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Odascontágio
emoções
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RELACIONAMENTO
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MEDICAÇÃO
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CIDADES
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Coleção
LIGHT
História da Pedagogia
P i a g e t • Vi g o t s k i • Wal l o n • Fre i r e • Ro u s s e a u • D e w e y
j
consultar, debater e aplicar no dia a dia de trabalho.
Realização:
O vírus da felicidade
e da depressão
A
maioria das pessoas gosta da ideia de influenciar os outros. Nestes tempos em que redes
sociais têm papel tão preponderante, alguns se esforçam muito e chegam a limites do ri-
dículo para conseguir e manter seguidores. Mas nem precisamos evocar exemplos de in-
fluenciadores “profissionais”. Gente absolutamente comum, que não se expõe na internet, nem pretende
fazê-lo, também encontra prazer em impactar aqueles com quem convive com suas ideias. Fazemos isso
argumentando, comentando, defendendo nossas crenças ou simplesmente expondo opiniões. Certamente
você já experimentou um gostinho bom ao se dar conta de que algo que disse foi absorvido como uma ideia
bastante acertada por outra pessoa e passou a fazer parte da vida dela.
O que a maioria de nós não se dá conta é que somos capazes de “contagiar” outros seres humanos
– que às vezes sequer conhecemos pessoalmente – com nossos estados de ânimo, felicidade, bom (ou
mau) humor e sintomas de depressão. Em outras palavras: a contaminação funciona tanto em relação
ao que faz bem quanto ao que é prejudicial. Mas atenção ao detalhe: também somos sugestionáveis. A
teoria da transmissão de emoções e estados mentais, embasada por inúmeros estudos em renomadas
universidades, é defendida pelos cientistas James Fowler, da Faculdade de Medicina da Universidade da
Califórnia, e Nicholas Christakis, da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard.
Segundo os pesquisadores, tanto o bem-estar quanto a dependência de cigarro e a obesidade se es-
palham mais quando a proximidade é maior. Ter um vizinho de porta feliz – com quem nos relacionamos
frequentemente – aumenta as chances de satisfação geral com a vida em mais de 30%. Um irmão, amigo
ou parceiro afetivo bem-humorado vivendo até 1,6 km de nós incrementa em mais de 20% nossa pro-
babilidade de nos sentirmos satisfeitos. Se a distância diminuir, melhor: ter uma pessoa querida de bem
com a vida num perímetro de até 800 metros favorece em 42% o índice pessoal de satisfação.
Para chegar a essas proporções, os estudiosos recorrem a testes e fórmulas matemáticas também
usadas para acompanhar a propagação de doenças causadas por vírus. Nesta época permeada por
tantas incertezas, depressão e ansiedade, em que a felicidade parece mais uma utopia idealizada do que
uma construção possível, convém estar atento às nossas escolhas, aos grupos nos quais nos inserimos
e às companhias que elegemos. O vírus pode estar no ar, passa por nós e nos transcende.
3
sumário | dezembro 2018
18 Espaço urbano,
espaço psíquico
As cidades das quais gostamos assumem
o papel de extensões do próprio eu;
investimos afetivamente nelas a ponto de
nos tornarmos parte
26 Efeitos inesperados
dos medicamentos
Algumas drogas usadas há décadas no
tratamento de doenças físicas podem
ter novos (e surpreendentes) usos
psiquiátricos
10 O contágio
das emoções
Pesquisa mostra que o grau de satisfação
daqueles que nos cercam tem
profundo impacto na satisfação
das pessoas. O mais curioso
é que essa “transmissão emocional”
pode ocorrer até pelas redes sociais
24 Matemática explica
como sentimentos se 44 Efeitos da transição
propagam Os momentos de crise provocam algum
O conceito de rede ajuda cientistas a desequilíbrio. Mecanismos de defesa
entender como funcionam as interligações podem não dar conta da angústia – mas a
que nos unem e nos afetam por canais situação também apresenta oportunidades
perceptivos que escapam à consciência de amadurecimento emocional
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com implicações físicas e mentais. Ações Editora de arte: Sheila Martinez Instagram: @mentecerebro
como desembrulhar pacotes destinados Colaboradores: Maria Stella Valli
e Ricardo Jensen (revisão)
a você, fazer caridade e até mesmo escolher Tratamento de imagem: REDAÇÃO
Paulo Cesar Salgado Comentários sobre o conteúdo
o mimo mais adequado para cada amigo Produção gráfica: editorial, sugestões, críticas às
ou pessoa da família são pautadas por Sidney Luiz dos Santos matérias e releases.
