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CENTRO UNIVERSITÁRIO
Rio de Janeiro
2017
Raphael Rodrigues Tavares Rodriguez
RIO DE JANEIRO
2017
Dedico carinhosamente este trabalho:
O presente trabalho busca nas práticas de aprendizagem dos violonistas populares, inspiração
para que o professor de educação musical traga para sala de aula uma abordagem que possa
estimular a criação, a expressividade musical e a espontaneidade nos alunos. Para isso
fizemos um levantamento histórico através de revisão bibliográfica do desenvolvimento do
violão no Brasil, investigamos o lugar social que o violão ocupou, revelando as condições em
que os músicos aprendiam e o seu dia a dia, que exigia e que contribuiu para a obtenção de
uma percepção aguçada e inventividade. Através de Lucy Green analisaremos práticas de
aprendizagem musical que ocorrem fora da escola, quais suas contribuições para o
desenvolvimento do músico popular. Colaborando com a ideia de práticas de aprendizagem
informais faremos breve relato de experiência de estágio de observação na Escola Portátil de
Música, onde identificaremos essas práticas introduzidas em ambiente formal. Por último
buscaremos em Swanwick respaldo teórico para o uso das práticas de aprendizagem musical
informais envolvendo composição, apreciação e performance como fatores de
desenvolvimento da compreensão musical.
The present work searches in the learning practices of the popular guitarists, an inspiration for
the music education teacher to bring to the classroom an approach that can stimulate the
creation, the musical expressiveness and the spontaneity in the students. For this we did a
historical survey through a bibliographical review of the guitar development in Brazil, we
investigated the social place that the guitar occupied, revealing the conditions in which the
musicians learned and their daily life that required and that contributed to obtain a sharp
perception and inventiveness. Through Lucy Green, we will analyze musical learning
practices that occur outside of school, which contribute to the development of the popular
musician. Collaborating with the idea of informal learning practices we will give a brief report
of the intership experience at the Escola Portátil de Música, where we will identify these
practices introduced in a formal environment. Finally we will find in Swanwick theoretical
support for the use of informal musical learning practices involving composition, appreciation
and performance as factors of development of musical understanding.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1
Violão, do surgimento ao Brasil
1.1 A estruturação do violão moderno .................................................................................... 12
1.2 A chegada da viola ao Brasil ............................................................................................. 13
1.3 Transição: Da viola ao violão ........................................................................................... 13
1.4 Chegada da família real e europeização ............................................................................ 15
1.5 O violão não encontra acolhimento na sala de concerto.................................................... 16
1.6 O choro e o início da produção fonográfica no rio de janeiro .......................................... 19
1.7 A relevância do violão na música brasileira ..................................................................... 21
CAPÍTULO 2
Música popular e suas práticas de aprendizagem
2.1 Educação formal, não formal e informal .......................................................................... 23
2.1.1 Educação formal ........................................................................................................ 24
2.1.2 Educação não formal ................................................................................................. 24
2.1.4 Educação informal ..................................................................................................... 25
2.2 Práticas de educação musical informais ............................................................................ 25
2.2.1 Livre escolha de repertório ........................................................................................ 26
2.2.2 Tocar de ouvido ......................................................................................................... 26
2.2.3 Aprendizado em grupo .............................................................................................. 26
2.2.4 Estudo solitário e não progressivo ............................................................................. 26
2.2.5 Ouvir, tocar, improvisar e compor de forma integrada ............................................. 27
2.3 Escola Portátil de Música. Experiência de práticas de educação musical informal dentro de
sala de aula .............................................................................................................................. 27
CAPÍTULO3
Composição, apreciação e performance em foco
3.1 Composição ............................................................................................................. 30
3.2 Apreciação ............................................................................................................. 31
3.3 Performance ........................................................................................................... 31
3.4 Integração das três modalidades através do modelo C(L)A(S)P de Swanwick ............... 32
3.5 Três princípios em que Swanwick baseia a educação musical ......................................... 34
INTRODUÇÃO
São esses questionamentos que conduzem o pensamento que deu forma ao primeiro capítulo.
Pode-se dizer também que estas questões são a real motivação pela qual esta pesquisa se
iniciou, uma pesquisa musicológica que deu origem a uma pesquisa pedagógica.
Seguindo o gancho das vivências musicais dos violonistas populares trataremos de
práticas de aprendizagem musical informais no segundo capítulo, para isso faremos uma
revisão do material bibliográfico da educadora inglesa Lucy Green, onde enumera práticas de
aprendizagem recorrentes entres os músicos populares fora do ambiente formal das escolas e
11
CAPÍTULO 1
Violão. Do surgimento ao brasil.
