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ATT. DIGITALIZADOR O.
JAMES V. SCHALL
O título, O que mais importa aprender, juntamente com o tão citado, longo
e divertido subtítulo, se cuidadosamente analisados, explicam bem do que
trata este livro. Primeiramente, este livro não se enquadra naquela categoria
de livros cujos temas lhes dão a reputação de “grandes livros”. O
conhecimento presente nos “grandes livros” não deve ser ignorado.
Contudo, como Leo Strauss e Frederick Wilhelmsen destacam, cedo ou
tarde, os “grandes livros” contradizem uns aos outros. Com freqüência,
levam o estudante ou leitor ao ceticismo acerca da aprendizagem
intelectual, da possibilidade de conhecer a verdade das coisas. Os leitores
passam a suspeitar que, se aqueles chamados de grandes pensadores não são
capazes de compreender, tampouco eles conseguirão. Por que se dar o
trabalho?
Em um fim de semana, sem nada para fazer, fui à biblioteca. Sabia que
deveria ler algo. Percorri as prateleiras — que eram, na época, organizadas
pela classificação decimal de Dewey. Enquanto procurava, logo percebi
que, dos milhares de livros que havia naquela biblioteca, não tinha a menor
idéia de qual ler. Já tinha ouvido falar de Aldous Huxley. Então procurei seu
romance, Férias em Crome. Eu não sabia nada sobre o livro. Mas, anos
mais tarde, depois de começar a lecionar na Pontifícia Universidade
Gregoriana, em Roma, na University of San Francisco e na Georgetown
University, percebi que a maioria dos alunos, mesmo na faculdade, assim
como muitos que já se graduaram há muito tempo, nunca de fato souberam
o que poderiam ler para lançar alguma luz sobre a realidade das coisas. A
versão curta do subtítulo deste livro seria “como obter uma educação
mesmo ainda estando na faculdade”. Pouquíssimos alunos, nas últimas
décadas, de fato estudaram livros que tocaram suas almas. De alguma
forma, ao longo dos anos, eu me deparei com alguns livros essenciais que,
quando lidos, fazem exatamente isto: tocam as almas. Mas não se toca uma
alma apenas por tocar. Um livro pode fazer com que o leitor chegue à
percepção de que as coisas fundamentais deste mundo — e de além dele —
são simplesmente verdadeiras e boas.
II.
Essa também foi a minha reação, e é esse espírito que tentei transmitir em O
que mais importa aprender. Precisamos nos lembrar, no entanto, de que
tanto o que é bom quanto o que é mau podem ser encontrados em livros.
Também devemos nos lembrar de que o conhecimento do que é mau
também é bom. E bom que saibamos o que é o mal, o que ele pode fazer no
mundo e em nossas vidas. Errado é não saber o que é ou não é o mal senão
fazendo o mal consciente e voluntariamente. E por isso que necessitamos de
certo bom-senso filosófico antes de iniciarmos a leitura de qualquer livro.
Livros muito ruins podem ser escritos de forma muito atrativa e persuasiva.
Livros muito bons podem ser pouquíssimo elucidativos à primeira vista.
Eu me referi mais de uma vez a esta citação de C. S. Lewis: “Você não pode
dizer que já leu um grande livro a menos que o tenha lido de novo”. Em seu
livro Um experimento na crítica literária, Lewis disse ainda que, mesmo
lendo um livro como a Ética de Aristóteles trinta ou quarenta vezes — o
que eu fiz, com as minhas várias turmas —, sempre aparecerá algo novo ou
algo que perdemos, algo que não percebemos nas leituras anteriores. Isso
realmente acontece. Por isso, os bons professores são sempre gratos por
receber turmas novas, o que lhes dá a oportunidade de reler o mesmo livro
várias vezes.
Hoje, muitos alunos terminam a escola ou até a faculdade sem nunca terem
lido um livro de verdade. Não porque sejam analfabetos ou porque não
consigam ler: eles têm o Kindle, audiolivros, livros no computador e as
apostilas dos professores. Mas a sensação causada por um livro que
realmente seguramos, guardamos e no qual fazemos anotações deixa uma
impressão mais duradoura. Sem dúvida, os livros eram, originalmente,
preservados na memória antes de serem escritos numa linguagem definitiva.
Posteriormente, passaram a ser escritos em pedras ou pergaminhos. Os
livros eram caros. Quando lecionei pela primeira vez na Universidade
Gregoriana, em Roma, os alunos não tinham permissão para retirar os livros
da biblioteca. Os livros eram itens preciosos. Uma biblioteca não podia se
dar ao luxo de perder livros ou permitir que fizessem anotações neles.
Foi somente nos últimos setenta anos que livros de autores bons — e de
outros não tão bons assim — passaram a ser economicamente acessíveis a
qualquer um que queira comprá-los. Em O que mais importa aprender,
sugeri que os leitores formassem suas próprias bibliotecas de livros
esclarecedores e memoráveis, que tenham lido e que pretendam guardar.
Hoje, é fácil armazenar esses livros em um computador, IPad ou telefone
celular. Livros ocupam muito mais espaço, mas trazem certas vantagens
quando são lidos e armazenados na forma impressa. Podemos possuir um
livro de uma maneira que não se pode fazer com a imagem desse mesmo
livro numa tela, embora, nela, o tamanho da fonte possa ser aumentado ou
diminuído.
III.
O que mais importa aprender reflete sobre uma variedade de temas que
servem para ajudar o leitor a compreender o escopo e a natureza das coisas.
O capítulo mais lido e mais comentado deste livro é “O que um aluno deve
ao seu professor”. A maioria dos alunos não percebe que também tem
responsabilidades na sua própria educação. Pensam que a culpa por não
aprenderem é sempre do professor, nunca deles próprios. Yves Simon, em
seu penetrante livro A General Theory of Authority [Uma teoria geral da
autoridade], um livro fortemente recomendável, explica como um bom
professor pode ajudar o aluno a compreender mais rapidamente aquilo que
está tentando aprender. Basicamente, um professor não “ensina” ao aluno,
tampouco o aluno aprende o que o professor ensina. Ambos aprendem a
mesma verdade. Essa verdade pertence livremente a qualquer um que
compreenda e anseie por ver como sua mente se ajusta àquilo que é.
Simon também adverte o aluno para ter o cuidado de não confiar sua alma a
um professor indigno. Tais professores existem, e talvez sejam muitos.
Costumam ser muito inteligentes e cativantes, mas também bastante
equivocados. O aluno deve se lembrar de que todos os desvios do que é
bom e verdadeiro começam no coração e na mente de algum intelectual,
que geralmente viveu em outro lugar e outra época, mas que também pode
aparecer na aula da matéria em que o aluno se matriculou.
Há mais uma coisa importante presente nas listas de livros de O que mais
importa aprender, uma aguda consciência da queda do homem. Por que
tantas guerras e sofrimentos? A esse espeito, o livro mais ilustrativo e
provocativo é provavelmente The Political and Social Ideas of Saint
Augustine [As idéias políticas e sociais de Santo Agostinho], de Herbert
Deane. Estudantes, pessoas comuns e filósofos não estão acostumados a
confrontar o lado mais sombrio da existência humana e suas origens no
orgulho humano. Apenas obedecem aos seus próprios desejos sob a
premissa de uma negação de qualquer ordem na natureza ou no homem.
Uma reflexão sobre a queda, no Gênesis, faz muito sentido neste contexto.
Um segundo livro importante sobre essa questão é The God of Faith and
Reason [O Deus da fé e da razão], de Robert Sokolowski.
O propósito de O que mais importa aprender é nos conduzir aos livros que
explicam a realidade de nossa própria existência. O livro se chama “o que
mais” importa aprender porque o que se aprende hoje nas escolas e
universidades, na mídia e na cultura nos afasta da única coisa que realmente
buscamos. O aluno lá do fundo da sala, que se deparar com, digamos,
Ortodoxia, de Chesterton, terá a oportunidade de ler uma das melhores e
mais agradáveis prosas que ele verá na vida. Seus olhos começarão a
brilhar. Ele perceberá, nas memoráveis palavras de Étienne Gilson, que,
para começar a filosofar, devemos primeiramente constatar a realidade de
que “as coisas existem e nós as conhecemos”. Ê dessas coisas, vejo agora,
depois de trinta anos desde a primeira publicação, que trata O que mais
importa aprender.
1. G. K. Chesterton, Orthodoxy.
Idylls & Rambles: Lighter Christian Essays. San Francisco, Ignatius Press,
1994.
The Line through the Human Heart: On Sinning & Bing Forgiven.
Kettering, Oh., Angélico Press, 2016.
The Sum Total of Human Happiness. South Bend, In., Saint Augustines
Press, 2006.
1 Referência ao livro Living the Truth: Lhe Truth of Ali Ihings and Reality
and the Good [Vivendo a verdade: a verdade de todas as coisas, da
realidade e do bem] — NT.
2 Aristóteles, ed. Richard McKeon. The basic works ofAristotle. New York,
Modern Library, 2001 — NT.
Prefácio
Há muitos anos, quase trinta agora, encontrei a seguinte passagem em um
livro chamado Self-Made Mad, que é, obviamente, nada menos que a
famosa revista Mad. Permitam-me citá-la aqui:
Sempre gostei muito dessa citação, pois ela nos adverte de que a educação
real e a educação formal talvez não sejam, de modo algum, a mesma coisa.
Além disso, há de fato muitas coisas que professores universitários e
historiadores não sabem. Que isso não lhes surpreenda. Eu sou professor
universitário e posso dizer.
Decerto, essas não são questões que se pode perseguir. Isso porque elas
constituem as questões últimas acerca daquilo que é, sobre o que devemos
indagar. Contudo, nem sempre estamos autorizados a nos fazer tais
perguntas. E freqüentemente, como E. F. Schumacher diz em um livro que
sempre insistirei em recomendar, mesmo quando estamos autorizados a
fazer tais perguntas, não sabemos como formulá-las adequadamente, com
autonomia.6 E oportuno, portanto, que haja algum tipo de cartilha, por
assim dizer, alguma ajuda para nos libertar de um sistema que é projetado,
conscientemente ou não, para nos impedir de confrontar em nossas vidas as
questões últimas da existência e da essência, as duas questões que Voegelin
apresentou como fundamentais.
Como a passagem da Self-Made Mad sugere, nós somos seres falíveis, uma
mistura: um pouco bons e um pouco maus. Nosso tempo, estranhamente, é
um tempo de perfeccionismo. Não temos mais consciência da tradição
clássica e cristã, que nos libertaria das premissas utópicas ao nos relembrar
“como as pessoas realmente são”. Os clássicos não passam, em geral,
simplesmente de livros sobre educação. Tinham como objetivo nos ensinar
a passar de esse para bene esse, de “viver” para “viver bem”, para citar a
famosa expressão de Aristóteles acerca da tarefa da política. Mas a política,
tal como a via Aristóteles, nos levava à contemplação, à consideração da
ordem correta das coisas.
E eis o que somos de fato: criaturas inquietas que passam pelas horas e
pelos dias refletindo e rindo-se. Este será, portanto, um livro sobre o tempo
e a aprendizagem, sobre humor e indagação. Logo descobriremos, acredito,
que essas coisas não são tão dissociadas, ou que sequer são coisas
diferentes. Podemos nos inquietar ou rir em nossas jornadas tanto quanto
em nossas leituras. E as grandes celebrações que marcam nossa passagem
— o Ano Novo, Natal, nossos aniversários — são, a uma só vez,
prazerosas, pungentes e dignas de devoção.
Assim, este livro será uma espécie de esforço reflexivo para entendermos
pelo que deveriamos nos atrair. Platão estava infinitamente correto quando
percebeu que somos na realidade atraídos pelo Bem, em qualquer forma
que ele se manifeste. Somos constantemente arrebatados de nós mesmos
por aquilo que antes ignorávamos. Ainda não somos seres completos, mas
seres em busca de completude. E o cristianismo supôs corretamente que não
apenas somos atraídos pelo Bem, que nos arrebata de nós mesmos, mas
também que Deus vem em nossa busca.
“Para que vieste?”, perguntava a si mesmo São Bernardo sobre sua entrada
no claustro: “Ad quid venisti?”. E você, pensador, para que veio a essa vida
separada da vida corrente, a essa vida de consagração, de concentração, e
portanto de solidão? Não foi por causa de uma escolha? Não preferiu a
verdade à mentira cotidiana de uma vida que se dispersa, ou até aos
objetivos elevados, mas secundários, da ação?8
Mas há um momento em que sabemos que algo nos está faltando. E quando
esse momento chega, devemos saber a que recorrer. Geralmente, eu diria,
devemos recorrer ao próprio Santo Agostinho. E possível dizer, e não há
exagero nisso, que o primeiro passo em nossa vida intelectual depois de
atingirmos os trinta anos é seguramente ler e reler as Confissões de Santo
Agostinho. Descobriremos, ali, que com freqüência nossos corações
perdem-se porque antes nossas mentes desviaram-se do Bem, e escolhemos
permitir que se desviassem tanto. Quando sabemos disso, podemos
novamente voltar-nos para aquilo que é e perceber que não o fizemos, mas
que fomos feitos por ele.
Não me interesso apenas por livros, é claro. Falo um pouco sobre esportes e
talvez devesse falar mais sobre música e arte. Embora estas duas últimas,
geralmente, sejam apreciadas com mais clareza somente quando temos
alguma compreensão das coisas superiores em nossas vidas. Mas este livro
é destinado àqueles que, de alguma forma, na escola ou na vida,
negligenciaram a reflexão séria e também àqueles que, embora possam ter
lido muito, inclusive as melhores obras, não enxergaram como tudo
converge. Essa ponderação nos leva a questões sobre o que, em nossa vida
pública, pode nos trazer problemas sob esse aspecto, e o que, inclusive em
nossa vida religiosa ou pessoal, pode nos impedir de refletir mais
diretamente sobre as coisas mais elevadas.
Conseqüentemente, este livro pode ser visto como uma espécie de guia para
um território intelectual desconhecido. Falo sobre ser aluno, sobre ler, sobre
o fato de que cada um de nós é chamado a conhecer, como me disse
recentemente um amigo, “a verdade sobre as nossas vidas”. E essa é uma
empreitada séria, mas não desprovida de humor, é claro. Como essa mesma
seriedade nos leva diretamente a questões de fé, dúvida, verdade, mal e
bem, não hesitei em recomendar outras leituras, que podem ser
completamente desconhecidas para o leitor. A disponibilidade desses livros
é incerta. Alguns são novos, alguns são velhos mas ainda são publicados, e
alguns terão de ser buscados numa boa biblioteca. Mas a descoberta de um
bom livro é uma experiência preciosa que eu recomendo a todos.
Claramente, pretendo proporcionar muitas dessas experiências aqui.
4 Self-Made Mad, ed. William Gaines. New York, New American Library,
1960, p. 65.
Os breves ensaios que seguem nesta primeira seção foram idealizados para
nos fornecer algum incentivo e alguma direção pela qual possamos, por
assim dizer, transcender a educação que recebemos, mesmo em instituições
supostamente boas. Creio que as universidades podem nos ajudar a
aprender as coisas fundamentais, mas também sei que freqüentemente
falham em nos ajudar a aprender o que realmente importa. Por isso, tentei
sugerir maneiras de aprender enquanto estamos na faculdade e também de
encontrar os elementos mais centrais caso eles não nos sejam apresentados.
Por um acaso, naquela manhã, eu estava lendo meu próprio volume duplo
de Boswell, que ganhei em 1979 de Gary Springer, um aluno gentil da
graduação, depois de eu ter lido algo de Johnson numa aula. Springer o
encontrara por poucos dólares em um sebo em Miami. Era da escola Saint
Pauis High School de São Petersburgo e, a julgar pelas marcas, fora
evidentemente descartado. E devo dizer que isso nos faz indagar sobre a
educação paroquial. Meu volume era uma reimpressão de 1931 da Oxford
University da edição de 1794 — “Londres, impresso por H. Baldwin e
Filho, para Charles Dilly, na granja”. Gostaria de saber o suficiente sobre a
Londres de 1794 para saber onde era a tal “granja”; presumo que se trata de
onde vendiam-se galinhas. Hoje, sem dúvida, diriamos “ao lado do KFC”, OU
algo do tipo.
Mas este não é um ensaio sore Johnson ou os romanos, e sim uma exortação
aos jovens estudantes sobre a importância dos sebos em suas vidas
intelectuais. Sei que alguns devem ter ouvido a propaganda da Crown
Books que diz (corretamente) que “livros são muito caros em Washington”.
Para provar essa verdade óbvia, eu solicitei, em uma de minhas aulas, a
leitura do excelente livro de Frederick Wilhelmsen, Christianity and
Political Philosophy [Cristianismo e filosofia política], editado pela
University of Geórgia Press. Eu pensava que seu preço fosse $10,95, que
era o preço indicado na capa. Foi a partir desse livro, na realidade, que
surgiu minha curiosidade sobre Johnson e Cícero. No entanto descobri,
através de alguns alunos desconcertados, que esse mesmo livro estava
sendo vendido em livrarias por cerca de $22, um preço que se deve
provavelmente a regras de escassez e tributação sobre o inventário. (O livro
vale, de fato, $22, mas pesquise).
