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A Montagem Baiana
Monstro sagrado do teatro francês contemporâneo, Bernard-Marie Koltés escreveu tal como
viveu: de maneira fulgurante. Suas obras, sombrias e terrivelmente luminosas, estão povoadas
de personagens poderosos com uma linguagem de uma beleza selvagem. Escritas com uma
preocupação por reencontrar-se, suas peças não se montam como as de um autor clássico.
Koltés é ardente. Sua linguagem obriga o corpo do ator a funcionar de uma maneira diferente.
Os atores devem ir mais do que sabem fazer; devem sentir, mais que pensar, aquilo que dizem.
Eu assisti três montagens de textos de Koltés. Sallinger, inspirada no mundo do célebre escritor
norte-americano, com direção de Carme Portaceli no Mercat de lês Flors de Barcelona, e Quai
Ouest, em Salamanca, com Sergi Belbel no comando e uma brilhante Julieta Serrano fazendo a
sem-teto sul-americana Cécile. Comovi-me acima de tudo com os textos poéticos, inquietantes,
radicais e intuitivos. São montagens do ano passado. Este ano estive na estréia de Na Solidão
dos Campos de Algodão, no Teatro Moliére da Aliança Francesa de Salvador.
O texto que fala sobre a solidão e a impossibilidade de comunicação, desvela um extraordinário
diálogo entre dois homens, cujos caminhos se cruzam por acaso num beco esquecido de uma
grande cidade qualquer. Chamam-se Negociante (Narcival Rubens) e Cliente (Gideon Rosa).
Sem saber o que o primeiro vende nem o que o segundo pretende comprar, seus impasses
geram um sentimento de solidão e a descoberta da dificuldade nos relacionamentos. O objetivo
da negociação permanecerá desconhecido até o fim. Podemos pensar em drogas ou sexo, mas
o que conta realmente é a insatisfação permanente que condena o ser humano aquilo que ele
mais teme e que é seu destino: a solidão. O público assiste à montagem em meio aos atores e
cenários, sentado no palco. É incômodo e a beleza do texto se perde muitas vezes no
desconforto e no ruído de alumínio amassado.
Não é a primeira vez que Koltés é montado em Salvador, a diretora alemã radicada na Bahia,
Nehle Franke, já o fizera em 98 com Roberto Zucco. Foi bem recebida pela crítica. A montagem
de Adelice Souza tem o fascínio de revelar um texto que joga com o mistério e conta com dois
grandes atores, mas mesmo o extraordinário Gideon Rosa já teve interpretações mais
vigorosas. Narcival Rubens tem momentos arrepiantes. É uma peça de intenções e dubiedade,
de troca de olhar e agressividade. Ninguém se revela, ninguém se descobre. No entanto, o
espetáculo não conseguiu depurar a consistência poética das palavras e a frustração é evidente.
Como já disse, a cenografia pouco eficaz de Danillo Barata tampouco ajuda e a iluminação
frouxa de Fábio Espírito Santo não é um elemento significante. Talvez uma encenação cálida,
transparente e distanciada, aflorasse melhor os sentidos. De qualquer forma, a eleição da obra
já é razão suficiente para ver a montagem audaciosa.
Os problemas da vida e da obra são ligado: A vida vive os problemas e a obra diz esse
problemas com todos as contradições que são as nossas e que alimentam no teatro o
espírito trágico.
Contradição – Ele admira seu pai, mas se angustia em saber que seu pai lutou em
expedições coloniais que lhe causam horror. A Mãe tem uma autoridade despótica.
“Minha mãe tomou o poder” ele diz. È um despotismo que alimenta a paixão da
liberdade. E também o homossexualismo que é freqüente pra todos s que a imagem da
mãe é muito forte. A mãe é uma recusa ao mesmo tempo em que ele tem uma paixão
profunda por ela até o último dia.
Contradição – Ele faz seus estudos não em uma escola pública, mas numa escola
confessional jesuíta.
Os Jesuítas são conhecidos pela qualidade do ensino literário, mas o jovem homem se
pretende livre de qualquer influência religiosa. Então como fazer? Ele se dedica a leitura
dos escritores do século XVIII e nega os jesuítas, busca viver todas as coisas e o seu
contrário. O primeiro horizonte onde se encontra uma infância, mas um meio familiar
de certos valores com estreiteza de pensamentos e de sentimentos que só podem fazer
horror ao jovem rapaz.
