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República da Guiné-Bissau

Ministério da Educação Nacional e Ensino Superior


Escola Superior de Educação – Unidade Tchico Té

TRABALHO DE GRUPO

Tema: Análise dos três poemas de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando


Pessoa (Eu nunca guardei rebanhos; O meu olhar é nítido como um girassol; O
Tejo é mais lindo que o rio que corre pela minha aldeia)

Cadeira: Literatura e Cultura Portuguesa


Docente: Dr. Paulo Vasco Salvador Correia

Discentes:
Ata Mendes;
Danilson Joaquim Pam;
Lacine Henriqueta Gomes Correia;
Luís M´bunh;
Máximo Capina;

Bissau, 13 de junho de 2022


Introdução

Este trabalho realiza-se em cumprimento do programa anual da cadeira da


Literatura e Cultura Portuguesa. Os poemas em análise (poema primeiro - Eu
nunca guardei rebanhos; poema segundo - O meu olhar é nítido como
girassol; poema vigésimo - O Tejo é mais lindo que o rio que corre pela
minha aldeia) são da autoria de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando
Pessoa, e fazem parte do seu livro intitulado “O Guardador de rebanhos”.
Biografia do autor
Alberto Caeiro nasceu em Lisboa, em 16 de abril de 1889 e morreu de
tuberculose, na mesma cidade, em 1915. No entanto, viveu quase toda a vida
numa quinta no Ribatejo; órfão de pai e mãe desde muito cedo, viveu de
pequenos rendimentos, com a tia-avó; não teve educação literária para além da
4ª classe.

De estatura média, era louro e tinha olhos azuis.

Características

Alberto Caeiro é um poeta voltado para a simplicidade e as coisas puras. Viveu


em contacto com a natureza, extraindo dela os valores ingênuos com os quais
alimentava a alma. É um poeta bucólico, dá importância às sensações,
registrando-as sem a mediação do “pensamento”.

Alberto Caeiro é o lírico que restaura o mundo em ruínas. Para Caeiro, “tudo é
como é”, tudo “é assim porque assim é”, o poeta reduz tudo à objetividade, sem
qualquer necessidade de pensar.

Estrutura externa
Todos os poemas em análise são compostos de sílabas métricas irregulares;
os versos brancos; ausência de preocupações estilísticas.

Por exemplo:

Mas a minha tristeza é sossego - A


Porque é natural e justa - B
E é o que deve estar na alma - C
Quando já pensa que existe - D
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso - E
Análise do poema primeiro “Eu nunca guardei rebanhos”

Eu nunca guardei rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,


Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr do Sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego


Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Com um ruído de chocalhos


Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva


Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos.


Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos


Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me veem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer coisa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

O poema “Eu nunca guardei rebanhos” de Alberto Caeiro, heterónimo de


Fernando Pessoa, destaca-se não apenas pela espontaneidade e simplicidade
ao nível da escrita, mas também pela valorização da utilização das sensações
como forma de ter acesso à realidade e pela renúncia do recurso da razão.

Nesta composição poética, logo na primeira estrofe nos primeiros versos, o


sujeito poético começa por visualizar-se através da figura de estilo comparação,
como um pastor (“Eu nunca guardei rebanhos / mas é como se os guardasse” –
v.1 e 2).

Apesar desta controvérsia, o sujeito poético acaba por esclarecer que, no sentido
literal, não guarda rebanhos, mas por ter assumido o papel do defensor de uma
“doutrina” ligada a natureza, confere-lhe o título de pastor (“Mas é como se os
guardasse; Minha alma é como um pastor” – vv. 2 e 3), cuja função é guardar os
seus “rebanhos”, assim como um guardador de rebanhos dispõe de um
movimento deambulatório (“E anda pela mão das estações” – v. 5), que lhe
permite gozar ao máximo as sensações e adquirir a realidade do meio que o
rodeia (“A seguir e a olhar” – v. 6). Assim, como fator que estimula continuamente
o sujeito poético, a natureza é percebida na sua íntegra, estando em plena
harmonia e comunhão com ela (“Toda a paz da Natureza sem gente / Vem
sentar-se a meu lado” – vv. 7 e 8).

O sujeito poético identifica-se com a natureza, vive segundo o seu ritmo, deseja
fluir nela. Porém, a própria natureza pode causar ao sujeito poético certas
sensações (“Mas eu fico triste como um pôr do sol / para a nossa imaginação “
... – vv 9 – 13), usando assim a comparação para mostrar que da mesma forma
que o sol fica triste quando esfria no fundo da planície e sente a noite entrada
como uma borboleta pela janela, é assim também que ele fica triste por causa
daquela paz da natureza sem gente e pelo sossego que isso lhe causa. Só que
depois explica que aquela tristeza é natural e justa, e é o que deve estar na alma
nos versos 2 e 3 da segunda estrofe.

