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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO


TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ALEXANDRE BARBOSA FRAGA

RIO DE JANEIRO
2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

ALEXANDRE BARBOSA FRAGA

DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO


DOMÉSTICO REMUNERADO

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Sociologia
e Antropologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Sociologia (com
concentração em Antropologia).

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana

RIO DE JANEIRO
Agosto de 2010

ii
DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO
DOMÉSTICO REMUNERADO

Alexandre Barbosa Fraga

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e


Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Sociologia (com concentração em Antropologia).

Aprovada por:

______________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Marco Aurélio Santana (Orientador)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/IFCS/UFRJ)

______________________________________________
Profa. Drª. Bila Sorj
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/IFCS/UFRJ)

______________________________________________
Profa. Drª. Hildete Pereira de Melo
Universidade Federal Fluminense (Faculdade de Economia/UFF)

RIO DE JANEIRO
Agosto de 2010

iii
Ficha Catalográfica

Fraga, Alexandre Barbosa.


De empregada a diarista: as novas configurações do trabalho doméstico remunerado /
Alexandre Barbosa Fraga. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2010.
xviii, 173 f.; 30 cm.

Orientador: Marco Aurélio Santana

Dissertação (mestrado) – UFRJ / IFCS / Programa de Pós-Graduação em Sociologia e


Antropologia, 2010.
Referências Bibliográficas f. 158-167.

1. Serviço doméstico. 2. Empregada doméstica. 3. Diarista. 4. Relações de trabalho. 5.


Rio de Janeiro. I. Santana, Marco Aurélio (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia. III. Título.

iv
Dedico este trabalho aos meus pais, Antonio (in
memoriam) e Ana, por todo o esforço incansável
para permitir que no meu campo de possibilidades
houvesse condições de eu fazer parte da primeira
geração da família a chegar à universidade.

v
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, professor Marco Aurélio


Santana, pela excelente orientação e pelo constante estímulo que tornaram este trabalho
possível. Muito obrigado pela confiança depositada e por acreditar sempre no potencial
desta pesquisa. Suas contribuições não se encontram em uma ou outra parte deste
trabalho, mas nele como um todo.
À minha família pelo apoio incondicional. À minha mãe, Ana, por ser meu
maior exemplo de honestidade, de superação e de luta na vida. Obrigado por todos os
sacrifícios para que eu e os meus irmãos pudéssemos chegar à universidade. À minha
irmã, Adriana, por todo o apoio durante a vida e por torcer sempre pelo meu êxito
profissional. Ao meu irmão, André, por ser meu grande amigo. Obrigado por ter lido e
comentado as primeiras versões do meu texto, possibilitando o constante
aprimoramento dele.
Aos amigos, que trago pela vida e aos que fiz na universidade: Juan Sanjuan,
Michelle Borges, Thiago Matiolli, Michelle Safady, Cíntia Barbosa, Viviane Mello. Foi
fundamental poder contar com o apoio e a torcida de vocês.
Não tenho palavras para agradecer às trabalhadoras domésticas que gentilmente
reservaram algumas horas em meio à sua longa jornada diária de trabalho, na maior
parte dos casos dupla (remunerada e na própria casa), para que eu pudesse entrevistá-las
e conhecer melhor sua vida e seu trabalho.
À minha turma de mestrado, que vivenciou comigo os desafios de obter êxito em
nossas pesquisas de dissertação. As discussões dos temas, as sugestões trocadas, as
festas e os bares tornaram o caminho mais fácil e agradável. Foi bom saber que
tínhamos com quem compartilhar as dúvidas, alegrias e preocupações, pelas quais
passamos desde a escolha do tema até a redação final do texto. Sucesso a todos: Ana
Gabriela, André, Antonio, Arbel, Bruno, Camila, Carla, Flora Moana, Frank, Giselle,
Lucas, Luciana, Ludmila, Luisa, Mario, Maurício, Nina, Pricila, Raquel, Ricardo,
Sabrina e Thais.
Em especial, agradeço àqueles colegas da turma de mestrado que acabaram se
tornando amigos e parceiros dentro e fora da academia, contando com o meu respeito,
carinho e torcida: Frank Andrew Davis, Giselle Carino Lage, Ludmila Fernandes de

vi
Freitas, Luisa Barbosa Pereira, Raquel Giffoni Pinto, Sabrina de Oliveira Moura Dias e
Thais Lemos Duarte.
À professora Liana da Silva Cardoso, minha orientadora na graduação, por toda
a dedicação em fazer de mim um pesquisador atento, comprometido e correto. Muito
obrigado pelo exemplo, pela generosidade e pelas muitas lições que trago comigo, como
o rigor científico e a honestidade intelectual.
Aos colegas do Núcleo de Pesquisa de Poder e Estudos Contemporâneos
(NUPPEC), do qual fiz parte na graduação: Michelle Safady, Adriane Gouvêa, Dário
Almeida Júnior, Luiz Guilherme Santos, Cristiane Santos, Frank Davies e Pedro
Domingues. Foram muito produtivos os debates teóricos, as discussões, os trabalhos
elaborados em conjunto, as aplicações de questionário e as análises de dados. Lembrarei
com saudade desses momentos em que aprendemos juntos a fazer pesquisa. Tal
aprendizado está presente em cada parte deste trabalho. Agradeço também à Iraídes
Coelho, pelas ótimas conversas sobre literatura brasileira e produção textual.
Ao corpo docente do PPGSA, em especial aos professores Glaucia Villas Boas,
Bruno de Carvalho, Marco Antonio Gonçalves, Celi Scalon, Marco Aurélio Santana,
José Ricardo Ramalho, Paola Cappellin, Elina Pessanha, Luiz Antonio Machado, Neide
Esterci e Maria Ligia de Oliveira Barbosa, cujas disciplinas contribuíram para a minha
formação e influenciaram, direta ou indiretamente, a elaboração deste trabalho. Muito
obrigado pelas aulas interessantes e inspiradoras.
Às secretárias da Pós-Graduação, Cláudia e Denise, pela disponibilidade para
resolver os trâmites burocráticos que foram necessários durante estes dois anos. E a
todos os demais funcionários, que vemos com menos freqüência, mas cujo trabalho
torna-se diariamente evidente nas lâmpadas trocadas, nos equipamentos funcionando e
na limpeza das salas.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
pela bolsa concedida, que possibilitou a minha dedicação integral às atividades
realizadas na Pós-Graduação e facilitou a pesquisa e elaboração da dissertação.
Aos membros da banca, professoras Bila Sorj e Hildete Pereira de Melo, por
todos os comentários que possibilitaram avançar em alguns pontos e questionar outros,
tornando mais precisos os argumentos aqui defendidos e mais estruturadas as análises
realizadas. Muito obrigado pela generosidade e pelo comprometimento que
apresentaram ao ler e discutir o projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho.

vii
Ao professor Alberto Di Sabbato, da Faculdade de Economia da UFF, que me
recebeu para uma conversa muito esclarecedora sobre as possibilidades de utilização
dos dados das PNADs nesta pesquisa e que me cedeu, gentilmente, as bases de dados.
Por fim, a todos aqueles que contribuíram de alguma forma, direta ou
indiretamente, para que este trabalho fosse concretizado, apesar de não deixá-los
registrados nominalmente, estendo igualmente os agradecimentos a eles.

viii
RESUMO

DE EMPREGADA A DIARISTA: AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO


DOMÉSTICO REMUNERADO

Alexandre Barbosa Fraga

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação


em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).

O presente estudo tem como objetivo analisar as novas configurações do


trabalho doméstico remunerado no Brasil e no Rio de Janeiro, considerando os
processos de mudança que vêm ocorrendo nessa ocupação nas últimas duas décadas,
tais como: envelhecimento das trabalhadoras domésticas, elevação da escolaridade,
aumento da formalização e ampliação do número de diaristas. Essa última mudança, que
pode indicar uma modificação na relação que as famílias brasileiras estabelecem com os
serviços domésticos, tem importância central nesta pesquisa, que busca compreender
como são as relações de trabalho da diarista, sem direitos trabalhistas e prestando
serviço em mais de uma residência, em comparação com as da empregada doméstica,
mais formal, trabalhando para uma única família. A diferenciação entre empregada
doméstica e diarista foi realizada de três maneiras: 1) Em termos legais, considerando a
legislação, a doutrina e a jurisprudência; 2) Quantitativamente, por meio das
características sócio-econômicas; 3) Com base nas percepções e classificações das
trabalhadoras domésticas. Para isso, a pesquisa utilizou três tipos de fontes: acórdãos da
Justiça do Trabalho, leis, decretos e doutrinas; dados quantitativos das PNADs de 1992
a 2008; e entrevistas com trabalhadoras domésticas da cidade do Rio de Janeiro.
Seguindo esse caminho, foi possível perceber se houve alguma alteração na forma como
o serviço doméstico lida com duas lógicas distintas: a das relações pessoais, afetivas e
familiares e a das relações profissionais, contratuais e legais.

Palavras-chave: serviço doméstico, trabalhadoras domésticas, empregada doméstica,


diarista, relações de trabalho.

Rio de Janeiro
Agosto de 2010

ix
ABSTRACT

FROM HOUSEMAID TO HOUSECLEANER: THE NEW CONFIGURATIONS OF


PAID DOMESTIC WORK

Alexandre Barbosa Fraga

Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação


em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).

The present study aims to analyse the new configurations of paid domestic work
in Brazil and Rio de Janeiro, considering the processes of change that are occurring in
this occupation in the last two decades, such as: aging of domestic workers, raising
educational levels, increase of the formalization and expansion of the number of
housecleaners. This last change, which can indicate a modification in the relation that
the Brazilian families establish with the domestic services, is of central importance in
this research, which seeks to understand how are the work relations of the housecleaner,
without labor rights and working in more than one residence, in comparison with the
work relations of the housemaid, more formal, working for one family. The
differentiation between housemaid and housecleaner was realized in three ways: 1) In
legal terms, considering the legislation, doctrine and jurisprudence; 2) Quantitatively,
by means of socioeconomic characteristics; 3) Based on the perceptions and
classifications of the domestic workers. For this, the research used three types of
sources: the judgements of the Labor Courts, laws, decrees and doctrines; quantitative
data of PNADs from 1992 to 2008; and interviews with domestic workers of the city of
Rio de Janeiro. Following this path, it was possible to see if there was any alteration in
how domestic service deals with two distinct logics: the logic of the personal, affective
and familiar relations and the logic of the professional, contractual and legal relations.

Keywords: domestic service, domestic workers, housemaid, housecleaner, work


relations.

Rio de Janeiro
Agosto de 2010

x
SUMÁRIO

Lista de siglas................................................................................................................ xiii


Lista de quadros e tabelas............................................................................................... xv
Lista de gráficos........................................................................................................... xvii
Introdução..................................................................................................................... 01
Para começo de conversa................................................................................................ 01
Estabelecendo um chão comum: o acordo das definições.............................................. 03
Caminhos percorridos e a percorrer: situando a pesquisa.............................................. 08
Objeto, objetivos e justificativa...................................................................................... 11
Questões e hipóteses....................................................................................................... 12
Metodologia e obstáculos da pesquisa............................................................................ 13
Estrutura da dissertação.................................................................................................. 19
Capítulo I – Uma análise da legislação e da Justiça do Trabalho: a
diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista....................................... 21
1.1 – Empregado doméstico: a trajetória legal e a busca pela equiparação
com os demais trabalhadores.......................................................................................... 21
1.2 – A diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista................................ 27
1.2.1 – Doutrina: interpretações divergentes sobre a “natureza contínua”..................... 27
1.2.2 – Jurisprudência: as decisões dos casos julgados.................................................. 32
1.2.3 – A definição de diarista a caminho do status de lei............................................. 42
Capítulo II – A diarista conquista espaço: processos de mudança no trabalho
doméstico remunerado atual....................................................................................... 51
2.1 – Questões metodológicas........................................................................................ 51
2.2 – Um retrato do trabalho doméstico remunerado recente......................................... 57
2.2.1 – O serviço doméstico no Brasil............................................................................ 58
2.2.2 – O serviço doméstico no Rio de Janeiro.............................................................. 65
2.3 – As novas configurações do trabalho doméstico remunerado................................ 73
2.3.1 – Diminuição da importância do serviço doméstico remunerado
na população feminina ocupada..................................................................................... 74
2.3.2 – Elevação da escolaridade.................................................................................... 76
2.3.3 – Envelhecimento da categoria.............................................................................. 77
2.3.4 – Decréscimo da proporção que reside no local de trabalho................................. 79
2.3.5 – Aumento da formalização................................................................................... 81

xi
2.3.6 – Ampliação do número de diaristas..................................................................... 83
2.4 – Empregadas domésticas e diaristas: uma comparação quantitativa...................... 89
Capítulo III – Os marcadores da diferença: as percepções das trabalhadoras
domésticas cariocas sobre a distinção entre ser empregada ou diarista................. 99
3.1 – Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas............................................... 101
3.2 – Histórias de vida: entre panelas, bonecas e vassouras......................................... 111
3.2.1 – Da infância ao trabalho: uma “ajuda” nos afazeres domésticos....................... 112
3.2.2 – Do lar à casa de terceiros: mais do que uma “ajuda”....................................... 114
3.2.3 – Da primeira casa às demais: a “ajuda” virou profissão.................................... 118
3.3 – Os marcadores da diferença................................................................................. 120
3.4 – As relações de trabalho de empregadas e diaristas.............................................. 127
3.4.1 – Informalidade.................................................................................................... 128
3.4.2 – Independência................................................................................................... 130
3.4.3 – Delimitação e controle...................................................................................... 132
3.4.4 – Racionalidade, impessoalidade e afetividade................................................... 132
3.5 – Entre estratégias e condicionamentos sociais...................................................... 138
Conclusão.................................................................................................................... 144
Bibliografia.................................................................................................................. 158
Anexo 1 – Roteiro das entrevistas com empregadas domésticas e diaristas
Anexo 2 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) dos bairros da
Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro

xii
Lista de siglas

AIRR – Agravo de Instrumento em Recurso de Revista


AMATRA – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho
ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
CBO – Classificação Brasileira de Ocupação
CFCH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
DORT – Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao trabalho
FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
FENATRAD – Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas
FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LER – Lesões por Esforços Repetitivos
NUPPEC – Núcleo de Pesquisa de Poder e Estudos Contemporâneos
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONG – Organização Não Governamental
PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego
PLS – Projeto de Lei do Senado
PME – Pesquisa Mensal de Emprego
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PPGSA – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia
RR – Recurso de Revista
SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados
SEDESP – Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo
SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SPM – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

xiii
SPSS – Statistical Package for the Social Sciences
TDC – Plano Trabalho Doméstico Cidadão
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
UFF – Universidade Federal Fluminense
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher

xiv
Lista de quadros e tabelas

Quadro 1: Semelhanças e diferenças entre empregado doméstico e


diarista na perspectiva da doutrina e da jurisprudência.................................................. 40
Quadro 2: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço
em apenas um domicílio............................................................................................... 102
Quadro 3: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço
em mais de um domicílio.............................................................................................. 106
Tabela 1: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%),
Brasil, 2008..................................................................................................................... 58
Tabela 2: Trabalhadores domésticos segundo a divisão em subgrupos
ocupacionais (%), Brasil, 2001....................................................................................... 59
Tabela 3: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa
etária (%), Brasil, 2008................................................................................................... 60
Tabela 4: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de
escolaridade mais elevado alcançado (%), Brasil, 2008................................................. 61
Tabela 5: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo
de trabalho (%), Brasil, 2008.......................................................................................... 61
Tabela 6: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número
de domicílios em que o serviço é prestado (%), Brasil, 2008........................................ 62
Tabela 7: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local
de residência (%), Brasil, 2008....................................................................................... 63
Tabela 8: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de
domicílios em que o serviço é prestado e do local de residência (%), Brasil, 2008....... 63
Tabela 9: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número
de horas semanais trabalhadas (%), Brasil, 2008........................................................... 64
Tabela 10: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de
rendimento (%), Brasil, 2008......................................................................................... 65
Tabela 11: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%),
Rio de Janeiro, 2008....................................................................................................... 66
Tabela 12: Trabalhadores domésticos segundo a divisão em subgrupos
ocupacionais (%), Rio de Janeiro, 2001......................................................................... 67
Tabela 13: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa
etária (%), Rio de Janeiro, 2008..................................................................................... 67

xv
Tabela 14: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de
escolaridade mais elevado alcançado (%), Rio de Janeiro, 2008................................... 68
Tabela 15: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo
de trabalho (%), Rio de Janeiro, 2008............................................................................ 69
Tabela 16: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número
de domicílios em que o serviço é prestado (%), Rio de Janeiro, 2008........................... 69
Tabela 17: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local
de residência (%), Rio de Janeiro, 2008......................................................................... 70
Tabela 18: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de
domicílios em que o serviço é prestado e do local de residência (%),
Rio de Janeiro, 2008....................................................................................................... 71
Tabela 19: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número
de horas semanais trabalhadas (%), Rio de Janeiro, 2008.............................................. 71
Tabela 20: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de
rendimento (%), Rio de Janeiro, 2008............................................................................ 72
Tabela 21: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas por cor
ou raça (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001..................................................................... 92
Tabela 22: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
a faixa etária (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001............................................................ 92
Tabela 23: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
anos de estudo (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001......................................................... 93
Tabela 24: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
o vínculo de trabalho (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001............................................... 94
Tabela 25: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
o seu local de residência (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.......................................... 95
Tabela 26: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
o número de horas semanais trabalhadas (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001................ 96
Tabela 27: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo
as faixas de rendimento (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001........................................... 97

xvi
Lista de gráficos

Gráfico 1: Número de trabalhadoras domésticas, Brasil e Rio de Janeiro,


2001-2008....................................................................................................................... 74
Gráfico 2: Proporção de trabalhadores domésticos no total de ocupados,
Brasil, 1992-2008........................................................................................................... 75
Gráfico 3: Proporção de trabalhadores domésticos no total de ocupados,
Rio de Janeiro, 1992-2008.............................................................................................. 75
Gráfico 4: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas por anos
de estudo, Brasil, 1992-2008.......................................................................................... 76
Gráfico 5: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas por anos
de estudo, Rio de Janeiro, 1992-2008............................................................................. 77
Gráfico 6: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
a faixa etária, Brasil, 1992-2008..................................................................................... 78
Gráfico 7: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
a faixa etária, Rio de Janeiro, 1992-2008....................................................................... 78
Gráfico 8: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o seu local de residência, Brasil, 1992-2008.................................................................. 80
Gráfico 9: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o seu local de residência, Rio de Janeiro, 1992-2008..................................................... 80
Gráfico 10: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o vínculo de trabalho, Brasil, 1992-2008....................................................................... 82
Gráfico 11: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o vínculo de trabalho, Rio de Janeiro, 1992-2008.......................................................... 83
Gráfico 12: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
a divisão em subgrupos ocupacionais, Brasil, 1992-2001.............................................. 84
Gráfico 13: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
a divisão em subgrupos ocupacionais, Rio de Janeiro, 1992-2001................................ 85
Gráfico 14: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o número de domicílios em que o serviço é prestado, Brasil, 1992-2008...................... 86
Gráfico 15: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o número de domicílios em que o serviço é prestado, Rio de Janeiro, 1992-2008........ 87
Gráfico 16: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o número de domicílios em que o serviço é prestado e o vínculo de trabalho,

xvii
Brasil, 1992-2008........................................................................................................... 88
Gráfico 17: Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo
o número de domicílios em que o serviço é prestado e o vínculo de trabalho,
Rio de Janeiro, 1992-2008.............................................................................................. 88

xviii
INTRODUÇÃO

Para começo de conversa

Segundo Roberto DaMatta (1997), um livro é como uma casa e suas partes
correspondem às diferentes dependências, de forma que nele há fachada, jardim,
quartos, corredores, porão... A introdução de um trabalho é, acompanhando o raciocínio
desse autor, como uma sala de visitas, na qual se recepciona os convidados, inicia-se a
conversa e os convence a conhecer todos os seus cômodos, móveis e objetos.
Se esta dissertação pode ser comparada a uma casa, preferimos conceber a
presente introdução certamente como a sua cozinha: bastidor, lugar de preparação.
Assim a compreendemos, pois nestas páginas iniciais podemos abrir mão das
formalidades que serão imprescindíveis em partes posteriores e ficar mais à vontade
para conversar sobre a lógica que acompanha esta pesquisa, suas dificuldades e os
caminhos e descaminhos de sua construção.
A cozinha é parada obrigatória para nós que queremos entender melhor o
trabalho realizado por estas mulheres que desempenham profissionalmente tarefas
reprodutivas (ligadas à família, aos afazeres domésticos), e foi nela que realizamos
algumas das entrevistas que fazem parte desta pesquisa. Esse cômodo ainda aparece
como espaço feminino e isso nos faz lembrar a fala de uma empregada citada por Suely
Kofes (1994): “Se já é triste passar a vida no fundo da cozinha da gente, imagine como
é triste passar a vida no fundo da cozinha dos outros”.
O nosso contato com o tema do trabalho doméstico remunerado teve início ainda
na graduação em Ciências Sociais, nos anos de 2006 e 2007, quando elaboramos uma
pesquisa que buscava compreender a relação de trabalho da empregada doméstica e as
suas especificidades. No decorrer dessa pesquisa, o que sempre despertou a nossa
imaginação sociológica (MILLS, 1982) foi o caráter ambíguo que essa ocupação
apresenta ao conjugar relações trabalhistas e relações familiares.
A partir dos resultados dessa pesquisa, que pode ser considerada,
principalmente, a produção de um “estado da arte”, tornou-se possível dar início à
construção do objeto que será investigado nesta dissertação de mestrado. Para isso, é
preciso frisar que as trabalhadoras domésticas podem ser classificadas, segundo Motta
(1992), como veremos melhor no próximo ponto, em três tipos, a partir do local de

1
residência e da duração da jornada: a mensalista residente, a mensalista externa e a
diarista.
Esta dissertação nasceu justamente do interesse em compreender como são as
relações de trabalho da diarista em comparação com as da empregada doméstica,
residente na casa dos patrões ou não. Buscou-se perceber em que essas relações de
trabalho doméstico remunerado se diferem e como, em cada um desses casos
específicos, duas lógicas distintas (trabalhista e familiar) são mobilizadas.
De que maneira essas duas dimensões podem ser articuladas? Roberto DaMatta
(1997), em A Casa e a Rua, sugeriu que duas linhas interpretativas distintas buscaram
ler o Brasil de uma perspectiva sociológica. Na primeira, o foco é colocado na “casa”,
na família, nos costumes, no cotidiano, de forma que pouco se aborda o Estado, o
governo, o universo político e das leis. Na segunda, a preocupação é com o ângulo da
“rua”, das instituições, da política, da economia, da dimensão legal e constitucional, do
sistema burocrático, de forma que pouco se borda as questões privadas.
Estudar o trabalho doméstico remunerado, como aqui se pretende, é, acima de
tudo, estarmos atentos para a articulação entre a casa e a rua. A compreensão dessa
relação passa pela questão de que a trabalhadora doméstica é sempre, em maior ou
menor grau, um elo entre essas duas esferas, pois contratá-la significa trazer para o
espaço doméstico a esfera trabalhista e, com isso, ter que administrar, nesse mesmo
ambiente, duas lógicas distintas: a das relações pessoais, afetivas e familiares e a das
relações profissionais, contratuais e legais.
Como as dimensões profissional e familiar quase nunca operam pela mesma
lógica, há ao menos três tipos de articulação possíveis entre elas ao passarem a conviver
nessa ocupação. Em uma primeira articulação, a casa e a rua interagem sob a constante
tensão proveniente do fato de ser uma relação profissional no seio da família. Ao
mesmo tempo em que a lei é reconhecida e respeitada, há espaço para o acordo e para as
relações que fujam ao estritamente profissional.
Em uma segunda articulação, a casa predomina em relação à rua, quando a
trabalhadora doméstica sente-se “parte da família”, desconhece as leis que regulam o
seu trabalho e se guia a partir dos acordos informais que estabelece com os patrões. E
ainda em uma terceira articulação, é a rua que prevalece sobre a casa, quando a relação
estabelecida é quase unicamente profissional ou quando a questão chega à Justiça,

2
permitindo até mesmo que, em último caso, os bens do patrão sejam leiloados para
quitar uma dívida trabalhista1.
Dessa forma, tão relevante para este trabalho é abordar as relações pessoais, o
sentimento de ser “quase membro da família” e os acordos informais, quanto levar em
consideração a esfera legal, o sindicato, os direitos, a justiça e a racionalidade.
Observar, em interação, esses dois conjuntos de dimensões presentes nas relações de
trabalho doméstico remunerado é essencial para contribuir de forma efetiva para a sua
compreensão.

Estabelecendo um chão comum: o acordo das definições

Para tornar esta dissertação inteligível, é preciso estabelecermos desde início


um acordo quanto a algumas definições empregadas, para que possamos andar juntos,
pari passu, sem tropeços ou entendimentos distintos a respeito de uma mesma
categoria. Como grande parte do vocabulário sobre o serviço doméstico é de
conhecimento geral, torna-se ainda mais necessário esclarecermos alguns significados,
na medida em que ajudam a entender e a descrever de uma forma mais precisa o assunto
sobre o qual aqui nos debruçamos.
Sendo assim, uma série de categorias precisa ser mais bem compreendida para o
acompanhamento desta dissertação, são elas: trabalho e emprego; trabalho produtivo e
trabalho reprodutivo; trabalho doméstico e emprego doméstico; trabalho doméstico
remunerado, serviço doméstico remunerado e emprego doméstico; trabalho doméstico
remunerado e trabalho em domicílio; trabalhadora doméstica, empregada doméstica e
diarista; mensalista residente e mensalista externa; empregada polivalente e empregada
especializada.
A diferenciação entre tais definições é importante para esta pesquisa, pois para
ser possível analisar as mudanças nas relações de trabalho doméstico remunerado, um
passo inicial é reconhecer a heterogeneidade dessa atividade profissional e diferenciar
suas divisões internas. Esse “vocabulário” sobre o serviço doméstico remunerado
aparece sendo utilizado pela bibliografia sobre o assunto, na sua maior parte com os

1
Segundo a Lei nº. 8.009/90, o chamado bem de família (o imóvel residencial em que se mora e os
objetos que fazem parte dele) não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza. No caso das dívidas trabalhistas que se tem com
empregado doméstico, não se aplica a proteção da impenhorabilidade do bem de família, ou seja, ele pode
ser penhorado por ordem judicial para o pagamento do débito existente.

3
mesmos sentidos que serão empregados neste estudo, mas aqui, diferente de alhures,
buscamos deixar seus significados bem explicitados, ao invés de subentendidos, pois
são eles que permitirão estabelecermos um chão comum, necessário para o melhor
entendimento do tema.
Considerando que os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
2008, do IBGE, apontam que mais de 93,0% dos trabalhadores domésticos são
mulheres, utilizaremos “trabalhadoras domésticas” e “empregadas domésticas”, no
feminino, assim como é feito em muitas pesquisas sobre o assunto, a não ser que
estejamos nos referindo a uma lei específica, nesse caso as categorias estarão no
masculino, como em suas definições legais. Os homens são apenas 7,0% dos
trabalhadores domésticos, além disso, grande parte deles é motorista particular,
jardineiro e caseiro.
Embora, muitas vezes, as palavras trabalho e emprego sejam utilizadas como se
tivessem o mesmo sentido, elas possuem significados diferentes. O trabalho é qualquer
atividade executada pelo esforço físico ou mental de alguém, buscando produzir um
bem ou serviço. O emprego, por sua vez, é um tipo específico de trabalho remunerado,
com vínculo estável e formal, prestado a uma organização ou pessoa a partir de um
contrato de trabalho.
Dessa forma, quando nos referimos a emprego, é no sentido de uma relação de
longo prazo juridicamente regulada e socialmente protegida, como o emprego com
carteira assinada ou o emprego público; quando nos referimos a trabalho, pode ser
qualquer atividade laboriosa, com ou sem vínculo empregatício.
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “considera-se empregado
toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário” (art. 3º). Ou seja, a relação de emprego é
estabelecida a partir de alguns requisitos: 1) o empregado ser pessoa física; 2) o trabalho
ser prestado de forma não eventual; 3) o trabalho estar subordinado, pois o empregado
cumpre ordens do empregador; 4) a existência da contraprestação (salário).
O trabalho pode ser observado a partir de duas esferas, que apresentam uma
valorização social distinta: a produtiva e a reprodutiva. Enquanto o trabalho produtivo
são as atividades vinculadas ao mercado, à produção econômica; o trabalho
reprodutivo são os afazeres domésticos, os cuidados com as crianças, idosos e doentes.
Essas esferas são, de fato, interdependentes, no sentido de que apenas é capaz de
produzir quem está com as questões reprodutivas resolvidas de alguma forma, seja

4
através da “conciliação” com o trabalho remunerado, seja através da delegação a outra
pessoa (HIRATA e KERGOAT, 2007).
Mas, ao mesmo tempo, assim como pensa a socióloga francesa Danièle Kergoat
(1986), há contradições entre essas duas esferas que o capitalismo induziu à separação2:
produtiva (muito valor social, trabalho remunerado, relações de classe, espaço público e
relações de capital/trabalho) e reprodutiva (pouco valor social, trabalho não
remunerado, relações entre os sexos, espaço privado e relações familiares).
As trabalhadoras domésticas, ao realizarem profissionalmente e de maneira
remunerada o trabalho reprodutivo, acabam por conjugar, de diferentes maneiras,
dimensões presentes nessas duas esferas, tencionando no decorrer de suas atividades
questões próprias do espaço público e próprias do espaço privado.
Embora alguns autores, em determinadas circunstâncias, utilizem trabalho
doméstico e emprego doméstico como sinônimos, é preciso diferenciá-los para evitar
que o trabalho realizado, por exemplo, pela dona de casa seja chamado da mesma
maneira que o trabalho desempenhado pela empregada doméstica.
Tanto o trabalho doméstico quanto o emprego doméstico correspondem às
atividades pertinentes à reprodução da vida, mas enquanto o primeiro marca os afazeres
domésticos que as pessoas realizam em suas próprias residências de maneira não
remunerada; o segundo, sinaliza que se trata das atividades realizadas pelas empregadas
domésticas de maneira remunerada na casa de terceiros.
Pensando em frisar essa diferenciação e, assim, deixar mais claro o objeto de
estudo em foco, muitos autores utilizaram emprego doméstico, como, por exemplo, em
um estudo pioneiro realizado por Saffioti (1978) com empregadas domésticas em
Araraquara (SP), denominado por ela Emprego Doméstico e Capitalismo.
Mas embora a categoria emprego doméstico possibilite frisar que se trata de
trabalho doméstico prestado a outra família e em caráter remunerado, talvez ela não seja
a melhor maneira de nomear essa atividade como um todo. Isso ocorre porque, como
vimos, para ser emprego é necessária a existência de vínculo empregatício, que garanta
certas proteções.
Dessa forma, emprego doméstico pode ser utilizado apenas para nomear a
relação de trabalho da empregada doméstica, pois nessa situação, configura-se, de fato,

2
O desenvolvimento do regime capitalista significou o afastamento entre o âmbito familiar e o âmbito
produtivo, separando essas dimensões que até o início das corporações de ofício ainda estavam
conjugadas. O sistema de fábrica se impôs sobre o trabalho feito nas oficinas caseiras.

5
uma relação de contrato de trabalho strictu sensu. Como as relações de trabalho
estabelecidas entre as famílias e as trabalhadoras domésticas são muito heterogêneas no
Brasil, com a existência também de trabalho infantil, sem carteira assinada e da
prestação de serviços durante um ou dois dias da semana, é necessário encontrar outra
forma de nomear essa atividade no geral.
No livro Muchacha, cachifa, criada, empleada, empregadinha, sirvienta y... más
nada (1993), organizado por Elsa Chaney e Mary Garcia Castro, que é uma síntese
sobre a situação das trabalhadoras domésticas nas Américas, a nomeação utilizada por
todos os autores que fazem parte da obra foi serviço doméstico3. Esse termo possibilita
diferenciar o trabalho doméstico que é a venda de um serviço realizado no domicílio do
empregador daquele trabalho doméstico desempenhado sem remuneração para a própria
reprodução social cotidiana das pessoas.
A categoria trabalho doméstico remunerado é igualmente uma forma
adequada de englobar todas as situações que fazem parte dessa atividade profissional,
pois contempla as diferentes relações de trabalho das trabalhadoras domésticas e, ao
mesmo tempo, não se confunde com os afazeres domésticos não remunerados realizados
pelas próprias famílias.
Nesse sentido, quando o intuito é denominar essa ocupação de maneira mais
generalizada, sem deixar de incluir todos os tipos de relações de trabalho possíveis,
inclusive o estabelecido pela diarista, as melhores categorias nos parecem ser trabalho
doméstico remunerado, serviço doméstico ou serviço doméstico remunerado, como
deixa transparecer o próprio título desta dissertação.
Embora a origem etimológica seja a mesma (venha de domus, casa), o trabalho
doméstico remunerado não deve ser confundido com o trabalho em domicílio. Este é o
serviço realizado pelo trabalhador em sua própria habitação ou oficina de família, sob
encomenda de um empregador ou seu intermediário, que o remunera e o dirige, ou por
conta própria, em atividades lucrativas.
O trabalho em domicílio abarca os trabalhadores, principalmente mulheres, que
realizam tarefas para indústrias ou empresas em suas próprias residências, ou seja, faz
parte de um processo de exteriorização da produção. É o caso, por exemplo, de
costureiras que trabalham para a indústria de confecções e da subcontratação no setor de

3
Esse livro tem versão em duas línguas: em castelhano e em inglês (versão original). Na edição em
castelhano, cujo título já foi citado, a expressão empregada foi “servicio doméstico”. Na versão em inglês,
cujo título é Muchachas no more: household workers in Latin America and the Caribbean (1989), a
expressão utilizada foi “domestic service”.

6
calçados. Uma revisão da literatura sobre esse tipo de trabalho foi realizada por Abreu e
Sorj (1993), e outros estudos mais recentes também têm abordado esse tema
(LAVINAS et al, 1998; ARAÚJO e AMORIM, 2002; NUNES, 2006; LEITE, 2004 e
2009).
Realizadas as distinções da ocupação no geral, passemos para a classificação das
trabalhadoras especificamente. A trabalhadora doméstica é considerada pelo IBGE a
pessoa que trabalha prestando serviço doméstico remunerado em dinheiro ou benefícios,
em uma ou mais unidades domiciliares. Consequentemente, esse conceito abarca tanto a
empregada doméstica quanto a diarista.
A empregada doméstica é definida em lei, como será plenamente discutido no
capítulo um, como aquela que presta um serviço de natureza contínua e sem finalidade
lucrativa à pessoa ou à família no espaço residencial delas. Isso significa que a
empregada doméstica realiza um trabalho de “natureza contínua”, e é com base nisso
que se busca legalmente a distinção com relação à diarista.
Já a diarista não está determinada em lei4, mas é definida por grande parte da
jurisprudência5 como aquela que trabalha apenas algumas vezes por semana em uma
mesma casa, recebendo seu pagamento no dia em que presta o serviço. Nesta pesquisa,
especificamente, além de levar em consideração essa diferenciação jurídica, nós
estamos concebendo a empregada doméstica como aquela que realiza
profissionalmente tarefas reprodutivas remuneradas em apenas uma residência e a
diarista como aquela que realiza profissionalmente tarefas reprodutivas remuneradas
em mais de uma residência.
Dessa forma, como vimos, as trabalhadoras domésticas podem ser empregadas
ou diaristas. Isso, do ponto de vista legal, está relacionado à presença ou não de uma
“natureza contínua” do trabalho; e, da perspectiva da categorização proposta por esse
estudo, está ligado à quantidade de residências em que se trabalha.
Por sua vez, as empregadas domésticas podem ser classificadas, como ressaltou
Motta (1992), em mensalistas residentes ou mensalistas externas, em função do seu
local de moradia. A mensalista residente é aquela que mora na casa dos patrões e que,
por isso, geralmente, não tem uma jornada de trabalho muito definida, no sentido de

4
Pelo menos por enquanto, pois já foi aprovado no Senado um projeto de lei que dispõe sobre a definição
de diarista, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT). Atualmente, o projeto está na Câmara.
5
A jurisprudência pode ser compreendida como um conjunto de decisões tomadas de maneira
convergente por um ou mais tribunais a partir de casos concretos semelhantes, sobre um assunto que dá
margem a mais de uma interpretação. Com base nesse acordo, outros juízes podem seguir o mesmo
entendimento na aplicação de determinada norma jurídica, embora não sejam obrigados a fazê-lo.

7
estar disponível durante uma quantidade maior de tempo. Já a mensalista externa é
aquela que mora em sua própria residência e que, portanto, conta com algum tipo de
delimitação de suas horas de trabalho.
Além de serem classificadas em mensalistas residentes ou mensalistas externas,
as empregadas domésticas podem ser consideradas polivalentes ou especializadas. A
empregada polivalente é aquela que fica responsável em uma casa pelos afazeres
domésticos como um todo. Diferente disso, a empregada especializada é contratada
para desempenhar uma tarefa específica, como ser cozinheira, babá, passadeira ou
acompanhante de idosos.
O que fica claro é a heterogeneidade das atividades que integram o serviço
doméstico, como: governanta, arrumadeira, lavadeira, jardineiro, motorista particular e
enfermeiro do lar. Nesse sentido, como todas essas atividades têm os seus aspectos
particulares e isso, possivelmente, reflete-se nas relações de trabalho estabelecidas em
cada uma delas, há certos cuidados necessários para ser possível fazer uma comparação.
Sendo assim, nesta pesquisa, iremos estudar especificamente as relações de trabalho da
empregada doméstica polivalente e as da diarista, que são as duas atividades, no serviço
doméstico remunerado, nas quais as mulheres mais estão inseridas.

Caminhos percorridos e a percorrer: situando a pesquisa

Antes de avançar para os objetivos e questões que nos levaram a essa


investigação, faz-se necessário nos situar, mesmo que brevemente, na literatura que se
ocupou do tema, pois assim ficará mais claro acompanhar de que forma as questões aqui
propostas se situam na discussão mais ampla que vem sendo travada pelos
pesquisadores que se ocuparam desse assunto.
Rezende (1995), em trabalho apresentado há quase quinze anos, fez menção ao
fato de a produção acadêmica sobre o serviço doméstico remunerado não ser vasta. Tal
afirmação ainda se mantém quando o termo da comparação são determinados temas
com grande produção bibliográfica nas Ciências Sociais. Mas essa assertiva parece não
fazer mais tanto sentido como há algum tempo, pois essa temática tem sido objeto se
não constante, pelo menos freqüente de pesquisa no Brasil.

8
Para quem se aventura atualmente nesse assunto, estão disponíveis pelo menos
61 teses e dissertações,6 alguns livros e capítulos e dezenas de artigos. Produção essa
vinda de várias áreas de conhecimento, tais como: Antropologia, Direito, Sociologia,
História, Economia, Saúde, Comunicação, Psicologia e Serviço Social. Cada uma delas
com suas preocupações, métodos e recortes. Sendo assim, por mais que seja um tema
não tão pesquisado como outros, é visível a existência de um acúmulo de reflexão e
discussão.
Na bibliografia existente, muitos foram os objetos construídos e estudados pelos
pesquisadores. Sintetizando a produção disponível, pelo menos sete perspectivas
analíticas buscaram compreender o trabalho doméstico remunerado: estatística, teórica,
histórica, configuracional, organizacional, legal e relacional. Contudo, há outras menos
predominantes e em muitos trabalhos estão presentes mais de uma perspectiva, pois a
riqueza de recortes e abordagens não cabe totalmente nas delimitações classificatórias
aqui empregadas.
A primeira perspectiva, denominada estatística, preocupou-se em traçar o
panorama geral do serviço doméstico que fosse possível a partir dos dados quantitativos
disponíveis. Isso possibilitou a reflexão sobre as características apresentadas por essa
ocupação e sobre o perfil dos trabalhadores domésticos. Os seguintes autores estão
situados nesse grupo analítico: Melo, 1993, 1998 e 2000; Bruschini e Lombardi, 2000;
Sabóia, 2000; Melo, Pessanha e Parreiras, 2002 e 2005; Menezes, 2005; Dieese, 2006;
Namir, 2006; Myrrha e Wajnman, 2008; IPEA, SPM e UNIFEM, 2008; SEADE, 2007 e
2009; e IPEA, 2009.
A segunda perspectiva, chamada aqui de teórica, procurou compreender o
trabalho doméstico remunerado de uma maneira mais geral, explicá-lo mediante as suas
grandes configurações e pensar o seu lugar na sociedade capitalista. Fazem parte dessa
abordagem: Saffioti, 1978; Farias, 1983; e Milkman, Reese e Roth, 1998. Já a
perspectiva histórica buscou retratar o serviço doméstico em diferentes períodos da
história brasileira. Os seguintes pesquisadores podem ser citados: Graham, 1992;
Carvalho, 2003; El-Kareh, 2004; e Ferreira, 2006.
A quarta perspectiva, configuracional, produziu pesquisas que estudaram
características e processos que configuraram e ainda configuram o trabalho doméstico

6
Segundo consulta ao Banco de Teses da Capes (http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses),
tendo como base 21 anos (de 1987 a 2008). Foram utilizadas as seguintes expressões de busca: “emprego
doméstico”, “empregada doméstica”, “diarista”, “trabalho doméstico”, “trabalhadora doméstica” e
“serviço doméstico”.

9
remunerado no Brasil, tais como a raça, a migração e o trabalho infantil. Enquanto
alguns autores estudaram a migração como fornecedora de mão de obra para o serviço
doméstico (BARBOSA, 2000; e JACQUET, 2000 e 2003); e outros refletiram sobre o
peso da dimensão racial nessa ocupação (VIEIRA, 1987; AZERÊDO, 1989;
ANDRADE, 2004; e SILVA, 2006); houve os que examinaram a questão das milhares
de meninas brasileiras que trabalham em casas de terceiros, realizando serviços
domésticos (SABÓIA, 2000; RIZZINI e FONSECA, 2002; LAMARÃO, 2003; ANDI,
2003; SANTANA e DIMENSTEIN, 2005; CUSTÓDIO, 2006; e NICOLAU e
KOSMINSKY, 2007).
A perspectiva organizacional reuniu pesquisas que analisaram a prática sindical
das trabalhadoras domésticas, a busca dos sindicatos por uma profissionalização e
ampliação de direitos e as dificuldades de organização por conta, por exemplo, da
fragmentação e dispersão da categoria. Estão incluídos nesse grupo temático: Motta,
1992; Oliveira, 1995; Melo, Pessanha e Parreiras, 2005; Carvalho, 2008; Oliveira, 2008;
Silva, 2008; e Oliveira, 2009.
A sexta perspectiva, nomeada de legal, conjugou trabalhos que abordaram
análises e desdobramentos de leis e de fundamentos jurídicos (SILVA, 1998;
MARTINS, 2000; SANTOS, 2000; MENDES, 2001; FONSECA, 2005; VILA, 2005;
LIMA, 2007; CASAGRANDE, 2008; e FRAGA, 2009), além de refletir sobre a relação
das trabalhadoras domésticas com o direito e o seu acesso à Justiça (VIDAL, 2006 e
2007; PEREIRA, 2007; e CARVALHO, 2008).
A última perspectiva, relacional, preocupou-se em estudar as relações
estabelecidas entre patroa e trabalhadora doméstica, ressaltando o aspecto afetivo, mas
também conflituoso estabelecido entre elas. Podemos citar os seguintes trabalhos com
essa abordagem: Kofes, 1994 e 2001; Rezende, 1995; Preuss, 1997; Vidal, 2002;
Azerêdo, 2002; Coelho, 2006; Brites, 2003 e 2007; e Harris, 2007.
No entanto, se as trabalhadoras domésticas podem ser classificadas em três
tipos: a mensalista residente, a mensalista externa e a diarista, essas diferentes
perspectivas analíticas foram mobilizadas para compreender majoritariamente os dois
primeiros. O mapeamento da produção bibliográfica sobre o tema nos permitiu perceber
que desses três tipos, apenas os dois primeiros foram mais estudados pelas Ciências
Sociais e pelas demais áreas de conhecimento. De forma que as relações de trabalho
estabelecidas por eles foram analisadas e comparadas em maior intensidade, formando,
assim, um razoável acúmulo de análises empíricas e teóricas.

10
No caso do terceiro tipo, são pouquíssimos os trabalhos científicos que o
abordaram como objeto de estudo. Mas a sua compreensão é tão relevante, do ponto de
vista sociológico, quanto a dos outros dois. Na realidade, em termos quantitativos, há
mais diaristas no Brasil do que mensalistas residentes, respectivamente, 25,9% e 6,4%
dos trabalhadores domésticos, segundo dados da PNAD 2008. Além disso, estudar as
relações de trabalho da diarista é vital para a própria compreensão das mudanças que
estão em curso no trabalho doméstico remunerado e na forma como a reprodução da
família tem sido mercantilizada.
Quando a figura da diarista aparece nos estudos sobre o trabalho doméstico
remunerado é sendo comparada estatisticamente com a empregada (BRUSCHINI e
LOMBARDI, 2000; MELO, 2000; DIEESE, 2006; MYRRHA e WAJNMAN, 2008;
SEADE, 2007 e 2009; e IPEA, 2009); a partir de uma discussão sobre a sua definição
legal (SILVA, 1998; MARTINS, 2000; SANTOS, 2000; MENDES, 2001; FONSECA,
2005; VILA, 2005; LIMA, 2007; PEREIRA, 2007); ou ainda como uma nota de pé de
página que reconhece esse tipo de relação de trabalho, mas que não se ocupa dela
(KOFES, 2001).
O único estudo sociológico que analisou mais detidamente a relação de trabalho
desse tipo específico de trabalhador doméstico foi a recente dissertação de mestrado de
Harris (2007), que ao ter o objetivo de comparar as relações entre empregadas
domésticas e seus empregadores, no Brasil e nos Estados Unidos, acabou também
confrontando a relação estabelecida pela diarista nesses dois países.
Situando a presente dissertação na literatura que se ocupou do serviço doméstico
remunerado brasileiro, almejamos contribuir, principalmente, com três das sete
principais perspectivas desse campo de estudo: estatística, legal e relacional. Dessa
forma, buscando colaborar com os conhecimentos já acumulados anteriormente sobre
essa atividade profissional.

Objeto, objetivos e justificativa

O objeto de estudo alvo da investigação que será aqui realizada são as mudanças
pelas quais o trabalho doméstico remunerado vem passando nas últimas décadas, no
sentido, por exemplo, de um aumento da demanda pelo serviço doméstico realizado
durante apenas algumas horas semanais. Com isso, estabelecem-se, no caso específico
da cidade do Rio de Janeiro, onde foi desenvolvida a parte empírica desta pesquisa,

11
diferentes tipos de relações de trabalho, distinguindo a empregada doméstica da diarista.
É justamente nessa diferenciação que repousa o nosso interesse.
A partir desse recorte, esta dissertação tem como objetivos fundamentais analisar
as novas configurações do serviço doméstico, principalmente quanto ao crescimento do
número de diaristas, que somam um quarto das trabalhadoras domésticas brasileiras; e
discutir as similitudes e os contrastes entre as relações de trabalho da empregada e da
diarista, buscando compreender a partir de quais elementos as trabalhadoras domésticas
concebem a diferença entre se apresentar no mercado desta ou daquela forma.
As pesquisas sobre trabalho doméstico remunerado, quase na sua totalidade,
abordaram as relações de trabalho vivenciadas pela empregada doméstica. Este estudo
pretende contribuir para a compreensão de uma relação de trabalho pouco estudada pela
literatura: a da diarista. Isso possibilita uma comparação entre essas duas formas de
inserção possível no mercado de trabalho doméstico: como empregada, mais formal,
trabalhando para uma mesma família; ou como diarista, por conta própria, sem direitos
trabalhistas e prestando serviço em mais de uma residência.

Questões e hipóteses

Durante o percurso de construção do objeto e de formulação dos objetivos desta


pesquisa, algumas questões sociológicas foram formuladas, modificadas e até
descartadas à medida que o estudo avançava, possibilitando que se tornassem mais bem
delimitadas e adequadas ao tempo disponível para a sua conclusão.
Nesse sentido, no decorrer desta dissertação, como forma de alcançar os
objetivos propostos, um conjunto de questões será investigado com o intuito de iluminar
determinadas faces desse tema e permitir que outras, por mais que permaneçam na
penumbra, sejam, ao menos, localizadas: Como são as relações de trabalho da diarista
em comparação com as da empregada? Elas se diferenciam? Em quê? Como as lógicas
familiar e trabalhista articulam-se nesses dois casos? O que explica o processo de
diarização? A relação que a diarista estabelece é mais impessoal e menos afetiva? A
contratação desse tipo de trabalhadora expressa alguma mudança na forma como as
famílias brasileiras se relacionam com os serviços domésticos? A diarista consegue
estabelecer fronteiras mais claras com a família e manter uma perspectiva profissional
mais forte? Como as trabalhadoras domésticas percebem a distinção entre ser mensalista
e ser diarista? Quais são os principais marcadores da diferença estabelecidos por elas?

