudou muito as vendas. Diminuiu a ida ao fornecedor. Até
o fornecedor sentiu, também, a nossa mudança da rua. Todo mundo sentiu. Tem
lojista aqui, se você fizer uma pesquisa... Tem lojista que quer que a gente volte pra
rua! Volte porque na Eduardo Ribeiro... Eu vejo muitos rapaz que trabalha nessas
sapatarias aí [...], que falam, “Pô, depois que vocês saíram da rua, caiu muito as
vendas aqui, num é mais como vendia antes”. Mudou muito! [Q28].
[Modificação de rotina] Sofreu alteração, sim. Porque as compras que eu fazia antes
era bem maior, hoje em dia são menores, bem menos. Agora vou só uma vez por
semana, quando muito. Teve semanas aí que eu nem fui, nem um dia! De vez
em quando eu mudo minha rotina aqui, porque as terças-feiras eu tô na [feira da]
Aparecida [bairro nos limites da área central]. [Q14].
92
Não se está levando em conta, neste trabalho, a análise dos dados macroeconômicos sobre a chamada “crise
econômica brasileira” e a taxa de desemprego na cidade, o que causaria outras explicações que poderiam fugir
do objetivo desta pesquisa. No entanto, demandaria outro trabalho de investigação, análise e a possibilidade de
fazer convergências, comparações e interpretações entre a triangulação de fenômenos distintos como a
localização do CPC, a estagnação nas vendas e a taxa de desemprego na cidade no mesmo período.
209
por outro prisma, a informação pode ser interpretada como o modo de ação reflexiva
indicando que alguns permissionários tentam manter ou buscar em outro mercado fora de
Manaus uma quantidade “menor” de suas mercadorias, como parte importante da dinâmica
complementar de compras. Por outro lado, não se pode afirmar com segurança se essa
dinâmica foi posta em prática ao longo do tempo, nos anos recentes ou se estaria relacionada à
busca de alternativas para o novo contexto encontrado no CPC. De fato, a prática de comprar
parte da mercadoria fora do mercado local pode demonstrar que a distribuição de algumas
delas em Manaus sofre com a escassez e os preços elevados para esse perfil de comércio que
recentemente saiu da via pública sem um mercado consumidor definido e, provavelmente,
sem um tipo de localização favorável em relação à anterior.
As narrativas no CPC combinadas com as reportagens locais possibilitam inferir que o
“comércio de camelô” em sua organização da experiência social utilizava de táticas e
oportunidades para comprar fora de Manaus, em viagens ao mercado paulistano nos anos
recentes. Buscando diversos fatores que proporcionassem alguma melhoria de lucro quando
do retorno às vias públicas de Manaus (um desses fatores era a variação do dólar para aqueles
que pretendiam adquirir certos produtos importados) (MESQUITA, 2009, p. E4). No entanto,
isso se restringia a determinado tipo de mercadorias, a certas atividades e a uma condição
prévia de investimento para arcar com os custos. As narrativas abaixo falam sobre como o
mercado de São Paulo tem uma importante ligação como o mercado local. As duas narrativas
demonstram a seguir a ligação do mercado manauara com o mercado paulistano, uma foi
retirada da entrevista de um jornal em 2009 (ainda com o ajuntamento em via pública) e a
outra é de um participante desta pesquisa no CCP. Em perspectiva, comprar no mercado fora
de Manaus pode implicar em uma ação com o caráter de parceria entre os indivíduos do
ajuntamento, que atuam neste circuito comercial para abastecer suas bancas.
“Os preços dos produtos de São Paulo são 50% menores do que os de Manaus. De lá
eu trago celulares, câmeras digitais e roupas. Compro coisas que não têm aqui e
vendo todo dia. Se comprasse em Manaus não venderia a mesma quantidade. Vendo
os produtos com preço de atacado e apesar de ganhar menos, vendo muito mais do
que com o preço de varejo. É vantajoso comprar lá. Pago o frete do transporte aéreo
e o ICMS da nota de 13% (em São Paulo)”, de Celso Albuquerque, 33 anos, 7 anos
no entorno da Praça da Matriz, sua permanência na capital paulista é de no máximo
5 dias, só em dezembro de 2008 ele viajou três vezes para abastecer o estoque”
(MESQUITA, 2009, p. E4).
Totalmente comprada de terceiros [...], tem uma senhora que costura pra mim, eu
compro material pra ela costurar pra mim lá na casa dela, negocio com ela a mão de
obra. Uma parte pequena, mas a maioria eu compro de terceiros, sim. E, também de
uma mulher que vende aqui pra mim. [alteração de fornecedor] Quando a gente
comprava muito de um único fornecedor, ele vinha com a gente, a gente ganhava
desconto, ganhava um prazo maior pra pagar, ia pagando devagar. Hoje, em dia a
gente nem encontra mais nem o revendedor aqui oferecendo, o fornecedor sumiu
porque ninguém quer mais vender, não querem vender a prazo, porque sabe que não
tem mais condições de pagar. Vou te dar um exemplo, ainda comprei em Fortaleza,
em dezembro, mas tô cortando custo [ela sorri]. O que acontece [...] eu tinha três
fornecedores, um de Fortaleza, e dois daqui de Manaus. Em dezembro eu comprava
R$ 30.000,00 de modelador [tipo de peça de vestuário]. Só de modelador eu
comprava de Fortaleza, R$ 15.000,00, esse ano comprei só R$ 2.500,00 e, ainda
tenho modelador aqui [aponta para as mercadorias]. Isso só modelador!. Eu vendia
10 modelador por dia! Pra tu ter uma ideia, quando tavana rua.[...] Eu trabalho com
esse fornecedor de Fortaleza há muitos anos, então eu ligo pra ela e peço pra ela
despachar pra mim. Agora, sabe quando eu comprei isso aqui? Em dezembro, ainda
tá tudo aqui até hoje. Isso aqui nem pra alugar presta [referindo-se ao box], como
é que o cara vai pagar? [Q11].
[fora daqui] Vendo também na Feira do S. José, final de semana. Porque na semana
passada [...] sabe quanto vendi na semana inteira? R$ 65,00, vendi só isso. Levo
tudo pra vender na Feira do S. José [zona leste de Manaus] e sabe quanto eu vendi lá
na Feira em menos de quatro horas? Vendi R$ 500,00. Eu levo toda essa
mercadoria. Pego boto na sacola e levo tudo pra lá e compensa a semana daqui. Na
verdade o box lá é da minha colega e ela passou pra mim por enquanto, porque
ela não tá usando. Ali pra mim é um escape. Ela não quis mais porque tá fazendo
faculdade de gastronomia, ela não quer mais saber desse negócio de venda. Ela
disse: “Vai trabalhando aí”. Então é essa mesma que levo pra lá [o vestuário de
peças íntimas]. As meninas vendem aqui pra mim, minhas fornecedoras, às vezes
pago à vista, às vezes em três dias, uma semana [...], as calcinhas ou sutiãs que eu
compro. Não recebo nota fiscal porque as moças que me vendem, que eu compro
aqui, elas mesmas que fabricam e não dão nota. [...] Houve alteração nas minhas
compras porque parei mais de comprar, eu comprava tudo num atacadista, agora
não, eu compro de duas que são minhas fornecedoras. Compro tudo aqui em
Manaus. [Q10].
[Outra ocupação além do CPC] Eu tenho, sim, porque pra me poder sobreviver
agora, como eu tô vivendo, né? Eu tô levando algumas roupas, algumas mercadorias
daqui, e vendo lá pela vizinhança pras pessoas pagar a prazo, parcelado. Assim, pra
me manter. Às vezes, vou pegando uns calote dos que não pagam. E, a gente vai
abrindo aqui também [CPC], não sei até quando. Eu compro as mercadorias de
terceiros. Nas lojas que vende por atacado aqui no centro mesmo. Às vezes, os
fornecedor num quer nem vender pra nós, pra pagar depois. Porque ninguém tem
mais dinheiro. Lá na rua faziam questão de deixar, lá na banca. Aqui não, você
tem que dar um jeito de pegar [...]. Tem que ter dinheiro pra comprar agora, né?
[...].Eu já tive uma época que tive desanimada, uns dias aí, muito desanimada
mesmo, querendo até sair daqui. Principalmente, quando chega mais perto os dias de
pagar as contas, aí a gente fica aperreada. Aí a gente volta pras calçadas, tiro as
coisas daqui e levo pra lá, perto da Praça Adalberto Valle, fico até as 13 horas, 14
horas. Pra ver se ganho pra pagar as contas, pra honrar nossos compromissos. [Q16].
Tal agência constrói uma jornada duplamente combinada que, de um lado, conecta a
proposta do novo mercado, o CPC com o mercado tradicional e comumente conhecido, a via
pública. Por outro lado, apresenta-se como forma cotidiana de resistência à imposição de
normas e controle da conduta, além de ser uma disposição para responder de forma
pragmática às condições concretas de escassez do fluxo de consumidores, ativando
214
Negativo [...], o único ponto negativo que vejo aqui é que é muito calor. É muito
calor aqui. Deveria ter uma central de ar pra refrigerar melhor, até mesmo os clientes
reclamam da quentura, agora é porque o tempo não tá tão quente, mas quando
chegar mesmo o verão, aqui fica muito quente. Esse é o ponto negativo, deveria ter
uma central de ar pra dar gosto pros clientes. Porque a gente mesmo usa nosso
ventiladorzinho aí e convive, né? Mas os clientes reclamam muito, que é muito
quente e abafado. [Q3].
O ponto negativo é que não tem ar-condicionado aqui, é uma coisa negativa. Todo
shopping tem ar-condicionado, tudo que é Galeria tem ar-condicionado. Eu acho que
isso é negativo, entra aqui é quente, se fosse verão tu tava todo suado aí. [...] Porque
aqui é um shopping falta só arrumação. [Q7].
Negativo é porque os “invasores” estão aí fora. Tem que tirar os invasores pro
cliente procurar a Galeria. Enquanto tiver os invasores, ele não vem atrás da Galeria,
porque tem lá e eles vão pra lá [...] [Q8].
Ao assinalarem que a falta de cliente e as vendas quase nulas podem estar relacionadas
a outros fatores, não necessariamente à intenção do consumidor, acabam por interpretar o
processo de transferência e sua forma de execução como uma prática inconclusa, parcial e de
desempenho abaixo da expectativa. Os equipamentos de escada rolante e elevador foram
instalados somente no final do primeiro semestre de 2016 e, ainda, aproximando-se o final do
segundo semestre resta um quantitativo significativo de permissionários/“camelôs” nas ruas
“esperando” a transferência/deslocamento e, ainda outros retornando às vias públicas. O fator
da localização geográfica, percebida como mais afastada dos limites desejáveis do
“Centrão”93. Agrega-se a este problema a permanência dos pares na via pública e a sensação
de que o processo não ainda não foi concluído. Segundo os participantes estes problemas
chaves deveriam ser solucionados caso se deseje a melhoria do projeto “Viva Centro Galerias
Populares” e um resultado bem sucedido para a ação de transferência. A continuação da
entrevista [Q31] apresenta uma amostra dessa percepção negativa centrada na localização do
novo mercado.
Muitas pessoas não conhecem, e outra, aqui fica um pouco distante lá do “centrão”
ali debaixo. Então, as pessoas basicamente procuram a central e a Marechal
Deodoro. Então, fica difícil, fica distante tu vim da Marechal pra cá. As pessoas que
vem pra cá são as pessoas que vem lá da parada de ônibus e descem lá pra Eduardo
Ribeiro, daí as pessoas não sobem porque não tem nada pra cá pra cima
praticamente! Então, só quem vem são esse pessoal que desce a [rua] 24 [de maio],
as pessoas que estacionam, porque tem muita garagem por aqui. São as pessoas que
vem. Muitas pessoas chegam aqui através de perguntar: “ei, onde que é o shopping
dos camelôs?” Chamam de shopping dos camelôs, a pessoa vem andando e acaba
93
Significa a localização do CPC em relação ao chamado “centrão”, o termo nativo que representa um limite
geográfico que neste contexto se vincula ao fluxo intenso de transeuntes.
216
chegando aqui. Creio que nem é a divulgação que falta. Divulgação tem, tem carro
aí direto [propaganda volante]. A localização, né? [...] No caso, eles poderiam
pegar, fazer um modo de, deixa eu ver [...] Aqui, essa rua aí é a estação do ônibus, a
parada dos ônibus ali. Como essa rua aqui é estreita, eles poderiam fazer só um lado
de estacionamento, porque aqui é os dois lados de estacionamento, fazia só de um
lado, pras pessoas chegarem até aqui, fazer um ponto principal. Eles poderiam ali na
frente, dali do Colégio Militar descer só os alternativos [ônibus do transporte
público tipo micro-ônibus], descerem por aqui e fazer uma parada aqui na frente, aí
seria um ponto! Aí as pessoas, não é por precisão das pessoas virem, mas porque é
obrigatório, tá entendendo? Seria mais divulgado, as pessoas saberiam mais,
aumentaria as vendas, o fluxo. [Q31].
Por outro lado, os pontos positivos destacados pela maioria de entrevistados reforçam
o aspecto contraposto ao ambiente em via pública. Em suma, a pergunta relacionada aos
pontos positivos do lugar sempre remetiam à experiência da via pública. O termo “segurança”
como resposta em praticamente cem por cento dos participantes da pesquisa se torna a mais
indicativa percepção sobre o lugar. Neste caso, vem atrelada aos seus múltiplos sentidos como
segurança pessoal, de organização, de proteção contra as intempéries e de proteção para as
mercadorias que ficam trancadas no box. Além de segurança, outros dois termos ganham
destaque, como limpeza e tranqüilidade, permeando as narrativas. Tornando-se um lugar
excelente se houvesse um fluxo contínuo de consumidores, segundo o depoimento de alguns
permissionários. Em geral, a percepção de “segurança” aprece como intenção fundamental no
que diz respeito ao desejo de permanecer no prédio e produzir uma expectativa de melhoria
nos negócios.
