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Brazilian Journal of Development 13662

ISSN: 2525-8761

Sexualidade na escola: desafios e possibilidades para além dos PCNS e


da BNCC

Sexuality in school: challenges and possibilities beyond PCNS and


BNCC
DOI:10.34117/bjdv7n2-130

Recebimento dos originais: 08/01/2021


Aceitação para publicação: 08/02/2021

Greice Ayra Franco-Assis


Docente da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus IX
Endereço: BR 242, KM 04, Loteamento Flamengo, Barreiras –BA, Brasil
E-mail: gfranco@uneb.br

Ediane Eduão Ferreira de Souza


Licenciada em Ciências Biológicas
Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus IX
Endereço: BR 242, KM 04, Loteamento Flamengo, Barreiras –BA, Brasil
E-mail: edianeeduao@hotmail.com

Adriana Gonçalves Barbosa


Pós-graduanda em Educação e Meio Ambiente
Universidade do Estado da Bahia–UNEB, Campus IX
Endereço: BR 242, KM 04, Loteamento Flamengo, Barreiras –BA, Brasil
E-mail: adrianagoncalves09@hotmail.com

RESUMO
Desde a publicação dos PCNs até o presente, houve significativa e importante ampliação
do debate sobre sexualidade e educação sexual. Enquanto em 1997, com a publicação dos
PCNs, a educação brasileira vislumbrava a possibilidade de se trabalhar sexualidade e
gênero na escola, vinte anos depois o quadro é outro. O propósito deste estudo foi analisar
a abordagem da temática sexualidade na educação escolar, realizando uma apreciação
desde os PCNs até a atual BNCC. Para tal, observou-se os PCNs, a BNCC e trabalhos
acadêmicos sobre a temática sexualidade nas escolas. Foram realizadas buscas
sistemáticas em bases de dados bibliográficos, como o acervo da biblioteca da
Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus IX, site do MEC e buscadores de
conteúdo científico como o Google Acadêmico, Scielo e Periódicos CAPES. O tema
Orientação Sexual contido no volume dez do PCN propõe questões que não devem ser
abordadas apenas nas aulas de Ciências, e sim promover debates em todas as áreas do
conhecimento, como tema transversal. A escola passa, então, a integrar, junto e
complementar à família, a educação oferecida às crianças e adolescentes. Ao considerar
a sexualidade na BNCC, verifica-se um retrocesso ao que foi proposto pelos PCNs, uma
vez que a temática sexualidade se encontra na seção de Ciências da Natureza, mais
precisamente no componente curricular Ciências, sendo ausente nas demais áreas do
conhecimento. O documento oficial associa a sexualidade aos conceitos relacionados à
saúde e à qualidade de vida, reservados ao oitavo ano do Ensino Fundamental. Diante
deste cenário, percebe-se a necessidade da elaboração de mais estudos sobre o assunto

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sexualidade e diversidade sexual e de gênero no ambiente escolar, para assim, traçar


panoramas sobre os desdobramentos da BNCC nas escolas.

Palavras-chave: Educação Sexual, Estudantes, Educadores, Gênero, Documentos.

ABSTRACT
Since the publication of the PCNs (Parâmetro Curricular Nacional – National Curricular
Parameters) to the present, there has been a significant and important enhance in the
debate on sexuality and sex education. While in 1997, with the publication of the PCNs,
Brazilian education envisioned the possibility of working on sexuality and gender in
school, twenty years later the scenario is different. The aim of this study was to analyze
the approach of sexuality in school education, conducting an appraisal from the PCNs to
the current BNCC (Base Nacional Comum Curricular – Common Core State Standards).
To this end, remarks were made in the PCNs, BNCC and in academic papers on sexuality
in schools. Systematic searches were carried out in bibliographic databases, such as the
library collection in the State University of Bahia-UNEB, Campus IX, MEC (Ministério
da Educação e Cultura – Culture and Education Ministry) website and search engines for
scientific content such as Google Scholar, Scielo and CAPES Journals. The subject
Sexual Orientation contained in PCN’s volume ten proposes questions that should not be
addressed only in Science classes, but promote debates in all areas of knowledge, as a
cross-cutting subject. School then starts to integrate, together and complementary to the
family, the education offered to children and adolescents. When considering sexuality in
the BNCC, there is a regression to what was proposed by the PCNs, since sexuality is
found in the section of Natural Sciences, more precisely in the curricular component
Sciences, being absent in other areas of knowledge. The official document associates
sexuality with concepts related to health and quality of life, restricted to the eighth grade
of middle school. In view of this scenario, it is noticeable that there is a need for further
studies on the sexuality and sexual diversity, and gender diversity subjects in the school
environment, in order to draw overviews on the BNCC unfolding in schools.

Keywords: Sex education, Students, Educators, Gender, Documents.

