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A PRODUÇÃO DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: CAPITALISMO,

COLONIALIDADE E INDÚSTRIA CULTURAL


Iago Damião Ferreira Prado1
Gabriel Victor Vasconcelos Frota de Almeida2
Ana Terezinha da Costa3
Orientadora: Francisca Denise Silva Vasconcelos4
Grupo temático: GT 7 Mocororó - Outros pensamentos e possibilidades
Palavras-chave: Música Popular Brasileira. Cultura. Decolonialidade.

INTRODUÇÃO
Com o desenvolvimento social e econômico da cidade, o êxodo rural em alta, o
contexto político-econômico passava por transformações. Em meio ao cenário industrial-
urbano, o capitalismo foi se fortalecendo, ao mesmo tempo, que a cultura e as relações sociais
foram ganhando visibilidade. A partir do momento em que a cultura começa se desenvolver,
ela se torna alvo de um sistema capitalista-colonial, passando a ser influenciada por
transformações e rupturas estéticas para um endereçamento cultural. Nesse sentido, evocam-
se duas perguntas: que cultura está sendo oferecida? E para qual público?
Para entender a cultura brasileira, é preciso tornar-se ciente do processo colonial que
atravessou/a o país desde o século XVI. É a partir disso que, com a exploração do trabalho,
natureza e cultura, o Brasil se desenvolve com um caráter étnico heterogêneo e desigual, com
um entroncamento cultural dos povos indígenas, africanos e europeus, sendo este último
enraizado sobre uma matriz colonial do poder, o controle da economia, da subjetividade, da
raça, da sexualidade e gênero e do conhecimento (MIGNOLO, 2017). Dito isso, se torna
necessário investigar os processos coloniais e quais suas influências no processo de produção
da música popular brasileira.
Dessa forma, considera-se o pressuposto de uma música popular que esteja
relacionada à uma cultura popular. Nesse sentido, buscar-se-á resgatar a música popular
brasileira com o caráter criativo/artístico natural do país, se contrapondo ao modelo
endereçado à uma elite, visando fins lucrativos e mercadológicos. No entanto, o resgate
histórico e o desenvolvimento da autocrítica se tornam necessários, como sendo o primeiro
passo para a subversão dessa atuante matriz do poder. É importante ressaltar que não se
objetiva apontar nenhuma forma de produção como válida ou não, mas fornecer visibilidade e
importância à todas elas e que dessa forma possa- se expandir questionamentos para outros
rumos.
É nessa perspectiva que o capitalismo se apropria das produções musicais populares
com o intuito industrial de lucro. Ancorando-se nos padrões e desejos de consumo da
sociedade, as produções artísticas passam por um modelo de produção ditado pela classe
dominante, em que tudo que se distancia desse molde está destinado ao descrédito da
indústria. Esse modelo de produção musical está alicerçado na negação das produções
populares oprimidas socialmente, em razão de que com a colonialidade do poder essas
pessoas foram tidas como inferiores intelectualmente e culturalmente, não entrando nos
padrões de consumo.
Salienta- se que subverter a ordem proposta por um projeto colonial, que há pelo
menos 500 anos explora e impõe de forma discrepante uma realidade pautada em modelos
eurocêntricos, é uma tarefa ético-política, sendo que pensar um movimento de subversão é
1
Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). iagoferreira99@gmail.com
2
Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). gabriel_psi_@hotmail.com
3
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Luciano Feijão (FLF). terezinhacosta.10@outlook.com
4
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e docente da Universidade Federal do Ceará
(UFC). denisesn1301@gmail.com
1
entender que as relações micro são importantes, sendo elas marcadas por histórias, lutas e
conquistas, em outras palavras, significa dizer que essa tentativa de subversão é histórica e
não pretende parar por aqui.
Em conexão da analítica descolonial com a arte da música, em específico a música
popular brasileira, o presente trabalho propõe em consonância com a teoria pós-colonial, uma
aproximação do processo de produção da música popular brasileira e sua estruturação
conduzida por uma lógica colonizadora. O percurso se utilizará de uma analítica descolonial –
superação da lógica colonial – e seus desdobramentos com a música no contexto brasileiro.
Desse modo, o trabalho objetiva identificar os impactos estéticos sofridos advindos de uma
lógica industrial- mercadológica, como também propõe- se a identificar outras formas de
produção da música popular brasileira subvertendo a matriz colonial do poder.

