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Toya Turca Cabocla Mariana

jun 17

Publicado por keilacardoso

o Navio, a Esquadra, os Faróis e a Espada:

a performance da Toya Turca, Cabocla Mariana, no

Tambor de Mina, em Belém do Pará[1]

Keila Andréa Cardoso dos Santos

sodrach@gmail.com

Graduada em Letras (ILC/UFPA)

Especialista em Semiótica e Cultura Visual (ICA/UFPA)

Integrante do CIRANDA (Círculo Antropológico da Dança) (UFPA)

Mestranda do Programa da Pós-Graduação em Artes (ICA//UFPA)

Orientadora: Professora Drª Giselle Guilhon Antunes Camargo

Resumo

Dona Mariana é uma entidade que se manifesta no Tambor de Mina e em outras


religiões afro Amazônicas como a Umbanda e o Candomblé Angola. O Tambor de
Mina é uma manifestação religiosa afro-brasileira, praticada no Norte do Brasil,
principalmente em São Luís do Maranhão e no Estado do Pará, onde são cultuados
orixás, voduns, encantados, caboclos, nobres e reis. Nesse universo ritualístico, no qual
se objetivou investigar a performance da Toya (princesa) Turca, Cabocla Mariana, a
partir de duas manifestações da entidade – como Princesa Turca Encantada e como
Arara Cantadeira –, os alicerces teórico-práticos da linguagem cênica, da Etnocenologia
e dos Estudos da Performance, sustentaram a análise posterior de suas narrativas
mitológicas, características psicológicas, oralidades, gestualidades, expressões
fisionômicas e vestimentas.

Palavras chaves: Toya Turca Mariana. Tambor de Mina. Performance

O Navio: o Tambor de Mina no Pará

Lá fora tem dois navios


Em um deles tem dois faróis

É a Esquadra da encantada

Marinheira Mariana

Lá na praia dos Lençóis

Ela é marinheira

Ela é marinheira

Ela é
revoltosa Da marinha brasileira

(Doutrina afro religiosa)

O universo simbólico da religião afro me fez adentrar por um Portal da Encantaria


Amazônica que me levou a um Navio: o Tambor de Mina. Quando percebi, já estava
fazendo parte da Esquadra da encantada Cabocla Mariana, entidade de personalidade
forte e ao mesmo tempo carismática que raia na Guma (terreiro) de Mina, em Belém do
Pará – nas festas e obrigações, como Princesa Turca Encantada, e na “linha de cura”,
como Arara Cantadeira.

Desse encantamento, paixão e respeito, surgiu um entusiasmo acadêmico criador, no


qual estão baseadas todas as minhas pesquisas sobre a performance da Toya Turca
Cabocla Mariana, manifestada nos zeladores de três terreiros de Tambor de Mina em
Belém: o Vodum Kuê de Toy Lissá, de Pai Tayandô, no qual se manifesta a Princesa
Turca; o Terreiro de São Benedito, de Mãe Maria, irradiada pela Arara Cantadeira; e o
Terreiro de Mina Caboclo Pena Verde e Cabocla Tapiara, de Mãe Bernadete, que
também recebe a Princesa Turca. Nessas e em outras casas de Mina existentes na
Grande Belém, a princesa turca Mariana é uma das entidades mais cultuadas entre todas
que fazem parte do Mundo da Encantaria. Essa devoção do povo afro-caboclo-indígena
da Amazônia, por divindades procedentes do Oriente, é explicada pelas narrativas
míticas ou sagas metafísicas da Família da Turquia.