O quadro 2 a seguir pretende esboçar o quadro geral das atividades com as quais os
entrevistados estão envolvidos. Os tipos de atividades não devem ser desconsiderados em
suas formas sobrepostas ou pelas práticas concretas de manipulação do objeto, existindo certo
grau de dificuldade para determinar o aspecto de uma classificação única do tipo de atividade
realizada no box ou isolá-la de aspectos importantes da experiência pessoal e das
consequências de interação com o ambiente. As combinações e os arranjos das atividades
desenvolvidos no box continuam seguindo o traço da multiplicidade tanto na organização da
experiência em via pública e podem refletir a trajetória pessoal do permissionário.
Foram separadas em duas atividades básicas: comércio e serviços, e tomaram-se os
tipos de atividades levando em conta as características dos arranjos e ordenando-as como
principais e secundárias. Como tipo principal de atividade considerou-se o objeto com o qual
o permissionário revelou se ocupar por mais tempo durante o período de permanência no
lugar e observou-se como este o organizava de modo mais visível. Este artifício empírico da
pesquisa de campo em considerar a exposição dos objetos manipulados, como parte da
217
94
Tomando a abordagem do interacionismo simbólico em Garfinkel, compartilhada e sugerida por Quéré (1998,
p. 227), na ideia de que gestos e operações no ambiente de trabalho, baseados na visibilidade mutua da situação
ambiental, permite ao ator dispensar verbalizações e explicações. Durante a observação do campo empírico,
presenciou-se a atitude de um casal recém-chegado arrumando o seu box, colocando prateleiras e mercadorias,
limpando, fazendo anotações, conversando e observando os demais. Apesar deste pesquisador ter trocado alguns
pontos de vista sobre o lugar, quando se tentou estreitar a aproximação, não quiseram participar da entrevista. No
entanto, por vezes, durante a observação, trocava algumas palavras breves. Embora não fossem oriundos do
centro, não se conseguiu saber o lugar de origem. Com o tempo, percebeu-se que, no começo, a organização dos
objetos estava restrita ao interior do box. Eles se localizavam no mezanino, no corredor de fundo e
comercializam vestuários diversos. Semanas depois, algumas mercadorias do interior do box estavam expostas
dependuradas na parte frontal. Com o passar das semanas, progressivamente, a exposição na parte externa do box
ia sendo ampliada tornando-se semelhante à organização dos demais pares próximos. Quando houve a
219
escola e vir para o CPC, receber o filho no box após a saída da escola permanecendo com ele
durante parte do dia, fazer testes dos equipamentos para o cliente e continuar ouvindo o
“som” para sua própria recreação, receber amigos e parentes e sentados em banquinhos na
frente do boxpara colocar a conversa em dia, cochilar na sua cadeira de balanço dentro do box
em determinada hora do dia (como após o almoço), deixar um menor de idade “tomando de
conta” (filho, parente) enquanto vai “ali rapidinho” para resolver algo, ou mesmo, enquanto
trabalha no reparo de um objeto (como um relógio), no interior do seu box, ao mesmo tempo
que troca amenidades com seus pares próximos que ficam encostados no balcão, cuidar de um
box “próximo” porque o permissionário vizinho precisou se ausentar, ceder o lugar para outro
indivíduo conhecido enquanto viaja por um tempo prolongado, receber o serviço de manicure
no próprio boxe enquanto espera por clientes, compartilhar ideias, conversar, reunir-se para
discorrer sobre as condições no ambiente que devem ser melhoradas.
Até aqui a pesquisa tentou evidenciar, por meio dos dados de observação e das
entrevistas, o modo como os permissionários organizam o trabalho e os negócios no local,
como combinam o “lado de fora” com o “lado de dentro” para manterem-se no CPC ao
mesmo tempo em que constroem estratégias de sobrevivência fora dele. A forma como os
arranjos das atividades paralelamente ao tentar atender a uma ordem diversa da via pública
também a reproduzem e constroem memórias cotidianas de resistência, que remodelam o
cenário proposto pela ação governamental. Tais ações e interações produzem microprocessos
que provocam mudança na estrutura, não através de revoltas ou da pressão política legal, da
contestação e do enfrentamento direto. Nas palavras de James Scott (2002, p. 30), as formas
cotidianas de resistência, de camadas populares com poder político fraco e sem coordenação
central em suas ações, são ferramentas que “o objetivo, afinal, [...] não é diretamente derrubar
ou transformar o sistema de dominação, mas, sobretudo, sobreviver – hoje, esta semana, esta
estação – dentro dele”. Quando estes permissionários expuseram suas rotinas, suas atividades,
percepções, atribuições de sentido ao ambiente, suas críticas e ponderações, seu modo de
organizar a ordem diária, também expunham as formas de resistência individual e diária. Um
cotidiano das experiências acumuladas e dos atos criativos na forma de enfrentamento às
situações concretas e às particularidades inerentes do novo mercado.
O processo de transferência, como mecanismo de controle social e ordenamento do
espaço e como cenário montado pelo poder público, não deve ser descolado da compreensão
de quem são os agentes estratégicos e alvos da ação governamental ou como a conduta desses
indivíduos tem efeito colateral não esperado sobre a dinâmica do processo. Lembrando que as
distintas trajetórias de ocupações podem influenciar condutas socialmente construídas,
atitudes subjetivas e o direcionamento para um comportamento de tipo “conflito cooperativo”.
Portanto, o modo como acontece a subjetivação das regras de comportamento e das normas de
uso do novo ambiente resulta em condutas entre os pares sob a forma de pequena cooperação
pontual com o ambiente e em relação aos pares próximos, mas intercalado por conflito (burla
e ajuste) ao sistema de constrangimento e em relação à conduta de outros pares mais distantes.
Isto alcançaria uma melhor compreensão do microprocesso das formas cotidianas de
resistência, o contramovimento não organizado, espontâneo, mas que pode colocar em risco a
própria organização estrutural do lugar pretendida pelo poder público, como tentativa de
ordem e controle da área central.
Sob o argumento de que os centros urbanos devem se preparar para os grandes eventos
internacionais e que a gestão governamental deve criar condições indutoras para o circuito de
bens econômico-culturais local são desdobradas as novas formas de dominação, fomentada
pela crença do planejamento científico da organização social, com modelos de controle da
burocracia urbana em conjunto com a promessa modernizadora da vida social. Os chamados
“centros de compras populares”, geralmente, se inscrevem no limite dessa configuração
principalmente quando originados das intervenções urbanas como política focalizada de
“solução” para o trabalho e o negócio em via pública. De um lado, a oferta de recursos
mínimos e de melhor gestão destes por parte do individuo, onde a formalização, a capacitação
e a criatividade seriam recursos fundamentais deste novo mercado, geralmente remodelando
as experiências tradicionais e o conhecimento local. Por outro lado, o efeito de tais relações de
poder sob a forma de uma mudança induzida “de cima”, tende a manter o controle das
restrições burocráticas, o alcance social mais comedido e apresentar um conteúdo mais
particularizado. Em configurações sociais onde as relações de subordinação tendem a manter
profundas assimetrias nas relações de poder e onde a formação política não é organizada, as
ações tácitas de resistência podem dizer algo quando observadas pelo vocabulário de motivos
que enfatizam a rebeldia, a desonestidade e os atos egoístas daqueles que não cumprem com
os ritos formais e a mudança proposta pela ação governamental.
Portanto, o quadro 2 demonstra como o modo da construção social do novo mercado e
da ocupação que foi estabelecida ali não está ligada a uma especialização de atividades, sendo
que ele próprio é um misto de oferta de serviço público e de comércio privado. Os
permissionários seguem nos seus boxes desenvolvendo uma combinação entre atividades
221
Serviço 1 [Q.17]
Reparo de sapato/venda de sandália e cinto de couro
Serviço Salão de Beleza/venda de produtos cosméticos 1 [Q.29]
Serviço Alimentação 1 [Q.6]
Serviço Reparo de relógio/venda de capas de celular, relógio, peça para 2 [Q.2]; [Q.17]
informática
Serviço Assistência e reparo em aparelho celular/venda de peças para 2 [Q.21]; [Q.22]
celular, informática e fone celular
TOTAL 7
Tendo em vista que a transferência ao CPC não foi provocada originalmente pelas
ações do próprio ajuntamento de “camelôs” e “ambulantes”, esta se inscreve na proposta de
uma paisagem urbana para a área central estruturada por tal modelo de ordem que se dissocia
da paisagem densa estabelecido por “camelôs” e “ambulantes” e se fundamenta em um novo
modelo de organização voltado para microempreendimentos individuais de serviço e
comércio. O processo que desencadeou a constituição de tal projeto de política focalizada
necessitava não apenas de regulamentações próprias após sua implantação, bem como de um
aporte financeiro que garantisse a realização efetiva da ação de transferência (como a
desapropriação/construção/reforma dos prédios) e funcionasse como incentivo para o
engajamento mais firme do ajuntamento e para fechar a relação contratual acordada entre os
agentes. A dinâmica institucional para movimentar o processo de transferência e gerar as
expectativas de mudança se desenvolveu por meio de um mecanismo de amparo financeiro
tanto em relação ao que havia sido prometido diretamente aos transferidos como na aplicação
de recursos do Fumipeq investidos na execução das obras dos espaços físicos, fomentando
uma configuração própria do projeto coordenado pelo poder público municipal.
Por outro lado, a dinâmica diz respeito à produção de fundamentações normativas,
com a indispensável ação do legislativo neste momento, entre os variados recursos legais de
modificações, acréscimos, suspensões que se impunham a fim de viabilizar os contratos,
decretos municipais e sequência do processo para a implantação do modelo em Manaus. O
direcionamento estabelecido pelo poder público para o ajuntamento é determinante, mesmo
que, em princípio, houvesse uma abertura para o posicionamento e a apresentação das
demandas por parte dos agentes em transferência. Contudo, o limite de decisão era mínimo e,
algumas vezes, sob pressão da urgência para a implantação do projeto Viva Centro - Galerias
Populares e para o ordenamento da paisagem urbana exigida pelo campeonato mundial.
O desenvolvimento argumentativo, a exposição e a análise se respaldam em
entrevistas realizadas com o diretor do fundo gestor do Fumipeq e com o secretário da Semch,
além dos decretos publicados no Diário Oficial do Município (DOM) e de artigos jornalísticos
concernentes à panorâmica da situação.
224
4.1 O FUMIPEQ
Recorte 1
Art. 1º O Fundo Municipal de Fomento à Micro e Pequena Empresa (Fumipeq) prestará apoio financeiro
para a construção e estruturação dos Centros de Comércio Popular, previstos pela Lei nº 1.755, de 13 de
agosto de 2013.
Parágrafo único. O apoio financeiro a que se refere o caput deste artigo abrangerá também a verba
destinada à realização de eventuais desapropriações ou locações de imóveis considerados à realização de
eventuais desapropriações ou locações de imóveis considerados pelo Município como essenciais à
implementação dos CCPs.
firmadas por convênio autorizado pelo Chefe do Poder Executivo Municipal (grifo
original).
95
A entrevista foi realizada no horário da tarde, na própria sala do Gestor Executivo do Fundo, no mesmo prédio
em que funcionava a administração do Fumipeq. A entrevista foi dirigida por cinco perguntas a respeito do
próprio fundo e seu uso no Projeto Viva Centro e transferência de camelôs. Tendo sido agendada com uma
semana de antecedência, as perguntas somente foram conhecidas por ele no dia da entrevista, houve cordialidade
e nenhuma recusa em responder a sequência apresentada.
228
O percentual hoje é cem por cento do recurso do Fundo para esse projeto. [sobre
valores globais] Já foram pagos todos. Do Shopping T4, apenas 20 milhões são
recursos do Fumipeq, os outros 17 milhões são recursos do tesouro municipal. A
gente já investiu mais de 60 milhões nesse projeto, entre desapropriação,
construção, financiamentos, reformas. [desapropriações pacificas?] 95% de forma
administrativa e um caso ou outro precisou fazer depósito em juízo. Aí, faz um
decreto de desapropriação baseado na legislação de utilidade pública, faz o depósito
em juízo, toma posse do bem e o proprietário vai discutir se o valor é esse ou não na
justiça. O Espírito Santo foi tranquilo, o dos Remédios foi tranquilo, tivemos alguns
problemas lá porque tinha posseiros, lá no T4 [...] A cesta básica é questão da
Semch, não tenho como te responder quanto a isso. Quanto à bolsa, a própria lei de
2014 nos autoriza a pagar essa bolsa-empreendedor. Até hoje está sendo pago, mas
pra quem já está instalado na galeria dos Remédios e no galeria Espírito Santo, não
mais. Encerrou, porque já estão no local, já estão instalados, tão com seu o box
pronto, a prefeitura só deu aquele primeiro apoio. É igual um pai com seu filho, paga
a escola, ele se forma, vai procurar andar com as próprias pernas, e tal. Assim são
com os camelôs. A gente paga mais ou menos 700 camelôs por mês de bolsa, um
pouco mais um pouco menos. A gente vai atingir os 2.082.[...] quem já está na
galerias não recebe mais a bolsa, [...] chegou na galeria a bolsa é estancada, há
uma finalização do pagamento da bolsa, para as duas que já estão funcionando
não há mais o repasse dessa bolsa. Porque eles já têm o box dele, as mercadorias
dele já estão lá, há todo um empenho, há um programa de mídia em relação às
galerias, então, eles têm que começar [...]” [Secretário Executivo do Comitê de
Crédito do Fumipeq, entrevista em 11 jun. 2015].
