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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Centro de Artes
Bacharelado em Música - Música Popular

Trabalho de Conclusão de Curso

Os solos de Arthur Maia em Palco:

análise de performances da turnê Quanta

Wagner dos Santos Sicca

Pelotas, 2021
Wagner dos Santos Sicca

Os solos de Arthur Maia em Palco:

análise de performances da turnê Quanta

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Bacharelado em Música Popular da
Universidade Federal de Pelotas como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Música Popular.

Orientador: Prof. Dr. Rafael Henrique Soares Velloso

Pelotas, 2021
Universidade Federal de Pelotas / Sistema de Bibliotecas
Catalogação na Publicação

S565s Sicca, Wagner dos Santos

Os solos de Arthur Maia em Palco : análise de


performances da turnê Quanta / Wagner dos Santos Sicca ;
Rafael Henrique Soares Velloso, orientador. — Pelotas,
2021.

61 f. : il.

Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em


Música - Música Popular) — Conservatório de Música,
Universidade Federal de Pelotas, 2021.

1. Música popular brasileira. 2. Baixo elétrico. 3.


Performance musical. 4. Processos criativos. 5.
Improvisação. I. Velloso, Rafael Henrique Soares, orient. II.
Título.

CDD : 780

Elaborada por Simone Godinho Maisonave CRB: 10/1733


Wagner dos Santos Sicca

Os solos de Arthur Maia em Palco:


análise de performances da turnê Quanta

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado, como requisito parcial para obtenção do


grau de Bacharel em Música Popular, Centro de Artes, Universidade Federal de
Pelotas.

Data da defesa: 15 de junho de 2021

Banca examinadora:

Prof. Dr. Rafael Henrique Soares Velloso (Orientador)


Doutor em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2015)

Prof. Dr. Edwin Ricardo Pitre-Vásquez


Doutor em Musicologia pela Universidade de São Paulo (2008)

Prof. Dr. Leandro Ernesto Maia


Doutor em Música (songwriting) pela Bath Spa University (2019)
À memória de Arthur Maia (1962-2018).
Agradecimentos

Ao Instituto Federal Sul-rio-grandense, local onde trabalho, e à Universidade


Federal de Pelotas, instituições que, como tantas outras, justificam a luta
permanente pela manutenção e expansão do ensino público, gratuito e de
qualidade. Agradeço em especial aos colegas Carla Pires, Fernando Campagnolo e
Neimar Lima por todo apoio e compreensão nos últimos anos.

Ao professor Rafael Velloso por sua orientação nesta pesquisa, por seu
comprometimento com meu desenvolvimento acadêmico e, claro, por sua parceria,
paciência e generosidade.

Aos professores Edwin Pitre-Vásquez e Leandro Maia, membros da banca


avaliadora, por cederem seu tempo e conhecimento, e colaborarem com o
aprimoramento deste trabalho.

Aos professores Guilherme Tavares (um ser humano iluminado), Jorge Meletti
(um profissional exemplar), à dupla Luís Coelho e Rafael Noleto (que me
apresentaram aos seus amigos Mauss, Malinowski, Blacking, Seeger e outros) e a
Werner Ewald (que me fez entender que Bach, Cage e Cobain são do mesmo
planeta).

Aos colegas de faculdade Abner Vargas, Carlos de Césaro, Gabriel Caldeira,


Gabriel Faro, Ivana Munari, Lúcio Ferro e Mateus Messias. Sem eles, o tempo
transcorrido até aqui não teria sido tão divertido e enriquecedor.

Ao meu tio Alceu Santos, meu irmão Gerson Sicca e meu pai Gilberto Sicca.
De diferentes maneiras, vocês me ajudaram a ser músico.

À minha esposa Letícia, companheira que me ouviu compartilhar de forma


entusiasmada todas as descobertas que a graduação me proporcionou, tolerou todo
o barulho que um músico inquieto pode gerar, me amparou quando preciso e, com
sua inteligência, coragem e capacidade, representa uma inspiração permanente.
Aos amigos Koff e Odete, fontes de bagunça, sujeira, tumulto e, claro,
companheirismo e amor incondicional.

Aos amigos Mairon Machado e Cristiano Lemos, meus primeiros


companheiros de banda, que me fizeram ouvir músicos como Geddy Lee, Chris
Squire e Flea e fizeram com que eu tocasse baixo elétrico pela primeira vez.

Ao amigo Jader Corrêa por ter mudado a minha vida de tantas formas que eu
não saberia descrever. Passados mais de 20 anos, guardo viva a memória de
quando ele emprestou a mim uma fita K7 contendo as seis primeiras faixas do
Nevermind no lado A — até hoje não sei o que havia no lado B. Ele me fez descobrir
a música e, como se isso não fosse suficiente, me ensinou muito mais.

À velha Izolda, uma mulher fantástica, guerreira e vitoriosa, motivo de


imensurável orgulho e gratidão. Ela me trouxe ao mundo e nunca mediu esforços
para que eu me tornasse uma pessoa feliz — mesmo que isso significasse virar
músico!
“Mas acaba que isso [os solos] pode
ser o início de uma ideia pra uma outra coisa,
e é pra isso que a gente serve na vida: pra ser semente.”
Arthur Maia
Resumo

SICCA, Wagner dos Santos. Os solos de Arthur Maia em Palco: análise de


performances da turnê Quanta. Orientador: Rafael Henrique Soares Velloso. 2021.
61 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Música Popular) – Centro de
Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2021.

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objeto de análise duas


performances de Arthur Maia como solista na seção introdutória da música Palco em
shows da turnê Quanta, de Gilberto Gil, a fim de oferecer uma compreensão
sistematizada sobre a atuação e o processo criativo do instrumentista nesses
contextos. Arthur Maia foi instrumentista, compositor, arranjador, diretor e produtor
musical, dono de uma carreira que inclui álbuns solo e inúmeros trabalhos junto a
grandes nomes da música popular brasileira. A análise abrange elementos musicais
e extramusicais, considerando os materiais sonoros e as performances nas quais
eles foram gerados. Os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa incluem
a análise apreciativa das gravações selecionadas e a análise a partir de transcrições
dos solos das gravações, bem como pesquisa documental e revisão bibliográfica. A
pesquisa demonstrou como o processo criativo de Maia integrou-se à performance
essencialmente inclusiva proposta por Gil, que coloca os músicos de apoio em
primeiro plano e convida a plateia à participação.

Palavras-chave: Música. Música popular brasileira. Baixo elétrico. Performance


musical. Processos criativos. Composição. Improvisação.
Abstract

SICCA, Wagner dos Santos. Os solos de Arthur Maia em Palco: análise de


performances da turnê Quanta. Orientador: Rafael Henrique Soares Velloso. 2021.
61 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Música Popular) – Centro de
Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2021.

The present work establishes as its objects of analysis two performances by Arthur
Maia as a soloist in the introductory section of the music Palco in concerts on
Gilberto Gil's Quanta tour, in order to offer a systematized understanding of the
instrumentalist's performance and creative process in this context. Arthur Maia was
instrumentalist, composer, arranger, music director and music producer, owner of a
career that includes solo albums and numerous works with great names in Brazilian
popular music. The analysis covers musical and extra-musical elements, considering
the sound materials and the performances in which they were generated. The
methodological procedures adopted in the research include the appreciative analysis
of the selected recordings and the analysis based on transcriptions of the recordings'
solos, documental research and literature review. The research demonstrated how
Maia's creative process was integrated into the essentially inclusive performance
proposed by Gil, which puts supporting musicians in the foreground and invites the
audience to participate.

Palavras-chave: Music. Brazilian popular music. Electric bass. Musical performance.


Creative process. Composition. Improvisation.
Lista de figuras

Figura 1 Progressão harmônica do solo ……………………………………….. 32


Figura 2 Mão direita de Maia durante técnica de pizzicato ………………….. 33
Figura 3 Mão direita de Maia durante técnica de slap [1] ……………………. 34
Figura 4 Mão direita de Maia durante técnica de slap [2] ……………………. 34
Figura 5 Frase 1 na versão do Rio de Janeiro ………………………………… 37
Figura 6 Uso do raking na primeira execução da frase 1 na versão de
Montreux ……………………………………………………………….... 37
Figura 7 Frase 2 na versão do Rio de Janeiro ……………………………….... 38
Figura 8 Polimetria na frase 2 da versão do Rio de Janeiro ..……………….. 38
Figura 9 Frase 3 na versão do Rio de Janeiro ……………………………….... 39
Figura 10 Frase 4 na versão do Rio de Janeiro ……………………………….... 40
Figura 11 Músicos no palco do Montreux Jazz Festival …………………….…. 42
Figura 12 Músicos no palco em foto do encarte de Quanta gente veio ver …. 43
Figura 13 Gil interage com um percussionista enquanto o outro estimula a
plateia a bater palmas no show de Montreux ……………………….. 44
Figura 14 Gil reage a um trecho do solo de Maia no show de Montreux ……. 45
Lista de hyperlinks

Hyperlink 1 Frase 1 [https://youtu.be/w4WssyQvQ-k] …………………………. 37


Hyperlink 2 Frase 2 [https://youtu.be/uKFQ0aTtUqE] …………………………. 38
Hyperlink 3 Frase 3 [https://youtu.be/ZjXStyYcMBA] ………………………….. 39
Hyperlink 4 Frase 4 [https://youtu.be/hycobGBGKBY] ……………………….... 40
Lista de tabelas

Tabela 1 Delimitação do solo …………………………...…………………….…. 31


Tabela 2 Delimitação das seções …………………………………………….…. 35
Tabela 3 Mapeamento das frases ………………………………………………. 40
Sumário

Considerações iniciais 14
1 Sobre criação e performance 17
2 Quem manda é a deusa Música: o solista e a canção 22
2.1 Arthur Maia 22
2.2 Palco 26
3 Só quem é clarividente pode ver: as análises 31
3.1 Aspectos musicais 31
3.2 Aspectos extramusicais 41
Considerações finais 47
Referências 49
Gravações, entrevistas, workshops etc 53
Apêndice A – Transcrição do versão de Montreux 55
Apêndice B – Transcrição da versão do Rio de Janeiro 58
Considerações iniciais