1 INTRODUÇÃO
A sexualidade está presente em todas as fases da vida humana e não se refere,
apenas, ao sexo, aos aparelhos genitais ou ao ato sexual. Ela contempla, para além disso,
temas como a identidade, o gênero, a orientação afetivo-sexual na qual indivíduos se
descobrem por meio de reflexões, desejos, valores, atitudes e convivências (individual ou
coletiva) que interferem na saúde física e mental (OMS, 2001; SILVA et al., 2019).
Considerando tal abrangência, é possível afirmar que o espaço escolar represente as
múltiplas expressões da sexualidade e com isso, venha promover um campo crítico-
reflexivo que visa mitigar relações negativas contra a diversidade (SEFFNER;
PICCHETTI, 2014).

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Os estudiosos debatem quanto a origem dos estudos sobre a sexualidade, se esta


tem suas raízes em movimentos científicos ou em representações sociais, ou ainda em
ambos. Os conceitos acerca da sexualidade foram construídos ao longo do tempo, desde
a Antiguidade, sendo que cada cultura estabeleceu suas próprias normas e padrões sobre
o assunto. Todavia, sabe-se que todos esses fatores foram responsáveis por tal tema
ganhar espaço nas políticas públicas, que ocorreram e ainda ocorrem a partir de
abordagens higienistas que visam controlar a conduta sexual de seus atores (ALTMANN,
2007; LOURO, 2008).
O tripé responsável pela formação do indivíduo é a família, a igreja e a escola.
Salientando, segundo Altmann (2007, p. 289), que esta última “desponta como um espaço
privilegiado para o desenvolvimento do biopoder”, educando, orientando e controlando a
sexualidade das crianças e dos jovens. Vale ressalvar que nos colégios, praticamente não
se falava sobre o assunto. Entretanto, ao analisar criticamente os regulamentos que
existiam para as divisões entre meninos e meninas nas salas, nos dormitórios, nos
intervalos, dentre outros, percebe-se a preocupação existente com uma sexualidade
intensificada (FOUCAULT, 1988; SHIMAMOTO, 2004).
Embora tenham ocorrido inúmeras mudanças até chegar ao presente, nota-se que
ainda existem inúmeras diferenças, principalmente entre o masculino e feminino.
Decorrente disso, Cruz e Oliveira (2002, p. 20) afirmam que “os preconceitos que dizem
respeito ao sexo resistem à chegada do século XXI e, graças à desinformação, ainda se
fazem presente, em muitas situações”. Entretanto, existem leis e parâmetros que muito
contribuem na tentativa de, cada vez mais, progredir com a educação, a qual é a principal
responsável pela formação de cidadãos.
Com o intuito de levar educação para todos e fornecer um melhor aparato para as
instituições escolares na elaboração de projetos, surgiu a necessidade da criação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 4.024/61, sendo posteriormente
reformulada pelas leis 5.540/68, 5.692/71 e então substituída pela atual LDB 9.394/96. O
Ministério da Educação (MEC) visando inovar, implementou os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), que contêm propostas disciplinares e eixos temáticos considerados
transversais, para serem debatidos por todos os componentes curriculares (BRASIL,
1998a). Desse modo, em 1997, o MEC reconheceu o estudo sobre a sexualidade como
campo de atuação dos/das professores/as, presente em um dos volumes dos PCNs
(BRASIL, 1997a; BRASIL, 1997b), sendo o primeiro documento a legitimar a prática da

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Educação Sexual nas escolas (VIANNA, 2012; LEÃO et al., 2014; ABREU; SANTOS,
2015).
Monteiro e Ribeiro (2020) destacam que os PCNs contribuíram significativamente
na ampliação da discussão sobre as temáticas Sexualidade e Educação Sexual. Com isso,
foi permitida uma maior participação dos movimentos sociais, políticos e filosóficos na
sociedade (LEÃO et al., 2014). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é
atualmente o documento normativo que determina o conjunto de aprendizagens
primordiais, que dentre elas, faz referência a sexualidade. O Conselho Nacional de
Educação aprovou este documento para o Ensino Fundamental no ano de 2017 e para o
Ensino Médio no ano seguinte. Com a publicação dos PCNs em 1997, gerou-se
perspectivas para se trabalhar temas como sexualidade e gênero nas escolas. Contudo,
com o passar de mais de duas décadas, o que se percebe é o distanciamento do estudo
destas temáticas (MONTEIRO; RIBEIRO, 2020). Por conseguinte, o propósito deste
estudo foi analisar a abordagem da temática “Sexualidade na educação escolar”, através
da apreciação dos PCNs até a atual BNCC.

