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ORGASMO
A explosão de prazer
é uma “trégua”
para a necessidade
de autocontrole
ALUCINAÇÃO
A impressão de ouvir
vozes nem sempre é
sintoma de distúrbio
CÉREBRO E INTESTINO
Conexão entre os dois
órgãos ajuda a desvendar
doenças neurológicas
Calma
Motivos para perder a serenidade não faltam.
A ciência busca caminhos mais inteligentes
para lidar com a irritação e a ansiedade,
que fazem tão mal à saúde física e mental
carta da editora
O
jovem pai empurrava pela calçada o carrinho do bebê, que entre
bichos de pelúcia chorava copiosamente, em alto e bom som. A
despeito da irritação da criança, o que inevitavelmente atraía olha-
res de transeuntes, o homem inspirava e expirava, e repetia em tom mode-
rado: “Calma, Bernardo, calma”. Uma senhora que observava a cena ficou
impressionada com a serenidade do rapaz e o cumprimentou por sua inve-
jável capacidade de autocontrole. O pai ainda ensaiava um sorriso cordial,
em meio aos gritos do menino, quando a mulher acrescentou: “Mesmo
chorando, o Bernardo é um garotinho lindo”. O homem respondeu então:
“Muito obrigado, mas o nome dele é João, eu sou Bernardo”. E seguiu, re-
petindo: “Calma, Bernardo, calma”.
A piada é antiga, mas emblemática: por mais centrada que uma pessoa
pareça, é inevitável que, em algum momento, seja tomada de assalto por
sentimentos de tensão, raiva ou ansiedade que lhe tiram a tranquilidade.
Afinal, o que não faltam são motivos que nos roubam a serenidade. Talvez,
aos olhos dos outros, alguns de nós possam até parecer serenos, mas a
luta interna – visível ou não – para nos mantermos centrados é travada com
frequência em nossas mentes.
“Não há coragem alguma que se assemelhe à da paciência, como tam-
bém não há desconforto pior que o da raiva”, escreveu o Dalai Lama. Mui-
tos cientistas concordam com as palavras do líder budista e, levando em
conta os prejuízos físicos e mentais causados pela tensão, têm buscado
compreender não apenas os processos que nos tornam mais vulneráveis ao
descontrole, mas também maneiras eficazes e inteligentes de combatê-lo.
Nesta edição de Mente e Cérebro digital dois artigos tratam desse tema, tão
urgente e necessário. Vale a pena ler com calma.
Boa leitura!
GLÁUCIA LEAL, editora-chefe
glaucialeal@editorasegmento.com.br
@glau_f_leal
3
sumário março 2019
capa
14 Calma!
Manter equilíbrio emocional, a ponto de reagir
com tranquilidade em situações que nos
incomodam, é uma capacidade extremamente
útil, que pode ser desenvolvida com atitudes
práticas e uma boa dose de persistência
28 As luzes do orgasmo
Psicólogo acredita que clímax sexual funciona como
uma espécie de “freio” para áreas do cérebro responsáveis
pelo julgamento e pela comparação
40 Mensagens
subliminares MENTE E CÉREBRO ON-LINE
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que esses estímulos provocam reações e Ricardo Jensen (revisão) Comentários sobre o conteúdo
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Vozes
que só você
ouve
Pesquisadores estimam que cinco em cada 100
pessoas já tiveram alguma alucinação auditiva,
um sintoma nem sempre associado a transtornos
psiquiátricos. Isolamento social ou eventos
traumáticos podem desencadear o fenômeno
6
saúde mental
D
e repente, alguém diz seu nome. Intrigado, você se
volta em busca da voz misteriosa, mas não há nin-
guém por perto. Talvez surja neste momento uma
sensação de desconforto ou medo. Loucura? De
fato, a alucinação auditiva é um sintoma comum em algumas
doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia. No entanto, nem
todos que passam por essa experiência têm necessariamen-
te um distúrbio mental. O filósofo grego Sócrates e a heroína
francesa Joana d’Arc diziam ouvir vozes, assim como o psiquia-
tra suíço Carl Jung e o artista plástico americano Andy Warhol.