Verifica-se então que o nome violão tem sua origem na realidade muito mais relacionada ao
nome de seu antecessor do que a origem etimológica comum a outros países.
O violão pertence a família dos cordofones1, estes divididos entre simples e
compostos, como explica Taborda:
Os cordofones compostos, mais sofisticados do ponto de vista da construção,
abrangem os instrumentos em que o suporte das cordas e o ressonador são
organicamente unidos e não podem ser separados sem destruir o aparelho sonoro.
Essa categoria subdivide-se em três famílias: harpas, liras e alaúdes. Nesta última se
inserem, além do próprio alaúde, o violino, a viola e seus familiares e o violão.
Observe-se que a classificação dos cordofones não deve ser feita em função da
técnica de execução que os dividiria, por exemplo, em instrumentos de arco ou
instrumentos de cordas dedilhadas. Engano cometido com alguma frequência.
(TABORDA, 2011, p. 35.)
1
Os cordofones, ou instrumentos de cordas são aqueles em que o som é obtido pela vibração das cordas. As
cordas podem ser dedilhadas, percutidas ou colocadas em vibração com um arco (friccionadas). (FILHO, 2009 ,
p. 19.)
13
século XIX” (DUDEQUE, 1994, p.7). Temos na figura do luthier espanhol Antonio Torres
Jurado (1817-1892) o desenvolvedor da técnica moderna de construção. Segundo Dudeque:
As inovações de Torres são diversas. Entre elas está o estabelecimento do
comprimento de corda vibrante de 650 mm, o qual tornou-se padrão para todos os
violões. Este comprimento de corda naturalmente levou Torres a modificar as
proporções da caixa de ressonância e do braço do instrumento.
Outra inovação atribuída a Torres é o uso da cravelha mecânica, assegurando uma
melhor afinação do instrumento. Mas sem dúvida, a grande inovação destes
instrumentos está no tampo harmônico. O uso do leque, um conjunto de tiras de
madeira coladas na parte interior do tampo e que asseguram uma melhor distribuição
dos harmônicos e um equilíbrio sonoro maior, tornou-se a grande inovação do
desenvolvimento de instrumento. (DUDEQUE, 1994, pg.78.)
Essas inovações deram um grande salto de qualidade na sonoridade do instrumento. Fator que
inclusive contribuiu para a entrada do violão nas salas de concerto.
Vale ressaltar que em 1584, a colônia era composta de 60 mil habitantes, metade deles negros,
20 mil índios e 10 mil portugueses, o que leva a crer que a viola veio a se difundir de maneira
mais ampla apenas no século XVII, quando ganhou mais um par de cordas, se transformando
na viola de 10 cordas que se utiliza até hoje (TABORDA, 2011).
Há mesmo um escrito do erudito doutor Antônio Ribeiro dos Santos, que condena,
indignado, a influência de Caldas Barbosa sobre a juventude: “Eu não conheço um
poeta mais prejudicial à educação [...] do que este trovador de Vênus e Cupido: a
tafularia do amor, a meiguice do Brasil, e em geral a moleza americana, que faz o
caráter das suas trovas, respiram os ares voluptuosos de Pafus e Cítara, e encantam
com venenosos filtros a fantasia dos moços e o coração das damas”. (SEVERIANO,
2013, p. 14, 15)
Este escrito revela o caráter tipicamente brasileiro das modinhas de Caldas Barbosa em
contraponto à canção portuguesa.
A modinha como canção é geralmente composta em duas partes, com uma
predominância do modo menor, de linhas melódicas e compassos binários ou quaternários,
segundo ele, “a modinha oitocentista jamais se prendeu a esquemas rígidos, primando por
suas variações” (SEVERIANO, 2013, p. 17)..
O início da modinha está atrelado à viola, não só pelo fato citado acima, mas observa-
se também que o primeiro nome a se destacar na modinha do começo do século XIX foi
Joaquim Manoel da Câmara (SEVERIANO, 2013), que nos escritos do capitão de navio
Louis Freycinet2:
“nada me pareceu mais espantoso do que o raro talento na guitarra de um [...]
mestiço do Rio de Janeiro chamado Joaquim Manoel. Sob seus dedos o instrumento
tinha um encanto inexprimível, que nunca mais encontrei entre os [...] guitarristas
europeus” (FREYCINET apud SEVERIANO, 2013, p. 17)
Cândido Inácio da Silva (1800-1838) fora o maior autor de modinhas de sua geração,
era “[...] compositor, letrista, cantor e tocador de viola francesa, nome que aqui era dado ao
violão na época.” (SEVERIANO, 2013, p. 18).