No início da adolescência minha mente era tomada pelo som de bandas de


rock estrangeiras e, definitivamente, não era um terreno receptivo à música
brasileira. O inglês era a língua falada pelos músicos que me inspiravam e na qual
eram cantadas as músicas que me fascinavam. Porém, por algum motivo, um dia
tive curiosidade de escutar um CD pertencente a meu irmão, intitulado Quanta gente
veio ver, de Gilberto Gil. Àquela altura eu já tinha ouvido alguns dos grandes
baixistas, como Geddy Lee e Chris Squire, mas nesse dia conheci a pessoa
referenciada por muitos como o gigante: Arthur Maia.
O solo de baixo elétrico realizado por Maia na introdução da música Palco foi
colocado na abertura do álbum, para surpresa do próprio músico. Em minha opinião,
não poderia haver escolha melhor pois trata-se de um solo arrebatador, icônico.
Ainda hoje, cerca de 20 anos após ouvir o disco pela primeira vez, me impressiono a
cada nova audição e renovo minha admiração pela musicalidade daquele que
considero um dos mais importantes baixistas da música brasileira.
O apreço pessoal pelo trabalho de Maia e o interesse pelo estudo de baixo
elétrico de forma geral me motivaram a desenvolver uma pesquisa sobre o referido
solo para a disciplina de Improvisação Musical II, cursada por mim no fim do ano
passado. Esse estudo serviu como embrião para o presente trabalho de conclusão
de curso, que tem como objetivo geral descrever e analisar performances de Arthur
Maia como solista na seção introdutória de Palco em shows da turnê Quanta, de
Gilberto Gil, a fim de oferecer uma compreensão sistematizada sobre a atuação e o
processo criativo do instrumentista nesse contexto através do estudo de aspectos
musicais e extramusicais.
A pesquisa foi realizada com base em gravações em áudio e vídeo de
apresentações da referida turnê. A seleção de material partiu de seu registro oficial,
o álbum Quanta gente veio ver, e se estendeu por meio de pesquisas em sites de
busca na internet; o único outro registro encontrado foi a gravação em vídeo da
performance ocorrida durante a 31ª edição do Montreux Jazz Festival, disponível na
plataforma online de compartilhamento de vídeos YouTube.
15

O primeiro passo para o estudo dos aspectos musicais foi a análise


apreciativa, que permitiu o entendimento da ideia geral do arranjo, a identificação de
recursos técnicos e idiomáticos do contrabaixo e o exame de fatores como timbre,
expressão, dinâmica e forma. Essa fase incluiu a cronometragem de determinados
eventos dos solos, o que resultou em tabelas com o mapeamento temporal de
seções, uso de técnicas, ocorrência de frases entre outros. Em uma segunda etapa,
realizei a transcrição dos solos para partitura com a finalidade de efetuar uma
análise mais acurada de seus parâmetros melódicos e harmônicos, tais como
motivos, padrões rítmicos, variações, escalas e fraseados.
A gravação em vídeo da performance no Montreux Jazz Festival foi
especialmente útil em certos pontos da pesquisa. Ainda que seja possível
depreender quais as técnicas de contrabaixo utilizadas por Maia a partir da audição,
o vídeo mostra a maneira como o baixista as executava — o que enriquece a
compreensão sobre sua linguagem. Além disso, o vídeo possibilita o estudo de
elementos extramusicais pois, por registrar a interação do músico com o contexto,
permite que a performance seja analisada em sua dimensão cênica; dessa forma,
torna-se possível a reflexão sobre como os elementos musicais e extramusicais se
associam.
Assumindo que o ponto de vista do artista é um fator significativo para o
entendimento da performance e do processo criativo, realizei uma pesquisa
documental com o propósito de reunir informações relacionadas a Maia e suas
ideias sobre música, criação e os solos em Palco. O material encontrado inclui
publicações especializadas em contrabaixo, um livro de transcrições, uma videoaula,
gravações de workshops e entrevistas dadas pelo baixista a programas de TV e
canais do YouTube. Os dados obtidos influenciaram o direcionamento desta
pesquisa, visto que a afirmação de Maia de que seu solo em Palco era parte
improvisado e parte composto foi de encontro à minha impressão inicial de que se
tratava de um solo essencialmente improvisado. Tendo isso em mente e visando
obter embasamento teórico para o estudo proposto, fiz uma pesquisa bibliográfica
orientada a temas como composição, improvisação, performance musical, técnica
para contrabaixo elétrico e harmonia.
Em suma, os procedimentos metodológicos descritos foram estabelecidos e
realizados com o intuito de viabilizar a análise das performances selecionadas sob
uma perspectiva ampla. Coletei dados sobre Arthur Maia relacionados a sua
16

biografia e seu processo criativo, reuni informações sobre a canção, investiguei


possíveis estratégias de construção de solos e analisei a performance. Os
resultados estão dispostos em três capítulos.
O capítulo 1, Sobre criação e performance, apresenta o referencial teórico
que embasou a pesquisa, elaborado através de revisão bibliográfica. Nele são
discutidos modos de criação musical e aspectos da performance em música.
Quem manda é a deusa Música, segundo capítulo deste trabalho, contém
informações sobre Arthur Maia e a canção Palco. A seção sobre o baixista abrange
sua formação musical e atuação profissional, bem como algumas de suas ideias
sobre música. Já a seção sobre a canção versa sobre sua criação, suas gravações e
concepções de Maia relativas ao solo nessa obra.
Só quem é clarividente pode ver é o terceiro capítulo e se dedica às análises
de fatores musicais e extramusicais. Na sua primeira parte são abordados temas
como harmonia, forma, técnica e construção melódica, enquanto na segunda há a
descrição comentada das performances.
Por fim, apresento as considerações finais sobre a pesquisa realizada.
1 Sobre criação e performance

Pensar sobre o fenômeno musical a partir da performance de um artista


mostra-se um exercício complexo que envolve várias camadas. O elemento mais
aparente é o material sonoro, para o qual atribuímos significados e sobre o qual
dedicamos, em última instância, considerável parte dos esforços de análise. Porém,
tanto o fazer musical quanto a escuta se realizam sob conjunturas socioculturais que
garantem aos sons “várias interpretações estruturais possíveis (...) e um número
quase infinito de respostas individuais à sua estrutura, dependendo do contexto
cultural e atual estado emocional de seus ouvintes”1 (BLACKING, 1974, p. 19-21,
tradução nossa). Assim sendo, diferentes abordagens podem ser adotadas para a
reflexão proposta nesta seção.
Proponho como ponto de partida a concepção oferecida pelo próprio Arthur
Maia sobre seu solo de baixo elétrico da introdução de Palco disponível no disco
Quanta gente veio ver: “compus uma melodia e improvisava entre partes dela”
(MAIA apud NASCIMENTO, 2011, p. 34). Nota-se na sua definição o uso dos
conceitos “composição” e “improvisação” como modalidades distintas de criação
musical, empregadas alternadamente pelo músico na construção de seu solo.
Impõe-se, portanto, a necessidade de definição dos dois termos.
Composição pode ser entendida como “a atividade ou processo de criação
musical e o produto dessa atividade”2 (BLUM, 2001, tradução nossa), enquanto
improvisação é a “criação de uma obra musical, ou a forma final de uma obra
musical, conforme vai sendo performatizada”3 (NETTL et al, 2001, tradução nossa).
Ambas as definições tratam de processos criativos, porém o diferencial da
improvisação reside no fator temporal — ela é essencialmente feita em tempo real.
No entanto, a composição também possui, através da sua interpretação, uma
dimensão de tempo real. Seria então o intérprete, no caso da composição, apenas
um reprodutor de obras idealizadas por outrem, apartado da criação musical?
1
No original: “(...) there can be several possible structural interpretations (...) and an almost infinite
number of individual responses to its structure, depending on the cultural background and current
emotional state of its listeners”.
2
No original: “The activity of process of creating music, and the product of such activity”.
3
No original: “(...) creation of a musical work, or the final form of a musical work, as it is being
performed”.
18

Ao discorrer sobre práticas interpretativas relacionadas à tradição europeia de


música de concerto, Costa afirma que essa música pode ser encarada como
uma espécie de objeto preparado em tempo diferido, no passado
(comunicado para os performers através de uma partitura, uma proposta,
um roteiro ou um conjunto de ideias) que é interpretado em tempo real, no
presente, por músicos que não participaram do processo de criação
(COSTA, 2018, p. 177).

A ideia trazida por Costa pode sugerir que o intérprete é alheio ao processo
criativo, o que não parece ser correto. Fosse a partitura um meio suficiente para
transmitir com exatidão todos os parâmetros de execução desejados pelo
compositor, todas as interpretações seriam iguais; logo, a limitação da notação
implica na tomada de decisões por parte do intérprete, o que faz da interpretação,
“em maior ou menor grau, também uma recriação” (COSTA, 2018, p. 177). Suponho
que a variedade de possibilidades interpretativas, tão ampla quanto o número de
intérpretes e interpretações existentes, e as incontáveis variáveis que fazem de cada
apresentação um evento único sejam algumas das razões para Nettl e outros terem
afirmado que “até certo ponto, toda performance envolve elementos de
improvisação”4 (NETTL et al, 2001, tradução nossa).
As informações apresentadas mostram que improvisação, composição e
prática interpretativa são conceitos correlatos, porém o primeiro difere-se na medida
em que “aspectos decisivos do processo de composição ocorrem durante a
performance”5 (BLUM, 2001, tradução nossa). Enquanto uma composição constitui
uma espécie de conjunto de instruções a ser interpretado em momento posterior à
sua criação, a improvisação é essencialmente gerada em tempo real. Isso não
significa, no entanto, que performances improvisadas ocorram necessariamente
desprovidas de um ponto de partida ou de algum nível de contextualização: Nettl e
outros escrevem que, “até certo ponto, cada improvisação se apóia em uma série de
convenções ou regras implícitas”6 (NETTL et al, 2001, tradução nossa). Um exemplo
que corrobora essa observação é a chamada improvisação idiomática, modalidade
predominante de improvisação na qual o foco se dá sobre a expressão de um
determinado idioma musical (BAILEY, 1993, p. xi) . Nesse cenário, o improvisador
cria a partir de um referente, que é "um conjunto de estruturas (restrições)
cognitivas, perceptuais ou emocionais que orientam e auxiliam na produção de

