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Unidade II

Unidade II
5 AS NOVAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

5.1 A busca da ruptura com os padrões clássicos: pintura, design e arquitetura

A introdução da máquina como elemento fundamental do ciclo produtivo propiciou, em meados do


século XIX, um debate exaustivo sobre a relação entre artesanato versus indústria e, por conseguinte,
entre arte versus artesanato. Na Primeira Exposição Universal de 1851, realizada no Palácio de Cristal
em Londres, ficara patente a necessidade de adequar as formas dos objetos produzidos artesanalmente
pelo homem aos novos tempos, agora os da máquina. Formou-se então na Inglaterra um movimento
denominado Arts and Crafts liderado por artistas como William Morris (1834-1896) e John Ruskin
(1819-1900), que rejeitavam a forma de produção industrial. Defendiam o artesanato e buscavam nas
corporações e guildas da Idade Média uma saída plausível para a organização da produção nos novos
tempos. Mais ao final do século XIX, no entanto, surge na Europa um movimento antagônico ao Arts and
Crafts nos seus objetivos. Com diversas denominações, a Arte Nova, ou Art Nouveau, pretendia avançar
a questão da produção em série a partir dos novos materiais: o ferro e o vidro. Por isso, era necessário
buscar novas formas, que rompessem com o clássico, já que produzir nesses padrões implicava no
artesanato. No entanto, as formas e as referências utilizadas pela Arte Nova para romper com o clássico
tinham forte influência da pintura oriental, com utilização de formas da natureza, portanto linhas curvas
e temas florais. Nesse sentido, a tentativa viu-se frustrada para alcançar rapidamente uma solução para
a produção em série dos objetos, acessórios da construção e da própria edificação. Rapidamente, os
arquitetos e artistas perceberam que as formas da Arte Nova não implementariam a produção racional e
industrial. O trabalho manual continuava a ser necessário para obter os resultados formais pretendidos.

Já na primeira década do século XX, mais precisamente em 1907, na Alemanha, é fundada a


Werkbund, uma sociedade de artesãos e artistas com o objetivo de relacionar a arte e a indústria por
meio do ensino e da propaganda. Diferentemente do movimento inglês Arts and Crafts, a Werkbund
concilia a máquina na produção artística, de forma e abrir terreno seguro para que Walter Gropius
(1883-1969), em 1919 fundasse em Weimar, também na Alemanha, a primeira e mais importante escola
de arte, design, arquitetura e urbanismo, a Bauhaus (1919-1933).

5.2 A síntese da forma na obra pictórica de Paul Cézanne

Um dos mais importantes artistas do Ocidente, e que influenciou muitas gerações de pintores, nas
quais se incluem Pablo Picasso e Georges Braque, foi o francês Paul Cézanne (1839-1906). Ele não
considerava que a arte tivesse como papel a fiel representação da realidade nem o mero registro das
impressões decorrentes dos sentidos, mas, antes, a busca da interpretação do real. Noutros termos,
segundo Cézanne, o artista não reproduz, mas interpreta a realidade. Tendo iniciado a sua carreira com
obras de cunho sensual, como A Orgia, Cézanne destacou-se sobretudo, na história da arte, pelo rigor
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técnico com que buscou a geometrização em suas pinturas, empregando com maior constância formas
cilíndricas, esféricas e cônicas, tornando-se um precursor do Cubismo.

A Montanha Sainte-Victoire foi pintada por Cézanne em diversas ocasiões, como se estivesse à
procura da descoberta da estrutura fundamental do espaço tridimensional representado no plano. Para
Cézanne, a natureza deveria ser retratada pelos volumes puros, o cone, o cilindro, o cubo e a esfera. Essa
perspectiva prenuncia o Cubismo.

Figura 76 – Monte Sainte-Victoire, visto de Bellevue, de Paul Cézanne. Óleo sobre tela. Barnes
Foundation, Merion, Pennsylvania, EUA

Fonte: Gombrich (2018, p. 855).

5.3 Pontilhismo

O Pontilhismo foi uma iniciativa tomada por alguns artistas europeus no final do século XIX que se
baseava em uma propriedade do olho e do cérebro humano de reunir certos elementos visuais – nesse
caso um conjunto de milhares de pontos coloridos – e, a partir deles, construir imagens.

Um dos principais artistas desse tipo de representação foi Georges Seurat, que influenciou muito os
artistas chamados de impressionistas. Até hoje, a obra de Seurat é uma referência e chama a atenção
do observador. No quadro a seguir, o artista escolheu não apenas representar as cores e formas dos
elementos que compõem o quadro por meio do pontilhismo, mas também com outras escolhas plásticas:
tanto as pessoas quanto a vegetação e os animais estão representados de uma maneira simplificada e
geometrizada, quase como bonecos. Não há uma preocupação em retratar fielmente, do ponto de vista
visual, a cena de lazer e de descanso do quadro.

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Figura 77 – Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte (Un Dimanche Après-midi à l’Île de la Grande
Jatte) (1884-1886), de Georges Seurat. Óleo sobre tela, 207,6 x 308 cm. Art Institute of Chicago,
Chicago, EUA

Fonte: Proença (2011, p. 218).

5.4 A Arte Moderna

A rápida ascensão da modernidade decorrente da Revolução Industrial rompeu com o realismo que
ainda permeava as camadas da sociedade. O ritmo acelerado da crescente urbanização e o surgimento
de novas camadas da sociedade também refletiram no âmbito artístico, promovendo maior sensibilidade
e resgatando o que havia se perdido em meio ao aglomerado de máquinas e na procura da forma ideal.

Diante do Impressionismo, porta de entrada da Arte Moderna, e da ascensão da abstração, ocorreu


um grande impacto estético ao longo do século XX. Os movimentos de vanguarda tiveram papel
fundamental nas influências artísticas, subvertendo os impulsos realistas e acarretando liberdade estética
na capacidade imaginativa do artista e do público. A abertura da abstração trouxe uma estratégia
importante na compreensão da estrutura da mensagem, pois, quanto mais representacional for a
informação visual, mais específica será sua referência; quanto mais abstrata, mais geral e abrangente.
Em termos visuais, a abstração é uma simplificação que busca um significado mais intenso e condensado
(DONDIS, 1997).

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Como consequências dessa inquietação surgida no limiar do século XX, várias tendências se
juntaram à racionalidade da abstração sobre a emotividade do Impressionismo: o Cubismo, o
Surrealismo, o Fauvismo, o Construtivismo, o Dadaísmo, o Expressionismo e o Futurismo (sendo
este último a plataforma modernista que mais influenciou a vanguarda no Brasil) são os maiores
exemplos do novo lugar da estética que floresceu na primeira metade do século.

O surgimento da Arte Moderna vem romper com a tradição acadêmica pelas abstrações artísticas,
tornando a discussão sobre o inconsciente e morte da arte cada vez mais frequente. Freud e a psicanálise
vêm apontar para a descoberta do inconsciente e revolucionar a concepção do homem, marcada
até então pela filosofia cartesiana, pelo pensamento racional. Dessa forma, o artista se libertava do
retratismo visível e dava asas às realidades psíquicas pelo formalismo em detrimento do tema.

A forma estética da Arte Moderna vem resgatar a solidez que o Impressionismo dissolvera em luz,
tornando-a expressiva e impactante, propensa a experimentações. O pintor francês Paul Cézanne (1839‑1906),
por exemplo, foi se distanciando do Impressionismo e sua arte já esboçava o bastante para que ele fosse
considerado por alguns estudiosos como o pai da modernidade.

Características de vanguarda como contrastes e hachuras podem ser observadas na obra de Cézanne,
bem como pinceladas diagonais encurtadas, que, por sinal, por assemelharem-se a cubos, dão o nome do
movimento. A Arte Moderna foi um processo gradativo quanto aos seus aspectos, chegando ao seu auge
com o movimento cubista, responsável por modificar completamente as noções de estética, tendo como
Pablo Picasso, artista plástico espanhol (1881-1973), seu maior expoente. As faces esquematizadas dos
corpos femininos e a peculiaridade das formas cubificadas e sem detalhes de Les Grandes Baigneuses
serviram de inspiração à obra de Picasso.

Os abstracionistas se distanciavam cada vez mais do mundo real, aproximando o espectador de


elementos que criavam uma relação de significados. Na obra Woman with a Guitar, Georges Braque
(1882-1963) introduziu letras, partituras e cordas para aludir a ideia de um instrumento musical.
Percebe-se a guitarra e a pessoa a partir de traços; e pelos olhos fechados da mulher, a sensação de
satisfação e prazer. Nesse contexto, podemos entender que o jogo de associações criado pelo artista
através de simbologias e elementos do mundo reconhecido aproxima o observador da linguagem do
artista, facilitando, de alguma forma, a compreensão da obra.

Observação

Vale ressaltar que a obra Woman with a Guitar de Georges Braque, embora
não seja caótica, apresenta elementos que ajudam a levar o olho ao redor
da pintura. Braque cria dinâmica visual através do equilíbrio. O espectador
pode ver o marrom da guitarra, equilibrado no topo pela inclusão de um
retângulo de cor idêntica. Pela mesma razão da área escura para a direita
da pintura, em que poderia ser um ombro estilizado, é equilibrado pela
mesma cor do lado esquerdo.

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Figura 78 – Mulher com Violão (1913), de Georges Braque. Museu de Arte Moderna,
Centro Georges Pompidou, Paris

Fonte: Proença (2011, p. 255).

O estilo de Picasso seguiu a mesma tendência, caminhando por várias vertentes da linguagem
plástica, do Expressionismo ao clássico, do semiabstrato ao abstrato, como podemos observar nítidas
diferenças estéticas entre as obras Autoportrait Yo, de 1901, e Les Demoiselles D’Avignon, de 1907,
ambas do pintor espanhol, sendo a última considerada a obra que anunciou definitivamente as
transformações da arte moderna na concepção estética do belo.

A concepção estética do Cubismo trouxe muitas críticas quanto à sua natureza disforme,
manifestando-se pela falta de compreensão diante da nova linguagem. No entanto, as contribuições
para a história, a partir das direções estéticas tomadas após o Cubismo, consagraram ao movimento
importância análoga ao período renascentista, pois:

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não apenas rompeu com o comportamento do plano tridimensional da


pintura, mas, sobretudo, resgatou sua forma bidimensional e mostrando o
objeto sob vários ângulos, simultaneamente, determinando forte influência
no desenho da página impressa (SILVA, 2007, p. 58).

O movimento cubista teve sua expansão interrompida durante a Primeira Grande Guerra, mas
não se extinguiu, abrindo campo para novas experiências estéticas e evoluindo em direção a outras
manifestações artísticas e de aspectos comerciais como o design publicitário, que predominou durante
toda a década de 1920. Mais que uma linguagem da arte moderna, o Cubismo concebeu uma nova
estética, sugerindo a construção de imagens redesenhadas para um conceito que imitasse menos
a realidade em direção inevitável ao abstrato absoluto. O período do modernismo cultural ao qual nos
referimos foi caracterizado por grandes avanços tecnológicos e desenvolvimento social, impactando
profundamente o âmbito cultural. A Arte Moderna propiciou novas experiências estéticas e a ruptura
do pensamento linear ao quais as artes se aprisionaram.

Assim, uma maneira de compreendermos como nossa percepção estética


foi alterada por essas mudanças de linguagem, iniciadas no modernismo
cultural, é pensar como os avanços materiais, no sentido da modernização
econômica e social do início do século XX – avanços que foram impactantes
naquele momento como as transformações presentes –, conduziram
a um hiperestímulo e, com isso, a mudanças cognitivas (ALVARENGA;
JUNQUEIRA, 2009, p. 2).

Em suma, o estímulo causado pela revolução social e cultural que surgiu no fim do século XIX e
começo do XX foi o estopim para a busca de novas linguagens estéticas. A velocidade das transformações
obriga sempre a sociedade não apenas a produzir mais rápido, mas também a compreender mais rápido.
Apesar das tensas circunstâncias iniciais, o Modernismo se estabeleceu e transformou a cultura. Essa
resistência ao novo, aliás, manifesta-se sempre que algo vem de encontro ao pensamento tradicional,
como veremos no Brasil, logo mais, quando jovens vanguardistas tomaram de assalto a conservadora
elite paulistana.

5.5 Impressionismo

O Impressionismo surgiu em abril de 1874, quando uma turma de jovens artistas de Paris, desapontados
com a permanente exclusão de seus trabalhos dos salões oficiais, reuniu-se com a finalidade de produzir
as próprias exposições no estúdio do fotógrafo Nadar, lançando o Salão dos Recusados e da Sociedade
dos Artistas Independentes.