No Tambor de Mina do Pará, religião afro-indígena da Amazônia, manifestam-se


voduns, orixás africanos, deuses indígenas e nobres encantados, além de sultões e
princesas do Oriente, como a Toya Turca Mariana, cujas histórias remontam, de acordo
com os mineiros, à época das Cruzadas. A tradição da oralidade mineira conta que a
Família Imperial Turca, desalojada da Terra Santa pela Primeira Cruzada, embarcou
rumo a Mauritânia à procura de refúgio, mas ao alcançarem o Estreito de Gibraltar
passaram por um Portal da Encantaria e foram conduzidos para outra dimensão espaço-
temporal: a Terra da Encantaria. Séculos se passaram e os turcos comandados por suas
princesas voltariam a essa dimensão, reaparecendo no litoral maranhense, na Praia do
Lençol. Desde então cumpriram várias etapas, encontrando-se com várias famílias da
Encantaria, desde os clãs indígenas, comandados por Velho Caboclo (chefe indígena
que se tornou entidade da Mina) até os nobres encantados, como Dom Sebastião, Rei de
Portugal, que sumiu na Batalha de Alcácia Quibir, juntamente com orixás africanos,
trazidos na “bagagem religiosa” pelos primeiros escravos negros que desembarcaram
nas costas da antiga província do Grão-Pará e Maranhão, em meados do século XVII.

Como desfecho de todos esses encontros, surgiu o Tambor de Mina, religião do povo da
antiga Província que, segundo Tayandô (2004) “é fonte de luz e esperança, brotada
entre as florestas e igarapés”. Mas segundo estudos antropológicos, o surgimento do
Tambor de Mina, no Pará, se deve, principalmente, ao sincretismo do Tambor do
Maranhão com a Pajelança cabocla e o Catolicismo popular. Nesse ínterim, uma forma
religiosa de herança maranhense, denominada Batuque, encontrou na capital paraense
um ambiente propício para o sincretismo desse culto afro com a Pajelança cabocla.
Sobre essa herança, comenta Anaíza Vergolino:

Hoje sabemos que esse modelo de culto introduzido por maranhenses no Pará não
procedeu nem apenas da capital, São Luiz, e nem diretamente das Casas da Mina e Casa
Nagô. Mais adequado é se pensar na importância de um modelo de culto rural
conhecido como “linha de Codô” ou “linha da Mata” que se expandiu tanto para a
capital São Luiz quanto para Belém, tendo sido marcado por vários e sucessivos
processos de sincretismo. (VERGOLINO, 2004, pg. 13)

Naquela época, o antigo Batuque e o Babaçuê[2] foram modernizados e misturados com


o Tambor de Mina do Maranhão, o Candomblé da Bahia e, ainda, elementos da
Pajelança cabocla. Sobre o terreiro de Santa Bárbara, ou Babaçuê, chamado assim
devido ao sincretismo católico com o orixá feminino Iansã, a deusa das tempestades,
escreveu Roger Bastide, em 1974:

No Babaçuê do Pará as divindades africanas são divididas em árvores genealógicas e


ficam no peji, enquanto os encantados (caboclos) são divididos em distritos celestes e
ficam no reino de Aruanda. (BASTIDE, 1974, p. 22).

Todas essas pesquisas de valor inestimável explicitam como se deu o aparecimento e a


constituição do Tambor de Mina na Amazônia Paraense, a partir de um olhar de fora, de
alguns especialistas em ritos afro-religiosos. Todavia, tanto na memória oral do “povo
santo” (mineiros), quanto nos escritos de Babá Tayandô, encontra-se a esfera
mitológica, que justifica e explica as bases ritualísticas do Tambor de Mina, através de
narrativas míticas ou sagas metafísicas contadas e/ou cantadas pelos adeptos da religião
em suas festas e atos religiosos

Objetivos e procedimentos metodológicos

A Monografia de Especialização teve como objetivo principal pesquisar a performance


da Toya Turca, Cabocla Mariana, nas casas de Mina, Vodun Kuê de Toy Lissá, Terreiro
de Mina Nagô de Verequete e Terreiro de Mina Caboclo Pena Verde e Cabocla Tapiara,
sob a ótica da Etnocenologia e dos Estudos da Performance. Como resultado prático da
pesquisa, foi apresentado um solo criativo – Águas de Mariana –, como parte integrante
da Monografia, concebido a partir de um olhar cênico (proveniente tanto do teatro
quanto da performance), dos ritos do Tambor de Mina.