12
A primeira hipótese desta pesquisa, relacionada ao aumento do número de
diaristas, a ser verificada, é a de que talvez ser diarista permita às mulheres de menor
poder aquisitivo uma flexibilidade necessária à articulação entre o trabalho produtivo e
o trabalho reprodutivo, a partir da maleabilidade que esse trabalho por conta própria tem
em relação ao da empregada mensalista. Isso faz ainda mais sentido levando em
consideração a dificuldade de acesso a creches e a pré-escolas, principalmente que
funcionem em tempo integral, pois o baixo desenvolvimento de serviços coletivos
penaliza a quantidade e qualidade da inserção feminina, principalmente das mães, no
mercado de trabalho (SORJ, FONTES e MACHADO, 2007).
Além disso, quem observa comparativamente as relações de trabalho da
empregada e da diarista, tende a avaliar, a princípio, que as relações estabelecidas pela
segunda parecem ser mais impessoais, delimitadas e racionais quando comparadas com
as da primeira. Como afirmou Harris, a relação estabelecida pela diarista “tende a
exemplificar as características de um emprego mais “moderno”, “racional” e
“capitalista” do que o caso da mensalista, e particularmente da mensalista residente na
casa dos empregadores” (2007: 119). Será que isso é assim mesmo? Essa é a segunda
hipótese a ser verificada no decorrer deste estudo.

Metodologia e obstáculos da pesquisa

A partir da formulação do presente conjunto de questões, certo caminho


metodológico mostrou-se mais adequado a ser seguido, uma vez que cada questão pode
ser mais facilmente respondida por meio de um método do que de outro. Para responder
à problemática levantada, variados procedimentos metodológicos revelaram-se
importantes e necessários nesta dissertação como um todo e em cada capítulo
especificamente.
No capítulo 1, o que está em voga é a análise da legislação, tanto a em vigor
quanto a em tramitação; no capítulo 2, são os dados estatísticos que ganham destaque,
permitindo uma análise quantitativa de alguns dados disponíveis sobre o assunto; e, no
capítulo 3, o método mobilizado é a realização de entrevistas com trabalhadoras
domésticas, que nos pareceu o mais eficaz para buscar responder a muitas das perguntas
formuladas.
No que diz respeito à discussão da bibliografia, procurou-se conhecer os
trabalhos que estudaram o serviço doméstico, não apenas a partir do ponto de vista da

13
Sociologia e da Antropologia, mas da Psicologia, do Direito, do Serviço Social e de
outras áreas de conhecimento que abordaram esse tema e o construíram como objeto de
estudo. Ao fazer isso, procuramos nos situar no debate para participar dele de maneira
mais consistente.
O maior desafio ao mapear essas pesquisas foi buscar as similitudes e os
contrastes nas argumentações desenvolvidas e, principalmente, perceber que as relações
de trabalho da diarista apenas haviam sido estudadas por um autor, o que significava
maior dificuldade para estabelecer um diálogo, pela falta de interlocutores, mas, ao
mesmo tempo, um terreno fértil para interpretações sociológicas e para desenvolver uma
problemática que poderá ser fruto de novas pesquisas.
Em relação à análise das leis, acompanhou-se o percurso da legislação sobre o
emprego doméstico e a discussão sobre a situação de quem trabalha apenas alguns dias
da semana em uma mesma casa. A dificuldade nesse ponto foi dominar mais a
linguagem jurídica, nem sempre palatável a quem não pertence ao campo, como forma
de explicar a trajetória legal e a distinção entre empregada e diarista de maneira clara e,
ao mesmo tempo, precisa.
Quanto ao método quantitativo, os dados das Pesquisas Nacionais por Amostra
de Domicílios (PNAD-IBGE) foram muito úteis para tornar possível uma comparação
entre empregadas e diaristas, tanto em nível de Brasil quanto de Rio de Janeiro. Essa
pesquisa permitiu, por meio de uma seqüência temporal de determinados dados (número
de trabalhadores domésticos, carteira assinada, morar ou não na residência onde
trabalha...), um acompanhamento dos processos de mudança em curso no serviço
doméstico.
Os obstáculos superados foram aprendermos a trabalhar com os microdados da
PNAD e chegarmos à conclusão se uma distinção estatística entre empregada e diarista
poderia ou não ser realizada. Isso se tornou possível graças à experiência que
adquirimos na graduação trabalhando com o programa SPSS e à inestimável ajuda do
professor Alberto Di Sabbato, da Faculdade de Economia da UFF. Os bancos de dados
com os microdados das PNADs de 1992 a 2008 foram obtidos no Consórcio de
Informações Sociais (CIS) e no Observatório das Metrópoles.
Em relação ao método qualitativo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas
com trabalhadoras domésticas da cidade do Rio de Janeiro. Em determinados
momentos, essas entrevistas eram mais abertas, como a parte em que o que estava em
foco era a biografia dessas mulheres, aproximando-se da metodologia da história de

14
vida; em outros, elas eram mais fechadas, quando a preocupação estava em perceber
questões específicas sobre o trabalho delas.
Na parte mais biográfica, as trabalhadoras domésticas eram chamadas a relatar
livremente a sua trajetória individual. Ao narrarem a dinâmica das relações sociais que
estabeleceram ao longo da vida, não podemos perder de vista que mobilizaram o olhar
do presente sobre o passado (POLLAK, 1989) e que a memória é seletiva, o que fez
com que alguns assuntos viessem à tona e outros fossem ignorados ou evitados
(POLLAK, 1992).
As entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro que serviu para guiar a
conversa, mas novas perguntas poderiam ser formuladas a partir das respostas dadas
(ver anexo 1). Esse método pareceu o mais apropriado para captar as percepções das
entrevistadas em relação a determinados aspectos de sua vida e de seu trabalho,
importantes para alcançar alguns dos objetivos desta pesquisa.
Como se trata da tentativa de compreender relações de trabalho que podem ser
muito heterogêneas no serviço doméstico, alguns cuidados foram necessários. É preciso
lembrar que há desde a relação da empregada que trabalha para uma família de classe
média ou classe média alta até o caso de empregadas que têm “empregadas”, ou seja,
que pagam outras mulheres para cuidar de seus filhos e de sua casa, como apontam
alguns estudos (SILVA e CRUZ, 2007).
Possivelmente, as relações de trabalho estabelecidas nesses dois casos distintos
são muito diversas e uma comparação entre elas, por mais interessante que seja,
demandaria um esforço diferente daquele que atende ao objetivo específico desta
pesquisa. Sendo assim, para evitar comparar relações muito distintas, optamos por
homogeneizar a parte empregadora e, então, falar com mais propriedade sobre um tipo
de relação de trabalho: o estabelecido entre trabalhadoras domésticas e famílias de
classe média e classe média alta.
Para tornar isso possível, fizemos um controle a partir dos bairros cariocas,
escolhendo a região na qual eles são mais homogêneos quanto ao Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH), que é uma medida comparativa obtida
levando em consideração três dimensões: educação (taxa de alfabetização de adultos e
taxa bruta de freqüência à escola), longevidade (esperança de vida ao nascer) e renda
(renda per capita). A região escolhida foi a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro,
habitada por pessoas de nível sócio-econômico-cultural mais semelhante. As entrevistas
foram realizadas com empregadas e diaristas que trabalham nessa região geográfica.

15
O IDH pode variar de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1
(desenvolvimento humano total), sendo que os países, as regiões, as cidades e os bairros
são classificados do seguinte modo: de 0 a 0,499 (desenvolvimento humano baixo), de
0,500 a 0,799 (desenvolvimento humano médio), de 0,800 a 0,899 (desenvolvimento
humano elevado) e de 0,900 a 1 (desenvolvimento humano muito elevado).
Os bairros da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro escolhidos foram aqueles
com IDH mais próximo, ou seja, superior a 0,9. São eles: Gávea (0,970); Leblon
(0,967); Ipanema (0.962); Lagoa (0,959); Flamengo (0,959); Humaitá (0,959);
Laranjeiras (0,957); Jardim Botânico (0,957); Copacabana (0,956); Leme (0,955);
Botafogo, Urca (0,952); Glória (0,940); e Catete (0,901). Com IDH mais baixo, alguns
bairros ficaram de fora da amostra: Santa Teresa, Cosme Velho (0,878); Vidigal, São
Conrado (0,873); e Rocinha (0,732)7 (ver anexo 2).
Para selecionar as entrevistadas, foi utilizada a metodologia “bola de neve”
(snow-ball) ou técnica de indicação sucessiva de entrevistas, por meio da qual a
primeira entrevistada nos foi indicada e a partir dela foi construída uma rede que no
decorrer da pesquisa possibilitou que as próprias trabalhadoras domésticas entrevistadas
nos indicassem as próximas a fazerem parte da pesquisa. A preocupação era a de que
essa rede contemplasse em seu interior um recorte importante ligado ao tipo de inserção
no mercado de trabalho, ou seja, na composição da amostra de trabalhadoras domésticas
tornava-se necessário a presença tanto de empregadas quanto de diaristas.
Essa técnica de as primeiras entrevistadas indicarem outras, e assim
sucessivamente, foi empregada até que, de certa forma, fosse atingido o “ponto de
saturação”, ou seja, quando as novas entrevistadas começassem a repetir os conteúdos já
obtidos em entrevistas precedentes, sem acrescentarem novas informações relevantes. A
rede nem sempre se mostrou bem sucedida, pois às vezes acabava sendo desfeita por
alguma participante que não indicava outra pessoa ou por alguma trabalhadora
recomendada que não aceitava participar.
Por conta disso, algumas redes foram abertas simultaneamente, diminuindo o
tempo de espera de uma entrevista para outra e a possibilidade de ficarmos
abruptamente sem entrevistadas. Metodologicamente, optamos por não chegar às

7
Esses índices foram retirados do site “Armazém de dados” (http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br),
que é um portal da Prefeitura do Rio de Janeiro para disseminação de informações sobre a cidade. Nesse
endereço eletrônico está disponível um acervo de mapas, estatísticas, estudos e pesquisas. O cálculo do
IDH Municipal depende das informações censitárias, por isso, os dados utilizados correspondem ao
Censo Demográfico 2000.

16
trabalhadoras domésticas nem por meio de suas patroas, nem de agências de emprego,
nem do sindicato, por conta do viés que esses caminhos poderiam trazer.
As redes foram abertas por meio de uma amostra de conveniência, no sentido de
que a entrevistada que dava início a cada rede foi indicada por alguém de nosso
conhecimento pessoal, em alguns casos até mesmo por suas patroas. Mas essa entrevista
apenas servia para abrir a rede, sendo em seguida eliminada do corpo analítico da
pesquisa. No caso das demais entrevistadas que compõem a rede, não nos parece que
haja esse tipo de fonte de viés, pois todas foram indicadas por outras trabalhadoras
domésticas e sequer seus patrões eram conhecidos.
Azerêdo (1989) discute uma série de cuidados metodológicos que precisam ser
observados por quem vai se debruçar sobre o tema do trabalho doméstico remunerado.
Essa reflexão foi realizada mediante sua pesquisa sobre a relação patroa-empregada, em
que chegou às trabalhadoras domésticas por meio de suas patroas e fez as entrevistas
nas casas destas. Durante o artigo, Azerêdo faz um balanço das formas de procedimento
adotadas, de suas conseqüências para as informações coletadas e de como seria possível
deixar as empregadas mais à vontade para falarem sobre as suas relações de trabalho,
tornando a leitura proveitosa para quem está desenvolvendo seus métodos de pesquisa.
A questão de a indicação ser de trabalhadora doméstica para trabalhadora
doméstica nos parece muito importante, pois a indicação através da patroa pode ser uma
fonte de viés da entrevista. Isso ocorre porque por mais que a patroa tenha perguntado
se a sua doméstica aceita ser entrevistada e ela tenha concordado, pode permanecer,
mesmo que em determinado grau, a questão da obrigatoriedade da entrevista: “estou
aqui porque a minha patroa mandou”.
Além disso, e ainda mais importante, sendo indicada pela patroa, por mais que o
pesquisador não a conheça pessoalmente, as respostas a determinados tipos de
perguntas, como as referentes ao relacionamento com a família empregadora, podem
ficar enviesadas, pois, em algum nível, as trabalhadoras domésticas perceberão a
entrevista como uma “armadilha”: “o que eu falar poderá ser usado contra mim”.
Nesse sentido, alguns obstáculos foram enfrentados para realizar as entrevistas.
Uma primeira dificuldade foi a necessidade de respeitar os critérios definidores de quem
poderia ou não ser entrevistada, pois apenas faria parte desse grupo quem satisfizesse
simultaneamente três condições: 1ª) ser empregada polivalente ou diarista; 2ª) trabalhar
na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, nos bairros citados anteriormente; 3ª) ter sido
indicada por outra trabalhadora doméstica. Por vezes, a rede chegava a empregadas

17
especializadas ou a trabalhadoras que desempenhavam seu trabalho em outras regiões
da cidade, como não atendiam aos três requisitos necessários, ficavam fora da amostra.
Como dito antes, tais critérios buscaram evitar vieses e tornar possível o estudo
de relações de trabalho mais homogêneas, mas, ao mesmo tempo, tornaram mais
complexa a realização das entrevistas. Junto a isso, uma segunda dificuldade foi a
recusa de algumas trabalhadoras domésticas em fazer parte da pesquisa, por alegarem
falta de tempo, vergonha, não ter o que dizer e receio de que a gravação da entrevista
aparecesse na televisão.
As justificativas para a recusa são elas mesmas reveladoras de algumas
características do serviço doméstico, como quando uma trabalhadora doméstica que
presta serviço um dia na semana para uma mesma família, recebendo diária, não aceitou
fazer parte da pesquisa, pois disse, parecendo ofendida, que não era nem empregada
nem diarista, considerava-se uma amiga que estava prestando um favor. Esse é o tipo de
percepção que esta pesquisa procura identificar ao colocar o foco na trabalhadora
doméstica e no tipo de relação que ela constrói com a parte empregadora.
As entrevistas foram realizadas em três lugares: nas moradias das trabalhadoras
domésticas, no espaço público (calçadas, praças...) e nas casas da Zona Sul em que elas
trabalham (na cozinha ou no quarto de empregada). Nesse último caso, em número
pequeno e somente quando os patrões não estavam, aproveitando, por exemplo,
momentos em que foram trabalhar ou saíram de viagem. O ideal seria a entrevista ser
realizada unicamente com a trabalhadora doméstica presente, mas, por mais que isso
fosse buscado, em alguns casos, havia mais pessoas no local, como um filho ou uma
outra trabalhadora doméstica.
Essa presença inesperada, problemática em certo sentido, às vezes se mostrou
muito proveitosa. Esse foi o caso de uma entrevista realizada com uma empregada
doméstica que reside em um apartamento alugado no Centro, mas cujos filhos moram
na casa da patroa. A entrevista foi concedida nesse apartamento alugado, mas como ele
é extremamente pequeno, a filha, mesmo no cômodo contíguo, pôde acompanhar o
desenrolar da nossa conversa. A presença da filha e as suas constantes intervenções
deixaram claro, como veremos no último capítulo desta dissertação, um conflito que
cruzava relações trabalhistas e relações familiares e que fazia a empregada perceber os
seus filhos divididos entre ela e a sua patroa.
Para finalizar este ponto, vale a pena pensar se o fato de o pesquisador ser
homem ou mulher interfere no estudo desse tema. Levantamos essa questão, pois ela

18
está presente em estudos precedentes sobre o assunto. Alguns pesquisadores ressaltaram
determinadas dificuldades vivenciadas por serem homens. Para Barbosa (2000), por
exemplo, a diferença de gênero entre pesquisador e entrevistadas repercutiu sobre o
entendimento do universo delas, pois elas pareciam se esquivar de comentar com um
homem sobre os serviços que realizam, por os perceberem como de domínio feminino.
Mas não podemos perder de vista que as pesquisadoras também já advertiram
sobre alguns entraves existentes por serem mulheres. Para Azerêdo (1989), era
inevitável que as empregadas a identificassem como patroa, por conta, por exemplo, da
sua situação sócio-econômica e pelo fato de estar fazendo uma pesquisa. Por esse
mesmo motivo, Coelho (2006) revelou que recebeu muitas recusas das trabalhadoras
domésticas para serem entrevistadas, pois havia o embaraço de conversar com uma
“patroa”.
Dessa forma, se o sexo do pesquisador também deve ser levado em consideração
como um dado importante para analisar os resultados obtidos pelas pesquisas sobre esse
tema, faz-se mister ressaltar que os obstáculos existem tanto para mulheres quanto para
homens. Essa condição, longe de significar uma impossibilidade de conduzir uma
pesquisa, revela determinados empecilhos existentes quando se vai a campo. Se certas
dificuldades aparecem mais para pesquisadores do que para pesquisadoras, e vice-versa,
são limites com os quais ambos necessitam conviver.

Estrutura da dissertação

Além desta introdução e da conclusão, o presente trabalho encontra-se


estruturado em três capítulos. No primeiro deles, intitulado “Uma análise da legislação e
da Justiça do Trabalho: a diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista”, os
objetivos centrais são analisar a trajetória da legislação direcionada aos empregados
domésticos e discutir, a partir da doutrina, da jurisprudência e do Projeto de Lei do
Senado, nº. 160, de 2009, o que diferencia, em termos legais, o empregado doméstico
do diarista.
No segundo capítulo, denominado “A diarista conquista espaço: processos de
mudança no trabalho doméstico remunerado atual”, por meio de dados quantitativos, é
elaborado um retrato do serviço doméstico, no Brasil e no Rio de Janeiro. Isso é
realizado com o intuito de alcançar três objetivos: analisar o perfil dos trabalhadores
domésticos; compreender e explicar os processos de mudança em curso no serviço

19
doméstico; e realizar uma comparação entre empregadas e diaristas, de forma a perceber
se elas se diferenciam ou não quanto a uma série de características sócio-econômicas.
No terceiro e último capítulo, chamado “Os marcadores da diferença: as
percepções das trabalhadoras domésticas cariocas sobre a distinção entre ser empregada
ou diarista”, apresentamos os resultados das entrevistas realizadas com trabalhadoras
domésticas da cidade do Rio de Janeiro, ressaltando a forma como os dois grupos
estudados (empregadas e diaristas) percebem e marcam a diferença de um em relação ao
outro, com base em suas próprias percepções e classificações. Para isso, analisamos o
perfil e as histórias de vida das entrevistadas, os marcadores da diferença, as relações de
trabalho, as estratégias e os condicionamentos sociais.
Por fim, na conclusão, retomamos as discussões travadas e apontamos os
achados da pesquisa, sistematizando os resultados das questões investigadas,
caracterizando as semelhanças e as diferenças entre as relações de trabalho da
empregada e da diarista, e buscando chaves interpretativas.
Dito isso, estamos prontos para dar prosseguimento à reflexão que aqui se inicia
e acompanhar a lógica argumentativa que atravessa este trabalho. Se, como afirmam
muitos, a cozinha é o coração da casa, deixemos essa introdução para trás e passemos
para as partes mais estruturadas deste texto, nas quais se requer mais formalidade e
rigorosidade.
Mas como quem entra pela cozinha já é de casa, fiquem à vontade para se
familiarizar com os autores que já pesquisaram o assunto, analisar as idéias defendidas,
elogiar e criticar afirmações, e voltar sempre que quiserem e quando o interesse pelas
novas configurações do trabalho doméstico remunerado assim exigir.

20
CAPÍTULO I – UMA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO E DA JUSTIÇA DO
TRABALHO: A DIFERENCIAÇÃO LEGAL ENTRE EMPREGADO
DOMÉSTICO E DIARISTA

Com o aumento da demanda das famílias brasileiras pela contratação de serviços


domésticos apenas por alguns dias da semana, principalmente nas últimas duas décadas,
os trabalhadores domésticos foram formando, cada vez mais, dois grupos distintos: o
dos empregados e o dos diaristas, sobretudo nos grandes centros urbanos do país, onde é
possível encontrar mais facilmente esses dois tipos de relações de trabalho doméstico
remunerado.
Embora as características em comum sejam muitas: serviço prestado à pessoa ou
à família, no âmbito residencial, sem finalidade lucrativa; a diferença entre eles toca em
um dos alicerces da definição de emprego doméstico: o trabalho ser prestado de forma
contínua. Por isso, a Justiça do Trabalho tem discutido essa questão há algum tempo e
tentado chegar a uma diferenciação entre o empregado e o diarista. Atualmente, o
Congresso Nacional também está envolvido, buscando estabelecer essa distinção na
forma de lei.
Neste capítulo, são duas as preocupações centrais: por um lado, analisar a
trajetória da legislação direcionada aos empregados domésticos; por outro, discutir o
que diferencia o empregado doméstico do diarista, em termos legais, e quais mudanças
trará a lei que propõe definir o diarista e dispor sobre a sua atividade. Tais objetivos
serão alcançados por meio de uma investigação que contemple parte da doutrina, da
jurisprudência e da legislação passada, vigente e em tramitação.

1.1 – Empregado doméstico: a trajetória legal e a busca pela equiparação com os


demais trabalhadores8

O trabalho doméstico remunerado, até a década de 1940, foi exercido no Brasil


sem que nenhum instrumento legal fosse criado em âmbito nacional tendo-o como
objeto de interesse. O primeiro passo dado para reverter esse quadro foi o Decreto-Lei

8
Analisamos essa trajetória, comparando-a com a dos trabalhadores rurais, em um artigo que ganhou
menção honrosa no Concurso ANPOCS-FUNDAÇÃO FORD de Melhores Trabalhos Sobre a
Constituição de 1988 e que foi publicado em livro. Ver FRAGA (2009).

21
nº. 3.078, de 1941, do governo de Getúlio Vargas, que dispôs sobre a locação de
serviços domésticos e considerou empregados domésticos “todos aqueles que, de
qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em residências
particulares ou a benefício destas” (art. 1º).
Esse Decreto-Lei tornou obrigatório o uso de carteira profissional ao empregado
em serviço doméstico, na qual seriam realizadas as devidas anotações (art. 2º), e
instituiu o aviso prévio de oito dias para qualquer uma das partes que resolvesse
rescindir o contrato (§ 1º do art. 3º). Além disso, definiu os deveres do empregador e do
empregado, estabeleceu multas e prometeu promover os estudos necessários ao
estabelecimento de um regime de previdência social para os empregados domésticos.
Entretanto, a sua efetiva vigência dependia de regulamentação, como previu o seu artigo
15º, mas isso jamais ocorreu, permanecendo, então, a categoria sem um respaldo
jurídico de fato.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), elaborada em 1943, também no
primeiro governo Vargas, reuniu em um só documento os preceitos que regulam as
relações individuais e coletivas de trabalho. Mas, como previsto em seu artigo sétimo,
as normas presentes na Consolidação não se aplicam a quatro grupos de trabalhadores:
aos empregados domésticos, aos trabalhadores rurais, aos funcionários públicos e aos
servidores de autarquias paraestatais.
A diferença entre esses quatro grupos não incorporados à CLT é a de que
enquanto os dois primeiros foram excluídos, respectivamente, por conta da não geração
de lucro e porque essa Consolidação foi editada apenas para os trabalhadores urbanos,
os outros dois não foram incorporados por estarem sujeitos a regime próprio de proteção
ao trabalho. Dessa forma, a não inclusão representou para empregados domésticos e
trabalhadores rurais desproteção e para funcionários públicos e servidores de autarquias
paraestatais foi fruto de proteção própria.
A Lei nº. 2.757, de 1956, distinguiu os empregados domésticos dos porteiros,
zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais, pois estes
últimos também vivenciavam uma ausência de direitos. Os trabalhadores de prédios
residenciais a serviço da administração do edifício e não de cada condômino em
particular foram, por meio dessa lei, excluídos do art. 1º do Decreto-Lei nº. 3.078/41 e
da alínea “a” do art. 7º da CLT, ou seja, diferenciados dos empregados domésticos, que
permaneceram na mesma situação, e incorporados à CLT.

22
Excluídos das normas instituídas pela CLT, que os definiu como “os que
prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito
residencial destas” (art. 7º), os empregados domésticos passaram a ter leis específicas
apenas durante o regime militar, a partir da Lei nº. 5.859, de 1972, do governo Médici.
A definição de empregado doméstico ganhou contornos distintos da forma estabelecida
na CLT, pois o serviço prestado deixou de ser entendido como não econômico e passou
a ser percebido como tendo finalidade não lucrativa. Afinal de contas, o serviço
doméstico, por satisfazer uma necessidade, de fato tem finalidade econômica, embora
não tenha finalidade de lucro.
A Lei nº. 5.859/72 definiu que “empregado doméstico é aquele que presta
serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no
âmbito residencial destas” (art. 1º). É preciso frisar três aspectos distintivos dessa
profissão conforme apontados pela lei: 1º) a expressão natureza contínua, ou seja, o que
caracteriza o empregado doméstico é a continuidade do seu trabalho em uma mesma
residência, o que vai diferenciá-lo do diarista; 2º) a questão da finalidade não lucrativa,
de forma que, segundo exemplo trazido por Fonseca (2005: 37), o caseiro de um sítio
não pode ser considerado empregado doméstico quando nele se produz renda; 3º) o
trabalho tem que ser realizado no âmbito residencial, familiar, de forma que um
trabalhador que faz a limpeza de edifícios, mesmo residenciais, não se enquadra nessa
categoria profissional.
Além da continuidade, de não haver fins lucrativos e de o serviço ser prestado no
âmbito residencial à pessoa ou à família, como exigido pela Lei nº. 5.859, existem
outros elementos importantes para caracterizar o vínculo empregatício doméstico,
necessários a qualquer relação de emprego, conforme apontado pela CLT: a
onerosidade, pois há uma contraprestação ao trabalho realizado, na forma de salário; a
subordinação, pois o empregado deve acolher o poder de direção do empregador; e a
pessoalidade, pois o contrato de trabalho é realizado com pessoa determinada, que não
pode se fazer substituir.
A Lei nº. 5.859/72 tornou obrigatória a assinatura da carteira de trabalho, o
direito a férias anuais remuneradas de 20 dias úteis e o direito à previdência social na
qualidade de segurados obrigatórios9. Tal lei foi regulamentada pelo Decreto nº. 71.885,
de 1973, que logo em seu artigo 2º deixou claro que não seria desta vez que os

9
Desde o art. 161 da Lei nº. 3.807, de 1960, o empregado doméstico poderia filiar-se à Previdência Social
como segurado facultativo.

23
empregados domésticos se aproximariam dos demais trabalhadores: “Excetuando o
capítulo referente a férias, não se aplicam aos empregados domésticos as demais
disposições da Consolidação das Leis de Trabalho”.
O vale-transporte foi instituído pela Lei nº. 7.418, de 1985, para o deslocamento
residência-trabalho e vice-versa, e a sua concessão era facultativa. Mas a Lei nº. 7.619,
de 1987, transformou-o em obrigação do empregador. Esta lei foi regulamentada pelo
Decreto nº. 95.247, também de 1987, que, em seu artigo 1º, ressaltou ser esse um direito
direcionado aos trabalhadores em geral, inclusive aos empregados domésticos. Dessa
forma, o empregador doméstico deve pagar a condução do empregado doméstico e
depois poderá descontar, se quiser, até 6,0% do salário dele, o que exceder esse limite
ficará por sua conta.
A partir da mobilização da sociedade civil e, principalmente, das Associações de
trabalhadores domésticos, foi possível que a Constituição de 1988 avançasse em relação
aos direitos desse grupo profissional. Dos trinta e quatro incisos previstos do artigo 7º
da Constituição, referentes aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, nove deles
(IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV) foram assegurados aos
trabalhadores domésticos10, além da sua integração à previdência social, como definido
em seu parágrafo único.
A Constituição de 1988 previu os seguintes direitos aos empregados domésticos:
a) salário mínimo; b) irredutibilidade do salário, salvo negociação; c) décimo terceiro
salário; d) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; e) gozo de
férias remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; f)
licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; g)
licença-paternidade; h) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo
de 30 dias; i) aposentadoria; j) integração à previdência social.
Mais uma vez determinadas características distintivas dessa ocupação (não
geradora de lucro, realizada em âmbito doméstico, o empregador não ser uma empresa,
dificuldade de fiscalização do trabalho por conta da inviolabilidade do lar...) foram
utilizadas como argumento para a não igualdade entre domésticos e demais

10
A Constituição de 1988, diferente dos outros documentos legais, utilizou a expressão “trabalhadores
domésticos” em vez de “empregados domésticos”. Para Martins (2000), essa expressão mais ampla não é
muito precisa, pois o diarista autônomo é trabalhador doméstico, mas não tem direito, por exemplo, a
aviso prévio e a férias pela inexistência de relação de emprego entre as partes. Trabalhador doméstico não
é sinônimo de empregado doméstico, dessa forma, teria sido mais correto utilizar esta segunda expressão,
pois o conjunto de direitos previsto na Constituição foi direcionado, na verdade, aos empregados
domésticos especificamente.

24
trabalhadores. Segundo Benedita da Silva11, ela preparou, como deputada constituinte
em 1988, um artigo para a Constituição que garantiria aos trabalhadores domésticos os
mesmos direitos dos demais trabalhadores, mas não houve respaldo. Dessa forma, na
versão final do documento, o parágrafo único do artigo 7º da Constituição, de sua
autoria, acabou limitando os direitos dos trabalhadores domésticos, mas assegurando
alguns deles. Se por um lado foi uma derrota, pois a categoria buscava o nivelamento
com as outras profissões; por outro, foi uma vitória, pois havia pressão para que nada
mudasse a favor dos domésticos.
Embora a Constituição de 1988 não tenha trazido a equiparação completa dos
trabalhadores domésticos com os demais, ela avançou muito em relação à lei de 1972,
pois ampliou os direitos. Essas modificações foram as possíveis a partir da correlação
de forças naquele momento. Além disso, a Constituição rompeu a barreira legal que até
então impedia o acesso dos empregados domésticos à sindicalização. Isso foi uma
mudança muito significativa, pois permitiu que novos direitos fossem buscados a partir
da prática sindical.
Nestes vinte anos pós-Constituição, algumas alterações foram realizadas na Lei
nº. 5.859/72, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico. Tais alterações
representaram uma ampliação de direitos. O Decreto nº. 3.361, de 2000, e a Medida
Provisória n°. 2.104-16, de 2001, convertida na Lei nº. 10.208, do mesmo ano, por
exemplo, facultaram o acesso do empregado doméstico ao Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS) e ao Programa do Seguro-Desemprego, mas fica a critério do
empregador fazer o recolhimento de contribuições para esse fim ou não, o que na
prática significou atingir uma porcentagem mínima de trabalhadores.
A Medida Provisória nº. 284, de 2006, do governo Lula, permitiu uma dedução
no imposto de renda da contribuição paga pelo empregador à previdência social do
empregado doméstico, buscando estimular a formalização. O problema é que tal
dedução vale apenas para quem utiliza o modelo completo de declaração do imposto de
renda, não beneficiando os empregadores que fazem uso do modelo simplificado.
Essa Medida Provisória de 2006 foi convertida na Lei nº. 11.324, do mesmo ano,
que, em seu artigo 4º, alterou alguns artigos da Lei nº. 5.859/72: passou a ser proibido o
empregador doméstico efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de
alimentação, vestuário, higiene ou moradia; as férias remuneradas passaram a ser de 30

11
Em comunicação apresentada, em 10 de novembro de 2008, no Fórum “O Futuro do Emprego
Doméstico no Brasil”, realizado na cidade do Rio de Janeiro.

25
dias corridos, com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal; e ficou garantida
a estabilidade no emprego da gestante até o quinto mês após o parto. Além disso, seu
artigo 9º revogou a alínea “a” do artigo 5º da Lei nº. 605, de 1949, que excluía os
empregados domésticos do direito ao repouso remunerado nos feriados civis e
religiosos, ou seja, eles passaram claramente a ser beneficiados com esse direito.
Uma outra mudança legal se somou a essas anteriores, o Decreto nº. 6.481, de
2008, proibiu o trabalho doméstico para menores de dezoito anos. Esse Decreto teve o
intuito de regulamentar alguns artigos da Convenção 182 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), que trata da eliminação das piores formas de trabalho infantil, de
1999, ratificada pelo Brasil em 2000.
A reivindicação de direitos trabalhistas equivalentes aos das demais categorias
profissionais continua sendo uma bandeira importante, pois atualmente os empregados
domésticos ainda não têm direito, por exemplo, a Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), que é opcional para o empregador; a Seguro-Desemprego (pois é
restrito aos que estão inscritos no FGTS); a benefício por acidente de trabalho; à hora
extra; a adicional noturno; além de a legislação não prever a carga horária, sendo
acertada entre as partes na contratação.
A trajetória, em termos de leis, demonstrou que os empregados domésticos
deixaram o “limbo jurídico”, que se encontravam desde a não inclusão na CLT, apenas
nos anos 70, com a Lei nº. 5.859. A Constituição de 1988 ampliou os direitos
trabalhistas, mas não os igualou aos dos demais trabalhadores. Nestes vinte anos, os
empregados domésticos efetivamente vivenciaram uma ampliação de direitos e a busca
pela equiparação prossegue.
Nesse sentido, há vários projetos em tramitação no Congresso Nacional
buscando trazer mais direitos aos empregados domésticos. O mais antigo deles, de
autoria da então deputada Benedita da Silva, é o Projeto de Lei nº. 1.626, de 1989,
iniciado na Câmara dos Deputados, aprovado no Senado com um texto modificado e à
espera de aprovação de sua nova versão na Câmara. Apesar das alterações sofridas
durante a passagem pelo Senado e do esvaziamento de muitos direitos previstos no texto
original, o projeto ainda estende aos domésticos o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), na condição obrigatória, e o Seguro-Desemprego. Dessa forma, a
movimentação passada e presente no campo dos direitos desse grupo profissional,
apesar dos obstáculos, parece indicar uma equiparação cada vez mais próxima.

26
1.2 – A diferenciação legal entre empregado doméstico e diarista

1.2.1 – Doutrina: interpretações divergentes sobre a “natureza contínua”

A elevação da demanda por serviços domésticos diários ao invés de mensais e a


sua crescente oferta, foram responsáveis pela entrada cada vez maior na Justiça do
Trabalho de trabalhadores domésticos que prestavam serviço apenas alguns dias em
uma mesma residência, buscando que fosse reconhecido o vínculo empregatício. Desse
reconhecimento dependia poderem desfrutar ou não dos direitos assegurados aos
empregados domésticos, discriminados anteriormente.
Vale relembrar que a Lei nº. 5.859/72 definiu que “empregado doméstico é
aquele que presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou
à família no âmbito residencial destas” (Art. 1º). O problema é que ainda não há
definição legal para o diarista, que atualmente está em tramitação, o que poderia evitar
ou ao menos diminuir as múltiplas interpretações a seu respeito. Dessa forma, o
entendimento sobre o diarista, ao invés de ser construído a partir de suas características
distintivas, é erigido a partir do que o empregado doméstico não é.
Em outras palavras, o diarista é concebido a partir de um processo de
eliminação, por intermédio das características presentes na definição de empregado
doméstico da Lei nº. 5.859 e na de empregado da CLT: 1ª) Serviço de natureza
contínua; 2ª) De finalidade não lucrativa; 3ª) Prestado à pessoa ou à família; 4ª)
Realizado no âmbito residencial; 5ª) Com onerosidade; 6ª) Com subordinação; 7ª) Com
pessoalidade. Se na relação de trabalho essas sete características estão presentes, o
trabalhador é considerado empregado doméstico; se está ausente, principalmente, a
primeira ou a sexta característica, então, por eliminação, é tido como diarista.
A questão principal que diferencia o empregado doméstico do diarista, em
termos legais, é a natureza contínua presente no trabalho do primeiro e a sua ausência
no do segundo. Mas essa diferenciação, que, a princípio, poderia parecer ser ponto
pacífico, está longe disso, pois a lei nº. 5.859/72 não define o que entende por “natureza
contínua”, nem explicita o critério preciso capaz de determiná-la. Na Argentina, por
exemplo, diferente do Brasil, como apontou Martins (2000), a lei estabelece critérios
claros, pois lá não se considera doméstico quem trabalha por tempo inferior a um mês e
quem labora menos de quatro horas diárias ou menos de quatro dias na semana, para o
mesmo empregador.

27
Sendo assim, essa expressão ganha interpretações distintas por parte de
advogados e juízes, tendo como conseqüência que em determinados julgamentos o
trabalhador doméstico, supostamente diarista, consegue ser considerado empregado
doméstico, o que é pré-requisito para a obtenção dos direitos previstos para essa
categoria profissional; e em outros julgamentos ocorre exatamente o contrário, o que o
deixa em situação de prestação autônoma de serviço, recebendo apenas o valor
combinado pela sua execução.
Mas que concepções tão diferentes da expressão “natureza contínua”
possibilitam ora a definição daquele que trabalha alguns dias da semana como
empregado e ora como diarista? Para chegarmos a uma resposta a essa pergunta,
analisamos parte da doutrina12 que discutiu esse assunto e percebemos que três questões
são fundamentais para esse entendimento. Tais questões estão intimamente interligadas,
de forma que é difícil observá-las separadamente; são elas: 1ª) O que significa
“contínua”? 2ª) A continuidade faz referência a quê? 3ª) “Contínua”, presente na lei do
empregado doméstico, é igual a “não-eventual”, presente na definição de empregado da
CLT? Cada uma delas poderia ser dividida em dois grupos de resposta, um majoritário e
um minoritário, partidários de interpretações distintas.
A primeira questão crucial na doutrina é como definir “contínua”. Um primeiro
grupo de juízes entende a expressão natureza contínua, presente na lei que dispõe sobre
a profissão de empregado doméstico, como periódica, seguida, sucessiva, ou seja, faz
referência ao trabalho diário, sem interrupção. Seguindo uma concepção distinta da
anterior, um segundo grupo de juízes concebe natureza contínua como habitual. Nessa
interpretação, não é porque um serviço não foi prestado todos os dias da semana que ele
necessariamente deixou de ser realizado habitualmente. É assim considerado tanto
aquele serviço prestado diariamente quanto em dias alternados, espaçados. A doutrina
majoritária quanto a essa questão é a do primeiro grupo.
A segunda questão importante na doutrina quanto a esse tema é entender a quê a
continuidade faz referência. Para um primeiro grupo de juízes, a continuidade faz
referência à freqüência com que o trabalho é realizado, daí a importância de se saber se
o serviço prestado era diário, uma, duas ou três vezes na semana, quinzenal e assim por
diante. Mas, segundo um outro grupo de juízes, a continuidade não está ligada à

12
A doutrina jurídica são os estudos aprofundados sobre normas e princípios do Direito, elaborados, na
forma escrita, por juristas especializados no assunto, servindo de auxílio para uma melhor interpretação,
explicação e aplicação da lei. Há doutrinas divergentes sobre um mesmo assunto.

28
freqüência com que o trabalho é realizado, o que é contínua é a necessidade desse
serviço para a pessoa ou a família. Se a necessidade do serviço é ocasional, descontínua
(não se prolonga no tempo), quem presta pode ser considerado diarista. Mas se a
necessidade é permanente, contínua, quem realiza é necessariamente empregado
doméstico.
Em outras palavras, para aquele primeiro grupo, a expressão “natureza contínua”
deve ser interpretada em função do prestador de serviço e não do tomador, daí a
relevância que ganha o número de dias semanais trabalhados; para este segundo grupo,
ao contrário, essa mesma expressão deve ser compreendida em função do tomador de
serviço e não do prestador, de forma que o importante é saber se a necessidade daquele
trabalho é episódica, ocasional ou não. A doutrina majoritária quanto a essa questão é a
do primeiro grupo.
E, finalmente, a terceira questão relevante na doutrina é se é possível conceber
“contínua” como igual a “não-eventual” ou se os sentidos são diferentes. A dúvida vem
do fato de que enquanto a CLT definiu empregado como aquele que presta serviços de
natureza não-eventual, a Lei nº. 5.859/72 definiu que empregado doméstico é aquele
que presta serviços de natureza contínua. Essas duas expressões têm o mesmo
significado?
Segundo um primeiro grupo de juízes, continuidade é diferente de não-
eventualidade, e essa diferenciação foi realizada propositadamente pelo legislador, de
forma a exigir do empregado doméstico a prestação do serviço de forma contínua, ao
passo que dos demais empregados, regidos pela CLT, foi cobrada apenas a não-
eventualidade. Enquanto a continuidade é característica que se liga ao tempo
(ininterrupta), a não eventualidade pode estar presente mesmo em atividades não
sucessivas (VILA, 2005).
Dessa forma, para a caracterização da relação de emprego doméstico, não basta a
existência de não-eventualidade (não ser um acontecimento incerto), é essencial que
ocorra de forma contínua, ininterrupta, sucessiva. A diarista que, por exemplo, trabalha
três vezes na semana, por conta da interrupção do trabalho, presta serviço de forma não-
eventual, mas não contínua.
Diferente disso, um outro grupo de juízes pensa de maneira contrária. Para eles,
contínua, da lei do empregado doméstico, e não-eventual, da CLT, têm o mesmo sentido
ou muito semelhante. Sendo assim, como o trabalhador doméstico que trabalha em uma
mesma residência alguns dias na semana realiza serviços não-eventuais, e como não-

29
eventual é o mesmo que contínuo, então, ele deve ser considerado empregado
doméstico, e o vínculo empregatício precisa ser reconhecido. A doutrina majoritária
quanto a essa questão é a do primeiro grupo.
Recapitulando essa análise da doutrina, podemos sintetizar os elementos
presentes nessas três questões e, consequentemente, nos seus seis grupos de respostas
divergentes, em dois apenas: o da doutrina majoritária e o da doutrina minoritária. Para
ambos os grupos, a diferença entre o empregado e o diarista está na continuidade do
trabalho, mas o que varia é o seu entendimento. Para o primeiro grupo, cuja posição é
majoritária entre os juízes, contínuo significa sucessivo, sem interrupção; a
continuidade faz referência à freqüência com que o trabalho é realizado; e contínuo e
não-eventual são interpretados como diferentes. É uma perspectiva que conjuga todos os
elementos capazes de ratificar a existência de diferenças entre o diarista e o empregado
e negar o vínculo empregatício do primeiro.
Para o segundo grupo, que defende um entendimento minoritário entre os juízes,
contínuo significa habitual, a continuidade faz referência à necessidade dos serviços
para a família empregadora e contínuo e não-eventual são compreendidos como tendo
significados muito semelhantes ou iguais. É uma perspectiva que conjuga todos os
elementos capazes de corroborar a existência de semelhanças entre o diarista e o
empregado e afirmar o vínculo empregatício do primeiro.
A primeira interpretação, majoritária entre os juízes, é facilmente encontrada nos
livros e manuais doutrinários que discutem a legislação e tratam dos direitos e deveres
dos empregados domésticos:

O trabalho em dias alternados descaracteriza a continuidade exigida pela lei.


Não existirá, portanto, vínculo empregatício por que estas pessoas, prestando
serviços a diversas residências – alguns juristas consideram até dois dias em
cada semana – não podem ser considerados empregados domésticos. É muito
comum encontrarmos trabalhando desta forma, o jardineiro, a faxineira, a
lavadeira, a passadeira, etc. (SILVA, 1998: 17; grifo do autor).

Quem presta serviços eventuais, esporádicos, à família, não é trabalhador


doméstico, é biscateiro. A faxineira, por exemplo, que recebe por dia,
trabalhando em várias residências distintas, não é considerada empregada
doméstica para os efeitos da Lei nº. 5.859, de 1972. (...) Costuma-se admitir,
todavia, como não eventual – logo, empregada doméstica por causa da natureza
continuada do trabalho –, a diarista que trabalha mais de dois dias para a
mesma pessoa ou família, porém fazemos questão de destacar que este limite
não é opinião unânime (SANTOS, 2000: 72; grifos do autor).

30
O prestador de serviço doméstico que trabalha apenas alguns dias por semana,
prestando o seu trabalho para outras pessoas, sem continuidade, não satisfaz os
pressupostos da lei do empregado doméstico, portanto, sem a proteção que
estes trabalhadores possuem. (...) Os serviços prestados pelo empregado
doméstico correspondem a necessidade de permanência no lar, a continuidade,
o dia a dia, ao contrário do diarista, que trabalha alguns dias da semana, sem
compromisso de continuidade, inclusive, para outras pessoas, o dia e hora que
quiser, ou, em outros lugares, etc. (LIMA, 2007: 12/13).

Mas há quem seja favorável à segunda interpretação, como, por exemplo, o Juiz
do Trabalho José Geraldo da Fonseca, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de
Janeiro, deixando clara, em seu livro, essa posição que percebe como contínua a
necessidade do patrão na prestação do serviço:

Será diarista, autônoma e sem vínculo de emprego aquela faxineira contratada


para fazer a limpeza de uma casa para a qual a família vai se mudar ou para a
arrumação de uma casa de praia ou campo que a família vai ocupar nas férias,
ou, enfim, aquela contratada para limpar a casa da família depois de uma festa
ou de um evento social qualquer. Concluída a faxina, termina a relação
ocasional de trabalho e vai cada um pro seu lado. Mas, já não são diaristas, e
sim empregadas domésticas, tanto a faxineira que, durante anos a fio, vai à casa
da patroa uma ou duas vezes por semana, em dias certos ou não, em horários
predeterminados ou não, como aquela passadeira que de quinze em quinze dias
vai à casa da família passar as roupas do pessoal (FONSECA, 2005: 35).

Sérgio Pinto Martins (2000) também compartilha, em grande parte, dessa


segunda interpretação, de que a condição sine qua non para a definição do diarista não é
a quantidade de dias em que o serviço é realizado, embora para ele seja importante
também que a escolha do horário e do dia da diária sejam livres:

O fato de a diarista prestar serviços uma vez por semana não quer dizer que
inexista relação de emprego. O advogado que presta serviços em sindicato, sob
o sistema de plantões, uma vez por semana, atendendo exclusivamente aos
interesses da agremiação, é considerado empregado, e não autônomo. O
importante, no caso, é a faxineira ter a obrigação de comparecer sempre em
determinado dia de semana, v.g., segunda-feira, a partir das 8 horas até as 16
horas, ficando evidenciada a subordinação pela existência de imposição
patronal quanto ao dia e horário de trabalho (MARTINS, 2000: 55).

Martins (2000) ressalta esses outros critérios, para além da continuidade, que
também são importantes na decisão dos juízes e que, portanto, pesam na balança que
tende para o vínculo empregatício ou para a autonomia. Entre esses requisitos
configuradores de uma relação de emprego doméstico, como vimos anteriormente, há:
subordinação, pessoalidade e pagamento de salário. A ausência de um desses elementos
pode ser suficiente para descaracterizá-la.

31
Dessa forma, essas concepções distintas e doutrinas divergentes sobre o assunto
explicam, em grande parte, como é possível que ao mesmo tempo existam na Justiça do
Trabalho tanto sentenças favoráveis como contrárias ao suposto diarista que busca o
reconhecimento do vínculo empregatício. As causas ora ganhas e ora perdidas na Justiça
precisam ser alvo de uma investigação que analise essa indefinição, que tanto alimenta
as imprecisões sobre a figura do diarista; e é o que faremos a seguir.

1.2.2 – Jurisprudência: as decisões dos casos julgados

Como a diferenciação entre empregado doméstico e diarista não é uma questão


resolvida na doutrina, outra fonte do Direito13 importante de ser analisada é a
jurisprudência, enquanto o conjunto das decisões dos tribunais. Mas se a lei não define
“natureza contínua” nem “diarista” e se a doutrina é divergente sobre o assunto, isso
muito provavelmente vai se refletir nas sentenças dos juízes. Nesse sentido, as decisões
são similares ou, assim como as doutrinas, são muito variadas? Quais têm sido os
critérios utilizados para caracterizar o vínculo empregatício no caso dos trabalhadores
domésticos? Há entendimentos distintos entre as instâncias da Justiça do Trabalho?
Para responder a essas questões, é necessário, logicamente, além de acompanhar
as leis e seus estudos e interpretações (doutrina), analisar como os casos concretos de
trabalhadores domésticos buscando o vínculo empregatício na Justiça do Trabalho são
julgados e se uma mesma sentença vem servindo de base e precedente para as demais.
Os magistrados tomam suas decisões com base na lei e nas circunstâncias do caso
particular que está em julgamento, mas levam também em consideração a jurisprudência
sobre o assunto14, de forma a mostrar que aquela solução já foi utilizada anteriormente.
A Justiça do Trabalho está estruturada em três graus de jurisdição: as Varas do
Trabalho (primeira instância), que julgam apenas dissídios individuais15, na forma de
reclamação trabalhista, e têm jurisdição local, abrangendo um ou mais municípios; os
Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) (segunda instância), que julgam, entre outras

13
A definição, a classificação e a relevância das fontes do Direito variam conforme as doutrinas, mas
podemos indicar, entre outras: a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudência.
14
Embora seja necessário ressaltar que a importância da jurisprudência como fonte do Direito é
incomparavelmente maior nos países que seguem o sistema anglo-saxão, como Inglaterra e Estados
Unidos, do que em países que seguem o sistema romano-germânico, também denominado continental
europeu, como o Brasil. Nesta segunda tradição, há uma absoluta predominância do direito legislado (a
lei) em relação à jurisprudência.
15
Dissídios individuais são divergências relativas ao contrato individual de trabalho e submetidas à
Justiça do Trabalho.