A denominação “impressionista” tem a sua origem em uma famosa tela, de autoria de Claude Monet,
intitulada Impressão, nascer do Sol, de 1872. Os artistas vinculados a esse movimento desprenderam‑se
da preferência por temas da mitologia greco-romana e puseram de lado a preocupação com a reprodução
fiel (mimese) da realidade. Conferiam maior relevância aos próprios quadros, considerados importantes
em si mesmos como obras de arte. O seu interesse central era a exploração dos efeitos de movimento e
de luminosidade, obtidos a partir de pinceladas soltas, sem traço de desenho. Em geral, os impressionistas
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pintavam em meio à natureza e nos espaços abertos das cidades, visando observar melhor as variações
decorrentes das mudanças da luz incidindo sobre pessoas e objetos durante o dia e à noite.

Figura 79 – A imagem reproduz o quadro intitulado Impressão, Nascer do Sol, de Monet. Exibida
em exposição ocorrida no ano de 1873, foi a partir dessa obra que se nomeou o movimento
impressionista. Impressão, Nascer do Sol (1872), de Claude Monet. Museu Marmottan, Paris, França

Fonte: Dempsey (2010, p. 15).

Vejamos, a seguir, as características gerais da pintura impressionista.

• Considerando que a luz solar é a fonte de todas as cores, os artistas buscam mostrar as variações
de tonalidade decorrentes das mudanças no modo como objetos e pessoas são iluminados ao
longo do dia.

• Os artistas procuram capturar o instante em que observam a realidade e, para tanto, empregam,
inclusive, a fotografia.

• Não é empregado o traço do desenho que conferia nitidez de contorno às imagens, mas
apenas largas pinceladas, que geram manchas, as quais criam a impressão de representarem
objetos e pessoas.

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• Os artistas também representam sombras, porém estas são também coloridas e plenas de
luminosidade, visando reproduzir o efeito que causam, às vezes, quando vistas a olho nu.

• Ruptura com o academicismo, por exemplo, no abandono do claro-escuro, substituído pelo uso
de cores complementares para a obtenção do efeito de luz e sombra.

• Os artistas não misturam tintas em suas paletas, utilizam apenas cores puras, sendo o próprio
observador quem, por meio do olhar, realiza sua combinação.

5.6 Fauvismo

O Fauvismo (também chamado de Fovismo) nasceu em 1905, em Paris, a partir da exposição no


Salão de Outono. Naquela ocasião, certos artistas expuseram obras em que empregavam as cores puras
de forma muito intensa, e, por esse motivo, passaram a ser denominados fauves (feras, em português).

As principais características do Fauvismo são expostas a seguir.

• A obra de arte não é um produto intelectual, nem um produto da sensibilidade, pois, no ato de
criação, o pintor deve seguir os impulsos instintivos, os seus sentimentos primários.

• Na pintura, devem-se exaltar as cores puras e tanto as linhas do desenho como o colorido das
tintas devem surgir de modo impulsivo, expressando, em sua maior pureza, as sensações do artista.

• A obra de arte deve ser marcada por pinceladas abruptas, arrematadas em um colorido intenso de
grandes manchas de cores puras.

• Na pintura fauvista não há preocupação com o realismo da representação nem interessam


formas ou figuras e técnicas de desenho. Já que a própria perspectiva é abandonada em favor do
tratamento exclusivo da cor.

Os mais importantes representantes do Fauvismo foram os franceses Maurice de Vlaminck (1876‑1958),


André Derain (1880-1954), Raoul Dufy (1877-1953) e Henri Matisse (1869-1954). O último, ao contrário
dos demais, transitou gradativamente em sua obra para uma composição equilibrada entre colorido e
desenho, em pinturas nas quais a profundidade está ausente.

6 A ERA DA MÁQUINA E AS VANGUARDAS ARTÍSTICAS

6.1 Os movimentos transformadores da arte: os ismos

Entre as principais mudanças ocorridas no campo das artes no início do século XX surgem as
denominadas vanguardas artísticas. A denominação de vanguarda deve-se ao caráter ideológico e
político do período pré-guerra e entreguerras, ao longo dos quais as mudanças sociais foram bastante
acentuadas (como a Revolução bolchevique na Rússia em 1917, por exemplo), não ficando as artes
alheias a isso. Os artistas pretendiam e entendiam que as transformações sociais seriam possíveis a partir
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da arte, que, nesse sentido, deteria papel civilizatório. O caráter urbano e industrial da vida cotidiana
alimentou as temáticas predominantes no qual a máquina tem papel fundamental: a velocidade, a
energia, o tema da reprodução em série e a própria guerra constituíram assuntos recorrentes nas obras
dos artistas. A natureza, entendida agora como artificial, é o novo mundo com o qual a arte presta
contas em seu caminho rumo à abstração.

Observação

O termo vanguarda da história da arte do século XX foi tomado de


empréstimo do vocabulário militar, o qual designava as tropas de infantaria
que iam à frente dos batalhões para verificar a situação do inimigo e
eventualmente fazer pequenas ações subversivas (avant-garde). No campo da
arte, passou a significar a luta contra estilos do passado que representavam
os valores burgueses.

6.1.1 Expressionismo

O Expressionismo desenvolveu-se na Europa entre o final do século XIX e o início do século XX.
Os artistas que tomaram parte nesse movimento privilegiavam os aspectos internos do processo de
produção artística em detrimento de suas manifestações exteriores. Por esse motivo, conferiam às suas
obras uma forte carga de subjetividade, tornando-as expressão direta dos seus universos interiores.

Embora tenha se manifestado em diferentes campos das artes, foi na pintura que se inaugurou
o movimento expressionista, tendo constituído, ao lado do Fauvismo, o início das vanguardas
históricas. Ademais, devido às suas próprias características que conduziam a uma supervalorização
da individualidade artística, o Expressionismo figurou-se por certa heterogeneidade de estilos, tendo
sido, por isso mesmo, sobretudo, uma postura diante da arte que congregou diferentes artistas, de
características intelectuais diversas.

Há ainda que observar que o Expressionismo se originou em contraposição ao Impressionismo,


em particular contra as suas tendências naturalistas e positivistas. Por essa razão, conforme indicado
anteriormente, os expressionistas privilegiavam a intuição e o personalismo, enfatizando a interioridade
de cada artista. Noutros termos, o Expressionismo deforma o real a fim de explicitar a subjetividade do
artista e da própria natureza, privilegiando a manifestação dos sentimentos, e não a descrição objetiva
da realidade.

A imagem a seguir reproduz a tela intitulada O Grito, de autoria do pintor norueguês Edvard Munch
(1863-1944). Constitui esta uma das mais significativas obras do Expressionismo. Nela, um ser cujo
sexo não é facilmente discernível, aparece atormentado nas docas de Oslofjord, na cidade de Oslo,
ao anoitecer, e, como sugerido pelo título do quadro, solta um grito. O caráter subjetivo da cena –
característico do Expressionismo – é bastante explícito, sobretudo por não ser demonstrado com exatidão
o que o quadro efetivamente representa. Com efeito, a sua interpretação depende do envolvimento do
espectador, a quem cumpre buscar compreender o que o artista quis expressar. Angústia, dor e desespero
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são alguns dos sentimentos que se podem entrever nessa tela, que bem poderia querer representar o
desejo do artista de gritar, ainda que solitariamente, com a sensação de não poder ser ouvido – nem
mesmo por nós – diante das profundas mudanças que a nova sociedade europeia, burguesa e industrial
estava provocando.

Figura 80 – O Grito (1893), de Edvard Munch. Óleo sobre tela, têmpera e pastel sobre cartão.
Galeria Nacional, Oslo, Noruega

Fonte: Proença (2011, p. 251).

6.1.2 Cubismo

A verdade além de qualquer realismo e a aparência


das coisas não deveria ser confundida com sua essência.

Juan Gris (apud DEMPSEY, 2010, p. 83).

A arte cubista teve início em 1907 e influenciou diferentes gerações de artistas no transcorrer das
primeiras décadas do século XX. Influenciados, entre outros fatores, pela obra de Paul Cézanne, os
iniciadores do Cubismo, Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), contribuíram de
forma decisiva para uma das mudanças mais significativas ocorridas na arte ocidental. Efetivamente, o
Cubismo rompeu com os padrões de representação artística do real ao empregar, predominantemente,
figuras geométricas que representavam seres e objetos em todas as suas partes em um único plano,
sem preocupação com perspectiva ou tridimensionalidade. Assim, nas obras cubistas, representar o

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mundo não mais significava apresentá-lo de acordo com sua aparência real, conforme vista a olho nu.
A realidade se via simplificada às formas geométricas: triângulos, losangos, trapézios, cubos etc.

A imagem a seguir representa a obra Les demoiselles d’Avignon (1907), da autoria de Picasso. Essa
pintura é considerada como a que deu início ao Cubismo. Nela, podem-se observar influências da arte
tribal africana, bem como de Paul Cézanne. Obra-prima das artes plásticas do Ocidente, é perceptível
nela a ruptura com todas as convenções e tradições da arte ocidental. As cinco mulheres do quadro são
apresentadas à maneira cubista, seus corpos reduzidos a formas geométricas. Observe ainda a mulher
sentada no canto direito e que é vista por nós ao mesmo tempo pela frente e pelas costas.

Figura 81 – Les Demoiselles d’Avignon (1907), de Pablo Picasso. Óleo sobre tela.
The Museum of Modern Art, Nova York, EUA

Fonte: Proença (2011, p. 251).

Os mais antigos davam crédito ao espanhol Pablo Picasso (1881-1973) como o único genitor da arte
cubista. As honras foram repartidas entre Picasso e o francês Georges Braque (1882-1963).

As argumentações de antecedência, quanto a Picasso, giram em torno do seu quadro, Les


Demoiselles d’Avignon (1907) que recorre a mudanças de perspectiva, como comentado anteriormente.
Todavia, naquele mesmo ano, Braque já realizava uma pesquisa imersiva e contínua da obra de Paul
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Cézanne (Pós-impressionismo), que resultou em suas paisagens de L’Estaque, em 1908. Braque se


interessa excepcionalmente pelo estilo de Cézanne de abordar três dimensões empregando as múltiplas
perspectivas e pela maneira como produzia formas a partir de variados planos, que pareciam escorregar
ou passar uns por entre os outros.

Esse método (passage em francês) dirige o olhar a diferentes pontos da pintura, e, no mesmo instante
em que gera uma sensação de profundidade, puxa a atenção para a dimensão da tela e projeta-se na
área do observante, uma das principais peculiaridades do cubismo.

Figura 82 – Viaduto em L’estaque (1908). “Braque menospreza a forma e reduz tudo, figuras, paisagem
e casas, a parâmetros geométricos, a cubos”, afirmou o crítico Vauxcelles em 1908. Cubismo foi o
nome pelo qual o movimento passou a ser conhecido

Fonte: Dempsey (2010, p. 84).

Por volta de 1909, Braque e Picasso ficaram amigos íntimos e produziram juntos desde aquele ano
até 1914, ocasião em que Braque foi para guerra. Picasso relatou a união deles como “um casamento” e
Braque comentou mais tarde: “Éramos como dois alpinistas que escalam uma montanha amarrados na
mesma corda” (DEMPSEY, 2010, p. 84).

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Para os dois artistas, o cubismo era uma espécie de realismo, que disseminava o “real” com maior
persuasão e perspicácia do que muitos tipos de performance ilusionista determinantes no mundo
ocidental desde a Renascença. Além de refutar a perspectiva restrita a um só ponto de vista, eles
deixaram as características alegóricas dos artistas de vanguarda que os antecederam, especificamente
os impressionistas, os pós-impressionistas. Além do mais, exploraram a duas fontes diferentes: as últimas
obras de Cézanne, quanto ao suporte, e a escultura africana, quanto à concepção geométrica e aos
atributos emblemáticos.

Para Picasso, o estímulo do cubismo estava em configurar três dimensões no espaço bidimensional
da tela. Braque, por sua vez, desejava experimentar a pintura do volume e da massa na superfície. As duas
relevâncias são claras nos métodos técnicos que criaram juntos. O primeiro momento da produção
de Braque e Picasso, que existiu até perto de 1911, costuma ser chamado como cubismo analítico.
Nessa época os dois artistas escapavam geralmente de temas e cores com apelos emocionais evidentes,
escolhendo por uma paleta frequentemente unicolor e temáticas neutras, por exemplo, naturezas‑mortas.
Estas eram diminuídas e segmentadas em composições quase abstratas, de planos que se interligavam,
nos quais consistentes plurifacetados escorregavam uns nos outros, elaborando figura e fundo em uma
tapeçaria ou teia que apenas se despontava.

A dimensão, nessas pinturas, parece movimentar-se para trás, inclinar-se para cima e em direção ao
espectador, e tudo isso acontece sincronicamente, misturando as perspectivas tradicionais do conceito
da profundidade. Essas imagens feitas de um objeto visto a partir de uma diversidade de ângulos – em
cima, embaixo, atrás, na frente – simbolizam antes aquilo que se identifica com uma peça do que aquilo
que pode ser olhado a partir de um ponto único e ao mesmo instante. Mais do que apresentadas, as
peças são sugeridas e os que as olham devem produzi-las tanto mentalmente quanto pelo olhar.