Minha recomendação inicial é que os estudantes comecem a formar suas
próprias bibliotecas — como a informática afetará essa tarefa, ainda não sei
dizer. Ainda assim, aqueles com apreço pela reflexão — nem todos o têm,
aparentemente — devem aprender a freqüentar os sebos, ainda mais que
livrarias. Washington, ao que me parece, não está tão suprida de sebos
como outras cidades, como São Francisco, que conheço melhor. Mas há
boas feiras em Washington, especialmente algumas vendas anuais
promovidas pelas igrejas e pelo Exército da Salvação. Nesse aspecto, cada
um deve empenhar-se em vasculhar sua própria cidade.
Durante um verão em São Francisco, por exemplo, uma amiga me disse que
queria o livro “perfeito” para presentear a mãe de uma amiga, que, creio,
acabara de perder seu marido. Sugeri um sebo em particular. Minha amiga,
Denise Bartlett, me disse que não sabia exatamente o que buscava, mas que
saberia “quando o visse”. Ela, então, vagueou pela seção de poesia, onde
encontrou um livro de Phyllis McGinley, The Love Letters of Phyllis
McGinley — acredito que foi uma boa escolha — que comprou para si
própria.
Denise, então, passou por várias biografias de santos e outros livros devo-
cionais. Enfim, ela despareceu nas profundezas do sebo e ressurgiu quinze
minutos depois me dizendo, com entusiasmo, que havia conseguido
encontrar o livro perfeito. Examinei o livro. Era Imitação de Cristo, de
Tomás de Kempis. Eu disse: “Denise, você sabe que livro é este?”. Ela
respondeu: “E um livro sobre orações, ideal para a mãe da minha amiga
neste momento”. Continuei: “Veja, você encontrou nada menos que o livro
mais importante e mais amplamente lido sobre meditações devocionais da
história do cristianismo”. Ela não se impressionou: “O que eu sei é que este
é o livro certo para o que eu queria”. E estava certa, é claro.
Para se obter uma “educação” é necessário, muitas vezes, não fazer aquilo
que o “percurso” de estudos do Ensino Médio ou da faculdade exige. Se me
permitem a ousadia, há dois tipos de educação que devem ser buscados ao
mesmo tempo. No primeiro, devemos procurar nosso sustento. Essa não é
uma tarefa ignóbil, e quase sempre demanda certos esforços tediosos, como
freqüentar o curso de direito, compreender a bolsa de valores ou passar no
exame de relações exteriores. O segundo é de uma natureza muito diferente.
Para buscá-lo, necessitamos daquilo que Aristóteles chamou de lazer —
espaço e tempo para questões que têm pouca relação direta com o trabalho
ou a sobrevivência.
Não há nada de errado com nenhum deles, evidentemente, mas não é esse o
fim último da vida. Para esse último tipo, desejamos ter amigos, e
desejamos saber o que outros, especialmente em tempos anteriores ao
nosso, possuíam. E não se trata apenas de ter muitos livros para carregar por
aí, mas sim de ter bons livros, livros que lemos, fazemos anotações, lemos
novamente, livros que pretendemos preservar. E se pretendemos preservar
livros, devemos planejar nossas residências para esse fim — estantes,
cômodos, maneiras de organizá-los.
Não tenho
Os próprios mestres devem ser discípulos. Mas não deve haver uma
regressão eterna: deve haver, no fim, mestres que não são, por sua vez,
discípulos. Esses mestres que não são discípulos são as grandes mentes ou,
para evitar qualquer ambigüidade em uma questão tão importante, as
maiores mentes. Tais homens são extremamente raros. Não se costuma
encontrá-los em salas de aula. Não se costuma encontrá-los em lugar
nenhum. É um grande privilégio caso haja um, sequer, vivo em nosso
tempo. Para todos os efeitos, os discípulos, de qualquer grau de
proficiência, têm acesso aos mestres que não são discípulos, às maiores
mentes, apenas através de grandes livros. A educação liberal consiste,
assim, em estudar com o devido cuidado os grandes livros que as grandes
mentes nos deixaram.1
Contudo, por ler, devemos entender ler com muito cuidado e atenção para
descobrir o que o autor quis dizer. E quando descobrimos, dentro de nossa
limitação, o que o autor quis dizer, ainda teremos de decidir se aquilo que
foi dito é ou não verdade. Conhecer o que foi dito — o primeiro passo,
evidentemente — não necessariamente significa conhecer aquilo que é. Há
pessoas que conhecem aquilo que é sem nunca terem lido um livro sequer.
Devemos sempre estar atentos a essas pessoas, pois elas equivalem a toda
uma vida de busca e leitura. Mas, novamente, teremos sorte se
encontrarmos uma única em toda nossa vida. Há vezes, porém, em que
vivemos ao lado de sábios e não os reconhecemos. Como Agostinho teria
dito, com freqüência escolhemos o que queremos conhecer.
Por outro lado, não é necessário reinventar a roda apenas porque não fomos
nós que a inventamos. Ou seja, não há nada de errado em aprender com os
outros, com livros. Não há dúvida de que o que há para se aprender é
praticamente infinito, portanto começar de onde outros pararam não é, de
forma alguma, negar a realidade. Não é nenhuma surpresa se, por ventura,
alguém que viveu dois séculos antes de nós, ou dez, ou vinte e cinco, ainda
tiver muito a nos ensinar. Isso significa que o esforço de aprender com os
outros é parte do esforço de aprender: por isso, então, a importância de
aprender o que ler e como ler. Evidentemente, a leitura não é a única
maneira de aprender, mas somente uma. Devemos experimentar a leitura
em contraste com outras formas de aprendizagem, como o cinema, o teatro
e várias outras formas de arte. Aprender é tão importante que devemos
buscar a aprendizagem onde quer que a encontremos: lendo, vivendo,
observando e refletindo.
3 Hilaire Belloc, The Four Men. New York, Oxford, 1984, p. 68.
3 - O que um aluno deve ao seu professor
Permitam-me começar com a seguinte passagem do tratado De Magistro, de
Santo Agostinho:
Os alunos têm deveres para com seus professores. Sei que pode parecer
falsa doutrina, mas retomemos isso mais tarde. Sem dúvida, pode-se
argumentar que os professores também têm deveres, ainda maiores, para
com seus alunos.
Mas, ao longo dos meus anos como professor, em São Francisco, Roma e
agora em Washington D.C., tive alunos demais para achar que um professor
passará a conhecer seus alunos além de um certo tratamento formal durante
o curto período de um ou dois semestres na matéria Política 1, ou algo que
o valha. Conhecer demais os alunos pode, inclusive, ser um impedimento à
aprendizagem, especialmente para os outros alunos da turma — acceptio
personarum, como chamou Tomás de Aquino. A atividade da aprendizagem
acontece, talvez até melhor, quando professor e aluno direcionam-se ao
assunto em questão, ao motivo pelo qual estão no mesmo lugar ao mesmo
tempo, com uma espécie de reverência mútua diante de algo que nenhum
deles criou ou produziu.
Ademais, é possível ser um bom aluno sem ser muito inteligente, assim
como é possível ser muito inteligente em suas habilidades inatas, mas um
aluno fraco. Um engraçadinho disse certa vez que educação universitária é
quando as anotações do professor passam direto para o caderno do aluno
sem passar pela cabeça de nenhum dos dois. A aprendizagem mais pura
acontece quando dialogamos diretamente com aqueles que sabem ou,
quando estamos sozinhos, mas — relembrando Cícero — menos sozinhos
do que nunca. 3
Essa tensão que sentimos dentro de nós é também o motivo pelo qual
Aristóteles disse que, embora não sejamos capazes de aprender muito sobre
Deus, ainda devemos passar o maior tempo possível aprendendo o que
pudermos. Como me referirei, com freqüência, a essas poderosas linhas de
Aristóteles, permitam-me citá-las:
E não devemos ouvir aqueles que nos aconselham “ó, homem, pense como
pensa um homem” e “ó, mortal, não se esqueça de sua mortalidade”.
Devemos, antes, dentro de nossa capacidade, arcar com a imortalidade e
não prescindir de nenhum esforço para vivermos em conformidade com as
coisas mais elevadas que há dentro de nós. Ainda que seja pequeno em
volume, em poder e preciosidade transcende todo o resto. 4
Podemos, então, dizer que salas de aula são como campos de golfe, onde o
par é muito superior ao nosso desempenho, 5 bom ou ruim,
independentemente da nossa superioridade em relação ao grupo com quem
jogamos. As coisas mais elevadas demandam esforços cuidadosos, por mais
satisfeitos que estejamos com o que é menos que o mais elevado. O
imperfeito não é o perfeito, e eles não devem ser confundidos. Contudo, as
coisas mais elevadas nos arrebatam de nós mesmos, mesmo nos nossos
momentos mais felizes.
Dito isso, deixem-me dizer quais são as obrigações dos alunos. A primeira,
bastante presente nas primeiras semanas de um novo semestre, é uma
razoável boa vontade para com o professor, uma confiança, uma disposição
para reconhecer que provavelmente o professor conhece o assunto e,
diferentemente do aluno, sabe aonde aquilo vai chegar. Evidentemente, não
pretendo, aqui, negligenciar os perigos do professor ideológico, aquele que
impõe sua crença aquilo que é. Mas, para ser um aluno, é necessária alguma
humildade.
Os alunos não vão à escola, como disse Santo Agostinho, para aprender o
que os professores pensam. Em vez disso, eles vão para que possam, junto
com seus professores, ouvir a “verdade interior” das coisas, uma graça que
une todos igualmente numa busca que os leva para além das confusões e
dos confins da sala de aula para a essência da realidade, com a qual nosso
intelecto deve “adequar-se”, como disse Tomás de Aquino, quando nos
apossamos da verdade. 6 Quando um professor, por mais ranzinza que seja,
vê seus alunos saírem de sua sala no fim de um semestre, ele quer que
carreguem consigo mais do que a memória de suas piadas — embora deseje
que tenham rido — ou das provas, mas a posse interna do assunto da
matéria em si. O aluno deve tornar-se independente do professor a ponto de
esquecer até o seu nome, mas jamais a verdade aprendida. É disso que se
trata a educação — não de listas de chamadas, fileiras e estabilidade no
cargo para o professor.
1 Santo Agostinho, De Magistro, cap. xiv, 389 a.C., em The Basic Works of
St. Augustine, v. i, ed. Whitney J. Oates. New York, Random House, 1948,
p. 394 [Cf. De Magistro, trad. Felipe Denardi. Campinas, Edições Kírion,
2017, p. 111 — NE].
Aristóteles, como sabemos, sugeriu que não devemos esperar mais exatidão
de uma ciência do que ela é capaz de alcançar. Nas sensatas palavras de
Aristóteles, “ao abordar essa questão [ética], devemos ficar satisfeitos se
pudermos alcançar o grau mais alto de precisão que a questão nos
permite”.1 Recentemente, encontrei por acaso um excelente programa de
uma disciplina de um colega meu, onde ele informa que 10% da nota dos
alunos será baseada em discussões em sala de aula, 40% em provas e 50%
no trabalho final.
Assim, quando os alunos ficarem tão velhos quanto alguns professores, que
não mencionarei, e eles inevitavelmente ficarão — algo que Cícero nos
ensinou em seu maravilhoso ensaio Cato Maior de Senectute —,
provavelmente não se lembrarão da nota que tiraram em Política 1, pois
sequer se lembrarão se cursaram ou não essa matéria. A única coisa que
precisamos recordar é o que lemos, sobre o que discutimos e, com sorte,
sobre o que escrevemos.
De minha parte, creio que um professor deve saber como um aluno escreve,
como lê, como fala, como responde por si, por assim dizer. O professor
precisa conhecer a diligência e o rigor de seu aluno. Isso leva tempo; é uma
coisa humana. Como mencionei no ensaio anterior, na maioria das
universidades os alunos também avaliam seus professores, algo que as
administrações vêem com bastante seriedade. Mas também é necessário
tempo e confiança para que os alunos conheçam seus professores.
Para que as notas tenham algum valor — imagine uma universidade onde
todos recebam A independentemente do que façam — é necessário que
sejam ponderadas mediante a “concorrência” com outros alunos: os que
estão na mesma sala, a infinidade de outros alunos que o professor já teve
em outros anos e também os alunos de outras universidades.
Ora, o que é, então, uma nota? Uma medição de saber e de não saber, sem
dúvida. Sua função é encorajar, desafiar. Há um certo prazer peculiar em se
receber um D- em Introdução à Redação no primeiro ano e, três anos depois,
um A- em Escrita Avançada. Na conferência em Reno, conheci um jovem
que se graduou em ciência política na University of Geórgia, onde cursou
sua primeira e única disciplina sobre escrita, por acaso, no último ano. Ele
gostou da disciplina e, então, escreveu seu primeiro artigo sobre uma
senhora de Atlanta que assistiu a todos os jogos de beisebol sediados em
sua cidade durante meio século. Ele enviou o artigo à revista Sports
Illustrated. Algumas semanas depois, recebeu um cheque de $750. Parece-
me uma ótima nota; além do indescritível prazer de ter seu primeiro artigo
aceito e publicado, e não meramente enviado a algum professor da
faculdade que o lerá somente por obrigação, já que foi ele quem o solicitou,
e não porque de fato quer lê-lo.
Nota é uma coisa que não importa. Quem disse? Bem, às vezes, eu digo.
Ninguém está na universidade para “tirar boas notas”, embora suas notas
talvez sejam a maior preocupação dos generosos pais que pagam suas
mensalidades. Sua querida mãe pouco se importa com o que você de fato
“faz” ou “aprende” na interminável aula do Schall; sem dúvida, mas
provavelmente se importa se suas notas serão boas. Veja que ironia: ela
provavelmente acredita mais no professor Schall do que em você. (O que os
alunos de fato “fazem” na aula do Schall é um mistério conhecido somente
por Deus!). Se os alunos lêem Santo Agostinho para tirar boas notas —
bem, excelente. Contudo, também me impressiona o aluno que lê Santo
Agostinho, recebe D- como nota, mas continua lendo-o cinco ou vinte e
cinco anos depois. É necessária toda uma vida para ler Santo Agostinho,
portanto, as primeiras dezenas de vezes talvez mereçam de fato um D.
Creio que o propósito de uma nota, retomando o que disse Kristin Lund, é
permitir que o aluno progrida da incerteza para a certeza, da insegurança
para a segurança em si mesmo, sinta-se confiante, com fundamentos
objetivos, de que sabe mais ou menos o que se espera que ele saiba. Não
conseguimos fazer isso por nós mesmos. Kristin tinha razão.
Aristóteles disse que nossa mente tem a capacidade de saber todas as coisas.
Isso significa — metafisicamente, é claro — que estaremos sempre
inseguros até nos depararmos com a nota final, com o avaliador final, por
assim dizer, quando de fato saberemos “todas as coisas” e continuaremos
sendo — assim esperava Aristóteles — nós mesmos, seres humanos finitos:
professores, alunos, administradores, e tudo o mais. Aristóteles gostaria que
isso fosse assim. Assim como Agostinho.
Em verdade, não existem homens não instruídos. Eles podem furtar-se aos
testes triviais, mas não aos imensos testes da existência. A dependência na
infância, a apreciação dos animais, o amor de uma mulher, o medo da morte
— esses são muito mais aterrorizantes e invariáveis do que qualquer forma
imaginável de cultivo do intelecto. É inútil queixar-se de que as escolas e
faculdades são triviais. Escolas e faculdades devem sempre ser triviais.
Uma faculdade jamais ensinará as coisas que importam. Pois, antes dos
vinte anos, um homem já aprendeu as coisas importantes. Certo ou errado,
ele as aprendeu; e o fez sozinho.2
Porém, essa é uma asserção lúcida acerca do fato de que aquilo que
realmente importa geralmente nos é revelado por nossos pais, nosso meio,
nossas igrejas e nossa intrínseca abertura à existência, àquilo que é, àquilo
com o que nos deparamos onde quer que estejamos. Talvez o fundamento
mais aprazível em Tomás de Aquino, a esse respeito, seja sua audaz
afirmação de que cada um de nós tem seu intelecto, completo em si, diante
de um mundo que nenhum de nós criou, e assim começamos a conhecer
aquilo que não somos, que é para além de nós. Somente a partir daí é que
podemos refletir sobre a famosa exortação socrática “conhece-te a ti
mesmo”.
Leo Strauss falava freqüentemente a respeito do cuidado com que devemos
falar seriamente sobre as coisas elevadas — pois há tão poucos que
parecem estar dispostos a ouvir. Cedo ou tarde, descobriremos que aquilo
que de fato não aprendemos, não aprendemos porque escolhemos não
aprender. Em algum momento, temos de reconhecer que não são nossas
capacidades naturais as reais causas da nossa posição pessoal perante as
coisas elevadas. E, às vezes, não podemos senão estar cientes de que não
falamos, e com freqüência não ousamos falar, sobre as coisas que
importam.
Ele [Johnson] lamentou que todo o diálogo sério e religioso fora banido da
sociedade dos homens, pois esse diálogo ainda pode nos trazer grande
benefício. Todos reconheciam, segundo ele, aquilo que ninguém praticava:
a obrigação de termos as questões da eternidade como princípios
governadores de nossas vidas. Todo homem, dizia ele, ao menos deseja o
recolhimento: ele vê suas expectativas serem frustradas no mundo e começa
a desvencilhar-se delas, preparando-se para a separação permanente.3
Ele [Maritain] era um homem santo. Foi o que eu senti, enquanto lutava
para andar pelas folhas secas do chão no caminho de volta da última
palestra de Maritain na Moreau (depois publicada como The Uses of
Philosophy). Ele amava a verdade, mas seu propósito na vida não era
vencer discussões. Ele queria ser sábio. Um desejo tão incomum para um
filósofo! E ele conseguiu, pois rezava tanto quanto estudava.6
Penso que raramente falam conosco tão seriamente. Com freqüência sequer
queremos que nos falem assim, pois intuímos onde tal conversa pode nos
levar. E isso nos traz de volta para a discussão inicial sobre o “princípio”,
encontrada nos primeiros capítulos do Livro do Gênesis.
