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O grupo de surrealistas pensou que seria possível pintar na tela as visões fantásticas dos
sonhos. Será que um relógio pode derreter e transformar-se numa forma estranha,
pingando?
Quanto ao estilo, cada autor tinha uma maneira bastante pessoal de explorar os recursos
da escrita automática, da metáfora dinâmica, entre outros. Vale lembrar que muitos desses
recursos já haviam sido utilizados pela primeira geração Modernista. Fato é que, apesar da
curta duração, os surrealistas portugueses influenciaram a poesia da segunda metade do
século XX.
Mário Cesariny parece ter sido um dos mais autênticos surrealistas, com sua escrita ácida e
sua alegria de escrever. Sabia também empregar os recursos métricos e retóricos clássicos
de maneira virtuosa.
Santos
Mártires
e Heróis
O experimentalismo poético
Nos anos 50, o lançamento de pequenas revistas se generalizou e serviu de base para a
organização dos poetas em grupos. O da Távola Redonda (50-54), que abrigava David
Mourão-Ferreira e Manuel Couto Viana, com preocupações ligadas ao existencialismo
francês. Os Cadernos de Poesia (51-53), que reuniram Ruy Cinatti, Jorge de Sena e José
Augusto França, poetas caracterizados por um ecletismo deliberado. Vale lembrar que o
surrealismo deixou marcas visíveis na poesia de Jorge de Sena, que foi um dos mais
atentos críticos do movimento. Contudo, não se pode classificar sua poesia como tal, pois
ele dialogou com todas as formas tradicionais da poesia portuguesa como rondós,
vilancetes e sonetos, enquanto assimilava ao mesmo tempo as formas mais modernas de
expressão. Foi também crítico, ensaísta, ficcionista e escreveu para o teatro.
Foi em torno da revista Árvore (51-53) que alguns poetas se aproximaram do grupo neo-
realista. Eduardo Lourenço, Vergílio Ferreira, Antônio Ramos Rosa, Egito Gonçalves
oscilavam entre a vontade de participar da realidade social e a busca incessante de novos
recursos formais.
Podemos destacar ainda o grupo ligado á revista Poesia 61, que compreendeu autores
como Fiama Hasse Pais Brandão, Gastão Cruz e Maria Teresa Horta. Além disso, é
importante ressaltar a contribuição dos poetas pertencentes à antologia Poesia
experimental que sofreram particular influência do concretismo brasileiro. São eles: Ana
Haterly, Ernesto Manuel de Melo e Castro e Herberto Helder, considerado hoje um dos
maiores poetas contemporâneos.
Aprofundando conhecimentos
Vamos nos ater a duas grandes prosadoras: Agustina Bessa Luís e Maria Velho da Costa.
Agustina Bessa Luís construiu uma numerosa obra em prosa contando com mais de 50
publicações entre romance, conto, crítica e outros. Com um senso de observação muito
perspicaz, ela aborda detalhadamente a decadência econômica e social da burguesia rural
da região de Entre Douro e Minho. Aparentemente, isso poderia aproximá-la da corrente
neo-realista, mas sua escrita é tão pessoal que não se pode enquadrá-la em uma
classificação.
Tido como seu romance paradigmático, A Sibila, mescla os tempos do passado e do futuro
através da memória das personagens. Uma referência para o livro é, aliás: romance de
personagens. Estes, pertencem a um espaço agrícola regional e ajudam a construir a
história através de suas reflexões e experiências. O enredo retrata a saga da família
Teixeira e de sua casa, a casa da Vessada, norte de Portugal, que, apesar de decadente,
vai sendo reerguida graças à força das mulheres, das “sibilas” Quina e Germa (Germana),
sua sobrinha. É a partir das recordações desta última, que se inicia a narração das
vivências das antigas gerações, com o enfoque em Quina, a responsável pela casa, nos
últimos anos. Outras mulheres são ainda relevantes para a compreensão da história da
família, como Maria da Encarnação e Estina, avó e tia de Germana, respectivamente.
Simbolicamente, a sibila é a mulher que possui um discurso sábio e profundo, alguém que
tem uma capacidade de prever o futuro e consegue favores divinos mediante preces. No
caso do romance, trata-se de um discurso feminino que possui o poder de desconstruir a
organização da sociedade nos moldes tradicionais. A Sibila serve para discutir a opressão
que havia nas relações entre homens e mulheres desde o final do século XIX até o início do
século XX, contribuindo assim para uma reavaliação dos papéis desempenhados pelas
mulheres na sociedade patriarcal. Através da narração dos acontecimentos ligados á casa
da Vessada, percebe-se que são as mulheres as responsáveis pela recuperação e
manutenção do patrimônio material e cultural da família.
Como a história é contada a partir da memória das personagens, o uso dos tempos
pretéritos auxilia na dominação da temporalidade. é muito forte o elo entre as personagens
femininas e a casa, o campo e a natureza, o que contribui tanto para a formação de uma
identidade feminina quanto para a revisão de uma identidade portuguesa calcada na
sociedade patriarcal. A identidade feminina ali formada realiza um movimento em direção
ao interior do país, o inverso do cânone masculino de busca da identidade no mar e nas
viagens, isto é, além das fronteiras.