É evidente que o objeto cubista não é o instante fugaz do impressionismo, mas um objeto consecutivo.
Para Dempsey (2010, p. 85):

Quanto a este aspecto, ele se relaciona com as teorias intelectuais de sua


época, por exemplo, especulações então em moda sobre a quarta dimensão,
o oculto e a alquimia. Mas a correspondência principal e mais intrigante é
a do objeto cubista com o pensamento do filósofo francês Henri Bergson
(1859-1941), cujos conceitos de “simultaneidade” e “duração” postulavam
que o passado se funde com o presente, o qual, por sua vez, caminha em
direção ao futuro de maneira fluída, sobreposta, com o resultado de que a
percepção dos objetos pelas pessoas se encontra em um estado de fluxo
contínuo. Ao enfatizar o papel da imaginação do artista, o cubismo parece
ampliar aspectos do pensamento simbolista, mas, ao introduzir questões
ligadas ao tempo e ao conhecimento, ele repete com clareza o clima
intelectual contemporâneo.

Embora possa ser difícil decifrar boa parte da produção de Braque e Picasso,
naquele período, a abstração não era uma meta, mas um meio para se
alcançar um fim. Conforme Braque confirmou, a fragmentação era “uma
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técnica para se chegar mais perto do objeto”. Picasso enfatizava o aspecto


imaginativo e inventivo do cubismo, ao descrever: “Em nossos temas
mantemos a alegria da descoberta, o prazer do inesperado”. Tais objetivos
ficam evidentes na fase seguinte do cubismo, muitas vezes denominado
cubismo sintético, que se inicia entre 1911 e 1912.

Após flertar com a não objetividade, Braque e Picasso partiram para um


modo de expressão no qual o tema era mais reconhecível, porém repleto de
simbolismo. Eles, em certo sentido, inverteram seus procedimentos no que
se refere à criação. Em vez de reduzirem os objetos e o espaço em direção
à abstração, criaram representações de abstrações fragmentadas, reunidas
de maneira arbitrária. Disso resultaram imagens nas quais o objetivo e o
subjetivo eram equilibrados com delicadeza e o “abstrato” foi usado como
um instrumento para criar o “real”. Como explicou o jovem espanhol Juan
Gris (1887-1927), que se uniu àqueles artistas nessa fase: “Posso criar uma
garrafa a partir de um cilindro”.

Duas importantes inovações, ambas consideradas marcos da arte moderna,


ocorreram em 1912. Picasso incorporou um pedaço de oleado a sua pintura
Natureza-morta com cadeira de palha, criando a primeira colagem cubista e
todos os três artistas criaram papiers collés (composição de papéis recortados
e colados). Suas obras, em geral, incluíam um tema mais nítido, cores e texturas
mais vivas, fragmentos já existentes do “mundo real” e textos. Entretanto,
embora as composições, no todo, sejam mais simples e mais monumentais,
as relações espaciais são muitas vezes bastante complexas. O emprego
de camadas e sobreposições de formas planas cria simultaneamente
uma sensação de algum espaço na frente do plano do quadro e desloca
outro espaço mais para o fundo. A distinção entre a profundidade pintada
e a profundidade literal cai por terra, conferindo às obras um sentimento
arquitetônico, como se a pessoa enxergasse as coisas tanto em planta quanto
em elevação. As associações de significado também são mais complexas.

Em última análise, questões como essas, que envolvem fato e ficção, desafiam
a crença numa definição única da realidade e permitem que a obra se torne
aberta a múltiplas interpretações. Elas reafirmam o primado da imaginação
do artista e reivindicam para a arte uma existência própria, independente do
mundo exterior. A própria estranheza do cubismo, no entanto, é sua
eloquência em comentar um mundo estranho. Picasso [afirma]: “É sobre
essa estranheza que queríamos levar as pessoas a refletir, pois tínhamos
plena consciência de que nosso mundo estava se tornando estranho e não
exatamente tranquilizador”. Por volta de 1910 o cubismo evoluiu, passando
de um estilo a um movimento. O cubismo foi inspirador na escultura,
permitindo aos artistas a pensar as obras como objetos construídos, e não
apenas objetos modelados.
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As teorias cubistas foram retomadas com entusiasmo na Tchecoslováquia


por artistas, escultores, designers e arquitetos, que transpuseram as
características da pintura cubista – formas geométricas simplificadas,
contrastes de luz e sombra, facetas em formato de prismas, linhas angulosas –
para a arquitetura e as artes aplicadas, incluindo mobiliário, joias, objetos de
mesa, artefatos, cerâmica e paisagismo.

6.1.3 Futurismo

Contrários a toda tendência moralista e passadista, os futuristas foram artistas que enalteceram,
em suas obras, as conquistas tecnológicas do início do século XX e as mudanças velozes que estas
imprimiam na sociedade europeia da época, tendo também exaltado, no início do movimento,
a própria guerra e a violência. Em decorrência de seu apreço pela novidade, propunham inclusive a
destruição dos museus e das antigas cidades. Presente nas artes plásticas e na literatura, o Futurismo
foi inaugurado com a redação do Manifesto Futurista, de autoria do poeta italiano Filippo Tommaso
Marinetti (1876‑1944). Esse texto foi publicado pelo jornal francês Le Figaro em sua edição do dia
20 de fevereiro de 1909. Devido ao seu caráter agressivo, o Futurismo repercutiu internacionalmente,
tendo influenciado artistas modernistas de outros continentes.

As principais características do Futurismo são:

• enaltecimento da indústria e das novas tecnologias;

• aceitação da propaganda como mais importante meio de comunicação;

• emprego de onomatopeias (palavras que expressam ruídos, barulhos, sons diversos) nos poemas;

• utilização de frases fragmentadas na poesia, visando significar velocidade;

• na pintura, adoção de cores fortes, vivazes, com intensos contrastes, além da sobreposição de
imagens e algumas distorções, a fim de representar o dinamismo do movimento;

• busca por não representar objetos (um carro, por exemplo), mas significar, em suas obras, a forma
plástica das direções e da velocidade dos movimentos descritos por eles no espaço.

Na imagem a seguir encontra-se a reprodução da obra intitulada Velocidade Abstrata – O Carro


Passou, de autoria do pintor italiano Giacomo Balla (1871-1958). Nela acham-se explicitados alguns
dos principais elementos definidores da pintura futurista: a tendência ao cubismo e à abstração, o
emprego de cores fortes, a simulação de ação, de movimento, a demonstração de que os diferentes
aspectos dos objetos interpenetram-se simultânea e permanentemente. A obra de Balla sugere figuras
movimentando-se num determinado espaço, sem a preocupação com a representação figurativa bem
definida em seus contornos.

102
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 83 – Velocità Astrata + Rumore (1913-1914), Giacomo Balla. Óleo sobre tela. The Solomon R.
Guggenheim Foundation, Peggy Guggenheim Collection. Nova York, EUA

Fonte: Proença (2011, p. 266).

6.1.4 Dadaísmo

Constituiu o Dadaísmo (ou simplesmente Dadá) um movimento artístico de vanguarda que se iniciou
no Cabaret Voltaire, localizado na cidade de Zurique, capital da Suiça, no ano de 1916. A liderança do
movimento coube ao escritor alemão Hugo Ball (1886-1927) – autor do Manifesto Dada, publicado em
1916 –, ao poeta romeno Tristan Tzara (1896-1963) e ao pintor e poeta alemão Hans Arp (1886-1966).
O emprego da palavra dada para representar o movimento visa indicar tanto seu caráter antirracionalista
– uma vez que o termo parece não ter um significado, pois se trata de uma palavra que lembra o
balbuciar de um bebê humano – quanto a possibilidade de a linguagem não fazer sentido ou mesmo
remeter a múltiplos sentidos. Devia-se essa característica à oposição que os dadaístas faziam à Primeira
Grande Guerra e a outras vanguardas artísticas do período, notadamente o Futurismo, que valorizava
o conflito e as inovações tecnológicas, tidas pelos dadaístas como demonstrações de irracionalidade.
Ao enfatizarem o non-sense, o não lógico e o não racional, os dadaístas empregavam a ironia em suas
obras e eram radicais na valorização daquilo que era considerado absurdo. Por esse motivo, recorreram
ao poema aleatório e aos ready-mades, e, embora tenham encerrado suas atividades no início do decênio
de 1920, suas propostas influenciaram diversos movimentos de vanguarda que lhe sucederam, como o
Expressionismo Abstrato, o Surrealismo, a Pop Art e a Arte Conceitual.

103
Unidade II

Observação

Ready-made significa literalmente “já pronto, já produzido”. Esse termo


foi adotado originalmente no ano de 1913 pelo artista plástico francês
Marcel Duchamp (1887-1968), com o qual buscou denominar objetos
manufaturados que são alçados ao status de objetos artísticos.

A figura a seguir reproduz a obra Roda de Bicicleta, produzida no ano de 1912, e que constituiu o
primeiro ready-made de autoria de Marcel Duchamp, um dos mais importantes artistas dadaístas. A peça
é formada por uma roda de bicicleta equilibrada sobre o tampo de um banco. Com essa obra, Duchamp
pretendeu discutir o próprio conceito de arte, demonstrando que esta não é definida pelo objeto, pelos
materiais ou pelo tipo de suporte empregado, mas pela atitude do artista, que modifica a própria
natureza do objeto, ao dispô-lo não mais como produto industrial utilitário, mas como obra artística.

Figura 84 – Roda de Bicicleta (1912), Marcel Duchamp. Museum of Modern Art, Nova York, EUA

Fonte: Proença (2011, p. 353).

104
HISTÓRIA DA ARTE

6.1.5 Construtivismo russo

Constituiu o Construtivismo russo um movimento artístico de forte conotação político-ideológica


e que teve origem na extinta União Soviética, em 1919. Contrariamente à noção de pureza artística,
o Construtivismo russo enfatizava as vinculações entre a produção artística e a realidade cotidiana.
Desse modo, preconizava-se que as obras de arte deveriam refletir as conquistas sociais da Revolução
Bolchevique de 1917, e representar o mundo do trabalho e do operariado na era da máquina e da
industrialização. Portanto, a arte serviria aos propósitos ideológicos, de apoio à construção da sociedade
socialista. A denominação de arte construtivista foi elaborada pelo artista plástico russo Kazimir
Malevich (1878-1935), referindo-se à obra do seu compatriota, o pintor e fotógrafo Alexander
Rodchenko (1891-1956). Estendendo-se até meados da década de 1930, o Construtivismo russo,
caracterizado sobretudo pelo recurso à abstração geométrica, influenciou importantes movimentos das
artes plásticas e do design moderno, como o De Stijl, a Bauhaus e o Suprematismo.

Na figura a seguir, observa-se reprodução do quadro intitulado Pintura Suprematista (1917-1918),


de Kazimir Malevich, um dos principais expoentes do Construtivismo russo. Esse quadro é representante do
Abstracionismo a que chegaram os construtivistas, denominado Suprematismo, caracterizado pelo uso
de figuras geométricas e cores primárias.

Figura 85 – Pintura Suprematista (1917-1918), de Kazimir Malevich

Fonte: Dempsey (2010, p. 105).

105
Unidade II

Lembrete

O fotógrafo Rodchenko enxerga na imagem técnica a probabilidade


de alcançar uma linguagem realista e moderna ao mesmo tempo, por
acreditar que a máquina fotográfica é “a pupila do homem de cultura
numa sociedade socialista” (MAM, 1997, p. 4). Ele criou fotomontagens
desde 1923, sendo uma referência no construtivismo russo. Ele se destaca
pelo uso de exímia gramática visual.

6.1.6 De Stijl: o neoplasticismo holandês

O movimento denominado De Stijl ou neoplasticismo teve origem na Holanda e contou, entre os


seus mais importantes expoentes, com o artista plástico, designer, poeta e arquiteto Theo Van Doesburg
(1883-1931), o pintor Piet Mondrian (1872-1944) e o designer de produtos e arquiteto Gerrit Rietveld
(1888-1964). O movimento teve sua origem na revista intitulada De Stijl (em português, O Estilo), fundada
no ano de 1917 por Doesburg e outros artistas, inclusive Mondrian e Rietveld, que nela publicavam
textos em favor de uma nova estética para a poesia, a arquitetura e as artes plásticas, tendo como
epicentro a supervalorização das cores primárias e das formas geométricas, conduzindo ao abandono
de toda representação figurativa, por meio da adoção do completo abstracionismo. Ressalte-se ainda
que a simbiose entre os integrantes do movimento foi tamanha que as obras de design e arquitetura
de Rietveld (como a cadeira Red and Blue (1917) e as residências por ele projetadas) praticamente
reproduziam os quadros de Mondrian.

A total abstração da pintura de Mondrian foi obtida por meio de um longo trabalho de pesquisa
plástica que começa ainda com o Figurativismo em seus primeiros quadros. Posteriormente, o autor
foi criando uma forma de representação que se volta para si mesma, sem buscar referências externas,
baseando-se na composição das cores básicas, reveladas pela ciência da ótica e da física.

