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PALPITE
Grau de autoconfiança
influi em crenças e
escolhas
DEPRESSÃO
Dificuldade de decifrar
as próprias emoções
pode ser sinal de
fragilidade
PSICANÁLISE
Fotos de terapia de
grupo favorecem
simbolização de
pacientes somáticos
O SUPERPODER DA
AUTOCONFIANÇA
Flexibilidade e tolerância consigo mesmo são fundamentais
para lidar com dificuldades e valorizar nossos pontos fortes
carta da editora
Sim, é possível
S
eja sincero: se você pudesse escolher um superpoder, desses que os super-
heróis ostentam nos filmes de aventuras, qual você escolheria? Voar? Ficar
invisível? Ter uma força descomunal? Certo, tudo isso seria ótimo no mundo
da fantasia. Mas vamos voltar para a vida concreta. Muitos cientistas acreditam que
um dos maiores (senão o maior) trunfos de qualquer reles humano é a autoconfiança.
Ser capaz de acreditar em suas próprias potencialidades parece ser um recurso
extremamente potente para atingirmos nossos objetivos, lidar com fragilidades e
valorizar o que temos de melhor. Isso vale tanto para a vida pessoal quanto profissional
e relacionamentos. Não por acaso, vários pesquisadores têm se dedicado a entender
melhor os processos psíquicos que concorrem para construirmos nossa autoimagem
e manejarmos a linha que separa a sensação de impossibilidade da certeza de que é
possível (e merecemos) atingir nossos objetivos.
Um dos estudos mais recentes nessa área, desenvolvido na Universidade do Estado
de Ohio, dos Estados Unidos e publicado no periódico científico Basic and Applied
Social Psychology, confirmou que a imagem que fazemos de nós mesmos, sobretudo
em relação a propósitos pessoais, tem total relação com resultados obtidos. “Quanto
mais acreditamos que somos capazes, apesar de eventuais dificuldades e falhas,
mais chances temos de sucesso”, ressalta o professor de psicologia Patrick Carroll,
organizador do estudo.
Autoconhecimento, flexibilidade e acolhimento das próprias falhas são fundamentais
para aperfeiçoar a habilidade de confiar em si mesmo. Até a postura física é importante
na construção da autoconfiança. Cientistas da Universidade Estadual de São Francisco
acreditam que a maneira como nos movimentamos afeta não apenas como os outros
nos veem, mas também como nós nos percebemos. Vale conferir. Boa leitura.
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sumário DEZEMBRO 2019
capa
autoconfiança
especial
psicologia social
13 O superpoder da
autoconfiança
Tudo parece caminhar bem, até que uma
avalanche de dúvidas parece cair sobre nossa
cabeça, minando nossos melhores propósitos. O
que podemos fazer quando isso acontece?
19 Raízes da segurança
Flexibilidade e tolerância consigo mesmo
parecem ser palavras-chaves quando se trata
de suportar as próprias dificuldades e, assim,
ironicamente, valorizar competências
36 A criatividade é coletiva
Mais do que uma expressão individual, a
originalidade toma forma em um contexto; grupos
não só desempenham papel essencial na criação
de ideias e produtos, mas também asseguram sua
valorização, disseminação e impacto
41 O poder da colaboração
A tendência de julgarmos a criatividade de
maneira que reflita nossa identidade no grupo
ajuda a explicar o preconceito de gênero e racismo
– embora não sirva para justificá-los
46 O jogo da reinvenção
Cultivar a ideia de que conhecemos as pessoas
que nos rodeiam ajuda a dissipar o temor
de desestabilização. As contribuições de um
“semelhante”, não raro, são mais bem recebidas
do que as ideias de um “estranho”
4
06 Imagens que favorecem
a simbolização
O uso de fotografias em sessões de grupo
ajuda na construção de narrativas para
além da sensação dolorosa de pacientes
psicossomáticos www.mentecerebro.com.br MENTE E CÉREBRO ON-LINE
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Edição no 323, dezembro de 2019,
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5
psicossomática
Imagens que
favorecem a
simbolização
6
psicossomática
N
A AUTORA
o trabalho realizado pelo Programa de Assistência
CRISTIANE CURI e Estudos de Somatização da Universidade Fe-
ABUD é psicanalista,
membro do deral de São Paulo (Unifesp), nos deparamos fre-
Departamento de
Psicossomática
quentemente com pacientes somatizadores que
Psicanalítica e do apresentam alteração na capacidade de perceber e interpre-
departamento de
Psicossomática tar os estímulos que se apresentam aos órgãos dos sentidos.
do Instituto Sedes
Sapientiae. É mestre Queixas como zumbido no ouvido, dores no corpo, formiga-
em psicologia
clínica e doutora
mento são constantes.
em administração Para alguns pacientes as sensações aproximam-se da alu-
de empresas.