32
questões, os recursos16 contra decisões de Varas do Trabalho e têm jurisdição que
corresponde, geralmente, a cada estado; e o Tribunal Superior do Trabalho (instância
extraordinária), que julga, entre outras questões, os recursos contra decisões de TRTs e
tem como principal função uniformizar a jurisprudência trabalhista. A sua área de
jurisdição abarca todo o território nacional.
O entendimento dos juízes, evidenciado em sentenças, acórdãos e súmulas,
muitas vezes é publicado para servir de base à comunidade jurídica. A sentença é a
decisão do juiz quanto à questão posta em julgamento, dando fim ao procedimento em
primeira instância e, se não houver recurso, também ao processo. O acórdão, por sua
vez, é a decisão de um órgão colegiado pertencente a um tribunal, ou seja, diferente da
sentença, é uma decisão coletiva adotada por meio dos votos de um grupo de juízes ou
ministros, a partir da segunda instância. Já a súmula é um enunciado elaborado pelos
Tribunais Superiores de forma a condensar alguns acórdãos e registrar uma
interpretação majoritária sobre um determinado assunto, o que facilita o julgamento de
casos semelhantes nesse mesmo tribunal e serve de orientação para os demais juízes,
mas sem efeito obrigatório.
A questão da distinção entre empregado doméstico e diarista conta com
sentenças e acórdãos, mas não é objeto de súmula. Com o intuito de examinar a
jurisprudência sobre o assunto17 e de definir qual é o seu entendimento predominante,
analisamos 13 acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho (apenas de processos
iniciados no Rio de Janeiro) e 78 acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 1º
Região (Rio de Janeiro), dos anos de 2008 e 200918, ou seja, nos debruçamos sobre as
decisões mais recentes da Justiça do Trabalho.
Dos 13 acórdãos do TST que examinaram os processos dos trabalhadores
domésticos do Rio de Janeiro que trabalhavam alguns dias na semana, apenas dois
julgaram haver vínculo empregatício, dez, ao contrário, os consideraram prestadores
autônomos de serviço e um pediu nova decisão ao TRT19. Com isso, podemos perceber

16
Recurso é o meio pelo qual é possível obter um reexame de uma decisão judicial com a qual não se
concorda, buscando a sua modificação.
17
As jurisprudências analisadas foram consultadas no site do TST (www.tst.gov.br) e do TRT da 1ª
Região (www.trt1.jus.br).
18
Tanto no TRT/RJ quanto no TST, analisamos os acórdãos dos anos de 2008 e 2009, por meio de
consulta em seus sites oficiais, mas no caso do TRT/RJ, para 2008, apenas estavam disponíveis os
acórdãos julgados a partir do mês de maio.
19
Nesse caso específico, o TST mandou os autos voltarem ao TRT-RJ para que fosse proferida nova
decisão, pois o Tribunal Regional reformou a decisão da Vara, afirmando não haver vínculo empregatício,
mas não explicitou afinal quantos dias na semana a trabalhadora doméstica prestava serviço, questão
sobre a qual as testemunhas divergiram. Com isso, no entendimento do TST, a decisão não foi

33
que o entendimento majoritário do TST é o de que trabalhar alguns dias não é suficiente
para caracterizar a continuidade. É preciso ressaltar que em todos os casos o TST seguiu
a mesma decisão do TRT20, ou seja, concordou com ele na existência ou não dos
vínculos empregatícios, o que significa que não houve divergência jurisprudencial entre
essas duas instâncias.
O TST tende a seguir a decisão do TRT, pois, como veremos adiante, os critérios
utilizados para definição do vínculo de emprego são praticamente os mesmos. Além
disso, o reconhecimento ou não do vínculo apenas poderia ser alterado se as
interpretações sobre ele fossem muito divergentes entre essas duas instâncias da Justiça
do Trabalho, pois do contrário, um posicionamento distinto apenas seria possível por
meio do reexame das provas, algo que é inviável em recurso de revista21, segundo a
Súmula nº. 126 do TST22.
Todos os processos relatavam situações muito parecidas, de trabalhadores
domésticos que prestavam seu serviço em uma mesma residência duas ou três vezes na
semana, principalmente, fazendo faxina ou passando roupa. Não lhes foi reconhecido o
vínculo, pois o entendimento jurisprudencial foi o de que trabalhar alguns dias
semanalmente não é suficiente para configurá-lo.
Mas se os casos eram tão parecidos e se a freqüência de trabalho era a mesma,
dois ou três dias, por que em dois deles houve o estabelecimento do vínculo
empregatício? É aí que entram os outros critérios que também pesam na decisão. Os
juizes observaram se o horário e os dias eram fixos ou não, se o pagamento era mensal
ou diário e se o trabalhador prestava serviço em mais residências ou apenas em uma23.
Dessa forma, nesses dois casos em que a decisão do TST foi pelo vínculo, embora o
trabalho fosse realizado apenas dois ou três dias na semana, a balança pesou mais para
esse lado por conta da existência de subordinação, do pagamento ser em salário mensal
e dos trabalhadores realizarem todas as tarefas domésticas da casa.

corretamente fundamentada, pois essa informação era indispensável para se verificar a prova do fato
constitutivo do vínculo de emprego doméstico.
20
Exceto nesse caso em que o TST pediu nova decisão ao TRT. Embora isso não signifique que ele teve
postura contrária sobre o vínculo empregatício.
21
Recurso de revista é o meio pelo qual é possível obter um reexame de uma decisão judicial que
contenha interpretação divergente entre tribunais ou que seja contrária a dispositivos de lei federal ou da
Constituição.
22
SUM-126: Incabível o recurso de revista ou de embargos (arts. 896 e 894, “b”, da CLT) para reexame
de fatos e provas.
23
O fato de prestar serviços a outras pessoas fortalece o convencimento sobre a autonomia da relação
mantida.

34
Por sua vez, dos 78 acórdãos do TRT/RJ que examinaram os processos dos
trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro que trabalhavam alguns dias na semana,
treze julgaram haver vínculo empregatício, sessenta e dois, ao contrário, os
consideraram prestadores autônomos de serviço, um pediu nova decisão à Vara24 e dois
não aceitaram o recurso25. Com isso, podemos perceber que o entendimento majoritário
do TRT-RJ também é o de que trabalhar alguns dias não é suficiente para caracterizar a
continuidade.
Mas diferente do TST que seguiu a mesma decisão do TRT-RJ em todos os
casos analisados anteriormente, o TRT-RJ divergiu em algum grau das Varas do
Trabalho que estão sob sua jurisdição, pois segundo o levantamento que fizemos,
concordou com elas em 64 casos, mas foi contra a decisão delas em outros 11, ou seja,
entre essas duas instâncias há de fato uma divergência jurisprudencial, embora pequena,
de 14,6%. Desses 11 casos em que a decisão foi modificada, em 8 as Varas decidiram
pela existência do vínculo empregatício e o TRT-RJ julgou em decisão oposta, não
considerando haver relação de emprego doméstico; nos outros 3 casos ocorreu o
contrário.
Provavelmente, entre os juízes das Varas do Trabalho há decisões mais
heterogêneas e maior divergência quanto aos fatores que seriam determinantes para a
configuração do vínculo como empregado doméstico. Pereira (2007), em pesquisa
realizada por meio de entrevistas com juízes que atuam na primeira instância da 17ª
Região (Espírito Santo), percebeu ser evidente a multiplicidade de posições sobre a
diferenciação entre empregado e diarista, com os mais variados fundamentos.
Nos casos em que o TRT da 1ª Região julgou haver o vínculo empregatício,
mesmo em situações em que o trabalho era realizado durante dois ou três dias, os
motivos foram, de maneira semelhante aos do TST: a parte empregadora não conseguir
provar a ausência de subordinação e o trabalho descontínuo; o serviço ser prestado

24
Nesse caso específico, o TRT-RJ determinou o retorno dos autos à Vara de origem, 56ª Vara do
Trabalho do Rio de Janeiro, e a reabertura da instrução, pois a juíza dessa Vara dispensou o depoimento
da testemunha da trabalhadora doméstica, que poderia auxiliar na comprovação da continuidade do
trabalho. O TRT entendeu que por conta disso a trabalhadora doméstica teve a defesa cerceada, pois para
a juíza da Vara, uma vez admitido o recebimento do pagamento a cada dia trabalhado e em valor superior
à média de salário das empregadas domésticas, o caso já estaria resolvido e ela seria considerada diarista,
deixando de lado o aspecto da continuidade, que é efetivamente o predominante para resolver a questão.
25
Para um recurso ser aceito, ele precisa seguir alguns critérios, como: estar subscrito por advogado
regularmente habilitado nos autos, ser interposto no prazo legal e indicar que as custas foram recolhidas
corretamente. Em dois casos o recurso foi recusado. No primeiro, elaborado pela parte empregadora,
porque o depósito das custas realizado foi menor do que deveria. No segundo caso, proposto pela
trabalhadora doméstica, porque a fundamentação, com argumentação lógica capaz de evidenciar o
equívoco da decisão contestada, não foi elaborada satisfatoriamente.

35
durante vários anos em dias certos; o pagamento ser mensal e fixo, o que descaracteriza
a contraprestação condicionada aos dias efetivamente laborados; e o trabalhador
doméstico receber salário mínimo. Mas, diferente do TST, houve também motivos de
outra ordem, como o entendimento de uma parcela dos juízes de que o fato de ser dois
ou três dias na semana não descaracteriza o vínculo de emprego, pois o importante é
existir uma necessidade contínua da família em relação a esses serviços.
Para trazer julgamentos concretos que ratifiquem essas posições jurisprudenciais
analisadas, vamos acompanhar três casos de trabalhadoras domésticas do estado do Rio
de Janeiro que recorreram à Justiça do Trabalho e cujos processos chegaram ao TST, o
que nos permite observar o desenrolar do processo nas três instâncias da Justiça do
Trabalho:

1º caso: unanimidade quanto à falta de vínculo26

Marilene trabalhava na casa de Dirma, em Niterói, com a freqüência de três dias


na semana. Tal relação se manteve durante mais de nove anos. Após esse período,
Marilene ingressou na Justiça do Trabalho, mais especificamente na 2ª Vara do
Trabalho de Niterói, no final do ano de 2003, pleiteando os direitos assegurados aos
empregados. Nessa primeira instância, a sentença não reconheceu o vínculo
empregatício entre as partes.
Essa trabalhadora doméstica entrou, então, em 2006, com um recurso no
Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, cuja jurisdição é o estado do Rio de
Janeiro. Nessa segunda instância, o acórdão dos juizes, em 2007, ratificou a sentença
que não havia reconhecido, em primeira instância, o vínculo empregatício, concluindo
que o trabalho três vezes por semana não implica o reconhecimento da relação de
emprego doméstico, visto que o artigo 1º da Lei nº. 5.859/1972 exige que os serviços
tenham natureza contínua.
Como os resultados das primeiras duas instâncias não lhe foram favoráveis,
Marilene interpôs recurso de revista no TST, em 2008, pretendendo a reforma da
decisão. Para isso, citou um acórdão oriundo do TRT da 9ª Região (Paraná) que
considerou existir natureza contínua em um caso de uma trabalhadora doméstica que
prestava serviço três dias por semana, pois “contínua” foi entendida como habitual e não

26
Processo Nº. TST-RR-3400/2003-242-01-00.0.

36
como ininterrupta. Isso permitiu demonstrar que há divergência jurisprudencial entre os
TRTs e que, por isso, fazia sentido entrar com o recurso para a questão ser resolvida
nessa instância extraordinária.
O entendimento do TST foi o de que para se considerar contínuo o serviço da
trabalhadora doméstica, há a necessidade de ele ser prestado todos os dias, sem
interrupção. Por conseguinte, os ministros da 4ª turma do TST, acordaram, em 10 de
setembro de 2008, por unanimidade, que se tratava de trabalho autônomo e não de
emprego, não sendo reconhecido pela terceira vez o vínculo empregatício.

2º caso: unanimidade quanto à existência de vínculo27

José contratou, em maio de 2006, uma trabalhadora doméstica, chamada Maria,


para trabalhar em sua residência, que, com a freqüência de três vezes semanais,
desempenhava todas as tarefas domésticas da casa: passava, lavava, cozinhava e
arrumava. O pagamento pelos serviços prestados era realizado mensalmente e não
ultrapassava o valor equivalente a um salário mínimo. Ao ser dispensada em abril de
2007, Maria acionou a Justiça com o intuito de que fosse caracterizado o vínculo
empregatício, iniciando um processo na 35ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.
Como a sentença da Vara do Trabalho, em 2007, declarou existente o vínculo de
emprego e determinou o pagamento das verbas trabalhistas devidas, José entrou com
um recurso no TRT. Essa segunda instância, em decisão datada de 2008, manteve a
posição da primeira, justificando que a diarista autônoma não realiza todas as tarefas da
casa, não é paga de maneira mensal, não é remunerada com um salário mínimo e não
recebe décimo terceiro salário, elementos que estavam presentes nesse caso.
Por fim, José recorreu ao TST, mas não logrou êxito, pois os ministros da 4ª
turma, por unanimidade, em agosto de 2009, negaram provimento ao seu agravo de
instrumento e a decisão permaneceu a mesma. Ou seja, a parte empregadora deveria
proceder a anotação da carteira de trabalho, como empregada doméstica, pagar as férias
e quitar os recolhimentos previdenciários do período trabalhado.

27
Processo Nº. TST-AIRR-767/2007-035-01-40.6.

37
3º caso: divergência jurisprudencial entre as instâncias da Justiça do Trabalho28

Maria foi admitida por Ana Lúcia, no ano de 2006, para trabalhar em sua
residência, realizando serviços domésticos. Nessa data de admissão, estava com 67 anos
e já era aposentada. No ano seguinte, buscando o reconhecimento do vínculo
empregatício, ela entrou com um processo na 55ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.
No julgamento, Ana Lúcia reconheceu a existência da relação de trabalho, mas negou a
relação de emprego.
As versões apresentadas por elas foram muito divergentes. Enquanto Ana Lúcia
defendeu que Maria comparecia ocasionalmente à sua residência para passar roupa, o
que ocorria quando ela se dispusesse a fazê-lo; Maria afirmou trabalhar três vezes na
semana, executando serviços gerais de limpeza, lavagem e passagem de roupa, além de
arrumação e faxina da casa.
Nessa primeira instância, o juiz entendeu que tendo confirmado a existência da
relação de trabalho, mas alegado não se tratar de trabalho contínuo, Ana Lúcia atraiu
para si o ônus probatório. Como ela não conseguiu reunir elementos que pudessem
provar isso, o juiz admitiu como verdadeiras as alegações de Maria, de que realizava
todos os afazeres domésticos durante três dias semanais, reconhecendo, então, o
contrato de trabalho na qualidade de empregada doméstica.
Com o objetivo de reformar a sentença, Ana Lúcia interpôs recurso no TRT da
1ª Região. Essa segunda instância chegou a um outro entendimento do caso, valendo-se
do princípio de que há situações em que, diante de afirmações contrárias, não
amparadas por esteio probatório, cabe ao juiz buscar aquela que mais parece
corresponder à verdade. Como nenhuma das partes produziu prova, cabia analisar qual
das duas versões apresentadas em juízo era a mais fidedigna.
O acórdão do TRT, de 2008, considerou inverossímeis as alegações de Maria,
pois, segundo seus argumentos, em razão das limitações físicas impostas pela idade,
uma pessoa de 67 anos não se encontra habilitada a limpar, lavar, passar, arrumar e
faxinar durante três vezes na semana. A conclusão a que essa turma de juízes chegou foi
a de que em vista da idade avançada de Maria, que não lhe permitia atividades pesadas,
a versão de Ana Lúcia pareceu mais coerente, ou seja, a de que Maria, no curto período
de tempo que laborou na residência, exercia atividades de passadeira-diarista. Dessa

28
Processo Nº. TST-AIRR-1041/2007-055-01-40.5.

38
forma, o TRT deu provimento ao recurso e reformou a sentença, negando o vínculo
apontado pela 55ª Vara.
Inconformada com a nova decisão, Maria recorreu ao TST, argumentando que o
Tribunal Regional se omitiu em apreciar o ônus da prova sobre a relação de emprego e
se valeu da intuição para fundamentar o acórdão, mas os ministros da 8ª turma, por
unanimidade, em outubro de 2008, negaram provimento ao seu agravo de instrumento e
a decisão do TRT pela ausência do vínculo permaneceu inalterada.

Por conta das posições divergentes presentes fortemente na doutrina,


esperávamos encontrar uma divergência jurisprudencial elevada. Mas isso não se
confirmou, pelo menos nos processos iniciados no estado do Rio de Janeiro. Como
esperado, a divergência foi muito maior entre o TRT e as varas do que entre o TST e o
TRT. Enquanto essas duas últimas instâncias sequer discordaram quanto à existência do
vínculo empregatício, as duas primeiras divergiram, mas em número pequeno de casos.
Em maio de 2009, a mídia de uma maneira geral (sites, jornais e telejornais)
noticiou um acórdão divulgado no site do TST no final de abril29. Tratava-se do caso de
uma trabalhadora doméstica do Paraná que trabalhou durante dezoito anos em uma
mesma casa, sendo que nos oito primeiros três vezes por semana e nos dez seguintes,
duas vezes. O TRT da 9ª Região decidiu reconhecer a existência do vínculo de emprego
e, portanto, considerar que essa trabalhadora tinha direito a registro em carteira, INSS,
férias e 13º salário. Mas a sétima turma de ministros do TST reverteu a decisão.
Tais meios de comunicação não deixaram claro o porquê de a decisão ter sido
modificada. Lendo o acórdão, percebemos que o entendimento do TRT-PR foi o de
“natureza contínua” como habitual, enquanto o TST a interpretou como seguida,
sucessiva, ininterrupta. Esse é um bom exemplo de que há divergência jurisprudencial
mesmo entre o TST e o TRT. Essa decisão do TST seguiu o entendimento majoritário e
não foi diferente da maior parte dos acórdãos de casos do TRT-RJ, analisados neste
capítulo. Embora as decisões do TST não se tornem obrigatórias para as instâncias
inferiores, há uma irradiação de seu entendimento para o TRT e as Varas, que passam,
muitas vezes, a citar suas jurisprudências como forma de ratificar uma posição tomada.

29
Processo Nº. TST-RR-17676/2005-007-09-00.0.

39
Os dados analisados indicam que se ainda não é possível falar que a
jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas é pacífica quanto a esse assunto, pelo menos é
evidente que ela é convergente, em sua maior parte, no sentido de que o trabalhador
doméstico que trabalha alguns dias semanais deve ser considerado diarista e não
empregado. Nesse sentido, é importante lembrarmos que as decisões estudadas foram as
mais recentes, de 2008 e 2009, ou seja, época em que a jurisprudência já está bem
marcada nesta posição de diferenciar o diarista do empregado, algo que durante a
década de 1990 e mesmo no começo dos anos 2000 provocava muito mais dissensão.
Dessa forma, esta análise conclui que o entendimento majoritário firma-se no
sentido de não considerar contínuo o trabalho efetuado pelos diaristas. Assim como na
doutrina, há certas controvérsias, mas as decisões contra o vínculo empregatício são a
maioria esmagadora (MENDES, 2001), sendo pouco freqüentes os casos em que os
trabalhadores que prestam serviço em poucos dias da semana ganham na Justiça, pelo
menos na segunda instância e na instância extraordinária, que foram o objeto de
investigação.
A jurisprudência mais recente está inclinada no sentido de que a prestação de
serviços, pelo diarista, em um, dois ou três dias na semana, não revela uma
continuidade, afastando-se, assim, a configuração do vínculo empregatício, mais
adequado quando há o trabalho em todos os dias da semana. Mediante essa análise
realizada sob o ponto de vista legal, podemos apontar algumas similitudes e contrastes
entre esses dois tipos de relação de serviço doméstico remunerado, conforme levantados
pela doutrina e pela jurisprudência:

Quadro 1: Semelhanças e diferenças entre empregado doméstico e diarista na


perspectiva da doutrina e da jurisprudência
Empregado doméstico Diarista
Serviços sem finalidade lucrativa. Serviços sem finalidade lucrativa.
Prestado à pessoa ou à família. Prestado à pessoa ou à família.
No âmbito residencial delas. No âmbito residencial delas.
Semelhanças Trabalho remunerado, ou seja, Trabalho remunerado, ou seja,
implica na contrapartida daquele implica na contrapartida daquele
que recebe os serviços prestados. que recebe os serviços prestados.
Pagamento de salário. Pagamento de diária no dia em

40
que o serviço é realizado.
Serviço de natureza contínua.30 Serviço de natureza não contínua.
Há subordinação, ou seja, o Não há subordinação, ou seja, o
trabalhador é dirigido pelo trabalhador é dirigido por si
empregador doméstico, recebendo próprio, autônomo.
e executando ordens.
Horário fixo. Ausência de horário fixo, pois
como trabalha por tarefa,
geralmente, pode ir embora
quando a termina.
Dias fixados. Dias não fixados. Podem ser
trocados pelo trabalhador, que
Diferenças oferece seu serviço na data de que
dispõe.
O trabalhador presta serviço em O trabalhador presta serviço em
uma residência (embora a mais de uma residência (mas nem
exclusividade não seja um sempre).
requisito à caracterização da
relação de emprego).
Pessoalidade na prestação dos Pode não haver pessoalidade na
serviços. prestação dos serviços, quando o
trabalhador se faz substituir por
seu filho ou conhecido.
Há a fiscalização sistemática por Há a expectativa da obtenção do
parte dos empregadores. resultado desejado.
Geralmente, realiza todas as Geralmente, realiza uma tarefa
tarefas domésticas, embora exista a específica, como fazer a faxina da
especializada, que desempenha casa.
uma única função.
São contemplados com o conjunto Seus direitos estão restritos ao
de direitos assegurado aos valor combinado pela diária.
empregados domésticos.

30
Como vimos, há posições divergentes em torno da continuidade.

41
1.2.3 – A definição de diarista a caminho do status de lei

Tanto as doutrinas quanto as jurisprudências, por mais que tenham contribuído


para a discussão sobre a questão da diferenciação entre empregado doméstico e diarista,
têm as suas próprias controvérsias e interpretações contrastantes, que tornam
complicada a delimitação de direitos e deveres quando da contratação de uma
trabalhadora doméstica para alguns dias da semana.
Como vimos, a doutrina diverge em relação à expressão “natureza contínua”, de
um lado a interpretando como referente ao contratante e à sua necessidade pela
continuidade desses serviços, o que torna aquele que trabalha apenas alguns dias um
empregado doméstico; de outro, a interpretando como referente ao contratado, o que
impõe uma análise da freqüência com que presta o serviço para tornar possível medir se
há ou não o vínculo empregatício. Já a jurisprudência acaba refletindo esse quadro.
Por mais que haja interpretações majoritárias, utilizadas mais amplamente pelos
juízes ao julgarem os casos que chegam aos tribunais, tornou-se cada vez mais evidente
que as dissidências doutrinárias e jurisprudenciais apenas poderiam ser evitadas caso
uma lei definisse mais claramente o que é um diarista e quais são os seus direitos. Isso
sanaria as dúvidas que há algum tempo vêm sendo levantadas tanto por contratantes
quanto por trabalhadores. Mas a questão é qual interpretação prevalecerá em lei, em
meio às posições divergentes sobre o assunto?
No dia 10 de novembro de 2008, a ONG Instituto FGTS Fácil31, cujo presidente
é Mario Alberto Avelino, com o apoio do Portal Doméstica Legal32, do qual ele é
diretor, realizou o Fórum “O Futuro do Emprego Doméstico no Brasil”. Esse evento
reuniu, na cidade do Rio de Janeiro, entre outros participantes, Giovanni Harvey, sub-
secretário da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial,
representando o ministro Edson Santos; Serys Slhessarenko, senadora pelo estado de
Mato Grosso; Benedita da Silva, secretária da Secretaria Estadual de Assistência Social
e Direitos Humanos do Rio de Janeiro; Luiz Antônio Marinho, superintendente do

31
O Instituto FGTS Fácil (IFF) é uma ONG sem fins lucrativos criada em 2001 e com sede na cidade do
Rio de Janeiro. Segundo o seu estatuto, tem o objetivo de “desenvolver um trabalho de esclarecimento e
conscientização do trabalhador em relação ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, bem como
disponibilizar meios para que ele possa efetivamente controlar e monitorar suas contas, orientando-o
quanto aos seus direitos e obrigações, outrossim visando estreitar a relação entre a sociedade de uma
maneira geral, e os órgãos responsáveis pela gestão do Fundo, em todo o território nacional” (art. 1º).
32
O Portal Doméstica Legal foi lançado em 2004 com o objetivo de divulgar informações sobre o
emprego doméstico e de ser uma espécie de departamento pessoal online do empregador doméstico, pois
no site é possível calcular e emitir recibos e contar com consultoria jurídica e suporte técnico.

42
Ministério do Trabalho e Emprego, representando o ministro Carlos Lupi; Marcos
Pereira, membro da Secretaria Estadual de Trabalho e Renda do Estado do Rio de
Janeiro, representando o governador Sérgio Cabral; Siro Darlan, desembargador do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; José Geraldo da Fonseca, juiz do Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região; e Margareth Galvão Carbinato, presidente do
Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo (SEDESP). A
presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD),
Creuza Maria Oliveira, estava confirmada, mas não pôde comparecer.
O Fórum teve como objetivos principais discutir e elaborar propostas com o
intuito de: 1) Erradicar o trabalho infantil no emprego doméstico; 2) Erradicar o
trabalho escravo e semi-escravo; 3) Diminuir a informalidade; 4) Melhorar e qualificar a
mão-de-obra doméstica. As apresentações de todos os participantes abordaram
elementos presentes nesses objetivos, permitindo que determinadas questões pudessem
ser debatidas de diferentes formas e que suscitassem argumentos até mesmo contrários
(como foi o caso da discussão sobre a definição de diarista e sobre a equiparação dos
empregados domésticos aos demais trabalhadores).
Com o intuito de alcançar os objetivos formulados, treze propostas foram
apresentadas como síntese do Fórum, muitas delas não consensuais, que, com certeza,
levantam muitas discussões. As propostas, conforme foram redigidas pelo realizador e
coordenador do evento, Mario Avelino, foram33:

1 – Aprovação do Projeto de Lei Legalize sua doméstica e pague menos INSS,


por ter mudanças, que de fato beneficiam todos os empregadores e empregados
domésticos, e principalmente estimular o empregador a assinar a carteira de
trabalho, diminuindo rapidamente a informalidade e erradicando o trabalho
infantil e escravo no emprego doméstico;
2 – Ter uma Lei que defina claramente o que é uma DIARISTA, para acabar
com esta dependência da Justiça do Trabalho, onde cada juiz tem uma
interpretação, deixando o Contratante e a diarista confusos;
3 – Criar uma Lei para a criação do Cadastro do Empregado Doméstico, nas
Secretarias Municipais ou Estaduais de Trabalho, facilitar a Inclusão
Trabalhista e Social do empregado doméstico. De acordo com a Lei 5.859,
Artigo 2º, Inciso II, “Para admissão o empregado deverá apresentar: Atestado
de boa conduta”. Neste caso, este cadastro mostrará que o empregado
doméstico não tem nenhum ato que o desabone, civil e criminalmente, o que
será bom para o empregador e o empregado doméstico, evitando o empregador
admitir um profissional com ficha suja (criminal);
4 – Alterar a Lei 5.859 no seu Artigo 2º, Inciso III, passando de “Atestado de
saúde a critério do empregador” para “Atestado de saúde obrigatório na
admissão e demissão do empregado”. Com isso, o empregador evita admitir
uma pessoa sem condições de saúde para o desenvolvimento das funções

33
Um panorama do Fórum pode ser encontrado em: www.domesticalegal.com.br/forum.

43
desejadas e evita que o trabalhador piore sua condição de saúde,
desenvolvendo uma atividade para a qual não está apto fisicamente;
5 – Mudanças na Lei Trabalhista, para PUNIR e CRIMINALIZAR os
empregadores que não cumprem e desrespeitam as Leis. A Lei hoje favorece e
estimula o mau empregador, pois ele sabe que, se não cumprir, no máximo irá
pagar o que deve à empregada doméstica, e ainda parcelado, isso se ela
reclamar, o que ocorre no máximo em um em cada 114 casos. Outro exemplo
de favorecimento: em uma ação trabalhista, os direitos trabalhistas retroagem
no máximo aos últimos cinco anos, para um doméstico ou qualquer outro
trabalhador, que trabalhou mais de cinco anos para um mesmo empregador, ele
perderá os anos excedentes de férias, 13º, vale transporte, etc.;
6 – Criar uma Lei que determine que nos Municípios que tenham um
determinado número de trabalhadoras domésticas (a ser estudado), seja criada a
CASA DA MÃE DOMÉSTICA, tipo uma Creche, onde as empregadas
domésticas poderão deixar seus filhos, enquanto vão trabalhar, sabendo que os
mesmos estarão bem cuidados, para que a mesma tenha tranqüilidade no seu
trabalho;
7 – Ter uma política que reconheça o empregador doméstico como gerador de
emprego e renda, não querendo igualá-lo a uma empresa;
8 – Ter uma política que invista em orientação e educação do empregador e do
empregado doméstico;
9 – Que a Guia de Recolhimento do INSS identifique o empregador doméstico,
e que a responsabilidade do recolhimento do INSS e comprovação junto à
Previdência Social seja do empregador, hoje esta responsabilidade é do
empregado;
10 – Que seja simplificado o processo de recolhimento do FGTS para o
empregador doméstico pela Caixa Econômica Federal;
11 – Ampliação dos direitos do empregado doméstico, como hora-extra,
adicional noturno, e outros direitos previstos na Constituição Federal;
12 – Que o Decreto 6.841, que proíbe o trabalho doméstico para menores de 18
anos seja revogado, pois ele é:
- Primeiro Inconstitucional, pois a Constituição Federal determina a idade
mínima para poder trabalhar em 16 anos;
- Segundo, hoje conforme dados da PNAD 2007 do IBGE, existem 278.000
trabalhadores na faixa etária de 15 a 17 anos, estima-se que, pelo menos
200.000 têm 16 a 17 anos, e as perguntas são:
- Muitas são adolescentes mães solteiras, que dependem deste trabalho para
sustentar uma família;
- Outros são adolescentes, que através deste trabalho estão bancando seus
estudos e ajudando suas famílias;
A questão é: para onde irão estes adolescentes, todos filhos de pessoas sem
condições econômicas? Talvez as mulheres irão para a prostituição e os
homens para o crime ou para o tráfico, que tanto cresce e cada vez mais precisa
repor a mão de obra, que na média é morto antes de chegar aos 18 anos;
13 – Ter uma política de investimento em qualificação da mão de obra
doméstica, com os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT.

A senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), participante do evento, anotou as


sugestões e ficou de dar entrada no Senado Federal a projetos de lei que contemplassem
algumas das propostas formuladas no Fórum. Ela fez isso alguns meses depois, mais
especificamente em 27 de abril de 2009, dia da empregada doméstica34, quando propôs
três projetos: 1º) Projeto de Lei nº. 159, que pretende alterar a Lei nº. 5.859/72 para

34
O dia da empregada doméstica é comemorado nessa data, pois ela é dedicada à padroeira das
domésticas: Santa Zita.

44
estabelecer uma multa por infração à legislação, punindo os empregadores que
descumprem a lei; 2º) Projeto de Lei nº. 160, que busca definir o diarista; 3º) Projeto de
Lei nº. 161, que procura modificar a Lei que dispõe sobre a Organização da Seguridade
Social, reduzindo a contribuição do INSS que cabe ao empregador doméstico de 12,0%
para 6,0% com o intuito de elevar a formalização.
Esse segundo projeto de lei iniciado no Senado, que é o objeto de interesse deste
ponto, foi acompanhado da justificativa de que é necessário acabar com a indefinição
em relação ao que é um diarista, pois essa imprecisão prejudica tanto contratantes
quanto contratados e depende do critério da sentença de cada Juiz do Trabalho.
Segundo a redação inicial do projeto, a diarista passaria a ser definida em lei da seguinte
forma:

Art. 1º Diarista é todo trabalhador que presta serviços no máximo duas vezes
por semana para o mesmo Contratante, recebendo o pagamento pelos serviços
prestados no dia da diária, sem vínculo empregatício.

Parágrafo Único. A Diarista deverá apresentar ao Contratante, comprovante de


contribuição ao INSS como Contribuinte Autônomo, ou como Contribuinte
Funcional, que atualmente é de 11% (onze por cento) sobre um salário mínimo.

Na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, o relator, senador Lobão Filho


(PMDB-MA), após analisar o projeto de lei, elaborou parecer, em 13 de agosto de 2009,
posicionando-se a favor de sua aprovação, mas na forma da emenda (substitutivo)35
apresentada por ele. Tal emenda propôs alterações e acréscimos relevantes na redação
do projeto: mudar de dois para três dias semanais o limite para que não haja a geração
de vínculo empregatício e determinar que o valor mínimo da diária não possa ser
inferior a um trinta avos do salário mínimo vigente. O que se manteve nessa versão foi a
obrigatoriedade de o trabalhador diarista inscrever-se no INSS e efetuar seu próprio
recolhimento da contribuição previdenciária.
A matéria foi incluída na pauta da 38ª Reunião da Comissão de Assuntos
Sociais, marcada para o dia 26 de agosto. Nessa data, o relator, senador Lobão Filho,
retirou a matéria da pauta para reexame. No dia 9 de setembro, devolveu-a com mais
acréscimos e alterações: 1) O número de dias para que não haja vínculo empregatício
continuou sendo três, mas, nessa segunda versão, essa medida ganhou a justificativa de

35
As emendas cumprem o papel de suprimir, juntar, substituir, aumentar ou modificar um projeto de lei,
sendo classificadas, assim, respectivamente, em: supressivas, aglutinativas, substitutivas, aditivas ou
modificativas. Nesse caso relatado, a emenda foi substitutiva, pois alterou substancialmente o projeto
original, substituindo-o por um novo texto.

45
que em decisão da Sexta Turma do TST, prestar serviços como diarista, por até três
vezes na semana, por si só, não caracteriza relação de emprego; 2) A duração da jornada
de trabalho do diarista passou a ser fixada em oito horas; 3) O valor mínimo da diária
foi alterado para um quinze avos do valor do salário mínimo vigente, com a justificativa
de que esse é mais condizente com a nossa realidade.
A senadora Serys Slhessarenko, em algumas entrevistas aos meios de
comunicação, mostrou-se contrária às alterações no seu projeto original em relação aos
dias de estipulação do vínculo e ao estabelecimento de valor mínimo da diária. Do
ponto de vista dela, três dias já configura vínculo de emprego doméstico, dessa forma,
definir em três dias é prejudicar os trabalhadores domésticos. Além disso, ela não
concorda com a estipulação do valor da diária, pois como o Brasil é um país muito
grande e com regiões diferenciadas em suas características, nivelar pelo valor pago pela
diária em uma região específica do país, pode prejudicar os trabalhadores que já têm
uma condição de negociação melhor em outras. Algumas das propostas defendidas pelo
relator foram criticadas também por outros parlamentares.
A categoria dos trabalhadores domésticos está dividida sobre a definição do
diarista em lei, alguns sindicatos são a favor e outros contra. Para Creuza Maria
Oliveira, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, caso o
projeto seja aprovado, muitas domésticas com carteira de trabalho assinada, que
trabalham três dias na semana, poderão ser demitidas e recontratadas como diaristas.
Segundo ela, “esse projeto vem para dividir a categoria. Diarista ou não somos todas
domésticas e temos de ter assegurados os nossos direitos”36.
Por conta dessas divergências e com o intuito de fomentar a discussão, a
Comissão de Assuntos Sociais, reunida no dia 23 de setembro, aprovou o requerimento
de autoria da senadora Fátima Cleide (PT-RO) propondo uma audiência pública com a
finalidade de instruir esse projeto de lei. A audiência ocorreu no dia 4 de novembro e
contou com a presença dos seguintes convidados: Daniel de Matos Sampaio Chagas,
auditor Fiscal do Trabalho, representante do ministro do Trabalho e Emprego, Carlos
Luppi; Mario Avelino, presidente do Portal Doméstica Legal; Eunice Léa de Moraes,
assessora da Área do Trabalho, representante da ministra da Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire; Creuza Maria Oliveira, presidente da
Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas; e Gilberto Augusto Leitão Martins,

36
Matéria “Senado discute regulamentação do trabalho de diaristas”, de autoria de Eder Luis Santana,
publicada no Jornal A Tarde on line, em 23 de setembro de 2009.

46
presidente da Associação dos Magistrados Trabalhistas do Distrito Federal (AMATRA
X).
Na audiência pública37, como era provável, os convidados discordaram sobre a
regularização da profissão de diarista. Daniel de Matos Sampaio Chagas afirmou que o
Ministério do Trabalho e Emprego é contrário ao projeto. Para ele, a regularização da
atividade de diarista pode intensificar a informalidade da profissão de doméstica, bem
como tornar mais precária essa atividade profissional. Na avaliação de Creuza Maria de
Oliveira, o projeto é um retrocesso em relação às conquistas dos empregados
domésticos, pois, para ela, a atividade desempenhada dois ou três dias por semana em
uma residência configura vínculo empregatício. Para Gilberto Augusto Leitão, a
legislação excetua os cooperados e autônomos da garantia de direitos trabalhistas,
portanto o projeto de lei pretende legalizar a exceção.
Enquanto alguns foram contrários ao projeto, Eunice Léa de Moraes posicionou-
se a favor e considerou a definição do diarista muito importante, pois há muitas
mulheres consideradas diaristas, mas que, de fato, trabalham como empregadas
domésticas, às quais são negados direitos já conquistados. Já Mario Avelino foi a favor
da versão original e contra a versão do relator, pois, em sua opinião, definir em três dias
a regularização da atividade vai aumentar a informalidade, uma vez que as pessoas vão
preferir contratar diaristas.
Após esse debate sobre o tema, as notas taquigráficas referentes à audiência
pública foram encaminhadas ao gabinete do relator. No dia 25 de novembro, o senador
Lobão Filho entregou uma nova versão do parecer, já a terceira. Apesar das discussões
travadas, os aspectos divergentes do projeto permaneceram com o mesmo entendimento
de sua versão anterior. A única alteração foi o estabelecimento de uma contribuição
previdenciária diferenciada para o diarista, de oito por cento. Dessa forma, o projeto de
lei, na forma do substitutivo apresentado pelo relator, pronto para ser votado pela
Comissão de Assuntos Sociais, ficou redigido da seguinte maneira:

Dispõe sobre o trabalho, por diária, daquele que presta serviços a pessoa ou
família em seu âmbito residencial, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:

37
Segundo informações da Agência Senado (www.senado.gov.br/agencia), em notícia do dia 4 de
novembro de 2009.

47
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o trabalho, por diária, daquele que presta serviço
eventual a pessoa ou família em seu âmbito residencial, sem fins lucrativos, ora
denominado diarista.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, diarista é aquele que presta serviços de
natureza não contínua, por conta própria, sem relação de trabalho com empresa
ou equiparado, a pessoa ou família, no âmbito residencial destas, sem fins
lucrativos.
§ 1º Não gera vínculo empregatício, por si só, a prestação de serviços pelo
diarista de que trata o caput deste artigo, por até três dias por semana, para a
mesma família ou pessoa, ainda que em residências distintas.
§ 2º O valor da diária não poderá ser inferior a um quinze avos do salário
mínimo vigente.
§ 3º A duração do trabalho normal será de, no máximo, oito horas diárias.
Art. 3º O diarista deve estar inscrito no Instituto Nacional do Seguro Social –
INSS, como contribuinte individual, e efetuar seu próprio recolhimento da
contribuição previdenciária, nos termos do § 5º do art. 21 da Lei nº. 8.212, de
24 de julho de 1991.
Art. 4º O art. 21 da Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com
a seguinte redação:
“Art. 21..................................................................................................................
...............................................................................................................................
§ 4º A contribuição complementar a que se referem os §§ 3º e 6º deste artigo
será exigida a qualquer tempo, sob pena de indeferimento do benefício.
§ 5º É de oito por cento sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal
do salário-de-contribuição a alíquota de contribuição do diarista que presta
serviços de natureza não contínua, por conta própria, sem relação de trabalho
com empresa ou equiparado, a pessoa ou família, no âmbito residencial destas,
sem fins lucrativos.
§ 6º O segurado que tenha contribuído na forma do § 5º deste artigo e pretenda
contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da
aposentadoria por tempo de contribuição ou da contagem recíproca do tempo
de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei nº. 8.213, de 24 de julho de
1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante o recolhimento de
mais doze por cento, acrescido dos juros moratórios de que trata o § 3º do art.
61 da Lei nº. 9.430, de 27 de dezembro de 1996”. (NR)
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A matéria foi incluída na pauta da 62ª Reunião da Comissão, no dia 25 de


novembro, e o relatório do senador Lobão Filho chegou a ser lido, mas a discussão e a
votação foram adiadas. Nas reuniões posteriores, pareceu necessário um prazo maior

48
para dirimir as dúvidas e a apreciação da matéria foi novamente postergada. Com isso, a
decisão pela aprovação ou não do projeto e a opção pelo texto original ou pelo
substitutivo do relator, devido ao recesso parlamentar, ficaram para o ano seguinte.
Com o retorno das atividades parlamentares, a matéria foi incluída na discussão
da 1ª Reunião da Comissão, realizada no dia 03 de fevereiro de 2010. Nessa data, a
matéria foi novamente retirada da pauta, para reexame do relatório pelo relator. Mas em
virtude do término do exercício do mandato do senador Lobão Filho, no dia 31 de
março, devido ao retorno do titular, senador Edison Lobão (PMDB-MA), foi necessário
aguardar a indicação de um novo relator, o que foi realizado no dia 09 de abril, com a
designação do senador Flávio Arns (PSDB-PR) pela presidente da Comissão, senadora
Rosalba Ciarlini (DEM-RN).
Resolvida essa questão, o novo relator, Flávio Arns, no dia 13 de abril, entregou
o relatório em que analisou a matéria. Eu seu parecer, defendeu o texto original
proposto pela senadora Serys Slhessarenko e não a versão modificada proposta pelo
relator anterior, senador Lobão Filho. Ou seja, votou pela aprovação do projeto na
forma como ele foi apresentado pela autora. No dia seguinte, a Comissão de Assuntos
Sociais reunida aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS), nº. 160, de 2009, na forma
relatada pelo senador Flávio Arns.
Nesse sentido, com a rejeição do substitutivo proposto por Lobão Filho,
passaram a não fazer mais parte do projeto de lei o limite de três dias semanais para a
não geração de vínculo empregatício, a delimitação de valor mínimo para a diária e a
fixação da jornada de trabalho do diarista em oito horas. O Projeto de Lei aprovado
estabelece apenas o limite de dois dias por semana como definidor do diarista, a partir
de três já há a configuração do vínculo de emprego; e torna obrigatória a apresentação
por parte desse trabalhador de seu comprovante de contribuição ao INSS ao contratante.
Como o projeto de lei estava sob análise da Comissão em caráter terminativo,
não precisou ser votado no plenário do Senado e seguiu direto para a Câmara dos
Deputados, onde será apreciado. Caso aprovado, seguirá para ser analisado pelo
Presidente da República, que poderá vetá-lo ou sancioná-lo. Se forem sugeridas
alterações no texto, o material retorna ao Senado.
Acompanhada essa tramitação, fica claro que se havia uma disputa entre aquelas
duas interpretações para a “natureza contínua”, a primeira delas, e majoritária entre os
juízes, foi mais bem sucedida, pois a Lei seguirá o entendimento de que contínuo
significa sucessivo, sem interrupção e faz referência à freqüência com que o trabalho é

49
realizado. Mesmo a discussão pela aprovação da Lei com o limite de trabalho semanal
de dois dias (projeto original) ou três dias (substitutivo) para a geração de vínculo não
fugiu à lógica dessa corrente interpretativa.
Mas, afinal, que alterações essa lei deverá representar? Se por um lado a lei não
trará tantas mudanças, pois o que fará é institucionalizar a jurisprudência que é
majoritária atualmente sobre o assunto e que já guiava a grande maioria das decisões
judiciais; por outro, com o fim da ambigüidade sobre a questão, as fronteiras entre essas
duas categorias de trabalhadores domésticos tornam-se mais nítidas, o que fará com que
os diaristas, cada vez mais, ocupem, de fato, esse novo papel, percebam-se como
trabalhadores autônomos, por conta própria, sem vínculo empregatício e assumindo os
próprios riscos.
Antes, por mais que o entendimento majoritário dos juízes fosse o de que
trabalhar alguns dias na semana não configurava vínculo, estava aberta a possibilidade
de ingressar na Justiça e buscar comprovar a relação de emprego necessária para ser
possível desfrutar dos direitos assegurados aos empregados domésticos. Em alguns
casos, de fato, a Justiça reconhecia o vínculo. Após a aprovação da lei, isso não será
mais possível, pois o entendimento dos juízes terá que, obrigatoriamente, ratificar
aquilo que está estabelecido em lei. As divergências jurisprudenciais, que atualmente já
são pequenas, como vimos analisando os acórdãos, tendem a desaparecer
completamente, encerrando essa discussão jurídica já antiga nos tribunais trabalhistas a
respeito do vínculo empregatício.
Mediante o que foi exposto neste capítulo, podemos presumir que a perspectiva
futura dentro do campo do direito dos trabalhadores domésticos é dupla e contrária, a
partir da delimitação precisa entre empregados e diaristas. Por um lado, há perspectiva
de ampliação de direitos, processo que já vem se desenrolando desde a Constituição de
1988 e que conta com muitos projetos em tramitação nesse sentido, de cada vez mais
aproximar os empregados domésticos do conjunto de direitos dos demais trabalhadores,
até a equiparação completa38; por outro lado, há a perspectiva de limitação de direitos,
pois os diaristas, ao serem considerados legalmente trabalhadores por conta própria,
tornam-se uma categoria à parte, com menos direitos do que os empregados domésticos,
mas também com possibilidades diferenciadas abertas pela autonomia.

38
Embora na opinião de alguns juristas, haja mais a existência de alguns acréscimos legislativos do que
uma tendência de equiparação total dos direitos trabalhistas, pois há sempre o temor de gerar desemprego
por conta da especificidade do empregador doméstico, que não pode ser igualado a uma empresa
(PEREIRA, 2007).

50
CAPÍTULO II – A DIARISTA CONQUISTA ESPAÇO: PROCESSOS DE
MUDANÇA NO TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO ATUAL

Uma análise longitudinal dos dados quantitativos disponíveis sobre o trabalho


doméstico remunerado é capaz de contribuir demasiadamente para o objetivo, colocado
em relevo nesta dissertação, de não apenas produzir um retrato de como está
configurado o serviço doméstico no Rio de Janeiro, mas também, e principalmente, de
compreender algumas transformações pelas quais vem passando essa ocupação, que
ainda detém a posição de principal meio de inserção feminina no mercado de trabalho
brasileiro. Segundo a PNAD 2008, 15,8% das mulheres ocupadas são trabalhadoras
domésticas.
Neste capítulo pretendemos elaborar um retrato do trabalho doméstico
remunerado atual, no Brasil e no Rio de Janeiro. Para isso, três objetivos estão aqui
presentes: analisar o perfil dos trabalhadores domésticos; compreender e explicar os
processos de mudança no serviço doméstico; e realizar uma comparação entre
empregadas domésticas e diaristas, de forma a perceber se elas se diferenciam ou não
quanto a uma série de características sócio-econômicas. Para que esses objetivos
possam ser alcançados, nos valemos dos resultados de pesquisas quantitativas já
realizadas com foco semelhante e realizamos as nossas próprias tabulações de dados.