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Gerente: Almir Lopes fax: 11 3039-5610
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Ainda poderemos
festejar juntos?
A
s coisas não cabem mais em suas “caixinhas”. Este
ano, o processo eleitoral inundou visceralmente as
famílias, as redes sociais, os ambientes de lazer, tra-
balho e estudo. Muitas vezes as estruturas não re-
sistiram – amizades desfeitas, rupturas familiares, atos de vio-
lência física na rua testemunham excessos disruptivos. Agora,
após a eleição e com a aproximação das festas de final de ano,
muitos se perguntam: que fazer dos laços feridos ou cindidos?
Ainda que cada caso seja único e demande reflexão singu-
lar, alguns eixos vinculares e fatores comuns podem e devem
ser levados em conta. De início, identificamos o esfacelamento
das particularidades dos diversos grupos, com a invasão brutal
e direta da lógica de uma campanha extremamente agressiva
aos espaços privados. O conceito de envelope psíquico grupal,
apresentado pelo psicanalista francês Didier Anzieu, nos ajuda
a entender o fenômeno ao recorrer à metáfora da
membrana celular para descrever
como, para se constituir, os
Para René Kaës, grupos, precisam man-
as instituições são instâncias ter uma separação
antropológicas que organizam relativa de seu meio.
a existência humana e, assim, Sem alguma fronteira
cumprem funções psíquicas não existiriam células,
estruturantes para o sujeito mas, se a membrana
fosse totalmente imper-
meável, essas estruturas tam-
bém não sobreviveriam.
Supondo que exista um filtro poroso entre o meio social e os
grupos que o povoam, seria possível sair do registro do ime-
diato, mantendo ou reconstruindo nas famílias e outros grupos
7
grupos
8
grupos
9
capa
O contágio
das emoções
Seus amigos são felizes e mentalmente saudáveis? E
as pessoas com quem eles se relacionam? Pesquisa
mostra que o grau de satisfação daqueles que nos
cercam tem profundo impacto na satisfação das
pessoas. O mais curioso é que essa “transmissão
emocional” pode ocorrer até pelas redes sociais
capa
É
como um surto de gripe, só que no âmbito mental:
a felicidade, a gentileza e o entusiasmo – e também
comportamentos que fazem mal à saúde física e
mental, como irritação, reclamações e até sintomas
de depressão – são transmissíveis. Emoções e hábitos con-
taminam outras pessoas a até “três graus de separação”. Para
entender melhor: o fato de o amigo de um amigo seu ser uma
pessoa alegre, bem-humorada e satisfeita com a própria vida
aumenta em aproximadamente 6% as chances de que você
seja uma pessoa feliz. Isso significa que é fundamental esco-
lher com cuidado os grupos dos quais participamos. Mas vai
além: de alguma forma, temos também responsabilidade so-
bre o bem-estar das pessoas com quem moramos, trabalha-
mos, estudamos. E também sobre a qualidade de vida daque-
les que se relacionam com quem convivemos.
Mesmo de longe é possível influenciar (e ser influenciado)
pelas formas de ver o mundo, se relacionar com os outros e até
com o próprio corpo. Essa interferência torna mais ou
menos frequente, por exemplo, a manutenção
de hábitos que nos fazem engordar ou
emagrecer, fumar e beber. Até
as horas de sono de uma
pessoa podem estar su-
jeitas ao comportamento
alheio. “Mesmo as pesso-
as que não conhecemos
têm influência sobre nosso
humor”, garante o cientista
político James Fowler, pes-
capa
20
capa
Estudar o funcionamento e o
alcance das influências de uma
pessoa para outra contribui para
combater comportamentos que
prejudicam a saúde e melhora
nosso nível de bem-estar
21
capa
N
o diagrama criado por James
H. Fowler e Nicholas A. Christakis
é possível observar, graficamente,
a propagação dinâmica da felicidade
em uma grande rede social. Cada ponto
representa uma pessoa (os círculos
são femininos, os quadrados são
masculinos). Linhas entre nós indicam
relacionamento (preto para irmãos, vermelho
para amigos e cônjuges). A cor do ponto
denota felicidade média do ego e todos
os diretamente conectados (distância 1)
se alteram, com tons azuis indicando
os menos felizes e amarelos mostrando
a maioria feliz (tons de verde são
intermediários). As linhas representam relações
familiares ou de amizade. Quanto mais no
centro do círculo a pessoa se encontra, mais
intensamente está conectada com outras.