4
No original: “To some extent every performance involves elements of improvisation (...)”
5
No original: “(...) decisive aspects in composition occur during performance”
6
No original: “(...) to some extent every improvisation rests on a series of conventions or implicit rules”
19

material musical"7 (PRESSING, 1984 apud PRESSING, 1998, p. 52). Fatores como
o gênero musical e padrões melódicos, rítmicos e harmônicos atuam, em certa
medida, como limitadores das opções do improvisador, levando-o a construir seus
solos sob determinados preceitos de maneira a se adequar a uma linguagem
musical específica.
Independentemente da modalidade de criação musical e dos condicionantes
envolvidos, uma característica comum à interpretação e à improvisação é o fato de
que ambas se realizam através da performance. Nas artes e nas ciências humanas
de modo geral, esse termo costuma se associar à ideia de atuação (LIMA; AFONSO,
2009, p. 3), e é com esse sentido em vista que Cohen (2002) afirma que
performance é “uma função do tempo e do espaço” e é uma “cena” (LIMA;
AFONSO, 2009, p. 6). Dessa forma, performance consiste em algo que precisa estar
acontecendo em tempo e lugar determinados, tendo, por consequência, natureza
efêmera e caráter único — diferentes interpretações de uma mesma obra pelo
mesmo performer geram, necessariamente, resultados diversos.
A performance musical, de forma específica, é “constituída por todas as ações
que concorrem para fazer soar aquilo que pretendem os executantes e que interessa
aos ouvintes” (CIRINO, 2005, p. 87, grifo nosso). Sendo a música uma arte
performativa, parâmetros cênicos e expressivos também são englobados pela
performance. Fatores como as interações entre os músicos ou entre músico e
público, bem como movimentos, gestos e falas, são partes integrantes de uma
performance musical, impactando no modo como a música é produzida e, também,
recebida. Um olhar sobre elementos extramusicais pode, portanto, oferecer uma
perspectiva mais qualificada sobre o material sonoro produzido por um músico.
Inspirado no conceito de campos sociais8 do sociólogo Pierre Bourdieu, Turino
propõe um sistema de campos musicais que permite a classificação de
performances de acordo com princípios como objetivo, concepção e papéis dos
agentes envolvidos. Apresentações ao vivo9 como as da turnê Quanta pertencem ao
7
No original: "(...) a set of cognitive, perceptual, or emotional structures (constraints) that guide and
aid in the production of musical material"
8
De acordo com Pereira (2015, p. 341), campo é “um microcosmo social dotado de certa autonomia,
com leis e regras específicas, ao mesmo tempo em que influenciado e relacionado a um espaço
social mais amplo”. É nos campos que os agentes interagem e estabelecem relações e disputas de
poder.
9
A análise apresentada neste trabalho se deu sobre duas gravações, sendo, uma, em áudio e outra,
em vídeo. No esquema de Turino, esses registros estariam no domínio da música gravada, sendo
classificados no campo “alta fidelidade”, onde a ênfase da gravação está na representação de uma
performance ao vivo (TURINO, 2008, p. 67). Esse fato não é relevante para a presente discussão
20

campo de performance de apresentação10, um tipo de performance ao vivo no qual o


artista prepara e gera música à audiência, que não participa do fazer musical
(TURINO, 2008, p. 26). Os papéis do artista, como gerador de música, e do público,
como receptor, são distintos e bem definidos, porém esta não é uma relação de via
única. Turino (2008, p. 52) escreve que cabe ao artista a responsabilidade de manter
o interesse da audiência, o que implica na relevância do feedback do público que
reage ao fazer musical embora não atue diretamente nele. A influência da audiência
na performance é destacada por Bailey (1993, p. 44), que avalia o efeito imediato da
percepção do público no improvisador enquanto ele cria, impactando a própria
construção do material musical. É evidente que é estabelecida uma espécie de
diálogo entre artista e público por meio das interações realizadas no contexto da
performance.
O que chamamos de música é, sob certo aspecto, um fenômeno acústico cuja
natureza não difere de qualquer outro som; quem provê a ela algum significado
somos nós, pessoas que a produzem, a escutam, enfim, a vivem. Esse fator humano
é abordado por Blacking, que afirma que diversas percepções da música e da
experiência musical surgem em decorrência dos diferentes sentidos atribuídos pelas
pessoas aos símbolos musicais. Segundo ele, “o ‘objeto artístico’ em si não é arte
nem não-arte: torna-se um ou outro somente pelas atitudes e sentimentos que os
seres humanos lhe dirigem” (BLACKING, 2007, p. 202). Isto posto, creio que a
qualidade da comunicação entre artista e audiência pode estar em alguma medida
vinculada à capacidade de compreensão, por parte de ambos, dos signos que são
compartilhados durante a performance.
A compreensão dos signos, por sua vez, é induzida por uma moldura11,
conceito discutido pelo antropólogo Gregory Bateson que diz respeito à “estrutura
mental para interpretar uma fatia específica da experiência”12 (TURINO, 2008, p. 14,
tradução nossa). Ao assistir uma apresentação de música pop, por exemplo, artista
e audiência vivenciam a experiência a partir de determinadas molduras, ativando
certos “presets interpretativos” que orientam os entendimentos do que está
acontecendo e colaboram para que cada agente assuma o papel que lhe compete

pois o enfoque está nas performances realizadas, cabendo às gravações o papel de ferramenta de
pesquisa.
10
No original: “Presentational performance”.
11
No original: “Frame”.
12
No original: “(...) mental framework for interpreting a particular slice of experience”.
21

em uma performance de apresentação. O público presente nas apresentações


analisadas assistiu, ouviu e reagiu às performances a partir de sua perspectiva
enquanto plateia; Maia, o artista, construiu seus solos ciente de sua função como
criador de música para a apreciação estética pela audiência e, presumo, tentando
impacta-la de forma positiva através de uma atuação em alto nível.
O que constituiria, então, uma apresentação de alto nível para Maia? Uma
simples exibição de suas reconhecidas habilidades técnicas no instrumento? O
próprio músico indica que não. Ao ser questionado sobre desenvolvimento técnico
em uma entrevista, ele respondeu: “Para mim, virtuosismo é emocionar. (...) Você
tem de ser um pouco mais do que simplesmente sua técnica. Deve expandir a
emoção, e isso aprendi ouvindo, porque eu me emocionava” (MAIA apud
NASCIMENTO, 2011, p. 34). Em outro ponto da mesma entrevista, Maia acrescenta
que, embora tenha consciência teórica do que toca, cria baseado em sentimentos
pois, em sua visão, a música é feita para ser sentida. Portanto, Maia aparentemente
vislumbrava uma comunicação que transcende questões técnico-musicais e
promove alguma reação sentimental no espectador, sendo mais inclusiva na medida
em que dispensa o público da necessidade de ser versado em baixo elétrico para
apreciar a performance.
Considero que fazer música inteligível para as plateias é uma habilidade
imprescindível para apresentações como as selecionadas neste trabalho. Os
números da turnê Quanta, como veremos adiante, indicam a abrangência do público
de Gilberto Gil, e o enquadramento das músicas sob o rótulo pop, ainda que dentro
do terreno da chamada MPB, atua como um condicionante da performance e do
processo criativo. A versátil e longeva carreira de Maia atesta sua capacidade de
expressão e de adequação a trabalhos diversos, exercida através de sua
sensibilidade artística e do seu controle sobre a utilização de diversos recursos
musicais e cênicos a fim de estabelecer uma comunicação satisfatória com os
demais instrumentistas e com a plateia.
2 Quem manda é a deusa Música: o solista e a canção

No capítulo anterior, salientei o caráter evanescente da performance,


situando-a como algo que acontece em tempo e lugar determinados. Esse fenômeno
temporal e espacialmente localizado, contudo, é a expressão final de um processo
que envolve idealização e preparação, e que, em última análise, é permeado pela
história pregressa do performer e pela concepção da obra. Logo, apresento neste
capítulo uma revisão de dados biográficos relacionados a Arthur Maia, o solista, e
Palco, a canção, abordando também o compositor Gilberto Gil, com a finalidade de
aprimorar a contextualização das performances analisadas.

2.1 Arthur Maia

Arthur Oliveira da Costa Maia Filho nasceu em 9 de abril de 1962 no Rio de


Janeiro (capital), no bairro Cascadura. Com 2 anos de idade, se mudou com a
família para uma casa localizada no Engenho da Rainha, próxima à quadra da
escola de samba desse bairro (TOMMASO, 2004, p. 16). O novo ambiente
despertou o amor pela música no jovem Maia, algo inevitável para alguém que
cogitava ter “o DNA mais musical do Brasil” (MAIA apud TOMMASO, 2004, p. 16)
em função da extensa relação de sua família com essa forma de arte.
Em entrevista a Nelson Faria, o baixista mencionou familiares que tiveram a
música como profissão (UM CAFÉ…, 2018). O maestro e compositor Francisco
Braga (1868-1945), cuja obra mais célebre é o Hino à bandeira, de 1905, foi casado
com sua trisavó Leonor. O também compositor J Cascata (1912-1961), filho de
Leonor, fez carreira entre os anos 1930 e 1940 e escreveu canções como Minha
palhoça e Lábios que beijei. Arthur Maia, o pai, abandonou uma possível carreira
como violonista ao casar, mas chegou a gravar um disco em 1960. Também há
Luizão Maia (1949-2005), tio de Maia, um dos maiores e mais influentes baixistas da
música brasileira.
O histórico familiar talvez tenha influenciado o desenvolvimento precoce da
musicalidade de Maia: aos 4 anos, ele ganhou uma bateria dos pais; aos 5,
ingressou no Conservatório Santa Cecília, localizado no bairro da Abolição, e
23

estudou o instrumento sob orientação de Benício Neto; aos 6, já integrava grupos na