2.1 – Questões metodológicas

Como vimos na introdução, uma parte das pesquisas sobre o serviço doméstico
no Brasil teve como enfoque a análise das características dessa ocupação e do perfil dos
trabalhadores domésticos, valendo-se de dados quantitativos: Melo, 1993, 1998 e 2000;
Bruschini e Lombardi, 2000; Melo, Pessanha e Parreiras, 2002 e 2005; Menezes, 2005;
Dieese, 2006; Namir, 2006; Myrrha e Wajnman, 2008; IPEA, SPM e UNIFEM, 2008;
SEADE, 2007 e 2009; e IPEA, 200939.
Esses pesquisadores e centros de pesquisa realizaram as suas análises por meio
do banco de dados de quatro grandes levantamentos estatísticos: o Censo Demográfico,
a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e
a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Esses levantamentos

39
No caso específico de uma análise quantitativa sobre o trabalho doméstico infantil, ver Sabóia (2000).

51
permitem estudar o tema do serviço doméstico a partir de uma série de características,
como sexo, faixa etária, cor, renda e jornada de trabalho. Tais dados têm sido
importantes não apenas para delimitar aspectos essenciais dessa profissão, mas também
para dotar as pesquisas qualitativas de material propício a novas reflexões.
O Censo Demográfico é realizado a cada dez anos pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), cujos recenseadores visitam todos os domicílios do país
para aplicar o questionário da pesquisa. Os dados produzidos permitem um grande
retrato da população brasileira e das suas características sócio-econômicas. Mas como
estamos afastados dez anos do último Censo, realizado em 2000, esse não parece ser o
melhor banco de dados para servir de base para o panorama do serviço doméstico que
objetivamos realizar neste capítulo.
Por sua vez, a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) é um levantamento
por amostra probabilística de domicílios, realizado mensalmente pelo Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)40, tendo como
objetivo produzir informações sobre o mercado de trabalho urbano. A pesquisa abarca,
atualmente, o Distrito Federal e as regiões metropolitanas de São Paulo (SP), Porto
Alegre (RS), Recife (PE), Salvador (BA) e Belo Horizonte (MG), além de já ter sido
realizada também em Belém (PA) e Curitiba (PR). Mas como o Rio de Janeiro ainda
não faz parte das regiões estudadas, esse levantamento estatístico também não é o que
melhor atende aos nossos interesses.
Já a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), produz, por meio de uma amostra probabilística de
domicílios, indicadores mensais sobre a força de trabalho, permitindo acompanhar os
efeitos da conjuntura econômica sobre o mercado laboral. A pesquisa abrange as regiões
metropolitanas de Recife (PE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro
(RJ), São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS).
A princípio, então, esse levantamento seria adequado à nossa pesquisa, pois o
Rio de Janeiro está presente nele. Mas além desse requisito, há um outro mais
importante ainda: a base de dados tem que permitir a diferenciação estatística entre
empregado doméstico e diarista, afinal de contas esse é um dos objetivos cruciais deste
capítulo. Se almejássemos apenas traçar um perfil dos trabalhadores domésticos do

40
Na região metropolitana de São Paulo, o convênio é com a Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados (SEADE); nas outras regiões que fazem parte da pesquisa, a parceria é com órgãos públicos locais.

52
Brasil metropolitano, assim como fez Namir (2006), ou da região metropolitana do Rio
de Janeiro especificamente, essa pesquisa seria apropriada.
No entanto, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) não cumpre com os dois
requisitos, pois não é possível desagregar os trabalhadores domésticos em diaristas e
mensalistas, embora algo parecido possa ser realizado. Uma das perguntas do
questionário da PME, direcionada a quem se disse trabalhador doméstico, é: “Nesse
trabalho,... prestava serviço doméstico remunerado em mais de um domicílio? 1 – Sim;
2 – Não”. Essa questão permite dividir a amostra de trabalhadores domésticos entre
aqueles que prestam serviço em apenas uma residência e aqueles que prestam em mais
de um domicílio. Mas isso não seria igual a dividi-la entre empregados domésticos
mensalistas e diaristas? Igual não é, entretanto, pode ser uma solução possível, pois
parece razoável correlacionar o empregado doméstico com aquele que trabalha em
apenas uma residência e o diarista com aquele que trabalha em mais de uma.
Contudo, essa relação baseia-se em um critério apenas aproximado, pois o
problema é que é possível haver diaristas que atuam em apenas uma residência, que
nessa correlação acabariam sendo consideradas empregadas mensalistas; e é possível
haver também empregadas domésticas que atuam em mais de uma residência, que
acabariam sendo consideradas diaristas. Como exemplo do primeiro caso, podemos
imaginar uma diarista que está em busca de mais casas para trabalhar ou uma mulher
que se dedica apenas aos filhos pequenos, mas que faz faxina somente em um domicílio
com o intuito de contribuir para o orçamento familiar.
Quanto ao exemplo do segundo caso, é possível pensarmos em uma empregada
doméstica mensalista que trabalha de segunda a sexta e que aproveita o sábado para
fazer a limpeza de duas outras residências, de quinze em quinze dias em cada uma
delas. Estamos diante muito mais de uma empregada que faz diárias nos dias de folga
para aumentar a renda do que de uma diarista, como pareceria indicar o fato de ela
trabalhar em três casas ao mesmo tempo.
Porém, feitas essas ressalvas, parece-nos apropriado, mediante as limitações dos
instrumentos de pesquisa, relacionar empregada a uma residência e diarista a mais de
uma41. Mais adequado do que isso somente se algum levantamento estatístico se
preocupasse em fazer, de fato, essa diferenciação quando da coleta dos dados. E é

41
Esse critério para separar as mensalistas das diaristas, por meio da quantidade de domicílios em que
prestam o serviço doméstico, já foi utilizado por Myrrha e Wajnman (2008) e pelo IPEA (2009),
analisando os dados da PNAD.

53
exatamente isso o que procuramos, pois queremos realizar a comparação quantitativa
entre empregados e diaristas mais bem delimitada possível em meio às restrições
existentes, às vezes inescapáveis, mas, felizmente, em muitas situações passíveis de
serem dirimidas.
Para contornar tais obstáculos, optamos por fazer uso da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), último dos quatro grandes levantamentos estatísticos
utilizados como fonte de análise pelos pesquisadores do trabalho doméstico
remunerado, pois, como veremos, ela permite dois tipos de diferenciação. A PNAD é
realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por
meio de uma amostra de domicílios com abrangência nacional42, investigando,
permanentemente, aspectos demográficos, habitacionais, educacionais, de rendimento e
de trabalho; e, com periodicidade variável, outros temas também, como, por exemplo,
migração, fecundidade e saúde.
Quanto aos dados referentes aos trabalhadores domésticos, especificamente,
nossa concepção é a de que a PNAD pode ser dividida em três grandes momentos: 1º)
Até 1992; 2º) De 1992 a 2001; 3º) De 2002 até hoje. Desses três períodos, como
explicaremos a seguir, o primeiro é o menos propício a pesquisas sobre essa temática, o
segundo é o mais, e o terceiro ocupa a posição intermediária.
No primeiro momento, anterior a 1992, os trabalhadores domésticos não eram
uma categoria própria na PNAD, faziam parte do grupo “empregados”. Além disso, a
desagregação interna da categoria ficava impossibilitada, pois as diversas atividades
domésticas não recebiam códigos de ocupação diferentes, eram reunidas pelo mesmo
número 805 (empregados domésticos). Isso tornava inviável uma comparação entre os
subgrupos formados em seu interior; e, justamente, algo evidente é a heterogeneidade
existente entre os trabalhadores domésticos, importante de ser analisada
estatisticamente.
O segundo momento é marcado por algumas reformulações que a PNAD sofreu
em 1992. Entre elas, os trabalhadores domésticos foram desagregados dos
“empregados” e se tornaram categoria própria. O refinamento da classificação permitiu
novas possibilidades de analisar o serviço doméstico, pois, por exemplo, passou a ser
perguntado aos que desempenhavam essa atividade se prestavam serviço doméstico

42
A abrangência nacional foi obtida gradativamente, tendo sido realizada no ano de 2004 a última etapa
desse processo, quando a PNAD foi implantada na área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
Pará e Amapá, alcançando a cobertura completa do país.

54
remunerado em mais de um domicílio ou se apenas em um, o que, como vimos, pode
ser considerado aproximadamente, respectivamente, ser diarista ou ser empregado
mensalista. Esse tipo de análise tornou-se possível.
Além disso, cabe ressaltar uma questão muito importante quanto às PNADs de
1992 a 2001: havia a possibilidade de fazer a diferenciação interna do serviço doméstico
remunerado, pois aos seus subgrupos eram direcionados códigos de ocupação
diferentes, que serão explicitados, assim como constam na PNAD, para que não restem
dúvidas. Eram utilizados oito códigos para diferenciar os trabalhadores domésticos: 801
(arrumador/arrumadeira, camareiro), 802 (acompanhante, aia, ama, ama de leite, ama-
seca, ba, babá, baby sitter, cuida de crianças, dama de companhia, nutriz, pajem), 803
(congeleira, copeira, cozinheira), 804 (diarista, faxineira), 805 (lavador/lavadeira de
roupas, passador/passadeira de roupas), 806 (governanta, mordomo), 807 (ajudante de
caseiro, caseiro, criado, curumim, empregada doméstica polivalente (não especializada),
secretária, servente) e 808 (atendente de enfermagem, carregador de água, cuida de
doente, cuida de idoso, enfermeira, guarda-costas, jardineiro, motorista, piloto de
lancha, vigia)43.
Tais códigos distintos permitiam uma análise dos segmentos diferenciados de
trabalhadores domésticos. Isso foi realizado, por exemplo, por Melo (1998), que, no
interior do seu trabalho, utilizando dados da PNAD 1995, estudou esses oito grupos
segundo a sua distribuição por sexo: arrumadeira/camareiro; babá/ama/acompanhante;
cozinheira/copeira; diarista/faxineira; lavadeira/passadeira; governanta/mordomo;
doméstica polivalente; e atendente/jardineiro/motorista. Posteriormente, Melo (2000)
voltou a estudar esses subgrupos, dessa vez dividindo-os em quatro e comparando dados
de 1993 e 1998. Outra divisão analítica que parece possível a partir desses códigos é
separá-los em três grupos: empregados domésticos polivalentes (807), empregados
domésticos especializados (801, 802, 803, 805, 806 e 808) e diaristas (804).
E, finalmente, o terceiro momento teve início com a PNAD de 2002, que passou
a definir as atividades ocupacionais segundo a Classificação Brasileira de Ocupação
(CBO-Domiciliar) e a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE-
Domiciliar). Com isso, deixou de ser possível fazer a diferenciação interna do serviço
doméstico remunerado, pois à maioria dos seus subgrupos passou a ser direcionado o

43
Essas atividades eram todas realizadas no serviço doméstico. Caso fossem, por exemplo, a faxineira de
um prédio, a enfermeira de um hospital, a cozinheira de um restaurante e o motorista de ônibus, eles
teriam recebido outros códigos.

55
mesmo código de ocupação: 5121. Esse código abarcou indistintamente diversas
atividades do serviço doméstico: arrumador/arrumadeira, auxiliar de serviços diversos,
camareiro, carregador de água, criado, curumim, caseiro, jardineiro, diarista, faxineira,
secretária, empregado/empregada doméstico/a, lavador/lavadeira, passador/passadeira
de roupas, limpador de janelas, servente e faxineiro.
Os outros subgrupos ganharam códigos diferentes: 5132 (mordomo, governanta
e cozinheiro/a), 5134 (copeiro), 5162 (acompanhante de idosos, aia, baba, baby sitter,
ama de leite e ama-seca), 5173 (guarda-costas), 5174 (vigia), 7823 (motorista) e 7827
(piloto de lancha). Mas o fato de terem recebido códigos distintos não torna o estudo
desses segmentos mais fácil; pelo contrário, pois eles ganharam o mesmo número que
outras atividades, de forma que, por exemplo, o código 7823 cobre desde o motorista
doméstico até o taxista e o motorista de ambulância. E, como bem sabemos, se um
único código passa a abarcar atividades ocupacionais diversas, a análise delas fica
inevitavelmente esvaziada.
Dessa forma, após essas explicações metodológicas, ficaram claras as
possibilidades analíticas, bem como as limitações dos instrumentos de pesquisa. Dos
quatro grandes levantamentos estatísticos utilizados pelos pesquisadores do serviço
doméstico remunerado, o que melhor atende aos nossos objetivos específicos é a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), pois permite comparar
empregados domésticos e diaristas de uma maneira mais complexa, além de admitir
uma análise do Brasil e do Rio de Janeiro. Os dados dos demais levantamentos
aparecerão por meio das conclusões de outros pesquisadores, que serão trazidas para
diversificar mais a análise.
Quanto à questão da diferenciação estatística entre empregado doméstico e
diarista, as PNADs oferecem, então, duas possibilidades: 1ª) Fazer a diferenciação entre
empregados e diaristas enquanto subgrupos ocupacionais, possível de 1992 a 2001; 2ª)
Fazer a diferenciação entre empregados e diaristas mediante o critério aproximado de
que empregado doméstico é aquele que trabalha em apenas um domicílio e diarista o
que trabalha em mais de um. Essa segunda possibilidade pode ser realizada desde a
PNAD de 1992 até a atual, pois nesse período sempre esteve presente a questão do
número de domicílios em que o serviço é prestado e isso não foi alterado pelas
mudanças realizadas na PNAD em 2002.
Entre as duas possibilidades existentes, utilizaremos ambas. A primeira tem a
dificuldade de apenas ser exeqüível até o ano de 2001, mas é a que mais se aproxima de

56
como efetivamente os trabalhadores domésticos estão divididos quanto às atividades
que realizam. A segunda, por sua vez, tem o problema de ser aproximada, mas é a que
permite uma análise mais próxima aos dias de hoje. Tanto uma quanto a outra foram
pouco exploradas pela literatura dedicada ao serviço doméstico, de forma que a primeira
foi adotada em pelo menos dois estudos: Melo (1998 e 2000); e a segunda também:
Myrrha e Wajnman (2008) e IPEA (2009).
Em todos os pontos deste capítulo, assim como fizeram IPEA, SPM e UNIFEM
(2008), foram considerados trabalhadores domésticos todos aqueles, de 10 anos ou mais
de idade, que se encontravam ocupados na semana de referência da PNAD (os que
trabalharam nessa referida semana ou os que estavam afastados temporariamente, por
exemplo, por motivo de férias ou licença) e cuja posição na ocupação principal era de
trabalhador doméstico. No primeiro ponto consideraremos os trabalhadores domésticos
como um todo, comparando homens e mulheres; enquanto nos posteriores a análise
englobará apenas as mulheres.
Como os resultados da PNAD 2008 foram produzidos considerando os dados da
revisão 2008 da projeção da população do Brasil como variável independente para
expansão da amostra, utilizamos os microdados reponderados das PNADs de 2001 a
2007, tornando possível uma melhor comparação entre os anos da década de 2000. Os
microdados das PNADs de 1992 a 2008 serão, então, a fonte quantitativa que permitirá
produzir neste capítulo uma caracterização mais geral do trabalho doméstico
remunerado e dos movimentos de mudança que se delineiam nessa ocupação.

2.2 – Um retrato do trabalho doméstico remunerado recente

Para realizar uma análise de como o serviço doméstico está configurado


atualmente, utilizamos os microdados da PNAD 2008, que são os mais recentemente
divulgados. Esse banco de dados permite verificarmos uma série de características
demográficas e sócio-econômicas dos trabalhadores domésticos, o que faremos
separadamente em relação ao Brasil e ao estado do Rio de Janeiro. Em vista desse
esclarecimento, não será necessário nos próximos dois pontos justificar a origem dos
dados, a não ser nos casos em que forem de outro ano e fonte que não a PNAD de 2008.

57
2.2.1 – O serviço doméstico no Brasil

Quando investigamos quantitativamente o trabalho doméstico remunerado no


Brasil, alguns aspectos chamam logo a atenção. O primeiro deles é a sua grande
capacidade de absorção de mão-de-obra, principalmente feminina, pois ao todo são
6.626.001 trabalhadores domésticos, o que equivale a 7,2% da população ocupada,
15,8% das mulheres ocupadas e 0,8% dos homens ocupados.
O segundo aspecto a ser levantado é de que se trata de uma ocupação
majoritariamente feminina, em que 93,6% (6.201.479) são mulheres e 6,4% (424.522)
são homens. Além disso, cabe ressaltar como terceiro aspecto a questão da cor ou raça
desses trabalhadores, predominantemente negra (61,0%)44, e semelhante entre homens e
mulheres. Embora os homens sejam ligeiramente mais pardos; e as mulheres,
ligeiramente mais pretas, como podemos ver na tabela 1.

Tabela 1: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%), Brasil, 2008.
Cor ou raça Homens Mulheres Total
Branca 37,8 38,3 38,2
Preta 9,9 11,3 11,2
Parda 51,4 49,6 49,8
Amarela 0,3 0,3 0,3
Indígena 0,5 0,4 0,4
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
Obs.: Foram omitidos da tabela os sem declaração, pois não chegavam a 0,1%, mas eles constam nos
totais brutos.

Somado aos anteriores, um outro aspecto é a heterogeneidade dessa ocupação,


evidenciada nos diferentes subgrupos existentes em seu interior. Como já discutimos
anteriormente, esse tipo de análise apenas é possível nas PNADs de 1992 a 2001. Dessa
forma, como neste ponto buscamos oferecer um retrato atual do serviço doméstico,
utilizaremos os microdados reponderados da PNAD 2001, a mais recente a oferecer esse
tipo de informação, relevante quando se trata de acompanhar a diversidade de atividades
realizadas em âmbito doméstico.
44
Caso consideremos negros como a soma de pretos e pardos.

58
Quanto à divisão interna, fica evidente o peso que os domésticos polivalentes, ou
seja, que realizam todas as tarefas domésticas, têm, tanto para homens quanto para
mulheres, pois esse é o subgrupo no qual ambos mais estão inseridos, respectivamente
55,5% e 74,7% (tabela 2). A diferença de gênero aparece mais evidente quanto ao
próximo maior subgrupo, uma vez que a segunda participação mais elevada das
mulheres é como diarista/faxineira (11,2%), enquanto a dos homens é como
jardineiro/motorista (38,0%).

Tabela 2: Trabalhadores domésticos segundo a divisão em subgrupos ocupacionais (%),


Brasil, 2001.
Subgrupo Homens Mulheres Total
Arrumadeira/camareiro 0,0 0,7 0,6
Babá/ama/acompanhante 0,6 6,8 6,4
Cozinheira/copeira 0,8 1,4 1,3
Diarista/faxineira 4,7 11,2 10,8
Lavadeira/passadeira 0,3 3,4 3,2
Governanta/mordomo 0,1 0,1 0,1
Doméstica polivalente 55,5 74,7 73,4
Atendente/jardineiro/motorista 38,0 1,7 4,0
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 376.842 5.572.146 5.948.988
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

A distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa etária permite


perceber que a maior concentração, tanto de homens quanto de mulheres, é na faixa de
30 a 44 anos e de 45 a 59 anos (tabela 3), ou seja, é visível um relativo envelhecimento
da mão de obra nessa ocupação se compararmos, por exemplo, com dez anos atrás; o
que será realizado mais adiante. A maior diferença entre os sexos está na faixa de 60
anos ou mais, na qual 11,4% dos homens estão inseridos e apenas 4,0% das mulheres.
Desde 2008, segundo o Decreto nº. 6.481, que regulamentou alguns artigos da
Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi proibido o
trabalho doméstico para menores de dezoito anos, listado como uma das piores formas

59
de trabalho infantil45. Segundo a PNAD 2008, 4,9% dos trabalhadores domésticos
brasileiros têm entre 10 e 17 anos, o que equivale a mais de 323.000 jovens
desempenhando essa atividade.

Tabela 3: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa etária (%), Brasil,
2008.
Faixas de idade (anos) Homens Mulheres Total
10 a 15 2,4 2,2 2,3
16 a 17 2,0 2,7 2,6
18 a 24 9,5 12,0 11,8
25 a 29 10,9 11,1 11,1
30 a 44 33,7 41,8 41,3
45 a 59 30,1 26,2 26,4
60 ou mais 11,4 4,0 4,5
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A desagregação dos trabalhadores domésticos por nível de escolaridade,


apresentada na tabela 4, mostra que a maioria não completou as séries iniciais, ou seja,
tem menos de oito anos de estudo, sendo que 76,6% ou não têm instrução ou chegaram
apenas até o ensino fundamental (completo ou incompleto). Além disso, mais de meio
milhão deles (8,4%) não sabem ler nem escrever. Portanto, o serviço doméstico acaba
sendo a solução encontrada para aqueles que, em vista do baixo nível de escolaridade,
têm opções limitadas de inserção no mercado de trabalho (MELO, 1998). Quanto aos
dados por sexo, nota-se que as mulheres são mais escolarizadas do que os homens.

45
O serviço doméstico faz parte da lista das piores formas de trabalho infantil, aprovada pelo Decreto nº.
6.481/2008, em vista de uma série de riscos ocupacionais discriminados: “esforços físicos intensos;
isolamento; abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor;
exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna
vertebral; sobrecarga muscular e queda de nível”. Dessa forma, essa ocupação apresenta as seguintes
prováveis repercussões à saúde: “afecções músculo-esqueléticas (bursites, tendinites, dorsalgias,
sinovites, tenossinovites); contusões; fraturas; ferimentos; queimaduras; ansiedade; alterações na vida
familiar; transtornos do ciclo vigília-sono; distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho
(DORT)/lesões por esforços repetitivos (LER); deformidades da coluna vertebral (lombalgias,
lombociatalgias, escolioses, cifoses, lordoses); síndrome do esgotamento profissional e neurose
profissional; traumatismos; tonturas e fobias”.

60
Tabela 4: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de escolaridade mais
elevado alcançado (%), Brasil, 2008.
Nível de escolaridade Homens Mulheres Total
Sem instrução 16,9 9,5 10,0
Fundamental incompleto ou equivalente 58,2 52,5 52,9
Fundamental completo ou equivalente 8,8 14,0 13,7
Médio incompleto ou equivalente 5,0 7,8 7,6
Médio completo ou equivalente 10,0 14,4 14,1
Superior incompleto ou equivalente 0,4 0,3 0,3
Superior completo 0,6 0,7 0,7
Não determinado 0,2 0,7 0,7
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Em relação à carteira de trabalho assinada, apenas um pouco mais de um quarto


dos trabalhadores domésticos (26,8%) têm esse direito, previsto desde 1972,
efetivamente garantido. A formalização da relação, como demonstrado na tabela 5,
atende bem mais aos homens (41,4%) do que às mulheres (25,8%), que vivenciam mais
a informalidade. Essa disparidade está relacionada à diferenciação das funções ocupadas
entre os sexos no âmbito doméstico e ao fato de as mulheres serem mais diaristas do
que os homens, relação geralmente não formalizada. Mas apenas isso não explica essa
grande distinção entre eles, que pode ser certamente creditada à desigualdade de gênero.

Tabela 5: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo de trabalho (%),


Brasil, 2008.
Homens Mulheres Total
Com carteira de trabalho assinada 41,4 25,8 26,8
Sem carteira de trabalho assinada 58,6 74,2 73,2
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

61
Dos trabalhadores domésticos, 30,1% contribuem para a previdência social; são
44,1% dos homens e 29,2% das mulheres. Para efeitos de comparação, na categoria
empregados, 78,3% são contribuintes. Tratando-se dos trabalhadores domésticos, há
mais contribuintes à previdência do que com a carteira assinada. Isso significa que uma
parcela deles faz a contribuição individual, como é o caso de diaristas que trabalham em
muitas casas simultaneamente.
Uma outra questão é se o serviço doméstico é prestado em uma ou em mais
residências. Embora a grande maioria trabalhe apenas para uma família (74,1%), como
apresentado na tabela 6, o número dos que trabalham para mais de uma já ultrapassou
um quarto dos trabalhadores domésticos (25,9%), chegando a 26,5% das mulheres.
Aproximadamente, é possível chamar esses trabalhadores de diaristas e os demais de
mensalistas. Como apenas 20,5% das trabalhadoras domésticas que prestam serviço em
mais de uma residência contribuem para a previdência social, fica evidente que as
diaristas ainda não incorporaram a posição de autônomas quanto à sua proteção social.

Tabela 6: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número de domicílios


em que o serviço é prestado (%), Brasil, 2008.
Número de domicílios Homens Mulheres Total
Apenas um 84,0 73,5 74,1
Mais de um 16,0 26,5 25,9
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Além de serem classificados pelo número de famílias para a qual trabalham, os


trabalhadores domésticos podem ser divididos entre aqueles que residem no local de
trabalho e aqueles que residem fora da casa dos patrões (tabela 746).
Surpreendentemente, uma proporção maior de homens (14,9%) do que de mulheres
(6,4%) reside no domicílio em que trabalha, o que equivale em números absolutos a,

46
Isso pôde ser realizado graças à variável 9054 do arquivo de pessoas: “tipo de estabelecimento ou onde
era exercido o trabalho principal da semana de referência”. A PNAD incluiu na opção “no domicílio em
que morava” o trabalhador doméstico que residia na unidade domiciliar em que trabalhava; e incluiu na
opção “em domicílio do empregador, patrão, sócio ou freguês” o trabalhador doméstico que não residia
na unidade domiciliar em que trabalhava.

62
respectivamente, 63.109 e 396.140. Ou seja, no Brasil ainda existem 459.249
trabalhadores domésticos morando na casa dos patrões.
Os dados disponíveis não nos permitem chegar a uma conclusão mais
substantiva que aponte as razões explicativas para uma proporção maior de homens do
que de mulheres residir no local de trabalho. Talvez um motivo seja a maior
participação dos trabalhadores homens como caseiros e vigias, mas em vista da
mudança nos códigos de ocupação a partir de 2002, há uma impossibilidade de verificar
essa hipótese.

Tabela 7: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local de residência


(%), Brasil, 2008.
Local de residência Homens Mulheres Total
Reside na casa em que trabalha 14,9 6,4 6,9
Reside fora da casa em que trabalha 85,1 93,6 93,1
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Em vista desses dados sobre residir no local de trabalho, é possível dividir os


trabalhadores domésticos entre mensalistas residentes (moram na casa dos patrões),
mensalistas externos (não moram na casa dos patrões) e diaristas47. Eles estão
distribuídos, como aponta a tabela 8, na seguinte proporção no Brasil: mensalistas
residentes (6,4%), mensalistas externos (67,7%) e diaristas (25,9%).

Tabela 8: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de domicílios


em que o serviço é prestado e do local de residência (%), Brasil, 2008.
Homens Mulheres Total
Mensalista residente 14,8 5,9 6,4
Mensalista externo 69,2 67,6 67,7

47
Para essa divisão utilizamos a segunda possibilidade de diferenciação entre empregados domésticos e
diaristas: conceber, aproximadamente, o mensalista como aquele que trabalha em apenas um domicílio e
o diarista como aquele que trabalha em mais de um. Dessa forma, de fato, estamos comparando:
mensalistas residentes, que são os que trabalham em apenas um domicílio e moram na casa dos patrões;
mensalistas externos, que são os que trabalham em apenas um domicílio e não moram na casa dos
patrões; e os diaristas, que são os que trabalham em mais de um domicílio.

63
Diarista 16,0 26,5 25,9
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A jornada de trabalho no serviço doméstico remunerado, sem desagregação por


sexo, aponta que pouco mais de 70,0% dos trabalhadores domésticos estão inseridos em
faixas de até 44 horas, sendo que a predominante é a de mais de 20 a 40 horas (tabela
9). Em contraposição, 29,8% deles trabalham além das 44 horas semanais previstas na
Constituição de 1988, direito esse que, na verdade, não foi garantido a esse grupo
profissional. Esse número chega a 45,7% dos homens, que no conjunto têm uma jornada
de trabalho semanal maior do que a das mulheres.

Tabela 9: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número de horas


semanais trabalhadas (%), Brasil, 2008.
Jornada de trabalho semanal Homens Mulheres Total
Até 20 horas 9,5 21,0 20,3
Mais de 20 a 40 horas 32,4 42,9 42,2
Mais de 40 a 44 horas 12,4 7,4 7,7
Mais de 44 horas 45,7 28,7 29,8
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 424.522 6.201.479 6.626.001
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Quanto à associação a sindicato, apenas 2,0% dos trabalhadores domésticos são


sindicalizados: 4,6% dos homens e 1,8% das mulheres. Essa pequena participação
contribui para explicar as dificuldades de mobilização em busca do acesso a alguns
direitos, que, como vimos no capítulo dois, ainda estão em aberto para esses
trabalhadores. Um deles é justamente a definição da carga horária em lei, que poderia
diminuir o número dos trabalhadores domésticos que trabalham mais de 44 horas por
semana (29,8%).
Para finalizar este retrato do serviço doméstico no Brasil atual, cabe verificar o
rendimento obtido nessa ocupação, que, de fato, é uma das mais mal remuneradas. Ao
desagregar o rendimento mensal do trabalho principal em faixas de salário mínimo,

64
como apresentado na tabela 10, os resultados indicam que mais de 70,0% dos
trabalhadores domésticos recebem até, no máximo, um salário mínimo nacional, sendo
que 30,6% recebem apenas até meio salário.
A renda média mensal dos trabalhadores domésticos é, segundo a PNAD 2008,
de R$ 360,17, ou seja, sequer alcança o salário mínimo, que em setembro de 2008 era
de R$ 415,00. Se compararmos a renda média mensal segundo o vínculo de trabalho e o
sexo, há uma diferença considerável, pois a renda das mulheres e dos que não têm
carteira de trabalho assinada é menor. Enquanto o rendimento médio das mulheres sem
carteira é de R$ 295,31, o dos homens sem carteira é de R$ 395,65. Da mesma forma,
enquanto o rendimento médio das mulheres com carteira é de R$ 510,53, o dos homens
com carteira é de R$ 640,47.

Tabela 10: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de rendimento


(%), Brasil, 2008.
Faixas de rendimento Homens Mulheres Total
(em salários mínimos)
Sem remuneração 1,2 0,6 0,6
Até 1/2 13,9 31,7 30,6
Mais de 1/2 a 1 40,5 41,3 41,2
Mais de 1 a 2 35,7 24,1 24,9
Mais de 2 a 4 7,8 2,2 2,6
Mais de 4 1,0 0,1 0,1
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 421.127 6.159.253 6.580.380
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
Obs.: (1) Não foram incluídos os trabalhadores domésticos sem declaração de renda, por isso os números
absolutos são menores. (2) Salário mínimo de setembro de 2008: R$ 415,00.

2.2.2 – O serviço doméstico no Rio de Janeiro

No estado do Rio de Janeiro, assim como em todo o país, o serviço doméstico é


predominantemente feminino, pois são 627.888 trabalhadores domésticos, dos quais
91,4% (574.199) mulheres e 8,6% (53.689) homens. Ou seja, a proporção masculina é
maior do que a nacional, que, como vimos, é de 6,4%. Além disso, os trabalhadores
domésticos equivalem a 8,8% da população ocupada, 18,7% das mulheres ocupadas e

65
1,3% dos homens ocupados. Isso significa que essa profissão tem um peso maior no
mercado de trabalho do Rio de Janeiro do que no Brasil como um todo.
Quanto à questão da cor ou raça, os trabalhadores domésticos desse estado são
em sua maioria negros (63,2%)48 e há um número de pretos bem maior do que o
apresentado na análise anterior sobre o Brasil (20,3%). No retrato brasileiro sobre esses
trabalhadores, a cor ou raça é muito semelhante entre homens e mulheres, o que não
ocorre nesse caso específico. No Rio de Janeiro, a diferença é grande, pois as mulheres
são mais negras (64,1%) do que os homens (53,0%) e menos brancas (35,2%) do que
eles (47,0%).

Tabela 11: Distribuição dos trabalhadores domésticos por cor ou raça (%), Rio de
Janeiro, 2008.
Cor ou raça Homens Mulheres Total
Branca 47,0 35,2 36,2
Preta 15,3 20,8 20,3
Parda 37,7 43,3 42,9
Amarela 0,0 0,3 0,3
Indígena 0,0 0,1 0,1
Sem declaração 0,0 0,2 0,2
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A migração é uma característica presente no serviço doméstico do Rio de


Janeiro, uma vez que 30,1% de seus trabalhadores não nasceram nesse estado, vieram
principalmente de Minas Gerais (20,2%), Paraíba (16,9%), Bahia (11,6%) e
Pernambuco (8,4%). Esse número é alto comparado com a população ocupada no geral,
em que 19,0% é migrante. Nascidos nesse estado ou não, 73,0% dos trabalhadores
domésticos do Rio de Janeiro começaram a trabalhar antes da maioridade: 7,7% até 9
anos, 34,7% de 10 a 14 anos, e 30,6% de 15 a 17 anos.
Um outro aspecto presente é a heterogeneidade dessa ocupação, cujos subgrupos
podem ser observados na PNAD 2001, que, como vimos, foi a última a oferecer essa
possibilidade. Assim como no Brasil, a maioria dos trabalhadores domésticos do Rio de

48
Caso consideremos negros como a soma de pretos e pardos.

66
Janeiro é formada por quem realiza todas as tarefas domésticas (domésticos
polivalentes), que são 55,1% dos homens e 63,6% das mulheres (tabela 12). Mas o dado
que chama a atenção é a alta proporção de mulheres que são diaristas (17,2%).
Efetivamente, a contratação por diárias ocupa uma posição importante no mercado de
trabalho desse estado, ainda mais que, muito provavelmente, esse número seria bem
maior se essa diferenciação interna fosse possível para 2008.

Tabela 12: Trabalhadores domésticos segundo a divisão em subgrupos ocupacionais


(%), Rio de Janeiro, 2001.
Subgrupo Homens Mulheres Total
Arrumadeira/camareiro 0,0 2,8 2,5
Babá/ama/acompanhante 0,0 7,3 6,6
Cozinheira/copeira 1,0 2,3 2,2
Diarista/faxineira 4,4 17,2 16,0
Lavadeira/passadeira 0,0 3,5 3,2
Governanta/mordomo 0,0 0,3 0,3
Doméstica polivalente 55,1 63,6 62,8
Atendente/jardineiro/motorista 39,4 3,1 6,5
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 57.274 558.461 615.735
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

A desagregação dos trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro por faixa etária,


apresentada na tabela 13, demonstra que eles são mais velhos comparados com a
proporção brasileira para essa categoria. A concentração passa dos 76,0% somando as
faixas de 30 a 44 e 45 a 59 anos, que são muito próximas em termo de valores. Os mais
jovens, até 29 anos, são apenas 15,1%, enquanto na análise do Brasil eles chegam a
27,8%.

Tabela 13: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo a faixa etária (%), Rio de
Janeiro, 2008.
Faixas de idade (anos) Homens Mulheres Total
10 a 15 0,9 0,8 0,8

67
16 a 17 0,9 0,6 0,6
18 a 24 5,1 4,6 4,6
25 a 29 14,4 8,6 9,1
30 a 44 32,0 41,3 40,5
45 a 59 28,2 36,4 35,7
60 ou mais 18,6 7,8 8,7
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Comparado com as proporções observadas no ponto anterior sobre o Brasil, a


distribuição dos trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro segundo o nível de
escolaridade, disponível na tabela 14, indica que eles são um pouco menos
escolarizados. A maioria tem menos de oito anos de estudo, sendo que 81,2% ou são
sem instrução ou chegaram no máximo ao ensino fundamental (completo ou
incompleto). A percentagem dos que não sabem ler e escrever é de 6,7%.

Tabela 14: Distribuição dos trabalhadores domésticos por nível de escolaridade mais
elevado alcançado (%), Rio de Janeiro, 2008.
Nível de escolaridade Homens Mulheres Total
Sem instrução 14,7 10,3 10,7
Fundamental incompleto ou equivalente 62,0 53,8 54,5
Fundamental completo ou equivalente 5,4 17,0 16,0
Médio incompleto ou equivalente 0,9 4,8 4,5
Médio completo ou equivalente 15,9 12,6 12,9
Superior incompleto ou equivalente 1,2 0,1 0,2
Superior completo 0,0 0,8 0,7
Não determinado 0,0 0,6 0,5
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

68
A formalização da relação de trabalho doméstico remunerado no Rio de Janeiro
é maior do que no Brasil como um todo, pois atinge mais de um terço dos trabalhadores
(34,3%), enquanto a proporção para o país chega a pouco mais de um quarto (26,8%). A
variação das percentagens entre os sexos é muito elevada, de forma que enquanto a
maioria dos homens, 59,0%, tem carteira de trabalho assinada, as mulheres são apenas
32,0%, como podemos ver na tabela 15. O que explica essa diferença, em parte, é que a
figura da diarista, prestadora autônoma de serviço, geralmente sem vínculo formal, é
grande no Rio de Janeiro, que enquanto subgrupo ocupacional chegava a 17,2% das
mulheres em 2001.
Em relação à previdência social, 41,9% dos trabalhadores domésticos do Rio de
Janeiro são contribuintes. Assim como a questão da formalização, há uma grande
diferença entre os índices masculino e feminino, pois enquanto 39,6% das mulheres
contribuem para instituto de previdência, os homens são 66,5%, já incluídos os que o
fazem em caráter autônomo.

Tabela 15: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o vínculo de trabalho


(%), Rio de Janeiro, 2008.
Homens Mulheres Total
Com carteira de trabalho assinada 59,0 32,0 34,3
Sem carteira de trabalho assinada 41,0 68,0 65,7
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A distribuição dos trabalhadores domésticos do estado do Rio de Janeiro,


segundo o número de domicílios em que o serviço é prestado, revela proporções bem
semelhantes ao panorama nacional (tabela 16). A grande maioria trabalha somente em
uma residência (74,9%) e os que trabalham em mais de uma são um pouco mais de um
quarto da categoria (25,1%). Essa última percentagem provavelmente é maior na cidade
do Rio de Janeiro. Além disso, apenas 26,8% das trabalhadoras domésticas que prestam
serviço em mais de uma residência contribuem para a previdência social.

Tabela 16: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número de domicílios


em que o serviço é prestado (%), Rio de Janeiro, 2008.

69
Número de domicílios Homens Mulheres Total
Apenas um 81,5 74,3 74,9
Mais de um 18,5 25,7 25,1
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Ao desagregarmos os trabalhadores domésticos entre aqueles que residem na


casa em que trabalham e aqueles que residem em outros lugares que não a casa dos
patrões, notamos que a proporção dos que estão naquela primeira condição é menor no
Rio de Janeiro (5,6%) do que no Brasil (6,9%), como aponta a tabela 17. Nos dois
casos, chama a atenção o fato de uma maior percentagem masculina do que feminina
residir no domicílio em que trabalha; no Rio de Janeiro são 12,0% dos homens e 5,0%
das mulheres, ou seja, 35.067 pessoas. Como dito anteriormente, talvez a explicação
passe pela questão de os homens serem mais caseiros e vigias, subgrupos que tendem a
permanecer no local de trabalho.

Tabela 17: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o seu local de residência
(%), Rio de Janeiro, 2008.
Local de residência Homens Mulheres Total
Reside na casa em que trabalha 12,0 5,0 5,6
Reside fora da casa em que trabalha 88,0 95,0 94,4
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Como explicitado no ponto anterior, é possível dividirmos também os


trabalhadores domésticos entre mensalistas residentes (trabalham em apenas um
domicílio e moram na casa dos patrões), mensalistas externos (trabalham em apenas um
domicílio e não moram na casa dos patrões) e diaristas (trabalham em mais de um
domicílio). No Rio de Janeiro, como apresentado na tabela 18, esses grupos estão
distribuídos na seguinte proporção: mensalistas residentes (5,2%), mensalistas externos
(69,7%) e diaristas (25,1%).

70
Tabela 18: Classificação dos trabalhadores domésticos a partir do número de domicílios
em que o serviço é prestado e do local de residência (%), Rio de Janeiro, 2008.
Homens Mulheres Total
Mensalista residente 12,0 4,6 5,2
Mensalista externo 69,5 69,7 69,7
Diarista 18,5 25,7 25,1
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

A jornada de trabalho no serviço doméstico remunerado do Rio de Janeiro é bem


próxima à nacional: aproximadamente 70,0% dos trabalhadores domésticos estão
inseridos em faixas de até 44 horas semanais (tabela 19). Além disso, a jornada de
trabalho masculina é maior do que a feminina, sendo que 53,9% dos homens trabalham
mais de 44 horas por semana. Já em relação à sindicalização, se no Brasil 2,0% dos
trabalhadores domésticos são sindicalizados, no estado do Rio de Janeiro essa
proporção é ainda menor: são apenas 0,9% do total, 2,4% dos homens e 0,7% das
mulheres.

Tabela 19: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo o número de horas


semanais trabalhadas (%), Rio de Janeiro, 2008.
Jornada de trabalho semanal Homens Mulheres Total
Até 20 horas 7,8 20,1 19,0
Mais de 20 a 40 horas 33,2 46,1 45,0
Mais de 40 a 44 horas 5,1 5,7 5,6
Mais de 44 horas 53,9 28,1 30,3
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 53.689 574.199 627.888
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.

Os ganhos obtidos com o serviço doméstico, observados por meio da


desagregação do rendimento mensal do trabalho principal em faixas de salário mínimo,
são mais elevados no Rio de Janeiro do que na proporção para o país, o que, de fato, é

71
uma característica da região Sudeste como um todo. Enquanto mais de 70,0% dos
trabalhadores domésticos do Brasil recebem até, no máximo, um salário mínimo
nacional, além de 30,6% receberem apenas até meio salário; no Rio de Janeiro são
aproximadamente 54,0% e apenas 14,8% são remunerados com até meio salário (tabela
20).
A renda média mensal dos trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro é,
segundo a PNAD 2008, de R$ 469,61, ou seja, ultrapassa o salário mínimo nacional,
que em 2008 era de R$ 415,00. Mas o estado do Rio de Janeiro tem salário mínimo
próprio para os empregados domésticos, que em 2008 era de R$ 470,34, ou seja, o
rendimento médio dos trabalhadores domésticos desse estado quase alcançou o salário
mínimo específico49.
A comparação segundo o sexo e o tipo de vínculo de trabalho revela que é
menor a renda das mulheres e dos que não têm carteira de trabalho assinada. Enquanto o
rendimento médio das mulheres sem carteira é de R$ 405,83, o dos homens sem carteira
é de R$ 469,54. Nesse mesmo sentido, enquanto o rendimento médio das mulheres com
carteira é de R$ 558,81, o dos homens com carteira é de R$ 734,71.

Tabela 20: Distribuição dos trabalhadores domésticos segundo as faixas de rendimento


(%), Rio de Janeiro, 2008.
Faixas de rendimento Homens Mulheres Total
(em salários mínimos)
Sem remuneração 0,0 0,2 0,2
Até 1/2 9,9 15,2 14,8
Mais de 1/2 a 1 30,2 39,7 38,9
Mais de 1 a 2 46,5 39,1 39,8
Mais de 2 a 4 11,5 5,4 6,0
Mais de 4 1,9 0,2 0,4
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Números absolutos 51.781 564.655 616.436
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2008. Elaboração própria.
Obs.: (1) Não foram incluídos os trabalhadores domésticos sem declaração de renda, por isso os números
absolutos são menores. (2) Salário mínimo de setembro de 2008: R$ 415,00.

49
O menor piso salarial dos empregados domésticos no Brasil é o salário mínimo nacional. Mas em
alguns estados há a fixação de salário mínimo específico para os empregados domésticos, ou seja, maior
do que o nacional. Esses estados são Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e,
recentemente, Santa Catarina.

72
Dessa forma, seja no Brasil ou no estado do Rio de Janeiro, com algumas
diferenças entre eles, foi possível perceber que os trabalhadores domésticos têm o
seguinte perfil predominante: são mulheres, negras, domésticas polivalentes, com idade
de 30 a 44 anos, com baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto), sem carteira
de trabalho assinada, que não contribuem para a previdência, trabalham em apenas um
domicílio e não residem nele, têm jornada de trabalho semanal de mais de 20 a 40 horas,
não são sindicalizadas e recebem até um salário mínimo.
Cumprido o primeiro objetivo deste capítulo, que foi o de analisar o perfil dos
trabalhadores domésticos, comparando homens e mulheres, passemos para o próximo:
explicar os processos de mudança no serviço doméstico. Nesse sentido, cabe
acompanhar em que medida essas características distintivas da ocupação dão indícios de
serem permanentes e com pouca alteração ou se uma análise longitudinal aponta
transições em algumas delas.

2.3 – As novas configurações do trabalho doméstico remunerado

Um exame da última década do século XX e da primeira do século XXI, quanto


ao serviço doméstico, é capaz de indicar uma série de processos de mudança em curso,
que vem alterando determinadas características apresentadas historicamente por essa
ocupação e, em certos aspectos, reconfigurando o perfil dos trabalhadores domésticos.
Estudaremos, então, os processos de mudança que vêm se delineando ao longo do
tempo no Brasil como um todo e no Rio de Janeiro, embora saibamos que esses
movimentos não são percebidos homogeneamente em todas as regiões do país.
Como as mulheres representam mais de 93,0% dos trabalhadores domésticos
brasileiros, o serviço doméstico tem um peso relevante na força de trabalho feminina
(15,8%) e os afazeres domésticos ainda são tidos como atividade direcionada às
mulheres, neste ponto a análise estará focada nas trabalhadoras domésticas
especificamente. Para isso, buscamos acompanhar o serviço doméstico,
aproximadamente, durante duas décadas, por meio das PNADS de 1992 a 2008;
identificando, pelo menos, seis processos de mudança em curso.

73
2.3.1 – Diminuição da importância do serviço doméstico remunerado na população
feminina ocupada

Analisando os anos 2000, é possível perceber que nessa década ainda houve um
crescimento do número de trabalhadoras domésticas, tanto no Brasil quanto no estado
do Rio de Janeiro (gráfico 1). No país, nesse intervalo de tempo analisado, o aumento
foi de aproximadamente 630 mil trabalhadoras; enquanto no Rio de Janeiro chegou a
quase 16 mil. Entretanto, no caso brasileiro houve quedas consecutivas de 2006 a 2008.
Isso pode indicar que a próxima década será de diminuição da mão de obra dedicada a
essa ocupação, que estaria migrando para outros trabalhos. Mas apenas com a
divulgação de dados posteriores a 2008, será possível diferenciar uma diminuição
passageira de um processo que se estenda a longo prazo.

Gráfico 1 - Número de trabalhadoras domésticas, Brasil e Rio de Janeiro, 2001-2008

7.000.000 6.186.792 6.277.160 6.251.810 6.201.479


6.026.568 Brasil
5.678.375 5.748.126
5.572.146
6.000.000
Rio de Janeiro

5.000.000

4.000.000
Número

3.000.000 Fonte: IBGE. Microdados da


PNAD de 2001 a 2008.
Elaboração própria.
2.000.000 Obs: (1) Os microdados dos
585.988 anos 2000 foram
558.461 580.273 604.017 574.470 601.271 573.558 574.199
1.000.000 reponderados para
acompanhar os de 2008.

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

Porém, mais adequado do que analisar a variação do número de trabalhadoras


domésticas é verificar a relevância que essa ocupação tem para a população ocupada.
Esse acompanhamento foi realizado para o Brasil no gráfico 2, que permite concluir que
a importância do serviço doméstico remunerado no total de ocupados sempre foi mais
ou menos a mesma durante o período, representando de 7,1% a 7,9% da força de
trabalho brasileira, sem desagregação por sexo. Mas durante os anos 2000 houve uma
queda, passando de 7,8% a 7,2%.
Quando enfocamos a dimensão de gênero, fica claro que durante os anos 2000
houve uma diminuição da proporção de trabalhadoras domésticas no total de mulheres
ocupadas, ou seja, as mulheres que estão no mercado de trabalho são cada vez menos

74
trabalhadoras domésticas. De 2001 em diante houve uma queda consecutiva nessa
proporção, chegando a 15,8% em 2008.

Gráfico 2 - Proporção de trabalhadores domésticos no total de ocupados, Brasil, 1992-2008

20,0 18,2 18,5 Homens


17,9 17,8 17,9 17,9
17,4 17,4 17,3 17,1 16,9
17,0 Mulheres
18,0 16,7
16,4
15,8 Total
16,0

14,0
Fonte: IBGE. Microdados da
PNAD de 1992 a 2008.
12,0 Elaboração própria.
Obs: (1) A PNAD não foi
%

10,0 7,9 7,8 7,8 realizada em 1994 e 2000. (2)


7,8 7,8 7,6 7,7 7,7 7,6 7,6 7,6
7,1 7,3 7,4 7,2 Em 2004, a PNAD passou a
8,0 contemplar a população rural
de Rondônia, Acre, Amazonas,
6,0 Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
microdados dos anos 2000
foram reponderados para
4,0
acompanhar os de 2008.
0,7 0,8 0,9 0,9 0,9 0,9 0,9 0,8 0,9 0,9 0,9 0,9 0,9 0,8 0,8
2,0

0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

No estado do Rio de Janeiro, como indicado no gráfico 3, a importância do


serviço doméstico remunerado no total de ocupados é maior do que no Brasil,
representando, no período, de 8,8% a 10,3% da população ocupada. No intervalo
temporal analisado, houve, assim como no Brasil, uma diminuição principalmente da
proporção de trabalhadoras domésticas no total de mulheres ocupadas, que de meados
dos anos 2000 em diante veio caindo e chegou a 18,7% em 2008.

