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História da Arte

Brasileira
Material Teórico
A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Ms. Sonia Leni Chamon

Revisão Textual:
Profa. Ms. Natalia Conti
A Arte Contemporânea – Das Novas
Possibilidades ao Futuro

• Forma e expressão: do Neoconcretismo


à Transvanguarda
• Arte e Ideologia – Arte Como
Instrumento Social
• Arte conceitual e multimidiática
• Arte Urbana, os Coletivos e o Futuro –
Reinvenções e Novas Possiblidades

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Conhecer os elementos sociais e estéticos que levaram às rupturas
formais e conceituais da arte brasileira.
· Visualizar os movimentos artísticos e poéticos individuais do pós-
guerra ao final do século XX.
· Conhecer as novas linguagens, procedimentos e conceitos artísticos
da atualidade.
· Valorizar os novos artistas e propostas artísticas como reflexo de um
novo momento histórico e como referência do porvir.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

Forma e expressão: do Neoconcretismo


à Transvanguarda
A abertura em grande escala de espaços de exposição – da Bienal às galerias e
museus – a partir dos anos 40, é fator determinante para a divulgação e consolidação
da arte moderna em contraponto à acadêmica. A arquitetura apropriada, as escolhas
museográficas, a visibilidade dos novos artistas, a formação de público e o contato
com as correntes estrangeiras propiciaram essa consolidação, principalmente
através das correntes construtivas geométricas, e efetivaram o salto estético em
direção à arte contemporânea. Ferreira Gullar, poeta e teórico que participa do
concretismo carioca rompe com o movimento em busca de uma síntese entre
geometria e subjetividade: é o neoconcretismo.
A arte concreta brasileira significou, assim, um rompimento com a
tradição recente de arte brasileira surgida em 1922 e inspirada em temas
nacionais, vinculada a elementos culturais já assimilados pelo país. Por
outro lado, dentro da evolução da arte contemporânea, o concretismo era
o último estágio de uma linguagem que caminhava inapelavelmente para a
aplicação prática: a programação visual, o industrial design. (...) Tornarem-
se designers não era a perspectiva dos pintores e escultores brasileiros que
se dedicaram à arte concreta, nem o país oferecia ainda condições propícias
para isso. Em consequência surgiria, dentro do movimento concreto,
uma reação ao racionalismo concretista: o movimento neoconcreto, que
buscou incutir expressão subjetiva às formas geométricas e abrir caminho
à invenção plástica que o cientificismo sufocara. Era um modo de retornar
ao caminho da arte de expressão individual, o que deu alguns resultados
significativos. (GULLAR; PONTUAL; 1969, s.p.)

O neoconcretismo é movimento que rompe com o racionalismo exacerbado


dos concretos, incluindo a gramática geométrica, a possibilidade da expressão
individual e, ainda, a semente conceitual que explode a forma em favor a uma
experiência artística.
Explor

Museografia: procedimentos técnicos ligados a uma exposição

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O manifesto neoconcreto, redigido por Ferreira Gullar e assinado por diversos artistas, foi
Explor

