"São três irmãs da língua ferina, uma Mariana, outra é Herondina e a outra é
Toya Jarina..."
Representações:
Alanna Souto
Msc. História Social da Amazônia
Pensar, proferir, retratar, redigir sobre estas três sábias e amadas irmãs da encantaria
amazônica: Mariana, Jarina e Herondina, está deveras longe de qualquer conceituação
definitiva ou objetiva, assim como qualquer análise feita referente ao sagrado e seus
mistérios que acabam por fugir de nossas mentes racionais, pois muitas vezes nos
deixamos levar pelas armadilhas do excesso de “intelectualismo”, vulgo EGO. Nesse
sentido, o caminho que vou trilhar agora será muito mais abstrato do que concreto ou
exato. Expressarei, assim de forma mais pessoal, como vejo e sinto essas entidades, seus
arquétipos e representações, as maneiras que atuam em seus trabalhos magísticos
divinos.
No culto religioso “tambor –de- mina”, as caboclas, Mariana, Jarina e Herondina são
creditadas pela maioria de seus praticantes como turcas encantadas, princesas, que
vieram fugidas daquela região em função do conflito bélico das cruzadas, a primeira
ocorrida na terra santa em torno de 1099, desembarcaram nos lençóis maranhenses,
atravessaram os portais e “se encantaram”. As princesas chegaram à Ilha dos lençóis,
um pouco antes do desaparecimento do rei português dom Sebastião e de sua caravela
na batalha de Alcacequibir em 1578, em luta contra os mouros, e que os portugueses
acreditavam que um dia voltaria, os quais também “se encantaram” nos lençóis
maranhenses, reza tais “lendas” e que estão vivas até hoje na memória dessa religião. A
luta dos cristãos contra os mouros, tão trágica ao imaginário português, se transformou
em mitologia religiosa, só que dessa vez os turcos da encantaria são agora aliados, não
inimigos. Elementos da encantaria amazônica, lembra Reginaldo Prandi, como as
histórias de botos que viram gente e vice-versa; “lendas” de pássaros fantásticos, de
sereias e iaras, tudo isso foi compondo, ao longo do tempo, a religião que se
convencionou chamar encantaria ou encantaria do tambor-de-mina, no Maranhão e sua
vertente paraense, aonde muito de suas entidades e batuques sagrados foram captados
pela Umbanda amazônica.
Contudo há algumas vertentes de umbandistas do Pará que alegam que das três irmãs da
língua ferina, duas nunca tiveram vida terrena, que são as caboclas: Mariana e Jarina,
originárias dos reinos de aruanda, sendo que a cabocla Herondina seria uma espécie de
irmã adotiva e sua última encarnação terrena teria sido como romana na época da
proliferação do cristianismo nessa região. Enfim, mas o que interessa aqui não são as
verdades ditas de cada culto religioso ou templos sobre essas encantadas, e sim como
elas estão representadas nas linhas da Umbanda e seus trabalhos magísticos na lei divina
em ação.
Inicio refletindo sobre a cabocla Mariana que das sete linhas da Umbanda Sagrada, atua
geralmente na linha co-criadora de geração, que tem no comando no âmbito feminino
Yemanjá e sendo comandada por esta Yabá, realiza muitos trabalhos dentre tantos, em
especial, de prosperidade e harmonia no campo da criação, seja profissional, intelectual
ou mesmo no campo das artes, uma entidade que transpira e nos dar inspiração para
criar , inovar em nossas vidas em todos os aspectos e até mesmo gerando e curando
vidas, realiza auxílio e cura para muitas mulheres com problemas durante a gravidez e
pós-parto. Seu arquétipo apesar de maternal carrega a dubiedade da sereia, encantadora
e doce em seu aspecto feminino e arredio no seu aspecto de peixe [calda], combativa
como os mares bravios de Yemanjá, despachada e direta, não têm papas na língua e seu
animal de força é arara... É uma das caboclas mais alegres e expressivas da encantaria
amazônica. Não é a toa que um dos seus pontos cantados diz: “É uma turca mal criada,
nascida na Alexandria, é uma cabocla guerreira, filha do rei da Turquia...”
