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Alberto

Caeiro

II — O meu olhar é nítido como um girassol.

II

O meu olhar é nítido como um girassol.


Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,


Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...


Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,


E a única inocência é não pensar...

8-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1946
(10ªed. 1993)- 24.
Leitura e Educação Literária

1. Explica a comparação que inicia este poema “O meu olhar é nítido como um
girassol”, referindo-se ao seu valor expressivo.

2. Seleciona os versos da primeira estrofe que remetem para o movimento


deambulatório e a percepção visual, relacionando-os.

3. Justifica o emprego de letra maiúscula em “Natureza” (v.20).

4. Esclarece a dicotomia sentir (ver)/pensar, presente ao longo do poema,


apoiando-te em elementos textuais.

5. Identifica os recursos expressivos presentes nos seguintes versos.

a) “Porque o vejo. Mas não penso nele/Porque pensar é


não compreender...” (vv. 14-15).
b) “(Pensar é estar doente dos olhos)” (v.17)
c) “Porque quem ama nunca sabe o que ama/ Nem sabe
porque ama, nem o que é amar...” (vv.22-23)

6. Clarifica o sentido implícito na última estrofe.

7. Caracteriza o poema quanto à estrofe, metro e rima.


Professor
1. A comparação que inicia este poema realça a importância e a centralidade que o olhar
tem para o sujeito poético na perceção da realidade. Tal como o girassol acompanha o
movimento deambulatória acompanha a Natureza que o rodeia.
2. À medida que deambula pela Natureza, o sujeito poético capta, através dos sentidos,
neste caso, a visão, tudo o que vai observando e registando poeticamente. Na primeira
estrofe, são evidentes estes elementos: movimento deambulatório (“Tenho o costume
de andar pelas estradas”, v.2); perceções visuais (“Olhando para a direita e para a
esquerda, / E de vez em quando olhando para trás.../ E de vez em quando olhando para
trás... /E o que vejo a cada momento / É aquilo que nunca antes eu tinha visto”, vv.3-6)
3. A maiúscula permite enfatizar este vocábulo e o conceito que encerra. Na poesia de
Caeiro, a apreensão da Natureza, através das sensações, é essencial para alcançar o
conhecimento do real.
4. A dicotomia sentir/pensar assenta na rejeição da análise filosófica e do pensamento,
como percursos para atingir o conhecimento. Eleva-se o sensacionismo (perceção da
realidade através dos sentidos) como único saber verdadeiro, revelando a primazia das
sensações sobre a intelectualização. Esta dicotomia surge sintetizada nos versos “Creio
no mundo como num malmequer, / Porque o vejo. Mas não penso nele/ Porque pensar é
não compreender...”(vv.13-15); “(Pensar é estar doente dos olhos)” (v.17); e “Eu não
tenho filosofia: tenho sentidos...” (v.19)
5. a) Anáfora; b) Metáfora; c) Repetição.
6. O sentido implícito na última estrofe é: amar é não pensar.
7. O poema apresenta quatro estrofes com número irregular de versos. Predomina o verso
livre e longo, sem rima, próximo da prosa.
Escrita I Apreciação crítica

1. Prepara uma apreciação crítica em que faças


uma descrição sucinta do cartoon, estabeleças
uma relação com a poesia de Caeiro e
apresentes o teu argumento crítico. Planifica,
redige e revê o teu texto, de modo a
aperfeiçoares a sua versão final.

Escrita II Texto livre

1. Lê atentamente os vv.11-12:

“Sinto-me nascido a cada momento/Para a eterna novidade do Mundo...”

O que é que isto significa para ti? Imagina que todos os dias vias as mesmas
pessoas, as mesmas estradas, as mesmas árvores, os mesmos pássaros, o
mesmo rio, o mesmo café na esquina..., mas a cada manhã, quando acordavas,
esquecias-te de tudo e era como se visses todas essas coisas pela primeira vez.
A imaginação e a criatividade são muito importantes. Diverte-te a escrever.

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