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Poesia dos heterónimos

Fernando Pessoa

➪ A origem mental dos heterónimos está na tendência orgânica


e constante de Pessoa para a despersonalização e para a
simulação.
Alberto Caeiro.
Ricardo Reis.
Álvaro Campos.

Dados biográficos:
nasceu em 1889, em Lisboa.
viveu quase toda a vida no campo, s/ profissão, apenas
c/ a instrução primária.
morreu em 1915, c/ tuberculose.
Alberto Caeiro estatura média, louro, s/ cor, olhos azuis, cara rapada.
Estilo literário:
poeta bucólico - do campo; sensacionista.
autor de ''O Guardador de Rebanhos'' (49 poemas).
Contexto em que surge:
aparece por ''pura e inesperada inspiração''.

Dados biográficos:
nasceu em 1888, no Porto.
foi educado num colégio de jesuítas.
é médico, monárquico, vive no Brasil expatriado deste
1919.
+ baixo e forte que Caeiro, mas seco.
Ricardo Reis moreno, cara rapada.
Estilo literário:
falso paganista; latinista e semi-helenista.
estilo purista.
Contexto em que surge:
aparece ''depois de uma deliberação abstrata, que
subitamente se concretiza numa ode.
Dados biográficos:
nasceu em 1890, em Tavira.
teve uma educação vulgar de liceu, aprendeu latim,
estudou engenharia mecânica e naval na Escócia.
engenheiro naval (p/ Glasgow), permanece inativo em
Lisboa.
alto - 1,75m; magro, um pouco tendente a curvar-se;
Álvaro Campos cara rapada; tom entre branco e moreno; cabelo liso;
usa monóculo.
Estilo literário:
estilo oposto ao de Ricardo Reis.
autor de ''Opiário''.
Contexto em que surge:
aparece quando Pessoa sente ''um súbito impulso para
escrever''.

Alberto Caeiro

➪ Aspetos formais:
poemas e versos longos.
liberdade estrófica, rimática e métrica.
verso livre, ausência de rima e métrica irregular.
linguagem simples, objetiva.
pouca adjetivação, predomínio de nomes concretos.
uso de verbos no presente do indicativo e no gerúndio.
simplicidade sintática.
coordenação, polissíndeto e paralelismo.
nível semântico.
comparação, metáfora, polissíndeto e enumeração.
tom familiar, próximo da oralidade.
O meu olhar é nítido como um girassol

O meu olhar é nítido como um girassol. Creio no Mundo como num malmequer,
Tenho o costume de andar pelas estradas Porque o vejo. Mas não penso nele
Olhando para a direita e para a esquerda, Porque pensar é não compreender...
E de vez em quando olhando para trás... O Mundo não se fez para pensarmos nele
E o que vejo a cada momento (Pensar é estar doente dos olhos)
É aquilo que nunca antes eu tinha visto, Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…
E eu sei dar por isso muito bem...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Sei ter o pasmo essencial
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Que tem uma criança se, ao nascer,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Reparasse que nascera deveras...
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Sinto-me nascido a cada momento
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Para a eterna novidade do Mundo...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...
➪ Poema II de ''O Guardador de Rebanhos''.
1º verso: olhar limpo, puro.
as comparações são feitas entre elementos muito concretos.
realça a centralidade do olhar na poesia de Caeiro.
os sentidos permitem-no percepcionar / interpretar a realidade.
➪ Alberto Caeiro deambula pela Natureza.
tal como o girassol acompanha o Sol, também Caeiro acompanha a Natureza
através do seu olhar.
➪ Vê o mundo sempre como se fosse pela primeira vez.
olhar virginal, primordial.
consegue pasmar-se sempre como se fosse novidade, livre de
preconceitos.
13º verso: só acredita no que vê.
as coisas só têm existência, não significado.
14º verso: recusa do pensamento.
17º verso: metáfora - o pensamento impede-nos de sentir.
rejeita qualquer interpretação do real pela inteligência.
a inteligência não permite que se aceite a natureza harmoniosamente,
sem questionar.
vive de forma livre, espontânea.
não sofre da dor de pensar, ao contrário do ortónimo.
20º verso: ele não pensa no que é a Natureza, ama-a simplesmente como ela é.
ele nega a Filosofia, construindo uma anti filosofia - sensação > pensamento.
dá por si a pensar! - dá primazia às sensações, contudo, acaba por
encontrar pensamentos por detrás da sua poesia.
Como quem num dia de verão abre a porta de casa

