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GLOBALIZAÇÃO E CULTURA
Caminhos e descaminhos para o nacional-popular na era da
globalização
Rio de Janeiro
2006
Resumo
Aos meus pais, Elza e Antônio, que, por ocasião deste doutorado, praticamente
me adotaram novamente, garantindo-me tudo, absolutamente tudo, desde o pão,
que eu não tive tempo de comprar, até o carinho, que eu não tive tempo de pedir,
para que eu pudesse concluir esta tarefa. Amo vocês...
Ao meu orientador, Carlos Nelson Coutinho, com quem sempre aprendo tanto...
lições de Gramsci, lições de política, lições de afeto, lições de paciência
histórica...Companheiro de grandes expectativas e projetos de mudança...
Obrigada, muito obrigada.
Aos professores que compõem esta banca examinadora, meu eterno obrigada,
pela disponibilidade e pela atenção dedicadas ao meu trabalho. Ao professor José
Paulo Netto, constante interlocutor e provocador de minha consciência crítica; à
professora Myriam Lins de Barros, pelo debate tão responsável e, ao mesmo
tempo, tão carinhoso; à professora Virgínia Fontes, “companheira militante” de
uma verdadeira “vontade coletiva nacional-popular”; à professora Lúcia Neves,
encontro tardio, mas tão cheio de boas referências e expectativas.
Ao Robson, meu companheiro, em todos os sentidos que esta palavra possa ter...
À Helena, minha filha, que mesmo sendo tão pequenina, entendeu e “perdoou”
este doutorado. “Filhota, mamãe acabou o dever de casa.”
Aos meus sobrinhos e sobrinhas que, cada um a seu modo, não se cansaram de
me mostrar que minha vida era maior que este doutorado... Gostaria muito que
este meu “passo adiante” despertasse, em cada um deles, o gosto pelo estudo e a
curiosidade intelectual...
A minhas amigas do “Lar de Maria”, professoras Sandra, Nair, Ana Amoroso, Ana
Lívia, Alexandra e Cláudia Mônica, porque entre o mar carioca e as montanhas
mineiras, um pouco de nossas vidas ficou por estas estradas. Nós, que nos
julgávamos tão perdidas em meio às nossas idéias e aos nossos ideais, nos
fizemos presentes, PRESENÇA.
Aos AMIGOS, Cláudia Mônica e Rubinho, pelas eternas lições de um carinho que
só em vocês tenho encontrado...
Enfim, mas não por uma importância menor, à CAPES, pela bolsa de estudos que
viabilizou materialmente a realização deste trabalho.
“Amada não me censure, se sou de pouco falar
Nem se esse pouco que falo não faz você suspirar
É tempo de vida feia, de se morrer ou matar
De sonho cortado ao meio, de voz sem poder gritar
De pão que pra nós não chega, de noite sem se acabar
Por isso não me censure, se sou de pouco falar
Criança é bonito? É.
Mulher é bonito? É.
A lua é bonito? É.
A rosa é bonito? É.
Mas criança chega a homem se a bomba quiser
A mulher só tem seu homem se a bomba quiser
Homem sonha e faz seu sonho se a bomba quiser
Não é tempo de ver lua nem tirar rosa do pé.
Criança é bonito? É.
Mulher é bonito? É.
A lua é bonito? É.
A rosa é bonito? É.
Pois criança vai ser homem porque a gente quer
A mulher vai ter seu homem porque a gente quer
Homem vai fazer seu sonho porque a gente quer
Vai ser tempo de ver lua e de tirar rosa do pé”
(Mário Lago)
Lista de Siglas e Abreviaturas
1 Cultura e Sociedade: aproximações teórico-conceituais
cultura
noção de cultura, tais como sua autonomia, seu caráter estático, as trocas e os
que ela é indispensável para esta análise, potencializando-nos para uma reflexão
contemporâneas.
da certeza de que não é possível medir qual destas tendências seja mais ou
reconhecimento teórico.
marxista.
tradição marxista não pode ser um exercício fragmentário, mas deve estar
produção”, ou seja, de uma perspectiva de totalidade que constitui uma das bases
histórico.
dúvida, que estudos mais aprofundados acerca da teoria cultural puderam vir à
Poderíamos até mesmo afirmar que ele permanece, mesmo nos dias atuais,
afirmar que o momento de renovação desta tradição trouxe à tona, com maior
seu lugar nesta discussão. Então, outros elementos, tais como a cultura, ganham
e de Goldmann, bem como a obras marxianas e marxistas mais antigas, tais como
mundo que havia um terreno novo no marxismo a ser explorado e que o próprio
1
Dentre os países que vivenciaram estas experiências podemos destacar a Polônia, o Vietnã e a
China.
marxistas fixas e imutáveis e da correspondente negação de todos os outros tipos
de categorias acerca do ser social que davam, com mais precisão, a dimensão da
Podemos, assim, afirmar que, no que diz respeito à discussão por nós
combina com e contribui para outros tipos de pensamento correlato. Desta forma,
do termo2.
o período do que ele denominou de “virada cultural”, quando este elemento passa
constroem neste momento, passando a se constituir como uma parte cada vez
2
É importante observarmos que WILLIAMS chama atenção para o risco de ecletismo nesta
aproximação e, para isso, a fidelidade às categorias centrais do pensamento marxiano nos
parecem essenciais.
3
A denominada “era dos três mundos” diz respeito ao que ficou historicamente conhecido como
Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos, numa perspectiva claramente hegemônica do mundo
capitalista.
materialismo histórico. É necessário, assim, retomarmos as bases desta proposta
materialismo histórico, ou seja, como a obra que demarca, pela primeira vez com
maior clareza, a superação que tais autores fizeram com relação à filosofia
obra é a própria concepção de ideologia e esta nos parece essencial para todo o
legado hegeliano, sobretudo quando este sustenta que “a Idéia é o sujeito, cujo
predicado são suas objetivações”. Para eles, a filosofia clássica alemã cai em um
interesses reais, nem interesses políticos, mas apenas idéias “puras”. Nesta
Este será, num primeiro momento, o sentido negativo que Marx e Engels
ilusões através das quais os homens pensam conhecer sua realidade, mas que,
relação com a natureza, depois em sua relação com os outros homens. É só com
capaz de refletir sobre sua vida material. Assim, é a vida que determina a
suas necessidades materiais. O intercâmbio dos homens entre si, e tudo que está
produzem indiretamente toda a sua própria vida material. O que os indivíduos são,
produção.
consciência, passa a ser compreendida como parte do processo de vida real dos
esferas constitutivas do ser social. A cultura surge como esfera determinada pelo
realiza em seus limites o projeto que antes apenas existia idealmente em sua
mente.
apropriar do que foi produzido, jamais se poderá prescindir deste processo para o
existência.
identificam este último como aquele em que ocorre a divisão entre trabalho
diferentes níveis ou formas de consciência social, uma vez que são produtos dos
palavras de MARX & ENGELS (1998, p. 19), “a consciência nunca pode ser mais
que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real”. Nesta
Cada modo de produção produz a sua cultura, que se coloca como reflexo destas
posições intersubjetivas que irão, por sua vez, intervir novamente nos diferentes
O trabalho, inserido em uma divisão cada vez mais intensa, passa, assim, a
isolamento. Assim, esta práxis social interativa só ganha esta autonomia aparente
homem”, em seu sentido mais amplo, tem como fundamento o trabalho. Através
deste processo, o ser humano se descobre como parte da natureza, mas também
como separado dela, uma vez que pode se apoderar de seus elementos para
intersubjetividade irá se constituir com mais força e dar origem a formas mais
enfim, inteiramente diferente de formas de ser anteriores. É este ser social, que
agora possui o controle consciente sobre si mesmo e sobre a natureza, que irá
cultura”, é necessário atentarmos para o fato de que, quanto mais complexas são
as sociedades, maior é a aparência de autonomia destas ações interativas, deste
de sociabilidade do homem.
caminhos apenas para garantir sua existência física. O homem produz também
social interativa.
É neste sentido, e não de forma negativa, que podemos falar desta práxis
elas correspondem.
trabalho. Como nos propõe Marx, não existe “produção em geral”, toda produção
advindas também deste universo coletivo, onde o elemento cultural nos chama
particular atenção.
que compõem uma totalidade e que dão sentido à sua existência e da coletividade
da qual ele faz parte. Tais esferas, aos poucos, vão se concretizando como
vezes, existe a infeliz confusão entre trabalho e emprego) uma esfera secundária
na vida social, o que teria dado a outras instâncias da esfera cultural, tais como o
relevância muito maiores na determinação do ser social. Com isso, a cultura seria
identidade de classe.
também estaria passando por este processo ao ser colocada como uma esfera
trabalho e cultura. Nas palavras de BIHR (1999, p. 134), “a luta anticapitalista deve
processo de constituição do ser social. WILLIANS (1979) nos chama atenção para
teórico-metodológicas.
passou a ser usado, no interior das Ciências Sociais, para tratar do crescimento e
figurado que irá se impor no século XVIII e que fará parte do vocabulário do
e está além de qualquer distinção entre os povos. Por isso, é um termo usado, até
de contradição.
civilização é, assim, um processo que pode e deve ser estendido a todos os povos
da evolução humana.
irradiar uma certa “cultura alemã”, baseada nos valores da ciência, da arte, da
filosofia e da religião. Para uma nação que ainda não conseguira sua unificação
cultura.
