O Objetivo desta análise é mostrar como o drama vem
perdendo sua força através de algumas formas e incluindo também
alguns traços épicos no século XIX. Usarei como exemplificação dessa análise a obra A Gaivota (1896) de Anatol Tchekhov, e para dialogar com esta, Peter Szond “Teoria do Drama Moderno” e Anatol Rosenfeld “O Teatro Épico” como embasamento. A necessidade de abordar o “social”, o interior do sujeito, os sonhos e outros temas fez com que alguns autores como: Meterlink Halptmam, Strindberg e até o próprio Tchekhov, demonstrarem essa necessidade em suas obras, o que contribuiu para a crise do drama. Percebeu se uma distorção entre forma e conteúdo. A forma dramática Clássica não sustentava os conteúdos propostos pelos autores da época. O épico entra em cena fazendo a ruptura do drama clássico. Houve uma insistência do próprio Tchekhov em seguir a forma dramática clássica, ele não tinha intenção de romper o drama. Ele apenas usou elementos líricos e épicos que acabaram distorcendo a forma.
Tchékhov adota igualmente a forma tradicional. Porém já não tem
mais a firme vontade de criar a piece bien faite (em que se alienava o drama clássico). Ao erigir sobre o terreno tradicional uma obra poética encantadora que, todavia, não possui um estilo independente nem garante uma unidade formal, mas antes deixa transparecer reiteradamente sua base, ele manifesta a discrepância entre a forma recebida e a forma exigida pela temática. (ROSENFELD,anatol p.36) O drama clássico dá ênfase no presente (o agora), na ação e no conflito movendo a história. Na peça em que iremos analisar (A Gaivota) é nítido a falta de alguns elementos. Os diálogos na maioria das vezes mais parecem monólogos. Não há um conflito regendo a peça. Outro elemento presente é o lírico (eu). “Marcada “pela cotidianidade, frustrações, decadência, lamentos e amores não correspondidos” A Gaivota” é também regida pelo naturalismo. Peter Szondi cita a presença dos monólogos como elemento característico na escrita de Tchecokv “As palavras são pronunciadas em sociedade, não no isolamento. Mas elas mesmas isolam o que expressam” (SZONDI, Peter p 50). Szondi reitera:
A linguagem tchekhoviana deve seu encanto a essa passagem
constante da conversação à lírica da solidão. Ela é possibilitada talvez pela grande expansividade dos homens russos e pela lírica imanente de sua língua. Aqui a solidão já não é enrijecimento. O que o Ocidente talvez só conheça na ebriedade- a participação na solidão do outro, a absorção da solidão individual na solidão coletiva que se forma- parece estar já contido como possibilidade na essência do homem russo e de sua língua. (SZONDI, peter. p 50, 51)
Para o melhor entendimento desta análise, nada mais
essencial do que a própria peça exemplificada. A Gaivota se passa em um ambiente rural e bucólico onde vivem Sórin e seu sobrinho Trepliov, o então filho da decadente atriz Arkadina que passa férias no sitio do irmão (Sórin). Trepliov é apaixonado pela camponesa Nina que deseja virar uma famosa atriz e não resiste aos encantos de Trigórin um grande escritor da Rússia, amigo de Arkadina que passa alguns dias no sítio de Sorín. A peça é rodeada por melancolia e lamentos. No primeiro ato já nos deparamos com a angústia da camponesa Macha que morre de amores por Trepliov, porém, essa paixão não é correspondida.
Miedviediênko- Por que a senhorita anda sempre de preto?
Macha- Estou de luto pela minha vida. Sou infeliz.
Em a “Teoria do Drama Moderno” Szondi reforça essa típica
característica presente nos personagens de Tchekhov.
Assim depararemos com personagens basicamente frustrados com o
presente, “personagens que vivem no passado saudoso ou no futuro sonhado, mas nunca na atualidade do presente, talvez seja o tema mais épico e menos dramático que existe” (ROSENFELD, anatol p. 92).
Como citado acima, a lírica entra como linguagem predominante em
“A Gaivota”. Vejamos:
Chamraiev- Lembro que, certa vez, no teatro de ópera em Moscou,
o famoso Silva cantou o dó mais grave. Nessa ocasião, como que de propósito, estava sentado na galeria um dos baixos do coro da nossa arquidiocese, e de repente, os senhores podem calcular o nosso espanto, ouvimos uma voz lá na galeria: ”Bravo, Silva. Uma oitava inteira abaixo...
Dorn- Passou um anjo por aqui
Nina-Está na minha hora Adeus
Nota se claramente um “monólogo”. Cada um com seu “eu”. Vale lembrar que esse recurso não acontece na peça inteira, e sim em alguns momentos.