publicado pelo Jornal do Brasil, no antigo Suplemento dominical, em março de 1959. Serviu
como abertura da 1ª Exposição de Arte Neoconcreta, no MAM/RJ. Seguem alguns trechos:
A expressão neoconcreto é uma tomada de posição em face da arte não-
figurativa “geométrica” (neoplasticismo, construtivismo, suprematismo, Escola
de Ulm) e particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa
exacerbação racionalista. (...)
Propomos uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e dos
demais movimentos afins, na base de suas conquistas de expressão e dando
prevalência à obra sobre a teoria. Se pretendermos entender a pintura de
Mondrian pelas suas teorias, seremos obrigados a escolher entre as duas. Ou
bem a profecia de uma total integração da arte na vida cotidiana parece-nos
possível e vemos na obra de Mondrian os primeiros passos nesse sentido ou essa
integração nos parece cada vez mais remota e a sua obra se nos mostra frustrada.
Ou bem a vertical e a horizontal são mesmo os ritmos fundamentais do universo
e a obra de Mondrian é a aplicação desse princípio universal ou o princípio é
falho e sua obra se revela fundada sobre uma ilusão. Mas a verdade é que a
obra de Mondrian aí está, viva e fecunda, acima dessas contradições teóricas. De
nada nos servirá ver em Mondrian o destrutor da superfície, do plano e da linha,
se não atentamos para o novo espaço que essa destruição construiu. (...)
O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade
do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a
validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da
expressão, incorporando as novas dimensões “verbais” criadas pela arte não-
figurativa construtiva. O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui
as qualidades intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade
científica: assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura - que na
linguagem das artes estão ligados a uma significação existencial, emotiva,
afetiva - são confundidos com a aplicação teórica que deles faz a ciência. Na
verdade, em nome de preconceitos que hoje a filosofia denuncia (M. Merleau-
Ponty, E. Cassirer, S. Langer) - e que ruem em todos os campos, a começar
pela biologia moderna, que supera o mecanismo pavloviano - os concretos
racionalistas ainda veem o homem como uma máquina entre máquinas e
procuram limitar a arte à expressão dessa realidade teórica. (...)
É assim que, na pintura como na poesia, na prosa como na escultura e na
gravura, a arte neoconcreta reafirma a independência da criação artística em
face do conhecimento prático (moral, política, indústria etc). Os participantes
desta I Exposição Neoconcreta não constituem um “grupo”. Não os ligam
princípios dogmáticos. A afinidade evidente das pesquisas que realizam em
vários campos os aproximou e os reuniu aqui. O compromisso que os prende,
prende-os primeiramente cada um à sua experiência, e eles estarão juntos
enquanto dure a afinidade profunda que os aproximou.
(Amílcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann,
Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim, Theon Spanúdis)

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O neoconcretismo, como um resgate à experimentação e à subjetividade,


alavanca a efetiva contemporaneidade artística nacional, ao introduzir elementos
ao objeto artístico ou à sua apreciação que caminham para questões conceituais
e filosóficas. Tendo a geometria como premissa, sua construção no espaço e a
materialidade caracterizam a obra de Amilcar de Castro (fig. 1). Desenhista por
excelência, parte de uma forma plana que, quando cortada e dobrada, forma
uma escultura que dialoga com o espaço através de sua proporção, equilíbrio,
preenchimentos e vazios. Usando o ferro e o aço como materiais constantes, se
reporta a terra (minério) e ao tempo (oxidações e ferrugens, os quais fazem parte
de seu trabalho).

Figura 1 – AMILCAR DE CASTRO. Carranca. 1970, aço corten. 195 x 200 cm.
Coleção MAM – SP
Fonte: mam.org.br

Uma das fundadoras do Grupo Frente, Lygia Clark está entre as artistas que
mais longe chegam à questão experimental (chegando à terapêutica e fim do limite
entre arte e vida nas décadas de 70 e 80). Das experiências de suas Superfícies
Moduladas (fig. 27, do capítulo V), nas quais a artista rompe com a moldura e “cria”
um espaço que participa da realidade, Lygia Clark produz a série Bichos (fig. 2),
nos anos 60. É um novo olhar sobre a figura do espectador, que agora é convidado
a participar da obra: os Bichos são esculturas, feitas de placas de alumínio com
dobradiças entre si, que possibilitam novas formas através da manipulação das
placas. Uma escultura, passível de transformação visual, com a participação ativa
do público já sugere o que virá desta artista.

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Figura 2 – LYGIA CLARK, Bicho: caranguejo duplo. 1960. alumínio, 59x53.
Coleção Pinacoteca do Estado. SP
Fonte: pinacoteca.org.br
Explor

Visite o site oficial da artista: https://goo.gl/0E5XYU

Lygia Pape também inicia no grupo Frente, fazendo xilogravuras geométricas


(Tecelares). Explora a geometria em todos os sentidos, do balé (Balé Neoconcreto 1,
com Reinaldo Jardim) ao Livro da Criação (fig. 3). São 18 páginas de papelão, com
desenhos, relevos e dobras geométricas que contam a história da criação do mundo,
numa narrativa de absoluta visualidade e sensibilidade. Recuo das águas, nascimento
do tempo, criação da luz são traduzidos em formas simples e engenhosas.