E isso me traz de volta a Chesterton — à idéia de que antes dos vinte anos
já aprendemos as coisas importantes. Certo ou errado, já aprendemos, e o
fizemos sozinhos. “Os testes extremos da existência”, como chamou
Chesterton, não se basearão no fato de termos ou não freqüentado a
faculdade, mas se nos deparamos em nossas vidas, e com bom humor, com
as coisas mais elevadas. São Paulo sugeriu, em uma passagem famosa, que
aprender poderia facilmente nos desviar para a “loucura”, mesmo se
formos, talvez principalmente se formos, filósofos profissionais.9
5 Veja capítulo 7.
7 505d.
8 Voegelin, Conversations, p. 6.
9 1Cor 1, 18-24.
6 - Sobre ensinar o pensamento político de Platão
E, por outro lado, quando você de fato adentrar a filosofia política, quando
começar a caminhar com Sócrates, Polemarco, Adimanto e Trasímaco de
Pireu, a filosofia política jamais o deixará. A partir daí, você logo irá para a
própria filosofia e, por fim, para a reflexão de se algo mais foi dito em
relação às perguntas feitas por ela.
E então, com tão nobres e esperançosos sentimentos de sabedoria
professoral, a leitura dos dois primeiros livros da República é bravamente
delegada.
“Pelo menos já ouviram falar de Hitler”, você resmunga consigo, com certo
alívio.
Você, então, sai prontamente em defesa de Platão: “Então você acha que
não devemos lê-lo? Devemos, talvez, censurá-lo?” Você acaba se deixando
levar. “Você não sabia que a idéia de que somos afetados pelos livros que
lemos vem de Platão? Que a teoria de censura que você defende também
vem de Platão? Que para refutar Platão você precisa de Platão?”. Claro que
não sabem dessas coisas; como saberiam?
Então, pacientemente, você diz: “Tenham calma. Vocês ainda não sabem
onde Platão vai chegar, qual o seu método, suas certezas. Ele é o pai da
filosofia. Por ora, tenham um pouco de confiança no juízo humano. Nem
sempre está errado”.
Seus alunos estão céticos, como deveriam estar, como Platão disse que
estariam. “Como algo escrito há 2500 anos poderia ser relevante?”. Aquela
aflição acomete-o novamente. Como você odeia a palavra “relevante”! Mas
você sabe que já pensou da mesma forma. Você se recorda, na Apologia,
dos potenciais filósofos, os jovens, deslumbrados em imitar Sócrates, para
irritação de seus pais, que perseguiam Sócrates por ousar ser um filósofo.
Porém, espera-se que nesse momento você saiba — pois você já lecionou
muitas aulas sobre Platão — que quando lerem o mito de Er e os Guardiões
da Noite, onde Platão lhes diz que, se não escolherem ser justos e bons
nesta vida, nunca poderão escolher nada além das frivolidades que de fato
escolhem, neste momento, então, começarão a indagar-se se algo mais
significativo foi dito nesses 2500 anos.
Quando você responde à sua própria pergunta sobre por que Platão é
relevante, você reconhece: “Bem, sim, talvez o discípulo de Platão,
Aristóteles, se qualificaria. Talvez ele fosse mais sábio”. Você percebe, mais
uma vez, a dúvida no rosto dos seus alunos. Pois é difícil abrir mão de
Platão. Você sabe que ninguém escreve como ele. A primeira experiência de
ler Platão nunca se repetirá. Nenhuma outra voz soa como a dele. Contudo
sua voz retornará a cada releitura, e cada vez que você o fizer, que insistir
uma vez mais, será lê-lo pela primeira vez.
Ainda assim, você, esse professor cada vez mais velho, tem ouvido as
músicas rudes e ruidosas que irrompem das janelas desses caros jovens
acadêmicos. Você lhes lança a pergunta perene, a que você faz a todas as
turmas: “Afinal, Platão estava certo sobre a música e a política? O que você
gosta revela o que você se torna? Essa mudança na música pressagia o
primeiro sinal de mudança política?”. Você especula sobre tais assuntos em
voz alta com sua turma. “Platão ainda pode ser lido depois do aparelho de
som?”. Você suspeita que sim. Eles, a essa altura, perguntam-se se ainda é
possível trocar de disciplina.
Você então relata, como faz com freqüência, a história do jovem estudante
húngaro que você teve em Roma há algum tempo. Ele contou aos outros
alunos, potenciais simpatizantes de clérigos revolucionários latino-europeus
e latino-americanos, que na Hungria não era permitido estudar a República.
“Por que o governo húngaro não queria que se estudasse Platão?”, você
indaga. Finalmente, alguém responde: “Porque ele se questiona sobre o
melhor Estado possível?”. “Sim, exatamente. Porque um governo que
insiste com seus cidadãos que eles já vivem no melhor Estado possível não
quer ninguém imaginando uma sociedade melhor. Nada de Platão, esse
subversivo, por aqui”.
“Mas Platão não ensinou o Estado a mentir?”. Mais uma vez, você suprime
a tentação de questionar se os alunos de hoje realmente acreditam que
mentir é teórica e moralmente errado. Se não for, evidentemente, Platão
estaria fazendo precisamente o que eles julgam ser correto. Um colega,
talvez mais sábio, lecionando também sobre Platão, sugere que os alunos
são puros nomi-nalistas, que olham para a filosofia política acadêmica
como uma espécie de supermercado, onde podem encher as cestas de suas
cabeças com isto, aquilo e aquilo outro, numa espécie de compra impulsiva
mental. De qualquer modo, eles ficam aparentemente chocados com o fato
de o Estado poder mentir, ainda que não acreditem que mentir seja errado,
ainda que vivam em uma república onde a ordem pública dos tempos
recentes tenha sido dilacerada, principalmente, pela mentira explícita.
E você não está tão certo de que seu colega esteja errado. Então, você
cumprimenta a sala por pensar que seja errado que o governo minta. Afinal,
se não o achassem, como poderiam estar bravos com Nixon? E todos estão
bravos com Nixon!
Mas, a seguir, sendo fiel a Platão mais uma vez: “Platão amava Homero?”.
Acenam que não com a cabeça. “E por que motivo queria censurar
Homero?” “Porque pensava que Homero mentia sobre os deuses” (383).
“Então um governo deve se preocupar, em nome da verdade, com as
verdades que seus poetas e romancistas ensinam?”. Fazem silêncio. Você
também.
Então, você lhes fala sobre todas as redes de rádio controladas pelo governo
que você já ouviu nos vários países que já visitou. Todos queremos nosso
nominalismo. Todos queremos condenar a mentira. Todos queremos viver
no melhor Estado e, também, no nosso próprio.
“Se ler Platão uma única vez, você reprovou em Platão. E se você reprovou
em Platão, reprovou consigo mesmo”.
Salvador de Madariaga uma vez disse que nossa cultura deveria dar a cada
homem e mulher, quando atingissem a idade de votar, um robusto e
elegante livro contendo os relatos da morte de Sócrates e de Cristo, os dois
homens do mundo antigo que nunca escreveram um livro, ambos mortos
pelo Estado. 2
E então, outra vez, você diz na aula que Platão já fez perguntas acerca do
que aconteceria ao homem bom se ele surgisse em qualquer Estado
existente (361). Glauco falou por todos nós: “Eles lhe dirão que o homem
justo que for julgado como injusto será açoitado, torturado, amarrado, terá
os olhos queimados e, por último, depois de sofrer todo tipo de males, será
empalado [...]”.
A classe se põe em silêncio outra vez. Nessa segunda leitura, todos sabem
que Sócrates não estava falando apenas dos atenienses antigos, ou de outro
povo, mas sobre nós mesmos, os leitores, sobre nossos próprios princípios,
nosso próprio controle, nossa própria cegueira.
Quando sai da sala, você não sabe se esses alunos irão ler Platão outra vez.
Você sabe que você lerá — em parte porque um novo grupo chegará no
semestre seguinte, em geral, com as mesmas perguntas. Você crê
solenemente em si mesmo, que releria Platão por ele mesmo, para louvar a
verdade e a justiça, não por punição e recompensa, não para aparentar ser
culto, mas para de fato sê-lo.
O que você não sabe é o que faria se encontrasse o homem justo no Estado
justo, ou, melhor ainda, no injusto, que é onde você tem relativa certeza de
que vive agora. Você deseja, de todo modo, que Platão estivesse errado, ao
menos no seu caso.
Você retorna, então, para sua sala. Tem a sensação de que deveria ler uma
última vez o final do livro oito para os alunos; ou era o livro nove? Sim,
claro, livro nove (592):
GLAUCO: Compreendo. Queres dizer que ele governará a cidade que foi
fundada por nós, que existe somente na idéia; que, por isso, não creio que
haja um só lugar como este em toda a Terra?
Você percebe, novamente, quão arriscado é lecionar sobre Platão, ler tais
passagens, ano a ano, com alunos que nunca as ouviram. Se tivesse certeza
de que Platão estava errado, seria muito mais fácil. E conforme envelhece,
surge--lhe a desconfiança de que talvez ele estivesse errado aqui e ali.
Talvez não devéssemos, de fato, ler Platão. Como era o velho ditado latino?
Amicus Sócrates, Amicus Plato, magis Amicus Veritas. O que você
descobriu neste ano, relendo Platão, foi que, em geral, é isso o que Platão
disse (391).
Por fim, esta é a verdade: não se pode refutar Platão sem Platão.
Quatro livros e dois ensaios para lhe ajudar a começar a pensar sobre
Platão
3. John Wild, Platos Modern Enemies and the Theory of Natural Lave.
Todas as análises desta seção nos direcionam para as coisas mais elevadas
de uma forma ou de outra. Na seção anterior deste livro, mencionei uma
coleção de ensaios sobre educação de Jacques Maritain. Um desses ensaios
era intitulado “The Education of Women” [A educação das mulheres]. 1
Observei ao longo dos anos a reação bastante distinta que jovens homens e
mulheres têm em relação às discussões clássicas das coisas mais elevadas.
Isso sempre me intrigou, embora os livros Whats Wrong with the World? [O
que há de errado com o mundo?], de Chesterton, e Eternal Woman [A
mulher eterna], de Gertrud von Le Fort, tenham contribuído muito para a
explicação de como o homem e a mulher podem reagir, dentro de sua
intimidade, às mesmas coisas elevadas para as quais ambos são chamados.
De fato, concordo quando ele diz que as meninas querem que as idéias
adentrem diretamente em suas vidas. Mas os meninos também, não? Sugiro
que faça um teste, um pequeno experimento, na próxima vez que estiver
lecionando sobre Leo Strauss ou Eric Voegelin a meninas. Depois me diga o
que aconteceu.
Seria também importante fazê-las entender que a maneira como agem está
intimamente relacionada a suas vidas intelectuais. Não podem pensar
corretamente se não estiverem agindo corretamente. E agir corretamente
não é uma coisa que ocorra naturalmente. É necessário que alguém lhes
ajude a refletir sobre as coisas. Idéias e crenças são tão fascinantes. Elas
requerem grande paixão, corações fortes e mentes disciplinadas. Requerem
grandes movimentos da vontade, no sentido de decidir apostar a própria
vida nelas, morrer por elas se necessário. Meninas são naturalmente tão
propensas a dar tudo o que têm. E é exatamente nisso que são vulneráveis.
É necessário dar-se pela coisa certa, pessoa certa, nas circunstâncias certas.
Essas são, sem dúvida, palavras muito poderosas, palavras que terminam
com insinuações das discussões sobre como agir presentes na Ética de
Aristóteles.
5. Beyond Politics.
que ele não quer perder. Ele se encontra aprisionado numa torrente de fatos,
agora favorecida pelos computadores presentes em todos os dormitórios,
além da música, tendo pouca ou nenhuma idéia do significado desses fatos
ou se eles têm alguma relevância em qualquer coisa que vá além dos seus
desejos e os de seus amigos.
Pois os alunos por quem me interesso são aqueles que se preocuparam com
as perguntas não respondidas nos livros vin e ix da Ética de Aristóteles, os
capítulos sobre amizade e justiça, a crueldade da segunda e a ternura da
primeira. Estou recrutando, portanto, aqueles interessados no todo, mas que
fazem questão de que nada se perca nessa ascensão, os herdeiros de
Adimanto e Glauco, que queriam ouvir as coisas mais elevadas sendo
louvadas, tendo-as como um fim em si.
Aqueles que seguem esse último caminho, que são a causa do pungente
“por quê?” lançado por Muggeridge, talvez já tenham sido também
recrutados pelo som de outro trompete ideológico, embora tenhamos lido
Darkness at Noon 8 e saibamos dos gulags graças a Solzhenitsyn. Mas
estamos em busca dos eminentemente ensináveis, aqueles que sabem que
não sabem e que ainda há muito para se saber, que começam a desconfiar
que o mal pode, de algum modo, ser atrativo para mentes brilhantes, como
já ensinaram Platão e Agostinho.
A cidade, como a vida de Sócrates sugeriu a Platão ainda jovem, deve ser
projetada de tal modo a permitir que as perguntas de maior importância
sejam feitas. O bem comum da própria cidade exige que alguns de nós,
talvez todos nós, nos perguntemos a respeito daquilo que transcende a
cidade em sua máxima perfeição. Ademais, como Harry Jaffa traz em seu
belo panegírico a Leo Strauss, se as questões de razão e revelação são de
importância vital, a cidade não deveria ser projetada de tal forma que, em
seu princípio, verdades da revelação e da metafísica sejam excluídas de seu
ambiente, por mais que a filosofia política não seja uma revelação, por mais
que o estadista não transcenda as questões com as quais somente a lei pode
lidar.9 A própria lei é limitada pelo que há no homem e pela realidade, que a
superam. Ou seja, há questões fundamentais com as quais a política não é
capaz de lidar.
A lei da cidade, portanto, leva à lei da natureza, e a natureza leva às origens
e causas, fins e meios. Embora saibamos, também, através de Solzhenitsyn,
que o tempo que se passa nos gulags do pior tipo pode purificar-nos
maravilhosamente, ensinar-nos sobre aquilo que não é meramente
política.10 O fim último do homem pode ser alcançado no pior estado. Mas
talvez sejam necessários Agostinho e Tomás de Aquino para que possamos
enxergar isso claramente.
Mas nada tão radicalmente novo, como o ser original, é permitido na cidade
ideológica, onde aquilo que é será somente o que for pensado e executado
pelos homens. Muitos místicos se esforçam, e não sem lógica, para tornar
realidade o projeto do quinto livro da República, em vez de, como diria
Allan Bloom, permitir que Platão nos ensine que tais projetos místicos
acabariam por destruir as cidades reais. Por não ser a ciência mais elevada,
a política é limitada. Contudo, devemos buscar as coisas mais elevadas.
Devemos buscar erguer cidades onde a busca não seja proibida, embora nas
cidades onde não é proibida ela seja raramente almejada. De qualquer
modo, o recrutamento prossegue.
Isso nos leva, por fim, ao livro Saint Thomas Aquinas de Mclnerny. À
primeira vista, filósofos políticos classificariam esse livro, como o fazem as
editoras, na categoria filosofia, somente. Por ser sobre Tomás de Aquino,
poderia também ser classificado como teologia. Na realidade, por ser sobre
Tomás de Aquino, poderia ser corretamente classificado nas categorias
teologia, filosofia e teoria política, pois pertence às três disciplinas, o que
serve de lembrete de como elas são harmoniosamente interligadas. Henry
Veatch, em seu livro Aristotle:A Contemporary Appreciation [Aristóteles:
uma apreciação contemporânea] (sem dúvida, um adequado
acompanhamento ao livro de Mclnerny), sugere que olhemos para
Aristóteles como se fosse um filósofo moderno, uma vez que o experimento
moderno que se deu através da rejeição de Aristóteles fracassou
completamente. Essa é uma postura similar àquela brilhantemente
defendida por Leon Kass em seu livro Toward a More Natural Science
[Rumo a uma ciência mais natural].11
O que Mclnerny faz — e é por isso que seu livro também pode ser
classificado corretamente como filosofia política — é demonstrar como é
“sensato” permitir que a revelação seja direcionada ao intelecto natural,
para instruí-lo precisamente como intelecto natural.
Ao sugerir a centralidade dessas verdades, que são tanto reveladas quanto
concluídas, Mclnerny demonstrou como a revelação não contradiz a
natureza, independentemente do quanto ela a supere em alguns aspectos da
vida. Não porque as verdades atribuídas somente à revelação sejam
intrinsicamente “ininteligíveis”, mas porque somos seres limitados expostos
a uma inteligência maior do que aquela que nos é natural. Ou seja, há mais
inteligibilidade no ser do que podemos alcançar pelo tipo de substância que
possuímos.
