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BECKETT
Resumo:
Este artigo tem por objetivo analisar os traços de desrealização, termo empregado por
Anatol Rosenfeld no artigo “Reflexões sobre o romance moderno”, presente na obra
Texto/Contexto, a fim de analisar os elementos estruturais da peça Esperando Godot, de
Samuel Beckett. Anatol Rosenfeld, em Texto/Contexto, define a palavra desrealização
como o ato de abandono da mimese na arte moderna, em especial na pintura, no teatro e no
romance. Nesse sentido, o realismo desaparece das criações artísticas modernas, visto que
estas, por sua vez, na tentativa de produzir uma arte nova, passam a representar,
influenciadas pelas novidades do momento e pela nova visão acerca do homem e do
mundo, uma nova forma de representação da realidade, que abandona a arte mimética.
Palavras-chave: Esperando Godot; Teatro do Absurdo; Desrealização.
O TEATRO DO ABSURDO
O Teatro do Absurdo foi uma expressão que surgiu em 1961 por Martin Esslin para
representar temas antes não esboçados na dramaturgia tradicional realista, a fim de
explorar a fragilidade humana pós-Segunda Guerra Mundial, elucidando a solidão e
retratando o ambiente exilado que o conflito favoreceu. Sua técnica foge do realismo que
dominava os palcos tradicionais anteriores, estes que, por sua vez, demonstravam o
cotidiano de forma simples e objetiva, sem entregarem-se às profundezas do homem.
Distintamente ocorre no Teatro do Absurdo, uma vez que procura manifestar suas obras
utilizando-se de abstrações linguísticas e traços descomunais. Os dramaturgos do Absurdo
tentam reproduzir a solidão e a fragilidade do homem moderno, recriando, muitas vezes,
um sentimento de desorientação e frustração.
O Teatro do Absurdo surge em um momento de crise do teatro, em que este procura
ressignificar a si mesmo, tornando-se um teatro antirrealista, trazendo para a sua trama
temas fora da realidade. De acordo com a obra História Mundial do Teatro, o drama
moderno parece não ter lógica, e assim o palco surge como um espelho deformante a ecoar
uma imagem em que o público não está preparado para acatar. O drama acentua um quadro
tragicômico da vida, em uma época em que não se pode mais evitar questões sobre a
existência em sociedade e o peso de estar nela.
Entendemos como Crise do Teatro, segundo Peter Szondi, em Teoria do Drama
Moderno (2001), o cenário final do século XIX. Para Szondi, a crise do drama é expressa
por autores como Ibsen, Tchekhov, Strindberg, Maeterlinck, Hauptmann, uma vez que cada
um deles interferiu, a seu modo, no modelo teatral vigente, colocando em xeque o conceito
de drama. Szondi examina as obras dos autores supracitados na tentativa de exemplificar
como ocorre a crise do drama na segunda metade do século XIX, na medida em que o
teatro abandona o modelo fixo e realista que vigora até então. Para Szondi, o drama entra
em crise em razão das transformações temáticas que substitui os membros da tríade
conceitual (fato, presente e intersubjetivo) por conceitos antitéticos correspondentes. Nas
peças de Ibsen, por exemplo, o passado da obra domina o lugar do presente, o que para o
drama não é um acontecimento temático, já que o presente da obra passa a ser relativizado
pelo passado. Essa situação da peça de Ibsen foge ao âmbito do drama, gênero em que
fatos passados não têm capacidade de provocar mudanças, mas, no caso das suas peça, são
eles que movem as ações dos personagens.
Por consequência da transição em que o estilo dramático puro levou para o estilo
contraditório, derivam-se, então, modificações temáticas suficientes para romper o modelo
antigo. Dessa forma, manifestam-se tentativas de salvar o gênero drama, já que este, por
sua vez, entra em crise por conta da intromissão dos gêneros lírico e épico no modelo do
drama, voltados para o diálogo e a representação do tempo presente. E um dos recursos
para salvar o drama analisados por Szondi se aplica ao emprego da peça de um só ato, a
peça de conversação e o uso do diálogo. Utilizando o diálogo, o dramaturgo trabalhará para
trazer um diálogo seguro da subjetividade cujas formas históricas o colocam em perigo.