O outro importante gênero da época foi o lundu, de origem mestiça pode ser descrito
da seguinte maneira:
[...] o lundu surgiu da fusão de elementos musicais de origens branca e negra,
tornando-se o primeiro gênero afro-brasileiro da canção popular. Na verdade, essa
interação de melodia e harmonia de inspiração europeia com a rítmica africana se
constitui em um dos mais fascinantes aspectos da música brasileira. Situa-se
portanto o lundu nas raízes de formação de nossos gêneros afros, processo que
culminaria com a criação do samba. (SEVERIANO, 2013, p. 19)
O lundu era uma dança praticada por negros e mulatos em rodas de batuque, sensual, que só
viria a se tornar canção ao fim do século XVIII, sendo “Composto em compasso binário e na
2
Louis Claude de Saulces de Freycinet (1779-1842) foi comandante de expedição francesa que circulou o globo
terrestre enter 1817 e 1820. Esteve no Rio de Janeiro por duas vezes no decorrer da expedição. (BRAGA, Daniel
Dutra Coelho. 2011. COLECIONISMO E HISTÓRIA NATURAL NA VIAGEM CIENTÍFICA DE LOUIS DE FREYCINET
(1817-1820). HCTE – UFRJ).
15
maioria das vezes no modo maior, o lundu é uma música alegre, de versos satíricos,
maliciosos, variando bastante nos esquemas formais.” (SEVERIANO, 2013, p. 19, 20).
A viola que se popularizou junto com esses gêneros, no entanto, passa a ocupar o
espaço interiorano a partir da segunda metade do século XIX, momento em que o violão já
havia conquistado o gosto dos cariocas e passa a ser o principal “veículo acompanhador das
manifestações musicais urbanas” (TABORDA, 2011, p. 57).
Severiano afirma que o piano se tornou “presença obrigatória nas salas das famílias
remediadas” e ainda “[...] sua posse tornou-se símbolo de status social, emprestando aos seus
possuidores uma certa aura de bom gosto” (SEVERIANO, 2013, p. 22). No entanto piano não
era bem acessível às casas menos abastadas, tanto por valor quanto por tamanho, nessas quem
reinava era o violão.
Não se sabe ao certo como, ou pelas mãos de quem o violão tenha chegado em terras
brasileiras. No entanto, Taborda ressalta que:
[...] entre 1808 e 1822, foi registrada a fixação de 4.234 estrangeiros, a maioria dos
quais proveniente da Espanha (1.500) e da França (mil). Podemos imaginar,
portanto, que com o numeroso desembarque de pessoas tivesse aqui chegado a
novidade da viola francesa, que [...] percorria com sucesso as principais capitais
europeias. (TABORDA, 2011, p. 71)
16
A presença do violão nas camadas mais populares servirá então de argumento para a
associação do instrumento à vadiagem. “Daí em diante, tocar violão terá sido atividade de
capadócio, capoeira e vadio” (TABORDA, 2011, p.171).
Através da assimilação dos novos estilos introduzidos nesse período se inicia um
processo que culmina na linguagem do choro, através da assimilação do repertório de danças
europeias.
Gonzaga. Tal acontecimento para aquela época poderia chocar a gente da alta sociedade. Ruy
Barbosa, rival do Marechal Hermes da Fonseca nas eleições, se utilizou deste acontecimento
para denegrir a imagem no presidente:
Uma das folhas de ontem estampo em fac-símile o programa da recepção
presidencial em que, diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de
Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das mais distintas e dos costumes
mais reservados elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o
corta-jaca de que ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A
mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, irmã-gêmea
do batuque do cateretê do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é
executado com todas as honras de música de Wagner, e não se quer que a
consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a
mocidade se ria! ( Ruy Barbosa Apud TABORDA, 2011, p. 190, 191)
Diante de tal acusação podemos ver a força dos preconceitos daquela época. Se a simples
execução de determinado gênero era capaz de denegrir a imagem de alguém, não é difícil
imaginar o quão rebaixado era o uso do violão acompanhante de gêneros do populacho.
