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Fernando Pessoa Ortónimo

Autopsicografia
1ª estrofe » A poesia não é a expressão direta dos sentimentos vivenciados pelo sujeito
poético, mas a representação dos sentimentos após um processo de racionalização. As
emoções vividas são trabalhadas.
2ª estrofe » A dor do poeta serve de motivo de inspiração para a dor que ele representará.
Ele não sabe as dores que teve, mas as que não tem. Interpreta a dor à sua maneira.
3ª estrofe » O coração, o motor que gera sentimentos, é um entretenimento para a razão.
Nota » Ao escrever poesia, o poeta não regista direta e espontaneamente os sentimentos que
viveu. Ele simula/finge artisticamente esses sentimentos. O fingimento do poeta afasta-se da
chamada poesia confessional e espontânea que é um registo direto dos sentimentos. No tipo
de poesia de que “Autopsicografia” trata, a dor é um produto da imaginação e do trabalho
artístico.
As dores
A primeira dor é a que o poeta sente (real), a segunda é a dor expressa no poema. A dor parte
do sentimento real do poeta, mas é transformada artisticamente na escrita do texto lírico. A
terceira é a “dor lida”, o sentimento gerado pela interpretação que o leitor faz do sentimento
representado no poema. A quarta é a dor que o leitor sente, é pessoal e só dele, não é o
sentimento que ele interpreta ao ler o texto.

Isto
1ª estrofe » Esclarecimento a uma crítica, clarificação do verdadeiro sentido do fingimento
artístico. Quando é poeta, sente com a imaginação, o fingimento é uma criação. Há uma
intelectualização do sentimento. As emoções registadas são um ato racional, é um trabalho
da imaginação.
2ª estrofe » Tudo aquilo que sonha e passa é um terraço que esconde os sentimentos
através da imaginação. O mundo da experiência é comparado a um terraço separado do
mundo perfeito da poesia, fruto de uma criação poética.
3ª estrofe » Ele escreve através da imaginação, livre das suas emoções, algo longe da
realidade, uma forma de mascarar aquilo que sente através das palavras. Utiliza a escrita
como fuga da realidade. O poeta não mente, apenas usa a imaginação para criar sentimentos
que não são os seus, mas sim os dos leitores.

Ela canta, pobre ceifeira


1ª estrofe » A ceifeira é pobre no sentido de ser uma “coitada”, não sabe que é infeliz (julga-
se feliz). Ela não tem como ser feliz porque além de ser pobre, é viúva. Pode não ser pobre no
sentido literal, mas sim na sua consciência por não ser feliz.
2ª estrofe » Compara o canto da ceifeira ao de uma ave.
3ª estrofe » O seu canto alegra (transmite harmonia que decorre da sua ligação à natureza)
e entristece (não tem motivos para cantar) o poeta porque deseja ter essa inocência,
descomplicação da realidade e pobreza de consciência.
4ª estrofe » A ceifeira canta sem razão nenhuma, canta apenas porque se julga feliz, algo
que o incomoda; quer que a voz da mulher fique para sempre gravada na sua memória, mas,
contudo, deseja ser como ela.
5ª estrofe » Sente que é diferente dela, ela é sentimental e ele é racional, são opostos. É
impossível ser se consciente da própria inconsciência. Deseja ser consciente da sua
inconsciência, porém deixa de haver inconsciência quando se é consciente.
6ª estrofe » A dor de pensar pesa-lhe. Deseja, como ser pensante, a morte, voar e fugir da
dor de pensar que o aflige, afirma que apenas com a morte se pode livrar dessa dor.
Nota » Fernando Pessoa sentiu-se um ser fortunado por se sentir um ser pensante, daí a sua
aspiração pela alegre inspiração da ceifeira que não pensa e é deste modo alegre. Com isto, o
poeta aspira ao impossível – ter consciência da inconsciência é deixar de ser inconsciente.

