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Análise confirmatória da medida do suporte organizacional em enfermeiros de


um hospital público de uma capital do nordeste brasileiro

Article · August 2019


DOI: 10.5935/2176-3038.20190006

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Nilton Soares Formiga


UNIVERSIDADE POTIGUAR/ LAUREATE INTERNATIONAL UNIVERSITIES – Brasil
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ISSN: 1415-711X - V.I.
ISSN: 2176-3038 - V.E.

BOLETIM
ACADEMIA PAULISTA
DE PSICOLOGIA
PUBLICAÇÃO SEMESTRAL

VOL. 39, Nº 96 – JANEIRO / J UNHO, 2019


Academia Paulista de Psicologia (APP) (CNPJ: 43.195.189/0001-28)
Gestão (2018-2020)

Diretoria

Presidente Anterior: Aidyl Macedo Q. Pérez - Ramos


Presidente Atual: Marilene Proença R. Souza
Presidente Futuro: Lino de Macedo
Secretária Geral: Vera Barros de Oliveira
1ª Secretária: Ana Cristina Limongi França
2º Secretário: Esdras G. Vasconcellos
1ª Tesoureiro: Marilia Ancona López
2º Tesoureiro: José Fernando B. Lomônaco

BOLETIM ACADEMIA PAULISTA DE PSICOLOGIA Editores


Aidyl M. de Queiroz Pérez-Ramos, Editora, UNESP
Vol. 39, nº 96 – Janeiro / Junho, 2019 Vera Barros de Oliveira, Editora, USP
Maria Regina Maluf, PUCSP

Comissão Editorial
Órgão oficial de divulgação da A.P.P. Destina-se à Leila Salomão de La Plata C. Tardivo – USP
publicação de contribuições científicas e profissionais Lucia Novaes Malagris – UFRJ
relevantes no campo da Psicologia, especialmente de Maria Regina Maluf – PUC / SP
natureza histórica. Além do Editorial, compreende as se- Mario F. Juruena - IPN, King’s College, London
guintes seções: História da Psicologia; Pesquisas, Teorias, Maycoln Leôni Martins Teodoro – UFMG
Relatos de Experiências e Estudos de Casos; Resenhas. Neuza Cristina dos Santos Perez – UFPI (Federal do Piauí)
Tátila Martins Lopes – IPCS - Campinas-SP
Catalogação na fonte Tânia Rudnicki – Faculdade da Serra Gaúcha- RS

Direitos autorais: Os direitos autorais de matéria publi-


Boletim Academia Paulista de Psicologia cada pertencem ao Boletim. Contudo, qualquer matéria
pode ser reproduzida, desde que devidamente autoriza-
São Paulo, Academia Paulista de Psicologia, 1980 da pela Diretoria. Opiniões e julgamentos publicados são
Semestral. Sumário em Português, Inglês e Espanhol. de exclusiva responsabilidade dos seus autores e inde-
pendem das posições deste periódico.
1. Psicologia. 2. História da Psicologia. 3. Realidade.
I – Academia Paulista de Psicologia Projeto Gráfico/Editoração Eletrônica: Rodrigo F. Oliveira
Revisão: Elza Gouveia
Tradutor Inglês: Ricardo B. Smith
Tradutor Espanhol: Maria Manuela P. Beroes
Revista registrada no Sistema Mundial de Informações
Científicas através do Instituto Brasileiro de Informações Periodicidade: Semestral
em Ciências e Tecnologia sob nº. ISSN: 1415-711X, versão
impressa e ISSN: 2176-3038, virtual. Catalogada no Index Distribuição: gratuita aos membros da Academia e aos
Psi Periódicos (revista – bol. acad.), LATINDEX (Sistema Re- laureados deste sodalício, como também às entidades e
gional de Información en Línea para Revistas Científicas de profissionais indicados pela Diretoria. Aceita-se intercâm-
América Latina, el Caribe, España y Portugal), PePSIC (Perió- bio com periódicos congêneres, mediante entendimentos
dicos Eletrônicos em Psicologia), CLASE (Citas Latino-ameri- com a Presidência da CE.
canas en Ciências Sociales y Humanidades – México), DRJI Assinatura: inclui dois números publicados anualmente:
(Directory of Research Jounal Indexing), REDALYC (Red de R$ 100,00 (cem reais). Número avulso: R$ 50,00 (cinquen-
revistas científicas de la América Latina y el Caribe, España ta reais)
y Portugal) e no Catálogo Eletrônico HELA. No REDALYC Endereço: Secretaria da Academia Paulista de Psicologia
encontram-se on-line os números da revista, na íntegra, a Rua Pelágio Lobo 107, Perdizes - 05009-020 - São Paulo, SP.
partir do ano 2003. Trechos disponíveis na Internet (www. Tel.: (11) 3862-1087 / tel./fax: (11) 3675-8889
bvs-psi.org.br/tabvidaeobra.htm e www.bvs-psi.org.br/ E-mail: academia@appsico.org.br
atuaisAcademicos.htm). Classificada: Qualis B2 Psicologia. Site: http://www.appsico.org.br
Apoio
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96 III

Boletim Academia Paulista de Psicologia


V.39, nº 96 – Janeiro / Junho, 2019

SUMÁRIO
EDITORIAL ........................................................................................................................................................ xi
I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO ................................................................................................... 01
O psicólogo psicanalista nas instituições de saúde pública no Brasil: uma perspectiva
histórico-epistemológica.
Eliana Nogueira Vale, Avelino Luiz Rodriguez.................................................................................................. 01
Violência doméstica e religiosidade na vivência de mulheres brasileiras imigrantes: percepções
da psicóloga de um Consulado-Geral do Brasil em Portugal.
Beatriz de Sousa Neves, Marta Helena de Freitas, Luciana da Silva Santos, Félix Neto................................ 11
Atividade, sentimentos e percepções de mulheres diante do processo de envelhecimento.
Adna Sepulvida M. Cozzolino, Ana Lúcia Gatti, Rodrigo Jorge Salles............................................................. 25
Análise de intervenção grupal breve entre mulheres com quadro depressivo em um
serviço-escola de Psicologia.
Lorrayne Caroline G. Silva, Maíra Bonafé Sei.................................................................................................... 33
Panorama de saúde do homem preso: dificuldades de acesso ao atendimento de saúde.
Jakson Luis G. Dourado, Railda Sabino F. Alves............................................................................................... 47
Análise confirmatória da medida do suporte organizacional em enfermeiros de um hospital
público de uma capital do nordeste brasileiro.
Gabriela Aguiar Pereira, Nilton S. Formiga, Ionara D. Estevam....................................................................... 59
Produção de sentidos e fazeres sobre o trabalho de policiais militares catarinenses: um relato
de experiência.
Daniela Alberton Babolim, Ana Paula S. Becker, Luciane Guisso.................................................................... 69
Sintomas de depressão em universitários de medicina.
Daniele Ramos de Aquino, Rodrigo Alves Cardoso, Lucinéia de Pinho.......................................................... 81
Análise bioecológica do sobrepeso e da obesidade em rodas de conversa.
Ana Tereza L. Pecora, Ana Claudia N. de Souza Wanderbroocke, Maria Cristina Antunes............................ 97
Avaliação psicológica pré-cirurgia bariátrica: a experiência dos pacientes.
Bianca Oliveira Joaquim, Juliane Angelina Bassetto, Mariana P. Castro, Gislei Mocelin Polli....................... 109
Brincar como facilitador da interação social em crianças com Sindrome de Down.
Andrea Perosa Saigh Jurdi, Marina Ramos Domingos, Sara Del Prete Panciera............................................ 119
Estudos em psicologia sobre morte, luto, religião e espiritualidade: uma revisão da literatura brasileira.
Sergio Lucas Camara, Marlise A. Bassani........................................................................................................... 129

II. RESENHAS DE LIVROS


EMMANUEL NOVAES LIPP, M, FABBRO SPADARI, G (Orgs), TERAPIA RACIONAL-EMOTIVA COMPORTAMENTAL
na teoria e na prática, Novo Hamburgo, Sinopsys Editora, 2019.
Célia de F. Pravatta Pivetta................................................................................................................................. 141

DE CARVALHO PACHECO BITTENCOURT, A.C; CAETANO DE ALMEIDA NETO, E RODRIGUES, M.E; BRITO ARARIPE, N.
Depressão – Psicopatologia e Terapia Analítico-Comportamental. 2ª.edIção, Curitiba: Juruá Editora, 2015.
José Francisco de Souza...................................................................................................................................... 142
IV Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96

III. COMPLEMENTOS

Memória - Drª Therezinha Fram e Dr. Waldecy Alberto Miranda............................................................................................... 144


Instruções para os Autores, em Português e em Espanhol, informações sobre a aquisição da revista e da
remessa de manuscrito............................................................................................................................................................................. 145
Relação dos Acadêmicos.......................................................................................................................................................................... 155
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96 V

Boletim Academia Paulista de Psicologia


V.39, nº 96 – January / June, 2019

INDEX
EDITORIAL ............................................................................................................................................................................................................xi

I. THEORIES, RESEARCHES AND CASE STUDIES................................................................................................. 01


The psychologist psychoanalyst in public health institutions in Brazil: a historical-epistemological perspective.
Eliana Nogueira Vale, Avelino Luiz Rodriguez.................................................................................................. 01
Domestic violence and religiosity in the experience of immigrant Brazilian women: perceptions of the
psychologist of a Brazilian General Consulate in Portugal.
Beatriz de Sousa Neves, Marta Helena de Freitas, Luciana da Silva Santos, Félix Neto................................ 11
Activity, feelings and perceptions of women facing the aging process.
Adna Sepulvida M. Cozzolino, Ana Lúcia Gatti, Rodrigo Jorge Salles............................................................ 25
Analysis of brief group intervention among depressed women in a psychology school clinic.
Lorrayne Caroline Garcia Silva, Maíra Bonafé Sei............................................................................................. 33
Prisoner’s health overview: access difficulties to healthcare.
Jakson Luis G. Dourado, Railda Sabino F. Alves............................................................................................... 47
Confirmatory analysis of the measure of organizational support in nurses of a public hospital in a capital
city in the Brazilian Northeast.
Gabriela Aguiar Pereira, Nilton S. Formiga, Ionara D. Estevam....................................................................... 59
Production of meanings and actions on the work of Santa Catarina military police: an experience report.
Daniela Alberton Babolim, Ana Paula S. Becker, Luciane Guisso.................................................................... 69
Symptoms of depression in medical university students.
Daniele Ramos de Aquino, Rodrigo Alves Cardoso, Lucinéia de Pinho.......................................................... 81
Bioecological analysis of overweight and obesity in conversation circles.
Ana Tereza L. Pecora, Ana Claudia N. de Souza Wanderbroocke, Maria Cristina Antunes............................ 97
Psychological evaluation pre-bariatric surgery: the patient’s experience.
Bianca Oliveira Joaquim, Juliane Angelina Bassetto, Mariana P. Castro, Gislei Mocelin Polli....................... 109
Playing as a facilitator of social interactions among children with Down Syndrome.
Andrea Perosa S. Jurdi, Marina Ramos Domingos, Sara Del Prete Panciera................................................... 119
Studies in psychology on death, mourning, religion and spirituality: a review brazilian literature.
Sergio Lucas Camara, Marlise A. Bassani........................................................................................................... 129

II. BOOK REVIEWS


EMMANUEL NOVAES LIPP, M, FABBRO SPADARI, G (Orgs), TERAPIA RACIONAL-EMOTIVA COMPORTAMENTAL
na teoria e na prática, Novo Hamburgo, Sinopsys Editora, 2019.
Célia de F. Pravatta Pivetta................................................................................................................................. 141
DE CARVALHO PACHECO BITTENCOURT, A.C; CAETANO DE ALMEIDA NETO, E RODRIGUES, M.E; BRITO ARARIPE, N.
Depressão – Psicopatologia e Terapia Analítico-Comportamental. 2ª.edIção, Curitiba: Juruá Editora, 2015.
José Francisco de Souza...................................................................................................................................... 142
VI Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96

III. COMPLEMENTS
Remembrance – Dr. Therezinha Fram and Dr. Waldecy Alberto Miranda............................................................................... 144
Instructions for authors in portuguese and spanish, information about purchasing magazine and
delivery of articles....................................................................................................................................................................................... 145
List of Academics......................................................................................................................................................................................... 155
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96 VII

Boletim Academia Paulista de Psicologia


V.39, nº 96 – Enero / Junio, 2019

RESUMEN
EDITORIAL ......................................................................................................................................................... xi
I. TEORÍAS, INVESTIGACIONES Y ESTUDIOS DE CASOS ......................................................................................... 01
El psicólogo psicoanalista en instituciones de salud pública en Brasil: una perspectiva histórico-epistemológica.
Eliana Nogueira Vale, Avelino Luiz Rodriguez.................................................................................................. 01
Violencia doméstica y religión en la experiencia de mujeres brasileñas inmigrantes: percepciones de la
psicóloga desde el Consulado General de Brasil en Portugal.
Beatriz de Sousa Neves, Marta Helena de Freitas, Luciana da Silva Santos, Félix Neto................................ 11
Actividad, sentimientos y percepciones de las mujeres ante el proceso de envejecimiento.
Adna Sepulvida M. Cozzolino, Ana Lúcia Gatti, Rodrigo Jorge Salles............................................................ 25
Análisis de una intervención grupal breve entre mujeres con cuadro depresivo en un servicio-escuela de
Psicologia.
Lorrayne Caroline G. Silva, Maíra Bonafé Sei.................................................................................................... 33
Panorama de la salud del hombre preso: dificultades de acceso a la atención de salud.
Jakson Luis G. Dourado, Railda Sabino F. Alves............................................................................................... 47
Análisis confirmatorio de la medida del soporte organizacional a enfermeros de un hospital público de una
capital del nordeste brasileño.
Gabriela Aguiar Pereira, Nilton S. Formiga, Ionara D. Estevam....................................................................... 59
Producción de sentidos y el hacer sobre el trabajo de policías militares catarinenses: relato de una experiencia.
Daniela Alberton Babolim, Ana Paula S. Becker, Luciane Guisso.................................................................... 69
Síntomas de depresión en estudiantes universitarios de medicina.
Daniele Ramos de Aquino, Rodrigo Alves Cardoso, Lucinéia de Pinho.......................................................... 81
Análisis bioecológico del sobrepeso y de la obesidad en ruedas de conversa.
Ana Tereza L. Pecora, Ana Claudia N. de Souza Wanderbroocke, Maria Cristina Antunes............................ 97
Evaluación psicológica pre-cirurgía bariátrica: la experiencia de los pacientes.
Bianca Oliveira Joaquim, Juliane Angelina Bassetto, Mariana P. Castro, Gislei Mocelin Polli....................... 109
El jugar como facilitador de la interacción social en niños con Sindrome de Down.
Andrea Perosa S. Jurdi, Marina Ramos Domingos, Sara Del Prete Panciera................................................... 119
Estudios en psicología sobre muerte, luto, religión y espiritualidad: una revisión de la literatura brasileña.
Sergio Lucas Camara, Marlise A. Bassani........................................................................................................... 129

II. RESEÑAS DE LIBROS


EMMANUEL NOVAES LIPP, M, FABBRO SPADARI, G (Orgs), TERAPIA RACIONAL-EMOTIVA COMPORTAMENTAL na teoria
e na prática, Novo Hamburgo, Sinopsys Editora, 2019.
Célia de F. Pravatta Pivetta................................................................................................................................. 141
DE CARVALHO PACHECO BITTENCOURT, A.C; CAETANO DE ALMEIDA NETO, E RODRIGUES, M.E; BRITO ARARIPE, N.
Depressão – Psicopatologia e Terapia Analítico-Comportamental. 2ª.edIção, Curitiba: Juruá Editora, 2015.
José Francisco de Souza...................................................................................................................................... 142
VIII Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96

III. COMPLEMENTOS
Memoria – Dr. Therezinha Fram y Dr. Waldecy Alberto Miranda............................................................................................... 144
Instrucciones para autores, en Portugués y en Español, información sobre la adquisición de revista
y envió de escritura.................................................................................................................................................................................... 145
Lista de los Académicos............................................................................................................................................................................ 155
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96 IX

CONSELHO EDITORIAL

• Alberto Pereira Lima Filho


Opus Psicologia e Educação - São Paulo, SP. (Brasil)
• Bernard Chouvier
Université Lumière Lyon 2 - Lyon (França)
• Doris Lieth Peçanha
Universidade Federal de São Carlos - São Carlos, SP. (Brasil)
Universidade de São Paulo - São Carlos, SP. (Brasil)
• Francisco Martins
Pontifícia Universidade Católica de Brasília - Brasília, DF. (Brasil)
• Geraldo José de Paiva
Universidade de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Gilles Brougère
Université Paris VIII (França)
• Helio Carpintero
Universidad Complutense - Madrid (Espanha)
• José F. B. Lomônaco
Universidade de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• José Paulo Geovanetti
Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte, MG. (Brasil)
• Maria Regina Maluf
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Marina P. R. Boccalandro
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Nadia Rocha
Universidade São Francisco - Salvador, BA. (Brasil)
• Pompeyo Pérez Diaz
Universidad La Laguna - Tenerife (Espanha)
• Rolando Diaz-Loving
Universidad Autónoma de México - Ciudad de México (México)
• Silvana Moura da Silva
Universidade Federal do Maranhão - São Luís, MA. (Brasil)
• Susan Pick
Universidad Autónoma de México - Ciudad de México (México)
• Susana Rossberg
Institut National Supérieur des Arts du Spectacle - Brusseles (Belgica)
• Vera Barros de Oliveira
Universidade de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
X Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96

CONSULTORES - Ad Hoc

• Aidyl Macedo Q. Pérez–Ramos


Universidade Estadual Paulista e Universidade de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Alain Giami
Inst. National de Santé et Recherche Medicale
Le Kremin – Becêtre Cedex (França)
• Ana Maria de B. Aguirre Camargo
Universidade de São Paulo – São Paulo, SP. (Brasil)
• André de Carvalho Barreto
Universidade de Brasília – Brasília, DF. (Brasil)
Ruhr Universitat Bochum – RUB (Alemanha)
• Carl Lacharité
Université du Québec a Trois – Rivières (Canadá)
• Carlos Rolim Affonso
Educação Teleinterativa – São Paulo, SP. (Brasil)
• Claisy Maria Marinho – Araujo
Universidade de Brasília – Brasília, DF. (Brasil)
• Cleuza Kazue Sakamoto
Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação – São Paulo, SP. (Brasil)
• Edda Bomtempo
Universidade de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Edda Marconi Custódio
Universidade Metodista de São Paulo – São Bernardo do Campo, SP. (Brasil)
• Eliana Herzberg
Universidade de São Paulo – São Paulo, SP. (Brasil)
• Esdras G. Vasconcellos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – São Paulo, SP. (Brasil)
• Francisco Baptista Assumpção Jr.
Universidade de São Paulo – São Paulo, SP. (Brasil)
• Hebe Boa Viagem A. Costa
Rede Estadual do Ensino – São Paulo, SP. (Brasil)
• Helena Cláudia Frota Holanda
Universidade Federal do Ceará – Fortaleza, CE. (Brasil)
• Irai Cristina B. Alves
Universidade de São Paulo – São Paulo, SP. (Brasil)
• João Carlos Alchieri
Universidade do Rio Grande do Norte – Natal, RN. (Brasil)
• José F.B. Lomônaco
Universidade de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Leila Tardivo
Universidade de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Maria Margarida M.J. de Carvalho
Instituto Sedes Sapientiae – São Paulo, SP. (Brasil)
• Maria Regina Maluf
Pontifícia da Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP. (Brasil)
• Marilda E. Novaes Lipp
Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Campinas, SP. (Brasil)
• Marina Boccalandro
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Roberto Kanaane
Universidade de Mogi das Cruzes – Mogi das Cruzes, SP. (Brasil)
• Sônia Grubits
Universidade Católica Dom Bosco, UCDB – Mato Grosso do Sul, MS. (Brasil)
• Vera Barros de Oliveira
Universidade de São Paulo - São Paulo, SP. (Brasil)
• Walter Trinca
Sociedade Brasileira de Psicanálise – São Paulo, SP. (Brasil)
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. xi XI

EDITORIAL
Vera Barros de Oliveira

Este número do Boletim Academia Paulista de Psicologia abre o presente ano já em processo de comemo-
ração dos 40 anos de vida da APP, fundada em dezembro de 1979, ano em que se comemorou o centenário
da Psicologia Científica. Em sua trajetória, esta publicação tem buscado contribuir para alicerçar, promover e
divulgar a grande relevância do estudo, da pesquisa e da aplicação da Psicologia em seus mais diversos ramos
e setores. Nesse sentido, amplia e diversifica seu quadro de editores e sua Comissão Editorial. Planejada e
concebida para atuar em caráter vitalício, a APP congrega desde sua fundação quarenta psicólogos, natos
ou naturalizados brasileiros, com reconhecido saber em Psicologia, residentes ou atuantes no Estado de
São Paulo, de reconhecido valor científico, com grande significação na docência, na pesquisa ou no exercício
profissional da Psicologia.
Além dos Membros Titulares e dos Acadêmicos Jubilados, seu Estatuto prevê ainda Membros Correspon-
dentes e Beneméritos, pessoas ou entidades com contribuição significativa para a APP. Neste seu percurso,
já longo e produtivo, a Academia tem se mantido zelosa de suas responsabilidades e atribuições voltadas à
Psicologia e à sociedade em geral. Nesse sentido, registrou sua Memória, por meio de depoimentos de aca-
dêmicos de várias gerações, no Projeto “O Legado da Psicologia para o Desenvolvimento Humano”. De forma
complementar, tem se mostrado aberta e participativa às conquistas atuais da Psicologia, nesta época em
que vivemos, de grandes e profundas mudanças sociais e de comunicação, por meio de sua presença em con-
gressos nacionais e internacionais, envio e permuta de publicações, entre outros. Este Boletim, por sua vez,
vem atestando sua crescente aceitação em nível nacional, tendo recebido inclusive, pedidos de publicação dos
mais diversos Estados do Brasil, e o que muito nos alegra, pois atesta seu reconhecimento por universidades
das diversas regiões brasileiras.
Neste número, nesse sentido, o Boletim publica inicialmente artigo que traça uma perspectiva histó-
rica-epistemológica da Psicologia Psicanalítica em saúde pública, vivenciada em instituições aqui do Brasil.
Proveniente de Brasília, vem redigido em inglês. Com enfoque em violência doméstica e religiosidade de mu-
lheres brasileiras imigrantes em Portugal, prossegue com artigo, também de Brasília, cujos autores possuem
histórico acadêmico em universidades do Reino Unido, Paris e Portugal. A seguir, ainda sobre mulheres, arti-
go proveniente de São Paulo, aborda suas atividades, sentimentos e percepções frente ao envelhecer. Do Pa-
raná, nos chega análise de mulheres com quadro depressivo, objeto de intervenção grupal breve em serviço
-escola de Psicologia. Voltando-se para o homem preso, estudo da Paraíba descreve e analisa sua dificuldade
de acesso ao atendimento em saúde. Ainda deste Estado da Federação, artigo apresenta análise de medida de
suporte organizacional junto a enfermeiros de hospital púbico. Em relação à percepção de policiais militares
sobre o sentido e os fazeres de sua profissão, nos chega relato de experiência proveniente de Santa Catarina.
Em relação à depressão e seus sintomas em estudantes de Medicina, este Boletim publica artigo enviado de
Minas Gerais. A seguir, matérias sobre obesidade atestam como este tema continua a ser foco de interesse
de pesquisadores, devido à sua alta incidência. Sobre essa problemática, nos vêm dois artigos, sendo um
deles de autores do Paraná e de São Paulo, o qual descreve análise bioecológica de sobrepeso e obesidade
em rodas de conversa, e outro, do Paraná, sobre avaliação psicológica de pacientes em situação pré cirúrgica
bariátrica. Em uma mudança de rumo temático, esse Boletim volta-se para a criança e destaca a grande força
do brincar junto a crianças com Síndrome de Down, em sua busca de interação social, em artigo proveniente
de São Paulo. Na sequência, apresenta profunda reflexão psicológica sobre a morte e a espiritualidade, com
base em revisão de literatura brasileira, matéria esta proveniente de São Paulo. Terminada a apresentação
dos artigos, seguem-se ainda duas resenhas de livros e nosso obituário, no qual expressamos nossos profun-
dos sentimentos pelo falecimento de dois queridos acadêmicos, Therezinha Fran e Waldecy Miranda. Finaliza
manifestando sua gratidão ao apoio que lhe tem sido dado pela Vetor Editora, que diagrama e publica este
Boletim, assim como ao CIEE que, de longa data nos apoia. Que neste ano comemorativo da APP possamos
trabalhar juntos cada vez mais por um Brasil mais saudável e feliz
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 1 - 9 1

I - TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS

The psychologist psychoanalyst in


public health institutions in Brazil: a
historical-epistemological perspective
O psicólogo psicanalista nas instituições de saúde pública no Brasil:
uma perspectiva histórico-epistemológica
El psicólogo psicoanalista en instituciones de salud pública en Brasil:
una perspectiva histórico-epistemológica.
Eliana Nogueira-Vale1
Avelino Luiz Rodrigues2

Abstract: A review is presented on the development of the professional identity of the psychologist psy-
choanalyst in Brazilian public health institutions, under a historical-epistemological approach from pionee-
ring processes, with an emphasis on those generated at the Universidade de São Paulo (USP).
Keywords: psychoanalysis; psychology; professional identity; Brazilian public health institutions.
Resumo: Apresentamos aqui uma revisão sobre o desenvolvimento da identidade profissional do psicólogo psicana-
lista nas instituições de saúde pública brasileiras, numa abordagem histórico-epistemológica, a partir de processos
pioneiros, com ênfase naqueles gerados na Universidade de São Paulo (USP).
Palavras-Chave: psicanálise, psicologia, identidade profissional, instituições de saúde pública brasileiras.
Resumen:  En el presente trabajo se  hace  una revisión sobre el desarrollo de la identidad profesional del
psicólogo psicoanalista en las instituciones brasileñas de salud pública, a partir de un abordaje histórico-
epistemológico desde procesos tempranos, en especial aquellos ocurridos en la Universidad de São Paulo
[USP].
 Palabras Clave: psicoanálisis, psicología, identidad profesional, instituciones brasileñas de salud pública.

Introduction in Brazil. This text intends to be a continuation of


this work, now with a focus in the historical develo-
Between the years 1970 and 1980, among pment of the psychologist psychoanalyst, his training
graduate students at the Institute of Psychology at profile and professional identity in Brazilian public
USP [IPUSP], there was a massive preference toward
health institutions.
specialization in Clinical Psychology, in opposition
to other areas; inside Clinical Psychology a choice for
Early History of
Psychoanalysis predominated (Campos, 1991). After
graduation, this trend was confirmed by their pro- Psychoanalysis in Brazil:
fessional choices, even though all students had been Medicine, Mental Alienation
exposed to many other types of psychotherapy along and Eugenics
the course. In an attempt to make sense out of this
phenomenon, a historical-epistemological investi- Between the years 1899 and 1937, a number
gation was made on the psychoanalysis’ pathways of Brazilian intellectuals and professionals, mainly

1
Eliana Nogueira-Vale, ORCID 0000-0002-1975-9370, Corresponding Author, Psychologist, Master’s in Clinical Psy-
chology, with Doctorate in course in Neuroscience & Behavior, Institute of Psychology, Universidade de São Paulo. Rua
Tabapuã, 821, cj. 72. CEP: 04533-013, São Paulo, Brazil. Phone + 55 11 3079-1342, Cell Phone + 55 11 99932-0366,
eliana.vale@usp.br.
2
Avelino Luiz Rodrigues, ORCID 0000-0002-7989-5980, - MD, PhD in Psychology, Professor Doutor 2 and Coordinator
of Research Lab Subject-Body – SuCor, Department of Clinical Paychology, Institute of Psychology, Universidade de São
Paulo. Rua Silvia, 227 CEP 01331-001, São Paulo, Brazil. Phone + 55 11 3285-2420. avelinoluizr@usp.br.
2 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 1 - 9

physicians, have come to know Freud’s early works. framework of eugenics, a pseudoscientific theory of
Some of them started to disseminate these works, social control very popular in the beginning of the
as well as to make use of them in their clinical work. twentieth century, which advocated specific social
Perestrello (1987), a Brazilian pioneer psychoanalyst actions as a means of controlling, educating and
and researcher in History of Psychoanalysis in Bra- hygienizing Brazilian people. This social hygiene, or
zil, qualified them as precursors of the psychoanalyti- mental hygiene, intended to prevent “degeneration
cal movement, as they did not have psychoanalytical and mental disease” (Goldim, 1998). Eugenics was
training. a theory developed by Sir Francis Galton in England,
Perestrello (1987) mentions as precursors psy- in 1883, and spread out to the rest of Europe, Uni-
chiatrists Juliano Moreira, Júlio Porto-Carrero, An- ted States and Latin America, including Brazil. In
tonio Austregésilo, and Medeiros e Albuquerque in Brazil, eugenic ideology was mixed with racist ideas
the City of Rio de Janeiro; Arthur Ramos in the Sta- against race miscegenation of white Brazilian people
te of Bahia; Washington Pires and Martins Gomes with Afro-Brazilian descendants of slaves, as well as
in the City of Porto Alegre (Rio Grande do Sul); and Indians, considered “inferior races”. It was believed
neurologist Franco da Rocha in the City of São Pau- that white people might be “contaminated” by tra-
lo. Juliano Moreira (1873-1932), a physician from
ces of excessive sensuality, alcoholism and indolen-
Bahia, is considered to be the first one to publicly
ce, supposedly typical of Afro-Brazilians and Indians
mention psychoanalysis in Brazil, in 1898. In 1929,
(Goldim, 1998). Modernist Brazilian writer Mario de
already established in the City of Rio de Janeiro, he
Andrade wrote a “rhapsody,” where he portrayed a
was nominated Director at the Hospital dos Alienados
character called Macunaíma, in which he ironized se-
[Hospital for Mental Alienated], thus authorizing psy-
veral uncomplimentary features of the Brazilian na-
chiatrists Murillo de Campos and Carneiro Ayrosa
tional character. Those features fit perfectly into this
de Paula to install a psychoanalytic office at the Hos-
profile: Indian and “deep black”, “the hero without
pital (Perestrello, 1974; 1987). In 1914, physician
any character” (Andrade, 1928, p.2). Psychiatrist Ju-
Genserico Pinto (s.n.), from the State of Ceará, pre-
lio Porto-Carrero (1887-1937), from Pernambuco,
sented his PhD thesis On Psychoanalysis: sexuality in
but living in Rio de Janeiro, demonstrated to be an
neuroses, demonstrating to be acquainted with Freu-
enthusiastic fan of psychoanalysis, with which he de-
dian concepts created up to that point in time -1900
-, a period considered by historians as pre-psychoa- veloped a peculiar relationship: especially interested
nalytical. Pinto also reported having practiced clini- in education, he adopted a pedagogic-psychoanalytic
cal work into a psychoanalytic framework. This was bias mixed with eugenic issues as well as totalitarian
the first psychoanalytical text written in the Brazi- ideas. He worried about miscegenation in Brazil,
lian Portuguese language (Vale, 1988). The dissemi- which he considered to be the cause of mental di-
nation of Freud’s texts in Brazil occurred almost at seases, and advocated a prophylactic action from the
the same pace as they were being written; Freudian Government. Quoting Mokrejs (1989): “[Porto-Car-
work was still in its beginnings. The Interpretation of rero] considered the diffusion of eugenic ideas un-
Dreams was first published in 1900. Psychoanalyti- derpinned by psychoanalysis… paralleling Freudian
cal training was formalized by the Training Commi- citations with irruptions of his totalitarian thoughts”
ttee of The International Psychoanalytical Association (Mokrejs, 1989, p.12-15). For psychiatrist Henrique
(IPA) only in 1925 (Douville, 2006). It follows that Britto de Belford Roxo (1877-1969), psychoanalysis
psychoanalytical training cannot be strictly referred would be helpful to the eugenic ideals, as it allowed
to at the onset of the twentieth century, as it did not for the investigation of “others’ thoughts” (with the
yet exist as we know it today, not even in Freudian goal of controlling it) (Nunes, 1988, in: Birman, p.71).
circles. In Europe, as well as in Brazil, psychoanaly- A concrete example of Brazilian psychoanalytical-eu-
sis was still in a wild condition, according to Freud’s genic ideology was the real-life case narrated by his-
own conceptualization (Freud, 1910). What would torian Boris Fausto in The crime of the Chinese restau-
be the characteristics of this wild psychoanalysis, rant (Fausto, 2009). A humble Afro-Brazilian young
as practiced by these Brazilian precursors? In From man living in the City of São Paulo was accused of
social medicine to psychoanalysis, Nunes (1988, in: having brutally murdered four people. Without any
Birman) risks a guess: the precursors would have real evidence, he was arrested by the police, filed, had
incorporated Freudian ideas to the already existing his height measured, was weighed and photographed
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 1 - 9 3

naked from the front, the side and the back. With School Service, and was assigned as Full Professor in
basis on the interrogation and on the interpretation Psychiatry at Medical School at USP; in 1954 he or-
of the Rorschach test, he was convicted of murder. ganized the first Specialization Course in Clinical Psy-
The inquiry of the Rorschach, detailed by Fausto, is chology, in the Faculty of Philosophy, Arts and Human
full of distorted pseudo psychoanalytical interpre- Sciences (FFCLCH) at USP (Segre, 1982). After all,
tations, with nuances from eugenics. (In fact, euge- Franco da Rocha never made clinical use of psychoa-
nic ideas permeated the mind of Brazilian people in nalysis. On the contrary, Marcondes started a priva-
general). Garcia (2014) tries to evaluate the impact te clinical practice right after graduating from Medi-
of eugenics on medical thought, from texts written cal School (Sagawa, 1985, in Figueira). At that time,
between 1930 and 1950 by Arthur Ramos de Araújo he was not but an autodidact, wild psychoanalyst,
Pereira (1903-1949) and Durval Bellegarde Marcon- without formal training. At that time, he officially
des (1899-1981), distinguished representatives of launched the first psychoanalytic movement in Bra-
the mental hygiene school, whose principles amal- zil in 1927: a first Brazilian Society of Psychoanalysis,
gamated notions of psychiatry, psychosomatics, psy- of academic character and with brief duration. The
choanalysis and pedagogy. Ramos, in Rio de Janeiro inaugural session was attended by psychiatrists, in-
as well as Marcondes, in São Paulo, had a leading role tellectuals and university teachers; Sagawa (1985)
in the formulation of politics of Public Health at the considers that this may have been the milestone
institutions of Mental Hygiene. They believed that to lay psychoanalysis, that is, non-medical, in Brazil
an early intervention could prevent the degenera- (Sagawa, 1985, in: Figueira). In 1938, Durval Mar-
tion of troublesome children into mentally ill adults. condes presented a work at a medical Congress in
Garcia (2014) considers that Ramos and Marcondes defense of lay psychoanalysis (Moretzsohn, 2014).
actually followed common-sense guidelines with The arrival of German Jewish didactic psychoanalyst
a utopic character, emphasizing that Ramos never Adelheid Koch (1896-1980) in 1937 inaugurated
really discriminated Afro-Brazilian students. A t psychoanalytical training in São Paulo. Koch conduc-
the end of the 1940 decade, the first Brazilian psy- ted the didactic analyses of Durval Marcondes, Vir-
choanalysts completed their formal training under gínia Leone Bicudo, Darcy Mendonça Uchoa, Frank
the norms of IPA in the city of Buenos Aires, Argen- Philips and Flavio Dias, thus allowing the official
tina, as training was still unavailable in Brazil: Da- recognition of the Brazilian Society of Psychoanalysis
nilo & Marialzira Perestrello, Walderedo de Oliveira of São Paulo (SBPSP) – the second one-, by IPA, in De-
and Alcyon Bahia, from Rio de Janeiro; and Mario & cember, 1943. Virgínia Leone Bicudo, from São Pau-
Zaira Martins, from Porto Alegre. Perestrello (1987) lo, was the first lay psychoanalyst woman in Brazil
calls them the pioneers of psychoanalysis in Brazil. (Perestrello, 1987; Moretzsohn, 2014; Braga, s.n.).
Although psychoanalysis was only practiced by phy- From the very start of his professional life, Marcon-
sicians, Freudian ideas also attracted some intellec- des became an untiring radiating pole, as well as a
tuals, as Modernist writers Oswald de Andrade and multiplier, of psychoanalytical ideas in Brazilian aca-
Mario de Andrade and jurist Candido da Motta Fi- demic and cultural media, influencing a full genera-
lho, in São Paulo (Perestrello, 1987). tion of physicians, psychiatrists, psychologists and
other health professionals along his whole life. He
Durval Marcondes and taught at USP until his compulsory retirement at the
Psychoanalysis in São Paulo: end of 1970 (Vale, 2003). Sagawa (2007) suggests
Lay Psychoanalysis that the first generation of Brazilian psychoanalys-
ts may have inaugurated an expanded conception of
In March 1919, while reading a newspaper psychoanalysis, with professional practice out of the
article on Freud written by neurologist Francisco private office.
Franco da Rocha (1864-1933), at the time about to
retire from the Medical School of São Paulo, the you- Psychoanalysis and the Mental
ng Durval Bellegarde Marcondes, then a psychiatry Hygiene School Service
student at the same school, was immediately and
irreversibly hooked by psychoanalysis (Moretzsohn, In São Paulo, Durval Marcondes was the main res-
2014). Marcondes became Head Professor at the Ins- ponsible for the expansion of psychoanalysis beyond
titute of Hygiene at USP, founded the Mental Hygiene private offices. Between 1930 and 1950, under the
4 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 1 - 9

direction of Dr. Joy Arruda, he coordinated a pionee- in the United States of America, and, in a visionary
ring work of psychodiagnostic and therapy of chil- inspiration, created in 1954, under her Chair, the
dren from the school system, at the Mental Hygiene, Course of Specialization in Clinical Psychology, inviting
a section of the Mental Hygiene School Service from Durval Marcondes, Anibal Silveira and Cicero Cris-
the Board of Education of São Paulo. His multipro- tiano de Souza to implement it (Góes & Vilela, s.n.;
fessional team was composed of social psychiatric http://www.ip.usp.br/). In 1968, as a consequence
”visitatrices”, psychologists, nurses, pediatricians, of the University Reform, the Course of Psychology
psychiatrists, neurologists, and general practice was separated from the FFLCH, thus originating,
physicians (Carmo, 2015). Even under the influen- in 1970, the Institute of Psychology (IP) and the Gra-
ce of the French-North American model of Mental duation Course of Psychology. The Clinic of Psychology,
Hygiene, Marcondes objected to organic medicine as which was created in 1960 as a part of the Faculty of
well as drug therapy (according to the scientific Zei- Philosophy, became the embryo of the Department of
tgeist), training his collaborators with an “open, but Clinical Psychology, one of the four Departments of
predominantly dynamic or psychoanalytic, mind,” the IP USP (http://www.ip.usp.br ).
(Van Kolck, 1990, p. 157-158; Carmo, 2015). The Durval Marcondes recruited as collaborators
social psychiatric “visitatrices” were responsible for some of the social psychiatric visitatrices he had for-
tracking those students with emotional, learning or merly trained in the Mental Hygiene Service. The psy-
relationship problems, by interviewing all professio- choanalytical models of psychodiagnostic and psy-
nals who had contact with them at school, and also chological support adopted at the Clinic of Psychology
by visiting the families of those students, orienta- at USP were the same ones from the Mental Hygie-
ting them and proposing psychoanalytic psychothe- ne Service, and this orientation remained for many
rapy. The psychologists in the team were responsible years (Carmo, 2015). At present baptized as Clinic of
for the application of tests on the students (Carmo, Psychology Durval Marcondes, it follows the basic ob-
2015). Helena Moreira da Silva Carmo, who worked jectives proposed by academic institutions: to teach,
with Marcondes at the Mental Hygiene, and later on to do research and to have services delivered to the
at the Psychological Clinic of USP, tells that “Durval, community, encompassing other clinical approaches
considering that his collaborators did not have a cri- besides psychoanalysis.
tical comprehension of the necessary clinical skills, Parallel to the Course of Specialization in Clinical
taught himself a daily course of three hours on psy- Psychology at USP, equivalent courses were created at
choanalytic training devoted to school assistance. the Faculty of Philosophy “Sedes Sapientiae” and at the
Many of these professionals became psychoanalys- Faculty of Philosophy, Arts and Human Sciences São
ts later on” (Carmo, 2015). Many professional doc- Bento, later incorporated by the Pontifical Catholic
tors aimed at being trained at the Mental Hygiene. University (Van Kolck, 1990).
However, in 1962, under vehement protests by Mar-
condes, the Section of Mental Hygiene School Service The Psychologist
was extinct by the Government (Sagawa, 1985, in: Psychoanalyst in Public
Figueira). Hospitals in Brazil
Specialization in Clinical In the 1950’s, the branch of hospital psycho-
Psychology and the logy started to be shaped (Sebastiani, 2000), parallel
Psychological Clinic of USP to the creation of the Mental Hygiene Services, of the
many specialization courses in clinical psychology,
In 1934, the University of São Paulo and the Fa- and of the formalization of the profession of psycho-
culty of Philosophy, Arts and Human Sciences were logist in Brazil. According to the author, the term
founded, the last one with “the purpose of develo- hospital psychology was coined in Brazil in the decade
ping uninterested research, and training teachers” of 1970, and only exists in this country. Psychologi-
(http://fflch.usp.br/historia ). cal services in hospitals originated from actual de-
Between 1947 and 1968, Annita de Castilho e mands. In 1950, psychologist Mathilde Neder was
Marcondes Cabral (1911-1991) was designated to di- invited to join the Clinic of Orthopedics and Trauma-
rect the Chair of Psychology at the Faculty of Philoso- tology (at present, Institute of Orthopedics and Trau-
phy at USP. Cabral was specialized in Gestalt Therapy matology) at the Clinical Hospital (HC) in the Medical
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School from USP (Oliveira & Rodrigues, 2014). Neder research reported a predominance of the clinical
was asked to attend children who underwent sur- model in hospitals in many Brazilian states until
gery, as well as their families. She became also Coor- the last decade, and, in some cities such as Curitiba
dinator of Psychologists’ Activities in HC and Chairwo- (State of Paraná), and Florianopolis (State of Santa
man of the Board and Editorial Counsel of the review Catarina), the predominance of the psychoanalytical
Hospital Psychology (Romano, 1999). Bellkiss Roma- model (Cantarelli, 2009). In recent years, a model
no, another pioneer, identifies Sueli Brunstein as the of integral assistance to health has been practiced,
first hospital psychologist to be mentioned in 1953, promoted by current public policies of the [National]
at the registry of the Clinical Hospital of Porto Alegre; Unified System of Health, (SUS), (Marcon, Luna &
she also mentions pioneer Aidyl Macedo de Queiroz Lisbôa, 2004). This model is similar to the bio-psy-
Pérez-Ramos at the HC in São Paulo, and herself, as cho-social model, disseminated in the last decades by
organizer of the Service of Psychology at the Heart Ins- psychosomatic medicine (Engel, 1977) and by SuCor
titute – INCOR, in São Paulo. In 1976, Romano also – Subject-Body Lab, at USP. What would characterize
created the first Course of Hospital Psychology, at the psychological support in hospitals? Romano (1999)
Pontifical Catholic University of São Paulo (de Almei- tells us that, in the beginning, there was no model
da, s.n.). In 1983, the I National Meeting of Psychology to follow; there was simply a translation from the
in the Hospital Area took place (de Almeida, s.n.). In private office model to the hospital. However, due
2005, Avelino Luiz Rodrigues started to develop at to the specific demands of this kind of institution,
the Institute of Psychology of USP an “umbrella pro- guiding concepts had to be “adapted, reviewed and
ject” called Clinical Practices in Psychosomatics, that readjusted” (http://www.crpsp/119/.../fr_entrevis-
contemplated several types of scientific initiations, ta.aspx).
Master’s and PhD researches, as well as many publi-
cations in that field. In 2006, Elisa Maria Parahiba The Psychologist
Campos created the Lab Chronos – Humanistic Center Psychoanalyst
of Recovery in Health and Oncology, to deliver psy-
chological help to cancer patients, their families and In Brazil, psychoanalysis’ popularity resulted in
health teams, at the Ambulatory of the Clinic of Psy- its national diffusion along the twentieth century.
chology of IP USP, and at the University Hospital (HU) The Zeitgeist, the social, political and philosophi-
at USP. Still in 2006, Rodrigues was designated as cal processes seem to have shaped the practice and
Coordinator of the Research Lab of Subject and Body training of psychoanalysis in the Psychoanalytical So-
(SuCor) and created the Interdisciplinary Research cieties as well as in academic institutions. The deve-
Group in Psychosomatics, aiming at the development lopment of the profession of psychologist psychoa-
of psychosomatics of relations health-disease. This nalyst is one of the resulting acculturation processes
group was registered in the Directory of Research involving psychoanalysis.
Groups at the National Center of Research (CNPq), ac- At the beginning of the twentieth century, the
credited by USP. In 2008, Campos & Rodrigues crea- still young Brazilian psychoanalysis has left its mark
ted an annual event named Journey of Health Psycho- in Public Health Institutions – hospitals as well as
logy, Psychosomatic & Psycho-oncology, now in its 11th schools -, from a blend of [wild] psychoanalysis, eu-
edition (2018). In 2010, they created a graduation genics and medicine from precursor physicians, at
course in Health Psychology – Hospital Practice, toge- least in Rio de Janeiro and in São Paulo, national
ther with a hospital residence at HU. Presently, they diffusors of health trends. Another trend in mental
have been teaching the post-graduation courses of health, psychosomatics, also had a role in Brazil. In
Health Psychology, Psycho-oncology, and Psychosoma- the Brazilian History of Mental Health, psychoso-
tics for more than one decade. Since 2011, Maria matics and psychoanalysis have unclear boundaries.
Livia Tourinho Moretto started to develop a resear- The “carioca”3 physician Eksterman (s.n.), a pioneer
ch on Analysis on Demands of Health Professionals for in psychosomatics, even employed the term “psy-
psychologists’ Performance at the HU. Presently, she choanalytical psychosomatics”; however, Rodrigues
is Coordinator at the Research Lab in Psychoanalysis, (2006), in an article on Professor José Fernandes
Health and Institutions (LABPSI) at IPUSP (Moretto Pontes, an eminent pioneer psychosomatic physi-
& Prizskulnik, 2014; http://www.ip.usp.br/). Simi- cian in São Paulo, affirms that “although Pontes had
lar initiatives occurred in other institutions.A recent 3
“Carioca”: A person born in the City of Rio de Janeiro.
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included psychoanalysis as a reference for the un- restraints to freedom, in the form of Institutional
derstanding of the person, he did not reduced psy- Acts. These Acts inaugurated one of the most som-
chosomatics to psychoanalysis” (Rodrigues, 2006, p. ber periods of Brazilian History, the so called “Years
1). Danilo Perestrello (1916-1989), one of the first of Lead”. Those who dared to disagree with the esta-
“carioca” physicians to be trained as a psychoanalyst, blished rules would be coined as “subversives”, “com-
was also the founder of the Division of Psychosomatic munists” and “terrorists”. The suspects of dissidence
Medicine, in the first Chair of Medical Clinic at the Na- where persecuted. Strongest persecutions were tar-
tional Medical School at the University of Brazil, pre- geted at intellectuals, students, teachers, syndical
sently Federal University of Rio de Janeiro (Center for leaders and lay organizers of catholic movements in
Psychosomatic Medicine - História, s.n.), and creator the universities. In a review in database SciELO from
of the Medicine of the Person (Perestrello, 1974). 1997 on, which examined the relations between psy-
The beginning of institutional training of psy- chology professional activities and military dictator-
chologists in São Paulo, long before the foundation ship, Scarparo, Torres & Ecker (2014) suggest that
of the IP USP, occurred at the Mental Hygiene School the “official” Psychology was then used as a “norma-
Service. In that context, clinical psychology and psy- tive tool” toward people, with a “pretended neutrali-
choanalysis were interchangeable terms. The fact ty” in its practice, a “decrease in the valuing of sin-
that the “visitatrices” were designated as “psychiatric” gularity”, with an emphasis in tools and techniques
evokes the influence of psychiatry in the professional in detriment of “activities of reflection” (Scarparo et
identity of the psychologist psychoanalyst. It should al, 2014, p. 86). In that period, an atmosphere of
also be added that, in the visitatrices’ work there was fear and silence prevailed at USP. Classes proceeded
also a pedagogic bias, represented by the orientation with apparent normality; however, there were ru-
given to educators and families of students; maybe it mors on infiltrated secret agents, disappearances, the
was some kind of a pedagogic psychoanalysis. existence of archives and files with names of suspect
That was our primordial mental health school. teachers and students. At any time, for unknown
reasons, anyone could be denounced as subversive,
*** and arrested. In the past, university students used
Sagawa (2007) affirms that the expanded psy- to be politicized, but now, they did not dare to talk;
choanalytical model from the Mental Hygiene School survival instinct imposed itself. Many eminent tea-
was “buried and minimized in the years 1960 and chers were expulsed from the University. Those more
1970” … [that there has been] “ruptures and dis- engaged in left movements were arrested, killed, di-
continuities” favoring elitism as well as the segre- sappeared, became clandestine, run away, or were
gation of psychoanalysis into private offices (http:// exiled to other countries.
www.psicopatologiafundamental.org). At least four To properly grasp the feeling of what happened,
critical factors have influenced these “ruptures and the extreme situation lived inside the universities
discontinuities”: 1) the military dictatorship (1964- must be mentioned – there was an almost insur-
1985), 2) the unique development and diffusion of mountable pressure on freedom of ideas; the same
psychiatric pharmaceuticals, 3) the relationships be- pressure was also exerted on intellectuals and artis-
tween psychologist psychoanalysts and physicians, ts. At USP, an intellectual sterilization was soon felt.
and 4) the development of sciences and scientific The subsequent generations emerged in a calm state,
methodology. alienated, without many questioning, unaware that
they bore a primordial repression… in the military
Military Dictatorship in Brazil: and Freudian sense. Maybe only those who actually
Consequences for Psychology underwent this nightmare are authorized to make a
and Psychoanalysis judgment on what really happened in those years. In
such repressive context, how could psychoanalysis,
The decade of 1960 was extremely disturbing in an investigation on the Unconscious and its trans-
political and social terms in Brazil, after the fall of gressive character, be cultivated? In a recent event
President João Goulart, in March, 31, 1964, with carried out at IP USP, Niraldo de Oliveira Santos
the instauration of a military dictatorship that wou- (Santos, 2015) affirmed that the University shou-
ld last for more than two decades. The dictatorship ld be an “ecological reservoir for psychoanalysis”,
imposed increasing political restrictions, as well as for being a place of questioning, of new ideas, of
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openness, more than traditional institutes. Indeed, after being attacked and rejected by the medical es-
at the dictatorship period, it was not. This situation tablishment. Brazilian psychology had an early ins-
may have contributed to the crystallization of the titutionalization and legalization. Since 1932 it be-
professional identity of psychologists in a private came part of the FFLCH curriculum; in 1954 a Draft
clinical model. Law on the profession of psychologist was approved,
and the Course of Clinical Psychology was created; in
Development and Ascension 1962 the National Congress approved the law that
of Pharmaceuticals in Mental recognized psychology as an independent university
Health course, and regulated the profession of psychologist
(Soares, 2010). In turn, Brazilian psychoanalysis
In the decades of 1920 and 1930, the develop- inherited from IPA the training model, away from
ment of electroconvulsive therapy and surgical psy- institutes of health and the academic environment.
chiatric interventions [frontal lobotomy] influenced The SBPSP was recognized by IPA in 1951; the Socie-
the ideas on mental disease in Brazil, favoring early ty of Rio de Janeiro in 1959 and the Society of Porto
biological psychiatry in detriment of a psychoanaly- Alegre in 1972 (Vale, 2003).
tical view. From 1950 on, development of psycho- In 2002, the Federal Senate approved the Bill of
pharmaceuticals has represented a major qualitative the Medical Act, whose author, representing the
change in benefit of mental illness, also strengthe- Federal Council of Medicine, proposed to regulate
ning the medical power in the following decades, the practice of medicine claiming exclusivity in the
along the popularization of anxiolytics, antidepres- exercise of certain procedures traditionally practi-
sants, and antipsychotics (Socudo, 2015). ced by psychologists (http://www.planalto.gov.br/
Actually, the onset and subsequent development ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12842.htm).
of psychopharmaceuticals caused a real revolution To date, this situation has not been truly clarified,
in the treatment of psychiatric disorders, until then but has caused a stir in the professional relations be-
without alternatives to offer to disabling cases. Pre- tween physicians and psychologists, especially in the
sently, there is a general trend of blending psycho- area of mental
​​ care. On the other hand, as a serious
therapies and pharmaceuticals. According to Cordioli blow to the legitimacy of psychoanalysis, many Me-
(s.n.), this new possibility caused a “wide reformula- dical Covenants and Health Plans do not recognize
tion on present conceptions”, including more sensiti- psychoanalytic care within the traditional canons for
vity from physicians and society towards psychic pain. reimbursement purposes, unlike they do with cog-
nitive behavioral psychotherapy. In addition, appro-
Relations between val of psychotherapeutic care depends on a medical
Physicians and Psychologist diagnostic.
Psychoanalysts
Sciences, Scientific
In a period in which the psychoanalytic knowled- Methodology and
ge apparently guaranteed a certain place of recogni- Psychoanalysis
tion in multidisciplinary teams for the psychologist
psychoanalyst, a work of cooperation between phy- The global strengthening of the scientific discou-
sicians and psychologists seemed possible, althou- rse and methodology, with emphasis on the norm,
gh the more organicist medical knowledge always on the objectification of knowledge, on databases,
questioned the psychoanalytical knowledge - which on research, on statistical treatments, also represen-
is understandable, from the epistemological point of ted a blow in psychoanalytic research, focused on the
view. In 1936, Durval Marcondes lost the election for subjectivity, the singularity, the person.
the Chair of Psychiatry in the Medical School at USP, in One of the criticisms on the medicalization of heal-
favor of Pacheco e Silva, a conservative psychiatrist th is that the current medical education is increasin-
(Sagawa, 1085, in: Figueira). Discredited by the Fa- gly subjected to the model of scientific and biological
culty of Medicine, Marcondes took refuge in the psy- knowledge, and less and less committed to a huma-
choanalytical work in Mental Hygiene School Service nistic culture and multidisciplinary work. Besides, if
and in USP’s FFLCH (Carmo, 2015; Oliveira, s.n.), favors an impersonal conception of the patient – and
just like Freud, who psychologized psychoanalysis sometimes mistakes the patient for his illness. The
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scientific model would generate protocols for the care medical knowledge (de Almeida, 2000). Perhaps this
of clients diagnosed according to known diseases. The is, at present, the greatest obstacle to the psychologist
role of the physician within this organization would psychoanalyst’s work in the hospital, where he would
be to cure the disease, to eliminate the symptom. Any likely be subordinated to this template, except when
noise arising from the patient would be undesirable, the illness situation subverts this order. Generally,
would break the routine, and would disrupt the cou- this is the moment when the psychologist receives a
rse of treatment. As knowledge becomes one-sided demand from the medical staff.
and biological, the patient’s voice is silenced, and their At present there seems to be a clear demand on
demands, subjectivity, and suffering vanish. At the the part of doctors in hospitals for psychological, psy-
hospital, the psychologist is likely to be inserted into choanalytic support, even though the obstacles re-
a health team historically marked by the hierarchy of presented by the medical model remain unchanged.

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Recebido: 29.10.18 / Corrigido: 19.02.19 / Aprovado: 02.04.19


Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 11 - 24 11

Violência doméstica e religiosidade


na vivência de mulheres brasileiras
imigrantes: percepções da psicóloga
de um Consulado-Geral do Brasil em
Portugal
Domestic violence and religiosity in the experience of immigrant Brazilian women: perceptions
of the psycholo­gist of a Brazilian General Consulate in Portugal
Violencia doméstica y religión en la experiencia de mujeres brasileñas inmigrantes: percepciones
de la psicóloga desde el Consulado General de Brasil en Portugal
Beatriz de Sousa Neves1
Marta Helena de Freitas2
Luciana da Silva Santos3
Universidade Católica de Brasília, Distrito Federal, Brasil
Félix Neto4
Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Portugal

Resumo: Atualmente, muitas mulheres brasileiras que vivem em Portugal são vítimas de violências. Nesse contex-
to, a religiosidade pode ser, dentre outros fatores, um recurso no modo de lidar com essas experiências, em parti-
cular nos casos de violência doméstica. Considerando que psicólogos/as de Consulados-Gerais podem receber tais
demandas, o presente trabalho teve como principal objetivo investigar as percepções da psicóloga de um Consulado-
Geral do Brasil em Portugal sobre as vivências das mulheres brasileiras imigrantes nesse país, assim como as suas
percepções sobre o papel da religiosidade nessas vivências, especialmente frente à violência doméstica. O estudo
consistiu em uma pesquisa qualitativa, de alcance exploratório. A análise da descrição, obtida por meio de entre-
vista semiestruturada, aconteceu de acordo com o método empírico-fenomenológico de Amedeo Giorgi. Segundo a
psicóloga, a violência doméstica sofrida por essas mulheres constitui-se na maior demanda por ela atendida, dentre
as que lhe são encaminhadas pelo Consulado. Em sua percepção, embora a religiosidade tenha papel relevante na
saúde mental dos/as imigrantes, pode ter também influência negativa sobre o modo como as mulheres lidam com a
violência em questão. Isso aponta para a importância de que tanto a violência doméstica quanto a religiosidade, sob
o viés de gênero, venham a ser temáticas inseridas em debates e estudos a respeito do processo migratório.
Palavras-chave: Violência Doméstica; Religiosidade; Mulheres Brasileiras Imigrantes; Portugal.
Abstract: Currently, many Brazilian women living in Portugal are victims of violence. In this context, among other
factors, religiosity may be a resource to deal with these experiences, particularly in cases of domestic violence. Con-
sidering that Psychologists from General Consulates may receive such demands, the main objective of this study was
to investigate the perceptions of a psychologist of a Brazilian Consulate in Portugal about the experiences of Brazi-
lian immigrant women in that country, as well as their perceptions about the role of religiosity in these experiences,
especially in relation to domestic violence. The study consisted of a qualitative research with exploratory scope. The
analysis of the description, obtained through a semi-structured interview, occurred according to the Amedeo Giorgi’s
1
Psicóloga pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Bolsista Técnica de Nível Superior (FAPDF) do Laboratório de “Saúde Mental, Religião e Cultura” da UCB.
End.: Universidade Católica de Brasília, Campus Avançado Asa Norte - SGAN 916, Módulo B Avenida W5, sala A016 - CEP: 70790-160 – Brasília, DF, Brasil. Tel.: (61)
9 9105-8722. E-mail: beatrizdesousaneves@gmail.com, ORCID 0000-0001-5218-3935.
2
Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica e da Cultura (UnB), Pós-Doutora em Psicologia da Religião (University of Kent at Canterbury, UK) e Psicologia Intercultural
(Universidade do Porto, Portugal). Professora pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia da UCB. E-mail: mhelenadefreitas@gmail.com,
ORCID 0000-0003-1552-6016.
3
Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica e da Cultura (UnB), Professora pesquisadora do Curso de Graduação em Psicologia da UCB. E-mail: lucianasantospsi@
gmail.com, ORCID 0000-0002-2280-3483.
4
Psicólogo, Doutor em Antropologia Normal e Patológica pela Universidade de Paris V e École des Hautes Études em Sciences Sociales, França, e em Psicologia
Social, pela Universidade do Porto, Portugal, onde exerce atualmente as funções de Professor Catedrático do Grupo de Psicologia e de Diretor do Programa Doutoral
em Psicologia, ligado à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. E-mail: fneto@fpce.up.pt, ORCID 0000-0003-0112-880X.
12 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 11 - 24

empirical-phenomenological method. According to the psychologist, the domestic violence suffered by these women
constitutes the greatest demand in her psychotherapeutic work with patients referred by the Consulate. In her view,
although religiosity has a relevant role in the immigrant’s mental health, it may also have a negative influence on
the way these women deal with the violence in question. These findings point to the importance that both domestic
violence and religiosity, under the gender bias, should be thematics inserted in debates and studies about the migra-
tory process.
Keyords: Domestic violence; Religiosity; Immigrant Brazilian Women; Portugal.
Resumen: Actualmente muchas mujeres brasileñas que viven en Portugal son víctimas de violencias. En este contex-
to, la religiosidad puede ser, entre otros factores, un recurso en la forma de lidiar con las experiencias de maltrato, en
particular en los casos de  violencia doméstica. Considerando que los psicólogos de los Consulados Generales pueden
atender tales demandas, el presente estudio tuvo como objetivo investigar las percepciones de una psicóloga del Con-
sulado General de Brasil en Portugal sobre las vivencias de mujeres brasileñas inmigrantes en este país, así como sus
percepciones sobre  el papel de la religión en estas vivencias, especialmente frente a la violencia doméstica. El estudio
consistió en una investigación cualitativa, de alcance exploratorio. El análisis de la descripción, obtenida por medio
de una revista semiestructurada, se desarrolló de acuerdo con el  método empírico-fenomenológico de Amedeo Giorgi.
Según  la psicóloga, la violencia doméstica sufrida por estas mujeres constituye la mayor demanda atendida, entre
las que le son remitidas  por el Consulado. En su percepción, aunque la religión tiene un papel relevante en la salud
mental de él/la inmigrante,  puede tener también influencia negativa sobre el modo cómo estas mujeres reaccionan
a la violencia en cuestión. Esto apunta a la importancia de que tanto la violencia doméstica como la religión, bajo el
sesgo del género, sean temáticas incluidas en debates y estudios acerca del proceso migratorio.
 Palabras clave: violencia doméstica; religión, Mujeres Brasileñas Inmigrantes; Portugal.

particularidade começou a ganhar visibilidade (As-


Introdução sis, 2007); embora ainda se perceba uma concepção
intelectual da migração, tanto interna quanto inter-
Nos últimos anos, vem crescendo rapidamente
nacional, como um fenômeno basicamente masculi-
o número de imigrantes internacionais em todo o
no (Dutra, 2017).
mundo. Segundo dados das Nações Unidas, em 2000,
De todo modo, atualmente, cada vez mais as mu-
o número de imigrantes internacionais correspondia
a 173 milhões de pessoas. Em 2010, esse número lheres migram sozinhas, muitas vezes em busca de
aumentou para 222 milhões, alcançando a marca de independência, seja ela econômica ou afetiva (Neves,
244 milhões, em 2015 (United Nations [UN], 2016). Nogueira, Topa & Silva, 2016). Essa mudança pode
Tais índices podem ser ainda maiores, considerando- permitir que mulheres escapem de situações opressi-
se a existência dos imigrantes em situação irregular, vas vivenciadas no seu contexto de origem, como por
que são desconhecidos para esses cálculos. exemplo, conflitos, violência, discriminação, restri-
Cabe destacar que os fluxos migratórios têm ções culturais ou papéis opressivos de gênero (United
passado por um processo de feminização, ou seja, Nations Population Fund [UNFPA], 2015). Porém,
é grande o número de mulheres que têm se lançado infelizmente, nem sempre elas conseguem alcançar,
em migrações transnacionais. Desde os anos 2000, através da migração, uma vida sem violência, pois, no
o número de mulheres migrantes aumentou em to- país de destino elas podem continuar vulneráveis a
dos os continentes, menos na Ásia e na África. Em essa ação. Isso acontece, primeiramente, pelo fato da
2015, elas correspondiam a 48% do total de migran- vítima ser mulher e sujeita às discriminações decor-
tes internacionais (United Nations [UN], 2016). As rentes das construções sociais de feminilidade e mas-
mulheres sempre estiveram presentes nos fluxos culinidade (Santos & Izumino, 2005), mas também
migratórios, mas não eram vistas como autônomas devido às desigualdades de gênero existentes tanto
nesse processo até a segunda metade do século XX, no local de origem quanto no de destino, o que pode
quando eram consideradas apenas como aquelas se agravar devido ao seu status de estrangeira (Inter-
que acompanhavam os maridos e filhos rumo a um national Organization for Migration [IOM], 2013). A
novo país. Somente a partir de 1970, com a inserção violência contra a mulher não está restrita somente a
de uma perspectiva teórica que considera o gênero, uma cultura, região e país específico, ou a grupos par-
a raça e a etnia nos estudos migratórios, é que essa ticulares de mulheres dentro da sociedade. Além do
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 11 - 24 13

status de migrante, outros fatores como etnicidade, se identificar os pontos positivos e negativos de tais
classe, idade, religião, orientação sexual, status matri- uniões (Raposo & Togni, 2009), dentre eles, a pos-
monial, deficiência física ou mental, podem influen- sibilidade da ocorrência de violência doméstica nas
ciar a forma como essa violência é vivenciada pela mu- mesmas.
lher migrante (United Nations [UN], 2011). Duarte e O que pode ser afirmado é que a inserção social
Oliveira (2012) apontam que essas interseccionalida- das mulheres brasileiras em Portugal é comprome-
des presentes na violência contra as mulheres são per- tida frente aos estereótipos de brasilidade, que his-
ceptíveis na violência doméstica sofrida por mulheres toricamente foram atribuídos aos/às brasileiros/as
imigrantes de diversas nacionalidades, que vivem em pelos/as portugueses/as. Tais atributos são relacio-
Portugal. Aqui cabe destacar que a violência domésti- nados à alegria, à simpatia, à sensualidade e à ma-
ca, conforme compreendida no Brasil, não diz respei- landragem que acabam ganhando uma conotação
to somente à violência física, mas consiste em qual- de erotização quando atribuídos às mulheres bra-
quer ação ou omissão baseada no gênero, que cause sileiras. Essa erotização também está relacionada
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico aos imaginários coloniais que construíram e ainda
e dano moral ou patrimonial a mulher, seja no âmbi- reproduzem racismos (Padilla, Fernandes & Gomes,
to da unidade doméstica, da família ou em qualquer 2010). Além disso, os estereótipos são mantidos,
relação íntima de afeto (Lei n.11.340, 2006). Essa vio- muitas vezes, porque tanto a mídia brasileira quanto
lência doméstica sofrida pelas imigrantes em Portugal a portuguesa mostram uma imagem sexualizada da
tem sido atravessada por discriminação e preconcei- mulher brasileira (Pontes, 2004).
tos no país, que pode partir até mesmo de entidades A partir desse imaginário, as mulheres brasileiras
públicas ou oficiais do mesmo. Tais preconceitos, se- são generalizadas, podendo não ser aceitas ou, até
gundo Duarte e Oliveira (2012) contribuem para que mesmo, vistas com desagrado por parte das mulhe-
as mulheres imigrantes tenham menos facilidade de res portuguesas ao se sentirem ameaçadas. Pontes
acesso aos sistemas de justiça, de saúde, de segurança (2004) destaca um episódio onde ilustra essa rela-
social, bem como às políticas de habitação e a outras ção entre portuguesas e brasileiras, mais conhecido
oportunidades socioeconômicas; o que corrobora con- como o caso das “Mães de Bragança” e que repercutiu
sequentemente, para que elas fiquem menos protegi- nacional e internacionalmente. Nesse episódio, na
das em situações de violência e mais dependentes do cidade de Bragança, em Portugal, um grupo de mu-
autor da violência doméstica. Isto foi evidenciado a lheres portuguesas, ao descobrirem que seus mari-
partir de pesquisa realizada pelas autoras diretamente dos frequentavam boates ligadas à prostituição e nas
junto às mulheres imigrantes, alertando especialmen- quais estavam presentes as brasileiras, recorreram
te para a discriminação sofrida por mulheres brasilei- às autoridades reivindicando a expulsão das prosti-
ras na sociedade portuguesa. tutas brasileiras.
Em Portugal, os brasileiros constituem a maior Nesse caso, as mulheres brasileiras ficaram mar-
comunidade estrangeira residente no país, e as mu- cadas como pecadoras e destruidoras de lares, en-
lheres são maioria dentro desse grupo, correspon- quanto as mulheres portuguesas foram reconheci-
dendo a 50.313 (61,92%) dos/as 81.251 migrantes das como mães e esposas, ao mesmo tempo em que
brasileiros/as que residem no país (Serviço de Es- os homens foram desculpabilizados (Padilla et al.,
trangeiros e Fronteiras [SEF], 2017). Além disso, o 2010). Tais atribuições assemelham-se a represen-
número de mulheres brasileiras que se casam com tações características de religiões cristãs ocidentais
homens portugueses é maior do que o número de que, muitas vezes, diferenciam a imagem das mulhe-
homens brasileiros que se casam com mulheres por- res entre “Eva” e “Maria”, associadas à ideia de peca-
tuguesas, totalizando 75% das 22.817 uniões de doras e puras, respectivamente (Vasconcelos, 2005).
fato realizadas entre imigrantes brasileiros/as e ci- Essas representações femininas podem ser também
dadãos/as portugueses/as (Instituto Nacional de Es- fortalecidas pelas próprias mulheres, na medida em
tatística [INE], 2013). Porém, embora seja grande o que elas tendem, em geral, a mostrar maior religio-
número de matrimônios transnacionais no país, es- sidade em comparação aos homens, ao aderir de for-
tes ainda são pouco estudados na literatura (Ferreira ma mais genuína aos preceitos, dogmas, práticas e
& Ramos, 2012) e também pouco discutidos pelas vivências religiosas (Freitas, Turra & Zaneti, 2014).
principais organizações nacionais e internacionais. Religiosidade é tomada aqui no sentido defini-
Como consequência disso, há uma dificuldade em do por Aletti (2012), ou seja, como um movimento
14 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 11 - 24

subjetivo da pessoa através do qual ela se lança além em Portugal chamou a atenção das autoras do pre-
da experiência terrena e fenomênica, com uma atitu- sente trabalho, ao surgir espontaneamente durante
de de esperança, de busca e de atribuição de sentido. uma entrevista realizada pela segunda autora com a
Segundo Freitas e Santos (2017), essa vivência busca psicóloga de um Consulado-Geral do Brasil em Portu-
ancorar-se numa crença no Divino, Sagrado ou Trans- gal, mesmo não sendo esse, originalmente, o foco da
cendente, sem necessariamente estar ligada a religiões entrevista, que tinha como objetivo principal inves-
específicas. Essa religiosidade, quando considerada no tigar a percepção dos/as profissionais de saúde men-
contexto de migração, pode ser benéfica, com valioso tal sobre a religiosidade dos/as imigrantes por eles/
potencial para a saúde mental do imigrante, tanto no as atendidos/as. Esta entrevista se deu no contexto
âmbito individual, ao dar sentido para as mudanças de uma pesquisa mais abrangente, mas a emergência
enfrentadas, quanto no âmbito social, com importan- espontânea do tema, o grau de detalhes em que foi
te papel no desenvolvimento das redes de apoio social abordado ao longo da entrevista e a relevância do as-
no país de destino (Watters, 2013). sunto para o campo da psicologia levou à elaboração
Porém, é importante estar atento/a à construção deste trabalho específico. Em Portugal, hoje, há três
do feminino proposta pelas instituições religiosas, na Consulados brasileiros: um em Lisboa, um no Porto
medida em que ela pode ser acompanhada por uma e um em Faro. O Consulado é a representação de um
introspecção de papéis e ditar um determinado tipo governo perante as autoridades locais e a comunida-
de conduta e comportamentos esperados tanto para de de seu país, instalada em outra nação. Sendo as-
homens quanto para mulheres (Pontes & Cavalcante, sim, ele cuida das relações entre o Estado e o povo,
2016), geralmente definidos a partir de um modelo de diferente da Embaixada, que está mais voltada para
organização da família patriarcal, com relação heteros- a relação entre dois Estados (Harada, 2015). Por isso,
sexual, chefia masculina e submissão dos filhos e da ele tem um papel importante no mapeamento das si-
mulher ao pai e ao marido (Jarschel & Nanjarí, 2008). tuações vivenciadas pelos brasileiros no país.
Tais modelos podem inclusive influenciar na decisão O/a psicólogo/a que trabalha nessa instituição
das mulheres denunciarem ou não a violência domés- tem a possibilidade de identificar questões mais
tica. Afinal, muitas buscam na religião uma forma de subjetivas dos/as migrantes, relacionadas às suas
compreenderem e suportarem a violência que sofrem dimensões bio-psico-socio-espirituais. Porém, mes-
(Krob, 2014), inclusive no contexto migratório. mo que nesse contexto o/a profissional compartilhe
Oliveira et al. (2016) apontam que a saúde men- da mesma nacionalidade da pessoa atendida, é im-
tal vem sendo abordada na literatura como um dos portante identificar se o/a mesmo/a está atento/a e
principais problemas de saúde que acometem os preparado/a para lidar com as implicações políticas,
imigrantes, principalmente as mulheres. Em Portu- econômicas, socioculturais e psicológicas vivencia-
gal, segundo Topa, Neves e Nogueira (2013), isso é das por quem emigra (Freitas, 2013).
potencializado devido à falta de suporte social e fa- A partir disso, considerando o grande número de
miliar, frequentemente sentida por estas mulheres, mulheres brasileiras que vivem em Portugal, muitas
e muitas vezes aliada a condições de pobreza e pre- delas encontrando obstáculos na sua adaptação no
cariedade econômica, colocando-as numa posição de novo país, podendo até mesmo ser vítima de violência
grande fragilidade social. doméstica, e considerando ainda o papel que a religio-
Esse impacto negativo na saúde mental das mu- sidade pode ter, ou não, no modo de lidar com essa
lheres imigrantes também pode ser influenciado situação, emergem os seguintes questionamentos:
pela vivência de relações violentas. Em pesquisa rea- Qual a percepção da psicóloga de um Consulado-Geral
lizada com 682 brasileiras que vivem em Portugal, do Brasil em Portugal, sobre o modo como essas mu-
Oliveira, Neto e Lima (2017) identificaram que ao lheres, em atendimento psicológico individual, lidam
menos 26,9% delas já sofreram algum tipo de vio- com a violência sofrida em contexto de migração?
lência no país e que estas, quando comparadas com Qual o papel da religiosidade no modo de lidar com
aquelas que não declaram ter sofrido violência, apre- esta violência? Como a própria psicóloga descreve e
sentaram maiores problemas de saúde mental, além lida com esses aspectos religiosos, quando eles apare-
de uma baixa percepção de saúde, uma percepção de cem em sua prática de atendimento a essas mulheres?
alta discriminação e um maior nível de solidão. Dadas estas questões, o presente trabalho teve
Essa tríade migração, violência doméstica e religio- como principal objetivo investigar as percepções
sidade no contexto da migração brasileira feminina e experiências de uma psicóloga, que atua num
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 11 - 24 15