96
Observa-se, em particular, algumas das primeiras pesquisas envolvendo os temas sobre a transferência das vias
públicas, a criação de novo mercado, o processo de formalização, entre outros. Por exemplo: NEVES; JAYME;
ZAMBELLI, 2006; MONTESSORO, 2006; ITIKAWA, 2006.
229
Quando o problema surgiu a gente adequou à legislação, se não seria uma Lei que
ficaria em desuso, sem funcionalidade, [...] Porque o que aconteceu? Entre os
camelôs, entre eles mesmos, [...], teve uma grande dificuldade de se organizar
como cooperativa e como a Lei estava daquele jeito, eu não poderia emprestar
diretamente pro camelô, pra financiar [...], aí tinha que passar pela cooperativa.
Como eles não se organizaram de forma de cooperados [...], de uma cooperativa,
porque havia muitas divergências entre eles. Por isso que pra solucionar o problema
houve uma alteração legislativa pra atingir o problema de forma concreta. [...]
[Secretário Executivo do Comitê de Crédito do Fumipeq, entrevista em 11 jun.
2015].
As narrativas dos entrevistados tentam responder esta questão sobre o PPP e outras.
Pode-se encontrar nestas o sentido atribuído e as explicações dadas para tal direcionamento e
desempenho da estrutura política local sobre o processo desencadeado em 2014, ou preparado
mesmo antes. Deste modo, o diapasão de um macroprojeto para a área central da cidade pode
ter o interesse em envolver inclusive o incentivo à expansão habitacional no lugar, entre
outras implicações. Além disso, há uma crença entre os agentes públicos em assumir uma
postura de diálogo e de informação eficientes com o ajuntamento, como se fosse algo bem
distribuído e bem ajustado às suas necessidades. Ao contrário, a escolha deste local onde se
instalou o CPC Galeria Espírito Santo, descrita pelo secretário como escolha atrelada a
230
[...] O Fumipeq não é revestido exclusivamente para os camelôs, mas nestes dois
últimos dois anos nós estamos trabalhando exclusivamente com ele, por falta de
recursos para atender todo mundo, hoje há um direcionamento para atender esse
projeto. Porque é um projeto bem grande, são três galerias, a Galeria do Espírito
Santo já está pronta, a Galeria dos Remédios, a primeira etapa já está pronta, a
segunda etapa vai ser entregue agora, em julho ou agosto, e a Galeria Shopping T4,
tem previsão de entrega agora em dezembro desse ano. Com previsão de entrega
para aproximadamente novecentos camelôs. As três galerias são exclusivamente
para essa transferência. São direcionados para o grupo do centro da cidade de
Manaus. Essa questão dos terminais [de ônibus, cinco terminais onde camelôs
trabalham] ainda está sendo feitos estudos de viabilidade, levantando dados, para ver
o que será para eles, pra onde eles vão, como a gente vai fazer, onde vai ser, o que
231
será melhor pra eles. Porque essas escolhas dessas Galerias foi feita em conjunto
com os camelôs, os camelôs escolheram. [...] Você sabe que essas galerias
pertencem ao município na realidade [...] o governo desapropriou a área,
custeou a obra, [...] Os lugares foram escolhidos sempre pelos camelôs, não foi
uma imposição da Prefeitura. Foi sempre um debate com os camelôs. “Aqui tábom?
Não? Ali não tá bom? Não? Ali é ótimo lugar?”. Sempre foi um diálogo bastante
democrático em relação à escolha dos locais. Porque são eles que vão viver lá, então,
nada mais justo, que eles também façam parte dessa escolha.[Secretário Executivo
do Comitê de Crédito do Fumipeq, entrevista em 11 jun. 2015].
Ele é o fundo municipal de fomento da micro e pequena empresa, criado pela Lei n.º
199/93 com alterações posteriores. Foi modificada por duas leis em 2009 e 2011
posteriormente e houve um acréscimo nessa legislação, um acréscimo
especificamente para atender os camelôs do centro, justamente para atender
essa questão do comércio popular, as galerias do comércio popular do centro de
Manaus. Esse acréscimo foi criado em 2013, inicialmente e alterada depois de
2014. [...] Ele foi criado bem antes do MEI, em 1993 e o MEI foi criado em 2008.
[...] A gente vai agora fazer até uma alteração pra ver como o MEI vai ser
enquadrado na nova legislação. Porque nós temos um limite de crédito. Para Pessoa
Física até R$ 5.000,00, para Pessoa Jurídica, se tratando de microempresa até
R$10.000,00 e, empresa de pequeno porte até R$ 20.000,00. Nosso limite máximo
aqui é de R$ 20.000,00. [...]. [Secretário Executivo do Comitê de Crédito do
Fumipeq, entrevista em 11 jun. 2015].
A seguir são apresentados separadamente dois recortes das alterações sofridas pelo
Fumipeq, o recorte (2) e o recorte (3) referentes à Lei 1.840/2014. Na sequência apresenta-se
um quadro comparativo entre as regulamentações para demonstrar a panorâmica das
modificações, que tiveram um impacto direto sobre o movimento e direcionamento do
processo. O primeiro recorte (2) está separado com a finalidade de dar o devido destaque à
232
Recorte 2
Art. 1º Os artigos 2º, 3º e 4º, da Lei nº 1.780, de 30 de outubro de 2013, passam a vigorar
com a seguinte redação:
Art. 2º Serão beneficiados com o funcionamento previsto no art. 1º desta Lei:
I – as cooperativas de comerciantes e prestadores de serviços informais ou
microempreendedores individuais que atuem como comerciantes ou prestadores de serviços
ambulantes noMunicípio de Manaus, constituídas na forma da legislação em vigor;
II – as pessoas físicas que atuem como comerciantes e prestadores de serviços informais ou
ambulantes no Município de Manaus.
Recorte 3
Art. 3º As pessoas físicas e jurídicas de que trata o art. 2º desta Lei poderão obter financiamento
para capital de giro junto ao Fumipeq, em até quinze anos, com incidência de juros simples e
mensais de 0,1% (zero vírgula um por cento), dispensada a exigência de garantia, observado o
prazo de carência de até sete anos e meio para o início da amortização da dívida.
Art. 4º O financiamento de que trata esta Lei será concedido na forma e nos limites estabelecidos
em regulamento.
Parágrafo único. No caso de cooperativas, o valor financiado poderá ser calculado de acordo com o
número de cooperados, observadas as disposições regulamentares.
(adendo) Art. 2º Fica o Poder Executivo autorizado a conceder bolsas de estudos, com recursos do
Fumipeq, para as pessoas físicas de que cuida o inciso II do art. 2º da Lei n.º 1.780, de 2013, no
valor mensal de R$ 1.000,00 (mil reais), destinadas a custear cursos de capacitação em
empreendedorismo e em relações humanas e comerciais, até a alocação definitiva dessas pessoas nos
Centros de Comércio Popular.
A seguir, um quadro comparativo elaborado de forma didática para se ter uma visão
geral dos ajustes e conformidade nas leis que definem o uso do Fumipeq, das alterações nos
respectivos artigos que tratam do financiamento, dos agentes beneficiados e de um adendo, a
bolsa de qualificação/capacitação. Como expressou o secretário executivo do Fumipeq, não
havia como executar o Projeto de modo eficaz sem as alterações. Isto demonstra que a
legislação anterior não cobria muitas situações geradas e apresentadas no decorrer do
233
processo. O que poderia barrar ou dificultar o avanço da implantação do Projeto Viva Centro -
Galerias Populares e a própria adesão dos novos microempreendedores individuais.
Quadro 3 – Quadro Comparativo entre as Leis n.º 1.780 e Lei n.º 1.840.
I - as cooperativas de comerciantes e
prestadores de serviços informais ou
Serão beneficiadas com o financiamento microempreendedores individuais que
previsto no art. 1° as cooperativas de atuem como comerciantes ou prestadores
comerciantes e prestadores de serviços de serviços ambulantes no Município de
Artigo 2º informais ou microempreendedores individuais Manaus, constituídas na forma da
que atuem como comerciantes ou prestadores de legislação em vigor;
serviço ambulante do Município de Manaus,
constituídas na forma da legislação civil em II – as pessoas físicas que atuem como
vigor. comerciantes e Prestadores de serviços
informais ou ambulantes no Município
de Manaus.
Fonte: elaborado pelo autor a partir das publicações do Diário Oficial do Município (MANAUS, 2013d,
p.1;MANAUS, 2014f, p1).
234
97
Não foi possível entrevistar o diretor da Cooperativa. Mas, encontrou-se um permissionário no CPC que havia
participado do coletivo, trabalhando num box cedido por outro e aceitou participar da entrevista. Parte do
apresentado se baseia nesse relato, onde informou, inclusive, que a Cooperativa havia parado as atividades e seu
representante não estaria bem de saúde e que preferia não falar sobre o que havia ocorrido em relação às outras
duas representações.
235
O prefeito Artur em 2013 criou, [...], no sentido que o Fumipeq servirá, dará apoio
ao empreendimento das galerias populares, dos camelôs. A n.º 1.780, de 2013 e
outro, de 2014. A [Lei] de 2014, porque quando a gente se deparou com um
problema, que a gente viu que a legislação não se enquadrava e teria que sofrer
algumas alterações, aí a gente alterou.[...] Olha, a Lei exime que o camelô traga
garantia, certo? Justamente para facilitar o acesso ao crédito, para facilitar
essa retirada das calçadas e devolver as calçadas para a cidade de Manaus
[hesita na afirmação]. E, por eles terem um espaço conhecido, um box dentro de uma
galeria, e eles estarem lá todo dia, e a própria circulação da mercadorias deles supre
a questão do pagamento e do financiamento. A lei nos permite não cobrar
nenhuma garantia para emprestar dinheiro aos camelôs. Nem restrição de
crédito. A lei nos autoriza a fazer esse empréstimo pro camelô! Especificamente pro
camelô, é uma exceção justamente para gente atingir o público. Porque a gente fez
uma pesquisa e 60% a 70% dos camelôs têm algum tipo negativação. Então, aí
seria inviável para o projeto se nós fizéssemos restrições. Foi feito todo um estudo
em relação a isso, organizado e realizado pela secretaria do centro, começou lá na
época do Raphael Asssayag, depois continuou com o secretário Glauco. [...] Não
precisa estar inscrito na MEI. Mas, no início do projeto eles fizeram um curso,
que foi um curso que houve entre [...], um curso voltado para o empreendedorismo,
“controle de caixa”, “como se formalizar”, foram quatro módulos num convênio
com a Escola do Serviço Público [ESPI, municipal] e o Cetam [estadual], [...] com
certificado reconhecido pelo MEC. E, o Sebrae estava desde o início com a gente
nesse processo. [...] O Sebrae orientou na formalização deles para que se tornassem
MEI, hoje praticamente cem por cento dos camelôs que são microempresários que
estão nas galerias são MEI, pelos benefícios que o MEI proporciona pro cidadão.
Pra isso foi feito uma parceria com o Sebrae, e o Sebrae deu palestra [...]. [Secretário
Executivo do Comitê de Crédito do Fumipeq, entrevista em 11 jun. 2015]
236
98
Convém ressaltar que ele acompanha o processo desde o começo e substituiu o secretário anterior da Semch,
em 2013, Raphael Assayag.
99
A entrevista foi realizada no horário da manhã, no próprio gabinete do secretário da Semch, em um prédio no
centro da cidade, onde funciona a Casa Civil à qual a Subsecretaria está vinculada. A entrevista foi dirigida por
cinco perguntas abertas em que o entrevistado discorria livremente e, com isso, foi possível desdobrar outros
pontos relacionados à transferência dos camelôs e o projeto do CPC. Este pesquisador o havia encontrado por
acaso numa situação de evento público, quando formalizou o pedido de entrevista, tendo aguardado em torno de
quatro semanas para entrar na agenda da secretaria, as questões não foram apresentadas antecipadamente, só no
dia marcado. Houve cordialidade durante o diálogo e nenhuma recusa em responder a sequência apresentada.
237
100
“Este quadro mais amplo inclui a cena especificamente física da troca, a co-presença corpórea dos
participantes e dos espectadores – o que permite insistir no caráter da atividade corpórea de qualquer conversa
[...] – bem como contextos institucionais” (QUERE,1993, p. 12, tradução própria).
238
101
“É esta possibilidade de comunicação amplamente disponível, e as regulações que surgem para controlar esta
comunicação, que transformam uma mera região física no local de uma entidade sociologicamente relevante, a
situação” (GOFFMAN, 2010, p. 170).
102
Menciona-se a narrativa de uma entrevistada. Parte da narrativa recortada para demonstrar uma noção de
interação estratégica na sua própria prática, durante a interação face a face com o secretário: “O que eu quero
aqui, eu vou com eles [a administração do CPC] com jeitinho, entendeu, não preciso gritar. [...] O secretário
geralmente vem aqui, aí, as pessoas não sabem se expressar, nem dar um oi, um com licença, faz a mesma
pergunta de sempre, que não tem dinheiro, não tem dinheiro. Quando ele vem aqui, sobe as escadas, vem aqui
comigo, [pergunto se ela se considera uma pessoa de referência] [...] me considero muito, sim! [responde que já
deu entrevista pra matéria jornalística e teria sido indicada para ser representante, pois a procuram para resolver
coisas]. A pessoa chega com ele [o secretário da Semch] e vem dizendo, que está há seis meses aqui, que não
tem dinheiro, que tá fazendo empréstimo, que a escada rolante [posteriormente instalada no CPC] precisa ser
colocada em tal lugar, para beneficiar tais pessoas. Não é assim, poxa! As pessoas querem saber de dinheiro,
dinheiro, e não é isso que vai resolver as coisas aqui. Precisa saber conversar [coloca ênfase na voz]. [Q12].