Todavia, temos no século XX, momento fértil para o crescimento do violão. As inovações de
Antonio Torres na estrutura do instrumento proporcionaram um ganho de sonoridade que o
tornou propício para as salas de concertos. Francisco Tárrega (1852-1909) empreendeu
importante trabalho na elaboração da técnica moderna de violão:
Foi Tárrega quem definiu as bases da técnica moderna do violão. Entre seus méritos
está a racionalização da digitação de obras para violão, antes raramente indicada nas
partituras. O uso do toque de apoio, em que o dedo da mão direita que pulsa a corda
é apoiado na corda imediatamente superior, também foi sistematizado por ele. É
sabido que Arcas já usava esse tipo de ataque, mas foi Tárrega que o aperfeiçoou.
Esta maneira de pulsar das cordas acarretou mudanças na posição da mão direita. O
dedo mínimo deixou de ser apoiado no tampo, como era de costume, e a mão direita
passou a ser posicionada de forma livre e perpendicular às cordas. Esta atitude no
posicionamento da mão direita também está relacionada a mais uma inovação de
Torres. A altura das cordas no cavalete sofreu uma mudança de 2 mm, como era
comum na guitarra clássica, para 6 a 7 mm no violão moderno.
Também a posição do instrumento em relação ao corpo do instrumentista foi
racionalizada por Tárrega. A posição padrão adotada hoje em dia, em que o violão é
apoiado sobre a perna esquerda, foi consequência da introdução e uso dos violões de
maior tamanho construídos por Torres. O aumento nas dimensões do instrumento
permitiu que o violonista usasse esta posição de maior conforto, o que não era
possível com as pequenas guitarras clássicas. (Dudeque, 1994, p. 80)
voltarem pela primeira vez para o violão, conhecendo a riqueza de sonoridades vinda desse
tão ignorado instrumento.
No ano seguinte o Rio de Janeiro também conta com a visita de Josefina Robledo
(1897-1972), que encerrando uma série de apresentações pela América do Sul,
impressionando pela técnica e pela utilização dos recursos do instrumento atrai também
elogios da crítica. E encantada pela cidade do Rio de Janeiro, permanece no Brasil por dois
anos aproximadamente. Havia ela sido aluna de Tárrega, e nesses dois anos de estada no
Brasil, se dividiu entre o Rio e São Paulo desenvolvendo trabalhado pedagógico na
transmissão dos fundamentos da técnica moderna desenvolvida por Tárrega.
O grande nome brasileiro que se destaca no violão é o de Heitor Villa-lobos (1887-
1959). Desde cedo incentivado pelo pai Raul nos estudos musicais, começou a aprender numa
viola improvisada como violoncelo. O violoncelo foi, por questões de ordem socioculturais da
época seu instrumento público, porém foi através do violão que adentrou no universo da
música popular carioca, nas rodas de choro, nos sambas da Mangueira. Conviveu com
Cartola, João Pernambuco, Quincas Laranjeiras, Catullo da Paixão Cearense, Donga, Ernesto
Nazareth e muitos outros grandes músicos populares da cena carioca de sua época.
Ele era mais velho que eu. O choro imperava então. Eu tocava cavaquinho, ele
tocava violão. E sempre tocou bem. Acompanhava e solava. Se não acompanhasse
bem, naquela roda não entrava não [...] E foi sempre um improvisador. Foi um
grande solista de violão, grande, grande. O Villa-Lobos sempre tocou os clássicos
difíceis, coisas com técnica. Sempre foi técnico, sempre procurou o negócio direito.
(Donga Apud TABORDA, 2011, p. 104, 105)
Andrés Segovia foi o nome mais relevante no que diz respeito a concertistas do violão no
século XX, segundo Dudeque (1997):
Andrés Segovia teve um papel duplo no desenvolvimento do violão no século XX, o
de ampliar o repertório através de obras por ele comissionadas a outros compositores
e o de grande divulgador destas obras. Segovia alcançou seus objetivos,
conseguindo firmar o violão como um instrumento sério e de grande prestígio nas
salas de concerto. (DUDEQUE, 1994, p.85)
19
4
Wolff , D.; AllessAnDrini, o. os Cinco Prelúdios para violão de Heitor Villa-lobos e a transcrição ... Per Musi,
Belo Horizonte, n.16, 2007, p. 54-66
20
Grande parte desses primeiro registros fonográficos será feita a base de voz e violão, em
função de ser um mercado novo que corria altos riscos, o violão era uma forma de baratear os
custos. Fora o violão haviam também muitas gravações com bandas de música.