Consulado-Geral do Brasil em Portugal acerca: a) das PROCEDIMENTOS


vivências pessoais de mulheres brasileiras imigran- INVESTIGAÇÃO
tes nesse país; b) do modo como a religiosidade des-
tas mulheres se apresenta, ou não, em seu modo de A entrevista foi realizada em um Consulado-Geral
lidar com o novo contexto; e c) como esta religiosida- do Brasil em Portugal, a partir de autorização previa-
de se relaciona, ou não, ao bem-estar pessoal e saúde mente obtida junto ao mesmo e à própria psicóloga
mental das mesmas e com a forma de lidarem com a entrevistada. A sua condução foi realizada por psicó-
violência doméstica. loga experiente e a partir de uma postura fenomeno-
lógica, de modo a favorecer a emergência do vivido
Metodologia (Amatuzzi, 2003) e permitir a exploração de uma
gama de sentidos expressos no relato da entrevista-
Este trabalho consiste em um estudo qualita- da (Holanda, 2003). A entrevista durou uma hora e
tivo fenomenológico, de cunho exploratório. O dezesseis minutos e foi gravada com a anuência da
projeto mais amplo no qual se insere foi aprova- entrevistada, logo após a assinatura do Termo de
do pelos Conselhos de Ética da Universidade Ca- Consentimento Livre e Esclarecido. Posteriormente,
tólica de Brasília (UCB) e da Fundação de Ensino e foi transcrita e revisada, passando a compor o banco
Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS) - CAAE de dados da pesquisa mais abrangente, referida an-
UCB31949014.9.0000.0029 / CAAE FEPECS: teriormente. 
31949014.9.3001.5553, e também autorizado pre-
viamente pelas instituições portuguesas no âmbito PROCEDIMENTOS DE
das quais foi desenvolvido. SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE
Participante A análise sobre o material transcrito foi feita de
acordo com a metodologia empírico-fenomenoló-
Participou da pesquisa uma psicóloga clínica bra- gica desenvolvida por Amedeo Giorgi (2011/1985,
sileira, com mais de 40 anos e residente há mais de 2012), a qual prioriza os processos descritivos acerca
dez em Portugal. Há alguns anos trabalha no serviço de um determinado fenômeno (Andrade & Holanda,
de saúde mental em parceria com um Consulado-Ge- 2010), e pode ser sistematizada em quatro etapas:
ral do Brasil no país, atendendo, em seu consultório,
1. Sentido do todo: o pesquisador lê a descrição com-
demandas encaminhadas pelo mesmo após passar pleta da entrevista, com o objetivo de apreender
pela triagem realizada por funcionárias da institui- o sentido geral das experiências relatadas, o que
ção. A psicóloga declarou não possuir nenhuma reli- implica em fazer quantas leituras forem neces-
gião específica, mas, disse se considerar uma pessoa sárias.
espiritualizada.
2. Discriminação das unidades de significados dentro
Instrumento de uma perspectiva psicológica e focada no fenôme-
no que está sendo pesquisado: o pesquisador relê a
Como instrumento para investigação de campo descrição e faz uma marcação sempre que perce-
foi utilizada entrevista semiestruturada, organizada ber uma mudança de significado que parece lhe
segundo nove eixos-temáticos: características dos parece ser psicologicamente sensível.
serviços prestados; características dos/as usuários/ 3. Transformação das expressões cotidianas do sujeito
as atendido/as; lugar dado à questão religiosa por em uma linguagem psicológica, com base no fenôme-
parte dos/as usuários/as imigrantes; lugar dado à no que está sendo investigado: aqui, as unidades de
questão religiosa pela própria profissional entrevis- significado, até então identificadas nas próprias
tada; que relações ela estabelece entre religiosidade palavras dos sujeitos, são transformadas em ex-
e saúde mental; que relações estabelecem entre re- pressões que revelam, de forma mais direta, o
ligiosidade e psicopatologia; como aborda a questão sentido psicológico daquilo que o sujeito disse.
em sua prática atual; o que considera boas e más prá- 4. Síntese das unidades de significado transformadas
ticas por parte do/a psicólogo/a ao lidar com a re- em uma declaração consistente da estrutura da ex-
ligiosidade dos/as usuários/as; religiosidade e saúde periência: o pesquisador sintetiza e integra as ex-
mental ao longo da formação. pressões mais sensíveis, que foram observados
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nas unidades de significado transformadas na [...] depois nós vamos ter alguns adolescentes, já, ah,
etapa anterior, em uma declaração consistente crianças que vieram pra Portugal com idades de escola
da estrutura psicológica do fenômeno, resultan- primária, sete, oito anos e que agora tão em idades
de adolescentes, né? [...] que estão numa situação de
do assim em uma “estrutura da experiência”,
vulnerabilidade [inaudível] o casamento entre os pais
que pode ser expressa em vários níveis. ou padrasto é uma relação conflitiva ou conflituosa e
O cumprimento destas quatro etapas proporcio- que essa criança é obrigada a... a mediar.
nou a elaboração de um material descritivo (resul- 2º Subtema: Abuso de poder, dependência econômica e
tados), no qual a violência doméstica sofrida pelas ilegalidade: fatores que permeiam a violência doméstica
mulheres brasileiras encaminhadas ao atendimento
psicológico, pelo Consulado, foi o tema que mais se Ao falar sobre os relacionamentos abusivos vi-
destacou. Daí o foco deste artigo recair, sobretudo, venciados por essas mulheres, a psicóloga entrevis-
sobre esta temática e sua relação com a religiosida- tada relata que
de. Após uma descrição de como isto se apresentou [...] geralmente elas vêm muito iludidas com essa
na percepção da entrevistada, realizou-se um diálogo relação, relação de internet ou através de sites. [...]
com a literatura encontrada sobre o tema (discussão). com o tempo essa relação vai entrando em, num ciclo
vicioso, é, de abuso de poder né? Porque essas pessoas
Resultados elas estão em primeiro momento indocumentadas,
elas não têm trabalho, muitas não tem qualificação
Para descrever a estrutura da experiência sobre pra arrumar um trabalho e, portanto, vai ser
o fenômeno pesquisado, as unidades de significado dependente momentaneamente desse, dessa relação
durante algum tempo. É, geralmente também são
depreendidas da leitura fenomenológica foram or-
homens muito ciumentos, que não querem num
ganizadas em núcleos temáticos, que as agrupam primeiro momento que elas tenham nenhum convívio
segundo proximidades e inter-relações entre subte- social. Portanto, isso já deixa circunscrito que ela
mas, conforme se segue. também não sabe muito bem quais são as leis, de que
forma que ela pode é... ficar regular no país [...]
Núcleo temático 1 – Vivência da violência
doméstica A partir do momento que as mulheres não aguen-
tam mais viver nessa relação, chegam a pensar em
1º Subtema: Violência doméstica como a maior demanda
voltar para o Brasil, mas se veem muitas vezes impe-
percebida pela psicóloga
didas, uma vez que possuem filhos pequenos:
A psicóloga apontou a violência doméstica sofri-
[...] Só que, como têm filhos pequenos, não podem
da por mulheres brasileiras jovens como a principal
sair daqui de Portugal, porque os companheiros
demanda que vem sendo recebida nos atendimentos não autorizam a ida da criança. [...] É, e ficam
psicológicos individuais realizados por ela. Citou, in- dependentes do Consulado, de certa forma, ficam
clusive, um caso de assassinato de uma jovem brasi- dependentes da rede que existe em Portugal, seja
leira, que foi acompanhado pelo Consulado. da, de uma associação de apoio a vítimas, seja do
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, quer dizer,
Essas pessoas, maioritariamente, elas vão essa pessoa ela fica a margem nessa sociedade,
indicadas, maioritariamente mesmo, 80% dependendo desses organismos que existem pra
praticamente são mulheres, mulheres vítimas de tentar né? É, elas não podem voltar porque têm
violência doméstica [...] é uma população bastante filhos menores. É, e, portanto, também não podem
jovem, maioritariamente entre 25 e 35 anos. Com ficar porque não têm trabalho.
pouco nível de escolaridade, mas não só. Temos
doutorandas também em situação análoga. 3º Subtema: Diferenças culturais e estigmas que per-
meiam a violência doméstica
Nós tivemos uma situação muito brevemente,
[...], de uma moça que foi assassinada. A mãe A psicóloga apontou o fato dos dois países, Brasil
então tava aqui, veio aqui, não sabia o que tinha e Portugal, possuírem a mesma língua oficial como
acontecido com essa menina ainda, essa menina
“um fator de, de, de risco [...]. Porque as pessoas não vêm
tinha desaparecido. [...]
preparadas né? ‘Ah, Portugal, é tudo igual!’ é ‘É fácil’, de-
Como segunda maior demanda, apontou os filhos pois chega aqui o impacto é muito grande”. Dentre as
adolescentes que presenciam as relações conflituo- diferenças percebidas, a profissional apontou a con-
sas entre os seus pais, em Portugal. cepção acerca da união estável presente em cada país.
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[...] elas ficam com a ideia de que, por viverem em vez mais é, forte né?”. Alega também que as falas de
determinado período com uma pessoa, elas têm os cunho religioso estão muito relacionadas tanto a um
mesmos direitos de uma mulher casada, como nós
alento, quando o/a imigrante aponta que “o que me
temos no Brasil, mas aqui não é assim. Então, às
vezes, uma relação de 10, 15 anos, que praquela dá força é saber que, eu tenho alguém que olha por mim”,
pessoa é uma relação estável e que ela tem algum quanto a uma busca de sentido, na medida em que
tipo de direito adquirido, ela depois verifica, questiona: “Por quê que eu vim pra cá? Por quê que será
naquela fase crítica da relação, que esse direito não que depois de eu ter vindo pra cá, eu ter largado tudo
existe né? Porque é diferente. aquilo que foi difícil, tá acontecendo isso agora comigo?”.
A violência, muitas vezes, é influenciada também A religiosidade oferece também um suporte fren-
pela existência de “um estigma muito forte em relação te a situações de perda de um ente querido, como foi
à mulher brasileira né? Fruto de uma série de questões possível observar através da realização da missa de
[...]. É, o que também dificulta a... a sociabilidade dessas sétimo dia da jovem assassinada, que foi “iniciativa
mulheres aqui em Portugal”. Soma-se a isso o histórico [da mãe] dela”, mas contou “com o apoio do Consulado”.
de violência que essas mulheres vivenciaram antes Assim, a expressão da religiosidade emerge também
mesmo da imigração. no contato com instituições religiosas que acolhem
os imigrantes no país, já que “a rede assistencial [...],
Ah, tem uma vida, um histórico de vida já muito
tanto do governo, quanto de entidades filantrópicas, é
difícil no Brasil [...] Nós temos maioritariamente
essa população, foi vítima de violência doméstica, muito ativa”. E se manifesta, ainda, através de grupos
desculpa, vítima de abuso sexual na infância, religiosos.
então assim, é uma reedição de uma série de... de...
A religiosidade, sobretudo quando você tá num
de problemáticas que elas já vai arrastando né?
[outro] país, sem entorno psicossocial, você não tem
família, você não tem amigos, é, essa religiosidade,
Núcleo temático 2: Trabalho da psicóloga ela também vai se manifestar através dos grupos
frente à violência doméstica né? [...] você conseguir agregar determinados
valores, determinadas crenças em um grupo com
Subtema: Reorganização dos projetos de vida das mu- alguma solidez, isso em termos psicológicos, é
lheres vítimas de violência estrutural né? [...] Então, nesse contexto, eu ouço
muito o quanto essa, esse núcleo, essa ligação com
A psicóloga relata que o seu trabalho, com as mu-
o núcleo religioso e com o grupo: “me dá certa força
lheres vítimas da violência doméstica, é realizado no e credibilidade”.
sentido de favorecer a reorganização de suas vidas.
Entretanto, considera também que a expressão
[...] Elas vão ter que perspectivar um outro, uma
outra vida, que não é essa que ela tem[...]. Pra
religiosa dos brasileiros em Portugal pode ser um
que ela possa então buscar um auxílio, pra que ela pouco limitada, considerando-se que o fato “do sin-
possa buscar emprego, pra que ela possa organizar cretismo religioso que existe no Brasil, não existir aqui
a documentação, pra que ela possa se desvencilhar [em Portugal] [...] Aqui, por exemplo, fica muito mais
de uma relação de amor e ódio, porque é uma difícil esse, é, é, é... você se identificar com várias reli-
relação de amor e ódio.
giões”.

Núcleo temático 3: Expressão religiosa por 2º Subtema: Influência negativa da religiosidade no


parte dos/as imigrantes modo como as mulheres brasileiras lidam com a violên-
cia doméstica
1º Subtema: Religiosidade do/a imigrante brasileiro/a
A psicóloga relatou que a religiosidade pode ter
perceptível e positiva, mas, contida
uma influência negativa na vida das mulheres víti-
Segundo a psicóloga, os aspectos religiosos “apa- mas de violência, a partir do momento em que algu-
recem em vários momentos” na sua prática. Porém, não mas delas vêm isso como um “carma”, chegando às
é apresentada diretamente “em termos, assim, de ser vezes a dizer “eu não posso sair desse, desse caminho,
uma questão de queixa, nunca”. Considera que, em ge- porque se Deus quis assim, eu tenho que cumprir com
ral, ter essa religiosidade é algo positivo, na medida esse, com esse predicado, né?”. Esta forma de ver as
em que “se a pessoa tem essa informação e tem essa re- coisas faz com que estas mulheres deixem de enfren-
lação com o divino, ela vai ter essa... nos momentos de di- tar a violência, deixando de exercer o que a psicóloga
ficuldade, essa relação... A tendência é que ela fique cada chama de “livre-arbítrio”:
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[...] Eu acho que só é problemático quando é, eu não É, como um médico... a pessoa tem uma religião,
consigo perspectivar que eu tenho o livre-arbítrio. mas não é por isso que ela vai deixar de fazer
Ou seja, se eu tenho uma questão, eu estou vivendo a quimioterapia, porque ela tem uma religião.
uma relação, uma relação de opressão, uma relação Geralmente, a gente vai tentar que ela faça as duas
de insulto, uma relação de coação, eu tenho o coisas né?[...] Tentar, que a gen... nem sempre a
direito de sair dessa relação, porque essa relação gente vai conseguir, mas tentar que ela observe
não é uma relação saudável. que todas essas são hipóteses e que ela não precisa
desconstruir uma pra ter acesso à outra.
Núcleo Temático 4: Trabalho da psicóloga
Embora a psicóloga tenha apontado essas ações
frente à religiosidade do/da imigrante
no modo de lidar com a religiosidade das mulheres
1º Subtema: Respeito à religiosidade, como boa prática, por ela atendida, relatou que não estudou sobre o
e desconsideração dessa dimensão, como má prática. assunto durante a formação básica em psicologia.
Alega ser justamente a partir da sua experiência clí-
A entrevistada considera como uma boa prática, nica que hoje reconhece a importância de se estudar
no lidar com a religiosidade do imigrante em aten- o tema ao longo da formação, já que ele é muito fre-
dimento psicológico, o respeito à sua própria forma quente na prática do psicólogo: “todo profissional de
de crer, defendendo que “esse lugar [do religioso] tem saúde tem que ter, se não teve na formação básica, tem
que ser sempre respeitado pelos profissionais de saúde”. que buscar isso de alguma maneira” pois “o fato da gen-
Já uma má prática, segundo ela, seria “desconsiderar te não compreender esse mecanismo pode por em risco o
esse local do sagrado, da, da... do transcendental, do sen- outro” já que “independente da área que você trabalhe,
tido da vida. É... porque isso é fundamental pra aquela vai ter essa questão da religiosidade, sempre, né?”.
pessoa”. Acredita também que desconstruir a religio-
sidade e a fé das pessoas não é da competência do Discussão
psicólogo.
Um primeiro aspecto que chama a atenção nas
2º Subtema: Tentativa de compreender as crenças que percepções da psicóloga entrevistada é o índice alar-
dificultam o modo de lidar com a violência doméstica mante de violência doméstica sofrida pelas mulhe-
Por outro lado, a entrevistada também relata que res brasileiras que vivem em Portugal, o que se de-
busca auxiliar as mulheres imigrantes, vítimas de duz pelo grande número de mulheres que ela atende
violência doméstica, a desconstruírem crenças que nessa situação. Essa percepção se encontra em con-
estão por trás de afirmações do tipo “‘Que se eu ca- sonância com o relato, publicado na página “Brasi-
sei é ‘pra’ sempre né?’ é ‘Independente de eu apanhar ou leiras pelo Mundo”, de outra psicóloga que trabalha
não.’ Quer dizer, de onde é que vem isso né?’”. Às vezes, em Portugal, ao afirmar que essa é uma demanda
chega a investigar sobre a maneira como o líder e a também muito presente no seu consultório (Costa,
comunidade religiosa dela se posicionam em relação 2017). Entretanto, embora isso indique a constante
a essa situação específica. presença desse fenômeno na prática cotidiana dessas
profissionais, é difícil encontrar um número oficial a
[...] Como é que seria conversar sobre isso com respeito do assunto.
o seu pastor? Você já conversou com ele? Que
No Relatório de Migrações, Fronteiras e Asilo
tipo de orientação ele te deu?” Porque às vezes a
gente pode ter uma visão e, por exemplo, o pastor de 2016 (SEF, 2017), é possível ver que neste ano,
tem outra, e é muito importante que a gente não especificamente, o serviço registrou três casos de
desconstrua isso. Tem que ter o papel do psicólogo, violência doméstica, porém, no documento não há
haver o juízo, porque aquilo pra ela é fundamental. uma identificação de qual nacionalidade ou gênero
[...] Então, mesmo que aquilo pra mim não faça seriam as vítimas da denúncia. Além disso, é um nú-
qualquer sentido, eu vou trabalhar com o teu mero que contradiz aos dados apresentados pela psi-
sistema de crenças e valores, então “Como é que é
isso na tua religião?”
cóloga entrevistada. Porém, isso pode acontecer pelo
fato de que, muitas vezes, as queixas recebidas pelas
Em casos onde o/a imigrante rejeita o atendimen- psicólogas não aparecem de forma direta no momen-
to psicológico por acreditar que só precisa de Jesus to da procura pelo atendimento, mas emergem na
para resolver a seu problema, a psicóloga ressalta medida em que este acontece. E também pelo fato
que tenta mostrar que o atendimento psicológico da violência doméstica, em muitos casos, só surgir
não anula a importância da fé e vice-versa. como uma queixa direta a partir do momento em
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 11 - 24 19

que gera violência física ou até mesmo, assassinato, em outros relacionamentos (Razera, Cenci & Falcke,
como o caso relatado pela psicóloga e acompanhado 2014), seja no que diz respeito ao desenvolvimento
pelo Consulado pesquisado. de um comportamento violento ou a uma vulnera-
No Brasil, os balanços, semestrais e anuais, da bilidade de sofrer violências (Zancan, Wasserman &
Central de Atendimento à Mulher em Situação de Lima, 2013).
Violência, conhecida como “Ligue 180”, também A transgeracionalidade pode ter acontecido tam-
não têm apontado o número de ligações recebidas bém nos casos de abusos sexuais sofridos por essas
de outros países abrangidos pelo serviço. O início da mulheres na infância. Por isso, é de suma importân-
expansão do atendimento para o exterior aconteceu cia que os profissionais de psicologia estejam atentos
em novembro de 2011, porém, somente os relató- a experiências de violências sofrida na infância, a fim
rios do primeiro semestre de 2012 e de 2013, dentre de se romper com o ciclo de violência transgeracional
aqueles que estão disponíveis no site da Secretaria de (Razera et al., 2014), seja ele no contexto migratório
Política para as Mulheres (SPM), indicaram o balan- ou de origem.
ço das ligações internacionais recebidas nos respec- Além disso, outro fato que pode ter influência ne-
tivos períodos. De janeiro a junho de 2012, o balanço gativa para a saúde psíquica da criança diz respeito
apontou o registro de 33 atendimentos produtivos, ao momento em que os autores da violência, confor-
dentre 80 ligações recebidas da Espanha, Itália e me apontado pela psicóloga, utilizam os/as filhos/as
Portugal (Secretaria de Políticas para as Mulheres como “instrumento dentro do jogo familiar violento”
[SPM], 2012). Já no mesmo período de 2013, foram (Santos & Moré, 2011), ao impedir que as mulheres
realizados 31 atendimentos internacionais oriundos brasileiras saiam do país com eles/as.
desses países, sendo quinze casos da Espanha, dez da É importante observar que a psicóloga entrevis-
Itália e seis de Portugal (Secretaria de Políticas para tada disse perceber o início da violência no momento
as Mulheres [SPM], 2013a). em que algumas brasileiras ainda se encontram em
Embora não tenha sido possível encontrar o ba- situação irregular no país. Isso dificulta ainda mais
lanço anual de 2012 no site da SPM, em 2013 foi di- que essas mulheres busquem ajuda para sair do re-
vulgado o perfil das ligações internacionais registra- lacionamento violento, pois se procurarem a auto-
das de janeiro a dezembro de 2012, primeiro ano após ridades policiais podem até mesmo serem detidas,
a expansão internacional do atendimento. Nesse pe- conforme aponta Gomes (2015). Segundo a autora,
ríodo foram recebidas 80 ligações produtivas, sendo se essas mulheres buscarem os Centros de Apoio ao
18 delas (22%) originadas de Portugal.  A violência Imigrante ou alguma associação que preste apoio a
doméstica e familiar esteve presente em 70% dos vítimas de violência doméstica no país, estes podem
80 telefonemas, e nestes casos 84% das agressões acionar o Ministério Público e, então, pode ser feito
foram praticadas pelo cônjuge, companheiro ou ex- um “requerimento de autorização de residência de
cônjuge da vítima (Secretaria de Políticas para as caráter excepcional por razões humanitárias”, con-
Mulheres [SPM], 2013b), porém não é possível saber forme assegura a legislação portuguesa, de acordo
a nacionalidade dos agressores. Outro dado impor- com a suas especificidades. Porém, até que essa au-
tante apontado nesse levantamento é que mais de torização seja feita, a vítima provavelmente precise
80% das vítimas possuem entre um e três filhos/as, continuar residindo com o agressor, pois só pode ser
sendo que estes/as presenciaram a violência contra a encaminhada a um abrigo público depois de obter
mãe em 50% das situações atendidas, chegando até essa autorização. As autoridades policiais também
mesmo a serem alvos das agressões em 35% dos re- podem pedir a autorização de residência em questão,
latos (SPM, 2013b). Isto, por sua vez, coaduna com porém enquanto aguarda o resultado da decisão, a
a fala da psicóloga, ao relatar que a segunda maior imigrante “fica detida em estabelecimentos policiais
demanda por ela atendida diz respeito aos/às ado- ou em centros de instalação temporária, e pode ser
lescentes que convivem com a situação de violência expulsa antes mesmo da decisão de concessão da au-
doméstica sofrida pela mãe. Esse é um dado preocu- torização” (Gomes, 2015, p. 125).
pante na medida em que, dentre os múltiplos fatores Hirigoyen (2006) afirma que a violência domésti-
que permeiam a violência doméstica, pode estar a ca perdura quando a mulher está isolada socialmente,
transgeracionalidade, que é a tendência de que vi- sem contato com a família, amigos e, até mesmo sem
vências e modelos aprendidos pelos sujeitos nas rela- trabalhar. Segundo ela, quando o homem, de certa
ções familiares, sejam eles bons ou ruins, se repitam forma, impõe esse isolamento, o faz com o intuito
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de que a mulher se volte unicamente para ele. Em si- psicóloga, registrou-se consonâncias com as percep-
tuação de migração, esse isolamento pode ser ainda ções de psicólogos/as e psiquiatras brasileiros que
mais “efetivo”, considerando que a mulher pode não atendem imigrantes em Brasília, entrevistados/as
ter nenhuma rede de apoio social no país de destino, em pesquisa realizada por Freitas e Santos (2017).
e com isso, são maiores a dificuldade de estabelecer Também estes/as profissionais tenderam a estabe-
uma, conforme apontou a psicóloga entrevistada. lecer conexões entre religiosidade e saúde mental a
Outro fator que permeia a violência doméstica, e partir de suas percepções acerca dos efeitos da reli-
que foi relatado pela profissional entrevistada, diz giosidade e da fé na vida dos/as imigrantes, assim
respeito às diferenças culturais entre os dois países, como a psicóloga do Consulado, que apontou a reli-
diferenças essas que muitas vezes só são percebidas giosidade como positiva na medida em que oferece
pelo/a brasileiro/a no momento em que chega a Por- sentido, alento e apoio social aos/às imigrantes, e
tugal, ao ver que mesmo que falem a mesma língua negativa, quando impede, de certa forma, que as mu-
e compartilhem história com raízes culturais em co- lheres imigrantes saiam do relacionamento violento.
mum, existem diferenças significativas entre os dois Assim como a psicóloga abordou, outros estudos
países (Padilla, 2005). Uma dessas diferenças está também vêm indicando o uso da religiosidade, de
relacionada à concepção de união estável, conforme forma negativa, no modo de enfrentar a violência do-
apontado pela psicóloga. Em Portugal a união está- méstica. Silva (2013) relatou que algumas mulheres
vel, denominada como união de fato, diferente do se culpam pela agressão sofrida e outras caracterizam
que acontece no Brasil, não é considerada como rela- a agressividade do companheiro como uma possessão
ção de família ou equiparada à relação de casamento demoníaca. Fernandes, Gaia e Assis (2014) percebe-
(Lopes & Freire, 2013). Entretanto, embora a relação ram esse aspecto prejudicial quando uma mulher en-
colonial não tenha estabelecido uma identidade cul- trevistada, em pesquisa por eles realizada, relatou não
tural semelhante entre os dois países, deixou a per- se separar por medo de ser “condenada religiosamen-
petuação da ideia de um corpo feminino disponível te”. Tais fatos apontam para o risco de naturalização
(Gomes, 2013), o que contribui para o estigma que da violência, que pode se ancorar em determinadas
permeia a violência doméstica sofrida por mulheres concepções religiosas que levam algumas mulheres a
brasileiras, conforme a psicóloga pode observar nos atribuírem uma causa divina à violência e/ou a pensa-
atendimentos cotidianos. Sendo assim, o imaginário rem que somente Deus poderá resolver aquela situa-
em relação à mulher brasileira, em Portugal, consti- ção (Lima, Soares, Vargas & Barletta, 2013).
tui-se como uma forma de violência simbólica, que Um ponto passível de discussão na descrição obti-
por vezes concretiza-se através das explorações, hu- da é o fato da psicóloga ter afirmado que ao não rom-
milhações e, em alguns casos, situações de violência per com o casamento violento a mulher não exerce
física (França, 2012). o livre-arbítrio. E aqui se questiona se não seria ao
O trabalho da psicóloga no atendimento a bra- contrário: se justamente por ter o livre-arbítrio é que
sileiras vítimas de violência doméstica no contexto ela pode escolher entre romper ou permanecer na re-
migratório é voltado para o favorecimento da sua au- lação. Principalmente ao se considerar que uma mul-
tonomia, através da articulação da rede de serviços, a tiplicidade de fatores envolve essa tomada de decisão
fim de favorecer o acesso a recursos e obtenção e/ou (Zancan et al., 2013), inclusive a especificidade das
ampliação de rede de suporte social, para que dessa mulheres em situação de migração.
forma possa ter condições mais favoráveis para sair No que diz respeito ao modo como a psicóloga
da situação de violência (Reis, 2010). Porém, nesse lida com a manifestação religiosa negativa das mu-
atendimento, a profissional precisa lidar com a pro- lheres frente à violência doméstica, foi possível ob-
funda mobilização psíquica e emocional decorrente da servar que ela se mostrou aberta e atenta ao tema
migração (Freitas, 2013), seja no que diz respeito aos da religiosidade, permitindo que essa dimensão
estereótipos e até mesmo no que tange a dificuldades possa encontrar meios de expressão concreta du-
de acionar redes de apoio, questões sobre as quais a rante os atendimentos, o que está de acordo com o
psicóloga mostrou ter conhecimento, o que pode ser que se observou também nos relatos de psicólogos/
decorrente do tempo de atuação no Consulado e até as e psiquiatras que atendem imigrantes em servi-
mesmo da sua vivência como mulher imigrante. ços de saúde mental de Brasília (Freitas & Santos,
No que se refere à expressão da religiosidade 2017). Isso se manifestou tanto em sua postura de
dos/as imigrantes e ao modo como é percebida pela buscar sondar, junto às pacientes, a opinião do seu
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líder religioso ou, ainda, quando tenta explicar ao/à garantam a proteção de mulheres imigrantes e aten-
imigrante, em caso de resistência deste/a, que um dam as suas necessidades (UNFPA, 2015).
atendimento psicológico não precisa necessariamen- O fato de muitas mulheres vítimas de violência
te excluir o acompanhamento religioso, se for da doméstica em Portugal terem sido vítimas de abu-
vontade do/a usuário/a, e vice-versa. Sendo assim, so no Brasil mostra a importância de se combater
o seu modo de lidar com essa dimensão mostrou-se a violência contra as mulheres também no país de
consonante com a alegada atitude de respeito à reli- origem. Eventos repetitivos e traumáticos de violên-
giosidade, que ela considera como uma boa prática cias, ou decorrentes dessas, podem influenciar as re-
no modo do/a profissional lidar com a temática. lações posteriores, levando até mesmo a ocorrências
No decorrer da entrevista com a psicóloga, foram de novos episódios violentos na vida dessas mulhe-
muito frequentes as expressões que mostram que a res, conforme apontou a psicóloga.
religiosidade se faz presente no cotidiano da sua prá- A violência doméstica no contexto migratório se
tica, entretanto, conforme a mesma afirmou, esta te- assemelha à violência doméstica sofrida pelas mu-
mática não foi abordada durante a sua graduação em lheres no Brasil, no que diz respeito à dependência,
psicologia. Isto está em conformidade com os relatos seja econômica e/ou psicológica, do cônjuge, e ao iso-
de outros profissionais da área da saúde, que dizem lamento, por exemplo. Contudo, o contexto migra-
não ter estudado o assunto durante a formação pro- tório pode oferecer mais fatores de vulnerabilidade,
fissional, seja no que diz respeito ao modo de lidar os quais sejam: falta de rede de apoio social, situação
com as experiências religiosas de pacientes, bem ilegal no país e, ainda, estereótipos pré-estabeleci-
como naquilo que concerne às conexões destas com dos. Por isso, é muito importante que o/a profissio-
as ações de saúde, física ou mental (Freitas, 2014). nal que atenda aos/às imigrantes tenha um conheci-
Devido a essa lacuna, muitos profissionais acabam mento prévio sobre essas particularidades.
buscando saber mais sobre o assunto por conta Outro fato que chamou a atenção no relato da psi-
própria, conforme a própria psicóloga apontou ser cóloga foi a forma como a religiosidade pode se fazer
necessário, e até mesmo aprendem a lidar com a te- presente, de forma negativa, no modo de lidar com a
mática a partir das experiências que tiveram com a violência doméstica dentro do contexto migratório e
questão (Freitas & Santos, 2017). como isso está atrelado aos papéis atribuídos às mu-
lheres dentro de instituições religiosas, contribuindo,
Conclusão algumas vezes, para que as mulheres brasileiras conti-
nuem vivendo uma relação violenta. Sendo assim, tal
A presente pesquisa possibilitou o compartilha- questão mostra que o viés de gênero precisa ser inse-
mento da experiência de uma psicóloga que tem rido também nas discussões que dizem respeito ao pa-
atendido muitos casos de mulheres brasileiras víti- pel da mulher dentro das instituições religiosas, pois,
mas de violência doméstica em Portugal, o que aler- infelizmente, nesse contexto, com muita frequência, a
ta também para o quanto isso pode comprometer a mulher ainda ocupa um papel de submissão.
saúde mental das mesmas. Tais casos podem levar a A profissional entrevistada mostrou-se muito
violências extremas, como o assassinato, conforme sensível aos casos de violência doméstica sofrida
apontado pela entrevistada. A partir do seu relato pelas mulheres brasileiras atendidas por ela, porém
sobre as demandas recebidas no Consulado-Geral é importante salientar que essa sensibilidade pode
do Brasil onde atua, é possível depreender que a ter relação com o fato dela também ser brasileira.
migração feminina carrega peculiaridades que a di- Dessa forma, em futuras pesquisas, seria importan-
ferenciam da migração masculina, o que indica a ne- te verificar como psicólogos/as portugueses/as per-
cessidade de se inserir o viés de gênero nas políticas cebem e lidam com as mulheres brasileiras vítimas
atuais de migração (Duarte & Oliveira, 2012). de violência doméstica, considerando-se os estigmas
Porém, para que essa inserção aconteça, é neces- que podem permear essa relação, no que diz respei-
sário, primeiramente, colher e sistematizar dados to ao imaginário que os portugueses e portuguesas
relacionados a essa violência, atualmente difíceis de têm em relação às mulheres brasileiras. Isso possi-
serem obtidos. A partir disso, os dados poderão ser bilitaria também verificar se esses/as compartilham
reunidos, analisados e, então, utilizados para não a percepção da psicóloga entrevistada, sobre o fato
só reformular as políticas migratórias, como tam- das mulheres brasileiras apresentarem a violência
bém contribuir para a criação de planejamentos que doméstica como uma grande demanda.
22 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 11 - 24

A presença da religiosidade na vivência das mu- tanto no que diz respeito à violência doméstica sofri-
lheres imigrantes reafirma a religiosidade como uma da pelas mulheres brasileiras imigrante em Portugal,
dimensão que constitui a integralidade do sujeito e sobre a qual quase não se encontra pesquisas especí-
que, por isso, deve ser levada em consideração, em ficas a respeito, quanto no que se refere à religiosi-
qualquer que seja o contexto. Sendo assim, torna-se dade no contexto migratório, conforme já apontara
essencial que o/a psicólogo/a esteja sempre atento a Freitas (2011). Tal fato aponta para a necessidade de
ela, não julgando ou desconstruindo as crenças dos/ que sejam elaborados estudos e debates mais pro-
as usuários/as de seus serviços, em especial dos/as fundos a respeito dessas temáticas, a fim de que se
imigrantes, mas sim, compreendendo-as. possa oferecer subsídios para a atuação profissional
Em suma, a entrevista possibilitou a emergência de psicólogos/as, além de mais suporte a trabalhos
de dois temas ainda pouco explorados na literatura, preventivos.

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Recebido: 10.02.2018 / Corrigido: 24.08.2018 / Aprovado: 13.09.2018


Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 25 - 32 25

Atividade, sentimentos e percepções


de mulheres diante do processo de
envelhecimento.
Activity, feelings and perceptions of women facing the aging process.
Actividad, sentimientos y percepciones de las mujeres ante el proceso de envejecimiento.
Adna Sepulvida Maciel Cozzolino1
Ana Lúcia Gatti2
Rodrigo Jorge Salles3
Universidade São Judas Tadeu

Resumo: O aumento da população idosa, especialmente a feminina, é fato no país e no mundo. Entre outros fatores, a atividade,
física, social e laboral, tem sido apontada como forma de incrementar a qualidade de vida no envelhecimento. A comparação entre a
percepção que idosas ativas e não ativas revelaram diante do Senior Aperception Test foi o objetivo da pesquisa. Dois grupos com oito
idosas, entre 60 e 75 anos, foram submetidos a questionário sociodemográfico e responderam a oito pranchas do teste. Os resultados
revelaram a inexistência de diferença entre os grupos e evidenciaram a predominância de pouco aprofundamento na investigação das
situações, escassa incidência de citações quanto a sentimentos em relação à velhice e perspectivas para o futuro. Conclui-se pela
necessidade de realização de outros estudos com o instrumento, com maior controle de variáveis e número de participantes, para
verificar seu alcance e obter maior conhecimento sobre a faixa etária.

Palavras-chave: Gerontologia; teste de apercepção temática; socialização.

Abstract: The growth of the elderly population, especially women, is a fact in our country and in the world. Among other
factors, the physical, social and labor activities have been pointed as a way to increase the quality of life in aging. The
comparison between the perception of active and non-active elderly women revealed by the Senior Aperception Test was
the objective of this research. Two groups of eight participants, aged between 60 and 75 years, underwent a sociodemo-
graphic questionnaire and responded to eight test boards. The results revealed no difference between the groups and
evidenced the predominance of little depth in investigating the situations, scarce incidence of references about feelings
toward aging and prospects for the future. The results confirmed the need for further studies with the instrument, with
more control of the variables and increased number of participants, to check its range and obtain more knowledge about
the age group.

Key-words: Gerontology; Thematic Apperception test; Socialization.

Resumen: El aumento de la población anciana, especialmente la femenina, es un hecho en el país y en el mundo. Entre
otros factores, la actividad, física, social y laboral, ha sido apuntada como una forma de aumentar la calidad de vida
en el envejecimiento. La comparación entre la percepción que las ancianas activas y no activas revelaron ante el Senior
Aperception Test fue el objetivo de la investigación. Dos grupos con ocho ancianos, entre 60 y 75 años participaron, fue
aplicado el cuestionario sociodemográfico y respondieron a ocho tablas de la prueba. Los resultados revelaron la ine-
xistencia de diferencia entre los grupos y evidenciaron la predominancia de poco profundización en la investigación de
las situaciones, escasa incidencia de citas en cuanto a sentimientos en relación a la vejez y perspectivas para el futuro.
Se concluye por la necesidad de realizar otros estudios con el instrumento, con mayor control de variables y número de
participantes, para verificar su alcance y obtener mayor conocimiento sobre el grupo de edad.

Palabras clave: Gerontología; prueba de apercepción temática; socialización.

1
Graduada em psicologia pela Universidade São Judas Tadeu. Endereço: Rua Werner Goldberg, 157, Tupancy- Barueri/ SP, CEP: 06414-025, E-mail: adna.sepulvi-
da@yahoo.com.br, ORCID 0000-0001-8618-2201, Telefone: (11) 97806-2517.
2
Doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professora na Universidade São Judas Tadeu. Endereço:, E-mail: prof.agatti@usjt.br,
ORCID 0000 0003 1036 3510, Telefone: (11) 95375-0010
3
Mestre e Doutorando em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professor na Universidade São Judas Tadeu. Endereço: E-mail:
rodrigojsalles@hotmail.com, ORCID 0000-0003-0485-4671, Telefone: (11) 98206-2608
26 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 25 - 32

Introdução recuperação e manutenção da saúde do idoso (Ribeiro,


Cavalli, Cavalli, Pogorzelski, Prestes & Ricardo, 2012),
Um dos fenômenos que têm chamado atenção na sendo a alternativa mais procurada em função dos be-
sociedade atual é o extraordinário crescimento da po- nefícios alcançados. Quando efetuados regularmente,
pulação acima dos 60 anos, tanto nos países em desen- os exercícios podem auxiliar na recuperação da capa-
volvimento quanto nos desenvolvidos (Trindade et al, cidade funcional e autonomia, colaborando com a re-
2011). Tal fato está relacionado ao declínio nas taxas dução de quedas devido a melhora no equilíbrio, con-
de fecundidade e de mortalidade (Cardoso et al, 2012). tribuindo também na prevenção de doenças crônicas
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou e degenerativas (Gozzi, Sato & Bertolin, 2012; Valerio
que, nos próximos anos, a população idosa passará de & Ramos, 2013; Medeiros, Brito, Perracini, Araújo &
841 milhões para 2 bilhões até 2050, sendo que em Santos, 2014). A participação social é outro fator que
2020 a população idosa será superior à população de pode contribuir para que os idosos desenvolvam uma
crianças de até cinco anos (Organização das Nações perspectiva positiva em relação a esta fase da vida, in-
Unidas no Brasil, 2014). Quanto ao Brasil, este passará fluenciando a percepção que os senescentes têm de si
a ser o sexto país com o maior número de pessoas ido- próprios e também do seu processo de envelhecimen-
sas no mundo. Segundo projeções, em 2050 a popula- to, mantendo-os ativos, com autoestima, e melhora
ção idosa será 18% da população total brasileira (Insti- no humor (Both et al, 2011). Neste sentido, grupos de
tuto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2004). convivência que realizam atividades físicas, artesanais
O envelhecimento tem sido referido como um fe- e culturais podem auxiliar os idosos a manterem-se
nômeno heterogêneo, dado atingir os indivíduos e as ativos, com qualidade de vida e conscientização para
comunidades de modo desigual, mas que se faz acompa- o autocuidado, além de ajudá-los a estabelecer novas
nhar por alterações biopsicossociais. É um processo que relações (Leite, Winck, Hildebrandt, Kirchner & Silva,
vai conduzir ao estado de “velhice”, o qual, igualmente, 2012). O trabalho também é um fator que pode in-
não apresenta sempre as mesmas características, mas fluenciar a percepção do processo de envelhecimento.
ainda é visto com preconceito e temor (Schneider & Iri- Primeiramente porque ele é um meio que possibilita
garay, 2008; Bodner, 2009; Fechine & Trompieri, 2015). uma participação social mais ativa, auxiliando na ma-
Atualmente, a velhice ainda é percebida como um nutenção da identidade, desempenho cognitivo e in-
período que antecede o final da vida, quando o idoso dependência, além de proporcionar sentimentos como
passa a ter sentimentos de luto e vazio em relação bem-estar, utilidade, motivação e produtividade, ape-
ao futuro. Ocorrem também declínios neurológicos, sar das limitações decorrentes da idade, sendo neces-
físicos e psíquicos com mais frequência e intensidade sário em muitos casos para complementação da renda
se comparados às outras fases da vida. Essas altera- familiar (Gomes et al, 2016). Por conseguinte, as pers-
ções repercutem sobre as atividades básicas e instru- pectivas em relação à aposentadoria podem ser influencia-
mentais da vida diária do idoso, o que pode torná-lo das pela concepção de trabalho, no qual o afastamento das
dependente de outras pessoas. (Araújo, Amaral & Sá, atividades anteriormente realizadas muitas vezes passa a
2014; Barletta, 2014; Dias, Paúl & Watanabe, 2014). ser associado à inutilidade, solidão e perda (Lima, 2007;
Apesar da predisposição a desenvolver doenças, o Antunes & Moré, 2014). Entretanto, boa parte dos idosos
que procuram novos trabalhos após receberem o benefício
envelhecimento não precisa ser considerado sinônimo
da aposentadoria o fazem pela necessidade de se sentirem
de adoecimento e perda, especialmente quando o idoso
úteis ou devido às dificuldades financeiras decorrentes do
desenvolve hábitos de vida saudáveis (Stella, Gobbi, Co-
baixo valor do beneficio (Cockell, 2014).
razza & Costa, 2002; Trindade et al, 2011). Para tanto,
Se por vários motivos os idosos continuam traba-
faz-se necessário que o indivíduo estabeleça um com- lhando, Moura e Souza (2012) destacam que a forma
promisso de “autocuidado” e também que as leis que como o idoso lida com o aumento do tempo livre de-
tutelam o idoso sejam efetivas, a fim de promover saú- corrente da aposentadoria, se bem trabalhado e per-
de a esta população, priorizando a disponibilização de cebido pelo sujeito, auxilia-o a realizar atividades de
recursos que possam garantir lazer, alimentação, edu- lazer, sejam físicas ou sociais, que tendem a interfe-
cação e outros cuidados imprescindíveis a esta fase da rir positivamente na maneira como ele se percebe e
vida. (Vilela, Carvalho & Araújo, 2006; Barletta, 2014). socializa, proporcionando ganhos não apenas físicos,
Dentre as várias ações que podem propiciar um mas também afetivos e sociais. Sendo assim, não é
envelhecimento em que as perdas típicas do passar possível afirmar que ao se retirar do mercado de traba-
do tempo são minimizadas, a prática de atividade lho apenas perdas ou ganhos sobrevirão ao indivíduo,
física é apontada como elemento indispensável na pois muitos elementos precisam ser considerados.
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 25 - 32 27

Ferreira, Chinelato, Castro e Ferreira (2013) apon- além de informações referentes aos integrantes que re-
tam que a diferença de sexo também é um aspecto re- sidem no mesmo domicilio que a participante. O SAT,
levante no envelhecimento, já que este tende a modifi- criado por Leopold e Sonya Bellak, em 1973, tem como
car a forma como o mundo é percebido em função das objetivo investigar problemas específicos e centrais da
diferenças fisiológicas e sociais. Quanto aos fatores fi- velhice, através da apresentação de figuras ambíguas
siológicos, os autores esclarecem que as mulheres pre- retratando situações comuns na velhice e da solicita-
cisam lidar com alterações hormonais decorrentes da ção de uma história com começo, meio e fim para cada
menopausa, que muitas vezes alteram o humor, oca- uma das figuras apresentadas. O SAT foi inspirado em
sionando uma perda do interesse sexual além do sur- outro teste de apercepção temática, o TAT de Henry
gimento de fortes sentimentos de tristeza e depressão. Murray, pois os autores acreditavam que a apresenta-
No que se refere aos aspectos sociais, Antunes cols. ção de figuras que remetiam a questões de relaciona-
(2014) apontam que na sociedade atual, a mulher tem mento amoroso, familiar e social, além de dificuldades
desempenhado múltiplas tarefas, tais como: cuidar da e possibilidades, poderia formar um panorama real das
familia e das questões do lar, além de auxiliar ou ser a única preocupações que afligem os idosos, sem ter que ques-
responsável pela renda familiar. Esta sobrecarga de funções tioná-los diretamente sobre questões muitas vezes do-
exercidas pelas mulheres tende a potencializar o risco de lorosas (Bellack & Abrams, 1996/2013).
adoecimento devido o grande desgaste emocional. (Silva & A última revisão do teste ocorreu em 1996, com a re-
Lima, 2012). Desta maneira, supondo-se que haja modos formulação de três figuras e a introdução de mais uma
de envelhecimento que são distintos segundo o gênero e ní- (figura 17). O conjunto completo desta última revisão
vel de atividade, acrescido ao fato de a população feminina passou a apresentar situações interpessoais diversas
ser predominante na composição demográfica brasileira, com personagens de diferentes idades e ao menos um
sobretudo na terceira idade (Portal Brasil, 2015; IBGE, idoso (Bellack cols. 1996/2013). Esta versão foi apro-
2000), o presente estudo estabeleceu como objetivo pes- vada pelo Conselho Federal de Psicologia em 2013 após
quisar idosas, com idade entre 60 e 75 anos, a fim de adaptação à população brasileira. As pranchas escolhi-
comparar as que praticam algum tipo de atividade fí- das para esta pesquisa buscavam evidenciar supostas
sica, laboral ou social regularmente com outras que se- diferenças entre os grupos, adotando como critério de
jam mais restritas quanto a sua participação social, ob-
seleção a descrição dos temas frequentemente evoca-
jetivando verificar possíveis diferenças entre os grupos
dos para cada prancha apresentada no manual (Bellack
quanto à percepção sobre o processo de envelhecimen-
cols., 1996/2013). Foram selecionadas as de número
to, aferido por meio do Teste de Apercepção Temática
um, que remete os participantes a temas relacionados
para os Idosos (Senior Apperception Technique- SAT).
a comunicação e contato social, a prancha de número
Método dois que sugere temas relativos a dificuldades finan-
ceiras e conteúdo oral, a prancha de número cinco que
desperta sentimentos e opiniões em relação a casas
Sujeitos
de repouso para idosos, a prancha de número dez, que
O grupo de participantes, selecionadas pelo cri- suscita sentimentos associados ao afastamento social,
tério de conveniência, foi composto por 16 mulheres dificuldades financeiras e surgimento de doenças, a
com idade entre 60 e 75 anos. Destas, oito realizavam prancha de número doze, a qual evoca temas vincula-
atividades físicas, sociais ou laborais regularmente e dos ao curso do tempo e suas complicações, a prancha
oito estavam mais reservadas ao convívio familiar. de número quatorze, que remete à senilidade e seus
inconvenientes, a prancha quinze, que sugere temas
Material referentes ao convívio interpessoal, e a última pran-
cha, de número dezessete, que tem como tema mais
Para a realização da pesquisa foram utilizados: um
frequentemente evocado os sentimentos relacionados
termo de consentimento livre e esclarecido- TCLE,
a juventude e seus benefícios, principalmente quanto à
um questionário de caracterização das participantes
e o Teste de Apercepção Temática para Idosos (SAT). pratica de atividades físicas (Bellack cols., 1996/2013).
O questionário de caracterização levantou dados sobre Procedimento
alguns aspectos físicos, sociais, financeiros e familiares
das participantes, tais como, idade, estado civil, quan- O projeto de pesquisa do presente estudo foi apro-
tidade de filhos e netos, atividades físicas, sociais ou vado em 23/03/2016 pelo comitê de ética da Uni-
de trabalho realizados e frequência dessas atividades versidade à qual pertencem os pesquisadores, sob o
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número de parecer CAAE:  54354716.7.0000.0089. significativa entre as idades médias de cada gru-
Após a anuência para realização do estudo, foi inicia- po (p=0,1715, co² = 2,076, cc² = 4,600,). Quanto
da a seleção das participantes em locais como acade- ao estado civil das mulheres dos dois grupos, 50%
mias, parques e através de indicações. são casadas, 25 % são viúvas e as outras 25% estão
Com a explicação da pesquisa e o aceite das mulhe- divididas entre divorciadas e solteiras.
res, foram agendados local e data para a realização do No que se refere à ocupação de todas as partici-
procedimento de coleta de dados, respeitando as con- pantes, 37,1% declaram ainda trabalhar, enquanto
dições de privacidade e a conveniência da participante. que 43,8% se descreveram como sendo aposentadas e
Primeiramente foi apresentado o termo de consenti- 18,8% afirmaram ser “do lar”. Dentre o grupo das mu-
mento livre e esclarecido (TCLE), do qual houve a leitu- lheres classificadas como ativas, 25,0% são aposenta-
ra e preenchimento, seguidos de alguns minutos livres das que realizam atividade social regularmente junto a
para esclarecimento de eventuais dúvidas. Em segui- igrejas, enquanto que das participantes que trabalham
da, o questionário de caracterização foi apresentado, apenas uma realiza outra atividade (aulas de Pilates).
preenchido e o teste psicológico realizado. As respostas
Com relação aos aspectos familiares de toda a
dadas ao teste, de cada participante, foram registradas
amostra, 87,5% possuem ao menos um filho, sen-
na íntegra, manualmente, e depois analisadas e classi-
do que destas apenas uma não possui netos. No que
ficadas, utilizando-se o modelo de categorias proposto
pelo instrumento. A classificação foi realizada pelos concerne ao convívio familiar, 87,5% de todas as par-
dois pesquisadores individualmente e depois discutida ticipantes residem com o esposo e/ou no mínimo um
nos pontos em que havia discordância, tomando-se o filho. Quanto às características sociodemográficas
consenso para continuidade da análise. levantadas, os grupos podem ser considerados como
Posteriormente à aplicação do teste com os 16 par- pareados, excetuando-se a característica de interes-
ticipantes, houve a construção de uma tabela no Excel se, a atividade fora do ambiente doméstico.
com os dados de identificação das participantes, suas Ao realizar o teste U de Mann-Whitney conside-
respostas no questionário de caracterização e os resulta- rando amostras pareadas, com o objetivo de verificar
dos obtidos com as análises das histórias. Testes de Qui- se existiam diferenças significativas entre os grupos,
quadrado e U de Mann- Whitney foram realizados a fim quanto à percepção dos estímulos, não foi possível
de identificar possíveis diferenças entre características estabelecer diferenças estatisticamente significan-
sociodemográficas e percepções de cada grupo. tes. Assim, a percepção e interpretação das idosas
de ambos os grupos, mais (G1) e menos (G2) ativas
Resultados
socialmente, apresentaram-se de modo semelhante.
A média de idade das participantes desta pesqui- A tabela 1 apresenta os principais valores do teste
sa é de 65 anos e três meses, não havendo diferença realizado.

Tabela 1- Valores do teste U para os principais aspectos do SAT


ASPECTOS Grupo P50 U p
Adequação Típica G1 8,00 20,0 0,176
G2 6,00
Percepção Qualidade discriminada G1 0,00 23,5 0,335
G2 1,00
Vida interior presente G1 4,50 18,0 0,125
G2 2,00
Interação com ambiente-relação G1 4,00 28,0 0,658
G2 4,00
Motivação
Solução de problemas não-discriminada G1 5,00 28,0 0,666
G2 5,50
Predominantes - não discriminados G1 3,00 23,5 0,362
G2 5,50
Relação ambiente-não discriminados G1 5,00 28,0 0,667
Sentimentos
G2 5,50
Relação velhice-não discriminados G1 6,50 27,5 0,623
G2 7,00
Perspectivas para o futuro Futuro imediato G1 3,50 18,5 0,145
G2 5,00
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Tomando-se o grupo de participantes, suas res- aproximação da morte, o que faz muitos idosos, princi-
postas evidenciam que a percepção das idosas quan- palmente as mulheres, utilizarem recursos para man-
to às situações apresentadas pelas pranchas do SAT terem-se ativas, “jovens” e saudáveis. Entretanto, as
escolhidas para o estudo envolveram interpretações mais ativas da pesquisa não se apresentaram de modo
que, no geral, não destoam do esperado, evidencian- distinto das que tinham menos participação social.
do prevalência de adequação no modo que nelas se Faller, Teston e Marcon (2015) explicam que para
inserem, ainda que esta seja especialmente superfi- não entrar em contato com os aspectos negativos que
cial, ou seja, o envolvimento nas situações restrin- possam fazê-los pensar sobre o futuro incerto, alguns
ge-se aos seus aspectos mais aparentes. Também, re- idosos não se sentem “velhos”, identificando a velhi-
ferências a vida interior tendem a ser mais escassas ce nos outros, os quais teriam idade cronológica su-
do que sua ausência, refletindo menor prevalência de perior à que eles possuem. Tal fato está evidenciado
envolvimento afetivo diante das experiências. nas respostas dadas ao SAT, as quais pouco referem a
Quanto à motivação para a interação com o am- velhice, evitando-a e fugindo, de modo mais ou me-
biente, esta ocorre predominantemente no intuito nos consciente, dos sentimentos que ela desperta.
do estabelecimento de relação, a partir de narrativas Certa retração em relação ao ambiente também é um
que evidenciam a busca de interações, apoio ou so- aspecto relevante nesta pesquisa, dada à dificuldade
cialização com outros personagens secundários, em que boa parte das participantes teve em demonstrar
detrimento de ações mais objetivas em confronto como este é percebido mais detidamente e como os
com o meio, o que é indicado pela baixa referência a problemas são ou não solucionados. Neste sentido
solução de problemas nas histórias. Assim, as intera- vale destacar que houve uma dificuldade em localizar
ções que ocorrem buscam prioritariamente atender estudos voltados à percepção de idosos, principal-
às necessidades de contato com o outro e não à mo- mente quando relacionados ao ambiente. Dos quatro
dificação das condições do ambiente, o que conduz estudos encontrados, dois abordam a compreensão
a certa passividade e submissão, com pouca mobili- do ambiente vinculando facilidades e dificuldades
zação afetiva, a qual, quando ocorre, tem tendência com a motivação para a prática de atividades físicas,
a ser vivida de modo mais negativo do que positivo. sociais e religiosas. Seus resultados demonstraram
Em especial, os sentimentos em relação à velhice que, quanto mais positivo o ambiente, em termos
são pouco discerníveis, dado que a própria condição concretos, maior a motivação para a realização de
do envelhecimento é pouco citada. Nas poucas vezes atividades (Salvador, Florindo, Reis & Costa, 2009;
que ocorre a menção à passagem do tempo, esta ten- Giehl, Schneider, Corseuil, Benedetti & Orsi, 2012).
de a ser sentida como trazendo mais elementos ne- Pesquisa de Guerra e Caldas (2010), baseada em
gativos do que positivos. artigos publicados, refere que a percepção de idosos
Decorre que, para as participantes, enquanto gru- quanto ao ambiente está relacionada à concepção de
po, o futuro imediato e remoto é evitado, especial- trabalho, vínculos familiares e saúde física. Nesta foi
mente o mais longínquo. Do futuro mais próximo, o possível observar as características positivas e nega-
que se espera é indefinido, ou seja, boas e más pers- tivas do envelhecimento elencadas pelos participan-
pectivas têm igual peso. tes, os quais dão destaque ao período que precede
o envelhecimento, pelas escolhas realizadas, e a in-
Discussão serção social. Em certo sentido, os dados não foram
congruentes com o encontrado no presente trabalho,
Após a análise dos resultados foi identificado que, no qual as idosas apresentavam níveis de inserção
apesar das participantes perceberem adequadamente distintos, mas não diferentes percepções.
os estímulos apresentados, estas demonstraram ter Quanto à percepção subjetiva do bem-estar, Dias,
dificuldades em expor características de vida interior Carvalho e Araújo (2013) a compararam entre os
tais como pensamentos, compreensões e sensações re- idosos que residem sozinhos, com suas famílias ou
lativos ao presente e também ao futuro. Montefusco em instituições. Nos resultados obtidos, o convívio
(2013) esclarece que a fuga em relação aos sentimen- social foi um dos elementos relacionados com a qua-
tos e percepções do envelhecimento podem ocorrer lidade de vida, independente das condições de mo-
por medo, mas também pelas representações sociais radia, ou seja, a participação na sociedade seria um
que valorizam o jovem, o belo, ativo e saudável, em fator para uma melhor autoavaliação no envelheci-
detrimento da perda de autonomia, senilidade e mento, o que não foi constatado neste estudo.
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Assim, ainda que não de modo direto, a inves- de Gil cols. (2011), além do SAT, foram empregados
tigação com o SAT não referendou dados de outras o inventário da organização mundial da saúde para
pesquisas, recordando-se que as citadas utilizaram avaliar a qualidade de vida (WHOQOL-BREF) e o In-
outros instrumentos para inferir a percepção do en- ventário Beck de Depressão (BDI). Já Salles (2014)
velhecimento. Por outro lado, destaca-se que o SAT também utilizou o SAT junto com outro instrumen-
envolve aspectos mais subjetivos do que condições to, neste caso a escala de depressão geriátrica (GDS),
ambientais concretas, sendo, então, mais sensível e entrevista semi-dirigida.
à personalidade dos participantes. Destaca-se que No início do trabalho de Gil & cols. (2011) os
mesmo a área da Psicologia sendo uma das mais pro- participantes apresentaram as dificuldades sofridas
fícuas quando se trata do estudo do envelhecimento no envelhecimento, tais como: solidão, abandono,
e qualidade de vida, como verificado no estudo de perdas e angústias. Ao término, depois de oficinas,
Dawalibi, Anacleto, Witter, Goulart e Aquino (2013), demonstraram uma melhora na autopercepção, sen-
o instrumento em causa, com uso restrito aos pro- timentos e sintomas depressivos, além de uma maior
fissionais psicólogos, não tem sido objeto ou proce- abertura para as relações. No estudo de Salles (2014)
dimento presente nas investigações, o que merece foi possível compreender algumas funções exercidas
olhar cuidadoso, pelos dados que pode fornecer. pela depressão na velhice, assim como a importante
Ainda se tratando do uso do SAT na presente atuação do psicólogo na clínica social, destacando-se
pesquisa, é importante considerar a relação entre a a utilização de instrumentos e métodos que auxiliam
idade média dos participantes (65 anos de idade) e o terapeuta na construção do vínculo, no acesso a in-
a natureza do estímulo. As ilustrações das pranchas formações e na elaboração de um psicodiagnóstico.
expõem uma concepção de velhice mais avançada, Assim sendo, não foi possível estabelecer uma
com personagens em posições de maior passivida- relação desta pesquisa com as demais. Isso ocorreu,
de, podendo dificultar o processo de identificação pois enquanto este estudo pretendia identificar pos-
de idosos mais jovens e ativos, influenciando direta- síveis diferenças significativas na percepção do en-
mente na qualidade das narrativas construídas dian- velhecimento em dois diferentes grupos de idosas,
te do estímulo. o estudo de Gil & cols. (2011) objetivou apresentar
Quanto à motivação para relacionar-se com o uma proposta psicoterapêutica com enquadre grupal
ambiente, a maioria das participantes respondeu ao voltada a idosos, a fim de demonstrar os possíveis
instrumento – SAT - que esta se expressa no intuito benefícios deste método. A mesma disparidade ocor-
de relacionar-se com o outro, mais do que agir sobre reu na comparação com o estudo de Salles (2014),
as condições concretas. Areosa, Benitez e Wichmann pois seu trabalho objetivou demonstrar a efetivida-
(2012), em pesquisa conduzida no Brasil e Espanha, de do psicodiagnóstico interventivo na clínica social
referem que as relações sociais e familiares têm uma com idosos depressivos.
forte influência na vida dos idosos, interferindo na Por fim, as participantes, de ambos os grupos,
saúde tanto física quanto mental. Talvez a seme- apresentaram dificuldade em definir, no questioná-
lhança dos grupos quanto aos aspectos do convívio rio, o tempo que realizavam atividades físicas ou so-
familiar possa ter diluído, em certa medida, a in- ciais, uma variável de importância, quando o que se
terferência do convívio social mais amplo. Também pretendia era verificar a diferença entre uma maior
não foram avaliadas a saúde física e mental, as quais, ou menor participação das idosas na sociedade e
eventualmente, evidenciariam diferenças entre os suas percepções quanto ao envelhecimento. Xavier,
grupos. Orsi, Sigulem e Ramos (2010) esclarecem que a difi-
No que diz respeito ao SAT, foram encontradas
culdade de especificação do tempo pode estar asso-
apenas duas pesquisas no país que utilizaram este
ciada aos declínios da orientação temporal comuns
instrumento. A comparação entre estas e o presente
na terceira idade, o que pode ter estado presente na
estudo é difícil pois, nos dois estudos (Gil & Tardi-
avaliação que as mulheres tiveram problemas para
vo, 2011; Salles, 2014), as análises dos resultados
realizar.
ocorreram de forma qualitativa, os participantes
eram de ambos os sexos e apresentavam algum grau Conclusões
de depressão, ou seja, os critérios para inclusão, os
métodos e o foco dos trabalhos eram muito distintos O estudo, se não pôde oferecer resultados que
dos envolvidos neste trabalho. Também, na pesquisa evidenciassem conclusões consoantes com o referido
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pela literatura quanto à importância da participação A partir dos resultados obtidos foi possível per-
social na percepção mais positiva do envelhecimen- ceber uma necessidade de se realizarem novas e mais
to, permitiu oferecer várias vertentes para outras aprofundadas pesquisas voltadas aos diversos aspec-
pesquisas, como a aplicabilidade do SAT para o estu- tos do envelhecimento a fim de compreender as dis-
do com grupos, valendo-se dos dados quantitativos. paridades e preconceitos comuns nesta fase da vida,
Também um controle mais efetivo quanto a grau de podendo assim auxiliar a população idosa de forma
escolaridade, situação socioeconômica, papel na ro- mais efetiva a lidar com suas particularidades. Para
tina familiar e problemas de saúde poderiam ser ob- isso, se faz necessário que haja um aperfeiçoamento
jeto de investigação, a qual poderia ser realizada com dos instrumentos e métodos atualmente utilizados
um maior número de participantes, a fim de verificar de forma que estes possam ser mais eficazes no le-
o alcance do instrumento e obtendo, assim, maior vantamento e interpretação dos dados obtidos.
conhecimento sobre esta fase da vida.