Professora afiliada da cinação – percepção sensorial que se dá na ausência de um
Universidade
Federal de São Paulo estimulo externo e sobre a qual o sujeito não questiona como
(Unifesp), coordena
o Programa de
fruto de sua produção psíquica. Essa condição que dificulta a
Assistência e Estudos construção de uma narrativa afetivamente significada.
de Somatização na
instituição. É autora de Ao vivenciarmos uma experiência somos corporalmente
Dores e odores, distúrbios
e destinos do olfato (Via afetados por estímulos sensoriais que demandam trabalho
Lettera, 2009), coautora
de Psicologia médica:
ao psiquismo. Ocorre uma passagem da sensação para a
abordagem integral do imagem psíquica, que, carregada de afeto, constitui o que
processo saúde-doença
(Artmed, 2012), e denominamos representação-coisa. O passo seguinte à sig-
organizadora de A
subjetividade nos grupos nificação afetiva da experiência é poder falar sobre ela, trans-
e instituições (Chiado,
2015) e O racismo e o
formando-a em representação de palavra.
negro no Brasil: questões Esses pacientes, porém, muitas vezes não conseguem fa-
para a psicanálise
(Perspectiva, 2017). zer a transição da sensação para a imagem psíquica e o que
7
psicossomática
IMAGEM E PALAVRA
Uma sessão de fotolinguagem acontece em dois momentos. Primeira-
mente, as fotos são escolhidas (entre várias de um dossiê apresentado
ao grupo durante a sessão) com base em uma pergunta enunciada pelo
analista. Num segundo momento o terapeuta convida os participantes a
partilharem no grupo a fotografia escolhida no momento em que deseja-
rem. A proposta é que a exposição seja escutada sem interpretações. Ao
final, cada um diz o que percebe de parecido ou de diferente em relação
ao que a pessoa viu e destacou na imagem.
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psicossomática
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psicossomática
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psicossomática
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psicossomática
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capa - autoconfiança
O superpoder da
AUTOCONFIANÇA
Tudo parece caminhar bem,
até que uma avalanche
de dúvidas parece cair
sobre nossa cabeça,
minando nossos melhores
propósitos. O que podemos
fazer quando isso acontece?
13
capa • autoconfiança
A
creditar em si mesmo nem sempre é fácil. Os pla-
nos em geral parecem bons: talvez expor uma ideia
interessante durante uma reunião, participar de uma
importante competição esportiva ou simplesmente
abordar o estranho de aparência agradável no café. Mas às
vezes simplesmente não temos a confiança necessária para
decidir dar o passo decisivo. Então, repentinamente, as dúvi-
das nos atormentam: estamos realmente dispostos? Podemos
fazer isso? O que acontece se der errado? E, em meio a varia-
ções de medo, em vez de aproveitar uma oportunidade, pode-
mos deixá-la passar. Ou precisar das palavras encorajadoras
dos outros, que muitas vezes parecem confiar em nós mais do
que nós mesmos.
Mas, afinal, o que realmente significa “confiar em si mes-
mo”? Embora os psicólogos estejam lidando com essa questão
há décadas, não é tão fácil separar a autoconfiança de outros
termos que são frequentemente relacionados. O conceito de
autoconfiança geral se refere principalmente à fé em suas pró-
prias habilidades como um todo. Quando se trata de habilidades
individuais, os cientistas tendem a falar de autoeficácia ou auto-
confiança específica. “Uma pessoa pode ser eficiente em mate-
mática, mas ter baixo desempenho em comunicação”, explica o
psicólogo Qin Zhao, professor da Universidade Western Kentu-
cky, nos Estados Unidos, lembrando que a autoeficácia em uma
área pode mudar com o tempo.