2 MATERIAL E MÉTODOS
Para realização desta pesquisa, foram feitas análises nos PCNs (BRASIL, 1997a;
BRASIL, 1997b; BRASIL, 1998a; BRASIL, 1998b), na BNCC (BRASIL, 2017) e
trabalhos acadêmicos sobre sexualidade nas escolas. Para isso, foram realizadas buscas
sistemáticas em bases de dados bibliográficos, como o acervo da biblioteca da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus IX, site do MEC e buscadores de
conteúdos científicos, como Google Acadêmico, Scielo e Periódicos CAPES.
Nos buscadores de conteúdos científicos, foram utilizadas as seguintes palavras-
chave, com base no estudo de Silva et al. (2019): “PCNs e sexualidade”, “sexualidade”,
adolescência e sexualidade”, “orientação sexual”, “educação sexual”, “BNCC e
sexualidade”, “reprodução”, “diversidade sexual”, “ISTs”, “igualdade de gênero”, “saúde
sexual”, “relações de gênero” e “histórico da sexualidade”. A seleção das palavras-chaves
teve a função de conseguir explorar, ao máximo, a temática sexualidade na escola.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os conceitos acerca da sexualidade foram construídos desde a antiguidade, sendo
que cada cultura estabeleceu suas próprias normas e padrões sobre o assunto. Na
Babilônia e em Atenas (625 a.C. a 536 a.C.), de acordo com Heilborn (2006), as mulheres

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deveriam ser submissas aos seus maridos. Ainda segundo a autora, apenas o homem
poderia tomar a iniciativa de se divorciar, que geralmente só ocorria quando sua mulher
era estéril. Além disso, o homem poderia ter amásias (amantes), entretanto, se a mulher
fosse infiel, seria condenada à morte (HEILBORN, 2006). Já o Egito Antigo se destacou
em relação à visão sobre o sexo na figura da mulher, pois proporcionou uma maior
liberdade a esta, comparada às outras civilizações. Neste mesmo período, não era vedado
o sexo antes do casamento e a mulher podia ter funções (trabalho) importantes na
sociedade (CANO et al., 2000; MAIA; MAIA, 2005).
O período clássico (VI-IV a.C.) por sua vez, caracterizava-se pela ideia de que as
mulheres deveriam permanecer virgens até o casamento. Salientando que, mesmo depois
deste, não era habitual a atração sexual entre marido e mulher. Um avanço foi o fato de
ser permitido às espartanas usar roupas curtas e as romanas irem a festas e teatros, mas
ainda prevalecia o domínio masculino (CRUZ; OLIVEIRA, 2002; MAIA; MAIA, 2005).
Foucault (1988, p.26) acredita que “o homem ocidental há três séculos tenha permanecido
atado” para expressar sobre sua sexualidade, no entanto, a partir da época clássica, “tenha
havido uma majoração constante e uma valorização cada vez maior do discurso sobre o
sexo”.
Principalmente a partir da década de 1950, passou-se a acreditar que a educação
impulsionaria a economia, proporcionando um maior desenvolvimento para o país. Nesse
momento, é possível inferir que a educação pautada em avanços científicos poderia
ressoar de maneira positiva sobre a discussão da sexualidade. As décadas de 1970 e 1980
ganharam destaque quanto ao número de estudantes que ingressavam nas escolas
(BRASIL, 1998a; SALLES, 2002). Nesta época, ocorria uma alteração científica, onde
se reajustavam as disciplinas em ciências pluridisciplinares (MORIN, 2000). No entanto,
Sampaio e Marin (2004) ressaltam que, nesse período, há uma deterioração do sistema
público de ensino, que pode ter afetado diretamente a discussão sobre sexualidade no
ambiente escolar, sendo aprimorados apenas a partir da década de 1990.
As temáticas que não faziam parte do conteúdo programático das disciplinas eram
consideradas atividades extraclasse. Os/as professores/as não costumavam dar muita
atenção e nem os cobrar em provas. Para nortear a maneira de trabalhar essas vertentes,
surgem, na década de 1990, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino
Fundamental, começando pelas quatro primeiras séries (CUNHA, 1996; BRASIL,
1998a). Portanto, torna-se “um momento de encontro entre quem quer aprender e quem
quer ensinar, que não pode ser negligenciado” (CARVALHO, 1997, p. 153). Para a

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elaboração destes parâmetros, foi necessário muito estudo, levantamentos de dados


relativos à educação e análises de experiências tanto de outros países, quanto das escolas
brasileiras. Em âmbito escolar, estes documentos permitem a abordagem de assuntos
referentes ao cotidiano dos estudantes (CUNHA, 1996; BRASIL, 1998b; COSTA, 2008).
Entre outras funções, os PCNs visam “orientar e garantir a coerência dos
investimentos no sistema educacional, [...] funcionando como catalisador de ações na
busca de uma melhoria da qualidade da educação brasileira” (BRASIL, 1998a, p. 13). Os
parâmetros são apresentados em dez volumes, nos quais o primeiro consiste na
introdução, o segundo ao sétimo contêm as propostas para disciplinas específicas (Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física)
e os três últimos versam sobre os temas transversais (Apresentação dos Temas
Transversais e Ética, Meio Ambiente e Saúde, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual).
Ao mesmo tempo em que se busca o princípio da equidade, se reconhece que existem
diferenças nas regiões e nas condições oferecidas para cada instituição escolar (BRASIL,
1998a; BRAGA, 2006).
O tema Orientação Sexual contido, no volume dez do PCN, propõe questões que
não devem ser abordadas apenas nas aulas de Ciências, e sim promover debates em todas
as áreas do conhecimento. A escola passa então a integrar, junto e complementar à
família, a educação oferecida às crianças e adolescentes. Um fator que pode ter sido
determinante para tratar a sexualidade como tema transversal, e não mais um assunto
restrito aos/as professores/as de Ciências, foi o fato de que, a partir dos anos 1980,
aumentaram os índices de gravidez na adolescência. Outro fator preponderante foi o
índice de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e a AIDS, serem divulgadas pela
mídia (BRASIL, 1998b; DINIS; ASINELLI-LUZ, 2007; COSTA, 2008; CÉSAR, 2009).
Altmann (2003, p. 285) avalia que “a ampla inserção desse tema na escola parece estar
ligada, por um lado, a uma dimensão epidêmica e, por outro, às mudanças nas
expectativas de comportamento sexual associadas ao aparecimento da figura da gravidez
precoce”.
A temática sexualidade, quando abordada em aula, é a que mais prende a atenção
dos estudantes, pois abrange múltiplos aspectos que são de sua curiosidade. Assim, essa
perspectiva transversal proposta pelos PCNs tem por finalidade atribuir ao professor a
responsabilidade de desenvolver nos estudantes uma discussão que o faça compreender
sua sexualidade de forma prazerosa e consciente (BRASIL, 1998b; SHIMAMOTO,
2004).

