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Alberto Caeiro, O poeta bucólico é o mestre de Pessoa, e dos restantes (e inúmeros)

heterónimos, é este o único capaz de solucionar as


Características da poesia
angústias existenciais.
Alberto Caeiro é um dos heterónimos de Fernando
Estamos perante um “argonauta das sensações
pessoa, considerado pelo mesmo como “o mestre”.
verdadeiras”, ou seja, um sensacionista, a quem só
Segundo a sua biografia, interessa o que capta pelas sensações, para ele o
fabricada por Pessoa, este sentido das coisas reduz-se à perceção das cores, da
nasce a 8 de março de 1889, é forma e da admiração da existência única delas (“as
um pastor (“guardador de coisas não têm significado: têm existência”).
rebanhos”), evidencia estatura
Apesar de todos os sentidos serem essenciais
média, é loiro de olhos azuis e
para a contemplação do mundo, Caeiro privilegia o
embora não pareça é
olhar, pois é através dele que podemos observar tudo
extremamente frágil. Quanto à
o que nos rodeia com o maior detalhe, é o olhar o
sua formação possui apenas até à quarta classe.
sentido mestre do mestre de Pessoa, pois é este que
Considerava-se “o único poeta da natureza”, era permite reduzir o mundo à sua materialidade e
definitivamente um homem que coabitava em dimensão exterior.
harmonia e comunhão com ela, sendo um simples e
-Contradições na poesia de Caeiro.
mero “guardador de rebanhos”. Deambula pelo campo,
contemplando tudo o que lhe é inerente, apreciando a Apesar de abolir o pensamento, a sua poesia é uma
beleza das coisas na sua originalidade e reflexão sobre não pensar, praticamente este faz uma
simplicidade, para ele, tal como uma criança, o filosofia da antifilosofia, o que é evidentemente
mundo é sempre diferente e múltiplo (“a eterna contraditório, em vez de escrever descrições sobre a
novidade do mundo”). vida campestre tendo como base as sensações, Caeiro
analisa e reflete sobre elas.
- Criança como símbolo supremo da vida.
-linguagem, estilo E estrutura.
A criança quando nasce não pensa, esta apreende o
mundo através dos sentidos. Como ela nunca o havia  Uso da linguagem corrente, próximo da
experienciado antes, todos os elementos são uma oralidade, com vocabulário familiar
novidade para ela, e por isso que o mundo é colorido e  Aproximação à prosa pelo uso do verso longo
diverso aos olhos infantis. Caeiro pretende então e do ritmo arrastado
viver desta forma, inocente e autêntica, pois a cada  Predomínio do presente do indicativo
instante quer admirar o que descobre de novo, sem  Preferência por recursos expressivos simples
recurso ao pensamento, tendo consciência da tais como a comparação e a metáfora
multiplicidade do mundo.  Recurso a frases de estrutura simples e
- A filosofia da antifilosofia. predomínio da coordenação.
 Irregularidade estrófica e métrica dos poema e
Na perspetiva de Caeiro, “pensar é estar doente dos o uso do verso livre/branco.
olhos”, através dos sentidos é que se conhece e
compreende o mundo “pensar é não compreender”, e por
isso estamos perante uma abolição e repúdio perante Guardador de rebanhos IX
o pensamento metafísico. Considera então que todo o
ser humano precisa da aprendizagem de desaprender,
de alcançar a libertação através de não pensar, apenas
existir tal como todas as outras coisas do mundo
existem, em paz e em harmonia. Ao não pensar este
liberta-se de todos os modelos ideológicos, culturais
e permite-lhe comtemplar a realidade concreta e
objetiva, a observação do mundo sem necessidade de
o problematizar, aceitando-o tal e qual como ele é.
Tendo em conta, que a existência de Caeiro parte da
imaginação de Pessoa, podemos concluir que esta é
uma criação dele com o objetivo de solucionar a sua
dor de pensar, ao anular a metafísica, o ortónimo
consegue vivenciar através do seu heterónimo a
libertação da reflexão incessante. É por isto que Caeiro
1º estrofe de novidade, para o sujeito poético, um observador
por excelência, todos os elementos da natureza são
No primeiro e segundo verso o sujeito poético refere-
diversos e múltiplos, e por isto este pasma-se perante
se a ele mesmo como “um guardador de rebanhos/ O
a novidade eterna.
rebanho é os meus pensamentos”, podemos assim deduzir
que através da metáfora, este demonstra-nos que ele “sinto-me nascido a cada momento/ para a eterna novidade
é um pastor de pensamento, ou seja, ele domina-os de do mundo”, tendo em conta a referência à criança
forma a governá-los e a aboli-los. No terceiro verso efetuada nos versos anteriores, (criança aparece
temos a confirmação da primazia pelos sentidos como frequentemente na poesia de Caeiro como símbolo
meio de conhecimento e compreensão do mundo (“e supremo da vida), o sujeito poético pretende
os meus pensamentos são todos sensações”). estabelecer uma relação ao nascimento e à infância.
Quando vimos ao mundo não pensamos durante um
2º estrofe
longo período de tempo, e quando o começamos a
Quando o sujeito poético afirma “pensar uma flor, é vê- fazer não é de forma abstrata como os mais velhos, ou
la, cheirá-la/ e comer um fruto é saber-lhe o sentido.”, este seja, as crianças apreendem o mundo através dos
quer afirmar exatamente o oposto, evidentemente que sentidos. Como nunca haviam nascido antes, para elas
não conseguimos pensar através do olfato, da visão todos os elementos do mundo são uma novidade, e é
nem do paladar, e é por isso mesmo que pensar é por isso que da perspetiva dos “miúdos” o mundo é
completamente desnecessário, os sentidos são atos tão colorido e belo. O sujeito poético pretende viver
completos em si mesmos, não necessitamos de pensar
desta forma, autêntica e inocente, e a cada instante
para ver, e consegui-mos compreender o mundo sem
pretende admirar (“pasmar”) o que descobre de novo,
problematizar tudo a nossa volta e transformar a
realidade em algo abstrato. sem pensar.