G r áf i co 3 - Pr o p o r ção d e t r ab al had o r es d o mést ico s no t o t al d e o cup ad o s, R i o d e Janei r o ,


19 9 2 - 2 0 0 8
Homens
M ulheres
26,0 23,0
22,7 22,4 22,8 Tot al
22,0 22,2 22,0
24,0 21,7 21,6 21,8 21,1 20,4 20,5
22,0 19,3
18,7
20,0
18,0 Font e: IBGE. Micr odados da
16,0 PNAD de 1992 a 2008.
Elabor ação pr ópria.
14,0
Obs: ( 1) A PNAD não f oi
9,8 10,2 10,1 9,9 10,2 10,1 10,3 10,1 10,0
12,0 9,2 9,5 9,6 9,9 9,1 r ealizada em 1994 e 2000. ( 2)
8,8
Em 2004, a PNAD passou a
10,0
cont emplar a população r ur al
8,0 de Rondônia, Acre,
6,0 Amazonas, Ror aima, Pará e
1,6 1,8 1,8 1,8 1,6 Amapá. ( 3) Os micr odados
4,0 1,7 1,8 1,6 1,7 1,7 1,5 1,5 1,8 1,4 1,3
dos anos 2000 f or am
2,0 reponder ados par a
0,0 acompanhar os de 2008.
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
A no

75
2.3.2 – Elevação da escolaridade

Um segundo processo de mudança visível nestas quase duas décadas analisadas


foi o aumento da escolaridade das trabalhadoras domésticas. Embora atualmente ela
ainda seja baixa, de forma que mais de 75,0% da categoria têm de zero a oito anos de
estudo, houve um aumento muito significativo no nível de instrução de 1992 a 2008.
Tanto no Brasil como no Rio de Janeiro, as duas faixas de escolaridade mais baixas
diminuíram, e as três mais elevadas aumentaram. Mas é preciso frisar que não se trata
de uma particularidade somente dessa ocupação, pois é reflexo da maior escolarização
vivenciada pela sociedade brasileira como um todo.
No Brasil, como aponta o gráfico 4, as trabalhadoras domésticas sem instrução
ou com menos de um ano de estudo caíram no período 8,6 pontos, passando de 18,1%
para 9,5%; e as de 1 a 4 anos de estudo, caíram 20,4 pontos, passando de 49,9% para
29,5%. Já nas faixas que cresceram, a de 5 a 8 anos passou de 27,9% para 36,7% (8,8
pontos de diferença); a de 9 a 11 anos passou de 3,2% para 22,2% (19 pontos de
diferença); e a de 12 anos ou mais passou de 0,2% para 1,4% (1,2 pontos de diferença).

Gráfico 4 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas por anos de estudo, Brasil, 1992-2008

49,9 Sem instrução ou


47,9 46,9 menos de 1 ano
50,0
43,9
43,2 De 1 a 4 anos
41,9
39,8
37,3 37,6 38,0 36,9 36,8 36,4 37,9 36,7 De 5 a 8 anos
40,0
35,2 36,0
34,1
31,7 De 9 a 11 anos
30,2 37,1 36,5 36,5
27,9 34,3
30,0 33,3 32,4 32,2 12 anos ou mais
30,2 29,5
%

21,1 21,1 22,2


19,5 Não determinado
18,1 18,6
20,0 17,2 15,9
15,2 14,4 15,4
13,3 13,8
12,2 12,4 Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de
1992 a 2008. Elaboração própria.
10,0 7,9 12,3
Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994
5,8 6,5
4,8 9,7 10,6 10,6 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD passou a
3,2 3,9 9,9 9,7 9,2 9,4 9,5 contemplar a população rural de Rondônia,
0,8 0,5 0,7 0,9 1,1 1,2 1,3 0,9 1,1 0,8 0,9 1,4 Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
0,8 0,7 0,5 (3) Os microdados dos anos 2000 foram
0,0 reponderados para acompanhar os de
0,2 0,1 0,2 0,2 0,2 0,2 0,3 0,4 0,3 0,4 0,4 0,5 0,4 0,6 0,7 2008.
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

Já no Rio de Janeiro, como indicado no gráfico 5, no período analisado, as


proporções que diminuíram foram a das trabalhadoras domésticas sem instrução ou com
menos de um ano de estudo, que passou de 17,6% para 10,3%; e a de 1 a 4 anos de
estudo, que passou de 47,2% para 30,0%. Enquanto isso, as faixas que cresceram foram

76
a de 5 a 8 anos, que passou de 31,1% para 39,7% (8,6 pontos de diferença); a de 9 a 11
anos, que passou de 3,4% para 17,9% (14,5 pontos de diferença); e a de 12 anos ou
mais, que passou de 0,2% para 1,6% (1,4 pontos de diferença).

Gráfico 5 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas por anos de estudo, Rio de Janeiro, 1992-2008

Sem instrução ou
50,0 47,2 46,2 45,9 menos de 1 ano
43,6
41,5 41,7 De 1 a 4 anos
40,3 40,3 39,8 40,0 39,8 39,7
38,2 38,8 38,8
De 5 a 8 anos
40,0

32,2 39,3 39,6 De 9 a 11 anos


31,1 38,1 38,2
29,8 36,7 37,7
35,7 35,7
33,9 34,5
30,0 12 anos ou mais
31,7
30,0
Não determinado
%

17,6 17,9 18,0 17,9


20,0 16,3 16,9
14,5 15,0 15,0 15,8
12,7 12,5 12,9 Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de
10,7 11,1
10,0 10,3 1992 a 2008. Elaboração própria.
9,9 8,9 8,7 Obs: (1) A PNAD não foi realizada em
10,0 8,0 7,6
5,5 6,6 6,2 6,6 1994 e 2000. (2) Em 2004, a PNAD
5,7
3,4 8,7 passou a contemplar a população rural
8,2
de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima,
0,8 0,9 1,0 0,8 1,6 Pará e Amapá. (3) Os microdados dos
0,4 0,4 0,5 0,2 0,7 0,5 0,8 0,4 0,7
0,5 anos 2000 foram reponderados para
0,0
0,2 0,2 0,4 0,2 0,2 0,1 0,3 0,4 0,2 0,4 0,3 0,2 0,4 0,8 0,6 acompanhar os de 2008.

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

2.3.3 – Envelhecimento da categoria

Um terceiro processo de mudança pelo qual o serviço doméstico remunerado


vem passando nas últimas duas décadas é o envelhecimento das trabalhadoras
domésticas, visível tanto no Brasil quanto no estado do Rio de Janeiro, quando
analisadas as proporções de anos de idade ao longo do tempo. Enquanto houve uma
diminuição significativa das quatro primeiras faixas de idade, de 10 a 29 anos, houve
um aumento das três últimas, de 30 a mais de 60 anos. Tal processo está relacionado ao
envelhecimento da população brasileira como um todo.
Como pode ser visto no gráfico 6, de 1992 a 2008, a faixa de 10 a 15 anos
passou de 10,8% para 2,2%, a de 16 a 17 anos passou de 9,3% para 2,7%, a de 18 a 24
anos passou de 24,7% para 12,0%, a de 25 a 29 anos passou de 12,6% para 11,1%, a de
30 a 44 anos passou de 28,4% para 41,8%, a de 45 a 59 anos passou de 11,4% para
26,2% e a de 60 anos ou mais passou de 2,8% para 4,0%. Ou seja, enquanto a faixa de
idade com a maior proporção de trabalhadoras continuou sendo a mesma de 1992 a
2008: a de 30 a 44 anos, embora tenha aumentado muito nesse período; a segunda maior
deixou de ser a de 18 a 24 anos para ser a de 45 a 59 anos.

77
Gráfico 6 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo a faixa etária, Brasil, 1992-2008

10 a 15 anos

45,0 16 a 17 anos
41,1 41,7 41,8
39,6 39,7 40,1 40,0 18 a 24 anos
40,0 38,0
36,3 25 a 29 anos
35,7
35,0 30 a 44 anos
35,0 33,3
31,7 45 a 59 anos
29,5
28,4 60 anos ou mais
30,0
26,2
24,7 24,0 23,2 23,7
25,0 23,1 22,6 Fonte: IBGE. Microdados da
22,4 21,7 22,4 21,6
20,8 PNAD de 1992 a 2008.
%

20,0
19,2 Elaboração própria.
20,0 18,4
Obs: (1) A PNAD não foi
15,8 15,9 16,8 15,9 realizada em 1994 e 2000. (2)
14,6 18,1 17,9 14,7 13,4
15,0 12,6 13,3 13,7 17,6 Em 2004, a PNAD passou a
12,4 12,0 contemplar a população rural de
13,1 12,5 12,5
11,4 12,1 12,9 12,6 13,4 Rondônia, Acre, Amazonas,
13,0 13,0 12,8 13,0 12,1
10,0 10,8 10,3 8,4 7,6 11,9 11,1 Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
6,8 6,6
5,5 microdados dos anos 2000
9,3 9,2 4,6 4,5 3,9
7,8 6,6 3,6 3,7 3,7 3,6 4,0 foram reponderados para
5,0 6,2 4,7 4,4 3,7 3,7 2,8 3,4 3,4 3,1 acompanhar os de 2008. (4)
3,0
2,7 Foram excluídos os ignorados.
2,8 2,5 2,5 3,1 2,5 2,6 2,9 3,4 2,9 3,0 2,5 2,4 2,4 2,6 2,2
0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

Enquanto isso, no Rio de Janeiro (gráfico 7), a faixa de 10 a 15 anos passou de


4,5% para 0,8%, a de 16 a 17 anos passou de 4,7% para 0,6%, a de 18 a 24 anos passou
de 19,2% para 4,6%, a de 25 a 29 anos passou de 12,6% para 8,6%, a de 30 a 44 anos
passou de 37,4% para 41,3%, a de 45 a 59 anos passou de 16,2% para 36,4% e a de 60
anos ou mais passou de 5,5% para 7,8%. Em 2008, 85,5% das trabalhadoras domésticas
do Rio de Janeiro estavam inseridas em faixas de 30 a mais de 60 anos.

Gráfico 7 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo a faixa etária, Rio de Janeiro, 1992-2008

44,1 10 a 15 anos
43,0 43,5 42,5 43,1 42,5
45,0 41,7 41,7 41,3 16 a 17 anos
39,5 39,5 40,0 39,7
18 a 24 anos
40,0 37,4 38,1
36,4 25 a 29 anos
35,4
33,4 34,2 33,7 30 a 44 anos
35,0
30,5 45 a 59 anos
30,0 28,3
60 anos ou mais
26,2
24,9
22,7 22,9 Fonte: IBGE. Microdados da
25,0
21,4 20,9 PNAD de 1992 a 2008.
%

19,2 19,7
Elaboração própria.
20,0 Obs: (1) A PNAD não foi
16,7 19,8
15,6 16,2 realizada em 1994 e 2000. (2)
16,2 13,9 13,8 Em 2004, a PNAD passou a
15,0
12,6 11,6 11,1 contemplar a população rural de
11,5
9,5 10,4 9,6 10,3 Rondônia, Acre, Amazonas,
9,6 9,5 8,6 8,6
10,0 11,6 11,5 11,4 10,7 10,6 Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
7,1 8,2 8,6 6,5 microdados dos anos 2000
5,5 4,6 5,9 5,8 5,8 9,1 6,8 7,8
4,7 3,8 4,2 4,4 4,3 5,4 7,2 foram reponderados para
5,0 4,0 4,2 6,3 5,5 4,6 acompanhar os de 2008. (4)
3,4 2,5 2,6 2,0 1,0 1,3 1,3 0,8 0,9
4,5 3,8 3,1 1,3 1,0 0,8 Foram excluídos os ignorados.
0,0 1,7 1,4 1,8 1,6 1,3
0,9 0,9 0,5 0,3 0,3 0,4 0,6
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

78
Tanto no caso brasileiro quanto no do Rio de Janeiro, o que é perceptível é que a
mão de obra responsável pelo serviço doméstico remunerado foi envelhecendo (gráficos
6 e 7) e diminuindo a sua importância na população feminina ocupada (gráficos 2 e 3),
mas não houve uma renovação por parte das gerações mais jovens. Isso pode ser
explicado até mesmo pelo aumento crescente da escolaridade (gráficos 4 e 5), que
atinge principalmente as mais jovens, para as quais novas possibilidades se abrem e em
um nível alcançável.
Diferente das trabalhadoras domésticas das faixas de maior idade, de 30 a mais
de 60 anos, as mulheres jovens provenientes de famílias de baixa renda, com
escolaridade mais elevada, percebem-se com maiores possibilidades de inserção no
mercado de trabalho, buscando permanecer fora do circuito de compra e venda de
serviços domésticos, identificado pelas trabalhadoras domésticas de maneira geral,
como veremos no próximo capítulo, como uma ocupação que deve ser, sempre que
possível, evitada, por conta do cansaço físico, do número de direitos trabalhistas que
abarca serem reduzidos e da menor valorização social.

2.3.4 – Decréscimo da proporção que reside no local de trabalho

A prática de conciliar trabalho e residência no serviço doméstico remunerado


brasileiro, comum há algum tempo, principalmente como possibilidade de as
trabalhadoras domésticas migrantes se estabelecerem, ao menos inicialmente, em outras
cidades, veio gradativamente perdendo importância ao longo do tempo, como é visível
nos próximos gráficos. O fato é que residir no mesmo local em que presta seus serviços
torna a trabalhadora mais subordinada ao trabalho, pois disso depende também a sua
moradia; e a jornada de trabalho, que já não é definida em lei, torna-se ainda menos
delimitada, geralmente excedendo em muito as 44 horas semanais.
É importante frisar que dormir na casa dos patrões não é necessariamente o
mesmo que residir nela. Como nos lembra Namir (2006), por razões metodológicas, se a
trabalhadora doméstica, por exemplo, dorme no domicílio onde trabalha durante a
semana, mas retorna à sua residência nos finais de semana, ela é considerada como
integrante do grupo que mora fora do domicílio em que trabalha. Ou seja, o que essa
variável abarca são os casos das trabalhadoras domésticas cuja única morada é o local
de trabalho.

79
No gráfico 8, que analisa a realidade brasileira, podemos notar que a proporção
de trabalhadoras domésticas residentes na casa dos patrões diminuiu muito de 1992 a
2008, passando de 19,2% para 6,4%. O valor mais baixo, de 4,1%, foi alcançado em
2007. No Rio de Janeiro (gráfico 9), a percentagem de trabalhadoras domésticas que
residem no local de trabalho em todo o período foi menor do que no Brasil. Nesse
estado, essa proporção passou de 11,5% para 5,0%. A diminuição foi mais acentuada
até 2004, daí em diante percebe-se um aumento consecutivo.

Gráfico 8 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o seu local de residência, Brasil, 1992-
2008

Reside na casa em que


95,2 95,2 95,3 95,5 95,9 93,6
100 93,9 trabalha
87,4 90,4
84,5 86,5 87,3
90 81,4 84,0
80,8 Reside fora da casa em
80 que trabalha

70
Fonte: IBGE. Microdados da
60
PNAD de 1992 a 2008.
Elaboração própria.
%

50
Obs: (1) A PNAD não foi realizada
40 em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a
PNAD passou a contemplar a
30 população rural de Rondônia,
19,2 18,6 Acre, Amazonas, Roraima, Pará
16,0 15,5
20 13,5 12,7 12,6 e Amapá. (3) Os microdados dos
9,6 anos 2000 foram reponderados
6,1 4,8 4,8 4,7 6,4
10 4,5 4,1 para acompanhar os de 2008.

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

Gráfico 9 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o seu local de residência, Rio de Janeiro,
1992-2008

95,7 96,6 97,5 97,2 96,7 96,2 95,0 Reside na casa em que
100 91,1 92,5 94,5 93,0
88,1 90,5 90,0 trabalha
88,5
90
Reside fora da casa em
80 que trabalha
70

60 Fonte: IBGE. Microdados da PNAD


de 1992 a 2008. Elaboração
própria.
%

50
Obs: (1) A PNAD não foi realizada
40 em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a
PNAD passou a contemplar a
30 população rural de Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Pará e
20 11,5 11,9 9,5 Amapá. (3) Os microdados dos
10,0 8,9 7,5 5,5 7,0 5,0 anos 2000 foram reponderados
10 4,3 3,4 2,5 2,8 3,3 3,8
para acompanhar os de 2008.

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

80
2.3.5 – Aumento da formalização

Como vimos na análise precedente sobre o perfil dos trabalhadores domésticos,


apenas um pouco mais de um quarto deles está inserido em uma relação de trabalho
formalizada, com carteira de trabalho assinada. Se fizermos a desagregação por regiões
brasileiras, veremos que há uma desigualdade grande entre elas, de forma que de um
lado ficam Norte e Nordeste com uma proporção muito baixa; e do outro, Sul e Sudeste
com as maiores proporções. Já o Centro-Oeste ocupa a posição intermediária.
Sabemos, então, que o quadro é de informalidade, mas a questão é se essa
característica se mantém e se afirma como permanente ou não, é o que veremos ao
proceder uma análise longitudinal. O gráfico 10 deixa claro que de 1992 a 2008 houve
um movimento de formalização no serviço doméstico feminino brasileiro, pois as
trabalhadoras com carteira de trabalho assinada passaram de 16,1% para 25,8%.
É possível perceber também que após um rápido crescimento nos anos 90,
visível em uma curva ascendente, os anos 2000 apresentaram certo crescimento ao
longo do período, mas muito menos intenso e às vezes houve uma ligeira queda. Nem
mesmo a Medida Provisória nº. 284, de 2006, convertida na Lei nº. 11.324 do mesmo
ano, analisada no capítulo 2, que permitiu uma dedução no imposto de renda da
contribuição paga pelo empregador à previdência social do empregado doméstico,
conseguiu estimular a formalização. Como ressaltou Ipea (2009), o impacto dessa
dedução no imposto de renda sobre a formalização não foi sentido nos seus três
primeiros anos de vigência. Essa medida terá validade até 2012, ou seja, até a declaração
referente ao ano-calendário de 2011, quando serão analisados seus impactos sobre a
formalidade.
Essa lei faz parte do Plano Trabalho Doméstico Cidadão (TDC), lançado em
novembro de 2005, que é uma iniciativa do Ministério do Trabalho e Emprego, em
parceria com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)
e com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), além de contar com o
apoio da OIT, do Ministério da Educação e da Federação Nacional das Trabalhadoras
Domésticas (FENATRAD). O Trabalho Doméstico Cidadão foi baseado em uma
experiência iniciada na Bahia, em 1999, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT), conduzida pelo Sindicato de Trabalhadoras domésticas.
Esse Plano promove um conjunto de ações governamentais buscando a
formalização, a elevação da escolaridade, a qualificação profissional, o estímulo à

81
organização sindical das trabalhadoras domésticas, e a ampliação de seus conhecimentos
sobre os direitos que lhes são assegurados. Isso é alcançado por meio de cursos de formação
e capacitação que já foram ministrados nas cidades de Recife, Salvador, São Paulo,
Campinas, Rio de Janeiro, Aracajú e São Luís. Tais cursos são realizados em aulas
noturnas e nos finais de semana durante 12 meses e estão organizados em dois
subprojetos: qualificação e capacitação sindical.
Segundo IPEA (2006), o primeiro subprojeto tem como público-alvo as
mulheres com ensino fundamental incompleto e busca formar profissionais preparadas
para o trabalho doméstico, a partir da qualificação social e profissional e da elevação da
escolaridade. Além dos conteúdos escolares, a proposta inclui as dimensões de gênero e
raça (história do trabalho doméstico e seu valor social, história e cultura afro-brasileira,
discriminação no mundo do trabalho, direitos humanos) e uma formação direcionada ao
cotidiano do trabalho doméstico, de técnicas de trabalho (novas tecnologias, cozinha,
limpeza) ao conhecimento da legislação trabalhista e previdenciária. Já o segundo
subprojeto tem como público-alvo principal os dirigentes sindicais e busca estimular a
organização das trabalhadoras domésticas. Dessa forma, o curso aborda a história e as
transformações do trabalho doméstico; os direitos e a cidadania; e a estrutura, a
organização e a gestão sindical.

Gráfico 10 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o vínculo de trabalho, Brasil, 1992-2008

83,9 84,0
90 82,1 Com carteira de
78,9 78,4
76,0 76,3 75,1 75,3 73,9 75,3 74,9 74,2 trabalho assinada
73,9 73,7
80
Sem carteira de
trabalho assinada
70

60 Fonte: IBGE. Microdados da


PNAD de 1992 a 2008.
50 Elaboração própria.
Obs: (1) A PNAD não foi
%

realizada em 1994 e 2000. (2)


40
Em 2004, a PNAD passou a
26,1 25,1 26,1 26,3 25,8
24,0 23,7 24,9 24,7 24,7 contemplar a população rural de
30 21,1 21,6 Rondônia, Acre, Amazonas,
16,1 16,0 17,9 Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
20 microdados dos anos 2000 foram
reponderados para acompanhar
os de 2008. (4) Foram excluídos
10 os ignorados.

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

No estado do Rio de Janeiro, houve também um processo de formalização, pois


as trabalhadoras domésticas com carteira de trabalho assinada passaram de 23,2% para
32,0% no intervalo temporal analisado (gráfico 11). Assim como no Brasil, percebemos

82
um crescimento maior nos anos 90, já os anos 2000 apresentaram certo crescimento,
mas menos intenso e com freqüentes seqüências de queda e em seguida de aumento.

Gráfico 11 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o vínculo de trabalho, Rio de Janeiro,
1992-2008

Com carteira de trabalho


90 assinada
76,8 75,9 77,0
80 70,8 73,7 72,0 72,7
69,4 70,1 72,1 71,7 Sem carteira de trabalho
68,9 68,0
66,6 66,0 assinada
70

60 Fonte: IBGE. Microdados da


PNAD de 1992 a 2008.
50 Elaboração própria.
Obs: (1) A PNAD não foi
%

33,4 34,0 realizada em 1994 e 2000. (2)


40 30,6 29,9 31,1 32,0
29,2 28,0 27,3 27,9 28,3 Em 2004, a PNAD passou a
26,3
23,2 24,1 23,0 contemplar a população rural de
30
Rondônia, Acre, Amazonas,
Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
20 microdados dos anos 2000
foram reponderados para
10 acompanhar os de 2008. (4)
Foram excluídos os ignorados
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

2.3.6 – Ampliação do número de diaristas

O sexto processo de mudança visível nestas últimas duas décadas é o


crescimento do número de diaristas, ou seja, das trabalhadoras que prestam serviço,
geralmente de faxina, mas não necessariamente, em várias casas, e recebem a diária
pelo serviço prestado. Em contraposição, há uma diminuição das empregadas
domésticas mensalistas que recebem salário para se dedicar unicamente, ou
majoritariamente, a uma residência, embora elas continuem sendo a grande maioria.
Como vimos nas questões metodológicas que abriram este capítulo, são duas as
formas de realizar a diferenciação estatística entre empregada e diarista na PNAD: por
meio dos subgrupos ocupacionais, possível de 1992 a 2001; e, de maneira aproximada,
mediante a quantidade de domicílios em que o serviço é prestado, admissível de 1992
até a PNAD atual. Como essas duas formas têm seus pontos positivos e negativos, já
levantados, o crescimento do número de diaristas será analisado por ambas.
Para acompanhar as PNADs de 1992 a 2001 por meio da primeira forma,
dividimos os oito códigos ocupacionais relacionados ao serviço doméstico,
anteriormente explicitados, em três grupos: empregados domésticos polivalentes (807),
empregados domésticos especializados (801, 802, 803, 805, 806 e 808) e diaristas (804).
Cada um desses códigos corresponde a um tipo de atividade realizada nessa ocupação e

83
foram as próprias trabalhadoras domésticas que se incluíram em uma ou em outra
quando responderam à PNAD.
Sendo assim, o interessante dessa primeira forma de diferenciação é que não é
aproximada, foram as próprias trabalhadoras domésticas que se disseram, por exemplo,
diaristas. Nesse mesmo sentido, cabe uma observação importante: o número de diaristas
que veremos nos dois gráficos a seguir deve ser compreendido mais como o grupo das
diaristas faxineiras, que fazem apenas a limpeza da residência; imagem essa que é a
mais disseminada sobre o que é uma diarista.
Mas esse grupo é mais amplo, pois há também as congeleiras, que vão ao
domicílio quinzenalmente fazer a comida para esse período; as lavadeiras e passadeiras
de roupas em vários domicílios; sem contar as diaristas que vão apenas alguns dias a
uma residência, mas que lá realizam todas as tarefas. O banco de dados da PNAD
classificou esses três casos, apenas para pontuar alguns, respectivamente, como
cozinheiras/copeiras (803), como lavadeiras/passadeiras (805) e como domésticas
polivalentes (807). Então, os números apresentados são um retrato da diarista faxineira.
No Brasil, conforme aponta o gráfico 12, a proporção de diaristas faxineiras era
na década de noventa aproximadamente de 9,0% a 11,0% das trabalhadoras domésticas
e sempre esteve abaixo da de empregadas domésticas especializadas. Infelizmente, nos
anos 2000, quando muito provavelmente essa proporção elevou-se, como o ano de 2001
parece indicar, a mudança nos códigos ocupacionais utilizados pela PNAD
impossibilitou que esta análise longitudinal prosseguisse.

Gráfico 12 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo a divisão em subgrupos ocupacionais,
Brasil, 1992-2001

90 78,5 76,8
77,7 78,1 77,0 76,9 77,7 74,7
80 Empregadas domésticas
polivalentes
70
Empregadas domésticas
especializadas
60
Diaristas
50
%

40

30
12,0 12,5 13,6 14,1
12,0 12,7 11,9 Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de
11,7
20 1992 a 2001. Elaboração própria.
Obs: (1) A PNAD não foi realizada em
10 1994 e 2000. (2) Os microdados do
ano 2001 foram reponderados para
10,6 10,0 10,9 9,0 9,7 10,6 10,4 11,2 acompanhar os de 2008.
0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
Ano

84
A mesma distribuição dos subgrupos ocupacionais revela que no estado do Rio
de Janeiro a proporção de diaristas faxineiras sempre foi maior do que no Brasil,
aproximadamente de 12,0% a 17,0% das trabalhadoras domésticas, e em alguns anos foi
mais elevada do que a de empregadas domésticas especializadas (gráfico 13). Além
disso, a queda no percentual de empregadas domésticas polivalentes foi muito mais
evidente, nesse espaço temporal, no Rio de Janeiro do que no Brasil.

Gráfico 13 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo a divisão em subgrupos ocupacionais, Rio
de Janeiro, 1992-2001

90
Empregadas domésticas
80 71,2 72,8 polivalentes
70,6 71,5
70,5 68,6
66,0
70 63,6 Empregadas domésticas
especializadas
60
Diaristas
50
%

40

30
19,7 19,3
16,6 17,5 15,5 16,8 16,9
15,2
20
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 1992 a
10 2001. Elaboração própria.
12,2 11,9 14,3 14,5 14,5 17,2 Obs: (1) A PNAD não foi realizada em 1994 e
11,6 11,6 2000. (2) Os microdados do ano 2001 foram
0 reponderados para acompanhar os de 2008.
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001
Ano

Valendo-se da segunda forma de realizar a diferenciação estatística entre


empregada e diarista na PNAD, abarcando o intervalo de 1992 a 2008, mediante a
quantidade de domicílios em que o serviço é prestado, notamos que efetivamente houve
um crescimento do número de diaristas, aqui consideradas de uma maneira mais ampla,
tanto no Brasil quanto no estado do Rio de Janeiro, que embora sejam a minoria em
todo o espaço temporal analisado, conquistaram mais espaço no mercado de trabalho
doméstico.
No caso do Brasil, como podemos acompanhar no gráfico 14, as trabalhadoras
domésticas que trabalham em mais de um domicílio passaram de 16,5% para 26,5% no
intervalo acompanhado, ou seja, deixaram de ser menos de um sexto da categoria e em
2008 já eram mais de um quarto. De 1992 a 1998, havia ora um aumento, ora uma
diminuição, mas a partir de 1999 o crescimento foi constante até 2008.

85
Gráfico 14 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o número de domicílios em que o serviço
é prestado, Brasil, 1992-2008

Apenas um
90 83,5 81,7 82,3 82,9 82,7 81,6 83,1 Mais de um
81,6 80,4 79,8 78,6 77,9
75,7 74,5
80 73,5

Fonte: IBGE. Microdados da


70
PNAD de 1992 a 2008.
Elaboração própria.
60 Obs: (1) A PNAD não foi
realizada em 1994 e 2000.
(2) Em 2004, a PNAD
50 passou a contemplar a
%

população rural de
40 Rondônia, Acre, Amazonas,
Roraima, Pará e Amapá. (3)
25,5 26,5 Os microdados dos anos
30 22,0 24,2
20,2 21,4 2000 foram reponderados
16,5 18,3 17,7 17,0 18,4 18,4 19,6
17,2 16,9 para acompanhar os de
20 2008. (4) Foram excluídos
os ignorados.

10

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

No caso do Rio de Janeiro, como apresentado no gráfico 15, a proporção de


trabalhadoras domésticas que trabalham em mais de um domicílio, entendidas aqui
como diaristas, em quase todo o intervalo foi maior do que no Brasil. Houve um
crescimento, pois em 1992 eram 18,2%; e em 2008, 25,7%, mas ele não foi constante ao
longo do tempo. Isso chama a atenção, como no estado do Rio de Janeiro, segundo as
percentagens, há uma maleabilidade no número de casas em que se trabalha, pois de um
ano para o outro há ora uma variação positiva, ora uma variação negativa.
Esses dados parecem indicar que as duas possibilidades de inserção no mercado
de trabalho doméstico, como mensalista ou como diarista, ainda estão muito abertas
nesse estado, de forma que houve, de fato, uma diminuição no número de empregadas
domésticas mensalistas, mas não em ritmo permanente. Há famílias que optam pela
mensalista e outras pela diarista, mas parece haver uma proporção delas que vem
testando as duas possibilidades, até chegar à conclusão da que melhor atende às suas
necessidades; ou à medida que a sua condição financeira varia, contrata o serviço
mensal ou o diário. Uma outra explicação possível para a variação é que um número de
famílias conta com os serviços tanto de uma mensalista quanto de uma diarista, em
determinados momentos ficando com as duas; em outros, apenas com uma.

86
Gráfico 15 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o número de domicílios em que o
serviço é prestado, Rio de Janeiro, 1992-2008

83,5 81,1 Apenas um


90 79,6
81,8 77,8 78,5
77,4 76,3 76,4 Mais de um
75,4 74,5 74,3
80 71,1 72,6 73,4

70 Fonte: IBGE. Microdados


da PNAD de 1992 a 2008.
Elaboração própria.
60
Obs: (1) A PNAD não foi
realizada em 1994 e
50 2000. (2) Em 2004, a
PNAD passou a
%

contemplar a população
40
rural de Rondônia, Acre,
28,9 27,4 26,6
24,6 25,5 25,7 Amazonas, Roraima, Pará
30 22,2 22,6 21,5 23,7 23,6 e Amapá. (3) Os
20,4
18,2 16,5 18,9 microdados dos anos
2000 foram reponderados
20 para acompanhar os de
2008. (4) Foram excluídos
10 os ignorados.

0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

Para esclarecer as razões do crescimento do número de diaristas, evidenciado


principalmente nos gráficos 14 e 15, devemos buscar explicações que contemplem tanto
a demanda por serviços diários quanto a oferta deles. Em relação à demanda, algumas
hipóteses podem ser levantadas, como: o empobrecimento da classe média, que é a
maior empregadora; a diminuição do tamanho das famílias, que estão menores, com
menos filhos;50 o crescimento do número de domicílios unipessoais, ou seja, de pessoas
morando sozinhas; e o aumento da participação feminina no mercado de trabalho,
inclusive de mulheres com menor poder aquisitivo e com mais dificuldade de contratar
uma mensalista. Esses fatores contribuem para que as famílias brasileiras estejam
optando cada vez mais por serviços diários em vez de mensais.
Em relação à oferta, veremos no próximo capítulo, dedicado às entrevistas, quais
são as motivações, do ponto de vista das trabalhadoras domésticas, para que uma maior
quantidade delas tenha correspondido à demanda e venha se dedicando a algumas
residências simultaneamente sob o regime de diárias. Além disso, no ponto seguinte
acompanharemos as principais características sócio-econômicas das diaristas em
comparação às empregadas, buscando identificar alguns condicionamentos que façam
com que elas estejam inseridas no mercado de uma ou de outra forma.
Observadas essa mudança e a anterior, percebemos que dois movimentos se dão,
ao mesmo tempo, no serviço doméstico: aumento da formalização e crescimento do

50
Por outro lado, o envelhecimento da população aumenta a demanda por um tipo específico de
trabalhadora doméstica: a cuidadora ou acompanhante de idosos.

87
número de diaristas. Mas contando que as relações estabelecidas com a diarista são
quase que completamente informais, como esses dois processos podem ser compatíveis?
É o que buscamos compreender com o auxílio dos gráficos 16 e 17. Neles, chamamos
de mensalista as trabalhadoras domésticas que trabalham em apenas uma residência e de
diaristas as que trabalham em mais de uma.

Gráfico 16 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o número de domicílios em que o
serviço é prestado e o vínculo de trabalho, Brasil, 1992-2008

Mensalista com carteira


80,0 Mensalista sem carteira
68,5 66,9 65,8 63,8 63,4 Diarista
70,0 60,3 61,9
59,1 58,4 56,6 57,0 56,1 53,3 52,0 51,5
60,0
Fonte: IBGE. Microdados da
PNAD de 1992 a 2008.
50,0
Elaboração própria.
Obs: (1) A PNAD não foi realizada
%

40,0 em 1994 e 2000. (2) Em 2004, a


25,5 26,5 PNAD passou a contemplar a
30,0 21,2 22,5 22,0 23,2 21,6 22,0 24,2 população rural de Rondônia,
19,2 19,3 21,3
16,5 18,3 17,7 Acre, Amazonas, Roraima, Pará
20,0 e Amapá. (3) Os microdados dos
anos 2000 foram reponderados
21,8 22,5 22,5 22,0 para acompanhar os de 2008. (4)
10,0 17,0 17,2 18,4 19,6 20,2 21,4
15,0 14,8 16,5 16,9 18,4 Foram excluídos os ignorados

0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

Gráfico 17 - Distribuição percentual das trabalhadoras domésticas segundo o número de domicílios em que o serviço
é prestado e o vínculo de trabalho, Rio de Janeiro, 1992-2008

Mensalista com carteira


80,0
Mensalista sem carteira

70,0 62,1 Diarista


59,7
54,9 56,8
50,9 53,5 52,1
60,0 52,3
48,7 48,1 48,3 Fonte: IBGE. Microdados da
48,7
46,1 45,8 PNAD de 1992 a 2008.
50,0 43,6 Elaboração própria.
Obs: (1) A PNAD não foi
realizada em 1994 e 2000. (2) Em
%

40,0
2004, a PNAD passou a
27,5 27,6 27,3 28,9 28,3 29,0 28,5
26,4 24,3 25,0 26,6 contemplar a população rural de
30,0 22,1 22,9 24,1 Rondônia, Acre, Amazonas,
21,4
Roraima, Pará e Amapá. (3) Os
microdados dos anos 2000 foram
20,0 27,4 24,7
24,6 25,5 25,7 reponderados para acompanhar
22,6 23,7 23,6 22,8
22,2 21,5 20,4 os de 2008. (4) Foram excluídos
10,0 18,2 18,9
16,5 os ignorados

0,0
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano

Os gráficos anteriores nos ajudam a entender como é possível que a


formalização e a diarização sejam processos simultâneos. O que ocorre é um aumento
da percentagem de empregadas mensalistas com carteira assinada e de diaristas a partir
da diminuição das mensalistas sem carteira assinada. É à custa destas que aquelas
podem ao mesmo tempo elevar a sua participação. No Brasil, no intervalo de tempo de

88
1992 a 2008, a mensalista sem carteira assinada teve uma queda de 17 pontos
percentuais, a diarista um aumento de 10 e a mensalista com carteira assinada de 7. Já
no Rio de Janeiro, para o mesmo intervalo, a mensalista sem carteira assinada diminuiu
13,9 pontos percentuais, a diarista teve um aumento de 7,5 e a mensalista com carteira
assinada de 6,4.
Entre esses seis processos de mudança em curso, esta dissertação tem buscado
problematizar e aprofundar o crescimento do número de diaristas. Essa mudança ocupa
lugar central no esforço reflexivo realizado neste trabalho. Sendo assim, passemos para
o terceiro objetivo deste capítulo: comparar quantitativamente empregadas domésticas e
diaristas, para perceber o que mais as diferencia além da quantidade de residências em
que prestam seus serviços.

2.4 – Empregadas domésticas e diaristas: uma comparação quantitativa

Para completar este retrato do serviço doméstico remunerado, falta apontar as


principais diferenças, se é que existem, entre os dois subgrupos ocupacionais nos quais
as trabalhadoras domésticas mais estão inseridas: as domésticas mensalistas polivalentes
e as diaristas. Há diferenças quanto às características sócio-econômicas dessas
trabalhadoras?
Alguns autores e centros de pesquisa já se preocuparam anteriormente em
comparar estatisticamente as empregadas com as diaristas, mesmo que apenas segundo
alguns aspectos. Isso foi realizado tanto por meio da divisão em subgrupos ocupacionais
(BRUSCHINI e LOMBARDI, 2000; e MELO, 2000) quanto pelo número de domicílios
em que o serviço é prestado (DIEESE, 2006; MYRRHA e WAJNMAN, 2008; SEADE,
2007 e 2009; e IPEA, 2009).
Essas pesquisas perceberam que de fato há diferenças entre esses dois grupos,
para além de trabalhar em apenas uma residência ou em mais de uma. Mas que
diferenças foram encontradas? Comecemos por quem utilizou a possibilidade dos
subgrupos ocupacionais para fazer a diferenciação. Os dados do IBGE, para 1991,
analisados por Bruschini e Lombardi (2000) permitiram concluir que as
faxineiras/diaristas trabalham menos horas semanais do que as domésticas polivalentes.
Valendo-se do mesmo método, os gráficos e tabelas apresentados por Melo
(2000), comparando os dados das PNADs de 1993 e 1998, segundo os subgrupos

89
ocupacionais, demonstraram que quanto à cor/raça, as diaristas51 são mais brancas do
que as domésticas polivalentes; quanto à idade, são mais velhas; quanto à escolaridade,
são menos escolarizadas; quanto à carteira de trabalho assinada, são menos
formalizadas; quanto à previdência, contribuem menos; quanto à renda, ganham mais,
tanto na renda média mensal quanto na renda média por hora trabalhada; e quanto à
jornada de trabalho, trabalham menos.
Dos estudos que utilizaram a segunda possibilidade de diferenciação, ou seja, o
número de domicílios em que o trabalho é realizado, talvez o mais completo seja o do
Dieese (2006). O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
trabalhou com dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), que, como vimos,
abarca algumas regiões metropolitanas do Brasil52.
Os resultados, referentes aos anos de 2003 e 2004, apontaram várias diferenças a
partir das formas de contratação: as diaristas trabalham bem menos horas semanais do
que as empregadas mensalistas; têm o rendimento médio mensal menor, mas o maior
rendimento médio por hora; são mais velhas; e menos escolarizadas. Seade (2007 e
2009), também utilizando a PED, mas focando apenas a região metropolitana de São
Paulo e trabalhando com os anos de 2005-2006 e 2007-2008, chegou às mesmas
conclusões.
Já Myrrha e Wajnman (2008), analisando os dados das PNADs de 1992, 1998 e
2004; e IPEA (2009), tendo como base a PNAD 2008; ratificaram quase as mesmas
diferenças entre diaristas e empregadas domésticas: aquelas estabelecem menos vínculo
formal; são mais velhas; são ligeiramente menos escolarizadas; e têm maior rendimento
médio não apenas por hora, mas mensal.
Dessa forma, o único dado em que há divergência entre os pesquisadores é
quanto à renda média mensal. Para Melo (2000), Myrrha e Wajnman (2008), e IPEA
(2009), as diaristas têm uma renda média mensal maior do que a das empregadas
domésticas; já para Dieese (2006), e Seade (2007 e 2009), essa renda é menor. Tal
diferença está relacionada ao fato de que os primeiros analisaram dados do Brasil como
um todo, enquanto os últimos estudaram regiões metropolitanas específicas. A
comparação entre esses autores demonstrou que, de fato, diaristas e empregadas

51
O grupo analisado por Melo é, na verdade, constituído por diaristas, faxineiras, lavadeiras e
passadeiras.
52
Nesse trabalho especificamente as regiões metropolitanas estudadas foram Belo Horizonte, Distrito
Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo.

90
mensalistas se diferenciam segundo algumas características sócio-econômicas, que, na
maior parte dos casos, mostraram-se ponto pacífico entre eles.
Como acompanhamos, enquanto um grupo de pesquisadores realizou a
comparação diferenciando diaristas e empregadas domésticas polivalentes por meio dos
subgrupos ocupacionais, um outro grupo o fez diferenciando diaristas e empregadas
mensalistas por meio da aproximação possível pela quantidade de domicílios em que o
serviço é prestado. Neste ponto do capítulo, compararemos estatisticamente empregadas
e diaristas nos valendo, ao mesmo tempo, das duas formas de diferenciação, objetivando
realizar a comparação mais precisa possível.
Para isso, utilizaremos a PNAD 2001, pois foi a última em que ainda era
possível fazer a diferenciação segundo subgrupos ocupacionais, que é a que mais se
aproxima de como efetivamente os trabalhadores domésticos estão divididos quanto às
atividades que realizam. Nesse sentido, a comparação será entre os códigos 804
(diarista, faxineira) e 807 (empregada doméstica polivalente - não especializada). Após
realizar essa desagregação, ainda procederemos outra: deixaremos apenas as diaristas
que disseram trabalhar em mais de uma residência e as empregadas polivalentes que
disseram trabalhar em apenas uma residência.
Com esses cuidados metodológicos, empregando as duas possibilidades de
diferenciação simultaneamente, buscamos realizar uma comparação bem delimitada,
analisando as diferenciações sócio-econômicas entre empregadas domésticas
polivalentes que trabalham em um domicílio e diaristas que trabalham em mais de um.
Ou seja, o foco estará na doméstica polivalente que realiza as tarefas domésticas de uma
maneira geral e na diarista faxineira, que faz apenas a limpeza da residência.
Iniciando a comparação, o primeiro aspecto a ser analisado é a questão da cor ou
raça (tabela 21). No Brasil, a doméstica polivalente é predominantemente negra
(58,1%)53, já a diarista é majoritariamente branca (55,3%). No estado do Rio de Janeiro,
há uma proporção um pouco maior de diaristas brancas (41,9%) do que de domésticas
polivalentes brancas (37,9%), mas ambas são em sua maioria negras, respectivamente,
58,1% e 61,9%.

53
Caso consideremos negros como a soma de pretos e pardos.

91
Tabela 21: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas por cor ou raça (%),
Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Cor ou raça Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
polivalente faxineira polivalente faxineira
Branca 41,5 55,3 37,9 41,9
Preta 10,1 12,9 27,9 25,0
Parda 48,0 31,1 34,0 33,1
Amarela 0,1 0,3 0,0 0,0
Indígena 0,1 0,3 0,0 0,0
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.
Obs.: Foram omitidos da tabela os sem declaração, mas eles constam no total.

Quanto à faixa etária, a maior concentração tanto de domésticas polivalentes


quanto de diaristas é na faixa de 30 a 44 anos, mas analisando a variável idade no geral,
percebe-se que as diaristas são realmente mais velhas quando comparadas com as
domésticas polivalentes (tabela 22). No Brasil, enquanto 44,7% das domésticas
polivalentes têm de 10 a 29 anos, as diaristas são apenas 20,9%; já na faixa de 30 a mais
de 60 anos, as domésticas polivalentes são 55,4% e as diaristas são 79,1%. No Rio de
Janeiro, essa diferença também pode ser observada, enquanto 27,4% das domésticas
polivalentes têm de 10 a 29 anos, as diaristas são 16,6%; em contraponto, na faixa de 30
a mais de 60 anos, as domésticas polivalentes são 72,6% e as diaristas são 83,4%.

Tabela 22: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo a faixa etária
(%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Faixas de idade Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
(anos) polivalente faxineira polivalente faxineira
10 a 15 3,4 0,5 0,5 0,0
16 a 17 4,8 0,8 1,0 1,0
18 a 24 22,0 6,7 11,9 5,2
25 a 29 14,5 12,9 14,0 10,4
30 a 44 37,0 52,5 40,6 48,7

92
45 a 59 15,6 23,3 25,9 27,4
60 ou mais 2,8 3,3 6,1 7,3
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.
Obs.: Foram excluídos os ignorados.

Uma terceira dimensão colocada em comparação é a escolaridade. Segundo os


dados da tabela 23, não há diferença relevante entre o grau de instrução de domésticas
polivalentes e diaristas, cuja grande maioria está concentrada nas faixas de 1 a 4 anos e
na de 5 a 8. Talvez o máximo que se possa dizer é que as diaristas/faxineiras são
ligeiramente menos escolarizadas, pois enquanto, no Brasil, 91,1% delas têm de zero a 8
anos de estudo e 8,0% de 9 em diante; entre as domésticas polivalentes são 86,3% de
zero a 8 anos de estudo e 12,4% acima de 9. No estado do Rio de Janeiro, a diferença é
ainda menor: enquanto 92,7% das diaristas/faxineiras têm de zero a 8 anos de estudo e
7,3% de 9 em diante; entre as domésticas polivalentes são 90,5% de zero a 8 anos de
estudo e 8,8% acima de 9.

Tabela 23: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo anos de


estudo (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
polivalente faxineira polivalente faxineira
Sem instrução ou 12,2 11,9 13,0 14,1
menos de 1 ano
De 1 a 4 anos 37,2 41,9 41,3 41,1
De 5 a 8 anos 36,9 37,3 36,2 37,5
De 9 a 11 anos 12,0 7,6 8,8 5,2
12 anos ou mais 0,4 0,4 0,0 2,1
Não determinado 1,3 0,9 0,7 0,0
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

Em relação à formalização, como era de se esperar, em vista do tipo de relação


que as diaristas estabelecem, geralmente recebendo diária pela tarefa executada, elas são
quase que totalmente informais (tabela 24). No Brasil, enquanto 30,5% das domésticas

93
polivalentes têm carteira de trabalho assinada, as diaristas são apenas 4,8%. Já no estado
do Rio de Janeiro, enquanto 42,2% das domésticas polivalentes têm carteira assinada, as
diaristas são 2,6%. Como fica claro, a percentagem de diaristas formalizadas é bem
pequena, mas existe, pois não há nenhum impedimento para que mesmo elas
trabalhando em várias residências, um dos empregadores mantenha a carteira assinada.
Podemos aproveitar a questão da formalização para comparar as possibilidades
de se lhe dar com os dados sobre o serviço doméstico nas PNADs. Caso a diarista fosse
analisada para 2001 utilizando apenas o critério dos subgrupos ocupacionais,
encontraríamos para o Brasil o dado de que 8,6% delas têm carteira de trabalho
assinada. Se empregássemos apenas o critério do número de domicílios em que o
serviço é prestado, chegaríamos à conclusão que 13,5% delas possuem carteira assinada.
Nesse sentido, os resultados da tabela 24 são adequados para mostrar que a
forma de comparar empregadas e diaristas, realizada neste ponto, ou seja, conjugando
simultaneamente as duas possibilidades de diferenciação, parece ser a mais bem
delimitada e precisa. Para o Brasil, o resultado encontrado foi o de que 4,8% das
diaristas têm carteira de trabalho assinada, informação bastante coerente com o tipo de
relação estabelecida por esse grupo de prestadoras de serviço. Mas, infelizmente, o ano
de 2001 é o último a permitir a complementação entre os dois critérios. A partir dele,
apenas o segundo passou a ser possível, forçando-nos a trabalhar com aproximações.
Sendo tão pequeno o número de diaristas com carteira assinada, cabe verificar a
questão da proteção social, que, em algum nível, pode ser medida pela proporção de
contribuição à previdência. Contribuir por conta própria pode indicar até que ponto a
autonomia tem sido vivenciada por essas trabalhadoras. No Brasil, segundo a PNAD
2001, 32,0% das domésticas polivalentes e 11,7% das diaristas são contribuintes. No
Rio de Janeiro, são 46,1% das domésticas polivalentes e 13,3% das diaristas. Isso
significa que uma parcela das que não estão asseguradas via carteira, ainda não muito
grande, faz a contribuição individual.

Tabela 24: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo o vínculo de


trabalho (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
polivalente faxineira polivalente faxineira

94
Com carteira de 30,5 4,8 42,2 2,6
trabalho assinada
Sem carteira de 69,5 95,2 57,8 97,4
trabalho assinada
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

Quanto ao local de residência, não é nenhuma novidade que a proporção de


trabalhadoras que residem na casa em que trabalham é pequena e diminuiu nas últimas
duas décadas, como foi visto nos gráficos 8 e 9. Embora, como apresentado na tabela
25, a conciliação entre trabalho e residência ainda seja realidade para 11,1% das
domésticas polivalentes do Brasil e para 9,1% das domésticas polivalentes do Rio de
Janeiro; isso definitivamente não é vivenciado pelas diaristas.

Tabela 25: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo o seu local
de residência (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
polivalente faxineira polivalente faxineira
Reside na casa em 11,1 0,3 9,1 0,0
que trabalha
Reside fora da casa 88,9 99,7 90,9 100,0
em que trabalha
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

Um outro aspecto a ser comparado é a quantidade de horas trabalhadas no


serviço doméstico remunerado. As percentagens apresentadas na tabela 26 evidenciam
como as diaristas têm jornadas de trabalho bem menores do que as domésticas
polivalentes. Enquanto no Brasil 44,4% das domésticas polivalentes trabalham até 40
horas semanais e 55,5% mais de 40 horas em diante, as diaristas são 83,3% que
trabalham até 40 horas semanais e 16,7% acima de 40. O mesmo ocorre no Rio de
Janeiro: enquanto 50,5% das domésticas polivalentes trabalham até 40 horas semanais e

95
49,4% mais de 40 horas em diante, as diaristas são 81,0% que trabalham até 40 horas
semanais e 19,0% acima de 40.