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Para nortear os educadores, o volume referente à Orientação Sexual se dispôs em


três eixos (BRASIL, 1998b): 1) “Corpo: Matriz da sexualidade”; 2) “Relações de gênero”;
3) e “Prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis 1/AIDS”. No primeiro, o PCN
exemplifica maneiras para trabalhar a transversalidade do tema em diversas áreas do
conhecimento. Na disciplina de História, por exemplo, pode-se discutir sobre como a
sexualidade é expressa em diferentes culturas e épocas distintas; em Educação Física,
pode-se utilizar o corpo para a compreensão de como a sexualidade pode se manifestar
de forma prazerosa (dança, exercícios físicos, teatro, jogos); em Ciências Naturais,
abordar questões que vão além da anatomia e reprodução, como os aspectos emocionais
que se expressam de diversas formas em cada ser humano, relacionando também aos
significados culturais (BRASIL, 1998b).
No eixo “Relações de Gênero”, são abordadas questões que costumam ter modelos
estabelecidos pela sociedade, causando, muitas vezes, agitações por parte dos estudantes,
principalmente aqueles que contradizem esses padrões. No eixo “Prevenção das Doenças
Sexualmente Transmissíveis/AIDS”, busca-se, além de fornecer informações a respeito
da saúde, fazer com que os jovens se sintam à vontade para expor suas dúvidas. Dessa
forma, desmistificará inverdades e minimizará suas angústias acerca do assunto. Vale
ressaltar a importância de se questionar sobre os obstáculos emocionais e culturais que
impedem a mudança de comportamento necessário à adoção de práticas de sexo protegido
(BRASIL, 1998b).
O corpo é tratado “como a matriz da sexualidade, dividido em dimensões
biológica, psicológica e social” (BRASIL, 1998b). Assim sendo, cabe comparar a
abordagem sexual no final do século XIX, quando a sexualidade era pautada em ideais
higiênicos, com o final do século XX, em que surge uma “reedição bastante semelhante”,
sendo a educação sexual limitada ao biológico (OLIVEIRA, 2007, p. 60).
Braga (2006) e Dinis e Asinelli-Luz (2007) fazem uma crítica ao PCN de
Orientação sexual, afirmando que este abstém alguns assuntos importantes, como a
homossexualidade, bissexualidade e outras diversidades sexuais, e a discriminação

1 A terminologia Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) passou a ser adotada em substituição à


expressão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), porque destaca a possibilidade de uma pessoa ter
e transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e sintomas. O termo IST já é utilizado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) e pelas principais instituições que lidam com Infecções Sexualmente
Transmissíveis ao redor do mundo.
Fonte:http://www.aids.gov.br/pt-br/publico-geral/o-que-sao-
ist#:~:text=A%20terminologia%20Infec%C3%A7%C3%B5es%20Sexualmente%20Transmiss%C3%AD
veis,mesmo%20sem%20sinais%20e%20sintomas. Acesso em: 23 nov. 2020.

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destes. Além disso, esquece-se de retratar a presença da sexualidade no período infantil.