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Recebido: 18.07.18 / Corrigido: 20.11.18 / Aprovado: 09.04.19


Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44 33

Análise de intervenção grupal breve


entre mulheres com quadro depressivo
em um serviço-escola de Psicologia
Analysis of brief group intervention among depressed women in a psychology school clinic
Análisis de una intervención grupal breve entre mujeres con cuadro depresivo en un servicio-escuela de Psicología
Lorrayne Caroline Garcia Silva1
Maíra Bonafé Sei2

Resumo: Vários são os estudos destinados à caracterização da população atendida nos serviços-escolas de psicologia,
entretanto há menor incidência de estudos que discutam as intervenções desenvolvidas nestes espaços. Objetivou-se,
assim, analisar o efeito de uma intervenção grupal breve em mulheres acometidas pela depressão em um serviço-
escola de Psicologia. Almejou-se entender como o grupo pode auxiliar na melhoria de quadros depressivos e quais
são os benefícios deste tipo de intervenção psicológica. Foi utilizada a Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada
(EDAO-R) em dois momentos: ao chegar à clínica psicológica e após a intervenção grupal. Participaram da pesquisa qua-
tro mulheres, tendo-se observado que, a despeito de duas participantes terem participado de apenas um dos encontros
grupais, a intervenção grupal breve se mostrou como um espaço para o acolhimento anterior ao início da psicoterapia,
contribuindo para trocas e expressão, além da vinculação com a instituição.

palavras-chave: depressão, grupo, avaliação de mudança em psicoterapia.

Abstract: Several studies aimed to characterize the population attended in psychology school clinics, however there is
less incidence of studies that discuss the interventions developed in these spaces. The purpose of this study was to ana-
lyze the effect of a brief group intervention in women affected by depression in a psychology school clinic. The objective
was to understand how the group can help in the improvement of depressive disorders and what are the benefits of this
type of psychological intervention. The Operationalized Adaptive Diagnostic Scale - EDAO (EDAO-R) was used in two mo-
ments: on reaching the psychological clinic and after the group intervention. Four women participated in the study, being
observed that, although two participants participated in only one of the group meetings, the brief group intervention
was shown as a space for sheltering prior to the beginning of psychotherapy, contributing to the exchange and expres-
sion, in addition to the link with the institution.

Key words: depression; group; research in result and process.

Resumen: Varios son los estudios destinados a la caracterización de la población atendida en los servicios de las escue-
las de psicología, sin embargo hay menor incidencia de estudios que discutan las intervenciones desarrolladas en estos
espacios. Se objetivó, así, analizar el efecto de una intervención grupal breve en mujeres acometidas por la depresión en
un servicio-escuela de Psicología. Se quiso entender cómo el grupo puede auxiliar en la mejoría de cuadros depresivos y
cuáles son los beneficios de este tipo de intervención psicológica. Se utilizó la Escala Diagnóstica Adaptativa Operaciona-
lizada (EDAO-R) en dos momentos: al llegar a la clínica psicológica y después de la intervención grupal. En la investiga-
ción participaron cuatro mujeres, habiéndose observado que, a pesar de que dos de las participantes estuvieron solo en
uno de los encuentros grupales, la intervención grupal breve se mostró como un espacio para la acogida anterior al inicio
de la psicoterapia, contribuyendo a intercambios y expresión, además de la vinculación con la institución.

Palabras clave: depresión, grupo, evaluación de cambio en psicoterapia

1
Lorrayne Caroline Garcia Silva, ORCID 0000-0002-2489-8121, Rua Eurídice de Oliveira Gomes, 237, Londrina-PR, CEP 86072-270 - (43) 9.9608-9670, lorrayne.c.
garcia@gmail.com.
2
Maíra Bonafé Sei, ORCID 0000-0003-0693-5029, Rodovia Celso Garcia Cid | PR 445 Km 380 | Campus Universitário - Cx. Postal 10.011; CEP 86.057-970; Londri-
na-PR - (43) 3371-4237, mairabonafe@gmail.com.
34 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44

Introdução frequente a ideação suicida. Dentre os sintomas


fisiológicos, têm-se as alterações do sono e do
A depressão se configura como uma problemática apetite e, dentre as evidências comportamentais,
que atinge de 3% a 5% da população geral, acometen- pode-se indicar o retraimento social, crises de cho-
do ainda mais a população clínica, sendo 5% a 10% ro, comportamentos suicidas e retardo ou agita-
de pacientes ambulatoriais e 9% a 16% de pacientes ção psicomotora (Del Porto, 1999). Nardi (2000)
internados (Teng, Humes & Demetrio, 2005). Silva, aponta que a depressão, quando não tratada, traz
Verceze e Cordeiro (2016) constataram, em estudo sérios prejuízos ao paciente, comprometendo sua
com população de mulheres atendidas em uma Uni- vida familiar, laborativa e social. A presença de
dade Básica de Saúde da região de Londrina, que 35% comorbidades associadas aos transtornos depres-
das usuárias possuíam um diagnóstico clínico de sivos pode levar a piores evoluções do quadro, fal-
transtornos psiquiátricos, dentre eles a depressão. ta de adesão aos tratamentos, piora na qualidade
Além disso, a depressão se apresentou como uma das de vida e morbimortalidade. Sendo assim, o autor
demandas mais citadas pelos usuários do serviço de ressalta a importância do tratamento com uso de
plantão psicológico em caracterização feita a partir antidepressivos e psicoterapia (Nardi, 2000). Em
do serviço prestado em um serviço-escola de Psicolo- consonância, Teng, Humes e Demetrio (2005)
gia da mesma região. Ela contabilizou 12% das quei- também apontam para a relevância da avaliação
xas e a ansiedade obteve um total de 10% das queixas psicológica e psicoterapia associada ao uso de me-
do público atendido (Ortolan, Bezerra & Sei, 2016). dicamentos para o tratamento da depressão. Uma
De acordo com a APA (2014), o DSM-V coloca os das vias de oferta de atendimento psicológico, in-
transtornos depressivos como a presença de humor dividual ou grupal, às pessoas com depressão se
triste, vazio ou irritável, com alterações somáticas e faz por meio dos serviços-escola de Psicologia,
cognitivas que afetam a capacidade de funcionamen- haja vista a oferta de atendimentos gratuitos ou
to do indivíduo, sendo classificados a partir de sua com baixo custo à comunidade, possibilitando
duração, momento e etiologia em: também o treinamento supervisionado de estu-
(...) transtorno disruptivo da desregulação do dantes e profissionais da Psicologia (Rocha et al,
humor, transtorno depressivo maior (incluindo 2016). São espaços próprios à realização da prática
episódio depressivo maior), transtorno extensionista, a partir do tripé ensino, pesquisa e
depressivo persistente (distimia), transtorno extensão (Marturano, Silvares, & Oliveira, 2014).
disfórico pré-menstrual, transtorno depressivo Quanto às modalidades clínicas disponibilizadas
induzido por substância/medicamento,
nestes espaços estão as intervenções grupais que
transtorno depressivo devido a outra
condição médica, outro transtorno depressivo favorecem as interações e o compartilhamento de
especificado e transtorno depressivo não experiências em comum, com criação de vínculos,
especificado (APA, 2014, p. 155). identificações e diferenciações. Os objetivos em
comum trabalhados no grupo, por meio do com-
A depressão pode ser considerada um sintoma partilhamento de necessidades entre os integran-
em alguns quadros clínicos, uma síndrome, que tes, vão proporcionar flexibilidade e abertura para
inclui alterações de humor, cognitivas, psicomo- o novo (Bastos, 2010).
toras e vegetativas, e por fim, uma doença, com A convivência nos grupos promove a formação de
tipos de classificações. Ela pode se manifestar por uma rede de solidariedade e apoio e favorece a trans-
meio de pensamentos de tristeza e vazio, perda formação de experiências pessoais em coletivas. O
da capacidade de experimentar prazer nas ativi- modo como os integrantes vivenciam o grupo e a
dades e redução no interesse pelo ambiente, po- construção dessa rede de apoio, por meio do diálogo
dendo também se associar à sensação de fadiga ou como um instrumento de reflexão, pode contribuir
perda de energia (Del Porto, 1999). Os sintomas para a formação de um novo modo de interagir con-
psíquicos da depressão incluem humor depressi- sigo e com os outros. O diálogo no grupo é formado
vo, autodesvalorização e sentimento de culpa, em a partir das experiências, formas de linguagens e sig-
que o acometido se julga um peso para a família, nificados dos próprios participantes, em que o papel
além da sensação de que tudo está sem importân- do coordenador é o de indagar e problematizar suas
cia, acreditando ter perdido a capacidade de sentir falas a fim de promover uma nova reflexão e, assim,
alegria de forma irreversível. Nestes pacientes, é a elaboração de suas próprias questões (Favoreto &
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44 35

Cabral, 2009). Tendo em vista este panorama, esta orientação de diagnósticos e planejamento de in-
pesquisa objetivou verificar o efeito de uma inter- tervenções psicológicas. Como exemplo tem-se
venção grupal breve em indivíduos acometidos pela Honda (2010) que investigou se os atendimentos
depressão, pré e pós-intervenção, em um serviço-es- psicoterápicos prestados em um serviço-escola de
cola de Psicologia, visando entender como o grupo Psicologia promoveram mudanças nos pacientes, e
pode auxiliar na melhoria de quadros depressivos. Rocha et al (2016) que utilizaram a EDAO, na ver-
são de autorrelato (EDAO-AR), como um dos ins-
Metodologia trumentos para avaliação da psicoterapia breve psi-
codinâmica de um caso de depressão também em
Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter
um serviço-escola de Psicologia.
exploratório (Prodanov & Freitas, 2013), realizada
em um serviço-escola de Psicologia de uma universi- Procedimentos
dade pública, por meio de uma metodologia de estu-
do de casos múltiplos. Fez-se um convite em redes sociais, além de se
convidar possíveis interessadas a partir de triagens
Instrumento do serviço-escola de Psicologia no qual a pesquisa
foi realizada. Participaram da intervenção quatro
Para avaliação da intervenção grupal breve foi
mulheres que passaram por sessões de aplicação
utilizada a Escala Diagnóstica Adaptativa Ope-
da EDAO-R antes e depois da realização do grupo.
racionalizada (EDAO), que visa avaliar a eficácia
As aplicações duraram de um a três encontros de
adaptativa dos indivíduos. A adaptação é seg-
50 minutos cada. Além das questões direcionadas
mentada em quatro setores: Afetivo-relacional
à classificação adaptativa das participantes, na pri-
(A-R), que compreende o conjunto de sentimen-
meira aplicação, forneceu-se explicações sobre a in-
tos, atitudes e ações do sujeito em relação a si
tervenção grupal, sua frequência, local e temas, com
(intrapessoal) e aos outros (interpessoal); Produ-
levantamento das expectativas das participantes. Na
tividade (Pr), que se refere ao conjunto dos sen-
aplicação pós intervenção, solicitou-se um feedback
timentos, atitudes e ações da pessoa em relação
sobre o grupo e os resultados dele.
à sua atividade produtiva; Sociocultural (Sc), que
As aplicações da EDAO-R foram realizadas por
abrange os sentimentos, atitudes a ações relati-
pesquisadora diferente daquela responsável pela
vos à organização social, valores e costumes da
coordenação do grupo. A intervenção grupal breve,
cultura em que está inserido; e Orgânico (Or),
que contou com seis encontros semanais de uma
que diz respeito à salubridade, estado anatômico
hora e meia, foi coordenada por duas estagiárias de
e o funcionamento fisiológico, e os sentimentos,
Psicologia. No primeiro encontro foi feita uma apre-
atitudes e ações relacionados ao corpo de forma
sentação das coordenadoras e participantes e levan-
física (higiene, sono, alimentação, sexo, entre
tado alguns temas que poderiam ser trabalhados.
outros) (Simon, 2005). Este instrumento inicial
Nos demais encontros foram realizadas dinâmicas
foi redefinido e intitulado como EDAO-R, en-
de apresentação e integração entre as participan-
tendendo-se que o setor Afetivo-Relacional de-
tes, tais como acróstico do nome com características
veria assumir uma posição central, com divisão
da pessoa, delineamento do genograma da família,
do diagnóstico feita em cinco grupos: Adaptação
apresentação de vídeo e discussão sobre a depressão.
Eficaz (Grupo 1), Adaptação Ineficaz Leve (Gru-
O encontro final foi destinado ao feedback sobre a
po 2), Adaptação Ineficaz Moderada (Grupo 3),
participação no grupo.
Adaptação Ineficaz Severa (Grupo 4) e Adaptação
Ineficaz Grave (Grupo 5). Apenas os setores Pro- Análise dos dados
dutivo e Afetivo-Relacional são considerados na
análise quantitativa por serem mais relevantes A análise da EDAO-R dividiu-se em uma pers-
na personalidade do indivíduo, mas com consi- pectiva quantitativa e uma qualitativa (Simon,
deração de todos os setores na análise qualitativa 2005). A análise quantitativa foi realizada consi-
(Simon, 2005). derando os três tipos de adequação às soluções das
Santos, Honda e Yoshida (2013) consideram situações problemas: adequado, quando resolveu
que a avaliação da eficácia adaptativa auxilia na satisfatoriamente e sem conflitos intrapsíquico ou
36 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44

ambiental; pouco adequado, quando resolveu insa- setores Or e Sc possuindo a mesma representativida-
tisfatoriamente, mas sem conflitos, ou quando re- de na matriz.
solveu satisfatoriamente, mas de forma conflitiva;
e pouquíssimo adequado, quando resolveu de forma Aspectos éticos
não satisfatória e gerando conflito intrapsíquico ou A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
ambiental. Pesquisa com Seres Humanos da instituição, CAAE
A partir das repostas dos indivíduos aos proble- 29060014.7.0000.5231, com parecer de aprovação
mas enfrentados, foram pontuados os setores Afe- número 572.216. Todas as participantes assinaram
tivo-Relacional e Produtivo. No setor AR, a resposta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
adequada recebeu 3 pontos, pouco adequada, 2 pon-
tos, e pouquíssimo adequada, 1 ponto. No Pr, ade- Resultados
quada recebeu 2 pontos, pouco adequada, 1 ponto, Os resultados foram separados em dados gerais
e pouquíssimo adequada, 0,5 ponto. Para finalizar, das participantes, dados qualitativos e quantitativos
foram somados os pontos obtidos nesses dois seto- obtidos por meio da EDAO-R e aspectos subjetivos
res. De acordo com a pontuação obtida, foram divi- trazidos pelas participantes referentes à participação
didos cinco tipos de diagnóstico adaptativo: Adap- no grupo. Quanto às participantes, todas eram casa-
tação Eficaz (5 pontos); Adaptação Ineficaz Leve (4 das ou encontravam-se em união estável, com faixa
pontos); Ineficaz Moderada (3,5 a 3 pontos); Ineficaz etária entre 40 a 57 anos. Houve maior variabilida-
Severa (2,5 a 2 pontos); e Ineficaz Grave (1,5 pontos) de quanto à escolaridade, incluindo desde o Ensino
(Simon, 2005). Fundamental I incompleto ao Ensino Superior com-
A análise qualitativa foi feita a partir da matriz pleto, sendo que no campo profissional notou-se um
criada por Simon (2005), em que o setor AR possui afastamento das atividades produtivas como efeito
posição central e de maior influência, seguida pelo da depressão. Todas realizavam acompanhamento
setor Pr que possui o segundo maior peso, e com os psiquiátrico e faziam uso de medicamentos.

Quadro 1 - Caracterização das participantes em dados gerais.


Participantes Estado Civil Idade Escolaridade Profissão Medicamentos

Lítio, Fluoxetina e
A União estável 40 anos Até a 6ª série Desempregada
medicação para dormir

B União estável 56 anos Superior completo Professora Rivotril e Fluoxetina

C Casada 57 anos Até a 4ª série Dona de casa Fluoxetina

Cymbalta, Pregabalina e
D Casada 50 anos Ensino Médio completo Costureira
Diazepam

A seguir serão apresentados os resultados in- aplicação da EDAO-R, anterior à intervenção gru-
dividuais obtidos nas aplicações da EDAO-R e pal, e da segunda aplicação da EDAO-R, posterior
nos encontros grupais, com apresentação de figu- à intervenção grupal, para cada uma das quatro
ras mostrando a análise qualitativa da primeira participantes.
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44 37

Participante A

Figura 1 – Dados obtidos na 1ª aplicação da EDAO-R da participante A.

A primeira aplicação da EDAO-R foi realizada em mencionou uma dificuldade em confiar nas pessoas e
uma sessão, sendo que A. estava em uma união estável de participar de grupos, relatando ter vindo por indi-
há 16 anos e possuía três filhos, do relacionamento atual cação da família. A despeito disso, pôde expor suas di-
e anteriores. Relatou sentir os sintomas da depressão
ficuldades com a depressão e trocar experiências com
desde os vinte anos, causados pelo falecimento dos pais
as demais participantes. Quanto à segunda aplicação
e mencionou estar se descontrolando frente ao estresse
e agredindo pessoas próximas nos últimos sete meses. da EDAO-R, fez-se quatro tentativas de agendamen-
A. compareceu em apenas uma sessão do grupo, to, nas quais A. não compareceu, apesar da confirma-
sem justificar os motivos de suas ausências, quando ção de sua participação.

Participante B

Figura 2 – Dados obtidos na 1ª aplicação da EDAO-R da participante B

A primeira aplicação da EDAO-R foi realizada em ambos estavam casados. Residia com o marido de fa-
três sessões. B. estava em uma união estável há 16 vor na casa da filha, fato que a incomodava bastante.
anos e possuía dois filhos do primeiro relacionamento, B. relatou sofrer bastante com ansiedade.
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Em relação à participação no grupo, B. participou o término, relatando uma sensação de abandono. No


de quatro encontros, sendo que em dois, foi a úni- início do grupo, B. demonstrava bastante pessimis-
ca participante, tendo dialogado bastante sem ter se mo, mas saiu com expectativas de que poderia me-
engajado nas atividades propostas. Apesar de estar lhorar sua vida e mais otimista, provocado tanto pe-
receosa com o grupo antes de seu início, devido à an- las reflexões do grupo como pelo contato com outras
siedade, criou um vínculo bom e entristeceu-se com participantes.

Figura 3 – Dados obtidos na 2ª aplicação da EDAO-R da participante B.

A segunda aplicação da EDAO-R foi realizada em que poderia agir de forma diferente, como por
em uma sessão. B. demonstrou otimismo em rela- exemplo, fazer mais coisas para si, sair para luga-
ção ao grupo e interesse pelo atendimento indivi- res que gostasse e expor mais o que sentia para a
dual. Durante a sessão, B. refletiu sobre situações família.

Participante C

Figura 4 – Dados obtidos na 1ª aplicação da EDAO-R da participante C.


Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44 39

A primeira aplicação do instrumento foi realizada C. participou de três encontros, mas justificou
em uma sessão. C. estava casada há 17 anos e possuía suas ausências, demonstrando preocupação em fal-
um filho do atual marido. O marido era ex-alcoolista e o tar. Durante o grupo, se relacionou bem com as de-
filho apresentava dificuldades na escola, com sintomas mais participantes, trocando várias experiências. C.
de Déficit de Atenção. Ela morava com o filho, o marido se engajou com as atividades e sempre demonstrou
e um sobrinho, os quais não se relacionavam bem. bastante otimismo em relação ao grupo e à doença.

Figura 5 – Dados obtidos na 2ª aplicação da EDAO-R da participante C.

A segunda aplicação da EDAO-R foi realizada em caráter aberto, realizado no serviço-escola. Mostrou-
uma sessão. C. relatou ter gostado do grupo e demons- se abatida pelo falecimento de sua irmã, mas percebeu
trou interesse pelo atendimento individual. Após esta mudanças positivas em sua casa, como a melhoria do
intervenção, passou a participar de outro grupo, de relacionamento com o filho e com o marido.

Participante D

Figura 6 – Dados obtidos na 1ª aplicação da EDAO-R da participante D.

A primeira aplicação do instrumento foi reali- marido. Ela trabalhava como funcionária em uma
zada em uma sessão. D. estava casada há 32 anos fábrica de costura que havia fundado e repassado
e possuía uma filha que estava morando no exte- para o filho, seu atual chefe, fato que a incomoda-
rior e um filho que estava casado, ambos de seu va bastante.
40 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44

D. participou apenas de um encontro do grupo, ao fato de ter que ficar em uma sala fechada. Mes-
mas justificou seu afastamento por conta do trabalho. mo assim, na sessão da qual participou, conseguiu se
Antes de comparecer ao grupo, relatou estar receosa abrir e trocar experiências com as demais participan-
com sua participação devido à síndrome do pânico e tes, criando vínculos e não demonstrando ansiedade.

Figura 7 – Dados obtidos na 2ª aplicação da EDAO-R da participante D.

A segunda aplicação da EDAO-R foi realiza- que teve na Psicologia e com os demais especia-
da em uma sessão. D. percebeu a importância do listas.
grupo e disse que ansiava pelo atendimento indi- A seguir serão apresentados os resultados quan-
vidual. Ela estava mais animada por estar conse- titativos obtidos por meio das duas aplicações da
guindo fazer coisas para si e por ter voltado a diri- EDAO-R e a vinculação ao grupo das participantes
gir, tendo atribuído esses resultados às conversas na intervenção grupal.

Quadro 2 - Participação no grupo e Diagnóstico EDAO-R da 1ª e 2ª aplicação.


Participantes Diagnóstico 1ª EDAO-R Participação no grupo Diagnóstico 2ª EDAO-R
A Ineficaz Grave 1 sessão Não fez
B Ineficaz Severa 4 sessões Ineficaz Severa
C Ineficaz Severa 3 sessões Ineficaz Moderada
D Ineficaz Severa 1 sessão Ineficaz Severa

Em relação ao diagnóstico quantitativo da EDAO uma sessão, uma participante esteve em três sessões
-R, não houve mudança significativa entre as parti- e outra em quatro sessões, obtendo maior índice de
cipantes, sendo que apenas a participante C. passou presença.
de uma Adaptação Ineficaz Severa para uma Adap- O quadro abaixo mostra as expectativas e feedba-
tação Ineficaz Moderada. Em relação à vinculação cks de cada participante em relação ao Grupo de De-
ao grupo, duas participantes estiveram em apenas pressão.
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44 41

Quadro 3 – Expectativa e feedback das partici- do que os homens quando em situações depressivas.
pantes sobre a intervenção em grupo. Outro apontamento refere-se aos gêneros possuírem
formas diferentes de expressar os desequilíbrios re-
Expectativa para Feedback do
Participantes sultantes dos fatores ambientais estressantes, por
o grupo grupo
exemplo, homens apresentam maiores taxas de uso
Entender sobre nocivo ou dependência de drogas (Marques-Teixeira,
A a depressão e Não fez 1998; Andrade, Viana & Silveira, 2006).
poder desabafar
Del Prette e Del Prette (2008) colocam algumas
Experiência medidas de avaliação para medir a eficácia de proces-
Medo de se
positiva e que sos terapêuticos, como a diferença entre avaliações
B expor e vontade
permitiu o finais e de pré-intervenção e as informações subje-
de melhorar
desabafo tivas trazidas pelos pacientes e seus significantes.
Troca de Por isso, buscou-se obter tanto dados subjetivos dos
experiências pacientes, como seu feedback acerca da intervenção,
Saber lidar com
com outras assim como dados quantitativos e qualitativos por
a depressão
C pessoas e meio da EDAO-R. Neste sentido, ressalta-se que a
e investir um
abertura para EDAO-R é um instrumento que tem sido utilizado
tempo para si
falar sobre seus para avaliação do processo terapêutico, seja no meio,
problemas
final ou para o acompanhamento de intervenções clí-
Troca de nicas, pois fornece indicações sobre mudanças ocor-
Medo de não
experiências ridas na eficácia adaptativa do paciente (Yoshida,
conseguir
com pessoas
participar 1998).
D que possuem
(pânico) e Quanto a esta pesquisa, notou-se que os resul-
problemas
vontade de tados foram afetados pela dificuldade de vinculação
semelhantes e
melhorar das participantes à intervenção grupal. Duas par-
universalidade
ticipantes abandonaram o grupo (participante A e
Em relação à expectativa das participantes, ape- D), sendo que uma não informou o motivo e a outra
sar de algumas demonstrarem receio, em geral, todas responsabilizou o retorno ao trabalho. Este fato di-
tinham expectativas adequadas e buscavam a melho- ficultou a análise da eficácia da intervenção grupal
ria por meio da intervenção grupal. Em relação ao como instrumento na melhoria da classificação da
feedback, todas apontaram para pontos positivos do eficácia adaptativa de pessoas com quadro depres-
grupo e discorreram sobre aspectos como a universa- sivo. As demais participantes obtiveram um índice
lidade e a troca de experiências possibilitada. de presença igual ou maior que 50%, sendo possível
observar alguns aspectos qualitativos e quantitati-
Discussão vos em relação à intervenção, por meio da EDAO-R.
Camargo-Borges e Japur (2008) argumentam que o
Embora o grupo tenha sido divulgado como aber- cuidado com a saúde deve ser uma atividade primor-
to a pessoas de ambos os sexos, apenas mulheres dial e que o usuário é um aliado na luta pela promo-
demonstraram interesse em participar. Isto pode ção da saúde, por isso, se torna necessário pensar o
ter ocorrido porque as mulheres são mais acometi- diálogo promovendo a reflexão e problematização na
das pela depressão, haja vista que o gênero feminino construção de uma relação de corresponsabilidade
apresenta maiores taxas de prevalência, incidência do usuário e do serviço.
e risco de morbidade, de desordens depressivas e Por meio das primeiras entrevistas clínicas da
transtornos de ansiedade e humor do que os ho- EDAO-R, pôde-se perceber que as participantes
mens. Possuem, assim, maior vulnerabilidade a estes apresentaram o setor afetivo-relacional afetado,
sintomas, sendo esta doença a que mais incapacita demonstrando problemas de relacionamento com
mulheres (McIntyre, Barroso, & Lourenço, 2002; An- a família, baixa autoestima, dificuldade de comu-
drade, Viana, & Silveira, 2006). Para Marques-Teixei- nicar o que sente de forma adequada, sintomas de
ra (1998), algumas explicações para a maior incidên- ansiedade e até mesmo ideação suicida em alguns
cia de mulheres com depressão relacionam-se ao fato casos. Dentre as queixas em comum apresentadas
de as mulheres terem mais facilidade em pedir ajuda pelas participantes estavam principalmente a falta
42 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44

de autocuidados e baixa autoestima, e os problemas bastante influenciados pelo sofrimento psíquico.


de relacionamentos com pessoas próximas e estima- Para Simon (2000), a depressão é o resultado de
das pelas participantes, como os filhos e/ou marido. soluções pouco ou pouquíssimo adequadas conti-
Dentre as queixas discrepantes entre as participan- nuadamente, respostas incoerentes e descoordena-
tes foi possível perceber a forma como elas apresen- das que não serão soluções para o problema vital.
taram dificuldade em expressar seus sentimentos, Pacientes com depressão apresentam dificuldade em
como tristeza e raiva: a participante A se agredia e lidar com os estressores do cotidiano (McIntyre, Bar-
agredia ao outro; a participante B apresentava sinto- roso, & Lourenço, 2002).
mas ansiosos e não conseguia expor suas discordân-
As depressões seriam o corolário das
cias; a participante C apresentava sintomas físicos,
adaptações ineficazes. Talvez seria correto
psicossomatizando suas mágoas; e a participante D formular a proposição: quanto menos eficaz a
guardava para si e também não conseguia expor suas adaptação, maior o halo depressivo. E assim,
discordâncias.Pode-se perceber que as respostas da- estabelecendo uma proporcionalidade direta
das pelas participantes são consideradas pouquíssi- entre aumento de soluções pouco adequadas, e
mo adequadas do ponto de vista da EDAO-R, porque aumento da depressão (Simon, 2000, p. 3).
não resolvem a situação exposta e ainda geram con-
A partir das entrevistas feitas com a EDAO-R, foi
flitos ambientais e intrapsíquicos. A depressão é uma
possível perceber que as participantes obtiveram o
doença que influencia bastante o afeto percebido e
diagnóstico de Adaptação Ineficaz Severa e Grave,
as interações sociais do sujeito (McIntyre, Barroso,
que são adaptações advindas de soluções pouco ou
& Lourenço, 2002). Claudio (2009) expôs que os su-
pouquíssimo adequadas. Rocha et al. (2016) expu-
jeitos com depressão apresentam isolamento social,
seram que pacientes com esse diagnóstico se bene-
autoimagem negativa, sentimento de inferioridade e
ficiariam de ações preventivas a fim de evitar a piora
indesejabilidade, dificuldade de obter prazer e inibi-
dos mesmos. Simon (2000) afirmou que é necessário
ção emocional.
intervir sobre os efeitos da depressão em pacientes
Outro setor bastante afetado nas participantes,
com essa adaptação por meio de processos breves,
que está intimamente ligado com os sintomas da
depressão, foi o da produtividade. As mulheres que medicação e acompanhamento familiar, contendo
participaram do grupo relataram problemas em seu ações destrutivas e aliviando dor e desespero que po-
trabalho, indicando não conseguir fazer as ativida- dem induzir a soluções extremas.
des do jeito que gostariam, sentindo-se incapazes. Dessa forma, pode-se perceber que uma interven-
Todas apresentaram um afastamento da atividade ção grupal foi adequada à realidade das participan-
produtiva por conta da depressão e o desgosto tra- tes, configurando-se como uma ação preventiva que
zido por isso, seja por afastamento médico, como no contribuiu, inclusive, como preparação para uma psi-
caso das participantes B e C, como falta nas tarefas coterapia posterior. O grupo se apresenta como um
domésticas, das participantes A e D. McIntyre, Bar- espaço em que os integrantes podem compartilhar
roso e Lourenço (2002) apontam para a redução da suas experiências e se abrir para o novo, havendo
produtividade e o absentismo laboral em indivíduos minimização da sintomatologia depressiva (Bastos,
com depressão, além do sentimento de incapacidade 2010; Nardino et al., 2010). Nesse sentido, foi pos-
e dificuldade de enxergar com prazer suas atividades sível perceber uma melhora no setor social, com as
diárias, dado que corrobora com o apresentado pelas participantes C e D tendo indicado, respectivamen-
participantes. te, um maior convívio social, como passeios com a
Pacientes com depressão apresentam um elevado família e a entrada no grupo aberto em vigência no
nível de comorbidades com doenças médicas crônicas serviço-escola em questão. A participante B, apesar
e problemas de funcionamento físico e psicológico de não ter apontado melhoras no setor social, de-
no cotidiano, principalmente associado à ansiedade monstrou maior consciência sobre a necessidade
(McIntyre, Barroso, & Lourenço, 2002; Teng, Hu- de fazer coisas das quais gostasse e otimismo para
mes, & Demetrio, 2005). Essa informação corrobora uma mudança de postura pelo contentamento com
os resultados obtidos, pois as participantes apresen- as atividades do grupo. Não houve uma mudança
taram variados quadros clínicos, como pressão e co- significativa da classificação adaptativa em termos
lesterol altos, fibromialgia, psoríase, diabetes, trans- quantitativos, sendo que apenas uma participante
tornos ansiosos, e principalmente ansiedade, todos mudou seu diagnóstico de Adaptação Ineficaz Severa
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 33 - 44 43

para Moderada. Entretanto, foi possível observar experiências, assim perceberam que outras pessoas
que alguns fatores externos da vida das participan- passam por situações parecidas e fizeram trocas de
tes podem ter influenciado o resultado, como por experiências. Nardino et al. (2010) relataram que por
exemplo: a participante A desistiu da intervenção; a meio do grupo as pessoas conseguiram falar de suas
participante B descobriu estar com um aneurisma; a vivências, fortalecer o vínculo com as integrantes
participante C sofreu um ataque de pânico no traba- e obter satisfação em participar de um grupo, pro-
lho; após a intervenção, a participante D passou pelo movendo a ajuda mútua. Através dos relatos, perce-
luto decorrente da perda da irmã. Por outro lado, beu-se que o grupo desenvolveu alguns importantes
em termos qualitativos, foi possível perceber que as fatores terapêuticos, entre eles: a instilação de es-
participantes viram o grupo como um espaço no qual perança, que é a esperança de que as coisas possam
foi possível haver um compartilhamento e diálogo, ser diferentes, universalidade, que é a identificação
com mudança de postura por parte das integrantes, com outras pessoas pela vivência de situações seme-
que ficaram animadas para a psicoterapia e estavam lhantes, e altruísmo, que é o compartilhamento de
dispostas a fazer mudanças para a melhoria de suas si mesmo com outras pessoas do grupo (Oliveira et
qualidades de vida, além dos feedbacks referentes ao al., 2008).
grupo terem sido positivos. Bastos (2010) expõe que os grupos se configuram
Simon (2005) expôs que os Grupos 4 e 5 da clas- como um processo gradativo no qual os integrantes
sificação adaptativa se beneficiariam da Psicoterapia assumem diferentes posições e realizam a atividade
Breve Operacionalizada, uma terapia diretiva que proposta, a partir da elaboração de ansiedades, rom-
foca na situação problema nuclear, ou seja, o que pimento de estereotipias e abertura para o novo. Há,
afeta principalmente o sujeito, e suas consequên- contudo, resistências dos integrantes que geram an-
cias nos demais setores, para promover a mudança siedade e medo. No estudo em questão, quando per-
de soluções inadequadas mantidas. O formato pro- guntado para as mulheres sobre as expectativas em
posto condiz com a realização dos atendimentos no relação ao grupo, algumas relataram estar ansiosas e
serviço-escola de Psicologia, no qual as participantes não saber se seriam capazes de se integrar. Mesmo
estavam encaminhadas. Claudio (2009) relatou ser assim, nas atividades grupais, elas conseguiram par-
fundamental na intervenção psicoterapêutica traba- ticipar e se beneficiar dos encontros.
lhar os aspectos relativos à depressão no contexto Favoreto e Cabral (2009) colocam que a experiên-
em que as desadaptações foram constituídas. cia obtida a partir do grupo permite que as pessoas
Pode-se perceber que houve muitas faltas nos reconheçam as limitações vividas pelos outros e suas
encontros. Um fator importante que influenciou o estratégias de adaptação, ajudando-as a se capacita-
andamento do grupo e a vinculação das participan- rem para gerir suas ações e ampliarem sua autono-
tes foi a greve de funcionários e estudantes que per- mia e cuidado com a saúde. Nesse sentido, torna-se
meou o calendário escolar durante a realização da interessante pensar no grupo como um preparo para
intervenção, apesar do grupo não ter sido interrom- intervenções mais profundas, como a própria psico-
pido em decorrência deste fator. Rocha et al. (2016) terapia. O grupo foi criado com a intenção de mini-
colocaram que em atendimentos ofertados por ser- mizar os sintomas advindos da depressão, caracteri-
viços-escola é importante considerar os recursos do zar as mudanças obtidas a fim de melhorar possíveis
terapeuta e do contexto institucional, seus limites e intervenções posteriores e criar um vínculo com a
potencialidades, principalmente em relação ao fluxo instituição para assegurar o tratamento psicológico
temporal que será definido pelo calendário escolar. destas pacientes; dessa forma, acredita-se que estes
Por ser uma variável externa, foram feitas algumas objetivos foram atendidos.
ações a fim de minimizar os efeitos da greve, como Honda (2010) relatou que, quanto mais prejudi-
ligações para as integrantes para noticiar sobre o cada a eficácia adaptativa do sujeito, mais tempo de
funcionamento do grupo, tendo havido, ainda assim, psicoterapia seria demandado, portanto, após a aná-
falhas de comunicação e faltas como consequências. lise da intervenção seria possível saber em que está-
Apesar de não ter ocorrido uma participação gio de mudança o paciente está, sua motivação para
integral nos encontros grupais, foi possível per- a mudança, qualidade na eficácia adaptativa e índice
ceber pelo relato das participantes no feedback de sintomas psicopatológicos que podem influen-
pós-grupo que a intervenção grupal foi positiva e ciar essa mudança. Dessa forma, por meio da inter-
que elas conseguiram se abrir e compartilhar suas venção grupal breve realizada, puderam-se obter
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algumas dessas informações para maior adequação devido ao custo e benefício. Através das entrevistas
das intervenções seguintes tendo em vista cada caso. com a EDAO-R e da intervenção grupal breve foi pos-
No que se refere à avaliação da efetividade da in- sível obter o diagnóstico adaptativo em termos qua-
tervenção com grupos para indivíduos acometidos litativos e quantitativos, coletar dados acerca das ex-
pela depressão, por meio da análise pré e pós-inter- pectativas e feedbacks das participantes, assim como
venção, foi possível perceber que devido à instabili- analisar sua vinculação ao grupo.
dade na presença das participantes tornou-se difícil Por ser um atendimento realizado em um ser-
verificar a validade interna, que seria a relação direta viço-escola de Psicologia, sujeito a interferências
entre os procedimentos realizados e os resultados ob- externas do contexto institucional, houve um fator
tidos. Entretanto, foi possível perceber a validade ex- prejudicial à vinculação das participantes relaciona-
terna, ou seja, trouxe um impacto sobre o funciona- da à greve de estudantes e funcionários, em que as
mento das participantes, pois ao final do grupo elas integrantes ficaram confusas sobre o funcionamento
relataram estar mais animadas para procurar ajuda e do serviço durante a paralisação das atividades es-
continuar com o tratamento psicoterápico (Del Pret- tudantis, a despeito dos encontros não terem sido
te & Del Prette, 2008). Sendo assim, o grupo trouxe interrompidos. Sendo assim, a frequência das par-
benefícios às participantes, principalmente no setor ticipantes foi prejudicada, não havendo estabilidade
social-cultural, e fica como um exemplo de melhoria na participação do grupo. Além disso, duas partici-
para as demais intervenções clínicas, além de ser um pantes interromperam sua presença durante a inter-
dispositivo de vínculo entre a instituição e pacientes. venção.
A despeito dos impasses institucionais, o grupo
Conclusão foi visto como um dispositivo adequado para a ins-
tituição no sentido em que seria um atendimento
A pesquisa referiu-se a um estudo de casos múlti-
prévio ao atendimento psicoterápico, que permite a
plos de quatro mulheres acometidas pela depressão,
criação de vínculo com as pacientes e fornecimento
com o objetivo de verificar a melhora no quadro das
de dados destes casos para o planejamento de outras
participantes através da intervenção grupal breve,
intervenções, além da minimização dos efeitos da
de acordo com o diagnóstico da eficácia adaptativa
depressão. Compreende-se, assim, que intervenções
ao início e ao fim da intervenção, verificando tam-
grupais de caráter breve podem se configurar como
bém a potencialidade dessa intervenção psicológi-
uma proposta de intervenção prévia ao início da psi-
ca no contexto de um serviço-escola de Psicologia.
coterapia individual, acolhendo um número maior
Devido à quantidade de pessoas na lista de espera
de participantes que podem encontrar um espaço de
nos serviços-escola de Psicologia, o grupo se torna
trocas e expressão, sendo pertinente o desenvolvi-
uma importante ferramenta para criar vínculo com
mento de propostas similares em contextos institu-
o atendimento psicológico, além de potencializar o
cionais.
número de atendimentos no contexto universitário,

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Recebido: 13.04.18 / Corrigido: 17.10.18 / Aprovado: 22.04.19


Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.47- 57 47

Panorama da saúde do homem preso:


dificuldades de acesso ao atendimento
de saúde
Prisoner’s health overview: access difficulties to healthcare
Panorama de la salud del hombre preso: dificultades de acceso a la atención de salud
Jakson Luis Galdino Dourado1
Railda Sabino Fernandes Alves2
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Resumo: O Brasil tem aproximadamente 700 mil presos cumprindo penas em estabelecimentos penais, número que
coloca o país entre as três maiores populações carcerárias do mundo. Neste contexto, a assistência médica e da saúde do
preso é uma das grandes problemáticas do sistema carcerário brasileiro. Tendo em vista essa realidade, o presente estudo
teve como objetivo geral avaliar as dificuldades de acesso ao atendimento de saúde em uma penitenciária do município
de Campina Grande/PB. Consiste em uma pesquisa descritiva, de caráter exploratório e tem a abordagem qualitativa
como principal referência. Participaram do estudo, 35 homens presos, com idades entre 25 e 59 anos. Foram utilizados
como instrumentos de coleta de dados: um questionário sociodemográfico, uma entrevista semiestruturada e um diário
de campo. A análise dos dados foi realizada com o auxílio da técnica da análise da enunciação. Os resultados mostraram
que a saúde no presídio estudado está longe de atender às prerrogativas quanto ao direito, a saúde estabelecidos na
Constituição Federal de 1988, e na Política Nacional de Atenção Integral a Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no
Sistema Prisional. Mostraram também que a saúde dentro do presídio é precária, pois faltam assistências dignas. A estru-
tura física é ruim, existe superlotação das celas, a água e a alimentação são de má qualidade, o que favorece a proliferação
de doenças infecciosas.

Palavras-chave: Saúde; Homens Presos; Sistema Prisional Brasileiro.

Abstract: Brazil has approximately 700 thousand prisoners in penal establishments, which places the country among the
three largest prison populations in the world. In this context, the prisoner’s medical and health care is one of the Brazil-
ian prison system’s biggest problems. Based on this reality, the present study aimed to evaluate the access difficulties to
healthcare in a penitentiary in the city of Campina Grande – Paraíba. It is a descriptive and exploratory research and it
has the qualitative approach as a main reference. Thirty-five arrested men, aged 25-59, participated in the study. Data
collection instruments used were: a sociodemographic questionnaire, a semi-structured interview and a field diary. Data
analysis was performed using the enunciation analysis technique. The results showed that health in the prison studied is
far from attending prerogatives regarding the right to health established in the Federal Constitution of 1988, and the Na-
tional Policy for Integral Attention to the Health of People Deprived of Liberty in the Prison System. The results also showed
that health within the prison is precarious, as there is lack of decent assistance. The physical structure is poor, there are
overcrowding jail cells, and water and food have poor quality, which favors the proliferation of infectious diseases.

Keywords: Health; Arrested Men; Brazilian Prison System.

Resumen: Brasil tiene aproximadamente 700 mil presos cumpliendo penas en establecimientos penales, número que colo-
ca al país entre las tres mayores poblaciones carcelarias del mundo. En este contexto, la asistencia médica y de la salud del
preso es una de las grandes problemáticas del sistema carcelario brasileño. En vista de esta realidad, el presente estudio
tuvo como objetivo general evaluar las dificultades de acceso a la atención de salud en una penitenciaría del municipio de
Campina Grande/PB. Consiste en una investigación descriptiva, de carácter exploratorio y con abordaje cualitativo como
principal referencia. Participaron del estudio, 35 hombres presos, con edades entre 25 y 59 años. Se utilizaron como instru-
mentos de recolección de datos: un cuestionario socio demográfico, una entrevista semi-estructurada y un diario de cam-
po. El análisis de los datos se realizó con la ayuda de la técnica de análisis de la enunciación. Los resultados mostraron
que la salud en la prisión estudiada está lejos de atender a las necesidades en cuanto al derecho a la salud, establecidos
en la Constitución Federal de 1988, y en la Política Nacional de Atención Integral a la Salud de las Personas Privadas de
Libertad en el Sistema Carcelario. También mostraron que la salud dentro del presidio es precaria, pues falta un sistema
1
Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) – Especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). End.: Rua Severino Pimentel, 895, Liberdade, Campina Grande/PB, CEP: 58.414-150 – Telefone: + 55 (83) 99685-6436 – E-mail: jaksonpsi@
gmail.com, ORCID 0000-0002-2677-734X.
2
Doutora em Antropologia da Saúde pela Universidad de Granada – Espanha, Docente da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Saúde (UEPB) – End.: Av. Mar da Sibéria, 117, apto 902 - Intermares – Cabedelo-PB – CEP: 58102-071 - Telefone: + 55 (83) 98714-1430 – E-mail:
raildafernandesalves@gmail.com, ORCID 0000-0001-5093-1952.
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de atención digno. La estructura física es limitada, hay superpoblación de las celdas, el agua y la alimentación son de
mala calidad, lo que favorece la proliferación de enfermedades infecciosas.

Palabras clave: Salud; Hombres presos; Sistema Prisionero Brasileño.

Introdução periculoso para manifestações de doenças (Oliveira,


Ferreira & Rosa, 2016). Na contra mão desta realidade,
O sistema prisional brasileiro vem se desgastando as Leis brasileiras expressam a garantia de que o apena-
em um cenário de sucateamento. Paralelamente, ob- do não deve perder sua condição de humano, de deten-
servamos o crescimento da população carcerária em tor dos direitos, incluído aquele à saúde (Favilli & Ama-
nível nacional, contados a partir de 1990 (Sánchez & rante, 2018). E para garantir as condições de cidadãos
Larouzé, 2016). Em um último censo realizado pelo das pessoas encarceradas, sujeitos de direito em pleno
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi identificado título, existem legislações que amparam o direito à saú-
que, em termos internacionais, o Brasil é o terceiro de do preso, como os pressupostos da Lei 7.210/84,
país no mundo com maior número de pessoas presas, sobre a execução penal no Brasil. Nela constam as ga-
com uma estimativa de 726.712 mil presos. Tendo um rantias legais das pessoas privadas de liberdade (Brasil,
menor número de presos que os Estados Unidos com 1984). Ainda neste entendimento, a Constituição Fede-
(2.145.100 presos) e a China com (1.649.804 presos) ral de 1988 garante um leque de direitos fundamentais
(Brasil, 2017). O crescimento dos números que fazem a todos os brasileiros, não deixando de lado as pessoas
referência ao encarceramento na esfera brasileira é se- em privação de liberdade (Brasil, 1988). Contudo, o que
guido por uma estrutura precária das prisões. Massaro se observa é a não garantia do direito à saúde do preso
e Camilo (2017) destacam que o rápido e exponencial por parte do Estado, fator que potencializa a vulnerabi-
crescimento do encarceramento não vem sendo acom- lidade e a segregação das pessoas presas.
panhado pela expansão da estrutura dos sistemas pri- Em 2003 foi criado o Plano Nacional de Saúde no
sionais nos estados brasileiros, pois muitas das prisões Sistema Penitenciário (PNSSP) estabelecido por meio
se revelam como lugares impróprios para a convivência da portaria interministerial nº 1.777MS/MJ e mais
entre seres humanos. Souza (2016) reitera que as con- recentemente a Política Nacional de Atenção Integral
dições prisionais são extremamente desumanizadas e à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema
que devido a tal fator, as prisões não cumprem o seu Prisional (PNAISP), a qual tem como um dos princi-
papel de ressocializar, ocasionando cenários de cons- pais objetivos o acesso ao cuidado integral em saúde
tantes rebeliões, revolta, violência e mortes. O ideal (Brasil, 2014). A criação de políticas públicas reforça
é que a prisão se apresentasse como um importante a ideia de que os presos estão privados de liberdade e
dispositivo de inclusão social, mas o que ocorre é o não dos direitos humanos inerentes à sua cidadania.
contrário. Soares Filho e Bueno (2016) informam que De acordo com a PNAISP, é preciso reforçar a premissa
o ambiente prisional, na sua grande maioria, se revela de que as pessoas presas, qualquer que seja a natureza
como um espaço de precariedade e insalubridade. Os de sua transgressão, mantêm todos os direitos funda-
aspectos precários do sistema prisional brasileiro são mentais a que têm direito todas as pessoas humanas,
desoladores devido à presença de condições sanitárias e principalmente o direito a gozar dos mais elevados
padrões de saúde física e mental (Brasil, 2014). Com
rudimentares, ausência de assistência médica, jurídica,
o interesse em contribuir para a formalização de co-
educacional e de formação profissional (Martins, Silvei-
nhecimento em relação a essa temática, este estudo se
ra & Melo, 2014). Fernandes et al., (2014) afirmam que
propôs a ouvir homens privados de liberdade, na faixa
a sociedade e os governos estão cientes dos problemas
etária entre 25 e 59 anos, encarcerados em um presídio
nas instituições carcerárias, mas os entraves para as so- masculino de segurança máxima da cidade de Campina
luções são grandiosos e os presos acabam ficando sem a Grande - PB, com o objetivo de avaliar as dificuldades
devida assistência do Estado. Muitos agravos na saúde de acesso ao atendimento de saúde dentro do presídio.
dos presos são consequências de problemas nas insta-
lações físicas, como: a superlotação e a falta de capaci- Método
tação e disponibilidade de equipes multiprofissionais.
Os fatores estruturais aliam-se à má alimentação dos Este estudo, de natureza qualitativa e descritiva
presos, ao sedentarismo, ao uso de drogas e a todas as (Gil, 2010), foi realizado numa penitenciária mascu-
outras particularidades das prisões (Oliveira & Damas, lina situada na cidade de Campina Grande/PB. Parti-
2016). Além disso, a falta de higiene e o elevado nú- ciparam 35 homens, com idades entre 25 e 59 anos.
mero de detentos por cela acarretam em um ambiente O tamanho da amostra foi delimitado pelo critério
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de ponto de saturação, que define o encerramento Quanto à raça/etnia, a maioria se declarou negra
da coleta de dados quando começa a haver a repe- (51,43%), corroborando os resultados do estudo de
tição dos conteúdos (Vinuto, 2014). Os critérios de Minayo e Ribeiro (2016). Sobre a presença de uma
inclusão foram: homens condenados a regime fecha- maioria de negros nos presídios brasileiros, Oliveira
do que aceitaram participar de forma voluntária da e Damas (2016) destacam que fatores de natureza
pesquisa; estar a mais de seis meses cumprindo pena econômica, privação de oportunidades, desigualda-
na unidade; ter idade entre 25 e 59 anos. Foram ex- de social e marginalização podem levar indivíduos
cluídos do estudo: os homens recém-chegados à pe- a cometer crimes. Tais situações de exclusão podem
nitenciária; ter idade diferente da faixa etária esta- ser constatadas na história dos negros do nosso país.
belecida e se negarem a participar da pesquisa. Quanto ao estado civil houve uma predominância
Os instrumentos de coleta de dados foram um ques- dos solteiros (42,86%), confirmando dados da pesqui-
tionário sociodemográfico (Costa & Costa, 2014), para sa de Minayo e Constantino (2015). De acordo com os
caracterização da amostra; uma entrevista semiestru- dados verificados no diário de campo, muitos dos pre-
turada (Gray, 2012), que incluiu questionamentos re- sos verbalizaram que após o encarceramento, tiveram
ferentes ao acesso ao serviço de saúde, os motivos da seus vínculos familiares rompidos, devido ao pedido
procura pelo serviço e a percepção sobre o funciona- de separação por decisão das suas companheiras.
mento dos serviços de saúde dentro da penitenciária; e
um diário de campo (Sampaio, 1998). A coleta de dados Tabela 1: Características sociodemográficas
foi realizada na unidade básica de saúde do presídio, dos presos: faixa etária, raça/etnia, estado civil
em encontros individuais com os presos, nos intervalos e escolaridade.
das consultas médicas e odontológicas. As entrevistas IDADE QUANTIDADE FREQUÊNCIA (%)
foram gravadas em um programa de voz instalando em 24-30 15 42,86
um notebook, cuja utilização foi devidamente autori- 31-40 13 37,14
zada pela direção do presídio. Posteriormente todas 41-40 5 14,39
as gravações foram transcritas na íntegra. A análise do 51-59 2 5,71
RAÇA/ETNIA QUANTIDADE FREQUÊNCIA (%)
material obtido nas entrevistas se fez à luz da técnica
Negro 18 51,43
da análise da enunciação, proposta por Bardin (1979).
Pardo 11 31,43
Para dar visibilidade aos discursos, utilizamos as árvo- Branco 6 17,14
res de associação de sentidos (Spink & Lima, 2013). ESTADO CIVIL QUANTIDADE FREQUÊNCIA (%)
Este estudo seguiu os procedimentos éticos refe- Solteiro 15 42,86
rentes a investigações envolvendo seres humanos, União Estável 8 22,86
em atendimento à Resolução nº. 466, de 12 de de- Divorciado 8 22,86
zembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde (Bra- Casado 3 8,57
sil, 2012). Primeiramente o projeto foi apresentado e Viúvo 1 2,86
ESCOLARIDADE QUANTIDADE FREQUÊNCIA (%)
autorizado pela Vara da Execução Penal da Comarca
Não alfabetizado 5 14,29
de Campina Grande/PB, conforme processo 1028/ Ensino
VEP/2017, e, posteriormente, teve o parecer favorá- Fundamental 17 48,57
Incompleto
vel do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Ensino
Estadual, sob Nº do CAAE 62982716.6.0000.5187. Fundamental 1 2,86
Completo
Resultados e Discussões Ensino Médio
Incompleto 6 17,14
Ensino Médio 5 14,29
Caracterização da amostra Completo
Ensino Superior 1 2,86
Incompleto
A amostra se caracteriza pela prevalência de jo-
vens com idades entre 25 a 30 anos (42,86%), re- A escolaridade da amostra é baixa com predo-
sultado que corrobora o estudo proposto por Carva- minância para o ensino fundamental incompleto
lho, Mello, Rabello e Lima (2016), em que a grande (48,57%). Dados do Relatório Brasil (2017) dão conta
parte da amostra foi composta por adultos jovens. de que no universo brasileiro, a maior parcela dos pre-
Tal achado revela o quão cedo a juventude se dispõe sos possui um baixo nível de escolaridade, não chegan-
a cometer crimes, passando a compor as estatísticas do a completar o ensino fundamental. De acordo com
crescentes de pessoas presas no Brasil. Zanin e Oliveira (2006), a educação, a qualificação e o
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trabalho são os pilares da recuperação. É preciso ele- Os resultados demonstrados na figura 1 são expli-
var a escolaridade dos presos para que tenham uma citados em quatro linhas narrativas. A primeira linha
visão de mundo diferente, além do conhecimento es- evidencia a falta de suporte para as suas demandas,
colar. Paralelo a isso, trabalhar a qualificação profis- principalmente relacionadas à ausência de profis-
sional para que possam ser inseridos no mercado de sionais nas rotinas das unidades de saúde; à insufi-
trabalho quando do cumprimento de sua pena. ciência de medicamentos e materiais necessários à
Os dados referentes à profissionalização demons- realização de exames e procedimentos médicos. Tais
traram que a maioria dos presos teve pouco acesso fatores, na visão dos presos, dificultam o acesso aos
à educação e à formação profissional, isto porque serviços dentro do presídio, como podemos verificar
grande parte das atividades laborais indicadas foram nas falas dos sujeitos apresentadas a seguir:
exercidas dentro da informalidade e em carreiras
Muito complicado o sistema aqui. Para você ir num
pouco estáveis. Na visão de Marchi, Granza Filho e médico, não tem, dentista não tem. Um dia não tem
Dellecave (2018), os sujeitos privados de liberdade luva ou então não tem anestesia, nunca tem nada.
muitas vezes cometem crimes por não verem outra Eles complicam demais, você passa a noite com dor,
possibilidade de conseguir o seu sustento e de sua você morre, infelizmente, até eles entrarem e tirar
família, ingressando no mundo do crime, onde en- você. Nosso sistema infelizmente, a gente tem que
admitir, é falido (S20).
xergam uma solução rápida para o problema.
Estava fazendo meus curativos, mas como ele não veio
Análises dos discursos (profissional), estou aqui sem ser atendido. Mas eu
coletados nas entrevistas acho que faltam só os antibióticos para desinflamar,
né? Já pedi o antibiótico, mas não tem (S21).

Dificuldades de acesso ao atendimento de É a maior burocracia, o cabra chega aqui eles diz:
saúde num tem remédio, num tem nada, o cabra volta
sem nada de novo, melhor nem vim. Minha mulher
Esta categoria responde ao objetivo principal traz de casa e eu fico tomando (S25).
deste estudo: conhecer as dificuldades de acesso aos
Muitas vezes as pessoas que cometeram algum
cuidados de saúde dentro do presídio. Foi possível
crime são penalizadas não apenas pelo sistema judi-
perceber uma predominância de dificuldades que
cial, mas também pelas condições degradantes den-
acarretam na inviabilidade de um acesso adequa-
tro dos presídios (Freitas et al., 2016), como a falta de
do aos serviços de saúde dentro e fora do presídio.
profissionais e materiais básicos necessários aos cui-
Cabe destacar que em alguns momentos os presos dados em saúde. Nos discursos dos presos é notório
precisam ser encaminhados para serviços externos, que há uma desconsideração, por parte da equipe de
principalmente aos serviços de média e alta comple- saúde, das suas queixas de saúde-doença, o que ex-
xidade, a exemplo de procedimentos mais graves que põe o descumprimento de uma assistência integral
demandam à ida a hospitais. de qualidade. Numa linha de confirmação de nossos
resultados, Arruda et al. (2013) destacaram que o
acesso à saúde da população privada de liberdade, é
deficitário, o que evidencia a inadimplência do Esta-
do de seu dever. Referente aos aspectos que dificul-
tam o acesso do preso à saúde dentro dos presídios,
Souza (2016) enfatiza que faltam colchões, remédios,
lençóis, roupas e outras necessidades materiais que
deveriam ser providas pelo Estado. Em vez disso, esse
material é doado pelas famílias dos presos ou insti-
tuições religiosas diversas. Além disso, há brutal falta
de recursos humanos, visto que a prisão, vista como
uma instituição de custodia e segurança, nega a im-
Figura 1: Árvore de Associação de Sentidos – Difi- portância e a necessidade de médicos, enfermeiros,
culdade de acesso ao atendimento de saúde. assistentes sociais, psicólogos e etc. O Estado, nesses
Fonte: Dados da pesquisa, 2017. termos, é o principal violador da lei que criou.
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A Resolução Nº 07, de 14 de abril de 2003 do Con- não. Aí, fui moer para ver se eles me chamavam,
selho Nacional de Política Criminal e Penitenciária aí foi que me botaram para subir pro posto (S12).
(CNPCP), estabelece que a assistência à saúde do pre- Oxe! A pessoa tem que gritar muito para ser
so, de caráter preventivo e curativo, deve compreen- atendido. Tem uns que adoece lá e eles nem ligam
der atendimento médico, psicológico, odontológico e (S32).
farmacêutico, devendo este profissional ser respon-
Muitas vezes o acesso ao atendimento é baliza-
sável pela aquisição e dispensação de medicamentos
do pelo comportamento apresentado pelo preso.
nos presídios (Brasil, 2003). Carvalho et al. (2016)
Aqueles que não seguem as normativas do presídio
destacam a necessidade de os profissionais de saúde
e apresentam um histórico relacionado a conflitos
serem críticos e reflexivos em relação aos problemas
e transgressões, são negligenciados e ficam sem o
de saúde-doenças prevalentes no público encarcera-
devido acesso à saúde. Nesse ambiente, os agentes
do, para que possam promover práticas de promoção
penitenciários terminam por exercer um papel de
da saúde, prevenção de doenças, tratamento e reabi-
reguladores do acesso à saúde. São eles que julgam
litação das pessoas privadas de liberdade.
a necessidade de atendimento a partir do pedido do
A segunda linha narrativa enfatiza o tempo de
preso e atuam facilitando ou dificultando este acesso
espera como uma barreira para o acesso ao atendi-
(Reis & Bernardes, 2011).
mento em saúde. Os presos alegaram a longa demo-
ra para conseguirem marcar exames. Muitos desta- Tem muito preso querendo chegar até aqui
caram que apresentam problemas graves de saúde, (Unidade de Saúde). É muito difícil para chegar até
porém não conseguem ter acesso à realização de exa- aqui. Tem que ter bom comportamento também, e
por isso muita gente fica na espera (S26).
mes específicos, vejamos os exemplos:
É muito difícil o acesso para ir no médico, tudo aqui. Sobre esse assunto, Diuana et al. (2008) desta-
Como eu que estou com um problema na garganta cam que no ambiente prisional, o que se pode ob-
desde que eu cheguei aqui, três anos, até hoje está servar é que a oferta de saúde parece estar pautada
para marcar exames e eu só esperando (S3). por uma relação de dívida e gratidão, dependente do
Totalmente ruim o acesso. Se o cara tiver com uma mérito, da disciplina e da adesão aos valores hierar-
doença grave, antes de encaminhar para o hospital quizantes e às negociações que são feitas. No presí-
já está morto. Quando ele conseguir já é tarde, né? dio estudado, ficou evidente o descumprimento dos
(S33). direitos do preso à saúde, já que o que prevalece para
receber a assistência de saúde é uma relação de troca.
O preso, apesar de sua condição, continua sendo
Esta situação é gravíssima e denuncia a negligência e
um sujeito de direitos, na forma da lei, sendo im-
a falta de ações igualitárias para todos em termos de
portante lembrar que a pessoa presa está condena-
promoção, proteção e assistência à saúde, ações que
da por um crime cometido, mas isso não retira seus
poderiam servir como um propulsor para a reinte-
direitos de cidadão no que diz respeito ao acesso à
gração do preso à sociedade.
saúde plena: médica, farmacêutica, odontológica e
Na quarta linha narrativa foi destacado o acesso
cuidados de enfermagem. O direito à saúde realizado
dos presos aos serviços de saúde fora do ambiente
na perspectiva dos direitos humanos, no que condiz
prisional. Segundo nossos interlocutores, são mui-
com o exercício da cidadania é garantido constitucio-
tos os casos que demandam o encaminhamento para
nalmente mediante o SUS (Oliveira, Ferreira & Rosa,
hospitais e serviços especializados, porém o encami-
2016).
nhamento somente é realizado em casos de extrema
Na terceira linha narrativa estão destacadas as re-
gravidade:
lações interpessoais e a comunicação, principalmen-
te entre o preso e o agente penitenciário. Segundo os Quando a pessoa vem pra cá pra enfermaria eles
presos, a limitação das vagas diárias para atendimen- não encaminham pro hospital. Estou até com uma
to e a ineficiência das orientações prestadas pelos bala aqui, quase saindo, a ponta chega dá para
fora, o cabra pede pra ir pro hospital e eles não
agentes, são fatores que dificultam o acesso à saúde,
querem levar, num encaminha, muito ruim mesmo
e denunciam a falta de assistência de qualidade: aqui (S10).
Para conseguir atendimento aqui é difícil. Eu tive Às vezes a gente pede pra vim e é uma burocracia
que moer ali na frente, falar com o agente ali. Eu pra subir aqui. Aí eu não gosto de está pedindo não
dei meu nome de manhã, mas não me chamaram
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e os cabra lá em baixo também pensa que o cabra que levam os presos a procurarem os serviços de saú-
vai fazer outras coisas, pensa que vai fugir (S25). de. O cuidado com a saúde bucal:
Realmente têm pessoas que sobem aqui muito Só dentista mesmo, fazer uma limpeza (S6).
doentes, tem mais de mil presos aqui, então
realmente não tem como cuidar aqui porque esse Estou com muita dor, doido para arrancar esse
posto só funciona até meio dia diariamente, passou dente, o cara não dorme direito, nem cochila nem
disso, à tarde tem que ser hospital (S24). nada. Aí quando vem ela diz que num arranca, que
o dente é complicado, que o dente é difícil (S28).
Nesse contexto de privação da assistência de saú-
de, é importante reafirmar que o preso, independen- Conforme Walsh (2008) as dificuldades nas assis-
temente de sua condição, mantem o direito de gozar tências odontológicas dos presidiários, são graves,
dos mais elevados padrões de assistência à saúde, pois os ingressos já apresentam precárias condições
de modo que os direitos humanos inerentes à sua de saúde bucal, decorrentes das necessidades dentais
cidadania sejam garantidos. É imprescindível trans- não suprimidas anteriormente à prisão, sobrecarre-
formar valores e fazer valer o direito fundamental à gando a assistência do sistema penitenciário. Além
saúde de modo incondicional e universal. Para tan- disso, tal assistência é agravada pelo elevado número
to, é necessário questionar os diferentes sistemas de presos, por dificuldades estruturais e falta de pro-
simbólicos que sustentam a segregação, negação de fissionais (Harvey et al., 2005).
direitos e restrição da autonomia das pessoas priva- A segunda linha narrativa diz respeito à motiva-
ção da procura por consequência de sintomas apa-
das de liberdade (Coelho & Carvalho Filho, 2012). A
rentemente graves e contagiosos, como por exemplo
saúde não deve ser considerada como um privilégio,
furúnculos, dermatoses, tuberculose, os quais po-
mas, como um direito. Como exemplo do impacto po-
dem indicar processos bacteriológicos graves:
sitivo de uma abordagem mais humanizada e partici-
pativa no âmbito da saúde no contexto penitenciário Estou com umas infecções, umas cabeças de prego
(Freitas et al., 2016). Apesar de o acesso à saúde para que estão saindo. Fica supurando direto, sai e volta
o preso estar previsto nos Programas do Ministério de novo (S25).
da Saúde (Brasil, 2008; Brasil, 2014), o que observa- Fico tossindo direto ... Aqui tem muita tuberculose
mos em nosso estudo foi uma desconsideração desse (S18).
acesso. Soares Filho e Bueno (2016), confirmando
Dor de ouvido, pode ser infecção. Foi luta para
nossos achados, destacaram que esta população é conseguir a consulta (S12).
timidamente visualizada pelas políticas públicas de
saúde, de tal forma que os órgãos responsáveis pela Rapaz é muita bactéria, umas coceiras, o pessoal
chama de bit-bit. Tá muito empestada de coceira (S31).
execução das ações nos estados, ofertam os serviços
de saúde desvinculados da sistemática preconizada
pelas diretrizes atuais.
Os resultados mostrados nesta categoria levam-
nos a concluir que o sistema penitenciário é incapaz
de ofertar o acesso à saúde de maneira adequada e
com qualidade. A forma como o adoecer está sendo
tratado dentro da penitenciária é indigna e o modo
como esses presos estão sendo (des)assistidos pelo
sistema poderá repercutir negativamente nas suas
Figura 2: Árvore de Associação de Sentidos - Moti-
decisões futuras, comprometendo o principal objeti-
vo da procura pelos serviços de saúde no presídio.
vo do encarceramento: a ressocialização.
Fonte: Dados da pesquisa, 2017.
Motivo da procura pelos serviços de saúde
no presídio Para Oliveira e Damas (2016) as doenças infec-
tocongagiosas são comuns nos presídios brasileiros.
Nesta categoria os discursos revelam pouco Entre as mais encontradas estão as pneumonias,
esclarecimento sobre os diagnósticos e muitos sinto- tuberculose, hepatites e doenças sexualmente trans-
mas sem receber o devido tratamento. A primeira li- missíveis, inclusive o HIV. Há também muitos indi-
nha narrativa da figura 2 refere-se a um dos motivos víduos com distúrbios mentais, cancêr e hanseníase.
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A população privada de liberdade representa um Peguei esse problema (HIV) num baque aqui na
sério problema para o controle de doenças, princi- veia sabe, injetando cocaína. Subo aqui sempre
palmente as infectocontagiosas. Mesmo nas prisões, e pego meus medicamentos (S9).
estes indivíduos não estão totalmente isolados pelos Aqui têm meus remédios, eu tomo esse remédio
muros que os cercam, pois existem epidemias causa- para controlar, pra eu poder dormir, poder me
das pelo contato dentro das áreas de confinamento acalmar (S13).
com outros detentos saudáveis, ou por meio de vi-
A maior preocupação dos presos, além do tempo
sitas e funcionários do sistema prisional (Ferreira,
de detenção, é o adoecimento e o acesso ao trata-
Oliveira & Marin-Leon, 2013). Sobre isto, Barros et
mento e cura, já que as condições de confinamento
al. (2018) encontraram uma alta incidência e preva-
demonstram ser ineficazes para o controle das doen-
lência da tuberculose no sistema prisional, concluin-
ças. Intervenções institucionais relacionadas ao estí-
do que este constitui um problema de saúde nas pri- mulo do próprio cuidado e à proteção da saúde pre-
sões. Barbosa et al. (2014) informam que o controle cisam ser implementadas, pois, evitar o surgimento
dessas patologias se faz com ações de promoção em de morbidades relacionadas ao período de encarce-
saúde, conforme preconizam as políticas públicas ramento pode ser um ponto decisivo para o retorno
penitenciárias. dos presos ao mercado de trabalho e à vida cotidiana.
A terceira linha narrativa refere-se à busca de Santos et al. (2017) destacam que com concepções
serviços em virtude de sintomas relativos a transtor- ampliadas de saúde é possível contribuir para a ope-
nos mentais: racionalização de ações relacionadas à prevenção de
Tem hora que me dá depressão, mas até agora agravos e à promoção de saúde de modo integral.
graças a Deus não chegou a eu decidir minha vida
Avaliação dos presos sobre a penitenciária
e fazer uma atitude maior, sabe como é? Porque eu
tenho Deus, sabe?! (S8).
A figura 3 mostra duas linhas narrativas princi-
Estava vendo coisa demais homem, muita coisa pais classificadas como: negativa e positiva. A ‘ava-
feia demais, vendo onça, todo tipo de animal eu via liação negativa’ destaca a falta de ações voltadas à
de noite quando tomava o remédio, aí trocou por promoção da saúde; alimentação de qualidade ruim;
esse aqui pronto, tudo normal (S9).
ausência de investimentos em projetos, sobretudo
Em pesquisa recente no sistema prisional do Rio na área de educação; precariedade da estrutura fí-
de Janeiro (Minayo, 2014), foram encontradas muitas sica, em que ficou presente a indignação dos presos
queixas de problemas mentais e muitas dificuldades quanto à superlotação; descumprimento das funções
para a assistência à saúde dos presos. Para Diuana et do estado, incluindo aqui a ressocialização, e por fim
al. (2008) a presença de transtornos mentais no am- as dificuldades enfrentadas com relação ao convívio
biente prisional pode estar associada ao aumento da entre eles, como as desavenças relacionadas a fac-
população carcerária, sem a correspondente adequa- ções dentro do presídio.
ção das condições físicas e de pessoal administrativo. Para os presos os serviços prestados são ruins,
A não adaptação às normas legais que disciplinam pois faltam ações de promoção de saúde e as ações
o cotidiano prisional e os códigos e regras de convi- que regem o cotidiano do presídio são indignas e de-
vência da cultura institucional também pode colabo- sumanizadas, principalmente o tratamento prestado
rar para o surgimento de um transtorno mental (Sou- pelos profissionais.
za, 2004). Autores como Oliveira e Damas (2016) e A realidade carcerária denuncia a negligência
Santos et al. (2017) afirmam que o número de deten- estatal, sobretudo quando o assunto é a saúde. Al-
tos com problemas de ordem psiquiátrica é elevado e a gumas condições de saúde, como educação e sanea-
situação de reclusão é ela própria geradora de descom- mento básico, entre outras, são determinantes para
pensações. O preso tem o mesmo direito de assistên- o precário quadro sanitário no sistema prisional bra-
cia psiquiátrica que o restante da população, contudo sileiro (Gomes et al., 2015).
poucos pacientes recebem assistência psiquiátrica de Relacionado à alimentação, predominaram as
maneira adequada (Freire, Pondé & Mendoça, 2012). falas que indicaram o descaso com a nutrição, a má
A quarta linha narrativa da figura 2, destaca a qualidade das comidas e do preparo dos alimentos:
busca pela medicação como motivo para os presos A alimentação daqui não é boa. É feijão com pedra,
frequentarem os serviços de saúde no presídio: frango com pena, cabeça de frango, nunca vi a
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pessoa comer a cabeça de um galeto. Aqui come as condições precárias de confinamento se tornam
com bico e tudo. Pé com unha, tudo isso aí: só Jesus obstáculos para garantia dos direitos dos indivíduos,
homem! (S3). bem como a manutenção da sua saúde.
A realidade do dia-a-dia é feijão azedo e arroz Os presos reclamaram do ócio e da ausência de
bebido e pronto. Quem tem umas condiçãozinha, projetos que antes eram ofertados dentro da peni-
prepara um feijãozin e um arroizin, é melhor, evita tenciária. Avaliando negativamente a direção do pre-
até adoecer, pegar uma infecção, uma doença do sídio quanto a não continuidade de convênios antes
intestino, um negócio assim. Eu acho que se botar
existentes na penitenciária, importantes para a res-
um comer desse aqui da cadeia para um cachorro,
eu acho que ele levanta a patinha assim, faz o socialização deles:
serviço dele lá e sai, não come não. Eu acho que Era legal demais há alguns meses, tinha cursos
nem cachorro come (S28). de pedreiro, eu fiz um curso aqui de serigrafia.
Então era bom pra nós se ressocializar, a gente
já saía com um curso, já saía com um objetivo,
com um trabalho (S10).

