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PAUL KLEE
Rafaela Xavier

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Uma aproximação à Art e de Paul Klee


Rafaela Xavier

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Taisa Palhares
PAUL KLEE

Paul Klee, Fish Magic, 1925.


Óleo e aquarela sobre tela, 77.2 x 98.4 cm
Philadelphia Museum of Art, Filadélfia

Rafaela Xavier
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
rsvx@campus.ul.pt
Paul Klee (1879-1940) é frequentemente mencionado pelos autores que o estudam
e inclusive pelo seu amigo e biógrafo, Will Grohmann (1887-1968)1, como um artista
genial, que serviu de mote a importantes artistas da segunda metade do século XX. De
facto, a todos parece inegável o carácter “alienígena” da arte de Klee no contexto das
vanguardas2.

Usando a sua obra Fish Magic (1925), pretende-se em grande medida


compreender as suas singularidades artísticas.
Uma das primeiras sensações que observador experiencia ao olhar para aquela pintura é,
frequentemente, o impacto da cor, sobretudo das cores quentes e das cores primárias.
Muito mais que as formas, a técnica de raspagem usada3 permite conceder à obra um
carácter “electrizante” da paleta cromática4. De facto, está em clara evidência o
entendimento acerca da teoria das cores do período Impressionista e pós-Impressionista
da relação contextual da cor e da luz, isto é, uma cor ganha “intensidade” quando em
relação com outra cor, que com aquela contrasta. Neste sentido, o fundo a negro serve de
contraste às cores quentes, que não sendo berrantes na sua natureza, ganham essa
qualidade na retina de quem observa.

No sentido do Expressionismo, Klee usa a cor pela sua potencialidade emocional,


por influencia do Der Blaue Reiter e de Kandinsky e Macke (sobretudo nas obras iniciais)
5
, que o afasta da realidade objectiva. Relativamente a esta, Fish Magic, é tudo menos
fidedigno.

Conseguimos identificar determinados ícones, como sejam as plantas, os peixes,


o sol, a lua em quarto minguante, o relógio ao centro da composição, uma figura com 2
faces na parte inferior, um palhaço no canto inferior esquerdo, uma cortina no canto
superior esquerdo, entre outros. Porém o título da obra conduz-nos a uma realidade atípica
que se compactua efectivamente com a composição. Podemos encontrar nela uma
realidade próxima daquela surrealista que começava a emergir pela mão de vários
artistas6, apelando ao onírico e ilógico. É verdade que reconhecemos todas essas
características do Surrealismo e outras, como sejam a técnica de raspagem que concedia
um certo nível de acaso à obra. No entanto, Fish Magic não é uma pintura surrealista.
Enquanto que os surrealistas se proponham a “pintar o inconsciente”, o onírico,

1
Historiador de Arte alemão e crítico de Arte Moderna, nomeadamente do Expressionismo Alemão e da
Arte Abstrata. Confira https://dictionaryofarthistorians.org/grohmannw.htm, consulta 2/1/2017.
2
Cf. AAVV, Arte do Século XX, (org. Ingo F. Walther), Vol. I, Koln, Taschen, 1999, p. 12; Robert SHORT,
Paul Klee, London, Thames & Hudson, 1979, p. 3; Will GROHMANN, Paul Klee, 4ª edição, Genève,
Trois Collines, 1954, p. 12.
3
Cf. http://www.philamuseum.org/collections/permanent/51027.html, consulta em 29/12/2016.
4
De resto, as obras do artista realizadas na década de 20 têm muitas delas em comum este carácter vibrante
da cor, veja-se o caso da obra The Golden Fish de 1925. Para mais detalhes acerca destas obras vide Will
GROHMANN, Op. Cit., pp. 189-221.
5
Klee travou amizade com Delaunay cujo estudo da cor e da luz o fascinou e influenciou grande parte das
obras produzidas entre 1912-1914, vide Robert SHORT, Op. Cit., p. 6.
6
Atente-se que em 1924, André Breton publicava o Manifesto surrealista, dando inicio a uma nova corrente
artística. E que em 1925 Klee participava na Exposição de Arte Surrealista de Paris, vide AAVV, Os
Grandes Artistas Modernos: Klee, Hopper, Lowry, Dali, (ed. Eduardo Martins Soares), Lisboa, Difusão
Cultural, 1990, p. 9.

2
segundo o automatismo e o acaso, alguns com recurso a técnicas que tentavam negar
qualquer influencia do consciente na produção artística, Klee pinta uma outra realidade
imagética, que embora se sirva de elementos do surreal, é pensada de forma consciente
com um código de decifração e anulação intencional e generalizada dos conceitos.

Os ícones que encontramos em Fish Magic têm verosimilhança com a realidade,


como já foi mencionado, e por isso se designam ícones. Contudo, encontramos outros
elementos de difícil compreensão alguns até mesmo “abstratos” à composição. Outros
remetem-nos de certo modo (é discutível) para formas já observadas na arte de Brancusi,
como sejam as esculturas de Bird in Space, realizadas entre 1920-19407.

A pintura apesar de figurativa, entre ícones, símbolos e signos, transporta o


observador para uma outra dimensão, de pura relatividade, senão veja-se; embora
possamos falar em abstração quando isolamos determinados elementos da composição,
estes continuam a ser abstractos ao conjunto quando não isolados, não ganhando um
significado no todo, não podendo falar em signos, mas possivelmente em índices, como
vestígio de algo, acentuando a relatividade dos conceitos.

Apesar de tudo, é percetível a teatralidade da composição; percebemos que a


cortina no canto superior esquerdo nos remete para um palco, cujas personagens são o
palhaço do canto inferior esquerdo e a personagem central poderá ser Jano, deus romano
do passado e do futuro (factor temporal), também conhecido como deus “das duas faces”,
e por tal muito associado ao teatro. No entanto a presença de peixes sugere uma vivência
de aquário e o relógio, bem como o sol e a lua dão-nos um sentido de temporalidade.

Este conjunto de formas associadas a realidades como o mar, a terra, o ar, o espaço, o
tempo, juntam-se para formar um outro mundo, relativo. O próprio artistas dizia, na sua
obra literária Creative Credo “Art does not represent the visible rather, it makes visible”8.
Torna visível esta realidade relativa, criativa, paralela ao mundano, de fantasia, de
atmosfera intimista e pessoal típicas da arte de Klee, cuja obra Fish Magic é expressão.
As formas simplistas, muitas vezes e erroneamente associadas a uma arte infantil,
mais não são que um mero universo poético, que viria a servir de inspiração, mais tarde,
a artista do Expressionismo Abstrato – na procura por uma expressão artística pessoal.

Influencias há ainda a mencionar do Cubismo Sintético na obra em estudo. Sabemos que


Klee fez uso da técnica da colagem para anexar um pedaço de musselina ao centro da
composição9. Em bom rigor, esta colagem não serve exactamente os mesmos propósitos
que a colagem do Cubismo Sintético produzido por Picasso ou Braque, acreditamos que
se trata de uma tentativa de proporcionar uma aparência de relevo às formas.

7
Acerca desta similitude discutível e formas adaptadas por Klee, surge a dúvida de saber se Klee terá ou
não contactado com Brancusi ou se ao menos teve contacto com a sua obra. Temos em crer que sim,
observe-se a obra Landscape with Yellow Birds, de 1923, em que voltamos a ver formas semelhantes às
esculturas de Brancusi Birds in Space.
8
Cf. Robert SHORT, Op. Cit., p. 3.
9
Cf. http://www.philamuseum.org/collections/permanent/51027.html, consulta em 29/12/2016.

3
Em conclusão, Fish Magic é um exemplo claro do conceito artístico de Klee e da
sua obra. A pintura representa uma realidade atípica, em que o entendimento de conceitos
como o de espaço, ordem e hierarquia de elementos é manipulada para servir outras
aspirações da expressão artística.

Foi realizada já num período de maturação (década de 20), em que são


abandonados aspectos experimentais presentes nas obras iniciais e encontradas
ferramentas para criar uma arte que contemplasse influencias descaracterizadas de outras
vanguardas, mas que não a fizesse pertencer a nenhuma, sendo por isso, bastante singular
na arte do século XX.

É relevante referir que Klee tentou sempre aliar a produção artística com a reflexão
teórica, mas reservam-se os devidos cuidados pois frequentemente a obra literária não
serve de interpretação, como muitos desejavam, à sua obra artística, contempla acima de
tudo alguns caminhos para a compreensão, que nunca são a explicação.

Bibliografia

AAVV, Art since 1900, London, Thames & Hudson, 2004.


AAVV, Art in Theory 1900-1990, (ed. Charles Harrison e Paul Wood), Oxford UK,
Blackwell, 1992.
AAVV, Arte do Século XX, (org. Ingo F. Walther), Vol. I, Koln, Taschen, 1999.
AAVV, Os Grandes Artistas Modernos: Klee, Hopper, Lowry, Dali, (ed. Eduardo
Martins Soares), Lisboa, Difusão Cultural, 1990.
GROHMANN, Will, Paul Klee, 4ª edição, Genève, Trois Collines, 1954.
SHORT, Robert, Paul Klee, London, Thames & Hudson, 1979.

Webgrafia

http://www.philamuseum.org/collections/permanent/51027.html, consulta em
29/12/2016.
https://dictionaryofarthistorians.org/grohmannw.htm, consulta 2/1/2017.

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