103
“Em resumo, a interação face a face é uma arena de conduta, não meramente de expressão e comunicação,
pois a conduta é julgada em primeiro lugar, não em relação à sinceridade e franqueza, mas à “adequação”.
Outras considerações, muitas vezes dominam como o desejo e a obrigação de mostrar simpatia e tato sejam qual
for o que se sinta realmente” (GOFFMAN, 1969, p. 134).
239
entre os pares próximos. Como consequência, tais relações de poder implicam na forma como
se acessa as “respostas” práticas ante as demandas destacadas pelos permissionários. E,
desenhando uma ordem do direcionamento percorrido que vai dos permissionários (P) até o
gabinete do chefe do executivo (G) e destes de volta aos permissionários. Nesta direção, passa
pelos mediadores (M), que se dividem em duas posições: primeiro, a Semch [M1], como parte
direta da administração, conserva sua força e tomada de decisão, segundo pela organização
representativa dos permissionários [M2]. Neste caso, pelas observações e entrevistas que
mencionavam esses representantes [M2], nas atuais condições e limites do CPC, costuma
exercer um papel secundário, por consequência, mais enfraquecido e esvaziado que antes em
via pública. Entretanto, diante da sua persistente continuidade até o momento e as possíveis
mudanças institucionais que pretendem fazer, pode indicar algum tipo de poder ainda em
exercício entre os pares/filiados ou mesmo certa conveniência para algum dos agentes
envolvidos.
Os permissionários/microempreendedores individuais se instalados “do lado de
dentro” do ambiente poderiam se diferenciar dos permissionários/“camelôs” “do lado de
fora”, em tese, pelo novo contrato do Termo de Adesão e pela normatividade do Regimento
Interno, pelo acesso mais rápido e melhor às informações e às “respostas” das demandas. No
entanto, alguns pontos podem ser levantados.
De um lado, as demandas que emergem no ambiente do CPC, pretendem ser
encaminhadas até o gabinete do prefeito, não são demandas de reivindicação ou contestação
que dizem respeito ao tipo de política pública implantada, mas demandas de ajustes,
contornos e acertos pontuais referentes às adaptações ao modelo. Por outro lado, não é por se
tratar de um novo ambiente público que essas demandas são “respondidas” com maior
atenção e relevância ou de modo mais rápido. Ao contrário, os permissionários empreendem
suas próprias ações de “respostas” e de contornos às demandas, na maioria das vezes
individualmente. Pois, no momento em que o mediador designado politicamente como
“representando” a administração do executivo municipal está no ambiente, em caráter de
proximidade e em situação de copresença, [M1] não demonstra “ter força” aparentemente
para encaminhar uma “resolução” rápida às demandas apresentadas no CPC. O que neste
caso, poderia ser levado em conta o tempo político do trâmite de uma possível resposta, que
nem sempre é a desejada pelos permissionários demandantes.
Assim, uma das formas de relações de poder que se constroem nesta dinâmica
interacional no novo mercado toma determinada direção vertical entre as demandas
encaminhadas e as respostas efetivamente realizadas pelos mediadores [M1] e [M2]. E, por
241
[...] não podemos nos contentar em apenas ridicularizar, mas é importante para
desmantelar o maquinário da operação ideológica sob o disfarce da modernidade,
isto é, ao substituir a palavra “governo” pela palavra “governança”, significa nada
menos que a destruição da democracia (OGIEN, 2007, p. 137, tradução própria).
E aí o prefeito Artur entendeu que o projeto, ele é mais amplo do que isso. [...]”
[Secretário da Semch, entrevistado em 25 jun. 2015].
[...] O que nós fizemos? A gente entendeu a questão do camelô em vários eixos,
vamos dizer assim, em vários formatos, vamos dizer [...] um, era que a gente tá
mudando ali duas culturas nesse processo de realocação. Primeiro, era a questão
da própria cultura do camelô, cultura das ruas, a forma como ele se organizava, a
forma como ele tinha a percepção do seu negócio e, como isso influenciava na vida
dele. Então, a gente tá falando de uma cultura específica, de anos, de vários anos
dessa categoria. A segunda questão era quanto ao comércio diretamente dos
camelôs. Ou seja,o tipo de comércio que eles efetuavam nas ruas e como isso era
244
percebido pela população. Ou seja, a população passa nesses espaços, no que a gente
chama de compra por impulso, ela tá passando e ele tá disponível ali nesse passeio
e ali o fluxo de pessoas fazia sua compra. Isso em torno de 70% mais ou menos, a
80%, do tipo de venda de comércio informal. [...] Quando você realoca esse camelô
e retira ele das ruas e coloca ele dentro das galerias. E, aí é importante salientar
que o projeto foi pensado de uma forma comercial, ele tem toda uma
infraestrutura pensada pelo Implurb, ou seja, em termos de estratégia para que isso
seja um centro comercial [...] [Secretário da Semch, entrevistado em 25 jun. 2015].
Nesta premissa, o discurso do agente público define uma posição que pode ser
percebida pela inflexão no tipo de estratégia que se pretende montar para substituir o trabalho
e o negócio em via pública por um trabalho e negócio no CPC. Portanto, de uma conduta,
experiência e ação assumidas como fundamentais para a via pública para outros modos de
conduta, experiência e ação importantes no funcionamento das galerias do CPC. Assim, uma
cultura de negócios (como afirmou o próprio secretário que o projeto “foi pensado de uma
forma comercial”), partindo do princípio básico da atenção do negócio direcionada para
“produto, preço, praça, promoção” no jogo estratégico do marketing. Deste modo, nesse
104
“Subcentros que são réplicas do centro principal com diversidade comercial e serviços, mas com menor
incidência de atividades especializadas. Os subcentros são definidos pela multiplicidade de suas funções que
coexistem num mesmo local e, não pela presença de algumas atividades de comércio e serviços de caráter local,
geralmente denominados comércio de bairros” (RIBEIRO FILHO, 2004b, p. 163).
246
princípio básico tais elementos comporiam um cenário para a bem sucedida conduta do
empreendedor, algo fundamental para criar uma atratividade ao lugar, um tipo de marca para
o CPC e um planejamento estratégico de desenvolvimento mais sólido para a atividade dos
permissionários/microempreendedores.
Contudo, toda essa racionalidade e estratégia da cultura de negócios sofrem uma
inflexão no cenário da “Galeria”. A dobra é criada pela tentativa de combinar no mesmo
ambiente a oferta de serviços públicos municipais juntamente com o oferecimento de
comércio e serviços privados de permissionários. Aqui, a montagem de um cenário
combinado pretende ter um duplo objetivo, que envolve a lógica de uma ação situada na qual
os prédios dos CPCs foram reformados ou construídos e desapropriados com recursos
financeiros de um fundo público municipal e seus ocupantes são permissionários com um tipo
de contrato público precário vinculado ao termo de adesão individual (representado pelo
contrato de permissão individual de uso de ocupação de imóvel de domínio público
municipal). De um lado, a finalidade é que o serviço público oferecido no lugar seja um
instrumento atrativo de prováveis consumidores, em suma, criar um fluxo de demanda por
esse tipo de mercado varejista. Por outro lado, tem o objetivo de propor uma possível solução
organizativa do espaço urbano da zona central fazendo com que a política pública de
revitalização atinja tanto o trabalho e negócio em via pública quanto o tipo de consumidor
dessas mercadorias. De um modo ou outro, o poder público municipal tenta criar um
movimento para gestão e domínio da paisagem urbana e das atividades econômicas que
deveriam estar inscritas nesta105.
[...]a gente tinha até por uma indicação da própria categoria, o prédio ali na
que é hoje a Galeria Espírito Santo [...], então, esse prédio está muito próximo,
e quem está dentro desse prédio hoje, os lojistas, [corrige], os permissionários
que estão nesse prédio hoje são os que estavam na Henrique Martins, na
Eduardo Ribeiro [...]. Ou seja, geograficamente ele está muito próximo do
endereço anterior a este. Por que isto é importante? Porque naquele processo de
venda, como falei anteriormente em torno de 70% seria a venda por impulso, o
restante já era [a] de fidelização do próprio camelô, nesses anos que eles estão nas
ruas eles conseguiram fidelizar alguns clientes. Então, essa proximidade geográfica
com o ponto anterior dele era importante! Não deslocá-lo para fora do centro era
uma estratégia para que agente conseguisse minimizar essa cultura da população de
fazer um deslocamento muito maior do que era feito anteriormente, esse é um dado
importante. A questão geográfica era fundamental nesse processo. Não retirá-lo
do centro, porque existe uma cultura da população de vir ao centro fazer suas
compras e encontrava os camelôs nas ruas. Hoje não mais, está dentro da Galeria
105
Neste sentido, duas pesquisas sobre o Shopping Popular Oiapoque em Belo Horizonte (MG) mostram
proximidade com o modelo implantado em Manaus, não coincidentemente com o projeto mineiro denominado
de Viva Centro, como política urbanística na perspectiva da revitalização sobre a zona central da cidade, as quais
chamam atenção para “os meandros do ilegalismo” e para a dinâmica das mudanças espaciais em seu aspecto
físico e simbólico, respectivamente Lima (2011) e Carrieri et al. (2008).
247
muito próximo do local anterior. Esse era um dos critérios para a definição desses
locais.[...] [Secretário da Semch, entrevistado em 25 jun.2015].
[...] Voltando para a questão da qualificação, a gente entende o seguinte, que ele pra
sair desse universo que é um cenário diferenciado das ruas e ir pra dentro das
galerias, há uma mudança de hábitos e de costumes, de uma série de mudanças
que ocorreria na vida deste camelô e que ele precisaria ter informações que
subsidiassem a partir desse momento a sua existência já como um
microempreendedor e já formalizado. A gente sai da informalização e passa a ter
uma série de seguranças com relação a sua formalização. Isto vai proporcionar a ele
uma vida empresarial através das parcerias que nos temos hoje com o Cetam, com a
Espi, com o Sebrae na qualificação desse microempreendedor. Ou seja, ele hoje
desperta [o interesse], por exemplo, a rede bancária, que já aconteceu na prática, o
interesse por essa categoria. Quer dizer, o mundo financeiro já começa olhar esse
camelô de modo diferente, ele busca hoje que esse camelô formalizado seja um
cliente da rede bancária. Isso é um dado importante. [Secretário da Semch,
entrevistado em 25 jun.2015].
“O projeto do centro não é só a retirada dos camelôs, tem a questão do “O projeto parte de uma concepção mais macro que é a requalificação do
PAC das cidades históricas, a reforma das praças, da questão da centro histórico de Manaus. Em função das ocupações em termos físicos, do
1. O alcance do Projeto e
revitalização da [av.] Eduardo Ribeiro, vamos incentivar a questão passeio, das calçadas, do logradouro público em geral, no centro de Manaus, ele
o sentido de retomar a
também das pessoas morarem no centro”. não permitiria que a gente fizesse as mudanças físicas necessárias na estrutura da
cidade
cidade, especificamente no Centro de Manaus. Aí a gente está falando de praças
que eram ocupadas como a Praça da Matriz, Tenreiro Aranha, Adalberto Valle e
num círculo maior a Rua Eduardo Ribeiro, que é muito presente, o que a gente
chama de calçadão do centro de Manaus. Ou seja, essa requalificação do centro
passa por isso, pela desobstrução e entrega de volta para a cidade desses espaços
para que a gente pudesse requalificar. Isso gera uma questão com relação a essa
categoria. E aí o prefeito Artur entendeu que o projeto, ele é mais amplo do que
isso”.
“Encerrou, porque já estão no local, já estão instalados, tão com seu o box “Então, tem um entendimento que seria diferenciado, essa concessão ela poderia
pronto, a prefeitura só deu aquele primeiro apoio. É igual um pai com seu ser dada, então, tem uma segurança jurídica tanto para a prefeitura quanto pra
2. Com apoio e
filho, paga a escola, ele se forma, vai procurar andar com as próprias eles. Então, se a gente tivesse hoje que construir determinados espaços teria que
crescimento natural das
pernas, e tal. Assim são com os camelôs. A gente paga mais ou menos ser licitado. Eles entenderam, porque já que esse prazo é de quarenta anos e, em
coisas
setecentos camelôs por mês de bolsa, um pouco mais um pouco menos. A quarenta anos, você consegue ter um dos principais objetivos desse Projeto que
gente vai atingir os 2.082. [...] quem já está nas galerias não recebe mais a é fazer com que ele saia dessa informalidade e entre na formalização. O tempo de
bolsa, [...] chegou na galeria a bolsa é estancada, há uma finalização do quarenta anos é suficiente para que ele possa pegar essa estrutura transformar a
pagamento da bolsa, para as duas que já estão funcionando não há mais o vida dele e aí ter a possibilidade de ampliar esse negócio dele e virar
repasse dessa bolsa. Porque eles já têm o box dele, as mercadorias dele já realmente um empresário. Com isso, a gente consegue um tempo suficiente
estão lá, há todo um empenho, há um programa de mídia em relação às para que ele possa transformar a sua vida”.
galerias, então, eles têm que começar [...]”