Esse tipo de plasticidade também se estendeu à arquitetura, tanto de edifícios quanto de interiores.

106
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 86 – Composição em Vermelho, Preto, Azul, Amarelo e Cinza (1920), de Piet Mondrian.
Óleo sobre tela. Stedelijk Museum, Amsterdam, Holanda

Fonte: Dempsey (2010, p. 122).

6.1.7 Surrealismo

O movimento surrealista abrangeu a literatura, as artes plásticas, o teatro e o cinema e teve sua origem
em Paris na década de 1920, a partir da publicação, em 1924, do Manifesto Surrealista, da autoria do
poeta André Breton (1896-1966). Essa vanguarda artística foi bastante influenciada pelas teorias do pai
da psicanálise moderna, o austríaco Sigmund Freud (1856-1939). Decorre daí a ênfase conferida pelos
artistas surrealistas ao papel do inconsciente na representação da realidade, o que valia por uma crítica
ao extremado racionalismo vigente na condução da política e das relações socioeconômicas, à época.

Na imagem a seguir encontra-se reproduzido o quadro Aparição de Rosto e Fruteira numa Praia
(1938), de autoria de Salvador Dalí (1904-1989), um dos principais expoentes da pintura surrealista,
ao lado de René Magritte (1898-1967). Essa obra de Dalí apresenta a mais importante característica
da arte surrealista: o mundo é aí percebido como se estivéssemos em meio a um sonho, cercados por
imagens de seres e objetos transfiguradas pela ação do inconsciente quando este se acha liberado do
rígido controle da racionalidade.

107
Unidade II

Figura 87 – Aparição de Rosto e Fruteira numa Praia (1938), Salvador Dalí.


Óleo sobre tela, 114,2 x 143,7 cm. Wadsworth Atheneum, Hartford, Connecticut, EUA

Fonte: Gombrich (2018, p. 893).

6.1.8 A arte abstrata e a Bauhaus

A Bauhaus (1919-1933) foi a mais conhecida escola alemã de formação de arquitetos, técnicos e
artífices especializados da primeira metade do século XX. Ela começou com uma definição utópica: a
construção do futuro deveria combinar todas as artes em um ideal único. Isso requeria um novo tipo de
artista, além da especialização acadêmica, para quem a Bauhaus poderia oferecer educação adequada.
Para atingir este objetivo, o fundador, Walter Gropius (1883-1969), sentiu a necessidade de desenvolver
novos métodos de ensino e estava convencido de que a base para qualquer arte estava no artesanato;
a escola se transformou gradualmente em um workshop. Assim, artistas e artesãos dirigiram aulas e
produção juntas na Bauhaus em Weimar, Alemanha. Isso pretendia remover qualquer distinção entre
artes puras e artes aplicadas. Ou seja, o conceito de “novo tipo de artista” estaria vinculado à ideia de
que, somente unindo todas as artes, seria possível formar um novo profissional, voltado para o futuro.

A realidade da civilização tecnicista no início do século XX gerou solicitações para a Bauhaus que
não poderiam ser preenchidas apenas pela revalorização do artesanato, que era a ideia inicial. Em 1923,
a escola reagiu com um programa modificado, o qual marcaria sua futura imagem sob um novo mote:
“arte e tecnologia – uma nova unidade”. O potencial da indústria seria aplicado para satisfazer padrões
de design, abrangendo tanto aspectos funcionais quanto estéticos. As oficinas da Bauhaus produziram
protótipos para produção em massa: desde uma simples lâmpada até uma habitação completa.

108
HISTÓRIA DA ARTE

As principais características da Bauhaus são:

• a união entre arte e indústria foi necessária para a escola enfrentar as novas necessidades
da sociedade;

• a relação entre funcionalidade e estética nos objetos desenvolvidos seria resolvida pela aplicação
de princípios industriais;

• o novo objetivo era produzir objetos que abrangessem todos os aspectos da vida contemporânea;

• uma das consequências do novo programa era criar um design específico para os novos meios de
produção em massa.

Figura 88 – Oskar Schelemmer como turco no balé triádico (1922). A exposição da Bauhaus, em
1923, foi inaugurada com uma semana Bauhaus excepcional, que mostrou o balé triádico e o balé
mecânico, de Schelemmer, além de filmes, palestras e concertos

Fonte: Dempsey (2010, p. 131).

109
Unidade II

6.2 Semana de Arte Moderna no Brasil

No início do século XX, os efeitos da Revolução Industrial caminhavam a passos lentos em um Brasil
ainda agrário e aristocrático. O país testemunhava as primeiras levas migratórias para as grandes
cidades brasileiras e explosivas discussões sobre a identidade nacional e os problemas sociais germinados
pela industrialização. Poucos burgueses, artistas e intelectuais tinham acesso às influências europeias
vanguardistas culturais. Jovens de famílias paulistas abastadas, exceção nessa época, estavam
eufóricos pelo nacionalismo emergido da Primeira Guerra Mundial e contagiados pelo centenário
da Independência do Brasil. Em 1912, o escritor Oswald de Andrade e a pintora Anita Malfatti (então
com 22 e 23 anos de idade, respectivamente) já tinham percorrido a Europa e mantido contato com os
movimentos de vanguarda, principalmente com a proposta estética futurista, renovadora e pregando
o desprezo pelo passado, influenciando diretamente esses e outros jovens artistas que buscavam não
mais copiar os modelos estéticos europeus, e sim criar uma arte que pudessem chamar de brasileira.
Perceberam que a diversidade cultural e racial do Brasil poderia reconstruir uma identidade e renovar as
artes e as letras pela pesquisa estética a que tinham direito, como assinala Amaral:

Assistimos […] à atualização da linguagem brasileira com a do mundo


contemporâneo, ou seja, universalismo de expressão. Como consequência
imediata daquele nacionalismo, emerge a consciência criadora nacional:
voltar-se para si mesmo e perceber a expressão do povo e da terra sobre a
qual ele se estabeleceu (1998, p. 13).

O escritor Mário de Andrade e Oswald formaram as principais personalidades de liderança do


plano teórico e a divulgação dos novos movimentos estéticos das artes que retomava sua força
após a Primeira Grande Guerra, vindo a eclodir com a Semana de Arte Moderna, evento realizado
no Teatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922.

A) B)

Figura 89 – A) Mário de Andrade II, de Anita Malfatti. B) Retrato de Oswald de Andrade (1922), de
Tarsila do Amaral. Óleo sobre tela, c.i.e. 42,00 cm x 61,00 cm

Fonte: A) Greggio (2007, p. 68). B) Enciclopédia… (2022).

110
HISTÓRIA DA ARTE

Observação

A Semana de 1922, como ficou conhecida, é quase unânime entre


os estudiosos como um marco divisor no panorama literário e artístico
brasileiro, porém um evento isolado serviu de pré-estreia ao advento da
Arte Moderna no Brasil: a exposição de Anita Malfatti, realizada em 1917,
mesmo ano em que Mário e Oswald se conheceram.

Figura 90 – Autorretrato, de Anita Malfatti

Fonte: Greggio (2007, p. 65).

Influenciada pelo Expressionismo e pelo Cubismo, Anita Malfatti realizou uma mostra de suas
obras ao retornar de seus estudos na Europa chamada Exposição de Pintura Moderna/Anita Malfatti.
As 53 telas da artista – entre elas O Homem Amarelo, O Japonês, Uma Estudante e A boba – são vistas
sem alarde por um público de cultura medíocre e de informação artística limitada, até que o jornal
O Diário de São Paulo publica a crítica do escritor Monteiro Lobato em 20 de dezembro de 1917,
atribuindo um pesado julgamento às obras da artista e à Arte Moderna em geral, defendendo a arte
acadêmica, como nos aponta Fonseca:

111
Unidade II

O artigo irado, que ficara conhecido por uma indagação de percurso,


Paranoia ou mistificação? Abala em primeiro lugar amigos e familiares de
Anita Malfatti. Em meio ao mal-estar causado pela truculência das palavras
de Lobato, sai no Jornal do Comércio de janeiro de 1918 um pequeno artigo
em defesa da artista. Aproveitando o ensejo do encerramento da exposição,
o articulista elogia a coragem da pintora de apresentar seus trabalhos em
um ambiente tão impermeável a experiências inovadoras. E consagra Anita
Malfatti como artista (2007, p. 114).

A crítica agita e choca a vida cultural provinciana paulistana. Apesar da defesa pública de Oswald,
o prestígio de Lobato gera um golpe terrível para Anita. Alguns quadros são devolvidos e outros são
atacados na exposição a bengaladas, tamanha hostilidade que se formou em torno da artista.

A) B)
Figura 91 – A) O Homem Amarelo (1915/1916), de Anita Malfatti. Óleo sobre tela. Coleção Mario de
Andrade do Instituto de Estudos Brasileiros (USP). B) Uma Estudante, de Anita Malfatti

Fonte: A) Proença (2011, p. 296). B) Greggio (2007, p. 57).

Portanto, antes mesmo da Semana de 22, esse histórico episódio é a passagem traumática que
resulta no ponto de partida da Arte Moderna no Brasil, e Anita passa a ser conhecida pelos intelectuais
paulistanos, formados principalmente por Menotti del Picchia, Di Cavalcanti, Victor Brecheret, além de
Oswald e Mário.

A partir daí os pejorativamente denominados futuristas paulistanos escandalizariam a sociedade.


Chamados de loucos, rebeldes e estranhos, as esculturas de Brecheret, a Pauliceia desvairada de Mário
de Andrade, As Mulatas de Di Cavalcanti, a música de Villa-Lobos, entre outras obras desse período, são
o verdadeiro manifesto modernista brasileiro.

Nesse rol novos adeptos do Modernismo se juntaram ao manifesto e participaram da Semana de


Arte Moderna: Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Sérgio Milliet, Guiomar Novaes, Hildegardo Leão
Veloso, Guilherme de Almeida, Henri Mugnier, Zina Aita, Ferrignac, Ernani Braga, Wilhelm Haarberg,
Tácito de Almeida, Candido Motta Filho e Georg Przyrembel.
112
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 92 – Participantes da Semana de Arte Moderna, 1922

Fonte: Caruso (2011, p. 42).

1. René Thiollier
2. Manuel Bandeira
3. Mário de Andrade
4. Manoel Vilaboin
5. Francesco Pettinati
6. Motta Filho
7. Paulo Prado
8. Flamínio Ferreira
9. Graça Aranha
10. Afonso Schmidt
11. Goffredo da Silva Telles
12. Couto de Barros
13. Tácito de Almeida
14. Luis Aranha
15. Oswald de Andrade
16. Rubens Borba de Moraes

Figura 93 – Ordem dos presentes da Semana de Arte Moderna, 1922

Fonte: Caruso (2011, p. 42).

113
Unidade II

O evento, idealizado pelo pintor Di Cavalcanti e incentivado por Paulo Prado, mecenas de tradicional
aristocracia cafeeira paulistana (e que conseguira patrocínio do então presidente do Brasil, Washington
Luís Pereira de Sousa), consistia em três noites de conferências, leitura de poemas e audições musicais,
além da exposição com cerca de 100 obras aberta ao público de segunda a sábado no saguão do Teatro
Municipal de São Paulo.

Figura 94 – Fachada do Teatro Municipal de São Paulo

Fonte: Camargos (2003, p. 80).

Com exceção da abertura, em que a plateia de gala desfilava no saguão entre obras e palestras, os
dias 15 e 17 foram marcados por várias manifestações hostis de vaias e de inquietação, como aponta
Fonseca pelos olhos de Menotti del Picchia:

Menotti del Picchia, mestre de cerimônias no dia 15, lembra que naquela
noite os ânimos estão exaltados. Quando se proclama o nome de
Oswald de Andrade, a plateia desaba em vaias: “Uivos, gritos, pateadas
no assoalho, risadas, dichotes chistosos ou impertinentes. Um caos!”
(FONSECA, 2007, p. 131).

E completa:

Há viva disposição do público presente de impedir o espetáculo, com


tumulto generalizado. “Oswald não se perturbou. Marchou impávido
para a frente da ribalta. Tomou entre as mãos gordas, mas firmes, as
tiras datilografadas de um capítulo de Os condenados e pôs-se a ler
fundindo-se sua voz na gritaria. Em vão tentei restabelecer silêncio e
ordem” (FONSECA, 2007, p. 131).
114
HISTÓRIA DA ARTE

O relato de Menotti del Picchia, mesmo com o decorrer dos anos, parece ainda gravar a forte
impressão da contenda:
Como um herói em uma trincheira visada por todos os lados pela fuzilaria
inimiga e revidando com o esvaziar a carga da única arma, Oswald, calmo,
com o sorriso mordaz com que fazia suas travessuras literárias, continuava a
ler a história da alma, das criaturas fatalizadas e torturadas que torturavam
seu romance Os condenados. Ao terminar, o estrondo de vaias aumentou
(PICCHIA apud FONSECA, 2007, p. 131).