escola e em outros locais; aos 8, ostentando um cabelo no estilo black power,
começou a fazer shows como baterista e vocalista; com 10, começou a compor
(ENTREVISTA…, 2010a; NASCIMENTO, 2011, p. 31; TOMMASO, 2004, p. 18).
Com 13 anos de idade, Maia teve encerrada essa primeira fase da carreira em
decorrência da mudança de sua família para Niterói, motivada pelo aumento da
violência no Rio de Janeiro (TOMMASO, 2004, p. 18). Vivendo agora perto da praia,
ele aderiu ao surfe, sua nova paixão, e parou de tocar (ENTREVISTA…, 2010a).
Se por um lado a troca de cidade provocou o distanciamento de Maia da
música, por outro ela foi fundamental na sua migração para o contrabaixo — como
ele afirmou em entrevista, “atravessei [a ponte Rio-Niterói] e parece que caí do
outro lado da magia” (MAIA apud UM CAFÉ…, 2018). Após cerca de um ano, uma
banda de rock ficou sem baixista e Maia, que tocava um pouco de violão, se
considerou capaz de assumir a função. Com o dinheiro da venda de sua prancha de
surfe, ele comprou um amplificador modelo Tremendão, fabricado pela Giannini. Já o
primeiro baixo que teve em mãos foi emprestado a ele por Luizão (ENTREVISTA…,
2010a), em uma de tantas vezes em que o tio se fez presente de alguma maneira na
vida do sobrinho.
As histórias contadas por Maia em diversas entrevistas evidenciam a relação
próxima que ele teve com Luizão, seu “tio pai” (MAIA apud ENTREVISTA…, 2010a),
pessoa que teve grande participação na sua formação musical e futura inserção no
meio artístico profissional. Maia relatou que, durante sua infância, tocava bateria
acompanhado por Luizão, que ensinava a ele novas levadas (UM CAFÉ…, 2018).
Foi ao lado do tio que Arthur assistiu ao show de James Brown no Canecão em
1973, ocasião na qual subiu no palco e dançou ao lado do ídolo (ENTREVISTA…,
2006). Foi através de Luizão que Maia conheceu Elis Regina e testemunhou a
gravação do samba Exaltação à independência no estúdio da CBS (TOMMASO,
2004, p. 16). E quando finalmente ganhou um baixo de seu pai, um instrumento da
marca Sonelli, em seu aniversário de 15 anos, Maia teve que esperar um pouco para
aproveitar o presente — Luizão ficou tocando no baixo durante quase toda a festa
(TOMMASO, 2004, p. 18).
Mesmo tendo aprendido muito com o tio, Maia se considerava autodidata no
baixo elétrico (ENTREVISTA…, 2010a). Dos 15 aos 19 anos, implementou uma
intensa rotina de estudos na qual tocava por cerca de 10 horas diárias, organizando
24

suas prioridades de estudo em um cartaz afixado na porta do quarto


(NASCIMENTO, 2011, p. 32; TOMMASO, 2004, p. 18). Parte de seu estudo incluía
tirar de ouvido discos inteiros de músicos como Jaco Pastorius e Anthony Jackson
(NASCIMENTO, 2011, p. 33-34). Esse período também incluiu dois anos de estudo
de contrabaixo acústico com Ricardo Santos em Niterói e o ingresso no curso de
Composição e Regência da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, aos 17. Os crescentes compromissos profissionais fizeram Maia abandonar
a universidade logo cedo, mas ele seguiu estudando harmonia, teoria e
improvisação com Sérgio Benevenuto, ex-colega de UFRJ que tinha passado pela
Berklee College of Music (ENTREVISTA…, 2010a). Foi nesse período com
Benevenuto que o baixista se descobriu como improvisador, fazendo desta uma
faceta indissociável de sua musicalidade (ENTREVISTA…, 2010).
As ideias de Maia sobre música foram construídas ao longo desses primeiros
anos de sua formação. A proximidade com uma escola de samba e o contato com a
bateria durante a infância contribuíram para que o baixista atribuísse grande
relevância ao ritmo, algo que é “fundamento para todo músico” (MAIA apud
ENTREVISTA… 2006). Maia, que chegou a se definir como um “baixo
percussionista” (MAIA, 2015 apud CASTANHEIRA, 2016, p. 85), também via grande
importância da compreensão e aprendizado da percussão para a assimilação da
música brasileira (CASTANHEIRA, 2016, p. 85). Durante um workshop, ele afirmou
que “o início de tudo tá na percussão. Se você quiser entender a música, você tem
que entender um pouco a percussão que acompanha disso” (MAIA, 2015a).
Ainda que seu pai dissesse que “baixo não é melodia, baixo é obrigação13”
(MAIA, 2008), Maia tornou-se “muito mais ligado à melodia do que em qualquer
outro aspecto da música” (MAIA apud TOMMASO, 2004, p. 18). Dedicava parte de
seu tempo a escutar músicos como Charlie Parker e John Coltrane, e contornava a
escassez de material específico para contrabaixo estudando livros de saxofone,
como o Technique of the saxophone, de Joseph Viola, o qual transcreveu inteiro
para o seu instrumento (MAIA, 2008; NASCIMENTO, 2011, p. 34).
O primeiro trabalho profissional de Maia foi aos 17 anos, com o cantor e
compositor mineiro Marku Ribas. Selecionado após indicação de Luizão — e

13
Referência à baixaria de obrigação, um tipo de linha melódica executada tradicionalmente pelo
violão de 7 cordas que é parte integrante da composição em gêneros musicais como o choro e o
samba (PAIVA, 2020, p. 43).
25

utilizando um baixo Fender Precision sem trastes por ele emprestado —, o baixista
gravou o álbum Mente & Coração, lançado em 1980 (TOMMASO, 2004, p. 18). Na
sequência, vieram trabalhos com Luiz Melodia, Rogéria e o palhaço Carequinha
(MAIA, 2008; NASCIMENTO, 2011, p. 30). Ainda com 17, outra indicação de Luizão
possibilitou a Maia o ingresso na banda que acompanhou Ivan Lins na turnê do
disco Novo tempo, um dos trabalhos mais marcantes de sua carreira. Para o teste
com Lins, Maia tomou emprestado novamente o Fender de Luizão, que acabou
presenteando o sobrinho com o baixo dizendo “Toma, que essa porra não afina” (UM
CAFÉ…, 2018).
O trabalho com Lins abriu muitas portas a Maia, que ao longo da carreira
tocou ou gravou com Martinho da Vila, Lulu Santos, Djavan, Caetano Veloso, Ney
Matogrosso, Gal Costa, Roberto Carlos, Marisa Monte, Jorge Ben Jor, Carlinhos
Brown, Mart’nália, Ritchie, Carlos Santana, Pat Metheny, George Benson, Plácido
Domingo e muitos outros artistas. Em sua atuação como sideman, o baixista estimou
que fez mais de duas mil gravações e não soube precisar quantos shows fez, visto
que começou a se apresentar aos 8 anos de idade (PAPO…, 2018).
Dentre todos esses trabalhos, um dos mais relevantes foi o realizado junto a
Gilberto Gil. Maia, que nunca havia imaginado ficar mais de três ou quatro anos
acompanhando um cantor por temer estagnação, foi conquistado por uma “relação
de evolução e respeito” (MAIA apud NASCIMENTO, 2011, p.35) construída com Gil;
o trabalho em conjunto teve início em 1993 (CULLEN, 2007) e se estendeu por mais
de duas décadas, rendendo inúmeros shows ao redor do mundo e participações do
baixista em 11 discos14 (DISCOGRAFIA, [s. d.]).
Paralelamente ao seu trabalho como músico acompanhante, Maia integrou
algumas bandas nos anos 1980 e 1990. Teve uma passagem pela Banda Black Rio
no ano de 1981 e quatro anos depois fundou a grupo de pop rock Egotrip15, com
quem lançou um álbum homônimo em 1987 (BIOGRAFIA…, [s. d.]; MAIA, 2008). Na
área da música instrumental, formou as bandas Garage, Varanda e Trio Pulsar
(TOMMASO, 2004, p. 18), e ingressou em 1985 no Cama de Gato, grupo com o qual
gravou cinco discos. O álbum de estreia, Cama de Gato (1985), ultrapassou a marca

14
Além desses 11, Maia participou de Raça humana, álbum lançado em 1984, ou seja, antes de sua
entrada na banda de apoio de Gil.
15
O baterista da Egotrip era Pedro Gil, filho de Gilberto Gil. A banda acabou após o falecimento de
Pedro aos 19 anos, em decorrência de um acidente de carro no início de 1990 (BIOGRAFIA…, [s. d.];
PEDRO…, 2009).
26

de 50 mil cópias vendidas, número expressivo para um disco de música instrumental


(MULLER, 2005, p. 128).
Maia também desenvolveu uma carreira solo, registrada em seis álbuns e um
DVD (ARTHUR…, c2002-2021; ARTHUR..., [s. d.]; FERREIRA, 2019). Seu álbum de
estreia é Maia, lançado em 1990 no Brasil e na Europa e laureado com o Prêmio
Sharp de Música de 1992 na categoria revelação instrumental. Em 1996 veio o
segundo disco, Arthur Maia, sucedido por Black Fusion Band — ao vivo, de 2000,
gravado com o guitarrista estadunidense Hiram Bullock. Seguiram-se Planeta
música, de 2000, e O tempo e a música, de 2010. O registro mais recente é Arthur
Maia ao vivo, gravado em abril de 2015 em Niterói e lançado postumamente em
2019 nos formatos álbum digital e DVD.
Além dos trabalhos como instrumentista e compositor, Maia também atuou
como arranjador e diretor musical, e, como produtor, venceu o Grammy latino de
melhor álbum de samba e pagode com +Misturado, de Mart’nália (+MISTURADO,
c2018-2021). Também atuou na política, exercendo a função de Secretário de
Cultura de Niterói entre 2013 e 2016 (ARTHUR…, c2002-2021). Em 15 de dezembro
de 2018, Arthur Maia faleceu em Niterói aos 56 anos após sofrer uma parada
cardíaca (LUZ; GOBBI, 2018). Deixou quatro filhos, três netos e um imenso legado
na música brasileira (SOARES, 2018).