A cabocla Jarina, também, segue esse aspecto simbólico festivo e agitado como a sua
irmã cabocla Mariana, contudo vem no geral na linha do amor que tem no comando no
âmbito feminino mamãe Oxum, como bem canta o ponto: “Toya Jarina seu terreiro não
cai porque mamãe Oxum está no congar”. Sendo assim é muito reconhecida pelos seus
trabalhos de harmonia e união dos casais e famílias, quando há, de fato, amor de casal
entre os cônjuges e não só pelos filhos ou pelo apego a conveniência moral ou material
ou ainda o desejo amoroso apenas de uma das partes ou mesmo por carência afetiva ,
quando é assim ela desencadeia sutilmente por meio de aconselhamentos através do
aparelho [médium] no templo ou por meios dos sonhos e/ou até mesmo intervindo em
parceria com outros mestres no auxílio de fatos conflituosos , em especial no campo
emocional, com intuito sempre de mostrar os caminhos do amor genuíno, da harmonia e
do equilíbrio ao paciente ou seu filho de cabeça em suas vidas de vigília, até o véu da
ilusão desmanchar de vez, nem que seja em reencarnações futuras, afinal ninguém sai
da roda de samsara enganando a si mesmo. Tendo a cobra como animal de força,
simboliza ainda, a cura, a renovação, a flexibilidade e a sagacidade.
E por fim a grande e magnífica guerreira amazonas cabocla Herondina, líder de ponta
dos povos de Caruê na encantaria amazônica [esse povo é pertencente à linha dos
felinos, o que quer dizer, obviamente que tem como animal de força, os felinos, muitas
vezes se manifesta ou se transformam nesses animais no “astral”, como já foi descrito
por muitos videntes], atua sob o comando de mãe Oiá [Iansã], orixá feminino que atua
na linha da justiça junto com Xangô e na linha de lei junto com Ogum. Mãe Herondina
é muito reconhecida pelos seus trabalhos quebrando demandas, desfazendo baixas
magias, desativando “bombinhas” e até mesmo curando seus pacientes ou filhos de
cabeças de larvas astrais, oriundas muitas vezes de trabalhos magísticos perniciosos
fruto em geral do desespero, da mágoa, dos recalques, sentimentos mal resolvidos,
enfim, da pequenez humana. Além do arquétipo da guerreira é bem menos “faladeira”
que as outras irmãs; austera apesar de acolhedora e muito protetora, em especial, com
seus filhos de cabeça. Cabocla Herondina lembra muito a carta no. XI do tarot , a força,
a qual é representada por uma mulher subjugando elegantemente um leão, assim como
geralmente se “manifesta”, acompanhada sempre de sua onça preta ou pintada. Ou seja,
simbolizando determinação e autocontrole, o controle dos instintos e o equilíbrio
interno; ela pode ser relacionada, ainda, com as cartas no. IX, o Eremita, o solitário
caminho sabedoria e a carta no. I, o mago, o iniciado, lembrando assim exu, que é a
linha esquerda da Umbanda.
Não obstante dessas três caboclas, a cabocla Herondina é a única que atua como exu nos
dias de trabalho dessa linha, guardando, protegendo, abrindo os caminhos e executando
a lei, assim como todos os bons guardiões, exus e pombas-giras. Em sua linha virada,
Herondina em Ganga canta bravamente: “Deu uma ventania em ganga no alto da serra/
É ela oh, Herondina oh ganga / Que vem vencer a guerra”.
Muitas são as representações, “olhares” e simbologias que rondam essas três famosas
encantadas da encantaria amazônica, assim como outros diversos trabalhos magísticos
que executam e até mesmo os quais desconhecemos, aqui destaquei apenas alguns
elementos que envolvem o universo divino e misterioso dessas irmãs, longe de qualquer
verdade absoluta.
Salve a encantaria sagrada! Salve as três irmãs!
Os encantados não são espíritos desencarnados; são pessoas, ou até animais, que
viveram mas não chegaram a morrer, sofreram antes a experiência do encantamento e
foram morar no invisível. De vez em quando saem de lá, pegam carona na asa do vento
e vêm à terra, no corpo dos iniciados, para dançar, dar conselhos, curar doenças, jogar
conversa fora e matar as saudades do povo que continua por aqui.
Descem pela Croa* (cabeça) cada um com seu respectivo gênio, com sua formalidade.