(... O diálogo passa a ter a função, sobretudo expressiva, ou seja,
lírica (o que representa a estrutura dramática função retardante, épica). Debaixo da troca superficial de comunicações revelam se estados emocionais... (ROSENFELD, anatol p. 92)
O amor não correspondido é predominante em a Gaivota. Polina
mãe de Macha é casada, mas ama o médico Dorn,Miedviediênco é apaixonado por Macha que gosta do escritor Trepliov que ama loucamente a jovem atriz Nina que se apaixonou pelo o famoso escrito Trigórin
Analisaremos nesse instante a monotonia e o naturalismo nítido na
fala de Sórin.
Sórin-(apoiando-se na bengala) No campo, meu caro, não me sinto
a vontade e, sem dúvida alguma, nunca vou me habituar a isso. Ontem fui deitar ás dez horas e hoje de manhã acordei ás nove com a sensação de que, de tanto dormir, meu cérebro havia grudado no crânio. (Ri) Depois do almoço, para minha surpresa, caí no sono de novo, e agora me sinto abatido, é como se vivesse num pesadelo, no fim das contas... Nota se também na fala de Sórin que a presença da ação está no diálogo (nada acontece, ele apenas fala). O naturalismo aparece para mostrar a vida como ela é. Segundo Rosenfeld :
Uma solução semelhante faz desse problema formal o próprio
tema de suas peças: o “drama” precisamente passa a consistir precisamente na falta de acontecimentos. Com isso, Tchekhov levou o naturalismo ás suas últimas conseqüências e á sua auto-superação num impressionismo em que todos os contornos se esgarçam na riqueza das nuanças. Na vida, disse, “a gente come, bebe, faz a corte, diz asneira... (ROSENFELD,anatol p.92).
É nesse mesmo contexto Rosenfeld continua citando traços
do naturalismo, tais como aparecem em A Gaivota.
No fundo, o drama rigoroso não se ajusta á tentativa básica do
naturalismo de pôr no palco a realidade tal qual ela nos dá empiricamente. Esse empenho não permite a estilização e a seleção severas da tragédia clássica. A vida como tal não tem unidade, os eventos normais não se deixam captar numa ação que tem começo, meio e fim. Na medida em que desejam apresentar no palco apenas um recorte da vida, os autores naturalistas são quase forçados a “desdramatizar” as suas peças para não tornar visível o fluir cinzento da existência cotidiana. (ROSENFELD, anatol p. 91)
Outro elemento a ser olhado nessa peça é o passado. Ele é
bem predominante nas falas dos personagens, como a de Chamraiev. Chamraiev- E 1873, na feira de Poltava, ela representou de forma magnífica. Uma maravilha!Um milagre!(Para Arkádina) Por acaso a senhora não sabe por onde anda agora o cômico Pavel Siemiônitch Tchadin ? Ele era incomparável no papel de Raspliuiev, melhor do que Sdovski, eu juro, minha cara. Por onde ele anda agora ?
Voltando a falar dos personagens de Tchekhov. Eles são negativos,
alimentam do passado e falam do futuro e nunca vivem o presente (o que é fundamental no drama clássico) Segundo Rosenfeld “não pode haver conflitos profundos onde não há fé - qualquer fé-que passa ser mola de ação” (ROSENFELD, anatol p. 91)
Vejamos mais um fragmento da peça A Gaivota:
Miedviediênko- Para o senhor é fácil zombar. Tem dinheiro de
sobra. Dorn- Dinheiro? Depois de trabalhar trinta anos como médico, meu amigo, e trabalhar sem descanso, sem poder dispor só para mim nem do dia nem da noite, consegui economicamente apenas dois mil rublos, que gastei faz pouco tempo, numa viagem ao exterior. Não possuo nada. Diálogo entre o professor Miedviediênko e o médico Dorn. Ambos tem uma visão negativa da vida. Um se sente incapaz de viver o presente, lamentando o passado e o outro se coloca para “baixo” a todo momento.Outro personagem que vive de lamentação e negatividade é o escritor Trepliov.
Trepliov- Você encontrou o seu caminho, sabe para onde ir,
enquanto eu continuo mergulhado no caos dos devaneios e das visões, sem saber para que e para quem isso serve. Eu não acredito e não sei qual é a minha vocação.
Apresentar personagens imersos no deserto do tédio- esse
taedium vitae em que a existência se revela como o vácuo do Nada-personagens que vivem no passado saudoso ou no futuro sonhado, mas nunca na atualidade do presente, talvez seja o tema mais épico e menos dramático que existe (ROSENFELD,anatol p. 92)
Ao decorrer da peça poucas coisas acontecem. Não há um
conflito regendo a história e os diálogos são necessariamente monótonos e monólogos. No caso de Trepliov, além de sofrer pela camponesa Nina e passar a peça inteira com uma crise existencial, ele se suicida. Mas essa cena não se passa no palco.Ouvi se um barulho de tiro(suicídio do personagem) e a peça termina. Como conclusão dessa análise é importante ressaltar que o drama clássico destaca a intersubjetividade (relação eu e tu) e no caso da peça “A Gaivota” os personagem vivem muito o passado, na tentativa de salvar a estrutura Tchekhov se apoia no épico que cumpre um papel importante na dramaturgia.