O debate contemporâneo herdará da noção alemã de cultura os elementos
1999, p. 75). Por esta razão, Johann Gottfried Herder irá utilizar, pela primeira vez,
nome do gênero nacional de cada povo, que aponta para uma diversidade de
família, a vida pessoal e comunitária, etc. Cultura passa a ser vista, então, como
uma classificação geral de instituições e práticas que, embora sociais, constituíam
Duas palavras vão lhes permitir definir esta oposição dos dois
sistemas de valores: tudo que é autêntico e que contribui para o
enriquecimento intelectual e espiritual será considerado como
vindo da cultura; ao contrário, o que é somente aparência
brilhante, leviandade, refinamento superficial, pertence à
civilização. A cultura se opõe então à civilização como a
profundidade se opõe à superficialidade. (1999, p. 25)
não são mais importantes que o seu principal ponto de convergência, qual seja, a
vida global” é uma norma de vinculação que permite que pessoas e grupos se
(re)construção.
orgânico que irá caracteriza-lo como ser social. Desta forma, existe também uma
cultural como algo multidimensional. Assim, ela pode ser instrumentalizada nas
sociais que dão vida a estes projetos. Este uso do termo cultura, longe de uma
relações. Estes três sentidos do termo cultura, como pudemos perceber, são
através dela.
Tal concepção tem por base a seguinte afirmação de Marx, que pondera
que
A soma total dessas relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, a base real, sobre a qual se levanta uma
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas
definidas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona os processos social, político e intelectual da
vida em geral. (...) com a modificação da base econômica, toda a
imensa superestrutura se transforma mais ou menos rapidamente.
(MARX, 1999, p. 52).
culturais). Assim, este autor nos chama a atenção para o fato de que entender os
formas culturais como elementos organizados de forma seqüencial, pois isso seria
expressar de forma separada, mas como uma totalidade que se caracteriza como
condições materiais de existência se torna cada vez mais obscurecida por elos
para as mudanças ocorridas na natureza e nas formas de intervir sobre ela. Nas
vida em sociedade.
cultura, a sua crítica antropológica. Segundo ele, Marx apreende apenas o caráter
de vida, o qual, por sua vez, irá constituir o quadro geral em que esta produção
das relações sociais de uma sociedade (FEATHERSTONE, 1997), ela deve ser
nesta reflexão se justifica pelo fato de que ela nos parece extremamente relevante
para o debate que se coloca, nos dias de hoje, em torno da dinâmica do processo
de globalização em curso.
estático, objetivista, que, por sua vez, se relacionaria com uma concepção da
material. Neste sentido, na esfera cultural, não haveria espaço para a criatividade
e para relações mais dinâmicas, mas apenas para a reprodução ideal desta
realidade externa e estática. Na verdade, esta teoria acaba por eliminar o caráter
material e social da própria atividade artística e cultural. Tal modelo tende a reificar
partir dos anos 80 do século XX, esta concepção da cultura como mero reflexo foi
seria, então, uma mediação das diferentes relações sociais nas quais os homens
movimento, seus altos e baixos, bem como, conforme analisaremos mais tarde,
sua correlação de forças e seu contexto de luta de classes. Assim, como propõe
direção ao universo cultural. Embora uma das questões mais relevantes para a
incorporam e vivem sua cultura, ou seja, como se adquire uma certa cultura, esta
tornam específica em relação a outras culturas. É, assim, uma esfera que gera
identidade entre seus membros e que define, portanto, não só categorias para a
É neste sentido que se fala da cultura dos imigrantes, dos setores populares, de
quadro social mais amplo no qual a cultura é gestada. Abordar esta dinamicidade
que envolvem uma sociedade, das lutas sociais empreendidas em seu interior, da
realizadas a partir destas relações que são desiguais, uma vez que estabelecem,
uma cultura, a qual, por sua vez, dá nova dinamicidade a estas mesmas relações
ao mesmo tempo, pode ser realizado numa perspectiva mais ampla de crítica e de
interior desta tradição. Em sua obra, esta esfera “encontra seu lugar privilegiado”
amplos.
desta concepção, a qual passa a ser relacionada com todo o processo histórico,
pode ser considerada como o fio condutor desta renovação da noção de cultura.
Italiano (PSI), no período de 1913 a 1921, passando por toda a experiência dos
gramsciana.
1913, Gramsci demonstrava interesse por temas que, mais tarde, lhe foram
interesses, teria ficado, para Gramsci, uma compreensão, ainda restrita, de que a
inteiras.
sua própria formação cultural era evidente. Lia muito, periódicos, livros, informes
interior do PSI, quando a seção juvenil, à qual Gramsci pertencia, havia iniciado
Um debate tomou lugar em seu Congresso então entre “culturalistas” tais como Angelo
Tasca (bastante próximo de Gramsci até 1919) que queriam dar total prioridade à atividade
cultural e à propaganda teórica em seu jornal, e “anti-culturalistas” (incluindo o jovem
Bordiga) que chamava estas propostas de burguesas e lembrava seus opositores que a crise
histórica tem causas econômicas. (1999, p. 45, tradução nossa)
difundir uma determinada cultura. Assim, projeta fundar uma revista socialista e, a
ligado ao PSI, onde publica artigos de crítica teatral, literária e de debates sobre
Este momento da vida de Gramsci pode ser analisado como o início de uma
cultura ficam mais evidentes. Neste momento, e até 1917, existia para Gramsci
societário mais amplo. Neste sentido, já existia, segundo Gramsci, uma luta
cultura.
Em “Socialismo e Cultura”, de 29 de janeiro de 1916, Gramsci elabora um
paralelo e uma oposição entre duas concepções de cultura. Uma delas, que
enciclopédico”, como uma capacidade de acumular dados que faz com que certas
que seria a base de uma consciência crítica unitária, uma “nova cultura”. Em suas
próprias palavras,
importante elemento, que será mantido em toda sua compreensão acerca deste
aquela estreita ligação, que ao longo de sua obra, ele diversas vezes reafirmou,
outros.
culturais de trabalhadores.
jornalista e sua militância no PSI. Ao mesmo tempo, uma maior aproximação com
sócio-históricas.
aponta, com uma clareza cada vez maior, para o caráter de classe da cultura, ou
aos reformistas e aos maximalistas, este autor, juntamente com outros membros
processo revolucionário. Para Gramsci, o PSI em Turim era formado por uma
para uma direção política concreta. Além disso, esta militância estaria submetida a
uma liderança formada por intelectuais que, na relação com a base, monopolizava
impulsionaria o proletariado a optar pela luta rumo ao socialismo seriam suas reais
de “apressar o futuro”.
Assim, para que uma revolução, nestes termos, se efetive, para que desemboque
que novos costumes sejam criados, instaurando assim uma nova consciência
onde, acredita ele, a primeira seria aquela em que a inércia mental dá lugar a uma
ordem.
de Gramsci sobre a cultura. Já existe aqui uma relação clara entre uma
4
Gramsci se refere aqui ao primeiro momento da Revolução Russa, em fevereiro de 1917.
Nestas reflexões, Gramsci já questiona a atuação das lideranças do PSI,
partido. Para ele, a vida política e econômica na Itália estaria conduzindo o PSI
Desta forma, podemos afirmar que, após 1917, Gramsci intensifica seu
Esta discussão já aponta para as questões que Gramsci irá aprofundar nos
intelectual que “educa e organiza”, impulsionando a base para uma ação política
devem ter como base a razão, devem ser resultado de um amplo, e tolerante,
intransigentes.
torna cada vez mais marcante, bem como a idéia de uma “cultura proletária”, que,
forma. Por isso, uma associação de cultura teria esta finalidade, de ampliar, ao
dos primeiros escritos de Gramsci. Se, em 1916, existia uma vaga e questionável
próximo com o marxismo e com o trabalho político-prático traz para Gramsci uma
socialismo, que deve ser organizada, como qualquer outro elemento, a partir da
todos, onde uma alternativa societária é gestada e assumida como projeto de uma
trabalho.
Em alguns textos do início de 1918 (“A crítica crítica”, “A Liga das Nações” e
teríamos aqui o embrião de algo que posteriormente será central na obra mais
universal, como era a proposta do Esperanto, no início do século XX, nem mesmo
uma língua nacional que seja fixa no tempo e no espaço. Novas correntes e novos
usos da língua são introduzidos pela dinâmica da luta social de diferentes classes,
maior clareza, os elementos que, segundo ele, deveriam caracterizar uma “cultura
que esta preocupação com uma “nova cultura”, de bases socialistas, não é uma
mera questão retórica, mas uma necessidade urgente. Segundo ele, Turim
constituiu-se como uma cidade moderna, que conta com um movimento socialista
seria, portanto, resultado de uma cultura mais sólida, ampla e crítica, onde a
verdade não deveria ser apresentada de forma dogmática e absoluta, mas seria
oriunda de um processo marcado por uma ampla tolerância nas discussões e nas
contradições.
econômica, mas também por uma intensa atividade cultural, capaz de revolucionar
ação. Nesta ampla atividade cultural, Gramsci inclui elementos como a escola e o
Gramsci, criou condições de uma nova cultura e de uma nova organização, uma
que se refere à ação política do proletariado, mas também com relação às suas
deste ano, o principal órgão de elaboração teórica das idéias de Gramsci e do seu
maior das revoluções”, é sua proposta de instaurar uma nova ordem e uma nova
produção.