A pesquisa objetivou contribuir com os estudos sobre o Tambor de Mina, procurando


preencher uma lacuna que continua em aberto, uma vez que são, ainda, muito escassas
as pesquisas sobre essa religião afro-amazônica, no Brasil.
Um aspecto que gostaria de ressaltar foi a forma de contrapartida social que procurei
oferecer à comunidade afro-religiosa que me recebeu para que eu pudesse realizar o
trabalho de campo da minha pesquisa nos terreiros. Numa primeira instância,
comprometi-me em ministrar oficinas de teatro e apresentar palestras acadêmicas com
temáticas do interesse dos terreiros. Numa segunda instância, procurei oferecer auxílio
nos afazeres dos cultos, em especial aqueles em homenagem ou obrigação a Dona
Mariana.

Os Faróis: a Etnocenologia e os Estudos da Performance

Na cena contemporânea, diferentes áreas do conhecimento vêm se convergindo, se


imbricando, em prol de pesquisas acadêmico-cientificas que envolvem o tema da afro-
religiosidade, beneficiando, deste modo, tanto o universo acadêmico quanto o contexto
das comunidades de tradição afro-religiosa.

Nesse sentido, o trabalho se fundamenta, conjuntamente, nas bases científicas da


Etnocenologia e dos Estudos da Performance. São estes os “faróis” da minha
Monografia de Especialização. Etnocenologia é uma etnociência das Práticas e
Comportamentos Humanos Espetaculares Organizados (PCHEO), constituindo-se em
uma disciplina ou ciência recente, que se vincula ao conceito da cena moderna,
ultrapassando o referencial estritamente teatral e ampliando a espetacularidade para
outras esferas, inclusive a religiosa. A Etnocenologia tem como referencias
epistemológicoa os seguintes conceitos: transculturação, matrizes estéticas,
espetacularidade, estados de consciência e estados de corpo.

O Tambor de Mina é fruto do processo de transculturação acontecido entre três matrizes


religiosas tradicionais – o Candomblé, a Pajelança e o Catolicismo –, que por sua vez,
são originárias das matrizes étnicas, negra, indígena e branca. A partir do processo de
transculturação, adentro na definição de matrizes estéticas que, segundo Bião (2000)
“podem ser identificadas por suas características sensoriais ou artísticas, portanto
estéticas, tanto num sentido amplo, de sensibilidade, quanto num sentido estrito, de
criação e compreensão do belo”, levando em consideração conteúdos culturais como
língua, espaço geográfico, religião, etnia, história e contexto social. O Tambor de Mina,
no Pará, por exemplo, é resultado desses conteúdos e pode ser visto a partir de uma
ótica estética por diferentes linguagens artísticas, a exemplo da linguagem cênica
teatral, que, com sua inserção nas práticas culturais performativas de caráter ritualístico,
tem olhar voltado para a espetacularidade dos ritos.

Espetacularidade é uma forma – um modo de ser, de se comportar e de se apresentar


distinto do modo cotidiano – específica de interação (eventual ou habitual) humana,
porém extraordinária, recorrente em determinadas manifestações culturais. Sobre a
espetacularidade afirma Célia Gomes:

Esse modo espetacular pode ser observado nas cerimônias, festejos, rituais religiosos e
folguedos, tradições culturais que revelam padrões característicos de representação de
um determinado enredo que se tece no âmbito de uma comunidade, legitimando suas
práticas coletivas. GOMES in BIAO (Pg 61:2007).

No Tambor de Mina tudo salta aos olhos e pode ser visto de modo espetacular: o espaço
e sua ambientação, carregados de elementos simbólicos da religião, tais como estátuas
em tamanho real de entidades como orixás, encantados e caboclos; altares com vários e
diferentes elementos da religião, tais como velas, copos com água, pedras, imagens
fotográficas ou estátuas de entidades e santos católicos, que também estão em outros
espaços do terreiro; e os atabaques. A vestimenta distingue pais e mães de santo de seus
filhos, assim como das entidades, que se caracterizam de acordo com sua família de
origem – uns mais bem vestidos que outros, utilizando brilhos na roupa, anéis, pulseiras
e cordões. Quando começa o ritual, seja ele no “Tambor” propriamente dito, seja na
“linha de cura”, começa definitivamente a performance da espetacularidade, pois aos
sons dos atabaques, dos maracares ou da sineta, as ações que compõem aquela esfera
ritualística se voltam para os cantares, para os festejos ou para o cumprimento de
alguma obrigação nos ritos da religião, a exemplo da chegada dos protagonistas
(entidades) no espaço ritual: voduns, orixás, caboclos, encantados, nobres, reis, entre
outros.

