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Joana Maria de Sousa Teles, nº2021131295

Filosofia da Música - Fundamentos


Exercício 1

Vários pensadores da Humanidade têm tido como propósito estudar a Música numa
perspetiva, não apenas filosófica, mas, de algum modo, moral. Problemáticas como “qual o valor da
música?”, “qual o poder da música?”, “qual o propósito da música?”, “qual a influência da música?”
são debatidas ao longo de décadas, de séculos, e até ao longo de épocas e contextos diferentes. E
muitos chegam a uma conclusão análoga e não negam a capacidade que a música possui de alterar
as emoções do ser humano. Filósofos como Platão e Aristóteles, que nos seus livros, A República
(livro III) e Política, respectivamente, falam sobre o ethos musical presente nos diferentes modos e
nos diferentes ritmos, já exteriorizavam o seu pensamento sobre a influência da música, não apenas
nas emoções, mas debatiam inclusive o facto destas influenciarem e impactarem o caráter de um
indivíduo.
Mas ritmos e melodias contém representações de raiva e de calma, e também de coragem e temperança e
de todos os seus opostos e das outras qualidades morais, que melhor correspondem às verdadeiras naturezas
destas qualidades - e isto torna-se evidente, já que quando ouvimos tais representações, produz-se uma
mudança na nossa alma; e o hábito de sentir dor e prazer através de representações da realidade é
semelhante a senti-las na própria realidade.
(Aristóteles, Política)

A visão dos filósofos gregos enunciados reflete a concepção da sociedade a que estavam
agregados sobre o poder de influência da música na formação do caráter do ser humano (inserido na
educação e instrução dessa sociedade), com especial incidência na formação de valores morais - logos.
E esse entendimento, transmitido pelos filósofos, é evidenciado através da narração de histórias,
lendas e mitos, como são os casos explicativos dos mitos de Orfeu e Eurídice e de Ulisses e as Sereias.
Orfeu, um semideus ou apenas um herói da mitologia grega, após a morte da sua noiva Eurídice,
resolve descer ao submundo e consegue persuadir, através do canto e música tocada na sua lira,
Hades (deus dos mortos) e a sua esposa Perséfone, com o intuito de os convencer a deixá-lo resgatar
a sua amada. Já Ulisses, que pretendia ouvir o canto sedutor das sereias, enquanto passava de barco,
com os seus marinheiros, no regresso a casa, decide, por conselho de Circe, dar ordens aos seus
homens de cobrir os ouvidos com cera, de modo que não pudessem ouvir o canto e ordena, ainda,
que o amarrem ao mastro, instruindo-os para não o soltarem, até terem passado pela Ilha das Sereias.
Algo de notável apreciação é a dicotomia discutida pelos filósofos gregos sobre as várias
funções da música. No caso de Orfeu, a música demonstrou possuir uma função útil, já que o
propósito para a proclamação e execução das melodias do músico-poeta era resgatar Eurídice da
morte. Por antítese, no episódio da história de Ulisses, a audição da música está meramente ligada ao
prazer e ao desejo (que é levado ao extremo de preferir sacrificar a sua tripulação, “em prol” de uma
apreciação “inútil” de melodias que levam ao naufrágio e consequentemente à morte).
Contudo, esta dicotomia, sobre a função que a música acarreta quando executada/ouvida,
analisada entre os dois mitos, atendendo à mundividência da Grécia Antiga, conduz para o tema
principal deste ensaio e articula-se com o próprio, ao se considerar as duas categorias de música
concebidas pelos pensadores, divididas entre música regrada e desregrada, que se adequam a dois
arquétipos distintos.
O objeto de estudo (no caso, a influência da música) não é apenas uma problemática que foi
debatida na Antiguidade Clássica, mas, ao se deparar com toda a História da Música no decorrer do
tempo desde então, percebe-se que é uma questão que tem vindo a ser debatida e, quase sempre, os
pensadores (abrangendo cultos e iletrados) conservam e atribuem valores antónimos a diferentes
tipos de música, sejam através de critérios fundamentados num estudo aprofundado do assunto ou
no simples gosto do sujeito. Não obstante, esses valores atribuídos a diferentes tipos de músicas são
sempre associados ao carácter do indivíduo que escuta ou executa esse tipo de música.
Retornando às peripécias narradas pela mitologia grega, a perceção sobre a influência da
música no carácter do ser humano, na visão da sociedade em questão, é concebida no critério de que
a música com funções ociosas não é tão virtuosa e alvo de menções honrosas como a música com
funções “úteis” ou práticas e, por isso, a influência dessa mesma música será prejudicial na formação
do caráter do indivíduo. Porém, ao avançar na História da Humanidade, os critérios usados para se
obter a mesma conclusão vão se alterando - restringindo ou alargando preceitos, no que diz respeito
ao encaixe de certos tipos ou géneros musicais nas duas categorias permanentes: música regrada, que
é apreciada por pessoas regradas; e música desregrada, que agrada pessoas desregradas. Um exemplo
é a música sacra que, ao longo dos séculos onde o teocentrismo é a principal mundividência (no
mundo ocidental), é imposta como a música regrada aos demais ouvintes fervorosos. Um outro
exemplo é o da música instrumental que, durante muito tempo, foi tida como música menos
virtuosa do que a música que era associada à palavra. Um aspeto interessante que tem que ver com a
música erudita é a discussão tida, especialmente no decorrer do século XIX, sobre qual dos tipos de
música - música absoluta ou música programática - (inclusive considerando apenas a música
instrumental) é considerada a mais ideal e paradigmática. Um outro caso é o do género jazz, que
têm sido alvo de várias opiniões - como a teoria de ser um género de complexidade musical e
intelectual (que é reportada para o próprio indivíduo que pratica esse género), que pode ser tida em
conta como algo virtuoso ou pejorativo; ou um ponto de vista inicial sobre o género, que retratava
este tipo de música como desregrada, pois estava associada a indivíduos que as pessoas que tinham
essa concessão consideravam desregradas. E todos exemplos são explanados sem abordar
problemáticas levantadas nos dias decorrentes sobre os variados géneros musicais existentes e o
choque de ideologias dos diferentes ouvintes de cada estilo.
Concluindo, a música pode ter influência no carácter de uma pessoa. Mas essa influência terá
um devido efeito (que será variável em indivíduos diferentes e em contextos distintos) , através de
noções a priori que a farão associar certos tipos de comportamentos a condutas virtuosas ou
“indignas” e, consequentemente, a relacioná-las com os vários tipos/géneros de música.

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