Posteriormente o uso dos grupos de choro também fora muito explorado, aqueles músicos que
como vimos acima eram baixos funcionários de repartições públicas, agora tinham uma forma
de se profissionalizar e foram esses os mais usados nas gravações e nas rádios.
5
Tocar de ouvido, segundo Simone Velho (2011), se trata da habilidade reproduzir uma música ou trecho logo
após ter escutado. (VELHO, 2011, p. 29, 30, 31)
6
Indivíduo que leva a correspondência de uma estação para outra. Disponível em:
‹https://dicionariodoaurelio.com/estafeta›. Acesso em: 19/10/2017
21
Para suprir a dinâmica acelerada das emissoras de rádio, era necessário da parte dos
músicos uma percepção muito aguçada, pois com o entra e sai de cantores, os programas de
calouros e outros, não havia tempo para ensaios e edição de arranjos em partitura. Dessa
forma, “Os músicos „de ouvido‟ em alguns minutos faziam um arranjo para qualquer tipo de
peça, sem partitura e quase sem ensaio.” (p. 135. Taborda, 2011)
A vivência diária dos músicos, tanto do choro quanto do rádio, exigia deles uma
percepção aguçada e muita criatividade. As próprias rodas de choro eram ambientes onde os
músicos nem sempre se conheciam, logo não tinham o repertório ensaiado, a música ia
acontecendo e os músicos tinham que se encaixar nela. Nessas ocasiões quem imperava era o
ouvido e a criatividade, pois poucos eram os que sabiam ler, fazendo com que o ouvido fosse
o principal meio de entrada na música, bem como as baixarias e a sessão rítmica do
acompanhamento que eram constantemente variadas de improviso e as melodias dos temas.
CAPÍTULO 2
MÚSICA POPULAR E SUAS PRÁTICAS DE APRENDIZAGEM
A música popular está inserida nas escolas, no currículo, mas será que os educadores
ao fazer o uso da música popular em sala de aula estão adequando suas práticas à realidade
dos ambientes onde a música popular ocorre? Para haver uma verdadeira imersão na música
popular, não podemos deixar de lado as práticas de transmissão da mesma, não podemos
ignorar a oralidade e as práticas informais de aprendizagem dos músicos populares.
No capítulo anterior, vimos as condições em que o violão popular se desenvolveu no
Brasil. Por estar presente com maior força nas camadas populares mais pobres, acompanhou
principalmente o canto popular, onde se aprendia vendo e ouvindo, com família, amigos, etc.,
trocas essas que aconteciam na informalidade. Esse recorte das práticas musicais dos
violonistas populares pode servir para enriquecer a experiência musical em sala de aula, essas
práticas podem afetar diretamente as estratégias de ensino. A música popular em sala de aula
deve ser viva, mais que conteúdo, isto é, deve se traduzir em práticas que se assemelham as
experiências dos músicos populares.
evidenciando assim seu caráter intencional, embora não mantenha a formalidade de uma
escola.
Aqui muitas das práticas de aprendizagem dos violonistas populares já citadas encontram
mais clara localização. Estes que como vimos aprenderam vendo e ouvindo nas rodas de
choro ou samba; aprendendo em trocas de informações com amigos, familiares; assistindo
outros músicos; “tirando de ouvido” as músicas de seu repertório de predileções. Que pelas
exigências profissionais precisavam de percepção aguçada e criatividade para rapidamente
suprir as demandas de execução nas rodas de choro, nas rádios e nos estúdios de gravação.
São esses, exemplos musicais de educação informal, que como podemos perceber, nem
sempre há uma intencionalidade nessas trocas, mas elas são reais e tem um grande peso
educacional.
É nesse espírito que é se iniciou o trabalho da escola, através de ver, ouvir, analisar e criar em
trocas com colegas e professores, “fazer uma roda de choro, um pouco mais organizada, com
o mesmo espírito da roda de choro: sentar e tocar junto” (GREIF, 2007, p. 148).
Tomamos por base as aulas de violão da escola portátil, observadas para o estágio
curricular supervisionado do curso de licenciatura em música, que compreende o período de
08/04/2017 à 04/11/2017.