O fenômeno já foi interpretado segundo diversos costumes
e culturas. No século 12, a abadessa e filósofa Hildegarda de
Bigen ignorou a hierarquia eclesiástica porque acreditava que
as vozes que escutava eram a palavra de Deus. Foi assim que,
para perplexidade geral, ela fundou o próprio convento em 1147.
Ainda hoje a alucinação auditiva é estigmatizada. Nos sistemas
de classificação dos transtornos psiquiátricos, representa um
critério-chave para o diagnóstico da esquizofrenia. Pesquisas
indicam, porém, que o fenômeno é bem mais disseminado.
7
saúde mental
Pensando alto
É difícil, portanto, falar em alucinações au-
ditivas como se fossem um único tipo de
manifestação. Há um continuum de mani-
festações auditivas que vai do falar sozinho
ao pensar em voz alta. Isso explica por que
os resultados das pesquisas nessa área va-
riam tanto, dependendo da pergunta que
se faz aos entrevistados e, principalmen-
te, de como as experiências relatadas são
classificadas. Segundo o psicoterapeuta Thomas Bock, dire-
tor do ambulatório de psicoses do Centro Médico da Univer-
sidade de Hamburgo, em torno de 5% da população já teve
alucinações auditivas, embora a prevalência mundial de es-
quizofrenia seja de apenas 1%. Logo, nem todas as “vozes do
além” são sintomas de distúrbios psicóticos.
Muitas das pessoas que ouvem vozes geralmente passaram
por experiências de abuso ou abandono na infância. Eventos
traumáticos na idade adulta, como acidente grave, estupro ou
8
saúde mental
9
saúde mental
Circuitos neurais
A experiência de ouvir vozes não precisa estar necessariamen-
te relacionada a uma alteração neurobiológica. Uma hipótese
corrente é que o cérebro simplesmente carece de estímulos
do mundo exterior, de modo que os inventa. Em 1992, o neu-
rologista Detlef Kömpf, da Universidade Schleswig-Holstein,
10
saúde mental
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saúde mental
por outro lado, faz com que elas percam um pouco a força. Se-
gundo Bock, esse é o primeiro passo para controlar a situação.
Na tentativa de libertar as pessoas das alucinações auditivas,
o psiquiatra Ralph E. Hoffman, da Faculdade de Medicina da
Universidade Yale, em New Haven, as submete a estimulação
magnética transcraniana de baixa intensi-
dade. A técnica começou a ser usada em
pacientes diagnosticados com esquizofre-
nia. Os resultados em indivíduos saudáveis
ainda estão em fase de avaliação.
Se não é possível afastar as vozes para
sempre, mudar a forma como a pessoa
convive com elas já ajuda muito. Ainda
que o conteúdo da mensagem ouvida
continue negativo, intenções e caracterís-
ticas que lhe são atribuídas podem ser in-
terpretadas de outra maneira. Segundo as
recomendações da organização alemã de
apoio a pacientes com distúrbios psiquiá-
tricos Netzwerk Stimmenhören, o principal
objetivo é fazer com que o indivíduo seja
“senhor de sua própria casa”. Assim, a pes-
soa pode, além de continuar ouvindo as
vozes, responder a elas, concentrando-se
em mensagens positivas ou estabelecendo limites para sua
manifestação. “Com frequência a relação com as vozes é se-
melhante às que se constrói na vida real”, diz o psicólogo Mark
Hayward, da Universidade de Leicester, Reino Unido. “Nesses
casos, é preciso encontrar a saída do isolamento.”
capa
Calma!
Em tempos tão conturbados, a capacidade de manter
o equilíbrio emocional e reagir com serenidade,
em situações (muitas vezes inevitáveis) que nos
incomodam e irritam, é uma das habilidades mais valiosas
a serem desenvolvidas. Reflexões, atitudes e hábitos
ampliam o autocontrole e o bem-estar físico e emocional
14
capa
A
gitação, ansiedade, raiva são as piores conselhei-
ras para qualquer um. Além do desconforto mental
e físico que esses estados mentais provocam, as
consequências de nossas decisões e atitudes nos
momentos de descontrole costumam ser bastante prejudi-
ciais. Já a calma traz um profundo bem-estar, a sutil sensação
de “voltar para casa”. O problema é que, na maior parte do
tempo, costumamos ter apenas uma vaga ideia do que fazer
para ter mais serenidade. Já a ansiedade e os sentimentos e
a irritação (explícita ou controlada) permanecem à espreita a
maior parte do tempo.