O acontecimento mais marcante no encerramento da Semana de 1922 foram as vaias para


Villa‑Lobos, que entrara com sapato em um pé e sandália em outro. O ato, visto como provocação pela
plateia, era devido a uma crise de gota, o que não impediu o maestro de se apresentar naquela noite.
Em matéria no Jornal do Comércio, de 22 de fevereiro, observa-se a reação da sociedade, como aponta
Camargos sobre a apresentação de Villa-Lobos:
Com sua música privada de bom senso, puramente africana, destituída de
melodias e harmonias, de modo que não resiste à menor análise harmônica
sem que o crítico o classifique de disparatado e absurdo, ele, entretanto,
receberia do governo federal a missão de representar o Brasil em uma série
de concertos na Europa, ainda em dezembro daquele ano (2003, p. 93).

Com exceção das obras de Villa-Lobos e de Malfatti, pouco havia de vanguarda e moderno
no festival:

Porém mesmo que não fosse vanguarda, aquilo que foi apresentado, chocou.
O grupo que rejeitava o passadismo era vitorioso na intenção demolidora.
Inexistente a qualidade, a segurança de linguagem, a audácia maior, estavam
presentes, contudo, a inquietação, em sintonia com o País, e a percepção da
necessidade de mudança (AMARAL, 1998, p. 16).

Vista na época como uma manifestação elitista, a Semana de Arte Moderna de 1922 deixou sua
mensagem de pré-consciência do espírito nacional como um momento histórico decisivo na formação
de sua identidade. Foi o ponto de partida para o vanguardismo brasileiro questionar a estética vigente
e para a redescoberta do Brasil por um projeto no qual a língua e a cultura foram objetos da nova
estética que surgia.

A origem embrionária da Semana de 1922, repleta de atitude estética


revolucionária, atravessou os anos 1920, 1930 e até os dias de hoje seus
propósitos estéticos são disseminados na cultura brasileira. O grupo
modernista que se forma em torno da Semana de Arte Moderna foi
se dispersando em novos núcleos e interesses. Para alguns ficou como
saudade da pauliceia que desvairou com seus jovens gloriosos, para outros,
um vendaval que se foi. Para Oswald e Mário, a vida artística começa a
intensificar seu brilho (AMARAL, 1998, p. 142).
115
Unidade II

Lembrete

Vimos o Movimento Renascentista, a Revolução Industrial, o


Impressionismo e a Arte Moderna, para citar apenas alguns exemplos de
períodos e vanguardas que vieram romper com os conceitos existentes e
materializar novas linguagens. Esse foi e sempre será o papel da vanguarda
artística: elucidar a liberdade estética à capacidade imaginativa do artista e
do público em um certo momento de ruptura de valores.

6.2.1 Grupo dos Cinco e os movimentos modernistas

Após a Semana de Arte Moderna, o movimento modernista brasileiro, comumente ligado aos
temas políticos, começou a ganhar força e, através de novas manifestações artísticas, o povo passou a
aprender um pouco mais sobre a sociedade brasileira, tirando as próprias conclusões, formando opiniões
próprias. Frequentemente o foco desses artistas era denunciar, através da arte, as diferenças sociais,
caracterizadas pelos grupos de imigrantes proletários e pelas oligarquias desenvolvidas nas zonas
rurais. O papel dos jovens envolvidos na Semana de 1922 foi decisivo na busca de uma identidade
estética nacional, reconhecendo sua essência e pluralidade cultural, colocando-se contra tudo que fosse
importado da Europa. Dessa estreita relação de pressupostos metodológicos de um modernismo em
gestação, formou-se a união dos chamados Grupo dos Cinco, composto de Oswald de Andrade, Mário
de Andrade, Menotti del Picchia, Anita Malfatti e pela recém-chegada da Europa, Tarsila do Amaral.

Figura 95 – Grupo dos Cinco, de Anita Malfatti

Fonte: Greggio (2007, p. 69).

O Grupo dos Cinco reunia-se no ateliê de Tarsila, na casa de Mário ou no apartamento de Oswald,
e, apesar do período curto e da pouca produção – o grupo dissolveu-se em seis meses –, o grupo
116
HISTÓRIA DA ARTE

foi riquíssimo quanto à produção intelectual e ideias que envolviam o momento de efervescência
cultural e os rumos da arte no Brasil e na Europa.

Figura 96 – Autorretrato, de Tarsila do Amaral

Fonte: Amaral (2003, p. 146).

Figura 97 – Carnaval em Madureira, de Tarsila do Amaral

Fonte: Amaral (2003, p. 142).

117
Unidade II

A partir daí ideias se fundiram a diversos manifestos nacionalistas, como o Movimento Antropofágico.
Obras literárias como Macunaíma, João Miramar, Pau-Brasil, composições emblemáticas de Villa-Lobos
e quadros como Abaporu, de Tarsila, e os painéis Guerra e Paz, de Portinari, entre tantos outros, são
resultados desse esboço que se projetou muito além de seus objetivos iniciais.

Figura 98 – Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral. Óleo sobre tela. Museu Malba de
Arte Latino-Americana, Buenos Aires

Fonte: Proença (2011, p. 303).

O Movimento Antropofágico surge nos fins da década de 1920, liderado por Oswald de Andrade,
que foi inspirado pelo quadro de Tarsila, Abaporu, palavra indígena que significa o homem que come
carne humana, antropófago. A ideia de Oswald era se utilizar do conceito de antropofagia praticado
pelos índios Caetés nos rituais de canibalismo para se apropriarem da força e das qualidades admiradas
e desejadas de seus inimigos. Deixavam, portanto, de devorar aqueles considerados fracos, covardes ou
medíocres. Dessa forma o conceito metafórico de devorar uma atitude estético-cultural e assimilar os
valores culturais estrangeiros era a proposta dessa corrente, valorizando ao mesmo tempo a cultura
nacional reprimida pelo processo de colonização do Brasil.

118
HISTÓRIA DA ARTE

Segundo o manifesto antropofágico, publicado em 1928, o movimento tinha como propósito a


ruptura da estética importada e a representação de um novo modo de ser e estar no mundo pela
expressividade intelectual nas artes, e ia mais além, como aponta Esperandio:

O que se percebe nesse movimento, ao qual aderiram artistas, poetas e


escritores, é que ele não se restringe a questões relacionadas à inovação
estilística e expressiva. Os envolvidos estão preocupados com uma renovação
da iconografia nacional, buscando construir, a partir de uma linguagem
moderna e universal, uma identidade brasileira – mas não uma fechada em si
mesma. Quer-se buscar novas formas de expressão, que sejam caracterizadas
pela hibridação resultante da mistura de elementos próprios da realidade
brasileira (por exemplo, as cores fortes, as paisagens tropicais, a herança
étnica e cultural indígena e africana) com as tendências internacionais
(como o cubismo, na pintura) (2007, p. 19-20).

O Movimento Tropicalista emerge em 1968 como uma atualização do Movimento Antropofágico


no âmbito musical, configurado como uma nova estética cultural e ideológica “que se origina do
aproveitamento de elementos estrangeiros fusionados à cultura brasileira, fazendo surgir um estilo
original” (ESPERANDIO, 2007, p. 20). Todavia a produção cultural que envolvia os conceitos do Tropicalismo
ultrapassa a produção musical, expandindo-se no teatro, na literatura, nas artes plásticas e no cinema.

Oswald de Andrade revoluciona com o primeiro texto modernista para o teatro embasado no
livro homônimo publicado em 1937, O Rei da Vela, o braque denunciava o quadro social brasileiro
nos anos 1930 pós-crise financeira de 1929. A encenação ocorre em 1968, em plena ditadura militar,
causando grande impacto sobre o público. Nas artes plásticas, destacam-se os trabalhos inovadores
de dois grandes artistas brasileiros de formação concretista, Hélio Oiticica (1937-1980) e Lygia Clark
(1920-1988).

Figura 99 – Bicho (Máquina) (1962), de Lygia Clark. Metal dourado. Museum of Modern Art, Nova York

Fonte: Proença (2011, p. 389).

119
Unidade II

Figura 100 – Cosmococa 5 – Hendrix War (1973), de Hélio Oiticica

Fonte: Inhotim (1973).

Nesse contexto, o cineasta Glauber Rocha (1938-1981) inova com uma feroz crítica social nos
longas-metragens Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e Terra em transe (1967), inaugurando uma
nova corrente artística do cinema nacional denominada Cinema Novo, de cunho político e social e
engajada na realidade brasileira, consequência direta do regime militar.

Figura 101 – Glauber Rocha nas filmagens do filme O dragão da maldade contra o santo guerreiro
(Antonio das Mortes), de 1969

Fonte: Torres (2005, p. 77).

120
HISTÓRIA DA ARTE

Na música Caetano Veloso se apropria do título (Tropicália) de um trabalho de Oiticica, de 1967, e


lança a primeira faixa de seu primeiro álbum solo em 1967, nome que também seria o título do seu
álbum subsequente. Caetano, junto aos cantores Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, à banda Os Mutantes
e ao maestro Rogério Duprat, formariam os maiores representantes do Tropicalismo na música
popular brasileira.

O tropicalismo representou, na cultura brasileira, um período profundamente


criativo e relativamente fugaz. Os sujeitos que emergem nesse campo
de batalha e dão forma de expressão a esse movimento enfrentam o
recrudescimento da repressão militar. No fim do ano de 1968, o Ato
Institucional número 5 decreta o fim das liberdades civis e de expressão.
Contudo, ainda que breve, o tropicalismo aponta-nos algo de extrema
relevância: “a incorporação com intenções de crítica cultural, dos impasses
e dilemas gerados pela modernização da sociedade brasileira, no universo
do consumo” (NAPOLITANO; VILLAÇA, 1998 apud ESPERANDIO, 2007, p. 23).

Figura 102 – Capa do álbum Tropicália ou Panis et Circensis, 1968

Fonte: Favaretto (2000, capa).

121
Unidade II

A construção sintática de Tropicália ressalta uma mistura semântica e referencial da linguagem


carnavalizada, cuja estrutura permite a substituição dos significados e inserção de um dinamismo que
os fragmenta. A letra de Caetano, em seu conjunto, forma uma paródia potencializada de referências
literárias, uma metáfora alegórica do Brasil, de modo que a operação crítica que se processa é algo
concreto, não uma ilustração ou símbolo de carência (FAVARETTO, 2000), como podemos observar:

Sobre a cabeça os aviões


Sob os meus pés, os caminhões
Aponta contra os chapadões, meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central do país
Viva a bossa, sa, as […] (TROPICÁLIA, 1968).

Saiba mais

Ouça a música Tropicália de Caetano Veloso e conheça a letra em:

TROPICÁLIA. Compositor e intérprete: Caetano Veloso. In: CAETANO


Veloso. Intérprete: Caetano Veloso. Rio de Janeiro: Philip Records, 1968.
(3min40s). Disponível em: https://spoti.fi/3okYomk. Acesso em: 3 fev. 2022.

Devido à perseguição da ditadura e às constantes censuras, o Tropicalismo se dispersou, culminando


com o exílio de Caetano e Gil ao exterior, seus principais precursores, deixando claro o conceito da arte
tropicalista do não conformismo social, da experimentação do novo, pois seus artistas pretendiam não
apenas fazer música, mas fazer política pela produção artística.

Saiba mais

Hélio Oiticica apresentou, no MAM do Rio, uma instalação (assim a


chamaríamos hoje) em forma de labirinto pela qual o visitante percorria
descalço e vestido com parangolés coloridos, caminhando sobre areia
e entre plantas, araras e poemas, até alcançar, dentro de uma tenda, um
aparelho de TV ligado. Para saber mais, consulte:

MATTOS, C. A. Walter Lima Júnior: viver cinema. Rio de Janeiro: Casa da


Palavra, 2002.

122
HISTÓRIA DA ARTE

6.3 FIGURAÇÃO X ABSTRAÇÃO

Apresentaremos um artista renomado que fez sucesso nas décadas pós Semana de Arte Moderna.
Os trabalhos dele são considerados figurativos na sua maioria, sendo que Claudio Tozzi teve várias obras
dentro do Abstracionismo.

6.3.1 Alfredo Volpi

Nasceu em Lucca, Itália, em 14 de abril de 1896. Um ano depois, seu pai veio para o Brasil e abriu
uma loja de queijos e vinhos.

Ainda criança trabalhou como marceneiro-entalhador e encadernador. Aos 15 anos tornou-se


pintor‑decorador. Sua primeira pintura e cavalete é datada de 1914. Expõe pela primeira vez em 1925
em uma coletiva no Palácio da Indústria de São Paulo. Apesar de receber críticas negativas, vende seu
primeiro trabalho, o qual apresenta a irmã costurando. Veja a figura:

Figura 103 – Minha Irmã Costurando, de Volpi

Fonte: Mammi (2001, p. 1).