Elza Greif (2007) afirma que “O currículo da escola foi elaborado pelos professores e
todas as experiências curriculares giram em torno do choro, que é o elemento predominante
28
Observamos que as músicas usadas em aula estão escritas em formato de melodia cifrada,
porém em turmas com alunos com diferentes níveis de leitura, a audição faz-se fundamental
para que o aluno se encontre no acompanhamento que está realizando, tomando por referência
a sonoridade que o grupo está gerando. Além disso, há uma constante que se mostra nas aulas
observadas que é o incentivo por parte dos professores em indicar repertório de gravações
para que os alunos possam toma-los por referencial, e ali estão presentes muitos elementos
como inflexões rítmicas, fraseado, pegada (técnica), etc... Para se apropriar do estilo, os
alunos necessitam de referências sonoras, e nesse contexto a audição proporciona o
aprendizado por imitação
Há sempre disponível, para aqueles que não estão em horário de aula, a roda de choro,
que acontece desde o horário em que a escola começa a funcionar (08:30) até o horário em
que se inicia o Bandão (12:30). O Bandão é uma atividade onde todos os alunos que desejam
29
podem participar, nesse ambiente, alunos, mestres e convidados se juntam no Espaço Cultural
Mário de Andrade, jardim da UNIRIO para tocar. O trabalho coletivo é uma marca do choro,
“Luciana diz que o grande segredo do choro é “esta história da coletividade”, que o
verdadeiro prazer no choro é tocar coletivamente” (GREIF, 2007, p. 183), o que reafirma o
papel importante da audição, pois para se atingir um bom resultado sonoro, cada membro do
Bandão necessita ouvir o contexto e entender o que está se passando.
Como uma escola, que apresenta um planejamento para um progresso consistente dos
alunos, se torna um pouco mais difícil delinear uma prática de aprendizagem onde o
conhecimento seja adquirido de maneira não linear. Podemos, porém, observar nas aulas que
frequentemente o repertório vai sendo acrescido de novas músicas, que pedidas pelos alunos
não apresentam um nível progressivo de dificuldade, bem como são muitas vezes revisitadas
músicas que já não mais representam um desafio para os alunos. No entanto verifica-se que
não há busca por uma perfeita homogeneidade no alunado, na medida em que as
particularidades de cada um são respeitadas e valorizada a identidade musical de cada um,
identidade essa que surge das experiências e dos referenciais de cada um.
Da integração de tudo o que vimos nasce uma prática educacional libertadora, onde há
integração entre apreciação, execução e criação. Se observarmos esses fatores veremos que
tocar requer referências, referências vem através do ouvir, tocar e ter referências auditivas
levam a compor, compor é criar. Podemos observar em aulas de violão, por exemplo,
momentos em que o professor pede aos alunos para acompanharem melodias de ouvido, mas
essa atividade só é realizada por que a melodia utiliza caminhos harmônicos com os quais os
alunos já mantiveram contato várias vezes. Podemos observar professores sugerindo que além
da levada padrão do acompanhamento os alunos variem o ritmo, ou que criem uma baixaria,
um momento de criação que só é possível por que o aluno já escutou e compreendeu os
caminhos que levam àquela sonoridade. Como afirma Greif:
O aluno ouve, toca algum instrumento ou canta, lê, escreve, faz gestos rítmicos,
traça percursos, percorre meios. São ações heterogêneas. Um aluno pode, de repente,
conectar o acorde que, no momento, ele está tocando e ouvindo no Bandão à sua
aprendizagem na aula de harmonia, e reconhecê-lo na obra de algum compositor
anteriormente abordado na aula de história do choro. (GREIF, 2007, p.188)
CAPÍTULO 3
COMPOSIÇÃO, APRECIAÇÃO E PERFORMANCE EM FOCO
3.1 COMPOSIÇÃO
Composição é o meio pelo qual qualquer peça musical vem à existência, e essa é uma
justificativa mais que plausível para que seja anexada ao currículo de ensino.
Composição musical acontece sempre que se organizam ideias musicais elaborando-
se uma peça, seja uma improvisação feita por uma criança ao xilofone com total
liberdade e espontaneidade ou uma obra concebida dentro de regras e princípios
estilísticos. (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p. 9)
oportunidades para compor podem surgir a partir da experimentação que demanda ouvir,
selecionar, rejeitar e controlar o material sonoro” (2002, p. 10), desta forma há uma
integração entre várias ações musicais que demandam do aluno se colocar como personagem
ativo do aprendizado, abrindo espaço para expor sua voz. Em sala de aula, manifestações
criativas podem se apresentar muitas vezes com estruturas muito simples, no caso do violão
desde uma variação no acompanhamento, ou uma frase melódica, até formas mais bem
estruturadas, mas por mais simples que sejam as composições dos alunos, o educador musical
deve estar sempre atento para o processo composicional em si. Não sirva isto de pretexto para
descuidar da qualidade musical.