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capa
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19
capa
De frente
com a raiva
A fúria é claramente oposta à paciência, essa habilidade
de se manter emocionalmente estável e tolerante, diante
de incômodos e dificuldades. Apesar dos estragos que
pode causar, cientistas apostam que é possível usar esse
sentimento de forma saudável
22
capa
A
lguns autores argumentam que a raiva tem seu
lado positivo, desde que seja usada de maneira
adequada. “Qualquer um pode irritar-se, isso é
fácil; difícil é zangar-se com a pessoa certa, na
medida certa, no momento certo, com o propósito certo”,
escreveu Aristóteles, há mais de 2.000 anos, em sua obra
clássica A arte da retórica. Ter essa medida, entretanto, não
é fácil. Justamente por isso tendemos a associar a ira ou
mesmo a irritação à destrutividade – o que é bastante com-
preensível, já que essa emoção realmente pode destruir re-
lacionamentos e carreiras profissionais. O segredo para re-
verter esse quadro pouco promissor parece estar na clareza
a respeito de quando, onde, como e por que dar vazão a
essa emoção – sem que ela nos controle.
Um estudo particularmen-
te interessante sobre a raiva
veio na esteira dos ataques
Campeão de ansiedade
terroristas de 11 de setembro
O Brasil é o país com a maior taxa de pessoas com
transtornos de ansiedade no mundo e o quinto de 2001, nos Estados Unidos.
em casos de depressão. Segundo estimativas da A psicóloga Jennifer Lerner,
Organização Mundial da Saúde (OMS), 9,3% dos
brasileiros têm algum transtorno de ansiedade.
atualmente na Universidade
Já a depressão afeta 6% da população. Fatores Harvard, reuniu informações
socioeconômicos (como pobreza, desemprego, sobre as emoções e atitu-
situação política) e ambientais, além do estilo de
vida, em especial nas grandes cidades, concorrem des de aproximadamente mil
para a ocorrência desses índices. Com vários americanos adultos e adoles-
desdobramentos, a ansiedade pode traduzir-se
em sintomas variados, como insônia, crises de
centes apenas nove dias após
pânico, ingestão descontrolada de alimentos e os atentados e continuou o
procrastinação. Em grande parte dos casos, o acompanhamento nos anos
acompanhamento psicoterápico, aliado à prática
de atividade física e exercícios de respiração ou subsequentes. Ela descobriu
meditação, traz resultados muitos bons. que as pessoas que se senti-
capa
ca
cap
capa
ap
24
capa
Conquista da paciência
É possível adotar práticas que ajudam a manter a serenidade e o relaxamento, nos
momentos mais críticos. O diferencial está no treino: exercitar conscientemente
uma atitude calma quando estamos tranquilos é fundamental para enfrentar as
tormentas com maior equilíbrio
Assuma. Não adianta negar, esconder ou disfarçar a irritação. Simplesmente admitir
o que está sentindo e aceitar que isso às vezes acontece, sem fazer julgamentos, em
muitos casos é suficiente para acalmar-se.
Chegue “perto”. Entre em contato com a sensação incômoda. Mesmo em meio
ao caos emocional, tome alguns minutos para você. Sente-se em silêncio, preste
atenção à sua respiração, deixe que a sensação de raiva ou tensão se manifeste e
apenas “observe” o que sente por alguns minutos.
Deixe a poeira abaixar. Tente não pensar sobre a raiva nem falar dela na hora da
irritação; isso só vai deixá-lo ainda mais enfurecido.
Afaste-se. Se acha que pode fazer algo de que possa se arrepender no futuro, fique
longe do objeto de raiva. Tenha em mente que a fúria passa, mas os estragos feitos
podem permanecer por muito tempo.