É por isso que é uma “graça”, por assim dizer, ter em cena um Platão, um
Aristóteles, um Tucídides e um Cícero, os filósofos políticos clássicos,
antes de que a tradição da revelação esteja intelectualmente presente em
Agostinho, Al-Farabi, Maimônides ou Tomás de Aquino.14 A teologia não é
meramente uma explicação “mítica”, uma “religião civil” projetada para
manter as massas não-filosóficas satisfeitas enquanto os filósofos
contemplam as coisas elevadas por seus próprios meios. Na realidade, a
revelação sugere que é possível responder afirmativamente à pergunta de
se, afinal, cada indivíduo humano, justamente por ser humano,
independentemente do regime em que viva, tem a capacidade de alcançar o
mais elevado objeto do intelecto e do ser.
4. Jacques Maritain, The Angelic Doctor: The Life and Thought of Saint
Thomas Aquinas.
4 18,18-23.
6 Jo 18, 38.
17 Stanley L. Jaki, The Road of Science and the Ways to God. Chicago,
University of Chicago Press, 1978.
O tema central desses ensaios parece ser, em suma, o que é e o que não é
político. Sabendo disso, a mente humana — como Aristóteles já sugeriu —
busca empenhar sua vida em se questionar sobre a estreita luz do brilho
divino em seu mundo. Nesse contexto, sem dúvida, os ensaios de Jaífa e do
professor Allan Bloom, nesse livro, são especialmente interessantes. Jaífa
certamente tem razão em chamar a atenção para as implicações políticas da
castidade, do que ela significa para o amor e para a cidade ao se fundar uma
família. Nada é tão importante para a política quanto a família, que, em si,
não é política. É por isso que as teorias que negam isso, partindo de Platão,
podem ser tão perigosas. Bloom afirmou, em seu ensaio “Ricardo n”, que
“as almas primorosamente requintadas não pertencem aos melhores homens
políticos”.5 Essa conclusão nos faz refletir ainda com mais interesse sobre o
tratamento de Shakespeare com o Sir Thomas More.
Nesse tópico, Bloom continua:
3 Leo Strauss, City and Man. Chicago, University of Chicago Press, 1964,
pp. 1-2.
6 Ibid.
Somos quem somos inicialmente devido à nossa existência, que não é uma
dádiva que concedemos a nós mesmos e que tampouco trouxemos ao ser
por nossas próprias forças. Não somos símios reencarnados, nem deuses,
nem um processo instável a caminho de tornar-se outra coisa — que não
nós mesmos — nem meramente o sobrevivente mais adaptado. Pois, como
escreveu Chesterton, com sua costumeira sagacidade, a sobrevivência dos
mais adaptados significa somente que de fato sobreviveram. E sabemos que
isto, ao menos, fizemos. Sabemos que sobrevivemos. Sabemos que
rejeitamos a ameaça última; a de duvidar de que sequer existimos.
O que ele quis dizer com Ortodoxia era basicamente o que estava nos
credos como a Igreja os entendia. Os credos são a fundação da nossa
dignidade, e nossa dignidade é minada toda vez que tentamos mudar
qualquer mínimo detalhe de seus conteúdos. Na realidade, o próprio esforço
de mudá-los é, em si, um instrumento no processo de elaborar e moldar um
outro tipo de homem, diferente daquele descrito nos credos. Em última
instância, para mudar o homem, é necessário mudar primeiramente os
credos. É por isso que pensar é uma ocupação tão perigosa, pois, ao mudar
sua mente, você pode acabar por mudar o mundo. Podemos nos tornar
assassinos devido às nossas crenças, mas
é mais fácil que sejamos destruídos por nossas doutrinas. Enquanto o mártir
deve saber pelo que morre, o resto de nós deve ainda mais saber pelo que
vive. Para o mártir, a fé talvez baste; para o resto de nós, a doutrina é
necessária para termos também nossa dignidade.
O que quero sugerir, portanto, é que o uso que Chesteron faz dos paradoxos
era de fato uma forma de “escrita secreta”, não tanto para ocultar a verdade,
mas para engajar a mente daquele que busca, para encontrar recrutas para a
verdade que, talvez, a princípio, não estivessem dispostos a aceitar, ou
sequer desconfiar, que é a verdade aquilo que estão buscando. Para além
disso, a compreensão do mal como um exercício mental necessário, que
leva a dignidade da mente e a uma correta identificação da Cidade de Deus,
o único lar adequado para o homem — temas chestertonianos clássicos —
nos leva à relação da doutrina da verdade com a doutrina da dignidade
humana no pensamento de G. K. Chesterton.
Talvez o melhor exemplo disso esteja nas últimas linhas ao fim de sua
Autobiografia, onde Chesterton relatou, profÉticamente, a relação da
ortodoxia, da dignidade humana e da chegada do Estado genético absoluto.
“Mas quem quer que leia este livro (se alguém o ler)”, ele escreveu, verá
que desde o começo o meu instinto sobre a justiça, a liberdade e a igualdade
era um tanto diferente do instinto corrente nesta nossa época e de todas as
tendências em relação à concentração e à massificação. Era-me instintivo
defender as nações pequenas e as famílias pobres [...]. Eu não entendia
verdadeiramente o que eu queria dizer com liberdade até que a ouvi
chamada com o novo nome de dignidade humana. Este era um nome novo
para mim, conquanto fosse parte de um credo de aproximadamente dois mil
anos de idade.
Enfim, eu desejei cegamente que o homem tivesse algo de seu, mesmo que
fosse só o seu próprio corpo. À medida em que tem avançado a
concentração materialista, em breve um homem não terá nada; nem mesmo
seu próprio corpo. Já pairam no horizonte os revoantes açoites da
esterilização e da higiene social aplicadas a todos e impostas por
ninguém.11
Uma passagem essencial para ilustrar essa unidade pode ser encontrada no
prefácio de Ortodoxia, onde se lê:
Ponderando o Credo
Mas posso fazer uma pausa para observar que quanto mais investiguei os
meros argumentos abstratos contra a cosmologia cristã, mais passei a vê-los
sob uma luz negativa. Quero dizer que, tendo descoberto que a atmosfera
moral da Encarnação era parte do senso comum, olhei então para os
argumentos intelectuais bem estabelecidos contra a Encarnação, e descobri
que todos eram parte do nonsense comum.18
Nós, que somos cristãos, nunca nos demos conta do grande senso comum
filosófico inerente àquele mistério, até que os escritores anticristãos nos
chamaram a atenção. A grande marcha da destruição mental continuará.
Tudo será negado. Tudo se tornará um credo. [...] Ficaremos a defender não
somente as virtudes e sanidades inacreditáveis da vida humana, mas algo
mais inacreditável ainda: este imenso universo impossível que salta aos
olhos. Seremos aqueles que olharão a grama e os céus impossíveis com
estranha coragem. Seremos aqueles que viram e creram.20
Qualquer pessoa familiarizada com o livro The Road of Science and the
Ways to God [A estrada da ciência e os caminhos para Deus] de Stannley
Jaki, com sua precisa tese histórica de que foi, afinal, a teologia cristã, e não
meramente nossa própria razão ou qualquer outra coisa, que nos permitiu
enxergar esse incrível universo, é incapaz de não se admirar com a certeira
previsão de Chesterton.21 Pois ele percebeu que os “hereges”, mesmo com
toda sua boa vontade, não eram de fato ortodoxos, não eram realmente
capazes de ver o mundo e a grama crescendo em direção aos céus azuis.
Chesterton e o paradoxo
Chesterton continua sendo, até hoje, um dos escritores mais citados e citá-
veis da língua inglesa.22 Embora muitos persistam em professar irritação
com a infinidade de paradoxos, confesso achá-los divertidos, memoráveis,
alarmantes. Contudo, o ponto da diversão, em Chesterton, sempre esteve
próximo ao centro metafísico da realidade, como quando descobriu, em
Ortodoxia, que o motivo pelo qual o sol nasce todo dia não é mero
determinismo monótono, mas um maravilhoso acaso e uma alegria de
repetir algo que é, em si, um total deslumbramento. Cada um de nós,
suponho, é capaz de dar um testemunho pessoal ou autobiográfico do
encontro com os ensinamentos de Chesterton sobre a estrutura da realidade,
sobre o que ele chamava de sanidade. Não quero meramente dizer que
talvez tenhamos visitado Beaconsfield ou Edwards’ Square, ou que sejamos
velhos o suficiente para termos ouvido Chesterton em uma palestra ou em
uma conversa. Ao contrário, cada um de nós tem sua própria história
intelectual que nos conduz, de algum modo, da heresia ao dogma, da falsa
doutrina à sanidade.
Cresci em uma época em que era fora de moda, e até errado, ler Chesterton,
especialmente gostar dele. Evidentemente, nunca nem ouvi falar dele até
por volta dos vinte e dois anos, mas este é outro problema, pois demorei
todo esse tempo para começar a entender o que significava ter uma
inteligência cristã, antes de mais nada. O “tipo” de catolicismo de
Chesterton, como se chamava, era tido como obsoleto. Dizia-se que a
ciência, a história, o ecumenismo, a teologia e até a filosofia conspiravam
para fazer dele um inglês pitoresco, que sobreviveria, talvez, por suas
histórias do Padre Brown.
A alegria final
Comecei estas reflexões com uma referência ao professor Leo Strauss e sua
preocupação em preservar ao menos um lugar para a revelação em
contraposição à vida civil e aos filósofos que não eram capazes de suportar
a verdade. Strauss sabia, assim como São Tomás, que é esperado que
apenas alguns poucos se tornem realmente sábios. E um grupo ainda menor
seria capaz de suportar a verdade quando a encontrasse. Strauss se
preocupava com Sócrates em Atenas, enquanto os cristãos se preocupavam
com Cristo em Jerusalém antes de Pilatos. Sugeri que o prefácio de
Chesterton em Ortodoxia é o elo adequado entre fé e razão, o relato de
como um homem passou a crer, de como os enigmas que realmente
experimentamos em nossas vidas são resolvidos pelos dogmas, de como a
filosofia cristã seria muito estranha se não fosse, de fato, verdadeira.
A descoberta final é que não é somente o cosmos que nos é dado, mas
também nós mesmos, não só universo, mas também seu Autor. Isso, para
Chesterton, era a verdade final, que colocava cada uma de suas experiências
em sua devida ordem.
A grande massa dos homens foi forçada a ser alegre sobre as coisas
pequenas, mas triste sobre as grandes. No entanto — ofereço
desafiadoramente meu último dogma —, não é natural ao homem ser assim.
O homem é mais ele mesmo, mais viril, quando a sua posse fundamental é a
alegria. [...] A alegria [...] é o gigantesco segredo do cristão. 32
3. Charles Dickens.
6. The Thing.
9 Ibid., p. 8.
12 V. i, 1.4.
15 Chesterton, Ortodoxia, p. 7.
16 Veja Strauss, Natural Right and History, p. 164; “The Mutual Influence
of Theology and Philoso-phy”, Independent Journal ofPhilosophy, m, 1979,
pp. 111-18.
10. Paul Johnson, Pope John Paul n and the Catholic Restoration.
Por outro lado, a experiência indica que alguns de nós se incomodam muito
pouco com os gulags, enquanto outros querem remover, digamos, a África
do Sul da face da Terra pela crença de que a causa suprema do mal se
encontra, de alguma forma, naquele país. De fato, uma das coisas que
percebemos em discussões sobre o mal em tempos modernos, em
comparação àquelas presentes em tratados e tradições medievais, é que o
mal, hoje, é cada vez mais político, enquanto para os medievais era pessoal
e espiritual. De todo modo, somos feitos de tal maneira que é impossível
escapar tão facilmente do assunto do mal, ainda que, em nossa lógica,
acabemos por acusar a divindade de não ter feito um bom trabalho na
criação deste mundo, por todo o mal que evidentemente há nele. Na
realidade, essa última acusação é a conclusão contra a qual o notório livro
do professor Russell argumenta, ainda que com relutância.
Deste modo, Russell propôs que tal violência — que era para ele, em si, um
sinal do mal, juntamente com outros culpados comuns, como as bombas
nucleares — deveria nos obrigar a focar novamente na realidade do mal.
Desta vez, no entanto, o mal não é algo espiritual ou abstrato, como
supostamente era nos tempos antigos, mas algo que está precisamente entre
nós. Contudo, neste contexto, Russell percebeu que é antiga a discussão
sobre o mal em todas as sociedades, de modo que é peculiar em nosso
tempo, na verdade, não se reconhecer a necessidade de compreender o mal.
Neste sentido, Russell defende que o mal tem uma “história” concreta, e
que devemos, portanto, conhecer e respeitar esta tradição, ainda que nela se
incluam demônios e bruxas, antes de sermos capazes de lidar
adequadamente com as questões apresentadas pela tolerância do mal na
história humana e as presumidas inadequações de suas antigas
representações satânicas.
Ao final, no entanto, Russell não é um maquiavélico que nos diz para con-
formarmo-nos com pouco diante da busca pelo bem, embora ele sustente
seu inquérito contra Deus acerca de Sua responsabilidade pelo mal. Porém,
“a idéia de Diabo é uma metáfora; tal qual a idéia de Deus, no sentido de
que qualquer visão de Deus — cristã, muçulmana, hinduísta, ou qualquer
que seja, é uma metáfora para aquilo que está além da compreensão”. 3
Caso sirva de consolo, Russell sustenta que “a física também é uma
metáfora”. Mas toda essa reflexão nos faz pensar qual metáfora, então, é
capaz de sustentar tamanho fardo? Tudo isso faz as metafísicas mais antigas
parecerem muito mais atrativas, por comparação. Quando Agostinho e
Tomás de Aquino disseram que o mal é uma real falta de bem, eles não
propuseram uma metáfora, independentemente do quão exaltada possa ser.
O Diabo é uma metáfora para o mal no cosmos, um mal que tanto está em
Deus como se opõe a Ele; ele representa o mal transconsciente, transpessoal
que supera o cruel desejo humano individual; ele é o sinal do mal radical,
incontrolável — que, no entanto, pode ser transcendido — presente no
cosmos. Talvez precisemos, de fato, de outro nome para essa força. Que
seja, caso encontremos um. Mas que seja um nome que não evada,
obscureça ou trivialize o sofrimento. 4
Esta definição, sem dúvida, levanta certas questões que Yves Simon
abordou em seu livro Philosophy of Democratic Government [Filosofia do
governo democrático]. 8 Simon argumenta que haveria um sentido no qual
algo poderia ser “violento” e ainda assim legítimo, como a legítima defesa,
por exemplo. A “essência da violência e do mal moral” deve ter padrões de
comparação para definir o que é um desvio, o que é mau. A preocupação de
Russell parece ser com aquele que sofre, não com a causa do sofrimento.
Sua acusação contra Deus é primariamente fundamentada na “quantidade”
de dor e sofrimento, não na “quantidade” de oportunidades ou livre-arbítrio
que podem ocasionar o mal. Portanto, se sou morto por um raio, enquanto o
raio faz o que normalmente faz (morto, portanto, por acaso), ou morto por
um ladrão fazendo entusiasmadamente o que um ladrão faz, o foco está no
meu destino e no meu sofrimento, não na “causa”. Nesse sentido, o
verdadeiro problema de Russell parece ser com criaturas livres e com o
acaso — com a finitude — e não com o sofrimento, que, como disse
Aristóteles, tem seu propósito específico.
Sem dúvida, Lúcifer ou Satã (ora são o mesmo, ora não), principalmente
depois de Milton, sempre tiveram uma figura vivida e atraente. Lúcifer
tende a roubar a cena sempre que aparece no palco. Mas, independente de
como a tradição literária pinte Lúcifer, o problema permanece. Há algo de
errado com e no mundo, com e em nós. A constante associação que Russell
faz do mal com o sofrimento torna quase impossível para ele aceitar um
tipo de universo onde o sofrimento exista. Mesmo quando sugere que um
universo alternativo onde exista menos sofrimento é concebível, ainda
assim, considerando sua existência, Russell teria exatamente o mesmo
problema que já tem com o universo presente.
A este respeito, embora Russell tenha citado C. S. Lewis apenas uma vez,
em referência a The Screwtape Letters, seria mais desejável que seu estudo
tivesse apresentado mais evidências de The Problem of Pain, 12 uma vez
que neste último a relação entre “sofrimento” e mal é mais realçada. O
Servo Sofredor suportou a dor, mas não tornou-se mau. E a ordem superior
onde o sofrimento, justo ou injusto, é finalmente resolvido não pode ser
julgada, como disse Platão, sem uma posição a respeito da imortalidade da
alma, ou, para a teologia cristã, da ressurreição da carne. Sem essas duas
doutrinas, o problema do mal e do sofrimento talvez seja insolúvel, mas
excluí-las como sendo não pertinentes à questão de se este cosmos
particular deveria sequer existir por causa do sofrimento é uma posição
reducionista. Ou seja, exclui-se, em princípio, o que talvez seja a evidente
resposta para o problema.
Sem dúvida, para impedir que essa dor jamais aconteça, devemos
considerar uma existência sem o lobo e sem a árvore, e também sem vento,
ou machado, ou raios, ou a idade avançada que causasse a queda da árvore.
E no caso de sofrimento humano causado pela liberdade humana, o que
representa uma verdadeira realidade, para eliminá-lo, teríamos de exigir um
mundo onde essa liberdade autônoma não existisse. Ou seja, exigiriamos
um mundo onde não houvesse seres humanos reais. Isso significa que a
“causa” do mal é Deus, principalmente porque Deus é a origem de todos os
seres, inclusive dos anjos caídos? Eu creio que significa, na verdade —
aquilo que Tomás de Aquino achava que isso significa —, que Deus é a
causa de todo o “ser” e que o “mal”, que não pode ser ignorado, é uma
privação, não uma entidade ou algo que origina de Deus. O mal é uma
privação nos seres e causada pelos seres, racionais e irracionais, fazendo o
que tais criaturas “fazem”, como Maquiavel teria dito.