22
capa
23
capa
Matemática
explica como
sentimentos
se propagam
24
capa
S
e um amigo seu que mora nas redondezas se sen-
te solitário, a quantidade de dias em que você mes-
mo enfrenta esse estado de ânimo tende a aumentar.
“A solidão é transmitida mesmo entre os conhecidos
sem ligação direta: se o vizinho se sente desanimado durante
dez dias no ano, acrescentam-se dois dias de propensão ao
desânimo ‘do outro lado do muro’”, afirma o cientista político
James Fowler, pesquisador da Faculdade de Medicina da Uni-
versidade da Califórnia em San Diego. “Somente entre pesso-
as que moram a mais de um quilômetro e meio de distância
esse efeito se perde.” Fowler e seu colega Nicholas Christakis,
pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade Har-
vard de Boston, desenvolveram um estudo sobre o tema, pu-
blicado no periódico científico PLoS One.
O que parece uma espécie de “magia” é explicado cientifica-
mente: os pesquisadores estão convencidos de que, em redes
sociais, sentimentos e preferências se espalham
segundo uma regularidade matemática. O
que uma pessoa sente não está as-
sociado apenas a parentes di-
retos ou vizinhos, mas também
àqueles com os quais ela não
mantém contato constante. É aí que
entra o conceito de “rede”: as inter-
ligações que nos unem muitas ve-
zes são insuspeitas e nos afetam
por canais perceptivos que esca-
pam à consciência. Um exem-
plo simples? Ver cada vez mais
pessoas usando matizes de roxo na
rua, por exemplo, pode levar alguém a
25
capa
escolher uma peça de roupa dessa cor numa loja, sem notar
que está sofrendo essa influência.
Se por um lado tendemos a nos apropriar de opiniões e
comportamentos alheios com muito mais facilidade do que,
em geral, nos damos conta, por outro, em determinadas oca-
siões realmente buscamos palpites. Uma pesquisa divulgada
recentemente pela Nielsen, empresa especializada em pes-
quisa de mercado, mostrou que os brasileiros levam muito a
sério o que pensam parentes, amigos e conhecidos na hora
de fazer uma compra pela internet. Segundo o estudo, reali-
zado em 53 países, no Brasil, 80% dos internautas recorrem a
sua rede virtual de relacionamentos na hora de escolher prin-
cipalmente eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos e entrete-
nimentos (filmes, peças de teatro, shows etc.).
Reforço social
Em tempos de relacionamentos virtuais cada vez mais inte-
grados ao cotidiano, cientistas também se voltam para essa
modalidade de relação. O professor assistente de sociologia
econômica Damon Centola, da Sloan School of Management
do MIT, conduziu um experimento com mais de 1.500 pessoas,
no qual foi criado um fórum de saúde na web, com acesso a
informações sobre saúde. O pesquisador direcionou aleatoria-
26
mente os voluntários para um dos dois
projetos de rede social. Um deles foi es-
truturado como se fosse um bairro residencial,
no qual havia laços entre vizinhos e todos eram cha-
mados “amigos da saúde”. O outro grupo foi criado nos
moldes de uma rede informal, onde as pessoas não partilham
vínculos sociais.
No primeiro caso, embora as pessoas não conseguissem
fazer contato diretamente, recebiam e-mails periódicos do sis-
tema com informações sobre as atividades desenvolvidas pe-
los integrantes do grupo, ligadas à saúde e ao bem-estar físico
e mental. Já a outra equipe não contava com esse recurso,
ainda que também pudesse participar livremente do fórum. Ao
longo do tempo, os participantes da “estrutura de vizinhança” se
mostraram muito mais dispostos a aderir aos debates e a ofere-
cer contribuições, de acordo com o artigo publicado por Cento-
la na revista Science. Importante: quanto mais os participantes
do experimento recebiam informações sobre as atividades de
seus colegas, mais se mostravam interessados no fórum.