O SENAI deveria voltar a ter né? É isso aí que eu


achava viável pra nós, que estamos precisando se
ressocializar, né? A gente assiste a televisão e vê
que outros presídios que tão aderindo a oficinas, os
presos estão se ressocializando, né? Até o modo de
se expressar muda completamente, não tem mais
gíria (S11).

Os exemplos apontam a falta de projetos, servi-


ços e oportunidades que ajudassem na preparação
do preso para o retorno à sociedade, ao mercado de
Figura 3: Árvore de Associação de Sentidos – Ava-
trabalho e ao convívio social. De acordo com Santos
liação dos presos sobre a penitenciária.
et al. (2017), o ambiente institucionalizado da prisão
Fonte: Dados da pesquisa, 2017.
configura-se como um espaço ocioso que também
Thomé et al. (2016) destacam a importância da contribui para interferir na noção temporal. Infere-
alimentação para o desenvolvimento físico, emo- se que o tempo institucionalizado pode caracteri-
cional ou intelectual das pessoas e afirmam que a zar-se pela predominância de desocupação. Assim, a
comida de qualidade e em quantidade suficiente mi- ociosidade é outro fator que interfere nas condições
nimizam muitos problemas que podem ocorrer nas de saúde de pessoas encarceradas.
penitenciárias, tendo em vista as condições em que Identificamos muita indignação entre os presos
vivem os detentos. pela falta de assistência que se estende por toda estru-
Além da alimentação com má qualidade, tiveram tura física da penitenciária, principalmente pela pre-
presos que mostraram indignação quanto à água sença constante de insetos e animais estranhos. Além
sem tratamento dentro do presídio: disso, tem a superlotação que submete os presos a am-
bientes insalubres, em espaços limitados, sem espaços
Não queira nem saber homem, água com casca de para dormirem e sem condições de uma convivência
barata, água com tudo homem, você enche umas
digna. Dados que revelam a situação de calamidade do
garrafas com pedaço de caranguejeira e tudo isso é
as águas que nós bebemos, é desses tanques velhos sistema carcerário no Estado da Paraíba.
sujos aí, por isso que é muita infecção. Eu, pronto,
Todos os rebocos das paredes caindo aos pedaços,
faz doze dias que eu não se alimento direito estava
aparece direto caranguejeira e escorpião. Essa
pesando oitenta quilos e agora estou pesando
semana o meu parceiro, que foi preso comigo, foi
sessenta e pouco, infecção que eu tive (S6).
mordido pelo escorpião...Aí botaram lá umas
Cabe destacar que o saneamento básico precário cabeças de alho pra tirar o veneno e tal. Ele num
quis nem subir, vai subir pra que? Pra ficar olhando
ou inexistente em inúmeros presídios eleva a inci- pra cara dos agentes? (S2).
dência de doenças infecciosas. Freitas et al. (2016)
elencam alguns agravos que são mais propícios A superlotação aí é demais, fizesse mais pavilhão
nesses ambientes: tuberculose, pneumonia, hepa- aqui pra desafogar. Não é brincadeira não, num lado
tite, doenças sexualmente transmissíveis. Assim, do pavilhão tem 20 camas, tem 60, 70 presos, diga aí,
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.47- 57 55

o tanto que não tem no chão?! Tem gente dormindo Considerações Finais
até nos banheiros (S22).
Além da precariedade referente à superlotação O sistema prisional para cumprir o seu principal
os presos afirmaram que o convívio entre eles é um papel de ressocialização, precisaria ser ‘reinventado’.
dos pontos negativos na avaliação da prisão. Há uma Deixar de ser um depósito de pessoas com problemas
constante luta pela sobrevivência, pois a violência de adaptação social, oriundos de várias ordens, para
entre eles é recorrente: se tornar um lugar em que essas pessoas possam ser
tratadas dignamente e, assim, reaprender a conviver
E esse lugar aqui é imprevisível, hoje você está vivo,
no meio de outras pessoas, redirecionando seus con-
hoje você está respirando, amanhã não tá mais. É
muita guerra aí dentro. Por isso que quem vence flitos com mais sabedoria e inteligência emocional,
esse lugar é um guerreiro (S11). sem ter que reincidir em novos crimes.
Os participantes deste estudo são jovens, negros
Eu fui espancado no reconhecimento (pelos presos),
e pardos, com defasagem na escolaridade e de bai-
fui parar no trauma. O maxilar quebrado, aí
precisou cirurgia, aí mandaram eu voltar de novo. xa renda. O que demonstra um grave problema a ser
Fiquei a cabeça toda quadrada, inchada demais. resolvido pelo Estado, sobretudo no que se refere à
Cheio de sangue por todo corpo e minhas unhas promoção de políticas públicas capazes de reinventar
estão todas roxas, bateram muito nelas com o cabo o cenário hora posto. Isto aponta que o combate à
de vassoura (S32). criminalidade perpassa, sobretudo, por combater a
Bitencourt (2004) denuncia a superlotação das pobreza, bem como oferecer melhores condições so-
carceragens, o elevado índice de reincidência; ocio- ciais, educacionais e dignidade a todas as pessoas, fa-
sidade ou inatividade forçada; condições de vida pre- cilitando-lhes o acesso a melhores condições de vida.
cárias produzidas pela prisão. Assis (2007) aponta Diante dos dados encontrados, que comprovaram
que tal população está sujeita a ambientes altamente que homens negros e pardos estão entre as maiores
precários e insalubres, celas superlotadas, condições parcelas das populações carcerárias, evidencia-se a
que são propícias à proliferação de epidemias e de- pertinência de investigações sobre a problemática ra-
senvolvimento de patologias. cial nos espaços de privação de liberdade. É de grande
Em face de tamanha falta de estrutura não há como valia debater os aspectos relacionados às questões
exigir recuperação de um indivíduo, pois o que está raciais e os seus vínculos com a criminalidade.
sendo feito é retirá-lo do convívio social sem prover- As falhas no sistema prisional também indicam
lhe das condições mínimas para sua recuperação. Além que ele não tem sido capaz de coibir as chamadas
de não ressocializar tal situação pode gerar consequên- ‘guerras de facções’ existentes dentro do presídio.
cias principalmente psicológicas, como o desejo de vin- O que leva à reprodução das organizações crimino-
gar-se contra o sistema, que evidentemente é falho. sas dentro da instituição. Cabe destacar o descaso
A penitenciária deve ser afirmada como um espa- encontrado quanto ao desrespeito à dignidade hu-
ço humano, que recupere de fato o preso, para que mana, não diferentemente de outros espaços pri-
dessa forma a sociedade não sofra as consequências sionais, o presídio estudado se configura como uma
da revolta gerada pela degradação humana do preso instituição que abarca presos além da sua capacida-
como vem ocorrendo. A prisão deve realmente deixar de, evidenciando ambientes de convívio superlota-
de ter o caráter meramente punitivo e assumir sua dos, com estrutura precária e insalubre, fatores que
função educativa e ressocializadora. Embora, a rea- certamente contribuem para agravos relacionados à
lidade mostre que os presos das prisões brasileiras, saúde. Ainda sobre a dignidade humana, destacamos
saem sem perspectiva, sem aprendizado para rein- a violência e os maus-tratos, sobretudo partindo dos
tegrar-se dignamente (Bocaleti & Oliveira, 2017). agentes penitenciários.
Na última linha narrativa da figura 3 estão as poucas Dentro desse contexto, é necessário repensar as
referências feitas à penitenciária de forma positiva. práticas que estão postas, para fazer valer o direito
Observamos que tais discursos ‘bom atendimento’, fundamental à saúde. Para tanto, é importante ques-
‘acesso’ e ‘agilidade’ negam os demais discursos re- tionar a eficácia dos diferentes sistemas e políticas
sumidos nesta categoria. Esta contradição pode ser vinculadas à saúde do preso, pois, na prática, não
explicada pela negação da realidade, pelo temor de estão cumprindo com um dos seus principais obje-
uma retaliação, ou a perda de algum benefício pre- tivos: a superação das dificuldades impostas pela
tendido pelo preso, ainda se tratar de casos isolados. própria condição de confinamento, que dificulta o
56 Boletim
Boletim Academia
Academia Paulista
Paulista de de Psicologia,
Psicologia, SãoSão Paulo,
Paulo, Brasil
Brasil - V.- 39,
V. 39, nº96,
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acesso às ações e serviços de saúde de forma integral e não ter higiene no ambiente ou água de qualidade,
e efetiva (Brasil, 2014). são exemplos do que é preciso fazer para o que aqui
O nosso desejo é que o presente estudo sirva de chamamos de necessidade de reinventar o presídio
estímulo para criação de estratégias para um melhor para que ele alcance seu objetivo de ressocialização
cuidado para com a saúde do homem preso, sobre- do preso.
tudo com ofertas regulares de ações de promoção à Diante desse contexto, faz-se necessário multipli-
saúde, de prevenção de doenças, agravos e de trata- car espaços de discussão, tendo em vista que ações
mento de saúde, já que tais ações podem colaborar diversas podem ser pensadas para a melhoria da pre-
para a prevenção da criminalidade e para a reintegra- cariedade do sistema prisional. Inclusive contribuin-
ção social do preso. Assim, ter uma equipe completa do para as transformações sociais e para a minimiza-
de saúde, sem medicamentos; ou ter acesso a exames ção dos estigmas direcionados ao homem preso.

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Recebido: 28.06.18 / Corrigido: 05.09.18 / Aprovado: 12.09.18


Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.59 - 68 59

Análise confirmatória da medida do


suporte organizacional em enfermeiros
de um hospital público de uma capital
do nordeste brasileiro
Confirmatory analysis of the measure of organizational support in nurses of a public hospital in a capital city
in the Brazilian Northeast
Análisis confirmatorio de la medida del soporte organizacional a enfermeros de un hospital público de una
capital del nordeste brasileño
Gabriela Aguiar Pereira1
Nilton S. Formiga2
Ionara D. Estevam3
Universidade Potiguar/
Laureate International Universities
Natal, RN, BRASIL

Resumo: Neste estudo, tem-se como objetivo principal verificar a manutenção da organização fatorial da percepção
do suporte organizacional em enfermeiros de um hospital público. Com as mudanças econômicas e sociais ocorridas
nos últimos dez anos, as organizações têm buscado desenvolver práticas de recursos humanos centradas na qualidade
de vida do trabalhador; dentre estas, uma perspectiva que vem contribuindo na área da psicologia organizacional e do
trabalho é à avaliação do suporte organizacional quanto uma medida auxiliar ao diagnóstico do desempenho organiza-
cional. Participaram do estudo 101 enfermeiros de um hospital público, em Natal-RN, 27 a 62 anos, homens e mulheres
(95%), mais 60% acima de 6 anos de trabalho e 30 hrs/semanais de serviço. Os participantes responderam um questio-
nário sociodemográfico e a escala de percepção de suporte organizacional (EPSO). Na análise confirmatória, observaram
indicadores psicométricos que garantiram a qualidade da EPSO em enfermeiros; numa análise de regressão, a variável
idade, estado civil e cargo de chefia predisseram a percepção do suporte organizacional. É possível concluir que a EPSO
é confiável para avaliar tal construto em enfermeiros e que, deve-se focar, frente a um processo de prática interventiva
em variáveis mais específicas, a partir das variáveis preditivas.

Palavras Chave: Suporte organizacional; Enfermeiros; Escala; Hospital público.

Abstract: This study aimed mainly to examine the maintenance of factorial organization about the organizational su-
pport perception in nurses of a public hospital. With the socioeconomic changes that have occurred in the last ten years,
organizations have sought to develop human resource practices focused on the life quality of their staff. Amongst these,
one perspective that has been contributing to the ​​organizational and work psychology is the evaluation of organizational
support as an auxiliary measure to the diagnosis of the organizational performance. This study was attended by 101 nur-
ses from a public hospital in Natal-RN, Brazil, ages between 27 to 62, men and women (95%) of which 60% had worked
30 hours/week for more than 6 years. Participants answered a sociodemographic questionnaire and their perception
scale about the organizational support (EPSO). In the confirmatory analysis, psychometric indicators were observed that
guaranteed the EPSO quality in nurses. In a regression analysis, the variables age, marital status and managerial posi-
tion predicted the perception of the organizational support. It is possible to conclude that the EPSO is a reliable way to
evaluate such a construct in nurses and that, before a process of intervention practice in more specific variables, it should
be focused on the predictive variables.

Keywords: Organizational support; Nurses; Scale; Public hospital.

Resumen: En este estudio, se tiene como objetivo principal verificar el mantenimiento de la organización factorial de la
percepción del soporte organizacional a los enfermeros de un hospital público. Con los cambios económicos y sociales
ocurridos en los últimos diez años, las organizaciones han buscado desarrollar prácticas de recursos humanos centradas
1
Formada em Enfermagem pela Uni-Facex-RN. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia organizacional e do trabalho na Universidade Potiguar.
E-mail: gabyyaguiar@hotmail.com. ORCID 0000-0002-3634-8530. Avenida dos Ipês, 12. Bairro de Neopólis. Natal-RN. Cep.: 59080-115
2
Doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é professor da Pós-graduação em Psicologia Organizacional (nível mestrado) na
Universidade Potiguar, Natal-RN, Brasil. E-mail: nsformiga@yahoo.com. ORCID 0000-0003-4907-9736. Rua Francisco Brandão, 973. Bairro de Manaíra. João Pes-
soa-PB. CEP.: 58038-520.
3
Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora da Pós-graduação em Psicologia Organizacional (nível mestrado profissional) na
Universidade Potiguar. E-mail: ionara.dantas@unp.br. ORCID 0000-0002-4123-3244.Rua das Algarobas, 343. Cond. Itatiaia. Apto. 201. Cidade Verde. Parnamirin-RN.
Cep.:59151-433.
60 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.59 - 68

en la calidad de vida del trabajador; entre ellas una perspectiva que viene contribuyendo en el área de la psicología
organizacional y del trabajo es a la evaluación del soporte organizacional como una medida auxiliar al diagnóstico del
desempeño organizacional. En el estudio, participaron 101 enfermeros de un hospital público, en Natal-RN, de 27 a 62
años, hombres y mujeres (95%), más 60% por encima de 6 años de trabajo y 30 hrs / semanales de servicio. Los partici-
pantes respondieron un cuestionario sociodemográfico y la escala de percepción de soporte organizacional (EPSO). En el
análisis confirmatorio se observaron indicadores psicométricos que confirman la calidad de la EPSO en enfermeros; en un
análisis de regresión, la variable edad, estado civil y cargo de jefatura predijeron la percepción del soporte organizacio-
nal. Es posible concluir que la EPSO es confiable para evaluar tal constructo en enfermeros y que se debe enfocar, frente
a un proceso de práctica interventiva en variables más específicas, a partir de las variables predictivas.

Palabras clave: Soporte organizacional; enfermeras; escala; Hospital público.

Introdução organização, são causadores de prejuízos para a pró-


pria imagem da empresa diante de seus funcionários
Com o rápido crescimento industrial as empresas (Oliveira-Castro, Pilati, & Borges-Andrade, 1999;
passaram a apresentar maior preocupação com o bem Paschoal, 2008). Numa outra perspectiva, Bentonce-
-estar de seus funcionários, tendo como objetivo pro- llo e Borges-Andrade (2015) salientam, além dessas
mover ambientes e dinâmicas de trabalho mais sau- relações, o construto do suporte organizacional tam-
dáveis capaz de gerar motivação, significado e sentido bém é capaz de interferir na saúde mental do traba-
na forma de perceber o quanto a empresa investe em lhador em áreas como o estresse, burnout, depressão
seus trabalhadores com o objetivo de estruturar a sua e ansiedade. De acordo com Eisnberger, Huntington,
saúde na dinâmica profissional e na vida social (Csiks- Hutchison e Sowa (1986), as empresas normalmente
zentmihalyi, 2004; Siqueira, & Padovam, 2008). valorizam funcionários que demostram compromisso
De forma geral, o conceito de suporte organizacio- com ela mesma, mostrando-se envolvidos com o tra-
nal está ligado a indicadores de gestão de pessoas, os balho, dedicados, leais e multiprofissionais; ao mesmo
quais, interessam às organizações, pois, geralmente es- tempo, não ocorrendo tal valorização, esse mesmo
tão associados ao comprometimento organizacional, funcionário poderá almejar trabalhar em uma empre-
satisfação no trabalho, desempenho, produtividade, sa que lhe traga confiança, proporcione um ambiente
harmonioso de trabalho, reconheça seus esforços e
autoconceito profissional. Neste sentido, o suporte or-
possuam lideres justos e capacitados. Neste sentido, a
ganizacional está relacionado às percepções do traba-
relação de troca de interesses entre empresa e empre-
lhador acerca da qualidade do tratamento que recebe
gado é sustentada na teoria da reciprocidade. Partin-
da organização em retribuição ao esforço despendido
do dessa reflexão, o suporte organizacional pode ser
no desenvolvimento de suas funções laborais; tal cons-
entendido como uma forma de contrato psicológico
truto é a forma com que o trabalhador percebe que a
por suas funções girarem em torno de expectativas de
empresa em que ele trabalha se preocupa e cuida do trocas e benefícios mútuos, onde a organização possui
seu bem-estar e saúde laboral (Eisenberger, Fasolo, & obrigações legais, morais e financeiras para com seus
Davis-LaMastro, 1990; Eisenberger, Huntington, Hut- empregados, fazendo com que o mesmo apresente um
chison, & Sowa, 1986; Hayton, Carnabuci, & Eisenber- bom desempenho e comprometimento (Chong, Whi-
ger, 2012; Torres, Chagas, Moreira, Barreto, & Rodri- te & Prybutok, 2001; Formiga, Fleury & Souza, 2014).
gues, 2013; Formiga, Freire, Batista, & Estevam, 2017; Com isso, o suporte organizacional poderá surgir
Formiga, Freire, Estevam, Fleury, & Souza, 2018). quanto moderador em variáveis que possam contri-
Em termos práticos, quando o suporte é percebido buir ou não para o desenvolvimento saudável no con-
pelo trabalhador em sua empresa, há uma influência texto organizacional capaz de promover uma maior
na execução das atividades dos empregados, pois es- e melhor produtividade (Leveson, Joiner, & Bakalis,
tas, tem sua estrutura psicológica nas recompensas 2009; Suazo, & Stone-Romero, 2011; Mishra, 2014;
empregado-organização e vice-versa (Kurtessis, Ei- Neves & Eisenberger, 2014; Wikhamn & Hall, 2014;
senberger, Ford, Buffardi, Stewart, & Adis, 2017). Caesens, Stinglhamber, & Ohana, 2016). Estas refle-
Contudo, o reconhecimento oferecido pela organi- xões expostas acima, são confirmadas em estudos na
zação à ações que tragam vantagens para a empresa área da Psicologia Organizacional e do Trabalho, os
devem ser desenvolvidas através de práticas, além de quais, revelam que uma percepção elevada de suporte
críveis, também, confiáveis, pois as ações manipula- organizacional está relacionada a resultados positivos
doras quanto a insistência de uma imagem ideal da do trabalhador no ambiente das empresas, tais como
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comprometimento, qualidade de vida e motivação referente a pesquisa utilizou-se o pacote estatístico


(Kalidass, & Bahron, 2015; Formiga, Fleury, & Sou- GPower 3.1 para calcular a sua significância para a
za, 2014). Em direção semelhante desse raciocínio, presente dissertação; trata-se de um software des-
Baran, Shanock e Miller (2012) e Tamayo e Tróccoli tinado a calcular o poder estatístico (isto é, o teste
(2002), salientam que o suporte organizacional atua de hipótese), tendo como base, não apenas o ‘n’ ne-
como uma variável que pode minimizar situações es- cessário para a pesquisa, mas, também, o tipo de
tressoras e de esgotamento emocional no trabalho, in- cálculo a ser realizado (Faul, Erdfelder, Lang, & Bu-
fluenciando diretamente a forma como o trabalhador chner, 2009). Para a coleta de dados deste estudo,
se comporta dentro e para a organização. considerando uma probabilidade de 95% (p < 0,05),
Com foco nesta perspectiva, foi que Eisenber- magnitude do efeito amostral (r 0,50) e um pa-
ger et al., (1986) propôs uma medida para verificar drão de poder hipotético (π 0,80), observou-se que,
a percepção de funcionários a respeito do suporte a partir desses critérios, uma amostra mínima de,
oferecido a eles por sua empresa, instrumento este, aproximadamente, 80 sujeitos revelou-se suficien-
intitulado “Survey of Perceived Organizational Su- te (tendo como indicadores: t 1,98; π = 0,91; p <
pport”; esta medida vem sendo utilizada no Brasil em 0,05). Apesar do cálculo amostral considerar sufi-
uma diversidade de estudos na área organizacional
ciente a sugestão da amostra acima (N = 80 sujei-
e associado as variáveis psicológicas, sociais e psi-
tos), nesta pesquisa, considerou-se o método de co-
cossociais (Siqueira, 1995; Formiga, Freire, Batista,
leta bola de neve, com amostra intencional, a qual
& Estevam, 2017; Formiga, Freire, Estevam, Fleury,
compôs no final da coleta de dados, uma amostra de
& Souza, 2018); bem como, tem sido desenvolvidos
101 enfermeiros de um hospital público na cidade
estudos que visem maior qualidade psicométrica
de Natal-RN /Brasil.
desta escala em distintas amostras de trabalhadores
Quanto critério de inclusão considerou-se, os se-
em todo o Brasil (cf. Formiga, Fleury, & Souza, 2014;
guintes: estar empregado por mais de um ano e ativo
Fleury, Formiga, Souza, & Souza, 2017).
Devido a qualidade e importância dessa medida no no seu setor de trabalho, seja no Regime Jurídico Úni-
âmbito da psicologia organizacional e do trabalho é co – RJU, seja na Consolidação das Leis Trabalhistas -
que, no presente estudo, buscou-se verificar se a escala CLT, ser da área da saúde no hospital onde será feito a
de percepção do suporte organizacional é adequada em coleta de dados e ter entre 20 ou 40 horas de trabalho.
enfermeiros de um hospital público. Dois interesses le- Com isso, a amostra do estudo foi composta por,
varam a realizar esta pesquisa: 1 – em consulta nos sites 101 enfermeiros, todos funcionários do hospital pú-
(por exemplo, Scielo.br, newpsi.bvs-psi.org.br, pepsic. blico na cidade de Natal-RN, porém, a maioria (64%)
bvsalud.org, etc.) de busca sobre a produção científica pertenciam a EBSERH (Empresa Brasileira de Servi-
em relação ao tema, não foi encontrado estudo que con- ços Hospitalares), 95% da amostra eram de mulhe-
templasse a utilização dessa escala em enfermeiros e 2 res, com idades variando de 27 a 62 anos (Media =
– devido a qualidade psicométrica do instrumento em 40,16, dp = 9,68), 63% eram casados, quanto a ren-
trabalhadores, procurou-se verificar se a escala poderá da econômica, a maioria (55%), ganha aproximada-
ser administra numa amostra de enfermeiros, permi- mente, de 4 a 5 salários-mínimos; no que se refere
tindo avaliar mais uma ferramenta de apoio ao recurso a informação sobre o profissionalismo dos respon-
humano na gestão de pessoas na área da saúde. Desta dentes, 74% tem uma qualificação profissional do
forma, o objetivo principal deste estudo trata-se de ve- nível especialização, 66% tem um tempo de atuação
rificar a manutenção da organização fatorial da percep- de 6 a 10 anos, com a maioria (19%) trabalhando no
ção do suporte organizacional em enfermeiros de um setor da UTI neonatal, com 67% tendo carga hora-
hospital público na cidade de Natal-RN. ria semanal de 30 horas, 80% dos respondentes não
exerce função de gestão. Em relação a saúde particu-
Método lar dos respondentes, 61% afirma não ter estado de
licença por motivo de saúde e para 95% deles, não
Amostra sofreu nenhum acidente no local de trabalho.
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório Instrumento
e correlacional, de abordagem quantitativa envol-
vendo profissionais da área saúde em um hospi- Os sujeitos responderam aos seguintes questio-
tal público na cidade de Natal-RN. Para a amostra nários:
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Escala de Percepção de Suporte Organizacional você está inserido, setor em que trabalha, qual a sua
(EPSO) - Trata-se de uma escala composta por 9 carga horária semanal na MEJC, possui outro vín-
itens (por exemplo: SO1 = Esta empresa ignoraria culo empregatício, em qual dos segmentos esse se-
qualquer reclamação de minha parte; SO2 = Esta gundo vínculo se insere, você exerce função de ges-
empresa não considera meus interesses quando tão nesta (as) atividade, qual a carga horária semanal
toma decisões que me afetam; SO3 = É possível ob- deste segundo vínculo, nos últimos 12 (doze) meses
ter ajuda desta empresa quando tenho um proble- esteve de licença por algum motivo de saúde, caso
ma; SO4 = Esta empresa realmente preocupa-se com tenha respondido positivo a pergunta anterior, qual
meu bem-estar; SO5 = Esta empresa estaria dispos- o motivo da licença de saúde, sofreu algum tipo de
ta a ampliar suas instalações para me ajudar a uti- acidente no trabalho nos últimos 12 (doze) meses,
lizar minhas melhores habilidades no desempenho caso tenha respondido positivo a pergunta anterior,
do meu trabalho; SO6 = Esta empresa está pronta a qual foi o tipo de acidente sofrido.
ajudar-me quando eu precisar de um favor especial;
SO7 = Esta empresa preocupa-se com minha satis- Procedimentos éticos
fação no trabalho; SO8 = Esta empresa preocupa-se
mais com seus lucros do que comigo; SO9 = Esta em- Todos os procedimentos adotados nesta
presa tentar fazer com que meu trabalho seja o mais pesquisa seguiram as orientações previstas
interessante possível) desenvolvida por Eisenberger na Resolução 196/96 do CNS e na Resolução
et al. (1986) e adaptada e validade para o contexto 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia
brasileiro por Siqueira (1995). Esta medida tem por (CNS, 1996; ANPEPP, 2000). O estudo foi sub-
objetivo avaliar o quanto as pessoas (que trabalham metido ao conselho de ética e aprovado sob o
em organizações públicas e/ou privadas) percebem CAAE: 83102917.2.0000.5296.
que a empresa tem uma preocupação com o bem
-estar do empregado. Para mensurar o construto, o Administração da pesquisa e
respondente deveria indicar a sua resposta, marcan- análise de dados
do com um X ou um círculo, em uma escala de sete
pontos que variava de 1 = discordo totalmente, 2 = O instrumento da pesquisa foi administrado aos
discordo moderadamente, 3 = discordo levemente, 4 respondentes de forma coletiva e/ou individualmen-
= nem concordo, nem discordo, 5 = concordo leve- te quando estes não se encontrarem em espaço de
mente, 6 = concordo moderadamente e 7 = concordo convivência social (no trabalho) ou profissional em
totalmente. que poderia ser aplicado. A todos será solicitado a
Em relação a confiabilidade da escala, no pionei- participação no estudo, aos quais, era informado que
ro estudo de Siqueira (1995) foi observado que essa o objetivo do estudo seria o de avaliar a percepção
medida apresentou um alfa de 0,86, revelando uma das pessoas relativamente ao ambiente de trabalho e
consistência interna na mensuração do constru- a influência deste no seu comportamento.
to. Também, em uma amostra com trabalhadores As pessoas que se mostraram interessadas e
brasileiros, tomando como base de orientação para deram o seu consentimento em participar para fa-
análise psicométrica o estudo de Siqueira (1995), foi zer parte da amostra do estudo, foram esclarecidas
que Formiga, Fleury e Souza (2014), desenvolveram quanto as suas respostas serão pessoais e sem inter-
uma pesquisa para verificar, através da análise fato- ferência do administrador da pesquisa, assim: ao res-
rial confirmatória, a consistência da estrutura fato- ponder o instrumento, não haverá respostas certas
rial da escala; estes autores, observaram indicadores ou erradas e elas serão tratadas de acordo com o que
psicométricos que garantiram a organização fatorial o sujeito pensou ao ler as questões apresentadas e
proposta pelo autor da EPSO (χ²/gl = 1,42, RMR = indicou a sua resposta no instrumento apresentado.
0,02, GFI = 0,99, AGFI = 0,97, CFI = 0,99, TLI = 0,99 Também, foi assegurado o anonimato das res-
e RMSEA = 0,03). postas, bem como, que as questões respondidas fo-
Além destes instrumentos, os enfermeiros res- ram tratadas em seu conjunto de resposta e não na
ponderam também alguns dados sóciodemográficos, particularidade da resposta de cada sujeito. Apesar
por exemplo: Qual o seu vínculo na MEJC, sexo, ida- de se encontrar as instruções necessárias para que
de, estado civil, qualificação profissional, tempo de o questionário possa ser respondido, o pesquisa-
atuação no serviço da MEJC, em qual faixa de renda dor (com experiência prévia na pesquisa) esteve
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presente durante toda a aplicação do instrumento, zero a um, com índice aceitável acima de 0,90; Roo-
caso o respondente necessite de esclarecimento so- t-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA),
bre as dúvidas que surgirem; um tempo médio de 50 com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), é
minutos foi suficiente para que a atividade pudesse considerado um indicador de adequação de ajuste,
ser concluída. Quanto à análise dos dados, utilizou- isto é, valores altos indicam um modelo não ajus-
se o pacote estatístico SPSSWIN, em sua versão 21.0, tado. Assume-se como ideal que o RMSEA se situe
para tabular os dados e realizar as análises estatís- entre 0,05 e 0,08, aceitando-se valores de até 0,10
ticas descritivas (média e desvio padrão), correlação (Kelloway, 1998; Garson, 2003).
de Pearson, teste t de Student, alfa de Crombach,
Análise de variância. Resultados
Para verificar a proposta do modelo teórico hipo-
A fim de atender ao objetivo central do estudo,
tetizado, no programa AMOS Grafics 21.0, verifica-
empregou-se o pacote estatístico AMOS 21.0 para
ram-se os indicadores estatísticos para o Modelo de
efetuar uma análise fatorial confirmatória (AFC);
Equações Estruturais (MEE) e foram considerados
teve-se como hipótese corroborar a organização do
segundo a adequação de ajuste subjetiva. Esse pro-
modelo unifatorial, o qual, previamente observado
grama estatístico tem a função de apresentar, de
por Siqueira e Padovan. (2008) e comprovado no
forma mais robusta, indicadores psicométricos que
estudo de Formiga, Fleury e Souza (2014) e Fleury,
vise uma melhor construção da adaptação e acurá-
Formiga, Souza e Souza (2017) com trabalhadores
cia da escala desenvolvida, bem como, permita de-
de organizações públicas e privadas. Com isso, to-
senhar um modelo teórico pretendido no estudo.
mou-se como base de orientação para atender a esse
Sendo assim, sendo um tipo de análise estatística
objetivo, a direção fatorial indicada nos estudos dos
mais criteriosa e rigorosa, testou-se o modelo teó-
autores supracitados. De forma geral, espera-se que
rico que hipotetizado considerando alguns índices
a organização itens-fator apresente uma associação
que permitem avaliar a qualidade de ajuste do mode-
positiva entre eles e que os indicadores psicométri-
lo proposto (Byrne, 2012; Hair, Tatham, Anderson
cos sejam próximos aos já encontrado nos estudos
& Black, 2005; Van De Vijver & Leung, 1997): O χ²
anteriores.
(qui-quadrado) testa a probabilidade do modelo teó-
Para testar a hipótese, realizou-se o cálculo na
rico se ajustar aos dados: quanto maior o valor do χ²
AFC, optando por deixar livre as covariâncias (phi,
pior o ajustamento. Entretanto, ele tem sido pouco
f); esta, revelou indicadores de qualidade de ajuste
empregado na literatura, sendo mais comum con-
para o modelo proposto, além de se encontrarem
siderar sua razão em relação aos graus de liberdade
dentro das recomendações apresentadas na litera-
(χ²/g.l.). Neste caso, valores até 3 indicam um ajus-
tura estatística (Byrne, 2012; Tabachnick & Fidell,
tamento adequado; O Goodness-of-Fit Index (GFI) e
1996; Van De Vijver & Leung, 1997), também, esti-
o Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI) são análogos
veram próximos aos escores observados nos estudos
ao R² na regressão múltipla e, portanto, indicam a
Formiga, Fleury e Souza (2014) e Fleury, Formiga,
proporção de variância–covariância nos dados expli-
Souza e Souza (2017).
cada pelo modelo. Os valores desses indicadores va-
De acordo com os resultados observados nestas
riam de 0 a 1, sendo que os valores na casa dos 0,80 e
análises, o modelo pretendido (modelo unifatorial
0,90, ou superiores, indicam um ajustamento satis-
ajustado) apresentou indicadores estatísticos que
fatório; A Root-Mean-Square Error of Approximation
justificam a qualidade e consistência da estrutura fa-
(RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90%
torial da EPSO [χ2/gl = 1,07, RMR = 0,05, GFI = 0,95,
(IC90%), é considerado um indicador de “bondade”
AGFI = 0,91, CFI = 0,99, TLI = 0,99, RMSEA (90%IC)
de ajuste, isto é, valores altos indicam um modelo
= 0,03 (0,01-0,08), CAIC =148,08 e ECVI = 0,69] em
não ajustado. Assume-se como ideal que o RMSEA se
enfermeiros; a condição da qualidade fatorial ajusta-
situe entre 0,05 e 0,08, aceitando-se valores até 0,10;
da, mostrou-se muito boa, principalmente, quando
O Comparative Fit Index (CFI) - compara de forma ge-
compararam os indicados estatísticos aos da estrutu-
ral o modelo estimado ao modelo nulo, considerando
ra fatorial sem ajustes nos erros [χ2/gl = 2,43, RMR =
valores mais próximos de um como indicadores de
0,09, GFI = 0,86, AGFI = 0,78, CFI = 0,91, TLI = 0,89,
ajustamento satisfatório; Tucker-Lewis Index (TLI),
RMSEA (90%IC) = 0,12 (0,08-0,16), CAIC = 166,61,
apresenta uma medida de parcimônia entre os índi-
ECVI = 1,15]. É possível destacar que, no conjunto
ces do modelo proposto e do modelo nulo. Varia de
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obra, os melhores resultados foram para o modelo proposta da estrutura original do suporte organiza-
ajustado, mesmo que, no modelo sem ajustes encon- cional. em uma amostra de enfermeiros.
trem-se indicadores estatísticos que correspondam Salienta-se que todas as saturações (Lambdas, λ)
ao que é aceito na literatura para esse tipo de aná- estiveram dentro do intervalo esperado |0 - 1|, não
lise, isso ocorre apenas em poucos dos indicadores havendo problemas da estimação proposta da escala
(por exemplo: χ2/gl, RMR, GFI e CFI), o que não foi de suporte organizacional em enfermeiros (Figura 1)
observado para o modelo ajustado, revelando maior e que foram estatisticamente diferentes de zero (t >
aceitabilidade devido a todos os seus indicadores. 1,96, p < 0,05). Esta condição comprova a existência
Além dos indicadores psicométricos destacados no do modelo unifatorial pretendido que é capaz de ava-
parágrafo acima, outros, mais parcimoniosos (por liar a percepção do trabalhador sobre a extensão com
exemplo, o AIC, BIC e BCC), garantiram o modelo que a empresa que o emprega se preocupa com a pro-
unifatorial ajustado; estes acompanham o CAIC e moção de seu bem-estar. Esses resultados referem-se
ECVI, utilizados para avaliar a adequação de um mo- à adequabilidade da referida escala e à consistência da
delo determinado relacionado a outro (ou outros) medida para avaliar o suporte organizacional na refe-
modelo (s) para comparação fatorial (neste caso, a rida amostra.
proposta do modelo unifatorial ajustado em relação No que se refere a validade deste construto, rea-
ao modelo unifatorial sem ajuste) para verificar qual lizaram-se tanto o cálculo de confiabilidade compos-
é, de fato, a melhor estrutura fatorial (Marôco, Te- ta (CC) quanto da variância média extraída (VME);
cedeiro, Martins, & Meireles, 2008); foram observa- na primeira avaliação exige-se um nível de escore
dos os seguintes resultados: modelo ajustado – AIC = acima de 0,70, enquanto na segunda avaliação, um
68,54, BIC = 126,08 e BCC = 73,43 e no modelo sem nível acima de 0,50. Observou-se que, para essa di-
ajuste – AIC = 101,53, BIC = 148,61 e BCC = 105,53. mensão, o resultado foi o seguinte: o CC = 0,91 e o
Como pode ser observado, os melhores indicadores VME = 0,53, os quais, estiveram acima do exigido na
estiveram para o modelo ajustado (pois, a lógica em- literatura estatística (Hair et al, 2005; Marôco, 2010)
pírica para a referida comparação é na observação do evidenciando, respectivamente, a confiabilidade e
menor escore para tais indicadores), confirmando a validade convergente do construto utilizado.

Notas: SO1 = Item 1 ... SO9 = Item 9 (cf. seção instrumentos, no método).
Figura 1: Representação gráfica da estrutura fatorial da EPSO em enfermeiros.

Esse resultado se confirma quando se observam proposto e podendo identificar que as variáveis sig-
as estimativas de predição, as quais, se originaram a nificativas e a razão critério, estiveram dentro do que
partir da análise de regressão revelada para o modelo é estatisticamente exigido (ver tabela 1).
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Tabela 1: Indicadores das estimativas preditivas da associação itens-fator da EPSO


Razão
Variável Construto Estimativa d.p. p<
Critério
SO1 <--- SupOrg 1,00 --- --- ---
SO2 <--- SupOrg 1,24 0,15 8,07 0,001
SO3 <--- SupOrg 1,02 0,16 6,19 0,001
SO4 <--- SupOrg 1,20 0,20 6,02 0,001
SO5 <--- SupOrg 1,16 0,18 6,40 0,001
SO6 <--- SupOrg 1,23 0,19 6,46 0,001
SO7 <--- SupOrg 1,45 0,20 6,97 0,001
SO8 <--- SupOrg 0,93 0,16 5,66 0,001
SO9 <--- SupOrg 0,98 0,18 5,402 0,001
Notas: SO1 = Item 1 ...SO9 = Item 9; SupOrg = Suporte Organizacional; dp = desvio padrão

Com a garantia da medida da percepção do supor- variáveis sociodemográficas (idade, estado civil e
te organizacional em enfermeiros, tendo está reve- renda econômica) e laboral (tempo de atuação, cargo
lado indicadores psicométricos confiáveis, condição de chefia, vínculo com o hospital).
não apenas corrobora a perspectiva teórica e empíri- Para que tal cálculo fosse realizado, considerou-se
ca de Siqueira, Martins, Orengo e Souza (2014), com um modelo recursivo de equações estruturais para
resultados próximos aos observados pelos autores, que seja efetuado, este, apresentou indicadores psico-
mas também, permite afirmar que esta medida é re- métricos (χ2/gl = 1,23, GFI = 0,96; AGFI = 0,91; CFI =
conhecida pelos respondestes da pesquisa, isto é, os 0,97, TLI = 0,96, RMSEA = 0,05 (0,01-0,11), os quais,
enfermeiros que participaram do estudo são capazes garantiram a explicação do modelo a partir das seguin-
de avaliar o quanto o trabalhador da saúde percebe tes variáveis preditoras: Idade (b = 0,24) e estado civil
se a organização que este é funcionário é tem uma (b = 0,27) explicaram positivamente, enquanto o cargo
preocupação com ele e sua saúde laboral. Sendo as- de chefia explicou negativamente (b = -0,24) (ver figu-
sim, optou-se por gerar um modelo preditivo, tendo ra 2). Isto é, de todas as variáveis propostas no estudo,
como variável independente a percepção do supor- apenas três delas foi capaz de predizer a percepção do
te organizacional (EPSO) e variável dependente, as suporte organizacional por parte dos enfermeiros.

Figura 2: Representação gráfica do modelo preditivo do suporte organizacional em enfermeiros.


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Observado o modelo preditivo, realizou-se uma AGFI, RMR, CFI, TLI, NFI, RMSEA, CC e AVE) (Hair,
ANOVA, a qual, teve como objetivo comparar a pon- Tatham, Anderson, & Black, 2005; Pasquali, 2011;
tuação média das respostas dos sujeitos na dimensão Hutz, Bandeira, & Trentini, 2015). Destaca-se tam-
do suporte organizacional em função das variáveis bém, à existência de indicadores estatísticos (por
idade (para esta variável, devido à diversidade na exemplo, NFI, BIC, AIC e BCC), não contemplados
distribuição etária observada na amostra, efetuou- no estudo de Siqueira et al. (2014), mas, no estudo
se a divisão da amostra por nível de etário. Para o de Fleury, Formiga, Souza & Souza (2017), os quais,
efeito recorreu-se à técnica de quartis definindo-se contribuíram para uma tomada de decisão parcimo-
dois níveis da idade [mais novos e mais velhos]), niosa em relação a estrutura fatorial da EPSO e sua
estado civil e cargo de chefia: houve significância, abordagem teórica ao comparar os modelos fatoriais
apenas no efeito direto para variável idade (F(1,100) (isto é, estrutura fatorial ajustada ou não ajustada).
= 13,19, p < 0.001), observando que os maiores es- No que diz respeito à análise de preditividade
cores médios estivaram para os respondentes mais entre as variáveis EPSO e as sociodemográficas; das
velhos (idade acima de 36 anos [Média = 28,11, dp = inúmeras variáveis apenas três delas predisseram a
1,41]) comparados aos mais novos (idade abaixo de percepção do suporte organizacional (idade, estado
36 anos [Média = 25,23, dp = 1,40]) e para a variável civil e cargo de chefia). Destas variáveis, chama-se
cargo de chefia (F(1,100) = 4,55, p < 0.001), onde, os atenção ao cargo de chefia, por ter explicado nega-
escores maiores estiveram para aqueles que exercem tivamente, a EPSO; acredita-se que tal condição é
cargo de chefia [Média = 28,56, dp = 1,78] do que compreensível devido a grande demando que esta
os que não exercem cargo de chefia [Média = 24,85, área profissional pode assumir, quando pode-se atri-
dp = 1,04]. Considerando esses resultados, pode-se buir que nesta situacionalidade profissional o “muito
observar, uma melhor percepção do suporte orga- é sempre pouco” (por exemplo, o profissional é res-
nizacional está para aqueles com maiores idades e o ponsável tanto pela gestão de pessoas no ambiente
que tem cargo de chefia; é preciso destacar que não específico do seu trabalho, quanto da organização
houve resultado significativo no efeito de interação. da estrutura e funcionalidade laboral), contribuindo
para que o trabalhador desta função venha construir
Discussão uma percepção de que a empresa lhe ofereça pouco
apoio, consecutivamente, faça com que o profissio-
De forma geral, pretendeu-se contribuir para a nal gere uma auto-percepção de que a organização
verificação validade de construto do suporte orga- não tenha ‘tanta preocupação’ com ele. Porém, esse
nizacional em uma amostra de enfermeiros, toman- resultado se contradiz quando se observou a Anova, a
do como orientação metodológica e estatística a qual, revelou maiores escores na percepção do supor-
proposta de Siqueira et al. (2014) e as informações te organizacional, para aqueles que exercem cardo de
encontradas, quanto a consistência da avaliação da chefia, isto é, o que assumem tal espaço profissional,
medida em questão, nos estudos de Formiga, Fleu- provavelmente, percebem que a organização lhe for-
ry e Souza (2014) e Fleury, Formiga, Souza & Souza nece mais apoio e que reconhece que a organização
(2017) referente a qualidade psicométrica da estru- o auxilia para o aperfeiçoamento e produtividade e
tura fatorial em distintas amostras de trabalhadores qualidade de vida no trabalho (cf. Abbad, Salloren-
no Brasil. A perspectiva estatística utilizada neste zo, Gama, & Morandini, 1999). Outro resultado que
estudo, salientaram-se na qualidade dos indicadores chama à atenção é quanto a idade, pois, os funcioná-
psicométricos apresentados na análise confirmató- rios mais velhos, reconhecem que a organização lhe
ria desta medida, a qual, permite afirmar a garantia oferece suporte.
contextual da ESOP da sua organização unifatorial Assim, comparando os resultados dos dois cálcu-
em trabalhadores na área da saúde (especificamente, los realizados (a análise de regressão e Anova) é pos-
enfermeiros). sível que no computar o conjunto de variáveis quanto
No que se refere a qualidade psicométrica da me- um todo na regressão, a variável em questão poderá
dida, observaram-se que os indicadores psicomé- até predizer negativamente, mas, na especificidade
tricos, foram satisfatórios, com os escores dentro da variância da resposta da variável, devido a bai-
dos intervalos considerados aceitáveis na literatura xa quantidade de funcionários com cargo de chefia
estatística e sobre a validação de instrumentos psi- (apenas 20% da amostra), estes resultados venham
cológicos e educacionais (por exemplo: χ2/gl, GFI, gerar novas interpretações, as quais, positivas para
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o construto do reconhecimento do suporte organi- organizacional, confirmando a proposta teórica e em-


zacional, mas, que provavelmente, possa também pírica elaborada por Siqueira et al. (2014), faz-se ne-
ter sido uma questão que enviesou tais associações cessário, refletir que tais condições avaliadas pelo cons-
quando analisou-se esta variável individualmente. truto não ocorre de forma isolada, mas, que poderia se
No que se refere idade, é possível que, devido a idade associar a cultura da organização, podendo variar na
e sua associação a condições mais experientes de pro- intensidade, direção e força correlacional a partir da
fissionalismo consigo influenciar nestes trabalhado- dimensão (individualista ou coletivista) e variação cul-
res maiores ferramentas para a percepção deste reco- tural apresentada nas organizações e seus trabalhado-
nhecimento, pois, com o avanço do desenvolvimento res; tal perspectiva poderia contribuir numa avaliação
psicológico – isto é, a maturidade – é bem provável do suporte organizacional com base na psicodinâmica
que gere nos sujeitos novos mecanismo de relacio- cultural das empresas destinadas empregados, condi-
namento socioprofissional e organizacional, permi- ção que mereceria avaliar em estudos futuros.
tindo aperceber condutas humanas, que tangenciam Apesar de que tais resultados sejam confiáveis, é
aquelas condutas de exigência organizacional e pes- preciso organizar e manter uma agenda de pesquisa,
soal para os mais novos relacionados a direitos e de- avaliação e treinamento na área da psicologia organi-
veres de ambos; sendo assim, é bem possível que nos zacional e do trabalho, contemplando tanto os aspec-
trabalhadores mais velhos possa existir, com maior tos psicométricos da medida em questão quanto os as-
facilidade, condutas mais diplomáticas e de cidadania pectos teóricos e aplicados referentes a fatores macro
organizacional na dinâmica organização-trabalhador. e microssociais; com isso, seria importante em estudos
posteriores contemplar as dimensões locais, especí-
Conclusão ficas ou exclusivas da orientação de cada uma dessas
culturas, com o objetivo de comparar os construtos
Espera-se que os objetivos deste estudo tenham estudados aqui para outro espaço geopolítico e social,
sidos cumpridos (isto é, verificar se a organização já que acredita-se que os respondentes poderão mudar
fatorial da medida de suporte organizacional, a de concepção e até percepção, quando na mudança do
partir de indicadores estatísticos mais robustos, se contexto sócio organizacional, condição essa que suge-
mantém em uma amostra com enfermeiros). Os re- re novas aplicações desta medida para avaliar a manu-
sultados apresentados pretenderam contribuir para tenção do construto no ambiente organizacional (For-
a explicação de uma área mais humanista, focando miga, Oliveira, Estevam, Fleury & Souza, 2018).
na perspectiva da percepção que o trabalhador tem Por fim, a qualidade psicométrica da EPSO em en-
sobre o investimento na qualidade de vida deste, por fermeiros, não diz respeito apenas a qualidade de uma
meio da empresa, especialmente, na organização medida, mas, busca-se contribuir para o uso de uma
e manutenção do desenvolvimento psicológico do medida confiável e que poderá ser utilizada quanto
trabalhador destinado a uma maior produtividade e perspectiva diagnóstica na avaliação da qualidade
ajustamento emocional e menor adoecimento labo- de vida do trabalhador; tal fato, também é útil
ral, os quais, tem a influência das normas e políticas para a avaliação de processos de intervenção sócio-
organizacionais da gestão de pessoas frente a dinâ- organizacional, especialmente, quanto se pretender
mica trabalho-sociedade-organização. investir em políticas de motivação organizacional de
Mesmo que os resultados observados neste estudo inovação e produtividade dos trabalhadores, as quais,
tenham sido mantidos, especialmente, em relação a seriam muito positivas nos estudos na área da psicologia
estrutura fatorial da medida da percepção de suporte organizacional e do trabalho e na gestão de pessoas.

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Recebido: 21.07.18 / Corrigido: 10.10.18 / Aprovado: 04.04.19
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Produção de sentidos e fazeres sobre


o trabalho de policiais militares
catarinenses: um relato de experiência
Production of meanings and actions on the work of Santa Catarina military police: an experience report
Producción de sentidos y el hacer sobre el trabajo de policías militares catarinenses: relato de una experiencia
Daniela Alberton Babolim1
Ana Paula Sesti Becker2
Luciane Guisso3

Resumo: O trabalho do policial militar, em função da complexidade de suas atividades pode se caracterizar como poten-
cial gerador de sofrimento emocional e estresse, cujo cuidado e atenção à saúde física e mental precisam ser constan-
tes. Em vista disso, este artigo descreve um relato de experiência desenvolvido no Batalhão da Polícia Militar em uma
cidade do Sul do Brasil. O objetivo geral da intervenção foi contribuir para o fortalecimento da saúde do policial militar
e os específicos, de promover o autoconhecimento e autoestima dos participantes e aprimorar o trabalho em equipe.
O método empregado consistiu na técnica de dinâmicas de grupo, observação participante e entrevistas semiestrutu-
radas. Observou-se que a intervenção da Psicologia contribuiu tanto na reflexão das práticas desempenhadas, como no
acolhimento das inquietações e sofrimentos compartilhados; tendo em vista a necessidade de um espaço coletivo para
a escuta e diálogos sobre temáticas cotidianas.

Palavras-chave: Saúde do trabalhador; Policial militar; Dinâmicas de grupo.

Abstract: The military police work, due to the complexity of their activities, can be characterized as a potential generator
of emotional distress and stress, whose care and attention to physical and mental health need to be constant. Due to
this situation, this article describes an experience report developed in the Military Police Battalion in a city in the South
of Brazil. The general objective of the intervention was to contribute to the strengthening of the health of the military
police and the specific ones, to promote self-knowledge and self-esteem of the participants and to improve teamwork.
The method employed consisted in the technique of group dynamics, participant observation and semi-structured inter-
views. It was observed that the intervention of Psychology contributed both to the reflection of the practices performed
and to support for the shared anxieties and sufferings; taking into account the need for a collective space for listening
and dialogues on day-to-day events.

Keywords: Worker’s health; Military police; Group dynamics.

Resumen: El trabajo del policía militar, en función de la complejidad de sus actividades puede caracterizarse como poten-
cial generador de sufrimiento emocional y estrés, cuyo cuidado y atención a la salud física y mental necesitan ser cons-
tantes. En vista de esto, este artículo describe el relato de una experiencia realizada en el Batallón de la Policía Militar de
una ciudad del sur de Brasil. El objetivo general de la intervención fue contribuir al fortalecimiento de la salud mental del
policía militar y los específicos, de promover el autoconocimiento y la autoestima de los participantes y mejorar el tra-
bajo en equipo. El método empleado consistió en dinámicas de grupo, observación participante y entrevistas semiestruc-
turadas. Se observó que la intervención de la Psicología contribuyó tanto en la reflexión de las prácticas desempeñadas,
como en la acogida de las inquietudes y sufrimientos compartidos; teniendo en vista la necesidad de un espacio colectivo
para la escucha y diálogo sobre temáticas cotidianas.

Palabras clave: Salud del trabajador; Policía militar; Dinámicas de grupo.

1
Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brusque (UNIFEBE), Brusque (SC), Brasil. Endereço: Rua Expedicionário Germano Schlindwein, n. 171, Bairro:
Guabiruba Sul, Guabiruba/SC. CEP: 88360 000. Telefone: (47) 9746-2000. Email: daniortocentro@unifebe.edu.br., ORCID 0000-0003-1397-5053.
2
Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), Brasil. Endereço:
Rua 1201, n.120, apto 903 - Res. Denise, Centro - Balneário Camboriú/SC. CEP: 88330-792. Telefone: (47) 9746-2000. E-mail: anapaulabecker.psicologia@gmail.
com, ORCID 0000-0002-9278-437X.
3
Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), Brasil. Endereço:
Rua Luis Oscar de Carvalho, 75, Bloco A6, apto 34, Bairro: Trindade, Florianópolis ∕SC, CEP: 88046-400. Telefone: (48)996358980. E-mail: lucianeguisso@yahoo.com.
br, ORCID 0000-0002-4846-319X.
70 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.69 - 80

Introdução entanto, quando o estado de tensão, cansaço físico e


emocional são constantes, é comum a existência de
A atividade policial é considerada profissão, uma prejuízos a saúde e qualidade de vida; o que pode de-
vez que é exercida por um grupo social específico. Há sencadear o estresse e o sofrimento psíquico (Souza,
um senso de pertença e identificação da atividade, Minayo, Gimaraes e Silva, & Pires, 2012). Ambien-
além de ideias, valores e crenças em comum do que te de trabalho perigoso, frequente contato com o
é ser policial. O trabalho desse grupo se relaciona ao público, longas jornadas de trabalho (em função da
policiamento ostensivo e preventivo, assim como escala), recursos insuficientes, baixa renumeração,
da aplicação da lei e manutenção da ordem pública dificuldade na ascensão profissional, perda de cole-
(Souza, 2013). gas, perseguições, burocracia excessiva, referem-se a
As ações desenvolvidas pelos policiais militares alguns dos aspectos apontados pelos policiais mili-
voltam-se a um conjunto de tarefas e obrigações tares como propulsores de sofrimento e problemas
no que se refere ao combate a conduta irregular ou emocionais por eles vivenciados em seu trabalho co-
criminosa de sujeitos que coloquem em risco ou- tidiano (Hartley, Violanti, Mnatsakanova, Andrew,
tras pessoas (Oliveira, & Santos, 2010). Considera- & Burchfiel, 2013; Lipp, Pereira, & Sadir, 2005).
da uma profissão de alto risco, este profissional lida Ferreira, Bonfim e Augusto (2011) ressaltam que a
diariamente com a violência, brutalidade e morte, vivência dos fatores citados acima pelos policiais, re-
expondo-se frequentemente ao perigo e a agressão percutem também em sua baixa produtividade labo-
(Santana, Gomes, Marchi, Girondoli, Rosado, Rosa- ral. Percebe-se, assim, que a prática do policial mili-
do, & Andrade, 2012). Por risco, entende-se o peri- tar é complexa e envolve diversos desafios cotidianos
go, o local e a frequência com que o policial militar é que impactam em sua saúde e satisfação profissional.
exposto às fatalidades em função das atividades ine- No que tange à jornada de trabalho, identifica-se
rentes à profissão (Couto, Brito, Vasconcelos-Silva, a existência de sobrecarga física nos policiais, de-
& Lucchese, 2012). Estudos vêm sendo realizados vido ao peso excessivo do armamento carregado. É
para avaliar o impacto do trabalho na saúde das pes- comum em sua rotina de trabalho carregar consigo
soas (Macedo, & Silva, 2018; Nunez-Pumariega, & armamentos, como: duas pistolas de um quilo cada,
Castel-Schlindwein, 2018; Paula, Azevedo, Lopes, & mais um fuzil de pouco mais de três quilos, dois car-
Fermoseli, 2018). Dejours (2007) aponta que quan- regadores de um quilo, em média, cada um, acrescen-
do o trabalho é visto como um peso, este se torna tando, ao seu corpo, um colete de aproximadamente
fonte de tensão e desprazer, provocando sintomas um quilo, totalizando uma carga adicional de mais
como fadiga e outras patologias. No caso do trabalho de cinco quilos, que a cada dois dias transportam
realizado pelos policiais militares, estudos (Almeida, por 24 horas (Gonçalves, Veiga, & Rodrigues, 2012).
Lopes, Costa, & Santos, 2018; Costa, Júnior, Maia, A baixa renumeração recebida contribui para
& Oliveira, 2007) indicam associações entre o tra- que os policiais militares busquem trabalhos extras,
balho e problemas físicos-emocionais vivenciados quando estão de folga, para complementar a renda
por esses profissionais decorrentes da função que familiar. A segurança particular se refere a um dos
realizam, pois estão na iminência de desenvolverem trabalhos realizados tanto em finais de semana como
patologias psíquicas e físicas em sua profissão (Car- em dias alternados ao trabalho na corporação. Dessa
valho, Carvalho, Lucena, Coelho, & Araújo, 2008). maneira, compreende-se que, são muitos os fatores
Além do desgaste físico, o sofrimento psíquico que o policial militar está exposto em seu trabalho
pode levar os policiais a atitudes inapropriadas na que contribui diretamente em seu desgaste físico e
execução de suas tarefas. Em função da exposição mental, afetando o desempenho profissional e sua
à momentos de tensão, espera-se dos policiais cau- saúde (Ferreira, Bonfim, & Augusto, 2011). Os mo-
tela nas ações realizadas – o que pode não aconte- mentos apontados como desestressores por estes
cer quando esse profissional vivencia momentos de profissionais são poucos, e se referem a estar com a
estresse profundo. O estresse ocupacional pode ser família e a realização de atividades de lazer (Oliveira,
compreendido como o desequilíbrio entre as deman- & Santos, 2010).
das do trabalho e a capacidade de resposta dos tra- Muitos policiais militares são atraídos pela car-
balhadores (Santana et al., 2012). Ao policial militar reira em função da sensação de segurança reforçada
é solicitado concentração na realização de tarefas e pelo “concurso público realizado” e ideia de ascensão
ritmo, por meio de um controle de seu trabalho. No profissional. No entanto, no decorrer do trabalho
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esses se deparam com diversos desafios como falta e saúde mental desses profissionais – uma vez que,
de reconhecimento, o enfrentamento de riscos dia- se acredita ser esse, um dos caminhos para o melho-
riamente (Calanzas, 2010). Desse modo, a ideia de ramento da própria qualidade da Segurança Pública
ascensão acaba distante em função da própria rigi- (Amador, 2000). Salienta-se que, os espaços desen-
dez do trabalho o que ocasiona ainda mais desânimo volvidos, sejam individuais ou coletivos, precisam
e sofrimento na permanência no trabalho. Espera-se buscar novas reflexões em relação às significações do
que o profissional cumpra seu papel de investigar e trabalho do policial militar e os efeitos em sua saúde.
prevenir a violência mantendo autocontrole emocio- Por significado, entendem-se as construções cultu-
nal; todavia, a falta de reconhecimento e o acúmulo rais realizadas por meio de processos de internaliza-
diário de tensão, como o risco de sofrer agressões, ção e externalização, co-construídos dinamicamente
desesperança, revolta, injustiça por seus superiores e ativamente nas transformações individuais e cole-
e pela sociedade, impacta no rendimento de suas tivas (Valsiner, 2012). O fomento de espaços de tro-
funções e na sua autoestima no desempenho das ati- cas como em palestras, dinâmicas de grupo, rodas de
vidades exercidas (Oliveira, & Bardagi, 2010). Além conversas, com o intuito de ampliar a tranquilidade e
disso, há de se considerar a “insalubridade emocio- autoconfiança dos mesmos são de grande relevância
nal” que vivem em decorrência da sobrecarga de exi- (Resende, & Cavazza, 2002).
gências, bem como os efeitos disso em sua motiva- Com base no exposto, desenvolveu-se a proposta
ção para o trabalho (Minayo, & Souza, 2003). dessa intervenção no âmbito de uma corporação da
A qualidade de vida dos policiais militares é afe- polícia militar em uma cidade do Sul do país. O tra-
tada diariamente em função do tipo de trabalho balho da Psicologia voltou-se primeiramente, para
que realizam (Silva, Hernandez, Gonçalves, Castro, a observação participante com o intuito de melhor
Arancibia, & Silva, 2014). Menciona-se, também, a compreender o contexto dos policiais militares. Com
cobrança para apresentarem respostas eficientes e base no contato prévio entre a instituição e a uni-
eficazes no combate à violência, a execução de ati- versidade, foi desenvolvida uma proposta de inter-
vidade de modo cada vez mais transparente (Zilli, & venção juntos aos policiais militares desse espaço,
Couto, 2017). Todos os aspectos mencionados tra- composta de encontros supervisionados, mediante
zem para a vida do policial militar influências que dinâmicas de grupo para aprofundar aspectos da
poderão repercutir em sua saúde. Desse modo, iden- profissão exercida pelos profissionais em exercício.
tificam-se poucos espaços na própria corporação que Salienta-se que, a necessidade da intervenção
trabalham com a saúde psíquica dos policiais. Mo- também se faz presente pela escassez de trabalhos
mentos de conversas individuais ou atividades em que demonstrem a atuação do profissional de Psi-
grupo para discutir os desafios vivenciados no exer- cologia com esses profissionais (Moreira, & Branco,
cício da carreira profissional não são relatados como 2016). Desse modo, colaborar na co-construção de
práticas presentes no cotidiano dos profissionais. espaços de trabalhos junto a esse público são possibi-
Investimento em espaços de trabalho (seja no lidades que ratificam os princípios do código de ética
âmbito individual ou coletivo) de acompanhamento profissional relacionado a importância de desenvol-
psicológico dos policiais militares refere-se em ações ver ações pautadas no acolhimento do sofrimento
cada vez mais necessárias no âmbito das corporações humano em contextos variados.
militares. Minayo e Souza (2003), em seu estudo com O presente trabalho fundamenta-se na perspec-
policias civis, destacam a necessidade urgente da cria- tiva bioecológica do desenvolvimento humano de
ção de uma instância específica para apoio psicológi- Bronfenbrenner (1999, 2005). Esse autor propõe
co a policiais, em função das demandas psicológicas um modelo de compreensão das interações humanas
presentes (Ferreira, Bonfim, & Augusto, 2012). As- denominado modelo PPCT (Processos proximais,
sim, compreende-se que cabe ao psicólogo, inserido pessoa, tempo, e contexto). O desenvolvimento do
em tal contexto, desenvolver ações pautadas na pre- sujeito acontece por meio de interações recíprocas
servação da identidade pessoal, melhoramento das entre o ambiente mais próximo - microssistema (por
relações interpessoais e do estresse, bem como no exemplo, a família) até o mais distante - macrossocial
auxílio da manutenção do equilíbrio emocional dos (cultura, política, valores), sendo que as mudanças
militares (Castro, & Cruz, 2015). Também, pode-se que acontecem em cada um desses sistemas afetam o
fomentar estratégias voltadas para o entendimento desenvolvimento do sujeito. Por conseguinte, o obje-
das repercussões do trabalho sobre a subjetividade tivo da intervenção realizada consistiu em contribuir
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para o fortalecimento da saúde do trabalhador poli- funcionamento de um grupo (Bardin, 1997). Ressal-
cial militar em exercício de uma cidade do sul do país. ta-se que a observação participante permite ao pes-
quisador apreender o máximo de conhecimento di-
Método nâmico sobre uma situação ou fenômeno (Minayo, &
Deslandes, 1998). Apresenta como vantagens, o fato
Sujeitos de possibilitar a obtenção de informações durante
a ocorrência do fenômeno, além de garantir maior
Participaram do trabalho, policiais militares de proximidade entre pesquisador e contexto pesquisa-
uma cidade situada no Sul do país. A caracterização do, e, vivência do evento no próprio lugar que ocorre
dos participantes contemplou: um soldado de pri- (Proença, 2008). Salienta-se que a observação parti-
meira classe (n=1); soldados de segunda classe (n=2) cipante ocorreu no contexto citado dentro do perío-
e cabo da polícia militar (n=1). Destes, três eram do do de dois meses.
sexo masculino e uma do sexo feminino. Os partici- A entrevista semiestruturada se refere a uma téc-
pantes apresentavam idade de 26 a 32 anos (n=3); nica de coleta de dados que propõe uma conversação
e idade de 33 a 39 anos (n=1). Os policiais milita- contínua entre informante e pesquisador, devendo
res participaram de atividades em grupo, composta ser dirigida por este último conforme seus objetivos
de cinco encontros que ocorriam semanalmente na de pesquisa (Queiroz, 1998). O entrevistador ne-
sede da corporação. cessita ouvir de forma ativa a fala do entrevistado,
Contexto do estudo demonstrando interesse ao exposto, além de realizar
novos questionamentos, conforme as informações
O local de realização do trabalho foi junto a um forem sendo apresentadas. Composto de um roteiro
Batalhão da Polícia Militar de uma cidade localizada prévio, a entrevista semiestruturada apresenta geral-
no Sul do país. A corporação conta com aproxima- mente questões abertas e fechadas (Manzini, 2004).
damente 90 policiais militares em exercício. O local Destaca-se que foram realizadas oito entrevistas,
é administrado diretamente pela Política Militar do com base nas observações realizadas e no aporte da
Estado. literatura a fim de compreender melhor os aspectos
relacionados à saúde do trabalhador policial.
Procedimentos
Com base nas informações obtidas pela observa-
A intervenção foi pautada em três etapas: (1) ob- ção participante e nas entrevistas semiestruradas,
servação participante, (2) entrevistas semiestrutura- foi realizada uma roda de conversa com os policiais
das; e (3) realização de grupos com utilização de di- militares para o levantamento das expectativas em
nâmicas grupais. Ressalta-se que os cuidados éticos, relação ao trabalho da Psicologia. Posteriormente,
especialmente quanto ao sigilo profissional e condu- também foram acrescidas temáticas sugeridas pela
ta respeitosa balizada pelos princípios do Código de estagiária de Psicologia, em conformidade com os
Ética Profissional do Psicólogo (CRP) foram segui- objetivos do estágio e interesse dos participantes.Na
dos, em todas as etapas da intervenção de estágio; sequência, procedeu-se com a elaboração da ativida-
o qual obteve aprovação para a sua implementação de grupal, sendo delineada a técnica de dinâmicas
(UNIFEBE, 2016). de grupo em cada encontro. Essas consistem num
A observação participante refere-se a uma técni- método oportuno para compartilhar conhecimentos
ca em que o observador considera o que as pessoas e comunicar-se através do aspecto lúdico. Além dis-
dizem seja pelo relato verbal, bem como pela escrita so, também possibilita que os participantes entrem
(Patton, 2002). Ela é pertinente quando previamen- em contato com sentimentos diversos de forma re-
te sistematizada – por meio de roteiro – conforme flexiva, de modo que muitas ressignificações sejam
objetivos da pesquisa (Queiroz, Wall, Alves e Sou- elaboradas a partir da técnica (Teixeira, & Veloso,
za, & Vieira, 2007). A técnica possibilita a interação 2006). Os integrantes foram convidados a participar
do pesquisador com o meio, propiciando uma visão de cinco encontros, coordenados por uma estagiária
mais detalhada da realidade. O observador coloca- de Psicologia e foram organizados em três etapas: (1)
se na posição dos observados, ao inserir-se no cam- autoconhecimento e promoção da autoestima dos
po de pesquisa como se fosse um deles. Assim, terá participantes; (2) trabalho em equipe; e (3) avaliação
mais condições de compreender os hábitos, atitu- do processo. Salienta-se que antes da efetivação dos
des, interesses, relações pessoais e características de encontros, a estagiária de Psicologia estabeleceu um
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contrato grupal com os membros presentes, a fim de (1) A bala: teve como objetivo principal aprimorar e
assegurar o cuidado ético e apontar o compromisso motivar o trabalho em equipe entre os profissionais
individual entre todos os integrantes (Santos, Lizete, através do estímulo ao enfrentamento de desafios da
Munari, Peixoto, Silva, Ferreira, & Nogueira, 2012). profissão. Nesse caso, o mediador do grupo coloca
Na primeira etapa foram aplicadas as seguintes di- sobre a mesa de cada participante uma bala, dizendo
nâmicas: (1) Linha do tempo - utilizada nos trabalhos que eles podem abrir e chupar a bala, porém não po-
de Tad James e Wyatt Woodsmall a partir de 1985, é derão utilizar suas mãos para abrir a bala e a mesma
uma linha com uma flecha para à esquerda (indicado não pode cair no chão. Explica-se que só será dada
passado) e flecha para à direita (indicando o futuro), sequência ao trabalho, após todos terem conseguido
visando produzir reflexões de forma integral em re- abrir suas balas. A ideia é que os participantes consi-
lação à profissão desenvolvida pelo participante (Te- gam utilizar-se da ajuda dos colegas para abrirem sua
rapia da linha do tempo, 2013). Tal técnica procura bala. Com base nessa dinâmica procede-se a discus-
auxiliar o participante a perceber os fatos marcantes são em grupo do trabalho realizado.
de sua profissão contribuindo para a compreensão (2) A linha: objetiva aprimorar e motivar o traba-
do momento que vivencia, bem como possibilitan- lho em equipe entre os profissionais através de suas
do-o que pense em relação aos seus planos futuros perspectivas para o enfrentamento de desafios e difi-
relacionados à profissão. culdades. Os participantes são solicitados a ficarem
(2) Esse brasão me define – os participantes são alinhados um ao lado do outro em cima de um ban-
solicitados a desenhar em uma folha em branco um co. A mediadora solicita desafios aos participantes,
brasão com aspectos que os definem de forma indivi- como: organizarem-se em ordem alfabética conforme
dual. Terminada essa etapa, as folhas são mescladas a primeira letra dos uniformes militares, sendo que
pelo mediador do grupo, e cada participante pega não podem colocar os pés e nem sentar no chão. As
uma folha de um colega não sabendo quem dese- seguintes perguntas são propostas aos participantes:
nhou o brasão e responderá a questões como: (a) o (a) Que dificuldades você encontrou para a realização
que chama a atenção na atividade presente em suas da tarefa? (b) O que achou da tarefa? (c) Acredita que
mãos? (b) Quais sentimentos vieram quando você para chegar onde você está hoje, como profissional,
recebeu essa atividade? (c) O que você acha que o co- teve que passar por dificuldades? Como você percebe
lega desejou representar? (d) Você sabe quem é o au- o apoio mútuo em sua equipe de trabalho?
tor da atividade? Por quê? Essa técnica pode ser uti- Na última etapa da intervenção, foi realizada a
lizada para trabalhar a autoestima dos profissionais, dinâmica de fechamento denominada: (1) Espaço,
assim como promover suas atividades profissionais. a qual visa propiciar um clima de despedida frater-
(3) Dividindo sentimentos – o objetivo é identifi- nal entre os participantes com reflexões acerca das
car as crenças relacionadas à atuação do profissional diferentes funções que os colegas ocupam no am-
e trabalhar com possíveis aspectos negativos que biente de trabalho. Primeiramente, forma-se um
emergirem no cotidiano laboral. Nessa dinâmica os grande círculo e solicita-se a um dos participantes
participantes recebem uma folha com algumas ques- para se colocar no centro como se fosse uma está-
tões, sendo que devem respondê-las: (a) O que é mais tua. A mediadora solicita que outro participante se
importante no meu trabalho? (b) Liste os sentimen- posicione próximo ao primeiro e tente preencher os
tos e emoções indesejadas, que você sente, mas, faria espaços deixados pelo primeiro, sem encostar no
de tudo para evitar; (c) O que precisa acontecer para corpo do colega, também como se fosse uma está-
você sentir essas emoções que citou? (d) Você avalia tua. Assim, sucessivamente os demais participantes
que algumas dessas crenças ou sentimentos podem são solicitados a se posicionar buscando preencher
comprometer seu rendimento em relação à sua função espaços vazios e ficando em formato de estátua. Para
exercida? Se sim, o que você poderia fazer para melho- os participantes é perguntado: onde termina o seu
rar? após concluída essa fase, todos os questionários espaço? Ao final forma-se um círculo conduzindo-se
são misturados e cada participante pega uma folha uma reflexão sobre o espaço de cada um nas ativi-
que não for a sua, sendo solicitado a apresentar as res- dades laborais. É importante ressaltar que durante a
postas do colega, além de refletir sobre o relato escri- realização de cada encontro foram realizados relatos
to, de modo conjunto com os integrantes do grupo. orais e escritos, os quais eram registrados em um
Para a segunda etapa – trabalho em equipe – fo- diário de campo, contendo apontamentos gerais dos
ram adotadas duas dinâmicas: “a bala” e “a linha”. participantes. Para tanto, serão destacadas vinhetas
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que contenham tais relatos, para fins de ilustração e disso, seria a primeira vez que o campo de estágio fir-
discussão teórica, posteriormente. Com o intuito de mou uma parceria com a universidade para explorar
preservar a identidade dos participantes, os nomes os objetivos elencados.
dos mesmos são fictícios, conforme preconizado nos No que tange aos encontros realizados, esses fo-
preceitos éticos da Resolução 510/2016 do Conselho ram organizados conforme as informações coletadas
Nacional de Saúde. na observação participante, bem como nos dados
obtidos por meio das entrevistas semiestruturadas
Resultados realizadas. De posse de tais informações, foram de-
Em relação à caracterização dos participantes, limitados encontros temáticos com a utilização de
três eram homens e apenas uma participante era do dinâmicas de grupo; os quais aconteceram entre os
sexo feminino. Aponta-se que somente quatro po- meses de abril a junho de 2016 na sede da corpora-
liciais participaram da intervenção, pois o horário ção e tiveram duração de aproximadamente 1:30h
disponível para o estágio coincidiu com os horários cada. Os temas e técnicas utilizadas por encontro
de trabalhos externos dos policiais militares. Além foram descritas na Figura 1.