Como redimir todo esse sofrimento admitido? Culpando Deus pela criação?
Exigindo outra forma de “ser” dos engenheiros genéticos ou dos
revolucionários da filosofia? Ou nós somos seres nascidos para a
imoralidade, como pensava Platão, cuja própria existência deveria conduzir
à escolha das coisas mais elevadas? É possível imaginar, seguindo o
raciocínio de Russell, não só um mundo onde haveria “menos” sofrimento,
mas um mundo onde o “mal” existiria sem nenhum sofrimento físico. Isso
parece com a concepção de mundo angelical dos grandes escolásticos. Mas
se vamos nos debruçar sobre o sofrimento, devemos, evidentemente, fazer
outro tipo de pergunta: o sofrimento leva às coisas mais elevadas?
Não consigo me lembrar se lhe contei o que Jesse Stuart disse a um amigo
meu depois de eu ter lido A Good Man Is Hard to Find— na Vanderbilt. Ele
disse que não entendia por que eu terminei o conto daquele jeito. Como eu
não pude perceber que o público se identificava com a avó? Eu deveria ter
prolongado a história até a polícia chegar e salvá-la. 15
Flannery O’Connor via a questão de uma maneira muito diferente, como ela
descreveu em uma outra carta (14 de abril de 1960):
3 Ibid., p. 307.
4 Ibid., p. 311.
5 Ibid., p. 309.
6 Ibid., p. 21.
7 Ibid., p. 21.
10 Ibid., p. 198.
11 Ibid., p. 198.
13 R. C. Zaehner, The City within the Heart. London, Unwin, 1980, p. 44.
14 Michael Harrington, The Vast Majority. New York, Simon and Schuster,
1977, p. 253.
Nos termos do professor Leo Strauss, temos novamente uma geração que
perdeu a compreensão da “moderação” necessária à ordem pública e aos
indivíduos que fazem parte dela, para que não destruam uns aos outros na
busca por impor a este mundo visões que pertencem à metafísica e à
religião.
Os Isaac estão cientes de que, qualquer que seja a relação de tudo isso com
o marxismo, que é parte deste projeto moderno, esse raciocínio muito
provavelmente levará às piores formas de marxismo — mesmo quando
professa o anarquismo — através da destruição do espírito e do poder de
qualquer coisa que possa realmente impedir o seu domínio. A maioria dos
“utópicos coerci-vos” cuidadosamente descritos pelos Isaac afirmaria
rejeitar as conseqüências brutais da União Soviética e não enxergar
nenhuma relação entre suas próprias idéias e como a União Soviética
chegou ao triste estado em que chegou. Essa é uma linha de raciocínio que
Solzhenitsyn acharia bastante cômica.
Além disso, os Isaac sugerem por que esses clérigos, rebentos e acadêmicos
alienados se opõem aos valores e conquistas dos melhores indivíduos do
mundo moderno (e do antigo). Esta me parece ser a parte mais importante
do livro, mas depende, para atingir sua força total, das descrições
específicas de movimentos e dos agentes dentro deles. Os Isaac mostram
como esses movimentos incorporam reaparições de certas premissas
anarquistas e utópicas que têm atacado a essência do pensamento moderno
desde Joaquim de Flora, e que agora estão se organizando numa tentativa
final de apresentar uma utopia deste mundo, encarnada e coerente, ponto a
ponto construída pela rejeição da substância da razão e da revelação acerca
do que significa ser humano exatamente neste universo. É provável que
alguns leitores se surpreendam com o fato de pessoas religiosas, que
geralmente desempenham um papel muito importante nesta narrativa —
protestantes, judeus e católicos —, parecerem contribuir cada vez mais com
essa empreitada essencialmente gnóstica de tornar este mundo perfeito.
O livro dos Isaac, contudo, é uma oportunidade para outro tipo de reflexão.
Um dos aspectos mais curiosos acerca dos “utópicos coercivos” é a
contribuição que recebem dos cristãos, como agentes ou como seguidores.
Fiquei intrigado, recentemente, em relação aos movimentos pacifistas, outra
atividade dos “utópicos coercivos” muito bem descrita no livro dos Isaac,
com o fato de que muitas das críticas mais pragmáticas, incisivas e
perspicazes das implicações do pacifismo nas igrejas vêm dos judeus. Na
verdade, desconfio que a crescente aliança atual dos cristãos com os
“utópicos coercivos”, marxistas, anarquistas, ou qualquer um desses, seja
um fator decisivo na confirmação da suspeita de um judeu de que o
cristianismo não pode ser verdade. Isso recebe um duplo significado quando
lembramos que os “utópicos coercivos” de cinqüenta, cem anos atrás eram
geralmente judeus, ao menos nas lideranças. O que aconteceu nesse meio
tempo foi a existência de Israel como um Estado individual. Ou seja, o
intelectual judeu está caminhando rumo ao realismo, enquanto o intelectual
cristão, começando historicamente pela particularidade da Encarnação, está
caminhando na direção oposta: rumo à abstração e às coletividades.
Por fim, os Isaac não hesitam em sugerir ao menos quais podem ser as
alternativas às visões utópicas:
8. Paul Johnson, Modern Times: The World from the Twenties to the
Eighties.
1 Rael Jean Isaac e Erich Isaac, The Coercive Utopians: Américas Power
Players. Chicago, Regnery-Gateway, 1983, p. 2.
2 Ralph Nader: advogado e ativista político americano de origem libanesa
— NT.
5 Ibid., p. 310.
12 - A mortalidade dos homens imortais
Estas reflexões baseiam-se em dois livros sobre o escritor inglês Hilaire
Belloc: A biografia escrita por A. N. Wilson, Hilaire Belloc, e outra escrita
por P. McCarthys, Hilaire Belloc: Edwardian Radical [Hilaire Belloc: um
radical eduardiano].
A.
Com base em várias críticas e comentários, eu estava certo de que não iria
gostar do novo livro sobre Hilaire Belloc, o grande ensaísta inglês, cujo
maravilhoso livro The Four Men [Os quatro homens] recentemente ganhou
uma edição de bolso pela Oxford University Press, editado por A. N.
Wilson. A princípio, achei o tom da biografia de mau gosto, principalmente
pelo esforço meticuloso — quase obstinado — de retratar um Belloc
demasiado humano, turbulento, por vezes até rude. Porém, cheguei a esta
maravilhosa passagem a seguir, depois de mais de cem páginas de leitura, e
percebi que Wilson, como eu, também achava que The Path to Rome [O
caminho para Roma], os extravagantes ensaios de viagens, os poemas
divertidos e as reflexões sobre a humanidade eram o melhor de Belloc, se
não de nossa literatura. Foi então que me dispus a mudar de opinião.
Talvez, sob a luz desse relato, seja válido retermo-nos neste assunto: a
doutrina na visão de Belloc, dos jesuítas e do cético. Belloc defendia que “o
catolicismo era a única verdadeira alternativa [...] ao ateísmo”. 3 E ele
escreveu para Chesterton em 1921: “Sou, por toda a natureza da minha
mente, cético”. Por que — podemos nos perguntar — foram os jesuítas que
ficaram escandalizados e não o cético? Há um indício para a resposta dessa
pergunta na carta que Belloc escreveu para o professor Phillimore por volta
da mesma época (1920): “É essencial deixarmos muito claro para os nossos
contemporâneos que o católico é intelectualmente superior a todos, exceto
ao cético, em tudo o que é cognato ou conectado àquilo que se pode chamar
de ‘apreciação intelectual’ — inteligência pura”. O cético não se
escandalizou porque entendeu perfei-tamente a validade do comentário de
Belloc e o sentido de sua lógica interna.
Para entender esse livro, precisamos entender que é Wilson falando, e não
Belloc. Ou seja, podemos nos questionar sobre o interesse de Wilson ao
escrever Hilaire Belloc. 5
Wilson acredita que o verso leve10 de Belloc talvez seja o melhor da língua
inglesa. Para ele, o melhor de Belloc não são seus contos, nem os escritos
apologéticos, nem os romances, nem os tratados econômicos, mas seus
relatos de viagens, sua profunda consciência, presente em seus ensaios, da
pungência de nossa existência humana, cujo sentido é iluminado pela fé e
suas doutrinas, mesmo quando ela não nos consola, como o próprio Belloc
disse. “A vida era muito triste, e poucos compreenderam tanto quanto
Belloc que nossa condição teológica neste mundo tem sua melhor definição
no Salve-Rainha, que nos descreve gemendo e chorando neste vale de
lágrimas’”.11 Creio que tal conceito de melancolia só pode ser
compreendido por aqueles que crêem nos dogmas da fé, especialmente o da
Encarnação. O riso (e o bom vinho tinto), a divulgação e a evidência da
alegria também têm especial parte em nossa vida. Não é necessário
questionar-se por que melancolia e amizade andam juntas neste mundo. São
parceiras, compartilham o riso; por isso a pungência, por isso a melancolia,
por isso a solidão.
Gostaria de concluir essas observações com outra passagem que Wilson não
mencionou, embora creio que teria gostado dela. É do ensaio de 1923 de
Belloc sobre a Catedral de Sevilha, na Espanha. Talvez seria assim que
Belloc abordaria a preocupação de Wilson de que sua religião teria
desaparecido da face da Terra — um evento triste, melancólico — por
Wilson ter sugerido que o cético, e não Belloc, estava certo sobre por que
acreditamos no que acreditamos. Belloc, contrariamente, escreveu:
B.
Tomando Belloc por uma perspectiva bastante diferente, desta vez através
do livro de John McCarthy, pretendo sugerir que Belloc é alguém com
quem devemos aprender, pois ele nos conduzirá por caminhos, como já
vimos, que não encontraríamos de outra forma. Assim, quero começar com
outra passagem favorita de outro ensaio presente na coleção de Morton,
chamado “London and the Houses in It” [Londres e suas casas], escrito em
1909. Começa assim:
Em todas as décadas, homens que estão envelhecendo deploram o
desaparecimento deste ou daquele santuário de isolamento e silêncio,
embora nunca desapareçam totalmente; algo na própria natureza das
pessoas os reproduz continuamente, e se apetecer a alguém — mesmo
alguém que conheça bem Londres — passar a tarde de um sábado
examinando e explorando um quilômetro quadrado de Londres, quantas
dessas esquinas desconhecidas não encontraria!17
Comentar qualquer coisa sobre Belloc sem entusiasmo é algo que eu acho
difícil, embora perceba que John McCarthy tenha conseguido. Para
católicos da nossa geração, Belloc era muito mais como um herói do povo,
um homem que nos fazia pensar que era, de fato, possível pensar a nossa fé.
Somente mais tarde, quando já estávamos inexplicavelmente mais velhos, é
que nos diziam que deveriamos nos posicionar contra ou a favor de Belloc e
seu estilo de catolicismo. Geralmente, éramos severamente julgados se não
discordássemos dele. Sem dúvida, devemos ser “objetivos”, e é o que
McCarthy pretende fazer, sinceramente e com êxito. Entretanto, por ser tão
objetivo, senti falta daquele Belloc de quem eu me lembrava.
Neste contexto, é possível notar, embora John McCarthy não o tenha feito, a
relação de muita coisa presente em Belloc com o livro Small Is Beautiful,
24 de E. F. Schumacher. E radicais católicos do terceiro mundo não
entenderam algo muito importante quando, infelizmente, “optaram pelo
socialismo” — como os clérigos apologistas gostam de dizer — em vez das
muito mais viáveis e pertinentes teorias de propriedade e ofício que Belloc
defendia. Se Julius Nyerere, por exemplo, tivesse lido The Servile State
antes de ter-se lançado no programa Ujamaa e no socialismo, teria sido
muito melhor para o mundo, especialmente para seu próprio país. Belloc
estava certo, independentemente da explicação que dermos para este fato: a
questão política do século xx era tornar-se “o Estado servil”. Portanto,
Belloc merece a atenção de uma geração que acha “refinado” e inebriante
rejeitar em retrospecção várias das coisas que Belloc já rejeitava em
prospecção.
De fato, uma das coisas mais interessantes acerca de Belloc — sob a luz do
nosso neoconservadorismo contemporâneo e da percepção empírica de que
o socialismo (uma alternativa que Belloc rejeitava insistentemente, por ter
emergido da esquerda liberal britânica) leva à tirania — é que Belloc era
também escancaradamente contra o “capitalismo”. Ninguém da esquerda
socialista de hoje seria capaz de condenar o “capitalismo” tão
eloqüentemente quanto Belloc, e ele de fato o fazia.
Contudo, como já mencionei antes, para alguns de nós, Belloc é como uma
droga, um hábito que não queremos de modo nenhum abandonar. A
deficiência do livro de McCarthy — e que é também sua maior qualidade
— é o fato de ater-se ao registro histórico para nos esclarecer acerca do que
Belloc defendia e por que chegou às conclusões que chegou em sua época.
[Jane Austen] diz, a respeito de um dos homens de seus livros, que uma das
mulheres de seus livros, que o conheceu, não prestava nenhuma atenção ao
que um certo cavalheiro pensava sobre qualquer assunto, pois ela não se
importava suficientemente com ele — não em termos de afeto, mas em
termos de dar-lhe atenção. Assim fala a embaixatriz do seu próprio sexo em
relação ao meu, e eu não seria tão mesquinho de não lhe dar uma resposta à
altura.
Querida Jane Austen, também não damos a mínima para o que qualquer
mulher pensa de nossas ações, pensamentos ou maneiras, a menos que ela
tenha nos inspirado a — como posso explicar? Não necessariamente ao
afeto, mas, de qualquer modo, à atração, ou ao menos à atenção. Uma vez
que tal relação se estabelece, aí sim, nos importamos imensamente, na
realidade, receio que até demais. 26
Ouçam todos, boas pessoas. Em sua curta passagem pela luz do dia, tentem
ver montanhas, prédios, rios, campos, livros, homens, cavalos, navios e
pedras preciosas, tanto quanto for possível. Ou então fiquem em uma vila,
casem-se e morram ali. Pois um desses destinos é o melhor possível para o
homem. Seja fazendo o que eu fiz, vaguear por aí, com toda a amargura
dessa escolha, ou ficar em casa e ouvir a voz de Deus em seu jardim. 27
Belloc era como sua própria natureza, um viajante, “com toda a amargura
dessa escolha”. Era também um barqueiro e um homem que amava o lar. E
ele sabia que toda sua inquietude tinha somente um lugar para aquietar-se
neste mundo — nosso próprio lar, que todo homem almeja, e que todo
homem deveria possuir, onde possa amar e descansar.
7. The Crusade.
9. On Nothing.
3 Ibid., p. 251.
4 Ibid., p. 358.
5 Wilson fala abertamente sobre sua própria posição em seu livro How Can
We Knoví?: An Essay on the Christian Religion. New York, Atheneum,
1985.
7 Ibid., p. 253.
8 Ibid., p. 383.
9 Ibid., p. 363.
10 “light verse”: tipo humorístico de poema, geralmente curto, com muitos
jogos de palavras, rimas e sons — NT.
11 Ibid., p. 366.
12 Ibid., p. 363.
13 Ibid., p. 316.
19 Veja James V. Schall, “Freedom, Property, and The Servile State”, The
Chesterton Review xn, maio de 1986,pp. 185-94.
21 Hilaire Belloc, The Path to Rome. Garden City, N.Y., Doubleday Image,
1959, p. 39.
23 Ibid., p. 339.
Henry Veatch não é tolo, mas ele simplesmente se deleita com nossa
condição humana em que a tolice é possível.
Em certo sentido, Veatch está em uma posição solitária desde que todo o
ímpeto da academia e da mídia se voltou contra a visão de que Aristóteles
— assim como Tomás de Aquino — ainda faz sentido. Mas, Veatch defende
o que defende porque é capaz de argumentar. Creio que há um tipo de força
intelectual em Veatch que é rara. Ele escreveu essa divertida passagem:
O único problema que tive com esse livro foi em relação à curiosa hesitação
de Veatch em afirmar os direitos das crianças deficientes em seu argumento.
Não vejo por que sua posição inicial levaria a um problema. O simples fato
de alguém, por acidente, não se desenvolver completamente não implica
que o objetivo atribuído não determina o que essa pessoa é. A natureza
falha às vezes, mas ela ainda é o que é.
Em suma, esse livro é uma espécie de marco, que deve ser lido
cuidadosamente em cada seminário, universidade, faculdade, presbitério.
Não consigo pensar num presente melhor para se dar àquele bispo local que
está batalhando com as confusões acadêmicas. A fundamentação de Veatch
na Bíblia, sua consciência de que o direito natural e os direitos não
impedem as coisas que não dão conta de explicar, tudo isso está implícito
em todo o livro. E um sábio livro de um sábio homem. A Louisiana State
University Press nos prestou um grande serviço ao publicá-lo. Henry Veatch
nos ensina em todos níveis. Não se distrai, mas se entretém. Ele segue o
argumento até onde este o levar, mesmo que ninguém mais o acompanhe.
Se isso é ser “excêntrico”, como ele insinua que seja, demos graças ao
Senhor por tal excentricidade existir entre nós.