O conceito de autoestima também costuma entrar em jogo
14
capa • autoconfiança
15
capa • autoconfiança
DÚVIDAS SIM, EM
PEQUENAS DOSES
Mas, afinal, o que determina nossas chances de seguir em frente
com confiança sem ajuda externa, partir para manipulação sutil ou
buscar sempre provar que somos capazes? De verdade, ninguém
sabe a resposta exata. Muito provavelmente, como a maioria dos
outros comportamentos e características, existe um componente
genético que determina nossa capacidade de confiar. Observando
crianças pequenas, podemos perceber que algumas simplesmente
fazem o que desejam, por conta própria.
O ambiente também desempenha um papel importante. O
psicólogo Qin Zhao explica que a autoeficácia é determinada,
entre outras coisas, pela experiência. Os estudos de Zhao
indicam que a dúvida sobre nossas habilidades tende a surgir da
comparação com os outros. “Sempre há alguém melhor que nós.
Se você comparar suas próprias fraquezas com os pontos fortes de
outras pessoas, sempre sentirá dúvida”, observa o especialista. Ele
ressalta que pessoas que se comparam, em geral, foram objetos de
comparações, feitas por adultos (afetivamente importantes para
elas), em relação a outras crianças. As dúvidas, porém, não são
ruins por si só – desde que não assumam o controle. “Questionar
o próprio desempenho não é um problema, até ajuda a nos
aprimorarmos, mas se colocar cronicamente em xeque prejudica
a saúde mental e o desempenho.
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capa • autoconfiança
INFLUÊNCIAS EXTERNAS
O quanto acreditamos em nós mesmos e em nossas pró-
prias habilidades tem um grande impacto em nosso compor-
tamento. Por exemplo, pode afetar o quanto estamos dispostos
a tomar decisões: aqueles que são atormentados por dúvidas
têm mais probabilidade de procurar informações, muitas vezes
em fontes pouco confiáveis, e hesitam em se comprometer. Às
vezes, nosso comportamento de consumidor também é de-
terminado por nossa autoconfiança.
Isso foi demonstrado em 2008 por pesquisadores liderados
por Leilei Gao, da Universidade Chinesa de Hong Kong. Os
cientistas primeiro abalaram a crença dos voluntários em suas
próprias habilidades, pedindo que escrevessem um ensaio
capa • autoconfiança
Raízes da
SEGURANÇA
Flexibilidade e tolerância
consigo mesmo parecem ser
palavras-chaves quando se
trata de suportar as próprias
dificuldades e, assim,
ironicamente, valorizar
competências
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capa • autoconfiança
C
laro, todo mundo gosta de se sentir capaz, podero-
so, seguro. E, por vezes, até exagera no empenho
em demonstrar essas características para esconder
a própria fragilidade. Há casos em que as pessoas
se identificam tanto com a “máscara” de força que passam a
transmitir autoconfiança excessiva, o que pode ser igualmen-
te prejudicial a longo prazo. “Isso acontece quando as pesso-
as pensam que sabem mais do que realmente sabem, o que
pode levá-las a tomar decisões que não são do seu interesse,
porque não têm informações suficientes”, diz Richard Petty,
professor de psicologia da Universidade Estadual de Ohio. Ele
alerta para a importância de questionar as próprias convicções
e considerar se de fato vale confiar nelas. Aliás, a força com
que as pessoas tendem a essa forma de autovalidação não
está diretamente relacionada à crença em si mesmo. Os que
mais receiam a entrar em contato com suas fragilidades, no
entanto, preferem concluir logo que estão certos.
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capa • autoconfiança
POSTURA E ELOGIO
NA HORA CERTA
Andar pela vida afora tanto com a cabeça erguida demais
quanto com uma postura encurvada pode trazer dificuldades. A
conclusão é de um estudo que pesquisadores liderados por Erik
Peper, da Universidade Estadual de São Francisco, publicaram
na revista especializada NeuroRegulation , em 2018. Os
cientistas pediram aos participantes para resolverem problemas
simples de matemática, sentados na vertical ou pendurados
na cadeira. Foi muito mais difícil para os voluntários com
uma postura curvada cumprirem a tarefa. Os pesquisadores
acreditam que a posição ereta incorpora autoconfiança: “A
postura afeta não apenas como os outros nos veem, mas
também como nos percebemos”, afirma Peper.