Cuidado com a metralhadora. Em geral, evitamos despejar a ira sobre as figuras de
autoridade que nos incomodam, mas podem promover alguma retaliação. Parece
mais fácil descontar o mau humor sobre aqueles que não podem se defender, como
os que ocupam cargos subalternos, ou pessoas próximas, que sabemos que nos
amam (filhos, pais, amigos ou cônjuges).
Não justifique. Passado o auge da raiva, é comum buscarmos estratégias
para culpabilizar o outro, mas a verdade é que somos responsáveis
por nossas escolhas e atitudes. Não importa o que o outro fez – ele não obrigou
você a fazer o quer que fosse.
Respire. A primeira pista da perda de controle é a alteração da respiração. Por isso,
quando se sentir irritado, preste atenção na cadência com que inspira e expira e no
percurso que o ar faz dentro do seu corpo.
Faça o que lhe faz bem. Em vez de continuar sob o efeito desgastante da situação
que provocou tanto estresse, mude o foco. Desligue-se conscientemente do que o
incomoda e dedique-se a fazer algo que lhe traga bem-estar: fique perto da natureza,
leia um livro ou assista a um filme, de preferência divertido.
Considere outro jeito de agir. Passado o momento de irritação, pense na situação
que provocou o descontrole e imagine-se exatamente no mesmo contexto
agindo de outra forma com mais serenidade, escolhendo as palavras e o tom que
realmente gostaria de usar.
Procure ajuda. Falar sobre o que o aborrece com amigos ou colegas não costuma
trazer grandes benefícios, principalmente se a irritação acontece com frequência.
O mais indicado é tratar do assunto numa sessão de psicoterapia, num ambiente
protegido, em que a situação possa ser ressignificada com a ajuda de um psicólogo.
25
capa
As luzes do
orgasmo
Psicólogo acredita que clímax sexual
funciona como um “freio” para áreas do
cérebro responsáveis pelo julgamento,
pela comparação, pelo planejamento
e pela necessidade de autocontrole
28
sexualidade
A
pesar do grande interesse das pessoas por as-
suntos que envolvem a sexualidade, do ponto de
vista neurológico o orgasmo foi por muito tem-
po um processo misterioso. Graças a técnicas de
imageamento cerebral, que há pouco mais de duas décadas
passaram a ser usadas para estudar mecanismos do prazer
sexual, sabemos hoje que a redução do nível de consciên-
cia, alterações da percepção corporal e diminuição da sen-
sação de dor estão associadas ao intenso prazer. O curioso
é que, no âmbito do cérebro, efeitos muito similares podem
ser causados tanto por experiências religiosas quanto pe-
las puramente mundanas, como o orgasmo. Nos dois casos,
podem ocorrer simultaneamente a experiências difíceis de
ser descritas com palavras, como perda do sentido de iden-
tidade e dos limites corporais.
“Uma das descobertas recentes mais interessantes nessa
área é que, embora o lobo frontal esquerdo esteja ligado ao
prazer, essas manifestações são processadas em ambos os
lados do cérebro”, observa a pesquisadora da Escola de Ciên-
cias Biológicas, Biomédicas e Molecular da Universidade New
England Gemma O’Brien, formada em neurofarmacologia e
29
sexualidade
30
sexualidade
31
tratamento
Cérebro,
intestino
e esclerose
múltipla
A conexão entre esses dois órgãos,
que há vários anos chama a atenção
de pesquisadores, ajuda a entender o
desenvolvimento de doenças degenerativas
tratamento
U
m é a sede do pensamento e da emoção, respon-
sável pela “nobre missão” de comandar o organis-
mo, guardar memórias e adquirir conhecimentos.
O outro tem a função de absorver água e nutrien-
tes e produzir as fezes. Agora, um estudo conduzido por pes-
quisadores do Brigham and Women’s Hospital (BWH), afiliado
à Universidade Harvard, publicado na Nature, lança luz sobre a
conexão entre o intestino e o cérebro, definindo caminhos que
podem orientar terapias para a esclerose múltipla (MS) e outras
doenças neurológicas.