Com a incorporação das entidades pelos médiuns, em especial de voduns, encantados e


caboclos, percebem-se transformações em seus estados de corpo e de consciência. Os
“estados de consciência” interessam a Etnocenologia por causa dos rituais, que
costumam provocar alterações na consciência ordinária – modo mais habitual de se ter
consciência do mundo e de si próprio – dos adeptos. Os “estados de corpo” se referem
às alterações nos estados do “corpo do dia-a-dia”, induzidas, principalmente, pela
utilização de técnicas mentais-corporais extra-cotidianas. São essas mesmas técnicas
que servem de gatilho para as mudanças nos “estados de consciência” dos adeptos –
principalmente dos médiuns. Os “estados modificados ou alterados de consciência” são,
freqüentemente, associados aos estados de “transe”, “êxtase” e possessão (BIAO, 1990).
No Tambor de Mina, nos três terreiros pesquisados, observei, em momentos diversos,
que os médiuns estavam em “transe”, o que significa dizer que eles estavam
“incorporados”. Quando a entidade já está em Guma, o corpo e a voz se alteram
substancialmente, ficando o corpo pesado, rígido e, ao mesmo tempo, mais frenético,
expressando gestos, ora contidos e fortes, ora expansivos e leves; a voz fica grave,
pesada e rouca, embora as entidades cantem sempre num tom alto e forte. Nesse
momento, as entidades se apropriam completamente do corpo e da mente de seus
médiuns – filhos e pais de santo, abatazeiros e equedes[3] –, tanto que quando eles
voltam a si, depois do ato da desincorporação, não se lembram de nada do que
aconteceu, apenas, segundo eles, são deixadas orientações em suas mentes pelas
entidades.

Os Estudos da Performance, cujas origens se encontram nas Artes Visuais, ampliaram-


se para outras áreas, tanto artísticas quanto humanísticas, do Conhecimento, passando
pelo Teatro, pela Dança, pelo Ritual e até mesmo pela vida cotidiana. Zeca Ligiéro
(2003) considera que não apenas o artista visual ou o ator criam a performance, mas
também o homem da rua, o professor, o vendedor, etc.. Esse olhar mais ampliado da
performance encontra resssonância na noção de “comportamento expressivo”,
formulada por Richard Schechner. Schechner (2003) afirma que “qualquer
comportamento, evento, ação, ou coisa pode ser estudado ‘como se fosse’ performance
e analisado em termos de ação, comportamento e exibição”. A performance pode
exercer sete funções: entreter, fazer alguma coisa que é bela, marcar ou mudar a
identidade, fazer ou estimular uma identidade, curar, ensinar, persuadir ou convencer,
lidar com o sagrado ou com o demoníaco.
A função de lidar com o sagrado, presente no Tambor de Mina, está relacionada às
tradições religiosas vindas do sincretismo católico com a pajelança cabocla, funções
estas que marcam ou mudam a identidade do Tambor, pois como se sabe, a Mina do
Pará difere, e muito, da Mina Maranhense, criando cada vez mais estímulos para o seu
acontecimento. No contexto sagrado das práticas religiosas do Tambor e Mina, fazem-
se presentes outras funções importantes, tais como: “linha de cura”, por meio da qual se
realizam ritos de pajelança; e “atendimentos”, através dos quais se receitam remédios
caseiros, banhos, benzedura, orientação pessoal, entre outros. Segundo Schechner[4],
“rituais são memórias em ação”, “codificadas na ação”. Essas memórias são capazes de
conduzir as pessoas a uma “segunda realidade” – uma realidade distinta da realidade da
vida cotidiana, ordinária, de cada um.