3º estrofe 2º estrofe

“por isso quando num dia de calor/ me sinto triste de gozá-lo “creio no mundo como num malmequer” - tal como vê o
tanto”, aqui o sujeito poético apela ao equilíbrio (tal malmequer e acredita na sua existência, este acredita
como na natureza), “goza” até ao limite, e é bastante no mundo, tendo em conta a sua materialização e
fácil as sensações passarem de agradáveis a dimensão exterior.
desagradáveis, sente-se triste pois apercebe-se de que
pensa que goza o dia de calor. “Porque pensar é não compreender/o mundo não se fez para
pensarmos nele/ (pensar é estar doente dos olhos) /Mas para
Por fim nos últimos versos, volta a atingir a felicidade, olharmos para ele e estarmos de acordo”. Aqui o sujeito
por sabe que a realidade concreta e captada pelos poético clarifica através de múltiplas definições a
sentidos é a única que precisa e necessita para ser inutilidade de pensar, em outras palavras: o
absolutamente e plenamente feliz (“sei a verdade e sou
pensamento é como uma neblina, que impede ver as
feliz”).
coisas como elas são, nítidas, como seriam percebidas
por uma criança sem os conceitos e preconceitos, as
opiniões, os ensinamentos, logo só pensa quem não
O guardador de rebanhos II
consegue ver, temos de aceitar o mundo tal como ele é
e não arranjar problemas nele que apenas nos trarão
angústia existencial.

3º estrofe

“eu não tenho filosofia, tenho sentidos”, aqui é reforçada a


sua perspetiva de vida, a sua filosofia da antifilosofia
que acaba por ser uma contradição de Caeiro. Este ama
a natureza porque amar nunca poderá ser pensado,
amar é sentir e é por isto que ele a ama, pois permite-
1º estrofe lhe sentir de forma autêntica. (“mas porque a amo, e a
amo-a por isso).
“O meu olhar é nítido como um girassol”, a comparação
inicial realça a importância e a centralidade do olhar 4º estrofe
na perceção e conhecimento do mundo. Tal como o
“Amar é a eterna inocência/ e a única inocência é não
girassol segue o movimento do sol, o sujeito poético,
pensar” - logo amar é não pensar.
no seu movimento deambulatório, acompanha a
Natureza que o rodeia, observando-a de forma nítida.

“E o que vejo a cada momento/É aquilo que nunca antes eu


tinha visto”, cada instante compreender um momento

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