Utilizando modelos animais e células humanas de pacientes,
os pesquisadores descobriram a interação complexa que permi-
te que os subprodutos de microrganismos que vivem no intestino
influenciem a progressão de doenças neurodegenerativas.
Essa constatação permitiu que os cientistas chegassem a
importantes ligações entre o cérebro e o intestino. É o caso
do cruzamento de informações (crosstalk) entre as células
do sistema imunitário e as cerebrais. A nova pesquisa busca
desvendar a influência dos micróbios intestinais em dois tipos
de células que desempenham papéis importantes no sistema
nervoso central (SNC): microglias e astrócitos (assim chamados
por causa de seu formato de estrela). As primeiras são parte
do sistema imunológico do corpo, responsáveis por eliminar
agentes agressores do sistema nervoso central e se livrar de
placas, células danificadas e outros materiais que precisam ser
removidos. Mas as microglias também podem secretar com-
postos que induzem propriedades neurotóxicas nos astrócitos,
o que pode deflagrar o aparecimento de patologias como a
esclerose múltipla.
“Agora que temos compreensão mais clara de como o intes-
33
tratamento
34
patologia
Gente
sem rosto
Imagine como seria não conseguir
identificar as feições daqueles com
quem você convive, como se a
face das pessoas não expressasse
absolutamente nada. Para pacientes
que sofrem de um distúrbio
chamado de prosopagnosia esse
desafio é constante
patologia
I
magine olhar para a face
daqueles que se aproxi-
mam de você, conhecidos
ou não, e simplesmente
não ser capaz de reconhecer
nenhuma feição, como se os
traços da fisionomia fossem
tão inexpressivos quanto um cotovelo ou joelho. Pois há pes-
soas que enfrentam as agruras desse distúrbio, em razão de
uma patologia: a prosopagnosia. Trata-se de uma inabilidade
perceptiva, uma acentuada “cegueira para feições”. Pessoas
com o distúrbio podem ver o rosto dos outros quase sempre
tão bem quanto qualquer um, mas não conseguem retê-los
na memória ou reconhecê-los. Para elas, essa parte do cor-
po fica praticamente isenta de peculiaridades. Esse grau de
dificuldade é variável e, em muitos casos, as pessoas sequer
se dão conta de que têm um distúrbio – acreditam que os
demais veem o mundo exatamente como elas, povoado de
faces indistintas.
O conceito de prosopagnosia é uma invenção moderna. A
palavra resulta da junção do vocábulo grego prosopon (face)
e agnosia (não reconhecimento). Foi cunhada pelo neurolo-
gista alemão Joachim Bodamer, que iniciou seus estudos so-
bre o tema durante a Segunda Guerra, quando trabalhou no
Sanatório Winnental, um hospital psiquiátrico perto de Stut-
tgart. Ele observou em dois soldados com lesões graves na
cabeça uma acentuada inabilidade de reconhecimento facial.
Eles olhavam o rosto dos companheiros, mas não conseguiam
coordenar a percepção com a capacidade de identificá-los.
Projeções feitas pelo Instituto de Genética Humana da Uni-
37
patologia
38
LOJASE G M EN TO.CO M .B R
especial
Mensagens
subliminares
Os sentidos captam informações que escapam à
consciência, mas há controvérsias a respeito do quanto
esses dados possam manipular nossa vontade. Pesquisas
mostram, porém, que esses estímulos provocam reações
cerebrais mensuráveis
40
especial
Q
uando falamos em estímulos subliminares, em
geral pensamos em imagens que aparecem de
forma tão fugaz a ponto de não serem percebi-
das pela consciência, mas que mesmo assim são
capazes de influenciar as nossas decisões. Alguns acreditam
que esse recurso permite criar determinados estados de âni-
mo e até obter ganhos, influenciando as pessoas a fazer certas
escolhas. Usada de forma indiscriminada, essa técnica poderia
ser um risco nas mãos de publicitários e políticos. Os cientistas
demonstraram, porém, que o efeito da percepção subliminar
não é tão espetacular como durante muito tempo se acreditou.