6. And on This Rock Lhe Witness of One Land and Lwo Covenants.
3. Two Logics.
2 Ibid., p. 103.
1. G. K. Chesterton, Orthodoxy.
15. Stanley Jaki, The Road of Science and the Ways to God.
16. Raymond Dennehy, Reason and Dignity.
Durante a minha vida, algumas das conversas que tive foram elevadas,
alcançaram certa essência da verdade. Não sou tão cético a ponto de pensar
que confrontamos apenas contradições. Creio que há verdades que podem
ser conhecidas, e é por esse motivo que existo, para descobri-las. Pelo
menos é por isso que acredito existir; essa me parece ser a coisa mais
importante que farei enquanto eu existir.
Sem dúvida, aprendemos com aqueles que acreditam que aquilo que
ensinam tem importância. Contudo, devemos sempre perguntar se o que
aprendemos tem valor e, se o tiver, em que contexto. Meu amigo estava
certo ao perceber que a busca da verdade transcende nossa educação e é
uma questão central de nossas vidas.
Mencionei algumas vezes o fato de que alguns livros, assim como algumas
peças de teatro e algumas pinturas, devem ser lidos ou vistos mais de uma
vez. E, de certa forma, limitado, e até contraproducente, ler uma grande
obra apenas uma vez. Temos restrições de tempo, eu sei, quanto ao que
podemos ler simplesmente por sermos mortais e não termos toda a
eternidade para buscar tudo o que queremos ler e tudo sobre o que
queremos refletir. Na verdade, uma das razões dadas por Tomás de Aquino
para a necessidade da revelação é exatamente o fato de que, como muitos
de nós têm tão pouco tempo para perseguir as coisas mais elevadas,
precisamos de uma revelação para nos direcionar àquilo que é de fato
supremo.
Sem dúvida, pretendo incentivar o amor pelos livros, a idéia de que toda
casa deveria ter estantes, de que todo jovem deveria pensar sobre sua
própria biblioteca pessoal, contendo coisas que foram lidas e, por isso,
guardadas. No entanto, há milhões e milhões de livros. Devemos escolher.
Esse processo de escolha é um dos significados de uma educação liberal, de
uma educação que conhece e lê aquilo que é o mais elevado e o melhor. Por
outro lado, vivemos em uma época que é relutante, se não hostil, à idéia de
que algumas coisas são melhores do que outras, de que algumas estão mais
próximas daquilo que é.
3. On Hope.
5. Scholasticism.
Alunos que se dispõem a ler Aristóteles — felizmente, não são tão poucos
— freqüentemente se surpreendem com sua discussão acerca da amizade,
um assunto que normalmente lhes interessa muito por ser, para eles, uma
questão de sentido supremo na vida humana. 2 Contudo, no centro da
questão aristo-télica encontramos essas inquietantes palavras, ditas pelo
mais sensato dos homens: “Quando parte de alguém é removida e está
distante, como Deus está, a possibilidade da amizade se finda”.3 O contexto
dessa passagem é o da igualdade e desigualdade. Nenhuma amizade entre
Deus e o homem é possível — embora Aristóteles tenha ensinado que a
amizade era a mais elevada realidade humana que podemos conhecer, onde
nossas potencialidades são mais praticadas. Hoje, um aluno que tenha lido
Aristóteles provavelmente não terá lido também o Evangelho de São João;
portanto, ele fará parte da maior parte do público que não acredita na
Encarnação. Mas é curioso encontrar em João que já não devemos mais ser
chamados servos de Deus, mas sim de amigos.4 A distância é reduzida.
Novas possibilidades existem.
Mas é mais que isso para o homem intelectual. Londres lhe parece
simbolicamente “conter em si a totalidade da vida humana em toda sua
variedade, cuja contemplação é inesgotável”. A cidade é o acesso à
totalidade da variedade da vida, de sua inesgotável contemplação. E aqui,
assim como na amizade, dirigimo-nos ao nosso público para falar das
realidades últimas, àqueles que ainda repetem em seus corações: “Somente
Deus é grandioso e perfeito”. Perto do fim do livro A Cidade de Deus,
Santo Agostinho escreveu:
Portanto, a teoria segue viva nessa cultura, embora não possa ser
concretizada; por isso, então, o dinamismo, a possibilidade e o poder das
inquietantes sociedades existentes. Permitam-me citar novamente o jovem
clérigo húngaro que vivia em Roma e que me disse o seguinte: “Não se
pode ler Platão em casa”. “Por que não?” — essa é uma pergunta que ainda
faço aos meus alunos. Aqueles que sabem já começam a fazer parte do
público. Você não pergunta sobre o melhor se você já está no “melhor”.
Contudo, esse impulso missionário pelo melhor, pelo que deve ser, pela
cidade que Sócrates ergueu — no discurso, ao menos — para todos que
ainda ousam pensar, dificulta nossa vida neste mundo. Cidades reais —
Atenas, Roma, Jerusalém e Londres — mataram Sócrates, Cícero, Cristo e
Thomas More.
Ninguém mais importante, nesse contexto, do que Leo Strauss, cujo desafio
teórico ao pensamento particularmente cristão -— como sugeri antes —
nunca foi compreendido, muito menos analisado com competência nos
círculos intelectuais cristãos. Em seu livro Thoughts on Machiavelli
[Considerações sobre Maquiavel], Strauss documentou os interesses acerca
dessa questão: “Há alternativas fundamentais que são permanentes ou
contemporâneas dos homens [...]. Nosso estudo crítico dos ensinamentos de
Maquiavel não tem nenhum outro objetivo senão contribuir para o
reestabeleámento das coisas permanentes”.17 E, de um ponto de vista
cristão clássico, a coisa permanente mais importante a ser “restabelecida” é
exatamente a Cidade de Deus de Agostinho e, portanto, separar “o
legítimo” e “o possível” dos teóricos contemporâneos do “melhor” como
sendo um projeto deste mundo. São esses os que substancialmente querem
atingir seus objetivos no presente pela “redistribuição” do que já existe, sob
a trágica premissa de que tudo o que já produzimos é tudo o que podemos
produzir, de forma que a ordem da felicidade humana é meramente uma
questão de igualdade de repartição, moldada em certos programas e
sistemas radicais.
Mais uma vez, temos aqui um público que não conhece a Encarnação.
Pocock parece desconhecer o sentido da inquietação de Agostinho a
respeito do tempo ou a respeito da preocupação medieval com as
singularidades. É verdade que o último período da Idade Média assistiu a
uma reaparição das categorias gregas no Renascimento. Mas a persistente
preocupação cristã — suas “coisas permanentes” — era exatamente com o
particular, com o local, com o filho do homem nascido em Belém, quando
César Augusto era imperador, lá e em nenhum outro lugar.
2. Silence.
3 1159a 5.
4 Jo 15,14-15.
6 XXII, 30.
10 Ibid., cap. 1.
11 Is 2, 2.
12 Is 6, 8.
13 At 16, 9.
15 Hannah Arendt, The Life of the Mind, v. 11. San Diego, Harcourt, 1978,
pp. 84-110. Veja também Mary T. Clark, Augustine: Philosopher of
Freedom; A Study in Comparative Philosophy. New York, Desclee, 1958;
Vernon J. Bourke, Will in Western Thought. New York, Sheed and Ward,
1964.
18 Martin Rein, Science and Public Policy. New York, Penguin, 1976, p.
140.
19 Robert Nozick, Anarchy, State, and Utopia. New York, Basic Books,
1974. Este livro é constantemente comparado com o de John Rawls,^í Th
eory of Justice. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1971. V.
também Hadley Arkes, The Philosopher in the City. Princeton, N.Y.,
Princeton University Press, 1981.
29 Michael Harrington, The Vast Majority. New York: Simon and Schuster,
1977.
30 i, 6.
Assim, podemos sugerir que o que está acontecendo aqui é que uma
“pessoa” que é “melhor como clérigo” se aventura, em um estado irregular
de “esquecimento momentâneo”, a escrever um ensaio sobre uma “palestra”
ou sobre “o ato de palestrar”. Deste modo, creio que um ensaio que não seja
escrito para ser lido em público não é uma “palestra”. Igualmente, um
ensaio escrito se torna uma realidade formal, uma palestra, somente quando
há a intenção de que seja lido em público para um público que o escute.
Uma palestra, portanto, é dirigida a seres vivos que estão num auditório ou
numa sala, pessoas que o palestrante possa observar, a platéia que o vê e o
escuta.
Lá estava eu: cada vez mais irritado pelo fato de que essa platéia em
particular, devido aos avançados sistemas de informação, como a fotocópia,
jamais me “ouviria” de verdade, não me permitiria variar o texto, adaptá-lo,
adicionar uma história, remover algo, surpreendê-la. O todo literário que é
essa palestra inteira em seu pretendido efeito seria quebrado. O público já
sabia o que viria a seguir. Eu havia planejado, por exemplo, começar com
uma passagem de Platão. Pretendia lê-la lentamente, sem lhes dizer de onde
era, para que os ouvintes refletissem sobre ela com uma curiosidade fresca.
Mas não. Lá estava ela na fotocópia, na frente de todos, a citação e a exata
referência. Não teria como haver deslumbramento sobre o que isso pode
significar, este “clérigo” dando uma “palestra”. A platéia já saberia
previamente. Não teria como haver nenhum “esquecimento” momentâneo,
infelizmente. Minhas histórias, minhas piadas, tão literais, tão bem tecidas
juntamente com a argumentação — o público podia ler o fim da piada antes
de eu sequer começar. Eu via alguns rostos sorrindo antes de eu chegar ao
gracejo. E meu argumento complexo — embora lúcido, eu espero —, lá
estava, explicado, para que todos pudessem marcar com seus lápis
independentemente da minha voz. O ponto principal chegava aos olhos dos
leitores antes de chegar aos ouvidos dos ouvintes.
Creio que cheguei a dizer que preferia que todos ouvissem a minha palestra,
em vez de ler. Alguns poucos o fizeram, o que possibilitou aqueles breves
encontros de olhares, tão importantes quando se fala para um grupo de
pessoas. Mas eu estava decepcionado. Aquilo não era realmente uma
“palestra” tal como a escrevi — para ser lida, com elegância, para um grupo
de ouvintes desconhecidos — assim eu esperava. Na realidade, eu conhecia
alguns deles. Eu gosto de envolver um pouco a platéia nas minhas palestras,
sem excessos. Quero que saibam que estou feliz por estarem ali. Mas
também quero exigir algo deles, ou seja, que escutem minha argumentação,
aquilo que escrevi cuidadosamente para ler para eles, algo em que me
empenhei, algo que, de algum modo, se originou de tudo aquilo que sei.
Contudo, ao refletir sobre isso, suponho que seja errado culpar a tecnologia
ou a organização da conferência por esse problema. Afinal, é uma questão
de etiqueta literária. Ninguém é obrigado a ler um papel impresso, ainda
que o tenha em mãos. Eu, particularmente, prezo por ter uma cópia de uma
palestra quando ela termina, especialmente quando foi dada um século antes
de meu nascimento. Ou seja, sempre será possível ler palestras que já foram
lidas em público, mesmo que isso tenha acontecido antes de eu nascer,
como, por exemplo, as Lectures on the Philosophy of History [Palestras
sobre a filosofia da história], de Hegel, dadas em 1822. Há um certo
conforto, eu creio, em lembrar-se que uma platéia já ouviu pessoalmente
tais importantes palavras.
Contudo, devo admitir que nem todos concordam com minhas opiniões
sobre a palestra. Samuel Johnson, por exemplo, um homem que estimo
muitíssimo, via a palestra como um mero substituto de um livro ou texto
impresso. Em 15 de abril de 1781, um domingo de Páscoa, Boswell
escreveu a seguinte passagem:
Aqueles que palestram para nós entram num acordo fiduciário. Orador e
ouvinte são ambos finitos. O chamado à pura verdade freqüentemente
contrapõe-se ao riso que permeia nossas pretensões de conhecer aquilo que
é. O Evangelho de São João começa com as famosas palavras: “No
princípio era o Verbo”. E diz-se que Adão “nomeou” todas as criaturas.
Palavra sobre palavra. Por fim, a verdade não se dá meramente só na
estrutura das coisas, mas ela precisa ser “falada” e “ouvida”, por nós, entre
nós. E, por excelência, é isso que é uma palestra.
6 Nathan Scott, “The Bias of Comedy and the Narrow Escape into Faith”,
The Christian Scholar, primavera de 1961, p. 93.
16 - Sobre a devoção
De acordo com um cronograma encontrado pela revista New Yorker, um
estabelecimento na Califórnia — onde mais seria? — chamado Siddha
Medi-tation Center oferecia um workshop semanal para forjar uma relação
entre a “experiência criativa” e a meditação. Depois de tal “meditação”,
aparentemente, seria possível escrever melhores roteiros para os filmes e
programas de TV de Hollywood. Além disso, o programa era projetado para
ajudar o meditante criativo e dramaturgo em potencial — “esta é uma
oportunidade totalmente única para que você aprenda a ‘se honrar, se
respeitar e se amar’”. A New Yorker tinha razão em achar isso cômico. E
dispensável dizer que se pode afirmar que já sabemos demasiadamente bem
como honrar e respeitar a nós mesmos. Muito da vida de oração clássica, na
verdade, se ocupava exatamente desse problema e buscava direcionar uma
atenção saudável a algo para além de nós mesmos.
Depois de ter lido esse divertido relato do que deve ser um mal-entendido
clássico acerca do que é a meditação, e sem esquecer-me, ao mesmo tempo,
de que alguns sistemas religiosos e filosóficos, de fato, nos colocam no
centro da realidade, eu me deparei com uma questão de Tomás de Aquino
corretamente intitulada “Se a contemplação ou meditação são a causa da
devoção”.1 Ao ler esse artigo, certamente, o que parece ser mais marcante
na meditação — dentro da tradição cristã, ao menos — é o fato de que a
meditação e a devoção não são direcionadas a nós mesmos e aos nossos
talentos, mas a Deus, a algo definitivo, àquilo que é.
Além disso, a devoção cristã, embora não seja centrada no eu, não nos
deixa esquecer de que aquele que contempla ou medita permanece um ser
único, distinto, cujas faculdades ou poderes podem arrebatar-lhe de si
mesmo, mas que não negam que ele deva permanecer sendo precisamente
ele mesmo. Os cristãos não afirmam que através da devoção um ser humano
se torna um “deus”, ou o cosmos ou alguma outra criatura reencarnada.
Cada pessoa continua sendo o ser humano limitado que é criado para ser —
não criado por si mesmo. E por isso que também é dito que devemos amar o
nosso próximo “como a nós mesmos”. Mas isso nos é dito, em grande parte,
pela presunção de que o primeiro mandamento — “amarás o Senhor teu
Deus” — estará sob risco de negligência por nosso amor excessivo por nós
mesmos.
Vivemos, sem dúvida, em uma era muito relutante em fazer distinções que
impliquem que as diferenças filosóficas ou religiosas fazem uma real
diferença na maneira como vivemos e podemos viver. Queremos dizer que
o amor--próprio ou o amor pelo próximo são, de certa forma, auto-
explicativos; que, se não forem certamente virtuosos, são, ao menos,
inofensivos. E, contudo, quando fazemos tais afirmações, não poderia ser
maior a diferença de como entendemos tais coisas. Essa questão foi
explicada por Chesterton em uma de suas histórias do Padre Brown,
chamada “The Wrong Shape” [A forma errada], onde se encontra esta
passagem:
Quando Santo Agostinho falou dos “dois amores” que construíam as “duas
cidades”, ele já sabia que a escolha espiritual essencial que cada pessoa tem
— o motivo pelo qual a vida lhe é dada — é a escolha entre si mesma e
Deus como a causa daquilo que é, da realidade, especialmente do seu
próprio ser. A tentação da não-existência, da morte em vez da vida, é
conseqüência da escolha de construir nosso próprio universo em vez de
escolher receber aquele que nos é dado como a realidade maior, mesmo
para nós mesmos.
Se eu li corretamente o primeiro livro da Ética de Aristóteles, esse sábio
homem defendia que todos agimos com um propósito em tudo que
escolhemos fazer. Pelo percurso de nossos dias, de nossa vida, tornamos
realidade, por nossa escolha, muitas ações diferentes, e algumas têm origem
em nós. E tais ações têm um padrão reconhecível, independentemente de
quão particular seja cada ação — oriunda de qualquer vício ou virtude —,
pois elas partem de nós. Ademais, todas essas ações agrupadas na história
ou no padrão de nossas vidas estão filiadas a alguma escolha ou definição
última e central daquilo que fazemos de nossas vidas. Nesse sentido,
remodelamos e recriamos aquilo que nos foi dado — nós mesmos —
através daquilo que de fato fazemos com essas ações que provêm de nós.
As maiores guerras do mundo se dão por causa dos divergentes tipos de
escolhas últimas ou definições de felicidade que concebemos. Aristóteles
reconheceu que todas as alternativas possíveis poderiam resultar nas
escolhas certas, independentemente do que fizéssemos. Teríamos de
entender e buscar aquilo que a realidade humana, como nos foi dada,
indicava, ou seja, o que ela indicava acerca da natureza da verdadeira
felicidade para um ser humano tal como ele é. Para Aristóteles, essa era a
contemplação estável da verdade das coisas, uma vez que ela reflete a
verdade de onde ela se origina no Primeiro Motor.
Trago essa questão porque acredito que haja uma abundância de devoção
mal direcionada em nosso mundo. Podemos usar todos os nossos poderes e
faculdades para direcionarmo-nos para uma visão de mundo que, de alguma
forma, nos torna o centro de toda a existência. Nosso mundo está farto de
teorias e práticas de “auto-realização”, muito “espirituais”, à sua maneira.