Tabela 26: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo o número de


horas semanais trabalhadas (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Jornada de trabalho Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
semanal polivalente faxineira polivalente faxineira
Até 20 horas 9,6 34,1 9,5 29,9
Mais de 20 a 40 horas 34,8 49,2 41,0 51,1
Mais de 40 a 44 horas 9,0 1,9 5,1 1,8
Mais de 44 horas 46,5 14,8 44,3 17,2
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.

O último aspecto a ser levantado é o rendimento obtido com o trabalho, que é


capaz de indicar se a prestação de serviços domésticos em mais de um domicílio tem
não apenas permitido a possibilidade de elevação dos ganhos, mas realmente a
concretizado. Nesse sentido, a desagregação do rendimento mensal do trabalho principal
em faixas de salário mínimo, apresentada na tabela 27, demonstra que efetivamente as
diaristas, no geral, ganham mais do que as domésticas polivalentes.
No Brasil, para o ano de 2001, enquanto 33,1% das domésticas polivalentes
recebiam mais de um salário mínimo, as diaristas eram 59,1%. Do mesmo modo, no Rio
de Janeiro, enquanto 56,7% das domésticas polivalentes auferiam mais de um salário
mínimo, as diaristas eram 71,7%. Comparando a renda média mensal, os resultados
ratificam a vantagem das diaristas em relação à remuneração advinda do trabalho. No
Brasil, a renda média mensal da doméstica polivalente era de R$ 179,47, ou seja, sequer
alcançava o valor do salário mínimo, que em 2001 era de R$ 180,00. Já a da diarista
chegava a R$ 253,77. No Rio de Janeiro, a diferença também era grande: enquanto a
renda média mensal da doméstica polivalente era de R$ 234,33, a da diarista alcançou
R$ 323,46.

96
Tabela 27: Comparação entre empregadas polivalentes e diaristas segundo as faixas de
rendimento (%), Brasil e Rio de Janeiro, 2001.
Brasil Rio de Janeiro
Faixas de rendimento Doméstica Diarista/ Doméstica Diarista/
(em salários mínimos) polivalente faxineira polivalente faxineira
Sem remuneração 0,7 0,2 0,3 0,0
Até 1/2 19,9 12,0 4,0 7,4
Mais de 1/2 a 1 46,4 28,7 39,0 21,0
Mais de 1 a 2 28,1 40,0 47,5 42,4
Mais de 2 a 4 4,8 16,9 8,8 21,9
Mais de 4 0,2 2,2 0,4 7,4
Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: IBGE. Microdados da PNAD 2001. Elaboração própria.
Obs.: (1) Não foram incluídos os trabalhadores domésticos sem declaração de renda. (2) Salário mínimo
de 2001: R$ 180,00.

Dessa forma, ao confrontarmos estatisticamente empregadas polivalentes e


diaristas por meio do uso simultâneo das duas formas de diferenciação, ou seja,
subgrupos ocupacionais e número de domicílios, buscamos realizar a comparação mais
precisa possível e, assim, podermos avaliar os resultados encontrados pelos demais
pesquisadores, que costumaram empregar uma ou outra delas separadamente.
Isso possibilitou concluir, assim como fizeram os outros estudiosos do tema,
que, de fato, há diferenças significativas entre os dois perfis de trabalhadora doméstica
mais requisitados no mercado de trabalho, para além do número de residências em que o
serviço é prestado ou da forma como o pagamento é feito. Analisando as características
sócio-econômicas, fica claro que em comparação com as domésticas polivalentes, tanto
para o Brasil quanto para o estado do Rio de Janeiro, as diaristas são mais brancas; mais
velhas; ligeiramente menos escolarizadas; menos formalizadas; contribuem menos para
a previdência; moram menos na casa dos patrões; trabalham bem menos horas
semanais, mas têm uma maior renda média, seja mensal ou por hora.
Como visto, de fato o trabalho doméstico por conta própria permite, no geral,
que a trabalhadora doméstica receba mais e trabalhe menos horas. Mas há uma maior
vulnerabilidade também, pois por mais que à diarista esteja aberta a possibilidade de
ganhar muito melhor do que uma empregada, isso está diretamente ligado à sua

97
capacidade de preencher seus dias da semana com a maior quantidade possível de
diárias, de forma a otimizar seu tempo disponível.
Porém, se a diarista ganha mais e trabalha menos, as trabalhadoras domésticas
estariam preferindo se apresentar ao mercado dessa maneira? Isso altera as relações de
trabalho ou modifica o elo afetivo estabelecido com a família empregadora, aspecto
muito ressaltado pela literatura sociológica que analisou essa ocupação? É esse o tipo de
discussão presente no próximo capítulo, cujo foco é a percepção das próprias
trabalhadoras domésticas sobre esta divisão cada vez mais visível no serviço doméstico:
entre a empregada mensalista e a prestadora autônoma de serviço.

98
CAPÍTULO III – OS MARCADORES DA DIFERENÇA: AS PERCEPÇÕES
DAS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS CARIOCAS SOBRE A DISTINÇÃO
ENTRE SER EMPREGADA OU DIARISTA

A diferenciação entre empregado doméstico e diarista, explicitada nos capítulos


precedentes, não é uma questão resolvida facilmente ou de pronto consenso, seja na
doutrina, na jurisprudência, na aprovação do projeto de lei do Senado e mesmo quando
se trata de produzir uma comparação estatística valendo-se dos bancos de dados
disponíveis. Neste capítulo, dando continuidade a esse raciocínio, buscamos
compreender quais são os marcadores da diferença para as próprias trabalhadoras
domésticas, a partir de um conjunto de entrevistas realizadas com algumas delas na
cidade do Rio de Janeiro.
Se no capítulo 2 a análise quantitativa indicou que a diarista, no geral, ganha
mais e trabalha menos horas do que a empregada doméstica, aqui queremos ampliar o
entendimento sobre as relações de trabalho desses dois tipos de trabalhadoras dedicadas
aos serviços pessoais. Isso foi realizado, é preciso frisar, tendo como base as percepções
e classificações adotadas por elas mesmas, tanto para definir e construir o grupo à qual
pertencem, como para marcar e caracterizar o outro, a fim de justificar o porquê de
estarem inseridas como empregadas ou como diaristas, e não o contrário.
Para chegar a essas percepções, seguimos uma metodologia já especificada na
introdução da dissertação. Relembrando alguns de seus aspectos e fornecendo
esclarecimentos adicionais, as entrevistas foram todas realizadas com trabalhadoras
domésticas que desempenham seu trabalho em bairros da Zona Sul da cidade do Rio de
Janeiro, por conta de ser uma região habitada por pessoas de nível sócio-econômico-
cultural mais semelhante. Isso garantiu uma homogeneidade maior da parte
empregadora e, por conseguinte, da relação de trabalho estabelecida, necessária a uma
comparação mais precisa. As entrevistas seguiram a metodologia “bola de neve”, ou
seja, foram realizadas mediante uma indicação sucessiva por parte das próprias
trabalhadoras domésticas anteriormente entrevistadas, que sugeriam as próximas.
Embora a Zona Sul seja formada por vários bairros com IDH superior a 0,9, um
dos critérios estabelecido para a sua escolha, as entrevistas ocorreram efetivamente com
trabalhadoras de apenas alguns deles, pois foi a rede de domésticas entrevistadas que
acabou delineando essa cobertura da região. As diferentes indicações levaram as

99
entrevistas a serem realizadas com trabalhadoras de sete bairros: Leblon, Flamengo,
Laranjeiras, Jardim Botânico, Copacabana, Botafogo e Catete.
Para sermos mais precisos, no total foram quatro redes abertas, pois algumas
delas acabaram sendo desfeitas pela falta de uma nova indicação ou por recusa ao
convite, mas outras permaneceram abertas e com muitas ramificações mesmo após o
término da pesquisa. As entrevistas com as trabalhadoras domésticas que deram início
às redes foram sempre eliminadas, pois elas haviam sido indicadas por pessoas de nosso
conhecimento pessoal, as próximas foram consideradas e tornaram-se a fonte das
análises aqui presentes.
Ao todo, foram realizadas dezesseis entrevistas, que, é importante frisar,
transcrevemos tendo o cuidado de manter as falas da maneira como elas foram
expressadas. Nesse sentido, almejamos alcançar a maior fidelidade possível tanto em
relação ao conteúdo, ou seja, o que foi dito pelas entrevistadas, quanto à forma como
isso foi feito (registros de linguagem, dúvidas, silêncios, choros...).
O nosso objetivo para tornar a comparação possível era entrevistar determinado
número de diaristas e de empregadas polivalentes, justamente os dois subgrupos no
interior do serviço doméstico com a maior participação de mulheres. Mas ao começar a
realização desse intento, ficou claro que não seria fácil cumprir esse objetivo sem
explicitar a partir de qual parâmetro estaria sendo definido o que é a diarista e o que é a
empregada, pois as trabalhadoras domésticas têm, por vezes, como veremos adiante,
uma concepção particular a respeito disso. Dessa forma, qual critério seria utilizado?
Para frisar a dificuldade enfrentada, podemos citar o caso de uma entrevistada
que trabalhava em duas residências, duas vezes na semana em uma e três vezes na
semana na outra, contribuía como autônoma para o INSS, mas fazia “tudo” na casa.
Então, ela considerava-se empregada doméstica e não diarista. Se essa mesma situação
fosse analisada do ponto de vista da doutrina e da jurisprudência, possivelmente ela
seria considerada prestadora autônoma de serviço. Portanto, em vista dos múltiplos
critérios possíveis, nem sempre convergentes, não caberia a priori, antes das entrevistas,
nos posicionarmos por algum deles, ao risco de não aproveitar adequadamente a riqueza
empírica disponível.
Sendo assim, optamos por entrevistar trabalhadoras domésticas que prestam
serviço em apenas uma casa e outras que prestam em mais de uma. A partir desse
recorte inicial, mais simples, pelo número de residências em que o trabalho é realizado,
poderíamos vislumbrar mediante quais critérios as identidades de empregada e diarista

100
são contruídas pelas próprias trabalhadoras domésticas e se o número de residências é
uma dimensão importante ou não, à semelhança do entendimento legal. Para isso,
comecemos apresentando os perfis e histórias de vida das trabalhadoras domésticas
cariocas entrevistadas, de forma a nos aproximarmos de quem elas são, para depois
buscarmos compreender o que elas pensam.

3.1 – Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas

Quanto à idade, as trabalhadoras domésticas que fizeram parte da pesquisa


acabaram correspondendo aos dados quantitativos desagregados para o estado do Rio de
Janeiro, apresentados no capítulo anterior. Ou seja, as faixas etárias que prevaleceram
foram as de 30 a 44 e 45 a 59 anos. Isso mais do que evidenciar que as trabalhadoras
domésticas estão, por indução, realmente inseridas, predominantemente, nessas faixas,
está ligado ao fato de que uma metodologia que se baseie na indicação sucessiva de
entrevistas, torna a amostra mais direcionada à rede de relações estabelecida pela
entrevistada anterior, que, em algum grau, é afetada pela geração da qual faz parte.
Como também vimos no capítulo anterior, aproximadamente 30,0% dos
trabalhadores domésticos do Rio de Janeiro não nasceram nesse estado. Nesse sentido,
chama a atenção, até mesmo por não ter sido um recorte intencional, o fato de que quase
70,0% das entrevistadas são migrantes de outros estados, principalmente, mas não
somente, do Nordeste. Enquanto a maioria das que trabalham em apenas um domicílio
tem carteira assinada, o contrário ocorre com as que trabalham em mais de um.
Além disso, elas, majoritariamente, residem em bairros menos valorizados ou
em municípios limítrofes ao do Rio de Janeiro; não dormem na casa em que trabalham;
estudaram até o ensino fundamental, mas não o concluíram; têm filhos; prestam serviço
principalmente na Zona Sul da cidade; trabalham cinco ou seis dias na semana, em
média mais de dez horas diárias; possuem renda mensal relativa ao serviço doméstico
de R$ 972,00, em média; e não são sindicalizadas.
Esses perfis foram organizados em forma de quadros, que permitem o seu
acompanhamento de maneira sintética e comparativa. Com o intuito de facilitar essa
confrontação entre as características sócio-econômicas que apresentam, as trabalhadoras
domésticas que prestam serviço em apenas um domicílio e as que prestam em mais de
um foram separadas, respectivamente, nos quadros 2 e 3, apresentados a seguir.

101
Quadro 2: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço em apenas um domicílio
Marluce Creusa Marcelina Mariluce Albanice Aparecida Rosângela Gilmara
Data da 18/04/09 18/04/09 17/10/09 09/11/09 26/11/09 03/12/09 10/12/09 17/12/09
entrevista
Idade 42 anos 28 anos 66 anos 44 anos 33 anos 50 anos 48 anos 38 anos
Estado civil Separada Solteira Separada Casada Solteira Viúva Casada, mas Solteira
não
legalmente
Naturalidade Rio de Bahia Rio de Janeiro Mato Grosso Paraíba Minas Gerais Rio de Rio de
Janeiro - do Sul Janeiro Janeiro, São
Itaperuna João de
Meriti
Localidade Belford Roxo Estácio Centro (Bairro Lapa Parada de Del Castilho Campo Mesquita,
na qual de Fátima) Lucas Grande Baixada
reside Fluminense
Condição do Próprio Alugado Alugado Cedido pelo Próprio Alugado Alugado Próprio
imóvel patrão do
marido
enquanto
trabalhar para
ele como

102
motorista
Dorme na Sim Não Não Não Não Não Não Sim
casa em que
trabalha
Escolaridade Ensino Ensino Ensino Está cursando Ensino Ensino Sem Ensino Médio
fundamental Médio fundamental o 2º ano do Fundamental Fundamental instrução. completo
incompleto completo incompleto (7ª Ensino incompleto incompleto Pouco sabe
(3ª série) série) Médio à noite (4ª série) (1ª série) ler e escrever
Filhos Uma filha Não Uma filha e Um filho Uma filha Uma filha e Três filhas Não
um filho um filho
Idade dos 28 anos A filha tem 34 12 anos 13 anos A filha tem 7, 19 e 30
filhos - anos e o filho 27 anos e o anos -
tem 24 filho tem 23
Ocupação Dona de casa A filha é Estudante Estudante A filha é A mais velha
dos filhos formada em atendente de é professora,
Engenharia de loja e o filho mas trabalha
- Produção e o ainda não para uma -
filho faz trabalha operadora de
faculdade de telefonia; e a
Educação de 19 está
Física desempregada

103
Localidade Belford Roxo Catete (na Lapa No estado da Del Castilho Campo
na qual os - casa em que Paraíba Grande -
filhos ela trabalha)
residem
Bairro(s) Botafogo Botafogo Catete Leblon Laranjeiras Flamengo Flamengo Flamengo
onde
trabalha
atualmente
Número de Uma Uma Uma Uma Uma Uma Uma Uma
residências
onde presta
serviço
Número de 6 dias 5 dias 6 dias 5 dias 6 dias 5 dias 5 dias 5 dias
dias em que
trabalha na
semana
Jornada 17 horas 8 horas 12 horas (aos 9 horas 9 horas 7 horas 14 horas 12 horas
diária de sábados são 7
trabalho horas)
Carteira de Sim Sim Não. Ela já Sim Sim Sim Não Sim
trabalho está

104
assinada aposentada
Renda R$ 1.200,00 R$ 512,00 R$ 513,00 R$ 800,00 R$ 600,00 R$ 600,00 R$ 465,00 R$ 900,00
mensal
advinda
deste
trabalho
Renda R$ 1.200,00 R$ 512,00 Em torno de R$ 800,00 R$ 600,00 R$ 1690,00 R$ 665,00 R$ 900 + 300
mensal total R$ 900,00 (salário + (salário + + 300 =
(salário + pensão que o venda de 1500,00
aposentadoria) marido salgadinhos (Salário +
deixou) por aluguel de
encomenda) apartamento
em Pilares +
20% do que a
Igreja em que
ela é pastora
arrecada,
valor que é
muito
variável)
Sindicalizada Não Não Não Não Não Não Não Não

105
Quadro 3: Perfil das trabalhadoras domésticas entrevistadas que prestam serviço em mais de um domicílio
Valdenice Maria das Maria do Maria Edna Elisabete Maria de Maria José
Graças Desterro Lurdes
Data da 11/11/09 16/11/09 21/11/09 24/11/09 01/12/09 18/01/10 09/03/10 16/03/10
entrevista
Idade 38 anos 59 anos 41 anos 50 anos 43 anos 42 anos 47 anos 45 anos
Estado civil Casada, mas Viúva Casada Separada Casada Casada, mas Separada Separada
não não
legalmente legalmente
Naturalidade Pernambuco Espírito Paraíba Alagoas Rio de Paraíba Sergipe Maranhão
Santo Janeiro
Localidade Rocha Jardim Leblon Pavuna Campo Rio das Piabetá, Magé Costa Barros
na qual Miranda Primavera, Grande Pedras
reside em Duque de
Caxias
Condição do Alugado Próprio Cedido Próprio Alugado Alugado Próprio Próprio
imóvel enquanto o
marido
trabalhar
como
porteiro do

106
prédio
Dorme em Não Às vezes, Não Não Não Não Sim Não
alguma das para
casas em que economizar
trabalha 19 reais de
passagem por
dia
Escolaridade Ensino Ensino Ensino Ensino Ensino Sem Ensino Ensino
fundamental fundamental fundamental Médio Médio instrução. fundamental fundamental
incompleto completo incompleto completo completo Pouco sabe incompleto (4ª incompleto
(5ª série) (4ª série) ler e escrever série) (2ª série)
Filhos Três filhas e Dois filhos Uma filha Uma filha e Duas filhas e Duas filhas Uma filha e Duas filhas
um filho dois filhos um filho um filho
Idade dos O filho tem 30 e 32 anos 11 anos Os filhos têm As filhas têm 15 e 19 anos A filha tem 27 18 e 25 anos
filhos 16 anos, a 22 e 24 anos 20 e 22 anos anos e o filho
filha mais e a filha tem e o filho tem tem 25 anos
velha tem 18 18 anos 15 anos
e as filhas
menores, que
são gêmeas,
têm 12

107
Ocupação Estudantes Os dois são Estudante Um filho Uma filha é A mais velha A filha é A filha mais
dos filhos motoristas de trabalha em operadora de não terminou vendedora e o velha
firma loja de telemarketing os estudos e é filho faz trabalha
roupas; o e a outra diarista; a serviços gerais. como
outro não trabalha mais nova é Estão manicure; a
trabalha; e a como estudante desempregados mais nova
filha trabalha vendedora de nunca
no shopping loja. O filho trabalhou
está no
Ensino
Médio
Localidade Rocha Jardim Leblon Pavuna Campo Rio das Piabetá, Magé Costa Barros
na qual os Miranda Primavera, Grande Pedras
filhos em Duque de
residem Caxias
Bairro(s) Laranjeiras e Leblon Jardim Laranjeiras e Barra da Barra da Jardim Barra da
onde Tijuca Botânico e Leblon Tijuca, Tijuca e Botânico, Tijuca,
trabalha Leblon Flamengo, Copacabana Lagoa e Botafogo,
atualmente Leblon e Laranjeiras Copacabana e
Tijuca Leblon
Número de Três Duas Duas Quatro Cinco Duas Três Cinco

108
residências
onde presta
serviço
Número de 5 dias (1ª 3 dias (1ª 4 dias (1ª 5 dias (1ª 7 dias (1ª 5 dias (1ª 6 dias (1ª casa: 6 dias (1ª
dias em que casa: 4 dias; casa: 2 dias; casa: 3 dias; casa: 2 dias; casa: 2 dias; casa: 3 dias; 5 dias; 2ª e 3ª casa: 2 ou 3
trabalha na 2ª e 3ª casas: 2ª casa: 1 dia) 2ª casa: 1 dia) 2ª, 3ª e 4ª 2ª, 3ª e 4ª 2ª casa: 2 casas: uma vez dias; 2ª e 3ª
semana uma vez a casas: 1 dia casas: 1 dia dias) a cada quinze casas: 1 dia
cada quinze em cada uma em cada uma; dias) em cada uma;
dias) e 5ª casa: 2 e 4ª e 5ª
dias casas: uma
vez a cada
quinze dias
Jornada 8 horas 12 horas 9 horas 8 horas 8 horas e 12 horas Na 1ª casa: 16 9 horas
diária de meia horas; na 2ª e
trabalho 3ª: 6 horas
Carteira de Sim (na casa Não Não Não Não Não Sim (na casa Não
trabalho em que em que
assinada trabalha 4 trabalha 5 dias)
dias)
Renda 1ª casa: R$ 1ª casa: R$ 1ª casa: R$ 1ª casa: R$ 1ª casa: R$ 1º casa: R$ 1ª casa: R$ 1ª casa: R$
mensal 600,00; 2ª 640,00; 2ª 840,00; 2ª 560,00; 2ª 513,00; 2ª 450,00; 2ª 750,00; 2ª 700,00; 2ª

109
advinda casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$
deste 140,00; 3ª 320,00 280,00 280,00; 3ª 320,00; 3ª 300,00 180,00; 3ª 300,00; 3ª
trabalho casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$ casa: R$
140,00 280,00; 4ª 320,00; 4ª 200,00 280,00; 4ª
casa: R$ casa: R$ casa: R$
280,00 320,00; 5ª 140,00; 5ª
casa: R$ casa: R$
700,00 140,00
Renda R$ 880,00 R$ 960,00 R$ 1120,00 R$ 1400,00 R$ 2173,00 R$ 750,00 R$ 1130,00 R$ 1560,00
mensal total (no serviço
doméstico) +
R$ 230,00
(limpeza de
roupas) =
1190,00
Sindicalizada Não Não Não Não Não Não Não Não

110
3.2 – Histórias de vida: entre panelas, bonecas e vassouras

O uso da história de vida torna possível analisar a interseção entre a trajetória


específica de cada um e o contexto social do qual faz parte (QUEIROZ, 1988), ou seja,
permite estabelecer uma articulação da biografia individual com os padrões históricos e
sociais que a explicam (CAMARGO, 1984). Sendo assim, é uma ferramenta valiosa
para compreender a dinâmica das relações sociais constituída por alguém ao longo de
sua existência.
Nesse sentido, uma parte da entrevista realizada com as trabalhadoras
domésticas da cidade do Rio de Janeiro foi direcionada à história de vida de cada uma
delas, principalmente enfocando a fase da infância. Essa etapa da trajetória individual
ganhou destaque, pois apresentou características comuns à maioria das entrevistadas e
representou um momento sobre o qual foi complicado elas falarem. A dificuldade de
relembrar a idade da puerícia nos chamou muito a atenção e, por vezes, tentava ser
contornada por meio de um salto rápido da infância para a fase adulta.
A discrição, o choro, a voz embargada e as tentativas de fugir às perguntas
deixavam claro que essa parte do passado, preferencialmente mantida em silêncio, em
muitos casos, difícil de ser revisitada, era menos produto de esquecimento e mais
trabalho de gestão da memória, para evitar trazer à tona determinadas lembranças que se
quer esquecer.

Assim, as dificuldades e bloqueios que eventualmente surgiram ao longo de


uma entrevista só raramente resultavam de brancos da memória ou de
esquecimentos, mas de uma reflexão sobre a própria utilidade de falar e
transmitir seu passado. (POLLAK, 1989: 13).

Coube a nós certa perseverança para contornar essas tentativas de fuga e


conseguir manter uma linha de raciocínio que, mesmo com dificuldades, retomasse,
com um mínimo de coerência, fatos e acontecimentos tidos como importantes pelas
entrevistadas, apesar de isso significar um esforço emocionalmente desgastante, e até
mesmo fisicamente visível, de lidar com zonas de sombra, silêncios, “não-ditos”
presentes nas lembranças (POLLAK, 1989).
Ao analisarmos o conjunto das trajetórias individuais das trabalhadoras
domésticas pesquisadas, percebemos que três momentos perpassavam a grande maioria
das histórias de vida e ganhavam relevo em suas próprias narrativas pessoais. Esses três

111
marcos, referentes à forma como elas se relacionaram com os afazeres domésticos desde
a infância até a idade adulta, apresentaram uma regularidade ao longo das entrevistas.
Dessa forma, esses três momentos representam as linhas que tecem a narrativa comum a
muitas trabalhadoras domésticas brasileiras.
Embora a escolha dessas três linhas narrativas, que nos pareceram relevantes em
seus discursos ao refletirem sobre fatos vividos, não signifique, em hipótese nenhuma,
que outras não possam ser mobilizadas com o mesmo intuito. Esses três marcos,
abordados a seguir, comuns a muitas das trajetórias, parcialmente vivenciados na
infância, e relativos aos afazeres domésticos, são: 1º) A “ajuda” em seu próprio lar
desde a infância; 2º) Ir morar/trabalhar na casa de terceiros ainda criança; 3º) Seguir
permanentemente na ocupação que lhe foi direcionada desde muito pequena.

3.2.1 – Da infância ao trabalho: uma “ajuda” nos afazeres domésticos

À medida que as entrevistas foram realizadas, tornava-se evidente como algumas


situações vivenciadas individualmente por cada uma das trabalhadoras domésticas eram
comuns à maioria delas. Esse é certamente o caso da infância, que muitas definiram
como uma fase muito complicada de suas vidas, na qual as dificuldades financeiras e o
“ter que trabalhar”, fortemente presentes em suas narrativas, acabaram por configurar,
em algum nível, as suas trajetórias pessoais e profissionais.
Nesse sentido, muitos aspectos de suas histórias de vida são compartilhados por
elas. O primeiro deles é fazer parte de uma família numerosa, com muitos irmãos. O
segundo é morar em cidades do interior de vários estados brasileiros, principalmente, do
Nordeste e Sudeste. O terceiro aspecto em comum são as atividades desempenhadas
pelos pais. As mães das entrevistadas trabalhavam na lavoura, eram cozinheiras de
fazendas, donas de casa e empregadas domésticas. Já os pais trabalhavam na lavoura,
tanto como empregados de outras pessoas, quanto plantando a própria roça; eram
capatazes de fazenda, pedreiros, comerciários e operários.
Mas o aspecto mais importante, relacionado aos anteriores e que marca a
primeira linha narrativa das três aqui destacadas, é o trabalho ser uma dimensão crucial
desde a infância. Nessa primeira etapa, ele se apresenta como “ajuda” nos afazeres
domésticos e na roça da família:

112
Eu trabalhava na roça, ajudava a minha mãe que tinha muito filho. Tinha que
cuidar dos outros mais novos. Às vezes eu levava para o colégio comigo para
não ter que perder aula. Era o maior sacrifício (Albanice, trabalhadora em
apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Sabe o que é isso? Plantar cana, plantar feijão, cortar cana, plantar capim. Tudo
isso. Serviço de roça mesmo (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50
anos, natural de Alagoas).

Eu ficava mesmo era em casa, ajudando a minha mãe, arrumando a casa,


fazendo comida (Aparecida, trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos,
natural de Minas Gerais).

Em muitos casos, em vista de a mãe trabalhar fora, bem como as irmãs mais
velhas, a “ajuda” transformava-se em total responsabilidade pelos afazeres domésticos e
pelo cuidado dos irmãos menores:

Eu sempre fiz tudo. A minha irmã já trabalhava. Eu era a única filha que ficava
em casa. Eu tinha uma irmã pequenininha. Então, eu é que fazia tudo. Eu
cuidava dela, fazia a comida, limpava a casa, porque a minha mãe também saía
pra trabalhar (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural
do Mato Grosso do Sul).

A “ajuda” com o trabalho doméstico e com a roça da família, bem como as


dificuldades para se chegar à escola no interior, acabaram prejudicando as
possibilidades de estudo.

A minha infância foi um pouco difícil. Eles [os pais] não tinha muito recurso.
Estudar também era difícil. A gente estudava numa casa, sabe, no interior,
casa, as professora dava aula em casa. Aí depois acabou, aí fez um grupo, mas
era longe. Então, ficou difícil, aí paramos de estudar (Aparecida, trabalhadora
em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).

Em contraponto, aprenderem muito jovens a realizar essas tarefas é o que


assegurava poderem trabalhar na casa de terceiros ainda na infância, como extensão das
atividades domésticas que já realizavam no próprio lar. Então, essa socialização no
trabalho reprodutivo significava, a curto prazo, a manutenção da rotina da casa e, a
médio prazo, a possibilidade de ganho econômico e de contribuição para a renda
familiar. Prestar serviço na casa de outra família, com a bagagem adquirida até então, é
o início de uma segunda etapa de suas trajetórias individuais, analisada a seguir.

113
3.2.2 – Do lar à casa de terceiros: mais do que uma “ajuda”

Os relatos das trabalhadoras domésticas entrevistadas confirmaram uma prática


social comum no Brasil: as meninas oriundas de famílias numerosas e com baixo poder
aquisitivo, para ajudar financeiramente os pais ou, pelo menos, para não onerá-los, eram
enviadas para casas de parentes ou de empregadores, muitas vezes, em outras cidades,
para morar/trabalhar e assim tentar assegurar uma condição de vida um pouco melhor.
A saída do lar para a casa de terceiros era motivada, principalmente, pela
possibilidade de ter acesso a determinados bens de consumo e contribuir para o
orçamento familiar. Mas em alguns casos era acelerada pela morte do pai ou da mãe e
pelo novo casamento de um deles. Foi essa a situação de Maria, que perdeu o pai e a
mãe casou-se logo em seguida, enviando-a para trabalhar e morar em casa de família,
aos seis anos de idade:

Uma infância muito difícil, muito pobre. O meu pai morreu logo cedo. Eu era a
mais velha, fiquei com seis anos, tive que trabalhar. Fui criada na casa dos
outros. Foi muito difícil, muito difícil mesmo. Quando não estava na casa dos
outros, estava trabalhando na roça (Maria, trabalhadora em quatro domicílios,
50 anos, natural de Alagoas).

Com Maria de Lurdes ocorreu algo próximo, mas além da questão do


falecimento do pai, houve também o complicador de um problema grave de saúde da
mãe:

Sem pai, sem mãe, sozinha no mundo. Meu pai faleceu, eu ia fazer sete anos; e
a minha mãe, quando eu ia completar oito anos, passou por um derrame e ficou
em cima de uma cama, paralisada. Então, eu é que tive que me virar sozinha.
Eu tive que trabalhar com oito anos para poder ajudar a minha mãe (Maria de
Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de Sergipe).

Já no caso de Mariluce, aos doze anos de idade, com a morte de sua mãe, e como
o pai já havia falecido, ela ficou órfã. Foi nessa época que o serviço doméstico na casa
de terceiros passou a fazer parte de sua trajetória. Ela foi morar/trabalhar na casa da
irmã da patroa de sua irmã mais velha, ajudando a empregada doméstica da família.

Depois que ela faleceu que eu fui morar nessa casa e aí eu comecei a trabalhar.
Ela me dava um dinheiro, me dava roupa, aí eu ficava lá trabalhando. Eu
limpava quintal, molhava as plantas. Não era trabalho muito forçado não, e ela
me dava a oportunidade de eu estudar (Mariluce, trabalhadora em apenas um
domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).

114
Além da situação de morte, há também a de abandono, como ocorreu com
Rosângela e seus seis irmãos:

A minha mãe deixou a gente, e o meu pai morava com a minha madrasta. A
minha avó levou a gente pra casa do meu pai. Aí meu pai saiu dando um pra
um e um pra outro. Eu fui parar na casa dessa minha mãe de criação, porque
ela tinha uma lavadeira, dona Maria, não sei se é viva, não sei se é morta, e ela
me levou para a casa dela (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio,
48 anos, natural do Rio de Janeiro).

Essa experiência inicial no serviço doméstico, propriamente dito, encontrava


dois lugares para se concretizar: na casa de parentes mais abastados da família ou na
casa de empregadores sem laços de parentesco. No caso dessa primeira possibilidade,
tias, primas e outros membros da família extensa, em melhor situação financeira,
levavam as meninas para suas residências. Estas recebiam comida, roupas e, em alguns
casos, um agrado financeiro e, em troca, “ajudavam” nos afazeres domésticos e nos
cuidados com as crianças. Às vezes passavam a morar definitivamente com os
familiares, o que significava serem criadas por eles.

Elas [as tias] me davam as coisas em troca, assim, me dava roupa, calçado,
uma coisa que eu queria, que meus pais não podiam me dar. Eu ajudava primos
que tinha condição melhor do que a gente. Então, podia pagar a gente, dar as
coisas pra gente, porque muito filho pra minha mãe (Maria do Desterro,
trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Essa mesma situação foi vivenciada por Creusa, cujos pais, que tinham oito
filhos, resolveram atender aos pedidos da tia materna, que era mãe de um bebê de dois
meses, e levá-la, com apenas cinco anos de idade, para morar definitivamente na casa
dela, em outra cidade. Somente no final do ano era possível reencontrar os pais e ter
algum contato com os irmãos, como ela nos contou:

Quando eu fui pra lá, ela não tinha nenhum filho...Só tinha um filho. Aí quando
eu saí, tinha seis já. Eu praticamente cuidava da casa, das crianças. Ela saía de
manhã, chegava de noite. Eu que cuidava da casa. O esposo dela sempre
trabalhou assim fora. Aí, eu que ajudava ela (Creusa, trabalhadora em apenas
um domicílio, 28 anos, natural da Bahia).

A segunda possibilidade, trabalhar na casa de um empregador externo ao âmbito


familiar, era a mais comum. Assim como a primeira, envolvia dormir na casa dos
patrões, “ajudar” nas atividades domésticas e receber, principalmente, comida e roupa:

115
A minha infância foi trabalhando desde os meus 13 anos. Eu comecei a
trabalhar em um sítio, em casa de família mesmo, para ajudar meus pais. Eu
me apressei para sair, via a situação. Saí de casa para trabalhar, só que também
era uma coisa muito pouca. Minha mãe dizia assim: a gente trabalha pela
comida. Então, foi por aí que eu comecei (Elisabete, trabalhadora em dois
domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).

Com oito anos eu fui brincar com criança, como se fosse babá. Eu ficava na
casa e só voltava no sábado. Foi uma experiência ruim, porque uma criança
cuidar de outras crianças é bem complicado. É uma responsabilidade muito
grande. Não foi uma boa experiência, não. Isso é uma vaga lembrança na
minha cabeça, porque também eu era muito pequena, é uma lembrança bem
distante (Maria de Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de
Sergipe).

Mas nessa segunda possibilidade, mais do que na primeira, às dificuldades


financeiras e ao “ter que trabalhar” somavam-se a solidão e o afastamento do convívio
familiar. Longe dos parentes e ainda crianças, essas trabalhadoras domésticas ficavam
suscetíveis a riscos de muitas ordens e vulneráveis a castigos e a maus tratos:

Depois fui para outra. A senhora era muito ruim: maltratava, não deixava eu
comer. Ela viajava e não deixava comida. Eu agüentei lá um ano mais ou
menos. Aí eu pedi para sair, e ela não queria deixar eu sair, porque eu sou
muito calma. Aí ela conversou com o meu pai. Todo mundo falava que a culpa
era minha. Aí botaram uma irmã minha lá, e ela também não agüentou
(Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Ambas as formas de trabalho na casa de terceiros durante a infância e a pré-


adolescência estavam configuradas pelo tripé morar, trabalhar e “ser criada”. Esses dois
últimos elementos confundiam-se muito, de forma que as fronteiras entre ser
trabalhadora e ser membro da família nem sempre eram nítidas. A condição de
agregada, ora a igualava aos demais moradores jovens da casa, ora fazia recair apenas
sobre ela as responsabilidades pelos afazeres domésticos.
Essa relação ambígua de “ser criada” pela família empregadora e, ao mesmo
tempo, ter a função de “ajudar” ou trabalhar na casa, dava origem a uma socialização
que enfocava mais a sua formação como “boa” trabalhadora doméstica do que a sua
formação escolar. Nesse sentido, o trabalho em casa de família durante a infância e a
pré-adolescência tinha como resultado o atraso escolar. Sabóia, analisando os dados da
PNAD do ano de 1998, concluiu que:

Quando comparadas as meninas trabalhadoras domésticas com as demais


meninas trabalhadoras, nota-se uma situação de freqüência escolar nitidamente
desvantajosa para as primeiras. Enquanto 32,8% daquelas no serviço doméstico

116
não estudam, entre as outras trabalhadoras o percentual baixa para 17,6%. Esse
quadro repete-se em todas as regiões do país (SABÓIA, 2000: 13).

Essa socialização que valorizava o trabalho acima do estudo permitia que a


decisão entre estudar ou não ficasse, em último nível, nas mãos dos empregadores.
Como é grande a rotatividade do serviço doméstico, isso acabava por prejudicar o
prosseguimento da educação formal:

Nem sempre em toda a casa de família a gente podia estudar. Por exemplo, eu
ficava meses numa casa. Vamos supor, eu ficava três, quatro meses numa casa,
aí eu estudava. Aí não dava certo, saía. Arranjava outro que não podia estudar.
Ficava aquela coisa maluca (Maria do Desterro, trabalhadora em dois
domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Não podia estudar. Nessa casa que eu fiquei de babá, eles nem me proibiram de
estudar. O negócio é que eles chegavam muito tarde do trabalho e não tinha
mais horário pra mim sair pra estudar. Nas outras, não. Eles não queriam nem
saber de nada. Eles só queriam saber que aquela pequenina estava lá para
cozinhar, pra arrumar e pronto (Maria José, trabalhadora em cinco domicílios,
45 anos, natural do Maranhão).

Dessa forma, essa segunda linha narrativa possível de ser mobilizada para
explicar a história de vida das trabalhadoras domésticas entrevistadas, mostrou-nos que
a saída do lar para a casa de terceiros, parentes ou não, durante a infância e a pré-
adolescência, foi um condicionamento social importante, que indicava, desde muito
cedo, o caminho a ser percorrido na fase adulta.
Essa estratégia de sobrevivência da família por meio da socialização de suas
meninas no serviço doméstico realizado em casa de terceiros acabava por realimentar a
condição de pobreza, reproduzida entre as gerações:

Da expectativa inicial de ingressar no trabalho doméstico para obter


oportunidades sociais, a permanência no trabalho acaba por manter a
reprodução do ciclo da pobreza, uma vez que os prejuízos causados pela
exploração e violência configuradas pela longa jornada de trabalho, baixa ou
nenhuma remuneração, desestruturação psicológica, baixa auto-estima,
internalizações de relações de subalternidades, pouco ou nenhum acesso a
meios estimuladores da capacidade criativa e cognitiva, dificultam a
socialização para o mercado de trabalho (LAMARÃO, 2003: 8).

Mas que fatores condicionaram o desempenho dessa ocupação a passar de


temporário a permanente para essas mulheres? Saberem realizar os afazeres domésticos
e cuidar de crianças, primeiro no próprio lar e depois na residência do primeiro
empregador, onde foram socializadas no manuseio de determinados eletrodomésticos e

117
produtos que até então desconheciam; estarem inseridas em uma rede de relações de
demanda e oferta de afazeres domésticos, a partir da qual podiam ser indicadas para
outras casas; fazerem parte de famílias com baixo poder aquisitivo; e, principalmente,
terem pouca educação formal, por conta das dificuldades, e até mesmo
impossibilidades, de conciliarem a “ajuda” em casas de família com o estudo escolar. É
esse o contexto que dá origem à terceira etapa desse percurso, abordada adiante.

3.2.3 – Da primeira casa às demais: a “ajuda” virou profissão

Como a fase anterior significou que as entrevistadas, ao trabalharem desde


crianças, não puderam estudar, essa infância acabou por moldar a ocupação que elas
seguiriam como transição da juventude para a idade adulta. Nos discursos das
trabalhadoras domésticas, referentes a essa terceira linha narrativa, a palavra “ajuda”,
tão enfatizada nas anteriores, desaparece e dá lugar à palavra “trabalho”. Isso reflete o
fato de que a “ajuda” tornou-se a ocupação principal e perdeu seu caráter provisório, de
forma que se fazia necessário ir a uma residência que reconhecesse essa sua nova
condição:

À medida que a menina crescia, os termos de seu contrato deviam ser


renegociados. Certamente, para alguém com primeiro grau completo e alguns
anos de experiência, um pagamento de “roupinha e sapato” não era mais
suficiente (RIZZINI e FONSECA, 2002: 27).

É nessa etapa que a migração aparece como fator importante, pois foi na
adolescência que a maioria das trabalhadoras domésticas de outros estados veio
trabalhar e morar no Rio de Janeiro. Em todos os casos analisados, havia irmãos,
primos, tios já estabelecidos na cidade e era o apoio dessa rede que permitia que elas
viessem com maior segurança, muitas vezes com a garantia de um serviço54. As recém
chegadas, geralmente, procuravam dormir na casa dos patrões, pois assim as suas duas
preocupações iniciais, trabalho e moradia, estariam simultaneamente resolvidas
(BARBOSA, 2000).
Na cidade do Rio de Janeiro, elas passaram pelo terceiro e último processo de
socialização referente aos serviços domésticos, que se somava ao realizado em seu

54
Esse é o chamado “trabalho por encomenda”, quando uma migrante é trazida de uma outra cidade ou
estado, acionando uma rede de relações que reservou a ela um emprego na casa de uma família que
justifica o deslocamento.

118
próprio lar e ao vivenciado na primeira casa em que “ajudavam” ainda crianças. Há a
necessidade de aprender a lidar com novos produtos, comidas e aparelhos, bem como
com códigos culturais e urbanos até então desconhecidos e próprios de cidades grandes:

Não é fácil você vir de um de lugar completamente diferente, você pode sair,
você conhece todo mundo. Aí você chega aqui na cidade grande. Eu tinha
medo até de entrar no elevador (Maria do Desterro, trabalhadora em dois
domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Eu passei aquele lustra móvel no chão. Aí as crianças começaram a cair (risos).


A minha patroa começou a perceber que as crianças estavam caindo muito no
chão, aí: Creusa, o que você passou neste chão que as crianças estão caindo
muito? Aí eu falei: é que eu passei lustra móvel. Aí ela: minha filha, mas isso
aí é pra passar no armário, não é no chão não (risos) (Creusa, trabalhadora em
apenas um domicílio, 28 anos, natural da Bahia).

A quase totalidade daquelas entrevistadas que desde criança “ajudavam” na casa


de terceiros nunca desempenhou outra ocupação que não a de doméstica, o que ressalta
a fase da infância como importante para buscar compreender os condicionamentos
sociais que as influenciaram a desempenhar, quando adultas, essa profissão. Já as
entrevistadas que não trabalharam na infância ou pré-adolescência costumavam a ter
vivenciado também outros serviços, principalmente no comércio.
Ao longo de suas trajetórias individuais, as entrevistadas trabalharam em muitas
residências, casaram-se e tiveram filhos. Mas é importante frisar que as três etapas que
organizaram as histórias de vida delas, embora pertinentes em muitos casos, não se
aplicam a todas. Algumas mulheres que fizeram parte da pesquisa apenas se tornaram
trabalhadoras domésticas depois que se separaram ou quando voltaram a trabalhar após
os filhos já estarem um pouco mais crescidos.
De todo o modo, essas três linhas narrativas mobilizadas contemplam a história
de vida da maior parte das entrevistadas, migrantes ou não. É a trajetória de quem se
dedicou aos afazeres domésticos desde a infância, primeiro no próprio lar e depois na
residência de terceiros, transformando a “ajuda” em casa de família em ocupação
permanente. Mulheres que seguiram o caminho que lhes havia sido indicado desde
pequenas, primeiro por conta da difícil situação financeira vivenciada pela família,
depois como conseqüência da baixa escolaridade e da não qualificação para exercer
outras atividades. Nesse sentido, o círculo vicioso estava formado: tornaram-se
trabalhadoras domésticas, porque não puderam estudar ou se qualificar; e não puderam
estudar ou se qualificar, porque desde a infância tornaram-se trabalhadoras domésticas.

119
3.3 – Os marcadores da diferença

Vimos anteriormente que a definição de empregado doméstico que está em vigor


é a prevista na Lei nº. 5.859, de 1972, que, recapitulando, o define como “aquele que
presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família
no âmbito residencial destas”. Já a definição de diarista é, para a jurisprudência, a
pessoa que presta serviços em uma mesma residência apenas alguns dias da semana e
recebe pagamento diário, o que o Projeto de Lei do Senado, nº. 160, de 2009, ainda em
tramitação, delimitou com a freqüência de, no máximo, duas vezes por semana.
Buscou-se, por meio das entrevistas realizadas com trabalhadoras domésticas da
cidade do Rio de Janeiro, perceber se as concepções delas sobre as diferenças existentes
entre essas duas possibilidades de inserção no mercado de trabalho se aproximam da
legal ou se estabelecem a partir de outros critérios. Como as trabalhadoras domésticas
percebem a distinção entre ser mensalista e ser diarista? Quais são os principais
marcadores da diferença estabelecidos por elas?
Assim como na doutrina e na jurisprudência, há também divergências na
maneira como as entrevistadas percebem essas duas formas possíveis de relação de
trabalho no serviço doméstico. Foram três os principais critérios apresentados por elas
para diferenciarem uma da outra: 1º) O número de dias semanais que trabalham para
uma mesma família; 2º) A forma de pagamento; 3º) O tipo de atividade que realizam. É
importante explicitar esses entendimentos distintos, pois eles explicam as dificuldades
encontradas para classificá-las.
Os dois primeiros critérios, levantados pela quase totalidade das entrevistadas,
estão em consonância com os aspectos legais, acompanhando o entendimento jurídico,
seja da jurisprudência, da doutrina ou do Projeto de Lei do Senado, nº. 160, de 2009, de
que os marcadores da diferença em relação às diaristas são o fato de trabalhar apenas
alguns dias da semana em determinada residência e o de receber o pagamento pelo
serviço prestado, na forma de diária, no dia em que é realizado:

A diarista, ela ganha por aquilo que faz. Empregada, ela geralmente ganha um
salário, é assalariada (Creusa, trabalhadora em apenas um domicílio, 28 anos,
natural da Bahia).

A empregada vai todo o dia, e a diarista vai um dia, realiza tudo que tem que
fazer e pronto (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos,
natural da Paraíba).

120
Já o terceiro critério, compartilhado por uma parte das trabalhadoras domésticas
entrevistadas, diz respeito ao tipo de atividade que é realizada para os empregadores,
aspecto pouco enfatizado do ponto de vista jurídico. Como vimos no capítulo 1, a
questão principal que diferencia o empregado doméstico do diarista, em termos da
doutrina e da jurisprudência majoritárias, é a natureza contínua presente no trabalho do
primeiro e a sua ausência no do segundo, que faz referência à freqüência com que o
trabalho é realizado, daí a relevância que ganha o número de dias semanais trabalhados.
Enquanto para os juízes as atividades realizadas no domicílio são apenas mais
um critério a ser pesado na balança que tende para o vínculo empregatício ou para a
autonomia; para as trabalhadoras entrevistadas, elas são muito mais relevantes e ocupam
lugar central na diferenciação. Na concepção delas, para distinguir empregado
doméstico de diarista, tão importante quanto o número de dias trabalhados em uma
mesma residência é o tipo de afazeres domésticos a ser realizado nela.
Nesse sentido, algumas trabalhadoras domésticas, mesmo trabalhando apenas
alguns dias semanais para uma família, não se consideram diaristas, mas empregadas
domésticas, pois realizam todas as tarefas da casa. É justamente esse o desafio de
compreender os marcadores da diferença: lidar com a heterogeneidade de relações de
trabalho possível, sempre mais rica do que as classificações que se busca estabelecer.
Dessa forma, é preciso estar atento para a gama de possibilidades existente além dos
modelos da empregada doméstica mensalista e da diarista faxineira.
Acompanhando alguns casos, é possível perceber por que o critério dos dias da
semana por si só não é suficiente na concepção de algumas trabalhadoras domésticas
que prestam serviço em mais de um domicílio. Maria das Graças, 59 anos, por exemplo,
trabalha em duas casas no Leblon. Na primeira, duas vezes por semana; na segunda,
uma vez. Em ambas recebe R$ 80,00 reais por dia, que apenas é pago junto ao final do
mês; trabalha das dez horas da manhã às dez da noite; e não tem vínculo empregatício.
Além disso, faz a contribuição ao INSS como autônoma, com um dinheiro que o patrão
da primeira casa oferece com esse objetivo. Como ela recebe por mês e realiza todas as
atividades domésticas, lava, passa, faz compras, cozinha e limpa, considera-se
empregada doméstica:

Eu nem sei se eu me considero uma diarista. O meu trabalho não é como uma
diarista. Eu não me considero uma diarista. Se eu fosse diarista...por exemplo,
eu estou aqui aí o meu patrão: ah, Graça, tem carne pronta? Tem isso, tem
aquilo. Eu vou jantar isso. Se eu tiver na rua: onde você está, dá pra você botar
a comida pra mim? Eu não vou falar que não. Então, são essas coisas. Eu não

121
me considero como diarista. Eu não fui contratada para fazer faxina. Eu fui
contratada para fazer esse serviço todo (Maria das Graças, trabalhadora em
dois domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).