“Porque essa escolha, dessas Galerias foi feita em conjunto com os “A gente tem esse termo de adesão que é uma formalização, é um compromisso
camelôs, os camelôs escolheram. Os lugares foram escolhidos sempre assinado entre o camelô e a prefeitura. A gente tem toda uma sequência de todos
3. A estreita comunicação
pelos camelôs, não foi uma imposição da prefeitura. Foi sempre um esses procedimentos, desde a definição da área pra qual vai ser realocado, o
e a boa “parceria”
debate com os camelôs. “Aqui tá bom? Não? Ali não tá bom? Não? Ali é contato que é feito junto com as categorias tanto com a associação quanto o
ótimo lugar?”. Sempre foi um diálogo bastante democrático em relação à sindicato, essa realocação ela é feita de forma conjunta, discutida com eles,
escolha dos locais. Porque são eles que vão viver lá, então, nada mais com a categoria. De posse disso, a gente faz o que a gente chama de LAR – que
justo, que eles também façam parte dessa escolha. [...] você sabe que essas é o levantamento de área de rua – depois fazemos um convite pessoalmente para
249
galerias pertencem ao município na realidade [...] o governo desapropriou cada camelô que tavaalocado naquela região. Aí, a gente faz uma ação de
a área, custeou a obra, [...] Os camelôs ajudaram na escolha dos locais, reunião geral, aonde a gente vai explicar todo o projeto, as alternativas que eles
porque é assim: quando eles saíram da rua, eles queriam ir pra um lugar têm, um cronograma é definido nessa reunião. Ainda a gente vai explicar, por
que, na avaliação deles, fosse um lugar bom, com fluxo de pessoas em exemplo, as opções que ele tem com relação à realocação. Ele pode escolher um
relação ao comércio, no próprio centro de Manaus. Aí a gente foi fazer definitivo [CPC]”
uma pesquisa nos imóveis, na rua tal, aqui serve, aqui não serve, então,
chegaram num denominador comum, na galeria Espírito Santo e na dos
Remédios”.
“Porque Manaus precisava resolver o problema do centro, esse problema “E esses problemas sociais que ocorrem não só no centro, mas em outras áreas
precisava ser resolvido de alguma forma. Manaus merece um centro da cidade, a gente com esse modelo formatado, definido, lapidado, ele pode ser
4. “Problema” como
bonito, de qualidade e acessível a todo mundo e do jeito que estava não implementado em maior ou menor escala dependendo da região ou da área onde
questão social
dava pra permanecer. As pessoas não podiam andar nas calçadas, porque ele pode ser implantado, de acordo com características próprias”.
tavam ocupadas, tinha uma série de fatores, tinha a questão da limpeza
pública”.
Fonte: Elaborado pelo autor, a partir das entrevistas concedidas para a pesquisa.
250
A intenção principal com a organização do quadro (4) é demonstrar como a ação que
direciona o processo de ordenamento do trabalho e negócio fora da via pública (de “camelôs”
e “ambulantes”) não se restringe ao domínio estrito da gestão dos pobres viáveis, bem como
se vincula à própria forma de controle e ordem da dinâmica do ambiente urbano numa direção
específica sinalizada pelos quadros de referência da cultura política local. Uma cultura
política pautada por quadros de referência, marcos legais, referenciais comunicativos
(GOFFMAN, 1986 [1974]; QUÉRÉ, 1993), na qual os agentes políticos e institucionais
inscrevem suas atividades, em graus de ajustes e de distâncias diferenciadas, definindo
normas de condutas práticas com o intuito de alcançar o ajustamento dos agentes estratégicos
alvos à perspectiva do “projeto” institucional. Uma compreensão do processo que representa a
ordem instituída e incorporada ao discurso, orientando o contexto de experiência dos demais
agentes estratégicos. Assim, criam as descrições, interpretações, explicações e justificativas
pelas quais definem a ação e o direcionamento do poder público.
Mesmo que se retifique algumas vezes, a própria retificação ou reajuste na ação, na
norma ou na forma de dar conta do ato é necessário no desenrolar do processo, no contorno da
expectativa e nas intenções institucionais. Essa “modalidade de experiência ocupacional e
econômica” impõe ao agente político e institucional o enquadramento da situação que, nesse
caso, apresenta-se na forma como os narradores ajustam os discursos, expõem seus objetivos
e definem a ação, ou seja, atribuem um sentido legítimo à ação, uma racionalidade prática da
norma e sua perspectiva da ação situada. O quadro (4) também poderia ser chamado de
“trans-ação” dos agentes institucionais. Na medida em que envolve o reajuste das ações
fundamentais das secretarias municipais envolvidas com este objetivo, direcionamento e
diretrizes específicas do processo de transferência/deslocamento e que, regularmente, não
costumam associar e combinar suas ações. Mas, para dar avanço ao processo firmaram uma
similaridade de atitudes no direcionando de esforços, recursos e intenções, ajustaram as
funções diferenciadas no conjunto das ações em que cada qual tinha uma responsabilidade.
No sentido de garantir as expectativas quanto aos resultados da ação governamental e de sua
própria participação enquanto agentes estratégicos. Segundo Dewey, “então, quando A e B
seguem uma conversa em conjunto, a ação é uma trans/ação, ambos estão envolvidos nela;
seus resultados cruzam, por assim dizer, de um ao outro” (DEWEY, 1998, p. 284, tradução
própria, grifo nosso).
Deste modo, devem ser vistas por essa perspectiva, como narrativas de agentes
inseridos em determinada cultura política e no esforço de enquadrar determinadas condições
de experiência ocupacional e econômica em via pública. No entanto, enfatiza-se que isto não
251
106
Ressalta-se que as entrevistas como parte da construção dos dados desta pesquisa, neste caso com os dois
agentes que representam suas respectivas instituições, não foram realizadas para fins metodológicos de análise
de discurso. No entanto, à medida que os dados iam sendo decodificados e pensados como deveriam ser
utilizados para fundamentar a tese; durante as transcrições, essas situações de convergências emergiam e era
motivo de ponderação sobre como melhor aproveitá-los. A montagem de um quadro rotulado de “vocabulário de
motivos da ação governamental” pareceu ser uma forma interessante e útil ao propósito argumentativo que se
buscava.
252
107
Pode-se fazer um exercício mental baseado nas narrativas dos entrevistados no CPC, construindo um cenário
das performances das reuniões no auditório da prefeitura. No palco, o prefeito e sua comitiva de secretários, que
dirigiam o projeto, sempre acompanhado do representante do ajuntamento (sindicato e associação, entre a cena e
a plateia). Enquanto a maioria dos permissionários reunidos está presente para ouvir e ver as exposições das
maquetes e fotos do Projeto, pronunciamentos, promessas de bons resultados nos novos locais, apresentando a
escolha dos prédios e fotos das visitas durante as reformas, produzindo discursos tranquilizadores e
enaltecedores do desafio e da possível mudança. Não que os permissionários fossem meros tolos nessa plateia,
pois tinham a ideia da força de pressão que pairava sobre eles e um grau saudável de desconfiança. Por outro
lado, a exposição de um modelo de mercado que abrigaria suas microatividades longe dos fatores um tanto
inóspitos do ambiente em via pública, diante de uma ação governamental sem violência física ou
sequestro/danos às suas mercadorias e a promessa da “parceria” e da “boa vontade” política do executivo
municipal doravante, apresentavam-se como pontos balizadores e sedutores para adesão à cena representada no
palco do auditório.
255
questão social corrente, pois se relaciona diretamente a uma crescente “fragmentação social”
como modo de organizar um processo produção e sua reprodução cada vez mais segmentada,
o enfraquecimento de vínculos sociais e a uma referência do trabalho assalariado embora
central, com constantes perdas de direitos e problemas na manutenção da organização
coletiva. De modo geral, “seguir sozinho” compreende uma proposição contraditória,
inicialmente quando se pensa em relações sociais minimamente conectadas por aplicativos de
serviços online, sistemas informacionais digitais e mídias em redes virtuais. No entanto, em
uma sociedade como a brasileira com profundas desigualdades sociais e intensa concentração
de renda pode mesmo estar endereçada às condições concretas no tratamento da dinâmica dos
processos sociais que dizem respeito às atuais relações de trabalho e de emprego em
expansão, como a terceirização e a empresa individual de personalidade jurídica. Após
décadas de trabalho assalariado como modelo predominante de obtenção de renda em grande
parte das sociedades modernas, inclusive havendo problemas em sua universalização, é
importante compreender a tomada de decisão em substituir o emprego assalariado pela
iniciativa de negócio e trabalho em via pública. Tal substituição ainda é uma porta de entrada
encontrada e aceitável para camadas populares e parte da classe média em busca de
oportunidade de renda, de resposta ao desemprego de longa duração e como fuga de postos de
trabalho mal remunerados e degradantes.
O micronegócio de serviços e o comércio de alimentação, de beleza e estética e de
vestuário têm despontado como os três maiores setores de crescimento em inscrição no
MEI108. Sem falar da ampliação de atividades de terceirização (de atividade-meio/atividade-
fim) e a chamada “pejotização” de serviços de sistemas de informação e consultorias. Outras
condições, como a instabilidade representada por novos modelos da gestão empresarial, em
grupos de projetos que envolvem flexibilidade na atividade dos postos de trabalho e contínua
mudança. Por outro lado, a escassa oportunidade de fazer uma carreira em longo prazo dentro
de uma única empresa, deparar-se com as condições insalubres de certos trabalhos
assalariados, com as perdas salariais reais e a fragilidade de direitos adquiridos e com os
novos contratos das relações trabalhistas cada vez mais precarizadas. Em geral, para os jovens
no Brasil, a entrada no mercado de trabalho é por si só um dos maiores desafios a ser
108
Neste caso, os quantitativos representam somente as inscrições feitas pelo portal do empreendedor com o total
geral em torno de 6.725.66, até o final de 2016. Como informação, foram separados os quatro primeiros grandes
grupos de inscrição pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) como segue: a) 4781400 -
Comércio Varejista de Artigos do Vestuário e Acessórios – 620.881; b) 9602501 - Cabeleireiros, Manicure e
Pedicure – 520.057; c) 4399103 - OBRAS DE ALVENARIA – 288.584; d) 5611203 - Lanchonetes, Casas de
Chá, de Sucos e Similares – 190.055. Hipoteticamente é possível pensar no aquecimento dos últimos anos no
setor da construção civil como explicação para o quantitativo elevado de inscrições no MEI. Disponível em:
<http://www.portaldoempreendedor.gov.br/estatistica/relatorios-estatisticos-do-mei>.
259
secretário em relação aos boxes sublocados gerou um novo debate e ponderações. Na plateia e
pelos corredores havia declarações e gestos pontuais, quando mencionada a questão de que
não poderia haver mais do que o próprio permissionário no box ou, em sua ausência, o seu
representante indicado com antecedência, que causou novas discussões e acertos. Após a
leitura de cada item do documento e alguma manifestação da plateia, iam sendo votadas as
propostas para aprovação ou mudança pontual.
Ao trazer para exposição da tese o Regimento Interno (RI) pretende-se enfatizar na
análise que a ação governamental que produz a transferência não pretende apenas o aspecto
estético da paisagem urbana, como também produzir um novo comportamento nesse tipo de
circuito fora da via pública e uma nova relação contratual e legal entre a cidade de Manaus e o
permissionário/microempreendedor individual109, podendo ser considerada um avanço em
relação à situação anterior. No entanto, especificamente se direciona e cria tensão sobre a
conduta apropriada dos permissionários em novo ambiente. Tal tensão se estabelece à
proporção que o movimento de gestão e controle sobre condutas e objetos não se faz de modo
pleno e irrestrito, mesmo que este ambiente seja de dimensões determinadas e de número
limitado em acesso. Em um movimento contrário, os agentes atuam no cenário proposto,
modificando-o, negociando regras e intervindo nos problemas particulares o que resulta em
respostas peculiares e vinculadas ao modo de percepção e cognição experienciada no presente
ou anteriormente.
O Regimento Interno do CCP representa, de modo geral, uma normatividade para o
trabalho e negócio em um novo lugar, uma ordem produtora de relações sociais pertinentes ao
próprio poder público e seus permissionários na forma de lidar com uma situação combinada
entre a prestação de serviços públicos e o oferecimento de atividades comerciais privadas
vinculadas ao termo de permissão de uso de bem público. Tal ação situada nestas condições
estaria de fato promovendo a revitalização do ambiente urbano, na forma de uma combinação
entre demandas do espaço público/patrimônio e demandas socioeconômicas da cidade. É
provável que haja certa tentativa de pôr em movimento o modelo de creative city, ou
economia criativa, ao ser observada a inflexão tanto dos discursos como das condutas. A
presença de um modelo de controle e desenvolvimento que se estrutura na política urbana
focada (de apelo neoliberal), sob a gestão pública empreendedora (do tipo de gestão dos
pobres viáveis), que enfatiza o atendimento das necessidades do cidadão-consumidor nas
109
O art. 27º, no §7º, define que: “Para cada ocupação, será estabelecido um termo de compromisso
intransferível entre o Município e o comerciante popular, exceto aos seus herdeiros diretos, tendo por objeto uma
área delimitada nas dependências da Galeria, nos termos deste Regimento, para realização do comércio ou
prestação de serviços especificados” (MANAUS, 2015a, p.4).
261
A partir do recorte do artigo 1º do RI, que trata sobre as definições descrevendo vários
termos utilizados para identificar os grupos, instalações e unidades mercantis, objetos e
normas que passam a regular o Centro Popular de Compras Galeria Espírito Santo, observa-
se, em primeiro lugar, os grupos que mantêm relações mais aproximadas: a) comerciantes
populares; b) lojistas; e c) comissão gestora.
Por regra fundamental, o município é o proprietário do CPC, como pessoa jurídica, na
medida em que investiu considerado volume de recursos financeiros do município, pelo
Fumipeq, sem qualquer contrapartida privada, para efetivar as reformas e instalações, como
exposto. Incentivou e geriu o processo de transferência e tem participação principal no
conselho gestor, com a representação de dois agentes púbicos do município, o secretário da
Semch e o secretário executivo do Fumipeq. Por sua vez, os comerciantes populares são
definidos como pessoas naturais, civilmente capazes, que exercem atividade lícita, por conta
própria e sem relação de emprego. São os destinatários exclusivos do empreendimento
público pensado pelo executivo municipal, ou seja, os antigos camelôs que realizavam seu
trabalho e negócio nas vias públicas da área central e que aderiram ao Projeto “Viva Centro”.