No fundo, tais posições resultam basicamente na escolha voluntária de nós
mesmos como causas da existência, respaldada por teorias intelectuais que
pretendem explicar como isso é possível ou necessário. Podemos até
escolher outras e ainda assim permanecer nesse mundo circunscrito. Na
realidade, as teorias mais perigosas do nosso tempo são, sem dúvida,
aquelas que vêem no Estado, ou seja, no conjunto de seres humanos,
independentemente de sua definição, o fim último para o qual todo o resto
deve ser direcionado. Essa coletividade, independentemente de sua
definição, é, em grande parte, o substituto de Deus no nosso mundo.
Toda essa análise tem certas implicações para qualquer vida espiritual
orientada ao cristianismo. Ao menos em parte, ela explica por que, nos
debates públicos, o cristianismo parece cada vez mais defender não a
transcendência, mas a entidade política e a ideologia, por que tantos cristãos
agora entendem suas “vocações” religiosas como apoio a este ou aquele
movimento — do qual não se faz nenhum julgamento exceto o do amor-
próprio e do amor ao próximo, o que, em princípio, parece ser claramente
espiritual, até que percebemos que, em seus fundamentos, não está sujeito a
nada senão a uma teoria do que os seres humanos “talvez” sejam, em vez da
aceitação de uma natureza cuja existência é dada, ou uma revelação sobre o
que são os seres humanos. A devoção e a meditação se extraviaram e estão
voltadas ao indivíduo, geralmente como uma ferramenta de algum tipo de
coletividade. Nesse sentido, o que precisamos recuperar é a meditação e a
devoção voltada primeiramente a Deus, na percepção de que todo o resto,
independentemente do quão bom seja em si, passou a ser, no pensamento
moderno, um substituto de Deus. Precisamos daquilo que pode nos
direcionar para algo que nós não somos por nosso próprio poder e escolha.
São Tomás disse que a causa externa de nossa devoção é Deus, enquanto a
causa interna, oriunda de nossos próprios recursos, é a meditação ou a
contemplação. A devoção é um ato da nossa vontade, pelo qual
prontamente nos oferecemos ao serviço divino, que é nosso único objetivo
último e verdadeiro. Contudo, não podemos fazer essa oferta a menos que
compreendamos o que estamos fazendo. Nossa vontade depende de como
compreendemos o que devemos fazer, portanto, nossa meditação gera nossa
devoção, nossa oferta de nós mesmos a Deus, porque necessitamos, antes,
conceber a própria idéia de que devemos servir primeiramente a Deus. Em
qualquer ordem correta de pensamento, não devemos escolher, como objeto
de nossa devoção, o “nada”, tampouco devemos escolher primeiramente o
amor próprio, ou a entidade política, ou a ideologia de salvação auto
formulada.
O que permanece, na verdade, é a realidade de Deus que se mostra a nós
não por nós mesmos, mas pelas maneiras de Deus de se relacionar com a
humanidade, por Suas revelações de Si na Igreja, no sacramento e na
oração. Muito da vida moderna é, em certo sentido, um constante esforço de
propor--nos algum “bem” ou fim, menor do que Deus, como aquele que
sustenta e incita nosso serviço e devoção. É evidência disso a disposição em
formular um objeto de devoção contra os critérios da visão ortodoxa de
homem, cosmos e Deus. Intensidade de devoção ou sinceridade de
propósito não são, em si, suficientes para nos assegurar que a felicidade que
definimos para nós mesmos seja aquilo que realmente buscamos pela
estrutura daquilo que somos. Tais resultados provêm, na verdade, da nossa
razão e de sua abertura para uma revelação que é a verdade em si, cujas
proporções vão além da nossa imaginação, mas não além da nossa
capacidade de reconhecer que ela se dirige a nós.
3 Ibid., p. 53.
São Paulo disse exatamente a mesma coisa: “O bem que eu faria, não o
faço”. Essa percepção também deve fazer parte da memória que trazemos
de nossas estadias em Atenas, ou Los Angeles, ou Washington.
E quem foi esse Ramiro de Lorca, cuja história horrorizou tanto os alunos
americanos? Maquiavel usou esta história de Ramiro para demonstrar como
governar. Aparentemente, ele foi um governante nomeado pelo Duque
Valentino para eliminar sua turbulenta oposição. Ramiro cumpriu tal dever
com medo e crueldade extremos. Naturalmente, todos prostraram-se em
submissão. Mas o duque tinha algo mais a deixar claro: quem mandava.
Assim, ordenou que Ramiro de Lorca fosse partido em dois e que tivesse
suas duas metades ensangüentadas exibidas na praça da cidade para que
toda a gente sensata testemunhasse. Maquiavel sugeriu que esse duque
sabia como governar. Lembrando-se disso, talvez concordemos com as
reservas dos americanos em relação à Europa, enquanto recordamos o que
significa, na prática, viver em um mundo caído. Devíamos ter aprendido
sobre tais dicotomias: as que relacionam nossos ideais às realidades, as que
questionam se nossos ideais não destroem a realidade, uma preocupação
que o próprio Platão nos incitou.
Como a revista The Economist escreveu sobre João Paulo II, muitos
subestimam a maneira como ele vê o mundo.
Mas, se Aristóteles é necessário, creio que Agostinho seja ainda mais. Santo
Agostinho era suficientemente humano, suficientemente brilhante para
perceber que a busca de Platão por uma verdadeira ordem pública, que
correspondería à nossa ordem interna e ao bem, não era uma busca indigna.
Agostinho nos libertou, especialmente ao insistir que essa busca — que, se
formos humanos, surgirá em nossos corações inquietos, depois de
conhecermos Ra-miro de Lorca e a busca pela felicidade neste mundo —
tem sua resposta final e correta como dádiva de Deus, depois de
concluirmos nossas vidas entre as cidades existentes. Agostinho ainda é
alguém a quem podemos recorrer. Felizes aqueles que, em seus estudos ou
trabalhos, aprenderam a não rejeitar a oração e o jejum, principalmente a
não rejeitar Agostinho.
3. João Paulo II, The Whole Truth about Man: John Paul II to University
Students and Faculties.
2 John Finnis, Natural Law and Natural Right. New York, Oxford, 1980.
1. Afirmo que, em todas as cidades, todos ignoram que a natureza dos jogos
praticados é decisiva para o estabelecimento das leis, pois ela determina se
as leis estabelecidas persistirão ou não. No lugar onde os jogos são
organizados — contanto que as mesmas pessoas pratiquem sempre os
mesmos jogos, com as mesmas coisas, do mesmo modo, e tenham seus
espíritos alegrados pelas mesmas brincadeiras — os costumes sérios
permanecerão sempre inalterados. Mas, onde os jogos mudam e são sempre
infestados por inovações e outros tipos de transformação [...], essa é a maior
ruína que pode acometer uma cidade.
3. Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm,
mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. E todo
aquele que luta de tudo se abstém; eles o fazem para alcançar uma coroa
corruptível, nós, porém, uma incorruptível. Pois eu assim corro, não como a
coisa incerta; assim combato, não como batendo no ar. Antes, subjugo o
meu corpo e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo
não venha de alguma maneira a ficar reprovado.
Por que, afinal, por toda a história da humanidade, tantas pessoas, em tantos
países, assistindo a tantos tipos diferentes de esportes, freqüentam os jogos,
apenas por estar lá, observando, desde corridas de carruagem ou a pé, lutas
com Paulo de Tarso até o críquete, o basquete, o futebol e as corridas de
cavalo da Belmont Stakes? Uma teoria popular é a de que isso é uma fuga
da vida, da sua seriedade, da dureza ou do tédio de suas rotinas diárias.
Intelectuais — embora não os melhores, como provam nossas citações
anteriores — geralmente defendem isso, assim como alguns clérigos, que
talvez sejam o grupo mais ávido por esportes em qualquer sociedade.
Argumentarei, aqui, sobre algo que pode parecer surpreendente, mas que
defendo com tenacidade. Quero sugerir, na verdade, que o mais próximo
que um homem comum pode chegar da contemplação, no sentido grego, é
assistir um bom e importante evento esportivo, seja a sexta partida do
campeonato de beisebol World Series, a final da Eurocopa, a quadra
principal de Wimb-ledon ou o campeonato regional do time de vôlei da sua
filha. Não pretendo, com isso, defender ou sugerir, como muitos fazem, que
os esportes são uma forma de idolatria, que o jogo ou os jogadores são uma
espécie de divindade, embora a origem dos jogos, geralmente, tenha uma
clara relação com a adoração. O mais próximo que podemos chegar do que
essa emoção representava é no East-West Shrine Game,2 quando oitenta mil
torcedores escutam, em pé, silenciosamente o “Star Spangled Banner”,3 no
Stanford Stadium. Talvez, todos se lembrem da história medieval do
malabarista que não era bom com as palavras, com o canto nem com o
trabalho manual, mas que executava, em silêncio, seu número de
malabarismo diante do altar. Ele agradava ao Senhor mais do que todos os
outros.
Em todo caso, vejo como um simples fato de experiência que a atração que
os jogos provocam em tantas pessoas comuns, em tantas culturas, ao longo
de tanto tempo, revele algo extremamente importante sobre nós. Ademais,
sabemos que muitos dos bons colunistas e pensadores políticos e sociais
começaram escrevendo na página de esportes. Suspeito que os melhores
deles não estivessem apenas esperando pela oportunidade de sair das
páginas verdes e ir para o editorial, mas que, na verdade, estavam
aprendendo sobre o que fascina os homens, o que os homens acham
importante, ainda que não soubessem, filosoficamente, explicar o porquê.
Penso que, quando pequenos, temos nossos primeiros indícios da justiça
quando estamos com nossos próprios irmãos e irmãs jogando beisebol, nos
irritando com o pequeno Joãozinho da Silva que pegou a bola do chão e
mentiu dizendo tê-la pegado ainda no ar, com a luva nova que ganhou de
aniversário.
Tive uma amiga irlandesa em St. Louis — um pouco grega também, decerto
— que me escreveu umas das coisas mais perspicazes que já li sobre
esportes reais. Permitam-me retomar essa passagem na íntegra.
Além disso, é a própria ação do jogo, como ele acontece, quem joga, o jogo
em si, que nos arrebata de nós mesmos — quando nos envolvemos. É por
isso que Aristóteles disse que os jogos estavam muito próximos das coisas
mais elevadas porque eles também eram, em si, o fim da própria ação. Eles
não existem meramente como meio para outra coisa, o que é, a propósito, a
suspeita sobre os esportes profissionais, que são jogados por algum outro
motivo além do jogo em si: o salário do jogador. A mesma suspeita paira
sobre alguns times olímpicos de alguns países. Mas o instinto coletivo de
milhares de pessoas, em um sábado à tarde, em Tuscaloosa ou no Los
Angeles Colosseum, não está equivocado. Eles vêem algo que merece ser
visto. E não sabem o que vai acontecer no jogo. É por isso que gostamos de
ver tudo esmiuçado na página de esportes no dia seguinte.
Abordei aqui a seriedade dos esportes, como os esportes também são uma
maneira de aprender sobre as coisas mais elevadas, o quão próximos
aqueles que escrevem sobre esportes estão das coisas mais elevadas quando
descrevem campeonatos de damas, jogos de Kansas x Nebraska,
campeonatos mundiais de boxe de pesos-pesados ou trapaceiros jogando
Banco Imobiliário. Aristóteles disse corretamente que a vida é mais séria do
que os jogos e os esportes, embora participemos tanto da vida quanto dos
esportes pelas razões mais elevadas, tendo-os como um fim em si. Em um
certo ano, no segundo dia de janeiro, o jornal Reno descreveu como
estavam os clubes no dia antes dos jogos de futebol americano. Havia a
descrição de um grupo grande de pessoas, em sua maioria homens, no
casino Cal Neva, em frente a três grandes televisões, em sua maioria
desleixados, bebendo cerveja ou fumando, assistindo aos jogos sem muita
emoção. Evidentemente, assim como Barclay Brisk, de Notre Dame, não se
grita muito “queremos um touchdown” na frente da televisão.
Afirmo que as coisas sérias devem ser tratadas com seriedade, e as que não
são não devem, e que, por natureza, Deus é digno de uma seriedade
completa, abençoada, mas, o que é humano [...] foi criado como uma
espécie de brinquedo de Deus, e isso é, na verdade, o melhor que pode ser.
Todo homem e toda mulher devem viver a vida deste modo, jogando os
jogos mais nobres e pensando sobre eles [...].8
A coisa mais séria não é a guerra. Na verdade, Platão seguiu: “Todos devem
viver a maior e melhor parte da vida em paz [...]. Devemos viver nossos
dias jogando certos jogos — o sacrifício, o canto e a dança”.9 Platão
concluiu que, no melhor dos casos, receberemos “pequenas porções da
verdade” a partir disso, mas esse vislumbre de algo que é fascinante em si é
digno não só de nossos esforços, mas também de nosso ser, nossa
existência, quando sequer precisaríamos existir.
6 Mell Lazrus, Miss Peach Again. New York, Grosset and Dunlap, 1972.
8 803c.
9 803e.
“Falei com ele sobre pecado original”, Boswell escreveu acerca de Johnson
em 3 de junho de 1781, em consequência da queda do homem e da expiação
feita por nosso Salvador. Depois de algum tempo de conversa [...], ele, a
pedido meu, ditou o seguinte: “A respeito do pecado original, o
questionamento é desnecessário, pois, qualquer que seja a causa do
corrompimento humano, os homens são, de maneira tão evidente e
confessa, tão corruptos que nenhuma lei, dos Céus ou da Terra, é suficiente
para conter seus crimes [...].
Por trás de tudo isso, temos o questionamento sobre o que há de errado com
o mundo. Há, igualmente, uma grande exaltação moral por trás de grande
parte dessa discussão sobre o que deu errado com o mundo e com nossa
presença nele, um ódio supostamente legitimado pelo argumento de que,
neste mundo, os pobres sofrem e os inocentes são perseguidos. Deus, então,
é “odiado” porque cumpre-se um plano de criação e redenção que não
corresponde às nossas tão debatidas prioridades e princípios de “justiça”. A
acusação primária contra Deus, portanto, não é de que ele não “existe”, mas
sim de que ele não é “bom”.4 Como há coisas que, claramente, não
deveriam existir, mas existem, logo, a crença em Deus é minada porque
Deus não “deveria” ter nos colocado num mundo como este. Ou seja, um
Deus não poderia ter criado este mundo tal como ele é porque nele não
somos automaticamente bons.
Certamente, essa posição não nega que algumas épocas e alguns lugares
sejam mais privilegiados do que outros — “muitos profetas desejaram ver o
que vós vedes e não o viram, ouvir o que vós ouvis e não o ouviram”, como
está nos evangelhos. Por outro lado, essa compreensão de existência e
destino pessoais como não sendo idênticos ao que propomos para nós
mesmos nos previne de um tipo de utopismo mundano, que compreende os
sacrifícios dos indivíduos como sendo justificados exclusivamente em
termos de alguma melhora sub-seqüente para as futuras gerações, não para
eles mesmos. Tal compreensão é geralmente concebida por mera abstração.
Embora o cristianismo exalte o sacrifício do indivíduo, ele não acredita na
aniquilação do indivíduo. Aquele que perde sua vida, salva-la-á.
Ademais, Lloyd Cohen apontou como até os maiores crimes podem ser
reduzidos à necessidade, dissipando, assim, qualquer responsabilidade
humana. Em seu ensaio Traditional and Modern Views of Crime and
Punishment [Visões tradicionais e modernas de crime e punição], Cohen
escreveu que a idéia moderna de que o crime não tem nenhuma causa
individual é uma rejeição do nosso poder de ação, do fato de sermos
indivíduos.
Por vezes, diz-se que crer é fácil, e que apenas os inteligentes são
suficientemente sábios para descrer. Isso é, evidentemente, um disparate.
Além de ser uma dádiva, a crença é uma dádiva da inteligência. Isso pode
até soar herético, mas os que crêem pensam “melhor”, porque a eles são
dadas as perguntas certas a se fazer. Mortimer Adler chegou até a sugerir,
em seu livro How to Think About God,7 que ninguém havia provado a
existência de Deus além de ele próprio, que o fez só recentemente, uma vez
que todas as outras “provas” estavam fundamentadas na fé. Se Adler estiver
correto, isso corrobora com a noção de Tomás de Aquino, presente em seu
“Tratado da Lei”,8 de que a maioria dos homens — senão todos, exceto por
um — precisam da revelação para conhecer a verdade da vida e da ação.
Como? Pregue! Diga as coisas como elas são. Diga do púlpito. Brade dos
telhados.
E o que dizer?
Ainda assim, como Samuel Johnson nos relembrou, parece evidente que
nossa condição não poderia ser retificada se não fosse por uma “morte
dolorosa”, com a qual podemos aprender a misericórdia e deixarmos de
lado a vingança por justiça. A dificuldade em crer surge da oposição entre
“Deus e o mal moral”, do fato da cruz, o custo que não faz sentido se não
for visto em termos da misericórdia que emerge dele, a misericórdia que
permite que não sejamos mais servos, mas sim amigos, amigos de Deus, e,
portanto, amigos uns dos outros, ilimitadamente.
3. George Huntston Williams, The Mind of John Paul lI: Origins of His
Thought and Action.
