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Marina STUCHI
1.INTRODUÇÂO
Ao analisar obras de dramaturgos do fim do século XIX, Szondi, em a Teoria do
drama moderno [1880-1950], aponta a contradição crescente entre a forma tradicional
do drama e os novos conteúdos surgidos na modernidade. Muitos dramaturgos, a partir
do século XIX, tiveram o passado como tema para suas peças. A emersão de novos
conteúdos gerou o que Szondi denomina de crise do drama, pois não é possível
“encaixar” na forma dramática da época moderna os novos temas trabalhados pelos
dramaturgos.
Em um primeiro momento, será feita uma exposição sobre os preceitos do
drama clássico, vigente, principalmente, na França do século XVII. Essa teorização é
importante no sentido de poder compreender as transformações no seio da forma
dramática no final do século XIX em oposição ao “drama puro” e o que Szondi
denominará como crise do drama.
Com o método empregado por Szondi é possível pensar a forma como
construção histórica, fruto de um determinado contexto e que expressa tensões e
contradições do momento. O conteúdo precipita-se em forma, ou seja, há uma dialética
permanente entre forma e conteúdo.
A crise do drama também é discutida, pois nos permite refletir como novos
assuntos decorrentes da modernidade não se “encaixam” na forma dramática pura. Esse
percurso também é feito por entendermos que a influência de autores como Ibsen,
Tchekhov e Strindberg é fundamental para compreendermos o percurso da literatura
dramática norte-americana.
A escolha das duas peças justifica-se pela contemporaneidade entre os dois
dramaturgos e por eles trabalharem formalmente o passado de maneira diversa. Szondi,
em a Teoria do drama moderno [1880-1950], denomina Eugene O’Neill como um
dramaturgo que tenta salvar a forma do drama e Arthur Miller como um dramaturgo que
soluciona a crise do drama.
Portanto, nessa peça, o passado realiza-se no âmbito formal, pois ele é inserido
na forma dramática, através desse mecanismo de revelação interior, possibilitando a
materialização do passado. Miller rompe, então, com a forma dramática idealizada pelo
classicismo francês, porque o que deveria ser apenas diegético (o passado) torna-se
mimético.
O passado é também reveleado através dos diálogos travados entre as
personagens onde cada um pode trazer a tona sua própria visão sobre o que passou.
Juntamente com o diálogo, é utilizado também o recurso do flash back, mas esse
aparece não como uma recordação e sim como acontecimento verdadeiramente vivido.
Para Szondi, quando juntamente com o diálogo aparece a reminiscência chega-se a um
paradoxo do ponto de vista dramático, pois torna “[...] cenicamente presente o passado
de vários homens, mas para a consciência de apenas um único.” (SZONDI, 2003,
p.177).
Para contrapor a ação no presente e passado há um jogo de respeito ou não às
marcações do cenário. Miller deixa claro suas intenções nas rubricas.
No primeiro ato, Willy está recordando o passado quando seus filhos eram mais
novos. Em um primeiro momento, há um monólogo, como se ele estivesse falando
sozinho, mas depois o passado se materializa em cena com o aparecimento de seus
filhos Biff e Happy. Portanto, é possível conhecer o passado não por um discurso, mas
realmente presenciar o que foi vivido.
É possível, também, conhecer o passado através do diálogo travado entre as
personagens. Nesse caso, o diálogo não tem a função dramática, pois não expõe
intenções nem tem como objetivo agir sobre as demais personagens. Em A morte do
caixeiro- viajante a fala da personagem, quando relembra o passado, serve para fornecer
dados relevantes para a compreensão da intriga. Esse discurso da personagem tem um
caráter épico, pois em alguns trechos não apenas lembra, mas narra fatos. Em uma
conversa com o irmão, Biff faz um retrospecto de sua vida.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As duas peças analisadas dão grande destaque ao passado, porém cada uma
trabalha de modo diferente com um tempo que no drama absoluto não deveria interferir
no presente. Tanto em Longa jornada noite adentro como em A morte do caixeiro-
viajante, é no passado que decisões importantes foram tomadas pelos personagens e por
esse motivo eles permanecem presos a ele.
Eugene O’Neill, na peça analisada, mantém a forma do drama absoluto
preservando as unidades de tempo e espaço. Com isso, não há interrupções no decorrer
da peça e não é possível vislumbrar o eu-épico através da análise dessas unidades.
Porém, com a análise do diálogo, outra unidade indispensável para o drama absoluto,
percebe-se a emersão do elemento épico, pois nessa peça o diálogo não contrapõe
vontades entre as personagens, não produzindo ação dramática.
Rosenfeld, ao teorizar sobre o drama absoluto, argumenta que o diálogo deve
viabilizar uma ação, é o único meio pelo qual as personagens se expressam, pois o
drama puro não aceita a figura do narrador. O diálogo deve ter um caráter ativo e
contrapor vontades. Mas, em Longa jornada noite adentro, o diálogo tem uma função
épica, serve para narrar o passado das personagens e também para expor seus
sentimentos mais íntimos.
O’Neill, apesar de tentar salvar a forma do drama, mantendo seus elementos
indispensáveis, acaba por implodi-la de dentro para fora. Ele mantém as unidades
essenciais para o drama absoluto, mas escreve uma peça amplamente narrativa, na qual
a reunião dos membros da família em um único espaço, num único dia, serve apenas
como pretexto para a evocação do passado.
Arthur Miller, em A morte do caixeiro-viajante, ao contrário de O’Neill,
abandona as convenções impostas pela dramaturgia clássica do século XVII. O passado,
nessa peça, é tanto relatado pelos diálogos entre as personagens quanto através do
recurso do flash back que materializa o passado em cena.
Esse dramaturgo rompe com a unidade de tempo e espaço, promovendo na peça
descontinuidades espaço-temporais, sendo estas avessas a forma do drama absoluto.
Pela falta de encadeamento causal da ação, é possível pressupor o eu-épico.
Ao analisar as duas peças, praticamente contemporâneas, nas quais o passado
tem um papel de destaque, pode-se constatar o esforço de O’Neill em manter alguns
elementos da dramática pura, conservando-a. Miller, por outro lado, abandona essa
forma e se permite o uso de elementos épicos em sua dramaturgia, indo ao encontro do
chamado drama moderno.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES, Poética. Tradução Eudoro de Souza. São Paulo: Ars Poética, 1993.
Edição bilíngue grego-português.
JÚNIOR, Antônio Pasta. In: SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno [1880 – 1950].
Tradução Luiz Sérgio Repa. São Paulo: Cosac & Naif, 2003.
O’Neill, Eugene. Longa jornada noite adentro. Tradução de Helena Pessoa. São Paulo:
Abril Cultural, 1980.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução dirigida por Jacob Guinsburg e Maria
Lúcia Pereira. São Paulo: Perspectiva, 2008.
RACINE, J. Fedra. Trad. Millor Fernandes. Porto Alegre: L&PM Editores, 1986.
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno [1880 – 1950]. Tradução Luiz Sérgio Repa.
São Paulo: Cosac & Naif, 2003.