Da mesma forma, Elisabete, 42 anos, trabalha em duas casas. A primeira, em


Copacabana, três dias por semana; a segunda, na Barra da Tijuca, dois dias. Em ambas
recebe o pagamento ao final do mês, respectivamente, de R$ 450,00 e de R$ 300,00,
além da passagem; não tem a carteira assinada; e contribui para o INSS como
autônoma. Como é encarregada de todos os afazeres domésticos nessas casas, e o
pagamento é realizado mensalmente, também se percebe como empregada doméstica:

Eu não me considero diarista, porque eu nem sou diarista, sou empregada. Eu


faço tudo. Se fosse faxina seria até bem melhor, porque a faxina as pessoas
cobra R$ 70,00, 80,00. Ali você terminou, você recebe. E eu recebo por mês
(Elisabete, trabalhadora em dois domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).

Portanto, a distinção entre ser empregada e diarista, na concepção das


entrevistadas, envolve uma série de características, da qual faz parte o tipo de atividade
demandada. Cabe questionar se é possível, então, diante desses casos, identificar
algumas trabalhadoras como diaristas polivalentes ou se isso não seria nada mais do que
uma relação de emprego doméstico disfarçada.
De fato, essas duas possibilidades parecem estar presentes no mercado de
trabalho, tanto de trabalhadoras domésticas contratadas três, quatro vezes na semana,
sob a égide do “padrão” diarista, mas que realizam todas as atividades, recebem por mês
e não têm carteira assinada, como forma de os empregadores contornarem o vínculo
empregatício; quanto de trabalhadoras domésticas que também se responsabilizam por
afazeres diversos na residência, mas são contratadas apenas uma, duas vezes na semana,
recebendo diária, configurando-se enquanto diaristas polivalentes.
Nesse sentido, embora a imagem predominante da diarista seja a da faxineira
especializada, contratada apenas para realizar essa tarefa, há outras configurações
possíveis e até mesmo freqüentes. Uma delas é justamente a da diarista polivalente,
categoria da qual parecem fazer parte algumas entrevistadas. Esse é o caso de Maria, 50
anos, que trabalha em quatro casas nos bairros de Laranjeiras e Leblon, dois dias na
semana em uma delas e um dia em cada uma das outras. Ela recebe diária de R$ 70,00,
mas como gasta R$ 15,00 com a passagem, fica com R$ 55,00. Apenas em uma dessas
residências, trabalha fazendo somente a faxina, nas demais foi contratada para realizar
todas as tarefas, aproximando-se, nesse ponto, da empregada doméstica polivalente.

122
Retomando a questão da heterogeneidade, somente entre as dezesseis
entrevistadas pela presente pesquisa, já é possível identificar uma gama de
possibilidades de relações de trabalho doméstico. As oito que trabalham em apenas um
domicílio podem ser classificadas como empregadas domésticas mensalistas
polivalentes, sendo que duas dormem no trabalho e seis não. Já entre as oito que
trabalham em mais de um domicílio, a classificação é mais complicada, fazendo parte
desse grupo diaristas faxineiras, diaristas polivalentes, diaristas que são faxineiras em
algumas casas e polivalentes em outras, e empregadas domésticas mensalistas
polivalentes que são diaristas faxineiras nos dias de folga.
Mas apesar de todas essas possibilidades, quando as trabalhadoras domésticas
entrevistadas apresentaram as suas concepções sobre os marcadores da diferença foi
sempre tomando como referência os modelos da diarista faxineira e da empregada
doméstica mensalista polivalente. Reuniremos, então, mais elementos apontados por
elas como diferenciadores desses dois modelos. Para isso, analisaremos como as
trabalhadoras em apenas um domicílio pensam as diaristas faxineiras e como as
trabalhadoras em mais de um domicílio pensam as empregadas domésticas polivalentes,
pois quando elas se vêem é sempre em relação às outras, que funcionam como um
contraponto ao trabalho que realizam.
O primeiro marcador da diferença levantado pelas entrevistadas que trabalham
em apenas um domicílio, como forma de definirem o trabalho das diaristas, foi o
aspecto objetivo de elas prestarem serviço em muitos domicílios diferentes durante a
semana, de forma a preencherem seus horários da maneira financeiramente mais
vantajosa possível:

Diarista é você estar numa casa hoje no Flamengo, estar em outra casa no
Leblon, estar em outra casa na Barra da Tijuca. Isso é ser diarista. Não tem
vínculo empregatício. Hoje, eu soube até que a diarista precisa, eu vi uma
reportagem, se ela trabalha mais de duas vezes em uma casa, ela precisa ter a
carteira assinada. Eu ouvi uma reportagem assim, se eu não tiver enganada. A
diarista é isso, você não ficar em uma casa todos os dias. É você ter várias
casas dentro daquela semana (Gilmara, trabalhadora em apenas um domicílio,
38 anos, natural do Rio de Janeiro).

A diarista cada dia está na casa de um, na casa de outro. E a fixa está todo o dia
ali. A minha amiga fala que às vezes nem sabe qual é a casa que vai. Ela fica
toda atrapalhada, que eu acho que é três ou quatro casas que ela vai (Mariluce,
trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do
Sul).

123
Já as entrevistadas que trabalham em mais de um domicílio observaram, em
contraponto, que a empregada doméstica mantém seus serviços direcionados
unicamente para uma família:

A pessoa fica fixamente em um emprego só. É cozinhar, é lavar, é passar, é


arrumar, é fazer tudo isso. Todo o dia as mesmas coisas (Maria de Lurdes,
trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de Sergipe).

Um outro critério ressaltado é a remuneração do trabalho. No caso das diaristas,


o pagamento é realizado logo após o término do serviço, na forma de diária. No caso
das empregadas domésticas, é mensal ou, no máximo, quinzenal:

A diarista trabalha e ganha por dia. A gente ganha por mês (Aparecida,
trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).

É que a diarista você recebe o dinheiro na mão, e a empregada doméstica você


tem que receber mensalmente (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43
anos, natural do Rio de Janeiro).

O pagamento diário é percebido, pelas trabalhadoras em apenas um domicílio,


como financeiramente mais vantajoso, pois a soma das diárias semanais abre a
possibilidade de ganhos muito superiores aos salários recebidos pelas empregadas
mensalistas.

Uma faxineira, uma diarista, acho que ganha 80 reais por dia. Então, trabalhar
três vezes na semana, por mês tira muito mais do que eu tiro (Albanice,
trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Você arrumando umas cinco casas para você trabalhar de diarista, você tira
muito mais do que você trabalhar todo o dia e se estressa menos (Rosângela,
trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).

Da mesma forma, o pagamento de salário é tido pelas trabalhadoras em mais de


um domicílio como um importante marcador da diferença e indicador de ganhos bem
mais restritos, mas garantidos:

A diarista cada dia é uma casa, terminou o serviço já está com o dinheiro na
mão, sem contar que ganha mais. A empregada ganha menos, mas é certo
(Maria de Lurdes, trabalhadora em três domicílios, 47 anos, natural de
Sergipe).

124
Um quarto aspecto trazido pelas empregadas domésticas entrevistadas como
característica do serviço da diarista é o tipo de atividade que esta desempenha, na
perspectiva delas um trabalho de faxina, portanto, especializado:

Porque a diarista assim que ela chega na casa da patroa, ela passa um balde no
pano de chão dela, ela vai limpar. Acabou de limpar, acabou. Agora a gente
não, a fixa é a comida, tem um monte de coisas que a diarista não faz: roupa,
passar roupa, levar criança ao colégio, fazer comida. A diarista chega, é aquilo
ali, é só aquilo ali. É só pra limpar a casa, é só limpar a casa. Acabou, acabou.
E a gente não, a gente passa o dia inteiro tendo serviço, o dia todo tendo
trabalho (Marluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 42 anos, natural do
Rio de Janeiro).

As funções desempenhadas também são um critério frisado pelas trabalhadoras


em mais de um domicílio para explicar o trabalho das empregadas, percebido como
rotineiro e polivalente:

Ser empregada é mais tranqüilo, todo o dia a mesma casa, mas fazendo todas as
tarefas (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural
da Paraíba).

O trabalho da diarista é avaliado por ambos os grupos como fisicamente mais


desgastante do que o que é realizado pelas empregadas mensalistas:

A diarista trabalha muito. Ela tem que dar conta de dois quartos, três quartos, o
tamanho que seja a casa. Elas querem que dê conta num dia. Diarista é muito
cansativo. Você tem que dar conta, limpar janela, vidro, persiana, toda aquelas
coisa, e dar conta da casa. Isso aí você tem que ralar, nem tempo de respirar
não tem (Elisabete, trabalhadora em dois domicílios, 42 anos, natural da
Paraíba).

A diarista trabalha mais, pega serviço pesado, tem que fazer em um dia ou
dois. Eu não, cada dia eu faço uma coisa, faço outra, não tenho que fazer todo o
dia. Cada dia eu limpo uma parte, faço uma coisa (Albanice, trabalhadora em
apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Um sexto marcador da diferença para as entrevistadas é o fato de que a diarista


trabalha mais por tarefa do que cumprindo horários fixos, rígidos de entrada e de saída,
como ocorre com as empregadas:

A diarista acabou o seu serviço, seja a hora que for, ela vai embora. E a outra
não, a doméstica, não, tem que ficar até a hora do jantar, arrumar a cozinha,
deixar tudo limpo (Marcelina, trabalhadora em apenas um domicílio, 66 anos,
natural do Rio de Janeiro).

125
Doméstica é direto, e a diarista é uma vez na semana, duas vezes, faz o seu
serviço e vai embora. A doméstica não, tem que cumprir o seu horário
(Albanice, trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Diferente da empregada, eu não tenho horário fixo, quando eu acabo, eu vou


embora. Eu também não tenho horário pra chegar. Eu tenho que terminar o
serviço. Não importa (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos,
natural de Alagoas).

Além disso, as empregadas domésticas que fizeram parte da pesquisa


ressaltaram que por mais que haja possibilidades de maior rendimento por parte das
diaristas, isso é acompanhado pela ausência de determinadas garantias sociais que estão
asseguradas para as mensalistas:

Diarista você não tem 13º; se você não trabalhar, você não recebe, porque
geralmente é o dia que paga; e não tem férias também. Indo todo o dia você
tem o seu dinheiro, seu 13º, suas férias (Mariluce, trabalhadora em apenas um
domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do Sul).

A carteira da empregada doméstica é assinada. A diarista não tem carteira


assinada. No final do ano, ela não tem 13º, férias (Albanice, trabalhadora em
apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Da mesma forma, as trabalhadoras em mais de um domicílio reconhecem como


ponto positivo nas relações de trabalho das empregadas a presença de garantias que
acompanham o vínculo empregatício:

Fez a faxina, acabou, vai embora. Não recebe 13º, férias. E como empregada
doméstica recebe tudo isso, esses direitos (Valdenice, trabalhadora em três
domicílios, 38 anos, natural de Pernambuco).

Para finalizar, o oitavo marcador da diferença é a relação que a família


empregadora mantém com as trabalhadoras domésticas, que, na concepção de ambos os
grupos, seria muito menos afetiva com a diarista do que com a empregada:

Você chega pra trabalhar e não tem muito contato. Você vai pra trabalhar,
senão você não consegue fazer tudo em um dia só. A diarista não tem muito
contato com o patrão. É aquele contato de falar o que tem que fazer e pronto.
Aqui não, a gente já conversa, de manhã cedo eu converso com a minha patroa,
lê jornal, vê televisão (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44
anos, natural de Mato Grosso do Sul).

O ponto positivo de ser empregada é o seguinte: você é mais bem tratada como
fixa do que como faxineira. Eles não se preocupam muito com a faxineira. Para
mim, quando eu chego de manhã, meu cafezinho está quente me esperando, um
pãozinho. A outra...já não ligam pra outra. A outra traz o pão dela (Aparecida,
trabalhadora em apenas um domicílio, 50 anos, natural de Minas Gerais).

126
A diarista não dá atenção para o patrão. A empregada não, ela conversa,
conhece os familiares, participa da vida do patrão. Ali está o seu dia a dia. É ali
que você desabafa. É ali que você conversa. Torna-se uma família (Edna,
trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

Dessa forma, as trabalhadoras domésticas em apenas um domicílio, ao definirem


o trabalho desempenhado pelas diaristas como mais “nômade”, de faxina, fisicamente
árduo, por tarefa, sem vínculos formais e afetivos, e com pagamento diário e mais
elevado, em oposição, percebem o próprio trabalho como contraponto a isso. Do mesmo
modo, as trabalhadoras domésticas em mais de um domicílio, ao definirem o trabalho
desempenhado pelas empregadas domésticas como fixo, polivalente, menos desgastante
fisicamente, com horários determinados, com vínculos formais e afetivos, e com
pagamento mensal e menos elevado, em oposição, também se vêem, até certo nível,
como o outro lado da moeda.
Isso deixa bem visível quais são os marcadores da diferença que as próprias
trabalhadoras domésticas estabelecem entre ser mensalista e ser diarista. A forma como
elas compreendem essa questão, embora seja influenciada pelos critérios definidos pelo
campo jurídico, discutidos na doutrina e na jurisprudência, que chegam a elas pelas
patroas, pela mídia, por conhecidas que entraram na Justiça e pelos sindicatos, ganha
contornos distintos, que também se afastam dessa dimensão. Nesse sentido, o
entendimento delas combina aspectos legais, casos de que têm conhecimento e suas
próprias experiências de trabalho anteriormente vivenciadas.

3.4 – As relações de trabalho de empregadas e diaristas

Os marcadores da diferença apontados na seção anterior precisam ser


compreendidos como as representações que empregadas fazem sobre o que é ser diarista
e vice-versa. Nesse sentido, nem sempre tais modelos correspondem às relações de
trabalho efetivamente vivenciadas. Um exemplo disso, como veremos adiante, é a
dimensão afetiva, que embora apareça quase como inexistente na visão construída sobre
a diarista, ocupa seu espaço nas relações estabelecidas cotidianamente com a parte
contratante.
Esses marcadores são indícios das diferenças existentes quanto às relações de
trabalho, mas é sempre importante não perder de vista que por conta da heterogeneidade
de configurações possíveis para essas relações, há casos difíceis de serem enquadrados

127
totalmente nos modelos majoritários concebidos sobre o que é ser empregada ou
diarista. Porém, mais do que modelos, nesta parte o interesse está voltado para a forma
como o trabalho é realmente realizado segundo as entrevistadas e os dados
quantitativos.
O objetivo é discutir como está configurado o trabalho das trabalhadoras
domésticas que prestam serviço em mais de um domicílio em comparação com o das
que prestam em apenas um e analisar quais são as características que apresentam. As
relações de trabalho da diarista são mais informais, independentes, delimitadas,
controladas, racionais, impessoais e pouco afetivas quando comparadas com as da
empregada doméstica? Esses são os elementos que serão analisados a seguir, como
forma de debater essa questão.

3.4.1 – Informalidade

O serviço doméstico brasileiro é uma ocupação na qual a informalidade55,


entendida aqui apenas como referente à ausência de vínculo empregatício, é muito
disseminada. Segundo os dados da PNAD 2008, analisados no capítulo dois, apenas um
pouco mais de um quarto das trabalhadoras domésticas do Brasil (25,8%) e quase um
terço das do Rio de Janeiro (32,0%) têm a carteira assinada. Nesse sentido, essa é uma
característica distintiva dessa ocupação.
Mas quando comparamos empregadas e diaristas quanto à formalização,
valendo-nos da PNAD 200156, vemos como há uma diferença muito significativa, pois
as relações de trabalho destas são quase totalmente informais. No Brasil, 30,5% das
domésticas polivalentes têm carteira de trabalho assinada, e as diaristas são apenas
4,8%. Já no estado do Rio de Janeiro, 42,2% das domésticas polivalentes têm carteira
assinada, e as diaristas são 2,6%.
Esse resultado reflete a mudança de estatuto das trabalhadoras domésticas que
passaram a se dedicar a mais de um domicílio, que deixou de ser o do vínculo
empregatício e do assalariamento para o da autonomia e da diária. Se isso significou
abrir a possibilidade de rendimentos mais elevados, simultaneamente trouxe a
necessidade de assumir riscos.

55
Para ler uma análise aprofundada sobre a noção de informalidade, ver Machado da Silva (2003).
56
Segundo a metodologia utilizada no último ponto do capítulo anterior, os grupos comparados foram as
empregadas polivalentes que disseram trabalhar em apenas uma residência e as diaristas que disseram
trabalhar em mais de uma.

128
De fato, há uma valorização das garantias que acompanham o vínculo
empregatício, tanto por parte das empregadas quanto das diaristas:

A única coisa que eu acho é que a empregada tem décimo, tem férias, não
trabalha feriado. E a diarista não tem nada disso; se você não trabalha, você
não ganha (Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de
Alagoas).

Mas, como os benefícios atrelados ao vínculo não são equivalentes aos das
demais categorias profissionais57 e como a informalidade está presente fortemente no
emprego doméstico, a ida para a autonomia, em determinado sentido, não parece ser
interpretada por algumas trabalhadoras domésticas como uma ruptura tão grande:

Não vale a pena. Não tem direito a nada mesmo, só ao INPS. Então, eu não
quero mais ter carteira assinada (Maria das Graças, trabalhadora em dois
domicílios, 59 anos, natural do Espírito Santo).

De toda a forma, logicamente, ao se afastarem do estatuto do assalariamento,


todos os direitos conquistados pelas empregadas domésticas até hoje, como o décimo
terceiro salário, o repouso remunerado uma vez na semana e nos feriados, e as férias
remuneradas, não acompanham as diaristas em seu estatuto de autônomas. Nele, é
necessário resolver algumas dessas questões a partir de outras estratégias e de modos
diversos:

Minhas férias é eu que faço. Se eu precisar viajar, eu vou na boa, elas são
muito legal. E quando eu acho alguém conhecida que possa cobrir os dias pra
mim, para a pessoa não ficar só, aí tudo bem, fica. Mas aí a pessoa que vai
trabalhar ganha, e eu não, porque eu vou tirar férias. É a gente que faz nossas
férias (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da
Paraíba).

Meus patrões me ajudam. Três me ajudam. Eles me dão todo o final do mês um
pouco, que eu junto e pago o meu INSS (Maria, trabalhadora em quatro
domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

Mesmo que eu não possa, eu venho. Eu não perco o dia. Há quinze dias atrás,
eu estava com o braço engessado. Trabalhei em quase todas as casas. E a casa
que eu não podia subir na janela pra limpar, eu contratei um carrapato para
fazer o meu serviço e eu paguei 50 reais a ela. Dinheiro não se perde. Nas casas
em que eu conseguia fazer as coisas com um pano e com o braço que eu posso,
eu fui numa boa. Não contratei ninguém pra não perder um centavo. Na casa
em que eu tinha que subir na janela, fazer outras coisas, aí eu tive que

57
Relembrando, os empregados domésticos ainda não têm direito a Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), a Seguro-Desemprego, a benefício por acidente de trabalho, à hora extra, a adicional
noturno e à carga horária definida em lei.

129
contratar. Era para eu ganhar R$ 80, fiquei com R$ 30. A minha patroa foi
generosa por demais e me deu mais R$ 15. Eu fiquei com R$ 45, e ela com R$
50 (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de
Janeiro).

Ao se perceberem como prestadoras de serviço independentes, e buscando


manter algum grau de segurança, um caminho possível é a contribuição à previdência
como autônoma. Mas, segundo a PNAD 2001, no Brasil, apenas 11,7% das diaristas são
contribuintes; e, no Rio de Janeiro, são 13,3%. Como vimos, o Projeto de Lei do
Senado, nº. 160, de 2009, quer tornar obrigatório que a diarista apresente ao seu
contratante o comprovante de contribuição ao INSS. É uma forma de evitar que a
informalidade e o trabalho por conta própria, característicos das relações de trabalho de
diarista, sejam indicadores de uma total ausência de proteção social.

3.4.2 – Independência

As relações de trabalho da diarista são mais independentes em comparação com


as da empregada, pelo menos segundo três aspectos: número de dias, horário e
necessidade do vínculo. Quanto ao primeiro, embora haja um dia ou alguns dias da
semana reservados para cada residência na qual o serviço é prestado, é muito comum
uma negociação de ambas as partes que acaba, em muitas circunstâncias, configurando
uma realocação de diárias. É como se a relação fosse regulada por um contrato que se
esgota sempre que o trabalho e o pagamento são realizados, precisando ser renovado a
cada novo serviço.
Além disso, há uma independência maior em relação ao número de horas
trabalhadas, pois, na maioria dos casos, a diarista não tem um horário fixado
rigidamente e tampouco está à disposição por tempo indeterminado, duas situações que
ocorrem frequentemente com a empregada.
Nesse sentido, se fosse para elaborar uma escala de dependência em ordem
decrescente, o primeiro lugar seria ocupado pela mensalista residente, que é aquela que
mora na casa dos patrões, e mesmo pela que apenas dorme no trabalho, mas que tem a
sua própria moradia. A disponibilidade de tempo é quase total à rotina da família
empregadora, como foi possível acompanhar com as nossas entrevistadas que
vivenciam esse tipo de relação:

130
Ah, não tem hora não. Eu vou de cinco e meia da manhã, eu vou até onze, a
hora que eu tô indo, não tem horário pra parar não (Marluce, trabalhadora em
apenas um domicílio, 42 anos, natural do Rio de Janeiro).

Olha, expressar um horário fixo não existe (Gilmara, trabalhadora em apenas


um domicílio, 38 anos, natural do Rio de Janeiro).

Em segundo lugar viria a mensalista externa, que é aquela que goza de algum
tipo de delimitação de suas horas de trabalho e que, geralmente, é dependente de um
horário determinado, mas que, às vezes, é ultrapassado para mais, além dos limites
acordados:

Horas, pra mim não tem horas. O meu trabalho ali é um pouco explorado,
porque meu horário é de 6:30h. Aí, tipo assim, 20:30h, 21:00h é que eu tô
saindo daqui. Eu não tenho horário. Eu tenho horário de chegada, mas de saída,
não (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio
de Janeiro).

E a terceira posição seria ocupada pela diarista, que presta um serviço com
limites temporais mais definidos. Ela mais claramente do que as outras introduz uma
noção de tempo de trabalho determinado, apenas o necessário para realizar a atividade
que lhe foi direcionada. De fato, combina-se menos o horário de entrada e de saída e
mais a tarefa a ser executada:

Eu posso ir embora quando acabo. Eu é que faço o meu horário. Na verdade, eu


pego às 9:00h, e 17:30h é a hora de sair, que é o tempo que dá pra fazer tudo o
que eu tenho que fazer (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios, 41
anos, natural da Paraíba).

Eu não tenho horário fixo, não. Quando eu acabo, eu vou embora. Também não
tenho horário pra chegar. Eu tenho que fazer. Eu tenho que terminar o serviço
(Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

E, para finalizar, as relações de trabalho da diarista são mais independentes


quanto à necessidade do vínculo, no sentido de que em vista da maior quantidade de
empregadores, o peso de cada um deles para a renda mensal da trabalhadora é menor.
De forma que há uma maior liberdade para deixar alguma residência que não lhe agrade
e encontrar outra para ocupar o seu lugar. O oposto disso é a mensalista residente, pois
de um único vínculo depende seu trabalho e moradia. Abrir mão dele a afetaria nessas
duas dimensões.

131
3.4.3 – Delimitação e controle

Há nas relações de trabalho da diarista maior controle e delimitação de pelo


menos três aspectos: tempo, atividades realizadas e pagamento. Como vimos no ponto
anterior, configura-se uma definição maior do tempo de trabalho, mas não
representando um estabelecimento de horários fixos e rígidos. O tempo passa a ser
balizado a partir das tarefas e a sua definição atrela-se fortemente a elas.
Embora já tenhamos levantado a questão da diarista polivalente, que está à
disposição para cumprir qualquer afazer doméstico, e que, por isso, é destoante da
imagem que se faz desse tipo de trabalho, as atividades desempenhadas sob o estatuto
da autonomia são mais delimitadas e previamente definidas. A diarista especializada
parece representar bem isso, principalmente a faxineira, contratada para realizar uma
única tarefa, precisa e pouco mutável.
Quanto ao pagamento, sabe-se exatamente quanto e quando será obtido. Não há,
como no salário, a possibilidade de descontos e atrasos. Como é uma prestação de
serviço, então o trabalho finalizado equivale à diária recebida. Por outro lado, o
rendimento mensal, diferente do estatuto do assalariamento vivenciado pela empregada,
pode ser menos controlado, pois se torna mais suscetível às variações e aos rearranjos
que as diárias podem sofrer ao longo das semanas. Sendo assim, o pagamento, por um
lado é mais delimitado e, por outro, não.

3.4.4 – Racionalidade, impessoalidade e afetividade

As relações de trabalho no emprego doméstico brasileiro, como parecem ser


uníssonas as literaturas sociológica e antropológica sobre o assunto, são permeadas por
relações pessoais e afetivas. Porém, a existência de uma maior pessoalização não é
especificidade apenas do trabalho doméstico remunerado, está presente nas relações de
trabalho de outras ocupações. Embora, dificilmente, haja um caráter ambíguo como o
que torna a empregada doméstica, ao mesmo tempo, em muitos casos, uma trabalhadora
e um quase membro da família.
Edir Figueiredo de Oliveira (1995), por exemplo, nos conta um caso em que a
identificação com a família por parte da empregada aparece de maneira bem ilustrativa.
Tal situação ocorreu no Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio
de Janeiro, que Edir estudou em sua dissertação de mestrado. Uma trabalhadora

132
doméstica procurou o sindicato após ter sido demitida, mas não buscando os seus
direitos trabalhistas, como pareceria óbvio, até porque as obrigações devidas pelos
patrões, por ocasião do desligamento do emprego, foram cumpridas, mas para reclamar
o “direito” de visitar os filhos dos ex-patrões.
Isso permite perceber que as empregadas não apenas trabalham, mas dividem
um cotidiano, compartilham uma existência familiar, que, em algum grau, passa a ser
também delas. Se por um lado, a questão de ser membro da família e amiga, enfatizada
pelas empregadas, representa “a procura de um vínculo que garantiria certas condições
(chegar mais tarde ou sair mais cedo, adiantamentos salariais, acesso a certos bens como
médicos, assistência legal, financeira etc.)” (KOFES, 2001: 373/374); por outro,
“enviesa a percepção das relações de trabalho, que, em muitos casos, reverte-se em uma
forma de não assegurar os direitos” (ÁVILA, 2008: 70).
Nesse sentido, a atuação dos sindicatos de trabalhadores domésticos busca
alterar as relações de trabalho mais afetivas, paternalistas e pessoalizadas para relações
mais claras, racionalizadas e contratuais (OLIVEIRA, 1995). Em poucas palavras,
relações estritamente profissionais. Nessa perspectiva, “ser quase membro da família” é
percebido como prejudicial às empregadas, pois como as relações trabalhistas passam a
se confundir com relações familiares, os direitos como trabalhadora seriam mais
facilmente desrespeitados.
De fato, nas entrevistas realizadas com as empregadas domésticas, a dimensão
afetiva e de intimidade apareceu com freqüência como parte integrante das relações
estabelecidas no serviço doméstico. Um dos casos em que isso ficou bem evidente foi o
de Mariluce, 44 anos, que trabalha há vinte anos para uma mesma família no Leblon.
Nesse mesmo bairro, o marido dela é motorista particular há vinte e cinco anos da
família da irmã da patroa de sua esposa. Durante esse tempo, eles viram os filhos dos
patrões crescerem. Quando tiveram o próprio descendente, hoje com doze anos,
convidaram o filho dos patrões dela e a filha dos patrões dele para serem,
respectivamente, padrinho e madrinha do garoto.
Um outro caso em que era visível o cruzamento entre as relações trabalhistas e
familiares, porém mais conflituoso, foi o de Marcelina, 66 anos, que trabalha há trinta e
três anos para uma família no Catete. Seus filhos, hoje com 34 e 24 anos, foram criados
nessa casa, pois ela até 2001 morava no emprego. A patroa não teve filhos e, de certo

133
modo, esse espaço foi ocupado pelos de Marcelina, dos quais é madrinha de crisma58 e
para os quais pagou colégio e cursos.
Em 2001, Marcelina resolveu alugar um quarto para deixar de morar na casa da
patroa e queria que os filhos se mudassem com ela. Mas eles não quiseram e preferiram
ficar morando na casa da patroa no catete. Apenas Marcelina deixou de morar lá,
embora vá de segunda a sábado realizar o seu trabalho. Atualmente, ela reside em um
apartamento alugado no Centro, mas os filhos continuam morando na casa da patroa
dela. Isso faz com que ela os perceba divididos entre duas realidades distintas, reflexo
da situação ambígua vivenciada.
Essa dimensão afetiva e de intimidade pode ser observada pela forma como as
empregadas concebem o que é ser um bom patrão. As pesquisas sobre trabalho
doméstico remunerado (SAFFIOTI, 1978; OLIVEIRA, 1995; KOFES, 2001) costumam
fazer uma mesma pergunta às empregadas: “o que é ser um bom patrão?” ou “quais são
as características de um bom emprego doméstico?”. A resposta majoritária para a
primeira questão é considerar a empregada como amiga, e para a segunda é ser tratada
como membro da família.
Nesta pesquisa, também foram realizadas essas perguntas. O que ficou claro nas
respostas dadas pelas empregadas domésticas entrevistadas é a coexistência de duas
dimensões valorativas de um bom patrão, uma ligada a relações pessoais e afetivas, e a
outra ligada a relações contratuais e legais:

É ser amigo da empregada (Marcelina, trabalhadora em apenas um domicílio,


66 anos, natural do Rio de Janeiro).

É dar os direitos todos que a gente tem, tipo as férias, o 13º. É isso. Esse é um
bom patrão (Mariluce, trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural
de Mato Grosso do Sul).

Quando a empregada acompanhava durante anos o crescimento do filho dos


patrões, a relação pessoal ganhava ainda mais força, e a dimensão trabalhista
estabelecida acabava dividindo espaço com a dimensão afetiva e, em algum nível, até
mesmo perdendo lugar para ela:

O menino que eu mais amei foi o Márcio Roberto [filho de um dos patrões que
teve em São Luís], que é padrinho da minha filha. Ele eu amei mais que toda a
criança do mundo. Nem minhas filhas eu tive tanto amor como eu tinha àquela

58
Cerimônia da Igreja Católica na qual o crismando, com pelo menos quinze anos de idade, confirma o
compromisso iniciado no batismo.

134
criança (Maria José, trabalhadora em cinco domicílios, 45 anos, natural do
Maranhão).

Uma forma de analisar essa relação entre patroas e empregadas é mediante os


presentes que estas recebem daquelas. A contraprestação aos serviços realizados não
fica restrita ao salário pago. As empregadas domésticas entrevistadas recebiam
lembranças de suas patroas em datas como aniversário e Natal, às vezes em dinheiro,
mas geralmente em objetos:

Às vezes dão uma sandália, uma blusa. Este ano, no aniversário, foi dinheiro.
Mas é sempre alguma coisa em objeto. Todo o ano ela sempre dá (Albanice,
trabalhadora em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Recebo. Geralmente na época de Natal. Eu recebo presente; dinheiro, não. É


roupa. E eles dão para o meu filho, para o meu marido, pra todo mundo. No
aniversário também me dá. Geralmente ela me dá dinheiro. Eles sabem o dia
do meu aniversário e eu sei o dia do aniversário deles, de todos (Mariluce,
trabalhadora em apenas um domicílio, 44 anos, natural de Mato Grosso do
Sul).

Barbosa (2000) compreende essa troca de presentes mediante algumas chaves


explicativas: explicitação de consideração e apreço; construção de uma imagem
caridosa; ação compensatória, por conta dos baixos salários pagos e da omissão de
benefícios empregatícios; e reconhecimento pela dedicação e eficiência na execução dos
afazeres domésticos. Já Saffioti (1978) a compreende como uma tentativa de agradar a
empregada e de criar um clima afetivo no local de trabalho, permitindo a solicitação de
favores fora das atividades que foram acordadas e do horário de trabalho estabelecido.
Mas a melhor interpretação para essa forma de dádiva é desenvolvida por
Coelho (2006). Para ela, a troca de presentes entre patroa e empregada tem um caráter
acentuadamente assimétrico, em que o doador possui um status superior ao receptor, de
forma que uma retribuição material, por parte da empregada, provocaria surpresa, pena
e constrangimento. Nesse sentido, o que a patroa espera em troca não é um outro objeto,
mas uma gratidão. Apresentando esse sentimento, a empregada, ao mesmo tempo,
confirma a existência de uma hierarquia, na qual ocupa posição inferior, e mantém-se
“fiel” e “de confiança”.
Dessa forma, as dimensões profissional e familiar, ao serem conjugadas no
emprego doméstico, mediam uma interação sob constante tensão, pois não se
estabelecem por completo. Relação familiar que não perde o elemento da subordinação.
Relação trabalhista que não perde o caráter pessoalizado:

135
A relação entre empregadas e patrões, nesse sentido, não pode apenas ser
compreendida pelo lado da afetividade, da consideração e da harmonia, sendo
necessário entendê-la pelo aspecto da hierarquização interna da organização
familiar. Sua condição de quase da família, longe de representar uma
horizontalidade familiar, representa seu posicionamento inferior. (...) Se,
logicamente, como membro da família, goza de certas benesses, como tal,
enfrenta também sofrimentos e desconsiderações, uma vez que recai sobre ela
o mau humor e os reveses hierarquizantes. A empregada doméstica, que em
certos momentos é tratada como membro da família, pode ser, em outros,
desrespeitada ou “colocada em seu devido lugar”, ou seja, em posição
subalterna. (BARBOSA, 2000: 103).

Mas a questão é pensar se essa relação ambígua, familiar e trabalhista, permeada


por pessoalidade e afetividade, associada ao trabalho da empregada doméstica,
representa também o trabalho da diarista. As relações de trabalho desta são mais
racionais, impessoais e menos afetivas? É isso que precisamos analisar mais
detidamente antes de apontá-la como um tipo diferente de relação no que tange a essas
características.
Por um lado, tendo a diarista faxineira como modelo, que trabalha em várias
casas, convive pouco com cada família, precisa realizar uma tarefa previamente
combinada no menor tempo possível, parece razoável perceber as relações que
estabelece como mais racionais e impessoais quando comparadas com as da empregada
doméstica. Mas como esse modelo não é capaz de compreender todas as possibilidades
existentes, se é possível fazer tal afirmação é somente com o devido cuidado.
É importante frisar, por exemplo, que há diaristas que já foram anteriormente
empregadas domésticas em uma ou algumas das casas em que prestam seu serviço
atualmente. Isso traz a pessoalidade anterior para essa nova relação de trabalho. Além
disso, há o que estamos denominando ao longo desta pesquisa de diarista polivalente,
que, em alguns casos, vai duas ou três vezes na semana à mesma residência realizar os
afazeres domésticos como um todo. Devido à freqüência e às atividades mais variadas,
aumenta a possibilidade de ser estabelecida uma maior intimidade.
As diaristas também recebem presente dos patrões? Isso auxilia a revelar se na
relação de trabalho vivenciada por elas há também um caráter pessoalizado. Pois isso,
de fato, é muito comum, mesmo em relação às diaristas faxineiras. Comparando os
depoimentos das entrevistadas, não há diferença entre empregadas e diaristas quanto a
essa dimensão. Em determinadas datas, inclusive o aniversário, ambas recebem
presentes dos patrões; objetos que, muitas vezes, necessitam de um conhecimento
pessoal, como roupa, sapato e perfume.

136
De vez em quando eu recebo presentes: roupa, sapato. Aniversário, Natal, às
vezes até em comemoração de anos que a gente tá lá (Maria do Desterro,
trabalhadora em dois domicílios, 41 anos, natural da Paraíba).

Quando chega algum final de ano, alguma coisa, eles sempre presenteiam com
um algo a mais. É aniversário, eles vem com uma lembrança. Alguns dão
vestuário, outros dão dinheiro. Outros não me presenteiam, mas dão para os
meus netos, para os meus filhos. Objetos e às vezes dinheiro (Edna,
trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

Sendo assim, o que parece é que mesmo no estatuto de diarista, utilizando o


argumento de Coelho (2006), há a necessidade do sentimento de gratidão, mas nesse
caso, na nossa concepção, menos para confirmar a existência de uma hierarquia e mais
para servir de reforço positivo à eficiência com que os afazeres domésticos foram
realizados, e para transformar um contrato que precisa ser renovado a cada novo serviço
prestado em algo mais duradouro. Na falta do vínculo empregatício, a gratidão faz as
vezes de ligação, criando um elo para além da prestação de serviço em sentido estrito.
A relação de trabalho, então, em muitos casos, mantém a afetividade e a
intimidade como dimensões importantes, em contraposição à impessoalidade que
poderia parecer mais propícia. Mesmo que, a princípio, as relações não sejam tão
íntimas quanto no caso de mensalistas, muitas diaristas acabam desenvolvendo relações
emocionais com seus empregadores (HARRIS, 2007). Isso fica claro acompanhando
alguns trechos das entrevistas:

Elas sabem dos meus problemas, das minhas dificuldades, dos momentos de
alegria entre família, que é a minha família mesmo. E também os momentos de
tristeza, na qual muitas delas já me ajudaram muito (Edna, trabalhadora em
cinco domicílios, 43 anos, natural do Rio de Janeiro).

É impressionante que cada vez que eu chego na casa de um eu acabo me


apaixonando por eles. Eu me apaixono primeiro por eles e depois eles acabam
se adaptando a mim. A relação é boa, muito boa mesmo (Maria José,
trabalhadora em cinco domicílios, 45 anos, natural do Maranhão).

De fato, a diarista especializada, principalmente a faxineira, diferente da


mensalista, traz muito mais forte a possibilidade de não envolvimento e de manutenção
da privacidade pessoal do empregador, que pode até mesmo se organizar para não estar
em casa quando o serviço é realizado. Mas o que esses e outros trechos das entrevistas
nos mostram é que entre trazer a possibilidade de não envolvimento e vivenciá-la de
fato, há um hiato importante de ser ressaltado.
Nesse sentido, quando se está no estatuto de diarista torna-se mais plausível
alterar o tipo de investimento emocional e afetivo estabelecido com a família

137
empregadora, dando origem a relações mais racionais, impessoais e menos afetivas.
Mas isso, pelo menos por enquanto, parece ser mais uma possibilidade do que realmente
um princípio a guiar essas relações no cotidiano das famílias brasileiras.

3.5 – Entre estratégias e condicionamentos sociais

A bibliografia sobre o assunto em pauta aponta enfaticamente a ida das mulheres


menos favorecidas economicamente para o serviço doméstico como conseqüência de
sua posição de baixa escolaridade e qualificação necessárias para ser possível a inserção
em outras ocupações. Esse trabalho torna-se, então, quase uma extensão das atividades
que elas já realizavam em seus próprios lares.
De fato, as histórias de vida das trabalhadoras domésticas entrevistadas,
analisadas anteriormente, indicaram, mediante a escolha de três linhas narrativas
possíveis, alguns condicionamentos sociais que as fizeram seguir por esse caminho,
que, muitas vezes, já foi apresentado e imposto como um norte desde a infância, quando
foram levadas por parentes para trabalharem em casa de família como forma de
contornarem em algum grau a difícil condição de vida.
Como vimos, isso foi resultado não apenas de fazerem parte de famílias com
baixo poder aquisitivo e terem pouca educação formal, mas dos três processos de
socialização relativos aos afazeres domésticos pelos quais passaram em sua trajetória:
cronologicamente, no próprio lar; na casa de terceiros, ainda crianças ou pré-
adolescentes; e na residência dos empregadores subseqüentes, já em cidades maiores.
Ratificando isso, o trabalho doméstico remunerado aparece na fala das
entrevistadas como meio possível de inserção no mercado de trabalho, principalmente
por conta de se perceberem como tendo pouco estudo para ser possível desempenharem
ocupações mais valorizadas e bem remuneradas. Nesse sentido, as expressões mais
comuns ouvidas como justificativa para terem se dedicado a essa ocupação foram “falta
de oportunidade” e “não ter outra opção”:

Eu acho que se eu trabalhasse em outro trabalho que eu tivesse estudado e que


eu gostasse, talvez eu fosse mais feliz. Nesse eu trabalho porque eu preciso,
não porque eu gosto ou quero. É porque eu não estudei (Albanice, trabalhadora
em apenas um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

Por falta de oportunidade. Eu não tive oportunidade de estudo. Eu acho que foi
por isso. Eu acho que se eu tivesse estudo ou de repente tivesse me esforçado
mais, eu acho que doméstica eu não seria, não. Seria qualquer outra coisa,
menos doméstica, porque é sacrificada a nossa profissão. Foi o que pintou pra

138
mim (Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do
Rio de Janeiro).

Porque não tinha outra opção. Lá [na cidade de origem] não tinha outra opção.
E pra você arranjar um trabalho aqui, eu tinha quer ter pelo menos o 2º grau
completo e eu não tenho (Maria do Desterro, trabalhadora em dois domicílios,
41 anos, natural da Paraíba).

Porém, algumas trabalhadoras domésticas que participaram da pesquisa têm


trajetórias individuais que não se aproximam daquelas três etapas levantadas para
acompanhar as histórias de vida, ou seja, não desempenharam esse serviço desde a
infância. Mas mesmo no discurso delas está presente a questão de uma “não escolha”:

Porque na época eu ganhava mais e eu pagava até aluguel. Eu tive que


trabalhar. Aí eu trabalhei em uma fábrica de perfume. Eu comecei a trabalhar
como empregada doméstica quando o meu filho estava com cinco anos de
idade. Nessa época eu já não tinha mais escolha, não tinha como, tinha que
pegar o primeiro que aparecesse. Mas já passei o pão que o diabo amassou. Na
época não tinha opção mesmo. Com dois filhos pequenos, e aí como é que vai
ser? (Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59 anos, natural do
Espírito Santo).

Embora analisemos a situação de deixar a casa dos pais, na infância ou pré-


adolescência, para ir trabalhar na casa dos primeiros empregadores como um
condicionamento social que acabava por prejudicar o prosseguimento da educação
formal; para Kofes, (2001), por outro lado, trata-se de uma estratégia da migrante que
permanece nesse trabalho durante um tempo enquanto estuda para conseguir uma vaga
em lojas, escritórios ou fábricas. De fato, é uma estratégia possível, apesar de depender
da permissão dos patrões para poderem ser liberadas a tempo de ir à escola, o que nem
sempre acontecia.
Algumas entrevistadas, embora considerem o serviço doméstico como ocupação
permanente, fazem planos de voltarem a estudar e poderem desempenhar um trabalho
mais valorizado por elas, o que significa serem empregadas no comércio,
principalmente ocupando a função de caixa:

Eu pretendo trabalhar no supermercado, no caixa ou numa farmácia. Que não


seja doméstica. No supermercado, eles perguntam se você tem o segundo grau,
se você tem curso de informática, se sabe mexer com computador. Aí eu falo
que não, que eu estou fazendo curso agora (Albanice, trabalhadora em apenas
um domicílio, 33 anos, natural da Paraíba).

139
Outras pensam em abrir pequenos negócios ou se dedicarem integralmente a
atividades que já realizam, geralmente ligadas à alimentação, como venda de
quentinhas, de salgados ou barraca de lanches:

Porque eu não quero mais trabalhar em casa de família. Eu só quero aqui,


pronto e acabou. Não quero mais. Eu já estou saturada. O que eu pretendo é
abrir um comércio pra mim. Nem que seja pra mim vender cachaça, é bem
melhor. Vai ser tipo um bar, vai ter lanche e essas coisas assim. Vai ter
refrigerante de toda a qualidade, bebida. De repente vai ter comida também,
porque eu cozinho (Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59
anos, natural do Espírito Santo).

O meu sonho é ter tipo assim uma lanchonete, uma pensão. É o meu sonho que
eu não consegui realizar, mas eu vou realizar. Se Deus quiser (Rosângela,
trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de Janeiro).

Porém, mais do que conseguir estudar e passar a desempenhar outra ocupação ou


abrir um negócio próprio, uma estratégia comum é ao menos buscar que as filhas não
reproduzam a mesma condição que, em muitos casos, elas reproduziram das mães. Para
evitar a reprodução da mesma posição social, o recurso mais enfatizado por elas, nos
termos de Bourdieu (2007), é o capital escolar (diplomas, educação formal). É esse
capital reconhecido e garantido pela instituição escolar que, para as trabalhadoras
domésticas, possibilitaria às filhas não serem obrigadas a trilhar os caminhos do serviço
doméstico como conseqüência de “não terem outra opção”.
Essa expectativa de mobilidade ascendente para os filhos, pela educação,
apareceu muito claramente nas entrevistas. Frequentemente, elas utilizavam o próprio
exemplo de serem trabalhadoras domésticas para lembrarem as filhas os pontos
negativos da ocupação e, assim, incentivá-las a prosseguirem os estudos e não
precisarem vivenciar determinadas situações em casa de família pelas quais elas
passaram:

Eu quero futuro pras minhas filhas. Eu quero que elas melhorem, tenham outra
profissão. Antigamente, filha de empregada era empregadinha, assim que o
pessoal falava. Hoje, não, as mulheres trabalham, se matam na casa de família
para formar seu filho nisto, naquilo e naquilo outro. Então, é nessa história que
eu me apego com as minhas filhas. Só que elas estão meio devagar na história.
Elas têm oportunidade. Eu é que nunca tive (Maria José, trabalhadora em cinco
domicílios, 45 anos, natural do Maranhão).

Deus me livre. Ai, é horrível, não quero, de jeito nenhum. Falo para ela todo o
dia: nunca queira ser uma empregada doméstica. Estude. Batalhe. Eu nunca
vou querer você lavando banheiro de ninguém. Eu digo isso sempre pra ela
(Maria, trabalhadora em quatro domicílios, 50 anos, natural de Alagoas).

140
Se eu tivesse uma filha mulher, eu não queria. Eu não queria mesmo. Porque a
gente trabalha fora do limite, muitas horas, e no final das contas a gente não
tem segurança. Você pode trabalhar dez anos, que você sai, você recebe aquele
dinheiro do mês. Você não recebe nada, só recebe o que você trabalhou. É por
isso que eu falo mesmo, se eu tivesse uma filha mulher, ela podia trabalhar até
no cabaré que eu não esquentava. Sério. Eu falo de coração aberto mesmo
(Maria das Graças, trabalhadora em dois domicílios, 59 anos, natural do
Espírito Santo).

Dessa forma, a “necessidade” e a falta de estudo apareceram com muito


destaque na explicação dos condicionamentos que tornaram essas mulheres
trabalhadoras domésticas. Mas algumas delas trabalham, atualmente, em apenas uma
residência e outras em mais de uma. É possível entender essa diferenciação a partir de
suas próprias decisões e estratégias ligadas à agência ou o que pesa mais são os
condicionamentos de ordem estrutural? De fato, essas duas dimensões são igualmente
importantes, pois as decisões existem, mas são tomadas a partir de determinados
campos de possibilidades.
Nesse sentido, quando uma trabalhadora doméstica deixou de ser empregada
para ser diarista, há vários condicionamentos sociais que influenciariam e tornaram
possível essa decisão, tais como: o tempo de exercício da profissão, uma vez que quanto
mais experiente, maior é a rede de contatos que pode permitir um número razoável de
diárias; lugar sócio-geográfico da cidade, onde a demanda por esse tipo de serviço seja
mais forte; idade, pois o trabalho da diarista faxineira, diariamente em uma nova casa, é
mais “pesado” e, portanto, difícil de ser realizado após certa faixa etária; a existência de
filhos pequenos, porque, por exemplo, a diária em apenas alguns dias da semana pode
ser melhor articulada ao cuidado deles; situação conjugal, já que uma mulher casada
será mensalista externa ou diarista, mas dificilmente mensalista residente; e a situação
de moradia, pois uma diarista não poderá ser, por exemplo, uma recém migrante que
precisa morar na casa dos patrões.
Para deixar essa questão mais clara, podemos analisar o caso de Edna, 43 anos,
que é um bom exemplo de diarista “bem sucedida”, no sentido de que presta serviço em
cinco residências diferentes, em quatro bairros da cidade do Rio de Janeiro, ocupando
completamente os sete dias da semana. Com isso, recebe mensalmente R$ 2.173,00. Ela
deixou de ser empregada mensalista para prestar serviço de maneira autônoma e faz a
contribuição ao INSS nessa nova condição:

Eu saí de lá porque eu comecei a ver as meninas fazer faxina e achar que era
mais vantajoso trabalhar de faxineira do que de arrumadeira com salário fixo.
A faxineira ganhava pelo que ela fazia um valor maior. Às vezes duas vezes na

141
semana, ela tirava o dinheiro que eu ganhava por mês. Aí eu falei: ai meu Deus
do céu, se ela pode, eu também posso. Faxina não é bicho de sete cabeças. Aí
eu entrei no ramo de faxina (Edna, trabalhadora em cinco domicílios, 43 anos,
natural do Rio de Janeiro).