Szondi (SZONDI, 2001, p.105) diz: “se no drama genuíno o diálogo é o espaço coletivo
onde a interioridade das dramatis personae se objetiva, aqui ele é alienado dos sujeitos e se
apresenta como autônomo. O diálogo se torna conversação.” Desse modo, a peça da
conversação constitui a nova dramaturgia. E neste instante tem-se a peça Esperando Godot
(1952), de Samuel Beckett, tal qual discorreremos mais adiante. Na obra, a conversação
torna-se temática, pois segundo Szondi “aos homens que esperam Godot, esse Deus não só
absconditus mas também dubitabilis, resta somente a conversa nula para confirmar sua
própria existência (SZONDI, 2001, p.108) . Do ponto de vista estético, Esperando Godot é
uma das principais obras que integra o Teatro do Absurdo. O crítico húngaro Martin Esslin
cunhou a expressão ao fim da década de 1950, com intuito de definir as peças produzidas
pós-Segunda Guerra Mundial, que que passam a tematizar a solidão humana, a desolação e
a insegurança do homem moderno frente à sociedade vigente, tratando o palco como se
fosse um espelho para o homem, que, por consequência da Guerra, tornou-se sofredor,
confuso, habitando em uma atmosfera estranha e desconfortável.
Excepcionalmente, o Teatro do Absurdo representa uma reação revolucionária contra a
corrente artística predominante, o realismo, que mantinha, no âmbito do teatro, a
encenação mais realista possível, e apoiava a sua construção no diálogo e no cenário
mimético. Diferentemente, o Teatro do Absurdo se utiliza de cenas apoiadas em
monólogos, com temáticas capazes de revelar o inesperado e o que não era considerado
tradicional ou cotidiano, em outros termos: “Essa nova forma de teatro apenas revela o
realismo presente, mas como se tal realismo fosse irreal (BUENO, 2013, n.p). As obras
não apresentam personagens reconhecíveis e colocavam diante do público quase que,
segundo como o escritor húngaro Martin Esslin (1918 – 2002) explicita em O Teatro do
Absurdo (2018), bonecos mecânicos. No Teatro do Absurdo, “O palco torna-se um espaço
sem nenhuma referência identificável, o pesadelo visível da vacuidade.” (BERTHOLD,
2014, p. 522). Incomumente do que presenciamos em peças realistas, já que o palco
mantém uma estrutura aberta, convidando o público à familiarização do processo artesanal
de cada cena, em vista do foco estar em agradar o público. Em Esperando Godot,
exemplificativamente, o palco é efêmero, indefinido, vazio, contendo somente uma árvore
desnuda, durante os dois únicos atos da peça. O Teatro do Absurdo é, segundo Berthold
(BERTHOLD, 2014, p. 523), “a Commediadell’ arte do niilismo, o grandguignol de um
mundo de paradoxos”.
SAMUEL BECKETT
E, dessa forma, iniciou sua imorredoura ligação com Paris. Pôde conhecer o grande
autor de Ulisses, James Joyce, que serviu de grande influência à vida de Beckett. Foi
durante os seus primeiros dias em Paris que o dramaturgo irlandês também se propôs a
marcar seu nome como poeta. Beckett fez história ao ganhar o prêmio literário pelo melhor
poema sobre o tempo, em um concurso idealizado pela escritora britânica Nancy Cunard,
julgado por ela e pelo escritor britânico Richard Aldington. Tal obra é intitulada como a
primeira obra individual do dramaturgo Samuel Beckett.
Obra máxima pertencente ao Teatro do Absurdo, Esperando Godot retrata muito mais
do que uma estranha farsa trágica. A peça transmite uma espera infinita por alguém que
nunca chega, mas, além disso, narra humilhações e devastações que desumanizam o
homem moderno. Esperando Godot saudou um novo movimento teatral.