Tal como a noite impede o primado das sensações, para o sujeito poético
também o exercício da razão leva-o a pensar no real e verdadeiro,
impossibilitando-o de alcançar a felicidade (“Os meus pensamentos são
contentes / Só tenho pena de saber que eles são contentes– vv. 21 e 22). Assim,
o sujeito poético, na terceira e quarta estrofe exprime o desejo de abolição da
consciência, elemento que limita a ação das sensações em reduzir o abstrato ao
concreto, que interfere na relação de harmoniosa estabelecida entre o sujeito
poético e o meio que o rodeia (“Pensar incomoda como andar à chuva / Quando
o vento cresce e parece que chove mais” – vv. 26 e 27). Este desejo de abolição
da razão está em conformidade com a valorização das sensações por parte do
sujeito poético.

Desta forma, a sua vida é comandada pelo primado das sensações que o
permitem viver em sintonia consigo mesmo e com a natureza, gozando de todos
os seus sentidos para melhor apreender o que o rodeia (“E corre um silêncio pela
erva fora v. 38; “Sinto um cajado nas mãos / E vejo um recorte de mim” – 42 e
43).

Por este motivo, ao longo de todo poema surgem frequentemente palavras de


dois campos lexicais dominantes: o dos sentidos (“olhar” – v. 6; “sinto” – v. 36) e
o da natureza (“Natureza’’ – v. 7; “flores” – v. 18; “cordeirinho” v. 32; “árvore
antiga” – v. 61). Na última estrofe deste poema, sujeito poético saúda os leitores
de forma humilde como homem do campo e da natureza, transmitindo-lhes um
gesto de simplicidade (“Saúdo todos que me leem / Tirando-lhes o chapéu largo”
– vv. 49 e 50). Por outro lado, convida-os a aderir a sua “doutrina”, a sua forma
de viver, para usufruírem em quanto leem os seus versos das sensações, da
objetividade ligados a natureza (“Saúdo-os e desejo-lhes sol / E chuva, quando
a chuva é precisa” – 53 e 54).
Análise do poema segundo “O meu olhar é nítido como um girassol”
O meu olhar é nítido como um girassol

O meu olhar é nítido como um girassol.


Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...

Creio no mundo como num malmequer,


Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...


Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,


E a única inocência não pensar...

Este poema inicia-se com uma comparação ("O meu olhar é nítido como um
girassol" v. 1), que significa que o sujeito poético vê a realidade à luz do sol, com
toda a nitidez que essa luz lhe propicia. Ou seja, a comparação mostra a nitidez
do olhar do sujeito poético, porque a planta a que o seu olhar é comparado segue
continuamente a luz sol. O sujeito poético assume uma atitude deambulatória,
uma de suas caraterística, ("Tenho o costume de andar pelas estradas..." - v. 2),
observando atentamente a realidade,, atento à diversidade que o
rodeia, ("Olhando para a direita e para a esquerda..."), descobrindo novas coisas
a cada olhar, constituindo, assim, a visão, o sentido primordial que nos permite
conhecer o mundo.
O verso 9 apresenta-nos uma nova comparação, desta vez com uma criança,
um símbolo recorrente em sujeito poético, pela inocência e ingenuidade que lhe
estão associadas. Neste caso específico, a comparação é estabelecida com uma
criança "ao nascer", o que remete para um ser não contaminado,
constantemente surpreendido pelos estímulos da realidade que lhe chegam
através dos sentidos e que provocam o seu espanto ("pasmo essencial" - v. 8),
tudo é o resultado do que o rodeia, e é novo para quem acabou de nascer. Deste
modo, o sujeito poético sente-se como uma criança recém-nascida, que vê com
uma inocência primordial, isto é, vê tudo como se visse pela primeira vez,
espantado perante a novidade do mundo.

Em comparação com aquilo que tratamos na primeira estrofe, a segunda abre


também com uma nova comparação (neste caso, entre a sua crença no mundo
e um malmequer), que é uma forma de objetivação, concretização, através dos
sentidos, de uma realidade eminentemente abstrata dado que reside apenas no
pensamento. No entanto, estes versos confirmam-nos que, apesar do seu
esforço para afirmar o contrário, o sujeito poético ainda pensa e não vê apenas.