O artista teve algumas obras recusadas no 3º Salão Paulista de Belas Artes. Ganha medalha de ouro
em 1928 no Salão de Belas Artes Museu Italiche, sendo esse seu primeiro reconhecimento oficial.
123
Unidade II

Casou-se com Judith (Benedita da Conceição) em 1942. A esposa foi sua musa inspiradora e
aparece em diversas obras, entre elas a Mulata, que se encontra no MAM/SP e que provavelmente foi
inspirada nela.

Figura 104 – O artista com a esposa Judith em Itanhaém, 1940

Fonte: Mammi (2001, p. 106).

Figura 105 – Judith, Volpi e o amigo Aldorigo Marchetti

Fonte: Mammi (2001, p. 106).

Em 1944 realiza sua primeira exposição individual na Galeria Itá no centro de São Paulo. Em 1952 é
indicado na representação brasileira para a XXVI Bienal de Veneza.

124
HISTÓRIA DA ARTE

Conheça algumas obras dessa época (década de 1940):

Figura 106 – Menina do Laço de Fita, de Volpi

Fonte: Mammi (2001, p. 55).

Figura 107 – Reunião à Mesa, de Volpi

Fonte: Mammi (2001, p. 54).

125
Unidade II

Em 1956 o MAM/SP realizou a exposição intitulada Volpi com 30 obras. Seu trabalho foi considerado
como arte concreta. Nessa época foi publicado um ensaio sobre ele na revista Discurso e Ensaio com o
seguinte título: “A pintura de Alfredo Volpi”.

Ganhou sala especial em 1961 na 6ª Bienal de São Paulo com 53 obras e foi apresentado pelo crítico
Mario Schenberg. Em 1962 ganhou prêmio de melhor pintor brasileiro da crítica de arte do Rio de
Janeiro. Sua esposa Judith faleceu em 1972. Muitas exposições foram organizadas no decorrer de sua
carreira, tanto nacional como internacionalmente. Para comemorar seu nonagésimo aniversário, o Sesc
(Serviço Social do Comércio) lançou um catálogo sobre sua obra. Antes de falecer Volpi participou da
exposição Brasiliana: o homem e a terra, sendo essa sua última mostra. Podemos afirmar ainda que Volpi
sofreu influência impressionista.

Existia na época o consenso de que impressionistas e pontilhistas eram aliados contra a pintura
acadêmica, utilizando-se das cores e das pinceladas para a estruturação do quadro, usando essas
linguagens mais modernas.
Como outros pintores paulistas de sua geração, Alfredo Volpi provinha de
uma classe de pequenos comerciantes e operários especializados, na maioria
recém-imigrados e, em grande parte, de origem italiana. Artistas oriundos
dessa classe ficavam à margem dos círculos intelectuais de vanguarda. Não
estavam, contudo, totalmente abandonados a si mesmos. O Liceu de Artes
e Ofício oferecia tanto cursos elementares e técnicos como aulas de pintura
acadêmica, ministradas por Pedro Alexandrino e Oscar Pereira da Silva, entre
outros (MAMMI, 2001, p. 8).

Começava a surgir ao lado dessa instituição algumas escolas de arte. Havia muitos artistas imigrantes
e graças a essa imigração e à ida de diversos artistas que foram estudar fora custeados por bolsas de
estudo, o ambiente se tornava vivaz e autêntico. O Liceu organizou na época diversas exposições, entre
elas a de Arte Francesa.

Muitos dos quadros de Volpi não eram datados, dificultando assim a organização da cronologia de
sua obra. Destacaremos uma pequena e inicial análise sobre o trabalho citado anteriormente, Mulata,
de 1927, apresentada por Lorenzo Mammi:
Quando começa a modernidade de Volpi? De novo, em razão da ausência
de datas, é impossível dar respostas unívocas. No entanto, o Museu de Arte
Moderna de São Paulo possui um retrato – Mulata – que, se for correta a
data que lhe é atribuída, 1927, pode ser tomado como ponto de referência.
O esquema estrutural dessa figura é complexo. A cabeça sugere um movimento
para a direita, mediante a deformação do rosto: o lado esquerdo é visto de
viés, o direito é quase frontal. A inclinação dos ombros – o direito mais alto
e próximo, o esquerdo mais baixo e recuado – confirma e acentua a rotação
do corpo. Um contraste se gera, porém, da relação entre o tronco e a bacia,
que é virada para o outro lado, e cuja inclinação é confirmada pelo encosto
da cadeira (MAMMI, 2001, p. 12).
126
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 108 – Mulata (1927), de Volpi

Fonte: Mammi (2001, p. 44).

Volpi utilizava uma paleta de cores mais restrita, muitas vezes pintava com tons frios e em meados
dos anos 1930 começou a mudar, tornando-a mais variada. Nota-se isso na pintura, que mostra uma
mulher negra carregando uma trouxa em primeiro plano e no segundo a bandeira do divino, ambos
temas recorrentes em suas obras. Podemos notar a mudança das cores tanto no céu, que é de um azul
hiante, em contraponto com o ocre da estrada, que é de terra e está atrelado ao verde da vegetação.

Figura 109 – Sem título (meados da década de 1930), de Volpi

Fonte: Mammi (2001, p. 46).

127
Unidade II

O artista comenta sobre sua predileção pela têmpera, depois de dominar essa técnica, abandonou
de vez as tintas industriais, pois dizia que elas perdiam vida com o passar dos anos. Começou a produzir
suas próprias tintas, nas quais adicionava diversos pigmentos naturais.

[...] reaparecem as pequenas rotações de cor intensa que Volpi já


experimentara nas manchas da década de 1920, contudo mais leves, menos
dramáticas e, sobretudo, dispostas segundo uma estratégia mais consciente.
A veste vermelha e a trouxa azul da negra são mediadas pelos detalhes
arroxeados da casa que está logo atrás. A mesma combinação de vermelho,
azul, roxo se repete no horizonte, entre o mastro junino, o céu e as árvores
mais distantes. Volpi aprendeu a dominar as cores complementares e a
criar equilíbrio pelo contraste. Mais um pouco e perceberia que há muito
mais constelações cromáticas possíveis do que rezam as teorias das cores
(MAMMI, 2001, p. 19).

Após essas mudanças uma nova fase se inicia. Por quase um século, Volpi passou por várias fases, foi
inspirado e influenciado por Paul Cézanne, Giotto di Bondone e Paolo Uccello, encontrando assim seu
próprio caminho.

Evoluiu das cenas de natureza para composições mais intelectuais, criando seu estilo particular.
O estilo abstrato geométrico começa a predominar em sua pintura a partir daí e bandeirinhas com
muitas cores vão surgindo em sua obra, criando a marca do artista. Essa fase com formas geométricas
e alterações cromáticas se inicia por volta dos anos de 1970. Essa fase – a das bandeirinhas – foi muito
bem recebida pelos críticos e definida como uma combinação inventiva, sendo sua maior contribuição
para a arte brasileira moderna.

Conheça seu trabalho intitulado Bandeiras e Mastros:

A) B)

Figura 110 – A) Cata-vento, de Volpi. B) Fachada das Bandeiras Brancas, de Volpi

Fonte: A) Mammi (2001, p. 64). B) Mammi (2001, p. 82).

128
HISTÓRIA DA ARTE

A) B)

Figura 111 – A) Festa de São João, de Volpi. B) Fachada, de Volpi

Fonte: A) Volpi (1984, p. 43). B) Volpi (1984, p. 58).

Figura 112 – Dom Bosco

Fonte: Volpi (1984, p. 52).

Mammi (2001) nos auxilia no entendimento dessa fase:

[...] em algumas telas desse período circula um vento demasiado real, que
incha as velas e leva embora as bandeirinhas. Volpi deve ter percebido o perigo,
porque começa a experimentar soluções opostas: superfícies compactas,
recobertas de um pattern repetido de formas geométricas e animadas por
uma sábia distribuição de cores. Bandeirinhas all over, um tanto optical, que
estouram como flashes, que põem o olhar em vibração (p. 37-38).
129
Unidade II

Podemos dizer que a arte de Volpi evoluiu de forma gradual, sem grandes saltos, e dessa maneira
que veio à tona um modelo persuasivo de arte moderna brasileira.

Volpi faleceu aos 92 anos em 28 de maio de 1988.

Saiba mais

Entre no site oficial do artista Volpi e conheça um pouco mais sobre


a sua obra:

Disponível em: https://bit.ly/3FmCYeo. Acesso em: 14 jan. 2022.

6.3.2 Claudio Tozzi

Claudio Tozzi começou sua carreira de uma maneira desigual, digamos. Nasceu na cidade de São
Paulo em outubro de 1944. Aos 18 anos, antes mesmo de ingressar na faculdade, participou do XI Salão
de Arte Moderna como vencedor dos cartazes da exposição. Dois anos depois entrou na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

O que ocorre é que a maioria dos artistas passam por uma grande trajetória, até sua obra ser
reconhecida no meio artístico e pelo público em geral. Porém Tozzi fez um caminho inverso, logo após
iniciar os estudos na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) em São
Paulo, já começou a ter destaque com os trabalhos em serigrafias, que desenvolvia sempre, tendo como
temas assuntos atuais, que estavam continuamente em pauta, como a crítica social, o feminismo e a
luta contra a ditadura militar.

Apresentava um novo estilo, uma nova figuração e destacou-se já na década de 1960 como artista de
vanguarda. Alguns críticos logo começaram a elogiar seu trabalho pelo vanguardismo que demonstrava
em suas propostas. Foram eles: Frederico Morais, Mário Pedrosa e Mario Schenberg.

Além de críticos, desempenhavam as seguintes funções:

• Frederico Morais: historiador de arte.

• Mário Pedrosa: jornalista e professor.

• Mario Schenberg: físico e político.

Claudio Tozzi, totalmente integrado com a vanguarda contemporânea, também acreditava na


necessidade de a cultura estar a serviço do povo. Criados em 1961, os CPC – Centros Populares de Cultura –
marcaram de forma significativa a produção artística desse período, tendo como seu presidente Carlos
130
HISTÓRIA DA ARTE

Estevão Martins em 1963. Nesse período Ferreira Gullar escreveu o livro Cultura posta em questão,
publicado em 1964, exercendo grande influência nos ambientes intelectuais e na criação artística do
Brasil na década de 1960.

Assim, a relação com as massas é inevitável, e isso transparece desde os seus primeiros trabalhos.

Observação

Nessa época o desejo de transformações culturais e sonhos de


liberdade ruminavam a mente de muitos artistas. A arte naqueles anos
parecia que só sobreviveria se estivesse engajada à transformação social e
política do momento.

Tozzi (MAGALHÃES, 2007) afirma que uma das características da arte brasileira de vanguarda é
a relação e preocupação com o coletivo. As obras, muitas vezes com temáticas políticas, tinham a
intenção não só de passar a estética contemplativa, mas também de estimular o pensamento crítico do
espectador. Nelas estavam presentes as conhecidas HQs – histórias em quadrinhos, letreiros, sinais
de trânsito etc. Seguem alguns exemplos:

Figura 113 – Acertei a Frigideira no Bandido, de C. Tozzi

Fonte: Magalhães (2007, p. 57).

131
Unidade II

Figura 114 – Guevara, de C. Tozzi

Fonte: Giovannetti e Kiyomura (2005, p. 30).

A pintura nessa época sofria uma grande transformação no mundo todo. Nos EUA a Pop Art
ganhava espaço e uma nova figuração se fazia presente, ocupando lugar de vanguarda. Schenberg
(2007) caracteriza o momento como um novo realismo.

Veja algumas obras conhecidas:

Figura 115 – Guevara, Vivo ou Morto, de C. Tozzi

Fonte: Giovannetti e Kiyomura (2005, p. 39).

132
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 116 – Third World, de C. Tozzi

Fonte: Magalhães (2007, p. 60-61).

Figura 117 – Astronauta, de C. Tozzi

Fonte: Magalhães (2007, p. 78-79).

133
Unidade II

Constam dois trechos da entrevista feita com Tozzi sobre a questão de a arte se transpor para os
espaços públicos:

Que reação você percebeu nas pessoas, com a sua mudança de postura,
ao tirar a obra de arte do espaço tradicional das galerias e levá-la para os
espaços públicos?

O público de artes plásticas era bastante restrito. Não sei se as pessoas


estavam pegando as imagens como a reprodução de uma obra ou a figura
de São Jorge ou outro santinho qualquer. Mas havia um grande interesse; a
primeira produzida foi a de Garrincha. A segunda foi a do Guevara, que
despertou maior interesse. Junto com um grupo de artistas, fizemos uma
exposição – happening em local público, com carimbos. Os carimbos
eram expostos em uma mesa e o público carimbava o desenho escolhido
em uma folha de papel-ofício, e levava para casa. Recentemente eles foram
incorporados ao acervo de uma coleção particular.

Você também foi um pioneiro, no sentido de realizar intervenções inusitadas


no meio urbano.