A sexualidade perpassa pela infância, adolescência, vida adulta e a terceira idade. Não se
deve esperar a adolescência para tratar do assunto, pois a criança já apresenta curiosidades
sobre o tema. Aquino e Martelli (2012) complementam que Freud deu contribuições
decisivas para que fosse reconhecida a existência da sexualidade infantil. Ainda
criticando as diretrizes educacionais, Ruiz (2009, p. 37) afirma que “as reformas foram
introduzidas apenas formalmente e, em consequência, nada mudou na sala de aula”.
A curiosidade é uma característica predominante do período infantil,
principalmente a respeito de gênero, da diferença dos órgãos genitais, como entrou e saiu
da barriga da mãe, dentre outras. Cabe ressaltar que todas essas perguntas devem ser
respeitadas e respondidas da forma mais clara e objetiva possível. O diálogo contribui
para que a criança tenha liberdade para perguntar, favorecendo, assim, a formação de um
indivíduo autônomo (BRASIL, 1998b; MAIA; MAIA, 2005).
A sexualidade ainda é considerada um grande tabu, encontrando-se dificuldades
para lidar com dúvidas dos estudantes ou situações inadequadas no ambiente escolar. Isto
pode resultar em sujeitos confusos ou excluídos por não se encaixarem naquele padrão
estabelecido social e culturalmente. Não é fácil abordar sobre essa temática, visto que o
docente se depara com crianças e adolescentes possuidores de suas “verdades” (CRUZ;
OLIVEIRA, 2002; COSTA, 2008; HEILBORN et al., 2009). De acordo com Cano et al.
(2000) e Souza et al. (2020), os tabus surgiram com o intuito de, por um lado, estabelecer
limites ao sexo, e por outro, condenar práticas que não tivessem como finalidade a
procriação, como a homossexualidade, a masturbação (masculina e feminina) e o sexo
anal. Esses tabus são heranças culturais herdadas dos séculos anteriores. A religião
também contribuiu para a formação dos mitos, principalmente justificando-os como
pecado (ZUIN, 2008).
Aproximadamente, há meio século surgiram divisões entre sexo e procriação. As
pílulas anticoncepcionais passaram a existir, influenciando atos comportamentais de
homens e de mulheres, principalmente, pois estas puderam exercer sua sexualidade com
menos constrangimento. Contudo, apesar da figura feminina ter ganhado cada vez mais
espaço na sociedade, ainda são perceptíveis algumas diferenças de gênero, como
exemplo, o fato de as meninas iniciarem suas vidas sexuais mais tardiamente que os
meninos (HEILBORN et al., 2009). Eles são estimulados a demonstrar sua
masculinidade, enquanto às meninas é atribuído o comportamento de decência e
compostura (COSTA et al., 2001; SHIMAMOTO, 2004).

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Comparando a juventude do passado e da atualidade, nota-se que há uma maior


liberdade em expressar a sexualidade hoje, principalmente no que diz respeito a namoros,
a “ficadas” e ao sexo antes do casamento. Os relacionamentos também se diferenciaram,
por exemplo, o casamento era tido como uma aspiração por parte dos jovens,
posteriormente passou-se a dar maior destaque à liberdade sexual no namoro. A partir de
então, surgiu um novo modelo de envolvimento: o ficar, que consiste num modo mais
flexível e transitório de se relacionar, não exigindo afetividade nem compromisso
(CRUZ; OLIVEIRA, 2002; HEILBORN et al., 2009).
Atualmente, na tentativa de desmistificar o sexo, impõem-se novas verdades que
interferem na formação das subjetividades. “A noção de sujeito sexual na nossa sociedade
diz respeito a uma sexualidade pré-definida, sem que se ofereça a ela uma possibilidade
de escolha, ou então, condições que favoreçam estas possibilidades” (COSTA, 2008, p.
24). A sociedade estabelece padrões hegemônicos, nos quais é normal o heterossexual e
aquele que foge desse padrão é considerado anormal (SHIMAMOTO, 2004). Maia e Maia
(2005) e Louro (2007) acreditam que as relações de poder são responsáveis por
estabelecer práticas habituais (que são adotadas por uma maioria), sobrepujando os que
são contrários. Muitos tabus ainda são causas de insegurança e irrealização sexual.
O sexo é parte fundamental da sexualidade, todavia, ele ganhou significados que
vão além de relações sexuais genitais, como a imoralidade, a libertinagem, dentre outros.
As músicas, danças, anúncios, são um bom exemplo que especificam a banalização do
ato sexual (CRUZ; OLIVEIRA, 2002). Os meios de comunicação também têm assumido
um relevante papel no que diz respeito a moldar comportamentos. Primeiro que a mídia,
principalmente o rádio e a televisão, tem estabelecido estereótipos, remetendo às pessoas
um modelo ideal, como: mulheres com um corpo perfeito e condutas caracterizadas por
uma excessiva sensualidade; homens machistas, violentos, competitivos (BRASIL,
1998b; SHIMAMOTO, 2004; SILVA JÚNIOR, 2008; HEILBORN et al., 2009).
Toda essa informação contribui para que crianças e jovens produzam seus
próprios valores infundados e fantasiosos, muitas vezes, reforçando preconceitos. Essa
vulgarização da sexualidade tem dificultado reflexões por parte dos adolescentes, além
da capacidade destes de desenvolver uma visão crítica acerca do assunto (CANO et al.,
2000; COSTA et al., 2001). Segundo Shimamoto (2004), os/as professores/as
reconhecem a necessidade de um discurso (prática semelhante utilizada pelos discursos
familiares), que normatize o uso do corpo e sua exposição. Por essa razão, deposita-se na