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
Para prosseguir com o estudo da obra de Saramago, você pode ler agora um breve resumo
desta obra intrigante que é Memorial do Convento:
http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_1332.html
Vamos levantar alguns pontos sobre Memorial do Convento constantes também em outras
obras do autor para que você conheça um pouco mais sobre o seu trabalho. Como
dissemos há pouco, Saramago trabalha em Memorial e em outras obras com o que alguns
autores chamam de metaficção historiográfica, termo utilizado pela teórica Linda
Hutcheon.
Ligando-se, por um lado, à tradição do romance histórico português, através da reconstrução realista de
ambientes e acontecimentos históricos, descritos ou evocados com grande poder imagético e riqueza de
detalhes, o texto de Saramago subverte e ultrapassa os limites do gênero pelas características inovadoras que
o constituem. A estrutura da narrativa - estatuto do narrador, focalização, construção e função das
personagens, papel do leitor - é sublinhada pelas reflexões sobre o processo criativo/ narrativo, conduzindo de
um lado à metatextualidade e de outro à uma reinterpretação da História. (Flory, 1997, p.109)
São ainda características da obra de Saramago a ironia e o sarcasmo com que ele
reinterpreta a história, realizando, deste modo, a crítica às instituições sociais vigentes.
Sua crítica atinge em um primeiro nível a realeza corrupta e hipócrita de D. João V, em
Portugal, no século XVIII e a Igreja com sua Santa Inquisição, ou seja, o autor analisa
como o poder pode ser mal utilizado na manutenção do interesse de poucos privilegiados e
do status quo, conduzindo ao sofrimento de milhares de pessoas, estas sempre as
desfavorecidas. Podemos ainda e imediatamente fazer uma relação do clima opressivo
vivido no período em questão com a situação vivida por Portugal na época de Salazar,
assim, temos uma metáfora que retoma o passado para falar veladamente do presente.
Também não se pode negar o riquíssimo trabalho com a linguagem que faz o renomado
escritor em sua prosa de ficção. Alem da desconstrução da sintaxe tradicional, o autor
lança mão da intertextualidade, isto é, de vários tipos de textos e discursos em seu próprio
texto: o ditado popular, a bíblia, a história oficial, a próprio literatura, etc.
São por essas e outras tantas razões que Saramago ocupa um privilegiado lugar no campo
das Letras.
Aprofundando conhecimentos
Para compreender um pouco mais sobre o estilo do autor e sobre a obra aqui analisada,
visite a página a seguir e leia esta interessante análise:
http://lithis.net/p.php?id=74
Vamos agora ler um trecho do romance para fazer uma pequena atividade. Observe que em alguns momentos nesta
web-aula a ortografia portuguesa foi mantida.
"Grita o povinho furiosos impropérios aos condenados, guincham as mulheres debruçadas dos peitoris,
alanzoam os frades, a procissão é uma serpente enorme que não cabe direita no Rossio e por isso se vai
curvando e recurvando como se determinasse chegar a toda a parte ou oferecer o espectáculo edificante a
toda a cidade, aquele que ali vai é Simeão de Oliveira e Sousa, sem mester nem benefício, mas que do Santo
Ofício declarava ser qualificador, e sendo secular dizia missa, confessava e pregava, e ao mesmo, tempo que
isto fazia proclamava ser herege e judeu, raro se viu confusão assim, (...) por toda a vida, e esta sou eu,
Sebastiana Maria de Jesus, um quarto de cristã-nova, que tenho visões e revelações, mas disseram-me no
tribunal que era fingimento, que ouço vozes do céu, mas explicaram-me que era demoníaco, que sei que posso
ser santa como os santos o são, ou ainda melhor, pois não alcanço diferença entre mim e eles, mas
repreenderam-me de que isso é presunção insuportável e orgulho monstruoso, desafio a Deus, aqui vou
blasfema, herética, temerária, amordaçada para que não me ouçam as temeridades, as heresias e as
blasfémias, condenada a ser açoitada em público e a oito anos de degredo no reino de Angola (...)”
Após essas leituras, você consegue identificar o personagem e fazer uma breve análise do
conteúdo de seu discurso e da maneira como o autor realiza sua crítica através da ironia?
Que tal enviar sua análise para que possamos discutir no fórum?
Bibliografia
FLORY, Suely Fadul Villibor. O leitor e o labirinto. São Paulo: Ed. Arte&Ciência, 1997.
ROANI, Gerson Luiz. “Sob o vermelho dos cravos de abril: literatura e revolução no
Portugal contemporâneo”. Revista Letras, Curitiba, n. 64, p. 15-32. set./dez. 2004. Editora
UFPR. Disponível em:
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/view/2966/2394. Acesso em 30 jan.
2009.