Sempre tive a intenção de fazer arte para o grande público. As intervenções


em espaços urbanos, a arte pública, permite esse contato. Tinha como
proposta deslocar o quadro de seu espaço tradicional: o museu, a galeria,
a sala de visitas, e colocá-la na cidade. Minha primeira experiência, em
1971, foi acoplar um painel de 8 m x 8 m na lateral de um prédio na Praça
da República. Escolhi como tema uma zebra, olhando, de um jeito bem
displicente, para a praça. As pessoas se divertiam, pois achavam que era
propaganda da loteria esportiva. Na época, aquele animal simbolizava o
azarão, o resultado inesperado. Depois a incorporaram como um quadro. Foi
executada em tinta à base de poliuretano, sobre placas de zinco. Está lá até
hoje. Fiz também, na mesma região central, um objeto chamado Veja o nu,
colocado na Rua Barão de Itapetininga […] que despertou grande interesse
do público (MAGALHÃES, 2007, p. 29).

Como constatamos na entrevista, Tozzi foi um pioneiro em vários sentidos, seja acoplando um
painel no topo de um prédio no centro de São Paulo, seja fazendo o público interagir com sua obra –
carimbando os desenhos escolhidos pelo espectador.

A seguir as duas obras comentadas por Claudio Tozzi na entrevista prévia, Zebra, na Praça da
República, e Veja o Nu, na Rua Barão de Itapetininga:

134
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 118 – Zebra, de C. Tozzi

Fonte: Magalhães (2007, p. 53).

Figura 119 – Veja o Nú, de C. Tozzi

Fonte: Magalhães (2007, p. 65).

135
Unidade II

6.3.3 Gustavo Rosa

Gustavo Machado Rosa nasceu no dia 20 de dezembro de 1946 em São Paulo, mais especificamente
na Avenida Paulista – coração da cidade. Aos três anos de idade já era apaixonado pelo desenho. Aluno
indisciplinado e inquieto, desenhava durante as aulas.

Continuando sua paixão pelo desenho, foi fazer um curso livre de desenho e pintura na Fundação
Armando Álvares Penteado (Faap), em 1964, ministrado na época por Teresa Nazar, artista plástica e
pintora – com ele, estudaram alguns nomes da Pop Art no Brasil: Antônio Dias, Carlos Vergara, Hélio
Oiticica e Rubens Gerchman.

Fascinado pelas ilustrações das revistas, anos mais tarde veio a estagiar na revista Claudia, no
setor de artes da Editora Abril. Morando ainda com os pais, montou um atelier improvisado na sala de
jantar da família.

Os personagens mais conhecidos inseridos em suas obras são:

• a mulher com lata d’água na cabeça;

• os meninos empinando pipas;

• o sorveteiro;

• os palhaços;

• o padre e a freira;

• o vendedor de hot dog;

• gordinhos correndo na praia.

Seus protagonistas, que eram o espelho da sociedade vibrante do pós-guerra, muitas vezes eram
representados como figuras divertidas e simpáticas acima do peso.

136
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 120 – Laranja Madura. Detalhe, de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 14).

Saiba mais

Gustavo Rosa é um artista com rica produção artística. Ele nasceu


em São Paulo, em dezembro de 1946. É pintor, desenhista e gravador,
considerado um dos mais criativos artistas de sua geração. Para conhecer
melhor sua obra, acesse:

Disponível em: https://bit.ly/3HbXro3. Acesso em: 28 jan. 2022.

Gustavo aprendeu muito no curso na Faap, aproveitou as técnicas que estudou, destacando‑se
pela qualidade das suas obras produzidas. Assim a professora Teresa Nazar escolheu quatro telas
dele para serem expostas na 1ª Anual de Artes Plásticas da Faap, realizada no MAB (Museu de Arte
Brasileira) em 1964.

137
Unidade II

Cinco anos depois, participou de sua primeira exposição coletiva, ao lado de Décio Escobar, Dirce
Pires e Walter Lewy, o evento ocorreu em uma galeria de arte. O ilustre Di Cavalcanti visitou a mostra
e teceu comentários elogiando o jovem artista, falando do seu excelente traço. Passaram a partir daí a
ser grandes amigos.

Figura 121 – A Lavadeira, de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 42).

138
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 122 – Menina Exportação, de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 41).

Teve influência de diversos artistas, os primeiros foram: Gustav Klimt e Emil Nolde. Passou a se
interessar muito pelas obras dos consagrados: Henri Matisse, Niki de Saint Phalle, Paul Klee, Paul
Cézanne, Pablo Picasso e Saul Steinberg; além dos seus amigos Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Carlos Scliar
e Di Cavalcanti.

Sua carreira deslanchava a cada dia. Participou de respeitáveis exposições coletivas e individuais no
Brasil, Estados Unidos e Japão na década de 1970, o que foi um marco em sua vida.

Após a morte precoce da irmã, passou a encarar a vida de forma mais leve, o que transpareceu
em sua pintura. O artista percebeu com a perda que a vida não poderia ser levada com tanto rigor
e transformou o seu trabalho, introduzindo ao savoir-vivre (do francês, “saber viver”) um estilo mais
despojado, colorido e muitas vezes satírico.

139
Unidade II

Figura 123 – O Peixe, de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 41).

A década de 1980 consagrou sua carreira. Indicado pelos melhores e mais importantes críticos de
arte do Brasil, foi selecionado e participou de grandes mostras, sendo elas: Exposição Brasil-Japão,
Panoramas da Arte Atual Brasileira, do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Salão Nacional de Artes
Plásticas da Funarte, Salão Paulista de Arte Contemporânea e A Trama do Gosto, realizada pela Fundação
Bienal de São Paulo em 1987.

Também fez mostras individuais em Los Angeles, Nova York, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.
Em 1985, comemorou seus 20 anos de pintura na Galeria Bonfiglioli, em São Paulo.

140
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 124 – O Palhaço, de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 52).

Gustavo Rosa afirmou em uma das suas entrevistas que se inspirava no que via nas ruas, no
cotidiano, citando como exemplo uma mulher gordinha, que, enquanto tomava um sorvete, o viu cair
e fez um malabarismo para salvá-lo. O artista comenta que a partir daí começou a ter mais prazer em
pintar gordinhas e gordinhos. O eixo principal do trabalho dele é o humor. Com relação à democratização
da arte, relata que a obra não tem que ficar só presa a museus, mas que tem que ir às ruas, fazer
parte de objetos, misturar-se, levando cultura ao grande público.

141
Unidade II

Figura 125 – O Sorvete, de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 57).

Fez grande sucesso nacional e internacionalmente, mas adoeceu no fim dos anos 1990. Sentia muitas
dores e foi diagnosticado em 1999 com um câncer na medula óssea. Lutou de forma árdua pela vida
por 14 anos, produziu muito nesse período, expôs e doou várias de suas obras para leilões beneficentes,
hábito que ele já tinha desde a década de 1970; veio a falecer em 2013. A seguir, vejamos a galeria das
obras mais importantes desse grande artista.

142
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 126 – Hot Dog (1980), de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 21).

Figura 127 – Detalhe da obra A Carta (2005), de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 36-37).

143
Unidade II

Figura 128 – Detalhe da obra Banhista (2004), de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 32-33).

Figura 129 – Menina, de G. Rosa

Fonte: Rosa (2007, p. 17).

6.4 As realizações da arte pós-vanguardas

6.4.1 O papel do artista e a crise da modernidade

O denominado Expressionismo Abstrato ou Action Painting constituiu um movimento artístico de


grande originalidade e forte repercussão, que modificou a cena artística norte-americana no final dos
anos 1940. Sua principal característica era o emprego de largas massas coloridas, com o predomínio de
manchas, não de traços. Ao contrário do Expressionismo europeu, diretamente envolvido em debates

144
HISTÓRIA DA ARTE

ideológicos, os expressionistas norte-americanos excluíam totalmente os temas políticos e sociais de


suas obras, privilegiando questões existencialistas como a miséria humana por exemplo, buscando
expressar emoções de forma intensa e espontânea. Para tanto, destruíram os meios tradicionais de
pintura, pintando diretamente no chão, na parede, por vezes sem uso de pincéis. Efetivamente, Jackson
Pollock (1912-1956), maior nome do Action Painting, empregava verdadeiros jatos de tinta sobre a
superfície de telas deitadas no chão, sem emprego de cavalete. Por meio dessa ação, Pollock cobria
totalmente a tela e eliminava qualquer possibilidade de percepção figurativa ou de perspectiva por parte
do espectador. Desse modo, criava obras de arte cheias de instintividade e emoção.

Diferentemente de Pollock, Willem De Kooning (1904-1997), igualmente representante do


expressionismo abstrato norte-americano, não se distanciou totalmente do figurativismo. Adepto
do abstracionismo, empregava pinceladas fortes, violentas, frenéticas em seus quadros, produzindo
composições diferenciadas e muito coloridas, mas nas quais se reconhecem objetos e seres. Privilegiou
em seus trabalhos as figuras femininas, sendo que a sua obra mais famosa é a série Mulheres, produzida
no início da década de 1950.

A imagem a seguir representa a tela intitulada Blue Poles 1952, de Jackson Pollock, o mais importante
representante da Action Painting. Nela, podem-se notar as principais características desse artista e do
movimento do qual fez parte: a ruptura plena com o figurativismo, gerada pelo uso de respingos de tinta
lançados contra a tela. A técnica de gotejamento, por meio de latas de tinta perfuradas, foi introduzida
por Pollock, que chegava a produzir as suas telas na frente do próprio público.

Figura 130 – Blue Poles 1952, de Jackson Pollock, vista pela primeira vez em janeiro de 1948

Fonte: Dempsey (2010, p. 190).

6.4.2 Pop Art

A Pop Art constituiu um movimento artístico que ocorreu predominantemente nos Estados Unidos
e na Inglaterra, entre a segunda metade dos anos 1950 e 1960. Bebendo em fontes como o Dadaísmo,
a Pop Art, contribuiu também para revolucionar o próprio conceito de obra de arte, uma vez que incluía
em seus temas objetos tipicamente comerciais e de consumo de massa, contrariando a máxima de que
a arte é alheia aos interesses do mercado. Os artistas representativos desse movimento incorporaram ao

145
Unidade II

seu repertório objetos emblemáticos da indústria cultural e do universo da propaganda, como a Coca‑Cola
e as imagens de artistas populares como Marilyn Monroe. Com essa motivação, os representantes da
Pop Art tinham como principais fontes de inspiração os programas de televisão, as revistas em quadrinhos,
o cinema e a publicidade. De certo modo, por incluir imagens plenamente identificáveis de pessoas e
objetos, a Pop Art marcou também um retorno ao figurativismo, contrapondo-se ao Expressionismo,
dominante desde o fim da Segunda Grande Guerra (1939-1945).

Entre as principais consequências do movimento da Pop Art, cabe destacar a elevação à categoria de
arte objetos que antes eram considerados vulgares, dado o seu caráter de produtos comerciais.

Dos principais artistas da Pop Art, cumpre destacar os seguintes:

• Robert Rauschenberg (1925-2008): empregava materiais diversos, como folhas de jornal,


garrafas e outros objetos industrializados, bem como fotografias, em combinação com tintas e
silk‑screen, representando temas da indústria cultural e da contemporaneidade nos Estados Unidos.

• Roy Lichtenstein (1923-1997): tinha grande apreço pelas histórias em quadrinhos. Pintou,
sobretudo, quadros a óleo e tinta acrílica, empregando uma técnica muito própria de pontilhismo,
marcada pelo forte colorido e luminosidade, sempre delimitado por um traço negro. Os temas de
seus quadros, muitos dos quais remetem a uma espécie de imagem congelada de uma sequência
de quadrinhos, não estão, porém, vinculados explicitamente a nenhum enredo, que cabe ao
espectador imaginar.

Figura 131 – A Melodia Persegue a Minha Fantasia (1965), de Roy Lichtenstein. Tela de seda.
Dimensões: 69,9 cm x 51,4 cm

Fonte: Proença (2011, p. 351).

146
HISTÓRIA DA ARTE

• Andy Warhol (1927-1987): foi o mais renomado representante da Pop Art. Tornou-se
internacionalmente conhecido por suas séries de retratos de ícones da música e do cinema, como
Marilyn Monroe e Elvis Presley. Warhol empregou em suas obras sobretudo, a técnica da serigrafia,
representando, além dos ídolos pop, objetos de consumo de massa, como garrafas de Coca-Cola,
latas de sopa, carros e cédulas de dinheiro.

A figura a seguir reproduz uma das obras mais significativas da Pop Art. Na Pop Art, produtos
industrializados, ou seja, objetos comerciais eram convertidos em obras de arte, fator que aproximava
a arte da cultura de massas. Esse emprego de ready mades, à maneira do dadaísmo, possibilitava a
reconfiguração do sentido dos objetos, que, deslocados das prateleiras de supermercados, das telas
de cinema, das bancas de jornal, adquiriam novo sentido como objetos de arte em galerias, museus
e exposições.

Figura 132 – Campbell Soup (1962)

Fonte: Prette (2008, p. 350).