METODOLOGIA
O presente resumo teve como metodologia uma revisão de literatura de cunho narrativa.
Com ela, foi possível evocar e fundamentar as discussões deste trabalho, dando novos rumos
e visões aos pesquisadores. No processo de pesquisa, utilizou- se de bibliotecas virtuais para a
busca de trabalhos que abordavam a temática discutida. Os sites de busca usados foram:
Google Scholar, SciELO e a Plataforma CAPES. Na pesquisa, usou- se as palavras-chave:
decolonialidade, música popular brasileira, descolonização e indústria cultural. A partir disso,
os textos tiveram como critério de inclusão a relação com a temática a ser discutida, tendo
como base a leitura dos resumos. Tendo como critério de exclusão textos que não fossem em
língua portuguesa e inglesa, que tivessem transversalização com a discussão do texto e foram
excluídos resumos de trabalhos. Não houve critério de exclusão quanto à data de publicação
dos trabalhos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Entende- se que a produção cultural no Brasil andou lado a lado com a colonização e
com sua consequência colonialidade, em um processo massivo de atravessamentos e negações
de matrizes ancestrais, alterando e influenciando a subjetividade dos povos originários e
africanos, tendo em vista que ao colonizado só resta o lugar do trabalho forçado (CÉSAIRE,
1977).
Antes de pensar sobre a música popular brasileira, é necessário saber que a música não
está somente enquanto caráter lúdico, dançante e de confraternização, como também se
apresenta como ferramenta social e política para a população, desenvolvendo-se a partir de
conotações sociais e culturais. A música é muito mais do que ouvir e dançar, indo além da
ludicidade, com relevância social e política (CALDAS, 2010). Ademais, é preciso ter cautela
nesse processo de reflexão, pois apresenta-se como uma faca de dois gumes, em que por um
lado se manifesta como ferramenta de luta e representação de um povo, e por outro, como
mais uma possibilidade de dominação.
Partindo de uma perspectiva histórica, no século XVI, período colonial, ao chegar no
Brasil, os jesuítas se utilizaram da música para se aproximar dos indígenas, junto a eles,
trouxeram o cantochão gregoriano, que por sua vez, teve forte influência para conversão cristã
de vários índios (CALDAS, 2010). No entanto, o projeto colonizador foi se estruturando,
ocupando espaço e fazendo com que os indígenas obedecessem à servidão imposta por eles.
Logo, como resultado desse processo, os cantos e a cultura indígena foram sofrendo um
apagamento, ou seja, estavam atravessando uma mortificação cultural se desenvolvendo a
partir de relações de dominação, sendo estruturadas de forma vertical, a ser tomada como um
modelo hierárquico de poder, que por sua vez, se alicerça a partir dos eixos racial e patriarcal
do conhecimento.