êxito de toda atividade social levada adiante pelos bolcheviques. Neste sentido,
Gramsci exalta a figura dos “soviets”, entendidos por ele como uma forma
constitutiva da nova sociedade organizada, como o espaço capaz de substituir a
soviets”5.
administração das fábricas. Por isso, ele propõe uma organização de toda a
poder. Para Gramsci, a ação dos Conselhos é mais ampla e mais efetiva do que a
5
GOODE (In BOTTOMORE, 2001: 78) afirma que esta concepção gramsciana beirava o
“utopismo”.
dos sindicatos, pois estes últimos trabalhariam nos limites do período histórico
Para este autor, o PSI deveria ter como meta a unidade da classe operária
que não. Muito pelo contrário, Gramsci parece ter somado a esta discussão outras
cultura, agora o autor parece somar outros elementos, quais sejam, a organização
momento, aquela que ele mesmo denominou de uma “cultura socialista”. Nos
conselhos.
Para Bordiga, por exemplo, era um equívoco acreditar que o proletariado poderia
capitalismo ainda detinha a figura do Estado e o poder político. Para Serrati, por
outro lado, havia na elaboração de Gramsci, uma confusão entre os soviets, que já
6
A “Greve de abril” foi um movimento de greve geral, em abril de 1920, que chegou a reunir mais
de 200 mil trabalhadores em Turim, Esgotou-se num prazo de dez dias, com a vitória substancial
dos patrões.
(...) é certo que a classe operária de Turim foi derrotada porque
não existem, porque ainda não amadureceram na Itália as
condições necessárias e suficientes para um movimento orgânico
e disciplinado do conjunto da classe operária e camponesa. Um
indício desta imaturidade, dessa insuficiência do povo trabalhador
italiano é, sem dúvida, a “superstição” e a mentalidade estreita dos
responsáveis do movimento organizado do povo trabalhador
italiano (GRAMSCI, 2004, p. 346).
volta do poder industrial à fábrica sob a forma do Estado operário no sistema dos
e dominante. A classe operária deveria estar preparada para uma gestão social
por uma retórica vazia e impotente no aspecto político, com uma atuação
meramente parlamentar.
Por isso, torna-se urgente para Gramsci, a partir deste momento, uma
no cotidiano das lutas empreendidas, no caso, pelo sistema dos conselhos. Era
entanto, esta posição de Gramsci começava a perder força dentro do PSI. Havia
Gramsci acreditava que a tendência era que estes grupos iriam se expandir no
fábricas”, com todos os poderes sendo assumidos pelos Conselhos nas fábricas
trabalhadora na Itália.
Gramsci que aponta mais diretamente para esta questão data do final de 1920.
torna reacionário quando não consegue mais dominar as forças produtivas. Neste
décadas de 20 e 40.
gramsciana de cultura.
parlamentar.
da vida nacional italiana pelo projeto da classe trabalhadora só será possível “nos
expõe, claramente, a relação intrínseca entre cultura e política que, de forma tão
luta, mais ampla, iluminada por um grande objetivo final. Assim, através da ação
Gramsci estará neste momento voltado, também, para elaborar uma crítica aos
apenas nas mãos do proletariado este Estado poderia viver uma fase mais
ele com a insurreição, com a condução do povo em armas até a criação do Estado
operário.
social de alguns estratos do povo italiano, que sempre deram à luta de classes um
uma luta também cultural, a ser levada adiante pelo comunismo, garantindo a
estes estratos populares a convivência com uma nova tradição, com uma nova
torno deste grande enfrentamento, qual seja, entre diferentes projetos que se
velhas relações organizativas rompendo com o seu burocratismo. Para ele, nos
teses do reformismo, uma vez que não questionam o controle sobre a produção.
efetivamente fazer dele um partido das mais amplas massas, o que ainda não
Partido Popular e o fascismo, vivendo uma crise originária de sua ação coercitiva
Estado italiano, de uma classe dirigente que tem interesses opostos aos das
classes populares e que quer exercer sobre elas uma dominação de violência e
teria um forte componente ideológico e cultural, uma vez que impediria as massas
aproveitar a fragilidade política dos socialistas e dos fascistas, bem como a crise
política vivida pelos fascistas, para divulgar, entre operários e camponeses, uma
propostas comunistas em face das iniciativas políticas até então levadas adiante
pelas realizações históricas do Estado burguês na Itália. Gramsci está atento
também neste período para a relação dialética que virá se estabelecer entre as
assim, que a “democracia” italiana carece de uma sólida estrutura de classes, uma
uma séria questão territorial, qual seja, a subordinação das regiões centrais e
aproveita a burguesia, que faz triunfar o capitalismo e que tenta criar um sistema
econômica e política que não pode estar desvinculada da luta ideológica e cultural.
com base nela, Gramsci já começa, pouco antes de ser preso, seu exercício de
crítica aos rumos que o Partido Comunista Russo vinha dando para o movimento
militância política mais direta com questões essenciais para sua produção mais
crítica e de organização. Este será o grande legado gramsciano neste período pré-
cárcere de Turi7. A partir de então, terá início uma produção mais complexa e “fur
ewig” do pensamento gramsciano, o qual será responsável por uma das mais ricas
Desde já, vale observarmos que Gramsci vai para a prisão com uma clara lição de
7
Os primeiros elementos de reflexão no Cárcere estão organizados nas Cartas do Cárcere, única
produção permitida a Gramsci nos seus primeiros anos de prisão.
contra hegemônica. Sua grande preocupação não é apenas compreender o
poder. Nos Cadernos do Cárcere, Gramsci será responsável, por exemplo, por
constituição enquanto sujeito político. Ser dirigente, nos termos de Gramsci, inclui,
e redefinição da hegemonia.
permanente influência;
Divina Comédia;
O conceito de folclore;
Neogramáticos e neolinguistas.
teoricamente definido por Gramsci8, o que lhe dá certa flexibilidade para abordá-lo
8
FORGACS & NOWELL-SMITH acreditam que cultura, para Gramsci, tem a palavra escrita como
o centro da formação cultural em indivíduos e na sociedade. Discordamos, a princípio, desta
formulação, pois Gramsci chama a atenção, repetidas vezes, para o fato de que todo homem,
no interior da análise de toda a dinâmica societária, tornando-o mais rico e
completo.
formação de uma “nova cultura”? Como esta nova cultura se relaciona com as
lado, para Gramsci, a cultura não é meramente um reflexo desta estrutura mais
independente de seu acesso à educação formal, é culto, pelo fato de que pensa e reflete sobre a
constituição de sua vida social.
hegemonia. “Criar uma nova cultura” faz parte, portanto, da proposta de uma
renovando-o substantivamente.
trabalhadora.
gerar uma ética, um modo de viver, uma nova atitude face às contradições e aos
elementos próprios do marxismo neste âmbito: lutar por uma nova cultura,
aparecem, para quem os vive, como algo absoluto, “natural”, imutável. Para uma
cultura é, portanto, este elemento histórico, que compõe e que transforma uma
dada estrutura.
sociedade, condição elementar para que uma classe se torne dominante, é uma
tarefa que está ligada à capacidade de uma classe em difundir e solidificar uma
9
Neste debate, Gramsci se dedica ao estudo sobre a língua na Itália, vendo o italiano e os dialetos
como diferentes concepções do mundo”, que apontavam para uma diferença entre ambiente
cultural e político-moral.
posição e uma proposta cultural, composta de filosofias, valores, gostos e opções
organizativas.
luta política. É neste sentido que WILLIAMS (1979) afirma que a cultura extrapola
(2003) chama de uma acepção mais ampla de política presente nos Cadernos do
liberdade política (ou ético-político). Neste último, esta classe não mais se
cultura é, assim, um dos elementos que possibilita este salto qualitativo para uma
organicamente estabelecido.
unidade orgânica, Gramsci aponta para relações e propostas que, mais uma vez,
base material precisa se reproduzir e, para isso, não pode dispensar caminhos e
histórico. Nas notas em que trata deste assunto, ele está preocupado em ver
para que o Partido Comunista possa planejar a organização de sua imprensa, que
preocupação, neste debate, vai desde o formato preciso e o nível lingüístico até o
a relação intrínseca que este autor estabelece entre o partido político e as classes,
partido e a partir da qual novos membros são conquistados. É, portanto, uma das
constrói a partir de uma dimensão cultural e a cultura, por sua vez, não se constrói
relacionar, ao mesmo tempo, cultura e arte. Para ele, cultura é algo muito mais
arte não pode, portanto, ser criada “por decreto”, mas só pode ser compreendida
como efeito de uma nova cultura, através de um processo que implica, como
artístico restrito, e mais com o motivo pelo qual determinada manifestação artística
sociedade.
construção a partir da dinâmica na qual está inserida. Por isso, Gramsci é claro ao
propor “criar uma cultura”, e não uma nova arte. Significa potencializá-la com
Gramsci deixa clara não só sua concepção de cultura no período mais maduro de
Não se pode dizer, portanto, que se luta por um novo “conteúdo da arte”,
pois este não se manifesta abstratamente. Um novo “mundo cultural” gera, neste
“historicizar suas fantasias”. Por isso, “também o artista e toda sua atividade não
“capacidade de ser uma época”. Por isso, toda classe que se torna dirigente e
em torno da cultura está presente ao longo dos Cadernos. Gramsci não deixa de
realidade. No entanto, ele também afirma que este “modo de viver, pensar e
sentir” não pode ser construído apenas por uma dinâmica involuntária e
societários e classistas mais amplos. Existe, neste sentido, uma formação cultural,
desta sociedade.