2.2 Palco

A certa altura do ano de 1980, Gilberto Gil pensou que chegara a hora de
abandonar a carreira musical e dar novo rumo à sua vida. Ele ainda amava cantar,
mas se sentia desmotivado e buscava algo que lhe trouxesse ânimo. Decidiu, então,
comunicar sua decisão a todos através de uma canção, uma declaração musical
para o público. O resultado foi Palco, um ijexá que, nas palavras de Gil, “(...) era na
verdade pra não deixar dúvida a respeito de tudo o que cantar representa para mim,
e a respeito da minha relação com a música – simbolizada de forma completa pelo
estar no palco” (GIL apud QUANTA…, [s. d.]). Após concluir a canção, o compositor
não encontrou na letra nada relativo à pretensa despedida e, no dia seguinte, já
havia esquecido a ideia. A canção do adeus se transformou em um “colarzinho de
proteção, como se fosse uma conta de um orixá, uma conta de Xangô” (GIL; ZAPPA,
2013, posição 186).
27

Essa composição aborda o palco como um lugar especial, o lugar onde a


música exerce seu poder; ele é o altar onde o artista cumpre sua função como
“intermediário entre o divino e o humano” (GIL, 1982, p. 67), fazendo da
performance um ritual em reverência à “deusa Música”. Entendo que o palco é o
espaço no qual Gil, ao tocar e cantar para seu público, efetivamente manifesta sua
musicalidade. O compositor já afirmou que prefere discos ao vivo pois “estão mais
próximos da minha maneira mais natural de cantar e tocar” (GIL apud RYFF, 1998),
o que reforça a importância que ele atribui às performances ao vivo e, por extensão,
ao local onde elas ocorrem.
Palco foi gravada pela primeira vez logo no ano em que foi escrita, mas não
por Gil: a canção foi lançada pelo grupo A Cor do Som no álbum Transe total (1980).
A versão de Gil viria somente no ano seguinte, integrando o disco Luar (a gente
precisa ver o luar), com um arranjo que lembra os da banda Earth, Wind & Fire16.
Seguiram-se a essas várias regravações (IMMUB, c2017), algumas realizadas por
artistas como Pato Fu, Djavan, Jorge Vercillo, Fernanda Abreu e Angélica, e outras
pelo próprio Gil — como uma das analisadas no presente trabalho.
Como mencionado anteriormente, o recorte da pesquisa consiste em solos de
baixo de Arthur Maia na introdução da música Palco realizados durante a turnê
Quanta. Essa turnê é relativa ao álbum homônimo, um disco duplo conceitual
lançado em abril de 1997 (FERREIRA, 2020). A excursão teve 88 apresentações
realizadas entre 10 de abril e 19 de dezembro de 1997, com público total estimado
de 235.240 pessoas (GIL, 1998).
Caetano Veloso assistiu Gil no Rio de Janeiro durante a segunda semana de
turnê e sugeriu ao amigo que gravasse o show; Gil, por sua vez, não achava que o
espetáculo estava amadurecido àquela altura (RYFF, 1998). Passaram-se alguns
meses até que o registro finalmente ocorresse: os shows realizados nos dias 13 e 14
de agosto no teatro São Caetano, no Rio de Janeiro (capital), deram origem ao disco
Quanta gente veio ver (1998), mais tarde premiado na categoria Best world music
album da 41ª edição do Grammy Award (41ST…, c2021; GIL, 1998). A faixa de

16
A ligação de Gil com o Earth, Wind & Fire vem do disco anterior, “Realce” (1979), onde Gil flertou
com a disco music. No ano seguinte, a banda estadunidense se apresentou no Maracanãzinho (RJ) e
contou com a participação do brasileiro na execução da faixa título de seu álbum. A performance foi
registrada em uma reportagem da TV Globo que está disponível em https://youtu.be/_KntU0Z0tD4
(acesso em 20 maio 2021).
28

abertura desse álbum, nomeada como Introdução, foi a primeira gravação


selecionada para esta pesquisa.
A segunda gravação, em vídeo, foi realizada em 5 de julho de 1997 na cidade
suíça de Montreux, no Auditorium Stravinski, durante a 31ª edição do tradicional
Montreux Jazz Festival (CONCERTS…, c2021). Esse é um evento que ocorre
anualmente desde 1967 e já recebeu artistas estrangeiros como Miles Davis, Ella
Fitzgerald, Chick Corea, Weather Report e brasileiros como Hermeto Pascoal, Elis
Regina, Djavan e É o Tchan. Na performance de Montreux e na do Rio de Janeiro,
Palco foi tocada com o mesmo arranjo, contendo um solo de baixo em sua
introdução.
Severiano e Mello dedicam algumas linhas para a introdução de Palco em
suas considerações sobre a canção: os autores classificam a seção como “muito
atraente” e a definem como o “toque de preparação para o segmento dançante no
final dos shows [de Gilberto Gil]” (SEVERIANO; MELLO, 2006, p. 284). Creio que
tais comentários apontam para o caráter singular da música e de sua introdução,
mostrando o quão diferenciado é o momento em que os solos de Maia ocorreram.
Ainda que a canção não tenha ocupado o segmento final em todas as
apresentações da turnê Quanta17, certamente ela mantém um significado especial
para Gil, a quem Maia chamava respeitosamente de “professor” (TOMMASO, 2004,
p. 20). Por sua vez, a presença do solo de baixo em sua introdução denota a
importância de Maia, que era chamado por Gil de “doutor” (TOMMASO, 2004, p. 20).
Mesmo habituado a solar em Palco, o baixista ficou surpreso e grato ao ver que sua
performance foi colocada na abertura de Quanta gente veio ver, algo que ele só
descobriu quando Gil mostrou o álbum pronto a ele. Maia disse nunca imaginar “(...)
que um disco de cantor pudesse um dia começar assim” (NASCIMENTO, 2011, p.
35) e classificou a faixa como "um presente que eu, nem depois de morto, em mil
gerações, vou poder pagar ele" (ARTHUR..., 2012).
Ao ser questionado sobre o solo de Palco registrado no álbum, Maia afirmou
que intercalava partes de uma melodia composta com improvisos, acrescentando
que considerava o solo como uma música independente, encarando-o como uma
composição e não como um improviso (NASCIMENTO, 2011, p. 34-34).
Referindo-se ao processo de criação, o baixista declarou que:

17
No show do Montreux Jazz, Palco foi a sexta música em um repertório de 14 (CONCERTS…,
c2021). Não encontrei repertórios de outras apresentações da turnê..
29

Palco é uma música que eu adoro, toco ela desde que eu toco com o Gil,
mas, pô, cada dia fazia um solo — o que era muito bom. Então cada dia, por
exemplo, se eu já fiz 2 mil shows com o Gil, por aí, eu acho que mil eu
criava um solo na hora assim, que a gente gosta de improvisar. Não tô aqui
fazendo frase, tô aqui vendo o que que vai dar, entendeu? Não tenho
previsão de muita coisa. (...) Mas daí na hora de gravar, naquele Quanta
gente…, (...) me deu vontade de fazer uma melodia pra ela. (...) Mas, assim,
acabei fazendo uma música daquilo, porque foram anos de solo. (MAIA,
2015b)

Os comentários acima permitem a interpretação de que o solo foi composto


especialmente para o disco, contudo Maia revela que executava outras versões
antes, muitas delas totalmente improvisadas, e acabou adotando a versão do disco
como definitiva (NASCIMENTO, 2011, p. 35). Por não incluir nenhuma gravação
posterior aos shows do Rio de Janeiro, o material selecionado não revela se Maia de
fato passou a executar o solo sempre da mesma forma no restante da turnê; por
outro lado, a comparação entre as gravações mostrou, como veremos, partes que já
haviam sido compostas à época do show em Montreux.
A opção por um solo com partes compostas e estrutura pré-definida visava,
inclusive, a proteção contra eventuais contratempos inerentes à performance ao vivo
(MAIA, 2015b; MAIA, 2008). O estabelecimento de uma estrutura não é, portanto,
vista de forma negativa, pois o importante para Maia era o que ocorria durante a
performance através de sua atuação como intérprete e improvisador. O risco da
apresentação ao vivo, a preparação para a performance e o papel do intérprete
foram avaliados pelo baixista, que declarou:
Imagina você tá num show, 3000 pessoas, vestido, luz, gravando… imagina
se você travou. Acho que isso pode acontecer, mas assim, melhor deixar
tudo feito, mas o fator humano é o que difere. Nesse aí, por exemplo, foi
coisa preparada e foi coisa na hora. (MAIA, 2008)

O apreço de Maia por melodias deve ter sido recompensado pela reação dos
companheiros de grupo à sua criação, pois, segundo ele, “logo que comecei a fazer
esse solo, a banda toda começou a cantarolar a melodia. Os caras decoraram a
melodia” (MAIA apud NASCIMENTO, 2011, p. 34). As falas de Maia em workshops
demonstram que o baixista dava muita ênfase ao uso de notas diatônicas (MAIA,
2008; MAIA, 2015a), e isso parece ser uma de suas principais estratégias de
construção melódica, como veremos adiante.
Por fim, Maia considerava como elementos fundamentais para a criação de
um solo a melodia, a explicação e a tensão (NASCIMENTO, 2011, p. 35).
Infelizmente o baixista não se estendeu sobre cada conceito, mas entendo que ele
30

se referiu a um solo que soe bem, com um desenvolvimento cuidadoso e momentos


que despertem a atenção da audiência. Maia disse que “há um momento no solo de
Palco em que é quase [como] se fosse um êxtase, para finalizar” (MAIA apud
NASCIMENTO, 2011, p. 35), o que indica que seu solo foi construído com a intenção
de apresentar um desenvolvimento coeso e um final impactante, criando a
preparação ideal para o tema da canção que celebra o espaço regido pela deusa
Música.
3 Só quem é clarividente pode ver: as análises

Passados o capítulo sobre o solista e a canção, apresento nesta seção


considerações sobre as duas gravações selecionadas, que são analisadas sob duas
abordagens distintas. No primeiro tópico, trato dos aspectos musicais, isto é, do
material sonoro resultante das performances. No segundo, discorro sobre os
aspectos extramusicais, ou seja, os elementos que estão além da música per se.

3.1 Aspectos musicais

Palco é uma canção em compasso quaternário simples e as duas


interpretações selecionadas apresentam andamento similar, com aproximadamente
112bpm na versão do Rio de Janeiro e 116bpm na de Montreux. A música está na
tonalidade de Ré maior e consiste basicamente em uma introdução seguida por
duas repetições de um esquema estrofe-refrão, uma seção com solos de teclado e
saxofone e uma coda. A introdução, por sua vez, é dividida em três partes: a
primeira contém improvisos de percussão e voz; a segunda traz o solo de baixo de
Arthur Maia; a terceira apresenta o tema da música, presente na gravação do álbum
Luar. A análise a seguir considera apenas a parte central da introdução, identificável
nas gravações por meio dos dados expostos na Tabela 1. Os valores nas colunas
início e fim indicam a que tempo de cada gravação esses eventos acontecem.