Essas técnicas vieram à tona em 1957, com uma experiência
desenvolvida pelo publicitário americano James Vicary (1915-
1977), especialista em pesquisa de mercado. Durante uma
projeção em um drive-in, ele exibiu – em
velocidade muito alta, sem que o público
notasse – uma mensagem na tela: “Coma
pipoca e beba Coca-Cola”.
Na ocasião, Vicary anunciou que o siste-
ma aumentou em 20% o consumo do re-
frigerante e em 60% o de pipoca. No en-
tanto, cinco anos mais tarde o próprio Vi-
cary admitiu que nunca levara a cabo uma
experiência nesses moldes, e que queria
apenas incrementar o faturamento de sua
agência publicitária. Mas o mito da ma-
nipulação inconsciente já tinha nascido.
Posteriormente, ele de fato fez uma expe-
riência em um cinema na presença de um
grupo de jornalistas, mas os dados haviam
41
especial
Perfume e machismo
Nem sempre, porém, as mensagens que in-
fluem em nossa maneira de pensar (e sentir)
estão escondidas. Há muitos casos em que elas
são explícitas, mas ainda assim não há garan-
tias de que o espectador tenha consciência do
impacto que causam em suas vidas. “Se uma
pessoa assiste frequentemente a programas
violentos, por exemplo, que noticiam crimes e
enfatizam as desgraças, é muito provável que,
ao longo do tempo, desenvolva uma visão bas-
tante pessimista da vida, se torne mais medro-
42
especial
43
especial
44
especial • mensagens subliminares
Recados para
combater a
dependência
Imagens subliminares associadas à cocaína
ativam a amígdala, o estriado, o globo pálido e a
ínsula, ligados ao sistema de recompensa.
45
especial
U
m grupo de pesquisadores dirigido por Anna
Rose Childress, da Universidade da Pensilvânia,
descobriu o considerável efeito das percepções
subliminares no cérebro humano. Durante uma
experiência, os pesquisadores mostraram algumas imagens
de objetos relacionados com cocaína para 22 voluntários do
sexo masculino, em tratamento contra dependência havia 15
anos. A pesquisa com ressonância magnética funcional de-
monstrou que o estímulo não consciente excitava o centro de
recompensa dos voluntários. Anna Rose deduziu que uma re-
ação rápida a estímulos específicos é uma vantagem
da evolução: pode ser determinante,
por exemplo, reagir a uma subs-
tância comestível sem estar cla-
ramente ciente disso. A reação à
droga segue o mesmo esque-
ma, mas para “aprendê-la” são
necessários anos de consumo.
Em Ontário, Canadá, as máqui-
nas caça-níqueis foram retiradas
do comércio porque se acreditava
que exercessem influência subliminar
sobre os jogadores. Nesse jogo, as três
rodas com os símbolos giram e uma cer-
ta combinação determina a conquista do
jackpot. De acordo com o que descobriu a Canadian Bro-
adcasting Corporation (CBC), as pequenas máquinas da Konami,
empresa produtora de videogames, mostravam os símbolos da
vitória por 200 milissegundos, durante uma animação em vídeo
realizada para ilustrar o jogo. A acusação era de que, dessa for-
46
especial
Para as crianças
Volta e meia circulam e-mails denunciando que desenhos ani-
mados estão repletos de figuras eróticas escondidas, garantin-
do que uma “evidente” ilustração de caráter sexual está oculta
no logotipo de uma famosa marca de cigarros e que mensa-
gens satânicas foram camufladas em meio aos versos
de músicas de sucesso. O tema das mensagens su-
bliminares e a sua capacidade de influenciar a men-
te de quem as recebe atiçariam o imaginário coleti-
vo, mas é difícil delinear precisamente um limite exato
entre verdade e lenda. O mundo adocicado de Walt
Disney esteve muitas vezes no centro de acusações e
polêmicas ligadas a supostas mensagens subliminares
de natureza sexual, mais preocupantes ainda porque ti-
nham como alvo o público infantil. No cartaz do filme A
pequena sereia e em alguns fotogramas da obra, esta-
riam escondidos símbolos fálicos, enquanto no céu es-
trelado que serve como pano de fundo para uma cena do
longa-metragem O rei leão apareceria em um trecho
a palavra “sex”: os autores dos desenhos animados sempre
desmentiram que essas possíveis alusões tivessem sido cria-
das deliberadamente – de qualquer maneira, elas quase nun-
ca podem ser reconhecidas sem um pouco de imaginação. No
entanto, sempre resta a dúvida. (Da redação)
47
especial • mensagens subliminares
Estímulos
escondidos
Mensagens não captadas conscientemente
provocam reação que pode ser medida
no cérebro. Não é aceitável, porém,
falar de manipulação profunda
dos nossos julgamentos e decisões
48
especial
O
termo “subliminar” vem do
latim: sub limen significa
“sob o limite” e se refe-
re a estímulos tão fra-
cos a ponto de não serem perce-
bidos conscientemente. Os cientistas
desenvolveram um critério mais rigoroso
que o limite de tempo, no qual um sím-
bolo pode ser considerado “subliminar”.