Figura 3 – LYGIA PAPE. Livro da Criação. 1959. Guache s/ papelão. 30,5 x 30,5 cada folha.
Coleção Museu Reina Sofia, Madri. Coleção Inhotim, Brumadinho. MG
Fonte: museoreinasofia.es

Ao neoconcretismo e suas múltiplas possibilidades unem-se diversos artistas. Das


experimentações de cor e espaço ainda no grupo Frente à desmaterialização total
do suporte, vemos o carioca Hélio Oiticica (fig. 4) como um dos mais emblemáticos
artistas tradutores do Brasil.
No início dos anos 60, (...) Hélio Oiticica lançava a pintura para o espaço.
Para o artista, a cor, elemento essencial da pintura, precisava ser libertada
não só da função representativa, mas também do plano bidimensional.

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UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

(...) surgem os Bilaterais e Relevos Espaciais, placas de cor penduradas


no teto por fio, que exigem um espectador atuante, que as circunde.
(BRAGA; BARCINSKI, 2015. P. 299)

Figura 4 – HÉLIO OITICICA. Relevo espacial A17, 1959/1991, acrílica


sobre madeira, 76 x 156 x 8 cm Coleção Inhotim Brumadinho, MG
Fonte: doobjetoparaomundo.org.br

Em oposição ao foco construtivo soberano nos anos 50, o abstracionismo


informal resgata o gesto explosivo ou simplesmente lírico do artista. Sob influências
múltiplas, da action painting, do americano Jackson Pollock ao tachismo do
francês Tapié temos no Brasil esse movimento produzido a partir dos anos 50
principalmente com orientais. Manabu Mabe (fig. 5 ), Flávio Shiró e Tomie Ohtake
(fig. 6) são os grandes expoentes.

Figura 5 – MANABU MABE. Sem título. 1958, laca sobre Duratex. 50 x 61 cm. Coleção Banco Itaú
Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br

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Figura 6 – TOMIE OHTAKE. Sem título. 1967, óleo sobre tela, 135,1 x 100,2 cm.
Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Coleção Banco Itaú
Fonte: mam.org.br

Action painting: ponto máximo do expressionismo abstrato que também reúne a influência
Explor

do automatismo psíquico surrealista. Com gotejamentos, manchas, respingos e linhas o quad-


ro é preenchido com a ação total do artista, não apenas seu gesto de braço, mas todo o corpo.
Tachismo: O termo significa “mancha” em francês (tache) - foi criado por Michel Tapié,
crítico de arte, no livro Un Art Autre (Uma Arte Outra). Arte que recusa qualquer tipo de
forma definida, por isso também é conhecida como arte informal ou abstração lírica.

Os anos 60 e 70 são marcados por outras buscas artísticas – ideologias,


conceitualismos, novos suportes e novas mídias. Os próximos tópicos tratarão
desses assuntos. A dicotomia entre geométricos e informais se estende tomando
novos caminhos e referências. O norte geométrico se desenvolve em trabalhos
geométricos, os quais muitas vezes usam o espaço e a estética industrial se faz
presente como objeto real ou materiais empregados: é o minimalismo, que às vezes
mais próximo ou distante da minimal art traz a regularidade formal e sintética
do suprematismo russo e da De Stijl holandesa e da proximidade com a vida dos
ready-mades dadaístas. No Brasil, a obra de Carlos Fajardo (fig. 7) aproxima-se
desta estética.

