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| ESPECIAL |

A VERDADE SOBRE MENSAGENS SUBLIMINARES


ANO XIII
No 314

ORGASMO
A explosão de prazer
é uma “trégua”
para a necessidade
de autocontrole

ALUCINAÇÃO
A impressão de ouvir
vozes nem sempre é
sintoma de distúrbio

CÉREBRO E INTESTINO
Conexão entre os dois
órgãos ajuda a desvendar
doenças neurológicas

Calma
Motivos para perder a serenidade não faltam.
A ciência busca caminhos mais inteligentes
para lidar com a irritação e a ansiedade,
que fazem tão mal à saúde física e mental
carta da editora

Calma, Bernardo, calma...

O
jovem pai empurrava pela calçada o carrinho do bebê, que entre
bichos de pelúcia chorava copiosamente, em alto e bom som. A
despeito da irritação da criança, o que inevitavelmente atraía olha-
res de transeuntes, o homem inspirava e expirava, e repetia em tom mode-
rado: “Calma, Bernardo, calma”. Uma senhora que observava a cena ficou
impressionada com a serenidade do rapaz e o cumprimentou por sua inve-
jável capacidade de autocontrole. O pai ainda ensaiava um sorriso cordial,
em meio aos gritos do menino, quando a mulher acrescentou: “Mesmo
chorando, o Bernardo é um garotinho lindo”. O homem respondeu então:
“Muito obrigado, mas o nome dele é João, eu sou Bernardo”. E seguiu, re-
petindo: “Calma, Bernardo, calma”.
A piada é antiga, mas emblemática: por mais centrada que uma pessoa
pareça, é inevitável que, em algum momento, seja tomada de assalto por
sentimentos de tensão, raiva ou ansiedade que lhe tiram a tranquilidade.
Afinal, o que não faltam são motivos que nos roubam a serenidade. Talvez,
aos olhos dos outros, alguns de nós possam até parecer serenos, mas a
luta interna – visível ou não – para nos mantermos centrados é travada com
frequência em nossas mentes.
“Não há coragem alguma que se assemelhe à da paciência, como tam-
bém não há desconforto pior que o da raiva”, escreveu o Dalai Lama. Mui-
tos cientistas concordam com as palavras do líder budista e, levando em
conta os prejuízos físicos e mentais causados pela tensão, têm buscado
compreender não apenas os processos que nos tornam mais vulneráveis ao
descontrole, mas também maneiras eficazes e inteligentes de combatê-lo.
Nesta edição de Mente e Cérebro digital dois artigos tratam desse tema, tão
urgente e necessário. Vale a pena ler com calma.

Boa leitura!
GLÁUCIA LEAL, editora-chefe
glaucialeal@editorasegmento.com.br
@glau_f_leal

3
sumário março 2019

capa
14 Calma!
Manter equilíbrio emocional, a ponto de reagir
com tranquilidade em situações que nos
incomodam, é uma capacidade extremamente
útil, que pode ser desenvolvida com atitudes
práticas e uma boa dose de persistência

22 De frente com a raiva


Apesar dos estragos que os acessos de fúria
podem causar, especialistas apostam que é possível
usar esse sentimento de forma saudável

28 As luzes do orgasmo
Psicólogo acredita que clímax sexual funciona como
uma espécie de “freio” para áreas do cérebro responsáveis
pelo julgamento e pela comparação

6 Vozes que só você ouve


Cinco em cada 100 pessoas já tiveram alguma alucinação auditiva,
um sintoma nem sempre associado a transtornos psiquiátricos

32 Cérebro, intestino e esclerose múltipla


A conexão entre esses dois órgãos, que há vários anos
chama a atenção de pesquisadores, pode ser a chave
para explicar o desenvolvimento de doenças degenerativas

36 Gente sem rosto


Imagine como seria não conseguir identificar as feições daqueles
com quem você convive, como se a face das pessoas não expressasse
absolutamente nada. Para pacientes que sofrem de um distúrbio
chamado de prosopagnosia esse desafio é constante
especial

40 Mensagens
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Edição no 313, fevereiro de 2018,


ISSN 1807156-2.
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saúde mental

Vozes
que só você
ouve
Pesquisadores estimam que cinco em cada 100
pessoas já tiveram alguma alucinação auditiva,
um sintoma nem sempre associado a transtornos
psiquiátricos. Isolamento social ou eventos
traumáticos podem desencadear o fenômeno
6
saúde mental

D
e repente, alguém diz seu nome. Intrigado, você se
volta em busca da voz misteriosa, mas não há nin-
guém por perto. Talvez surja neste momento uma
sensação de desconforto ou medo. Loucura? De
fato, a alucinação auditiva é um sintoma comum em algumas
doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia. No entanto, nem
todos que passam por essa experiência têm necessariamen-
te um distúrbio mental. O filósofo grego Sócrates e a heroína
francesa Joana d’Arc diziam ouvir vozes, assim como o psiquia-
tra suíço Carl Jung e o artista plástico americano Andy Warhol.
O fenômeno já foi interpretado segundo diversos costumes
e culturas. No século 12, a abadessa e filósofa Hildegarda de
Bigen ignorou a hierarquia eclesiástica porque acreditava que
as vozes que escutava eram a palavra de Deus. Foi assim que,
para perplexidade geral, ela fundou o próprio convento em 1147.
Ainda hoje a alucinação auditiva é estigmatizada. Nos sistemas
de classificação dos transtornos psiquiátricos, representa um
critério-chave para o diagnóstico da esquizofrenia. Pesquisas
indicam, porém, que o fenômeno é bem mais disseminado.

Há estimativas de que, em média, circuitos cerebrais


que fornecem o reconhecimento da origem
dos sons eventualmente falham; parece ser
isso que ocorre com pessoas com esquizofrenia

Levantamento realizado em 1983 pelos psicólogos Thomas


B. Posey e Mary E. Losch, ambos da Universidade Estadual de
Murray, nos Estados Unidos, revelou que cerca de 70% dos
universitários entrevistados recordaram pelo menos um epi-
sódio de alucinação auditiva. Alguns pensavam ouvir a voz de

7
saúde mental

algum parente morto, outros acreditavam numa manifestação


divina. Para a maioria tratava-se dos próprios pensamentos.
Entre os estudantes, 40% relataram ouvir alguém chamar seu
nome pouco antes de adormecer. Nesse caso, há divergên-
cias: alguns psicólogos classificam o fenômeno como aluci-
nação, outros argumentam que quando se
está prestes a dormir ou despertar há um
rebaixamento da consciência e ficamos
mais sujeitos às pseudoalucinações – assim
chamadas, pois sabemos que não se trata
de algo real.

Pensando alto
É difícil, portanto, falar em alucinações au-
ditivas como se fossem um único tipo de
manifestação. Há um continuum de mani-
festações auditivas que vai do falar sozinho
ao pensar em voz alta. Isso explica por que
os resultados das pesquisas nessa área va-
riam tanto, dependendo da pergunta que
se faz aos entrevistados e, principalmen-
te, de como as experiências relatadas são
classificadas. Segundo o psicoterapeuta Thomas Bock, dire-
tor do ambulatório de psicoses do Centro Médico da Univer-
sidade de Hamburgo, em torno de 5% da população já teve
alucinações auditivas, embora a prevalência mundial de es-
quizofrenia seja de apenas 1%. Logo, nem todas as “vozes do
além” são sintomas de distúrbios psicóticos.
Muitas das pessoas que ouvem vozes geralmente passaram
por experiências de abuso ou abandono na infância. Eventos
traumáticos na idade adulta, como acidente grave, estupro ou

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saúde mental

perda de um ente querido também podem desencadear o fe-


nômeno. A maioria sofre com conflitos psíquicos e se encontra
em alguma situação-limite. “As alucinações auditivas seriam um
sinal de que a ‘voz interior’ está ocupada, cuidando das próprias
necessidades”, afirma Bock. Segundo ele, para alguns pacientes
a voz tem origem interna e para outros, externa. A neurobiologia
ajuda a entender o segundo caso: circuitos cerebrais que forne-
cem feedback do tipo “sou eu que estou falando” eventualmen-
te falham. Esse parece ser o caso dos esquizofrênicos, grupo
em que as alucinações auditivas foram mais investigadas.
O psiquiatra Philip McGuire, do Instituto de Psiquiatria do King’s
College de Londres, realizou diversos experimentos com esqui-
zofrênicos, nos quais testou o que chama de atribuição heterô-
nima. Em um deles, McGuire colocou pacientes e pessoas sau-
dáveis para falar ao microfone, ao mesmo tempo que ouviam
sua própria voz, levemente modificada. Os participantes tinham
de pressionar um botão quando achassem que estavam ouvin-
do a si mesmos. Como esperado, os esquizofrênicos tiveram
mais dificuldades para identificar a própria voz; entre esses, os
que costumavam ouvir sons imaginários atribuíam a fala a uma
fonte externa, além de avaliá-la de forma depreciativa.