Dito de outra forma, ele apresenta uma teoria à qual falta uma prática efetiva e
continuada, confirmada por uma espécie de «insistência doentia» nas
explicações dos seus atos. Repare-se como ele começa por fazer uma
constatação ("Creio no Mundo"), para em seguida se justificar: "Porque o vejo.
Mas não penso nele (...)". Se estivesse convicto das suas afirmações, não
necessitaria do raciocínio justificativo. Ainda assim, continua a sua afirmação do
valor do olhar sobre o pensamento: ("Porque pensar é não compreender..." - v.
15); "(Pensar é estar doente dos olhos)" - v. 17). Este último verso é uma
confirmação da negação do pensamento, da metafísica, porque não devemos
procurar ou atribuir significados ao mundo, devemos antes deixar-nos guiar
pelos sentidos, pelas sensações puras, aceitando normalmente as coisas como
elas são ("Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo..." - v. 18).

A terceira estrofe abre com uma afirmação: "Eu não tenho filosofia: tenho
sentidos...". Esta afirmação clarifica a sua “doutrina” antifilosófica, evidenciando
a recusa da metafísica, do pensamento abstrato, defendendo em alternativa a
prioridade dos sentidos. Os restantes versos acabam por comprovar ou
aprofundar esta ideia, ao demonstrarem o tipo de relação que o sujeito poético
estabelece com a natureza, uma relação de amor ("Mas porque a amo..." - v.
21). E é uma relação de amor porque no amor não há perguntas, não há certezas
acerca do objeto amado, não há razões que justifiquem. Deste ato amoroso,
verifica-se a ausência do pensamento, a racionalidade; o sujeito poético aceita
apenas as coisas como são.
Portanto, há uma tentativa de igualar o amor ao seu desejo de inocência, de não
pensar.

A última estrofe é constituída por um dístico silogístico (quando estamos perante


argumento formado por três proposições): se "amar é a eterna inocência" (v. 24)
e se "a única inocência é não pensar" (v. 25), então "amar" é "não pensar". Neste
sentido, não pensar é uma espécie de amor sem objeto, um amor ideal. É um
amor pela Natureza, um amor natural e sinónimo de aceitação incondicional, sem
questionamento. Provavelmente, no fundo, estamos perante a necessidade
humana de amor, de carinho, mesmo que unicamente no seio da Natureza.
Análise do poema vigésimo “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha
aldeia”

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios


E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha


E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.


Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.


Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro usa o paradoxo no poema “O Tejo”. As três primeiras linhas nos
despertam uma reação de confusão: O Tejo é mais belo do que o rio que corre
na minha aldeia ou não? A primeira linha diz que sim, a segunda diz que não.
Para confrontar o seu ponto de vista com o da maioria, ele traz a ideia geral logo
a princípio de que " o Tejo é “ depois traz a sua própria visão de que "o Tejo não
é…" e logo a seguir justifica o porquê da afirmação anterior ("porque o Tejo não
é o rio que corre pela minha aldeia"). Nisso vemos uma das características do
Caeiro que é a valorização do concreto, do contato direto. Supõe-se que Caeiro
esteja longe do Tejo.

Ao longo do poema vamos ver o eu poético a descrever o rio Tejo, mas nada do
seu rio. Com isso, deduzimos que talvez não queira dar o espaço a imaginação
ao leitor. Sabemos que quando nos é descrito um lugar, logo criamos uma
imagem na nossa mente, mas com ausência da descrição torna-se impossível
criar uma imagem mental, no caso concreto, uma imagem ao seu rio. Também
passa a ideia de que o Tejo já não oferece nenhuma novidade ("O Tejo desce
de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso") muito
contrário do seu rio ("Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para
onde ele vai E donde ele vem"). E também nos transmite a ideia da tranquilidade
que o seu rio oferece ("O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem
está ao pé dele está só ao pé dele"), sabemos que uma das suas caraterísticas
é a desvalorização da razão, ele defende que devemos aceitar as coisas do jeito
que são sem nenhuma interpretação. É a única receita para a felicidade.

Em suma, podemos dizer que os poemas analisados se destacam pela


importância que o sujeito poético dá as sensações que constituem a única forma
de atingir a realidade; destacam-se também pela objetividade e a supressão do
uso da razão que o impossibilita de desfrutar dos sentidos na sua totalidade e o
impede de ter aquela relação intima com a natureza, também podemos notar
que o sujeito poético recorreu a uma das suas caraterísticas que é a valorização
do concreto.

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