Não existe uma formação cultural neutra, abstrata, alheia à luta de classes
que se realiza em determinada sociedade. Isso nos parece claro, por exemplo,
em torno desta relação social que é o capital. Esta reflexão nos orienta, também,
interior. Formar uma cultura, como fato vivo e necessário, é um ato educativo a ser
levado adiante por aqueles que Gramsci chamará de intelectuais orgânicos, sejam
Quem seriam, portanto, estes intelectuais que têm, entre outras funções, a
sentido de que toda atividade humana prevê uma elaboração intelectual, todo
níveis.
aqueles que “criados” por um determinado grupo social, lhe dão “homogeneidade
aqueles que este mesmo grupo social já encontra formados a partir da estrutura
das reais necessidades e dos embates mais significativos de uma sociedade. Tais
dando origem a um grupo ativo de intelectuais, mas que não foi responsável por
moral, uma vez que não foi resultado de um movimento popular e nacional pela
Conquistar intelectuais tradicionais constitui, desta forma, mais uma tarefa desta
batalha cultural.
“base de ações vitais”, reafirmando o projeto societário mais amplo que esta
preocupa com a elaboração cultural destas classes, com seu processo educativo e
ético-político.
10
Defendemos que esta múltipla denominação de Gramsci se dá em razão do processo de
censura que sua produção sofria no Cárcere, e não por uma diferença teórico-metodológica na
compreensão destes termos. Ao falar de “classes subalternas”, “povo-nação”, “simples” Gramsci
está se referindo, indubitavelmente, ao conjunto das classes trabalhadoras em seu processo de
constituição na sociedade capitalista, sobretudo a italiana.
Em boa parte das notas mais propositivas de Gramsci nos Cadernos, ele
classes subalternas, possuem sua filosofia, sua própria cultura, enquanto modo de
ser estudados e resolvidos para que uma filosofia possa se tornar histórica,
transformando em “vida”.
uma intervenção direta sobre a realidade, mas que também se apresenta de forma
Para Gramsci, a relação entre uma “filosofia superior”, que coincide com o
“bom senso” e o senso comum só pode ser assegurada pela política, ou seja, a
a frente cultural a ser assumida por aqueles que se propõem a construir o que ele
aos indivíduos singulares” (2000, p. 232). Assim, o que ele observa como
vontades coletivas (e, neste caso, o plural é significativo) não constituem um fato
e da “vontade de cada um”), que não se constrói de uma vez para sempre, mas
posição ocupada por esta coletividade neste mundo. Neste sentido, só pode haver
uma reforma cultural, entendida como a “elevação civil das camadas mais baixas
são os partidos políticos, que incorporam uma ideologia política e, atuando sobre
político da(s) vontade(s) coletiva(s), mas se dispõe a propor qual delas poderá
parece ser uma das mais dinâmicas, sendo amplamente utilizada. O autor a
11
Para Gramsci, toda relação de hegemonia é uma relação pedagógica.
indicam que o terreno ideológico da sociedade civil é precisamente
onde um amplo movimento nacional-popular deve ser construído.
Esta parecia ser, portanto, a tarefa do proletariado italiano, através de uma aliança
o Império Romano e a força política do papado na Itália teriam criado, desde muito
trazer “perigos vitais para a vida nacional unitária” (GRAMSCI, 2002, p. 33) da
produção capitalista.
entre outras coisas, a reação conservadora que instituiu, anos mais tarde, o poder
perspectiva histórica exata e, portanto, sem que se formulasse para eles uma
contemporânea.
Desta forma, a unificação italiana não se constituiu a partir de uma
Portanto, afirma Gramsci, a Itália era órfã de um projeto nacional e popular que a
de seus principais dilemas. Nas palavras do próprio autor, para manter intacta
inepto e alienante.
lutas das classes trabalhadoras não pode ser construído sem uma mediação viva
(GRAMSCI, 2002, p. 127). Neste sentido, Gramsci reforça ainda mais sua
o desprezo por temas e questões da dinâmica italiana nas suas mais diversas
somente uma aliança orgânica dos setores populares pode suprir esta lacuna
histórica.
pois garantiram uma razoável difusão de suas orientações culturais e morais não
apropriado.
este termo nos Cadernos dizer respeito a uma “literatura nacional-popular”, esta
constitui, sem dúvidas, uma abordagem bem mais ampla, que envolve uma
evidente face cultural, não se limitava a ela. Construir uma “cultura nacional-
popular” significa, então, para as classes subalternas, apoderar-se de uma cultura
mais ampla, jamais abandonada por Gramsci, mesmo em seus períodos de maior
desalento no cárcere.
uma intrínseca relação entre arte, cultura e formação humana, uma vez que o
popular”.
respeito à concepção de nação por ela sustentada e, neste sentido, a sua validade
italiana do início do século XX, não teríamos dúvida em afirmar que a importância
de tal categoria não se restringe a este cenário. Uma primeira leitura das notas
social.
análise, entretanto, tudo isso se fez pelo receio de que pudesse ocorrer uma
intervenção, ainda que restrita, das “massas populares” na vida política italiana e
na estrutura do Estado.
Em suas palavras,
não em uma “conquista merecida dos italianos”. Fica ausente, portanto, qualquer
crítica gramsciana, o termo nação, na Itália, sempre esteve ligado a uma tradição
nacional são algo que fica restrito aos intelectuais enquanto camadas estreitas e
expectativa passiva por um futuro que chegará para o elemento popular, visto
desde muito cedo, uma nação italiana com vocação internacional. Ambos devem
ser superados, pondera Gramsci, por relações de hegemonia que envolvem uma
presentes e futuras.
Podemos ponderar que a perspectiva gramsciana reinterpreta o conceito de
nação no interior do marxismo, uma vez que o “preenche” com uma série de
como um ponto de partida. Para ele, no cenário nacional, o que temos é uma
política.
exercício de hegemonia.
literatura,
(...) uma obra de arte é tão mais “artisticamente popular” quanto
mais seu conteúdo moral, cultural e sentimental for aderente à
moralidade, à cultura, aos sentimentos nacionais, e não
entendidos como algo estático, mas como uma atividade em
contínuo desenvolvimento. A imediata tomada de contato entre
leitor e escritor ocorre quando a unidade de conteúdo e forma no
leitor tem como premissa a unidade do mundo poético e
sentimental; se não for assim, o leitor deve começar por traduzir a
“língua” do conteúdo em sua própria língua. (GRAMSCI, 2002, p.
194).
Para nosso autor, fica evidente que é necessário superar o que ele
classe dirigente.
Quando colocamos esta necessidade de “ida ao povo”, apresentada por
Gramsci, fazemos referência também ao fato de que, para ele, o “povo” não
Gramsci insiste em dizer que ele deve ser compreendido como um reflexo das
levou a ponderar, já nos Cadernos, que as condições para se superar este estado
isso, recorre constantemente à realidade francesa para afirmar que, neste país, o
não se deu de forma voluntária e espontânea, mas foi resultado de uma ligação
parece uma distinção central a ser feita neste debate gramsciano, a fim de que
12
Cf. Cadernos do Cárcere, 6, 124; 2, 159; 6, 161; 4, 301.
Baseada no nacionalismo, a guerra, por exemplo ganha “características de
binômio nacional-popular.
ideológica das forças populares” (2000, p. 61), encontrando afinidades com forças
conservadoras em uma dada realidade social. O populismo, por sua vez, reforça
expressão inclusive justifica para Gramsci o interesse popular por esta ou aquela
sua capacidade de expressar uma unidade na vida cultural nacional. Mais uma
vez se referindo à Itália, nosso autor acredita que é este o motivo pelo qual a
13
É importante observarmos que, para Gramsci, conteúdo é diferente de tema. Não existe um
tema nacional-popular.
internacional é elemento determinante das configurações econômicas, sociais,
internacional, uma vez que é nas relações externas que encontramos muitas das
das lutas sociais dos setores populares, onde o nacional seja o ponto de partida, o
primeiro impulso, a primeira determinação para uma luta que tem por objetivo
encaminhar, em sua plenitude, um projeto hegemônico mais amplo. Mas, por outro
lado, sem levar em conta a particularidade que esta realidade impõe, não se
alcança ou se materializa este projeto, não se faz dele algo potencialmente capaz
societário desta classe deve ter como meta o cenário internacional, mas não pode
deixar de levar em conta os diferentes contextos nacionais, os quais absorvem e
internacionais.