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figura do educador, a responsabilidade na tentativa de formar indivíduos críticos, levando


em consideração o contexto no qual vivem.
A escola não é a única responsável pela socialização da criança, visto que ela
carrega consigo o seu próprio conhecimento, adquirido do espaço em que vive. Mesmo
que ela esteja no ambiente privado da família, o “espaço público virtual” e a influência
dos amigos e da comunidade informam como funciona o mundo exterior ao que ela está
acostumada (CARVALHO, 1997; MAIA; MAIA, 2005). Cunha (1996) chama esse
processo de socialização antecipada. Assuntos sobre sexualidade permeiam o cotidiano e
os meios de comunicação, fazendo com que absorvam informações dos mais
diversificados meios (CUNHA, 1996; BOVO, 2004; MAIA; MAIA, 2005; JARDIM;
BRÊTAS, 2006; ALTMANN, 2007; LOURO, 2008).
A sexualidade humana reveste-se de alta subjetividade e as representações sobre
tal tema é que vão balizar, ou não, a abordagem dele dentro da escola (SALLA;
QUINTANA, 2002). Por essa razão que se instituiu o tema do volume dez no PCN como
transversal. Muitos autores divergem no que diz respeito ao termo Orientação Sexual.
Altmann (2007) e Aquino e Martelli (2012) preferem utilizar o termo Educação Sexual,
argumentando que o primeiro se refere apenas à orientação sexual. Já Cruz e Oliveira
(2002) discordam, salientando que orientação é um termo mais adequado, pois a educação
é um processo de reflexão do próprio ser, e a orientação envolve as várias áreas que
influenciam a aprendizagem e as relações humanas.
Muitas vezes, acredita-se que pelo fato da sexualidade estar sendo difundida em
vários meios de comunicação, transmita a ideia de maior liberdade. No entanto, esses
mesmos meios são uma forma de repressão disfarçada, que pretendem impor
manifestações de desejo relacionadas ao que eles determinem para ser desejado. A mídia,
cada vez mais presente na realidade infantil, se torna também participante na formação
da criança, principalmente no que diz respeito à sexualidade, que é abordada em novelas,
revistas, filmes, dentre outros (MAIA; MAIA, 2005).
De acordo com a pesquisa realizada por Salla e Quintana (2002), a maioria dos
educadores tem uma visão bastante limitada no que diz respeito à sexualidade, apontando
apenas para o sexo genital, anatomia e reprodução, que devem ser tratados pelo professor
de Ciências Biológicas. Resultados semelhantes são encontrados nos estudos de Altmann
(2003), em que se aborda que o docente da área de Ciências geralmente é o único a tratar
do tema em sala, e que, nos livros didáticos, os assuntos relacionam-se mais à sexualidade
feminina do que a masculina. Essas ocorrências podem ser justificadas pelas análises de

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Barros e Ribeiro (2012), que apontam que a maioria dos/das professores/as defendem a
ideia de que a sexualidade deve ser discutida apenas em disciplinas específicas, no caso,
em Ciências ou Biologia, visto que facilitaria a discussão sobre a temática.
Os estudos de Shimamoto (2004) e Lira e Jofili (2010) apontam que
alguns/algumas professores/as argumentam que, pelo assunto ser muito abrangente, fica
difícil saber responder todas as perguntas que surgem, principalmente as feitas de
surpresa. As autoras também observaram a existência de alguns educadores que, ao fazer
referência a temas considerados polêmicos, principalmente referentes ao corpo humano,
abordam de forma preconceituosa e às vezes, inadequada.
Segundo Bovo (2004), é possível instruir-se dos conteúdos específicos de cada
disciplina, sem deixar de lado os temas transversais. Essa perspectiva amplia a
responsabilidade dos/das professores/as no que diz respeito à formação dos educandos, e
busca a descoberta por parte dos estudantes em oferecer respostas prontas. O adequado é
estimular a criatividade, levantar questionamentos para que este indague e busque
descobrir, ao invés de memorizar “conteúdos esvaziados de significados” (BOVO, 2004;
JARDIM; BRÊTAS, 2006; ROITMAN; RAMOS, 2011). Morin (2000, p. 03) afirma que
“não é a quantidade de informações [...] que podem dar sozinhas um conhecimento
pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto”.
Oliveira (2007) e Heilborn et al. (2009) chegam à conclusão de que as questões
afetivas são deixadas de lado pelos/as professores/as pelo risco de adentrar em valores e
condutas alheias, visto que o tema vai de encontro à intimidade. Além do mais, muitas
vezes os familiares dos estudantes não admitem que esse assunto seja abordado. “Quando
a escola é convocada a intervir, ela busca intervir na vida do corpo e na vida da espécie,
na saúde individual e coletiva, na vida das/os jovens, bem como na regulação e
organização da população” (ALTMANN, 2007, p. 294). Eis, então, um desafio a ser
alçado pelos/as professores/as. Até então, os PCNs acabam, às vezes, por contradizer
algumas propostas. De um lado, estimula o debate para assuntos reflexivos no que diz
respeito à comportamentos, de outro previne quanto à invasão da intimidade do sujeito.
Ao considerar a sexualidade na BNCC, verifica-se um retrocesso ao que foi
proposto pelos PCNs, uma vez que a temática sexualidade se encontra na seção de
Ciências da Natureza, mais precisamente no componente curricular Ciências, sendo
ausente nas demais áreas do conhecimento. O documento oficial associa a sexualidade a
conceitos relacionados à saúde e à qualidade de vida (SILVA et al., 2019), reservados ao
oitavo ano do Ensino Fundamental (MONTEIRO; RIBEIRO, 2020).