Figura 1. Descrição dos conteúdos abordados no grupo e dinâmicas utilizadas nos encontros

Destaca-se que, os temas dos encontros foram promoção da autoestima dos policiais militares. Essa
organizados de modo a refletir sobre aspectos do au- etapa consistiu em três encontros que foram orga-
toconhecimento dos participantes e autoestima, tra- nizados com o intuito dos participantes, primeira-
balho em equipe e, por fim, a avaliação do trabalho mente, refletirem acerca de si próprios para depois
realizado. Foram apresentados e discutidos temas pensarem em relação aos aspectos coletivos do seu
relacionados à saúde do trabalhador policial, para que trabalho.
os mesmos refletissem e pudessem pensar sobre os O primeiro encontro explorou a compreensão da
significados, expectativas e possibilidades de seu fa- imagem profissional de cada participante em torno de
zer profissional e efeitos em sua saúde. Desse modo, é si e a satisfação com o trabalho. Em relação a esse as-
descrito cada módulo de intervenção realizado. pecto, um dos participantes comentou: “[...] desde
que comecei meu trabalho aqui não percebi nenhuma
Autoconhecimento e promoção da
autoestima dos participantes diferença em minha vida. Acho que meu trabalho é igual
a qualquer outro. Tem regras, mas isso toda a profissão
A primeira etapa do trabalho em grupo explo- tem” (Fernando). No entanto tal visão, a respeito da
rou aspectos relacionados ao autoconhecimento e profissão, é descrita por outro participante de forma
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diferenciada, conforme mencionado: “desde o início Identifica-se, desse modo, a presença de novas
da minha atuação, em função do trabalho, me sentia demandas para a atuação dos policiais militares. Es-
com uma postura mais séria e rígida, nada me deixava sas demandas implicam em mudanças de posturas
sensível ou me fazia rir” (Paulo). dos mesmos, haja vista que o trabalho a ser realiza-
Os depoimentos citados indicam percepções di- do possui outro objetivo e um novo público. De todo
ferentes em relação ao mesmo campo de trabalho. modo, há presença nos discursos de uma mudança
Nota-se, principalmente no segundo depoimento, a na postura de forma individual. Não são menciona-
indicação da rigidez e disciplina recebida e aplicada dos treinamentos ou formações no âmbito da ins-
no exercício da profissão. Espera-se da atuação do tituição para que os profissionais se apropriem do
policial, características e comportamentos mais sé- papel que irão desenvolver. Há uma empatia desses
rios com poucas demonstrações de emoções nas ati- profissionais com a receptividade que visualizam no
vidades e ações desenvolvidas diariamente. trabalho com as crianças. Os participantes “aparen-
No entanto, o comportamento mais sério e rígido tam” sentirem-se mexidos e empolgados com o tra-
parece abrir espaço quando esses profissionais se in- balho realizado por meio do programa citado, o que
serem em outros contextos. O relato dos participantes reflete as mudanças nas funções que a própria profis-
apontam para a flexibilização da postura profissional são requer frente aos desafios cotidianos.
ao atuarem como professores do Programa Educacio- No segundo encontro realizado, buscou-se
nal de Resistência as Drogas e a violência (PROERD). promover o autoconhecimento e autoestima
Esse fato pode ser verificado na fala de Paulo: dos participantes. Constatou-se que os profis-
sionais se percebem de diferentes maneiras. Os
Eu passei a me comportar de outra maneira
quando comecei a ser professor do PROERD.
desenhos realizados pelos participantes indicam
Algo aconteceu, não podia agir da mesma que se veem protegendo pessoas e crianças (Paulo).
maneira. Estava ali para ensinar e não para Também, demonstram que entendem seu traba-
coibir comportamentos. Assim acho que minha lho como: libertador, uma vez que apresenta fle-
atuação passou a ser mais humanizada, e passei xibilidade de horários e não estando sempre fixos no
a ver as coisas e pessoas com outros olhos. As mesmo lugar (Fernando). Assim, como podem rea-
crianças me despertaram para isso.
lizar transformações na vida de pessoas e crianças
O trabalho junto ao PROERD parece ter gerado (Cristina). Os mesmos mencionam buscar forças
um novo efeito no trabalho dos profissionais policiais. para seguir a profissão com seus familiares e co-
Outra postura é exigida desses profissionais, uma vez legas de trabalho. Apontam para o compromis-
que passam a ensinar. Fernando comenta “acho que o so que sentem ter com a sociedade, e que isso
que mudou minha forma de ver meu trabalho foi quando os fazem persistir e continuar aprimorando-se.
eu entrei para o PROERD. Acho que amoleci, sabe. Aque- Em relação ao terceiro encontro, objetivou-se
las crianças ali querendo saber, te olhando, fazendo per- refletir sobre os aspectos positivos frente às difi-
guntas. Não sei, mas acho que teve uma mudança em mim culdades encontradas no ambiente de trabalho.
(...). É um outro jeito de me relacionar” (Fernando). Referentes aos pontos fundamentais da atuação
A reflexão sobre as mudanças geradas pelo traba- profissional foram elencados, pelos participan-
lho desenvolvido com crianças no projeto PROERD tes: “ética, honestidade, humildade, amizade (Fer-
trouxeram reflexões para a própria autoestima dos nando)∕ estabilidade financeira, oportunidade de
policiais. Tal aspecto é refletido no discurso de um poder ajudar alguém, participação da formação de
dos participantes quando diz: uma sociedade (Paulo)∕ comprometimento, discri-
Olha, antes de eu entrar no Proerd eu via minha
ção e responsabilidade (Lauro)∕ manter as pessoas
profissão de outra maneira. Somos preparados seguras, relacionamento com as pessoas e voltar
para sermos focados e atentos o tempo todo. Isso para casa com o dever cumprido” (Cristina).
me deixada bastante apreensiva. Ficava muito Outro aspecto abordado no encontro cor-
estressada, após um dia de trabalho diante das responde aos sentimentos e emoções presentes em
coisas que precisava dar conta. Confesso que estar seu ambiente de trabalho, e o que poderiam fazer de
como professora do PROERD foi muito bacana.
diferente ante aos eventos indesejados. São mencio-
Pude colocar em prática vários ensinamentos que
aprendemos e ajudar as crianças a pensar sobre nados alguns sentimentos e sensações presentes ao
aquilo. É um trabalho de prevenção sabe. Eles relacionar com o ambiente de trabalho: “Dor de cabe-
perguntam. É diferente” (Cristina). ça (Fernando)∕ Decepção (Paulo)∕ sentimento de falta
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de expectativas de melhoria na carreira e descrença de princípios vinculados à formação e ao exercício da


mudança no futuro (Lauro)∕ raiva, culpa, tristeza e in- profissão de policial. Isso pode ser considerado como
justiça” (Cristiane). fator de proteção à saúde desses participantes, já que
Em relação às crenças que cada um atribui à des- uma das funções do grupo é estabelecer o senso e ga-
motivação e sentimentos indesejados, os partici- rantir recursos de enfrentamento às dificuldades.
pantes apontam fatores diversos, tais como: “a des-
Avaliação do processo
valorização da honestidade perante a corporação e de
acreditar pouco em si mesmo (Fernando)∕ as negações No último encontro foram repassados os temas
e reprovações constantes de respostas dos serviços que trabalhados nos anteriores. Também houve uma re-
prestam (Lauro)∕ as falhas que ocorrem na instituição tomada da participação dos policiais militares em
como um todo, em relação aos trabalhos realizados seja relação aos aspectos abordados por eles, conforme
pelos comandantes seja pelos comandados (Paulo)∕ mor- as dinâmicas realizadas. Na avaliação dos partici-
te ou algum crime grave não solucionado e falta de res- pantes, os encontros foram positivos e facilitaram a
peito” (Cristina). aproximação entre eles.
Salienta-se que os profissionais participantes do Contudo, alguns aspectos foram mencionados
grupo abordam aspectos significativos sobre seu papel pelos participantes que poderiam ser melhores ex-
profissional e em relação à profissão em si. Apontam plorados durante o trabalho realizado, tais como:
a formação rígida que receberam e a flexibilização que maior enfoque na saúde dos profissionais. Consta-
precisam realizar quando estão em contextos como o tou-se ser um aspecto preocupante entre os profis-
escolar. Comentam da importância da realização do
sionais da instituição e que precisa de mais investi-
trabalho e dos estresses enfrentados, sejam ligados
mento e espaços de trocas entre os profissionais, a
ao próprio trabalho (mortes e crimes), bem como em
fim de contribuir para o alívio e melhoramento de
relação à valorização da própria profissão por outras
sua saúde psíquica.
instituições. Tais aspectos são demonstrados das mais
variadas formas por eles, sejam nas dores de cabeça, Discussão
na decepção, na falta de expectativa que impactam de
forma negativa em sua realização, autoestima no tra- A profissão de policial militar envolve bastante
balho e consequentemente em sua saúde. estresse, em função da complexidade das ativida-
Trabalho em Equipe des realizadas. A formação rígida e as demandas que
constantemente os policiais precisam atender im-
O módulo do trabalho em equipe foi aborda- pactam em sua saúde física e emocional, afetando
do no quarto encontro. As dinâmicas propostas - a suas relações e qualidade de vida no trabalho. No que
Bala e a Linha, favoreceram o desenvolvimento dos diz respeito ao estudo realizado, constatou-se certa
propósitos pensados para esse momento do grupo. insatisfação, de modo geral, no exercício da profis-
Observou-se que todos os participantes realizaram são, ao mesmo tempo que a inserção em contextos
a dinâmica sem hesitar o pedido de ajuda ao colega; como o PROERD, despertaram neles novas reflexões
uma vez que somente desse modo, foi possível a con- e possibilidades de efetividade do trabalho.
clusão da atividade com êxito. No discurso dos participantes, referente à imagem
Após a realização das dinâmicas, o grupo demons- que esses têm da profissão, identifica-se a presença
trou o apreço pelo trabalho coletivo ao mencionarem da disciplina e rigidez. É como se o policial militar
discursos, do tipo: “(sobre o trabalho diário) ... depen- se condicionasse a viver um trabalho permeado pela
demos uns dos outros para o êxito de nossas metas; para violência, brutalidade e risco de morte iminente,
isso precisamos deixar o constrangimento de lado nessa além da elevada sobrecarga de trabalho e o contro-
profissão e pedir ajuda quando precisarmos”. Pode-se le excessivo das ações que realiza (Gonçalves, Veiga,
perceber no relato que a hierarquia, quando no cam- & Rodrigues, 2012). No entanto, o policial trabalha
po de trabalho, acaba sendo horizontalizada uma vez também na interação direta com a sociedade, o que
que, “todos precisam de todos para realizar o trabalho”. amplia esse campo de atuação (Moreira, & Branco,
Constatou-se que os participantes tiveram facili- 2016). Identifica-se, nos relatos dos profissionais,
dade em realizar as dinâmicas propostas e em arti- surpresa e satisfação com o trabalho quando traba-
cular com a discussão pretendida. Um dos aspectos lham com crianças em projetos, como o PROERD;
que justifica esse engajamento coletivo se refere aos como exemplo, relatam que sua postura profissional,
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relação e o cuidado na atuação, são modificados. Es- estresse deve ser considerada com base do olhar dos
sas mudanças verificadas na atuação profissional fo- policiais e seu cargo. Compreende-se que o fazer po-
ram possíveis em função das interações face a face, licial constrói-se nas relações recíprocas com o meio.
conforme preconizadas pelo modelo bioecológico de Desse modo, no contexto estudado, os sentimentos e
desenvolvimento humano. As atividades, papéis e emoções pessoais relatados demonstram reflexos do
interações que foram experimentados pelos policiais contexto de trabalho experimentado por esses profis-
militares em seu contexto mais imediato, proporcio- sionais (Benetti, Vieira, Crepaldi, & Schneider, 2013).
naram novas relações interpessoais (Bronfenbren- Indica-se que os profissionais participantes do
ner, & Morris, 1998). Nesse âmbito educativo, os grupo realizado, questionam seu trabalho e refle-
policiais investem na promoção de comportamentos tem sobre a significação do mesmo, pois reconhecem
assertivos e de prevenção às drogas, o que propicia realizá-lo sob precárias condições. Alguns relatos
novas aprendizagens e reflexões; dessa forma, sus- demonstram emoções e sentimentos de decepção,
tentam que esse tipo de atuação traz maior satisfa- falta de expectativa, raiva, culpa, tristeza e injusti-
ção e diminui o grau de estresse que vivenciam nas ça. Tal cenário de descontentamento pode indicar
demais práticas policiais. Em relação às crenças um desgaste psíquico – amplamente estudado com
dos profissionais sobre a profissão alguns aspectos fonte de sofrimento mental, o que não se relaciona a
podem ser considerados. Chama atenção a ideia de um evento isolado, mas a uma exposição contínua e
estabilidade financeira abordada por um dos partici- sem perspectivas de mudança frente aos estressores
pantes. Em estudo realizado por Albuquerque e Ma- (Ferreira, Bonfim, & Augusto, 2012)
chado (2001), os pesquisadores constataram entre Compreende-se que, investir em espaços de tro-
os jovens ingressantes no curso preparatório para cas coletivas para os policiais militares representa
policial miliar, que a ascensão profissional era um fa- contribuir com a promoção de saúde, como também
tor fortemente mencionado pelos jovens ingressan- em segurança pública de qualidade. Atentar aos im-
tes. A maioria deles era proveniente de famílias que pactos do trabalho na subjetividade desses profis-
não dispunham de condições financeiras para sus- sionais ao fomentar momentos de reflexão coletiva,
tentá-los em seus estudos, bem como seus genitores possibilita aos mesmos criar novas estratégias para
possuíam baixa escolaridade. Desse modo, viam na enfrentarem os desafios vivenciados diariamente.
carreira pública, fonte de estabilidade e sucesso pro- Desse modo, o profissional da Psicologia apresenta
fissional. um papel primordial junto a esse público, pois con-
No que tange aos sentimentos e emoções pre- tribui no processo de significação laboral dos pro-
sentes no trabalho dos profissionais ouvidos, esses fissionais; o que estimula o fortalecimento da rede
elencaram: a desvalorização da honestidade, a repro- entre eles, além das trocas compartilhadas para os
vação pelos serviços prestados, a exposição às falhas, as desafios cotidianos, o que certamente poderá trazer
quais sejam cometidas por eles ou por seus superiores, benefícios à condição integral de saúde dos partici-
além da vivência de riscos, como a exposição à morte e ao pantes.
respeito para com a profissão. Todos esses sentimentos Entende-se que o trabalho proposto pela Psico-
e emoções acarretam sofrimento psíquico nos poli- logia teve uma boa repercussão nos integrantes do
ciais que afetam o desenvolvimento de seu trabalho. grupo realizado. A participação desses foi efetiva,
No que se refere à relação com os seus superiores, o bem como as discussões e reflexões em torno das
estudo de Taylor & Bennel (2006) mencionou que os temáticas propostas, conforme a própria avaliação
policiais classificaram os estressores organizacionais que realizaram no último encontro. Foi um espaço
(atividades no espaço corporativo) como mais preju- novo, com possibilidade conjunta de refletirem so-
diciais do que os estressores policiais inerentes (fun- bre seu trabalho num âmbito individual e coletivo.
ções relacionadas ao trabalho fora da corporação). Houve trocas de experiências, as quais permitiram
Já nos trabalhos realizados por Hartley, Burch- o exercício da empatia ao perceber que todos pas-
fiel, Fekedulegn, Andrew, Knox, e Violanti (2011), sam por dificuldades na relação do trabalho diário.
os resultados apontaram que os superiores (oficiais) As angústias relatadas quanto ao desejo profissional
indicavam como mais estressor, em seu trabalho, e as expectativas frustradas, frente ao trabalho real
a relação com a equipe quando comparado com os e com as condições possíveis de ser desempenha-
estressores organizacionais que precisavam lidar. do, integraram discussões importantes, as quais se
Pode-se perceber nesses estudos, que a vivência do constituíram como norteadores e indicativos para
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o disparo na saúde física e emocional dos profissio- poderia ser uma atividade permanente em contextos
nais. Entende-se, desse modo, que trabalhos como como o estudado, haja vista a contribuição para o for-
esse têm potencial e precisam de continuidade para talecimento pessoal e grupal dos participantes, em
acolher os sofrimentos e estresses enfrentados pelos torno das temáticas vivenciadas na realização do tra-
policiais em seu trabalho diariamente. balho. Também, sugere-se promover e divulgar esses
espaços para que mais pessoas participem. Propiciar
Considerações finais conversas individuais ou ainda, nas trocas com os su-
periores a respeito da importância dessa intervenção,
Entende-se que muitos trabalhos são potenciais
poderá sensibilizar a instituição para que invista na
geradores de sofrimento emocional e estresse. O tra-
saúde de sua equipe, o que acaba por refletir na pró-
balho do policial militar, em função da complexidade
pria dinâmica organizacional, em relação aos benefí-
de suas atividades corresponde a uma dessas ocupa-
cios dessa prática para todos os envolvidos.
ções profissionais, cujo cuidado e atenção à saúde fí-
Os profissionais participantes do grupo, também
sica e mental precisam ser constantes.
professores do PROERD, foram unânimes em apon-
A formação rígida, alta disciplina, treinamentos
tar caminhos como este, enquanto novas possibili-
extremos, trazem para a postura do profissional mi-
litar uma atuação mais séria em relação ao seu tra- dades de atuação mais humanizada e com maiores
balho. No entanto, identificam-se, como na inter- resultados, em relação à promoção da saúde e pre-
venção realizada, desgastes no desempenho de sua venção da violência. A interação com o público infan-
atuação. Isso pôde ser observado nos discursos dos til promoveu outro manejo dos profissionais e uma
profissionais, relacionados à falta de expectativa na maior sensibilização desses perante as relações e si-
profissão, desvalorização, atuação sob eventos es- tuações emergentes.
tressores (como mortes e crimes). Desse modo, há a Por fim, torna-se evidente o quanto o trabalho de
identificação de demandas voltadas ao acolhimento escuta desse grupo possibilitou compreender onde
e suporte de dificuldades, experienciadas por esses se encontra a satisfação e descontentamento dos
profissionais em suas práticas diárias. policiais, em seu trabalho atual. Além disso, a expe-
Nesse cenário, o trabalho da Psicologia pode con- riência em diferentes âmbitos no desempenho do
tribuir tanto na reflexão das práticas desempenhadas, policial militar, como no caso do PROERD, deve ocu-
como no acolhimento das inquietações e sofrimentos. par um campo de atuação necessário, a fim de que o
Através de uma escuta qualificada, seja de forma in- profissional desenvolva outras habilidades, além de
dividual e / ou ações grupais com esses profissionais, combater a violência e a criminalidade diretamente.
pode-se desenvolver novas parcerias co-construídas Nesse sentido, o exercício do policial está atrelado a
para a promoção da saúde do policial militar. pensar em novas e potentes estratégias de trabalho,
Compreende-se que o trabalho realizado atingiu o que ampliem o olhar para a promoção e prevenção
objetivo inicial delimitado, pois fomentou um espaço da violência. Acredita-se, esse ser um grande inves-
coletivo de escuta e diálogos sobre temáticas presen- timento, de modo que a Psicologia possa contribuir
tes, no cotidiano dos policiais militares. No entanto, ao propor novas possibilidades de atuação voltadas
algumas limitações podem ser visualizadas. Primei- para a construção de uma sociedade mais justa e
ramente, destacam-se o número reduzido de encon- igualitária, que considere e valorize as diferenças hu-
tros realizados. Acredita-se que o trabalho em grupo manas desde o ensino nos anos iniciais.

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Recebido: 16.08.18 / Corrigido: 18.06.18 / Aprovado: 20.11.19
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95 81

Sintomas de depressão em
universitários de medicina
Symptoms of depression in medical university students
Síntomas de depresión en estudiantes universitarios de medicina
Daniele Ramos de Aquino1
Rodrigo Alves Cardoso2
Lucinéia de Pinho3

Resumo: A depressão é um problema de saúde mental comum, com maior prevalência em universitários
de medicina do que na população geral. O objetivo deste estudo foi verificar os sintomas depressivos nos
universitários de medicina de uma instituição privada localizada no norte de Minas Gerais. A amostra foi com-
posta por 121 participantes que se submeteram ao conjunto de instrumentos para avaliação das caracterís-
ticas: sociodemográfica, formação e sintomas depressivos. Para averiguação da sintomatologia depressiva
foi utilizado o Inventário de Depressão. Os dados foram analisados estatisticamente pelo programa SPSS®.
A orientação ética da pesquisa foi regulada pelas diretrizes da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional
de Saúde, com aprovação do Cep de n° 2.428.669. Os resultados apontam maior prevalência dos sintomas
depressivos: humor triste ou deprimido (87,6%), dificuldade de concentração (89,3%), cansaço ou perda de
energia (89,3%), pensamentos de autocrítica (82,6%), evitação de contato interpessoal (70,2%). Com base
nos dados pode-se concluir que os períodos iniciais apresentaram mais incidência aos sintomas depressivos,
com maior prevalência no público feminino.

Palavras-chave: saúde mental, depressão, estudantes de medicina.

Abstract: Depression is a common mental health problem, with a higher prevalence in medical university
students than in the general population. The objective of this study was to verify depressive symptoms in uni-
versity students of medicine of a private institution located in the North of Minas Gerais. The sample consisted
of 121 participants who underwent a set of instruments for evaluation of characteristics: sociodemographic,
training and depressive symptoms. The Depression Inventory was used to investigate the depressive sympto-
matology. The data were statistically analyzed by the SPSS® program. The ethical orientation of the research
was regulated by the guidelines of Resolution 466/2012 of the National Health Council, with the approval of
CEP no. 2,428,669. The results indicate a higher prevalence of depressive symptoms: sad or depressed mood
(87.6%), difficulty in concentration (89.3%), fatigue or loss of energy (89.3%), self-critical thoughts (82.6%),
avoidance of interpersonal contact (70.2%). Based on the findings, it can be concluded that the initial periods
presented more incidence of depressive symptoms, with a higher prevalence in the female audience.

Keywords: mental health, depression, medical students.

Resumen: La depresión es un problema de salud mental común, con mayor prevalencia en estudiantes universitarios de
medicina que en la población general. El objetivo de este estudio fue verificar los síntomas depresivos en los estudiantes
universitarios de medicina de una institución privada ubicada en el norte de Minas Gerais. La muestra fue compuesta por
121 participantes que se sometieron al conjunto de instrumentos para evaluación de características: sociodemográfica,
formación y síntomas depresivos. Para la detección de la sintomatología depresiva se utilizó el Inventario de Depresión.
Los datos fueron analizados estadísticamente por el programa SPSS®. La orientación ética de la investigación fue regula-
da por las directrices de la Resolución 466/2012 del Consejo Nacional de Salud, con aprobación del Cep de n ° 2.428.669.
Los resultados apuntan a una mayor prevalencia de los síntomas depresivos: humor triste o deprimido (87,6%), dificultad
de concentración (89,3%), cansancio o pérdida de energía (89,3%), pensamientos de autocrítica (82,6% ), evitación de
contacto interpersonal (70,2%). Con base en los datos se puede concluir que los períodos iníciales presentan más inciden-
cia a los síntomas depresivos, con mayor prevalencia en el público femenino.

Palabras clave: salud mental, depresión, estudiantes de medicina.


1
Universitária de Psicologia da Faculdade de Saúde Ibituruna – FASI. E-mail: daniele.evan30@gmail.com, ORCID 0000-0003-1397-5053.
2
Universitário de Psicologia da Faculdade de Saúde Ibituruna – FASI, Montes Claros, Minas Gerais. E-mail: rohdrigoa@icloud.com, ORCID 0000-0001-5502-7989.
3
Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Montes Claros, Minas Gerais. E-mail: lucineiapinho@hotmail.com, 0000-0002-2947-5806.
82 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95

Introdução e a ansiedade são patologias encontradas em cerca


de 25% dos universitários de maneira geral. Os es-
A depressão é caracterizada por desânimo e perda tudos da depressão realizados em universitários de
de interesse. Este transtorno de origem multifatorial medicina, atribui uma prevalência para essa popula-
impossibilita o sujeito de desempenhar as atividades ção que oscila entre 8 e 17% (Rossetto, Skawinski,
habituais com impacto direto nas relações intersub- Coelho, Rossetto Júnior, Boll , 2000). Os estudantes
jetivas. É possível encontrar crianças e adultos de de medicina se defrontam com muitos estressores
todas as classes sociais e econômicas vivendo com a comuns ao cotidiano, além do estresse como resulta-
patologia, ou seja, não há restrição de público. A lite- do de exigências acadêmicas de longo período, como
ratura infere que o conceito da depressão presente na altas cargas de trabalho e privação do sono, o que
contemporaneidade teve seu início no século XVII, propicia um ambiente que leva ao desenvolvimento
contudo a expressão pautada na perda de energia foi de patologias relacionadas a saúde mental, fatores
utilizada pela primeira vez em 1680, mas apenas em que contribuíram com estudos anteriores que reve-
1780 foi integrada ao dicionário por Samuel Johson. laram a alta prevalência de depressão e ansiedade
A sociedade em seu processo de evolução destituiu nos estudantes (Callender, Fagan, Jenkins, Lester,
as crenças e superstições que serviam de explicação Smith, 2011), (Dyrbye, Thomas & Shanafelt, 2006).
para o fenômeno da depressão, o que possibilitou O transtorno depressivo é uma doença com altos ní-
com o emergir do saber cientifico, ocasionando ou- veis de suicídio exigindo cada vez mais um rastrea-
tro sentido para os transtornos mentais, mudando mento precoce. O manual Diagnóstico Estatístico de
o conceito de depressão, assim como os métodos de Transtornos Mentais (DSM-5) caracteriza o trans-
tratamento (Quevedo & Silva, 2013). Estima-se que torno depressivo como uma patologia multideter-
20% da população geral tem risco de desenvolver o minada composta dos seguintes sintomas: alteração
transtorno depressivo em algum período da vida, do humor, do apetite, do sono, anedonia, letargia,
atualmente há mais de 350 milhões de pessoas con- sentimento de culpa e baixa autoestima, dificulda-
vivendo com o transtorno (Masís, Restrepo, Restre- de de concentração, agitação e ideação suicida. Para
po, Perez, Espriella, Novoa, Chaux, Arenas, Torres, o rastreamento da depressão é necessário conside-
Suare, Rondon, 2010). Em 2003 foi realizado na rar um período de duas semanas, com a vivência de
Colômbia um estudo de Saúde Mental, que eviden- ao menos quatro sintomas mencionados, entre os
ciou uma prevalência menor dos homens ao trans- quais o humor deprimido ou a perda de interesse ou
torno, quando comparado ao público feminino. De prazer, ou apenas mais três sintomas, caso os dois
maneira geral, a população adulta ocupou o grupo cardinais e pelo menos um deve estar presente para
de maior incidência, embora pesquisas recentes ex- o diagnóstico (Dalgalarrondo, 2008). A patologia
pressem que há cada vez mais um início precoce da resulta de uma interação complexa de muitos fato-
depressão (Lujan, Ramirez, Garcia, Berrocal, Arman- res. Entre adolescentes, uma junção de fatores bio-
do, 2003). No Brasil a prevalência de depressão na lógicos, psicológicos e ambientais (Ahn, Proctor &
população adulta é de 7,6%, com maior recaimento Flanagan, 2009). Nas condições sociodemográficas
nas mulheres (Stopa, Malta, Oliveira, Lopes, Mene- como idade, renda, estilo parental, condições de vida
zes, Kinoshita, 2015). A população jovem acadêmi- e educação dos pais, também tem sido associado a
ca, quando comparada a população geral, apresenta depressão (Alsughayr & Ferwana, 2012), (Kunwar
incidência maior aos quadros depressivos. Estudos & Risal, 2016). Compreende-se, que o rastreamen-
realçam que 15 a 29% dos acadêmicos universitá- to do transtorno depressivo em universitários de
rios, apresentarão algum transtorno psiquiátrico du- medicina é de extrema relevância, pois possibilita
rante a formação e apontam que 28% da população identificar previamente acadêmicos mais passiveis
brasileira com idades entre 18 e 24 anos possuem ao desenvolvimento dos sintomas depressivos (Mur-
sintomas depressivos (Üstün & Kessler, 2002), (Suo- phy, Pickar & Alterman, 1989), como aqueles que se
minen, Isometa, Henriksson, Ostamo, Lonnqvist, defrontam com os desafios dos períodos iniciais e
1998). O início da vida acadêmica superior de en- finais (Cavestro & Rocha, 2006), e aqueles que por
sino coincide com um período psicossocial de gran- exigências pessoais, não toleram falhas com relação
des mudanças, que são de extrema relevância para ao desempenho acadêmico (Coutinho, Gontiès & Sá,
o desenvolvimento humano, sendo essas mudanças 2003). Como agravante a depressão apresenta al-
de ordem social, psicológica e biológica. A depressão tos índices de suicídio. Uma pesquisa realizada nos
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95 83

Estados Unidos em 2009 evidenciou que entre os 2 aferir qual foi o período vivenciado como mais difícil,
mil entrevistados, 6% possuíam ideações suicidas, averiguar se há disciplinas pendentes, assim como re-
sendo as maiores taxas encontradas nos estudan- provação e relevância do curso para o universitário.
tes de medicina que apresentaram depressão maior Para avaliação dos sintomas depressivos foi conside-
(Goebert, Thompson, Takeshita, Beach, Bryson, rado a vivência da sintomatologia durante a última
Ephgrave, 2009). Além das elevadas taxas de suicí- semana: humor triste ou deprimido, sentimento de
dios, estudos inferem que os universitários e resi- culpa, humor irritado, menos interesse ou prazer
dentes em medicina possuem maior probabilidade em atividades costumeiras, afastando ou evitando
de sofrerem depressão quando comparados a alunos pessoas, achando mais difícil fazer as coisas como de
de outras pós-graduações e adultos jovens em ge- costume, vendo a si mesmo como inútil, dificuldade
ral (Goebert et al., 2009), (Rezende, Abrão, Coelho, de concentração, dificuldade de tomar decisões, pen-
Passos 2008). Segundo a literatura 50% da popula- samentos suicidas, pensamentos recorrentes de mor-
ção universitária médica pode possuir transtornos te, planejamento suicida, baixa autoestima, visão do
mentais (Goebert et al., 2009), ( Reimer & Trinkaus, futuro sem esperança, pensamentos de autocrítica,
2005). Este estudo tem como objetivo verificar os cansaço ou perda de energia, perda de peso signifi-
sintomas de depressão em estudantes universitários cativa ou diminuição do apetite, alteração no padrão
de medicina de uma instituição de ensino superior de sono e diminuição do desejo sexual. O escore da
privada do norte de Minas Gerais. avaliação dos sintomas depressivos se deu a partir da
somatória dos números que o participante circulou
Método ou marcou em cada item. Exemplificando: Se marca-
do 3 itens, o escore será de 57 (3 x 19 itens). No caso
Participantes do estudo de indecisão entre dois números para um item e cir-
culou ambos, foi considerado o maior. Este é um ins-
O estudo foi de caráter transversal, analítico com trumento utilizado exclusivamente para avaliação da
abordagem quantitativa. A população do estudo foi intensidade dos sintomas de depressão, não levando
composta por universitários de medicina. O campo de em consideração os elementos antecedentes e as con-
investigação foi uma instituição privada do norte de sequências resultantes de seu processo. Para a clas-
minas gerais. Para esta pesquisa foi considerado uma sificação foram considerados os seguintes dados: 0 a
amostra aleatória simples de 121 estudantes univer- 13, nenhum sintoma depressão; 14 a 19, sintomas de
sitários de um universo de 741 indivíduos, para a qual depressão leve; 20 a 28, sintomas de depressão mode-
foi admitido uma confiança de 90% com erro amostral rada; 29 a 63, sintomas de depressão grave.
de 6%. Foram incluídos os estudantes que aceitaram
participar da pesquisa de forma voluntária e que esti- Procedimentos
vessem matriculados no curso de medicina em qual-
quer período, assim como estar presente no dia da Os universitários foram abordados nos intervalos
coleta dos dados. Os critérios de exclusão foram não entre as aulas para participarem da pesquisa. Após
aceitar participar, não estar matriculado no curso de explanação dos objetivos do estudo para os partici-
medicina e não comparecer no dia da coleta dos dados. pantes, foi entregue o termo de consentimento livre
esclarecido (TLCE) em duas vias e o questionário es-
Instrumentos truturado. Ao entregarem os documentos preenchi-
dos, foi realizada uma análise dos dados objetivando
Para coleta de dados aplicou-se um questionário
encontrar possíveis erros de marcações, na ocasião
para avaliação das características sociodemográficas,
em que foram identificados erros, ou preenchimen-
formação e sintomas depressivos. O questionário vi-
tos inadequados, os participantes foram solicitados
sou identificar as seguintes características: sexo, ida-
a verificarem as asserções.
de, cor, religião, estado civil, condições de moradia,
quantidade de filhos, escolaridade dos pais, faixa sa- Estatísticas
larial familiar e condições de trabalho. As caracterís-
ticas de formação almejou compreender: se medicina Os dados coletados foram analisados estatistica-
foi a primeira opção de curso, se há médicos na famí- mente pelo programa estatístico SPSS® versão 20.0.
lia, quantidade de vezes que tentou ingressar no cur- Foi realizada estatística descritiva com frequência
so de medicina, verificar se realizou pré-vestibular, absoluta e percentual.
84 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95

Cuidados éticos
A orientação ética da pesquisa foi regulada pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Huma-
nos, através da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Tendo recebido aprovação do Comitê
de Ética da Instituição de Ensino Faculdades Integras do Norte de Minas – FUNORTE, processo CEP: N°
2.428.669.

Resultados
A amostra foi composta por 121 universitários do curso de medicina. Observou-se que a maioria
era do sexo feminino (65,3%). Dos participantes 86% apresentaram idades entre 19 e 25 anos. Em relação à
religiosidade 92,6% dos integrantes declararam possuir alguma religião, enquanto que 95,9% afirmaram se-
rem solteiros e 95,9% não possuírem filhos. Referente à moradia 66,1% reside em casa ou apartamento com
familiares sendo que 99,2% residem na cidade onde estudam. Já 12,4% informou residir sozinho. A respeito
da renda familiar e trabalho 42,1% aduziram possuir renda maior que 5.000,00 (cinco mil reais) e 80,2%
assinalaram nunca terem trabalhado (Tabela 1).
Tabela 1 – Características sociodemográficas dos universitários de medicina de uma instituição
privada, Montes Claros – MG, 2018.
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95 85

Fonte: dados da pesquisa.


86 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95

No que se refere ao turno em que se desempe- da metade dos participantes (51,2%) não necessita-
nham as atividades universitárias, 94,2% cursam em ram sair da cidade de origem para iniciar o processo
período integral. Há a predominância de 77,7% de de graduação, boa parcela (72,7%) realizaram por
egressos do ensino particular, sendo que 8,3% fre- mais de 6 meses pré-vestibular, e 55,4% tentaram
quentaram apenas escola pública da rede de ensino. por mais de cinco vezes ingressar no curso, posto
Evidenciou-se que 41,3% possuem as mensalidades que 90,9% estão na primeira graduação. A quanti-
do curso financiadas totalmente, sendo que 6,6% é a dade de universitário de transferência é mínima,
taxa bolsistas integrais e 17,4% pagam inteiramente apenas 3,3%. No tangente às disciplinas 90,1% não
as mensalidades. A amostra foi composta por univer- possuem disciplinas pendentes e 95,9% não neces-
sitários dos períodos iniciais (1°, 2° e 3°), dos perío- sitaram repetir algum período. O período inicial foi
dos intermediários (4°, 5° e 7°) e finais (8°, 11° e 12°), apontado como mais difícil por mais da metade dos
sendo o percentual de 34,7%, 42,2% e 23,1% respec- pesquisados (54,5%), ao menos uma única vez houve
tivamente. Acerca da escolha profissional 43,8% de- pensamentos de desistência da graduação (36,4%),
clararam haver médicos na família e 81% afirmaram contudo 97,5% atribuem muita relevância ao curso
a medicina como a primeira opção de curso. Mais (Tabela 2).

Tabela 2 – Características de formação dos universitários de medicina de uma instituição priva-


da, Montes Claros – MG, 2018.
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95 87
88 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95 89

Fonte: dados da pesquisa.

A respeito dos sintomas de depressão, 87,6% se Sobre a variável concentração 89,3% apresentaram
sentem com o humor triste ou deprimido. Com re- determinada periodicidade de dificuldade em con-
lação ao interesse e prazer em atividades costumei- centração. Outras repostas apresentaram percen-
ras aproximadamente 69,4% apresentaram menos tuais aproximados nas seguintes variáveis: baixa
interesse em atividades do cotidiano. 70,2% dos autoestima 63,6%, alteração do padrão de sono di-
participantes mencionaram estarem afastando ou ficuldades para dormir 70,2%, dificuldade de tomar
evitando pessoas, sendo que 78,2% apresentaram decisões 75,9%, pensamento de autocrítica 82,6% e
humor deprimido. Com referência a execução de cansaço ou perda de energia 90,9%. Valores simila-
novas atividades em torno de 68,6% dos universi- res também foram encontrados em: vendo o futu-
tários informou que está mais difícil fazer as coisas ro sem esperança 25,6%, diminuição do desejo se-
como de costume, dado que 33,9% estão vendo a si xual 27,2% e perda de peso significativa ou apetite
mesmos como inúteis em algum grau de frequência. 33,9%.
90 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95

Observou-se ainda que 5,8% dos universitários possuem pensamentos recorrentes de morte e 1,6%
declararam pensamentos suicidas, sendo que 9,1% estiveram pensando em um plano suicida (Tabela 3).
Tabela 3 – Sintomas de depressão dos universitários de medicina de uma instituição privada,
Montes Claros – MG, 2018.
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95 91

Fonte: dados da pesquisa.

Discussão depressivos encontrados nos discentes de medicina


(Torres, Oliveira, Azevedo, Floresi, West, Kleinman,
Neste estudo foi possível identificar a pre- 2012), (Baldassin, 2010), (Furtado, Falcone & Clark,
sença de sintomas de depressão nos universitários 2003), (Bruch, Carneiro & Jornada, 2009). De modo
de medicina, sendo os mais prevalentes: humor tris- expressivo, grande parte dos universitários de me-
te ou deprimido, evitação de contato interpessoal ou dicina pesquisados relataram sentir-se com o humor
isolamento, cansaço ou perda de energia, pensamen- triste ou deprimido. Na Universidade de Copenha-
tos suicidas, pensamentos recorrentes de morte, gue, uma pesquisa realizada em 2014 também com
planejamento suicida, dificuldade de concentração, estudantes de medicina, evidenciou que 1/3 dos
pensamento de autocritica, alteração do padrão de integrantes sentiam-se deprimidos (Haldorsen,
sono e dificuldade em tomar decisões. A depressão Bak, Dissing, Petersson, 2014), uma prevalência si-
integra o grupo de doenças com maior prevalência e milar aos resultados foi obtida no Nepal e no Brasil
crescimento dentro da população mundial, tornan- (Kunwar, Risal, 2016), (Moutinho, Maddalena, Ro-
do-se um problema de saúde pública. Afetando uma land, Lucchetti, Tibiriça, Ezequiel, Lucchetti, (2017).
em cada cinco pessoas em algum período do desen- Segundo Givens (2002) e (Furtado, Falcone, Clark,
volvimento humano, há a previsão que essa patologia 2003) a sintomatologia encontrada nesta pesquisa
até 2020 se torne a segunda doença em maior preva- pode estar associada a sobrecarga de atividades aca-
lência, perdendo apenas para as doenças cardíacas dêmicas que estão presentes desde os períodos ini-
(OMS, 2016). Os estudantes universitários dos mais ciais. Muitos estudantes já dedicam horas à estudos
diversos cursos vivenciam diferentes exigências em pré-vestibulares o que pode servir de base para
quanto à carga horária e as cobranças da profissão eminência futura de sintomas depressivos. Boa parte
escolhida: tempo de estudo necessário, quantidade da amostra realizou pré-vestibular por mais de seis
de matérias a serem cumpridas, entre outras obriga- meses, sendo que a metade tentou ingressar ao curso
ções. Muitos estudos epidemiológicos de prevalência por mais de cinco vezes. Grande parcela dos universi-
realizados em vários países demonstraram situação tários relatou o período inicial como mais difícil, é o
preocupante quanto às taxas elevadas de sintomas momento de contato com conteúdo desconhecidos,
92 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95

o que resulta em uma alta exigência de desempenho entre estudantes da ciência médica, trocar noites de
por parte dos discentes. Alguns autores afirmam que descanso por horas de estudo em períodos de pro-
o período inicial é repleto de gatilhos para o desen- vas, avaliações acadêmicas que ocorrem com muita
volvimento de sintomas depressivos em decorrência frequência. O sono irregular dificulta os processos
do volume de informações que o aluno passa a re- mentais de pensamento e julgamento, o que resulta
ceber, assim como mudanças nos métodos de estu- em dificuldade concentração e tomada de decisões.
dos e carga horária exigida (Millan, Rossi, De Marco, Estas pontuações também podem estar correlacio-
1995), (Millan & Barbedo, 1988). Pode-se inferir nadas a cargas horárias semestrais extenuantes e
que os participantes deste estudo possuem um bom com a falta de tempo para lazer e relacionamento in-
desempenho acadêmico, tendo em vista que quase a terpessoal. A maioria dos pesquisados relataram es-
totalidade dos pesquisados não possuem matérias tarem solteiros, o que também pode explicar a gran-
pendentes e não tiveram que repetir algum perío- de quantidade de marcação para o item afastando ou
do, entretanto evidenciou-se a presença de diver- evitando pessoas. Já os pensamentos de autocrítica
sos sintomas depressivos. Um estudo realizado em podem estar associados à presença de sintomas ne-
2012 avaliou a qualidade de vida em estudantes de gativos como medo e insegurança (Vallilo, Junior,
medicina, no início e no final do curso evidenciou-se Gobbo, Novo, Hubner, 2011). Apesar dos baixos ní-
que a grande quantidade de informações, aumento veis de pensamentos suicidas, pensamentos recor-
da carga horária exigida de estudos diários e a mu- rentes de morte e planejamento suicida, tais fatores
dança no método de estudo, torna essa população não podem ser negligenciados, pois estes sintomas
mais propensa ao desenvolvimento do transtorno estão profundamente relacionados à depressão. Al-
depressivo (Alves, Tenório, Anjos, Figueroa, 2012). guns estudos indicam elevado risco de suicídio entre
A amostra composta em grande maioria por mulhe- os universitários em geral e, particularmente, entre
res apresentou alto índice de participação em alguma os estudantes de medicina (Ross, 1973). Diante dos
religião. Boa parte dos investigados reside na cidade resultados obtidos nesta pesquisa, percebe-se a ne-
em que estudam, sendo que mais da metade moram cessidade de acompanhamento psicológico destes
com a família. Uma revisão sistemática examinou acadêmicos, a fim de prevenir riscos e agravantes em
a depressão e características sociodemográficas em decorrência do adoecimento psíquico. As discussões
estudantes de medicina fora da América do Norte. sobre a saúde mental dos universitários estão pre-
Tal verificação culminou em uma variedade de taxas sentes nas instituições de medicina em grande parte
de depressão oscilando de 6,0 a 66,6% (Hope, Hen- dos estados do Brasil (Baldassin, 2010), (Abrão, Coe-
derson, 2014), em evidência altos níveis de depres- lho, Passos, 2008).
são em estudantes de medicina do sexo feminino e Houve unanimidade entre os universitários em
profundamente religiosos (Kunwar, Risal, 2016), relação a identificação com o curso, isto significa um
(Moutinho et al., 2017). O presente estudo verifi- alto grau de satisfação com a futura profissão, grande
cou que a maioria dos universitários reside na cidade envolvimento no processo de graduação e dedicação
em que estudam. A literatura que discorre sobre a ocasionando um bom rendimento acadêmico, redu-
relação entre amparo familiar e depressão, tem de- zindo os sintomas depressivos, inclusive as ideações
monstrado a importância do suporte obtido no meio suicidas. Quando não há satisfação com o que se faz,
familiar como fator de proteção contra a depressão pior é o rendimento do universitário e maior é o risco
(Lage, 2010). A maioria dos universitários infor- de desenvolvimento de sintomas de depressão (Jú-
mou nunca ter trabalhado. Para conseguir exercer nior, Silva, 2010). Estudos transversais tem como
atividade remunerada por intermédio da medicina é fator de limitação a impossibilidade de atribuição de
preciso finalizar o curso com seis anos de duração, e causalidade ou consequência às associações encontra-
no mínimo mais dois anos para especializar-se. Esse das, pois analisam desenlace e elucidação simultanea-
longo período pode gerar angústia e até depressão, mente. Entretanto, apresentam as direções nas quais
pois estes discentes por muitos anos ficam depen- os fatores prenunciadores se associam com o desfecho
dentes financeiramente de terceiros. Os itens mais estudado (Fiorotti, 2010). Os riscos em decorrência
pontuados referentes a alteração do sono, cansaço do acometimento da depressão são diversos, tratan-
ou perda de energia, dificuldades de concentração do-se de universitários é possível elencar dificuldades
e dificuldades para tomar decisões, podem estar in- nos relacionamentos interpessoais e até mesmo eva-
timamente relacionados, porque é prática comum são da graduação. Os currículos das universidades de
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.81 - 95 93

medicina destinam boa parte da carga horária para o Conclusão


desenvolvimento de práticas que colocam o universi-
tário em contato direto com pacientes, nessa perspec- Foi identificado maior prevalência dos sintomas
tiva é preciso estar bem para conseguir responder as depressivos: humor triste ou deprimido, dificuldade
demandas dos pacientes, o que não se concretiza em de concentração, cansaço ou perda de energia, pensa-
um processo de adoecimento. Os estados depressivos, mentos de autocrítica e evitação de contato interpes-
tanto por sua prevalência quanto pelas consequências soal. É de suma importância nesse contexto, oferta
que acarretam, têm marcante importância enquanto de apoio psicológico e psiquiátrico aos discentes em
problema de saúde pública, reforçando que a depres- todos os períodos do curso, objetivando propiciar
são tem uma alta associação com pior funcionamento subsídios para lidarem com situações de sofrimen-
social e qualidade de vida. As limitações em decorrên- to psíquico. Tais achados se constituem tanto como
cia do adoecimento, o sofrimento e seu custo social um diagnóstico situacional para que as instituições
alto constituem os maiores problemas e apenas parte de ensino superior promovam ações de prevenção e
das pessoas afetadas tem acesso a diagnóstico e trata- tratamento, assim como de estimulo para avalição
mentos adequados. Estudos de rastreios são impres- dos currículos atualmente em vigor nas faculdades
cindíveis para prevenção, tendo em vista que a partir de medicina, com intuito de possibilitar adaptações
do conjunto de sintomas identificados em determina- as reais necessidades da formação médica sem o
da população é possível intervir para que a patologia comprometimento da saúde física e psicológica dos
não se desenvolva. universitários.

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Recebido: 06.11.18 / Corrigido: 12.03.19 / Aprovado: 24.04.19


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Análise Bioecológica do Sobrepeso e da


Obesidade em Rodas de Conversa
Bioecological Analysis of Overweight and Obesity in Conversation Circles
Análisis bioecológico del sobrepeso y de la obesidad en ruedas de conversa

Ana Tereza Lopes Pecora1


Ana Claudia Nunes de Souza Wanderbroocke2
Maria Cristina Antunes3
Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba-PR, Brasil

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar os fatores envolvidos no sobrepeso e obesidade a partir de re-
latos de participantes de rodas de conversa realizadas em uma comunidade religiosa na cidade de Curitiba-PR a partir
do Modelo Bioecológico. Participaram oito mulheres entre 25 e 74 anos, de dez encontros semanais que foram transcri-
tos e submetidos à análise de conteúdo. As categorias de análise seguiram os quatro ambientes ecológicos propostos
por Bronfenbrenner: micro, meso, exo e macrossistemas. As subcategorias emergiram dos discursos das participantes.
Pode-se constatar a interdependência dos processos proximais e dos sistemas que compõe o ambiente ecológico. As-
pectos psicossociais, experiências de maus-tratos na infância, relações familiares conflituosas, falta de incentivo, de
credibilidade e preconceito nas relações familiares e sociais devido aos fracassos nas tentativas de emagrecer foram
citados. O modelo de análise proporcionou a oportunidade de discutir as influências das políticas públicas, de saúde e
de segurança. Além disso, as crenças religiosas, as influências da mídia, da sociedade de consumo e dos ideais de beleza
e estilo de vida também foram aspectos salientados. Discute-se a importância de um olhar integrador para os diversos
fatores presentes na questão, bem como da importância de se mobilizar a sociedade e buscar espaços alternativos para
orientar e apoiar a população em relação a esta problemática.

Palavras-chave: Obesidade, Modelo Bioecológico, Comunidade, Rodas de Conversa.

Abstract: This article aims to analyze factors involved in overweight and obesity, from reports of conversation circles
conducted in a religious community in the city of Curitiba-PR, based on the Bioecological Model. Eight women between
25 and 74 years of age took part on ten weekly meetings, which were transcribed and subjected to content analysis.
The categories of analysis followed four ecological environments proposed by Bronfenbrenner: micro, meso, exo and
macrosystems. The subcategories emerged from the speeches of the participants. The interdependence of proximal pro-
cesses and systems that make up the ecological environment was noticed. Psychosocial aspects of abuse experiences in
childhood, conflictual family relationships, lack of incentives, credibility and prejudice in family and social relationships
due to failures in attempts to lose weight were cited. The model of analysis provided the opportunity to discuss the
influences of public policies of health and security. Moreover, religious beliefs, media influences, the consumer society
and the ideals of beauty and lifestyle were also highlighted aspects. The importance of an integrative look at the various
factors in question is discussed, as well as the importance of mobilizing society and seeking alternative spaces to guide
and support the population in relation to this issue.

Keywords: Obesity, Bioecological Model, Community, Conversation Circles.

Resumen: El presente artículo tiene como objetivo analizar los factores involucrados en el sobrepeso y la obesidad a par-
tir de relatos de participantes de ruedas de conversa realizadas en una comunidad religiosa en la ciudad de Curitiba-PR
a partir del Modelo Bioecológico. Participaron ocho mujeres entre 25 y 74 años, se realizaron diez encuentros semanales
que fueron transcritos y sometidos al análisis de contenido. Las categorías de análisis siguieron los cuatro ambientes eco-
lógicos propuestos por Bronfenbrenner: micro, meso, exo y macrosistemas. Las sub categorías surgieron de los discursos
de las participantes. Se puede constatar la interdependencia de los procesos proximales y de los sistemas que componen
el ambiente ecológico. Los aspectos psicosociales, experiencias de maltrato en la infancia, relaciones familiares conflicti-
vas, falta de incentivo, credibilidad y prejuicio en las relaciones familiares y sociales debido a los fracasos en los intentos
de adelgazamiento fueron citados. El modelo de análisis proporcionó la oportunidad de discutir las influencias de las
1
Ana Tereza Lopes Pecora, ORCID 0000-0003-1310-1970, Enfermeira. Mestre em Psicologia, Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Curitiba-PR, Rua Sydnei Antônio
Rangel Santos, 238 - Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba, Paraná/Brasil. Email: anatereza@gmail.com
2
Ana Claudia Nunes de Souza Wanderbroocke, ORCID 0000-0002-2876-5326, Psicóloga. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UTP.  Rua
Sydnei Antônio Rangel Santos, 238 - Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba, Paraná/Brasil Email: ana.wanderbroocke@utp.br
3
Maria Cristina Antunes, ORCID 0000-0002-6767-518X, Docente do Mestrado em Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e pesquisadora NEPAIDS da
Universidade de São Paulo (USP), e-mail: mcrisantunes@uol.com.br, Endereço: Rua Sydnei Antônio Rangel Santos, 238 - Santo Inácio, CEP: 82010-330, Curitiba,
Paraná/Brasil
98 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.97 - 107

políticas públicas, de salud y de seguridad. Las creencias religiosas, las influencias de los medios, la sociedad de consumo
y los patroes de belleza y estilo de vida también fueron aspectos destacados. Se discute la importancia de una mirada
integradora para los diversos factores presentes en la cuestión, así como de la importancia de movilizar la sociedad y
buscar espacios alternativos para orientar y apoyar a la población en relación a esta problemática.