Da província ele vai falar muito mal. Porém essa província nutre um grande texto em “
A volta ao Deserto” – Então le diz de uma província francesa surda e cega, mas voz e
ouvidos de um país, memórias, lembrança obstinada, obtusa, desagradável ao seu povo
e sua história. Vou citar a província vítima do passado, imenso monumento aos mortos
sobre o qual as guerras se gravam se inscreve uma em cima da outra. Ele está falando da
Província Metz, uma província vizinha de um antigo inimigo que é a Alemanha.
O Koltes não esquece nunca essa solidão da infância natal que a parece incessantemente
em sua obra, e reaparece discretamente em Roberto Zucco, mesmo quando privilegia
rua das grandes cidades.
Sua Cultura tão vasta. É também, antes de mais nada nacional, são os poetas são
Rimbaud, Filósofos como Descartes, Pascal e tem um grande papel decisivo “ Os
Miseráveis” De Victor Hugo que diz tão bem sobre a burguesia da Província assim
como sobre o povo de Paris. E sobre tudo mostra através da escrita a palavra/fala – a
fala de “garrochet”, por exemplo, como a língua popular , sem ser vulgar, pode ser
poética. Mas a cultura vai além da nação e além do simples domínio da língua materna.
Ela se abe sobre um outro mundo e sobre outras perspectivas temporais, sobre outros
momentos da história. Shakespeare é o acesso a outra cultura ao mundo da língua
inglesa, mas sobretudo um outro universo. Ele lê tudo, também os Russos Tolstoi,
Gorki, Dostoievski. Isso não é tudo, tem outro horizonte importante, as viagens. As
viagens o fazem compreender basicamente o que ele é, um indivíduo provincial francês,
ante que ele comece a se voltar para outros lugares, para tentar compreender esses
outros lugares.
Em 1968, em Nova York, ele tem 20 anos, “ Eu não tive tempo de sonhar com Paris e, a
vida me saltou na cara, pois Nova York era outro mundo”. NY centro das experiências
sexuais, perigosas, mortais, é em NY que finalmente ele lê Shakespeare em Inglês.
NY é a inda o ocidente a partir de lá ele vai precisar de outros horizontes. Então ele
busca a Guatemala com sua cultura Maia e também a Nicarágua que se mostra uma
visita difícil em função da ditadura. Ele precisa do mundo inteiro... Ele acumula e soma
as sensações. “Eu sou como um banqueiro que abre os olhos e todos os sentidos pra
acumular tudo que eu posso. Quanto mais eu acumulo mais tenho vontade de
acumular”.
O Teatro insurge como uma revelação, em 1969 ele assistir uma encenação da Medeia
de Sêneca, interpretada por um das maiores atrizes da época Maria Casares – Um
tragédia brutal que fala do drama da paixão e da maternidade, ele acabou de ler
Shakespeare e a coincidência dessas duas experiência que o encaminha para escrita. Os
amigos querem que ele escreva um texto “Eles queriam que eu escrevesse uma
adaptação de Gorki, ele eram incapazes de escrever essa adaptação, eu tinha acabado de
ver Casares, então eu me disse, eu vou saber, sou capaz, pensando em Casares eu vou
conseguir!”
Há então uma convergência entre a revelação concreta da cena e as possibilidades do
gênio. De repente ele sabe. Ele escreve pra mãe “Eis me aqui na véspera de me colocar
a serviço do teatro, eu assumo o risco com prazer. Se eu fracassar serei um pobre
coitado, mas eu tenho a esperança de ter uma vida completamente transbordante”
A Primeira escrita é uma adaptação o Romance de Gorki que vai se chamar
“Amarguras” – Um título eloqüente – Ele não conhece nada sobre teatro contemporâneo
mas o que lhe espanta é a fragmentação de cenas e a presença de monólogos. Logo vem
outra adaptação de outro Russo, “Crime e Castigo” de Dostoievski que ela vai dar o
Título de “Processo bêbado”. O Animador Geui demonstra a Koltes sua admiração e
consegue para ele