Esta distinção é importante na medida em que outro termo identificará o segundo grupo que
fará parte do empreendimento, os lojistas. Neste caso, significa que não será apenas o
permissionário/microempreendedor individual, identificado como comerciante popular, que
acessará e se instalará no novo mercado. Por outro lado, os lojistas são definidos como
pessoas naturais, civilmente capazes, ou pessoas jurídicas de direito público e/ou privado,
que exerçam atividade lícita, ocupantes das unidades comerciais complementares e reservadas
à livre exploração pela Comissão Gestora.
As atividades privadas como o serviço de alimentação e comércio, a lotérica e o guichê
bancário, os stands de venda de passagem turística e demais atividades mercantis são
desenvolvidas por estes dois grupos. Portanto, o espaço do CPC recebe tanto os antigos
permissionários/“camelôs” transferidos das vias públicas da área do centro (referidos no
262
artigo como comerciantes populares) como alguns interessados em instalar uma atividade
econômica mesmo que não estivesse no início do processo (referidos no artigo como lojistas).
O grupo dos lojistas, neste caso, estava em número menor até o momento da pesquisa e é a
parte secundária por não ser o grupo alvo da ação governamental. O setor de serviço
financeiro está completamente representado por este tipo, ou seja, no serviço de lotérica, no
posto autorizado de serviço bancário, no representante das máquinas de banco 24horas
disponíveis, fazem parte da categoria de lojista (pessoa jurídica), atuando nas unidades
complementares e reservadas à livre exploração no CPC.
Por outro lado, o comerciante popular alvo da transferência assume no exercício de sua
atividade comercial a forma de empresário individual com a qualificação de
microempreendedor individual (pois são qualificados por determinados requisitos como
faturar no máximo até R$ 60.000,00 por ano e não ter participação em outra empresa como
sócio ou titular). Na forma de empresário individual110, é uma pessoa única sem relação com
outro sócio ou agrupamento de sócios, sempre figurando como pessoa física não revestida de
personalidade jurídica, apesar de registrado com CNPJ (para fins tributários e
administrativos). Na qualidade de microempreendedor individual (MEI), comparando-se à
microempresa (ME) ou empresa de pequeno porte (EPP), tem diferenciações qualitativas
muito importantes (mesmo que a ME e EPP possam ser apresentadas na forma de empresário
individual), pois corresponde, entre outros, aos limites de taxação de contribuição financeira
impositiva, contratação de empregados e nos tipos e limites de crédito que essas formas
acessam as agências públicas ou privadas para financiamento do capital. Tal distinção afeta
também o patrimônio da atividade econômica, na medida em que como pessoa física
individual inexiste a separação entre o patrimônio empresarial e o patrimônio pessoal, os bens
patrimoniais são do titular, isto é, da própria pessoa do empresário individual (THIBES, 2015;
VIANA, 2016). No contexto do CPC, lojistas e comerciantes populares, normativamente
ambos devem assinar o termo de permissão de uso de ocupação de imóvel de domínio público
municipal.
A Comissão Gestora embora detenha no RI um posicionamento de gestão interna do
espaço público e, como consequência, a fiscalização do cumprimento das normas, não detém
a tomada de decisão final ou a prerrogativa de definir o direcionamento das ações no lugar,
tarefa que cabe ao Conselho Gestor e, em última instância, diretamente ao executivo
municipal. No inciso XV, do artigo 1º, a Comissão Gestora é definida como pessoa natural,
110
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços”. (BRASIL, 2002).
263
Estes incisos demonstram sua atuação ampla de gestão e de fiscalização e a sua relação
direta e mais estreita com comerciantes populares e lojistas no cotidiano. Apesar dessa ampla
função/atuação, no inciso XVIII, no parágrafo 2º, desse artigo, ressalta que a posição de
gestão administrativa que lhe foi outorgada deve ser compartilhada com a própria Semch112
(na redação original ainda Semc). E, igualmente no art.17, abre-se uma possibilidade de
gestão exterior aos pares dos comerciantes populares, quem sabe por uma empresa privada113:
“art. 17. A Comissão Gestora poderá delegar a terceiros as atribuições elencadas no parágrafo
1º do artigo 15, desde que com a anuência do Município e do Conselho Gestor, e sob sua
inteira responsabilidade” (MANAUS, 2015a, p. 3). Nesse período da pesquisa, a Comissão
Gestora estava a cargo do Sindicato do Comércio de Vendedores Ambulantes de Manaus
(Sincovam). Durante o período de observação não era incomum a presença tanto do secretário
da Semch quanto do presidente do Sincovam durante alguns dias da semana andando pelos
111
“Art. 4º. A administração e o gerenciamento da Galeria Espírito Santo são de competência da Comissão
Gestora, enquanto a fiscalização do cumprimento das disposições legais e do Regimento que regulamenta o
funcionamento da Galeria Espírito Santo fica a cargo do Conselho Gestor” (MANAUS, 2015a).
112
“§2º Sem prejuízo da administração e gerenciamento exercidos pela Comissão Gestora, é reservado
exclusivamente ao Município, por meio da Secretaria Municipal do Centro – Semc, a atribuição de
supervisionar, organizar e orientar o comércio e os serviços, com a finalidade de possibilitar o total e adequado
aproveitamento das dependências e instalações da Galeria Espírito Santo, assegurando a plena consecução dos
seus objetivos” (MANAUS, 2015a).
113
Na entrevista realizada, mais da metade dos permissionários afirmou, ao serem questionados sobre a gestão
da Galeria, que se sentiam mais inclinados por uma gestão exterior aos pares, por profissionais formados, mesmo
que houvesse uma taxa de pagamento, pois se o resultado fosse negativo ao menos poderiam criticar abertamente
ou escolher outro gestor.
264
economia, já que não precisará mais pagar para que vigiem a sua barraca durante a noite. “Eu
pago toda semana R$ 18,00 para um vigia olhar as minhas coisas na Praça da Matriz e agora
isso vai acabar. Vou ter uma banca mais digna e ainda economizar esse dinheiro”.114 Portanto,
a loja como unidade comercial é o espaço de atuação individual, de operação das atividades e
disposição estética das mercadorias, do fim de uma despesa fixa (até o momento), do nome de
fantasia, do atendimento ao cliente, dos custos de energia elétrica, sendo unidades geminadas
facilitam a proximidade com os pares próximos, além do mais, precisa de uso racional do
espaço interno e, principalmente, apresenta de modo imediato a visibilidade das formas de
adaptação ao novo ambiente e funciona como motivadora da sensação de proteção da
mercadoria. Os recursos disponíveis encontrados no CPC e vinculados a esse objeto de
trabalho são a limpeza externa e a presença de guardas municipais durante o dia e após
encerramento das atividades.115
Os stands como unidades complementares, comerciais ou não, estão vinculados ao uso
cabível conforme a Comissão Gestora disponibiliza os espaços. A parte do CPC ocupada pela
oferta de serviço público com quiosques de atendimento ao cidadão seja municipal ou
estadual é complementar às unidades comerciais. Como aludido, esse serviço público
oferecido tem por função ser um atrativo para o local, criando uma expectativa de fluxo de
pessoas e consumidores. Portanto, na sua origem a oferta do espaço estava voltada apenas
para os camelôs transferidos, fato que se confirma quando é dito pelos agentes públicos que a
escolha do local coube a estes. Os stands também podem ser móveis, quando autorizada a
instalação de uma barraca móvel comercial ou de prestação de serviço público. Por exemplo,
no primeiro caso, um stand de uma agência financeira privada ou de venda de pacote turístico,
ou no segundo caso, um serviço público de informações e ações de campanhas de vacinação,
prevenção ou coleta de resíduos recicláveis. O qualificador dessa unidade comercial é estar
atrelada à decisão da gestão local e ser complementar à atividade fim do espaço. A primeira
vista ou aparenta existir alguma contradição na lógica estrutural e na origem do projeto ou os
ajustes continuam aparando arestas de origem. Isto é, na medida em que o espaço foi
escolhido por indivíduos em atividade privada mais se tornou um bem público; foi pensado
114
Neste sentido, algumas questões poder surgir como a guarda municipal presente no CPC substituiria essa
vigilância privada até quando? Ou, uma vez que esteja em Praça Pública a presença da guarda municipal não
seria da mesma forma apropriada para zelar pelo bem público? Ou a declaração não suspeita que aquilo que está
em jogo não é a proteção diretamente ligada à unidade comercial e, sim, ao patrimônio público maior
representado pelo CPC? (SORTEIO, 2014).
115
Não se presenciou durante o período de observação nenhuma interferência direta entre algum guarda
municipal e permissionário, por exemplo, a autorização de entrada fora do horário estabelecida no RI é dada pela
Comissão Gestora, mas não se pode afirmar se havia a possibilidade de negociar a entrada diretamente com o
guarda de plantão.
266
Deste modo, a composição do Conselho Gestor deve ser de acordo com o art. 19º, na
seguinte formação:
116
Em última instância, o RI define e assegura a quem de direito o controle do funcionamento e o poder de
tomada de decisão sobre o CPC, de acordo com os incisos do art. 27º sobre as operações da Galeria Espírito
Santo, que compreendem a comercialização a varejo e atacado das mercadorias e a prestação dos serviços
existentes nas suas dependências e instalações, entre os quais destaco os três primeiros: “§1º O comércio e
prestação de serviços necessários ao cumprimento dos objetivos da Galeria Espírito Santo, serão operados pelos
comerciantes populares e submeter-se-ão ao presente Regimento. §2º Compete ao Município, sob consulta ao
Conselho Gestor, no que se refere aos comerciantes populares, estabelecer a localização, dimensionar,
reclassificar, suspender o funcionamento das lojas e ainda remanejá-las, atendendo ao interesse público e
respeitadas as exigências legais e urbanísticas. §3º Para que possa dar início ao exercício das atividades a serem
desenvolvidas na Galeria Espírito Santo, cada comerciante popular deverá requerer a autorização ao Município,
na forma da legislação em vigor” (MANAUS, 2015a). Então, os remanejamentos internos descritos no capítulo
anterior seguiram normas do RI.
268
117
“Art. 41ºCumpre aos comerciantes populares e aos lojistas o custeio das despesas comuns, necessárias ao
funcionamento da Galeria Espírito Santo. §1º São consideradas despesas comuns o pagamento dos custos
decorrentes do consumo de energia elétrica, serviços de limpeza, vigilância, coleta de lixo, conservação,
manutenção, reparos, reposições, substituições, material de propaganda, ações de publicidade, aprimoramento e
modernização da Galeria Espírito Santo, além de outras despesas que vierem a ser convencionadas pela
Comissão Gestora, ouvido previamente o Conselho Gestor. §2º O rateio das despesas será efetuado observando-
se a proporção da metragem quadrada de cada loja ou área locada” (BRASIL, 2015a, p. 5).
269
gerais no local. Isto significa supor, entre outras de acordo com o RI, na previsão de entrada
de outros agentes externos sejam arquitetos para adequação do projeto ou empresa privada de
gestão interna do CPC (art.17º). O caderno de encargos compreende um instrumento de
referência a ser obedecido na concepção e execução de quaisquer obras no prédio.
Os instrumentos normativos e de regras de conduta não visíveis (imediatamente)
buscam consequências previsíveis, que dizem respeito à conduta de seres humanos e ao modo
de lidar com os objetos contextualizados. De um lado, estabelecem padrões de condutas
futuras e esperadas, inclusive, para atores fora da situação, mas que possivelmente serão
implicados por esta. Por outro lado, atuam no contexto do ambiente regulando as condutas e
interações dos permissionários, normatizando sua prática financeira em relação ao objeto
maior que é o bem público e o contrato e, em relação ao objeto mais próximo que é derivado,
ao ambiente comum dos corredores, do movimento de entrada e saída e da própria ordem
organizativa da unidade comercial.
Os agentes estratégicos no CPC e as regras gerais institucionalizadas (fatores não-
humanos que mobilizam a ação) mantêm-se em estreita relação processual, seja
discursivamente, seja na percepção do contexto, de constrangimento ou na forma de conduta.
Aspecto que, de certo modo, determina a causa e o efeito de ações recíprocas, expectativas
futuras e consequências previstas. Contudo, também implicam na construção de resistências
cotidianas por parte dos permissionários em não cumprir de imediato, ou completamente as
regras gerais, mas de negociá-las e adiá-las. De outro modo, observa-se o efeito recíproco e de
complementaridade entre as noções de empreendedorismo e empregabilidade, seguindo o
caminho indicado por Machado da Silva (2003), no capítulo anterior. Por outro lado, como
afirma Laura Ferreira (2013) ao pôr em relevo o papel ideológico do empreendedorismo no
mundo do trabalho dos mecânicos de oficina de reparo e na expansão do setor de peças de
reposição automotiva:
118
As sanções previstas no RI, na Seção III, das Penalidades, no art. 68º dão conta de três etapas para a
definitiva suspensão do permissionário caso não cumpra com as regras internas do CPC: “No caso de
descumprimento de qualquer obrigação oriunda da lei, deste Regimento, do Termo de Permissão de Uso e/ou do
contrato de permissão, o comerciante popular, assim como os demais usuários, estarão sujeitos às seguintes
penalidades: I - advertência, em caso de descumprimento de qualquer obrigação mencionada no caput deste
artigo; II - suspensão por até 90 (noventa) dias, em caso de ocorrência de 3 (três) advertências, relativas à
mesma infração, registradas no intervalo de 3 (três) meses; III - perda da unidade comercial, com a
consequente revogação da permissão de uso ou distrato da permissão, em caso de ocorrência de 4 (quatro)
advertências, relativas à mesma infração, registradas no intervalo de 3 (três) meses.” (MANAUS, 2015a)
271
119
Também conhecido como “intraempreendedorismo”, aparece recorrentemente nos cursos de capacitação para
os empregados. Esta noção não é objeto de análise ou um determinante qualificador neste caso específico dos
permissionários do CPC, mas se considera que se deve encarar tal noção como um avanço e desdobramento
ideológico do modelo de empreendedorismo gestionário praticado hoje, na medida em que não exige uma saída
do emprego para incorporar a perspectiva do empreendedorismo, sendo usada como uma ferramenta sobre a
ação do funcionário da empresa, com a finalidade de extrair novas ideias e melhorias do processo produtivo ou
de serviço e manter o controle de eficiência do ambiente de trabalho (MELLER, 2016; PINCHOT, 2016).
273
CONSIDERAÇÕES FINAIS
diferentes entre si, mas que compartilhavam em comum um ambiente e sua estreita relação
com o poder público. Aqui, uma passagem deve ser considerada importante, aquela que diz
respeito à construção do vínculo entre a experiência particular e a experiência de dimensão
pública. Não foi dessa vez que se deu conta diretamente da categoria “problema público”, o
seu processo de geração e generalização. Contudo, não se despreza que a relação entre o
ajuntamento de “camelôs”, demais agentes estratégicos e a ação governamental afetou parte
da cidade e demandou a utilização de recursos de diferentes ordens e diversas ações
coordenadas e performances, de negociações e reuniões de entendimento e acertos e, neste
caso, tenha criado uma situação pública de envolvimento da opinião pública, formação de
agenda, debates e a expressão da opinião de determinados grupos e extratos sociais, numa
correlação com o público e seus problemas.
Finalmente, a partir da investigação foi possível problematizar o caráter dinâmico do
processo social, que não poderá ser negligenciado, nem agora, nem no futuro de pesquisas
sobre o trabalho e negócio em via pública. O fato de que os indícios de persistência (de outro
modo, a permanência) e da mudança, que aparecem no ambiente e na ação situada, devem ser
considerados na interpretação do processo social e relacional, mesmo a despeito de sua
natureza aparentemente oposta. Não se trata de uma ideia enviesada, mas de um princípio
geral que toda percepção e pensamento são relativos e operam por comparação e contrastes.
Mesmo os componentes diferentes da realidade social podem apresentar traços de
compatibilidade e a habitude como ação e conduta do indivíduo não é um processo natural,
nem cristalizado, é social em sua causa e efeito, no limite da relação entre o par
“informalidade-formalidade”. Se os permissionários no CPC puderam organizar sua nova
experiência pelo aspecto da organização do trabalho e da conduta cotidiana em combinação
com a experiência anterior, isto foi possível pelo processo de interação, percepção mútua e
organização da experiência social. Na medida em que os agentes vivem o processo social por
meio das interações e da ação intencional ou não-intencional (habilidades, aprendizagens,
experiências) mesmo que sob processos de dominação e forte normatividade, modificam e
transformam partes do cenário, do script ou da própria estrutura social que se lhes impõe.
Articulam, combinam e prosseguem por diferentes caminhos e relações sociais concretas, sob
mecanismos que engendram formas de negociar e “driblar” a normatividade do novo mercado
e dos contextos sociais negativos da vida diária.
282
REFERÊNCIAS
ALLEN, John. On Georg Simmel. Proximity, distance and movement. In: CRANG, Mike;
THRIFT, Nigel (Ed.). Thinking Space. New York: Routledge, 2000. (Critical Geographics).
ARTUR DÁ PRAZO final para a saída de camelôs. Amazonas em Tempo, Manaus, 25 nov.
1990. Cidade, 2º caderno, p.1.
BECKER, Howard. Diagramas: pensar com desenhos. In: BECKER, Howard. Falando da
Sociedade. Ensaios sobre as diferentes maneiras de representear o social. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2010.
283
BECKERT, Jens. Imagined futures: fictional expectations in the economy. In:Theory &
Society,n.42 p. 219-240, 2013. Disponível em:
<http://recursos.march.es/web/ceacs/actividades/pdf/JensBeckert.pdf>. Acesso em: 15
jul.2015.
__________. The social order of markets. MPIfG Discussion Paper 07/15. Cologne: Max
Planck Institute for the Study of Societies, 2007. Disponível em:
<http://www.mpifg.de/pu/mpifg_dp/dp07-15.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.
BHOWMIK, Sharit K.; SAHA, Debdulal. Financial Inclusion of the Marginalised: street
vendors in the urban economy. NewDelhi: Springer, 2013.
BROMLEY, R. Street vending and public policy: a global review. International Journal of
Sociology and Social Policy, v. 20, n. 1/2, p.1-28, 2000.Disponível em:
<http://www.emeraldinsight.com/doi/pdfplus/10.1108/01443330010789052>. Acesso em: 26
jun.2017.
CAMELÔS começam a ser retirados do centro de Manaus nos dia 22 e 23. D24am.
Amazonas, 23 fev, 2014. Disponível em <http://new.d24am.com/noticias/amazonas/camelos-
comecam-retirados-centro-manaus-dias-22-23/106185>. Acesso em: 27 jul. 2014.
CAMELÔS NÃO querem ir para a Rua Monteiro de Souza. Amazonas em Tempo, Manaus,
16 jul. 1989. Cidade, 2º caderno, p. 1.
CAMELÔS NÃO VOLTAM, diz Artur. Jornal do Commercio. Grande Manaus, 31 mar.
1991, p.7.
CARDOSO, Adalberto. Informality and Public Policies to Overcome it. The case of Brazil.
Sociologia & Antropologia, v. 6, n. 2, p. 321-349, 2016.
CARROS-LANCHE não vão ficar. Amazonas em Tempo, Manaus, 5 jun. 1990. Cidade, 2º
caderno, p.7.
285
CDL discute “Faixa Verde” e “Shopping a Céu Aberto”. Amazonas em Tempo, Manaus, 13
set. 1989. Cidade, 2º caderno, p. 2.
CEFAÏ, Daniel. L’Expérience des Publics: institution et réflexivité. Penser les humains
ensemble, 2013. Disponível em: <http://www.espacestemps.net/>. Acesso em: 20. jun. 2015.
CICOUREL, Aaron. Teoria e método em Pesquisa de campo. In: GUIMARAES, Alba Zaluar
(Org.). Desvendando Máscaras Sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.
CORRÊA, Diogo Silva. Do Problema do Social ao Social como Problema: elementos para
uma leitura da sociologia pragmática francesa. Política & Trabalho, n. 40, p. 35-62, 2014.
Disponível em:
<http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/18140/11160>. Acesso
em: 26 jul.2015.
286
CROSS, John C. Pirates on the high streets: the street as a site of local resistance to
globalization. In: CROSS, J.; MORALES, A. (Org.). Street Entrepreneurs: people, place,
and politics in local and global perspective. New York: Routledge, 2007.
CROSS, John C; KARIDES, M. Capitalism, modernity, and the “appropriate” use of space.
In: CROSS, J.; MORALES, A. (Org.). Street Entrepreneurs: people, place, and politics in
local and global perspective. New York: Routledge, 2007.
CROSSA, Veronica. Creative Resistence: the case of Mexico City’s street artisans and
vendors. In: GRAAF, Kristina; HA, Noa (Eds.). Street Vendind in the Neoliberal City: a
global perspective on the practices and polices of a marginalized economy. Oxford:
Berghahn, 2015.
__________. Más allá de la fábrica: los desafíos teóricos del trabajo no clásico y la
producción inmaterial. Nueva Sociedad, n. 232, p. 50-70, 2011b. Disponível
em:<http://nuso.org/revista/232/las-realidades-del-trabajo-en-america-latina/>.Acesso em: 26
jul.2015
DE SOTO, Hernando. The Other Path. Nova York: Harper & Row Publishers, 1989.
DEVLIN, Ryan Thomas. Informal Urbanism: legal ambiguity, uncertainty, and the
management of street vending in New York City, 2010. Disponível em:
<http://digitalassets.lib.berkeley.edu/etd/ucb/text/Devlin_berkeley_0028E_10609.pdf>
Acesso em: data.
287
DEWEY, John. Nature, Means and Knowledge. In: DEWEY, John. Experience and Nature.
London: George Allen and Unwin, 1929.
__________. Search for the public. From “The Publics and its Problems”. In: HICKMAN,
Larry A.; ALEXANDER, Thomas M. (edit.). The Essential Dewey. Bloomington and
Indianapolis: Indiana University Press, v. I, 1998[1927]a.
__________. Search for the great community. From “The Public and its Problems”. In:
HICKMAN, Larry A.; ALEXANDER, Thomas M. (Eds.). The Essential Dewey.
Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, v. I, 1998[1927]b.
__________. Social Science and Social Control. In: HICKMAN, Larry A.; ALEXANDER,
Thomas M. (edit.). The Essential Dewey. Bloomington and Indianapolis: Indiana University
Press, v. I, 1998 [1931].
__________. Logic. The theory of inquiry. New York: Henry Hold and Company, 1938.
DIAS, Edinea Mascarenhas. A Ilusão do Fausto: Manaus 1890 – 1920. Manaus: Valer, 1999.
ENTREVISTA com Flávio Augusto da Acava. Amazonas em Tempo, Manaus, 23 jul. 1989.
Cidade, 2º caderno, p.1;
ESCOBAR LATAPI, Agustín. Estado, orden político e informalidad. notas para discusión.
Nueva Antropología, v. XI, n. 37, p. 23-40, 1990. (Asociación Nueva Antropología, A.C.
Distrito Federal, México).
FALCÃO, Alita. Manaus terá nova galeria popular com a entrega do Shopping T4, Seminf,
Manaus, 17 mar., 2016. Disponível em <http://seminf.manaus.am.gov.br/manaus-tera-nova-
galeria-popular-com-a-entrega-do-shopping-t4>. Acesso em: 26 jun.2016.
288
FARIAS, Elaíze. Centro Histórico de Manaus é tombado pelo IPHAN. A Crítica, 26 jan,
2012. Disponível em: <http://www.acritica.com/channels/governo/news/centro-historico-de-
manaus-e-tombado-pelo-iphan>. Acesso em: 21 jun. 2016
FEIRA da Av. Eduardo Ribeiro será Suspensa neste Domingo em Manaus. G1, Amazonas,
2014. Disponível em <http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2014/02/feira-da-av-
eduardo-ribeiro-sera-suspensa-neste-domingo-em-manaus.html>. Acesso em: 28 jul. 2016.
FORNEL, Michel de. Intentions, plans et action située. In: LADRIERE, P., PHARO, P.;
QUÉRÉ, L. (Eds.). La théorie de l’action. Paris: Editions du CNRS, 1993.
FORNEL, Michel de; QUÉRÉ, Louis (Org.). Presentation. In: _____. La Logique des
Situations. Nouveaux regards sur l’écologie des activités sociales. EHESS: Paris, 1999.
GALERIA Espírito Santo completa um ano e lança campanha de vendas. ANA92 . 31 jul,
2015. Disponível em: <http://ana92.com.br/index.php/2015/07/31/742/>. Acesso em: 24 fev.
2016.
GHEZZI, Simone. The fallacy of the formal and informal divide. Lessons from a post-Fordist
regional economy. In: MARCELLI, Enrico; WILLIAMS Colin C.; JOASSART, Pascale
(Eds.). Informal Work in Developed Nations. New York: Routledge, 2010.
GOFFMAN, Erving. The neglected situation. In: American Anthropologist, v. 66, n. 6(2), p.
133-136, 1964.
2011.<http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1525/aa.1964.66.suppl_3.02a00090/pdf>. Acesso
em: 13 abr.2016.
GRÜN, Roberto. Negócios & Família: armênios em S. Paulo. São Paulo: Editora Sumaré,
1992.
HART, Keith. Informal Income Opportunities and Urban Employment in Ghana. The
Journal of Modern African Studies. vol. 11, No. 1, mar., 1973, p. 61-89. Disponível em:
< http://www.jstor.org/stable/159873>. Acesso em: 6 fev. 2014.
___________. Formal Bureaucracy and the Emergent Forms of the Informal Economy.
Research Paper, UNU-WIDER, United Nations University (UNU), nº 11, 2005, p.1-19.
Disponível em: <https://www.econstor.eu/bitstream/10419/63313/1/488093279.pdf>. Acesso
em: 6 fev. 2014.
HIRATA, Daniel. Street commerce as a “problem” in the cities of Rio de Janeiro and São
Paulo. Vibrant, Virtual Brazilian Anthropology, v. 11, n. 1, 2014. Disponível em:
<http://www.vibrant.org.br/issues/v11n1/daniel-hirata-street-commerce-as-a-problem-in-the-
cities-of-rio-de-janeiro-and-sao-paulo/>. Acesso em: 21 jun. 2015.
IBGE. Produto Interno Bruto dos Municípios. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/000000157109121120130
94517795368.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2015.
INDEFINIDA área para recolocar os camelôs. Amazonas em Tempo, Manaus, 29 nov. 1990.
Cidade, p.2;
ITIKAWA, Luciana. F. Trabalho Informal nos Espaços Públicos no Centro de São Paulo:
pensando parâmetros para políticas públicas. 520f. 2006. Tese (Doutorado em Estruturas
Ambientais Urbanas) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2006.
LEAL, Vinícius. Em último dia de inaugurações, Shopping T4 é entregue pelo prefeito Arthur
Neto, A Crítica, 30 jun, 2016. Disponível em:
<http://www.acritica.com/channels/manaus/news/shopping-t4-e-inaugurado-como-promessa-
no-comercio-popular-na-zona-leste>. Acesso em: 01 ago. 2016.
LAUTIER, Bruno. O governo moral dos pobres e a despolitização das políticas públicas na
América Latina. Caderno CRH [online], v.27, n. 72, p. 463-477, 2014 [2009]. Disponível
em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792014000300002>. Acesso em: 21 jun. 2015.
LIMA, Lívia de Souza. Nas Teias do Ilegalismo: o shopping popular Oiapoque. 2011. 156 f.
Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia – Gestão
Urbana e Criminalidade, Universidade Federal de Minas Gerais,Belo Horizonte, 2011.
LIMA, Jacob C.; SOARES, Maria José B. Trabalho Flexível e o novo informal. Cadernos
CRH, Salvador, v. 15, n. 37, p. 163-180, jul./dez. 2002.
291
MAIS de 600 Camelôs são Retirados de Calçadas do Centro de Manaus. G1, Amazonas,
2014. Disponível em <http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2014/02/mais-de-600-
camelos-sao-retirados-de-calcadas-do-centro-de-manaus.html>. Acesso em: 27 jul. 2014.
MANAUS. Diário Oficial do Município. Manual de Placas: parâmetros para publicidade nas
fachadas das edificações localizadas na UES centro e UES centro antigo da cidade de
Manaus. Ano XIV, edição nº 3.213, Manaus: Diário Oficial do Município, 19 jul. 2013b, p. 6-
7.
MANAUS. Diário Oficial do Município. Lei nº 1.780. Ano XIV, edição 3.282, Manaus:
Diário Oficial do Município, 30 out. 2013d, p. 1.
292
MANAUS. Diário Oficial do Município. Mapa da Área Central de Manaus. Ano XIV,
edição nº 3.213, Manaus: Diário Oficial do Município, 19 jul. 2013e, p. 8.
MANAUS. Diário Oficial do Município. Decreto 2.735 – Declara de utilidade púbica para
fins de desapropriação terreno para futura construção do Centro de Comércio Popular. Edição
nº 3.371, ano XV, Manaus: Diário Oficial do Município, 17 mar. 2014a, p. 1.
MANAUS. Diário Oficial do Município. Extrato de licitação. Ano XV, edição 3.410,
Manaus: Diário Oficial do Município, 15 maio 2014d, p. 26.
MANAUS. Diário Oficial do Município. Extrato de licitação. Ano XV, edição 3.514,
Manaus: Diário Oficial do Município, 14 out. 2014e, p. 27.
MANAUS. Diário Oficial do Município. Lei nº 1.840. Ano XV, edição 3.359, Manaus:
Diário Oficial do Município, 24 fev. 2014f, p. 1.
MARCONDES, Ulysses. Prefeitura vai realocar mais de 246 camelôs neste domingo.
Prefeitura de Manaus. Manaus. 27 fev, 2015. Disponível em:
<http://www.manaus.am.gov.br/2015/02/27/prefeitura-vai-realocar-mais-246-camelos-neste-
domingo/>. Acesso em: 28 ago. 2015.
MARTIN, Nina. Food fight! Immigrant Street Vendors, Gourmet Food Trucks and the
Differential Valuation of Creative Producers in Chicago. International Journal of Urban
and Regional Research, v. 38, n.5, p. 1.867-1.883, 2014.
293
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2002.
MELO, Lucilene Ferreira de; PINTO, Renan Freitas. O migrante rural e a reconstrução da
identidade e do imaginário na cidade. In: OLIVEIRA, José Aldemir de, et al. (Orgs.). Cidade
de Manaus: versões interdisciplinares. Manaus: EDUA, 2003. (p. 15-48).
NASSIF, Maria Inês. O avanço das commodities. In: Revista Desafios do Desenvolvimento.
Brasília: IPEA. Ano 8, nº 66, 27 jul, 2011. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/desafios/images/stories/PDFs/desafios066_completa.pdf >. Acesso
em: 28 ago. 2014.
O CENTRO está virando uma feira só. Amazonas em Tempo, Manaus, 14 mai. 1989.
Cidade, 2º caderno, p.1
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à Razão Dualista. O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,
2003.
OLIVEIRA, José Aldemir. Manaus de 1920-1967: a cidade doce e dura em excesso. Manaus:
Valer; Governo do Estado; Edua, 2003.
PEDROSO, Neli. Centro comercial onde tem de tudo. Amazonas em Tempo, Manaus, 1º
mar. 1989. Cidade, 2º caderno, p. 1.
PÉREZ, Miguel Ángel Olivo. Persistir en el Centro Histórico: el ambulantaje como trabajo no
clássico. In: DE LA GARZA, E. (coord.). Trabajo no clásico, Organización y Acción
Colectiva. Tomo I. México: Universidad Autónoma Metropolitana-Iztapalapa; Plaza y
Valdés, 2011.
PINCHOT, Gifford. The Strategic Use of Intrapreneuring. 7 jun, 2016. Disponível em:
<http://www.pinchot.com/>. Acesso em: 27 jun. 2016.
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. A Cidade sobre os Ombros: trabalho e conflito no Porto de
Manaus (1899-1925). 2. ed. Manaus: EDUA, 2003.
PRAZO fatal para saída de vendedores de frutas e verduras e peixes saírem da área central da
Praça da Matriz. Amazonas em Tempo, Manaus, 18 mai. 1989. Cidade, 2º caderno, p.1.
PREFEITO Arthur Neto entrega Shopping T4. Agência CDL-MANAUS, Manaus, 04 jul.
2016. Disponível em <http://www.cdlmanaus.com.br/noticias-prefeito-arthur-neto-entrega-
shopping-t4.php >. Acesso em: 15 ago. 2016.
296
PREFEITURA RETIRA mais 235 Camelôs das ruas do Centro Histórico. Amazonas Atual,
Amazonas, 2014. Disponível em <http://amazonasatual.com.br/prefeitura-retira-mais-235-
camelos-das-ruas-do-centro-historico/>. Acesso em: 28 jul. 2016.
PRODUTOS de camelôs estão sendo doados. Amazonas em Tempo, Manaus, 09 fev. 1991.
Cidade, p.1.
PROJETO “Faixa Verde” será integrado ao “Shopping Céu Aberto”. Amazonas em Tempo,
Manaus, 23 set. 1989, Cidade, 2º caderno, p. 3.
PUFF, Jefferson. Educação alavanca IDH nas grandes cidades, mas qualidade é questionada.
BBC, Brasil, 14 nov. 2014. Disponível em:
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141125_idh_relatorio_jp_lgb> Acesso
em: 16 mai. 2016.
QUÉRÉ, Louis. La confiance comme attitude pratique. Occasional Paper, n. 15. Paris:
Institut Marcel Mauss – CEMS, 2013. (Exposé fait à l’Université de Strasbourg le 28 mars
2013 – séminaire de Jean-Philippe Heurtin).
__________. Action Située et Perception du sens. In: FORNEL, Michel de; QUÉRÉ, Louis
(Org.). La Logique des Situations. Nouveaux regards sur l’écologie des activités sociales.
EHESS: Paris, 1999.
297
__________. La situation toujours négligée? Réseaux, v. 15, n. 85, p. 163-192, 1997. (La
coopération dans les situations de travail). Disponível
em:<http://www.persee.fr/doc/reso_0751-7971_1997_num_15_85_3139>.Acesso em: 23 set.
2015.
__________; TERZI, Cédric. Did You Say “Pragmatic”? Luc Boltanski’s Sociology from a
Pragmatist Perspective. In: SUSAN, Simon; TURNER, Brian S. (Eds.). The Spirit of Luc
Boltanski. Essays on the “Pragmatic Sociology of Critique”.Londres; New York: Anthem
Press, 2014.
RABOSSI, Fernando. Nas Ruas de Ciudad del Este: vidas e vendas num mercado de
fronteira. 2004. .Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2004.
RETIRADA de camelôs do centro de Manaus (AM) expõe cidade que há tempos não era
vista. Defender. 24 fev, 2014. Disponível em:
<http://defender.org.br/noticias/nacional/retirada-de-camelos-do-centro-de-manaus-am-
expoe-cidade-que-ha-tempos-nao-era-vista/>. Acesso em: 27 jun 2015.
__________. A Área Central e a sua Dinâmica: uma discussão. Sociedade & Natureza.
Uberlândia, v.16, n.31, p. 155-167, 2004b. Disponível em:
<http://www.seer.ufu.br/index.php/sociedadenatureza/article/viewFile/9197/5661>. Acesso
em: 15 mai. 2015.
ROWE, Anna. Cleaning Up The City: Controlling street vendors in developing &
transitioning economies.[ano]. Disponível em:
<https://annamrowe.files.wordpress.com/2014/11/cleaning-up-the-city-controlling-street-
vendors-in-developing-transitioning-economies.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2015.
SALAZAR, João Pinheiro.O Abrigo dos Deserdados: estudo sobre a remoção dos
moradores da cidade flutuante e os reflexos da Zona Franca de Manaus na habitação da
população de baixa renda em Manaus. 1985. Dissertação (Mestrado em Sociologia) -
Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985. (mimeo.)
SCHERER, Elenise. Baixas nas Carteiras: trabalho precário e desemprego na Zona Franca
de Manaus. Manaus: Edua, 2005.
SCOTT, James C.. The moral economy of the peasant. New Haven: Yale University Press,
1976.
299
SEM camelôs calçadas do Centro voltam a ser ocupadas pelos pedestres. Portal do Marcos
Santos, Manaus, 23 fev. 2014. Disponível em:
<http://www.portaldomarcossantos.com.br/2014/02/23/sem-camelos-calcadas-centro-voltam-
ser-ocupadas-pelos-pedestres/>. Acesso em: 27 jul. 2016.
__________. O Estrangeiro. Mauro Guilherme Pinheiro Koury (trad.). In: RBSE – Revista
Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 4, n. 12, p. 265-271, 2005 [1908]. Disponível em:
<http://paginas.cchla.ufpb.br/grem/SIMMEL.O%20estrangeiro.Trad.Koury.rbsedez05.pdf>.
Acesso em: data.
SOARES, Cecília Elisabeth Barbosa. O Informal Vai à Praia: o modelo dos brechós da zona
sul do Rio de Janeiro. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 29, 2014
Natal/RN. Anais da Reunião, Natal, 2014. Disponível em:
<http://www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1401994512_ARQUIVO_SOARESCecilia-
RBA-Textocompleto.pdf> Acesso em: 28 mai.2015.
SOUZA, José Leno Barata. Cidade Flutuante: uma Manaus sobre as águas (1920-1967).
2010. 354f. Tese (Doutorado em História Social) – Unidade, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2010.
300
SOUZA VALLE, Arthemisia de; OLIVEIRA, José Aldemir de.A cidade de Manaus: análise
da produção do espaço urbano a partir dos igarapés. In: OLIVEIRA, J. A. et al. (Orgs.).
Cidade de Manaus: versões interdisciplinares. Manaus: EDUA, 2003. (p.151-184)
SUFRAMA. PIM fatura R$ 74,4 bilhões em 2016. 20 fev, 2017. Disponível em:
<http://site.suframa.gov.br/noticias/pim-fatura-r-74-4-bilhoes-em-2016>. Acessado em: 26
mar. 2017.
TILLY, Charles. Space for Capital, Space for States.Theory and Society, v. 15, n. 1/2, p.
301, 1986. Disponível em: <http://links.jstor.org/sici?sici=0304-
2421%28198601%2915%3A1%2F2%3C301%3ASFCSFS%3E2.0.CO%3B2-O>. Acesso em:
27 maio 2016.
TURISTA não compra em camelô. Jornal do Commercio. Grande Manaus, 19 dez. 1990,
p.7.
TRANSFERÊNCIA dos camelôs das ruas do centro para galerias e destacada pelos
vereadores na cmm. Dircom/CMM. Manaus, 24 fev, 2014. Disponível em:
<http://www.cmm.am.gov.br/transferencia-dos-camelos-das-ruas-do-centro-para-galerias-e-
destacadapelos-vereadores-na-cmm/>. Acesso em: 23 mai. 2014.
TRUZZI, Oswaldo. Patrícios: sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1997.
VARCIN, Recep. The conflict between street vendors and local authorities: the case of market
traders in Ankara, Turkey. In: CROSS, J.; MORALES, A. (Org.). Street Entrepreneurs:
people, place, and politics in local and global perspective. New York: Routledge, 2007.
VIANA, Raphael Fraemam Braga. Quero montar meu próprio negócio! É melhor ser um MEI
(Microempreendedor Individual), uma ME (Microempresa) ou uma EPP (Empresa de
Pequeno Porte)? Ponderando o direito. 16 ago, 2016. Disponível em:
<https://ponderandoodireito.wordpress.com/tag/direito-privado/>. Acesso em: 21 dez. 2016.
VOLKOV, Vadim. Violent Entrepeneurs: the use of force in the making of Russian
capitalism. Ithaca: Cornell University Press, 2002.
ANEXOS
303
Pronto Atendimento ao Cidadão (PAC) instalado no mezanino da Galeria Espírito Santo, que
oferece atendimento para diversos serviços públicos
Interior da Galeria Espírito Santo, a partir do corredor de fundo abaixo da escada rolante, com
visão para uma das saídas pela rua 24 de Maio
22. 32 anos, não amazonense (do RS), Masculino Presta serviço Piso
trajetória com vínculo empregatício como de assistência/ Térreo
Não definiu o
operador de máquina, montador do Distrito conserto de
estado civil
industrial, em empresa terceirizada, há 07 aparelho celular
anos como camelô, aceitou convite de Ensino Médio e comercializa
amigos, comprou banca/ponto por R$ completo peças para
10.000,00, companheira contribui na equipamentos
de informática e
composição de renda com outra ocupação,
celular
box como principal fonte de renda no grupo
familiar, não filiado a Sindicato/Associação
23. 61 anos, por conta-própria desde jovem, Masculino Comercializa Piso
nunca teve vínculo empregatício, cadernos, térreo
Casado mochilas,
amazonense, filiado ao Sindicato
Ensino Médio brinquedos,
completo variedades