Dividios em famílias, que entre as quais são classificadas desta forma:
1. Família do Lençol: O nome é uma referência à Praia do Lençol, onde se acredita teria
vindo parar o navio do Rei Dom Sebastião, desaparecido na Batalha de Alcacequibir. É
uma família de reis e fidalgos, denominados encantados gentis. Dona Jarina é a princesa
encantada do Lençol que dá nome a vários terreiros de mina, como por exemplo a Casa
das Minas de Tóia Jarina em São Paulo. Seus principais componentes são:
a) Os Reis e Rainhas: Dom Sebastião, Dom Luís, Dom Manoel, Dom José Floriano,
Dom João Rei das Minas, Dom João Soeira, Dom Henrique, Dom Carlos, Rainha
Bárbara Soeira;
b) Os Príncipes e Princesas: Príncipe Orias, João Príncipe de Oliveira, José Príncipe de
Oliveira, Príncipe Alterado, Príncipe Gelim, Tói Zezinho de Maramadã, Boço Lauro das
Mercês, Tóia Jarina, Princesa Flora, Princesa Luzia, Princesa Rosinha, Menina do
Caidô, Moça Fina de Otá, Princesa Oruana, Princesa Clara, Dona Maria Antônia,
Princesa Linda do Mar, Princesa Barra do Dia;
c) Os Nobres: Duque Marquês de Pombal, Ricardinho Rei do Mar, Barão de Guaré,
Barão de Anapoli. As cores da família são azul e branco para os encantados femininos e
vermelho para os encantados masculinos.
2. Família da Turquia: Chefiada pelo Pai Turquia, rei mouro que teria lutado contra os
cristãos. Vindos de terras distantes, chegaram através do mar e têm origem nobre. Seus
principais componentes são: Mãe Douro, Mariana, Guerreiro de Alexandria, Menino de
Léria, Sereno, Japetequara, Tabajara, Itacolomi, Tapindaré, Jaguarema, Herundina,
Balanço, Ubirajara, Maresia, Mariano, Guapindaia, Mensageiro de Roma, João da Cruz,
João de Leme, Menino do Morro, Juracema, Candeias, Sentinela, Caboclo da Ilha,
Flecheiro, Ubiratã, Caboclinho, Aquilital, Cigano, Rosário, Princesa Floripes, Jururema,
Caboclo do Tumé, Camarão, Guapindaí-Açu, Júpiter, Morro de Areia, Ribamar,
Rochedo, Rosarinho. São encantados guerreiros e sua cantigas falam de guerra e
batalhas no mar. Dizem que nasceram das ondas do mar. Alguns dos encantados turcos
têm nomes que lembram postos de guerra ou de marinheiro, outros, nomes indígenas.
Algumas dessas entidades, como na Família do Lençol, estão ligadas às narrativas
míticas das Cruzadas e das guerras de Carlos Magno, muito presentes na cultura popular
maranhense. São suas cores: verde, amarelo e vermelho.
4. Família da Gama: São encantados nobres e orgulhosos. Seu símbolo é uma balança.
São os encantados: Dom Miguel da Gama, Rainha Anadiê, Baliza da Gama, Boço
Sanatiel, Boço da Escama Dourada, Boço do Capim Limão, Gabriel da Gama, Rafael da
Gama, Jadiel, Isadiel, Isaquiel, Dona Idina, Dona Olga da Gama, Dona Tatiana, Dona
Anástácia. Cores: vermelho e branco.
Princesa Oruana
Quem quizer me ver sobre a terra
quem quizer me ver sobre o mar
Sou Pincesa Oruana
Sou uma tainha do mar
Maria Légua
Chiquita Preta
Joana Gunsa
Tereza Légua
Juliana do Codó
Juliana é mulher má
Mulher má mulher má
Juliana amansa o touro
Lá nas aguas do pará
Herondina
Mariana
É cravo, é rosa
É manjericão
Chegou a bela turca
Pra baiar nesse salão
Cabocla Brava
Princesa Rosalina
Princesa do marfim
Toya Jarina
Lá na Praia do Lençol
Tem três maresias faladas
É uma delas Toya Jarina é encantada
Sua cabaça, sua cuia, seu coité
Toya Jarina traga paz e axé
Princesa Diana
Princesa Rosinha
A rosinha curandeira
Ela veio baiar
Com a sua espada luminosa
E a sua côrte imperial
Princesa Flora
Brilhou, brilhou
foi no luar
Princesa Flora só passeia no luar
É no luar, é no luar, é no luar
Princesa Flora só passeia no luar
Rainha Madalena
Rainha Madalena
já içou sua bandeira
Sua bandeira esta hasteada
Nas águas brasieiras
Rainha Rosa
Rainha Rosa
Pra que mandou lhe chamar
Só ela mesmo é quem pode
Com o rolo grande do mar
Princesa Rosalina