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Diante disso, há um ponto dentro dessa matriz colonial que deve ser tratado com
extremo cuidado, pois está conectado com o processo de subjetividade dos povos colonizados.
O colonizado, segundo Gonçalves (2019) passa por um processo de conflito identitário, ou
seja, por uma dupla consciência. Logo, o pensamento subjetivo do sujeito colonizado está
alicerçado a um modelo do colonizador, sendo tomado por um modelo eurocêntrico, que
estaria findado ao processo de colonialidade do ser/saber. Nesse sentido, o colonizado é visto
como naturalmente inferior ao colonizador (QUIJANO, 2005), sendo sua cultura e
ancestralidade fadada a este mesmo julgamento de inferioridade.
Ainda no período do Estado Novo, com o domínio dos meios de divulgações,
principalmente da Rádio Nacional, a música popular brasileira passaria por um processo de
estetização, transformando seu caráter em produto de massa. Como bem aponta Tinhorão
(1988), a música popular se transforma em um produto industrial-comercial. Ou seja, é nesse
momento em que se perde seu caráter hegemônico, de pertencimento e se transforma em um
“gênero” musical, delimitado a determinados padrões elitistas, endereçados ao padrão
eurocêntrico.
Assim, por volta das décadas de 50, 60, 70, com o desenvolvimento da classe média, a
indústria musical recorre às influências internacionais, como jazz, rock internacional. Com
esse hibridismo musical, dá-se início a novos movimentos musicais de forte influência na
música popular brasileira, bem como a bossa-nova, que estaria ligada à uma produção musical
erudita, alicerçadas em seus poderes boêmios, tendo como grandes nomes: Chico Buarque,
Toquinho, Carlos Lyra, entre outros.
O tropicalismo, um dos momentos mais importantes da música popular brasileira,
tendo como uma de suas referências Caetano Veloso, que em 1967, lança sua música
chamada “Alegria, Alegria” que foi tido como marco histórico. O movimento musical se
desenvolve no período da ditadura militar, que por sua vez, voltaria a limitar o acesso político,
social e cultural da população por meio da censura, algo parecido havia acontecido no período
Vargas. Nesse sentido, no auge da censura militar, as músicas produzidas tiveram que ir
tomando outros rumos - esses que servissem de interesse do governo autoritário- e em
consequência o seu público foi se enfraquecendo. Contudo, vale denunciar as semelhanças de
opressão e dominação existentes entre o governo militar, autoritário e controlador agindo em
consonância à matriz colonial.
Em conformidade com alguns cantores do rock internacional, a jovem-guarda nasce
com seu caráter rebelde, na qual dizia muito do momento social, político e econômico do país,
que por sua vez, enfrentava uma ditadura militar que tinha um poder de forte censura no
cenário musical, cultural e político. Porém, é preciso revisar o cunho artístico desses
movimentos, pois os mesmos estariam ligados a interesses próprios - de lucro, ascensão e não
preocupados com o momento histórico.
Os períodos ditatoriais no Brasil tiveram um grande apelo à cultura, entendendo-o
como peça chave tanto para a manutenção do seu regime quanto para a possível destruição
dele. Foi tendo isso em mente que a censura atual de forma devastadora a tudo aquilo que
fugia dos padrões ideológicos da ditadura, dos seus processos e projetos de alienação popular.
É com a censura que a ditadura busca padronizar a música popular brasileira a partir dos
ditames da classe dominante, tentando encontrar um eixo básico de normatividade das
expressões artísticas alinhadas à cultura norte-americana e eurocêntrica.
É a partir disso e das dinâmicas capitalistas que a música se torna um produto,
promovida a partir de um mercado de massas que busca a satisfação do seu desejo de
consumo. É nessa incansável busca que o capitalismo enxerga na música uma oportunidade
de lucro, tornando-a parte de um modo de produção, da indústria cultural. Não pode- se deixar
de considerar nesta discussão que essa sociedade capitalista está alicerçada em um período
colonial, como bem aponta Marx (2013) a acumulação primitiva realizada na colonização foi
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base para o surgimento da revolução industrial, sendo que é essa mesma indústria da técnica e
da produção que dita os padrões musicais para gerar lucro. Pois a partir do monopólio
empresarial burguês, busca-se por meio de uma técnica tornar as produções artísticas
idênticas, com um esqueleto próprio na linha de produção, algo que interesse ao próprio
público consumidor (ADORNO E HORKHEIMER, 1985)
Desse modo, a música a partir dos ditames da indústria está ancorada em um processo
ideológico, tendo em vista a estipulação do padrão musical ser buscado, o da classe
dominante. Esta classe, não pode- se deixar de mencionar, tem como base uma matriz colonial
de poder, a partir de que controla a economia, o mercado e a produção cultural, a
subjetividade, quando dita os padrões de consumo e epistêmica, quando modos de produção
cultural dos saberes dos povos originários são descartados pelos padrões mercadológicos.
É nesse momento de padronização técnica e de consumo que a música começa a ter
como base clichês, arranjos e melodias que remetem a um mesmo estilo musical, o qual
interessa ao público consumidor, pois “os padrões teriam resultado originariamente das
necessidades dos consumidores: eis por que são aceitos sem resistência” (ibid. p. 100) e a
partir disso, o industrial busca um esqueleto base musical, apenas, a posteriori, alterando a
roupagem para agradar sempre o consumidor, gerando mais lucros. É nesse sentido que os