Não sei se é sonho, se realidade


1ª estrofe » É a ilha que ansiamos, um querer mais do que querer. A ilha é distante,
aprazível e suave, repleta de árvores, um lugar exótico separado do mundo quotidiano com
contornos paradisíacos. Na ilha, há inexistência de sentimentos maus e solidão e reina o
amor, os sentimentos bons. A essência das pessoas é mais importante que as suas posses.
2ª estrofe » Começa com dúvida que é toldada pelas ilusões desse sonho. Há incerteza da
inexistência desta ilha paradisíaca; o sujeito poético não acredita nela, mas pede que se dê a
ilha a quem ainda acredita. Os humanos talvez são felizes espontaneamente, mas essa
felicidade passa, não é garantida.
3ª estrofe » Só pensar no ter de lutar por essa terra cansa-o. A terra da felicidade é apenas
da felicidade quando é imaginada e mesmo o sonho perde a sua essência, porque a realidade
mata os sonhos. O sujeito poético deixa de visualizar de forma positiva e confiante aquele
lugar sonhado e reconhece que ali também há “frio” e mal”. O sonho já não tem sentido
quando acontece. O bem não é infinito, não dura para sempre, também na ilha há
sofrimento. É fútil sonhar com algo, deve-se aceitar a vida como ela é. A maneira mais fácil
de se aceitar e sentir menos dor é desvalorizar a ilha/sonho.
4ª estrofe » Não é com ilusões que se cura o nosso sofrimento, os sonhos de nada valem se
não os realizarmos. Ao conseguirmos, percebemo-nos a nos próprios , tornamo-nos mais
felizes. Ele admite a dúvida da existência da felicidade plena e absoluta. O sonho não é a
solução para a alma perturbada e para a infelicidade. A felicidade de cada pessoa é diferente
e se busco a minha felicidade nos outros, nunca serei feliz.

Entre o sono e o sonho


Neste poema, existe um sujeito poético que se sente dividido entre aquilo que é na realidade
e o que desejava ser no sonho. O sono surge associado ao eu da “vida real”, pois esta
caracteriza-se pela inércia, pela inatividade. Já o sonho refere-se à idealização do que o eu
desejaria ser.
O rio é a fronteira que separa a “vida real” do sonho, uma barreira intransponível que não
permite que a realidade se cruze com o eu sonhado.
Ao contrário do rio que flui, tal como a nossa existência, o sujeito poético está parado.
Quando procede a um momento de introspeção, o rio passa inexoravelmente. Sempre que o
sujeito poético procura tornar-se mais próximo da realidade, o rio já passou e por esse
motivo, nunca lhe é possível aproximar o seu “eu real” do seu “eu sonhado”.
O sujeito poético afirma que o seu ser verdadeiro se encontra nesta fronteira, neste lugar
intermédio entre o “eu real” e o “eu sonhado” e “dorme” aí num estado de letargia.

Quando as crianças brincam


Ouvir as crianças a brincarem desencadeia um sentimento de alegria no s.p. Ao vê-las
recorda toda a infância que não teve e sente uma “onda de alegria que não foi de ninguém”.
O s.p. considera que o seu passado foi um “enigma”, algo que já não lhe é possível recordar
com objetividade porque a rememoração é um processo de idealização. Já não é possível ao
eu recordar objetivamente o passado, nem saber se os seus sonhos se concretizarão no
futuro, por isso, resta-lhe sentir no presente, alegria ao recordar a infância, mesmo que esta
não tenha sido feliz.

A criança que fui chora na estrada


1ª estrofe » A criança é o símbolo da infância, a vida pensada pela imaginação. Ela chora
porque foi deixada no tempo. O sujeito poético sente-se distante desse passado, quer
regressar a esse passado, porque não está feliz e quer reviver as suas memórias felizes de
outrora. Deseja voltar a ser quem fora na infância porque se apercebeu que é “nada”. Há uma
espécie de fragmentação do sujeito poético porque se observa tanto na infância como na
idade adulta.
2ª estrofe » O sujeito poético quer voltar ao passado, mas não pode. Não consegue avançar
porque está preso a um passado. O presente é fugaz e a vida é breve – quem vive no passado,
não vive verdadeiramente. Porém, considera que foi um erro ter-se afastado do seu eu-
criança e que agora já não lhe é possível voltar a ser quem foi.
3ª estrofe » O “monte” tem uma visão panorâmica do futuro e passado. Refere a
possibilidade de rememorar o que foi no passado, a sua infância, e, deste modo, afastar o
vazio que marca a sua existência, o presente, recuperar traços de quando era criança.

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