No mundo real, isso pode significar que o reforço social me-
PARA SABER MAIS lhora – ou piora – hábitos de saúde, independentemente de
Social networks and
cooperation in hunter-
quem os incentiva. Em outras palavras, uma rede comunitária
gatherers. Nicholas A.
Christakis, James H. de amigos e vizinhos pode ser mais eficiente que peças publi-
Fowler, Frank W. Marlowe
e Coren L. Apicella, em citárias com celebridades que incentivem, por exemplo, a pro-
Nature, 26 de janeiro de
2012.
teção contra doenças sexualmente transmissíveis entre os ado-
O poder das conexões:
a importância do lescentes. O incentivo de uma “rede de apoio”, virtual ou não,
networking e como ele
molda nossas vidas. também pode nos levar a melhores opções de saúde – como ir
Nicholas A. Christakis
e James H. Fowler.
Campus, 2009.
à academia mais vezes, consumir mais vegetais ou mesmo va-
lorizar as pequenas conquistas e alegrias do cotidiano.
psicanálise
Espaço urbano,
espaço psíquico
Há um caráter de idealização e criação imaginária
na relação que mantemos com as cidades que
amamos e habitamos; os lugares assumem o papel
de extensões do próprio eu, investimos afetivamente
neles a ponto de nos tornarmos parte deles e eles,
parte de nossa subjetividade
Q
uando falamos de nossas cidades, falamos de
nós mesmos. Usamos a linguagem do afeto, que
nos faz negar parte da experiência, para sustentar
uma posição subjetiva que nos favorece; sem tal
negação seríamos obrigados a reconhecer nossas precarieda-
des. Isso fica bem claro quando indagamos a respeito do ufa-
nismo de certas pessoas quando tratam suas cidades como
extensões do próprio eu.
De modo geral, o espaço que ocupamos e no qual transi-
tamos nos proporciona a sensação de pertencimento e a cir-
culação pelos espaços. Fazer parte de um lugar é adquirir a
possibilidade de transitar e, consequentemente, de estender o
nosso espaço vital. A cidade tem caráter transicional, na medi-
da em que se situa entre o indivíduo e a sociedade, possibili-
tando o trânsito entre o público e o privado, o fora e o dentro.
Com base nessa dinâmica interior/exterior, nos inserimos
em vários lugares, passamos a fazer parte deles, assim como
também os internalizamos. Essa vinculação se dá por meio de
um trabalho psíquico e depende do tipo de investimento que
fazemos em relação ao local que habitamos, às cidades que
amamos ou apenas admiramos. Investir afetivamente em um
lugar depende das identificações – significa que a cidade nos
representa, configurando-se como uma extensão de nós, se
afina com nossas singularidades e demandas, embora nem
sempre essa sintonia se revele concretamente. Há um aspecto
de idealização, de criação imaginária, na relação que mante-
mos com nossas cidades.
19
psicanálise
A mãe-ambiente
Em uma acepção mais geral, o ambiente nos envolve e nos
transmite as bases de uma dada cultura, assim como a mãe,
primariamente, nos oferece, por meio da linguagem e de sua
postura subjetiva, os valores primários do lar e da família. Essas
bases permitem a ampliação do mundo por meio da constitui-
ção psíquica e dos processos de socialização em curso desde
nosso nascimento.
Na concepção do psicanalista inglês Donald Winnicott, o es-
paço simbólico é representado pela mãe (ou substituta) que
acolhe o bebê quando nasce, que deflagra seu processo de
amadurecimento. Desde essa origem o bebê desenvolve con-
dições de autonomia para construir e transitar por diferentes
lugares ao longo da vida. O modo como a criança é inserida
nesse ambiente primário marca suas relações com o outro sin-
gular, mas também com uma coletividade que se organiza e
se sustenta no espaço mais amplo da cidade. Nos primeiros
momentos de vida do bebê, ele e a mãe-ambiente estão fu-
sionados, mas, paradoxalmente, iniciam também, nos primei-
ros meses, o processo de separação, que vai marcar as singu-
laridades de cada membro da díade.
20
psicanálise
22
psicanálise
23
psicanálise
24
psicanálise
25
fármacos
dos medicamentos
fármacos
D
esenvolver um fármaco não é tarefa fácil. Algo em
torno de 95% dos novos compostos é reprovado
antes de eles se tornarem disponíveis para o uso
clínico. Os gastos são especialmente altos quando
o assunto é medicamento para tratar problemas relacionados
ao sistema nervoso central. Remédios que chegam a ser co-
mercializados com sucesso somam um custo médio de US$
1,8 bilhão. Agora, os pesquisadores recorrem cada vez mais
aos produtos já existentes no mercado. Comprovadamente
seguras para o consumo humano e não raro compreendidas
em nível molecular, as já conhecidas pílulas de hoje podem ser
a novidade médica de amanhã. Os efeitos colaterais em uma
pessoa podem ser a cura para outra.
Drogas reinventadas
BEXAROTENO
de quimioterapia de linfomas cutâneos para tratamento de Alzheimer
MIFEPRISTONA
de abortivo para antidepressivo
GABAPENTINA
de prevenção da epilepsia para alívio de abstinência
MINOCICLINA
de medicação contra acne e redutor de artrite
para estabilizador de esquizofrenia
AMANTADINA
de remédio contra a gripe para provocar reações
em pacientes em estado vegetativo
PROPRANOLOL
de alívio de ansiedade para diminuir o racismo
27
fármacos
Como funciona
No organismo, o bexaroteno ativa um receptor químico que
afeta a forma como as células se desenvolvem. Ao ativar esse
receptor no cérebro, o agente estimula a destruição de placas
características do Alzheimer e ajuda a bloquear a ação de pro-
teínas que causam a morte de neurônios.
28
fármacos
29
especial
Presentes
para o
cérebro
É tempo de trocar lembranças, um gesto com
implicações físicas e mentais. Ações como
desembrulhar pacotes destinados a você, fazer
caridade e até mesmo escolher o mimo mais
adequado para cada amigo ou pessoa da família
são pautadas por uma sofisticada rede de
estruturas em seu cérebro
Q
ue atire o primeiro laço de fita quem nunca
ansiou pela alegria de desembrulhar um pa-
cote envolto em papel colorido com seu nome
escrito nele. Por mais que um singelo “Não
precisava” escape de seus lábios, não há como negar: ga-
nhar presente é bom. Ao ganharmos algo que corresponde
às nossas expectativas, sentimos uma onda de bem-es-
tar. Essa sensação é resultado da ação de um conjunto de
neurônios especializados na percepção do prazer. Surgi-
dos ao longo da evolução, eles cumprem uma função cru-
cial: a manutenção da vida. Os sistemas cerebrais que mais
influenciam o comportamento são os que nos levam a sa-
tisfazer as necessidades vitais (comer, beber, reproduzir-se
e proteger-se). O prazer é o meio empregado pela evolução
para que essas funções sejam asseguradas. Para favorecê-
-las foi desenvolvido o sistema
neuronal da recompensa.
As modulações Ao longo dos séculos, o cé-
bioquímicas que rebro humano diferenciou-se
ocorrem durante certas do de outros mamíferos prin-
situações, por exemplo, cipalmente pelo desenvolvi-
no período de festas mento do córtex, o que propi-
ciou um aumento na comple-
que anuncia a chegada
xidade das conexões neurais.
de momentos de
As estruturas mais antigas,
alegria, para muita onde estão as células do sis-
gente, influenciam tema de recompensa no ani-
a predisposição mal, permaneceram inseridas
para determinados no cérebro ancestral, chama-
estados emocionais do de reptiliano.
31
especial
Eu queria tanto...