Tabela 1 - Delimitação do solo


Versão Início Fim Duração Andamento

Rio de Janeiro 38seg 2min34 1min56 (56c) ca. 112bpm

Montreux 2min29 4min39 2min10 (64c) ca. 116bpm

Os solos são realizados sobre a harmonia do tema, uma progressão de quatro


acordes executada em loop, ou seja, repetidamente. O primeiro acorde é D7M(9), de
função tônica; o segundo, D7sus4(9)18, serve como dominante secundário e leva

18
Conforme Chediak ([s. d.], p. 105) e Guest (2006, p. 103), o acorde V7sus4 é gerado quando, em
um encadeamento II-V-I, o II cadencial antecipa o baixo do dominante subsequente. Esse acorde
pode substituir o II cadencial ou, em canções como Palco, substituir o II-V. Tensões como 9 e/ou 13
32

para o próximo, G7M(13), de função subdominante; o quarto e último é Gm6, um


acorde de empréstimo modal (AEM) de mesma função que o anterior. A Figura 1
apresenta a progressão no padrão empregado por Chediak ([s. d.]).

Figura 1 - Progressão harmônica do solo


Fonte: elaborado pelo autor

É possível analisar essa progressão sob diferentes perspectivas: por um lado,


recursos como dominantes secundários e AEMs são característicos do tonalismo;
por outro, a progressão é essencialmente um movimento entre os acordes de
primeiro e quarto grau que pode ser compreendido como um vamp modal19. Minha
percepção é que a progressão possui um caráter cíclico decorrente das relações
entre as notas constituintes dos acordes. Há notas comuns a todos os acordes (Ré e
Mi), notas que ficam em uma espécie de movimento pendular (Fá♯ nos dois
primeiros acordes e Sol, nos dois últimos) e um interessante movimento cromático
descendente que perpassa toda a progressão e tem início e fim no primeiro acorde,
partindo de sua sétima maior e terminando na sua quinta (Dó♯, Dó natural, Si, Si♭ e
Lá), sendo reiniciado a cada nova execução.
A ausência de variações na harmonia não significa que o solo não seja
seccionado: Maia cria duas partes distintas por meio do emprego de diferentes
formas de execução. Na primeira seção, o baixista faz uso predominante do
pizzicato, técnica na qual as cordas são pinçadas com os dedos — no caso de Maia,
com as pontas dos dedos indicador e médio da mão direita acionados
alternadamente (PESCARA, 1995, p. 13). A Figura 2, extraída da gravação em vídeo
do show de Montreux e disposta a seguir, ilustra a maneira como Maia executou a
técnica nessa oportunidade.

(em tonalidades maiores) ou ♭9 e/ou ♭13 (em tonalidades menores) também podem ser
adicionadas.
19
Um vamp é termo que referencia “encadeamentos curtos e repetitivos” (TAVARES, 2020, p. 43). Em
um contexto modal, um vamp contém acordes que evidenciam o modo vigente através da presença
de notas características do modo em suas formações.
33

Figura 2 - Mão direita de Maia durante técnica de pizzicato


Fonte: GILBERTO…, 2019

Na concepção de Maia, é importante que as cordas sejam tocadas de modo


firme e que o polegar fique apoiado para que se consiga uma boa sonoridade
(ARTUR…, 2012). O apoio do polegar fica evidente na imagem destacada, e a
análise mostrou que o baixista variava o ponto de apoio em função da corda que
estava sendo tocada no momento. Entendo que essa mobilidade contribuía para o
conforto de Maia pois ela dispensa a necessidade da abertura excessiva da mão
direita que o apoio sobre um ponto fixo como o captador exige em certas
circunstâncias, principalmente em baixos de cinco cordas como o utilizado em
Montreux. Além disso, essa postura é especialmente útil para o abafamento das
cordas graves, pois o polegar evita a emissão de sons indesejados durante a
execução de notas nas primeiras cordas. Também é perceptível que durante o solo o
baixista posicionou sua mão direita na região entre os captadores, mais próximo da
ponte do instrumento, obtendo um som com timbre definido e rico em médios.
Na segunda parte do solo, Maia utiliza o slap, técnica na qual as cordas são
percutidas com a lateral do polegar (toque chamado de thumb) e puxadas com
outros dedos (pluck ou pop), em movimentos que envolvem o antebraço e a rotação
do pulso. As Figuras 3 e 4, extraídas da gravação de Montreux e disponíveis na
próxima página, mostram o movimento imediatamente anterior ao thumb, com a mão
direita suspensa no ar, e o momento em que o polegar atinge a corda.
34

Figura 3 - Mão direita de Maia durante técnica de slap [1]


Fonte: GILBERTO…, 2019

Figura 4 - Mão direita de Maia durante técnica de slap [2]


Fonte: GILBERTO…, 2019

Os comentários de Maia sobre o slap (ARTUR…, 2012; PESCARA, 1995, p.


14-15) aliados à análise das gravações explicitam a forma como ele executava a
técnica: a mão era posicionada na região entre o fim da escala e o captador mais
próximo a ela, em angulação na qual o polegar ficasse quase paralelo às cordas,
porém ligeiramente virado para cima; o thumb era usado apenas para “martelar” as
cordas, não descansando sobre elas ou as transpassando; o pluck era feito com os
dedos indicador ou médio. Além disso, Maia enriquecia seu slap com o uso de ghost
notes, notas sem altura definida obtidas mediante abafamento das cordas com a
mão esquerda, e do strumming ou vassourada, recurso que consiste em “varrer” as
cordas com todos os dedos da mão direita. Entendo que tal abordagem valoriza a
natureza percussiva do slap e suponho que ela foi possivelmente inspirada por
35

Marcus Miller, músico estadunidense referência na técnica citado por Maia como
uma de suas influências (PESCARA, 1995, p. 14).
Em síntese, os dois solos são realizados sobre uma progressão harmônica
executada em loop e constituídos de duas partes discerníveis pela técnica
empregada, com uma seção inicial que privilegia o pizzicato — identificada aqui
como parte A — e outra com ênfase no slap — a parte B. Os tempos de início e fim
de cada seção e suas durações totais em cada gravação, assim como o número de
vezes que a progressão de acordes é repetida, estão expostos na Tabela 2.

Tabela 2 - Delimitação das seções


Rio de Janeiro Montreux

Parte A Parte B Parte A Parte B

Início 38seg 2min02 2min29 3min59

Fim 2min01 2min34 3min58 4min38

Duração 1min23 (40c) 32seg (14c) 1min29 (44c) 39seg (20c)

Repetições da
10 4 11 5
progressão

Os dados apresentados apontam diferenças na duração dos solos, seja


considerando o tempo total ou de cada parte constituinte. Isso demonstra que, ainda
que a estrutura em duas seções seja ponto comum, há uma certa flexibilidade na
forma e os solos podem variar em tamanho de acordo com a performance. Deste
modo, a progressão harmônica ou o número de vezes em que ela é repetida não
servem como delimitadores das seções; como veremos mais adiante, Maia utiliza
outra estratégia para indicar pontos chave dos seus solos, o que inclui os finais de
seção.
A disposição das técnicas também diz muito sobre a ideia geral do solo. O
pizzicato é, em geral, menos agressivo do que o slap, e a ordem em essas técnicas
ocorrem sugere que Maia pensou seus solos como um longo crescendo, com
elevação constante na dinâmica. Esse desenvolvimento é acompanhado pela banda
e também reiterado melodicamente por Maia, que incrementou a densidade dos
fraseados conforme o tempo transcorria.
Após discutir a forma, tratarei de aspectos melódicos. Ciente de que o solo é
composto pelo menos em parte, tomo emprestados alguns conceitos relacionados à
improvisação por considerá-los úteis à reflexão sobre as estratégias de construção
36

melódica empreendidas por Maia, sejam as melodias improvisadas ou não. De modo


geral, o material analisado é essencialmente diatônico, com privilégio a notas de
acorde e ocasional uso de notas de tensão. O baixista dava grande importância para
a contextualização dos acordes dentro de tonalidades (MAIA, 2008, 2015a;
PESCARA, 1995, p. 10), o que traz à tona a chamada improvisação horizontal,
abordagem na qual é usada uma escala que se aplica ao centro tonal da progressão
e abrange todos os acordes envolvidos (VALENTE, 2011, p. 164). Isso se verifica
nos primeiros três acordes da harmonia, sobre os quais Maia utiliza a escala de Ré
maior. Já o último acorde é considerado individualmente, assim como ocorre na
chamada improvisação vertical (VALENTE, 2011, p. 164); sobre esse acorde, o
baixista utiliza a escala de Sol dórico, destacando as notas Si♭ e Fá natural para
evidenciar o empréstimo modal.
Outro recurso notável nas performances analisadas é o scat singing, uma
modalidade de improvisação vocal ligada ao jazz onde o improvisador canta
utilizando sílabas ou onomatopeias sem qualquer valor semântico (ROBINSON.
2001). Nos solos selecionados, Maia dobrou a melodia tocada no baixo com o scat,
o que denota não apenas sua consciência sobre a criação melódica, mas também o
seu domínio sobre o instrumento. Interpreto isso como uma demonstração clara de
que a criatividade de Maia transcendia o baixo; em certo sentido, o instrumento era
tão somente uma ferramenta através da qual o músico expressava sua
musicalidade.
Não é possível afirmar com exatidão quais partes do solo do Rio de Janeiro
foram compostas e quais foram improvisadas, porém a análise comparativa das
versões permite o mapeamento da recorrência de frases e identificação de melodias
que já existiam na época do show de Montreux. A primeira delas, denominada frase
1, é baseada em padrões de cinco semicolcheias que dão a sensação de
deslocamento rítmico e contrametricidade, pois as notas mais agudas do padrão
sempre caem em locais diferentes do tempo. Nos dois solos a frase 1 aparece na
sexta repetição da progressão harmônica, ocorrendo aos 1min20 (c. 21) da versão
do Rio de Janeiro e aos 3min10 (c. 21) da versão de Montreux, o que indica que
este é uma espécie de ponto de chegada do solo. Na versão de Montreux, essa
frase aparece uma segunda vez aos 3min34 (c. 34), na nona repetição da
progressão, e creio que é justamente essa ocorrência duplicada que torna a parte A
37

maior nessa versão. A Figura 5 contém a transcrição da frase na versão do Rio de


Janeiro.