3 Herbert Deane, Political and Social Ideas of St. Augustine. New York,
Columbia University Press, 1956, p. 38.
5 Flannery O’Connor, Mystery and Manners. New York, Farrar, Straus, and
Giroux, 1968, pp. 226-27.
7 Cf. a edição brasileira: Como provar que Deus existe, trad. Alessandra
Lass. Campinas, Vide Editorial, 2013 — NE.
Sócrates escutou esses dois jovens com grande admiração e até espanto,
pois eles podiam defender tão bem a injustiça e, ainda assim, desconfiar que
não era correta. A partir desse ponto, a República passa para a necessária e
bem fundamentada argumentação de que todos nós devemos vivenciá-las
em nossas mentes e nossos corações para que possamos ser
verdadeiramente educados, para aprendermos o que é a justiça e, ao fazê-lo,
aprender mais especificamente os seus limites, porque ela é, em si, perigosa
e inadequada. Quando terminamos de ler a República e já podemos
conversar novamente sobre recompensas e punições, como as viam
Adimanto e Glauco no livro x, e, como já ouvimos, nesse momento, sobre a
justiça e a virtude por si sós, suspeitamos que, tal como o jovem rico do
evangelho, muitos irão “retirar-se tristes” quando ouvirem o que devem
fazer caso amem verdadeiramente a justiça: abrir mão da família, da
propriedade e de todos os seus desejos, em nome do Estado, no qual toda
ordem é vista através do bem. Até que ponto os jovens “retiram-se tristes”
daquilo que é o melhor descreve os vários destinos dos jovens que
escolhem regimes que não são o melhor.
É por isso que não fazia sentido, quando Sócrates estava escolhendo sua
própria punição, que escolhesse qualquer outra coisa senão refeições
gratuitas. Não faria sentido escolher ser banido para Tebas ou Esparta
porque, se continuasse fiel à sua vocação de filósofo, lhe aconteceria o
mesmo que aconteceu em Atenas. Em qualquer regime de qualquer Estado
existente — como representado e advertido pelo poeta na Apologia —, o
artesão e o advogado, em concordância com a maioria dos votantes livres,
escolheriam se opor à verdade sempre que ela entrasse em conflito com
uma dada ordem política. Esse conflito corromperia os jovens, os filhos do
poeta, do artesão e dos advogados. Essa corrupção recorrente significa
simplesmente que nenhum Estado existente poderia permitir que o filósofo
falasse sua verdade, caso o Estado quisesse que sua ordem continuasse —
exceto, talvez, em dois casos: na democracia, onde todas as verdades são
igualmente ditas e o filósofo pode sobreviver por mais tempo porque
ninguém sabe diferenciar a verdade do erro, e no Estado formado pelo
discurso, na República.
Tudo isso aponta para uma das grandes ilusões da filosofia política: a
crença de que ditaduras reais seriam facilmente reconhecidas por um povo
livre. Os clássicos acreditavam que, na verdade, o reconhecimento da
tirania dependia tanto da liberdade quanto da virtude. E certamente por essa
posição que os clássicos também afirmavam que a preparação usual para a
tirania era a democracia, onde todas as idéias estão presentes e são
discutidas indiscriminadamente, sem nenhum critério de resolução naquilo
que é. A preparação imediata para a tirania seria um sistema que se definiría
pela incapacidade teórica da mente de conhecer qualquer verdade, de forma
que a tolerância seria não somente um princípio político, mas uma
proposição metafísica. Os mesmos dois jovens que, quando virtuosos,
ouviam Sócrates, quando dissolutos, ouviam o oposto do rei-filósofo, ou
seja, aquele que tem todos os talentos do rei-filósofo, mas nenhuma de suas
virtudes — talvez como o Alcibíades descrito por Tucí-dides. Aqueles que
condescendem com a ordem tirânica, independentemente de sua linguagem
constituída, serão simplesmente marginalizados, como cidadãos individuais,
tal como Sócrates, ou, mais precisamente, “decepados”, como disse
Aristóteles acerca do provável destino que terão.
O que acontecerá com uma sociedade que aceita tais idéias, cujos nobres
fins não são confirmados pela realidade, pela prática, por aquilo que é
Francis Canavan aborda muito bem essa questão:
Mesmo sem uma bola de cristal, podemos arriscar algumas previsões. Não
teremos um mundo povoado por altruístas que se preocupam com o bem
dos outros tanto quanto, ou mais, do que com o seu próprio. Uma ordem
política, social e econômica construída pela cooperação livre e não coagida
de todos os cidadãos nunca existirá, e nenhuma mudança das estruturas
sociais fará com que exista. A propriedade privada, independentemente de
sua regulamentação em nome do bem comum, continuará sendo necessária,
assim como forças policiais, tribunais e prisões.9
Isso implica, então, que as humanidades são uma necessidade pública? Isso
significa que as humanidades podem ser indiferentes ao regime político, às
questões de excelência e verdade, de forma que qualquer estudo sobre o que
os humanos “fazem” ou “querem” — o projeto maquiavélico — possa
erguer-se como um princípio de ação para a comunidade,
independentemente de como seja definida e do quanto esteja dividida? O
que parece, na verdade, é que o bem público está muito mais em perigo
quando as visitas voluntárias à contemplação são negligenciadas em favor
de uma ação comunitária imediata. Os tipos de ativistas que foram relatados
nessas últimas linhas geralmente não parecem enxergar um limite para a
política nem para esta vida. Quase precisamos de uma versão de algo
parecido com a agência Corpo da Paz que, em vez de projetos em Uganda,
Peru ou Nicarágua, por exemplo, proporia uma visita a algum daqueles
campos descritos no livro o zero e o infinito. Ou, com muito mais
freqüência, precisamos de visitas a algum daqueles monumentos da mente
humana que levam à verdade e ao bem, para que os desejos e as escolhas da
comunidade não a levem somente a si mesma, mas que se enriqueçam por
aquilo que pertence à riqueza da grande tradição da contemplação da
excelência e da verdade, enquanto observam o que os seres humanos, de
fato, fazem.
Contudo, se é isso que devemos fazer, creio que devamos todos competir
uns com os outros no empenho para conhecer o que é verdadeiro e o que é
falso nos assuntos que discutimos, pois é para o bem de todos nós que
queremos esclarecer tais questões. Então, continuarei a discussão como
melhor me parecer; porém, se algum de vós entender que qualquer coisa
que eu disser é contrária à verdade, deverá debater comigo e refutar-me.
Pois aquilo que digo não provém, de forma alguma, de nenhum
conhecimento real: é, na verdade, uma busca que compartilho convosco.
Assim, se houver, na objeção do meu oponente, alguma força, serei o
primeiro a admiti-la. Digo isso, evidentemente, pela suposição de que
quereis completar esta discussão; caso contrário, nos despeçamos e vamos
todos para casa.11
Suponho que podemos concordar com Platão que não devemos, afinal, ir
para casa apenas para nos furtar da descoberta de onde os argumentos nos
levarão, independentemente de quão benignos ou comunitários possam
soar.
Assim como Platão, em seu diálogo Fedro, queremos, então, poder dizer
que “sim, já passamos pela nossa educação e, de fato, está levando uma
vida inteira para nos recuperar, para não mais nos espantarmos com aquilo
que é”.
5 Helene Moglen, “Erosion in the Humanities: Blowing the Dust from Our
Eyes”, Profession, 83, Bulletin of the Modern Language Association, p. 3.
6 Ibid., p. 6.
7 Ibid., p. 5.
8 Ibid.
11 Platão, Gorgias. Indianapolis, Ind., Library of the Liberal Arts, 1952, pp.
80-81.
21 - Sobre a vida espiritual e intelectual
De acordo com os filósofos gregos, a atividade mais elevada do homem era
a contemplação, sua busca pela compreensão daquilo que é, do que não
pode ser de outra maneira, do que não está sujeito ao nosso poder ou
vontade. Essa posição não pretendia negar que a atividade prática e a
produtividade artística fossem também próprias do tipo de existência
pertencente ao homem. As atividades práticas são, na verdade, tão próprias
do homem que, aparentemente, são as mais próximas e as mais importantes
para a humanidade. A grande acusação feita contra a vida contemplativa foi
a de que ela desviaria o homem do seu bem “próprio”, de seu bem ético ou
político. Essa foi uma objeção que Aristóteles já mencionou no fim da
Ética.
Nossa tradição filosófica opera, por assim dizer, do mais baixo para o mais
elevado, enquanto nossa tradição revelacional faz o inverso. Quando as
duas abordagens são confundidas, ambos os aspectos da realidade padecem.
Tomás de Aquino aborda essa questão, sobre a qual Eric Voegelin elaborou,
da seguinte maneira:
Deus possibilita que nossa razão chegue à sua perfeição natural por sua luz
própria, e à sua perfeição sobrenatural pelas virtudes teológicas. Embora a
sobrenatural seja mais sublime do que a natural, ela tem menos estabilidade
dentro de nós. A perfeição natural é o nosso próprio dom, enquanto a graça
é, por assim dizer, não tão bem absorvida, pois conhecemos e amamos a
Deus imperfeitamente7.
Recursos não são naturais, são criados pelo ofício e pelos artifícios do
homem [...]. O capital crucial do sistema é sempre metafísico: as idéias e a
criatividade dos homens que encontram usos e geram valores no que antes
era visto como sujeira, terra, vapor [...]. Por que é que, enquanto as
possibilidades reais se expandem quase ilimitadamente, só o que os nossos
intelectuais sentem são novas pontadas de claustrofobia? O intelectual
contemporâneo, ao negar Deus, se vê em uma armadilha, e projeta seu
aprisionamento no mundo. Mas o mundo não é uma armadilha, o homem
não é finito, a mente humana não é limitada pelo seu cérebro material.
Como a maior parte da propaganda e das histerias dos intelectuais
modernos, a crise energética é mais essencialmente uma desordem
religiosa, uma falha de fé.10
A revelação sugere que o filósofo, para ser filósofo, necessita estar aberto a
toda a existência, mesmo aquela que emerge fora da ação ou do controle
humanos. Uma espécie de filósofo moderno regozija-se no “apocalipse”.
Ele nos diz que estamos violando a ordem do mundo porque estamos
crescendo e nos multiplicando, porque utilizamos todas as outras coisas na
face da Terra para nosso próprio bem. E, contudo, é esse mesmo
pessimismo acerca dos verdadeiros recursos deste planeta — aqueles
estabelecidos, em última instância, no cérebro e nas mãos humanas — que
faz com que negligenciemos o que podemos fazer. A pobreza no mundo
tornou-se, conseqüentemente, a última e única justificativa para qualquer
coisa. Assim, a noção de maravilha e abundância, que é a real característica
desta criação, é negada aos que mais se beneficiariam dela: os pobres.
Mas, quando analisamos essa verdadeira conclusão, tomamos consciência,
subitamente, de que o antigo confronto entre razão e revelação está
surgindo de uma nova forma e que não estamos preparados para ele. A
preservação da existência como fonte última da nossa realidade permanece
sendo a contribuição necessária do religioso contemplativo. Contudo, na
tradição de Tomás de Aquino, a vida contemplativa na revelação dirige-se à
vida especulativa a partir da razão. O santo e o filósofo não estão,
essencialmente, em oposição. No entanto, na Apologia, foram o político, o
poeta e o artesão que mataram Sócrates, assim como foram o governador
romano e oficiais judeus que mataram Cristo. Ou seja, os devotos da
verdade e os que são obedientes à ordem pública entram em conflito. Foi
Pilatos, afinal, que disse: “Não acho nele crime algum”. Evidentemente,
fazemos, como disse São Paulo, o que não faríamos.
Não devemos pensar que o santo e o filósofo devam ser a mesma pessoa.
Geralmente, não são. Por outro lado, às vezes, são. Isso nos faz pensar se
toda a verdade não é uma só.
Nem todos precisam ser intelectuais. Nem todos são santos. No entanto,
devemos reconhecer que é perigoso para nós, para a ordem pública, quando
não há filósofos. Suspeitamos que seja ainda mais perigoso quando não há
santos. Quando nos questionamos por quê, a resposta retorna para a
“receptividade”, para a percepção de que as coisas mais elevadas — as
quais legitimamente buscamos, devido ao que elas são — não devem ser
“feitas” ou forjadas por nós. Tomás de Aquino escreveu:
A vida espiritual não é a vida do filósofo, mas ela não é contrária à vida do
filósofo. A vida espiritual é aquela para qual algo é direcionado, algo que
não é uma criação humana, embora seja dirigido à vida e ao intelecto
humanos. Aquilo que é dirigido a nós é a vida e a inteligência do Primeiro
Ser, que, como vemos agora, contém todas os aspectos do ser, ao contrário
do que diziam os clássicos, não por ódio, mas por respeito. A Era Moderna
rejeitou, em seus fundamentos, um Deus maior que ela própria, estreitando,
assim, sua visão. A liberdade dos filhos de Deus é a de que aquilo que é é
maior do que o que somos. Essa abertura que possuímos para toda a
existência é nossa graça e nossa benção, é o que aceitamos porque
recebemos, e não fazemos, nosso próprio ser. Quando a graça se dirige à
reflexão, então, somos. Eis a vida espiritual dada aos seres inteligentes.
4. Gilbert Meilaender, A Taste for the Other: The Social and Ethical
Thought of C. S. Lewis.
3 Evelyn Waugh, The Letters of Evelyn Waugh. New York, Penguin, 1982,
p. 244.
12 Comentário ao De Trinitate, 2, 3.
Conclusão
Educação, filosofia, ciência, política, história, revelação — esses são temas
que examinei, aqui, de várias maneiras. Falei com freqüência de Platão e
Aristóteles, de Agostinho e Tomás de Aquino, de Chesterton, Pieper e C. S.
Lewis. Fiz isso para ressaltar sua importância. Repeti títulos de livros
favoritos que merecem destaque em diferentes contextos. Pretendi sugerir
que qualquer um com alguma diligência e alguma sorte pode encontrar seu
caminho até as coisas mais elevadas, ainda que essas questões superiores
não sejam formal ou sistematicamente abordadas nas escolas, ainda que
sejam negadas por nossos próprios amigos ou nossa cultura. Na verdade,
suspeito que haja uma certa solidão fundamental na nossa relação com as
coisas mais elevadas. Não estou aqui sendo cético, mas, nesse sentido, não
deveriamos esperar muito de nossas instituições de educação formal.
Ao longo destas páginas, falei sobre “o que mais importa aprender”. Falei
sobre por que devemos ler, o que devemos ler e livros que devemos
preservar. Podemos, num sentido, dizer muito sobre alguém ao ver os livros
que lê — se é que lê —, que livros tem em sua estante. Não pretendo me
ocupar, aqui, das questões “práticas”, no sentido normal do termo. Os
eventos comuns da vida também nos fazem refletir. Cedo ou tarde, todos
refletiremos sobre as coisas da vida que, num sentido último, contam; que
contam para o nosso lugar naquilo que é. Para esses propósitos, não
podemos excluir questões de fé ou até de política. Assim como não
podemos negligenciar aqueles que são considerados por nossa tradição
como grandes mestres. Não há muitos deles. De certo modo, isso é uma
vantagem. Mas há tanta disputa por nossa atenção! Somos atraídos por
tantas coisas que freqüentemente conflitam, tantas coisas que têm algo de
atrativo — caso contrário não nos atrairiam. Contudo, temos o mesmo
coração inquieto que Agostinho tinha, e isso nos faz refletir.
Assim, essas reflexões pretendem nos desafiar, fazer com que reflitamos
sobre a validade daquilo que nos ensinam formalmente. Não creio que
nossas instituições de ensino superior estimulem, em nós, uma ponderação
séria acerca do poder das coisas mais elevadas. Notei muitos jovens
sensíveis e inteligentes desconfiando secretamente dessa deficiência,
especialmente nas melhores instituições, eu diria, porque as melhores
instituições não percebem que estão deixando escapar as coisas mais
importantes. Portanto, há um certo aspecto de “recrutamento” para essas
reflexões, que tende a nos convidar para ir além das estruturas formais e
estabelecidas de nossas instituições de ensino.
Na verdade, também a vida consiste nessa busca, a vida que nos foi dada, e
é por nossa própria insuficiência que começamos nossa busca. Mas não
estamos sozinhos, e isso é comprovado por tantos homens e mulheres que
vieram antes de nós, aqueles que viveram em outra época e outro lugar. As
vezes, conseguimos encontrar nosso caminho porque outros encontraram o
seu, porque perceberam que as coisas mais elevadas são dignas de serem
buscadas, como Aristóteles nos disse e como nossa tradição religiosa
repetiu com freqüência.
Bibliografia
A seguinte bibliografia contém livros mencionados no texto. Ela também
inclui outros livros que acredito poderem ser úteis e esclarecedores para
qualquer um que queira buscar por mais autores que, de alguma forma,
examinaram algum aspecto daquilo que é. Esta lista está longe de estar
completa. Ela pretende abrir caminhos que poderiam ser negligenciados,
desconsiderados ou simplesmente desconhecidos. Assim, esta lista inclui
títulos sobre ciência, história, teologia, filosofia e política, alguns romances
e algumas biografias. Por trás deste esforço de trazer à luz o que está
disponível, ainda que algumas obras sejam difíceis de ser encontradas, há
uma tentativa de compreender a realidade, aquilo que é. A noção de
Aristóteles de espanto é o espírito e o princípio condutores por trás do que
listei aqui.
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