No sistema hedônico, principalmente na área tegmental
ventral e no núcleo accumbens o principal mensageiro quí-
mico endógeno é a dopamina. É esta a substância liberada no
cérebro dos ratos estimulados por um eletrodo. A maioria das
drogas reforça a ação da dopamina. Constatou-se, por exem-
plo, que os ratos se autoadministram drogas na área tegmental
ventral ou no núcleo accumbens quando um dispositivo lhes
permite. Todas as drogas lícitas (álcool, tabaco) ou ilícitas (heroí-
na, maconha, cocaína) causam um acréscimo na concentração
de dopamina no núcleo accumbens, embora não diretamente
proporcional à sensação de prazer. As substâncias psicoativas
consumidas parecem ter uma propriedade comparável à dos
sinais naturais de recompensa: elas aumentam a concentra-
ção de dopamina. Há, contudo, uma diferença notável: a mo-
dificação da atividade das células nervosas do circuito, sob a
ação de recompensas naturais, dura apenas um ou dois se-
32
especial
33
especial
34
especial
“Era
exatamente
o que eu
queria!”
Acertar na compra do presente nem sempre
é fácil. Algumas crenças a respeito dos gostos
alheios podem atrapalhar na hora de escolher o
mimo mais adequado a quem queremos agradar
35
especial
A
lgumas pesquisas recentes sobre o ato de pre-
sentear podem ajudar quem está em busca de um
mimo para agradar pessoas queridas. Salvo exce-
ções e casos específicos, optar por coisas simples
e práticas parece ser mais interessante pelo menos do ponto
de vista da ciência. Um estudo publicado no Journal of Expe-
rimental Social Psychology indica que, embora tendamos a
acreditar que presentes sofisticados (e caros) serão mais apre-
ciados, quem recebe, em geral, fica mais feliz com coisas que
possam ter uma função em suas vidas. No experimento descri-
to no artigo, pares de amigos, todos estudantes universitários,
36
especial
37
especial
A multidão
que fita
o vazio
Quando consumir se torna imposição
social e o prazer de presentear entes
queridos se perde, é hora de questionar
por que nos vemos na obrigação de
comprar o que não precisamos
F
im de ano, tempo de merecido descanso, ainda que
por alguns dias – pelo menos para grande parte das
pessoas. Época de rever projetos, avaliar realizações
dos meses passados, se preparar para novas em-
preitadas, abraçar pessoas queridas. Período de paz e alguma
providencial reclusão para recarregar as energias. Certo? Nem
sempre. Quem empreende cansativas jornadas em busca de
presentes (ou lembrancinhas, que sejam), roupas novas (e
acessórios que combinem com elas) e ingredientes para pre-
parar os pratos das ceias nos dias que antecedem o fim do ano
sabe que essa rotina tem bem pouco de reconfortante.
No fim de semana que antecedeu o Natal, presenciei uma
cena emblemática em uma loja num shopping de São Paulo.
Uma mulher visivelmente irritada, carregada de sacolas, co-
mentava com a adolescente com semblante exausto, que a
acompanhava: “Agora só falta comprar três malditos presen-
tes daquela maldita lista!” A jovem
Convém ficarmos respondeu: “Não, mãe, faltam os
atentos para detectar do meu pai e do Júnior”. A mulher
o que precisamos resmungou um palavrão, enquan-
de fato, em vez de to aguardava sua vez de ser aten-
nos curvarmos às dida na fila do caixa. Não pude
deixar de pensar que os “malditos
imposições que
presentes” eram certamente para
nos arrebatam
as pessoas mais próximas daque-
e fazem pensar, la senhora: o cônjuge, parentes e
equivocadamente, que amigos por quem, provavelmente,
demandas fabricadas ela nutre algum afeto. Mas, dian-
por profissionais astutos te da imposição (certamente mais
são anseios nossos subjetiva que externa) de cumprir
39
especial
40
especial
41
especial
42
especial
43
psiquismo
Efeitos da
transição
Os momentos de crise provocam algum
desequilíbrio. Mecanismos de defesa
podem não dar conta da angústia – mas a
situação também apresenta oportunidades
de amadurecimento emocional
por Erane Paladino
D
esde o início de seus estudos sobre o inconsciente,
Freud apoiou-se no modelo biológico para com-
preender o fenômeno mental. Chamou de princí-
pio da constância a tendência a manter perene a
soma das excitações para evitar o aumento de tensão. O cria-
dor da psicanálise pensava nas organizações psíquicas apoia-
das em mecanismos de defesa como ferramentas na busca
do controle das angústias. A dinâmica tem o propósito de man-
ter o que o fisiologista americano Walter B. Cannon denominou
homeostase, ou seja, o princípio presente em todo organismo
vivo, sob o ponto de vista fisiológico e metabólico. Esse sis-
tema de regulação também tende a manter nosso funciona-
mento mental relativamente estável; reações, rotinas e modos
de relação com o mundo ganham certa previsibilidade e bus-
cam evitar situações inesperadas que provoquem ansiedade.
psiquismo
45
cinema
INFILTRADO NA KLAN
128 min. Estados Unidos, 2018.