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A sexualidade é referida pela BNCC tão somente em seu aspecto biológico, na


qual são aludidos conteúdos vinculados à anatomia e à fisiologia da reprodução humana.
Por essa ótica, problemas de saúde pública relacionados ao contágio e à transmissão de
ISTs e aos índices de gravidez na adolescência são questões que tendem a ser reduzidas,
uma vez que a sexualidade apresenta significados de controle de comportamentos sexuais
(SILVA et al., 2019). Pode-se perceber que a BNCC apresenta as mesmas problemáticas
que Leão et al. (2014) e Abreu e Santos (2015) observaram nos PCNs. Esta ocorrência
vem evidenciar que os diálogos acerca da Educação Sexual apresentaram pouco
progresso durante os vinte anos entre os documentos da Educação Básica.
As abordagens em sala de aula não devem tratar sobre sexo somente como algo
relacionado a doenças ou gravidez indesejada. Questões referentes às emoções e angústias
das crianças e dos jovens devem ser levadas em consideração, tentando, ao mesmo tempo,
erradicar preconceitos e discriminações (MAIA; MAIA, 2005). A descoberta de traços
homossexuais pelo adolescente, seja menino ou menina, é uma situação conflitante, visto
que este enfrenta pressões da família, dos colegas e da própria sociedade (COSTA et al.,
2001). Também é importante trabalhar a homofobia, uma vez que este é um aspecto de
possível junção com a violência, e que dificulta “até o desenvolvimento da cidadania do
indivíduo homossexual” (COSTA et al., 2001, p. 220). Além disso, é importante destacar
que atualmente existem inúmeras práticas e termos referentes à sexualidade, como:
lésbicas, bissexuais, gays, cisgênero, transgêneros, queer, intersexuais, hermafroditas,
pansexuais, assexuados, andróginos, dentre outros (SOUZA et al., 2020). Todos “em
busca de uma maior visibilidade política e social” (SILVA JÚNIOR, 2008, p. 55).
O termo gênero não é citado na BNCC. Este fato se torna um problema, visto que
o documento orientará a elaboração de matrizes curriculares da Educação Básica em todo
o território nacional, e a não abordagem dessa temática, abrirá precedentes para a não
inclusão nos processos educativos. Historicamente, as questões de gênero eram abordadas
somente pelo viés biológico pelos PNCs, no qual, o documento oficial apontava gênero e
sexo como sinônimos. Por outra perspectiva, a BNCC não faz referência acerca de debates
relacionados a questões de gênero. Com isso, poderá ser permitida a perpetuidade da
misoginia, homofobia, lesbofobia, transfobia, entre outros, no ambiente escolar (ABREU;
SANTOS, 2015; PALMA et al., 2015).
A sociedade atual se depara com diversas situações nas quais aquilo que não vai
de encontro ao considerado “normal” é visto como uma anormalidade dos padrões
estabelecidos e deve ser excluído do meio. Por essa razão, é de fundamental importância

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discutir sobre gênero nas escolas. Os/as professores/as devem assumir papéis de
responsabilidade com os estudantes, ensinando a lidar com as diferenças e estereótipos,
sem discriminação (MAIA; MAIA, 2005; BRAGA, 2006). Modesto (2018) aponta que
os documentos escolares devem considerar essas questões, já que sua magnitude e
urgência se faz presente no contexto escolar.
Vale salientar que o educador deve ter cuidado com sua opinião, tentando ao
máximo distanciar-se dela, não deixando seus julgamentos particulares agirem sobre os
estudantes (SHIMAMOTO, 2004; LIRA; JOFILI, 2010). Castro et al. (2004), Vieira e
Matsukura (2017), Furlanetto et al. (2018) e Rizza et al. (2018) lembram que os/as
professores/as encontram diversos obstáculos, tanto no aspecto formativo, quanto nas
elaborações, ao abordar a temática sexualidade. Esta última, deve-se às concepções, aos
valores que os docentes possuem. Este panorama revela que as preconizações estipuladas
pelos PCNs e BNCC como socioculturais, éticas da sexualidade e afetivas, durante o
processo de ensino-aprendizagem, poderão ser eximidas.
Os educadores carecem de uma formação que contribua com maiores
conhecimentos sobre o tema e uma maior dedicação para manter-se atualizados. Desse
modo, poderá proporcionar uma melhor assistência aos estudantes do novo milênio,
minimizando seus conflitos emocionais e dúvidas (SALLA; QUINTANA, 2002; MAIA;
MAIA, 2005; JARDIM; BRÊTAS, 2006; LIMA; VASCONCELOS, 2006). Vale apontar
que as adversidades presentes na sala de aula e em outros espaços escolares, podem e
devem contribuir com o processo de formação dos/as professores/as. Contudo, para que
este trabalho gere resultados positivos é necessário desconstruir orientações
predeterminadas direcionadas para grandes grupos. A formação continuada de
professores que atende as especificidades dos mesmos, em especial a sexualidade, tende
a ser proficiente (GESSER et al., 2012).
A grande maioria das atividades pedagógicas preocupa-se apenas em tratar da
sexualidade pelo âmbito da saúde sexual, prevenção de doenças e de gravidez indesejada.
Dessa forma, deve-se levar em conta a problematização da temática, visando uma
conscientização também a respeito das subjetividades de cada ser (AQUINO;
MARTELLI, 2012). Também é necessário que se discuta essas questões com diretores e
profissionais de equipes pedagógicas, pois eles participam da criação de projetos e da
construção do currículo escolar. Através dessa corresponsabilidade estabelecida, além de
muito contribuir para a formação dos estudantes, também estarão impulsionando a própria
família a realizar seu papel, visto que esta ainda desponta de um lugar chave na