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UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

Figura 7 – CARLOS FAJARDO. Sem título (série Fórmicas). 1969, fórmica, 70 x 220 cm. Coleção Particular de Dudi
Maia Rosa. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017
Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br

A tendência expressiva continuou na arte brasileira, em continuidade ao


abstracionismo informal – que não deixou de existir; e com certeza não deixará –
mas firmou-se nos anos 80 como segmento do neo-expressionismo americano e
alemão e transvanguarda italiana, tendo como característica o retorno à figuração,
em telas expressivas de grande dimensão. No Brasil, esta tendência pode ser vista
nos artistas da Casa 7 (Nuno Ramos, Paulo Monteiro, Fábio Miguez, Rodrigo
Andrade e Carlito Carvalhosa) e nas pinturas de Daniel Senise (fig. 8), Jorge Guinle,
entre outros.

Minimal art: tendência artística que se opõe ao expressionismo abstrato, buscando uma sín-
Explor

tese e regularidade formais.


Neo-expressionismo: retorno à pintura figurativa com base nas deformações expressionistas
do início do século XX, com temáticas políticas, sociais ou oníricas.
Transvanguarda: ligado também ao neo-expressionismo, este termo foi cunhado pelo crítico
Achille Bonito Oliva no livro A Transvanguarda Italiana, de 1980.

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Figura 8 – DANIEL SENISE. Sem título. 1985, acrílica sobre tela, 230 x 190 cm
Fonte: danielsenise.com

Em 1985, a XVIII Bienal Internacional de São Paulo apresentou uma polêmica exposição de
Explor

telas de tendência neoexpressionistas que de certa forma mostrou um esgotamento desta


linguagem. A curadora Sheila Leirner colocou as obras lado a lado formando um imenso
corredor, do qual só se saía pelas extremidades. Era a Grande Tela. Leia mais sobre este
projeto curatorial em: https://goo.gl/ifkaEn

Arte e Ideologia – Arte Como


Instrumento Social
Os anos 60 se abriram com o desenvolvimentismo da era Kubitschek e a
efervescência dos governos populistas até Goulart – a abstração geométrica, de
certa forma, ilustrou sem imagens este período. Mas a marca sangrenta de 1964
e a implementação do regime militar traz o abandono estético das abstrações para
uma grande parcela dos artistas brasileiros. Neste contexto histórico, se inicia o que
vem a ser chamado de Nova Figuração e Pop Art.

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UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

A arte agora é conscientizadora, engajada, ideológica. A negação é a pauta do


dia: do sistema de governo ao sistema de mercado, do subdesenvolvimento ao impe-
rialismo, da alienação burguesa à hipocrisia social. Novos suportes, novas linguagens
se abrem para aproximar à arte e à vida. É neo-dada, nova objetividade, pop art.
O termo Nova Figuração engloba, portanto, uma gama muito heterogênea
de práticas artísticas que abandonaram a abstração para estabelecer uma
relação mais direta com a realidade do país. (BRAGA; BARCINSKY,
2015. P. 308)

Wesley Duke Lee aproxima-se da Pop Art, mas a supera, assim como toda
uma geração de artistas brasileiros. Lee faz, em 1963, o considerado primeiro
happening no João Sebastião Bar. Em um ambiente escuro, as pessoas olhavam
os desenhos (série Ligas, de forte comoção erótica) com o auxílio de lanternas,
da tela em que era exibindo um filme de uma atriz, irrompe a mesma atriz fazen-
do um streap-tease.

A Pop Art foi a tendência mais forte dos anos 60 no Brasil. Resgatou mitos
cotidianos e, assim, a simples Lindoneia – jovem suburbana retratada por
Rubens Gershman na obra A Bela Lindoneia ou A Gioconda do Subúrbio (fig.
9), de 1966. Mais objeto do que quadro, apresenta um retrato ao centro de um
espelho coberto por vidro jateado de relevos que lembram cristaleiras antigas. Traz
como um enunciado ou: Um amor impossível. A bela Lindoneia de 18 anos
morreu instantaneamente. Se a Pop Art eterniza mitos da cultura de massa, aqui
Gershman coloca em vitrine a infelicidade suburbana.

Figura 9 – RUBENS GERSHMAN. A Bela Lindoneia ou A Gioconda do Subúrbio. 1966, acrílica, vidro bisotê e
colagem sobre madeira, 90.00 x 90.00 cm. Acervo Coleção Gilberto Chateaubriand - MAM RJ In: ENCICLOPÉDIA
Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017
Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br

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A Pop Art brasileira se redefine e vai além da Americana. A análise é precisa
em Paula Braga:
Para quem lê a arte pop norte-americana como um cínico
concluio com a cultura do consumo, é bastante fácil salientar a
especificidade da linguagem pop desenvolvida no Brasil: aqui a
crítica é quase sempre mordaz, aberta, claramente negativista.
(...) A Pop norte-americana é, no entanto, apesar de sua aparente
superficialidade, uma dolorosa constatação de um vazio intolerável
(...). A Nova Figuração de certa forma é então mais pop do que o
Pop, pois é intelectualmente acessível, rápida e direta (...). (BRAGA;
BARCINSKY, 2015. P. 308)

É imediata a interpretação da obra Adoração (Altar de Roberto Carlos)


(fig.10), de Nelson Leiner. O altar sacro-pop, com cortinas e neons exige a passa-
gem por catraca para sua apreciação. A crítica é explícita e ampla: a massificação
da religião, a sacralização da cultura de massa, a ordem econômica em todas essas
esferas. Já em 67, cria uma imensa polêmica com a crítica ao enviar ao 4º Salão
de Arte Moderna de Brasília um porco empalhado. Ao ser aceito, questiona pu-
blicamente os critérios que levam o júri a aceitar a obra. Ficou conhecido como
happening da crítica.

Figura 10 – NELSON LEINER, Adoração. 1966, técnica mista, 205x105 cm.


Coleção MASP. Museu de Arte de São Paulo
Fonte: masp.art.br

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A década de 60 foi marcada por um protagonismo artístico-cultural frente aos


acontecimentos políticos e sociais que marcaram o período e a década seguinte. A
arte deveria diferir de toda a sua história para dar conta deste papel protagonista-
ativista. A palavra novo participava de praticamente todos os movimentos artísticos,
e é uma arte realmente nova que se vê na coletiva Opinião 65, uma série de
exposições, manifestações e eventos, idealizada pelo marchand, proprietário da
Galeria Relevo no Rio de Janeiro, Jean Boghici, e organizada pela crítica de arte
Ceres Franco. O título foi emprestado do show Opinião, cujas músicas tornaram-se
hinos da resistência à ditatura.

O Opinião 65 aconteceu entre 12 de agosto e 12 de setembro de 1965 no


Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Na abertura, Hélio Oiticica e membros
da escola de samba ‘Estação Primeira de Mangueira’ apresentaram em performance
os Parangolés (fig.11). Esta “obra-total”, um conjunto de capas, bandeiras e tendas
que se manifesta quando vestida e em movimento de dança, é o ponto máximo da
experiência de cor e espaço de Oiticica.

Figura 11 – HÉLIO OITICICA. Parangolé (em performance com passista Nilo da Mangueira)
Fonte: OITICICA, Helio

Entre os anos 1968 e 1970 radicalizou-se tanto o endurecimento do governo mili-


tar quanto as ações artísticas de protesto ao governo – happenings, expressões gráfi-
cas, corporais ou visuais, boicotes (como o boicote à X Bienal de Arte de São Paulo,
em 1969) e enfrentamentos tornam-se comuns nas ruas e nos ambientes culturais.

O crítico Frederico Moraes determina a função do artista deste período, o de


ser artista guerrilheiro, criar tensão e aguçar de forma definitiva a sensibilidade
do espectador frente aos acontecimentos. Organizou, em abril de 1970, em Belo
Horizonte, a mostra Do Corpo à Terra – um amplo evento ao ar livre. Cildo
Meireles apresenta a obra Tiradentes: totem monumento ao prisioneiro, na qual
ateia fogo a galinhas vivas presas em um poste, diante do horror e da passividade
da plateia. Artur Barrio (fig. 12), durante o mesmo evento, joga 14 trouxas com
carne, ossos e sangue no rio, em Belo Horizonte. Longe do público, o artista
documenta e registra toda a ação – da descoberta das trouxas, a ação da polícia e a
descoberta de que não eram corpos humanos de verdade. De forte apelo político,
as obras-ação são associadas às torturas e aos assassinatos do regime militar.

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Figura 12 – ARTUR BARRIO, Situação T/T,1 (1ª, 2ª, 3ª partes) ou 140 movimentos. 1970,
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017
Fonte: enciclopedia2017.i-nove.org

Arte Conceitual e Multimidiática


Em 1966 um novo termo é proposto por Oiticica para a particularidade artística
brasileira: nova objetividade. Referência à superação dos suportes tradicionais
de arte, vendo a arte como objeto específico ou estrutura ambiental, retirando
indicações estetizantes; refere-se também à objetividade como racionalidade de
pensamento e interpretação, reduzindo drasticamente o subjetivismo. No ano
seguinte é organizada uma exposição-síntese das vanguardas brasileiras da década
e novas propostas - Nova Objetividade Brasileira é realizada em abril de 1967
no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. São notórias as experiências de
antiarte de Lygia Pape, como a Caixa de Baratas (fig.13) na qual baratas mortas
estão fixadas em uma caixa de acrílico com fundo de espelho.

Figura 13 – LYGIA PAPE. Caixa de Baratas. 1967, técnica mista. Coleção da artista.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017
Fonte: enciclopedia2017.i-nove.org

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UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

Lygia Clarck, que após a série Bichos busca incessantemente a participação


ativa do espectador (como na ação artística Caminhando, onde o participador
corta uma fita de Moebius com uma tesoura), apresenta seus Objetos relacionais
(fig. 14) e as máscaras sensoriais na exposição.

Figura 14 – LYGIA CLARCK. Água e conchas (Objetos relacionais). 1966, técnica mista, 40 x 20 cm
Fonte: lygiaclark.org.br

E, finalmente, a obra Tropicália (fig. 15), que pode ser descrita como um am-
biente labiríntico que convida a ser percorrido, sentido e ouvido. Areia, araras,
plantas, chita estampada, poemas-objetos e finalmente, um aparelho de televisão.
Dois penetráveis do artista compunham a obra: Imagético e A pureza é um mito
e o artista quis efetivamente descondicionar o imaginário sobre um país dos tró-
picos. Meses depois, Caetano Veloso utiliza o nome para uma música e o termo
tropicalismo torna-se emblema da época.

Figura 15 – HÉLIO OITICICA. Tropicália. 1967, plantas, areia, pedras, araras, aparelho
de televisão, tecido e madeira. Acervo Projeto Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, RJ)
Fonte: enciclopedia.itaucultural.org.br

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Explor
“Sempre em frente - Lygia Clark”: https://goo.gl/HPBZLq

A década de 70 caracteriza-se pela ampliação da arte conceitual, isto é, a


arte resultante de um pensar, de uma ideia que não é explícita à forma artística.
O ambiente, exaltado por Oiticica, torna-se o suporte da arte nas Instalações.
O corpo operando artisticamente resulta em Performances. A tecnologia,
revertendo a epistemologia das artes plásticas, como um acontecimento estanque,
preso ao espaço, traz o tempo para a arte, através da videoarte, do vídeo-texto,
do super-8. A arte postal, os carimbos, o off-set, o xerox, o fac-símile, tornam-se
ferramentas, materialidades e processos artísticos simultaneamente.

Cildo Meireles realiza, na década de 70, o projeto Inserções em circuitos


ideológicos (fig.). Objetos de alta circulação sofrem interferência do artista. Em
1. Projeto Coca-Cola, frases de caráter político são transferidas para garrafas
retornáveis de Coca-Cola e colocadas em circulação.

Figura 16 – CILDO MEIRELES. Inserções em circuitos ideológicos: Projeto Coca-Cola, 1970,


garrafas de Coca-Cola, e silk-screen, 24,5 x 6,1 cm. Coleção Inhotim, Brumadinho, MG
Fonte: inhotim.org.br

O artista se empodera de todas as linguagens, técnicas, assuntos, materiais e


suportes. A arte sem limites iniciada no dadaísmo se estabelece, traduzindo uma
época sufocada pela ditadura militar, mas expandida pela estética.

Os multimeios – dos programas de computador ao vídeo arte – tornam-se novos


suportes dessa nova arte que quebra o paradigma tempo-espaço. O SESC inicia
o Festival Sesc_Videobrasil, com a primeira edição em 1983. O Brasil torna-se
um dos principais centros de produção e pesquisa nesta área. Solange Farkas

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UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

funda, em 1991, a Associação Cultural Videobrasil . A produção multimidiática


principalmente da América Latina, África, Leste Europeu, Ásia e Oriente Médio
torna-se acessível ao grande público.
Explor

Associação Cultural Videobrasil: http://site.videobrasil.org.br/

As instalações se afirmam em possibilidades infinitas – todos os suportes,


visualidades, espetacularidades, usos tecnológicos, interatividade com público,
aproximações com a performance, construções e desconstruções do espaço e do
tempo são possíveis.

Uma grande quantidade de artistas nacionais se destaca na linguagem da instala-


ção dos anos 70 aos dias de hoje: Cildo Meireles, Waltercio Caldas, José Resende,
Ione Saldanha, Carlos Alberto Fajardo, o atualíssimo Henrique Oliveira (fig. 17)

Figura 17 – HENRIQUE OLIVEIRA. Transarquitetônica. 2014, madeira, tijolos, taipa, PVC e múltiplos materiais.
5x18x73 metros. Coleção Museu de Arte contemporânea. São Paulo, SP
Fonte: henriqueoliveira.com

Dono de uma contundente mitologia pessoal, na qual a materialidade da obra se


estende até ao uso do magnetismo, os fluidos corporais, os cristais e os magníficos
materiais sintéticos que se aproximam do orgânico, o artista Tunga (Antonio José
de Barros Carvalho e Mello Mourão) criou desde os anos 70 esculturas expandidas
em instalações, com forte teor conceitual, simbólico, erótico e metafísico. Inhotim
tem duas galerias para este extraordinário artista falecido em 2016. A obra Lézart
(fig. 18) encontra-se em uma delas.

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Figura 18 – TUNGA. Lézart. 1989, cobre, aço e ímã. Coleção Inhotim, brumadinho, MG
Fonte: inhotim.org.br

Arte Urbana, os Coletivos e o Futuro –


Reinvenções e Novas Possiblidades
O caos das metrópoles, os espaços sem memória, sem olhar, sem estar – os
espaços desprovidos de espaço, que são apenas tempos fugidios entre um estar e
outro – é o suporte de obras feitas não para embelezamentos, mas para fixação de
um estar, de uma memória e de um refletir: é a Arte Pública, que se inicia ainda
nos anos 70.

Feitas prioritariamente de intervenções, site-specific e graffitis, a arte pública


ganha força entre 1994 e 2002 no projeto Arte/Cidade idealizado e coordenado
pelo filósofo e curador Nelson Brissac Peixoto. A proposta era a ocupação artística
temporária de espaços urbanos, normalmente degradados com site-specific feitas
especialmente nesses locais.

O graffiti brasileiro é linguagem constituída de estética e transgressão, está em


todos os centros urbanos das metrópoles às cidades interioranas. Nomes importan-
tes do graffiti nacional: Eduardo Kobra (fig. 19), Alex Hornest, Alessandro Vallauri,
Ramon Martins, Gustavo e Otávio Pandolfo (os gêmeos), Alexandre Orion (fig. 20).