O nível adequado de reconhecimento também desempenha
um papel importante. O psicólogo Eddie Brummelman,
da Universidade de Amsterdã, adverte particularmente
sobre elogios em excesso e expressões exageradas como
“extraordinário” ou “incrível” em relação a crianças. Isso
pode até deprimir a autoconfiança e a autoestima porque,
com o tempo, elas estabelecem padrões inatingíveis para si
mesmas, tornando-se hipersensíveis à frustração. Há ainda o
risco de a supervalorização constante criar a ilusão narcísica
de superioridade. “O elogio é muito importante para as
crianças, mas tem lugar e hora apropriados”, salienta Ariadne
Sartorius. Mais importante que valorizar o resultado obtido
pela criança é apreciar seu esforço – e comemorá-lo, sem
banalizar a situação. (Por Stefanie Uhrig)
21
capa • autoconfiança
FILHOS INDEPENDENTES
Quando se trata de crianças, pais e outros adultos próximos
são importantes para o desenvolvimento de uma dose saudá-
vel de autoconfiança desde o início da vida. “Não devemos so-
brecarregar constantemente os pequenos ou prestar atenção
ao que fazem de errado”, aconselha a doutora em psicologia
Ariadne Sartorius, especializada no atendimento de crianças e
adolescentes. É melhor discutir em conjunto como será a solu-
ção para um problema do que partir direto para a repreensão.
“É importante que a criança perceba que tem apoio e pode
resolver problemas e tarefas de forma independente.”
22
consciência
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consciência
É
inegável que muitas de nossas ações se passam fora
do alcance da consciência: se ajustamos a postura
corporal durante uma conversa ou se nos apaixona-
mos por determinada pessoa, em geral não temos
ideia – pelo menos não exatamente – de por que ou de como
fazemos essas escolhas. Para a maioria delas encontramos ex-
plicações tão racionais quanto superficiais (“fico mais confortá-
vel nessa posição” ou “gosto do meu namorado porque temos
muito em comum”, por exemplo). Por trás dessas justificativas,
porém, existem mistérios.
Um exemplo simples: “Ao acionar um interruptor, você
conscientemente viu a lâmpada acender?”. Embora pareça
fácil responder à pergunta, mais de um século de pesqui-
sas mostrou que o problema-chave por trás dessa pergunta
é definir a consciência de tal forma que seja possível medi-la
ao mesmo tempo que “captamos” seu caráter subjetivo.
Um experimento comum no campo do estudo da cons-
ciência se baseia na avaliação do grau de confiança naquilo
que percebemos ou pensamos. No teste, um voluntário tem
de julgar se uma nuvem de pontos numa tela de computador
se move para a esquerda ou para a direita. Ele em seguida
relata quão confiante se sente assinalando um número – por
exemplo, 1 para indicar puro palpite, 2 para alguma hesitação
e 3 para certeza completa. Esse procedimento mostra que,
quando o participante tem pouca percepção da direção do
movimento dos pontos, sua confiança é baixa, mas, quando
“vê” claramente o movimento, sua segurança é alta.
Um relatório apresentado pelos pesquisadores Navindra
Persaud, da Universidade de Toronto, e Peter McLeod e Alan
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consciência
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consciência
26
clima
A estreita
relação entre
clima e empatia
Por que não paramos as mudanças climáticas?
Talvez não estejamos suficientemente preocupados
com o sofrimento de nossos descendentes
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clima
H
á seis meses, o resultado de uma pesquisa rea-
lizada pelo Datafolha, a pedido do Greenpeace
Brasil e do Observatório do Clima, mostrou que
85% dos brasileiros reconhecem que o planeta
está se aquecendo e 72% afirmam que as atividades humanas
contribuem para o fenômeno. A confiabilidade nos tópicos foi
mais alta entre pessoas com maior escolaridade. Foram ou-
vidas 2.086 pessoas com 16 anos ou mais, em 130 cidades,
entre 4 e 5 de julho. Nos Estados Unidos, aproximadamente
70% dos americanos acreditam que o clima está mudando e
a maioria reconhece que essa alteração é resultado de nos-
sa interferência. Além disso, mais de dois terços pensam que
isso prejudicará as gerações futuras. A menos que
alteremos drasticamente nosso modo de vida,
partes do planeta se tornarão hostis ou inabitá-
veis ainda este século – provocando desas-
tres ecológicos, epidemiológicos e sociais. E,
no entanto, a maioria dos americanos
apoiaria políticas de conservação
de energia apenas se elas cus-
tassem menos de US$ 200 por
ano às famílias – um valor muito
abaixo do investimento necessá-
rio para manter o aquecimento
sob taxas catastróficas.