“os próprios meios técnicos tendem cada vez mais a se uniformizar” (ibid. p.102),
promovendo uma absoluta repetição, no qual não cabe espaço para o novo, o que fere aos
padrões da indústria cultural, para a novidade, só resta o descarte (Ibid.).
Dessa forma, a música popular brasileira aqui proposta tem um caráter artístico,
sociopolítico e cultural, subvertendo as multifacetas lucrativas do capital-colonial. Ou seja, “é
preciso entender que música está além de um “produto de venda”, ela é uma construção
dentro de um processo. É, então, um evento sociocultural que envolve mais do que apenas
sons, mas também todas as práticas, concepções, costumes, crenças, realidades e sentimentos
que fazem parte desse acontecimento” (SILVA NETO, 2017, p.10). Logo, a música popular
brasileira se apresenta como ferramenta social/cultural que age e que gera transformação na
vida do indivíduo. Ela carrega consigo um vasto material da história social de um povo,
abrindo margem para possibilidades de espaço de aprendizagem e pertencimento a um
processo de vida, um lugar social e político.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das discussões apresentadas, evidenciou- se a imprescindibilidade do resgate
histórico da música popular brasileira, a fim de reconhecer as implicações culturais, sociais,
políticas, econômicas e ideológicas de sua produção. Nesse contexto, tendo influências
coloniais, a produção da música popular brasileira apresenta paradoxos em sua construção, ao
levar em conta sua perspectiva de representação e resistência de povos, como também
instrumento de dominação. Portanto, a música como uma manifestação artística representou
um caráter hegemônico que fortalece relações hierarquizadas entre dominador e dominado ao
considerar que constituiu- se como ferramenta de exploração e aculturação eurocêntrica dos
indígenas na catequese dada pelos jesuítas, obedecendo à matriz colonial. Dito isso, o primeiro
objetivo deste trabalho foi alcançado, ao salientar que a produção musical esteve à serviço da
hegemonia eurocêntrica e elitista durante o período do Estado Novo, marcada pela estetização,
passando a manifestar seu hibridismo apenas nas décadas de 50 a 70, como a bossa nova.
Nessa perspectiva, a música adquire, além de seu caráter artístico e cultural, fins
mercadológicos e torna- se produto comercial.
Em consonância com a matriz colonial que dita padrões de controle de subjetividade e
cultura, durante o período de ditadura militar, a produção musical é reduzida aos interesses do
governo, que através da censura, impõe seu autoritarismo e impede sua livre manifestação.
Destaca- se, neste período, o tropicalismo e a jovem guarda. Entretanto, é necessário averiguar
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as reais motivações destes movimentos da música popular, tendo em vista que a jovem guarda,
com forte influência da supremacia mercadológica, obedecia aos interesses próprios de
lucratividade.
Ademais, verifica- se que a indústria cultural, em busca da homogeneização do
consumo, torna a música ferramenta de produção simbólica à lógica de mercado. Nesse
sentido, o consumo embasa- se fundamentalmente naquilo que é de natureza subjetiva mais do
que propriamente nas características concretas do produto, mas prioritariamente aos interesses
do consumidor, neste caso, a classe dominante. Logo, é a partir dessa ótica mercadológica que
a produção da música popular vai de encontro a padrões de um mesmo estilo musical,
descaracterizando sua manifestação artística autêntica.
Diante disso, o segundo objetivo deste trabalho foi alcançado ao discutir novas formas
de produção da música popular brasileira, compreendendo que ela constitui- se como um
movimento sociocultural, construído e que ainda constrói- se historicamente, no qual
representa mais do que um produto a ser comercializado pelo capitalismo e pela indústria
cultural. Carregada de percepções, valores, crenças, práticas e da realidade concreta, a música
popular brasileira apresenta- se como um instrumento de transformação social. Para isso, este
estudo sugere a urgência de re-visão de materiais sobre a construção da música popular
brasileira, tendo em vista que pouca parcela destes contemplam as implicações da
colonialidade neste processo. Além disso, o trabalho fomenta discussões posteriores e instiga
novas produções que englobem a lógica decolonial na construção da música popular brasileira,
com o objetivo de torná-la ferramenta de produções artísticas, culturais e simbólicas que
subvertem a matriz colonial.

REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de
Janeiro. Zahar. 1985.
CALDAS, Waldenyr. Iniciação à música popular brasileira. Barueri, SP: Manole, 2010.
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo.[Tradução de Noêmia de Sousa]. Lisboa:
Ed. Livraria Sá da Costa Editora, 1977.
GONÇALVES, Bruno Simões. Nos caminhos da dupla consciência: América Latina,
psicologia e descolonização. São Paulo: Ed. do Autor, 2019.
MARX, Karl. O capital: livro 1, o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo,
v. 894, 2013.
MIGNOLO, Walter D. Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 94, 2017.
NETO, Luiz Gomes da Silva. Música, Cultura e resistência: a aprendizagem musical
como forma de transformação social. 2017.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In. LANDER,
Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: perspectivas
latinoamericanas. Ciudad Autnoma de Buenos Aires, Argentina: Clacso, 2005.
TINHORÃO, José Ramos, 1928- História Social da música popular brasileira. São Paulo:
Editora 34, 2010 (2 edição)

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