A Espada: Performance da Toya Turca Cabocla Mariana

Dona Marina é uma entidade proveniente do Tambor de Mina, estando, portanto,


inserida no universo mítico e ritualístico das religiões afro-amazônicas. No entanto,
como os ritos afro-brasileiros, de acordo com suas matrizes estético-culturais,
influenciam-se uns aos outros, a Encantada Mariana transcende o contexto do Tambor,
atravessando fronteiras e aparecendo nas práticas de outras religiões afro-brasileiras.

A Bela Turca, descrita com longos cabelos loiros, pele branca e olhos azuis,
características físicas idealizadas a partir da influência européia, pertence, segundo o
universo ritualístico do Tambor, à Família da Turquia. Os Turcos são, nesse contexto,
nobres orientais, pertencentes à Corte Imperial da Turquia, formando uma família
extensa, constituída de nobres e vassalos encantados que formam uma sublinha de
voduns, com forte influência islâmica. São denominados Turcos Otomanos ou Mouros.

Os Turcos encantados pertencem à “linha da água salgada”, aparecendo, em sua


mitologia, ligados ao mar, de várias maneiras: lutando em batalhas navais, dominando
dunas e praias, etc. Gostam de vestir-se bem, são bastante receptivos, embora alguns
sejam rústicos e grosseiros. Suas cores ritualísticas são o vermelho, o verde e o amarelo,
presentes nas vestimentas feitas de panos vistosos e coloridos. Os Turcos gostam de
beber, de preferência licor, cidra e cerveja, sendo que as entidades masculinas
costumam tomar vinho e cachaça.

Por suas qualidades distintas – carisma, liderança, irreverência, vaidade, justiça, força,
fraternidade, juventude e espírito maternal –, Dona Mariana é uma das entidades mais
populares e bem quistas do Tambor de Mina. Sua missão é ajudar o próximo por meio
de seus saberes ritualísticos e de seus conhecimentos da medicina popular. Não menos
importante é sua missão em cumprir com suas obrigações para com o Tambor de Mina e
para com seus adeptos nos rituais em sua homenagem, dos quais a Encantada participa.

No entanto, a performance (corporal e vocal) da Toya Turca Cabocla Mariana, nos


terreiros de Tambor de Mina, em Belém, pode ser melhor compreendida a partir da
observação de suas diferentes manifestações enquanto entidade, no contexto ritual:
como Princesa Turca, em Pai Tayandô e em Mãe Bernadete; e como Arara Cantadeira,
em Mãe Maria.

Dona Mariana, ao chegar à Guma, apresenta-se com vestimentas ritualísticas, portando


panos vistosos, nas cores rituais, e também adornos, tais como brincos, pulseiras e anéis
– signos visuais da entidade;. A partir de então, a Encantada conta sua própria narrativa
mítica para os adeptos da Mina. Nos rituais de Tambor de Mina, as entidades
incorporadas nos mineiros revivem, através das performances orais e corporais, o seu
passado distante e fabuloso, onde se configuram manifestações simbólicas relacionadas
a uma série de eventos em que se apresentam suas histórias, antes ou depois do
encantamento.

Enquanto canta e dança, ou conversa com pessoas no terreiro, Dona Mariana revela,
ainda mais, e de forma específica – através da oralidade, dos gestos, das expressões
fisionômicas e da postura –, sua performance característica. No que diz respeito à
oralidade, a entidade apresenta voz grave, com tons enrouquecidos, brados freqüentes e
fala peculiar, associando, por meio de “desvios” e “erros” lingüísticos, uma linguagem
popular do Português a expressões provenientes de línguas africanas, tais como o
Yorubá e o Ewê-fon. Em termos gestuais, a Encantada apresenta postura ereta, queixo
alto, busto para frente e braços tensos, com as mãos fechadas para as costas, ou ambos
cruzando o peito. Seu andar é vigoroso e cambaleante. Os movimentos são, ora lentos,
ora rápidos, com rodopios; movimentos abertos ou para fora, executados em forma de
dança em frente aos atabaques. Sua expressão é tensa, ao chegar no terreiro, e o rosto
tem uma aparência carregada. Entretanto, com o desenrolar dos ritos, em alguns
momentos do canto e da dança, parece estar satisfeita, feliz, embriagada; em outros,
deixa transborda sabedoria e serenidade.