Direção: Spike Lee
Elenco: John David
Washington, Adam Driver,
Laura Harrier, Topher Graceæ
Precisamos falar
sobre racismo
Em clima que alterna tensão e humor, novo filme de Spike
Lee se passa na década de 70, mas parece extremamente
atual; é difícil chegar ao fim indiferente à história
46
no cenário político brasileiro dos últimos tempos. De fato, os temas abordados não
poderiam ser mais atuais: preconceito, hipocrisia e ignorância. E para que não restem
HZMHEWWSFVIWYEEXYEPMHEHIES½REPWnSQSWXVEHEWMQEKIRWHIEVUYMZSHSIQFEXI
ocorrido em 2017 em Charlottesville, nos Estados Unidos. Na ocasião, integrantes
de grupos de extrema direita marcharam contra negros, judeus e imigrantes. Numa
sequência provocante, o diretor deixa claro como falas e atitudes do presidente nor-
te-americano Donald Trump autorizaram a expressão escancarada do preconceito nas
VYEW-RGETE^HIGSRXIVEWMXYEpnSE½VQSY±2IQXSHEWEWTIWWSEW UYITEVXMGMTEQ HS
protesto são más”. (Seriam bondosas?) Em meio ao discurso de Trump, cenas reais mos-
tram pessoas atropeladas e um corpo
estendido na rua em consequência das
O trauma da segregação violentas passeatas.
Racismo faz mal à saúde mental. Com base na teoria Em certos momentos pode até pa-
de Sigmund Freud, os seus efeitos nas humilhações
cotidianas são traumáticos e não apenas para recer estranho que -R½PXVEHS RE /PER
quem os sofre diretamente, mas para todos que seja realmente feito com base numa
estão direta ou indiretamente expostos ao clima de história verídica. No entanto, esse é
segregação. Para a vítima, a violência do preconceito
– velado ou explícito, mas igualmente doloroso – NYWXEQIRXI YQ HSW XVYRJSW HS ½PQI
pode provocar crises de autoestima e identidade, o absurdo da verdade, num momento
aparecimento de sintomas de ansiedade, depressão
em que a intolerância e o radicalismo
e somatizações.
“A ideologia do racismo propõe a desumanização de se opõem à legitimação do direito à
um, em contrapartida do privilégio do outro; incide diversidade e à existência – algo ób-
na constituição do negro como sujeito, em seu corpo
e em sua imagem, sistematicamente desvalorizada”, vio, pelo menos para quem estudou
afirma a psicóloga e psicanalista Maria Lúcia da história ou psicanálise, ou simples-
Silva, uma das organizadoras do livro O racismo
mente leva em conta a possibilidade
e o negro no Brasil – Questões para a psicanálise
(Perspectiva, 2017), junto com as também de respeitar o direito do outro de
psicólogas Noemi Moritz Kon e Cristiane Curi existir. Alguns espectadores talvez
Abud. Silva, que é diretora-presidente do Instituto
AMMA Psique e Negritude e coordenadora geral da saiam um tanto incomodados do ci-
Articulação Nacional de Psicólogas Negras, salienta RIQE3YXVSWUYIQWEFI±RnSIRXIR-
que “o racismo constitui um sujeito que nem dam” a razão de tanto estardalhaço,
sempre consegue se apropriar de suas percepções
e de acreditar nelas, o que estimula a produção de SY WMQTPIWQIRXI GSRWMHIVIQ S ½PQI
marcas e lacunas que afetam toda a sociedade”. ±I\EKIVEHS² 7I JSV IWWI S GEWS ZEPI
avaliar o que de fato incomodou.
47