Vale observarmos que ele apresenta, desde sua introdução no debate específico
com uma grande variedade de fenômenos nas mais diversas esferas constitutivas
da vida social. O início dos anos 80 demarca este uso mais freqüente do termo,
14
Sobre esta evolução do termo “globalização”, remetemos a GOMEZ (2000, p. 18-19). Neste
momento, o autor afirma que “o alvo da argumentação desliza de imediato do domínio micro da
gestão interna das firmas para o interesse da macroeconomia (redefinição das políticas
econômicas e das instituições econômicas nacionais) e da arquitetura do sistema internacional.”
15
Segundo o Novo Dicionário Aurélio, globalização representa o “processo típico da segunda
metade do séc. XX que conduz a crescente integração das economias e das sociedades dos
vários países, especialmente no que toca à produção de mercadorias e serviços, aos mercados
financeiros e à difusão de informações.”
contemporâneos se preocupam em delimitá-lo, demarcando as diferentes esferas
que o termo “globalização” é ainda marcado por uma grande indefinição, uma vez
que pode ser “sinônimo de qualquer coisa”. De forma neutra, o termo não tem
SIQUEIRA et al., 2003), que se soma a outros autores para afirmar que a
“onda globalizante”, que marcou o discurso científico no final dos anos 80 e início
societário, CASTELLS (1997, apud SIQUEIRA et al., 2003) destaca o que ele
no entanto, no início do século XXI, um forte aparato crítico. A idéia de que fora da
cidadão, agora identificado com o consumidor, é aquele que está finalmente livre
para participar do mercado enquanto espaço democrático e autônomo, capaz de
contemporâneo.
uma “aldeia global”, uma “fábrica global”, uma “modernidade-mundo”, apenas para
uma sociedade mais harmoniosa porque interligada por uma extensa rede de
social, a globalização foi sendo colocada em xeque. É sobre eles, portanto, que
16
IANNI (1998) afirma que as metáforas surgem e ganham força em um determinado discurso
porque tentam dar conta de realidades que ainda não foram totalmente codificadas. Esta é a
situação, afirma ele, das “metáforas da globalização”. Neste caso, elas suscitam ângulos diversos
de análise para este fenômeno, desvendando traços fundamentais das configurações e
movimentos da sociedade global, combinando reflexão e imaginação. Tais metáforas entram em
diálogo umas com as outras, desafiando-se e enriquecendo-se mutuamente.
2.1 – “Não há alternativas”: hegemonia, imperialismo e a ideologia de
neste período, o capitalismo, agora sob a égide dos “mercados globalizados”, mais
desenvolvimento econômico.
17
HARVEY (1999, p. 121) deixa claro que é esta relação entre produção de massa e consumo de
massa o elemento chave para a compreensão do fordismo e de sua especificidade no processo de
acumulação capitalista e de constituição societária mais ampla. “A separação entre gerência,
concepção, controle e execução também já estava bem avançada em muitas indústrias. O que
havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua
visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um
novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do
trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade
democrática, racionalizada, modernista e populista.”
18
CHESNAIS esclarece que um investimento estrangeiro é considerado direto quando o investidor
detém 10% ou mais das ações ordinárias ou do direito de voto de uma empresa.
salarial fordista. Esta regulação era caracterizada, assim, por
1999, p.131)
(1999, p. 306)
poderíamos destacar:
mundo”, onde cada um, com suas devidas particularidades, tende a dar primazia,
19
Chesnais nos chama atenção para o fato de que a internacionalização do capital, em todas as
suas fases, sempre incluiu o comércio exterior, o investimento exterior direto e os fluxos
internacionais do capital que mantém a forma monetária. É necessário abordar estas três
estratégias como um todo hierárquico, que assume diferentes configurações ao longo da história
do modo de produção capitalista.
20
Para IANNI, Braudel está marcadamente influenciado pelo funcionalismo de Durkheim e
Wallerstein, por outro lado, demonstra clara aproximação com o estruturalismo marxista na análise
do capitalismo moderno.
estágios de organização e dinamização, manter sua lógica de acumulação e de
reprodução societária.
como bem nos ensinara Marx, a esfera financeira se tornou, no momento atual, o
(1999, p. 14-15)
ele vinculadas.
custos políticos e sociais que esta opção possa acarretar. Além dos Estados, esta
produtiva.
ainda existem, mas que não são mais determinantes. As transnacionais precisam
momento contemporâneo.
temática, dentre os quais destacamos IANNI (1998), uma das provas mais
capital como elemento essencial para a sua organização e dinâmica. Aos poucos,
lucrativa, dando aos grandes grupos do capital internacional total liberdade para
decidir quanto, como, onde e até quando investir. O livre acesso às economias
dos mais diferentes caminhos, de acordo com a “vocação” de cada região para o
21
IANNI (1998) chama a atenção para o fato de que as facilidades geradas pelo processo de
desterritorialização do capital acabam por facilitar também a confusão entre o dinheiro com origem
legal e aquele que se formou por atividades ilícitas, tais como o narcotráfico e a corrupção.
mundial já compõe um sistema econômico e unitário, onde as potências mundiais
dominada.
22
IANNI (1998) nos fala, inclusive, em tecno-estruturas, que reúnem profissionais diversificados, de
todas as qualificações, com o objetivo de diagnosticar, planejar e implementar diretrizes gerais em
conformidade com os interesses predominantes nas estruturas de dominação política e
apropriação econômica.
direito, por exemplo, aparece como uma parte fundamental desta racionalização
que uma forte dose de idealização demarca esta tese da interdependência das
pobres” é cada vez maior, sendo que os últimos permanecem em uma posição
acentuadamente subordinada.
observar, nos parecem cada vez mais graves e reivindicam intervenções cada vez
mais urgentes.
todo o mundo e demarcam sua existência e seu poderio através desta base de
23
CHESNAIS afirma que o poderio econômico, político e social no contexto da mundialização do
capital esta construído em torno de uma tríade, que também é denominada de “imperialismo
coletivo”. Compõem esta tríade os Estados Unidos, a União Européia e o Japão, sendo que o
primeiro apresenta posição hegemônica.
e os passos que demarcarão a “integração” dos países em desenvolvimento neste
cenário.
contemporâneo.
ainda mais acentuado quando ponderamos que este capital produtivo encontra, na
nacional”.
capital financeiro. Em outras palavras, para nos apropriarmos, mais uma vez, das
que compõem a Tríade. Para os demais atores, elas são sinônimo de um quadro
caráter parasitário).
material que explica outras dimensões da vida social. Consideramos que este
a saber:
dependentes.
um destes elementos.
com bastante clareza estas afirmações, pois estas empresas vêm passando por
Elas permanecem com uma base nacional, que não apenas garante seu
Estas “relações com outras empresas” acontecem tendo como centro, mais
estas empresas.
benefícios fiscais que tornem determinados países “mais atraentes” para o grande
capital mundial.
ao livre jogo do mercado, agora se enfrentam de uma forma mais direta e radical,
é mais anônima. Estes grandes grupos não só conhecem seus rivais, como
interdependência.
poderio político e militar, que estabelece uma total dependência de outros países
para:
de investimento;
científicas.
No que se refere à deslocalização da produção e à afirmação mundial
centros produtivos com as principais bases das empresas. É até possível, para os
15)
decisivo. Neste cenário mundializado, ela se caracteriza por uma alta difusão
outra realidade societária, perpetuando, também por este caminho, uma posição
de subalternidade e de dependência.
do capitalismo avançado.
incentivo também na contenção dos serviços públicos que, em uma fase anterior,
mundial.
Tabela 1
Intercâmbios inter-regionais
(em % do intercâmbio total da zona e em % do comércio mundial)
A força econômica e mesmo política alcançada por este setor fica assim
embora encarado como atividade transnacional competitiva, tem uma origem pré-
setor se estabelece sempre com uma autonomia aparente e relativa, uma vez que
mais acentuado com inovações no mercado que lhes foram garantidas pela
vez, os números relativos à esfera produtiva, da qual capta uma parte cada vez
Não é possível deixarmos de observar que este capital financeiro tem como
quanto européia e que colocou todo o sistema mundial à mercê do capital rentista
determinações, uma vez que é este quadro que define e determina a configuração
centralidade.
24
Sobre a anunciada “crise da sociedade do trabalho”, vale acompanharmos o debate apresentado
por ANTUNES, 1997, p. 75-97.
Segundo POCHMANN (2001), estamos diante de uma nova fase da
assim que a economia mundial encontra-se estruturada nas relações entre centro,
25
POCHMANN (2001) nos fala de três fases da divisão internacional do trabalho, onde a primeira
se caracteriza pela introdução da grande indústria, que possibilitou a divisão do trabalho, atribuindo
a cada parte do globo papel determinado. A segunda fase, por sua vez, já no início do século XX, é
marcada pela posição de nação hegemônica sendo assumida pelos Estados Unidos e pela
reformulação do próprio centro capitalista mundial.