3.2 APRECIAÇÃO
Ouvir está presente na experiência musical de ponta a ponta, poderíamos dizer que
este é o propósito da música, ser ouvida. França e Swanwick observam que:
É necessário, portanto, distinguir entre o ouvir como meio, implícito nas outras
atividades musicais, e o ouvir como fim em si mesmo. No primeiro caso, o ouvir
estará monitorando o resultado musical nas várias atividades. No segundo, reafirma-
se o valor intrínseco da atividade de se ouvir música enquanto apreciação musical.
(SWANWICK; FRANÇA, 2002, p. 12)
É necessário, portanto encarar o ouvir como uma prática fundamental em toda atividade
musical, bem como entender a sua natureza como exercício de foco no objeto sonoro de
preferência (o naipe de instrumentos, um trecho, uma frase, etc.), que determina a percepção
do ouvinte sobre a obra.
Ter acesso a uma gama maior de músicas favorece ao aluno ter um maior repertório de
referências para que possa exercer sua criatividade. Apreciação em sala de aula deve presar
por “levar os alunos a focalizarem os materiais sonoros, efeitos, gestos expressivos e estrutura
da peça, para compreenderem como esses elementos são combinados.” (Ibid., p.13)
3.3 PERFORMANCE
Sempre que o aluno externalizar música, sempre que for perceptível há performance
musical, isso pode incluir tocar um instrumento ou cantar, independente de ambiente e
ocasião há performance.
A performance costumeiramente tem o objetivo de se chegar a um nível elevado de
que qualidade técnica, porém numa educação musical mais comprometida com o
desenvolvimento integral do aluno, a performance deve oportunizar expressão e criatividade,
32
7
Brief biography and reviews. Disponível em: https://sites.google.com/site/keithswanwick/home. Acesso em
15/11/2017, às 16:34.
33
No Brasil traduz-se o C(L)A(S)P por (T)EC(L)A, tradução feita por Alda Oliveira e
Liana Hentschke, onde (T) significa técnica; E execução; C composição; (L) literatura, A
apreciação. A sigla traduzida altera a ordem das atividades, o que poderia levar ao engano de
se desconsiderar a ordem proposta por Swanwick, ao que diz: “Portanto, recomendamos
expressamente que a forma original do Modelo C(L)A(S)P seja preservada, para que sejam
igualmente preservados os princípios que lhe inspiraram.” (FRANÇA; SWANWICK, 2002,
p.19).
Sobre a articulação em sala de aula, Swanwick e França (2002) explicam que:
Na prática, os cinco parâmetros devem ser inter-relacionados de forma equilibrada,
oferecendo um leque de possíveis atividades curriculares. No entanto, a
recomendação de equilíbrio não quer dizer que as três modalidades devem estar
presentes em todas as aulas. Elas podem ser distribuídas ao longo destas, uma
atividade sendo consequência natural da anterior, para que, ao final de um
determinado período, os alunos tenham vivenciado uma série de experiências inter-
34
relacionadas. (...) Uma atividade de apreciação de uma obra de dois minutos pode
dar início a um projeto de composição que durará três ou quatro aulas. O equilíbrio
deve ser qualitativo, e não, quantitativo. (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p. 18)
Desta forma, o professor que busca ensinar de forma musical deverá sempre exemplificar aos
alunos os recursos expressivos e buscar na performance deles formas expressivas para que
aconteça um discurso musical de fato. Do contrário, haverá uma execução de materiais
sonoros vazios de significado musical.
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Considerar o discurso musical do aluno parte antes de tudo da consciência de que cada
aluno traz consigo algum nível de compreensão musical, não é apenas no ambiente escolar
que ele a adquire, ou seja, o professor deve perceber e respeitar a autonomia dos alunos. Para
Swanwick (2003, p. 67), o professor deve se preocupar com “as energias naturais que
sustentam a aprendizagem espontânea”, um conceito de Jerome Bruner, são elas:
“curiosidade, desejo de ser competente, o querer imitar os outros, a necessidade de interagir.”