Como quem num dia de Verão abre a porta de casa Quando o Verão me passa pela cara
E espreita para o calor dos campos com a cara toda, A mão leve e quente da sua brisa,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Na cara dos meus sentidos, Ou que sentir desagrado porque é quente,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber E de qualquer maneira que eu o sinta,
Não sei bem como nem o quê... Assim, porque assim o sinto, é que é meu
dever senti-lo...
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?

➪ Poema XXII de ''O Guardador de Rebanhos''.


1º verso: comparação - serve para realçar a percepção que o ''eu'', por vezes, tem da
Natureza.
física, direta forte, intensa
Versos 1-4: a percepção que o ''eu'' tem da Natureza é, às vezes, muito forte, c/ uma
intensidade inesperada.
a realidade atinge-o de forma brusca, direta.
ideias associadas à sensação de calor e de forte luz solar que recebemos
ao abrir a janela num dia de verão - o verbo ''espreitar'' reforça esta
ideia.
Versos 5-6: o ''eu'' sente-se confuso e perturbado devido à intensidade da sua
percepção da natureza que tenta, em vão, compreender racionalmente.
Versos 7-8: o ''eu'' põe em causa a vontade de querer perceber e rejeitar o
pensamento.
este impulso momentâneo acentua a confusão.
Versos 9-10: reforçar a intensidade da sensação percepcionada; destacar a relação
física, direta (quase íntima) entre o ''eu'' e a natureza; destacar o papel da natureza
como fonte das sensações.
Último verso: conclusão do poema.
sintetiza a conclusão / decisão final do ''eu''.
há apenas que sentir: não pensar; s/ tentar intelectualizar as emoções.
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia

Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,


Não há nada mais simples.
Tem só duas datas—a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.


Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;

anáfora
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.


eufemismo
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza.
(1º momento - 1ª estrofe)
➪ O sujeito poético começa por referir-se à sua biografia (v. 1), afirmando que a vida
possui apenas 2 datas: a do nascimento e a da morte (v. 3).
refere que aquelas datas pertencem ao mundo que o rodeia, uma vez que
não as poderias, de forma alguma, evitar / controlar (v. 4).
as restantes datas pertencem-lhe exclusivamente, não integrando qualquer
biografia tradicional.
a sua existência nada teve de comum - em nada se pareceu com a de
alguém ''normal''.
(2º momento - 2ª estrofe)
➪ O ''eu'' caracteriza-se como ''fácil de definir'' (v. 5).
viu ''como um danado'' (v. 6 - comparação) - poeta do olhar (v. 9).
não amou com sentimento (v. 7 - paradoxo) nem se deixou contaminar por
grandes ambições ou sonhos grandiosos (v. 8).
➪ Destacou-se, contudo, uma vez que se limitou a contemplar a realidade exterior,
sem lhe atribuir outro significado que não o que lhe chegava através do olhar.
compreendeu a realidade das coisas e a diferença existente entre elas (v. 10),
sem lhes atribuir um significado nem ligação.
➪ Foi, sobretudo, uma personagem diáfana que passou pela realidade humana.
(3º momento - 3ª estrofe)
''Um dia deu-me o sono como a qualquer criança'' (v. 13): esta metáfora simples
simboliza a posição do sujeito poético perante a vida.
a aproximação à inocência de uma criança, pois as crianças, enquanto o são,
não sabem que vivem.
➪ O sujeito poético foi o ''único poeta da Natureza'' - uma afirmação algo
controversa, para quem não viveu um único dia.