Peças como Esperando Godot sempre têm algo a mais a dizer. Isso, na verdade,
reflete, exclusivamente, em consequência às modificações em que o teatro precisou sofrer
defronte à sociedade pós-guerra. Tal calamidade trouxe ao mundo, e consequentemente ao
teatro, questões que abarcassem uma atmosfera inserida na desolação, solidão, incerteza do
futuro, e também a incomunicabilidade do homem moderno. A falta de esperança expressa
durante o ato dois da obra, quando Vladimir percebe que Godot poderá não retornar no dia
seguinte (BECKETT, 2015, p. 97), faz com que os personagens criem incertezas ainda
maiores sobre o futuro. Para Vladimir, não há mais nada a fazer, a não ser tornar a esperar,
assim como fez no decorrer dos dias passados. Vladimir e Estragon representam a
sociedade do século XX, resultante de longos períodos de guerras, regimes totalitários,
perseguições e das mudanças drásticas oriundas da corrida tecnológica e imperialista de
algumas nações desde a segunda metade do século XIX, bem como a nova visão acerca do
homem, que agora é visto como um ser múltiplo e confuso.
A DESREALIZAÇÃO NA OBRA
O que caracteriza Esperando Godot como uma obra sublinhada pela desrealização,
são todos os aspectos singulares e traços descontínuos que a organizam. A obra de Samuel
Beckett, assim como supracitado, atuou como um divisor de águas para o teatro do século
XX, isso devido à genialidade de sua história simples. Ocorre a desrealização na peça
então, justamente no tempo circular e não linear que ela carrega, pelo cenário minimalista,
quase desnudo, e pelos temas absurdos, filosóficos, questionáveis pelo público.
Rosenfeld alega que “o homem não vive apenas no tempo, mas que é o tempo,
tempo não cronológico” (ROSENFELD, 1996, p. 82). Por isso, a nossa consciência não
funciona por meio de momentos neutros, por minutos que antecedem o outro; cada
momento, na verdade, contém todos os anteriores. E assim ocorre na arte moderna.
Diferentemente do que ocorre na arte realista, especificamente o teatro, marcado por
acontecimentos em sequência, o teatro moderno é um teatro de situação, justamente pela
liberdade de pôr em cena o que, outrora houve, em um momento presente.
VLADIMIR Me xingue!
ESTRAGON Nojento!
VLADIMIR Melhore!
ESTRAGON O quê?
Esse fato de abstração quebra a tradição realista julgada por Rosenfeld, isso porque
o Realismo intenta retratar com exatidão o que o olho vê, ignorando cenas históricas,
literárias, mitológicas e religiosas. Rosenfeld, em trabalho supracitado, diz que a
desrealização na obra decorre quando a arte deixa de recriar a realidade como é
(ROSENFELD, 1996, p. 76).
A composição teatral de Esperando Godot, ora pelo espaço desnudo, característico
unicamente por uma árvore insípida e por uma pedra inerte, ora pelos elementos
constituintes do enredo e do tempo, bem como pela presença do metateatro e sua
magnitude, levam à desrealização em sua composição. A obra não se compromete com
regras estilísticas, “o mundo da peça é uma abstração” (BECKETT, 2015, p. 121), e sendo,
portanto, uma abstração, recai para a linguagem subjetiva. No palco, a linguagem subjetiva
está camuflada sobre o palco vazio e por seus elementos constituintes.
O palco quase sem elementos, o cenário repetido, sem muitas alterações, carente
em detalhes, demonstra a realidade mísera em que vive o ser humano pós-Segunda Guerra;
perdido, desiludido. Nesse ambiente, a obra abandona o uso do palco à italiana, isso porque
o cenário da peça não é perspectivo; não simula um espaço tridimensional. Os elementos
constituintes do palco provocam um riso desopilante e nada inocente. Beckett propôs cada
detalhe do palco propositalmente.
ESTRAGON Veja só! (Ergue pelo talo o que sobrou da cenoura e faz
girar o resto diante
ESTRAGON De caráter.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS