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Culturas originárias como dos maias, astecas e dos povos de Tahuantinsuyo (posteriormente
conhecidos como Incas) foram desconsideradas como uma fonte de singularidade indesejável no
trajeto de homogeneização social pretendido por países hegemônicos na disputa colonial
latinoamericana, como a Inglaterra, no norte do continente, e países como a Espanha e Portugal, no sul
(MIGNOLO, 2008). Em ambos os casos, o surgimento e o desenvolvimento deste projeto colonial de
classificação, dominação e exploração social, passou por uma uniformização (unilinear e
unidirecional) das formas de controle do trabalho, do sexo, da intersubjetividade, do conhecimento, da
experiência, e, em suma, das culturas pré-existentes entre povos originários da América Latina e povos
sequestrados, sobretudo, no continente africano - sendo as próprias identidades geoculturais dos
continentes um objeto de disputas históricas.
Com o avanço da sociedade de consumo, certos tipos de produtos e tecnologias culturais são
deslocadas na hierarquia do acesso social, mais especificamente os aparatos de reprodução, como no
caso do toca-discos e do CD player portátil (SEVCENKO, 2001), que, à medida que eram superados
no mercado em vista da concorrência multinacional, eram apropriados e ressignificados por pessoas de
classes mais baixas - lembrando que, segundo Aníbal Quijano (2005) as classes “tem ‘cor” na América
Latina. Isso ocorre também tendo em vista a tendência de se pensar a cultura na América Latina a
partir de sua transformação popular através das mídias, digitais e/ou de massa, em geral, relacionada
ao interstício entre tecnologias culturais e saberes populares..
A importância do toca-discos nos anos 1980 no Brasil, por exemplo, é fundamental para o
surgimento do hip-hop como formação cultural de resistência, em vista da instrumentalização técnica
do aparelho de reprodução musical para a produção artística, seja de mais músicas, através da
bricolagem, seja de novos espaços de sociabilidade, como no caso dos bailes “black” (FÉLIX, 2005).
O afrofuturismo surge nesse contexto, tendo em vista as homologias da cultura hip-hop com a cultura
das periferias urbanas do Brasil e a ressignificação constante de tecnologias digitais. O afrofuturismo,
voltando-se ao futuro como dimensão política do tempo, catalisa muitas das preocupações constantes
na estética e no discurso comumente atribuído ao hip-hop, a exemplo do medo de morrer por bala
perdida, da busca por dinheiro como condição de existência, do uso da arte como meio de resistir.
Entretanto, no contexto brasileiro e também latinoamericano, inúmeras outras influências devem ser
relacionadas ao trajeto de desenvolvimento do afrofuturismo, dando-lhe uma explicação devidamente
sociológica.
Bibliografia
ANDERSON, Reynaldo; JENNINGS, John. The Digital Turn and the Visual Art of Kanye West.
Exeter University: Palgrave Connect, 2014.
CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da Modernidade.
São Paulo: EDUSP, 2019.
FÉLIX, João Batista de Jesus. Hip-hop: cultura e política no contexto paulistano. (Tese de
Doutorado). Programa de pós-graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, 2005.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG;
Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.
GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34; Rio
de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, 2012.
SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.