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MENDES, Cleise. Introdução; A convivência dramática. In.: _____. As estratégias do drama.


Salvador: EDUFBA, 1995, p. 15 – 18; 19 – 41.

A convivência dramática (Roteiro de aula)

Prof. Dr. Michel Silva Guimarães

APRESENTAÇÃO DA AUTORA:
1972: Licenciada em Letras (UFBA). 1974: Bacharel em Letras (UFBA). 1985: Mestrado em
Letras e Linguística (UFBA), Ori.: Judith Grossman. 2001: Doutorado em Letras e
Linguística (UFBA). Ori.: Evelina Hoisel. Atualmente, é professora aposentada da escola de
Artes Cênicas da UFBA e membro da Academia de Letras da Bahia (ALB). É escritora, atriz
e realiza criação e adaptação de textos para o teatro.

OBRA:
2 partes: 1. A convivência dramática. 2. Persona

PREFÁCIO:
“O drama: modos de usar”. Por Renato Cordeiro Gomes (PUC-Rio)
Gênero textual ensaio: sobre a catarse (poética aristotélica), caminha através de
questionamentos e não de certezas.
Dramaturgia não aristotélica: Aristóteles. Brecht. “Teatro do Absurdo”. Catarse.
Sintonia fina entre a literatura e o teatro, jogo sempre recomeçado.

“O conceito de catarse ‘premanecia defasado em relação à arte contemporânea e mesmo à


releitura das obras do passado’” (p. 08/ p. 16).
História do conceito (catarse). História do leitor de dramaturgia. História do espectador de
teatro.
“Drama contemporâneo, entendido como aquele que estabelece a ruptura com a estética
realista-naturalista, questionada a partir do experimentalismo das vanguardas e que põe em
xeque o drama burguês, encaminhando-se, grosso modo, para o anti-aristotélico e o
anticatártico” (p. 08).
Anticatártico: ruptura da relação empática leitor-espectador com a personagem dramatúrgica
contemporânea. O questionamento de modelo aristotélico chega a abalar a essência do gênero
a ponto de produzir um drama anticatártico?
Mimese Catarse. Textualidade (literariedade ou teatralidade) leitor-
espectador (recepção).
Intransitividade do texto dramático que se dirige quer à literatura quer à encenação.
Obras autônomas, realidades artísticas distintas, construções dadas por leitores produtivos
distintos, por outras mediações discursivas.
Fenômeno catártico interação empática. Papel das palavras, ação e caráter para
construção do ser das personagens.
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Texto dramático texto cênico.