Palabras clave: Obesidad, Modelo Bioecológico, Comunidad, Ruedas de Conversa

Introdução oferecer apoio e orientação à população em relação ao


sobrepeso e à obesidade, é fundamental que se bus-
O sobrepeso e a obesidade são preocupações mun- que aportes teóricos capazes de dar conta da multi-
diais existentes há décadas, visto que estes problemas fatorialidade que envolve a problemática em questão
assolam os países considerados desenvolvidos, bem e de abarcar as múltiplas relações entre os diferentes
como vêm crescendo consideravelmente nos países em fatores envolvidos no processo de ganho e manuten-
desenvolvimento. No Brasil, esta questão é discutida ção de peso. Neste sentido, a presente pesquisa toma
desde os anos 50, mas foi somente nas duas últimas como base o modelo bioecológico, fundamentado na
décadas que começou a se mobilizar para lidar com os teoria de Urie Bronfenbrenner (1994), que analisa
fatores envolvidos nesta problemática. A World Health o processo de desenvolvimento individual como in-
Organization (WHO, 2000), define obesidade como um terdependente de uma relação complexa de sistemas
acúmulo de gordura no organismo e a considera uma ao abordar as relações homem/meio (Sarriera & Sa-
doença multifatorial causada pela interação de fatores forcada, 2014), pois considera-se que por meio deste
genéticos, metabólicos, endócrinos, nutricionais, psi- modelo pode-se identificar tanto os fatores de ordem
cossociais e culturais. Segundo o Guia Alimentar para a social quanto emocional envolvidos.
População Brasileira (Brasil, 2008) a obesidade e o so- Para Sarriera e Saforcada (2014), o modelo bioeco-
brepeso são mensurados pelo Índice de Massa Corpórea lógico tem como princípio fundamental o da interação
(IMC) que é calculado pela fórmula: IMC = peso/altura². contínua do homem com os diversos sistemas sociais
A WHO (2000) alerta que a obesidade é o principal com os quais se relaciona direta e indiretamente ao
risco para o aparecimento de outras doenças, como o longo de seu processo de desenvolvimento. Este mode-
diabetes e a hipertensão arterial, sendo que 50% da lo opõe-se, portanto, à visão da psicologia tradicional
população brasileira está com excesso de peso. Da- influenciada pelo positivismo. Segundo o mesmo au-
dos da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de tor, o modelo postula que o homem está em constante
Geografia e Estatística (IBGE, 2010) indicam que o mudança, evolução e otimização dos seus recursos pes-
excesso de peso dos brasileiros tem aumentado muito soais e do meio ambiente, ou ao contrário, de sua de-
nos últimos anos. Entre os homens saltou de 18,5% terioração. O contexto que possibilita estas mudanças
para 50,1% e entre as mulheres de 28,7% para 48%. pode ser compreendido a partir das estruturas físicas
Isto significa que metade dos homens brasileiros está e dos aspectos históricos, sociais e psicológicos que ca-
acima do peso. De acordo com o estudo, as classes racterizam a relação da pessoa com seu meio ambiente.
populacionais com nível de escolaridade e social mais O modelo bioecológico tem sido vastamente uti-
baixos, em torno de 40% da população brasileira, lizado para a compreensão de diversos fenômenos
são as mais suscetíveis à problemática devido à qua- complexos da saúde e do desenvolvimento humano
lidade da alimentação.O governo brasileiro lançou (Gaspar, Santos & Alcofarado, 2015; Luz, Silva &
mecanismos de prevenção e de orientação acerca do Demontigny, 2015; Costa, Nobre, Nobre & Valen-
sobrepeso e obesidade da população (Brasil, 2008). tini, 2014; Feijó, Schwartz, Muniz, Santos, Viegas
Porém, a preocupação com estes problemas não deve & Lima, 2012; Krebs, Ramalho, Santos, Nazario,
se restringir à esfera governamental, sendo que a so- Nobre & Almeida, 2011). Porém, ainda permanece
ciedade civil também precisa se envolver na busca de pouco utilizado para a compreensão do sobrepe-
soluções para a questão. Nesse sentido, as entidades so e da obesidade (Moraes & Dias, 2015; Barclay,
de classe, associações, Organizações Não Governa- 2010). O modelo é composto pela inter-relação de
mentais (ONGs) e a mídia se destacam ao promover quatro núcleos: Processo; Pessoa; Contexto e Tem-
meios para orientar a população sobre os riscos à po. O contexto, por sua vez, é composto por quatro
saúde envolvidos no ganho de peso, assim como ofe- níveis: microssistema, mesossistema, exossistema e
recem diferentes formas de suporte às pessoas que macrossistema, que representam o ambiente ecoló-
estão acima do peso ou são obesas. Para que se possa gico. Para Urie Bronfenbrenner (1996), o ambiente
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ecológico é concebido como uma série de estruturas de conteúdo, culturas e subculturas, sistemas de
uma dentro da outra, como o conjunto de bonecas crença e ideologias que sustentam as ligações en-
russas, com isto podemos compreender que eles são tre os subsistemas como as políticas públicas de
interdependentes e que se comunicam entre si, de- saúde, educação, economia, tradições e represen-
pendendo do contexto e tempo em que determinada tações sociais.
situação é vivenciada. O autor define os sistemas que Para Bhering e Sarkis (2009), o desenvolvimento
compõe o ambiente ecológico em quatro níveis: humano ocorre mediante processos gradativamente
1. Microssistema: que é um complexo de inter-re- mais complexos de interação entre um sujeito ati-
lações dentro do ambiente imediato, onde ocor- vo e as pessoas, ambientes e símbolos do ambiente
rem as interações face a face. Trata-se do con- imediato, denominados processos proximais. Para
texto vital no qual a pessoa está inserida, como o desenvolvimento ter efeito deve ocorrer de forma
família, igreja, escola, trabalho, posto de saúde, regular durante um período de tempo. Assim sen-
entre outros. O microssistema é um padrão de do, o desenvolvimento é o resultado entre um pro-
atividades, papéis e relações interpessoais vivi- cesso proximal, as características de uma pessoa,
dos pela pessoa em um dado ambiente com ca- o contexto imediato no qual ela vive, a quantidade
racterísticas físicas e materiais específicos. e a frequência de tempo na qual ela está exposta a
2. Mesossistema: é aquele que compreende a aná- um processo proximal específico e ao ambiente. O
lise das inter-relações entre dois ou mais ambien- importante deste modelo é que ele analisa todos os
tes dos quais o sujeito participa. O mesossistema aspectos e dimensões individuais da pessoa, ambien-
é uma série de inter-relações entre dois ou mais tes em que está inserida, além daqueles que ela não
sistemas em que a pessoa desenvolvente se torna frequenta, mas que podem lhe afetar. Com base no
participante ativa. Existem, porém quatro tipos exposto, esta pesquisa tem como objetivo analisar
de relações dentro do mesossistema: os fatores envolvidos no sobrepeso e na obesidade
• A participação multiambiente que é a forma a partir de relatos de participantes de rodas de con-
mais básica de interconexão entre os sistemas versa realizadas em uma comunidade religiosa na
e ocorre quando a mesma pessoa participa de cidade de Curitiba-PR à luz do modelo bioecológico.
atividades em mais de um ambiente; Parte-se do pressuposto de que as comunidades
• A ligação indireta que ocorre quando a pessoa religiosas, paralelamente ao sistema de saúde e ou-
não participa ativamente dos ambientes, mas tras instituições, também podem ser consideradas
a conexão é realizada através de uma terceira como um recurso, compondo a rede comunitária,
capaz de oferecer espaço para a discussão e reflexão
pessoa;
sobre temas relacionados à promoção de saúde, ape-
• A comunicação interambiente que são men-
sar de se entender que a maioria ainda não explora
sagens transmitidas de um ambiente para o
este potencial. Além disso, uma vez que oferecem
outro, podendo ser face a face, mensagens
apoio social, podem possibilitar uma maior adesão
escritas, telefone, anúncios ou indiretamente
aos programas de saúde (Lotufo, Lotufo e Martins
como por redes sociais; e
2009). Os dados apresentados neste estudo fazem
3. O conhecimento interambiente que se refere à
parte de uma pesquisa mais ampla que buscou anali-
informação ou experiência que existe em um sar os benefícios e limitações do uso de rodas de con-
ambiente a respeito do outro. Estas interações versa para mulheres com sobrepeso e obesidade de
podem ser feitas através da comunicação inte- uma comunidade religiosa do município de Curitiba.
rambiente ou fontes externas como livros e in-
ternet. Método
4. Exossistema: é aquele que consiste em um ou
mais ambientes que não envolvem a pessoa em de- Delineamento
senvolvimento como um participante ativo, como
o trabalho do pai ou marido, desempenho do filho Optou-se pela utilização de metodologia participa-
na escola, administração municipal de saúde. tiva, uma vez que permite a associação entre investi-
5. Macrossistema: é aquele que interliga e perpas- gação e intervenção. De acordo com Brandão e Borges
sa os sistemas de menor ordem (micro, meso e (2007), esta metodologia é utilizada quando se pre-
exo). Esse sistema refere-se às correspondências tende conhecer uma realidade social na perspectiva
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de seus integrantes. A relação entre investigador e informações sobre o funcionamento dos encontros
os participantes deve ser progressivamente converti- seguintes. No início dos demais encontros a pesqui-
da em uma relação horizontal, uma vez que se com- sadora realizava uma pequena introdução ou dinâmi-
preende que todas as culturas são fontes de saber. ca envolvendo diferentes aspectos contextuais, pes-
Desta forma, o conhecimento científico e o popular soais e relacionais como subsídios para a discussão
articulam-se criticamente e se tornam um conheci- subsequente dos fatores envolvendo o sobrepeso e a
mento novo e transformador, uma vez que se parte obesidade. Vale ressaltar que esta introdução tinha
do pressuposto de que o processo e os resultados da a finalidade de aquecer o grupo para a participação,
pesquisa interferem nas práticas sociais, podendo ge- mas o direcionamento da discussão era dado pelas
rar transformações. Para fins de coleta de dados foi integrantes. A duração média das rodas de conversa
utilizado rodas de conversa que, segundo Afonso e foi de uma hora e quinze minutos e a média de parti-
Abade (2008), são metodologias participativas e seu cipação foi de cinco integrantes. Os encontros foram
fundamento metodológico se alicerça nas oficinas de gravados em áudio e posteriormente transcritos.
intervenção psicossocial e têm por objetivo a consti- A pesquisa seguiu as recomendações éticas conti-
tuição de um espaço onde seus participantes refletem das da Resolução n. 466 (Brasil, 2012) tendo o proje-
acerca do cotidiano, ou seja, de sua relação com o to sido aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa,
mundo, com o trabalho e com o projeto de vida. sob parecer número 21908713.7.0000.0103. Os no-
mes das participantes apresentados neste estudo são
Participantes e local
fictícios, a fim de assegurar o anonimato das mesmas.
O estudo foi realizado em uma comunidade re- Análise dos dados
ligiosa em Curitiba-PR, no qual oito mulheres com
idade entre 25 e 74 anos, participaram de 10 encon- O teor das narrativas foi submetido à análise de
tros semanais, desenvolvidos no formato de rodas de conteúdo, seguindo as três etapas propostas por Bar-
conversa versando sobre os temas sobrepeso e obesi- din (2011). Na etapa pré-analítica foi determinada a
dade. Quanto ao peso, uma participante apresentava forma de categorização, na qual os quatro sistemas
IMC normal, cinco apresentavam sobrepeso, uma integrantes do ambiente ecológico (microssistema,
obesidade I e uma obesidade severa. A participan- mesossistema, exossistema e macrossistema) foram
te com IMC normal já apresentara sobrepeso e no tomados como categorias de análise. Na etapa de
momento da pesquisa enfrentava dificuldades com exploração do material, realizou-se a transformação
a alimentação das filhas e do marido. Apenas uma dos dados brutos no intuito de organizá-los em torno
das participantes era solteira e tinham tinha renda das categorias elencadas a priori, a fim de favorecer a
média familiar de cinco mil reais. compreensão dos dados. A terceira etapa consistiu
no tratamento dos resultados obtidos e sua interpre-
Procedimentos
tação, de forma a dialogar com a literatura da área da
Inicialmente a proposta foi apresentada à pastora saúde, dando base à discussão dos mesmos.
titular e em seguida, divulgada entre os membros da A partir das categorias de análise propostas a prio-
comunidade durante as seções informativas nos cul- ri, e seguindo os sistemas integrantes do ambiente
tos religiosos, a fim de encontrar membros interes- ecológico, foram elencadas as subcategorias prove-
sados na participação voluntária. Não foi estipulado nientes das narrativas das participantes, como segue:
nenhum critério de seleção para a participação nas 1. Microssistema: emoções associadas à comida, fal-
rodas, seguindo a tradição da comunidade religiosa ta de apoio familiar, restrição alimentar na infân-
em questão, onde os grupos são sempre abertos a to- cia e relações abusivas de familiares na infância.
das as pessoas que tenham interesse. Os encontros 2. Mesossistema: vida social, julgamento da so-
ocorreram às quartas-feiras à tarde, no período de ciedade relacionado à obesidade, religiosidade,
outubro a dezembro de 2014. No primeiro encontro contribuições da comunidade para o enfrenta-
foi exposto às participantes os objetivos da pesquisa mento da obesidade.
e obtida a assinatura do Termo de Consentimento Li- 3. Exossistema: sistema de saúde, políticas locais
vre e Esclarecido. Em seguida responderam um ques- de segurança pública, políticas locais de alimen-
tionário com questões sociodemográficas. E, ainda, tação saudável.
neste primeiro momento, as participantes receberam 4. Macrossistema: mídia, fastfoods, crenças e valores.
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Resultados e Discussão o sujeito sendo transformado através do tempo e do


ambiente, sendo ambos ativos e interdependentes.
Microssistema “Além de tudo tem a questão do meu marido e filhos que
estão sempre me cobrando, sabe” (Gisele).
Trata-se do ambiente mais imediato, onde as re- Outra participante também se manifestou a res-
lações interpessoais são vivenciadas face a face. Du- peito:
rante os encontros as participantes fizeram menção Lá em casa quando começa a história, não vou
a emoções resultantes de interações com pessoas comer desse pão, daí os homens, “o que, tá de dieta?
significativas que as fizeram recorrer ao consumo Quero ver até quando que você vai conseguir? ”
de alimentos para tentar aliviar ou modificar aque- Gente, pronto acabou, não é? Acabou ... daí até
las consideradas negativas. De acordo com o mode- uma vez eu falei pro meu marido porque daí nem
lo bioecológico a qualidade dos processos proximais era eu, era as meninas que estavam fazendo, eu
falei ‘não fale isso pra elas porque você desmotiva
influencia as emoções e sentimentos percebidos na completamente’ (Ester).
relação. Bronfenbrenner (1994), em estudo realiza-
do com crianças, coloca que as pessoas se desenvol- As queixas apresentadas pelas participantes cos-
vem por meio de processos progressivamente mais tumam ser discutidas por profissionais como Ro-
complexos envolvendo aspectos biopsicológicos em drigues e Boog (2006), que indicam que a dinâmica
relação ao ambiente imediato. familiar assume papel considerável na mudança das
A fala da participante Ester ilustra o exposto: práticas alimentares, para o controle ou tratamento
da obesidade. Quando se tem um membro da família
comendo assim a gente não precisa confrontar
a verdade, externar. Eu acho que é em relação a com problema de peso, a família toda precisa aderir
isso, a depressão, a frustrações, contrariedades, a uma alimentação mais balanceada para incentivar
ansiedades, o próprio nervosismo .... é tanta a pessoa a alcançar o seu objetivo, pois do contrá-
coisa pra você resolver, como hoje aqui no culto rio aumentam os riscos de insucesso. Quando as
que a pessoa teve que sair por causa de uma relações familiares passadas foram discutidas nas
conta, fica mais fácil você engolir tudo. Fica
rodas de conversa, uma das questões que ficaram
mais fácil comer um chocolate do que engolir
o sapo. salientes foi justamente a experiência de privação
alimentar. “Não é que a gente não tinha o que comer,
Pesquisas da área da saúde confirmam o exposto, mas era tudo fracionado, às vezes a gente queria iogurte,
como Barclay (2010) em pesquisa realizada com pes- essas coisas de criança e não tinha (Ester)” ou ainda:
soas que sofrem de distúrbios alimentares, utilizan- “A gente não tinha o que comer. Não, não é que a gen-
do a teoria de Bronfenbrenner (1996), diz que du- te não tinha, a gente até tinha, só que o meu pai bebia
rante o desenvolvimento as pessoas adotam algumas muito e daí ele chegava em casa e jogava tudo no chão,
atitudes com relação à comida e como esta pode ser era horrível (Marta)”. Para Sobal e Stunkard (1989),
usada para que as mesmas se sintam melhor emo- há uma relação inversa entre a obesidade e o nível
cionalmente. Da mesma forma, Ferreira e Magalhães socioeconômico em mulheres, sendo que diversas
(2006), em estudo realizado sobre a obesidade com variáveis podem medir a influência das atitudes que
moradoras de uma favela no Brasil, apontam que o resultam na obesidade, como restrição dietética. Em
alimento serve de conforto para alívio dos dilemas estudo realizado em favelas no Brasil encontrou-se
diários, angústias, perdas, tensões, responsabilidade relação direta entre a obesidade e o baixo nível so-
com a casa e filhos. A pressão exercida por familia- cioeconômico, vivenciados pelos grupos com maior
res para que as participantes iniciassem uma dieta vulnerabilidade social (Ferreira & Magalhães, 2006).
ou, por outro lado, a descrença dos mesmos na ca- A privação alimentar presente na lembrança de três
pacidade destas mulheres iniciarem o tratamento, das participantes esteve, em alguns casos, associada
devido aos fracassos anteriores, foi tema de relatos com a vivência de abusos e maus-tratos na infância.
de frustração. Desta maneira, a atitude dos familia- O relato de Talita ilustra este dado:
res foi compreendida como falta de compreensão e
Assim, eu também cresci sob muita pressão
apoio, levando-as a aumentar a ingestão de alimen- sabe, então assim, até me contam que quando
tos. Sarriera e Saforcada (2014), com base no modelo [pausa] tá até relacionada com a comida, você
bioecológico, avaliam a importância tanto do sujeito vê que coisa, né? Então assim, eu era pequena
como protagonista da mudança no ambiente, como minha mãe me penteava, me arrumava, me
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botava vestido, me botava no sofá com um pano Mesossistema


na perna, disse que eu era um toco, minhas tias
contam assim, e disse que minha tia chegava O mesossistema, enquanto conjunto de micros-
a chorar, porque disse que eu comia assim sistemas nos quais a pessoa participa diretamente,
tremendo pra não derrubar, porque minha
constitui a comunidade e suas mútuas influências
mãe tava com o chinelão do lado já, porque se
derrubasse, né... Então assim apanhei muito, como: grupo de amigos, escola, igreja, entre outros.
cresci muito assim na pressão mesmo sabe. Desta forma, o padrão de alimentação de uma pessoa
e de uma família também pode ser influenciado pelos
Em outras situações, três participantes trou- padrões da comunidade em que se inserem. Em um
xeram lembranças de viverem em lares violentos. dos encontros, as participantes discorreram sobre o
Mesmo não sendo a vítima direta dos maus tratos, o fim de semana e evidenciaram que a vida social foi
relato de Gisele ilustra o quanto foi afetada por pre- um desencadeante para a ingesta excessiva de comi-
senciar cenas de violência doméstica. da, como revela a fala de Isabel: “domingo por questão
eu vim de um lar destruído, porque meu pai de felicidade, emoção, alegria, nós estávamos com nossos
e minha mãe se agrediam o tempo todo, meu amigos, num aniversário abusei tudo que podia.”; e de
pai batia demais nela, meu pai era alcóolatra... Gisele: “fui num aniversário domingo e me acabei, en-
meu pai judiou muito da minha mãe, muito
fiei o pé na jaca, comi muito salgadinho, muito docinho,
muito mas não judiou da gente. Então eu
amo muito o meu pai mas não consigo amar refrigerante.”
a minha mãe da mesma forma sabe, e isso às Este dado está em consonância com Barclay
vezes me incomoda um pouco porque eu sinto (2010) que aponta que a comida está associada a
assim que ela é culpada. Outra coisa que me formas de interação social entre culturas e relaciona-
incomoda demais, ela fazia sexo com ele depois mentos, sendo que o ambiente social colabora para o
de apanhar muito, sabe, eu ia pra escola, ela
ficava sangrando ali, daí quando eu voltava eles desenvolvimento da obesidade. No mesmo sentido,
estavam ali fazendo sexo, sabe eu tenho nojo em um estudo com pacientes em um ambulatório de
daquilo, de me lembrar daquilo. nutrição, Costa, Gabriel, Costa, Gonçalves, Oliveira,
Asciutti (2012) descrevem que os aspectos sociais
Polonia, Dessen e Silva (2005) descrevem a partir
possuem um papel importante tanto na incidência
do modelo bioecológico, a relação de interdependên-
da obesidade como também no seu tratamento, es-
cia entre os membros de uma família, e ao discor-
timulando o indivíduo a hábitos errôneos como ali-
rerem sobre os efeitos de segunda ordem, explicam
mentação hipercalórica e de fácil acesso.
como uma terceira pessoa exerce influência sobre
Neste mesmo sentido, Kremers, Bruijn, Visscher,
uma díade. Na situação relatada pela participante
Mechelen, Vries & Brug (2006), em estudo realiza-
acima, observa-se o quanto a relação da filha com a
do sobre ambientes que influenciam a obesidade,
mãe foi afetada em função da relação parental. Au-
apontam que existem ambientes obesogênicos, os
tores da área da saúde têm indicado a relação entre
obesidade e violência familiar, como o estudo reali- quais podem influenciar direta ou indiretamente o
zado sobre a influência dos antecedentes familiares comportamento da dieta. A inter-relação entre os di-
em pessoas com compulsão alimentar (Pike, Wilfley, ferentes contextos nos quais as pessoas participam,
Hilbert, Fairburn, Dohm, & StriegeL-Moore, 2006). além de influenciar no padrão alimentar, pode tam-
Os autores dizem que as relações familiares são de bém ser notado por meio do julgamento de si e do
grande importância para o desencadeamento de outro, presentes nas relações sociais. A participante
problemas alimentares e que o risco aumenta quan- Talita comentou que um dos seus grandes proble-
do essas relações são de agressão, experiências com mas é a relação que as pessoas fazem do sobrepeso
abusos de um dos pais com problemas de alcoolis- do filho com o seu. Acredita que as pessoas pensam
mo e drogas. Felitti, Anda, Nordenberg, Williamson, que os filhos estão fora do peso porque ela também
Spitz, Edwards, Marks (1998), da mesma forma, afir- está, o que a incomoda: “Pra mim a questão assim de
mam que adultos que vieram de lares disfuncionais, associarem o meu filho à minha imagem sabe? O fato de
sofreram abusos, problemas com álcool e drogas de eu estar fora do peso, então ele também, né? E na escola
um dos pais, possuem maior risco para apresentarem também, ele acaba sofrendo bastante as consequências
doenças, entre as quais: problemas cardíacos, uso de na escola”.
álcool e drogas, tabagismo, depressão, inatividade fí- O comentário de Talita teve ressonância em Ester
sica e obesidade. que, por sua vez, complementou:
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essa coisa tipo assim do sucesso dos meus filhos fator de significância e ordenação da vida, sendo os
estão intimamente relacionados com a minha problemas de saúde que mais aproximam a pessoa
identidade como mãe. Tipo você é uma mãe da religião. Dessa forma os líderes de comunidades
que não cuida, uma mãe que é desleixada, é
religiosas precisam estar atentos para o papel que
relaxada, você entende? Por isso que eu estou
te perguntando isso. estes espaços podem desempenhar na saúde de seus
membros e buscar maneira de potencializá-los. Ou-
Ester pergunta à Talita se ela acha que o sucesso tra vantagem das relações mesossistêmicas foi que
dos filhos está relacionado com a identidade dela en- a participação nas rodas de conversa proporcionou
quanto mãe: às participantes comunicações interambientes, ou
Porque eu tive uma dificuldade com os meus seja, uma participante pode informar a outra sobre
filhos, ah não vou estudar, a (um dos filhos de atividades desenvolvidas em outro contexto, garan-
Ester) reprovei, ah meu Deus eu sou a pior mãe tindo a quem recebeu a informação conhecimento
do mundo, eu que não cuido eu que não cobro a interambiente (Bronfenbrenner, 1996). Na seguinte
lição, eu que não faço. narrativa, Maria, a única que fazia atividade física,
O mal-estar presente nas narrativas de Talita e comenta sobre sua participação em grupos da ter-
ceira idade oferecidos pelo seu plano de saúde: “Lá
Ester evidencia o quanto as mulheres ainda são mais
é muito bom mesmo, eles dão camiseta, agasalho, hoje
responsabilizadas pelos problemas de saúde na famí-
foi o último dia, então a gente almoçou uma comida bem
lia. Campos e Teixeira (2010) argumentam que ape-
leve e pagamos o almoço do professor, foi muito bom
sar da variedade de experiências familiares, continua
mesmo”. Neste caso, Maria oferece uma opção de en-
de responsabilidade da mulher a educação e criação
frentamento para as outras participantes.
dos filhos. Pode-se ver pela narrativa de Ester e Talita
Faz-se interessante notar que Bronfenbrenner
que elas se sentem como as únicas responsáveis pela
(1996) diz que as formas de vinculação e comuni-
educação e saúde dos filhos. No relato destas parti-
cação e disponibilidade de conhecimentos são o que
cipantes também se relaciona o que Bronfenbrenner
“definem as propriedades ótimas de um mesossis-
(1996) denominou relações mesossistêmicas indire-
tema da perspectiva do desenvolvimento humano,
tas, ou seja, mesmo não participando ativamente do
constituem também as condições ótimas para os
microssistema representado pela escola dos filhos,
exossistemas” (p. 184), aspecto que será abordado
acabam sendo influenciadas por ele. Desta forma,
na categoria a seguir.
se percebe que é no contexto mesossistêmico que as
pessoas estão mais propensas a sofrer com discri- Exossistema
minações e preconceitos sociais. As relações entre
os ambientes não só desenvolvem vulnerabilidades, Para Bronfenbrenner (1996) o exossitema con-
mas podem ser facilitadoras e fortalecedoras para siste na relação entre um ambiente no qual a pessoa
aqueles que as vivenciam. Bronfenbrenner (1996) não é participante ativa, porém neste ambiente ocor-
coloca que um ambiente favorece o desenvolvimento rem eventos que a afetarão.
e o fortalecimento individual quanto mais vínculos As consultas médicas do marido de Talita exem-
apoiadores for capaz de gerar, possibilitando a for- plificam:
mação e manutenção de díades que se envolvem em Meu marido foi ao médico, ele está acima do
atividades conjuntas. A participante Ester conside- peso, e o médico disse: ‘tenho certeza que toda
rou que a igreja, ao abrir espaço para as rodas de con- a tua família está fora do peso, pois se o pai que
versa, oferece incentivo para lidar com a questão do é o exemplo e o líder da família está fora do
peso, toda a família está também.’ Isso mexeu
sobrepeso e obesidade, ao proporcionar um ambien-
muito comigo.
te que acolhe e discute problemas de saúde:
“Eu acho que a igreja já está sendo colocada assim De acordo ao modelo ecológico-contextual, perce-
de uma forma ao contrário (ao contrário dos outros am- be-se que a relação é caracterizada por uma sequên-
bientes), ela é uma incentivadora, tanto do sentido pes- cia causal, a ida do marido ao médico. Esta sequência
soal, motivacional”. causal envolve duas etapas: a primeira conectando
De acordo com Dalgalarrondo (2008), existe en- eventos no ambiente externo aos processos que es-
tre as ciências sociais, filosofia e psicologia social, tão ocorrendo em um microssistema e a segunda, as
um consenso sobre que a religião é um importante mudanças numa pessoa dentro daquele ambiente.
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Outro aspecto do exossistema identificado nas nar- o que eu fiz quando eu ia comer alguma coisa assim, que
rativas das participantes estava relacionado às políti- eu olhava na geladeira e que eu não podia comer, ‘meu
cas de segurança da cidade, pois o medo de sair para Deus’ eu pensava assim, ‘eu vou trair o Senhor, eu não
fazer caminhadas em parques ou praças próximos a quero’ eu me sentia constrangida.”
residência, foi apontado como motivo para deixar de De acordo com a crença cristã, Deus pode ser
fazer exercícios físicos, como dito por Ester: visto como um ser onipresente, capaz de tudo ver e
“Eu gosto bastante de caminhar, mas aqui pelo bairro saber e, portanto, de estar olhando para as suas fra-
não dá para fazer muito cedo porque tenho medo, se o quezas, como a de não conseguir controlar a vontade
meu marido fosse junto até daria, mas não é sempre que de comer.
ele pode”. Ainda relacionado à crença religiosa, uma das par-
Sarriera & Saforcada (2014) esclarecem que nem ticipantes descreve a sua mudança de compreensão
sempre as pessoas participam das instituições po- em relação a sua incapacidade de se controlar diante
líticas, mas sofrem indiretamente a sua influência. da comida e a sua religiosidade. Mesmo desejando
Além disto, quando as pessoas não participam dos conseguir desenvolver o autocontrole, uma das par-
ambientes de poder, diminuem as chances de in- ticipantes relatou que antes associava o seu proble-
fluenciar na destinação de recursos e nas tomadas de ma a uma fraqueza pessoal, algo de um ser pequeno e
decisões relacionadas às necessidades do mesossiste- que, portanto, não deveria recorrer a seu Deus como
ma em que está inserida. uma forma de enfrentamento. Gisele: “Eu acho que
Neste mesmo sentido, foi interessante notar que agora eu consigo ver que Deus não opera só em coisas
em nenhum momento as participantes fizeram men- enormes, não é por aí, age nas pequeninhas também”.
ção a programas voltados para incentivar a alimenta- Neste sentido, Vasconcelos (2009) reflete que a
ção saudável e/ou controle do sobrepeso e obesida- crise existencial trazida pela doença leva a pessoa e
de. Sabe-se que desenvolver programas de promoção seu grupo social ao questionamento de suas vidas,
e prevenção à saúde nem sempre é o interesse prin- questionamentos cheios de emoções em que ele-
mentos da subjetividade participam intensamente,
cipal das empresas privadas e por outro lado, pode-
podendo resultar em grandes transformações posi-
se supor que pelo fato de as participantes pertence-
tivas ou em grandes catástrofes pessoais e familia-
rem à classe social média ou média alta, não faziam
res. A presença da dimensão espiritual nas práticas
uso das unidades públicas de saúde. Desta forma,
educativas em saúde pode contribuir para lidar com
também não se beneficiavam das iniciativas gover-
as questões existenciais emergentes. Segundo Vas-
namentais hoje existentes nas unidades básicas de
concelos (2009) em artigo sobre religiosidade diz que
saúde vinculadas à Política Nacional de Alimentação
as pessoas com maior vivência espiritual/religiosa
e Nutrição (Brasil, 2004).
têm maior capacidade em lidar com o estresse e nor-
Macrossistema malmente cooperam mais com o tratamento. Outro
aspecto macrossistêmico presente nas rodas de con-
O macrossistema engloba os sistemas institucio- versa foi a influência da mídia, uma vez que as veicu-
nais, envolvidos em valores, crenças e conhecimento lações transmitem conteúdos ideológicos e de valor
produzidos, recursos materiais existentes, costumes quanto ao que se considera estilo de vida saudável
e estilo de vida de uma determinada sociedade. Ma- e hábitos socialmente aprovados. Foram citados vá-
nifestam-se concretamente por meio dos demais sis- rios programas de grandes redes de televisão sobre
temas (micro, meso, exo) e de acordo com Polonia e dietas, emagrecimento, importância da atividade fí-
Senna (2005) estão carregados de informação e ideo- sica, entre outros. Porém o que se pode constatar por
logias que implícita ou explicitamente, atribuem sig- meio das narrativas das participantes foi que estes
nificado e geram motivação a determinadas agências programas proporcionaram menos incentivos e mais
e redes sociais, determinando papéis e atividades. frustração, pois as informações e recursos destinados
Conteúdos relacionados à crença religiosa das parti- ao emagrecimento nem sempre eram acessíveis. En-
cipantes e de como esta direciona sentimentos e con- tende-se que os programas destinados ao público em
dutas em relação ao sobrepeso e obesidade, foram geral desconsideram as particularidades do cotidiano
manifestados durante as rodas de conversa. Marta das pessoas, como ocupação com os filhos, trabalho,
citou que se sentia traindo a Deus quando abria a ge- casa, entre outros, colocando a culpa do ‘ser gordo’
ladeira para comer algo que não lhe faria bem. “Sabe somente na pessoa, desconsiderando o ambiente no
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qual está inserida. Algumas falas ilustram o exposto: gente chegou na praça de alimentação, a coisa meio
“Que nem nós comentamos lá, o negócio do programa de que fechando, sabe, fim de feira. Cheguei e falei assim,
emagrecimento dos famosos na televisão, né, tipo, com ‘vou pegar uma fatia de pizza’, meu filho mais novo
disse: ‘mãe eu quero comer frango frito e batatinha’,
‘aquele personal trainer’ do teu lado até eu. (risos)” (Es-
pensei: ‘ele não vai comer inteira, eu como com ele’.
ter). Ou ainda: “Vá ter um personal, vá compra tudo Cheguei no lugar assim aquela coisa horrorosa, fim
light, nutricionista, cozinheira, né” (Gisele). de noite, aquela praça meio que fechando, aquele
Vasconcelos, Suodo e Suodo (2004), ao analisa- cheiro de gordura que começaram a limpar o negócio.
rem a mídia impressa, descrevem que, se encontra A gente voltou pra casa assim, eu voltei muito ruim
no sujeito que apresenta um corpo denominado de sabe, gente parece assim que é pra mostrar o tanto
gordo, a questão do mal-estar subjetivo. Esse corpo que você faz mal pro teu corpo, pra tua vida, a casa
inteira passando mal de comer frango frito de final
está associado a um imaginário social próprio que
de shopping, dez horas da noite” (Talita).
ao ser divulgado pela mídia, faz entrever um corpo
impregnado de preconceitos, discriminações e estig-
mas, por representar, na sociedade contemporânea, Considerações Finais
tanto um caráter pejorativo de uma falência moral
O presente artigo visou analisar os fatores psi-
quanto um corpo com falta de saúde. O gordo ao vio-
cossociais envolvidos no sobrepeso e na obesidade a
lar a norma social vigente, torna-se um paradigma
partir da narrativa de mulheres que se propuseram a
estético negativo.
participar de rodas de conversa sobre esta temática
Da mesma forma, Bourdieu (1998) analisa que a
em uma comunidade religiosa na cidade de Curiti-
mídia televisiva é um espaço social estruturado, um
campo de forças onde há dominados e dominantes, ba-PR. O modelo bioecológico, baseado na teoria de
em relação de desigualdade, onde os acontecimentos Bronfrenbrenner, utilizado como guia para a análise
são relacionados a partir do sensacional. A TV, para o dos dados, possibilitou um olhar integrador para os
autor, põe em cena as imagens e exagera a importân- diversos fatores psicossociais presentes na questão.
cia do fato, adquirindo um sentido que nem sempre Pelo relato das participantes, pode-se constatar a
corresponde ao da realidade vivida pelo telespectador. interdependência dos processos proximais e dos sis-
A influência por um estilo de vida saudável asso- temas que compõe o ambiente ecológico das parti-
ciado à prática de exercícios físicos também se fez cipantes. Nesse sentido, os aspectos psicossociais,
presente nas narrativas das participantes: “Agora experiências de maus-tratos na infância, relações fa-
todo mundo corre. Tá na moda. Eu ainda não corro” (Ta- miliares conflituosas, falta de incentivo, de credibili-
lita) e Gisele: “Eu conheço uma pessoa que tá magérri- dade e preconceito nas relações familiares e sociais
ma, só correndo”. devido aos fracassos nas tentativas de emagrecer
Concomitante ao ideal de magreza e estilo de vida foram citados. O modelo de análise proporcionou a
saudável, a sociedade na atualidade coloca um para- oportunidade de discutir as influências das políti-
doxo ao esperar de seus integrantes um ritmo cada cas públicas, de saúde e de segurança. Além disso, as
vez maior de produção e consumo. Desta forma, os crenças religiosas, as influências da mídia, da socie-
fast foods também são oferecidos como opção de agi- dade de consumo e dos ideais de beleza e estilo de
lidade, economia de tempo e envoltos em propagan- vida também foram aspectos salientados.
das atrativas. De acordo com Barclay (2010) a indús- A análise através do modelo ecológico-contextual
tria alimentícia manipula seus ingredientes e investe possibilitou compreender melhor o problema do so-
no marketing de alimentação saudável para obterem brepeso e obesidade por nos trazer as informações
mais lucros e passar para a população a imagem de das principais influências sofridas por este grupo
saúde e bem-estar. Costa et al. (2012) também apon- para o desenvolvimento desta doença tão presente
ta para o fato de que o desenvolvimento industrial na vida atual.
influenciou no ganho de peso da população, por ofe- Com isto, pretende-se chamar a atenção para
recer refeições rápidas e altamente calóricas, geral- a complexidade da problemática envolvendo o so-
mente associadas ao entretenimento passivo. brepeso e a obesidade e apontar para a necessida-
de de ações que atendam a diversidade de aspectos
Ontem foi bem legal uma coisa que aconteceu, quer
dizer bem horrível, uma coisa que aconteceu, eu não envolvidos e não apenas culpem a pessoa quando
almocei, sabe. Daí eu tinha que ir pro shopping de não consegue dar conta de se manter no peso ideal.
noite comprar um presente e nove e meia da noite a Apesar de a obesidade ser discutida principalmente
106 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.97 - 107

como problema de saúde, pois se materializa no cor- profissionais de saúde podem ser envolvidos, pois
po obeso, os dados aqui discutidos apontam para a quanto mais informação, mais esclarecimentos e
necessidade de envolvimento de toda a sociedade no mais interação entre as pessoas de uma mesma co-
enfrentamento da situação. munidade mais fácil a conscientização sobre o as-
Outro aspecto psicossocial que se considera im- sunto. A opção pelas rodas de conversa mostrou-se
portante ressaltar é a importância das comunidades adequada na medida em que proporcionou condi-
religiosas proporcionarem abertura para a discussão ções de diálogo e de proximidade entre as partici-
de temas relacionados à saúde, pois como foi colo- pantes, facilitando a expressão de sentimentos e
cado anteriormente, faz-se necessário que os esfor- momentos de reflexão sobre a experiência de si e
ços sejam somados quando se lida com questões tão do outro. Entende-se que a presente pesquisa não
complexas como o sobrepeso e a obesidade. esgota o tema em estudo e que se limitou a uma
Este debate sobre o sobrepeso e obesidade pode comunidade. Sendo assim, sugere-se que pesquisa-
ser feito em qualquer espaço comunitário como dores possam dar continuar à busca de novas meto-
locais de trabalho, nas salas de espera das unida- dologias de pesquisa participativa que contribuam
des de saúde e hospitais, ambulatórios, sedes de para o aprofundamento da compreensão da proble-
associações de bairros, entre outros. As discussões mática e que possibilitem ações transformadoras
sobre o assunto são infinitas, sendo que todos os para os participantes.

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Recebido: 13.08.18 / Corrigido: 22.01.19 / Aprovado: 28.03.19


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Avaliação psicológica pré-cirurgia


bariátrica: a experiência dos pacientes
Psychological evaluation pre-bariatric surgery: the patient’s experience
Evaluación psicológica pre-cirugía bariátrica: la experiencia de los pacientes
Bianca Oliveira Joaquim1
Juliane Angelina Bassetto2
Mariana Pagano Castro3
Gislei Mocelin Polli4

Resumo: Pessoas que tentam diversos métodos para emagrecer sem êxito, muitas vezes optam por realizar a cirurgia
bariátrica. Geralmente apresentam algum tipo de sofrimento e, em vista disso, é necessária uma avaliação psicológica
pré-cirurgia bariátrica. O objetivo deste estudo foi identificar as experiências dos pacientes sobre essa avaliação psico-
lógica feita anteriormente à cirurgia. Foram entrevistadas 12 pessoas, sendo cinco pacientes do SUS e sete pacientes de
planos de saúde. Os dados foram analisados por análise temática categorial. A maior parte dos participantes considerou
a avaliação psicológica pré-cirurgia bariátrica importante. Alguns relataram a falta de acompanhamento mais frequente
no pré-operatório, já que não existe um número mínimo de sessões regulamentadas. Os relatos dos participantes indi-
cam a importância de uma legislação que orientasse planos de saúde e o próprio SUS a terem uma quantidade mínima
de sessões psicológicas no pré e no pós-operatório, bem como o desenvolvimento de um protocolo para esta avaliação.

Palavras-chave: cirurgia bariátrica; avaliação psicológica; pré-operatório.

Abstract: People who try various methods to lose weight and fail end up choosing to do the bariatric surgery. Usually
they present some kind of suffering and, because of this, a psychological evaluation pre-bariatric surgery is necessary.
The target of the study was to identify the patient’s experiences about this psychological evaluation made before the
surgery. Twelve people were interviewed: five patients from SUS (Unified Health System) and seven patients from heal-
th care insurance. The data were analyzed by theme/category-based content analysis. A large number of participants
considered the pre-operative bariatric psychological evaluation important. Some of them reported the lack of a more
frequent preoperative monitoring, since there is no minimum number of standardized sessions. The participants’ reports
indicate the importance of a legislation that would guide health care and the SUS itself to have a minimum amount of
psychological sessions in the preoperative and in the postoperative periods, as well as the development of a protocol for
this evaluation.

Key words: bariatric surgery; psychological evaluation; preoperative.

Resumen: Las personas que tratan a través de diversos métodos para adelgazar sin éxito, a menudo optan por realizar
la cirugía bariátrica. Generalmente presentan algún tipo de sufrimiento y, en vista de ello, es necesaria una evaluación
psicológica pre-cirugía bariátrica. El objetivo de este estudio fue identificar las experiencias de los pacientes sobre esa
evaluación psicológica realizada previamente a la cirugía. Se entrevistaron a 12 personas, siendo cinco pacientes del
Sistema Único de Salud (SUS) y siete pacientes de Seguros médicos. Los datos fueron analizados por análisis temático de
categoría. La mayoría de los participantes consideró la evaluación psicológica pre-cirugía bariátrica importante. Algunos
relataron la falta de seguimiento más frecuente en el preoperatorio, ya que no existe un número mínimo de sesiones
reguladas. Los relatos de los participantes indican la importancia de una legislación que oriente a seguros médicos y el
propio SUS a tener una cantidad mínima de sesiones psicológicas en el pre y en el postoperatorio, así como el desarrollo
de un protocolo para esta evaluación.

Palabras clave: cirugía bariátrica; evaluación psicológica; antes de la operación.

1
Bianca Oliveira Joaquim, ORCID 0000-0002-7571-8901, Psicóloga - Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba - biancah_oliveira@hotmail.com
2
Juliane Angelina Bassetto, ORCID 0000-0003-4020-529X, -Psicóloga - Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba - julianebassetto@hotmail.com
3
Mariana Pagano Castro, ORCID 0000-0001-8792-3083, -Psicóloga - Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba - paganomariana@hotmail.com
4
Gislei Mocelin Polli, ORCID  0000-0001-7254-7441, – Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina – Professora Adjunta na Universidade
Tuiuti do Paraná, Curitiba – gismocelin@gmail.com – (41) 98778-7759
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Introdução habilitado por lei para realizar esta tarefa. A avalia-


ção psicológica é dinâmica e auxilia os trabalhos de
A cirurgia bariátrica tem sido uma alternativa diferentes campos de atuação, como educação, saú-
para pessoas acima do peso que já tentaram outros de e trabalho. Segundo Costa, Bandeira, Trentini,
métodos para emagrecer e não foram eficazes. Ape- Brilmann, Friedman & Nunes (2009) os psicólogos
sar de algumas pessoas apresentarem complicações, que realizam a avaliação de pessoas obesas para ci-
ou voltarem a ganhar peso depois da cirurgia, para rurgia têm ao seu dispor instrumentos específicos
aqueles que conseguem se adaptar à difícil rotina ali- e genéricos. Os instrumentos específicos são elabo-
mentar pós-cirúrgica, a cirurgia bariátrica tem gera- rados para analisar as particularidades das doen-
do bons prognósticos. ças. Com relação à obesidade, pode-se analisar o
Para que um candidato a esta cirurgia possa comportamento alimentar ou fatores e estressores
realizar o procedimento, primeiramente deve pas- psicossociais, por exemplo. Já os genéricos envol-
sar por um psicólogo, que fará uma avaliação psi- vem características e sintomas de uma variedade de
cológica para investigar se esta pessoa está apta a doenças. E de acordo com Travado, Pires, Martins,
fazer a cirurgia. Deve-se observar se o problema é Ventura e Cunha (2004), durante a etapa pré-cirúr-
verdadeiramente a obesidade, e não algum proble- gica é formulado um parecer técnico, baseado em
ma emocional que esteja dificultando sua perda de avaliação e caracterização psicológica. A avaliação
peso; se a pessoa usa alguma substância; e se ela feita pelo psicólogo tem duas funções: analisar as
tem condições de compreender os riscos do proce- condições psicológicas do candidato a todo o proces-
dimento, e os cuidados posteriores, que podem ser so, e passar informações essenciais e consequências
bem difíceis (Flores, 2014). Geralmente as pessoas de todo o procedimento para o indivíduo. Segundo
que buscam tratamento para a obesidade, através Flores (2014) a avaliação psicológica é o momento
da cirurgia bariátrica, apresentam algum tipo de no qual se realiza a psicoeducação do candidato à
sofrimento e por isso verifica-se que é de extrema cirurgia, expondo as mudanças que o procedimento
importância a avaliação psicológica no período pré vai acarretar. Durante a avaliação é oferecido apoio
-operatório. Durante a avaliação o profissional pode e preparação para as mudanças de comportamen-
avaliar as angústias, medos, ansiedades e expecta- to necessárias na etapa pós-cirúrgica. Por isso, são
tivas do paciente visando à preparação do mesmo atribuídos ao psicólogo diversos papéis na hora da
para a operação. O papel do psicólogo é fundamen- avaliação: de investigador, colhendo dados; de ins-
tal, pois além de todo apoio que oferece, a inves- trutor, passando conhecimento; e de terapeuta,
tigação do histórico do paciente é feita durante o administrando emoções que possam surgir duran-
processo de avaliação psicológica e esta avaliação te os encontros. É de suma importância conhecer
vai apoiar legalmente a realização do procedimento a experiência do paciente que realiza a avaliação
cirúrgico. Segundo Akamine e Ilias (2013) muitos psicológica pré-cirurgia bariátrica. O intuito é
problemas jurídicos têm ocorrido principalmente verificar se está acontecendo de forma a beneficiá-
por causa de alguns cirurgiões que fazem cirurgias lo, com o sucesso do procedimento e segurança do
bariátricas sem uma avaliação multidisciplinar ade- paciente.
quada. Tal ato pode tornar o processo indevido e Com esse objetivo, a presente pesquisa contem-
ilegal, podendo comprometer o resultado no tra- plou as experiências de pessoas que já passaram
tamento da obesidade. Mesmo quando essa ava- pelo processo de avaliação psicológica pré-cirurgia
liação ocorre, pode não ser feita de forma correta, bariátrica. Espera-se que esse estudo facilite e pos-
prejudicando o paciente. Segal e Fandiño (2002) sibilite à sociedade em geral, e aos acadêmicos de
observam uma crescente negligência de critérios diferentes áreas relacionadas à temática, o entendi-
psicológicos na seleção de candidatos a este proce- mento da importância do profissional da psicologia
dimento, provavelmente em razão da ausência de juntamente com uma equipe multidisciplinar para
instrumentos que permitam maior rigor prognósti- o processo operatório. Segundo Fandiño, Benchi-
co. De acordo com o Conselho Federal de Psicologia mol, Coutinho e Appolinário (2004) a obesidade é
(2007), a avaliação psicológica é um procedimento uma doença crônica que pode causar diversos pro-
técnico e científico que se propõe investigar pessoas blemas à saúde do indivíduo, não existe uma única
ou grupos, através de métodos que são previamente causa ou uma causa específica para esta doença sen-
aprovados, sendo o psicólogo o único profissional do assim considerada como multicausal. Além da
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.109 - 117 111

preocupação diante da obesidade e, algumas vezes, das modificações provocadas pela obesidade, que
às doenças que podem estar associadas, também é possam ajudar, apoiar e motivar o paciente para o
evidente a mesma atenção em relação aos aspectos tratamento correto, já que a cirurgia atua no peso,
psicológicos com a obesidade como, por exemplo, ou seja, na consequência da obesidade, e não na sua
aqueles relacionados à imagem corporal. Segundo causa. As questões emocionais podem estar relacio-
Almeida, Santos, Pasian e Loureiro (2005) cria-se nadas às causas ou às consequências da obesidade.
uma imagem em nossa mente, em relação à forma Várias questões emocionais podem estar envol-
do nosso corpo, imagem e tamanho, mas também vidas, como a compulsão pela comida que afeta o
criamos os sentimentos que estão relacionados a peso de um indivíduo, ou ainda o abuso de bebidas
tais características, bem como as partes que cons- alcoólicas. Isso acaba por interferir no processo ci-
tituem. Portanto, a imagem corporal envolve inú- rúrgico em geral, pois pacientes que apresentam
meros fatores que se relacionam como os fatores compulsão alimentar têm maior regularidade de
emocionais, de autoestima e de atitude. reincidência depois do tratamento para a perda de
As pessoas obesas são alvo de preconceito e dis- peso, além disso, podem ter mais comorbidades,
criminação importantes em países industrializa- por exemplo: depressão, abuso de álcool e drogas,
dos, pois vivem em uma sociedade em que o magro insatisfação com a imagem corporal, etc. Além dis-
é tido como ideal e saudável, em que a magreza é so, obesos compulsivos constantemente se tornam
valorizada, e a obesidade é considerada sinônimo “beliscadores” após a operação, consumindo mais
de inadequação social. Pessoas obesas que vivem na doces e petiscos (Machado, Zilberstein, Cecconello
sociedade contemporânea sofrem um estigma, que & Monteiro, 2008). De acordo com o Conselho Re-
às vezes, torna difícil seu convívio social. Isto pode gional de Psicologia 8° Região – PR (s.d.) a avalia-
ser observado nos mais vastos e comuns aconteci- ção psicológica deve verificar toda a história do pa-
mentos, como programas de televisão, revistas e ciente, estilo de vida, hábitos e comportamentos,
piadas. Além disso, são pessoas que cursam poucos principalmente os aspectos clínicos relacionados
anos escolares, e possuem menor chance de serem à obesidade, como o início da doença, históricos
aceitas pelos grupos nas escolas. O mesmo acontece familiares, como a pessoa lida com a doença, ima-
com empregos mais disputados, ocasionando salá- gem corporal, entre outros. Também deve verificar
rios mais baixos. Este preconceito continua nos ser- se existe alguma compulsão, algum transtorno ali-
viços de Saúde: grande parte dos pacientes de cirur- mentar ou psicológico. Deve observar como o can-
gia bariátrica relatou ter sido tratado com falta de didato à cirurgia reage frente a situações de tensão
respeito pela classe médica devido ao peso (Segal & e estresse, e como são seus hábitos alimentares. É
Fandiño, 2002). Oliveira e Yoshida (2009) afirmam importante também que o psicólogo converse com
que entre as condições psicopatológicas associadas o candidato sobre todas as modificações que a ci-
à obesidade mais pesquisadas estão a depressão, a rurgia vai trazer em sua vida, e analise se a pessoa
ansiedade, o transtorno da imagem corporal e os está preparada para passar por esse processo. Flo-
transtornos do comportamento alimentar. Em con- res (2014) enfatiza a importância de que a avalia-
traponto, Oliveira, Linardi e Azevedo (2004) indi- ção seja feita de forma criteriosa, com o intuito de
cam que a existência de uma psicopatologia não é reduzir as complicações que podem aparecer depois
considerada necessária para o surgimento da obe- do procedimento, como o ganho de peso novamen-
sidade. A presença de psicopatologia é limitada a te, reduzindo os riscos que os pacientes e a equipe
alguns grupos. Dessa maneira, a obesidade poderia assumem neste processo.
ser vista como geradora da psicopatologia, e não de- Moliner e Rabuske (2008) realizaram um estudo
corrência desta. Ainda segundo Costa et al. (2009) com o objetivo de caracterizar o processo de toma-
antes de recomendar a cirurgia bariátrica a um pa- da de decisão para realização da cirurgia bariátrica e
ciente, é necessário realizar uma análise de múlti- os significados atribuídos ao sobrepeso e à cirurgia.
plos aspectos clínicos dessa pessoa. Para isso se faz Identificaram que os fatores etiológicos do sobre-
fundamental o envolvimento de uma equipe mul- peso dos participantes foram: ansiedade, hábitos
tidisciplinar composta, por: médico cirurgião, en- alimentares, sedentarismo, eventos estressores e
fermeiro, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, tendência biológica. A decisão para realização da ci-
entre outros; ou seja, profissionais que estejam en- rurgia foi caracterizada pela expectativa dos resul-
volvidos com essa área e que tenham conhecimento tados para a saúde, as relações sociais e de trabalho
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e a autoestima. E as expectativas de mudanças Método


predominantemente positivas após a cirurgia in-
cluíram a melhora da saúde e a prevenção de doen- Participantes
ças, bem como não sofrer preconceito em razão da
obesidade mórbida. Tendo em vista a necessidade Participaram desta pesquisa 11 mulheres e um
de saber se as avaliações psicológicas pré-cirurgia homem com idades entre 28 e 61 anos (M=38,25;
bariátrica estão ocorrendo de forma a beneficiar os DP=9,72), que passaram pela avaliação psicológica pré-
pacientes, o objetivo deste trabalho foi conhecer as cirurgia bariátrica a partir do ano de 2010, tanto na rede
experiências dos pacientes sobre a avaliação psico- pública como a rede privada de saúde. As características
lógica pré-cirurgia bariátrica. dos participantes podem ser observadas na Tabela 1.

Tabela 1. Caracterização dos participantes


Identificação dos IMC na IMC Convênio Tempo
Idade Sexo Estado civil
participantes cirurgia atual ou SUS de cirurgia
E1 61 Fem Viúva 41,0 27,3 SUS 3 anos
E2 34 Fem Divorciada 41,5 27,5 Convênio 9 meses
E3 42 Fem Casada 39,3 25,2 Convênio 2 anos
E4 47 Fem Casada 40,6 26,1 Convênio 10 meses
E5 28 Fem Solteira 39,8 32,4 Convênio 6 anos
E6 38 Masc Casado 37,9 21,5 Convênio 2 anos e 3 meses
E7 33 Fem Casada 40,4 23,9 Convênio 2 anos e 6 meses
E8 28 Fem Casada 46,9 25,0 SUS 1 ano
E9 28 Fem Divorciada 43,3 24,3 SUS 8 meses
E10 41 Fem Casada 45,4 23,1 SUS 2 anos
E11 34 Fem Casada 43,0 25,3 SUS 5 anos
E12 45 Fem Divorciada 34,6 25,4 Convênio 5 anos

Instrumentos humanos da Universidade Tuiuti do Paraná, e foi au-


torizado conforme o parecer nº 1.592.478. Para ter
Foi realizada uma entrevista semiestruturada e acesso às pessoas que já passaram pelo processo cirúr-
posteriormente foi aplicado um questionário com- gico em Curitiba, tanto na rede pública como privada,
posto por perguntas para caracterização dos partici- foram feitas publicações em redes sociais explicando o
pantes. Na entrevista foram feitas perguntas sobre o projeto de pesquisa e pedindo por voluntários. Após
histórico de obesidade; sobre a realização da cirurgia entrar em contato com as pessoas que demonstraram
bariátrica; e sobre a avaliação feita antes da cirurgia, interesse em participar, foi dado inicio à coleta de da-
incluindo informações sobre o número de sessões e a dos. Antes de iniciar a entrevista foi necessário que o
participante assinasse o Termo de Consentimento Li-
opinião dos pacientes sobre a importância das mes-
vre e Esclarecido. Foi dada a liberdade para que os par-
mas. Para Triviños (1987) a entrevista semiestrutura-
ticipantes escolhessem o local da entrevista. Um par-
da tem como característica questionamentos básicos
ticipante escolheu ser entrevistado em um café dentro
que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacio- de um shopping center, quatro participantes optaram
nam ao tema da pesquisa. Para Manzini (1990/1991), por parques da cidade de Curitiba, três preferiram que
esse tipo de entrevista pode fazer emergir informa- fosse na própria casa, um na Universidade Tuiuti do
ções de forma mais livre e as respostas não estão con- Paraná, um por vídeo-chamada no Skype e duas pes-
dicionadas a uma padronização de alternativas. soas optaram por que fosse no seu local de trabalho.

Procedimentos Análise de dados


O projeto de pesquisa foi submetido a uma ava- As entrevistas foram transcritas e os dados sub-
liação do comitê de ética em pesquisa com seres metidos à análise temática categorial conforme o
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modelo descrito por Bardin (2011) na qual os dados acusam a mudança de rotina, como por exemplo, co-
são analisados em três etapas: pré-análise, explora- meçar a trabalhar ou casar. E5 conta que começou
ção do material e tratamento dos resultados. Os da- a engordar na adolescência, E11 por problemas de
dos do questionário foram utilizados para descrição saúde e E10 por conta de seu estado emocional. O
dos participantes e analisados por meio de estatísti- recorte da fala de um dos participantes ilustra essa
ca descritiva. categoria temática:
Na minha opinião, o que me engordou mesmo foi
Resultados e Discussão a ansiedade. Eu acho que se eu tivesse tido ajuda
psicológica antes, muito antes, não teria engordado
A partir da transcrição das entrevistas foram rea-
tanto e não teria precisado da cirurgia. (E10)
lizadas as primeiras leituras flutuantes na fase da
pré-análise que possibilitou a organização de indica-
Categoria 2: A cirurgia bariátrica
dores de possíveis temas. Além disso, foi definido o
procedimento de trabalho a ser seguido, com a iden- Quando questionados sobre a razão da cirurgia,
tificação dos assuntos explorados em cada entrevista oito participantes (E2, E3, E4, E5, E6, E8, E10 e E12)
e o agrupamento dos conteúdos por semelhança dos afirmaram que estavam com alguns problemas de
temas relatados. Em seguida, a exploração do ma- saúde devido ao excesso de peso. Em uma pesquisa
terial se deu pela leitura exaustiva do conteúdo das com 16 pessoas obesas que fizeram cirurgia bariátri-
entrevistas iniciando pela primeira entrevista com a ca, Moraes, Caregnato e Schneider (2014) identifica-
enumeração das primeiras unidades de registro, que ram que anteriormente à cirurgia 25% dos partici-
foram sendo complementadas com os conteúdos das pantes julgavam ter uma qualidade de vida e saúde
demais entrevistas. Esse procedimento possibilitou ruim ou muito ruim. Depois de terem feito a cirur-
a identificação de unidades de registros com carac- gia, os mesmos participantes ressaltaram que a qua-
terísticas comuns entre a primeira entrevista e as lidade de vida e de saúde passara a ser boa ou muito
demais. Após a exploração do material foi possível boa. Três dos 12 participantes (E1, E7 e E11) relata-
indentificar três categorias temáticas: a obesidade, a ram que optaram por fazer a Cirurgia Bariátrica por
cirurgia bariátrica e a avaliação psicológica. Na ter- causa da falha de outros métodos para emagrecer.
ceira etapa, após a definição das três categorias e E11 ainda assinala que fazer a cirurgia foi sua ulti-
pela interpretação analítica dos dados, foi possível ma opção. Alguns trechos das entrevistas ilustram o
verificar que a experiência dos pacientes engloba, conteúdo desta categoria temática:
além da própria avaliação, as vivências da situação
Foi pela falta de tratamento, por ser a última opção
da obesidade e as expectativas e experiências em re-
mesmo. Na verdade, eu já estava com obesidade
lação à cirurgia bariátrica. mórbida, então o médico falou que como eu
Categoria 1: A obesidade já tinha tentado de tudo, acompanhamento
psicológico, nutricionista, endócrino e nada deu
No início das entrevistas os participantes falaram resultado, nós optamos pela cirurgia, que era o
último caminho mesmo. (E11)
sobre a origem do seu ganho de peso, sete entrevis-
tadas (E2, E3, E4, E7, E9, E10 e E12) mencionaram Eu comecei a ficar com bastante problemas de
que haviam ganhado peso após engravidar ou então saúde, diabetes, pressão alta, colesterol alto,
fazendo tratamento para engravidar. Segundo An- hipotireoidismo, hérnia de hiato... E foram só
aumentando os medicamentos. Eu cheguei a
dreto, Souza, Figueroa, Cabral-Filho. (2006) no pe-
tomar nove medicamentos por dia. (E2)
ríodo entre 1996 e 2006 o predomínio de mulheres
obesas cresceu rapidamente em praticamente todo A participante E3 diz que para ela predomina-
o mundo, e também a gestação passou a ser julgada ram questões estéticas e E1 e E9 diziam ter baixa
como um fator de risco para a obesidade. Encon- autoestima devido ao sobrepeso. De acordo com Al-
tram-se indícios de que o estado nutricional durante meida et al. (2005) existe uma imagem que se tem
a gravidez, e o da criança nos primeiros anos de vida, em mente com relação a forma do corpo, tamanho
são elementos que influenciam significativamente a e imagem, como também aos sentimentos relacio-
saúde de um indivíduo durante a sua vida. nados a essas características bem como às partes
Dentre os outros quatro participantes, dois re- que o constituem. Sendo assim, a imagem corporal
lataram que sempre estiveram acima do peso e dois envolve inúmeros fatores que se relacionam, como
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os fatores emocionais, de autoestima e de atitude. né, então isso eu achei importante, porque eu tinha
Antes de optar por fazer a Cirurgia Bariátrica, seis um ponto de vista, e ela me ajudou a entender o meu
entrevistados (E5, E6, E7, E9, E10 e E12) disseram ponto de vista, mas também me ajudou a entender
o processual (...) Quem me preparou para tudo
ter tentado diversos métodos para emagrecer, porém
que eu ia ter que fazer no pós e no resto da vida, os
sem eficácia. Dentre esses métodos, foram utilizados acompanhamentos, foi a psicóloga, ela me perguntava
medicamentos com e sem acompanhamento médico, se eu estava preparada, como eu iria reagir nas
exercício físico e restrição alimentar. E1 e E4 utiliza- situações, acho que é muito importante, ajuda muito.
ram apenas medicamentos para perder peso, E3 e E8 Falta esclarecimento para as pessoas. (E10)
se exercitaram e também tomaram medicamentos,
Ao serem questionados sobre como se sentiam
E11 além de medicamentos tentou emagrecer com
durante as sessões, dois participantes (E4 e E5) re-
restrição alimentar e E2 tentou perder peso fazendo
lataram que se sentiram normais. O entrevistado E3
exercícios físicos e dietas alimentares. Um trecho de
respondeu que se sentiu confiante durante a única
uma entrevista ilustra esse conteúdo:
sessão que teve com o psicólogo. Já o participante
Tentei várias vezes emagrecer. Tomei muito E9 foi o único que relatou ter se sentido constran-
remédio para emagrecer, muita porcaria que gido. Em contrapartida, sete participantes (E1, E2,
não tem o efeito esperado, temporariamente te
E6, E7, E8, E10, E11) responderam que se sentiram
ajudam, mas você ganha o peso dobrado depois,
então a solução foi a redução mesmo, não teve bem e tranquilos durante as sessões. Com o discurso
outra alternativa. (E9) dos entrevistados percebe-se que de modo geral as
pessoas sentem-se bem ao realizar psicoterapia. Não
Categoria 3: A avaliação psicológica foram identificados na literatura estudos sobre como
as pessoas se sentem ao realizar psicoterapia durante
Os participantes falaram sobre o processo de ava- o processo de preparação para a realização da cirur-
liação psicológica pré-cirurgia bariátrica, ao qual fo- gia bariátrica, mas é importante que a contribuição
ram submetidos. Oito participantes (E1, E2, E4, E6, da psicologia neste processo seja reconhecida tanto
E7, E8, E11, E12) responderam que o processo foi pelos profissionais envolvidos, como pelos pacien-
positivo e muito bom. Porém, o participante E5 rela- tes, tendo em conta que esta contribuição pode se
tou ter sido sem efeito, pois realizou apenas uma ses- dar para além da avaliação psicológica pré-cirúrgica.
são. Para o participante E3 poderia ser melhor. E12 Durante as entrevistas, os participantes foram ques-
relata que foi desmotivador, pois nas primeiras ses- tionados sobre o que faltou durante o processo de
sões o psicólogo tentou fazê-la desistir do procedi- avaliação psicológica pré-cirurgia bariátrica. Quatro
mento, mostrando o lado negativo da cirurgia. Para participantes (E2, E3, E5, E9) relataram que senti-
os participantes E5 e E9, o processo foi fundamental. ram falta do acompanhamento pós-operatório. Per-
Fandiño, Benchimol, Coutinho e Appolinário (2004) cebe-se que os discursos dos participantes são bem
realizaram uma pesquisa em que os pacientes apresen- semelhantes e que o acompanhamento pós-cirurgia
tavam algum tipo de transtorno alimentar durante o é algo que os pacientes sentem falta e faria diferença
período pré-operatório. Já no período pós-operatório, no pós-operatório, caso fosse obrigatório.
constatou-se que estes mesmos pacientes tinham uma Três participantes (E8, E5, E10) relataram a falta
maior complicação para perder peso. Isso mostra como de um acompanhamento mais frequente no pré-ope-
a avaliação tem papel fundamental no processo da ci- ratório. Akamine e Ilias (2013) afirmam que muitos
rurgia, é de suma importância que a avaliação psicoló- processos jurídicos vêm sendo ocasionados por cau-
gica seja realizada de forma criteriosa e que o pacien- sa de alguns cirurgiões que realizam a cirurgia bariá-
te realize encontros frequentes com o psicólogo, pois trica sem que os pacientes tenham passado por uma
é necessário analisar a presença de algum transtorno, avaliação psicológica adequada, podendo compro-
principalmente para a segurança do paciente, e se a ava- meter o resultado no tratamento contra a obesidade.
liação for realizada em apenas uma sessão o psicólogo Ou seja, confirma o discurso dos participantes (E8,
pode não conseguir analisar criteriosamente o pacien- E5, 510) que sentiram falta de um acompanhamento
te. A importância atribuída ao processo de avaliação mais frequente e com mais sessões.
psicológica é ilustrada na fala da participante E10: Cinco participantes (E1, E4, E6, E7, E11) res-
A avaliação psicológica foi muito importante, ver o ponderam que o processo de avaliação psicológica
porquê deu querer aquilo, o que eu buscava com aquilo foi completo e que estavam satisfeitos com a forma
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como foi realizado. Apenas um participante (E12) processo. Os pacientes também foram interrogados
respondeu que sentiu falta de explicações dos mé- sobre a importância que a avaliação psicológica teve
dicos e do psicólogo sobre as consequências que a para eles durante o processo da cirurgia bariátrica.
cirurgia bariátrica causaria, entre elas, a queda de Sete participantes (E3, E4, E5, E9, E8, E10, E12) res-
cabelo, como pode ser visualizado no trecho da en- ponderam que a avaliação teve importância prepa-
trevista da participante: ratória, pois durante as sessões o psicólogo fez uma
psicoeducação, ensinando como seria a operação e o
Não só com a psicóloga, mas até com o meu próprio
médico. Eu tive um problema sério de queda de pós-operatório, e os preparou para os desafios que
cabelo e ninguém nunca me alertou isso, nem o viriam depois da cirurgia, discurso ilustrado por um
médico e nem a psicóloga. Sempre falavam de trecho de uma das entrevistas:
outros problemas que poderia ter, mas sobre a
queda de cabelo nunca. (E12) Acho que sim, acho que ajuda muito, principalmente
a esclarecer como vai ser depois, e você decidir
Foi perguntado aos participantes da pesquisa se você tá preparado pra aquilo, porque é muita
sobre o medo em relação à cirurgia bariátrica. Cin- mudança, você automaticamente começa a se
enxergar uma pessoa diferente e acho que você tem
co participantes disseram nunca ter tido medo (E1, que estar preparado pra isso, acho que a gente tem
E3, E6, E10, E12). Outros quatro responderam que que estar preparado psicologicamente pra se olhar
tinham medo da morte (E7, E8, E9, E11), principal- no espelho e se enxergar diferente. (E9)
mente por causa dos filhos, pois tinham medo de
morrer e deixar os filhos sem um cuidador. Nas res- Três participantes (E2, E6, E7) disseram que a
postas também apareceram medo do pós-operatório importância da avaliação psicológica foi trabalhar os
(E5, E8), medo do procedimento cirúrgico (E2, E11) aspectos psicológicos. Outras respostas foram que o
e medo de engordar novamente (E8). pós-operatório é mais importante (E11) e que a ava-
Segundo Flores (2014) uma das importâncias liação psicológica não é importante (E1). Esses da-
da avaliação psicológica no pré-operatório é avaliar dos reforçam o que foi verificado por Travado et al.
as angústias, medos, ansiedades e expectativas do (2004), a avaliação feita pelo psicólogo tem duas fun-
paciente, porém, na literatura não se encontram es- ções: analisar as condições psicológicas do candidato
tudos destinados a pesquisar sobre os medos que o em todo o processo, ou seja, trabalhar os aspectos
paciente pode apresentar, e como lidar com eles na psicológicos, e passar informações essenciais e con-
avaliação psicológica de maneira mais eficaz, mesmo sequências de todo o procedimento para o indivíduo,
este sendo um aspecto importante a ser trabalhado prepará-lo para o procedimento e o pós-operatório.
no período pré-cirúrgico. Marchesini (2010) consta- Através das falas dos participantes é possível perce-
ta que os pacientes bariátricos demonstram sentir- ber que a preparação para a rotina do pós-operatório
se preparados para o procedimento cirúrgico, mas e o trabalho realizado com os aspectos psicológicos
não conhecem de fato o método usado, e, portan- é tão importante quanto a própria cirurgia. A im-
to, podem não saber o risco que existe no processo, portância dos aspectos psicológicos aparece no estu-
principalmente no pós-operatório, o que é possível do de Machado, Zilberstein, Cecconello e Monteiro
verificar pela fala da participante E1: (2008), que analisaram os indicativos de compulsão
alimentar em pacientes submetidos à cirurgia bariá-
Não senti medo, em momento algum. Tanto é trica antes e dois anos após a operação, e chegaram
que se eu soubesse do tamanho do risco, talvez eu
à conclusão que os pacientes que apresentam indi-
até pudesse ficar um pouco apreensiva. Mas não,
eu não sabia do tamanho do risco que eu tava cativos de compulsão alimentar antes da cirurgia
correndo. (E1) continuam depois da cirurgia com a mesma compul-
são, mudando apenas a forma de ingerir o alimento
Foi questionado se em algum momento a pessoa devido à operação, mas permanecendo com compor-
pensou em desistir da cirurgia, a maioria dos par- tamentos alimentares inadequados, o que comprova
ticipantes disse que em nenhum momento pensou que somente a cirurgia, sem um trabalho psicológi-
nisso (E1, E2, E3, E4, E6, E7, E9, E10, E11, E12), co, pode não ser tão eficaz.
apenas dois participantes responderam diferente, Os dados encontrados nesta pesquisa também
E8 disse que pensou em desistir ao marcar a cirurgia, corroboram com os resultados da pesquisa de Trava-
e E5 afirmou que pensou em desistir, mas já estava do et al (2004) que mostra a importância da avalia-
tudo encaminhado, por isso optou por continuar o ção psicológica para parecer técnico e os seus dados
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qualitativos para delineamento dos objetivos psico- mencionaram que participaram de sessões após a
terapêuticos e psicoeducativos, como modo impres- cirurgia, como o E9 que participou de oito sessões
cindível ao sucesso do processo da cirurgia. E tam- pós-operação, e o E4 e E8, que participaram de três
bém complementa os resultados do estudo de Filho sessões depois da cirurgia. E4 fez suas consultas com
e Carvalho (2008), que afirmam que a complexidade um psiquiatra. Além disso, o entrevistado E7 parti-
dos problemas e a diversidade das expectativas dos cipou também de duas palestras. A maior parte dos
obesos mórbidos reforçam a importância de uma participantes, nove de 12, nunca fez terapia antes
abordagem integral destes pacientes no pré-opera- desse acompanhamento psicológico. Apenas E4, E7e
tório para facilitar a reformulação de estilo de vida E11 já haviam feito terapia antes.
necessária ao sucesso do procedimento. Todos disseram ter tido o apoio da família, ape-
Embora não tenha sido abordado o acompanha- nas o entrevistado E8 disse que sim e não ao mes-
mento pós-operatório, oito entrevistados demonstra- mo tempo, pois alguns familiares apoiavam e outros
ram vontade de serem acompanhados por um psicó- não. Por fim, quase todos os participantes afirmaram
logo após a realização da cirurgia bariátrica. E3, por que indicariam a cirurgia bariátrica para quem tem
exemplo, cita que se arrependeu de ter feito o procedi- interesse, apenas o participante E5 disse que não in-
mento cirúrgico, e por isso gostaria de ter tido acom- dicaria.
panhamento psicológico no seu pós-operatório, já que
assim poderia saber lidar melhor com essa angústia. Considerações finais
E11 explica o porquê considera o acompanhamento
No presente trabalho procurou-se estudar sobre
após a cirurgia mais importante que o pré-cirúrgico:
a avaliação psicológica e averiguar se a experiência
Muda muita coisa, você tem que mudar todos os de pacientes que realizaram a avaliação pré-cirur-
seus hábitos, toda a sua rotina você joga fora e gia bariátrica está acontecendo de forma a benefi-
começa uma nova, se não, você não consegue se ciá-lo com o sucesso do procedimento e segurança
adaptar. Eu acho bem importante principalmente do paciente. É importante ter em conta que foram
o pós-operatório porque a pessoa não tem noção de
ouvidos 12 participantes e que embora as experiên-
como é, só passando pelo procedimento para saber
como vai ser dali para frente. (E11) cias relatadas tenham sido diversas, não podem ser
consideradas representativas de todos os pacientes
Dentre os 12 entrevistados E10 teve acompanha- brasileiros, deixando uma lacuna neste estudo para
mento psicológico depois de ter feito a cirurgia e re- que pesquisas futuras se aprofundem nessa questão.
lata que foi essencial. Todos os participantes da pes- Ainda assim aspectos importantes podem ser desta-
quisa tiveram contato com psicólogo ou psiquiatra, cados a partir das entrevistas realizadas.
ou seja, todos eles passaram pelo psicólogo no decor- Ao aprofundar o estudo, e comparar o embasa-
rer do processo de preparação para a cirurgia. Porém, mento teórico com a prática realizada, pode-se per-
com um olhar mais atento ao número de sessões, é ceber que a avaliação psicológica pré-cirurgia bariá-
possível observar que esse acompanhamento foi di- trica nem sempre acontece de forma a beneficiar o
ferente para cada indivíduo. Os participantes E1, E3 paciente. Isso pode ser identificado ao verificar que
e E5 tiveram apenas uma consulta com o psicólogo e muitos pacientes relataram ter passado por apenas
receberam a autorização para fazer a operação. Ou- uma sessão com o psicólogo antes de realizar a cirur-
tros tiveram algumas sessões a mais (E6=5, E7=5, gia bariátrica. Tanto o relato dos participantes que
E10=3). Alguns entrevistados relataram um núme- tiveram a chance de uma avaliação mais criteriosa,
ro maior de encontros com o psicólogo, como o caso como a literatura, indica que um maior número de
do E4 e E8, que participaram de sete sessões, o E9 e sessões serão necessárias para que a avaliação seja
E12, que participaram de 10, e o E2, que participou realizada de forma criteriosa. Além disso, os partici-
de 12. O participante E11 fez a cirurgia pelo SUS, pantes indicaram a necessidade do acompanhamen-
mas já fazia psicoterapia com uma psicóloga parti- to pós-cirúrgico por profissionais da psicologia. A
cular devido ao seu peso, então continuou com ela falta de uma preparação psicológica para a cirurgia
para a realização da avaliação psicológica, que segun- e as mudanças que a cirurgia impõe na vida cotidia-
do a entrevistada foi um processo de teve duração na dos pacientes geram dificuldades de adaptação.
de um ano, período em que se encontrava com a psi- Muitos pacientes reconhecem a contribuição que o
cóloga duas vezes por semana. Alguns entrevistados acompanhamento psicológico teria nesta etapa.
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Segundo Segal e Fandiño (2002), as negligências as limitações encontradas no decorrer da pesquisa,


de critérios psicológicos na seleção de candidatos a como o número reduzido de participantes e o pouco
este procedimento vêm aumentando. Provavelmen- contato com pacientes do sexo masculino. Além
te em razão da falta de instrumentos que permitam disso, observou-se que são poucos os estudos que
maior rigor prognóstico. Espera-se que este estudo dão enfoque ao pré-operatório da cirurgia bariátrica.
facilite e possa possibilitar aos acadêmicos da área da Seria de suma importância que outros estudos sobre
saúde, e a sociedade em geral, um maior entendimen- o tema de avaliação psicológica fossem realizados,
to sobre a importância de uma avaliação psicológica tanto com foco na etapa pré-cirúrgica, como no
realizada de forma correta juntamente com a equipe pós-operatório, pois este estudo identificou uma
multidisciplinar. É importante também que outros demanda dos participantes pelo acompanhamento
estudos sejam realizados com o intuito de suprir psicológico pré e pós cirurgia bariátrica.

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Recebido: 30.08.18 / Corrigido: 26.04.19 / Aprovado: 26.04.19


Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.119 - 128 119

Brincar como facilitador da interação


social em crianças com Síndrome de
Down
Playing as a facilitator of social interactions among children with Down Syndrome
El jugar como facilitador de la interacción social en niños con Síndrome de Down

Andrea Perosa Saigh Jurdi1


Marina Ramos Domingos2
Sara Del Prete Panciera3

Resumo: O objetivo deste estudo foi o de avaliar os efeitos da realização de intervenções lúdicas nas formas de brincar,
na interação social e na comunicação de um grupo de crianças com Síndrome de Down (SD). Participaram da pesquisa
4 crianças com SD, 2 meninas e 2 meninos, entre 6 e 7 anos de idade, frequentadoras de uma instituição de educação
especializada. Trata-se de um estudo de intervenção realizado em três fases, a saber, avaliação inicial, realização de ofi-
cinas lúdicas (intervenção), e avaliação final. Para as avaliações inicial e final foram conduzidas sessões de observação
em uma situação lúdica não estruturada, utilizando-se o roteiro de avaliação do Modelo Lúdico. As intervenções foram
planejadas em formatos de oficinas lúdicas para favorecer e estimular o brincar compartilhado e a atividade simbólica
e ampliar o repertório de comunicação e interação das crianças. Os resultados indicaram que a intervenção favoreceu a
interação e a comunicação entre as crianças, além de propiciar maior autonomia no brincar em relação ao adulto. Veri-
ficou-se também que as brincadeiras simbólicas tornaram-se mais frequentes e que as habilidades para o brincar com-
partilhado também foram favorecidas. Esses achados podem subsidiar o planejamento de práticas e intervenções junto
às crianças com SD que incidam em seu desenvolvimento, rompendo com perspectivas limitantes e condescendentes a
respeito das potencialidades dessas crianças.

Palavras-chave: síndrome de down; ludicidade; interação social;

Abstract: The objective of this study was to evaluate the effects of performing ludic interventions in the ways of playing,
in social interaction and in communication of a group of children with Down Syndrome (DS). Four children with DS were
part of the research, two girls and two boys, between 6 and 7 years of age, enrolled in a specialized education institu-
tion. It is an intervention study that was carried out in three stages, which were: initial evaluation, realization of ludic
workshops (intervention), and final evaluation. For the initial and final evaluations, sessions of observation were conduc-
ted in an unstructured ludic situation, using the Ludic Model evaluation plan. The interventions were planned in the for-
mat of ludic workshops to promote and stimulate the shared playing and symbolic activity, and to enlarge the repertoire
of the children’s communication and interactions. The results indicated that the intervention favored the interaction and
communication among the children, and resulted in a bigger autonomy in playing in relation to the adult. It was also
verified that the symbolic playing became more frequent and the abilities for shared playing were also favored. These
findings can subsidize the planning of practices and interventions among children with DS that act in their development,
breaking away from the limiting and condescending perspectives regarding the children’s potentials.

Keywords: Down syndrome; ludic activity; social interaction;

Resumen: El objetivo de este estudio fue el de evaluar los efectos de la realización de intervenciones lúdicas en las
formas de jugar, en la interacción social y en la comunicación de un grupo de niños con Síndrome de Down (SD). En la
investigación participaron 4 niños con SD, 2 niñas y 2 niños, entre 6 y 7 años de edad, frecuentadores de una institución
de educación especial. Se trata de un estudio de intervención realizado en tres fases, a saber, evaluación inicial, reali-
zación de talleres lúdicos (intervención), y evaluación final. Para las evaluaciones inicial y final se realizaron sesiones de
observación en una situación lúdica no estructurada, utilizando el guión de evaluación del Modelo Lúdico. Las interven-
ciones fueron planificadas en formatos de talleres lúdicos para favorecer y estimular el juego compartido y la actividad
1
Andrea Perosa Saigh Jurdi, ORCID 0000-0002-1111-5562, (11) 99128-0204, andreajurdi@gmail.com, Terapeuta ocupacional, doutora em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo e docente do Departamento de Saúde, Educação e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo. R.
Prof. Pirajá da Silva, 183/162. CEP 05.451-090, São Paulo/SP.
2
Marina Ramos Domingos, (11) 97486-3357, marinaramosd@hotmail.com.br, Psicóloga, terapeuta com especialização em terapia comportamental pela Universidade
de São Paulo. Endereço: R. Geneve, 122, Bloco 5, Apto 14. CEP 02.440-080, São Paulo/SP.
3
Sara Del Prete Panciera, (11) 99166-4147, sara.panciera@unifesp.br, ; Psicóloga, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade
de São Paulo e em Psicologia pela Université Rennes, e docente do Departamento de Saúde, Educação e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo. Univer-
sidade Federal de São Paulo, - Departamento de Saúde, Educação e Sociedade, Rua Silva Jardim, 136, CEP - 11.015-020, Santos/SP
120 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.119 - 128

simbólica y ampliar el repertorio de comunicación e interacción de los niños. Los resultados indicaron que la intervención
favoreció la interacción y la comunicación entre los niños, además de propiciar mayor autonomía en el juego en relación
al adulto. Se verificó también que los juegos simbólicos se volvieron más frecuentes y que las habilidades para el juego
compartido también fueron favorecidas. Estos hallazgos pueden subsidiar la planificación de prácticas e intervenciones
junto a los niños con SD que inciden en su desarrollo, rompiendo con perspectivas limitantes y condescendientes acerca
de las potencialidades de esos niños.

Palabras clave: síndrome de down; lúdico; interacción social;

Introdução Ao compreender a criança com SD como indiví-


duo imerso em uma determinada cultura, faz-se im-
Crianças com Síndrome de Down (SD) possuem portante que as intervenções se voltem para os espa-
uma alteração genética que ocorre no início da ges- ços coletivos que essas crianças frequentam, lócus de
tação, influenciando na formação do corpo podendo sua aprendizagem e interação social.
acarretar prejuízo intelectual. Mustacchi e Salmona O estudo realizado por Anhão, Pfeifer e Santos
(2009) relatam que pessoas com a síndrome apre- (2010) ressalta algumas características de crianças
sentam uma redução do cérebro e encurtamento da com SD que podem interferir no processo de aprendi-
árvore dendrítica, prejudicando a relação entre os zagem e socialização, a saber, dificuldade no desem-
neurônios, que ocorre pela aproximação entre um penho de atividades que envolvem a comunicação
dendrito e outro. Os autores ressaltam, também, expressiva, compreensão, socialização e resolução de
que a estimulação sensorial de todos os sentidos, é problemas. A atividade lúdica tem sido um dos focos
fundamental para ampliar o potencial de aprendiza- de atenção para pesquisadores do desenvolvimento,
gem, superando, em parte, a alteração encontrada no principalmente em relação às crianças com proces-
Sistema Nervoso Central e suas consequências para so evolutivo atípico. Como atividade que se inicia
o desenvolvimento intelectual da criança com SD.
na infância, o brincar é uma forma de comunicação,
Segundo Schwartzman (1999) os atrasos no desen-
expressão e aprendizagem que a criança utiliza para
volvimento que podem acometer às pessoas com SD
realizar intercâmbios com o ambiente que a cerca
não devem ser considerados imutáveis, dado que o
e com as pessoas que fazem parte de seu cotidiano
desenvolvimento da inteligência não depende exclu-
(Bomtempo, 1999; Queiroz, Maciel & Branco, 2006).
sivamente da alteração cromossômica, mas também
Além disso, é por meio do brincar que a criança se
do restante do potencial genético e da influência do
apropria da realidade e dos objetos ao seu redor.
ambiente. Essa afirmação encontra ressonância em
No trabalho desenvolvido com crianças com SD,
outro trabalho (Melero, 1999), que argumenta que
a atividade lúdica tem papel essencial na facilitação
a inteligência não se define, mas se constrói. Nesse
sentido, é possível compensar déficits congênitos do desenvolvimento cognitivo e afetivo e tem sido
da pessoa com SD mediante o trabalho desenvolvi- utilizada por profissionais de diferentes áreas ligadas
do nos diversos contextos em que a pessoa vive, se- tanto à educação como à saúde (Lorenzo, Braccialli
jam nos âmbitos familiares, escolar ou nos demais & Araújo, 2015), no sentido de proporcionar a essas
contextos sociais. Em 2002, a Associação America- crianças possibilidades de constituir-se como sujei-
na sobre Desenvolvimento e Deficiência Intelectual tos ativos e criativos na sua cultura. Estudos recentes
(AAIDD) propôs uma nova definição de deficiência (Cintra, Oliveira & Veiga, 2015; Damasceno, Leandro
intelectual, considerada um avanço conceitual, aban- & Fantacini, 2017; Diegues, 2015) ressaltam a impor-
donando as indicações de graus de comprometimen- tância da atividade lúdica no processo de desenvolvi-
to intelectual. O diagnóstico, nessa nova perspecti- mento das crianças com SD e como esta atividade au-
va, não fica restrito ao indivíduo e implica em uma xilia na interação e inclusão social. Particularmente, o
avaliação do ambiente e das necessidades da criança, estudo realizado por Diegues (2015) teve por objetivo
pensando em sua qualidade de vida e no contexto em analisar o brincar de crianças com SD e apontou como
que está inserida. A partir dessa nova definição os resultados que essas crianças apresentaram interesse
estudos sobre o desenvolvimento das pessoas com principalmente por estímulos sonoros, espontanei-
SD ou com deficiência se debruçam sobre o ambien- dade e prazer ao brincar. No entanto, nem todas as
te, as interações sociais e o aprendizado, levando em crianças apresentaram senso de humor, gosto por de-
conta as necessidades de apoio e mediação que estas safios e iniciativa, demonstrando uma forma de brin-
pessoas necessitam para se desenvolverem. car mais passiva. Para que o brincar faça parte da vida
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das crianças com SD a autora ressalta que o papel do participação do outro no desenvolvimento do su-
adulto é fundamental, pois é importante que este pos- jeito, de tal forma que propicie novas formas de
sibilite às crianças o acesso ao brincar de tal forma que significar o mundo e de agir nele (Martins & Góes,
tenham contato e interação com seus pares, com ou- 2013; Vygostky, 1988). Dessa forma, relações de me-
tros adultos e materiais, independentemente de seus diação podem potencializar, amplificar e enriquecer
limites cognitivos, físicos ou emocionais. o processo desenvolvimental (Campos & Macedo,
Ferland (2006) refere como temas associados ao 2011). Vários autores têm argumentado a respeito
brincar e à criança o prazer, a descoberta, o domínio da do impacto do brinquedo e da ludicidade no desen-
realidade, a criatividade e a expressão de si. Quando se volvimento e apontado para possibilidades de que a
pensa no brincar essas características se mostram es- brincadeira atue como um aspecto propulsor do pro-
senciais no ato de brincar e jogar. O prazer vem associa- cesso de desenvolvimento infantil (Martins & Góes,
do ao brincar devido a certas características da situação 2013). Vygotsky (1988), em particular, argumenta
lúdica: novidades, incertezas, desafios que devem ser que o brincar é uma atividade fundamental ao de-
considerados transponiveis para a criança. Segundo a senvolvimento mental da criança, e coloca especial
autora, na situação lúdica a criança, atraída pela novi- ênfase na brincadeira imaginativa, ou jogo simbóli-
dade, descobre o prazer de desafiar e transpor o desafio. co. Nessas atividades, a criança usa objetos substi-
A descoberta do mundo é outro aspecto importante tutivos, encena, dramatiza situações e personagens,
– brincando a criança descobre e incorpora o mundo e resignificando essa realidade, e suas ações ganham
sua cultura, desenvolvendo estratégias de ação e adap- uma função representativa, incidindo no favoreci-
tação às situações experimentadas por ela. Em relação mento dos processos mentais. As situações lúdicas,
ao domínio da realidade a autora refere que ao brincar com crianças com desenvolvimento típico ou atípi-
a criança constrói uma ponte entre o que é familiar e co, em que há interação da criança com o ambiente
o que é desconhecido. Nesse âmbito a criança tem a e com outras pessoas, são oportunidades importan-
autonomia e poder de decisão: pode derrubar a torre tes e ricas para se realizar atividades orientadas para
de cubos ou recomeçar sem terminar um mesmo que- níveis de desenvolvimento que ainda não foram al-
bra cabeça – ela decide o começo e o fim. Importante cançados pela criança, como forma de favorecer seu
ressaltar que, nesse sentido, o brincar é processo e não processo desenvolvimental (Vygotsky, 1988). Estu-
o resultado. A criatividade é elemento essencial para dos recentes têm evidenciado a eficácia da realização
se caracterizar a atividade lúdica, sendo o brincar en- de diferentes formas de intervenções lúdicas para o
tendido como uma atividade criativa, linguagem com- desenvolvimento infantil, seja em situações de jogos
partilhada pela infância, propiciando um lugar para o (Macedo, Petty, Carvalho & Carracedo, 2003; Mace-
encontro, troca e interação. A potência da atividade do, Petty, Carvalho & Souza, 2014; Macedo, Petty,
lúdica como linguagem ultrapassa a sua compreen- Carvalho & Souza, 2015), ou intervenções nas brin-
são de ser utilizada como recurso pedagógico ou te- cadeiras, especialmente com crianças com desen-
rapêutico, devendo ser compreendida em uma função volvimento atípico (Lorenzo, Braccialli & Araújo,
maior, a de atividade criativa, possibilitando à infân- 2015; Martins & Góes, 2013; Silva & Aiello, 2012;
cia compartilhar afetos, linguagem, regras. Finalmen- Silva & Pelosi, 2018). O estudo do desenvolvimento
te, para Ferland (2006) o brincar favorece a expressão humano, pois, tem possibilitado a compreensão da
ao propiciar às crianças espaços de exercício de comu- atividade do brincar de modo concreto, e pode res-
nicação verbal e comunicação não verbal. Mesmo sem paldar intervenções que ofereçam às crianças com
utilizar as palavras, as crianças conseguem comunicar SD possibilidades de interação social, comunicação
seus sentimentos, tanto positivos quanto negativos. e compartilhamento de suas atividades, respeitando
O desenvolvimento infantil, portanto, está ligado suas diferenças e singularidades. O objetivo deste es-
a aspectos relacionais e culturais, em que o contexto tudo foi o de avaliar os efeitos da realização de inter-
passa a ter importância considerável no processo de venções lúdicas, planejadas em formatos de oficinas
desenvolvimento, crescimento e amadurecimento para favorecer e estimular o brincar compartilhado
do indivíduo (Sá, Jurdi & Panciera, 2017). O desen- e a atividade simbólica, nas formas de brincar, na
volvimento humano, incluído aí o desenvolvimento interação social e na comunicação de um grupo de
da capacidade lúdica, é dependente das mediações, crianças com Síndrome de Down.
que dizem respeito às experiências do indivíduo Trata-se, portanto, de um estudo de intervenção
na cultura. A mediação pode ser caracterizada pela realizado em três fases, a saber, avaliação inicial,
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realização de oficinas lúdicas (intervenção), e avalia- Materiais e Procedimentos


ção final. Em função da escolha das atividades das
oficinas depender em grande medida do que seria Foi realizada, inicialmente, uma aproximação da
observado no momento da avaliação inicial, optou- instituição e do grupo de crianças. Pretendeu-se, as-
se pela realização da pesquisa em duas etapas: a pri- sim, por um lado, captar o modo como se organiza-
meira etapa dedicada à avaliação inicial das crianças, vam as atividades e as relações na instituição, e por
e, uma segunda etapa em que foram realizadas as outro, permitir que as crianças se familiarizassem
intervenções lúdicas e a avaliação final das crian- com a pesquisadora, que conduziria as interven-
ças. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em ções lúdicas da pesquisa. Para a avaliação a respeito
Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo sob do brincar foi conduzida uma sessão de observação,
o n.719.839 e todas as questões éticas foram obser- como apresentada a seguir.
vadas. A pesquisa foi apresentada à direção da insti- Sessão de observação do brincar
tuição, aos pais e aos professores das crianças, que espontâneo (avaliação inicial)
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Escla-
recido (TCLE). O estudo foi explicado às crianças e Foi realizada, em uma única sessão, a avaliação a
estas concordaram em participar do mesmo. respeito das formas de brincar, da interação social e
da comunicação das crianças em uma situação lúdi-
Primeira etapa ca não estruturada. A sessão aconteceu na brinque-
doteca da instituição, com a presença da pedagoga
O objetivo desta etapa foi o de realizar uma ava- e da pesquisadora, que poderiam ter a participação
liação inicial de um grupo de crianças com Síndrome na brincadeira solicitada pelas crianças. Foi lhes dito
de Down (SD), a respeito de suas formas de brincar, que poderiam brincar livremente. Para a avaliação,
de interação social e de comunicação durante uma foi utilizado o roteiro proposto pelo Modelo Lúdi-
atividade lúdica. co, elaborado por Ferland (2006), e adaptado para
Método crianças com deficiência intelectual. Nesse modelo,
o comportamento lúdico da criança é avaliado a par-
Local e Participantes tir de cinco dimensões: 1) interesse geral, relacionado
O estudo foi realizado em uma instituição de edu- tanto ao ambiente social quanto ao ambiente físico/
cação especializada que atende grupos de crianças sensorial; 2) interesse pelo brincar, que se refere es-
com SD, em um município da região metropolitana pecificamente às atividades lúdicas; 3) capacidades
da Baixada Santista. lúdicas, que diz respeito ao repertório de utilização
Participaram da pesquisa 4 crianças com SD, 2 me- dos objetos e do espaço; 4) atitude lúdica, caracteri-
ninas e 2 meninos, entre 6 e 7 anos de idade. A turma zada pelo prazer, curiosidade, senso de humor, es-
escolhida para o estudo (indicada pela própria institui- pontaneidade e pelo gosto de tomar iniciativas e de
ção) contava com sete crianças de 6 a 7 anos de idade, superar desafios; e, 5) comunicação, ligada à habilida-
e cinco delas tinham SD. Apenas quatro dessas crianças de de compreender e expressar necessidades e senti-
participaram do estudo, uma vez que um dos responsá- mentos. Como protocolo de observação, este modelo
veis não autorizou a participação do filho. As descrições permite que se identifiquem formas das crianças se
em termos de idade e gênero das crianças que partici- organizarem e interagirem que emergem na situação
param do estudo estão apresentadas na tabela abaixo: lúdica espontânea, sem, entretanto, representar um
Tabela 1. Identificação, gênero e idade das crivo de aspectos a serem preenchidos. A sessão du-
crianças participantes do estudo. rou aproximadamente 40 minutos e foi videograva-
da e transcrita, na íntegra, para subsidiar o processo
Identificação* Gênero Idade (em anos)
de análise dos dados.
Joana Menina 7
Resultados
Paula Menina 6
George Menino 7 O modelo de avaliação lúdica permitiu identificar
Ringo Menino 7 certas formas de organização do brincar e de intera-
* Nomes fictícios ção entre as crianças. Verificou-se que o espaço, os
materiais disponíveis na brinquedoteca e o número
escolhido de crianças da turma (7) eram adequados no
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sentido de oferecer possibilidade de exploração do am- lado a fim de sua colega não mexer. Joana pega a peça
biente físico e social. Observou-se maior interesse das inteira novamente e Paula emite som de descontenta-
crianças por jogos motores e pouco jogos simbólicos. mento. Agora a professora fala para as duas dividirem
George, por exemplo, passou a maior parte do tempo o brinquedo, caso contrário nenhuma irá brincar. Paula
da sessão brincando com peças de um jogo de montar. fica olhando para a professora enquanto diz que é para
A brincadeira não era, entretanto, montar as peças, as duas brincarem juntas. As duas mexem no mesmo
mas explorá-las: George empilhou as peças sobre sua brinquedo, mas não há interação entre elas. Paula fica
cabeça, nas mãos da pesquisadora e empurrou as peças concentrada sozinha montando as peças”.
com os pés. Mesmo quando a situação convidava ao É importante notar, entretanto, o que a dinâmica
brincar simbólico, observava-se nas crianças uma for- da própria instituição produz. Por exemplo, a relação
ma de brincar motora, conformo pode visto no trecho de dependência com o adulto, a valorização da
da transcrição que descreve as ações de Joana: disciplina e do trabalho individual são características
engendradas no ambiente institucional, e que,
“Joana puxa a casinha para perto de si. Tenta
encaixar o porquinho em alguns lugares da portanto, não poderiam ser vistas como associadas de
casinha, mas não consegue. Tira o carrinho de modo endógeno ao desenvolvimento de crianças com
dentro da casinha e coloca o porquinho. Arrasta SD. Nesse sentido, a compreensão do desenvolvimento
um pouco o carrinho e depois coloca em outro ligado a aspectos relacionais, contextuais e culturais é
lugar da casinha. Ela olha para a TV e volta a fundamental (Sá, Jurdi & Panciera, 2017; Rossetti-Fer-
mexer na casinha. Fica abrindo e fechando as
reira, 2006). Quanto à comunicação, as crianças se ex-
portas da casinha por um longo tempo e em
alguns momentos olha para a TV.” pressavam prioritariamente por meio de gestos e ações
como, por exemplo, um momento em que não gostan-
Durante a situação livre observou-se que as crian- do da brincadeira, um dos meninos resolve a situação
ças brincavam individualmente e pouco procuravam dando um tapa em uma das meninas. A linguagem era
pelo colega. Em algumas ocasiões isso implicava em usada de forma incipiente, muitas vezes de forma não
resistência ao colega, como no caso em que Ringo “dei- simbólica, pela emissão de sons que manifestavam, por
xa por poucos instantes o brinquedo em cima de sua cabe- exemplo, descontentamento. De forma geral, pode-se,
ça e depois o coloca para trás de si, olhando para colega e portanto dizer que a observação do brincar espontâneo
mostrando a língua. Quando a colega se aproxima e ele le- desse grupo revelou que as crianças tivessem interesse
vanta protegendo o seu brinquedo”. Em outras ocasiões, e iniciativa para brincar, e que este era predominante-
mesmo sem conflitos, a comunicação entre as crianças mente motor, individual, com um uso incipiente da lin-
mostrava-se empobrecida, implicando em um brincar guagem e pouco mediado pelo adulto.
isolado, não compartilhado, como quando “George
pega um brinquedo e tenta montar sozinho com Paula Segunda etapa
ao seu lado. Parece se concentrar no que faz. Olha por
O objetivo desta etapa foi o de oferecer uma série
um momento como Paula montou o castelo com as peças.
de intervenções lúdicas, em formato de oficinas que
Joana chega e senta na sua frente olhando para o garoto,
estimulavam o brincar compartilhado e a atividade
ele por sua vez continua montando sozinho”. Essa forma
simbólica, e realizar uma avaliação final a respeito
de brincar parecia ser reforçada pela representante da
das formas do brincar, de interação social e de co-
instituição que em suas atitudes e orientações incenti-
municação de um grupo de crianças com Síndrome
vava a brincadeira individual. O adulto era requisitado
de Down.
pelas crianças para brincar junto e para mediar certas
situações e a participação da pedagoga se dava no sen- Método
tido de apaziguar os conflitos, orientar e disciplinar
os comportamentos e valorizar as realizações indivi- Local e Participantes
duais. Algumas dessas características ficam ilustradas A segunda etapa foi realizada na mesma institui-
na seguinte situação relatada na transcrição: ção e participaram dela as mesmas crianças da pri-
“Joana fica ao lado de Paula e puxa uma peça, des- meira etapa.
montando as outras que estavam interligadas. Paula faz Materiais e Procedimentos
som de descontentamento. Joana levanta puxando todo
o brinquedo para si, mas para quando a professora re- As intervenções e uma nova sessão de observação
preende as duas. Paula puxa a peça montada para o seu do brincar espontâneo das crianças (avaliação final)
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foram conduzidas como apresentado a seguir. Elas atividades lúdicas com as crianças, foi reproduzida
foram videogravada e transcritas, na íntegra. uma música que nomeava partes do corpo (“cabeça,
ombro, joelho e pé”) enquanto as crianças iam acom-
panhando com gestos e, em seguida, sentados em
Intervenções: oficinas lúdicas roda, a pesquisadora perguntava onde se localizava
diversas parte do corpo e as crianças as iam identifi-
As intervenções foram planejadas em formatos
cando no próprio corpo. Na segunda parte da oficina
de oficinas lúdicas para favorecer e estimular o brin-
uma atividade compartilhada foi proposta. Foram
car compartilhado e a atividade simbólica e ampliar
apresentadas às crianças figuras de partes de todo o
o repertório de comunicação e interação das crian-
corpo que, com o auxilio de velcro, poderiam ser or-
ças. Foram realizadas cinco sessões de intervenção
ganizadas formando figuras humanas completas. Essa
com as crianças. As sessões foram realizadas sema-
era uma brincadeira colocada para o grupo, que deve-
nalmente na própria instituição, com duração apro-
ria coletivamente identificar e organizar as figuras.
ximada de 40 minutos. Elas foram coordenadas pela
Oficina 2. Na segunda oficina foram realizadas
pesquisadora e tiveram a participação da pedagoga
duas atividades. Para a primeira, a pesquisadora
e também do professor de teatro da instituição em
apresentou às crianças uma cartolina com um gra-
uma das oficinas. As oficinas se caracterizavam por
mado e algumas nuvens pintadas e deixou a dispo-
tratar de atividades cooperativas, que convidassem
sição sobre a mesa diversas flores pintadas e recor-
ao fazer coletivo, favorecendo a configuração de si-
tadas. A brincadeira começou com a explicação às
tuações de brincar compartilhado (em que as crian-
crianças que elas poderiam colar as flores na cena da
ças precisam negociar e levar o outro em conta) e/
cartolina como quisessem e que era uma brincadeira
ou atividades lúdicas que encorajassem a brincadei-
que todos iam fazer juntos. No decorrer da atividade
ra simbólica. Além disso, a partir da proposição das
a pesquisadora foi introduzindo novos elementos (fi-
atividades lúdicas, as crianças poderiam conduzir a
guras de folhas, figura de animais, algodão etc) para
brincadeira da maneira que preferissem, de forma
que as crianças decidissem como organizar na cena,
autônoma. A pesquisadora participou das atividades
aumentando a complexidade do que precisava ser
mediando o brincar compartilhado, o que implicou
operado no trabalho coletivo.
em fazer intervenções em momentos apropriados
Na segunda atividade, foi oferecido massinha
das brincadeiras das seguintes formas: engajando as
para as crianças brincarem livremente. O que carac-
crianças que não participavam da brincadeira fazen-
terizou essa oficina foi o tipo de intervenção reali-
do perguntas ou convites; sugerindo que uma criança
zada pela pesquisadora, que consistiu no seu enga-
ajudasse a outra; sugerindo que uma delas ensinas-
jamento nas brincadeiras simbólicas, na medida em
se a outra; brincando com as crianças, por exemplo,
que era solicitado pelas crianças. Essa participação
repetindo os gestos da brincadeira; celebrando com
do adulto era realizada de forma a estimular a impli-
as crianças certos momentos do jogo e, chamando a
cação da criança na situação lúdica, fomentando seu
atenção do grupo para incluir todas as crianças na
protagonismo nas atividades.
brincadeira. As intervenções, portanto, diferiam
Oficina 3. No início da oficina foi apresentado
das atividades lúdicas cotidianas em função de dois
um filme no computador em que apareciam mui-
aspectos: 1) eram planejadas para eliciar atividades
tos animais e a atividade nesse momento consistiu
compartilhadas e/ou simbólicas, e 2) contavam com
em imitar os sons e os gestos de cada um deles. Em
a participação de um adulto que tinha um papel me-
seguida, foram oferecidos para as crianças diversos
diador e atento à importância do protagonismo das
quebra-cabeças de animais e elas foram convidadas
crianças nas brincadeiras. A partir desses princípios
a montar e a colorir as peças. Essas atividades foram
norteadores uma infinidade de atividades podem ser
realizadas coletivamente, e como o número de que-
propostas. Apresenta-se a seguir as atividades plane-
bra-cabeças oferecidos foi menor que o número de
jadas para este estudo:
crianças, elas se viam desafiadas a trabalhar em par-
Oficina 1. A primeira oficina foi planejada para
ceria para que todas as crianças estivessem incluídas
oferecer atividades que fossem familiares às crianças,
na brincadeira.
mas apresentadas de tal forma que, diferentemente
Da mesma forma como nas oficinas anteriores,
do cotidiano na instituição, convidassem ao brincar
a pesquisadora fazia intervenções durante as ativi-
coletivo. Em um primeiro momento, para iniciar as
dades, tais como brincar com as crianças, engajar as
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crianças nas atividades, fazer perguntas e sugestões, comunicação de um grupo de crianças com Síndro-
ou orientar para que as crianças trabalhassem jun- me de Down foram identificados dois eixos de análi-
tas. se que emergiram das avaliações inicial e final, bem
Oficina 4. A quarta oficina consistiu em oferecer como do decorrer das 5 oficinas, a saber, as caracte-
às crianças diversas fantasias e adereços para enco- rísticas do brincar e a qualidade da comunicação.
rajar o brincar simbólico. Além de fantasias, como as Da maneira como foram elaboradas, as oficinas
de heróis, ficaram disponíveis para as crianças mate- lúdicas pareceram favorecer o brincar simbólico e
riais como asas de anjo, plumas, varinhas mágicas e compartilhado. Na segunda oficina, por exemplo,
chapéus. Durante a oficina as crianças eram convi- que contou com o uso da massa de modelar, Paula
dadas a trocar e experimentar diferentes fantasias/ teve a iniciativa de convidar a pesquisadora para
objetos. brincar, fazendo um curativo com a massinha no braço
A sala em que esta oficina aconteceu tinha uma da pesquisadora e dando uma injeção nela. Isso atraiu
das paredes espelhada, o que foi particularmente in- de forma espontânea seus colegas que se aproxima-
teressante para a atividade, na medida em que permi- ram para brincar. Utilizando a massa de modelar para
tia às crianças observarem a si próprias fantasiadas. substituir os instrumentos de enfermagem todos se
Oficina 5. Para a última oficina duas atividades engajaram na atividade assumindo diferentes papéis
foram realizadas. Na primeira, dizia-se às crianças na brincadeira. George parecia se divertir dando ên-
nomes de animais e pedia-se a elas, inicialmente, fase à expressão dos sentimentos no faz-de-conta
para imitarem os gestos dos animais e, em seguida, quando estava no papel de paciente: tentava fugir,
para se imaginarem interagindo com eles (e.g. brin- gritava e fazia cara de choro quando iam aplicar a in-
jeção. No correr da atividade, eles revezavam os pa-
cando ou fazendo carinho).
péis, de modo que, em determinado momento, uma
Em um segundo momento, as crianças foram
das crianças substituiu também o papel que estava
convidadas a participar de uma caça ao tesouro. As
sendo desempenhado pelo adulto, o que fez com que
pistas eram lidas pela pesquisadora e para avançar
a pesquisadora participasse ao final apenas como
no jogo as crianças eram desafiadas a realizarem al-
observadora da atividade. Nas duas últimas oficinas
gumas atividades coletivamente.
realizadas (oficinas 4 e 5) foi possível identificar in-
Sessão de observação do dícios dos efeitos das intervenções lúdicas, pois ob-
servou-se que, encerradas as atividades das oficinas,
brincar espontâneo (avaliação as crianças se organizavam para brincar espontanea-
final) mente de maneira coletiva e/ou simbólica. Na quarta
oficina, as crianças foram convidadas a se fantasia-
Foi realizada, em uma única sessão, uma nova
rem e a experimentarem diferentes fantasias, brin-
avaliação a respeito das formas de brincar, da inte-
cando de estátua a cada mudança. Brincar de estátua
ração social e da comunicação das crianças em uma
foi uma maneira de explorar os gestos e as formas
situação lúdica não estruturada. Da mesma forma
de organização corporal do personagem de fantasia.
como se procedeu na avaliação inicial na primeira
Encerrada a oficina, as crianças se juntaram a frente
etapa do estudo, a sessão aconteceu na brinquedo- do espelho e, espontaneamente e sem a interferência
teca da instituição, com a presença da pedagoga e do adulto, passaram a brincar de estátuas coletivas,
da pesquisadora, que poderiam ter a participação como uma espécie de série de fotos em grupo, em que
na brincadeira solicitada pelas crianças. Foi dito às a graça estava justamente em coordenar as diversas
crianças que poderiam brincar livremente. Para a poses.
avaliação do comportamento lúdico foi utilizado Na quinta oficina, a intervenção se encerrou
mesmo roteiro de Ferland (2006). A sessão durou com um caça ao tesouro em que as crianças eram
aproximadamente 40 minutos e foi videogravada e desafiadas a realizarem algumas atividades conjun-
transcrita, na íntegra, para subsidiar o processo de tamente. Logo em seguida ao fim da oficina, Paula
análise dos dados. pegou um microfone e começou a cantar em frente
Resultados e discussão ao espelho. As outras crianças se aproximaram dela
e começaram a brincar juntos: todos cantavam jun-
Para a análise dos efeitos das intervenções lú- tos, como em um grupo musical, enquanto Paula
dicas nas formas brincar, na interação social e na ia rodiziando entre seus colegas a ação de colocar
126 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.119 - 128

o microfone a frente da boca. Nas avaliações finais configura um contexto em que uma linguagem em-
também foi possível observar mudanças em relação pobrecida tem pouca consequência. A realização das
à comunicação e à interação das crianças quanto às oficinas, convidando ao brincar coletivo mediado
características do brincar. Apesar de se observar ain- pelo adulto, produziu efeitos na qualidade da comu-
da formas individuais de brincar e limites importan- nicação das crianças, verificado na maior frequência
tes na comunicação, foram identificados na avaliação de verbalizações, na espontaneidade (verbalizações
final episódios em as crianças procuravam coordenar por iniciativa da criança e não como resposta a um
suas ações na brincadeira: pergunta do adulto) e na articulação da fala. Obser-
vou-se, por exemplo, que, no momento da avaliação
“George segura a corda de um lado e Ringo de
inicial, as produções linguísticas de Ringo eram vo-
outro. Eles batem para que Paula pule. George
chama (puxa) Joana para que ela pule, mas calizações de difícil compreensão, enquanto que na
depois afasta a colega quando percebe que não avaliação final, identificou-se que a criança passou
está dando certo. Ringo passa a pular corda, a utilizar em vários momentos palavras articuladas
com George segurando de um lado e Paula de e compreensíveis, tanto na relação com o adulto,
outro. Em seguida, eles tentam chamar de novo como na relação com os colegas, especialmente nos
Joana para a brincadeira, abaixando e balançado momentos em que os convidava para brincar. Vários
a corda no chão (em uma forma alternativa de
autores apontam para importância do desenvolvi-
brincar), mostrando para a colega como ela deve
fazer. Dessa forma, Joana consegue pular corda, mento da linguagem como subsidio para a promoção
mesmo que rapidamente. Depois disso, George de habilidades comunicativas e interacionais (Amato
e Ringo voltam a bater corda para Paula pular.” & Fernandes, 2010; Mousinho et al., 2010). As ofici-
nas, portanto, parecem ter sido adequadamente con-
Neste episódio particular, observa-se que as crian- duzida no sentido de favorecer o desenvolvimento
ças tentam, como em um exercício, coordenar sua linguístico das crianças, o que traz implicações tanto
ação com a do outro. Procuram ativamente uma à para a qualidade do uso da linguagem como para a
outra, interessam-se pelo brincar coletivo e buscam qualidade da interação com o outro. Foram observa-
incluir o outro na brincadeira. A forma de incluir Joa- das também, entre as avaliações inicial e final, dife-
na parece particularmente interessante. Inicialmen- renças na forma de participação do adulto nas situa-
te ela é convidada (puxada) para brincar de corda da ções lúdicas. No início, o adulto era com frequência
maneira como os colegas brincavam. Diante da difi- convocado pelas crianças a participar da brincadeira
culdade e da inviabilidade da brincadeira, os colegas e notava-se que se estabelecia certa relação de de-
a afastam, mas pensam em uma nova forma de brin- pendência. Na avaliação final, entretanto, o adulto,
car, ensinam à colega e modificam a brincadeira para além de requisitado com menor frequência, não era
que ela seja incluída. Esses resultados estão de acordo mais convidado a assumir um papel de condução da
com outros encontrados na literatura, que também brincadeira, uma vez que esse protagonismo passou
apontam para um efeito favorecedor do brincar no a ser mais exercido pelas crianças. Essas mudan-
desenvolvimento de crianças com SD (Silva & Pelosi, ças parecem poder ser atribuídas a intervenção, na
2018). A comunicação das crianças, de um jeito ge- medida em que se conhece que uma das funções do
ral, era empobrecida em termos de linguagem verbal, adulto em um grupo de criança com deficiência é fa-
mas nota-se nesse episódio, diferentemente do que cilitar vínculos sociais que ainda são frágeis, mediar
se observava na avaliação inicial, que interações mais as relações e garantir um ambiente seguro e confiável
complexas entre as crianças, entendidas aqui como para as brincadeiras acontecerem. Segundo Kamii e
possíveis efeitos da intervenção, foram acompanha- Devries (2009), quando o adulto assume um lugar de
das por uma comunicação mais complexa entre elas, mediador e não de protagonista, as crianças têm, as-
mesmo que ainda no nível não verbal, evidenciada sim, a chance de desenvolver um brincar autônomo.
nos convites às brincadeiras e principalmente no
exercício de ensinar ao outro coisas novas. Considerações finais
Na primeira avaliação lúdica, observou-se no
brincar das crianças um uso incipiente da linguagem, Neste estudo foram investigados os efeitos de
com predominância da linguagem não verbal e uma uma intervenção, no formato de oficinas lúdicas,
utilização preferencial de gestos e vocalizações para nas formas de brincar de um grupo de crianças com
expressar sua intenção comunicativa. Observou-se Síndrome de Down, e os resultados indicaram que a
também um brincar bastante individualizado, o que intervenção favoreceu a interação e a comunicação
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entre as crianças, além de propiciar maior autono- facilitam a memorização de conceitos, o treino das
mia no brincar em relação ao adulto (que passou de atividades motoras e de coordenação. Nesses espa-
“facilitador necessário” na avaliação inicial a “copar- ços institucionais a brincadeira tende a ser utilizada
ticipante coadjuvante” na avaliação final). Verificou- para estabelecer condutas socialmente adequadas,
se também que as brincadeiras simbólicas torna- deixando de lado a sua potencialidade criativa e
ram-se mais frequentes e que as habilidades para o transformadora.
brincar compartilhado também foram favorecidas. Apesar de ser amplamente conhecida a impor-
Ao considerar a comunicação e a interação social tância do brincar como favorecedora do desenvol-
como fatores relevantes no desenvolvimento infan- vimento infantil, buscou-se neste estudo registrar
til, o brincar pode ser entendido como indicador da evidências de quais ações, atividades e brincadeiras
qualidade das experiências vividas pelas crianças produzem efeitos específicos no desenvolvimento de
e da sua imersão nos significados culturais. Para um grupo de crianças característico, que são as crian-
crianças com SD isso se reveste de importância es- ças com Síndrome de Down. Esses achados podem,
pecial, uma vez que os espaços terapêuticos e educa- assim, subsidiar o planejamento de práticas e inter-
cionais, em sua maioria, priorizam a aprendizagem venções junto às crianças com SD que incidam em
de conhecimento, hábitos e atitudes que limitam a seu desenvolvimento, rompendo com perspectivas
capacidade criativa dessas crianças, com o predomí- limitantes e condescendentes a respeito das poten-
nio de atividades individualizadas, mecânicas que cialidades dessas crianças.

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Recebido: 04.06.18 / Corrigido: 28.06.18 / Aprovado: 09.04.19


Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.129 - 140 129

Estudos em psicologia sobre morte,


luto, religião e espiritualidade: uma
revisão da literatura brasileira.
Studies in psychology on death, mourning, religion and spirituality: a review brazilian literature
Estudios en psicología sobre muerte, luto, religión y espiritualidad: una revisión de la literatura brasileña
Sergio Lucas Camara1
Marlise A. Bassani2

Resumo: O objetivo deste estudo é apresentar uma análise sobre a publicação de artigos em psicologia que abordam
religião e espiritualidade em relação à morte e ao luto, a partir de uma revisão da literatura realizada na plataforma
da BVS-Psi. Foram selecionados artigos publicados no Brasil, no período de 2011 a 2016, em periódicos cuja avaliação
Qualis/CAPES correspondesse aos níveis A1, A2, B1 e B2, com a participação de, pelo menos, um psicólogo entre os au-
tores. Nos últimos anos, observa-se um crescente número de pesquisas sobre o tema da morte e do luto em psicologia
no Brasil e, também, um interesse maior pelo tema da religião e da espiritualidade. Entretanto, muitos pesquisadores
que se interessam por estudar morte/luto não se interessam pela religião/espiritualidade, da mesma forma que os es-
tudos em psicologia da religião não se debruçam diretamente sobre o tema da morte e do luto. De um apanhado inicial
de 422 artigos, restaram apenas seis para análise, cujos resultados, entre outros aspectos, apontam a necessidade de
mais estudos que tratem da interface entre psicologia e religião/espiritualidade. Dentro das muitas possibilidades, há
necessidade de conciliar estudos sobre morte/luto com espiritualidade/religião, principalmente na realidade brasileira,
onde a espiritualidade/religião são características fortes da população. O presente trabalho foi realizado com apoio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Brasil - Código de Financiamento 001.

Palavras-chave: Morte, luto, religião, espiritualidade.

Abstract: The present study aims to present an analysis of articles on psychology regarding religion and spirituality relat-
ing to death and mourning, based on a literature review carried out on the BVS-Psi platform. Articles published in Brazil
within the period from 2011 to 2016 were selected, from Qualis/CAPES A1, A2, B1 and B2 publications, which had at least
one psychologist as one of the authors. In recent years, there has been an increasing number of psychology researches
concerning death and mourning in Brazil, as well as a greater interest in topics like religion and spirituality. However,
many researchers who are interested in studying death / mourning are not interested in religion / spirituality, in the same
way that studies in religion psychology do not focus directly on death and mourning. From an initial collection of 422
articles, only six remained for analysis, whose results, among other aspects, point to the need of more studies regarding
the interface between psychology and religion / spirituality. Within the many possibilities, there is a need to reconcile
studies on death / mourning with spirituality / religion, especially in the Brazilian reality, where spirituality / religion are
strong characteristics of the population. The present study was financed in part by the Nacional Council for Scientific and
Technological Development (CNPq) - Brazil - Financing Code 001

Keywords: Death, mourning, religion, spirituality.

Resumen: El objetivo del presente estudio  es un análisis sobre las publicaciones de artículos que tratan de religión y espi-
ritualidad con relación a la muerte y al duelo, partiendo de una revisión de la  literatura en la plataforma BVS-Psi, selec-
cionamos artículos publicados en Brasil de 2011 a 2016, en periódicos evaluados por la Qualis/CAPES que corresponden
a los niveles A1,A2,B1 e B2 con la participación de por lo menos un psicólogo entre los autores. En los últimos años se ha
observado en Brasil, un número mayor de investigaciones que tratan sobre la muerte y el duelo en psicología, también
existe un mayor interés en investigar sobre la religión y espiritualidad. Mientras muchos investigadores, que se interesan
en por estudiar muerte/duelo no se interesan por estudiar religión/espiritualidad de la misma manera, que los estudios
en psicología de la religión no profundizan directamente el tema de la muerte y el duelo. De una relación inicial de 422
trabajos catalogados, seleccionamos seis que atendían nuestro objetivo, concluimos que entre otros aspectos existe la
necesidad de generar más estudios que vinculen la psicología religión/espiritualidad. Dentro de las muchas posibilida-
des, está la necesidad de conciliar estudios sobre muerte/duelo con espiritualidad/religión, principalmente en la realidad
brasileña, donde la espiritualidad / religión son características fuertes de la población. El presente trabajo fue realizado
con apoyo de la Consejo Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq) - Brasil - Código de Financiamiento 001.

Palabras clave:  Muerte, duelo,  religión, espiritualidad


1
Doutorando em Psicologia Clínica, Núcleo Configurações Contemporâneas da Clínica Psicológica – Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clinica –
PUC/SP, mestre em Teologia, mestre em Psicologia, professor de Teologia. (55) 11-982740921 – sergiolucas40@hotmail.com. ORCID 0000-0002-4384-2190.
2
Professora Titular da PUC/SP, Coordenadora do Núcleo Configurações Contemporâneas da Clínica Psicológica do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psico-
logia Clínica - PUC/SP. ORCID: ID 0000.0003-4886-0301
130 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.129 - 140

Introdução familiar (Ariès, 2003). Em todo caso, sabemos que o


olhar para o paciente terminal pode despertar inicia-
A crescente produção de artigos em psicologia nos tivas que proporcionam mais alívio e conforto àqueles
últimos anos tem proporcionado a necessidade de que estão morrendo, pois eles nos comunicam muitas
frequentes trabalhos de revisão. A revisão apresenta coisas nessa fase final da vida (Kübler-Ross, 2008) e
várias vantagens, entre as quais, destaca-se a possi- é importante que possamos dar voz às pessoas nessa
bilidade de perceber como alguns temas vem sendo situação e não somente a ela, mas também aos seus
abordados nos estudos. Além disso, o trabalho de re- familiares (Franco, 2016). Logo, não é apenas o doente
visão mostra a frequência de investigações sobre de- terminal que precisa de atenção, os familiares carecem
terminados assuntos e ainda possibilita a identificação de compreensão e apoio, no momento de despedida
de lacunas ainda existentes em torno desses assuntos. e também depois que a morte acontece, pois, eles en-
A proposta desse tipo de trabalho deve considerar que trarão num processo permeado de vários sentimentos
não existe uma única forma de se fazer pesquisa de re- que se mesclam e se substituem, formando o que cha-
visão, o que amplia ainda mais o universo da investiga- mamos de luto (Parkes, 1998). Sobre a atenção aos en-
ção e obriga cada trabalho a uma descrição mais clara lutados, estudos mostram que existem diferentes ma-
sobre o objetivo e, principalmente, sobre o método. neiras de pensar a experiência (Franco, 2010)a questão
No caso do presente trabalho, o interesse foi por pes- das perdas em instituições de saúde, o atendimento ao
quisas sobre morte/luto, que abordam a relação entre enlutado, a morte no contexto escolar, as consequên-
psicologia e espiritualidade/religião. É verdade que o cias psicológicas do abrigamento precoce, as possibi-
tema da morte tem sido alvo de interesse de muitas lidades de intervenção com crianças deprimidas pela
áreas de pesquisa, entre as quais se inclui a psicologia perda e a preservação dos vínculos na separação con-
e, nem por isso, deixa de causar estranheza em algu- jugal.”,”ISBN”:”978-85-323-0708-8”,”language”:”Por-
mas pessoas. O tema da morte sempre esteve próximo tuguês”,”editor”:[{“family”:”Franco”,”given”:”Maria
do nosso cotidiano, ainda que de forma indesejada. Helena Pereira”}],”author”:[{“family”:”Franco”,”gi-
Essa proximidade mostra-se em movimento crescente, ven”:”Maria Helena Pereira”}],”issued”:{“date-par-
principalmente nos tempos atuais, com a explosão de ts”:[[“2010”,1,1]]}}}],”schema”:”https://github.com/
notícias em torno da morte, quer seja pelas guerras em citation-style-language/schema/raw/master/csl-cita-
países distantes, pela violência tão próxima de nós na tion.json”} , assim como não existe uma única forma de
realidade brasileira e até mesmo nos noticiários sobre prestar cuidado a alguém que apresenta dificuldade no
o falecimento de pessoas famosas, com quem construí- processo de elaboração do luto. O luto é uma experiên-
mos, sem que não as conheçamos pessoalmente, uma cia complexa, as lembranças do falecido fazem emergir
relação afetiva. Certamente, a forma como hoje vemos sentimentos importantes que não devem ser despre-
a morte é diferente de como ela era vista décadas atrás, zados ou rejeitados, pois é no contato com esses sen-
o esqueleto vestido de preto com a foice na mão foi timentos que encontramos a possibilidade de elabora-
morto para dar lugar a tantas outras imagens ameaça- ção da perda de forma mais saudável, apesar das dores
doras à vida humana, como a comida rápida e gordu- que a pessoa deverá enfrentar. Nos primórdios da psi-
rosa, o consumo de álcool e drogas, o comportamento canálise encontramos a ideia de que a pessoa enlutada
sexual promíscuo e mesmo a falta de exercícios físicos, tinha necessidade de redirecionar para outros objetos
que se tornam uma temerosa ameaça à vida humana o interesse que alimentava pela pessoa perdida (Freud,
(Bauman, 1998). Com suas várias máscaras o tema da 2012). Com o avanço das pesquisas na área, hoje po-
morte é objeto de interessantes e diversificadas for- demos falar de diferentes formas de vivência do luto
mas de estudo, em diversas áreas da construção do e é importante que profissionais da área da saúde em
conhecimento. Caminhando ao lado desses estudos, e geral, principalmente psicólogos, possam aprofundar
muitas vezes fazendo um entrelaçamento, encontra- o conhecimento sobre o assunto para prestarem um
mos também artigos que tratam do luto, que pode ser serviço melhor àqueles que necessitam de apoio. Nos
classificado basicamente como normal ou complicado. últimos anos, muitos profissionais, ao acompanharem
As atitudes humanas diante da morte se alteram de pessoas enlutadas, já não se apoiam na ideia freudiana
acordo com o contexto social, histórico e cultural. Na de desinvestimento no objeto perdido; ao contrário,
realidade atual, a morte como consequência do adoe- dão suporte para que a pessoa possa entrar em conta-
cimento grave está confinada à uma cama hospitalar, to com a perda, ao mesmo tempo em que também se
quando em outras épocas ela acontecia no ambiente direciona para outras coisas da vida, num movimento
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.129 - 140 131

de oscilação conhecido como Modelo do Processo Dual em muitos casos, sempre foi uma forma tradicional à
(Stroebe & Schut, 1999). A compreensão do luto na qual as pessoas recorriam, antes mesmo dos avanços
perspectiva do Modelo do Processo Dual vem sendo da psicologia. Entretanto, mesmo podendo contribuir,
adotada na prática clínica de muitos psicólogos no Bra- não devemos ignorar a desconfiança de muitos pesqui-
sil. Trata-se de um processo dinâmico e um enfrenta- sadores, uma vez que nem todos os efeitos da religião
mento adaptativo, que considera o estresse da perda e são positivos. Devemos considerar a possibilidade de
também da restauração. Mas o trabalho do psicólogo, que certas crenças espirituais e religiosas possam pio-
no entanto, não começa apenas após a morte. Desde o rar os problemas apresentados pelo paciente no caso
momento em que uma enfermidade grave se intensifi- de tratamento médico ((Koenig, 2005). Essa preocu-
ca e a ameaça à vida torna-se mais evidente, o grito de pação deve ser extensiva também à prática clínica da
socorro pode ecoar em nossos atendimentos. psicologia. Quando incluímos a religião/espiritualidade
Conforme apontam as pesquisas, psicólogos rece- no atendimento em situação de morte, o cuidado deve
bem pedidos de atendimento quando pacientes, fami- ser ampliado, pois trata-se de uma situação que por si
liares e membros das equipes de saúde são mobilizados mesma exige um preparo de todos os que se dispõem
por sentimentos e sensações perturbadoras (Sebastia- aos cuidados com pacientes gravemente enfermos, ter-
ni & Biaggi, 2016). Psicólogos que trabalham em Uni- minais e também enlutados. Respeitadas as limitações
dades de Terapia Intensiva conhecem bem o impacto de cada pessoa, encontramos muitos religiosos que
emocional da situação, sendo possível a ocorrência do podem oferecer apoio nessa situação, sem pressionar a
óbito do paciente durante a visita dos familiares ou pessoa a sair da experiência de dor. Podemos, portanto,
imediatamente após a visita. Sebastiani e Biaggi (2016) considerar essas duas formas de suporte a pessoas que
ressaltam a Psicoterapia Breve de Emergência, como apresentam grande dificuldade de lidar com a morte de
um método para intervenção psicológica nessas situa- um ente querido: o psicológico e o religioso. Assim sen-
ções, considerando que a ameaça à vida incorre no peri- do, entre os diversos cuidados prestados em situação
go iminente de desestabilização emocional e a atuação de morte, a escuta clínica psicológica pode e deve estar
do psicólogo tem a intenção de obter um grau de alívio atenta às crenças espirituais apresentadas pelo pacien-
o mais rápido possível. Um dos objetivos dessa inter- te. Em muitos casos é possível que o serviço psicológico
venção é utilizar técnicas psicológicas que ampliem a seja compartilhado com o apoio religioso e espiritual
conscientização do paciente diante do ambiente estres- (Kovács, 2007).
sor, levando em conta os recursos internos dos quais A consideração sobre essas duas modalidades de
ele dispõe. Essa situação ilustra bem uma das razões pe- suporte desperta o interesse por estudar as possibi-
las quais a psicologia vem apresentando um movimen- lidades de relação entre psicologia e religião, quando
to crescente de interesse pela temática da morte, cujas o assunto é morte e luto. Contemplando a interface
perspectivas refletem-se em expandir as possibilidades entre essas duas áreas do conhecimento, realizamos
de atuação tanto dos psicólogos quanto de outros pro- este estudo com o objetivo de apresentar um olhar
fissionais da área da saúde. A clareza com que desvela- crítico sobre as publicações de artigos em psicologia
mos cada vez mais a complexidade da situação expõe a que abordam religião e espiritualidade em relação
necessidade de atentarmos para outros atores do cená- à morte ao luto, principalmente na perspectiva do
rio atual que também lidam com a morte e o luto e que cristianismo católico. Afinal, como os estudos em
esses reconheçam o valor desses estudos e relacionem psicologia consideram a religião e a espiritualida-
tais avanços às suas práticas específicas, como é o caso de da pessoa que vivencia uma situação de morte e
das lideranças religiosas, em geral, e especificamente luto? Existem estudos que apresentam essa relação
dos padres católicos que contam com orientações ri- referindo-se especificamente ao catolicismo? Certa-
tuais objetivas para atuação diante da morte. O fato mente, nem todas as pessoas demonstram necessi-
é que o adoecimento grave, a morte e o luto são expe- dade de adentrar na esfera da religião/espiritualida-
riências humanas que em si mesmas demandam muita de quando enfrentam momentos difíceis, mas num
atenção e cuidado para com aquelas pessoas que estão país cuja população se diz maciçamente religiosa, o
emocionalmente envolvidas no evento, quer se trate da quadro é diferente. Embora os dados apresentados
própria pessoa doente dou dos que a ela estão ligados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
por laços afetivos. É nesse contexto que, entre os tipos indiquem um declínio do catolicismo nas últimas
de ajuda a serem ofertados, podemos citar o suporte re- décadas, devemos considerar uma porção bastante
ligioso às pessoas enlutadas (Parkes, 1998). A religião, razoável da população brasileira identificada com o
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cristianismo católico, uma vez que entre os mais de “catolicismo”, “presbíteros”, “sacerdotes” e “Igreja Ca-
80% que se declaram cristãos na população brasilei- tólica”. A busca realizada com os novos descritores
ra, mais de 60% se dizem católicos, conforme o últi- resultou num achado de 422 artigos. Essa descober-
mo recenciamento demográfico, realizado em 2010. ta em princípio parece muito razoável, porém, apesar
da insistência na utilização de palavras que pudessem
Método ampliar a busca de artigos no Brasil que fizessem refe-
rência à denominação católica do cristianismo, na área
Para iniciar o processo de busca pelos artigos de-
sejados, seguimos os passos a partir da definição dos da psicologia, não foram localizadas pesquisas que tra-
descritores a serem utilizados e também de alguns cri- tassem especificamente de uma denominação religiosa
térios de seleção a serem aplicados aos artigos encon- entre as selecionas. Entretanto, com outros objetivos,
trados com esses descritores (Bassani, 2015). A pes- foram identificados na plataforma artigos que abor-
quisa se deu na plataforma on-line da Biblioteca Virtual dam a relação entre psicologia, religião e espirituali-
em Saúde – Psicologia (BVS-Psi), integrada à Scientific dade em diversas expressões religiosas articuladas a
Eletronic Library Online (SciELO). Essa plataforma tem diferentes experiências, mas não à situação de morte.
uma considerável abrangência de publicações e atingiu A partir desse achado foram aplicados, passo-a
altos níveis nos anos de 2015 e 2016, principalmente -passo, os critérios para seleção dos artigos. Primei-
no que se refere à publicação de artigos científicos. ramente, foram selecionados os artigos pelo critério
temporal e restaram 149 artigos publicados entre
1. Coleta de dados e resultados
2011 e 2016. O critério temporal revelou que mais
Inicialmente, foram lançadas as palavras “psico- de um terço dos artigos foram publicados nos últi-
logia”, “religião”, “espiritualidade”, “luto” e “morte”, mos seis anos, o que é extremamente relevante, se
com diversos agrupamentos entre essas palavras. O considerarmos entre os 422 artigos localizados, há
objetivo era localizar artigos publicados no Brasil, es- publicações da década de 1980. Portanto o interesse
critos originalmente em português, que tivessem pelo pelo tema da religião/espiritualidade teve um consi-
menos um psicólogo entre os autores, em periódicos derável crescimento nesses últimos anos. Com a lei-
com avaliação Qualis/CAPES num dos seguintes ní- tura dos resumos, foram selecionados os artigos que
veis: A1, A2, B1 e B2. O critério temporal das publica- apresentavam alguma relação entre as temáticas da
ções correspondeu ao período de 2011 a 2016. Esses morte/luto com a religião/espiritualidade e aplicado
descritores, inicialmente adotados, demonstraram-se o critério de classificação do periódico no qual o arti-
insuficientes para alcançar os objetivos, uma vez que go foi publicado.
a referência à religião/espiritualidade ficava muito Nessa etapa, chamou a atenção a ausência de arti-
abrangente e corria-se o risco de não localizar arti- gos que fizessem referência exclusiva ao cristianismo
gos que utilizassem expressões mais específicas do católico, porém os trabalhos continuaram. O resulta-
cristianismo católico. Foram incluídos novos descri- do da aplicação desses critérios foi um conjunto de
tores e a feita a reformulação dos agrupamentos. As apenas seis artigos para serem analisados, conforme
novas expressões acrescidas foram: “ritual”, “padres”, apresentamos de forma resumida na figura a seguir:

ARTIGO ANO DE QUALIS/CAPES AUTORES REGIÃO DA PESQUISA


PUBLICAÇÃO DO PERIÓDICO
Artigo 1 2012 B2 05 psicólogos Sudeste - SP
Artigo 2 2012 A2 02 psicólogos Nordeste - RN
Artigo 3 2013 A2 02 médicos 02 psicólogos Sudeste - RJ
Artigo 4 2014 A2 01 psicólogo Sudeste - SP
Artigo 5 2014 A1 01 psicólogo 01 estudante Sul - PR
Artigo 6 2015 A1 2 psicólogos Sudeste - SP
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2. Análise dos dados instituições particulares, duas das quais são confes-
sionais católicas. Esses dados levam-nos a pensar no
Para os procedimentos de análise foram defini-
incentivo necessário às instituições particulares para
das três categorias: características de identificação,
pesquisa e publicação, embora os números não sejam
características metodológicas e características de
suficientes para afirmarmos a carência de pesquisa
conteúdo.
nessas instituições. Chama atenção o fato de que os
1a. Categoria de Análise: Características de identificação
trabalhos realizados por pesquisadores vinculados
A primeira categoria de análise, referente à iden-
a instituições confessionais não fazem referência
tificação, foi dividida em cinco subcategorias: autor,
àquela religião específica. Podemos pensar na liber-
local da pesquisa, instituição dos pesquisadores, pe-
dade dada aos pesquisadores como um fator positivo
riódico e fluxo das publicações.
aplicado pelas instituições. Por outro lado, esse dado
a) Identificação dos autores – essa categoria
corrobora para a falta de pesquisas que tratem de
permitiu identificar a parceria realizada na elabo-
questões religiosas ligadas a uma religião.
ração das pesquisas, considerando a importância
d) Periódicos das publicações – com essa cate-
do trabalho multidisciplinar. Além disso, apontou
goria de análise podemos obter informações sobre os
que outros profissionais se interessam pelo tema da
níveis nos quais se encontram artigos que debatem
morte e religião. Dos seis artigos selecionados, qua-
os temas em questão. Certamente quanto mais ele-
tro foram produzidos apenas por psicólogos, os ou-
vado for a classificação do periódico, mais exigências
tros dois contaram com a parceria de um estudante
são impostas para a publicação, dentre a lista com-
de psicologia num e de dois médicos no outro, sendo
posta de oito níveis de qualificação. De acordo com
um dos profissionais médicos, identificado como psi-
o resultado desta pesquisa, podemos dizer que entre
quiatra. O estudante que participou da elaboração de
os autores que se interessam pelo tema da morte/
um artigo está na iniciação científica, mas também
luto e fazem alguma referência à religião/espirituali-
está na área da psicologia. Logo, apenas um dos arti-
dade produzem trabalhos de alto nível, uma vez que
gos teve a participação de outros profissionais, médi-
dos seis localizados, dois se encontram no extrato
cos. Esse dado leva-nos a refletir sobre a importância
mais elevado, A1, três no extrato A2. Essas informa-
do trabalho multidisciplinar entre profissionais da
ções dão otimismo quanto ao nível de publicações
área da saúde, especificamente a psicologia e religio-
sobre o assunto.
sos, uma vez que o tema da religião está entre os in-
e) Fluxo das publicações – nessa categoria po-
teresses da pesquisa.
demos perceber a frequência a publicações e isso
b) Local de realização da pesquisa – com essa
também nos remete a uma visão do quanto o assunto
categoria podemos perceber em que regiões o tema
pode ou não estar na pauta dos interesses de pesqui-
aparece com mais evidência. Das cinco regiões geo-
sadores em determinados períodos. De acordo com
gráficas brasileiras, duas não foram encontradas
os resultados, as publicações se deram durante qua-
como local de produção das pesquisas: a região Nor-
tro anos consecutivos. Não foram localizadas publi-
te e Centro-Oeste. Dois artigos foram produzidos no
cações para o primeiro e último anos do período aqui
Nordeste, um na região Sul e três na região Sudeste,
determinado, 2011 a 2016. Sobre o número de pes-
destacando São Paulo, como único local a produzir
quisas num período, é preciso considerar a influência
mais de um artigo. A ausência de artigos na região
de fatores externos que podem incentivar ou levar a
Norte e Centro-Oeste pode ter várias razões, mas se-
perda de interesse por determinados assuntos. Uma
riam necessárias outras pesquisas que levantassem
pesquisa sobre psicologia e religião no Brasil (Paiva
a situação de realização de trabalhos nessas regiões
et al., 2009) mostra que o decréscimo de publicações
para podermos perceber com mais clareza se nessas
num período específico estava associado à situação
regiões a produção científica é menor que nas demais
política do país. Assim, devemos ter claro que alguns
do país.
assuntos podem atrair o interesse de pesquisadores
c) Instituição à qual pertencem os autores –
numa época e não no momento seguinte, podendo
Uma vez que alguns artigos foram escritos por mais
voltar à pauta em outros momentos. No caso desta
de um autor, foram identificados 14 autores para
pesquisa, levando em consideração a contemplação
os seis artigos selecionados. Esses autores perten-
do aspecto religioso e espiritual, é importante lem-
cem a oito instituições de ensino, sendo cinco vin-
brar que o Conselho Regional de Psicologia de São
culados a instituições públicas e três pertencentes a
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Paulo, sexta região, promoveu durante o ano de 2015 das bases epistemológicas à qual recorrem muitos
uma sequência de seminários sobre psicologia e reli- pesquisadores interessados em assuntos relativos à
gião, com participação de pesquisadores de todo o morte e religião. Chama a atenção a predominância
país. Essa iniciativa resultou num apanhado de mais de pesquisas qualitativas, como uma forma de abor-
de 90 artigos escritos em apenas um ano e que foram dar uma rica compreensão sobre a situação de morte
publicados em três volumes pelo CRP-SP, ao final de e também sobre assuntos ligados à religião. Duas
2016. É possível que entre o material coletado pelo das pesquisas selecionadas (Magalhães, Gonçalves,
CRP, alguns artigos tivessem sido submetidos à pu- Sawaguchi, Taba, & Faria, 2012; Rocha, 2014) não
blicação nos periódicos indexados na plataforma da se definem necessariamente como qualitativas ou
BVS-Psi. No entanto, uma vez que muitos autores se quantitativas, uma vez que são pesquisas teórico-
concentraram nos seminários do CRP-SP, certamen- conceituais, nas quais o interesse se debruça sobre
te esses artigos não foram encaminhados para publi- conceitos, o que não compromete a importância
cação em periódicos e, portanto, não contemplam os das mesmas. Não foram localizadas pesquisas com
critérios de seleção deste trabalho. método misto.
2a. Categoria de análise - Características 3a. Categoria de análise – Características de
metodológicas conteúdo

Nessa categoria analisamos quais pesquisas fo- A análise de conteúdo é muito rica e pode
ram realizadas adotando os métodos quantitativos, oferecer muitas chaves de compreensão de um de-
qualitativos e mistos e também a identificação dos terminado assunto, a partir de olhares diversificados
instrumentos para a coleta de dados. Apenas um dos e específicos. Entre os artigos selecionados nessa
artigos selecionados utilizou o método quantitativo, amostra, o foco de um deles dirigiu-se a equipe de
com aplicação de dois instrumentos, o Inventário profissionais que lidam diretamente com a situação
COPE e a Entrevista Coping Motivacional (Cravinho de morte. Nesse caso, em vez do paciente, o olhar
& Cunha, 2015). Como esperado, no caso da utili- dos pesquisadores voltou-se à equipe de enferma-
zação de instrumentos em pesquisas relacionadas à gem que convive diariamente com a morte fetal
situação de morte, o material utilizado diz respeito (Cravinho & Cunha, 2015). A situação desse artigo,
ao “enfrentamento”. É possível que muitas pesqui- que está entre os selecionados, aproxima-se de ou-
sas quantitativas relacionada à religião e espirituali- tro estudo recentemente desenvolvido no campo da
dade também recorram a instrumentos que refiram bioética, que faz menção ao agir médico em Unidade
ao enfrentamento, ou seja, tudo indica haver uma de Terapia Intensiva Neonatal com crianças extre-
convergência para o enfrentamento entre pesquisas mamente prematuras. O pesquisador desse último
que envolvem a situação de morte, quando fazem re- trabalho faz clara defesa da dignidade das crianças
ferência à religião/espiritualidade, da mesma forma e também do respeito e importância da espirituali-
que pesquisas sobre religião/espiritualidade quando dade dos pais que estão prestes a perder o filho re-
relacionadas à situação de morte, fazem referência cém-nascido (Vale, 2019). A pesquisa sobre o agir
ao enfrentamento, o que, para alguns pesquisadores, médico, embora recente, não se incluiria no escopo
viabiliza a utilização de instrumentos adequados ao do presente trabalho pelo fato de não ter sido desen-
método quantitativo, como os citados acima. Três volvida por algum profissional psicólogo. No entan-
das pesquisas localizadas utilizaram o método qua- to, em ambos os casos, um que relata o impacto da
litativo, sendo que em duas pesquisas (Freitas & Mi- morte nos profissionais de enfermagem e outro que
chel, 2014; Veras & Moreira, 2012) foram utilizadas se debruça sobre a atuação do médico, encontramos
entrevistas fenomenológicas e uma pesquisa (Melo, com clareza pontos convergentes entre situação de
Zeni, Costa, & Fava, 2013) tratou de estudo de caso. morte e religiosidade/espiritualidade, que sinalizam
Esse dado leva-nos a refletir quais abordagens psico- o quanto devemos estar atentos à importância dessa
lógicas são mais utilizadas em pesquisas que tratem relação. Nossa análise de conteúdo percorreu as pro-
tanto o tema da morte/luto, como o tema da reli- duções selecionadas, cujos objetivos são acompanha-
gião/espiritualidade. dos de uma rica produção de conteúdo que amplia e
Considerando muitos artigos que foram descar- aprofunda a compreensão sobre morte, luto, religião
tados por não preencherem todos os critérios de se- e espiritualidade, o que pode ser facilmente observa-
leção, podemos afirmar que a fenomenologia é uma do nos resumos organizados na figura a seguir:
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.129 - 140 135