Entretanto, nas duas últimas décadas, o centro capitalista passou
a concentrar maior participação relativa no total do emprego
qualificado devido à difusão de uma nova Divisão Internacional do
Trabalho. Em 1997, quase 72% do total dos postos de trabalho
qualificados eram de responsabilidade dos países de maior renda,
ao mesmo tempo em que continuavam a perder participação
relativa nas ocupações não-qualificadas. Na periferia e na
semiperiferia, a nova Divisão Internacional do Trabalho tem
representado uma oportunidade adicional para maior concentração
dos postos de trabalho não-qualificados, com diminuição relativa
dos empregos de qualidade. Em 1997, por exemplo, de cada 10
ocupações não-qualificadas do mundo, 8 eram de
responsabilidade dos países de menor renda, enquanto de cada
10 postos de trabalho qualificados, apenas 3 pertenciam aos
países periféricos. Em 1980, os países periféricos e
semiperiféricos eram responsáveis por 32% dos postos de trabalho
qualificados e 84% das vagas não qualificadas. (POCHMANN,
2001, p. 35)
A partir da década de 80, podemos então considerar que esta terceira fase
26
Segundo dados apresentados por POCHMANN (2001), no setor de produção de computadores,
10 empresas concentram 70% da produção mundial. Quanto ao ramo de material de saúde, 7
empresas concentram 92% da produção.
cenário marcado por uma força de trabalho de menor custo, por condições de
trabalho mais flexíveis e precárias e por uma diminuição relativa dos empregos
sociais. Isso tudo faz com que os países de economia periférica ou semiperiférica
sofram, cada vez com maior rigor, os efeitos deletérios desta globalização.
do setor produtivo aos seus interesses rentistas têm gerado uma redução do
27
ANTUNES (2000) é enfático ao afirmar que, neste cenário, alterou-se profundamente o sentido
atual da compreensão da classe trabalhadora. Marcada por dimensões de diversidade,
heterogeneidade e complexidade, esta compreensão deve incluir, agora, a totalidade daqueles que
vendem sua força de trabalho, ou seja, desde os trabalhadores produtivos (diretamente ligados à
produção de mais-valia e à valorização do capital), que encontram no proletariado industrial o seu
núcleo, até os trabalhadores improdutivos, que através de formas de trabalho utilizadas como
serviço, pelo setor público ou pelo próprio capitalista, garantem a dinamicidade e a sobrevivência
do sistema, como um segmento em plena expansão. O autor se preocupa, ainda, em incluir nesta
“noção ampliada de classe trabalhadora”, o proletariado rural, que vende sua força de trabalho
para o capital nas mais diversas atividades.
percebemos, a partir das análises de ANTUNES (2000), que estas mudanças
para atividades assistenciais, em um sentido “público, porém não estatal”, sem fins
uma inserção precária e instável, muitas vezes não lhes garantindo a atenção de
aparente “fim do trabalho” ganha forças até mesmo no meio intelectualizado, não
28
Uma ampla bibliografia se ocupa, hoje, de descrever e de analisar o desenvolvimento deste
“terceiro setor”. Apenas na intenção de exemplifica-la, citamos MONTANO (2002).
nos parece restar dúvidas acerca da intensidade do processo de valorização do
capital, que só pode ser resultado de um “trabalho social concentrado”, cada vez
classe trabalhadora.
espaço nacional e nele, na maioria das vezes, realizou sua ação. Embora
fazendo com que muitos teóricos recuperem a idéia de que “uma autêntica ruptura
nacionalismo.
em que o Estado nacional parece ter perdido sua capacidade regulatória sobre o
capital e sobre a formação social nacional, não faria mais sentido a proposta de
capitalista.
principalmente, com o “fim do socialismo real”, o que poderia ser conhecido como
uma possível “cultura operária”, enquanto finalidade de um projeto societário
compensatória.
que “a fusão dos sindicatos tem sido uma das mais freqüentes respostas do
uma unificação das classes trabalhadoras em âmbito global parece não ter
e políticas que dificultam esta unificação. BIHR (1998, p. 121) nos indica, inclusive,
subjetiva, política, ideológica, dos valores e do ideário que pautam suas ações e
“crise de sociabilidade”.
COUTINHO (1992) nos parecem essenciais. Teríamos, segundo este autor, dois
seja, daquelas que, para Gramsci, apresentam uma “relação equilibrada” entre
frágeis, com uma base social heterogênea, e sindicatos que se anunciam como
aquele impulso no ativismo social a partir dos anos 70, mas, sobretudo nos anos
alternativas que possibilitem uma intervenção sobre a ordem existente, o que não
BIHR (1998) atribui, a estes que ele chama de “novos movimentos sociais”,
conduzindo este processo: “a maneira como essa relação social central que é o
capital informa, organiza, orienta, produz o vínculo social” na contemporaneidade
(IBIDEM, p. 147).
29
Para BIHR (1998), existe um amplo processo de apropriação capitalista da práxis social. Por
isso, estes movimentos estão apenas aparentemente fora do trabalho e da produção.
particularmente atingidos por estas crises, de melhores condições gerais de
sobrevivência.
não para a solução, mas para o contorno temporário das diferentes crises sociais
ampliar as noções de luta de classes e de embate político, uma vez que revela
que as condições de reprodução do capital não se restringem ao econômico, mas
capitalistas atinge terrenos e disputas que aparentemente não tem uma relação
engendrada. O capital, enquanto relação social, tem demonstrado que seu poder
estratégica para superá-lo não pode estar reduzida à tomada do poder de Estado
tanto, é preciso uma articulação dos objetivos, dos interesses e das estratégias de
um mesmo projeto societário, nem do ponto de vista classista nem ideológico. Ela
complexidade, mas nos projetos que, em seu interior, se confrontam, pois são eles
perversos efeitos sociais30. Estas forças estariam propondo uma redefinição das
estas agências, seja para combatê-las frontalmente, seja para influir nas suas
30
No estudo sobre este ativismo, é referência o Fórum Social Mundial, já em sua quarta
experiência, e cuja dinâmica, estrutura e conformações políticas podem ser analisadas a partir das
informações presentes em www.fsm.com.br.
O movimento transnacional emerge, então, durante a segunda
metade dos anos 90, num contexto marcado pelas transformações
estruturais do capitalismo e da política mundial e pelas múltiplas
manifestações de descontentamento e resistência social que
geram as políticas econômicas dominantes. No entanto, ele é o
resultado de um processo de convergências progressivas e
precárias, alimentado tanto por experiências setoriais de lutas
passadas quanto pelas novas iniciativas de questionamento
político aberto à governança global neoliberal e seu núcleo
institucional mais visível.
Este autor ainda nos chama a atenção para algumas condições sócio-
deste ativismo:
democratizante de contrapoder,
reivindicadas.
Assim, a pretensa “sociedade civil global”, além de não ter, para equilibrar
global, também se constrói como uma arena muito mais ampla de conflitos, como
social para parcela significativa dos países nele inseridos. O que podemos
Esta polarização revela, dentre outras coisas, que existe hoje uma
sustentou a teoria de uma “era dos três mundos” (DENNING, 2005). O que antes
transforma-se agora em uma regra, uma condição, uma desigualdade social tão
deste cenário:
muitas vezes, recoloca populações inteiras num cenário de pobreza, que agora,
intervalos de tempo e que atinge a uma parcela cada vez mais determinada das
e social.
em seu modelo neoliberal, acaba por se defrontar com uma parcela da população
que, a cada dia, depende mais das políticas sociais por ele oferecidas, ainda que
intensificação do fluxo de capitais desde meados dos anos 80 não têm gerado,
que a desigualdade global entre países, e mesmo dentro de cada país, tem
31
Autores afirmam que o caso do desenvolvimento econômico do Leste Asiático é um fenômeno
totalmente marginal por determinações econômicas e políticas que não teremos, infelizmente, a
oportunidade de tratar aqui.
globalizado, garantindo, portanto, o pleno desenvolvimento do comércio exterior e
nos aspectos nocivos da intervenção do Estado. Este último deve, portanto, ter
32
Salama (2000) nos chama a atenção para o crescimento do número de pessoas nos empregos
informais de estrita sobrevivência.
não é “naturalmente” o produto de uma liberalização forte e repentina da
economia.
Muito pelo contrário, o que podemos perceber com mais clareza é que a
degradação social e de pobreza. Por outro lado, verificamos que, nos países com
menores.
capítulo.
o poder?
nação”. Este último passa a ser apresentado como uma organização territorial
deve assumir um papel cada vez mais periférico, tornando-se “simples autoridades
130).
aos Estados nacionais, uma vez que estaríamos diante de uma realidade de
cidadania33.
palavras,
33
LADISLAU DOWBOR (2003), ao questionar se “os EUA preocupam?”, chega a afirmar que,
neste momento, todo o mundo nos preocupa, pois, “na era global, somos todos cidadãos do
planeta”.
esta unilateralidade tenha contribuído para que os teóricos do “fim
da soberania” e do “declínio do Estado-nação” não levem em conta
a extraordinária performance do Estado nacional norte-americano
no cenário internacional.
esfera política.