Essa decisão apenas foi possível, entre outros fatores, por já estar estabelecida na
profissão há algum tempo e por ter o vigor físico necessário ao trabalho de faxina.
Nesse sentido, há alguns obstáculos importantes para seguir como diarista. O primeiro
deles é a questão da idade. Como vimos na parte quantitativa, as diaristas são mais
velhas do que as empregadas, o que significa que embora seja um trabalho mais pesado,
não são as jovens que se dedicam a ele. E por que isso? Porque uma diarista bem
sucedida precisa de muitas casas, o que se alcança por meio de redes de contato e
indicação mais amplas, e são as mais experientes que contam melhor com isso.
Sendo assim, uma questão inicial é a necessidade de obter um número suficiente
de “clientes”, ou melhor, de patrões, já que é este termo que elas utilizam, cujas diárias
possam cobrir a semana. Isso nem sempre é alcançado facilmente:

Diarista é uma profissão mais difícil. Está muito difícil ser diarista. Arrumar
serviço de diarista está difícil. Você não vai trabalhar só em uma casa de
diarista, que vai te chamar de quinze em quinze dias, tem que manter a sua
semana. Para você ganhar tem que ter umas quatro ou cinco casas. Aí é difícil
(Rosângela, trabalhadora em apenas um domicílio, 48 anos, natural do Rio de
Janeiro).

Outra dificuldade é lidar com um rendimento mensal que pode sofrer alterações
a partir das variações das diárias ao longo das semanas:

Faxina é difícil, porque eu sou tudo dentro de casa, sou o homem e a mulher da
casa. Então, trabalho em faxina, mas tem umas delas que dizem: Ah, agora eu
não estou podendo. E aí fica trocando o dia, quinze dias, de quinze em quinze
dias, uma vez no mês. Aí fica pesado, fica difícil (Elisabete, trabalhadora em
dois domicílios, 42 anos, natural da Paraíba).

Dessa forma, analisando o crescimento da proporção de diaristas do ponto de


vista da oferta, é possível perceber que essa forma de contratar os serviços domésticos
além de ter possibilitado o aumento do rendimento mensal, permitiu que as mulheres
que querem contribuir para o orçamento familiar, mas que por vários motivos não têm
disponibilidade para trabalhar todos os dias, que possam fazê-lo. De um lado, trabalho
mais cansativo e desgastante, ausência de garantias sociais, renda mais suscetível a
alterações, precisão de certa quantidade de “clientes” e necessidade de assumir riscos;

142
de outro, possibilidade de ganhar mais, horário mais flexível, menor dependência de
cada residência e maior controle do tempo e das atividades realizadas.
Por conta das dificuldades e dos condicionamentos sociais levantados, mesmo
que, como vimos quantitativamente no capítulo 2, as diaristas ganhem mais e trabalhem
menos do que as empregadas, isso não significa, logicamente, que todas as
trabalhadoras domésticas estejam preferindo se apresentar ao mercado dessa maneira.
Há espaço para esses dois tipos de inserção possível, pois eles apresentam
características, vantagens e desvantagens diferentes, que trabalhadoras e empregadores
têm comparado e avaliado, e, dentro das possibilidades, decidido por aquele que melhor
lhes atende.

143
CONCLUSÃO

O perfil majoritário dos trabalhadores domésticos, segundo os dados da PNAD


2008, é formado por mulheres, negras, domésticas polivalentes, com idade de 30 a 44
anos, com baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto), sem carteira de trabalho
assinada, que não contribuem para a previdência, trabalham em apenas um domicílio,
não residem nele e recebem até um salário mínimo. Mas esta pesquisa buscou ir além
desse retrato estanque, mas sempre revelador, do serviço doméstico, de forma a
acompanhar determinados movimentos que uma análise longitudinal permite e avaliar
até que ponto algumas dessas características têm sofrido alterações.
Nesse sentido, acompanhamos ao longo desta dissertação, por meio dos
microdados das PNADs de 1992 a 2008, seis processos de mudança que vêm ocorrendo
no trabalho doméstico remunerado brasileiro e carioca pelo menos nas duas últimas
décadas. O Primeiro deles é a diminuição da importância do serviço doméstico na
população feminina ocupada, ou seja, as mulheres que estão no mercado de trabalho são
cada vez menos trabalhadoras domésticas, contudo, em 2008, essa proporção ainda era
no Brasil e no estado do Rio de Janeiro, respectivamente, 15,8% e 18,7%.
O segundo processo de mudança é a elevação da escolaridade das trabalhadoras
domésticas. Embora, atualmente, mais de 60,0% delas não tenham concluído o ensino
fundamental, tanto no Rio de Janeiro quanto no Brasil, houve, no período analisado, um
crescimento muito significativo nas faixas de 5 a 8 anos, de 9 a 11 anos e de 12 anos ou
mais de estudo; e uma diminuição igualmente significativa nas faixas sem instrução ou
com menos de 1 ano, e de 1 a 4 anos de estudo.
A terceira mudança em curso é o envelhecimento das trabalhadoras domésticas,
cuja proporção de crianças e pré-adolescentes (10 a 15 anos), adolescentes (16 a 17
anos) e jovens adultas (18 a 24 anos e 25 a 29 anos) diminuiu consideravelmente nas
últimas duas décadas. Em contraposição, houve um aumento da proporção nas faixas de
30 a 44 anos, 45 a 59 anos e 60 anos ou mais.
A redução das trabalhadoras domésticas que residem no local de trabalho soma-
se às mudanças anteriores. É cada vez menor a prática de conciliar trabalho e residência
no serviço doméstico. No Brasil, essa proporção passou de 19,2%, em 1992, para 6,4%,
em 2008. No Rio de Janeiro, a variação foi de 11,5% para 5,0%. Já o quinto processo
estudado é o aumento da formalização, no sentido de que as trabalhadoras domésticas
com carteira assinada passaram, no Brasil, no intervalo temporal acompanhado, de

144
16,1% para 25,8%, e, no Rio de Janeiro, de 23,2% para 32,0%. Esse crescimento foi
maior nos anos 90. Já nos anos 2000, foi menos intenso e apresentou momentos
intercalados de queda e de aumento.
Finalmente, o sexto e último processo de mudança analisado é a ampliação do
número de diaristas, que são as trabalhadoras que prestam serviço em mais de uma
residência. Elas ainda estão muito longe de serem a maioria, posição ocupada pelas
empregadas domésticas polivalentes, mas, por exemplo, no caso brasileiro, vêm com
um crescimento constante nos anos 2000. Isso pode ser percebido pelo fato de que
deixaram de ser menos de um sexto da categoria, como indicavam os dados de 1992, e
em 2008 já eram mais de um quarto.
Essa última mudança ocupou lugar de destaque nos objetivos desta pesquisa,
pois a diarista não é apenas mais uma das subdivisões que contribuem para a
heterogeneidade do serviço doméstico brasileiro, mas representa uma fragmentação de
ordem distinta. Isso ocorre porque as divisões internas a essa ocupação são
eminentemente de ordem funcional, abarcando as diferentes atividades reprodutivas:
cozinheiro, arrumadeira, governanta, babá, lavadeira, motorista particular, enfermeiro
do lar, jardineiro, copeiro, caseiro... Mas embora haja diferenças significativas no
trabalho realizado, há entre elas duas características que as ligam fortemente: a condição
de emprego doméstico e o estatuto do assalariamento.
É justamente por isso que a diarista representa uma fragmentação de ordem
distinta, pois se distancia dos demais tipos de inserção no serviço doméstico não apenas
pela atividade que realiza, mas, principalmente, pelo vínculo que estabelece, de
autonomia. Nesse sentido, de fato, ela traz uma divisão que ainda não existia no
trabalho doméstico remunerado: entre aqueles que trabalham em mais de uma
residência, por conta própria, assumindo os riscos, sem direitos trabalhistas; e aqueles
que trabalham em uma única residência, assalariados, com direitos trabalhistas e acesso
à Justiça do Trabalho.
As divisões anteriores eram todas no nível das diferenças quanto aos afazeres
domésticos executados, de forma que um aumento no piso salarial ou um novo direito
aprovado em lei abarcaria a todos, sem distinções. Por mais que muitos dos direitos dos
empregados domésticos não fossem respeitados, estava sempre aberta a possibilidade de
entrarem na Justiça do Trabalho e terem esses direitos assegurados. No caso da diarista,
isso não será mais possível, pois a própria lei, ao reconhecê-la como prestadora
autônoma de serviço, elimina essa possibilidade. Dessa forma, as trabalhadoras

145
domésticas passaram a estar divididas não apenas pelas atividades realizadas, mas pelo
tipo de vínculo estabelecido.
Apesar de representar uma fragmentação de ordem distinta, as relações de
trabalho da diarista foram muito pouco estudadas. A preocupação sempre foi
compreender as relações de emprego doméstico, principalmente da empregada
doméstica polivalente. Mas como a essa altura já se tornou evidente, as relações de
trabalho no âmbito doméstico são muito mais amplas do que isso. Como vimos na
introdução, quando a diarista aparece efetivamente nos estudos sobre o trabalho
doméstico remunerado é sendo comparada estatisticamente com a empregada ou a partir
de uma discussão sobre a sua definição legal.
Sendo assim, cabia analisar mais profundamente e sob o viés sociológico esse
tipo de atividade no serviço doméstico. Com esse objetivo, as semelhanças e as
diferenças entre as relações de trabalho da empregada doméstica e da diarista, bem
como as suas diferenciações e definições, foram abordadas de diferentes ângulos ao
longo da pesquisa: do ponto de vista legal, a partir da legislação, da doutrina e da
jurisprudência (capítulo 1); do ponto de vista dos perfis sócio-econômicos, construídos
estatisticamente (capítulo 2); e do ponto de vista das percepções das próprias
trabalhadoras domésticas (capítulo 3).
Do ponto de vista legal, a diferenciação entre empregado doméstico e diarista
não é ponto pacífico, e, portanto, apresenta posições divergentes, principalmente quanto
à “natureza contínua” do trabalho. Como vimos, a doutrina sobre o assunto, ou seja, o
estudo aprofundado acerca das normas e dos princípios do Direito, pode ser dividida,
sintetizando a discussão, em dois grupos: o da posição majoritária entre os juízes e o da
posição minoritária.
O primeiro grupo, majoritário, põe mais peso nas diferenças entre o diarista e o
empregado doméstico, negando, assim, o vínculo empregatício do primeiro. Para ele,
contínuo significa sem interrupção, a continuidade faz referência à freqüência com que
o trabalho é realizado e contínuo e não-eventual são interpretados como diferentes. O
segundo grupo, minoritário, põe mais peso nas semelhanças entre o diarista e o
empregado doméstico, afirmando, assim, o vínculo empregatício do primeiro. Para ele,
contínuo significa habitual, a continuidade faz referência à necessidade dos serviços
para a família empregadora e contínuo e não-eventual são compreendidos como tendo
significados muito semelhantes ou iguais.

146
Analisando os acórdãos, ou seja, as decisões coletivas adotadas por grupos de
juízes ou ministros, a partir da segunda instância da Justiça do Trabalho, de processos
iniciados no estado do Rio de Janeiro, não houve, diferente da doutrina, uma
divergência jurisprudencial elevada. Apesar de certa divergência existente, maior entre
o TRT e as varas do que entre o TST e o TRT, os dados analisados indicaram que a
jurisprudência dos Tribunais Trabalhistas é convergente, em sua maior parte, no sentido
de que o trabalhador doméstico que trabalha alguns dias semanais deve ser considerado
diarista, e não empregado, por conta da quantidade reduzida de dias trabalhados; da
ausência de subordinação e, em alguns casos, de pessoalidade; da inexistência de
horário e dias fixos; do pagamento diário e do número maior de residências em que o
serviço é prestado.
O Projeto de Lei do Senado, nº. 160, de 2009, ao buscar acabar com a
indefinição em relação ao que é um diarista, o define como o trabalhador que presta
serviços no máximo duas vezes por semana para o mesmo contratante e recebe o
pagamento pelo serviço prestado na forma de diária, não configurando vínculo
empregatício. Além disso, tal projeto, que atualmente está em tramitação na Câmara dos
Deputados, torna obrigatório que esse tipo de trabalhador doméstico apresente ao
contratante o seu comprovante de contribuição ao INSS.
Do ponto de vista quantitativo, ficou claro que há diferenças quanto às
características sócio-econômicas, de forma que em comparação com as domésticas
polivalentes, tanto para o Brasil quanto para o estado do Rio de Janeiro, as diaristas são
mais velhas, mais brancas, ligeiramente menos escolarizadas, menos formalizadas,
moram menos na casa dos patrões, contribuem menos para a previdência, trabalham
bem menos horas semanais e têm uma renda média maior, seja mensal ou por hora.
Do ponto de vista das percepções das próprias trabalhadoras domésticas, há
determinados marcadores da diferença que elas estabelecem, com divergências, entre
ser mensalista e ser diarista. Os principais deles são: a freqüência com que o trabalho é
efetuado, a forma de pagamento e o tipo de atividade realizada. Esses critérios, embora
sejam influenciados pelas discussões legais, apresentam contornos distintos, a partir das
experiências de trabalho delas.
Os dois primeiros critérios levantados pelas trabalhadoras domésticas
entrevistadas estão em consonância com o entendimento jurídico, que os considera,
principalmente a freqüência, fundamentais para a distinção. Em contraponto, o terceiro
critério é um aspecto pouco enfatizado do ponto de vista legal: o tipo de afazeres

147
domésticos realizados. Para algumas trabalhadoras domésticas, uma diarista não pode
ser assim considerada se realiza todas as tarefas da casa, pois ela pressupõe um trabalho
especializado.
Além desses três, outros marcadores da diferença foram ressaltados pelas
entrevistadas: o número de domicílios nos quais o serviço é prestado, o desgaste físico
demandado pelo trabalho, o cumprimento ou não de horários fixos, o maior ou o menor
rendimento, a presença ou a ausência de determinadas garantias sociais e o tipo de
relação, mais ou menos afetiva, estabelecida entre a família empregadora e a
trabalhadora doméstica.
Enquanto as trabalhadoras em apenas um domicílio definiram o trabalho
desempenhado pelas diaristas como mais “nômade”, de faxina, fisicamente árduo, por
tarefa, sem vínculos formais e afetivos, e com pagamento diário e mais elevado; as
trabalhadoras domésticas em mais de um domicílio conceberam o trabalho
desempenhado pelas empregadas domésticas como fixo, polivalente, menos desgastante
fisicamente, com horários determinados, com vínculos formais e afetivos, e com
pagamento mensal e menos elevado.
Nessa discussão sobre as configurações do serviço prestado, uma questão
importante era saber se as relações de trabalho da diarista são mais informais,
independentes, delimitadas, controladas, racionais, impessoais e pouco afetivas quando
comparadas com as da empregada doméstica. De fato, há entre essas relações diferenças
em muitos sentidos. A primeira delas é que as relações de trabalho da diarista são quase
totalmente informais, no sentido da ausência de vínculo empregatício, indicando que o
assalariamento e o vínculo deram lugar à diária e à autonomia.
A segunda diferença é que as relações de trabalho da diarista são mais
independentes em comparação com as da empregada quanto ao número de dias
trabalhados, pois pode ser renegociado frequentemente; ao horário, que é limitado, mas
não fixado rigidamente, uma vez que a preocupação maior é combinar a tarefa a ser
executada; e à necessidade do vínculo, já que havendo mais contratantes, o peso de cada
um deles para a renda mensal da trabalhadora é menor.
A terceira característica diferenciada nas relações de trabalho da diarista é o
maior controle e delimitação do tempo, estipulado a partir das tarefas demandadas; das
atividades realizadas, geralmente, previamente definidas, precisas e pouco mutáveis; e
do pagamento, que é realizado logo após o serviço ter sido finalizado, embora possa
variar caso haja cancelamento de diárias.

148
Para finalizar, a diarista especializada, principalmente a faxineira, traz mais
fortemente a possibilidade de estabelecer relações de trabalho mais racionais,
impessoais e pouco afetivas, ou seja, de não envolvimento emocional e de manutenção
da privacidade pessoal do contratante. No entanto, se é possível fazer tal afirmação é
com cuidado, pois isso representa mais uma possibilidade que pode se tornar plausível,
um devir, do que algo que efetivamente é amplamente vivenciado cotidianamente.
Anteriormente a esta pesquisa, Harris (2007), ao comparar as relações entre
empregadas domésticas e seus empregadores, no Brasil e nos Estados Unidos, dedicou
parte de seu estudo a analisar as relações de trabalho da diarista. Nessa análise, ele já
apontava a vantagem dessa trabalhadora em termo de rendimentos, a sua maior
independência quanto à necessidade do vínculo, o fato de seu trabalho depender mais da
conclusão de uma série de tarefas do que do estabelecimento de um horário, a
necessidade de um número razoável de clientes, a ausência de determinadas garantias
sociais e um controle maior das tarefas desempenhadas.
No entanto, o entendimento de Harris apresenta algumas idéias e interpretações
das quais discordamos e que, portanto, precisavam ser reavaliadas. Embora em alguns
momentos haja uma relativização, para ele, a diarista exemplifica as características de
um trabalho mais “moderno”, “racional” e “capitalista” do que a mensalista. Além
disso, na sua concepção:

Esse tipo de trabalho invisível ao comprador e totalmente precário para o


trabalhador é assim característico das mudanças no mercado de trabalho geral
nos países neoliberalizados como os Estados Unidos e o Brasil (HARRIS,
2007: 120).

Dessa forma, é preciso avaliar com mais cautela, com base em tudo o que foi
visto nesta dissertação, três aspectos levantados por Harris: 1) A diarista exemplificar
um trabalho mais racional; 2) Esse tipo de trabalho ser invisível ao comprador e
totalmente precário ao trabalhador; 3) O crescimento de a diarista ser interpretado pela
chave do neoliberalismo em expansão.
Quanto ao primeiro aspecto, talvez ele faça sentido se estivermos pensando no
modelo da diarista especializada, principalmente a faxineira, que, como defendido
anteriormente, pode estabelecer uma relação com menos envolvimento emocional. Há
inclusive a possibilidade de o contratante sair da residência no dia ou dias em que o
serviço é realizado. Por trabalhar em vários domicílios, ter menos contato com cada

149
família e estar focada em uma única tarefa a ser executada no menor tempo possível, é
plausível perceber as relações que estabelece como mais racionais e impessoais quando
comparadas com as da empregada doméstica.
Mas, mesmo assim, isso, por enquanto, parece ser mais uma possibilidade do
que um traço presente de fato nessas relações. Como demonstramos, inclusive na
situação da troca de presentes, há um caráter pessoalizado que se mantém mesmo na
diarista especializada. Isso significa que uma dimensão afetiva e de intimidade é
inerente ao serviço doméstico? Não chegaríamos a afirmar tanto, pois embora, de fato,
haja, mesmo em outros países, algum nível variável de relações afetivas e de intimidade
na prestação de serviços pessoais no âmbito familiar, há determinadas configurações
que se estabelecem como exceções à regra.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há uma modalidade de contratação de
serviços domésticos que reduz ao mínimo as dimensões pessoais e afetivas. Trata-se dos
professional cleaning services (serviços de limpeza profissional), nos quais um grupo
de duas a quatro trabalhadoras domésticas é enviado por uma empresa para, trabalhando
em equipe, fazer a faxina de uma única residência no menor tempo possível, não
excedendo o limite de algumas horas. Desde a solicitação do tipo de serviço a ser
realizado até a solução de problemas, é com a empresa que deve ser resolvido. Nesse
sentido, a interação e o envolvimento emocional entre as trabalhadoras faxineiras e os
clientes ficam tão esvaziados que beiram a inexistência.
Além disso, voltando ao caso brasileiro, o problema de se afirmar que a diarista
exemplifica um trabalho mais racional é o de homogeneizá-la de maneira acrítica. Isso
ocorre porque esse tipo de assertiva tem como parâmetro a imagem da diarista faxineira
ou passadeira. E é esse o cuidado que os estudos sobre o serviço doméstico precisam
ter. Tal bibliografia há muito tempo já percebeu que não é possível falar em empregada
doméstica sem esclarecer a que tipo se refere, pois a heterogeneidade de relações de
trabalho está muito presente, mas o mesmo ainda não foi notado em relação à diarista,
compreendida como se apresentasse uma única configuração possível.
A questão é que se, por um lado, a diarista representa mais a forma como o
trabalho é contratado, em oposição à mensalista; por outro, nas relações concretas,
parece indicar um tipo de atividade, tornando-se sinônimo de faxineira, em contraponto
à cozinheira, à babá e às demais funções desempenhadas. Mas não podemos perder de
vista que diarista não é necessariamente sinônimo de faxineira, assim como empregada

150
doméstica não é sinônimo de trabalhadora polivalente. Até as diaristas são, na verdade,
um grupo heterogêneo, do qual a faxineira é apenas uma das possibilidades.
Se as características, no sentido das relações de trabalho, no limite, não são as
mesmas entre a babá, a cozinheira, a enfermeira do lar, a doméstica polivalente e as
outras colocações no âmbito doméstico, mesmo que todas façam parte da categoria de
empregadas domésticas; o mesmo vale para a diarista faxineira, diarista congeleira,
diarista passadeira, diarista polivalente e as outras possibilidades existentes, mesmo que
elas façam parte da categoria de diaristas. Ou seja, neste segundo caso a homogeneidade
também não se justifica.
Foi nesse sentido que trouxemos à tona nesta pesquisa o que denominamos de
diarista polivalente, até então não problematizada pela bibliografia. Diferentemente, por
exemplo, da faxineira especializada, contratada para realizar uma tarefa bem definida,
trata-se da trabalhadora doméstica que conjuga características próprias das relações de
trabalho da diarista (recebimento de diária e freqüência de apenas alguns dias da semana
em uma mesma residência) e das relações de trabalho da empregada doméstica
polivalente (realização dos afazeres domésticos como um todo, não definidos
previamente; e menor controle e delimitação do tempo, já que não é estipulado a partir
das tarefas demandadas).
Podemos dizer que esse “tipo híbrido” de diarista representa um trabalho mais
racional? Dificilmente. É por isso que não devemos trabalhar com a imagem da diarista
faxineira como se ela pudesse dar conta da riqueza de possibilidades existente no
mercado autônomo de oferta e demanda de serviços domésticos, pois isso resulta em
uma perda da capacidade analítica necessária para buscar compreender e explicar as
mudanças nesse tipo de atividade laborativa. É importante que essa questão seja
percebida e refletida pelos próximos estudos sobre o assunto.
Quanto ao segundo aspecto levantado por Harris (2007), parece-nos exagerado
definir o trabalho da diarista como invisível ao comprador e totalmente precário ao
trabalhador. Iniciando pela invisibilidade, de fato, na concepção das mulheres
entrevistadas por esta pesquisa, tanto as que trabalham em uma residência quanto as que
trabalham em mais de uma, a relação que a família empregadora mantém com as
trabalhadoras domésticas é muito menos afetiva com a diarista do que com a
empregada. Em alguns depoimentos, o contato que aquela estabelece com os
contratantes é percebido como apenas o necessário para saber o que tem que ser feito,
não haveria uma participação mais ativa na vida deles.

151
Esse tipo de relação de serviço doméstico, no limite, pode ser configurado da
forma descrita por Harris:

No caso dos empregadores que fazem questão de sair de suas casas no dia que
vem a faxineira, podem acabar passando meses sem encontrar com ela,
deixando sempre dinheiro na mesa como biscoitos e leite para Papai Noel, e
voltando para uma casa magicamente limpa (2007: 120).

Mas, apesar disso, parece exagerado definir o trabalho da diarista como invisível
ao comprador, pois, como ressaltado anteriormente, esse tipo de relação mais racional,
impessoal e pouco afetiva, pelo menos por enquanto, aparece mais como possibilidade
do que como existência concreta, embora haja casos em que se estabeleça desta
maneira. Além disso, não podemos esquecer da questão da heterogeneidade reinante
que permite que a diarista polivalente compartilhe com a empregada doméstica
polivalente o mesmo tipo de envolvimento emocional no que tange aos contratantes.
Em relação ao trabalho de a diarista ser totalmente precário ao trabalhador,
realmente com a diferenciação cada vez maior entre empregada e diarista, esta deixa o
estatuto do vínculo empregatício e do assalariamento para o da autonomia e da diária.
Isso representou uma maior necessidade de assumir riscos e um afastamento do
conjunto de direitos trabalhistas conquistados pelas empregadas domésticas, com o qual
as prestadoras autônomas de serviço não podem contar.
Entretanto, se a autonomia trouxe tais características, ela abriu também a
possibilidade de rendimentos mais elevados, o que foi comprovado estatisticamente.
Além disso, para não haver uma ausência total de garantias sociais, está aberta a
possibilidade de a trabalhadora fazer a contribuição como autônoma ao INSS,
desfrutando assim, por exemplo, de aposentadoria e auxílio-doença. A necessidade de as
diaristas estarem protegidas foi ressaltada inclusive no Projeto de Lei do Senado, nº.
160, de 2009, que busca regulamentar essa atividade profissional.
Quanto ao crescimento de a diarista ser interpretado pela chave do
neoliberalismo em expansão, Harris (2007) citou Brenner e Theodore (2002) para
definir a ideologia neoliberal como a crença de que o desenvolvimento econômico
ótimo é encontrado em mercados abertos, competitivos e não-regulados, liberados da
interferência do Estado. O argumento de Harris é o de que o neoliberalismo provocou
mudanças nas relações de serviço doméstico por meio de uma prática e de um discurso

152
de “modernização”, nos quais a diarista eliminou completamente as obrigações do
empregador e assumiu todo o risco.
De fato, o mundo do trabalho tem sido marcado, a partir das últimas décadas do
século XX, em nível mundial, por profundas mudanças que alteraram as relações de
trabalho, reelaboraram as estratégias das empresas e das demais instituições, trouxeram
complexos desafios às organizações de trabalhadores e impactaram a vida social de
diferentes formas. Entre tais transformações, podemos citar a variação das formas de
contrato, que não mais o indeterminado e em período integral; a ascensão do padrão
flexível; o desmonte da sociedade salarial (CASTEL, 1998); o crescimento de formas
menos estáveis de trabalho, como terceirizados, autônomos e temporários; a diminuição
da proteção social; a desregulamentação e a instabilidade.
Essas alterações mais gerais nas relações de trabalho impactaram também, em
algum nível, o trabalho reprodutivo, coincidindo, pelo menos nas últimas duas décadas
no Brasil, com a elevação da proporção de diaristas. Embora seja importante lembrar,
assim como analisado nos gráficos 16 e 17 do capítulo 2, que o que houve, tanto no
Brasil quanto no Rio de Janeiro, não foi um aumento da percentagem de diaristas
acompanhado de uma diminuição da de empregadas mensalistas com carteira assinada,
mas um crescimento tanto de diaristas quanto de empregadas mensalistas com carteira
assinada mediante a diminuição das mensalistas sem carteira assinada.
Mas, então, as novas configurações do serviço doméstico podem ser explicadas
como conseqüências do neoliberalismo e das mudanças relativamente recentes no
mundo do trabalho? Em algum grau, sim. Mas se creditamos o crescimento da
proporção de diaristas a essas variáveis, é apenas dando-lhes um peso ainda não muito
bem determinado. O que procuramos encontrar, quanto à elevação da proporção de
diaristas, foram explicações calcadas nas especificidades da sociedade brasileira atual.
Sendo assim, buscamos explicações que contemplassem tanto a demanda por
serviços diários em vez de mensais quanto a sua oferta. Em relação à demanda, ou seja,
à procura por esse tipo de relação de serviço doméstico, os seguintes fatores foram
levantados: o empobrecimento da classe média, que parece não conseguir reproduzir
mais a mesma relação com o trabalhador doméstico que as gerações anteriores
conseguiam; a diminuição do tamanho das famílias, com cada vez menos filhos,
reduzindo a necessidade da contratação de serviços para todos os dias do mês; o
crescimento do número de domicílios unipessoais, ou seja, de pessoas morando
sozinhas; a eliminação dos custos que acompanham o vínculo empregatício; e o

153
aumento da participação feminina no mercado de trabalho, inclusive de mulheres
casadas, com filhos e com menor poder aquisitivo, que vêem na contratação de uma
diarista a possibilidade de conseguirem articular trabalho e cuidados, delegando estes a
um tipo de trabalhadora que caiba no orçamento familiar.
Em relação à oferta, por meio de dados estatísticos e de entrevistas, procuramos
compreender as motivações das trabalhadoras domésticas para estarem se dedicando a
algumas residências simultaneamente sob o regime de diárias. Entre tais fatores, é
possível destacar: o maior controle sobre as atividades realizadas, a possibilidade de
elevarem o rendimento mensal, a maior independência quanto ao número de dias
trabalhados, a possibilidade de contribuírem para o orçamento familiar sem precisarem
ter a disponibilidade de trabalhar todos os dias, e o maior controle sobre as horas de
trabalho. Embora não devemos perder de vista que há vários condicionamentos sociais
influenciando essas motivações.
Quanto à hipótese, levantada na introdução, de que ser diarista poderia permitir
às mulheres de menor poder aquisitivo uma flexibilidade necessária à articulação entre o
trabalho produtivo e o trabalho reprodutivo, a partir da maleabilidade que esse serviço
por conta própria tem em relação ao da empregada mensalista, confirmou-se em algum
grau. Embora a maioria das diaristas busque preencher, se possível, a semana toda com
diárias; de fato, esse tipo de inserção no mercado possibilita que algumas mulheres
trabalhem apenas dois dias na semana e, mesmo assim, contribuam razoavelmente para
o orçamento familiar, aproveitando os demais dias para o trabalho reprodutivo ou
mesmo para se dedicarem a outras atividades remuneradas, como a pequenos negócios
próprios.
Cabe pensar se é possível explicar a diarista pela chave interpretativa da
precarização ou da autonomia. Os debates teóricos sobre as mudanças no mundo do
trabalho, a partir das últimas décadas do século XX, defenderam estar havendo, entre
outros processos, uma precarização do trabalho. Essa problemática ganhou destaque no
Brasil especialmente a partir da década de 90. Contudo, como a idéia de precarização
vem do contexto francês e tem como referência o regime assalariado e por tempo
indeterminado, é preciso cautela para empregá-la como instrumento de compreensão
das mudanças na sociedade brasileira, cujo mercado de trabalho nunca apresentou uma
configuração semelhante, ou seja, jamais existiu uma sociedade salarial para a
população como um todo.

154
Feitas essas ressalvas, o conceito de precarização59 faz referência à deterioração
das condições de trabalho. Appay (1997) o entende como sendo construído a partir de
um duplo processo: a precarização econômica (das estruturas produtivas e dos salários)
e a institucionalização da instabilidade (transformação das leis relativas ao trabalho e à
proteção social). Tal conceito passou a ser utilizado para explicar mudanças em
diferentes níveis: a desregulamentação, ou seja, a redução dos direitos do trabalho; a
insegurança; a vulnerabilidade social; a diminuição do rendimento auferido; a
instabilidade; a perda da qualidade do trabalho e da proteção social associada a ele; o
aumento da jornada de trabalho e a flexibilização dos contratos.
Nesse sentido, é apropriado utilizar o conceito de precarização para descrever a
situação da empregada doméstica que se tornou diarista? Esse questionamento é
pertinente porque precarização é um conceito relacional, que apenas faz sentido quando
a situação atual de trabalho é comparada com a anterior (LEITE, 2008). Apenas é
possível lançar mão desse conceito se houve, em algum nível, uma deterioração das
condições de trabalho. Se por um lado, de fato, a trabalhadora doméstica que deixou de
ser empregada para ser diarista perdeu a cobertura dos direitos trabalhistas e a proteção
social que acompanhava o vínculo empregatício; por outro, elevou o rendimento obtido
e reduziu a jornada de trabalho.
Como é um conceito relacional, pode-se questionar: as diaristas não poderão se
beneficiar dos direitos trabalhistas direcionados às empregadas domésticas, mas estas já
não tinham, em grande parte, os direitos desrespeitados? De fato, mas estava sempre
aberta a possibilidade de elas ingressarem na Justiça e terem esses direitos assegurados.
Por trás do valor que a diarista recebe não está associada uma base de proteção social
que, em algum grau, está no caso da empregada. Esse valor é reduzido à simples
remuneração de uma tarefa.
Porém, não podemos afirmar que haja uma precarização do serviço doméstico
remunerado brasileiro, pois como vimos ao longo desta dissertação, juntamente com o
crescimento da proporção de diaristas, há uma elevação da proporção de trabalhadoras
domésticas com carteira assinada. Além disso, as empregadas domésticas, efetivamente,
têm vivenciado uma ampliação de direitos, aproximando-se, cada vez mais, da
equiparação aos demais trabalhadores.

59
Utilizamos o termo precarização ao invés de precariedade, pois queremos frisar que se trata de um
processo e não de um estado vivido por populações vulneráveis: mulheres, jovens, imigrantes,
desempregados (APPAY, 1997).

155
No caso das diaristas, não parece que elas se apresentam ao mercado dessa
maneira por “não terem outra opção”. Embora haja alguns condicionamentos sociais
presentes, elas parecem estar buscando os benefícios da autonomia e, ao mesmo tempo,
convivendo com os riscos decorrentes dela. Pelo menos por enquanto, ser mensalista
ainda continua sendo uma possibilidade aberta. Nesse sentido, as entrevistadas que
trabalhavam em mais de um domicílio diziam fazê-lo por enxergarem benefícios nisso,
e não por não conseguirem mais colocação como empregadas.
Sendo assim, se a precarização pressupõe uma deterioração das condições de
trabalho, isso não ocorreu com o emprego doméstico, ou seja, com as mensalistas
assalariadas, pois ele continua apresentando as mesmas configurações. Podemos pensar
em uma fuga de direitos trabalhistas se o estatuto da autonomia e da diária acabar se
impondo como única possibilidade de inserção no mercado de trabalho doméstico. Por
enquanto, parece ser possível falar em precarização em situações particulares, como a
de trabalhadoras domésticas, tidas como diaristas pelos empregadores, contratadas
quatro dias na semana para realizar todos os afazeres domésticos de uma casa.
Quanto à autonomia como chave interpretativa, parece ganhar cada vez mais
força com a divisão do serviço doméstico entre empregadas e diaristas, do ponto de
vista legal, da forma de contratação e das relações de trabalho. O Projeto de Lei do
Senado, nº. 160, de 2009, ainda em tramitação, ressaltou a questão de a diarista assumir
o seu papel de autônoma, no sentido de efetuar seu próprio recolhimento da
contribuição previdenciária. A lei reforça a questão da autonomia para que seja pensada
enquanto tal efetivamente, ou seja, a prestação de um serviço por conta própria.
O trabalho doméstico remunerado brasileiro é como uma balança que equilibra,
dificilmente no mesmo nível, de um lado a lógica das relações pessoais, afetivas e
familiares; e de outro, a lógica das relações profissionais, contratuais e legais. Se essa
comparação puder ser feita, parece plausível, em nível geral, que da empregada
doméstica mensalista residente à diarista especializada, principalmente a faxineira,
passando pela empregada doméstica mensalista externa, a balança veio, em teoria,
tendendo, cada vez mais, para o lado da segunda lógica.
Com a diminuição das mensalistas sem carteira e com a distinção jurídica cada
vez mais forte entre empregada e diarista, podemos nos questionar se o caminho que a
ocupação está tomando é o de uma polarização em dois perfis cada vez mais distintos:
de um lado a empregada, mais formal, direcionada a quem pode e quer cumprir com os

156
encargos legais; de outro, a diarista, por conta própria, direcionada a quem quer a
execução de uma tarefa pontual.
Contudo, se essa interpretação estiver correta é apenas a longo prazo, pois na
configuração atual da ocupação o que vemos é uma multiplicidade de possibilidades, de
modo que o serviço doméstico é entrecortado por uma série de dimensões: trabalho
infantil/adulto, remunerado/sem remuneração, com carteira assinada/ sem carteira,
trabalho diário/mensal, polivalente/especializado, residir no domicílio/residir
externamente, pagamento em diária/salário, trabalho em um domicílio/em mais de um
domicílio, mais pessoal/menos pessoal, mais afetivo/menos afetivo. Cada função
desempenhada, da faxineira à empregada polivalente, pode se apresentar recombinando
essas dimensões de todas as maneiras possíveis.
Dessa forma, em meio a essa pluralidade de possibilidades existente, os dois
tipos de inserção possível no serviço doméstico brasileiro, como empregada ou diarista,
pelo menos como estão estabelecidos atualmente, não devem ser interpretados como
pólos opostos de uma dicotomia entre o tradicional e o moderno, entre as relações
afetivas e as impessoais ou entre o paternalismo e a racionalidade contratual. Nesse
sentido, se há uma transição rumo a relações menos ambíguas, é lenta e com
continuidades, que a heterogeneidade do serviço doméstico vem sendo capaz não
apenas de absorver, mas de fazer coexistir.

157
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• ________. Câmara. Projeto de Lei nº. 1.626, de 1989. Dispõe sobre a proteção do
trabalho doméstico e dá outras providências.
• ________. Lei nº. 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade
do bem de família.
• ________. Decreto nº. 3.361, de 10 de fevereiro de 2000. Regulamenta dispositivos
da Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a profissão de
empregado doméstico, para facultar o acesso do empregado doméstico ao Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e ao Programa do Seguro-Desemprego.
• ________. Medida Provisória nº. 2.104-16, de 23 de fevereiro de 2001. Acresce
dispositivos à Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a

159
profissão de empregado doméstico, para facultar o acesso ao Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço – FGTS e ao seguro-desemprego.
• ________. Lei nº. 10.208, de 23 de março de 2001. Acresce dispositivos à Lei nº.
5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a profissão de empregado
doméstico, para facultar o acesso ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –
FGTS e ao seguro-desemprego.
• ________. Medida Provisória nº. 284, de 6 de março de 2006. Altera dispositivos
das Leis nºs. 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e 8.212, de 24 de julho de 1991.
• ________. Lei nº. 11.324, de 19 de julho de 2006. Altera dispositivos das Leis nºs.
9.250, de 26 de dezembro de 1995, 8.212, de 24 de julho de 1991, 8.213, de 24 de
julho de 1991, e 5.859, de 11 de dezembro de 1972; e revoga dispositivo da Lei nº.
605, de 5 de janeiro de 1949.
• ________. Decreto nº. 6.481, de 12 de junho de 2008. Regulamenta os artigos 3º,
alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua
eliminação, aprovada pelo Decreto Legislativo nº. 178, de 14 de dezembro de 1999,
e promulgada pelo Decreto n°. 3.597, de 12 de setembro de 2000, e dá outras
providências.
• ________. Senado. Projeto de Lei nº. 159, de 2009. Altera a Lei nº. 5.859, de 11 de
dezembro de 1972, para dispor sobre multa por infração à legislação do trabalho
doméstico, e dá outras providências.
• ________. Senado. Projeto de Lei nº. 160, de 2009. Dispõe sobre a definição de
diarista.
• ________. Senado. Projeto de Lei nº. 161, de 2009. Altera a Lei nº. 8.212, de 24 de
julho de 1991, que dispõe sobre a Organização da Seguridade Social, institui o
Plano de Custeio e dá outras providências, para dispor sobre a contribuição social do
empregador e do empregado doméstico.
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167
ANEXOS

168
Anexo 1 – Roteiro das entrevistas com empregadas domésticas e diaristas

1 - Dados iniciais

Nome
Idade
Estado civil
Escolaridade
(se casada) Qual é a profissão do marido? Há quanto tempo é casada?
Bairro em que mora
Casa própria ou alugada?
Tem filhos? Quantos? Idade deles? Qual a profissão deles? Onde moram?
Onde trabalha atualmente? Trabalha em quantas casas? Há quanto tempo é empregada
ou diarista nessa casa? Quantos dias você trabalha na semana? Quantas horas você
trabalha por dia?
Você tem horário fixo ou pode ir embora quando acaba as tarefas?
Tem horário para chegar e para sair? Você realmente sai nesse horário ou dependendo
você pode sair mais cedo ou mais tarde?
Tem carteira assinada?
(se não tem) Gostaria de ter carteira assinada?
Quanto recebe em cada casa? Quanto é a renda mensal? E a renda da família?
O emprego doméstico é uma ocupação provisória para você ou não?
É sindicalizada?

2 - História de vida

Em que estado nasceu? E cidade?


(Se for de fora da cidade do Rio de Janeiro) Você pretende voltar para o estado ou a
cidade onde nasceu?
Como foi a sua infância lá? Você ajudava nos afazeres domésticos?
Qual é/era a profissão da mãe?
Qual é/era a profissão do pai?
(se de fora) Como chegou ao Rio de Janeiro? Por que veio?

3 - Trajetória profissional

Trabalha desde que idade?


Que tipos de trabalho já desempenhou?
Por que se tornou trabalhadora doméstica?
Você acha que esse é um bom trabalho para as suas filhas?
Em quantas casas já trabalhou? Relatar cada uma delas, onde foi, se tinha carteira
assinada, quanto recebia. Como você chegou a essas casas? Foi indicada...agência...
Que tarefas você realizava?
Você alguma vez já colocou anúncio no jornal oferecendo o seu trabalho?
Quando você começou a trabalhar era comum encontrar trabalho como diarista?
Quando sai de uma casa, você sente falta de algo? Da família?
Há quantos anos é trabalhadora doméstica?

169
Já foi mandada embora? Por quê?
Já pediu para sair de alguma casa? Por quê?
Você fez algum curso ou passou por algum treinamento para desempenhar o seu
trabalho?
Já trabalhou em casa que precisava dormir no serviço? O que você acha disso?
Você já trabalhou tendo que usar uniforme? O que você acha disso?
Você já teve algum patrão ou patroa que queria assinar a sua carteira e você não quis?
Por quê? Você já evitou assinar a carteira como empregada doméstica?
Você já procurou o sindicato dos trabalhadores domésticos?
(para as empregadas) Se alguém lhe arranjasse um emprego para trabalhar em outra
casa ganhando mais, você iria? Por quê?

4 - Ser empregada ou diarista

O que é ser empregada doméstica? O que é ser diarista?


Você foi contratada para realizar que tipo de tarefa no seu trabalho? Às vezes você faz
tarefas que não estavam combinadas? Quais? Você ganha algo a mais por isso? Faz
comida...faxina...passa..lava...
Essas tarefas mudam ou são sempre as mesmas?
Há diferença nas atividades que você faz como diarista e como empregada doméstica?
Há alguma tarefa doméstica que você se nega a fazer?
Como é a sua relação com a família empregadora?
Você recebe algo da família além do salário/da diária? Presente...roupa...alimento...
No seu aniversário, natal... você recebe algum bônus...lembrança...?
O que é ser um bom patrão?
Quais são as características de um bom emprego doméstico?
O que é ser uma boa empregada doméstica?
O que é ser uma boa diarista?
Quando você recebe o seu pagamento?
Você tem férias?
Você já foi à justiça em alguma situação de trabalho?
Quem definiu a duração da jornada de trabalho?
Eventualmente você pode chegar mais tarde ou sair mais cedo?
Você almoça no trabalho? Recebe almoço? Come com a família?
O emprego doméstico tem algo de específico em relação a outras profissões? O quê?
O que é indispensável para ser empregada?
O que é indispensável para ser diarista?
Que serviços você realiza como empregada doméstica?
Que serviços você realiza como diarista?
Há diferenças entre ser empregada e diarista? Quais?
É possível escolher, aqui na cidade do Rio de Janeiro, ser empregada ou ser diarista?
Por quê? O que você levou em conta nessa sua decisão?
Você prefere ser qual das duas? Por quê?
Quais são os pontos positivos de ser empregada e de ser diarista?
Quais são os pontos negativos de ser empregada e de ser diarista?
Há diferença quanto à relação com a família quando se é empregada e quando se é
diarista?
(para quem foi empregada e agora é diarista) Por que se tornou diarista?
Quem cuida dos afazeres domésticos na sua casa?
Você já pagou alguém para realizar essas tarefas?

170
(Se tem filho pequeno ou se já teve) Com quem você deixa/deixou os seus filhos
enquanto trabalha/trabalhava?
Você paga/pagava algo para ela? Quanto você paga/pagava? Por quantas horas?
(se já foi empregada e diarista) Há alguma diferença entre ser empregada ou diarista e
articular a rotina de trabalho com os afazeres domésticos?
(se não tem carteira assinada) Você contribui para o INSS, por exemplo, como
autônoma?
(se sim) Quando pretende se aposentar? O que vai fazer depois de se aposentar?
(se não) E a aposentadoria? Como fará daqui a alguns anos?
Você já teve algum desentendimento com a patroa? Como você resolveu?
Nesses anos, você já passou por alguma situação ruim no seu trabalho?
Você já foi maltratada, acusada de algo ou xingada?
Você já ficou doente e não pode trabalhar durante um tempo? O que você fez?
Que direitos você tem como empregada doméstica e que direitos você tem como
diarista?
Mais alguma coisa que você gostaria de falar sobre o seu trabalho?

171
Anexo 2 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) dos bairros da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) por bairros ou grupo de bairros da Zona Sul da Cidade do Rio de Janeiro – 2000
Esperança Índice de
Bairro ou grupo de bairros de vida ao Taxa de Taxa bruta de Renda per capita Índice de Índice de Índice de Desenvolvimento
nascer alfabetização de frequência (em R$ de 2000) Longevidade Educação Renda Humano Municipal
(em anos) adultos (%) escolar (%) (IDH-L) (IDH-E) (IDH-R) (IDH)

Gávea 80,45 98,08 118,13 (a) 2139,56 (b) 0,924 0,987 1,000 0,970
Leblon 79,47 99,01 105,18 (a) 2441,28 (b) 0,908 0,993 1,000 0,967
Ipanema 78,68 98,78 107,98 (a) 2465,45 (b) 0,895 0,992 1,000 0,962
Lagoa 77,91 99,46 115,26 (a) 2955,29 (b) 0,882 0,996 1,000 0,959
Flamengo 77,91 99,28 119,08 (a) 1781,71 (b) 0,882 0,995 1,000 0,959
Humaitá 77,91 99,28 122,20 (a) 1830,65 (b) 0,882 0,995 1,000 0,959
Laranjeiras 77,84 98,74 115,98 (a) 1679,22 (b) 0,881 0,992 1,000 0,957
Jardim Botânico 77,84 98,71 104,89 (a) 1952,77 (b) 0,881 0,991 1,000 0,957
Copacabana 77,78 98,48 107,54 (a) 1623,42 (b) 0,880 0,990 1,000 0,956
Leme 77,47 98,75 112,07 (a) 1713,89 (b) 0,875 0,992 1,000 0,955
Botafogo, Urca 78,25 98,46 113,01 (a) 1376,47 0,888 0,990 0,979 0,952
Glória 77,37 99,06 114,55 (a) 1183,28 0,873 0,994 0,954 0,940
Catete 74,99 96,65 100,40 (a) 822,22 0,833 0,978 0,893 0,901
Santa Teresa, Cosme Velho 74,06 96,14 92,60 701,19 0,818 0,950 0,867 0,878
Vidigal, São Conrado 71,12 94,76 82,00 1131,47 0,769 0,905 0,946 0,873
Rocinha 67,33 87,90 69,50 219,95 0,706 0,818 0,673 0,732

Fonte: Dados básicos: IBGE-microdados do Censo Demográfico 2000. Tabela retirada do site http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/, e modificada.

Cálculos - Convênio IPP/IUPERJ/IPEA e FJP-MG.

(a) Para efeito de cálculo do IDH, foi utilizado o valor de 100%

172
(b) Para efeito de cálculo do IDH, foi utilizado o valor de R$ 1.559,24

Definições:

Esperança de vida ao nascer (em anos) - Número médio de anos que as pessoas viveriam a partir do nascimento.

Taxa de alfabetização de adultos (%) - Percentual de pessoas acima de 15 anos de idade que sabem ler e escrever.

Taxa bruta de freqüência escolar (%) - Proporção entre o número total de pessoas em todas as faixas etárias que freqüentam os cursos fundamental, segundo
grau ou superior em relação ao total de pessoas na faixa etária de 7 a 22 anos.

Renda per capita (em R$ de 2000) - Razão entre o somatório da renda de todos os indivíduos (incluindo aqueles com renda nula) e a população total.

Índice de longevidade (IDH-L) - Índice do IDH relativo à dimensão Longevidade. É obtido a partir do indicador esperança de vida ao nascer, através da
fórmula: (valor observado do indicador - limite inferior) / (limite superior - limite inferior), onde os limites inferior e superior são equivalentes a 25 e 85 anos,
respectivamente.

Índice de educação (IDH-E) - Índice do IDH relativo à Educação. Obtido a partir da taxa de alfabetização e da taxa bruta de freqüência à escola, convertidas em
índices por: (valor observado - limite inferior) / (limite superior - limite inferior), com limites inferior e superior de 0% e 100%. O IDHM-Educação é a média
desses 2 índices, com peso 2 para o da taxa de alfabetização e peso 1 para o da taxa bruta de freqüência.

Índice de renda (IDHM-R) - Índice do IDH relativo à dimensão Renda. É obtido a partir do indicador de Renda per capita, através da fórmula: [Log (valor
observado do indicador) - Log (limite inferior)] / [Log (limite superior) - Log (limite inferior)],onde os limites inferior e superior são equivalentes a R$ 3,90 e R$
1559,24, respectivamente.

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M). É obtido pela média aritmética simples de três índices, referentes às dimensões Longevidade
(IDHM Longevidade), Educação (IDHM-Educação) e Renda (IDHM-Renda).

173
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