Se, por exemplo, o “4” aparece por
um segundo na tela, é percebido
conscientemente. Mas, se o tempo
de exibição for reduzido, chega-se a
um patamar limite e quem observa garante que não enxerga
nenhum número. Ainda assim, caso se deva adivinhar se o nú-
mero mostrado é inferior ou superior a “5”, a resposta é desco-
berta com frequência superior à média: evidentemente, quem
olha enxerga alguma coisa sem se dar conta.
Portanto, uma percepção é considerada subliminar mes-
mo se os participantes adivinham só por acaso. O número não
deve aparecer na tela por mais de 30 milissegundos. Além dis-
so, deve ser logo “disfarçado” por uma faixa com uma série
de letras colocadas por acaso. É assim que os pesquisadores
definem esse artifício – caso contrário a imagem que fica na
retina poderia ter uma impressão fixa.
Como deve ser o estímulo para que passe despercebido?
Pode ser de vários tipos, como demonstraram experiências
desenvolvidas por psicólogos e neurocientistas. Sem que
saibamos, o cérebro entende palavras, interpreta a mímica
dos rostos, decifra símbolos e capta sons. Numerosas expe-
riências de priming (facilitação) desvendam a influência dos
especial
Fortes emoções
O “mito da ação subliminar” tem, por-
tanto, uma base empírica: estímulos não
captados conscientemente provocam
reação que pode ser medida no cére-
bro. Não é aceitável, porém, falar de
manipulação profunda dos nossos jul-
gamentos e decisões.
O grupo de pesquisa coordenado pelo
neurocientista cognitivo Stanislas Deha-
ene, pesquisador do Collège de France,
em Paris, estudou de que maneira os es-
tímulos subliminares podem ser captados.
O pesquisador Lionel Naccache, membro
da equipe, forneceu a primeira demons-
tração direta da influência das palavras
com conteúdo emotivo. Ao acompanhar
três pacientes epiléticos que tinham em
seu cérebro eletrodos para o tratamento da patologia, chamou
sua atenção que palavras subliminares com forte dose emoti-
va exercem influência sobre a amígdala, uma região cerebral
determinante no processamento de emoções. “Tais vocábulos
modificavam a atividade da amígdala, justamente como acon-
tece com a elaboração consciente”, afirmou Naccache.
O cientista Raphael Gaillard, outro pesquisador da equipe
especial
Raízes da dúvida –
Ceticismo e filosofia
moderna.
Danilo Marcondes.
Zahar, 2019. 208 págs.
Edição impressa: R$
69,90. E-book: R$ 39,90.
Incertezas que
nascem das crenças
Recém-lançado, livro aponta a liberdade de
pensamento e o pluralismo científico e filosófico
como principais legados do ceticismo
V
ivemos tempos incertos. Em especial nos últimos anos, o mundo
sofreu transformações profundas. Informações são propagadas
(com rapidez inédita na história) pelas redes sociais, transfor-
mando ideias, formas de pensar e se relacionar. O recém-lançado Raízes
da dúvida mostra a influência decisiva da retomada do ceticismo antigo
no momento atual.
O livro examina os momentos mais significativos do percurso cético,
da Antiguidade à retomada moderna e à dúvida em Descartes; discute
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57
Coleção
LIGHT
História da Pedagogia
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