Considerações Finais

A pesquisa sobre a performance de Dona Mariana, que resultou em minha Monografia


de Especialização em Semiótica e Cultura Visual, fez-me entender melhor a importância
e o significado religioso dessa entidade para o Tambor de Mina, em Belém, como
também me fez olhar melhor para essa religiosidade que a maioria das pessoas
desconhece. Tanto no meio acadêmico como na sociedade em geral que, não raro,
mostra-se preconceituosa e intolerante em relação às suas práticas.

Em virtude disso e de eu estar, literalmente, encantada (e também comprometida) com a


pesquisa, esta ultrapassou as paredes acadêmicas e foi parar nos palcos, com o
espetáculo Águas de Mariana, montado pelo GeMtE (Grupo Experimental de Teatro) e
apresentado nos meses de fevereiro, março e agosto de 2010, nos teatros Claudio
Barradas, Waldemar Henrique e Fundação Curro Velho. O espetáculo foi contemplado
com o Prêmio Cláudio Barradas de Teatro, promovido pela SECULT-PA, em 2008.

Espero que o universo da Performance da Toya Turca sejam águas: Águas de Mariana.
Que se espalhem ainda mais pelos oceanos da vida, ou, pelo menos, pela Academia,
pela comunidade afro-religiosa e pelas luzes da ribalta. Que sejam um sopro ou um grito
dos rufares dos atabaques dos terreiros por onde andei, pois, como em mim, neles
também bate um Tambor! Tambor de tradições, da forte religiosidade da Amazônia
paraense! Que seja sobretudo encantamento! Para que mais pessoas possam adentrar
nesse Navio, fazendo parte da Esquadra da Toya Turca Cabocla Mariana.

Referências

AZEVEDO, Sônia Machado de. O papel do corpo no corpo do ator. SaoPaulo:


Perspectiva, 2004.
BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Pioneira, 1985.

BASTIDE, Roger. Estudos Afro Brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1983.

BIÃO, Armindo. (Org.) V Colóquio Internacional de Etnocenologia. Salvador:


PPGAC/UFBA, 2007.

BIÃO, Armindo. Repertório Teatro e Dança. Ano 4, nº 5. Salvador: PPGAC/UFBA,


2001.

BIÃO, Armindo et al. Temas em contemporaneidade, imaginário e teatralidade. São


Paulo: Anna Blume, 2000.

CONCONE VILLAS BOAS, Maria Helena. Caboclos e Pretos-Velhos da Umbanda. In:


PRANDI, Reginaldo. (Org.) Encantaria Brasileira: os livros dos mestres, caboclos e
encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. Perspectiva, São Paulo, 2006.

FERRETI, Mudicarmo. Desceu na Guma: O caboclo no Tambor de Mina. EDUFITA,


São Luis, 2000.

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e


religiões afro-brasilerias na Amazônia. 1996.

[1] Trabalho resultante da Monografia apresentada ao Instituto de Ciências da Arte


(ICA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), no ano de 2009, para obtenção do
título de Especialista em Semiótica e Cultura Visual, orientado pelo Prof. Dr. Miguel de
Santa Brígida Júnior.

[2] Babaçuê é um culto religioso afro-ameríndio, popular no Norte e no Nordeste do


Brasil, em especial no Estado do Pará. Considerado uma Religião afro-brasileira, por ser
um tipo de Candomblé mestiço, recebe, ainda, os nomes de Batuque de Santa Bárbara
ou Batuque de Mina, também conhecido por Jeje Nagô. O Batuque de Santa Bárbara
cultua tanto voduns quanto orixás, sendo que os orixás nagôs Iansã e Xangô são suas
principais entidades: a primeira protegendo as mulheres e o segundo, os homens.

[3] Espécie de secretaria das entidades: orixás, voduns, encantados, caboclos etc.

[4] IN GOMES, Célia Conceição Sacramento (2007)

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