Acontecimento da relação estrutura da obra receptor leitura catarse.
Estratégias do trágico e do cômico:
“A representação trágica e cômica aliam-se na tarefa de revelar ao homem sua verdadeira
condição, há um efeito surpreendente da/na fusão desses recursos no drama contemporâneo”
(p. 10).
O hibridismo nos gêneros marca a modernidade desde os românticos quando rompem com a
poética prescritiva, propondo a criação para além do estilo codificado (p. 10).
“A ausência de normatividade estabelecida leva o próprio teatro a inventar a si próprio, a sua
própria linguagem, o próprio sentido de catarse. De posse da consciência histórica de que se é
produto de uma tradição, pode-se romper com ela e buscarem-se novas formas” (p. 10 e 11).
“A hibridização não chega a desconstruir a personagem, não abala substancialmente a
identificação empática” (p. 11)
“Nem o distanciamento crítico de Brecht nem o nosense dos dramaturgos do absurdo
impedem o efeito catártico do drama, pois ‘o leitor-espectador jamais despede suas emoções,
jamais se livra de seus afetos na recepção da obra’” (p. 11)
“O antiaristotelismo não se reduz [...] ao efeito de distanciamento nem tampouco à subversão
de procedimentos canônicos, a operações formais [...] verifica-se o ‘abalo profundo das
convicções humanas, de um emigrar, como diria Nietzsche, do ‘seio maternal do mito’, sem
encontrar, como contraponto seguro, uma resposta da História’” [...] Dá-se o esvaziamento da
‘fábula mundi’ – para usar a metáfora de Leibniz – expressão da totalidade que dá sentido à
vida [...] não há respostas tranquilizadoras, mas perguntas, nada além de perguntas. O que
resta é o jogo infinito de interpretações que é eterna busca” (p. 12).
“Elegendo a catarse como experiência estética comunicativa básica, o ensaio a vê como a
estratégia precípua do drama – a escritura dramática e a escritura cênica – que ‘liberta o leitor-
espectador dos interesses práticos e das implicações de seu cotidiano, a fim de levá-lo, através
do prazer de si no prazer no outro, para a liberdade estética de sua capacidade de julgar’
afirma Hans Robert Jauss” (p. 13).
INTRODUÇÃO
Catarse e Mimese: paradigma de discussão e interpretação ao longo da história das ideias
estéticas.
Caráter estético-representativo da arte, artifício humano de figurar a realidade natural, artifício
humano de figurar a realidade natural (physis) e a social (ethos) e o valor ético-afetivo dessa
representação (Comunicação poética).
Parâmetros críticos/ negados ou deslocados.
Hoje a palavra “imitação” é usada para cobrir as várias formas por que a língua constrói
investiga a realidade, superando a ideia primária de cópia ou simulacro (Platão).
Na Poética, o termo catarse não é definido (diferentemente de verossimilhança, mito,
reconhecimento, elocução). A partir do século XVI, inúmeros estudiosos incumbiram-se de
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sua exegese. Possui origem médica e/ou religiosa: purgação de humores e purgação espiritual.
O termo foi associado a uma forma de mimese e, em especial, a mimese dramática.
“A semelhança entre as personagens e os seres que imitam – dentro de um contexto coerente
de ações, de causalidade lógica – permitiria ao leitor/espectador identificar-se com essa
criação à sua imagem e viver por empatia esses destinos, experimentando uma descarga de
emoções ou alívio da tensão psicológica” (p. 16).
Efeito catártico:
- “peça bem feita” (forma aristotélica do drama)
- realismo/naturalismo (estética que entra em ocaso no início do século XX)
- Antiaristotélico ou anticatártico (Brecht): que tipo de subversão nos objetos e procedimentos
de uma obra dramática permite que a denominemos antiaristotélica? Em que consiste a
anunciada ruptura da relação empática do leitor/espectador com a personagem na
‘dramaturgia contemporânea”? O afastamento do modelo aristotélico chega a abalar a
essência do gênero, a ponto de produzir um drama anticatártico? (p. 17)
A CONVIVÊNCIA DRAMÁTICA
Texto Dramático e Texto Teatral: Delimitações
Expressões texto dramático, texto teatral, texto para teatro, literatura teatral, drama (área da
Semiologia do espetáculo).
1950 – literatufobia, objetivou reteatralizar o teatro. Foi falsamente baseada em Artaud.
Artaud – Papel da palavra na invocação, no cerimonial do espetáculo. A crueldade (rigor), em
Artaud, consistiu em dizer não à palavra-representação, e sim à palavra-grito, à palavra
hieróglifo, não à palavra-imitação da vida, mas a palavra viva, em carne viva (p. 19, 20)
Jean Duvignaud e Jean Lagoutte opuseram dramático (jogo dramático) e literário
(literatura escrita) (p. 20)
Existe uma orfandade do texto em todos os gêneros: narrativo, dramático e lírico (p. 22)
Hegel protestou contra a dissociação entre texto e representação teatral, recomendando que
esses textos não fossem publicados. A Crítica Literária, em geral, possui uma postura
condescendente, um medo reticente de tratar o problema: 1º procede uma breve apologia do
Teatro, depois desculpa-se por tratar o texto “apenas” como literatura (p. 23)
S. W. Dawson, crítico inglês, no primeiro capítulo de O Drama e o Dramático, considera a
leitura de uma peça “uma atividade sofisticada”, e que “tudo parece indicar a prioridade da
representação” (p. 23).
“Dawson consegue [...] fazer uma dupla injustiça: à literatura e ao teatro. Um texto dramático
não é incompleto, pois possui sua própria dimensão cênica, a partir das palavras que fundam
uma realidade poética. Tampouco, qualquer representação teatral do drama “é pouco
verdadeira”, pois ela não é uma transmissão mais ou menos eficaz de uma verdade anterior. É
apenas outra obra, outra realidade artística, construída por outros signos, ou, em termos
aristotélicos, por outros meios de imitação” (p. 24).
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Exemplos: Rei Lear ou Ubu Rei, de Peter Brook. Antígona(s), de Sófocles, de Anouilh, de
Brecht, de Rafael Sánchez (p. 24).
Hamlet Pequeno Organon (Brecht compara, de forma redutora, o drama ao lírico e ao
narrativo, acusando os últimos de “cerebrais”) (p. 25).
Dawson utiliza a cena 5, do Ato V, como exemplo do dramático inseparável, contudo, esse é
um dos momentos mais líricos da peça (p. 25).
Drama (texto) Texto teatral (pode ser empregado para análise do espetáculo, da
escritura cênica) (p. 27).
Drama Literatura