Figura 5 - Frase 1 na versão do Rio de Janeiro


Fonte: transcrição do autor

Hyperlink 1 - Frase 1
Disponível em: https://youtu.be/w4WssyQvQ-k

É possível identificar na frase 1 o emprego da técnica de raking ou sweep


finger, que consiste em aproveitar o mesmo dedo para tocar notas consecutivas
dispostas em cordas adjacentes (PESCARA, 1995, p. 13). O raking é usado quando
se sai de uma corda para a corda adjacente mais grave; nas demais situações, o
pizzicato alternado é privilegiado. A Figura 6, relativa à primeira ocorrência da frase
na versão de Montreux, contém uma tablatura que indica os dedos da mão direita
utilizados — i (indicador) ou m (médio) — e quais cordas são tocadas.

Figura 6 - Uso de raking na primeira execução da frase 1 na versão de Montreux


Fonte: transcrição do autor

A segunda frase composta ocorre na oitava repetição da progressão, aos


1min37 (c. 29) da versão do Rio de Janeiro e aos 3min26 (c. 29) da versão de
Montreux. A localização comum aos dois solos indica que esse é um segundo ponto
de chegada. A transcrição da frase na versão do Rio de Janeiro está na Figura 7.
38

Figura 7 - Frase 2 na versão do Rio de Janeiro


Fonte: transcrição do autor

Hyperlink 2 - Frase 2
Disponível em: https://youtu.be/uKFQ0aTtUqE

A principal característica dessa frase é a presença de polimetria: a repetição


do padrão de colcheia e semicolcheia dá a sensação de uma melodia escrita em
compasso quaternário composto, que, quando sobreposta à métrica quaternária
simples de Palco, soa contramétrica. Para fins de comparação, apresento na Figura
8 a transcrição original da frase na performance do Rio de Janeiro e uma versão em
compasso quaternário composto.

Figura 8 - Polimetria na frase 2 da versão do Rio de Janeiro


Fonte: transcrição do autor

A frase 3, transcrita na Figura 9, marca o fim da parte A e é executada nas


duas últimas repetições da progressão harmônica da seção. Ela aparece aos
1min45 (c. 33) da versão do Rio de Janeiro e aos 3min43 (c. 37) da gravação de
Montreux. A primeira metade desta frase é mais lenta, e nas duas performances Gil
a canta junto com Maia. Na segunda metade se percebe um incremento na
densidade de notas que, presumo, serve como preparação para a iminente parte B.
Um recurso expressivo que aparece aqui é o mordente, executado com o rápido
deslizamento do dedo para a casa imediatamente posterior.
39

Figura 9 - Frase 3 na versão do Rio de Janeiro


Fonte: transcrição do autor

Hyperlink 3 - Frase 3
Disponível em: https://youtu.be/ZjXStyYcMBA

A frase 4 é a última melodia composta identificada e aparentemente serve


como demarcador do fim da parte B, sendo executada na última repetição da
harmonia dessa seção. Assim como ocorre no fim da frase 3, há aqui grande
quantidade de notas, executadas em padrões de sextinas. Essa frase é decorrente
de um lick muito utilizado por Maia que consiste na repetição de grupos de três
notas, onde a primeira é tocada com o thumb, a segunda por meio de um
hammer-on20 e a última com um pluck na corda Sol (MAIA, 2008; PESCARA, 1995,
p. 15). Um detalhe importante é que a última nota deve ser tocada abafada para ter
apenas função percussiva e evitar eventuais choques com a harmonia.
Esta frase ocorre aos 2min26 (c. 53) da gravação do Rio de Janeiro e aos
4min30 (c. 61) da versão de Montreux. Trechos menores baseados no motivo em
sextina são encontrados outras duas vezes na versão de Montreux, aos 4min10 (c.
51) e aos 4min17 (c. 55), porém entendo que eles não têm função especial. A Figura
10 contém a transcrição da frase na versão do Rio de Janeiro.

20
O hammer-on é uma técnica onde uma nota é “martelada” com a mão que está sobre a escala, sem
intervenção da outra mão.
40

Figura 10 - Frase 4 na versão do Rio de Janeiro


Fonte: transcrição do autor

Hyperlink 4 - Frase 4
Disponível em: https://youtu.be/hycobGBGKBY

Sintetizo na Tabela 3 as informações de ocorrências das quatro frases


compostas nos dois solos, dispostas em ordem de execução e com observações
pertinentes às suas possíveis finalidades. O primeiro ponto que destaco é o fato de
que na versão do Rio de Janeiro há apenas uma execução de cada frase. Também é
notável que, se desconsiderarmos as frases que só ocorrem na versão de Montreux,
teremos a mesma sequência de frases nas duas versões.

Tabela 3 - Mapeamento das frases

Tempo / compasso
Frases Observações
Rio de Janeiro Montreux

Frase 1 ……………... 1min20 / c. 21 3min10 / c. 21 6ª repetição da progressão

Frase 2 ……………... 1min37 / c. 29 3min26 / c. 29 8ª repetição da progressão

Frase 1 ……………... - 3min34 / c. 33 -

Frase 3 ……………... 1min45 / c. 33 3min43 / c. 37 Fim da parte A

Frase 4 ……………... - 4min10 / c. 51 -

Frase 4 ……………... - 4min17 / c. 55 -

Frase 4 ……………... 2min26 / c. 53 4min30 / c. 61 Fim da parte B


41

Vimos anteriormente que Maia afirmou ter criado o solo por ocasião da
gravação do álbum Quanta gente veio ver, todavia o mapeamento aqui realizado
mostra que quatro das frases já eram tocadas pelo menos um mês antes disso.
Assim sendo — e admitindo que a amostra que possuo é muito pequena para que
se possa tirar conclusões definitivas —, suponho que o trabalho composicional de
Maia na elaboração do solo do Rio de Janeiro foi menos de criação do que de
organização de materiais pré-existentes. A apresentação de Montreux ocorreu em
um festival de jazz, contexto que favorece performances mais improvisadas, e não
tinha como fim a gravação de um disco. Já o solo registrado no álbum me parece
melhor acabado, no sentido de que as frases compostas ocorrem uma só vez e em
momentos previamente escolhidos; os excessos que fizeram o solo de Montreux ser
mais extenso e repetitivo talvez tenham sido deliberadamente cortados por Maia
visando a obtenção de uma versão final.
As quatro frases destacadas como melodias compostas foram identificadas
por ocorrerem nas duas gravações, porém deve-se ressaltar o fato de que Maia as
interpretou de formas diferentes em cada oportunidade. Presumo que o baixista
tinha uma ideia das melodias, mas o modo como as executava era incerto, tão
incerto quanto os trechos improvisados que complementaram os solos. A estratégia
de Maia parece ser afim a dois procedimentos de improvisação baseados em
técnicas da música de concerto elencados por Côrtes (2012, p. 1391-1392): em um
deles, a melodia original de uma obra é alterada por meio de adornos e variações;
em outro, o improvisador cria desprendido da melodia original, retornando a ela
eventualmente. Em resumo, entendo que Maia interpretava improvisando, sem abrir
mão da possibilidade de criar a cada performance. O baixista, ao se classificar como
“um improvisador nato” (MAIA apud ENTREVISTA…, 2010b), não poderia estar mais
certo.

3.2 Aspectos extramusicais

As reflexões dispostas neste tópico partem do entendimento de performance


como atuação, considerando o conceito em seu aspecto cênico. Logo, a gravação
realizada em Montreux foi o principal material utilizado aqui, pois, por ser em vídeo,
fornece camadas não contempladas por uma gravação em áudio como a do show
no Rio de Janeiro. Isto posto, abordarei em primeiro lugar a disposição da banda no
palco.
42

A Figura 11 mostra o palco do show em Montreux com os músicos


posicionados em duas fileiras: na frente, estão, da direita para a esquerda21, Arthur
Maia (baixo), Gilberto Gil (guitarra e voz), Raul Mascarenhas (sopro) e Sérgio
Chiavazzoli (guitarra); no fundo, estão Jorginho Gomes (bateria), Gustavo Di Dalva
(percussão), Leonardo Reis (percussão) e Paulo Calasans (teclado) (CONCERTS…,
c2021).

Figura 11 - Músicos no palco do Montreux Jazz Festival


Fonte: GILBERTO…, 2019

A Figura 12, exposta na próxima página, foi extraída do encarte de Quanta


gente veio ver e, em razão disso, suponho que foi feita nos shows do Rio de Janeiro.
Ela apresenta a mesma configuração que sua contraparte europeia, porém conta
com o guitarrista Celso Fonseca (GIL, 1998) É visível a diferença do cenário, pois
enquanto a apresentação de Montreux ocorreu em um palco de festival destinado a
receber vários artistas, a do Rio foi exclusiva de Gil e já realizada visando a
gravação de um disco.

21
Considerando a visão dos músicos.
43

Figura 12 - Músicos no palco em foto do encarte de Quanta gente veio ver


Fonte: GIL, 1998

Além de compartilharem o mesmo esquema de disposição dos músicos,


nota-se nos dois shows o uso de estruturas elevadas sobre as quais ficam os
instrumentistas da fileira do fundo, com a função, presumo, de torná-los tão visíveis
para o público quanto os músicos da frente. A aparente obviedade desta
constatação a faz parecer irrelevante em um primeiro momento, afinal tratam-se de
típicas performances de apresentação e a visibilidade do artista não só seria
desejável como, pressuponho, necessária nesse tipo de evento. Porém, ressalto
esse fato pois creio que a presença dos músicos no palco — e não apenas sua
visibilidade — é fundamental para a apresentação que Gil propõe. Não é raro no
universo da música pop que bandas de apoio cumpram um papel cênico secundário
nas performances, salvo quando o enfoque em algum instrumentista faz-se
necessário pelo roteiro do espetáculo. Gil, em contrapartida, empreende um esforço
para obter uma atuação participativa da banda. Entendo que a atuação do cantor
pode ser interpretada como a negação da ideia do artista acompanhado por uma
banda de apoio; ela situa Gil como integrante desse grupo, no qual, a despeito de
sua função como frontman, parece existir uma relação idealmente igualitária entre
seus componentes.
As duas performances têm início com uma seção aparentemente improvisada
de voz e percussão. Em Quanta gente veio ver essa parte é curta, porém no show
de Montreux o trecho é extenso e é notável a grande interação de Gil com a banda.
Como visto na Figura 13, o cantor dedica atenção quase exclusiva aos músicos,
ficando de costas para a plateia boa parte do tempo. Enquanto isso, Maia,
44

Chiavazzoli e Di Dalva dançam e batem palmas, recebendo da plateia a mesma


reação.
Esse primeiro momento da performance de Montreux mostra diferentes
formas de comunicação ocorrendo: Gil estabelece um diálogo musical com o
percussionista, respondendo com a voz aos ritmos criados; ao mesmo tempo, sua
movimentação transmite à plateia a ideia de que a música que está sendo tocada é
feita para ser dançada; já Maia e seus companheiros estimulam a participação da
audiência, tirando-a do papel essencialmente contemplativo e integrando-a ao
espetáculo. O ritmo tocado remete ao ijexá22, o que me parece adequado para uma
canção de celebração como Palco: presente no carnaval desde o início do século
passado, o ijexá serve como um convite para que músicos e público festejem a
ocasião ao lado de Gil. A seção é encerrada após sinalização do cantor, mediante
contato visual com a banda.