Este paradigma nos parece vital para que possamos evitar tanto
estas duas concepções significa, portanto, evitar o erro primário e simplório de,
o modelo construído sob a égide do Estado de Bem Estar Social, em sua versão
apresentando uma mera atuação residual, sob pena de contribuírem ainda mais
Com este objetivo, o Estado, seja em sua versão nacional ou em sua perspectiva
internacional”.
classe bastante específicos. O que demarca esta idéia, sob uma perspectiva
Estado atuaria sobre um espaço territorial fixo e exclusivo; soberania, onde ficaria
historicamente desiguais.
que hoje conhecemos e que vem sendo tão questionado pelos processos políticos
hoje em curso. Para garantir a legitimidade das ações deste Estado, era
ideológica que o nacionalismo terá nos séculos XIX e XX. Neste sentido, é
partir do século XIX, vale observarmos que ela representa, inclusive, um ponto de
inflexão no próprio sentido do termo nação. No vocabulário romano, “nação”
sentido negativo, usado para se referir aos pagãos, aos estrangeiros e a grupos
de indivíduos que não possuíam um estatuto civil e político, “sem rei e sem lei”.
regras e leis comuns (CHAUÍ, 2000). Assim, enfatiza-se neste momento uma
modernas nos séculos XIX e XX. A partir de então, nação passou a significar a
34
Valendo-se das observações de HOBSBAWN, CHAUÍ (2000, p. 16) mostra que a incorporação
do debate sobre nação no vocabulário político foi sendo feita gradativamente a partir de 1830.
Assim, ela estabelece três períodos deste processo: 1) 1830 a 1880, quando se fala em “princípio
de nacionalidade”; 2) de 1880 a 1918, fala-se em “idéia nacional” e 3) de 1918 a 1950, quando a
ênfase é na “questão nacional”.
próprias vidas e das coletividades nas quais estão inseridos. Nas palavras de
imperialistas.
políticas, econômicas e sociais nos mais diversos territórios, fazendo com que a
Estados nacionais e que isto persiste até os dias atuais. É uma ilusão pensar que,
nação”. Da mesma forma, quando esta ideologia não mais responde aos
são duas faces de uma mesma moeda, disposta a dar sustentação política ao
(2003) nos chama a atenção para o risco de “surtos acríticos de estatismo” que
que ponto ela demarca, realmente, uma nova fase nas relações políticas em todo
constantes enfrentamentos.
semiperiférico.
própria sociedade civil. GOMEZ (2000) destaca três áreas que teriam hoje este
baixo”, isto não ocorre sem contradições. Parece-nos ainda extremamente frágil
e limitados pela lógica do capital. Assim, ainda vivemos um momento em que não
se alcançaram, em nenhuma das três áreas, mas sobretudo no que tange aos
respeito ao meio ambiente, isto se torna ainda mais evidente, uma vez que,
verdadeira “crise ecológica” (BIHR, 1999), com a exploração cada vez mais
vida social nos mais diferentes países, sobretudo quando não se unifica em torno
poderes cada vez maiores e mais amplos. Por outro lado, os principais jogos e
nação.
(1999, p. 34)
a figura do Estado, ele o rearticula com fronteiras cada vez mais porosas. Estes
“outra globalização”.
amplos setores desta “sociedade civil global” não pode estar restrita ao que
história é sempre a história mundial”, ou seja, de que existe, entre e acima das
Após a “euforia globalizante dos anos 80” e suas primeiras críticas mais
globalização? Os desafios
nacional-popular
Os elementos anteriormente analisados acerca do
elementos indissociáveis.
bloco histórico.
“globalização da cultura”.
se desenrolam contemporaneamente.
segregação.
homogênea.
públicas supranacionais.
neste processo.
(1994, p. 8)
universo cultural.
fronteiras”.
que acaba por deslegitimar qualquer formulação que possa contestar suas
uma totalidade que está em expansão e em redefinição. O que antes seria papel,
36
A Internet, por exemplo, é apontada contemporaneamente como espaço constante de
democratização e de livre acesso a informações, propostas e descobertas científicas.
vida social, as quais se manifestam também nos processos de sociabilidade e de
trabalho.
O debate que então se coloca visa a questionar até que ponto esta
palavras, até que ponto as informações de abrangência ilimitada como as que são
diferentes acontecimentos.
por eles produzidas se colocam como elementos norteadores para uma avaliação
capitalista nesta área. Dados apresentados por MORAES (1997) sobre a década
desta fatia do mercado e, principalmente, sua vinculação ideológica cada vez mais
bem definida.
pluralismo em torno das questões culturais, uma vez que estas se encontram
coletividades desterritorializadas.
36
DREIFUSS (1997) menciona que, em 1996, apenas o tráfego aéreo respondia pelo
deslocamento de 1,3 bilhão de passageiros por ano, sem contar os “viajantes virtuais”, 2 bilhões
de pessoas que, através das redes informáticas de consumo, buscavam este duplo movimento de
uniformização e de diversidade de produtos.
desenvolva o sentido de “pertencimento”, disponibilizando “produtos mundiais”,
mercado.
nos também a questão dos conteúdos veiculados, os quais, num momento em que
responder a este duplo desafio, que BRASIL (1997) define como “saber quem
37
RAMOS (1997) afirma que a multimídia representa a convergência de três elementos principais,
a saber: as telecomunicações (infra-estrutura e serviços básicos), os meios de comunicação de
massa e a informática. Neste sentido, podemos afirmar que estes veículos se caracterizam, no
cenário neoliberal, pelos processos de privatização, de concentração de capital e de centralização
ideológica, agora em um cenário mundial.
Nunca tantos foram tão comunicados por
tão poucos. Cada vez são mais os que
têm o direito de escutar e de olhar, mas
cada vez são menos os que têm o
privilégio de informar, opinar e criar. A
ditadura da palavra única e da imagem
única está impondo um modo de vida que
tem por cidadão exemplar o consumidor
dócil e o espectador passivo, que se
fabricam em série, escala planetária,
segundo o modelo norte-americano da
televisão comercial.
38
BRASIL (1997) contribui para este debate com dados sobre os índices de concentração dos
meios audiovisuais: 90% na Irlanda; 75% no Reino Unido; 65% na Itália e 50% na Bélgica,
Dinamarca e Holanda, no ano de 1996.
DANTAS (1996) chama a atenção, neste cenário acima descrito, para um
geral.
e produzem cultura e aqueles que a consomem, sendo que estes últimos pouco
século XX, justamente quando, através dos recursos garantidos pelo capital
capitalistas contemporâneas.
capitalismo central, detentores destes monopólios, isto acontece sem uma maior
intervenção política de cunho público por parte de outros atores, e, por outro lado,
este setor, sendo que esta ficou, desde o século passado, sob o controle de
culturais.
Verifica-se uma enorme disparidade na distribuição mundial destes
dos países periféricos, sendo apresentados como “modas culturais” que devem
informação, tornando cada vez mais rápido, eficiente e barato o transporte dos
dados necessários e interessantes ao desenvolvimento do capital. Tanto nos
países de capitalismo central quanto nos países periféricos, o que se percebeu foi
que, neste ramo, o Estado continuou com sua antiga função de “gerente dos
dos interesses públicos sobre elas. Como elemento adicional, este setor se
fortalece cada vez mais como uma fatia do setor produtivo que não pode conviver
sociedade.
instante, a um grande volume de informações, que nos chega cada vez mais
cada vez mais presente em nosso cotidiano através das informações às quais
temos ou não acesso. Em um número cada vez maior, com dados cada vez mais
oportunidades coletivas para refletir sobre todas elas, e elas acabam por,
marcantes, criando bases materiais para um imaginário cultural cada vez mais
mercadorias.
de filtrar aquilo que poderia compor o elemento ideológico nesta sociedade. Uma
orientação baseada no valor de troca seria a tônica, com valores e propósitos que
chegam por meio da mídia não aponta, necessariamente, para ricos e essenciais
estaríamos vivendo em uma sociedade sob forte ênfase cultural, mas de uma
perspectiva, ela poderia ser considerada como o que mais contribui para sua
mundo” (CANCLINI, 2003), com gostos e identidades culturais cada vez mais
transnacional, fazem circular seus produtos por canais controlados pelo grande
capital. Aqui também se afirma o “imperialismo coletivo”, uma vez que estas
Latina.
que não expõem trabalhos de artistas com uma “baixa cotação” neste
outras culturas.
desterritorializados.
consumo.
setores populares. Este nos parece ser o ponto fraco desta perspectiva de análise
violência”.
Estado-nação.
capitalista.
de dominação.
Segundo SAID (1995), a cultura pode favorecer, nestes
justificação e legitimidade.
direito.
subjugados.