Para Genette, só a narrativa é verdadeiramente Objeto literário


mimese.
Forma artística extremamente persuasiva e Tragédia clássica francesa. Drama realista
evolvente. naturalista (modelo Ibsen/Tchecov)
Ao imitar a ação, por meio da linguagem, faz com A literatura não se recente da adjetivação oriunda
que essa desapareça, transformada em ação, das outras artes, se enriquece com ela: cênico,
chegando com isso a quase substituir a realidade pictórico, musical, cinematográfico
aos olhos do leitor/espectador

Para Aristóteles, a narração (diegesis) é um modo de imitação poética (mimesis). Para Platão,
a maneira de dizer (lexis) divide-se em imitação propriamente dita (mimesis) e simples
narrativa (diegesis). Platão condena a imitação, Aristóteles a exalta (p. 28).
Estratégias próprias do drama: máxima ilusão, máxima elisão do autor, apagamento da
percepção de um mundo fictício, de um simulacro construído pela linguagem.
“Existe, antes de uma situação dramática, uma linguagem dramática. É ela que confere, por
exemplo, dinâmica aos longos monólogos onde as personagens, não tendo o apoio de um
interlocutor, tem que estar apoiada no efeito que suas frases produzem no ouvinte. É uma
linguagem que pressupõe uma assistência, uma reação. A personagem é seu primeiro ouvinte,
reage às suas próprias frases” (p. 29)
A personagem: ser representativo exemplar, arqui-imagem de uma série de indivíduos, mas
ao mesmo tempo único porque dono de uma linguagem única, contaminada pelo modo como
diz (condicionamento cultural, nível econômico, hábitos, idiossincrasias) (p. 29).
A dimensão cênica do texto: a linguagem encarnada
O idílio com o texto só acontece quando as palavras ganham movimento e plasticidade.
A literatura se faz um constante teatro da linguagem.
Imaginação e visualização do leitor: ensejo e fruição.
O desejo pelo real se transforma num amor ao próprio ato de dicção.
Gramática cênica de Artaud: gestos, movimentos e expressões seriam catalogados como o
léxico de uma língua teatral (p. 31)
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Jacobson: 6 funções básicas da comunicação verbal: emotiva, conativa, referencial, poética,


fática, metalinguística. A predominância de uma dada função revela o tom e o objetivo de um
texto, o modo como a linguagem passa a agir e significar.

Linguagem do drama: voz, gesto, imagem humana. Participação emocional do


leitor/espectador. Linguagem encarnada, centrada no emissor consciente do que sua fala
exprime e provoca. A linguagem predominante é a emotiva, seguida de muito perto da
conativa (p. 32).
Ex.: As personagens de Shakespeare são extremamente autônomas, urdem a trama. Por
exemplo, em Otelo, não só o dito, mas o interdito, o silêncio, construído na própria
linguagem, determinam a ação.
IAGO – Meu nobre senhor..../ OTELO – Que estás dizendo, lago?/ IAGO – Será que Miguel
Cássio conhecia vosso amor na época em que estivestes de namoro com minha senhora? –
OTELO Sabia, do princípio ao fim. Por que perguntas isto?/ IAGO Só para pura satisfação de
meu pensamento; nada de mais há nisto./ OTELO – E qual é teu pensamento, Iago?/ IAGO -
Eu não sabia que ele já a conhecesse./ OTELO – Conhecia e, habitualmente, servia de
intermediário entre nós./ IAGO – É verdade?/ OTELO – É verdade! Sim, é verdade... Notas
alguma coisa nisto? Não é ele honesto?/ IAGO – Honesto, meu senhor?/ OTELO – Honesto!
Sim, honesto./ IAGO – Meu senhor, quanto aquilo que sei!/ OTELO – Que estas pensando?/
IAGO – Estou pensando, meu senhor!/ OTELO – Estou pensando, meu senhor! Pelo céu, é o
meu eco! Como se encerrasse em seu pensamento algum monstro por demais horrível para ser
visto!... Queres dizer alguma coisa... Agora há pouco, ouvi dizeres que não gostava disso; foi
quando Cássio deixou minha mulher. De que é que não estavas gostando? Depois, quando te
disse que estava a par de meus segredos durante todo o curso de meus amores, exclamaste: "E
verdade?” E tuas sobrancelhas se contraem, fazendo enrugar tua fronte em forma de bolsa,
como se tivesses querido encerrar em teu cérebro alguma concepção horrível! Se gostas de
mim, mostra-me teu pensamento (SHAKESPEARE, p. 744, Tragédias: Otelo, o Mouro de
Veneza. Ato III, Cena 3).

Staiger: função patética do drama, por mover o pathos do ouvinte, síntese de emoção, síntese
de expressão e influência (função patética).
Fernando Segolin: Personagem-função, Personagem-estado, Personagem-texto e Anti-
personagem.

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