No Brasil não há dados
sobre a disposição da po-
pulação em contribuir para
a diminuição dos impactos
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clima
Jamil Zaki
Para psicólogo Jamil Zaki, nossa imaginação empática não está naturalmente
configurada para se estender ao redor do planeta ou em direção às gerações futuras, o que coloca
nossa própria existência em risco
29
clima
ANJO TORTO
Ele observa que a atividade humana é, mais do
que nunca, uma força dominante na forma-
ção do ambiente da Terra, mas os sentidos
morais da humanidade não acompanharam
esse poder de destruição. E res-
salta que nossas ações reverbe-
ram pelo mundo e pelo tempo,
mas não sentimos suficiente-
mente o peso das consequên-
cias. “A empatia poderia ser um
30
clima
31
depressão
Cegos para
emoções
Pessoas que não conseguem distinguir com
clareza o que sentem têm maior probabilidade
de desenvolver transtornos depressivos
32
depressão
H
á momentos em que sabemos que há algo de
errado: uma tristeza ou aperto no peito, cuja
origem não parece óbvia. É como se os sapa-
tos estivessem apertando nossos pés, mas não
conseguíssemos identificar exatamente em que ponto está
o desconforto. Para algumas pessoas essa sensação de não
saber o que incomoda (embora o mal-estar esteja presente)
é constante. Sensações de frustração, tristeza, raiva e de-
cepção misturam-se e, às vezes, confundem-se até com
cansaço e ansiedade. Essa confusão costuma indicar uma
séria desvantagem. É o que mostra um estudo publicado há
alguns meses no periódico científico Emotion.
Segundo os autores, uma boa dose de autoconsciência
pode, portanto, proteger contra a depres-
são, mesmo na juventude. Uma equi-
pe liderada pela psicóloga Lisa
Starr, da Universidade de Ro-
chester, havia submetido cerca
de 200 adolescentes a entrevis-
tas de diagnóstico e pediu que
registrassem humor, estres-
se e eventos relacionados
quatro vezes por dia du-
rante uma semana. Um
ano e meio depois, os
voluntários relataram sua
33
depressão
34
depressão
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especial • psicologia social
A criatividade
é coletiva
36
especial • psicologia social
T
odos os anos, alguns dos mais destacados atores,
diretores e roteiristas ganham o Oscar e os maiores
cientistas, o Nobel. Obviamente esses são apenas
dois dos inúmeros prêmios que a cada ano são dis-
tribuídos para comemorar feitos criativos. Esses eventos, po-
rém, reforçam a concepção popular de que a criatividade é
um dom exclusivo de poucos – e favorecem a apoteose da
individualidade. Daí, muitos concluem que grupos e cidadãos
comuns não podem colaborar com ideias originais.
Talvez possamos desafiar a suposição comum de que o
“dono” de uma ideia é o único componente indispensável
do processo criativo. De fato, consideramos que grupos não
só desempenham papel essencial na criação de novos pro-
dutos, mas também asseguram sua valorização e impacto.
Embora essa hipótese possa causar espanto, já recebeu sig-
nificativo apoio científico. No ano passado, publicamos, em
parceria com a psicóloga Lise Jans, um artigo com revisão
37
especial • psicologia social
TEMPO E CULTURA
Apesar da crença romântica de que a inovação está associa-
da a uma vida dura e isolada, pesquisas científicas sobre cria-
ções individuais ainda não produziram previsões precisas do
comportamento criativo. Muitos pesquisadores vasculharam a
biografia de grandes nomes que colaboraram com o mundo
com sua originalidade na tentativa de encontrar experiências e
traços de caráter relacionados à genialidade.
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especial • psicologia social
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especial • psicologia social
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especial • psicologia social
O poder da
COLABORAÇÃO
A tendência de julgarmos a criatividade de
maneira que reflita nossa identidade no grupo
ajuda a explicar o preconceito de gênero e
racismo – embora não sirva para justificá-los
41
especial • psicologia social
H
á quase 50 anos, o psicólogo Irving Janis, pesqui-
sador da Universidade Yale, defendeu a ideia de
que o desejo de se adaptar colabora com a toma-
da de decisões inconvenientes e a falta de pen-
samento crítico, um fenômeno chamado de pensamento co-
letivo, que ele considerava a antítese da criatividade. Ou seja:
a dinâmica grupal pode, em muitos casos, favorecer escolhas
irracionais, o apoio cego a propostas pouco inteligentes.
Normas grupais influem em formas de pensar. Por exemplo,
pintores cubistas podem usar figuras geométricas abstratas de
acordo com os costumes da técnica. Mas nem tudo está per-
dido: essa é apenas uma parte do cenário. A obra de nosso
artista hipotético provavelmente terá características que a di-
ferenciam das demais, como dimensões, cores ou temas não
restritos ao estilo.
Discussões com amigos, colegas ou pares podem favo-
recer novas ideias – desde que se esteja disposto a refletir
sobre outros pontos de vista. A psicóloga Vera John-Steiner,
da Universidade do Novo México, diz em seu livro Creative
collaboration (2000) que pequenos grupos, como os Beatles,
Bauhaus ou Bloomsbury, frequentemente produziam músi-
cas de vanguarda ao ressaltar as ideias uns dos outros en-
quanto procuravam alternativas para resolver problemas ar-
tísticos, teóricos e práticos.
Solidariedade e coesão são essenciais para favorecer o pro-
gresso dos movimentos criativos porque permitem que os pares
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especial • psicologia social
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especial • psicologia social
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especial • psicologia social
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especial • psicologia social
O jogo da
REINVENÇÃO
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especial • psicologia social
G
rupos desempenham um papel vital na valorização
das inovações. Sem tocarem na identidade coleti-
va, grandes artistas, escritores e cientistas podem
muito bem passar despercebidos. Em vida, Vin-
cent van Gogh não conseguiu encontrar quase ninguém para
comprar suas pinturas incomuns. Seu trabalho chamou aten-
ção somente após sua morte, quando um círculo de artistas,
os pós-impressionistas, valorizou sua obra como um indicativo
de um estilo distinto que pretendiam imitar. Da mesma forma,
em 1961, as teorias de modelos computacionais do então estu-
dante de graduação Yoshisuke Ueda foram inicialmente impe-
didas de serem publicadas por seu supervisor da Universidade
de Kyoto, porque eram vistas como muito vanguardistas. Assim
que apreciadores de seu trabalho ingressaram na comunidade
científica, porém, suas ideias transformaram o campo emer-
gente da teoria do caos.
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especial • psicologia social
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especial • psicologia social
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especial • psicologia social
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especial • psicologia social
O QUE CRIAM
Como membros de um grupo, nosso comportamento criati-
vo e o modo como avaliamos as inovações dos outros refletem
UM DE NÓS, UM DELES
Nossa percepção de criatividade depende de o cria-
dor ser “um de nós” ou “um deles”. Em um estudo,
pedimos a 50 voluntários do Reino Unido que avalias-
sem sugestões sobre o futuro formato de um progra-
ma de televisão que dissemos ter sido retirado de um
site britânico. Dissemos para outros 50 participantes
que as mesmas ideias vieram de um portal holandês.
Na segunda parte do experimento, pedimos a 125 es-
tudantes britânicos que avaliassem obras de arte que
atribuímos a universitários de seu país ou a holande-
ses. Em ambos os casos, embora o conteúdo fosse o
mesmo, aqueles que acreditavam que seus conter-
râneos (ou seja, os membros do grupo) tinham sido
os autores julgavam seu trabalho significativamente
mais criativo do que os voluntários que pensavam se
tratar de uma produção holandesa.
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especial • psicologia social
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livro | lançamento
A
homossexualidade certamente não é uma vantagem, tampouco é
algo de que se envergonhar, não é nenhum vício, nenhuma degra-
dação, não pode ser classificada como doença”, escreve Sigmund
Freud, em 9 de abril de 1935. Era a resposta à carta de uma mãe norte-ameri-
cana, muito preocupada com a sexualidade de seu filho. Passado quase um
século, o texto se tornou um poderoso instrumento de luta contra o precon-
ceito e a tentativa de normatizar a vivência da sexualidade. Não por acaso,
a carta circula em redes sociais brasileiras, mostrando a triste atualidade da
discussão sobre algo que, em tempos mais generosos, teria sua importân-
cia como documento histórico.
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livro | lançamento
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