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UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

Figura 19 – EDUARDO KOBRA. Painel Ray Charles. São Paulo, SP


Fonte: eduardokobra.com
Explor

Acesse a página do artista no Facebook: https://pt-br.facebook.com/kobrastreetart/

Figura 20 – ALEXANDRE ORION. Ossário 2006. 360 metros de extensão. Túnel Max Feffer. São Paulo. Brasil
Fonte: alexandreorion.com
Explor

Acesse o site do artista: http://www.alexandreorion.com/

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Explor
Intervenção: procedimentos ou projetos artísticos que acontecem fora de locais tradicionais
de arte, criando um elemento de surpresa ou interferência cotidiana no público.
Site-specific: obra produzida em local específico, em ambiente determinado e determinante
ao seu resultado. O diálogo é feito entre o espaço e a obra final.
Graffiti: manifestação de arte de rua, intervenção urbana feita normalmente em muros
usando pintura.

A arte pública traz a ideia de arte colaborativa, coletiva, na qual a figura do


artista se transmuta em mediador, ou facilitador de um fazer democrático, amplo,
talvez arte educativo. Fruidor e artista, fruidor/artista, os limites da arte novamente
se rompem, agora em seu fazer e apreciar.

Os coletivos irrompem em fazeres cada vez mais criativos e estéticos. Em São


Paulo, O JAMAC - Jardim Miriam Arte Clube é uma associação que tem à frente a
artista plástica Mônica Nador. Artistas e moradores do bairro Jardim Miriam, zona
sul de São Paulo, criam projetos como as intervenções nas fachadas das casas do
bairro utilizando-se da técnica do estêncil (fig. 21)

Figura 21 – JAMAC e MÔNICA NADOR, Autoria compartilhada


Fonte: amacarteclube.wordpress.com
Explor

Conheça o projeto acessando: http://jamac.org.br/

O Coletivo Coletores, em São Mateus, também bairro da periferia de São Paulo,


trabalha com arte híbrida, do Hip Hop ao light painting, graffiti e guerrilha digital:
ações artísticas múltiplas de grande impacto visual (fig. 22)

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UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

Figura 22 – COLETIVO COLETORES. Graffiti, Light Painting. Praça Wi-Fi Vila Mara
Fonte: Coletivo Coletores
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Conheça a página de facebook: https://www.facebook.com/coletorescoletivo/

E assim, a arte se transmuta, muda e se atualiza. Mas sua essência permanece:


está nas paredes, como há milhares de anos, se perpetua materializada em formas
e ideias e traduz seu tempo como sempre o fará.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Sites
Arte do século XX e XXI
Navegue pela arte do século XX e XXI em templates elaborados por uma equipe de
bolsistas da FAPESP ligados ao Museu de Arte contemporânea de São Paulo
https://goo.gl/bG2r4

Visite
Inhotim, em Brumadinho, MG
www.inhotim.org.br
Museu de Arte Contemporânea da USP, em são Paulo – SP
www.mac.usp.br
Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em Niterói, RJ
http://culturaniteroi.com.br/macniteroi/
Museu de Arte Moderna, em são Paulo-SP
http://mam.org.br
Instituto Itaú Cultural
www.itaucultural.org.br/

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UNIDADE A Arte Contemporânea – Das Novas Possibilidades ao Futuro

Referências
BARCINSKI, Fabiana Werneck. Sobre a Arte Brasileira. São Paulo: Martins
Fontes, 2015

COCHIARALE, Fernando e GEIGER, Ana Bella. Abstracionismo Geométrico


e Informal – A Vanguarda Brasileira nos Anos Cinqüenta. Rio de Janeiro:
FUNARTE ,1987.

GONÇALVES, Lisbeth Rebollo (org.). Arte brasileira no século XX. São Paulo:
ABCA: MAC USP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.

GULLAR, Ferreira. A pesquisa da contemporaneidade, in PONTUAL, Roberto.


Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1969, sem paginação.

PEREIRA, S. G., OLIVEIRA, M. A. R., LUZ, A. A. Historia da Arte no Brasil:


textos de síntese. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

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