9
saúde mental

Técnicas de imageamento cerebral fornecem explicações


adicionais sobre determinados aspectos fisiológicos das alu-
cinações auditivas. As regiões aparentemente envolvidas são
as relacionadas à linguagem, principalmente a área de Werni-
cke, responsável pela associação entre fala e audição. Diversos
estudos, entre eles os conduzidos pelo neurobiólogo Thomas
Dierks, da Universidade de Frankfurt, comprovaram por meio
de tomografia helicoidal que essa região cerebral está envol-
vida nas alucinações auditivas.
Utilizando o mesmo método,
a equipe de Dierks observou
o cérebro de três esquizofrê-
nicos no exato momento em
que ouviam as vozes imagi-
nárias. Perceberam que, além
da área de Wernicke, também
o córtex auditivo primário (re-
gião que elabora nossa im-
pressão auditiva do mundo
exterior) era estimulado. Não
surpreende, portanto, que as
alucinações pareçam reais.
Outros estudos mostraram que, em pacientes com alucinações
auditivas graves, a área de Wernicke parecia menor ou atrofiada.

Circuitos neurais
A experiência de ouvir vozes não precisa estar necessariamen-
te relacionada a uma alteração neurobiológica. Uma hipótese
corrente é que o cérebro simplesmente carece de estímulos
do mundo exterior, de modo que os inventa. Em 1992, o neu-
rologista Detlef Kömpf, da Universidade Schleswig-Holstein,

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saúde mental

em Lübeck, Alemanha, observou que a ausência de estímu-


los sonoros pode causar alucinações musicais em idosos ou
deficientes auditivos. Segundo ele, o cérebro é capaz de reter
informações apreendidas nos circuitos neurais durante muito
tempo. Se um dia os estímulos cessam, os sinais armazenados
acabam ganhando “vida própria”. Pessoas que ouvem vozes
em geral são muito retraídas e o fenômeno intensifica o isola-
mento social.
A tolerância do indivíduo às vozes imaginárias é o critério que
determina a necessidade de intervenção clínica. Na prática, as
alucinações se distinguem entre a audição eventual de vozes
e as descritas por pacientes em tratamento psiquiátrico. A dife-
rença foi estabelecida há 30 anos pelo psiquiatra Marius Rom-

Em certos casos, é possível que


o paciente continue ouvindo
as vozes e até responda a elas,
concentrando-se em mensagens
positivas ou estabelecendo limites
para sua manifestação

me, da Universidade de Maastricht, na Holanda. Embora em


ambos os casos os pacientes escutem diálogos, comentários
ou a reprodução sonora dos próprios pensamentos, os pacien-
tes psiquiátricos relatam conteúdos ofensivos ou repreensões.
Pessoas saudáveis costumam ouvir palavras benevolentes e
motivadoras e têm a sensação de poder controlar as vozes.
Falar com o paciente como se ele tivesse uma doença grave
muitas vezes só agrava o problema, com risco de a pessoa se
retrair ainda mais. Deixá-las falar livremente sobre suas vozes,

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saúde mental

por outro lado, faz com que elas percam um pouco a força. Se-
gundo Bock, esse é o primeiro passo para controlar a situação.
Na tentativa de libertar as pessoas das alucinações auditivas,
o psiquiatra Ralph E. Hoffman, da Faculdade de Medicina da
Universidade Yale, em New Haven, as submete a estimulação
magnética transcraniana de baixa intensi-
dade. A técnica começou a ser usada em
pacientes diagnosticados com esquizofre-
nia. Os resultados em indivíduos saudáveis
ainda estão em fase de avaliação.
Se não é possível afastar as vozes para
sempre, mudar a forma como a pessoa
convive com elas já ajuda muito. Ainda
que o conteúdo da mensagem ouvida
continue negativo, intenções e caracterís-
ticas que lhe são atribuídas podem ser in-
terpretadas de outra maneira. Segundo as
recomendações da organização alemã de
apoio a pacientes com distúrbios psiquiá-
tricos Netzwerk Stimmenhören, o principal
objetivo é fazer com que o indivíduo seja
“senhor de sua própria casa”. Assim, a pes-
soa pode, além de continuar ouvindo as
vozes, responder a elas, concentrando-se
em mensagens positivas ou estabelecendo limites para sua
manifestação. “Com frequência a relação com as vozes é se-
melhante às que se constrói na vida real”, diz o psicólogo Mark
Hayward, da Universidade de Leicester, Reino Unido. “Nesses
casos, é preciso encontrar a saída do isolamento.”
capa

por Gláucia Leal, jornalista,


psicóloga e psicanalista;
editora de Mente e Cérebro

Calma!
Em tempos tão conturbados, a capacidade de manter
o equilíbrio emocional e reagir com serenidade,
em situações (muitas vezes inevitáveis) que nos
incomodam e irritam, é uma das habilidades mais valiosas
a serem desenvolvidas. Reflexões, atitudes e hábitos
ampliam o autocontrole e o bem-estar físico e emocional
14
capa

A
gitação, ansiedade, raiva são as piores conselhei-
ras para qualquer um. Além do desconforto mental
e físico que esses estados mentais provocam, as
consequências de nossas decisões e atitudes nos
momentos de descontrole costumam ser bastante prejudi-
ciais. Já a calma traz um profundo bem-estar, a sutil sensação
de “voltar para casa”. O problema é que, na maior parte do
tempo, costumamos ter apenas uma vaga ideia do que fazer
para ter mais serenidade. Já a ansiedade e os sentimentos e
a irritação (explícita ou controlada) permanecem à espreita a
maior parte do tempo.

Antes de virar Hulk


Procurando compreender os mecanismos profundos do con-
trole das emoções, o neurocientista Richard Davidson, profes-
sor de psicologia e psiquiatria da Universidade de Wisconsin,
em Madison, usou eletroencefalografia (EEG) para registrar as
ondas cerebrais de oito monges – que tinham 10 mil a 50 mil
horas de meditação – enquanto faziam suas práticas. Os pa-
drões de suas EEGs foram comparados aos de meditadores
novatos que tinham passado por treinamento de apenas uma
semana. Resultado: durante a meditação, os monges apresen-
taram maior porcentagem de ondas gama – padrões velozes,
de frequência entre 25 e 42 hertz –, que acompanham estados
elevados de atenção.
As ocorrências revelaram-se especialmente pronunciadas
em regiões do lobo frontal envolvidas no controle das emo-
ções. De acordo com Davidson, a atividade cerebral dos mon-
ges está entre as mais intensas já descritas na literatura cien-
tífica. Chegar a isso, porém, requer esforço: esses parâmetros

15
capa

neuronais expressam a capacidade dos monges, exercitada


durante anos, de controlar pensamentos e sentimentos.
Você pode estar pensando que essa habilidade serve para
grandes meditadores. Mas e as pessoas comuns, que anseiam
centradas, independentemente do que ocorra ao redor e mes-
mo dos pensamentos angustiantes que tantas vezes teimam
em incomodar?

Pessoas com fortes traços de personalidade,


como perfeccionismo, tendem a sofrer mais
com a frustração e perder a paciência; lembrar
que a vida está em constante movimento ajuda
a tratar os problemas de forma mais flexível

É inevitável considerar que características de personalidade


e experiências de vida influem na forma como reagimos diante
das dificuldades cotidianas. Mas seria precipitado (e incorreto)
partir do pressuposto de que não há nada a fazer para me-
lhorar a situação, já que a realidade nos oferece diariamen-
te incontáveis possibilidades de frustração e é da natureza do
futuro permanecer incerto, fora do nosso controle. A despeito
dos conteúdos inconscientes em nossa mente, o primeiro de-
safio é comprometer-se com a busca de nos tornarmos pes-
soas mais centradas, levando em conta que as situações que
nos desagradam ou incomodam são inevitáveis, não afrontas
evitáveis, causadas por algum “culpado”, a quem devemos di-
recionar nossa fúria.

16
capa

Se correr, o bicho pega


Parece haver consenso de que engolir a raiva pode trazer sérias
consequências para o corpo e para a mente. O melhor mesmo
seria dizer, se preciso aos gritos, tudo aquilo que você pensa
e sente. Ou, na impossibilidade de fazer isso (para preservar o
emprego, caso o alvo de sua ira seja seu chefe, por exemplo), o
mais indicado talvez fosse esbravejar, esmurrar um travesseiro
ou um saco de areia. Afinal, quem engole sapo um dia vai ex-
plodir. Certo? Parece que não é tão simples assim. Até porque,
se considerarmos o grande número de pessoas que espalham
sua raiva sem grandes pudores, muitas vezes maltratando e
ferindo outras pessoas, poderíamos pensar que teríamos um
mundo cheio de raivosos satisfeitos e felizes. Mas não é bem
assim – a raiva desgovernada traz vários ônus, especialmente
para a própria pessoa.
E, embora a catarse traga alívio momentâneo, seu efeito não
se sustenta. Além disso, se recorrermos à descarga com fre-
quência, os impulsos agressivos tendem a se fortalecer. Por
conta disso, atualmente alguns pesquisadores questionam a
eficácia das descargas como estratégias para lidar com a raiva
– principalmente se levarmos em conta a qualidade de saúde
física e mental a médio e longo prazo.
“Liberar a agressividade é como usar gasolina para apa-
gar um fogo, só alimenta as chamas”, argumenta o psicó-
logo Brad Bushman. Pesquisador da Universidade de Iowa,
ele fez um experimento interessante. Provocou a irritação
de um grupo de estudantes universitários ao fazer comen-
tários bastante desagradáveis sobre textos que eles haviam
escrito. Depois, os dividiu em grupos: um descontou a raiva
em um saco de pancadas e outro foi se distrair fazendo ou-

17
capa

tras atividades. No fim, o grupo que usou o saco de panca-


das estava mais bravo e agressivo do que o outro. Segun-
do Bushman, ao extravasar, a pessoa estimularia uma rede
de emoções, pensamentos e ações motoras associadas à
violência. Ele salienta, porém, que atividades físicas podem
ajudar, desde que não sejam agressivas.

Embora a catarse traga alívio momentâneo, seu


efeito não se sustenta. Além disso, se recorrermos
à descarga com frequência, os impulsos agressivos
tendem a se fortalecer
Outro estudo, feito na Universidade de Kent, na Inglaterra,
com estudantes que se consideravam perfeccionistas, foi nes-
sa mesma direção. Os cientistas pediram a 149 voluntários que
fizessem um diário de suas atividades por alguns dias, rela-
tando situações que mais os incomodaram nesse período, as
estratégias que usaram para lidar com a frustração e como se
sentiram no final do dia.
Resultado: os que tentaram lidar com o estresse desabafan-
do com amigos, extravasando a raiva acabaram se sentindo
pior que antes. O estudo questiona a ideia de que faz bem co-
locar a raiva para fora – ainda que seja falando sobre ela com
uma pessoa de sua confiança. Mas então, o que funciona? Mu-
dar o foco: fazer coisas que tragam bem-estar, como ler um
bom livro, assistir a um filme, lembrar-se de coisas agradáveis
que viveu. Esse tipo de distração não apenas diminui os níveis
de estresse, mas também ajuda a criar perspectivas menos
tendenciosas a respeito da situação que causou irritação.
As pesquisas mostram outro dado importante: além dos efei-
tos físicos de curta duração, “engolir” a raiva com frequência acar-
reta consequências duradouras. Os pesquisadores James Gross

18
capa

e Oliver John, da Universidade da Califórnia em


Berkeley, perguntaram a estudantes em que me-
dida eles controlavam seus sentimentos cotidianos.
Com base nas respostas, os participantes do expe-
rimento foram divididos em dois grupos: o daqueles
que davam expressão mais frequente a suas emo-
ções e o dos “repressores”. A comparação levantou
uma série de diferenças significativas. Quem prefe-
ria engolir não só a raiva, mas também o medo, cos-
tumava agir de forma pessimista e insegura, apre-
sentando tendência à depressão. Além disso, essas
pessoas costumam ter relações mais superficiais.
Um estudo do pesquisador belga Johan Denol-
let, médico do Hospital Universitário de Antuérpia,
deu ainda um último empurrãozinho nessa conclu-
são. Ele perguntou a pessoas que haviam sofrido in-
farto quais eram seus “hábitos emocionais”. A proposta
era saber com que frequência esses pacientes tinham
mau humor ou outras emoções desagradáveis, como
medo, raiva ou remorso, e se reconheciam para si
mesmos seus estados mentais, compartilhavam com os
outros ou preferiam ignorá-los. Dez anos depois, quan-
do Denollet tornou a entrar em contato com os mesmos
pacientes, com o intuito de repetir as perguntas, cerca de 5%
deles haviam morrido. Mas tanto entre os que haviam relatado
ter emoções negativas com frequência acima da média como
entre os que tinham demonstrado tendência à repressão emo-
cional, os mortos perfaziam um total de 25%. Ou seja, se não
é saudável negar a raiva ou outras emoções desconfortáveis,
também não convém simplesmente dar vazão, indiscrimina-
damente, ao que não nos faz bem.

19
capa

As descobertas científicas nos deixam num dilema. A psi-


cologia, a experiência e o bom senso nos mostram que dei-
xar que a raiva se expresse livremente traz enormes prejuí-
zos a todas as áreas da vida. Já o domínio sobre as emoções
está relacionado à maturidade psíquica e à capacidade de
lidar consigo mesmo e com os outros de maneira mais equi-
librada. O problema é que a maioria das pessoas controla
apenas seu comportamento – e não o que sente. O enrique-
cimento da vida subjetiva e da capacidade empática pode
ser uma saída bastante efi-
Não se trata de deixar de ver o caz. A ideia é criar cami-
que está errado, muito menos nhos internos que nos per-
de fazer de conta que aquele mitam sair da prisão que a
que nos machucou estava raiva nos impõe (um lugar
psíquico limitado no qual
certo, pelo contrário: lidar com
só vemos a situação de
a raiva é dar o lugar adequado
uma única maneira, reple-
a ela, nem mais nem menos ta de certezas e verdade
definitivas). Um caminho
interessante é exercitar o hábito de ver a mesma situação
que causou o desconforto sob diferentes ângulos. trazendo
novos elementos que ampliem a percepção.
Por exemplo, se uma pessoa corta você no trânsito e isso
provoca irritação, pode ser útil pensar que importância esse
gesto de fato tem em sua vida, que consequência o carro estar
a sua frente (e não atrás) lhe trará no próximo mês ou ano, por
exemplo. Não se trata de “ficar bobo” ou deixar de ver o que
está errado, muito menos de fazer de conta que aquele que
nos machucou estava certo. Pelo contrário: lidar com a raiva
capa

é dar o lugar adequado a ela, nem


mais nem menos – sem permitir
que fatores externos determinem a
forma como pensamos e sentimos.
Para isso é essencial admitir
que temos raiva, sim – e temos
direito a isso. Também costuma
ser útil reconhecer que, na maio-
ria das vezes, essa emoção se-
quer está ligada à situação espe-
cífica que nos enfureceu, mas a
outros fatores estressores (o que
nos irrita talvez não seja ser ul-
trapassado no trânsito, mas sim
a sobrecarga de trabalho que
sentimos como desrespeito, ou
até situações ainda mais antigas
de nossa vida que nos feriram e
com as quais não pudemos lidar).
Logo, jogar toda a ira sobre o mo-
torista desagradável, ou talvez
só desatento, apenas alimentaria
uma cadeia de mal-estar que di-
ficilmente poderia trazer alguma
satisfação, ainda que pudésse-
mos dizer poucas e boas a ele.
Talvez o que de fato faça bem
seja fazer boas escolhas para si
mesmo sem negar sentimentos
nem provocar grandes estragos.
capa

De frente
com a raiva
A fúria é claramente oposta à paciência, essa habilidade
de se manter emocionalmente estável e tolerante, diante
de incômodos e dificuldades. Apesar dos estragos que
pode causar, cientistas apostam que é possível usar esse
sentimento de forma saudável
22
capa

A
lguns autores argumentam que a raiva tem seu
lado positivo, desde que seja usada de maneira
adequada. “Qualquer um pode irritar-se, isso é
fácil; difícil é zangar-se com a pessoa certa, na
medida certa, no momento certo, com o propósito certo”,
escreveu Aristóteles, há mais de 2.000 anos, em sua obra
clássica  A arte da retórica. Ter essa medida, entretanto, não
é fácil. Justamente por isso tendemos a associar a ira ou
mesmo a irritação à destrutividade – o que é bastante com-
preensível, já que essa emoção realmente pode destruir re-
lacionamentos e carreiras profissionais. O segredo para re-
verter esse quadro pouco promissor parece estar na clareza
a respeito de quando, onde, como e por que dar vazão a
essa emoção – sem que ela nos controle.
Um estudo particularmen-
te interessante sobre a raiva
veio na esteira dos ataques
Campeão de ansiedade
terroristas de 11 de setembro
O Brasil é o país com a maior taxa de pessoas com
transtornos de ansiedade no mundo e o quinto de 2001, nos Estados Unidos.
em casos de depressão. Segundo estimativas da A psicóloga Jennifer Lerner,
Organização Mundial da Saúde (OMS), 9,3% dos
brasileiros têm algum transtorno de ansiedade.
atualmente na Universidade
Já a depressão afeta 6% da população. Fatores Harvard, reuniu informações
socioeconômicos (como pobreza, desemprego, sobre as emoções e atitu-
situação política) e ambientais, além do estilo de
vida, em especial nas grandes cidades, concorrem des de aproximadamente mil
para a ocorrência desses índices. Com vários americanos adultos e adoles-
desdobramentos, a ansiedade pode traduzir-se
em sintomas variados, como insônia, crises de
centes apenas nove dias após
pânico, ingestão descontrolada de alimentos e os atentados e continuou o
procrastinação. Em grande parte dos casos, o acompanhamento nos anos
acompanhamento psicoterápico, aliado à prática
de atividade física e exercícios de respiração ou subsequentes.  Ela descobriu
meditação, traz resultados muitos bons. que as pessoas que se senti-
capa
ca
cap
capa
ap

ram irritadas com o terrorismo foram mais otimistas sobre o


futuro do que aqueles que simplesmente tinham medo de
novos ataques.  Os homens do estudo se mostravam mais
irritados que as mulheres, e eram geralmente mais otimis-
tas.  Em um estudo de laboratório, publicado no periódico
científico Biological Psychiatry, Jennifer Lerner descobriu
que aqueles que sentem raiva em vez de medo numa si-
tuação estressante têm resposta biológica menos intensa,
com menor variação da pressão arterial e dos níveis de hor-
mônios do estresse. Isso mostra que, quando você está em
uma situação enlouquecedora e sua raiva é contextualizada,
a emoção não é necessariamente ruim – desde que fique
restrita àquela situação. 

O segredo para não ser tragado pela ira e fazer


ou dizer coisas que revertem contra nós mesmos
está no autoconhecimento, que propicia clareza
a respeito de quando, onde, como e por que
dar vazão à emoção, sem que ela nos controle

“Por sua natureza, a raiva tende a ser uma emoção bastan-


te energizante, e desde que bem encaminhada pode ajudar
a promover mudanças na vida pessoal e social”, diz o psicó-
logo Brett Ford, na Universidade da Califórnia em Berkeley.
Por exemplo: sentir raiva da própria preguiça ou impulsivida-
de, que constantemente trazem problemas à pessoa, pode
impulsionar a mudança desses comportamentos. Nesse
caso, a raiva tem o importante papel de criar uma separa-
ção psíquica entre o eu e aquilo que incomoda – no caso,
a preguiça ou impulsividade. Essas características não “são”
a pessoa e, dessa maneira, podem ser arrefecidas, trans-

24
capa

Conquista da paciência
É possível adotar práticas que ajudam a manter a serenidade e o relaxamento, nos
momentos mais críticos. O diferencial está no treino: exercitar conscientemente
uma atitude calma quando estamos tranquilos é fundamental para enfrentar as
tormentas com maior equilíbrio
Assuma. Não adianta negar, esconder ou disfarçar a irritação. Simplesmente admitir
o que está sentindo e aceitar que isso às vezes acontece, sem fazer julgamentos, em
muitos casos é suficiente para acalmar-se.
Chegue “perto”. Entre em contato com a sensação incômoda. Mesmo em meio
ao caos emocional, tome alguns minutos para você. Sente-se em silêncio, preste
atenção à sua respiração, deixe que a sensação de raiva ou tensão se manifeste e
apenas “observe” o que sente por alguns minutos.
Deixe a poeira abaixar. Tente não pensar sobre a raiva nem falar dela na hora da
irritação; isso só vai deixá-lo ainda mais enfurecido.
Afaste-se. Se acha que pode fazer algo de que possa se arrepender no futuro, fique
longe do objeto de raiva. Tenha em mente que a fúria passa, mas os estragos feitos
podem permanecer por muito tempo.
Cuidado com a metralhadora. Em geral, evitamos despejar a ira sobre as figuras de
autoridade que nos incomodam, mas podem promover alguma retaliação. Parece
mais fácil descontar o mau humor sobre aqueles que não podem se defender, como
os que ocupam cargos subalternos, ou pessoas próximas, que sabemos que nos
amam (filhos, pais, amigos ou cônjuges).
Não justifique. Passado o auge da raiva, é comum buscarmos estratégias
para culpabilizar o outro, mas a verdade é que somos responsáveis
por nossas escolhas e atitudes. Não importa o que o outro fez – ele não obrigou
você a fazer o quer que fosse.
Respire. A primeira pista da perda de controle é a alteração da respiração. Por isso,
quando se sentir irritado, preste atenção na cadência com que inspira e expira e no
percurso que o ar faz dentro do seu corpo.
Faça o que lhe faz bem. Em vez de continuar sob o efeito desgastante da situação
que provocou tanto estresse, mude o foco. Desligue-se conscientemente do que o
incomoda e dedique-se a fazer algo que lhe traga bem-estar: fique perto da natureza,
leia um livro ou assista a um filme, de preferência divertido.
Considere outro jeito de agir. Passado o momento de irritação, pense na situação
que provocou o descontrole e imagine-se exatamente no mesmo contexto
agindo de outra forma com mais serenidade, escolhendo as palavras e o tom que
realmente gostaria de usar.
Procure ajuda. Falar sobre o que o aborrece com amigos ou colegas não costuma
trazer grandes benefícios, principalmente se a irritação acontece com frequência.
O mais indicado é tratar do assunto numa sessão de psicoterapia, num ambiente
protegido, em que a situação possa ser ressignificada com a ajuda de um psicólogo.

25
capa

formadas. É como se a ira estivesse direcionada para curar


em vez de ferir. Mas é importante respeitar o “prazo de va-
lidade” da raiva. Remoer a irritação (ainda que seja consigo
mesmo, com atitudes depreciativas e autopunitivas), sem
se direcionar para alterar aquilo que incomoda costuma ser
meramente autodestrutivo.
A raiva também pode ser de vital importância para mo-
bilizar apoio para um movimento social. A psicóloga Nicole
Tausch, professora da Escola de Neurociência e Psicologia
da  Universidade de St. Andrews, no Reino Unido, afirma que
em contextos políticos, principalmente quando as pessoas se
engajam em manifestações pacíficas na esperança de con-
vencer o adversário a corrigir injustiças sociais, a raiva pode
sinalizar que os participantes se sentem ligados e represen-
tados pelo sistema político. “Expressões de raiva durante os
protestos podem ser vistas não como ameaças ao sistema,
mas como sinais de uma democracia saudável”, afirma.
Um estudo recente conduzido pelo psicólogo Andrew Li-
vingstone, da Universidade de Stirling, no Reino Unido, enfati-
za a ideia de que, em caso de ameaça, a raiva pode ter efeito
protetor, fazendo com que as pessoas se mobilizem para se
protegerem não só a si mesmas, mas também umas às ou-
tras. Para chegar a essa conclusão sua equipe trabalhou com
dois grupos de pessoas: no primeiro deles os participantes
tinham em comum a procedência do sul do País de Gales; no
segundo a formação era aleatória. Nos dois casos foram me-
didas as reações emocionais desencadeadas nos participan-
tes ao ser dito aos voluntários que o governo retiraria o apoio
oferecido a moradores do sul do País de Gales. Irritadas, as
pessoas passaram a se articular buscando formas de reverter
esse quadro.
sexualidade

As luzes do
orgasmo
Psicólogo acredita que clímax sexual
funciona como um “freio” para áreas do
cérebro responsáveis pelo julgamento,
pela comparação, pelo planejamento
e pela necessidade de autocontrole
28
sexualidade

A
pesar do grande interesse das pessoas por as-
suntos que envolvem a sexualidade, do ponto de
vista neurológico o orgasmo foi por muito tem-
po um processo misterioso. Graças a técnicas de
imageamento cerebral, que há pouco mais de duas décadas
passaram a ser usadas para estudar mecanismos do prazer
sexual, sabemos hoje que a redução do nível de consciên-
cia, alterações da percepção corporal e diminuição da sen-
sação de dor estão associadas ao intenso prazer. O curioso
é que, no âmbito do cérebro, efeitos muito similares podem
ser causados tanto por experiências religiosas quanto pe-
las puramente mundanas, como o orgasmo. Nos dois casos,
podem ocorrer simultaneamente a experiências difíceis de
ser descritas com palavras, como perda do sentido de iden-
tidade e dos limites corporais. 
“Uma das descobertas recentes mais interessantes nessa
área é que, embora o lobo frontal esquerdo esteja ligado ao
prazer, essas manifestações são processadas em ambos os
lados do cérebro”, observa a pesquisadora da Escola de Ciên-
cias Biológicas, Biomédicas e Molecular da Universidade New
England Gemma O’Brien, formada em neurofarmacologia e

29
sexualidade

fisiologia. Em um dos estudos que se baseiam em técnicas


de observação do cérebro em funcionamento, o hemisfério
direito parece ser o mais ativo durante o sexo. Nos exames
de neuroimagem, essa área se torna tão iluminada durante o
orgasmo que em um estudo, quando a maior parte do cére-
bro permaneceu escura, o córtex pré-frontal direito parecia
uma ilha brilhante. Embora cada vez mais se fale de integra-
ção entre os dois lados cerebrais, novas pesquisas sugerem
que o direito é hiperativo em pessoas com comportamento
sexual exagerado em razão de algum dano neurológico, em
que aparecem sintomas específicos. Por exemplo, o paciente
toca o próprio corpo e se masturba em público sem sentir
vergonha e faz propostas de conteúdo sexual a qualquer um
que lhe pareça remotamente atraente.
O mais surpreendente nisso é que o prazer não está clas-
sicamente associado ao hemisfério direito, e sim ao esquer-

30
sexualidade

do, mais ativado quando recordamos situações agradáveis,


experimentamos sentimentos amorosos e em momentos em
que temos pensamentos de grandiosidade (como nos casos
de mania). O hemisfério esquerdo é particularmente menos
ativado em ocasiões de introspecção e infelicidade. 
O doutor em psicologia Roy Bau-
O hemisfério direito meister, professor da Universidade
parece ser o mais Estadual da Flórida, que tem pesqui-
ativo durante o sado os processos de autoconsciên-
sexo. Nos exames de cia, considera que o orgasmo – assim
neuroimagem, essa como os estados mentais proporcio-
área se torna tão nados pela meditação profunda – ofe-
iluminada quando a reça uma espécie de breve alívio para
pessoa sente prazer a constante vigilância em que nos
mantemos na maior parte do tempo,
intenso, que em um
preocupados conosco, com as expec-
estudo, quando a
tativas alheias e com nossas necessi-
maior parte do cérebro dades. Nesse sentido, o orgasmo fun-
permaneceu escura, cionaria como um “freio” em áreas do
o córtex pré-frontal cérebro responsáveis pelo julgamento,
direito parecia pela comparação, pelo planejamento
uma ilha brilhante e pela necessidade de autocontrole.

31
tratamento

Cérebro,
intestino
e esclerose
múltipla
A conexão entre esses dois órgãos,
que há vários anos chama a atenção
de pesquisadores, ajuda a entender o
desenvolvimento de doenças degenerativas
tratamento

U
m é a sede do pensamento e da emoção, respon-
sável pela “nobre missão” de comandar o organis-
mo, guardar memórias e adquirir conhecimentos.
O outro tem a função de absorver água e nutrien-
tes e produzir as fezes. Agora, um estudo conduzido por pes-
quisadores do Brigham and Women’s Hospital (BWH), afiliado
à Universidade Harvard, publicado na Nature, lança luz sobre a
conexão entre o intestino e o cérebro, definindo caminhos que
podem orientar terapias para a esclerose múltipla (MS) e outras
doenças neurológicas.
Utilizando modelos animais e células humanas de pacientes,
os pesquisadores descobriram a interação complexa que permi-
te que os subprodutos de microrganismos que vivem no intestino
influenciem a progressão de doenças neurodegenerativas. 
Essa constatação permitiu que os cientistas chegassem a
importantes ligações entre o cérebro e o intestino. É o caso
do cruzamento de informações (crosstalk) entre as células
do sistema imunitário e as cerebrais.  A nova pesquisa busca
desvendar a influência dos micróbios intestinais em dois tipos
de células que desempenham papéis importantes no sistema
nervoso central (SNC): microglias e astrócitos (assim chamados
por causa de seu formato de estrela). As primeiras são parte
do sistema imunológico do corpo, responsáveis por eliminar
agentes agressores do sistema nervoso central e se livrar de
placas, células danificadas e outros materiais que precisam ser
removidos. Mas as microglias também podem secretar com-
postos que induzem propriedades neurotóxicas nos astrócitos,
o que pode deflagrar o aparecimento de patologias como a
esclerose múltipla.
“Agora que temos compreensão mais clara de como o intes-

33
tratamento

tino impacta as células residentes do sistema nervoso central,


podemos começar a pesquisar os agentes envolvidos nesse
processo para desenvolver novas terapias”, disse um dos au-
tores do estudo, o professor da Faculdade de Medicina da
Universidade Harvard Francisco Quintana.
Embora em outros estudos os cientistas já tenham exami-
nado como subprodutos
Embora a maioria de organismos que vivem
dos estudos tenham sido no intestino podem promo-
feitos com animais, amostras ver inflamação no cérebro,
de células cerebrais humanas o estudo atual é o primeiro
indicam que pessoas a demonstrar como a ação
com Alzheimer, Parkinson de os microrganismos po-
e esclerose lateral amiotrófica dem agir diretamente na
(ELA) possam ser beneficiadas microglia para prevenir a
inflamação. A equipe relata
com as descobertas
que os subprodutos que os
micróbios produzem quando decompõem o aminoácido trip-
tofano podem limitar a inflamação no cérebro.
Para conduzir o estudo, a equipe de pesquisadores exami-
nou microrganismos intestinais e a influência de mudanças na
dieta em um camundongo com esclerose múltipla. Eles des-
cobriram que compostos resultantes da quebra do triptofano
podem atravessar a barreira hematoencefálica (que protege
o cérebro da invasão de agentes patogênicos), ativando uma
via anti-inflamatória que limita a neurodegeneração. Também
foram estudadas amostras de células cerebrais de pacientes
com esclerose múltipla e encontradas evidências de que o
mesmo ocorre em humanos. Pesquisadores acreditam que a
influência se estenda a casos de Alzheimer, Parkinson e a es-
clerose lateral amiotrófica (ELA).

34
patologia

Gente
sem rosto
Imagine como seria não conseguir
identificar as feições daqueles com
quem você convive, como se a
face das pessoas não expressasse
absolutamente nada. Para pacientes
que sofrem de um distúrbio
chamado de prosopagnosia esse
desafio é constante
patologia

I
magine olhar para a face
daqueles que se aproxi-
mam de você, conhecidos
ou não, e simplesmente
não ser capaz de reconhecer
nenhuma feição, como se os
traços da fisionomia fossem
tão inexpressivos quanto um cotovelo ou joelho. Pois há pes-
soas que enfrentam as agruras desse distúrbio, em razão de
uma patologia: a prosopagnosia. Trata-se de uma inabilidade
perceptiva, uma acentuada “cegueira para feições”. Pessoas
com o distúrbio podem ver o rosto dos outros quase sempre
tão bem quanto qualquer um, mas não conseguem retê-los
na memória ou reconhecê-los. Para elas, essa parte do cor-
po fica praticamente isenta de peculiaridades. Esse grau de
dificuldade é variável e, em muitos casos, as pessoas sequer
se dão conta de que têm um distúrbio – acreditam que os
demais veem o mundo exatamente como elas, povoado de
faces indistintas. 
O conceito de prosopagnosia é uma invenção moderna. A
palavra resulta da junção do vocábulo grego prosopon (face)
e  agnosia  (não reconhecimento). Foi cunhada pelo neurolo-
gista alemão Joachim Bodamer, que iniciou seus estudos so-
bre o tema durante a Segunda Guerra, quando trabalhou no
Sanatório Winnental, um hospital psiquiátrico perto de Stut-
tgart. Ele observou em dois soldados com lesões graves na
cabeça uma acentuada inabilidade de reconhecimento facial.
Eles olhavam o rosto dos companheiros, mas não conseguiam
coordenar a percepção com a capacidade de identificá-los. 
Projeções feitas pelo Instituto de Genética Humana da Uni-

37
patologia

Aqueles que sofrem com distúrbio de


percepção apresentam uma “cegueira para
feições”; são capazes de enxergar bem, mas
não reconhecem os traços faciais, nem os
retêm na memória

versidade de Münster, na Alemanha, sugerem que aproxima-


damente 2% da população é afetada por essa inabilidade em
algum grau. Em amostragem realizada com 689 estudantes, 17
apresentaram indícios do distúrbio. Em 14 dos indivíduos pes-
quisados, foram descobertos sintomas de prosopagnosia tanto
em parentes próximos quanto nos do círculo familiar ampliado. 
“Sabemos hoje que, se o pai ou a mãe apresenta essa ina-
bilidade perceptiva, a probabilidade de ela aparecer também
nos filhos será de 50%; o sinal característico é, portanto, he-
reditário dominante”, afirma o neurocientista Thomas Grüter,
professor da Universidade de Münster. E, uma vez que a pro-
sopagnosia afeta igualmente homens e mulheres, evidencia-
-se que nela não tem participação nenhum cromossomo se-
xual, mas provavelmente um “autossomo”. 
O especialista ressalta que a inabilidade congênita de reco-
nhecer rostos não necessariamente tem a mesma base neuronal
da prosopagnosia adquirida por lesão cerebral. “Até o momento,
só sabemos que ela parece responsável pelo distúrbio heredi-
tário de uma única mutação genética; a exemplo de todos os
primatas, os seres humanos têm pouca habilidade olfativa em
comparação com outras espécies, o que em geral não nos per-
mite reconhecer nossos semelhantes pelos odores, como fa-
zem, por exemplo, os cães”, observa Grüter. Em vez disso, temos
uma visão altamente aperfeiçoada para identificá-los.

38
LOJASE G M EN TO.CO M .B R
especial

Mensagens
subliminares
Os sentidos captam informações que escapam à
consciência, mas há controvérsias a respeito do quanto
esses dados possam manipular nossa vontade. Pesquisas
mostram, porém, que esses estímulos provocam reações
cerebrais mensuráveis

40
especial

Q
uando falamos em estímulos subliminares, em
geral pensamos em imagens que aparecem de
forma tão fugaz a ponto de não serem percebi-
das pela consciência, mas que mesmo assim são
capazes de influenciar as nossas decisões. Alguns acreditam
que esse recurso permite criar determinados estados de âni-
mo e até obter ganhos, influenciando as pessoas a fazer certas
escolhas. Usada de forma indiscriminada, essa técnica poderia
ser um risco nas mãos de publicitários e políticos. Os cientistas
demonstraram, porém, que o efeito da percepção subliminar
não é tão espetacular como durante muito tempo se acreditou.
Essas técnicas vieram à tona em 1957, com uma experiência
desenvolvida pelo publicitário americano James Vicary (1915-
1977), especialista em pesquisa de mercado. Durante uma
projeção em um drive-in, ele exibiu – em
velocidade muito alta, sem que o público
notasse – uma mensagem na tela: “Coma
pipoca e beba Coca-Cola”.
Na ocasião, Vicary anunciou que o siste-
ma aumentou em 20% o consumo do re-
frigerante e em 60% o de pipoca. No en-
tanto, cinco anos mais tarde o próprio Vi-
cary admitiu que nunca levara a cabo uma
experiência nesses moldes, e que queria
apenas incrementar o faturamento de sua
agência publicitária. Mas o mito da ma-
nipulação inconsciente já tinha nascido.
Posteriormente, ele de fato fez uma expe-
riência em um cinema na presença de um
grupo de jornalistas, mas os dados haviam

41
especial

sido falsificados: o famigerado tactoscópio, Em tempos de


aparelho que envia as breves mensagens, abundância de
teria tido seus dados fraudados. informações
Para o cinquentenário de “Coma pipoca e
transmitidas de
tome Coca-Cola”, o psicoterapeuta Jim Bra-
forma superficial,
ckin, especialista em publicidade e hipno-
fake news e pouco
se, realizou uma experiência similar em um
congresso de marketing em Istambul. Usan-
empenho para
do imagens subliminares, divulgou o pro- compreender
duto inexistente, Delta. Após a projeção, os contextos, é
400 congressistas tinham de escolher entre importante ficar
o Delta e outro produto, Theta. Resultado: atento ao tipo de
81% escolheu a primeira opção. Mas nunca narrativas que
se procedeu a uma comprovação – normal- consumimos sem
mente usada nos estudos científicos – para nos darmos conta
estabelecer se a mesma experiência sem as
mensagens subliminares poderia trazer um
resultado diferente.

Perfume e machismo
Nem sempre, porém, as mensagens que in-
fluem em nossa maneira de pensar (e sentir)
estão escondidas. Há muitos casos em que elas
são explícitas, mas ainda assim não há garan-
tias de que o espectador tenha consciência do
impacto que causam em suas vidas. “Se uma
pessoa assiste frequentemente a programas
violentos, por exemplo, que noticiam crimes e
enfatizam as desgraças, é muito provável que,
ao longo do tempo, desenvolva uma visão bas-
tante pessimista da vida, se torne mais medro-

42
especial

sa, triste, revoltada e defen-


sora da violência”, afirma a
psicóloga e psicanalista Ma-
ria Maura Fadel. Ela observa
também que tendemos a
valorizar mais o que vemos
e ouvimos, mas outros sen-
tidos também captam es-
tímulos e os transmitem ao
cérebro, às vezes sem que
tenhamos clareza dos dados
que apreendemos.
Um exemplo disso? O olfato também pode nos ajudar a fa-
zer escolhas – mesmo sem que percebamos a influência dos
aromas em nossas decisões. Um estudo desenvolvido pelas
psicólogas Sabine Sczesny e Dagmar Sahlberg, da Universi-
dade de Berna, na Suíça, demonstrou que mesmo perfumes
de boa qualidade nem sempre causam boa impressão. E po-
dem até atrapalhar na hora de conseguir emprego. Levando
em conta o machismo prevalente (e nem sempre confesso) no
mundo corporativo, mulheres têm mais chances de ser apro-
vadas numa entrevista ao pleitear um cargo executivo quando
usam perfume masculino.
Para chegar a essa conclusão, as pesquisadoras contaram
com a ajuda de 116 voluntários que atuaram como assisten-
tes de um recrutador do departamento de recursos humanos.
Sua função era acompanhar uma avaliação de pretendentes a
uma vaga numa empresa. Os participantes, obviamente, não
sabiam, mas os candidatos eram, na realidade, atores treina-
dos para se comportar exatamente da mesma maneira. Não
apenas o sexo variava (homem ou mulher), mas também o per-

43
especial

fume (masculino, feminino ou nenhum). O trabalho dos recru-


tadores consistia em estar presente no momento da entrevista
e depois fazer considerações sobre o candidato.
As psicólogas logo perceberam que o olfato do recrutador
era um elemento importante na tomada de decisão. Mulheres
que usavam perfume masculino foram avaliadas quase duas
vezes mais positivamente em relação às que haviam passado
fragrância feminina – e quase três vezes melhor do que as que
não usavam perfume algum. Para os homens, os
resultados foram similares: o perfume masculino
aumentou as chances de contratação. Mas en-
tre usar um perfume de mulher e nada, é melhor
que os candidatos fiquem com a última opção.
Esse resultado se baseia no estereótipo pre-
conceituoso (mas bastante presente), segundo
o qual se deve confiar um cargo executivo e
responsabilidades profissionais a uma pessoa
com características consideradas mais mascu-
linas, como assertividade, raciocínio lógico agu-
çado e capacidade de tomar decisões difíceis
sem se deixar levar pelo sentimentalismo. Mu-
lheres com um lado masculino mais pronuncia-
do (uma característica indicada pelo perfume),
portanto, teriam mais vantagens. A considera-
ção dessa informação, porém, raramente é percebida cons-
cientemente pelos avaliadores. Quando o cargo pretendido
está mais ligado a um estereótipo mais feminino (por exemplo,
secretária), um perfume de homem pode trazer desvantagens.
Também não adianta perfumar o currículo. Outra experiência
dessas mesmas pesquisadoras mostrou que os recrutadores
preferem candidatos que não estão perfumados. (Da redação)