Figura 13 - Gil interage com um percussionista enquanto o outro estimula a


plateia a bater palmas no show de Montreux
Fonte: GILBERTO…, 2019

Sob o anúncio “Arthurzinho Maia” (GIL, 1998; GILBERTO…, 2019), o baixista


começa seu solo. Gil se desloca para o fundo do palco do Montreux Jazz Festival e
a banda muda de atitude, aparentemente tocando para acompanhar o solista que

22
O ijexá é um ritmo originalmente praticado em rituais religiosos afro-brasileiros. No fim do século
XIX, grupos intitulados afoxés passaram a tocar o ijexá em cortejos fora do contexto religioso, sendo
que já havia afoxés estruturados participando do carnaval nas primeiras décadas do século XX.
Posteriormente, o ijexá acabou sendo incorporado pela música popular brasileira, principalmente a
partir da década de 1970. Gilberto Gil atuou decisivamente na reativação do tradicional afoxé Filhos
de Gandhi e é um dos grandes responsáveis pela popularização do ijexá (IKEDA, 2016, p. 26-31). A
primeira gravação de Palco feita por Gil, em 1981, é um ijexá.
45

agora tem o protagonismo. Ocupando a mesma região no palco na qual estava


inicialmente, Maia desenvolve seu solo aparentemente focado no instrumento e na
execução, o que traz à tona o outro significado de performance apontado por Lima e
Afonso (2009, p. 3): desempenho. Pouco depois, Gil se dirige ao baixista e
acompanha atentamente o solo, reagindo a momentos em que ele toca notas
rápidas (Figura 14). Mais adiante, Gil canta com Maia uma das melodias tocadas no
baixo e, quando tem início a parte do solo executada com a técnica de slap, estimula
a plateia a acompanhar com palmas. Motivado pelas palmas do público, pelas
reações de Gil, pela percussividade da técnica ou talvez pelo incremento da
dinâmica impresso pela banda — ou, possivelmente, pela soma desses fatores —,
Maia passa a dançar, concluindo o solo pouco depois.

Figura 14 - Gil reage ao solo de Maia no show de Montreux


Fonte: GILBERTO…, 2019

Não é possível afirmar o porquê da postura comedida de Maia, porém uma


declaração sua em um show de 2012 pode servir à reflexão: antes de tocar Palco
nessa ocasião, o baixista qualificou Gil como um “exemplo maravilhoso” e
acrescentou que “eu fico até com vergonha de ficar do seu lado, por isso que eu
puxei [o microfone] aqui… Como é que eu vou ficar no meio do palco com o homem
[Gil] ali?” (ARTHUR…, 2012). A sentença reafirma a já mencionada relação de
respeito que havia entre os dois, e suponho que isso influenciava a percepção de
Maia sobre o seu papel na banda e fazia com que ele não extrapolasse a função de
quem, em última instância, colocava sua musicalidade a serviço de Gil.
46

Em resumo, destaco as ações da banda para chamar o público à


participação, principalmente na performance de Montreux. Acredito que a dança e as
palmas constituem sinais compreensíveis para um público europeu, potencialmente
não familiarizado com a língua portuguesa ou com a música brasileira; a
corporalidade, em casos como esse, talvez amenize eventuais barreiras impostas
pelas diferenças culturais. Outro ponto para o qual chamo a atenção é o uso da
comunicação visual para indicar as mudanças de seção; o arranjo serve como um
guia para a execução, e as durações das partes estão sujeitas à dinâmica da
performance. Por fim, saliento o modo como Gil anunciou e reagiu ao solo de Maia.
Interpreto isso como o reconhecimento das capacidades do baixista que, ao tocar
seu instrumento, expressava o resultado de uma vida dedicada à música, honrando
o legado de Luizão Maia enquanto escrevia seu próprio nome na história da música
brasileira.
Considerações finais

Ao longo dos capítulos precedentes, apresentei os resultados da pesquisa


realizada sobre performances de Arthur Maia durante seu trabalho com Gilberto Gil
na turnê Quanta. Visando oferecer um panorama amplo, a investigação não se
restringiu ao material musical e tentou oferecer interpretações das apresentações
considerando a complexidade envolvida nas performances de música.
A análise do processo criativo de Maia a partir do seu ponto de vista foi
viabilizada pela pesquisa documental que compensou, na medida do possível, a
impossibilidade de entrevistar o baixista. As informações reunidas mostraram Maia
como alguém apaixonado pela música, interessado em seus aspectos
rítmico-melódicos, entusiasta da improvisação e detentor de uma carreira prolífica,
versátil e admirável. A presença de seu solo na abertura do álbum de um artista
como Gilberto Gil é um fato decorrente de anos de dedicação à música, um marco
que evidencia quem Arthur Maia foi.
O levantamento de dados relacionados à Palco enriqueceu a reflexão, pois a
ciência do significado que o compositor atribui à canção situa as performances de
Maia em um lugar destacado no qual ele se torna o protagonista de uma celebração
ao fazer musical e ao palco, local onde a música se manifesta por excelência e no
qual o baixista começou a se apresentar aos 8 anos de idade.
Baseado em gravações de diferentes performances, o estudo dos solos
tornou possível a identificação das estratégias de criação usadas por Maia e como
ele atuou nessas ocasiões. Considerando os aspectos musicais, entendo que o
emprego de técnicas diferentes para criação de seções contrastantes, a opção por
melodias diatônicas e o uso de frases preconcebidas como elementos estruturantes
despontaram entre as características principais dos solos analisados. Já os aspectos
extramusicais mostraram que Maia participou ativamente das performances
essencialmente inclusivas propostas por Gil, assumindo o primeiro plano da
apresentação quando necessário e jamais se furtando do contato com o público e
seus companheiros de banda.
48

A temática abordada nesta pesquisa certamente não se esgota aqui. Acredito


que há inúmeras possibilidades de estudo sobre performance musical e baixo
elétrico, e a aparente exiguidade de trabalhos relacionados a Arthur Maia indica que
há muito a ser explorado sobre o papel dele e de tantos outros no desenvolvimento
da música popular do Brasil. Espero que este trabalho contribua, em alguma
medida, para as discussões acerca do assunto no âmbito acadêmico.
Por fim, afirmo que essa pesquisa me mostrou a riqueza do campo da
performance musical e sua importância no universo da música popular. As
gravações permitem ilimitadas reproduções de uma determinada atuação de um
músico e foi através delas, afinal, que pude conhecer e estudar parte da obra de
Maia. Em contrapartida, acredito que as apresentações ao vivo representam parte
insubstituível da experiência musical, tanto para o performer quanto para a plateia,
que vivenciam a música sendo feita em tempo real, com certa imprevisibilidade e
inevitável finitude. A natureza singular e passageira de cada performance encontra
paralelo na declaração atribuída ao filósofo Heráclito de Éfeso: “ninguém pode entrar
duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as
mesmas águas, e o próprio ser já se modificou…”. Cada oportunidade de vivenciar a
música é, enfim, única, e a obra de Arthur Maia denota a valorização que o músico
atribuiu a cada momento em que pôde fazê-la.
49

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ENTREVISTA Arthur Maia no TVCIFRAS "Parte 2". Produzido por André Braz e
Mariane Machado. [S. l.: s. n.], 2010b. 1 vídeo (9 min). Publicado pelo canal TV
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GILBERTO Gil - Palco (1997). [S. l.: s. n.], 2019. 1 vídeo (8min). Publicado pelo
canal Vintage Far East. Disponível em: https://youtu.be/XiOZsYMSzyQ. Acesso em:
16 maio 2011.

MAIA, Arthur. Workshop (parte 1), Aracaju (SE), dez. 2008. Disponível em:
https://youtu.be/FwO9BlDiCYE. Acesso em: 10 maio 2011.

MAIA, Arthur. Workshop (parte 1), Feira de Santana (BA), 28 mar. 2015a. Disponível
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MAIA, Arthur. Workshop (parte 3), Feira de Santana (BA), 28 mar. 2015b. Disponível
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NASCIMENTO, Heverton. Arthur Maia: graves gigantes. Revista Bass Player


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PAPO & Harmonia com Arthur Maia e Filipe Torres. [S. n.. S. l.]: Premiere Studio,
ago. 2018. 1 vídeo (26min). Disponível em: https://youtu.be/xcKqqXvJfrg. Acesso
em: 16 maio 2021.

TOMMASO, Renato. Pelo mundo do baixo. Revista Cover Baixo, São Paulo, n° 21,
p. 16-22, jun. 2004.

UM CAFÉ lá em casa com Arthur Maia e Nelson Faria. Produzido por Juliana Faria.
[S. l.]: Fuga Films, dez. 2018. 1 vídeo (37min). Disponível em:
https://youtu.be/wTDv9ZTDciU. Acesso em: 25 abr. 2021.
Apêndices
55

Apêndice A – Transcrição do versão de Montreux

Palco (Gilberto Gil)

Transcrição do solo de baixo elétrico de Arthur Maia realizado na introdução


de Palco durante performance no Montreux Jazz Festival em 5 de julho de 1997.
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58

Apêndice B – Transcrição da versão do Rio de Janeiro

Palco (Gilberto Gil)


Quanta gente veio ver (1998)

Transcrição do solo de baixo elétrico de Arthur Maia realizado na introdução


de Palco durante performance no Rio de Janeiro em agosto de 1997.
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