Ricardo Reis

➪ Aspetos formais:
linguagem cuidada, erudita.
emprego de formas estróficas (ode, elegia) e métricas da influência clássica.
sintaxe latinizante.
hipérbato, etc.
emprego de arcaísmos vocabulares.
latinismos, termos eruditos.
➪ Poeta clássico.
latinista, semi-helenista.
escreve inspirado nos clássicos.
Estoicismo: dominar as paixões, aceitar a ordem natural das coisas - ausência das
emoções e relativos excessos.
Epicurismo: fatalismo, procura dos prazeres com moderação, fuga da dor.
➪ Aborda:
brevidade da vida.
inevitabilidade da morte.
inexorabilidade do tempo.
Ataraxia: aceitar o nosso destino, vivendo de acordo com ele.
Apatia: indiferença.
Odes: género do modo lírico / de composição poética; de estilo elevado - linguagem
erudita / culta.
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio (1º momento - 2 estrofes)

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.


➪ Consciência da
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos fugacidade da vida e da
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. inexorabilidade do tempo.
(Enlacemos as mãos). 1º verso: apóstrofe a um ''tu''
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida (''Lídia'').
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, convite para
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, contemplar
Mais longe que os deuses. sossegadamente o
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. rio.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. ''Locus amoenus'': lugar
Mais vale saber passar silenciosamente agradável, aprazível.
E sem desassossegos grandes. ➪ proximidade da natureza.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, ''não estamos de mãos
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, enlaçadas'': demissão da
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, vida.
E sempre iria ter ao mar. recusa qualquer
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos, relação.
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e caricias, ➪ O ''rio'' é 1 metáfora /
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro símbolo da vida.
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
''Depois pensemos'':
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as primazia da razão - razão >
No colo, e que o seu perfume suavize o momento — emoção.
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada, ''crianças adultas'': também
Pagãos inocentes da decadência.
valoriza a infância - pureza,
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois s/ sofrimento.
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, ➪ O ''mar'' é metáfora /
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
símbolo da morte.
Nem fomos mais do que crianças.
8º verso: é pagão - acredita
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, em vários deuses.
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. hipérbole.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
(2º momento - 4 estrofes)
➪ Recusa de qualquer compromisso.
10º verso: comparação.
11º-12º verso: procura da serenidade, tranquilidade (ataraxia); indiferença / apatia -
perante tudo aquilo que nos possa fazer sofrer.
Est. 4: não vale a pena fazer algo que nos faça sofrer, pois morreremos da mesma
forma.
''beijos e abraços e carícias'': polissíndeto e enumeração.
''Nem (...) / Nem (...)'': anáfora.
19º verso: Natureza > amor carnal, físico.
as ''flores'' estão associadas à fragilidade / brevidade da vida.
relação com a Natureza.
''carpe diem'' - goza o instante / momento com autocontrolo, sem excessos.
muitos advérbios de modo.
os pagãos são ''inocentes'', pois não sofrem da culpa.
(3º momento - 2 estrofes)
''(...) se for sombra antes(...)'': eufemismo - se eu morrer antes.
➪ Aceitação calma da morte - algo natural.
''lembrar-te-ás'': Lídia.
➪ Ataxaria - nunca houve sofrimento.
''(...) te arda ou te fira ou te mova'': polissíndeto e enumeração.
Verso 29: eufemismo; se a Lídia morrer primeiro.
referências clássicas.
''Pagã triste (...)'': modo de vida triste / que não traz felicidade.

➪ Ricardo Reis é um poeta de influência clássica, aspeto que se reflete na sua obra
poética a nível temático e formal.
Extremamente lúcido, evidencia uma aguda consciência da fatalidade do destino,
da brevidade da vida, da inevitabilidade da morte. Vive, assim, ''angustiado perante
um destino mudo, que o arrasta na voragem do tempo''. Consequentemente,
procura uma forma de estar que lhe permita aceitar o ''fatum'' e a morte com
alguma dignidade e serenidade.
Defende, por isso, um ''carpe diem'' contido e racional, s/ excessos de emoção e c/ o
mínimo de sofrimento possível, num estado de apatia / indiferença perante tudo o
que o possa perturbar para assim alcançar a ataraxia, ou seja, a tranquilidade de
espírito.
Assim, adotando uma filosofia de vida baseada na indiferença a qualquer
perturbação ou sofrimento, sem grande paixões ou desassossegos, este poeta vive
apenas uma felicidade relativa.

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