44
especial • mensagens subliminares

Recados para
combater a
dependência
Imagens subliminares associadas à cocaína
ativam a amígdala, o estriado, o globo pálido e a
ínsula, ligados ao sistema de recompensa.
45
especial

U
m grupo de pesquisadores dirigido por Anna
Rose Childress, da Universidade da Pensilvânia,
descobriu o considerável efeito das percepções
subliminares no cérebro humano. Durante uma
experiência, os pesquisadores mostraram algumas imagens
de objetos relacionados com cocaína para 22 voluntários do
sexo masculino, em tratamento contra dependência havia 15
anos. A pesquisa com ressonância magnética funcional de-
monstrou que o estímulo não consciente excitava o centro de
recompensa dos voluntários. Anna Rose deduziu que uma re-
ação rápida a estímulos específicos é uma vantagem
da evolução: pode ser determinante,
por exemplo, reagir a uma subs-
tância comestível sem estar cla-
ramente ciente disso. A reação à
droga segue o mesmo esque-
ma, mas para “aprendê-la” são
necessários anos de consumo.
Em Ontário, Canadá, as máqui-
nas caça-níqueis foram retiradas
do comércio porque se acreditava
que exercessem influência subliminar
sobre os jogadores. Nesse jogo, as três
rodas com os símbolos giram e uma cer-
ta combinação determina a conquista do
jackpot. De acordo com o que descobriu a Canadian Bro-
adcasting Corporation (CBC), as pequenas máquinas da Konami,
empresa produtora de videogames, mostravam os símbolos da
vitória por 200 milissegundos, durante uma animação em vídeo
realizada para ilustrar o jogo. A acusação era de que, dessa for-

46
especial

ma, as máquinas criavam a ilusão de haver mais probabilidade


de ganhar e induziam assim os compulsivos a permanecer sen-
tados na cadeira. No entanto, a empresa garantiu que a causa
era um defeito no programa de computação.

Para as crianças
Volta e meia circulam e-mails denunciando que desenhos ani-
mados estão repletos de figuras eróticas escondidas, garantin-
do que uma “evidente” ilustração de caráter sexual está oculta
no logotipo de uma famosa marca de cigarros e que mensa-
gens satânicas foram camufladas em meio aos versos
de músicas de sucesso. O tema das mensagens su-
bliminares e a sua capacidade de influenciar a men-
te de quem as recebe atiçariam o imaginário coleti-
vo, mas é difícil delinear precisamente um limite exato
entre verdade e lenda. O mundo adocicado de Walt
Disney esteve muitas vezes no centro de acusações e
polêmicas ligadas a supostas mensagens subliminares
de natureza sexual, mais preocupantes ainda porque ti-
nham como alvo o público infantil. No cartaz do filme A
pequena sereia e em alguns fotogramas da obra, esta-
riam escondidos símbolos fálicos, enquanto no céu es-
trelado que serve como pano de fundo para uma cena do
longa-metragem O rei leão apareceria em um trecho
a palavra “sex”: os autores dos desenhos animados sempre
desmentiram que essas possíveis alusões tivessem sido cria-
das deliberadamente – de qualquer maneira, elas quase nun-
ca podem ser reconhecidas sem um pouco de imaginação. No
entanto, sempre resta a dúvida. (Da redação)

47
especial • mensagens subliminares

Estímulos
escondidos
Mensagens não captadas conscientemente
provocam reação que pode ser medida
no cérebro. Não é aceitável, porém,
falar de manipulação profunda
dos nossos julgamentos e decisões
48
especial

O
termo “subliminar” vem do
latim: sub limen significa
“sob o limite” e se refe-
re a estímulos tão fra-
cos a ponto de não serem perce-
bidos conscientemente. Os cientistas
desenvolveram um critério mais rigoroso
que o limite de tempo, no qual um sím-
bolo pode ser considerado “subliminar”.
Se, por exemplo, o “4” aparece por
um segundo na tela, é percebido
conscientemente. Mas, se o tempo
de exibição for reduzido, chega-se a
um patamar limite e quem observa garante que não enxerga
nenhum número. Ainda assim, caso se deva adivinhar se o nú-
mero mostrado é inferior ou superior a “5”, a resposta é desco-
berta com frequência superior à média: evidentemente, quem
olha enxerga alguma coisa sem se dar conta.
Portanto, uma percepção é considerada subliminar mes-
mo se os participantes adivinham só por acaso. O número não
deve aparecer na tela por mais de 30 milissegundos. Além dis-
so, deve ser logo “disfarçado” por uma faixa com uma série
de letras colocadas por acaso. É assim que os pesquisadores
definem esse artifício – caso contrário a imagem que fica na
retina poderia ter uma impressão fixa.
Como deve ser o estímulo para que passe despercebido?
Pode ser de vários tipos, como demonstraram experiências
desenvolvidas por psicólogos e neurocientistas. Sem que
saibamos, o cérebro entende palavras, interpreta a mímica
dos rostos, decifra símbolos e capta sons. Numerosas expe-
riências de priming (facilitação) desvendam a influência dos
especial

símbolos que escapam à consciência: um impulso desenca-


deado abaixo do patamar limite, o prime, influencia a reação
a um estímulo percebido conscientemente, o target (alvo).
Os exemplos clássicos dessas experiências têm base nos
números: os participantes veem na tela um número entre 1 e
9 e devem classificá-lo, apertando a tecla esquerda se infe-
rior a 5 e a direita, se superior. É uma tarefa tão simples que,
em geral, ninguém costuma errar.
A ação dos estímulos subliminares se manifesta principal-
mente no tempo da reação: as pessoas reagem mais rápido
se, antes do estímulo-alvo percebido conscientemente, apa-
recer ligeiramente um estímu-
Quando um número lo-prime subliminar, que requer
aparece por um segundo apertar a mesma tecla. Se, por
na tela, é notado exemplo, um 7 for rapidamente
conscientemente; iluminado antes de um 8 perce-
mas, se o tempo de bido conscientemente, os parti-
exibição for reduzido, já cipantes decidem com mais ra-
não é possível notá-lo pidez apertar a tecla correta. Ao
contrário, um 4 subliminar os fa-
ria hesitar por mais tempo. A experiência também funciona se
o número estiver escrito por extenso, como no caso de “sete”.
As palavras com significado emotivo, como “medo”, também
influenciam a escolha, e a mímica dos rostos, mais ainda.
A elaboração subliminar da expressão facial foi acompanha-
da pelos psicólogos Monika Kiss e Martin Eimer, pesquisadores
da Universidade de Londres, por meio do registro de medidas
com o eletroencefalograma (EEG). Durante a experiência, 14
participantes eram orientados a diferenciar as fotos de pesso-
as com expressão assustada ou neutra. Os voluntários conse-
guiam realizar a tarefa com desenvoltura se o rosto fosse exibi-
especial

do por 200 milissegundos. Quando o tempo era reduzido para


8 milissegundos, as respostas eram eventuais. Neste caso, o
estímulo podia ser definido como subliminar. Mesmo assim o
eletroencefalograma mostrava as mesmas variações que têm
origem também com a percepção consciente.