(Ibid., p. 67). São fruições que decorrem do fato de que apesar do ensino formal, o aluno
carrega consigo uma bagagem musical advindas de aprendizagem espontânea na sua vivência
diária. Swanwick acredita que não se disperta curiosidade dizendo ao aluno o que é bom,
antes “é preciso que haja algum espaço para escolha, para a tomada de decisões, para a
exploração pessoal.” (Ibid., p. 67). Competência estrapola técnica, existem outras “questões
sobre julgamento artístico mais importantesque noção de certo ou errado.” (Ibid., p. 67), é
preciso empregar recursos expressivos. Imitar os outros sugere relações de aprendizagem
entre família, amigos, colegas, enfim, o ato de tocar e aprender informalmente e
espontaneamente em grupo, aqui se revela o valor das interações sociais. Se a sala de aula
replica esse cenário acontece rica troca entre alunos, que aprendem uns com os outros e ideias
musicais de fora de sala de aula são introduzidas e empregadas. Integrar em sala de aula
atividades de composição, apreciação e performance, em especial a composição, permitirá ao
aluno trazer da sua bagagem musical ideias para juntar o estudo formal de música com as
vivências musicais extraescolares. Swanwick (2003) completa que assim os professores
“tornam-se conscientes não somente das tedências musicais dos alunos, mas também, até
certo ponto, de seus mundos social e pessoal.” (p. 68).
Swanwick compara a música à linguagem, pois adquirir fluência na língua demanda
muito tempo ouvindo e falando com outras pessoas, ou seja, é necessário que haja uma
vivência onde se possa por em prática, experimentar os sons, até que se possa fazer expressar
através deles. Tocar e manter contato com outros musicos constitui formas de aprendizagem
que devem ser anteriores aos processos de leitura e escrita musical. “Em qualquer evento
(novamente de forma análoga à linguagem) a sequência de procedimentos mais efetiva é:
ouvir, articular, depois ler e escrever” (Ibid., p. 69), essa idéia pode e deve influenciar as aulas
música. A fluência então se trata de saber tocar ou cantar criativamente, capacidade tocar de
ouvido, de improvisar, com a naturalidade de quem espontaneamente aprendeu. Quando
tratamos nos capítulos anteriores sobre a realidade dos músicos populares que aprendiam
informalmente, dos músicos do rádio e do choro que tinham a habilidade de rapidamente se
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engajar na música criando arranjos e tocando de ouvido sem ensaioo, e dos músicos das
primeiras gravações, era exatamente o que Swanwick chama de fluência, o teiceiro princípio.
É precisamente a fluência, a habilidade auditiva de imaginar a música, associada à
habilidade de controlar um instrumento (ou a voz), que caracteriza o jazz, a música
indiana, o rock, a música steel-pan [do caribe], uma grande parte de música
computadorizada e música folclórica em qualquer país do mundo... Esses músicos
têm muito a ensinar sobre as virtudes de tocar “de ouvido”, sobre as possibilidades
de ampliação da memória e da improvisação coletiva (SWANWICK, 2003 p. 69).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
mais motivação. A não linearidade no aprendizado pode tornar o aprendizado muito menos
maçante. A integração entre tocar, ouvir, compor e criar foi o destaque, pois dessa forma estão
presentes todas as possibilidades de envolvimento com a música, e isso ocorre em função das
práticas anteriormente citadas.
Através dessa proposta o professor pode enxergar um novo caminho para lidar com os
dilemas de encontrará em sala de aula, bem como se abre um novo paradigma para a
elaboração de atividades. Está distante da proposta deste trabalho a intenção de formar
músicos virtuoses, no entanto, um trabalho pedagógico que insere composição, apreciação e
performance tem muito a acrescentar no dia a dia do professor de música engajado numa
educação musical que pretende facilitar ao aluno a aquisição de uma consciência musical
ampla. Ao ler Swanwick pudemos entender em que ordem podemos inserir as atividades
nesses três pontos do fazer musical.
Em nenhum momento este trabalho buscou encerrar um modelo de ensino que deve
fielmente ser seguido pelo professor, mas mostrar novas possibilidades de ensino. Desta
forma estaremos contribuindo para que o ensino de música permaneça de fato musical e
jamais um exercício de destreza com sons. Independentemente de os alunos se tornarem
músicos ou não, é dever da educação musical proporcionar experiências ricas em
oportunidades para o afloramento de sua compreensão e expressividade.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GREEN, Lucy. Ensino da música popular em si, para si mesma e para “outra” música:
uma pesquisa atual em sala de aula. Revista da ABEM, Londrina, v.20, n.28, p. 61-80,
2012.
GREIF, Elza Lancman. Ensinar e aprender música: o Bandão no caso Escola Portátil de
Música. 2007. Tese. (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música,
Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? 12. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
OLIVEIRA, Valmir Antônio de. Violão e a educação musical: Por uma metodologia de
musicalização com o violão. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.
SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34,
2013, 3ª edição.
SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo, Edit. Moderna. 2008.