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socialização das novas gerações no que diz respeito a valores e princípios (BRASIL,
1998a; JARDIM; BRÊTAS, 2006; BARROS; RIBEIRO, 2012).
Roitman e Ramos (2011, p. 07) declaram que “o Brasil ainda está longe da
educação oferecida pelos países que estão no topo da educação básica mundial”.
Evidentemente, ainda existem inúmeras falhas na educação brasileira. No entanto, a
responsabilidade não se instala apenas na figura dos docentes (RICARDO;
ZYLBERSZTAJN, 2002; LIMA; VASCONCELOS, 2006). Ao analisar a educação
pública, deve-se observar a realidade com a qual se vive: “a superlotação nas salas de
aula, desvalorização do profissional, e a defasada estrutura física, metodológica e didática
nas escolas” (LIMA; VASCONCELOS, 2006, p. 399). Não obstante, observa-se que a
BNCC é um documento que não favorece a discussão sobre diversidade sexual e de
gênero na escola, sendo que a BNCC apresenta retrocessos na discussão de tal temática,
principalmente quando comparada àquelas apresentadas pelos PCNs (SILVA et al.,
2019).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões relativas à sexualidade se apresentaram ao longo do tempo de
diversas maneiras, desde o caráter higienista, perpassando pelo controle da natalidade e
de ISTs, chegando aos dias atuais, com o levante dos movimentos sociais, na tentativa de
também enfatizar aspectos emocionais. A discussão da sexualidade, antes dos PCNs,
proporcionou a compreensão de quando se iniciou a preocupação com essa temática. A
discussão da diferença entre os gêneros masculino e feminino, assim como a medicina,
influenciaram o tratamento do tema de forma higiênica.
Ao analisar a sexualidade na adolescência pós PCN, observou-se que ela começou
a ser abordada de forma cada vez mais explícita. Pode-se notar que os parâmetros
influenciaram a abordagem nas escolas do tema supracitado. A sexualidade é considerada
um assunto complexo, e por essa razão, foi inserida no PCN como um tema transversal,
para que todas as disciplinas pudessem abordá-la. Tal fato facilita o entendimento dos
estudantes, visto que apenas os/as professores/as de Ciências e Biologia costumavam
abordar o tema nas aulas.
No tocante à atual BNCC, constata-se que ela limita a temática sexualidade à área
de Ciências da Natureza e em sua dimensão biológica, contextualizando-a à prevenção de
ISTs e gravidez na adolescência, aproximando-se assim, de concepções médico-
higienistas. Por esta ótica, o documento apresenta retrocessos quando comparada aos

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PCNs, visto que este último documento, do final da década de 1990, aborda que questões
referentes à sexualidade deveriam ser trabalhadas pelos docentes das diferentes áreas do
conhecimento.
Embora vários autores apontem problemáticas nas preconizações da diversidade
de gênero pelos PCNs, verifica-se a omissão de forma explícita e implícita desta temática
na BNCC. Desse modo, observam-se limitações para a abordagem e elaboração de
atividades, discussões e projetos sobre gênero e diversidade sexual em âmbito escolar,
diante da falta de subsídios no documento norteador das ações docentes. Sobre esse
prisma, possivelmente os singelos avanços possibilitados pelos PCNs poderão retroceder
diante da implantação da BNCC.
Diante deste cenário, observa-se a necessidade da elaboração de mais estudos
sobre sexualidade e diversidade sexual e de gênero no ambiente escolar, para assim, traçar
panoramas sobre os desdobramentos da BNCC nas escolas. Nesta perspectiva, futuros
estudos utilizando metodologias investigativas como entrevistas e questionários, com
estudantes e professores/as da Educação Básica, sobre questões características à
sexualidade abordada em sala de aula e demais espaços educativos, contribuirão para
fornecer dados sobre o impacto (positivo ou negativo) que o documento oficial tem
causado no trabalho docente.

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