Fortes emoções
O “mito da ação subliminar” tem, por-
tanto, uma base empírica: estímulos não
captados conscientemente provocam
reação que pode ser medida no cére-
bro. Não é aceitável, porém, falar de
manipulação profunda dos nossos jul-
gamentos e decisões.
O grupo de pesquisa coordenado pelo
neurocientista cognitivo Stanislas Deha-
ene, pesquisador do Collège de France,
em Paris, estudou de que maneira os es-
tímulos subliminares podem ser captados.
O pesquisador Lionel Naccache, membro
da equipe, forneceu a primeira demons-
tração direta da influência das palavras
com conteúdo emotivo. Ao acompanhar
três pacientes epiléticos que tinham em
seu cérebro eletrodos para o tratamento da patologia, chamou
sua atenção que palavras subliminares com forte dose emoti-
va exercem influência sobre a amígdala, uma região cerebral
determinante no processamento de emoções. “Tais vocábulos
modificavam a atividade da amígdala, justamente como acon-
tece com a elaboração consciente”, afirmou Naccache.
O cientista Raphael Gaillard, outro pesquisador da equipe
especial

de Paris, demonstrou que palavras fugazes com conteúdo


emotivo entram na consciência antes daquelas com sentido
neutro. Durante sua experiência, mudou o tempo em que um
vocábulo apresentado de forma subliminar é disfarçado, alea-
toriamente, pela exibição de várias letras na mesma cena. No
caso daquelas neutras, de cada dois pacientes um se lem-
brava do que estava representado na tela. Quando se tratava
de termos com conotação negativa, três em cada duas pes-
soas se recordavam deles. Gaillard concluiu que o conteúdo
emotivo de uma palavra pode reduzir o limiar da percepção
consciente. E que as palavras per-
Percebemos os cebidas de que possamos nos dar
conta são elaboradas de maneira
estímulos de maneira
específica, de acordo com o seu
consciente quando
conteúdo semântico. É muito im-
produzem uma
provável que com esses artifícios
“reverberação” seja possível manipular as pesso-
duradoura no cérebro as, porque, quando o estímulo não
atinge a consciência, a influência
dura pouco tempo. A experiência de Gaillard demonstra serem
determinantes não apenas a duração da percepção, mas tam-
bém o seu conteúdo. Além disso, os estímulos subliminares
são elaborados de acordo com a atividade que a pessoa está
desempenhando naquele momento.
Esse tema foi estudado pelo neurologista Kimihiro Nakamura,
da Universidade de Kyoto. Fazendo uso da estimulação magné-
tica transcraniana (EMT), ele desativou algumas áreas do cére-
bro em um grupo de pessoas que enxergavam imagens subli-
minares nas palavras. Com essa técnica, ele podia interromper
dois efeitos priming. No primeiro caso, em um teste de reconhe-
cimento verbal, os voluntários deveriam apertar uma tecla para
especial

comunicar se a faixa de letras rapidamente sobrepostas forma-


va ou não uma palavra. Se o mesmo vocábulo era proposto de
forma subliminar, os voluntários reagiam com mais velocidade,
desde que o estímulo magnético não impedisse essa ação.
No segundo caso, os participantes do teste tinham de pro-
nunciar em voz alta uma palavra inscrita. Desta vez a resposta
era mais rápida quando era projetada de forma subliminar. E,
também neste caso, a EMT podia anular o efeito priming.
Com base nessa tarefa, era preciso desativar várias áreas do
cérebro: se os indivíduos mantinham separadas entre si as pa-
lavras e as faixas com as letras colocadas ao acaso, havia uma
desativação da parte superior do lobo temporal. Ao contrário, na
tarefa de leitura a área magnética precisava estar na parte infe-
rior do lobo temporal. Isso significa que a área em que o estímu-
lo subliminar deixa rastros no cérebro é determinada pela tarefa
na qual os candidatos são submetidos à percepção subliminar.
Segundo Stanislas Dehaene, pode ser que elaboremos o es-
tímulo subliminar em nível semântico. Seria um resultado fas-
cinante: o estímulo óptico é reconhecido como palavra, a faixa
especial

de letras é decifrada e a representação da palavra é lembrada


pelo cérebro. Tudo isso acontece sem nos darmos conta.
Para Nakamura, o efeito priming subliminar passa de uma
modalidade sensorial a outra. Mesmo se a palavra fosse inseri-
da sob a forma escrita por 3 centésimos de segundo e a tarefa
sucessiva de reconhecimento verbal consistisse na sua pro-
núncia, a faixa de letras inserida de forma subliminar diminuía
o tempo de reação das pessoas. Dehaene deduz que perce-
bemos os estímulos de maneira consciente quando produzem
uma “reverberação” distribuída e duradoura no cérebro. Por-
tanto, não apenas o tempo do estímulo é determinante, mas
também os processos cognitivos superiores: por exemplo, a
tarefa em que a pessoa está envolvida naquele momento ou
na qual deve se concentrar.
Mas a questão científica ainda está aberta. Os céticos refutam
a ideia de que possamos ler palavras em um nível inferior ao
patamar da consciência. É pro-
vável que as faixas com poucas
letras tenham sido “arquivadas”
no cérebro como figura com-
pleta e criado efeitos priming.
A empresa coreana Xtive
lançou um programa de com-
putador que sussurrava em
frequências não audíveis frases
bem-humoradas como “desli-
gue este treco” às pessoas de-
pendentes do computador. Os
produtores argumentam que
a mensagem subliminar pode
especial

curar a dependência. Existe até “CDs subliminares” à venda:


em geral, são inofensivas gravações de textos extraídos do seu
contexto, acrescidos à música relaxante, que ajudam as pes-
soas a pegar no sono (pelo menos tem esse efeito para boa
parte delas). No entanto, não existe uma indicação com rela-
ção ao efeito exato desse material. E há poucas pesquisas em
curso: do ponto de vista científico, esses produtos são pouco
discutidos. Por definição, quem os compra não sabe que al-
cance têm as mensagens “disfarçadas” – se é que realmente
têm algum efeito.
Essas propostas estão quase totalmente em desacordo com
a definição científica do estímulo subliminar. Se, por um lado,
pesquisadores como Stanislas Dehaene usam esses recursos
para medir o limite da consciência, por outro, alguns supostos
especialistas se apropriam do assunto e propõem uma “pro-
gramação da mente”, apostando que um estímulo impercep-
tível do inconsciente estimula a fantasia. O que se sabe com
certeza é que ainda há muitas informações a serem desven-
dadas nessa área.
livro | lançamento

Raízes da dúvida –
Ceticismo e filosofia
moderna.
Danilo Marcondes.
Zahar, 2019. 208 págs.
Edição impressa: R$
69,90. E-book: R$ 39,90.

Incertezas que
nascem das crenças
Recém-lançado, livro aponta a liberdade de
pensamento e o pluralismo científico e filosófico
como principais legados do ceticismo

V
ivemos tempos incertos. Em especial nos últimos anos, o mundo
sofreu transformações profundas. Informações são propagadas
(com rapidez inédita na história) pelas redes sociais, transfor-
mando ideias, formas de pensar e se relacionar. O recém-lançado Raízes
da dúvida mostra a influência decisiva da retomada do ceticismo antigo
no momento atual.
O livro examina os momentos mais significativos do percurso cético,
da Antiguidade à retomada moderna e à dúvida em Descartes; discute
livro | lançamento

aspectos centrais, apesar de pouco explorados, e revela que o pensamen-


to contemporâneo pode ser visto como herdeiro de controvérsias e do
pluralismo teórico. O autor, Danilo Marcondes, doutor em filosofia pela
Universidade de St. Andrews, acredita que o ceticismo pode ser com-
preendido como uma corrente de pensamento profunda e diversificada,
capaz de ajudar a compreensão das relações e do mundo ao nosso redor.
O caráter provisório do pensamento nos
O caráter provisório permite considerar alternativas, rever es-
colhas, aprender com a experiência e estar
do pensamento nos abertos ao novo e ao diferente. “No pensa-
permite considerar mento moderno a dúvida se origina de um
conjunto de reviravoltas nas crenças apa-
alternativas, rever
rentemente sólidas”, escreve Marcondes,
escolhas, aprender com a professor titular do Departamento de Fi-
experiência e estar abertos losofia da Pontifícia Universidade Católica
(PUC) do Rio. Ele ressalta que, em Sobre a
ao novo e ao diferente certeza, o filósofo Ludwig Wittgenstein afir-
ma que a dúvida pressupõe um horizonte
de crenças e que por isso não pode ser um
pensamento originário. “Assim, a dúvida teria, inevitavelmente, raízes em
crenças. Já a dúvida metódica, proposta por René Descartes nos primór-
dios da Modernidade, é a atitude, característica do filósofo, de inspiração
cética, de ‘duvidar de tudo’, só aceitando como verdadeiro o que resista
a essa dúvida radical.”
Ao final do volume, um painel cronológico da tradição cética destaca
nomes e fases do ceticismo desde a Antiguidade, recapitulando o debate,
de forma didática.

57
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