ARTIGO CONTEÚDO RESUMIDO


Artigo 1 O primeiro artigo apresenta uma reflexão teórico-conceitual sobre alguns proces-
sos e componentes psíquicos de natureza perversa, que estão na base dos ideais
fundamentalistas religiosos. Na perspectiva da metapsicologia, o artigo trabalha os
conceitos de pulsão de morte e pulsão de vida e oferece uma contribuição para se
compreender o comportamento de fundamentalistas religiosos. O conteúdo apresen-
ta relevância para o campo da psicologia social, sociologia, teologia, antropologia e
outros.
Artigo 2 Apresenta uma abordagem sobre as fases do envelhecimento e a morte, de acordo
com o processo de individuação, a partir da amplificação simbólica de imagens dessa
etapa da vida, na perspectiva da Psicologia Analítica. Há uma apresentação das faces
da morte em diferentes culturas e denominações religiosas. Mais especificamente, o
trabalho oferece contribuições para a Psicologia Analítica e evidencia a importância
de se considerar a religião, quando de um atendimento psicoterápico relacionado ao
envelhecimento e à morte.
Artigo 3 Foco nos profissionais de saúde, cujo exercício profissional se dá num contexto em
que a morte é frequente. Essa pesquisa utilizou dois instrumentos: o “Inventário
COPE” e uma “Entrevista de Coping Motivacional”, com o objetivo de estudar o coping
na morte fetal. Os resultados desse trabalho apontam a religiosidade como estratégia
mais utilizada pelos participantes, para enfrentamento da morte. O artigo expõe que
quase 90% dos entrevistados declararam possuir uma religião. As autoras concluem
dizendo que a religiosidade pode estar relacionada à função de busca de apoio social,
ajuda instrumental, conselho, conforto e apoio espiritual.
Artigo 4 Apresenta uma discussão sobre a morte e o morrer, seus significados e diferenças
culturais e a atuação do profissional psicólogo junto aos pacientes e seus respectivos
familiares, no processo de aceitação da morte. Dois casos clínicos ilustram a pesquisa.
A referência à religião/espiritualidade aparece de forma discreta no relato dos casos.
O conteúdo do artigo é muito rico para a atuação dos profissionais de psicologia
quando de um atendimento de adoecimento grave e proximidade da morte.
Artigo 5 Objetivou compreender os sentidos atribuídos à morte pelo sertanejo nordestino em
tratamento de câncer. Foi utilizado como instrumento entrevista fenomenológica,
com sete participantes. Assim como no trabalho junto aos profissionais de saúde,
também nesse, a fé é apontada como principal forma de enfrentamento da morte,
pelos sertanejos. O artigo aponta a sensação de conforto, a partir da religião, em rela-
ção à morte, pois os participantes consideram que a morte faz parte de um caminho
já traçado por Deus. Embora o artigo faça menção a religiosidade e espiritualidade
em situação de adoecimento grave e proximidade da morte, algumas lacunas ficam
expostas, no que refere a explorar mais a dimensão espiritual e religiosa na aceitação
da morte.
Artigo 6 A pesquisa apresenta uma reflexão sobre a vivência do luto materno na contempo-
raneidade. São apontados dez elementos constituintes da vivência do luto materno,
entre os quais está a espiritualidade. Foi utilizada entrevista fenomenológica com três
mães participantes da pesquisa. A importância da espiritualidade é afirmada a partir
do discurso das mães. Na relação entre morte e espiritualidade, são apresentados três
aspectos positivos no processo de elaboração do luto

A análise de conteúdo considerou a forma como a da morte com relação à cultura religiosa. São arti-
religião/espiritualidade foi abordada na relação com gos que apresentam um rico conteúdo e colaboram
a morte/luto. Duas pesquisas aprofundaram as ques- com o processo de psicoterapia, mas não exploram
tões teórico-conceituais. Uma, na perspectiva de en- exatamente a dimensão da espiritualidade e religião
tendimento do fundamentalismo religioso e outra, em situação de morte em si mesma. Três artigos uti-
na perspectiva do envelhecimento e proximidade lizaram instrumentos, o que enfatiza a importância
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de utilização de entrevista, questionários e também a psicologia da religião/espiritualidade, destacamos


testes que possibilitam uma compreensão mais clara inicialmente neste trabalho o recente e crescente in-
sobre a vivência da religião e espiritualidade nas pes- teresse dos pesquisadores psicólogos. Do total inicial
quisas. Nenhum estudo apresentou aspectos negati- de 422 artigos localizados na plataforma da BVS-Psi,
vos da religião/espiritualidade com relação à morte, 149 foram publicados no período de 2011 a 2016,
mas também não houve um aprofundamento dessa ou seja, mais de 35% do material lançado na plata-
dimensão, ela surge mais como um item da entrevis- forma, com os descritores definidos nesta pesquisa.
ta ou questionário, ou mesmo a partir da narrativa Esse dado aponta para um importante crescimento
dos participantes. Do ponto de vista dos pesquisa- de pesquisas relacionadas aos temas aqui destaca-
dores, o assunto foi acolhido, porém não explorado. dos. Ainda sobre esse aspecto, podemos afirmar que
Chamou nossa atenção o fato de a espiritualidade/ algumas expressões são mais utilizadas que outras.
religiosidade surgirem e não serem aprofundadas, o Observa-se que são publicados mais artigos relacio-
que pode estar relacionado ao receio e desconfiança nando “psicologia e morte” (40 artigos), do que com
presentes nos meios científicos, quando o trabalho o binômio “psicologia e luto” (8 artigos). Chama a
esbarra com o transcendente, que é próprio da ex- atenção o fato de a expressão “morte” ou mesmo o
periência espiritual e religiosa. É considerando esse interesse pelo tema da morte seja mais frequente do
possível receio que destacamos o trabalho de Vale que pelo luto. O mesmo também foi observado quan-
(2019), que não se esquiva, mas aborda de forma to ao uso das expressões “religião” e “espiritualida-
clara a importância da dimensão espiritual dos pais de”: foram 39 artigos sobre “psicologia e religião” e
e das crianças internadas na Unidade de Terapia apenas 19 com os descritores “psicologia e espiritua-
Intensiva Neonatal. Esse autor, em referência à Ética lidade”. Em todos os artigos destaca-se a referência
da Virtude, fala que o prematuro extremo, mesmo à dificuldade contemporânea para lidar com a morte,
diante do limite da vida, que parece tão próximo, diferente do comportamento de outras épocas, quan-
continua sendo uma pessoa em todos os seus do o evento era encarado como natural e até espera-
aspectos e o suporte espiritual deve ser garantido do, imerso no ambiente familiar (Ariès, 2003). O des-
como uma resposta à sua necessidade fundamental, locamento do lugar da morte para o hospital, como
como um direito que não pode ser desconsiderado. acontece atualmente, parece não contribuir muito
Também para os pais, devido à perda de significado, para que as pessoas aceitem com mais a situação. De
sentido e esperança, pode-se falar em sofrimento certa forma, podemos pensar num processo de anos,
e crise espiritual, vivenciados como uma sensação no qual naturalmente as pessoas aprendiam a lidar
de abandono por parte de Deus e de tantos com a morte e, nos casos de adoecimento prolonga-
questionamentos profundos sobre as suas estruturas do e grave, a morte era familiar, acompanhada por
de crença que lhe dão força. A espiritualidade deve todos os membros do núcleo. Aos poucos ela foi afas-
ser considerada como um dos sinais vitais, de tada e, principalmente, as crianças e os mais jovens
modo que é importante que o médico seja capaz de
são “poupados” do contato com a debilitação física
identificar e reagir aos aspectos da espiritualidade
extrema e a morte. constitui-se, assim, uma lacuna
que se apresentam na situação. Nesse sentido, o
no aprendizado, não se aprende a lidar com a morte,
autor defende ainda o cuidado espiritual, como
ela é quase reduzida a uma notícia e aos rituais de
parte integrante dos cuidados paliativos, e afirma
sepultamento e cremação, nos quais também se re-
ser fundamental alimentar a fé que aponta para o
pete a atitude protetora de não deixar que todos par-
caminho que responde a ansiedade sobre o destino
ticipem. Em meio a esse processo de aprendizado e
do bebê, a esperança que ajuda a perseverar nesse
“desaprendizado”, surge a proposta de uma educação
caminho e a caridade como necessidade universal
para a morte, que considera todo o contexto atual no
que confia aquele que está morrendo ao amor de
qual ela, a morte, se insere. Um novo aprendizado
Deus. A proposta desse autor, construída no terreno
sobre algo tão antigo quanto a própria existência hu-
da pesquisa cristã, aproxima-se da realidade religiosa
mana, que considera diferentes aspectos da situação,
brasileira, o que a torna relevante neste estudo.
como a dor da mãe que perde o filho, o sofrimento de
Discussão profissionais que estão em constante contato com a
morte, a dificuldade de aceitação daqueles que estão
Entre os muitos dados que chamam atenção nas em fase terminal, bem como de seus respectivos fami-
pesquisas sobre situação de morte, que aproximam liares. Torna-se evidente a necessidade de apoio que
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.129 - 140 137

as pessoas revelam e, às vezes, alguns profissionais experiência humana. Por isso, esse tema foi escolhi-
de saúde também são incompreendidos. A ausência do para o V Seminário Nacional de Psicologia e Senso
de prática religiosa também pode estar relacionada à Religioso, que reuniu pesquisadores de diversas uni-
dificuldade de elaboração do luto. Acreditar num ser versidades brasileiras. Este livro divulga as conferen-
superior que acolhe a pessoa amada, é para muitos o cias, palestras e mesas-redondas acontecidas nesse
conforto suficiente para dar conta da situação e não seminário. Qual a importância da espiritualidade
apenas em relação aos que morreram, mas também para um movimento de emancipação em psicologia
como força necessária para que os enlutados possam e num contexto interdisciplinar? Como vivenciam a
dar continuidade à própria vida. Nesse sentido, uma espiritualidade pessoas de diferentes religiões? Es-
das pesquisas aponta com clareza a religiosidade de sas são algumas das perguntas discutidas aqui.”,”IS-
profissionais de saúde, como sendo uma das grandes BN”:”978-85-349-2399-6”,”language”:”Portu-
bases para suportar a dor. O resgate da escuta da fala guês”,”editor”:[{“family”:”Amatuzzi”,”given”:”Mauro
do moribundo (Kübler-Ross, 2008) é uma atitude Martins”}],”author”:[{“family”:”Ancona Lopez”,”gi-
muito útil que faz bem não apenas àqueles que estão ven”:”Marilia”}],”issued”:{“date-parts”:[[“2005”,7,1]]}}}],”s-
morrendo. É também necessário que profissionais de chema”:”https://github.com/citation-style-langua-
saúde, tendo clareza da irreversibilidade da situação, ge/schema/raw/master/csl-citation.json”} . Isso
não ignorem aquilo que os pacientes querem mani- significa que, mesmo sendo ateu, o profissional de
festar, pois suas dores, angústias, tristeza e tantas psicologia que atende uma situação de morte não
outras emoções vividas nesse momento, podem ser pode menosprezar aquilo que o paciente apresenta
compartilhadas, só é preciso abrir o espaço para esse com referência às suas crenças religiosas. Ainda que
compartilhamento. Nesse sentido, os profissionais algumas práticas religiosas também estejam con-
de saúde, principalmente psicólogos que atuam em taminadas por falhas, que precisam ser filtradas e
hospitais, podem facilitar a realização dos rituais de corrigidas, é importante reconhecer que quem fixa
despedida e ajudar naquilo que for mais significati- o olhar apenas nos erros, deixa de perceber os bene-
vo para o moribundo e seus familiares, sempre com fícios que a prática religiosa proporciona ao paciente
respeito à vontade do paciente terminal e de seus fa- e seus familiares, afinal o paciente quando entra no
miliares. Especificamente sobre religião e espiritua- setting terapêutico, não deixa sua espiritualidade/
lidade, a indicação para que se faça o convite ao líder religiosidade na sala de espera (Pargament, 2011),
religioso da denominação à qual pertence a família e uma vez que a experiência espiritual/religiosa faz
o paciente, pode ser uma forma de trazer algum con- parte do seu ser.
forto para aqueles que se encontram em situação de
morte. Apesar dessa possibilidade, os artigos selecio- Considerações finais
nados não exploraram esse aspecto, o que significa
uma das lacunas existentes nas pesquisas sobre o as- Antes de tudo, devemos recordar que esta pesqui-
sunto. O conhecimento sobre as práticas religiosas sa apresenta um dos olhares possíveis sobre investi-
do paciente e seus familiares é importante, inclusi- gações que articulam religião e espiritualidade com a
ve para que se possa evitar algum comentário des- situação de morte e/ou luto, no campo da psicologia.
pretensioso que ofenda a crença daqueles que estão Muitas outras propostas, somadas a esta podem não
vivenciando a situação, a religião não é algo a mais apenas ampliar o olhar sobre o assunto, mas tam-
na vida das pessoas, mas sim uma parte integran- bém despertar aspectos que podem ser usados na
te de suas vidas e de suas experiências cotidianas intervenção em psicoterapia. A pesquisa mostrou
(Bruscagin, Savio, Fontes, & Gomes, 2008). Além que estudos em psicologia da religião não costumam
disso, é preciso reconhecer que a religião expressa abordar o tema da morte e do luto, sendo o inte-
uma determinada compreensão de sentido de vida resse dos pesquisadores voltado para outros temas
(Ancona Lopez, 2005)”page”:”95-120”,”edition”:”E- nesse campo da psicologia. Por outro lado, também
dição: 1ª”,”source”:”Amazon”,”event-place”:”São Pau- foi percebido que os estudos sobre morte e luto, em
lo”,”abstract”:”Espiritualidade é um tema fundamen- psicologia, não abordam com frequência o tema da
tal em nosso dias. Está relacionado com o equilíbrio religião e da espiritualidade, outros são os aspectos
psicológico e a maturidade humana. Está relacionado mais explorados nos trabalhos localizados nessas
ate mesmo com nossas posições políticas. A psicolo- pesquisas. A partir dos resultados obtidos, podemos
gia não podia se furtar ao estudo dessa dimensão da falar de uma lacuna de pesquisas em psicologia que
138 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.129 - 140

abordem de forma convergente os temas da morte/ de uma breve realização do ritual. Ao se dirigir a um
luto e religião/espiritualidade. Claramente, entre os doente em estado grave, é imprescindível a atenção
artigos selecionados, o tema da morte/luto estava não apenas ao doente, pois muitas vezes seus fami-
em evidência, enquanto o tema da religião/espiri- liares estão ávidos para falar de seus sentimentos e
tualidade aparece de forma secundária. Cada pessoa necessitados de alguém que os escute, de forma aco-
tem seus sistemas de valores e crenças, que muitas lhedora. O mesmo acontece quando ocorre a solici-
vezes não exercem influência na juventude ou na tação para que o religioso compareça a um velório.
maturidade, mas ganham poder no período terminal Não se trata de dizer algumas palavras e aspergir um
da vida (Salles, 2014). Esse autor defende que os pro- corpo com água benta, mas colocar-se inteiramente
fissionais de saúde adotem atitudes de compreensão presente desde a chegada ao velório até o momen-
em relação à crença dos pacientes. O trabalho desse to da partida, inclusive com disponibilidade para
autor da bioética aproxima-se ao de outros pesqui- aqueles que expressam mais necessidade de aten-
sadores da área da saúde como enfermagem e medi- ção, o que deve ser percebido pela sensibilidade do
cina, conforme já evidenciamos anteriormente. Isso religioso. Considerar o estresse próprio da situação
nos leva a refletir sobre a possibilidade de pesquisa- de morte e ter mais clareza do que pode e deve ser
dores da bioética, enfermagem e medicina estarem feito, conduz o padre a uma melhor condição para
mais atentos às questões da espiritualidade e religio- lidar com as diversas manifestações comportamen-
sidade em relação à situação de morte, que se inicia tais durante o atendimento, ainda que a revolta pos-
com o adoecimento grave, do que pesquisadores da sa ser o sentimento mais forte a ser expresso pelas
psicologia. pessoas emocionalmente impactadas na situação. É
Além de percebermos uma grande lacuna na psi- inegável, portanto, a contribuição da psicologia ao
cologia em relação a estudos convergentes das duas agir das lideranças religiosas para um atendimento
áreas temáticas, espiritualidade/religião e morte/ mais completo quando da situação de morte. Por ou-
luto, quando o filtro religioso esbarra no catolicismo tro lado, este trabalho aponta para as possibilidades
brasileiro, a lacuna cresce ainda mais, apesar do ele- de colaboração que a psicologia pode ter ao estender
vado número de católicos no país. Esse dado chama o olhar e as mãos para a esfera da espiritualidade
mais atenção quando consideramos que o cristianis- e religião, especificamente em se tratando da situa-
mo católico dispõe de uma organização ritual apro- ção de morte. Muitas pesquisas são realizadas com
priada à situação de morte, desde o momento em pessoas que se encontram em adoecimento grave,
que a enfermidade se agrava e a possibilidade de fa- o que é muito importante. No entanto, a psicologia
lecimento se aproxima do moribundo, até o período, não pode deixar de estender sua atenção também
não exatamente definido, posterior à consumação aos que ficam após a morte. O olhar clínico da psico-
da morte. Por razões que ainda podem ser investiga- logia para os enlutados pode encontrar na vivência
das essas referências estão ausentes das pesquisas, da espiritualidade/religiosidade do paciente, uma
conforme observamos nas buscas realizadas neste força que potencializa o enfrentamento da situa-
estudo. Emerge, assim, um questionamento sobre as ção. Tanto na prática clínica quanto nas pesquisas,
pesquisas em psicologia sobre morte, luto, religião o tema da religião/espiritualidade merece a atenção
e espiritualidade e o interesse pela mais tradicional da psicologia para uma melhor compreensão daqui-
expressão religiosa no Brasil, o que, certamente, po- lo que está se passando com a pessoa que vivencia a
derá ser abordagem de futuras investigações. Apesar situação de morte, quer seja em relação à vulnerabi-
dessa ausência, destacamos importantes possibi- lidade da sua própria vida ou à experiência de perda
lidades de colaboração que a psicologia oferece aos de um ente querido. A religião pode ser uma pode-
padres para que possam melhorar seu desempenho, rosa estratégia, entre outras, de enfrentamento da
quando solicitados a atender em situação de morte, perda que se relaciona de forma significativa com
uma vez que esses líderes religiosos também podem a resiliência e o importante papel do psicólogo na
apresentar dificuldades na compreensão e no agir prevenção e administração de casos de luto compli-
quando atuam na situação de morte. cado (Tavares & Eugenia, 2016). O trabalho dessas
O conhecimento esclarecido das angústias do autoras aponta a religião como a principal estraté-
paciente terminal, de seus familiares e também de gia de enfrentamento para pessoa com luto normal
profissionais de saúde, prepara o padre para um e a segunda, para casos de luto complicado, em sua
atendimento mais humanizado, que possa ir além pesquisa realizada junto à população mexicana. No
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.129 - 140 139

Brasil, já falamos em educação para a morte, no que conhecidas e permaneceram cristalizadas durante
se refere à formação de profissionais da área da saú- séculos. O ateísmo, mesmo crescente nos tempos
de e educação (Kovács, 2016). Nessa perspectiva, atuais, não supera a identificação das pessoas com
podemos pensar numa mão que se estende também as práticas religiosas e as experiências espirituais.
às lideranças religiosas, que igualmente precisam de No caso do Brasil, o cristianismo, e mais especifica-
atenção específica a respeito de uma educação para mente o catolicismo, além de estarem no imaginá-
a morte, ao passo que também a psicologia pode rio e na vivência religiosa da maioria da população,
aproximar-se criteriosamente da espiritualidade/ pode oferecer grande contribuição às ciências, desde
religião e explorar as contribuições que estas podem que devida e criteriosamente explorados.
oferecer. Ultrapassando o pensamento puramente Enfim, não restam dúvidas quanto à importância
tecnicista e mensurável, as ciências, inclusive a psi- e à necessidade de mais estudos que considerem a
cologia, precisam superar o receio, a desconfiança interface entre psicologia e religião, que abordem a
e o distanciamento da espiritualidade/religião no morte e o luto, pois estamos diante de terreno da
avanço do conhecimento e de possibilidades prá- psicologia com muitas possibilidades de investiga-
ticas que contribuem com o edificante esforço de ção, tendo claro o respeito devido às fronteiras es-
atender às demandas mais profundas do ser huma- pecíficas de cada área. É importante ressaltar a ini-
no, como é o caso dos sentimentos gerados e inten- ciativa do CRP-SP com os seminários de 2015, cuja
samente vivenciados pelas pessoas quando da situa- participação despertou interesse de pesquisadores
ção de morte. A rejeição à religião, espiritualidade em todo o país e o resultado foi um volume conside-
e religiosidade proclamada durante décadas não ex- rável de manuscritos em torno do tema da religião/
tinguiu a experiência religiosa da vida das pessoas. espiritualidade. Apesar disso, ainda são poucos os
Elas, a espiritualidade, a religião e a religiosidade, trabalhos que convergem o tema, aproximando-o da
apenas tomaram formas diferenciadas das que eram situação de morte.

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140 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.129 - 140

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Recebido: 30.10.18 / Corrigido: 22.01.19 / Aprovado: 16.04.19
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.141 - 141 141

II - resenha de livros

EMMANUEL NOVAES LIPP, M, FABBRO SPADARI, G (Orgs), TERAPIA RACIONAL-EMOTIVA COMPOR-


TAMENTAL na teoria e na prática, Novo Hamburgo, Sinopsys Editora, 2019.

Célia de F. Pravatta Pivetta

A Terapia Racional Emotiva Comportamental (TREC) foi criada pelo psicólogo Albert Ellis, sendo uma
das vertentes da Terapia Cognitivo Comportamental. Descontente com o desenvolvimento de seus pacientes
em terapia, Ellis observou que estes melhoravam mais rapidamente, independente do número de sessões
semanais, quando o terapeuta tinha um papel mais ativo. Nesse momento, ele já não visualizava a psicanálise
como a abordagem mais eficaz para ajudar os pacientes a resolver seus problemas, optando, então, por um
modelo mais ativo e colaborativo entre terapeuta e paciente. Então, no início dos anos 50, Ellis dá início a esta
abordagem terapêutica, enfatizando que as pessoas sentem e se comportam de acordo com o que pensam.
O princípio fundamental da TREC está sustentado no pressuposto do filósofo grego Epicteto: “Perturbam aos
homens não as coisas, senão a opinião que delas tem”, ou seja, as circunstancias não perturbam as pessoas, mas
as pessoas perturbam-se pela visão das circunstâncias. De acordo com a TREC, ao longo da vida as pessoas
tendem a desenvolver formas irracionais e extremamente demandantes de pensar sobre si mesmas, sobre
os outros e sobre a vida, construindo uma forma disfuncional de viver, vindo a constituir os diversos trans-
tornos e disfunções que podem acometer o ser humano. O livro apresenta as perspectivas teórica e prática
na abordagem da TREC em diversos contextos da nossa realidade, bem como nas diversas etapas do ciclo de
vida (infância, adolescência, vida adulta e velhice), incluindo práticas terapêuticas nos diversos transtornos
(TDAH, Transtornos alimentares, depressivos, ansiosos, TOC, TEPT, entre outros) e problemas emocionais
e situacionais (dependência amorosa, dor crônica, luto, câncer, habilidades sociais). A obra foi organizada
pela Dra Marilda E. Novaes Lipp (Ph.D pela George Washington University e pós doutorada em stress social,
psicóloga), Dra e Ms. Tátila Martins Lopes (psicóloga) e Ms. Gabriela Fabbro Spadari (psicóloga) e, reúne a
colaboração de especialistas nacionais e internacionais, os quais primam por seu conhecimento e prática nes-
ta abordagem terapêutica. Esta obra constitui um amplo manual atualizado, teórico e prático, na abordagem
da TREC, direcionado para psicoterapeutas atuantes e para os que desejem aprofundar seu conhecimento
nesta abordagem terapêutica. A obra é pioneira no Brasil, e representa uma importante contribuição porque
difunde o conhecimento e a aplicabilidade da TREC, sendo esta uma abordagem que propicia às pessoas cons-
truírem a sua saúde emocional, mesmo em situações adversas, de forma a se tornarem mais resilientes para
o enfrentamento das diversas situações de vida, com menos sofrimento.
142 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.142 - 144

DE CARVALHO PACHECO BITTENCOURT, A.C; CAETANO DE ALMEIDA NETO, E; RODRIGUES, M.E; BRI-
TO ARARIPE, N. Depressão – Psicopatologia e Terapia Analítico-Comportamental. 2ª.edIção, Curi-
tiba: Juruá Editora, 2015.
José Francisco de Sousa

Trata-se de uma obra com apenas 114 páginas composta por 6 valiosos artigos escritos por especialistas
e pesquisadores na área de Análise do Comportamento a respeito de um tema atual e de grande relevância
social: a depressão. A organização do livro ficou a cargo de Ana Carolina de Carvalho Pacheco Bittencourt,
editora da Juruá na área de Psicologia e de Esequias Caetano de Almeida Neto, Maria Ester Rodrigues e
Natalie Brito Araripe, cuja estrutura ficou sob a forma de 6 artigos de grande riqueza científica, sendo que o
segundo deles intitulado Modelos Experimentais de Depressão, conta com a presença marcante do grande
analista do comportamento no Brasil, Roberto Bonaco que escreveu juntamente com mais três pesquisado-
res: Denis Roberto Zamignani, Carlos Eduardo Costa e Marina Rafaela Dantas. A ideia central deste primeiro
artigo é a de ver a depressão como um fenômeno complexo cuja topologia descrita nos grandes manuais de
doenças mentais servem de torne para o terapeuta-comportamental, mas que, segundo os autores têm suas
limitações. Destacam os autores para o desamparo aprendido, um dos modelos experimentais de depressão
propostos por Maier, Overmeier e Seligma e que até hoje serve de paradigma para a análise do comporta-
mento. Importante também é a tese dos autores no sentido de que as estratégias terapêuticas da análise do
comportamento para lidar com a depressão, principalmente no que diz respeito aos procedimentos e técni-
cas, apontando especialmente para o uso de entrevistas que podem ser pouco favoráveis para produzir uma
variabilidade terapêutica. E com base na ciência do comportamento, os autores alertam para a prevenção des-
sa patologia apontando as implicações culturais e ontogenéticas da depressão. O primeiro capítulo do livro é
dedicado ao diagnóstico da depressão e aos dados epidemiológicos divulgados pela Organização Mundial de
Saúde. Como trata-se de uma abordagem teórica e científica bastante sólida, os autores ( Esequias Caetano de
Almeida Neto, Hélida Luanna Silva Reis e Natalie Brito Araripe) apontam para os aspectos comportamentais
observáveis da depressão, sem julgar as questões mentalistas no qual destacam alguns inventários ( clássicos,
mas pouco utilizados por psiquiatras e psicólogos) como a Escala Hamilton de Depressão (HAM-D) e a Escala
Beck de Depressão (BDI). No capítulo Terapia analítico-comportamental da depressão, da mestra e doutora em
Psicologia Experimental pela USP, Regina Chistina Wielesnka mostra que a depressão afeta não só o indívi-
duo, mas também toda uma sociedade uma vez que traz prejuízos na econômica, e principalmente afetando
familiares e amigos da pessoa que se encontra deprimida. Para a pesquisadora, a proposta de Ativação Com-
portamental mostra que é dentro do contexto de vida que se pode localizar os fatores que contribuem para a
instalação e agravamento da depressão e que o processo terapêutico-comportamental busca interferir sobre
os comportamentos que mantém e agravam o estado depressivo e que na terapia, faz-se um plano de ação
cujo objetivo é o afastamento das esquivas prejudiciais capazes de aproximar de respostas que produzem
reforçadores para eliminar a depressão fazendo com que a pessoa com depressão consiga aprender a resolver
os seus problemas, ou pelo menos a lidar com eles. O capítulo seguinte, escrito por Paulo Roberto Abreu e
Juliana Helena Abreu, aprofundam na questão da ativação comportamental apresentando o protocolo de
Martell, Addis e Jacobson de 2001.Apresentam também uma escala de prazer cujo objetivo é o de apresentar
reforçadores positivos no combate ou tratamento da depressão, dando um exemplo de uma cliente que fez
uma agenda semanal de atividades que é acompanhada e avaliada pelo analista do comportamento. Assim,
os autores apresentam algumas formas de enfrentamento especialmente ajudando ao paciente a lidar com os
“pensamentos ruminativos”. Aqui o foco principalmente é a ativação de comportamentos ajustáveis com a
ajuda de várias técnicas, o que não é muito comum para a Ciência do Comportamento. Este assunto é discu-
tido exaustivamente no capítulo escrito por Deborah Fernandes Lobo, Daniela Vilarinho-Rezende e Isabelle
Cacau de Alencar que afirmam que a utilização de recursos terapêuticos na terapia analítico-comportamental
para a depressão promove uma variabilidade comportamental e uma série de contingências reforçadoras ca-
pazes de ajudar no tratamento. Destacam algumas técnicas como o uso de poemas, filmes e treinos de resolu-
ção de problemas. O prefácio feito por Hélio Guilhardi, diretor do ITCR – Instituto de Terapia por Contingên-
cias e Reforçamento – é um capítulo a parte e faz uma série de esclarecimentos a respeito da depressão sob a
ótica conceitual da análise do comportamento, destaca a figura central do “doente” no processo terapêutico,
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.142 - 144 143

colocando ele como sujeito ativo desse processo como elemento importante capaz de participar de forma in-
terativa juntamente com o analista do comportamento. O livro não é um Manual para se entender a depres-
são tanto que o último capítulo intitulado Da relação entre infanticídio e depressão pós-parto para o direito
brasileiro e para a Psicologia, de Ana Carolina de Carvalho Pacheco Bittencourt, a autora além de discutir o
tema sob a luz da Ciência do Comportamento e do Direito Brasileiro, traz uma importante contribuição no
sentido de que apresenta algumas formas de prevenção e de tratamento. E ele é tão pouco destinada à apenas
a especialistas no assunto, mas também para aqueles que querem entender o assunto mesmo sendo leigo.
144 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p.144 - 144

III - COMPLEMENTOos

MEMÓRIA

Dr. WALDECY ALBERTO MIRANDA, CADEIRA 15


THEREZINHA FRAM, CADEIRA 18
Dr. Carlos Rolim Affonso (2)
Aidyl Macedo Q. Pérez-Ramos (1)
No dia 19 de abril de corrente ano, recebi, con-
tristado, a infausta notícia do falecimento do queri-
Imensamente triste a Academia Paulista de Psico-
do colega e amigo Waldecy Alberto Miranda, Cad. 15,
logia divulga o falecimento da nossa querida colega,
membro destacado de nossa Academia Paulista de
Drª Therezinha Fram, Cadeira 18, no dia 24 de se-
Psicologia. Excelente profissional dessa então novel
tembro de 2018. Drª Therezinha exerceu muitos car-
profissão, emprestou à ela, desde sua fundação, ines-
gos políticos como Secretária de Educação do Estado
timáveis contribuições, das quais ouso destacar as de
de São Paulo.
fundador do Sindicato dos Psicólogos no Estado de
(1) membro da Academia Paulista de Psicologia,
São Paulo, da instalação dos orgãos de fiscalização,
ocupando a Cadeira 30
da orientação do exercício profissional e compôs o
primeiro plenário do Conselho Regional de Psicolo-
gia, tendo sido seu primeiro Presidente. Dentre as
realizações de sua gestão no CFP, destaca-se a Ins-
trução Normativa da Receita Federal que autoriza os
contribuintes a abater do imposto de renda, as des-
pesas efetuadas com psicólogos, norma que encon-
tra-se em vigência até no dia atuais. Por suas atua-
ções, nosso caro Waldecy Alberto Miranda, Cad. 15,
recebeu vários diplomas honoríficos pelos relevantes
serviços prestados à classe e a sociedade brasileira.
(2) membro da Academia Paulista de Psicologia,
ocupando a Cadeira 3
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 145 - 152 145

Instruções para os Autores

O Boletim Academia Paulista de Psicologia é revista promotora desta Academia. Contudo é um periódico aberto
e não exclusivo aos membros da entidade. Está registrado sob a sigla ISSN 1415-711X (International Standard Serial
Number) na versão impressa e sob o ISSN 2176-3038 na eletrônica, como títulos únicos de publicações periódicas.
É também identificado pela legenda bibliográfica Bol-Acad. Paul. Psicol. Vem sendo publicado com estrita regulari-
dade durante 38 anos; sua tiragem, no momento, tem sido semestral e de distribuição gratuita para os Acadêmicos
e laureados, como também para as instituições, bibliotecas e profissionais relacionados com a Psicologia, conforme
decisão da Comissão Editorial. Está registrado no Catálogo Eletrônico HELA, na BVS-Psi, PEPSIC, LATINDEX, CLASE e
REDALYC. Nesse último indexador, o Boletim encontra-se on-line desde o ano 2003. Segue em busca do DOI. A orga-
nização da revista inspirou-se, inicialmente, na publicação periódica Academy Update, da The New York Academy of
Sciences, sendo assim, estruturada conforme dois enfoques básicos: de um lado, publica artigos de natureza histórica
e de pesquisa, de significação e inéditos, juntamente com resenhas e divulgação de acontecimentos e eventos que
ocorrem no campo da ciência psicológica e, de outro, como área complementar, síntese das realizações da Academia
e de seus membros. A integração desses dois enfoques indica a peculiaridade desta revista. Uns periódicos Acadêmi-
cos destinam-se somente à circulação restrita de informações sobre as realizações do sodalício e de seus membros,
acrescidas da divulgação de publicações específicas. Outros têm por objeto, apenas a publicação de artigos de rele-
vância no campo do conhecimento que caracteriza a entidade. O presente Boletim atende a esses dois enfoques, com
maior atenção à parte científica.
Embora, a princípio, como um meio de divulgação das atividades desta Academia e de seus Titulares, esta revista,
posteriormente, reformulou o seu conteúdo de forma mais estruturada. Estendeu-se na produção científica, incluindo
registros históricos como vida e obra de pioneiros; entrevistas; pesquisas, teorias, relatos de experiências e estudos de
casos; resenhas de obras importantes na área da Psicologia, além da divulgação de notícias de interesse psicológico,
como são os eventos. Acrescentou informações sobre a Acedemia Sintese das realizações dos Acadêmicos e laurea-
dos (“Member´s News” como na anterior designação da “Academy Updaté”). Hoje possui um corpo interestadual e in-
ternacional de consultores e os nomes dos e resumo, vertidos em inglês e em espanhol. As contribuições destinadas à
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vem vir acompanhados de resumo com 13 a 15 linhas e de 3 a 5 palavras-chave, em português, inglês e em espanhol,
na fonte Arial 9 e no espaço de 0,7 cm entre linhas. Este deve dar ideia completa da pesquisa apresentada ( objetivos,
contribuições bibliográficas, metodologia, resultados, discussão, conclusões ou considerações gerais).
I.3- No encaminhamento do manuscrito, tipo pesquisa, , o título ser traduzido em inglês e em espanhol, seguindo
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também seu endereço pessoal, telefone(s) e e-mail, para contato. Este pode ser o da principal instituição a que o autor
pertença. No caso de coautorias, estas serão limitadas no máximo a cinco colaboradores, sendo esses, profissionais,
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nal é condição indispensável para aceitação dos trabalhos. Tratando-se de pesquisas ou estudos de casos com seres
humanos e/ou de animais devem ser comprovadas por escrito, por meio da aceitação de um Comitê de Ética perti-
nente e também da anuência do(s) participante(s) ou responsável(eis), através do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE).
I.5- No caso de transcrição, na íntegra, de um texto maior que três linhas, este deve ser recuado dois centímetros
146 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 145 - 152

da margem e em itálico. No final, colocar, entre parêntesis, a referência do autor e a página da qual foi extraído o
período da obra indicada. O nome do autor será aqui citado apenas quando não apresentado nas proximidades do
texto transcrito.
I.6- Tratando-se das contribuições relativas à Academia e de responsabilidade de seus membros, abaixo do título
do texto, constar: nome do titular, número e nome da Cadeira que ocupa ou número do registro, se forem Membros
Correspondentes, seguido da instituição a que o(s) autor(es) pertence(m) ou pertenceu(ram) o(s) autor(es). No rodapé
da primeira página, o endereço completo do(s) autor(es), com o tel./fax e/ou e-mail, para fins de correspondência.
I.7- Nos artigos sobre teorias ou de natureza histórica, além da exposição comentada, incluir antecedentes, apre-
ciação crítica e o seu valor multiplicador.
I.8- No que diz respeito a pesquisas empíricas, é imprescindível desenvolvê-las segundo as pautas usuais para a
sua elaboração (introdução, contribuições bibliográficas, método, resultado, discussão e conclusões), destacando-se
sua importância para o progresso da ciência psicológica e/ou para a derivação de novos trabalhos.
I.9- Quanto aos estudos de caso ou relatos de experiência profissional, são aconselháveis subdivisões no conteúdo
e apreciações sobre o valor do trabalho, incluindo implicações conceituais, evidências metodologicamente apropria-
das e sugestões para novos estudos.
I.10- Sobre as resenhas de livros, devem ser referidas a publicações notórias, clássicas ou recentes, sendo neces-
sário destacar, na respectiva análise, a relevância para o progresso da Psicologia como ciência, ensino e profissão.
Ademais, ressaltar o valor que a obra resenhada possa ter para psicólogos, para profissionais de áreas afins, ou ainda,
para o público em geral.
I.11- Os trabalhos referentes aos itens 7, 8, e 9 desta unidade serão analisados primeiramente pelo editor e/ou pela
Comissão Editorial da revista sobre a pertinência para sua publicação. Posteriormente, serão enviados aos pareceris-
tas ad hoc e, baseando nos seus critérios, a Comissão Editorial notificará o(s) autor(es) sobre a aceitação total, sujeito
a modificações ou ainda à recusa, na íntegra, da obra em análise.
I.12- Para a avaliação do manuscrito, são critérios: a) relevância do tema para a Psicologia, como ciência ou pro-
fissão; b) linguagem clara, com revisão gramatical e ortográfica, em função do novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa; c) pertinência da literatura que fundamenta o trabalho; d) respeito ao Código de Ética do Psicólogo; e e)
conclusões ou considerações gerais coerentes entre si e com os dados analisados.
II. Citações bibliográficas
II.1- No concernente a este tema, recomenda-se apresentá-lo conforme as normas estabelecidas pela A.P.A. (Ame-
rican Psychological Association), 5ª. Edição, nas quais se destaca a necessidade de seguir, rigorosamente, ordem alfa-
bética na indicação dos autores pelo seu sobrenome. Deverão ser indicadas nas referências, somente aquelas obras
cujos autores são inseridos no texto e constar o(s) sobrenome(s) dele(s) e inicial(is) do prenome seguidas do ano da
publicação.
II.2- A primeira vez que for apresentada, no texto, a bibliografia em co-autoria, indicar-se-ão todos autores por seus
sobrenomes. Se houver outra citação deles no trabalho, usar-se-á apenas o sobrenome do primeiro autor, seguido
de “e outros”. Devem ser listadas nas referências bibliográficas, no caso de coautoria, os nomes de todos os autores,
sucedendo os de autoria única do mesmo autor. Esses artigos devem vir dispostos na ordem do mais antigo ao mais
recente, respeitada a ordem alfabética estabelecida.
II.3- Livros ou capítulos de livros:
Tratando-se apenas de um autor, a citação dos livros ou capítulos de livros consultados deve ser feita na seguinte
maneira: sobrenome do(s) autor(es), seguido das iniciais do(s) prenome(s), ano da publicação entre parêntesis; título
do livro em itálico, numeração da edição, caso não seja a primeira, local de publicação (cidade) e editora que publicou
a contribuição. Esses procedimentos serão também utilizados quando houver vários autores, sendo que o último
deve ser ligado pelo sinal “&” nas referências e no texto quando estiverem entre parêntesis. Nos casos da citação se-
cundária, incluir o vocábulo “in”, a(s) incial(is) do(s) pré-nome(s) e o(s) sobrenome(s), a fonte bibliográfica, em itálico, a
cidade, dois pontos, a editora e, por fim com os numeros de pags. Exemplos:
• Kovacs, M.F. (1992) Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo
• Sperbt, T. & Maluf, M.R. (2008) Desenvolvimento sociocognitivo: estudos brasileiros sobre a “Teoria da Mente”. São
Paulo: Vetor Editora Psico-Pedagógica.
• Maia, E.M.C. & Pérez-Ramos, A.M.Q. (2001) Fortalecimento do Apego entre mãe adolescente e seu bebê. In: V. A.
Angerami-Camon (org.) Novos Rumos na Psicologia da Saúde, São Paulo: Pioneira Thomson Learning, p. 95-120.

II.4- Artigos de periódicos:


Os procedimentos são os seguintes: sobrenome do(s) autor(es), seguido das iniciais do(s) prenome(s), ano da
publicação entre parêntesis; título do artigo; nome do periódico por extenso e volume em itálico, número entre pa-
rêntesis, páginas inicial e final. Exemplo:
• Nicaretta, M.N. (2010) A formação da identidade do psicólogo clínico estadunidense e suas repercussões para a
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 145 - 152 147

Psicologia no Brasil. Boletim Academia Paulista de Psicologia. V. 30 (79) p. 450-461.


II.5- Obras estrangeiras traduzidas:
Acrescentar, à indicação de livros (em itálico), o(s) nome(s) do(s) tradutor(es), seguido(s) da palavra trad., entre
parêntesis, da cidade, da editora e também entre parêntesis a data da publicação do livro original. Exemplo:
• Krasner, L. & Ullmam, L.P. (1972) Pesquisa sobre modificação do comportamento (C. M. Bori, trad.) São Paulo: Herder
(original publicado em 1965).
No texto, citar o ano da publicação original e o da tradução. Exemplo: (Krasner & Ullmam, 1965/1972)
II.6- Livros organizados
Acrescentar, seguido à data entre parêntesis, a palavra “org”, também entre parêntesis e posteriormente, obedecer
os procedimentos da letra “a” livros e capítulos de livros. Exemplo:
• Figueiredo, W.M. (2000) Wisc-III, in Cunha, J.A. (org.) Psicodiagnóstico V (5ª. ed.) Porto Alegre: Artes Médicas.(p
603-614).
II.7- Teses ou dissertações:
Colocar o sobrenome do autor, seguido da inicial do(s) prenome(s), ano da publicação entre parêntesis; título da
tese ou da dissertação e a indicar se Dissertação de Mestrado ou Tese de Doutorado, em itálico, e os nomes do institu-
to ou departamento, da universidade e da cidade onde foi defendido o trabalho, em letra comum. Exemplo:
• Morim, R. (2006) O cuidado do corpo, imaginação e desenvolvimento humano. Dissertação de Mestrado. Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo.
II.8- Resumos ou trabalhos publicados nos anais de eventos científicos:
Colocar sobrenome do(s) autor(es) seguido da(s) iniciai(s) do(s) prenome(s); ano de publicação entre parêntesis,
título do resumo ou do trabalho apresentado em Itálico ; nome dos Anais e do Congresso e a indicação se é resumo
ou trabalho completo, entre parêntesis. Exemplo:
• Castro, I.R.F. (2003) Psicodiagnóstico clínico e perícia criminológica: semelhanças e diferenças. Anais do 1º. Congres-
so de Psicologia Clínica, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo (resumo).
II.9- Autoria institucional:
Transcrever nas referências o nome da instituição promotora do livro ou do capítulo de livro, a data da emissão
entre parêntesis, o nome do artigo ou livro em itálico, o número e a edição entre parêntesis, exceto se for a primeira,
depois incluir a cidade e a editora. . No texto, apenas incluir a sigla, da instituição e a data da emissão da obra consul-
tada, entre parênteses. Exemplo: Organização Mundial da Saúde (OMS) (1993) Classificação de transtornos mentais e
do comportamento da CID 10. Porto Alegre: Artmedh)
II.10- Figuras e tabelas:
Estas devem ser limitadas, só utilizadas quando extremamente necessário. Deverão ser numeradas por ordem de
inclusão no texto e inseridas, no lugar em que elas são comentadas. Conter um breve título descritivo, posicionado
abaixo nas figuras e acima, nas tabelas. Não usar linhas horizontais para demarcar o cabeçalho. Para evitar cortes
nas tabelas e figuras, recomenda-se coloca-las no fim do artigo, para fins de impressão; só depois das referências e
no local(is) em que deve(m) ser inserida(s), os seguintes dizeres: colocar aqui ou nas proximidades a tabela nº (...) ou
figura nº (...).
II.11 Citação de Homepage ou Web Site
No texto, indicar o autor e data da consulta feita por Internet e, nas referências, listá-la com os dados completos e
com a indicação da data em que foi feito o registro.
148 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 145 - 152

Instrucciones para los Autores

El Boletín Academia Paulista de Psicología, es la revista patrocinada por esta Academia. Es un periódico abierto y
no exclusivo a los miembros de la misma. Está registrada bajo las siglas ISSN 1415-711X (International Standard Serial
Number) en su versión impresa y con las siglas ISSN 2176-3038 en la electrónica, como títulos únicos de publicaciones
periódicas. Está identificada por la leyenda-bibliográfica Bol-Acad. Paul.Psicol. Es publicada regularmente desde hace
38 años, actualmente circula semestralmente y su distribución es gratuita para Académicos y Laureados, así como para
instituciones, bibliotecas y para profesionales relacionados con la psicología, según decisión del Consejo Directivo de la
revista. Está registrada en el Catálogo electrónico de HELA, BVS-Psi, PEPSIC, CLASE, LATINDEX y REDALYC. En este último,
el Boletín está en línea desde 2003. La organización de la revista fue inspirada en la publicación periódica Academy Up-
date, de la Academia de Ciencias de Nueva York, por lo tanto, está estructurada en dos enfoques básicos: por una parte,
publica artículos de naturaleza histórica, así como investigaciones de importancia, la divulgación de eventos y aconte-
cimientos que se producen en el campo de la ciencia psicológica y por el otro, a modo de complemento, una síntesis
de las realizaciones de la Academia y de sus miembros. La integración de estos dos enfoques resalta la particularidad de
esta revista. Algunos periódicos académicos tienen como única finalidad la circulación restringida de información sobre
los logros de la Academia y de sus miembros, además de la difusión de publicaciones específicas. Otras, por ejemplo, se
dedican sólo a publicar artículos de relevancia en el campo del conocimiento que caracteriza a la entidad. Este periódico
atiende estos dos enfoques, con mayor atención a la parte científica por ser esta aquella que más la caracteriza.
Aunque inició como un medio de difusión de las actividades de esta Academia y de sus miembros, la revista
posteriormente, reformuló su contenido incluyendo informaciones continuas de las actividades profesionales de sus
miembros como un “hacer historia” (Member´s News en la Academy Update, referida más arriba) extendiéndose hacia
la producción científica, incluyendo registros históricos como la vida y obra de los pioneros, investigaciones, teorías,
relatos de experiencia y estudios de casos, reseñas de obras importantes, así como la difusión de noticias de interés
psicológico, como los eventos. Hoy está conformada por un equipo nacional e internacional de asesores, y los resú-
menes (abstracs) de los artículos, son traducidos en inglés y español. Las presentes Instrucciones a los Autores se
encuentran en portugués y más recientemente fue traducida al español. Las contribuciones destinadas a publicación,
sean de los propios miembros de la Academia o de otros profesionales, son de exclusiva responsabilidad del (de los)
autor (es). Serán enviadas a la Secretaria de esta organización, por correo postal (Rua Pelagio Lobo, 107 - Pinheiros
- São Paulo - SP – CEP 05009-020, Brasil), y por el e-mail: academia@appsico.org.br, según las instrucciones de pre-
sentación de escritos aquí especificadas, junto con la Carta de transmisión del Manuscrito (v. modelo adjuntado). En
relación a las actividades profesionales de los Académicos, también podrán ser enviadas por fax (11 3675-8889). Los
trabajos presentados para publicación serán examinados por el Consejo Editorial, así como por Asesores Externos ad
hoc. Posteriormente seleccionados, pasarán por un proceso de preparación editorial. Los derechos de autor pertene-
cen al Boletín Academia Paulista de Psicología. Los manuscritos recibidos no serán devueltos.
Destacamos que todos los autores que envíen sus trabajos a ser analizados deben informar su registro en el ORCID
(Open researcher and Contributor ID).
1. Normas para la presentación y evaluación de los escritos
1.1 El envío del documento debe hacerse con un máximo de dos meses de anticipación a la publicación del Boletín
(junio y diciembre). Debe ser inédito y no haber sido enviado a otras fuentes de publicación.
1.2 Los artículos teóricos y de investigación deben tener entre 15-25 páginas. Escritos con un interlineado de 1,5,
transcrito con el editor de textos MS Word, fuente Arial 12, patrón IBM -PC. Deben estar acompañados de su respecti-
vo resumen en tiempo verbal presente, aproximadamente de 14 líneas y contener entre 3 y 5 palabras claves, escrito
en Inglés, español, además de portugués, en Arial 9 y 1,0 cm interlineado. Debe dar la idea completa del trabajo,
incluyendo objetivos, metodología, resultados discusiones y conclusiones o consideraciones generales El título tam-
bién debe traducirse en Inglés y en Español.
1.3 En la página de Identificación es necesario colocar, después del título del trabajo, el (los) nombre(s) del autor (es), la
institución a la que pertenece o perteneció, la ciudad, estado y país en que vive. En el primer pie de página, indicar otras
informaciones (s) del autor (es), grado académico y/o cargo que ocupó u ocupa actualmente, su dirección (es), número de
teléfono (s) y correo electrónico de contacto que servirá también para el envío de la revista. Esta puede ser personal o de
la institución a la cual el autor (es) pertenece (n). En el caso de las co-autorías, está limitado a un máximo de cinco.
1.4 Los manuscritos enviados para su publicación en la revista, deberán respetar las normas éticas pertinentes y el
secreto profesional es un requisito indispensable para la aceptación de la obra. En el caso que se trate de una investi-
gación o estudio con seres humanos y/o animales, deberá comprobarse por escrito, a través de un Comité de Ética, su
aceptación y el acuerdo del participante (s) o responsable (es) por este (s) en la investigación, a través del Término de
Consentimiento Libre y Esclarecido.
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 145 - 152 149

1.5 En el caso de la transcripción de un texto de más de tres líneas, este debe tener una sangría de dos centímetros
y ser transcrito en cursiva. Debe ser colocado al final del texto transcrito, entre paréntesis, el apellido del autor, fecha
y página de la que se extrajo el período de la obra en cuestión. El apellido del autor sólo se menciona cuando no
aparece cerca del texto transcrito.
1.6 Las contribuciones que tengan que ver con la Academia y al ser de responsabilidad de sus miembros, debajo
del título deberá indicarse: nombre del titular, número y nombre de la silla que ocupa o el número de registro en el
caso de ser Miembro Correspondiente, seguido por la institución a la que pertenece (n) o perteneció (eron) el (los)
autor (es).
1.7 Los artículos sobre teorías, de naturaleza histórica y/o bibliográfica, además de lo comentado anteriormente
sobre lo que debe incluir, hay de contener antecedentes, evaluación crítica, así como su valor multiplicador.
1.8 Con respecto a la investigación, es necesario su desarrollo de acuerdo a las pautas acostumbradas en su prepa-
ración (introducción, contribuciones bibliográficas, metodología, resultados, discusión y conclusiones), destacando
su importancia para el progreso de la ciencia psicológica y las posibles derivaciones hacia nuevas líneas de trabajo.
1.9 En relación a los estudios de casos o relatos de experiencia profesional, es recomendable las subdivisiones en
el contenido, así como las apreciaciones sobre el valor del trabajo, incluidas las implicaciones conceptuales, las evi-
dencias metodológicas apropiadas y las sugerencias para estudios posteriores.
1.10 Sobre las reseñas, deben ser de publicaciones de relevancia, clásicas o recientes, siendo necesario destacar
en su análisis la importancia para el progreso de la Psicología como ciencia, enseño y profesión. Por otra parte, es
importante destacar el valor que el trabajo revisado pueda ofrecer a los psicólogos y profesionales en campos afines,
o al público en general.
1.11 Los trabajos relacionados a los aspectos 1.7, 1.8 y 1.9 de esta unidad serán analizados primeramente por el
Editor y por el Consejo Editorial de la revista, sobre la pertinencia de su publicación, con la posibilidad de sugerírsele al
autor algunas alteraciones y/o modificaciones. A continuación, serán enviados a los asesores ad hoc y los cuales darán
su juico y, será (n) notificado (s) el (los/las) autor (es) sobre su aceptación total, sujeto a modificaciones o rechazo total
de la obra analizada.
1.12 - Para la evaluación del manuscrito, son criterios: a) La pertinencia del tema para la Psicología como ciencia
o profesión y para la misión de la revista. b) lenguaje claro, revisión gramatical y ortográfica, según el nuevo Acuerdo
Ortográfico de la Lengua Portuguesa / Real Academia Española, según corresponda. c) Relevancia del material biblio-
gráfico usado en el desarrollo del trabajo, d) Respeto al Código de Ética del Psicólogo y e) conclusiones generales o
consideraciones coherentes entre sí y con los datos analizados.
2. Normativas bibliográficas
2.1 Al aspecto, se recomienda emplearse las normas establecidas por la A.P.A. (American Psychological Associa-
tion), sexta Edición (2011), en las que se destacan la necesidad de seguir, de manera rigurosa, el orden alfabético de
los autores por su apellido. Deben ser incluidas en las referencias, sólo aquellas obras cuyo (s) autor (es) sea(n) referi-
do(s) en el texto, constando apellido (s), seguido del año de publicación. En caso de dos autores del mismo apellido,
deberá incluir después de este, la inicial de sus nombres.
2.2 La primera vez que se haga referencia en el texto a bibliografía con tres o más autores, debe incluirse a todos
por sus apellidos, con la fecha de impresión del artículo en cuestión. En el caso de haber otras referencias de estos
autores en el trabajo, debe citarse sólo el apellido del primer autor, seguido de “y otros”. En el caso de haber en las
referencias, co-autorias, debe señalarse los apellidos de todos los autores, seguido las iniciales de los nombres. Estos
artículos deben colocarse en orden decreciente, del más antiguo al más reciente, según la fecha y orden alfabético
ya establecido.
2.3 Libros y capítulos de libros:
En la referencia donde se trate de un sólo autor, los libros o capítulos de libros consultados deberán ser presenta-
dos de la siguiente manera: Apellido (s) del autor (es), seguido por inicial del nombre (s), año de la publicación entre
paréntesis, título en cursiva, número de la edición, si no fuese la primera edición, lugar (ciudad) y editorial de la pu-
blicación. Junto con estos procedimientos a ser usados, en el caso que hayan varios autores, el último de estos debe
ser conectados por el signo “& “ en las referencias y en el texto, cuando estuviesen entre paréntesis. En los casos de
citas secundarias, incluir la palabra “en” a las iníciales del nombre (s) y apellido (s), la fuente bibliográfica en cursiva, la
ciudad, dos puntos y la editorial. Ejemplos en las referencias:
• Kovacs, M.F. (1992) La muerte y el desarrollo humano. Sao Paulo: Casa del Psicólogo .
• Sperbt, T. & Maluf, M.R. (2008) Desarrollo sociocognitivo: estudios brasileños sobre la “teoría de la mente. “
Sao Paulo: Vector Editora Psico-Pedagógica .
• Maia, E.M.C. & Pérez -Ramos , A.M.Q. ( 2001 ) Fortalecimiento del apego entre madre adolescente y su bebé.
En: V.A. Angerami - Camon (Ed.) Nuevas orientaciones en Psicología de la Salud. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.
En el texto, registrar el apellido del autor y fecha, entre paréntesis.
150 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 145 - 152

2.4 Artículos de revistas:


Para las referencias, los procedimientos son los siguientes: apellido (s) del autor (es), seguido por la inicial del nom-
bre (s); año de publicación, entre paréntesis; título del artículo, nombre completo de la revista en cursiva volumen y
el número de la edición entre paréntesis, si no fuese la primera, numero de la primera y última página del artículo
presentado. Ejemplo:
• Nicaretta, M.N. (2010) La formación de la identidad del psicólogo clínico estadounidense y sus repercusiones
para la Psicología en Brasil. Boletín Academia Paulista de Psicología, 30(79), pp.450-461.
En el texto, el apellido del autor y fecha entre paréntesis.
2.5 Las obras extranjeras traducidas:
En las referencias, el (los) apellido(s) del (los) autor(es), con las iníciales de sus nombres, el nombre de la obra en
cursiva, seguida del traductor posponiendo la palabra “Trad.”, con la fecha del original publicado, entre paréntesis,
seguido de la ciudad y la editora. Ejemplo:
• Krasner, L. & Ullmam, L.P (1972) La investigación sobre modificación de la conducta (C.M. Bori , trad. y original
publicado en 1965) São Paulo: Herder.
En el texto, debe citarse señalando el año de la publicación original, barra (/), seguido de la fecha de publicación
consultad . Ejemplo: (Krasner & Ullmam , 1965/1972)
2.6 Compilaciones:
En las referencias incluir después del apellido del autor las iniciales del de su nombre, la fecha entre paréntesis, el
nombre del artículo, la palabra “En”, ya seguir los procedimientos de la sección 2.3, libros y capítulos de libros. Ejemplo:
• Figueiredo, W. M. (2000) WISC -III . En: Cunha, J.A. (org.) Psicodiagnóstico V (5.ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.
2.7 Tesis, trabajos de grado y/o de ascenso:
En las referencias, colocar el (los) apellido(s) del (de los) autor (es), seguido de la (s) inicial (es) de nombre (s), año de
publicación entre paréntesis, título de la tesis o del trabajo de grado y/o ascenso en cursiva, indicando Tesis de Maes-
tría o Tesis Doctoral según corresponda, el nombre del instituto o departamento, la universidad y la ciudad donde el
trabajo fue defendido presentados en letra normal. Ejemplo:
• Morim, R. (2006) El cuidado del cuerpo, la imaginación y el desarrollo humano. Tesis de Maestría, Instituto de
Psicología de la Universidad de São Paulo, São Paulo.
2.8 Los resúmenes o trabajos completos publicados en eventos científicos:
En las referencias, colocar el apellido (s) del autor (es) seguido de la inicial (es) del nombre (s), año de publicación
entre paréntesis, título de la obra en cursiva, el nombre de la memoria del Congreso, señalando entre paréntesis que
se trata de resumen o trabajo completo.
• Castro, I.R.F. (2003) Psicodiagnóstico clínico y pericia criminalística: similitudes y diferencias. Memorias del 1er
Congreso de Psicología Clínica, Universidad Presbiteriana Mackenzie , de São Paulo (trabajo completo).
En el texto, seguir las indicaciones comunes.
2.9 Autor Institucional:
Transcribir en las referencias, el nombre de la institución que promueve el artículo consultado y sus siglas la fecha
de publicación, entre paréntesis, el nombre del artículo en cursiva, el número de la edición, excepto si tratase de la
primera, a continuación, la ciudad y la editorial. Ejemplo:
• Organización Mundial de la Salud (OMS) (1993) Clasificación Internacional de Enfermedades CIE 10. Porto Ale-
gre: Artmed.
En el texto, basta con incluir las siglas de la organización y la fecha de emisión de la obra entre paréntesis. Ejemplo:
(OMS, 1993)
2.10 Figuras y tablas
Su uso debe limitarse sólo cuando sea extremadamente necesario. La numeración será realizada según el orden
de aparición en el texto y colocadas en la sección donde serán comentadas y/o discutidas. Debe contener un breve
título descriptivo colocado debajo de las figuras y en la parte superior de las tablas, según sea el caso. No usar líneas
horizontales para señalar el encabezado. Para evitar cortes en las tablas y figuras, se recomienda colocarlas hacia el
final del artículo, después de las referencias y en el lugar que le corresponde en el documento, se inserta el siguiente
texto: (colocar aquí o en la proximidad la tabla no ... o la figura no ....).
2.11 Referencia de Página o Sitio Web
En el texto, indicar el autor y la fecha de la consulta realizada en internet, en la lista de referencias, colocar los datos
completos, indicando la fecha en que se realizó la búsqueda.
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 145 - 152 151

PUBLICAÇÃO E ASSINATURA

BOLETIM ACADEMIA PAULISTA

À Comissão Editorial do Boletim Academia Paulista de Psicologia

Com a presente carta, o(s) autor(es) (indicação do seu nome ou nomes) encaminha(m) à Academia Paulista
de Psicologia o manuscrito adiante nomeado, seguramente para ser submetido a essa Comissão, solicitando
seja o mesmo analisado para possível publicação no referido Boletim. Declara outrossim, que tem conheci-
mento e respeita todas as exigências das Instruções para os Autores da respectiva revista, especificamente os
quesitos abaixo relacionados.

Nome do artigo:_______________________________________________________

1 – O(s) Autor(es) preparou(aram) 2 cópias do manuscrito que serão enviadas ao endereço do Boletim para
Rua Pelágio Lobo, 107, Perdizes, 05009-020, São Paulo, Brasil. Uma com identificação do(s) autor(es), função e
respectivo(s) endereço(s), enviada pelo correio postal e outra, sem identificação, pelo e-mail do Boletim (aca-
demia@appsico.org.br).
2 – O manuscrito é inédito, isto é, não foi publicado no todo ou em parte e nem está sendo submetido a
qualquer outro meio de publicação.
3 – No caso de ser publicado no Boletim, o autor(es) cede(em) à comissão Editorial do referido órgão os
direitos autorais do artigo, bem como de partes dele (gráficos, tabelas, etc.) que só poderão ser transcritos em
outro veículo de publicação se houver autorização solicitada e obtida por escrito desta Academia.
4 – Se o artigo se referir à pesquisa empírica, com o emprego de seres humanos e/ou de animais, o autor
anexou à presente carta, comprovante de que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética pertencente à
instituição na qual foi realizada a pesquisa.
5 – Anda-se da pesquisa com seres humanos, o(s) autor(es) apresentará(ão) comprovante do TCLE (Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido) dos sujeitos que participaram da mesma, ou por ele(es) responsável(is).
6 – No caso do manuscrito ser de vários autores (máximo de cinco), assinaram a presente carta todos eles
(autor e coautores), ficando entendido que todos colaboraram, efetivamente, para a elaboração e revisão final
do trabalho e declaram ter conhecimento e respeitam todas a exigências aqui especificadas e que a não ob-
servação de qualquer delas, implicará na rejeição pura e simples do manuscrito.
7 – Neste caso, todas as assinaturas serão identificadas com nome impresso ou em letra de forma, com o
respectivo CPF.

Aguardando manifestação dessa Academia, subscrevemo-nos.

Atenciosamente,

_________________________________
Nome impresso

_________________________________
Assinatura e CPF
152 Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 145 - 152

Modelo de Carta de Remessa de


Manuscrito

_________________________
Local e data:

À Comissão Editorial do Boletim Academia Paulista de Psicologia

Com a presente carta, o autor (indicação do nome) encaminha à está Comissão o manuscrito adiante
nomeado, para ser por ela submetido, analisado para possível publicação no referido Boletim. Declara que
tem conhecimento e respeita todas as exigências das Instruções para os Autores da respectiva revista, espe-
cificamente os quesitos abaixo relacionados.

Nome do artigo: _____________________________________________

1 – O autor preparou 4 (quatro) cópias do manuscrito que são enviadas a essa Comissão: duas com a
identificação de seu nome, endereço, telefone, e-mail, cargo e instituição a que pertence e outras duas, sem
qualquer identificação; uma de cada tipo, enviada por e-mail e as duas restantes, por correio.
2 – O manuscrito é inédito, isto é, não foi publicado no todo ou em parte e nem está sendo submetido a
qualquer outro meio de publicação.
3 – No caso de ser colocado no Boletim, o autor cede à revista os direitos autorais do artigo, bem como de
partes dele (gráficos, tabelas, estratos etc.) que só poderão ser transcritos em outro veículo de publicação, se
houver autorização solicitada e obtida por escrito desta Comissão.
4 – Se o artigo se referir a pesquisa empírica, com o emprego de seres humanos e/ou de animais, o autor
anexou à presente carta, comprovante de que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética pertencente à
instituição pela qual foi realizada a pesquisa.
5 – Tratando-se de pesquisa com seres humanos, o autor apresentou comprovante do TCLE (Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido) dos sujeitos que participaram da mesma, ou de seus representantes.
6 – No caso do manuscrito ser de vários autores (máximo de cinco), estes assinaram a presente carta (au-
tor e coautores), ficando entendido que eles colaboraram, efetivamente, para a elaboração e revisão final do
trabalho, declarando terem respeitado todas as exigências aqui especificadas, sendo que a não observação
de qualquer delas implicará na rejeição pura e simples do manuscrito.
7 – Se for trabalho de coautoria, todas as assinaturas serão identificadas com nome impresso ou em letra
de forma e respectivo CPF.

Aguardando manifestação dessa Comissão, subscrevo-me (emo-nos).

Atenciosamente,

_______________________________
Nome impresso

_________________________________
Assinatura e CPF
Boletim Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, Brasil - V. 39, nº96, p. 153 - 153 153

Academia Paulista De Psicologia


Relação dos Acadêmicos (22.05.2019)

Cadeiras Patronos Acadêmicos


01 Francisco Franco da Rocha Yolanda C. Forghieri (3º Ocup.)
02 Manoel Bergstrom Lourenço Filho Marilene Proença R. Souza (3º Ocup.)
03 Fernando de Azevedo Carlos Rolim Afonso (3º Ocup.)
04 Antonio F. Almeida Junior Arrigo Leonardo Angelini (1º Ocup.)
05 José Rodrigues de Arruda Liliana Liviano Wahba (2º ocup.)
06 Milton Camargo da Silva Rodrigues Gilberto Safra (3º ocup.)
07 Oscar Freire de Carvalho Marilda Emmanuel. N. Lipp (2º Ocup.)
08 Laerte Ramos de Carvalho José Glauco Bardella (1º Ocup.)
09 Mário Yahn Ana Cristina Limongi França (2º ocup.)
10 Edmur de Aguiar Whitaker Esdras G. Vasconcellos (3º Ocup.)
11 Roger Bastide Maria Margarida M.J.Carvalho (3º Ocup.)
12 Raul Carlos Briquet vaga
13 Renato Ferraz Khel Marina Boccalandro (3º Ocup.)
14 Anibal Cipriano S. Santos Mathilde Neder (1º Ocup.)
15 Roberto Mange vaga
16 Theodorus Van Kolck Therezinha Moreira Leite (2º Ocup.)
17 Jean Maugue Francisco B. Assumpção (2ºOcup.)
18 Antonio Sampaio Doria vaga
19 Pedro de Alcântara M. Machado Doris Lieth Peçanha (3º Ocup.)
20 João de Toledo Eda Marconi Custódio (2º Ocup.)
21 Raul de Moraes Roberto Kanaane (2º Ocup.)
22 João Carvalhaes Lino de Macedo (3º Ocup.)
23 Dante Moreira Leite Leila Tardivo (2º Ocup.)
24 Candido Mota Filho Maria Julia Kovacs (2º Ocup.)
25 Roldão Lopes de Barros Ivone Espínola (2º Ocup.)
26 Eurípedes Simões de Paula José Fernando Lomônaco (2º Ocup.)
27 Herbert Baldus Denise Gimenez Ramos (2º Ocup.)
28 Maria da Penha Pompeu de Toledo Maria Regina Maluf (2º Ocup.)
29 Norberto de Souza Pinto Elsa Lima G. Antunha (2º Ocup.)
30 Geraldo H. de Paula Souza Aidyl M.Q. Pérez-Ramos (1º Ocup.)
31 Clemente Quaglio Irai Cristina B. Alves (2º Ocup.)
32 João Cruz da Costa Elizeu Coutinho de Macedo (2º Ocup.)
33 Robert Veit Manoel Antonio dos Santos (2º ocup.)
34 Paulo Siweck Emma Otta (2º Ocup.)
35 Elza Barra Vera Barros de Oliveira (2º Ocup.)
36 Luiz Washington Vita Edda Bomtempo (2º Ocup.)
37 James Ferraz Alvim Raquel S. Lobo Guzzo (2º Ocup.)
38 Enjolras Vampré Marilia Ancona López (2º Ocup.)
39 Antonio Miguel L. Bruno Ceres Alves de Araujo (2º Ocup.)
40 Walter Barioni Walter Trinca (2º Ocup.)
Teste de Desempenho Escolar
Edição Revista e Ampliada

Organizadoras
Lilian Milnitsky Stein
Claudia Hofheinz Giacomoni
Rochele Paz Fonseca

instrumentos
MULTIDISCIPLINARES

O TDE II avalia habilidades básicas de leitura, escrita e


aritmética e fornece uma triagem universal do processo
de aprendizagem desses três domínios.

Normas para o novo sistema escolar, do 1º


ao 9º ano para escolas públicas e privadas.

Base para intervenções educacionais e


clínicas.

Permite a diferenciação entre indivíduos


com e sem dificuldades de aprendizagem.

Teste indicado para clínicos e educadores:


psicólogos, professores das redes pública e
privada do ensino fundamental, pedagogos,
psicopedagogos, fonoaudiólogos ,
neurologistas, psiquiatras e neuropsicólogos.
O MAIS NOVO

LANÇAMENTO DA VETOR EDITORA!

Baralho

ABCDE
Estratégias de educação parental
Marina G. Caminha | Renato M. Caminha | Raquel B. Lhullier

O Baralho ABCDE foi desenvolvido por


terapeutas experientes no atendimento de
crianças e famílias, com o objetivo de promover,
tanto clínica como preventivamente, saúde
mental infantil. Este instrumento propõe tarefas
direcionadas ao treino de habilidades parentais,
para que os pais aprendam a desenvolver
estratégias acolhedoras e validantes na relação
com os filhos.
instrumentos
MULTIDISCIPLINARES

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