39
SAID avalia estas posições através das formulações de Elie Kedourie, Eric Hobsbawn,
Ernest Gellner e Partha Chatterjee.
nacionalidade, o nacionalismo e o nativismo são conduzidos
dependente.
perspectivas e conflito.
culturas e civilizações.
(1997, p. 133).
colonizados.
subordinados.
mais marcante.
Ao defender a noção de hibridação como capaz de explicar a
instáveis e de tradução.
acredita que um “mundo globalizado” significa, nos dias atuais, uma realidade
construir uma visão universal da realidade social que, sob orientação dos países
que vivenciam o cenário do capitalismo central, garantiria, em parte significativa da
do capital. Por outro lado, e, em certa medida, como resposta a uma possível
visão determinista desta primeira perspectiva, vemos surgir e ganhar força a idéia
uma sociedade, afirmamos que ela não pode se manter suspensa a todos os
e localizada e outros tantos elementos culturais que hoje nos desafiam porque
uma contra-hegemonia.
subalternos tentam encontrar espaço para fazer da cultura uma esfera de auto-
globalização”, a partir “de baixo”, onde povos e setores excluídos dos avanços da
nova ordem mundial poderiam “se encontrar” e se articular para buscar novas
que vive, uma concepção unitária de suas condições de vida social, garantindo,
culturais (arte, folclore, hábitos, costumes, princípios religiosos, etc.), uma parte de
povos podem refletir, criticamente, sobre as relações sociais nas quais estão
essencial para estas “guerras de posição”, para estas lutas em torno de uma nova
hegemonia.
o apoio de grupos subalternos. Tal bloco, podemos afirmar, tem garantido sua
atuais, fica cada vez mais evidente que o exercício da hegemonia vai tornando
não parecem apontar para respostas muito positivas a este tipo de questão.
processo ainda nos parece algo absolutamente embrionário. Não nos parece
totalidade.
criticamente problematizados.
e o engajamento
intelectuais.
Como poderíamos compreender, nos dias atuais, esta
extinção”?
40
É de Boaventura de Souza Santos a discussão sobre esta “autonomia racional” na sociedade
contemporânea, quando ele reconhece o momento de crise do projeto societário da modernidade e
o avanço do que ficou denominado como “pós-modernidade”. Cf. SANTOS, Boaventura S. Pela
mão de Alice; o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.
venham à cena pública para defendê-la. Esta fala e esta
envolvidos.
Desta forma, percebemos um cenário em que o
capacidade para realizá-la. A história, entretanto, parece ter demonstrado que esta
relação não era tão verdadeira assim. Segundo este mesmo autor, parece existir
parece não ter capacidade para tanto. Ou, em outra situação, se o proletariado
tem capacidade para fazer tal mudança, parece não ter mais interesse. A crítica
parece ainda mais contundente: não existe nem mesmo uma única identidade que
possa criar o sujeito revolucionário. Este agora parece estar diluído em inúmeras
até mesmo de serviços sociais que são agora, abraçados pela lógica de mercado,
processos produtivos. Neste cenário, onde a lógica de mercado para ter dominado
sentido gramsciano?
camada por Gramsci ao longo de toda a sua produção, se fazem cada vez mais
devem manter sua função cultural em seu sentido mais amplo, ou seja, de um
onde ela se constrói como fato histórico, através da qual intelectuais e “povo-
nação” se compreendam para lutar por uma nova cultura. Coloca-se também a
culturais da contemporaneidade.
vontade”41, onde a segunda não é suficiente para sustentar, sobretudo nos dias
atuais, uma nova proposta revolucionária. Exige-se uma reciprocidade dos dois
(2003, p. 161)
41
Literalmente, a formulação do “pessimismo da inteligência, otimismo da vontade” é de Romain
Rolland, embora tenha ganhado, com Gramsci, a visibilidade que hoje conhecemos.
(...) em nenhum lugar as próprias massas
estão tão pessimistas quanto os
intelectuais. Mas aquilo de que mais
precisam, e que buscam
desesperadamente, é um ponto de
referência e um centro em torno do qual
convergirem. Trata-se de algo que os
intelectuais podem lhes dar e o fracasso
nesta tarefa seria a pior de todas as
traições. Um sentimento de otimismo tinha
de ser mantido vivo, enquanto prosseguia
a busca de um terreno mais fértil, no qual
se pudessem lançar suas sementes.
se constrói isoladamente.
propostas alternativas.
luta e que, portanto, não pode ser, de forma nenhuma desprezado. O segundo,
hegemônica.
vivem somente no quadro da história mundial”42. A partir das análises feitas por
42
É interessante observarmos que Gramsci sempre menciona, como exemplos de uma literatura
nacional-popular, obras de Shakespeare, Goethe, Tolstoi, dentre outros. Em outras palavras, o que
caracterizaria esta literatura não é a nacionalidade dos autores, mas a realização orgânica e
verdadeira da relação entre intelectuais, povo e nação.
e é neste sentido que deve impulsionar as mais diversas formas de manifestação
curso, bem como de seus efeitos econômicos, políticos e sociais, nas dimensões
nacional e internacional.
para a questão nacional e popular, existe uma tendência a identificar estes dois
restrita desta dualidade. Em outras palavras, existe uma falta de identidade entre
gramsciana de que
tempo, situam esta cultura num plano mais amplo, enquanto parte constitutiva de
internacional. É neste sentido que ele constrói sua idéia de nação hegemônica,
que tem, entre seus elementos constitutivos enquanto potência internacional, o
elemento ideológico, ou cultural em seu sentido mais pleno, que tende a minimizar
nos dias de hoje. O capital mundializado retira suas forças, também, dos seus
superação desta nova ordem do capital. Este nos parece ser um importante
por parte deste autor, de uma perspectiva de classe, onde sua adesão sempre se
representa mais que uma opção lingüística. Significa que Gramsci vai se dando
capitalista. Assim, segundo esta autora esta “categoria” grupos subalternos seria
em todo o mundo.
“alternativos” nesta produção, tais como “grupos subalternos”, nos parece fruto da
Esta análise feita por MONAL (2003) nos parece, entretanto, justificada por
cultura, etc. Assim, esta subjetividade é que daria o tom, naquela circunstância
sujeito. Assim, este seria, ao mesmo tempo, livre, porque não estaria orientado por
valores específicos.
a etnicidade, entre outros, a lógica pós-moderna coloca uma nova pauta política,
onde antes vigoravam questões como classe, Estado, ideologia, revolução, modos
como algo dado, mas como uma “tarefa”, uma possibilidade, diante das inúmeras
coletiva que conduza e construa uma ação coletiva daqueles que vendem sua
força de trabalho.
toda a sua complexidade. Acreditamos, sim, que a constituição desta classe hoje
pensamento gramsciano, nasce “no chão da fábrica”, ou seja, tem suas raízes na
desta esfera é que se pode falar de uma dimensão societária mais ampla. Em
produz também formas de consciência moral que são determinadas por esta
uma nova hegemonia capaz de, conforme afirma SIMIONATTO (2003), recompor
novos padrões culturais. Significa pensar, enfim, os caminhos para que tais
Para que possamos levar adiante este debate acerca dos desafios
que, em Gramsci, existe uma compreensão mais abrangente do termo cultura, que
“diferenças”.
Nosso autor reforça também que esta consciência precisa se superar, tornando-se
a “base de ações vitais”, que se materializa na sociedade através de uma “reforma
próprio valor histórico e sua “própria função na vida” social. Devemos destacar,
mais ampla de cultura em Gramsci. Tal perspectiva não aponta meramente para
sociedade.
cultura, e o faz a partir do momento em que reconhece a luta cultural como parte
de uma luta pela hegemonia, que se dá no conjunto da sociedade, a partir de um
de “cultural”.
cotidiano. Para que ela se concretize, é preciso contar com uma coesão e uma
hegemônico.
partir das relações sociais nas quais estão envolvidas as classes trabalhadoras
contemporâneas em toda a sua complexidade e heterogeneidade, como nos
outras “armas” para a luta hegemônica, armas estas que devem ser “entregues” e,
Mais uma vez, também neste aspecto, ler Gramsci tem se mostrado
Enfim, teríamos a acrescentar ainda que todo este processo não se faz sem
cada vez mais diversos. Podemos ponderar que a maturidade gramsciana acerca
mutuamente. É daí que o Estado, na versão ampliada de que nos fala Gramsci,
Neste contexto, NOGUEIRA (2003) nos aponta uma série de questões que
citar:
hegemonia.
histórica.
Por outro lado, o contexto construído por tal globalização tem sido o
longo prazo, que desafia e inova a teoria e a prática acerca desta temática.
Entendendo esta perspectiva como orientada por uma lógica cultural que não é,
no entanto, exclusiva, insistimos no fato de que ela nos capacita para pensar a
sentido mais amplo, apontam para relações e lutas políticas renovadas, a serem
capital.
cada vez mais bem definidas. É preciso termos clareza de que, nos
crítica e de superação da ordem desta sociedade, que vão desde aqueles mais
ser social, como aquela que nos permite “conhecer e transformar”, como a que
riquezas em outra lógica, mas que aponte para a produção de toda uma vida
social, com novos padrões de sociabilidade e novos valores que sejam capazes
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