6.4.3 Op Art

A Op Art ou Optical Art foi um movimento artístico caracterizado pelo emprego de formas
geométricas que induzem o olhar do espectador a uma espécie de ilusão de ótica, gerando sensações
de movimento, de tridimensionalidade, de vibração e de mudança de sentido. A Op Art parece querer

147
Unidade II

significar a permanente mudança a que está submetido o mundo contemporâneo, seu caráter sempre
passageiro, mesmo fugaz. Característicos desse movimento são, por exemplo, os móbiles do artista
Alexander Calder (1898-1976). Trata-se de uma arte de construção bastante rigorosa, quase científica,
dado o seu caráter sistemático.

Os mais importantes artistas da Op Art são Alexander Calder, criador dos móbiles, iniciados com
a materialização de quadros de Mondrian, e Victor Vasarely (1908-1997), criador de composições
geométricas de alta complexidade, coloridas ou não, e que provocam diferentes sensações no espectador.

Ao criar os seus móbiles, Alexander Calder literalmente colocou a arte em movimento, como na
imagem a seguir, reprodução da obra Um Universo, inspirada nos quadros de Piet Mondrian. As esculturas
abstratas de Calder nos remetem às quatro dimensões da realidade: altura, profundidade, largura e
tempo, uma vez que elas se movimentam, revelando-se ao espectador lentamente. Acrescente‑se que
os primeiros móbiles eram movimentados pelos próprios espectadores. Posteriormente, Calder decidiu
torná-los suspensos, movimentando-se sozinhos, pela ação do vento. A construção dos móbiles demanda
rigor no estabelecimento de um sistema equilibrado de pesos, a fim de que o movimento seja mantido
ritmado e prolongado.

Figura 133 – Um Universo (1934), de Alexander Calder

Fonte: Gombrich (2018, p. 885).

148
HISTÓRIA DA ARTE

6.5 A pós-modernidade e as perspectivas da arte no século XXI

No término da década de 1960, uma tensão criativa abarcou muitos segmentos da cultura, deixando
em discussão as ideias de modernidade, da sociedade e da cultura, firmadas no conhecimento, na fé e
no progresso. Para Prette (2008), os movimentos artísticos das últimas décadas seguiram em compasso
muito frenético a ponto de fadigar aceleradamente seus esquemas transformadores, e as vanguardas
passaram a se assemelhar, velozmente envelhecidas.

6.6 Minimalismo

O Minimalismo constituiu um movimento artístico iniciado no decênio de 1960, nos Estados


Unidos, cujos representantes buscavam se expressar por meio do recurso aos elementos fundamentais
– mínimos – das artes visuais. Nas artes plásticas, os minimalistas opuseram-se ao expressionismo
abstrato norte-americano. Efetivamente, julgavam a action painting extremamente personalista e
carente de substância. Para os minimalistas, caberia à arte expressar apenas a si própria, e não a qualquer
elemento extra-artístico, não visual. Por esse motivo, pode-se considerar a minimal art como o ponto
culminante do reducionismo nas artes plásticas, tendência que vinha se manifestando em diferentes
campos artísticos no transcorrer do século XX.

As características principais do Minimalismo são:

• rejeição tanto da objetividade como da subjetividade e do figurativismo na produção artística;

• reducionismo formal das obras de arte, em busca de sua expressão mais pura possível, tanto na
bidimensionalidade como na tridimensionalidade;

• emprego sobretudo de formas geométricas simples, como cubos, paralelepípedos, cilindros etc. de
modo repetitivo, para conferir ritmo às obras de arte;

• diferenciação de outras correntes abstracionistas, pois não adota o lirismo nem o matematismo,
que considera muito personalistas;

• a escultura minimalista emprega figuras geométricas simples e materiais diferenciados, como


fibra de vidro, metais e plásticos.

A seguir, a reprodução da obra do minimalista norte-americano Dan Flavin (1933-1996), um dos


principais expoentes da Minimal Art. A obra é uma escultura composta por tubos luminosos coloridos.
Nela é possível notar as mais importantes características do Minimalismo, ou seja, o reducionismo
formal, a despretensão, a simplicidade e o forte cunho geométrico.

149
Unidade II

Figura 134 – Flavin utilizou tubos de luz fluorescente e considerou o espaço onde eles estão inseridos
como parte integral de seu trabalho. Com o resultado da luz e do ambiente tomando o local do objeto
de arte convencional, a obra ficou desmaterializada

Fonte: Dempsey (2010, p. 237).

6.7 Arte Conceitual

O movimento artístico denominado Arte Conceitual desenvolveu-se particularmente nos Estados


Unidos, a partir da década de 1960. Diferentemente do Minimalismo, na Arte Conceitual a crítica está
presente, embora não de forma explícita, mas em reflexões filosóficas e linguísticas. Nessa vertente das
artes plásticas, as ideias e os conceitos são considerados mais importantes do que os meios e materiais
empregados na sua representação. Nesse sentido, o artista torna as suas obras veículos de pensamentos
e teorias, ou seja, busca-se demonstrar que a arte se origina das ideias, e o planejamento da produção
artística é elevado a uma condição superior à própria execução das obras. Noutros termos, na Arte
Conceitual, as ideias são mais relevantes que os próprios objetos artísticos. Por esse motivo, um de seus
mais eminentes representantes, o norte‑americano Lawrence Weiner (1942), em diferentes obras de sua
autoria, as reduzia a um simples enunciado de instruções descritivas, que sequer concretizava. Desse
modo, pretendiam os artistas conceitualistas tecerem a crítica à própria noção objeto artístico.

A seguir, apresenta-se reprodução da obra One and Three Chairs, do norte-americano Joseph Kosuth
(1945), que ilustra bem as principais características da Arte Conceitual. Efetivamente, nessa obra,
Kosuth expõe, conjuntamente, uma cadeira real, uma foto dessa mesma cadeira e um texto contendo
a definição do que seja uma cadeira. Ao proceder assim, o artista pretende provocar a reflexão sobre a
própria realidade do objeto, ou seja, uma discussão sobre o próprio ser das coisas.
150
HISTÓRIA DA ARTE

Figura 135 – Três partes iguais – uma cadeira, uma fotografia sua e uma definição do dicionário,
impressa – compõem a obra. Ela é, na opinião de um crítico, uma gradação do real em direção ao
ideal. Com LeWitt, Kosuth ajudou a definir os padrões da arte conceitual

Fonte: Dempsey (2010, p. 240).

Manzoni enlatou, rotulou, numerou e assinou 90 latas com seu próprio dejeto. As latas tampadas de
maneira mecanizada foram vendidas pelo valor diário do ouro, correspondente ao peso de cada uma delas.

Uma curiosidade é que, há pouco tempo, essa lata foi vendida a leilão por 275 mil euros
(R$ 1.756,00 reais).

Figura 136 – Merda D’artista n. 066 (1961), de Piero Manzoni

Fonte: Dempsey (2010, p. 242).

151
Unidade II

Resumo

A pintura impressionista considerava que a luz solar é a fonte de todas


as cores: por isso os artistas buscavam mostrar as variações de tonalidade
decorrentes das mudanças no modo como objetos e pessoas são iluminados
ao longo do dia. Nela os artistas empregavam apenas largas pinceladas, que
geram manchas, as quais criam a impressão de retratarem objetos e pessoas.
Na sua trajetória, os impressionistas romperam com o academicismo, por
exemplo, no abandono do claro-escuro, substituído pelo uso de cores
complementares para a obtenção do efeito de luz e sombra.

Os artistas do movimento cubista, entre eles Pablo Picasso, influenciados


pela visão de Paul Cézanne, afirmavam que a arte não era uma cópia, mas
um paralelo da natureza. Isso significou que eles não precisavam representar
a realidade apenas como uma reprodução do que o observador olhava: era
possível recriar a realidade, sem se prender a noções preestabelecidas de
desenho e de pintura.

No Fauvismo, a obra de arte não é um produto intelectual, nem um


produto da sensibilidade, pois, no ato de criação, o pintor deve seguir os
impulsos instintivos, os seus sentimentos primários. Por isso, na pintura,
devem-se exaltar as cores puras e tanto as linhas do desenho como o
colorido das tintas devem surgir de modo impulsivo, expressando, em sua
maior pureza, as sensações do artista.

Por outro lado, o Futurismo é mais radical nas suas fontes de inspiração.
Seus participantes idolatravam a indústria e as novas tecnologias e
aceitavam a propaganda como o mais importante meio de comunicação.
Sua busca não era por representar objetos, mas significar, em suas obras,
a forma plástica das direções e da velocidade dos movimentos descritos
por eles no espaço.

A Bauhaus não era um movimento, mas uma escola de artes e ofícios,


porém sua contribuição para o design foi fundamental, pois associou a arte
à produção industrial de objetos.

No Minimalismo a radicalidade da proposta está na busca de uma


essência da arte. Para isso propunham a rejeição tanto da objetividade como
da subjetividade e do figurativismo na produção artística e o reducionismo
formal das obras de arte, em busca de sua expressão mais pura possível,
tanto na bidimensionalidade como na tridimensionalidade. Como parte

152
HISTÓRIA DA ARTE

de suas propostas empregavam formas geométricas simples, como cubos,


paralelepípedos, cilindros etc. de modo repetitivo, para conferir ritmo
às obras de arte.

A proposta estética futurista, por seu caráter renovador, influenciou


diretamente jovens artistas que buscavam principalmente criar uma arte
que pudessem chamar de brasileira. O Modernismo no Brasil teve como
personalidades principais Mário de Andrade e Oswald de Andrade, figuras
marcantes na divulgação dos novos movimentos estéticos das artes, em
especial no evento que marcou o início da vanguarda brasileira: a Semana
de Arte Moderna. Após o evento, vertentes de manifestações modernistas
se proliferaram e deixaram a mensagem de espírito nacional decisivo na
formação da identidade cultural brasileira.

153
Unidade II

Exercícios

Questão 1. Leia o texto, do professor e crítico Antonio Candido, e a charge.

A Semana da Arte Moderna (São Paulo, 1922) foi realmente o catalisador da nova literatura,
coordenando, graças ao seu dinamismo e à ousadia de alguns protagonistas, as tendências mais vivas
capazes de renovação, na poesia, no ensaio, na música, nas artes plásticas. Integram o movimento alguns
escritores intimistas como Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida; outros, mais conservadores, como
Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia, Cassiano Ricardo; e alguns novos que estrearam com livre e
por vezes desbragada fantasia: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, na poesia e na ficção; Sérgio
Milliet, Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes, neto, no ensaio. Dirigindo aparentemente por
um momento, e por muito tempo proclamando e divulgando, um escritor famoso da geração passada:
Graça Aranha.

[...]

O Modernismo rompe com o estado de coisas. As nossas deficiências, supostas ou reais, são
reinterpretadas como superioridades. A filosofia cósmica e superficial, que alguns adotaram certo
momento nas pegadas de Graça Aranha, atribui um significado construtivo, heroico, ao cadinho de
raças e culturas localizado numa natureza áspera. Não se precisaria mais dizer e escrever, como no
tempo de Bilac ou do conde Afonso Celso, que tudo é aqui belo e risonho: acentuam-se a rudeza, os
perigos, os obstáculos da natureza tropical. O mulato e o negro são definitivamente incorporados como
temas de estudo, inspiração, exemplo. O primitivismo é agora fonte de beleza e não mais empecilho
à elaboração da cultura. Isso, na literatura, na pintura, na música, nas ciências do homem. Mário de
Andrade, em Macunaíma (a obra central e mais característica do movimento), compendiou alegremente
lendas de índios, ditados populares, obscenidades, estereótipos desenvolvidos na sátira popular, atitudes
em face do europeu, mostrando como a cada valor aceito na tradição acadêmica e oficial correspondia,
na tradição popular, um valor recalcado que precisava adquirir estado de literatura.

CANDIDO, A. Literatura e sociedade. São Paulo: Ouro sobre azul, 2006. p. 124 (com adaptações).

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HISTÓRIA DA ARTE

Figura 137

Disponível em: https://bit.ly/3qS7Lf8. Acesso em: 24 jan. 2022.

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.

I – A frase apresentada na charge contradiz o trecho de Antonio Candido, pois afirma que a estética
da Semana de Arte Moderna de 1922 é reacionária enquanto o texto do crítico enfatiza as deficiências da
cultura brasileira.

II – Tarsila do Amaral, mencionada na charge, produziu a tela Abaporu, que inspirou Oswald de
Andrade na criação do Movimento Antropofágico.

III – Segundo Antonio Candido, no Modernismo, ocorre a valorização da matéria nacional


não idealizada.

É correto o que se afirma em:

A) I, II e III.
B) I e II, apenas.
C) II e III, apenas.
D) I e III, apenas.
E) II, apenas.

Resposta correta: alternativa C.


155
Unidade II

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: charge e texto não são contraditórios. A frase de Menotti del Picchia refere-se às
mudanças estéticas propostas pelo Modernismo. Antonio Candido aponta que o Modernismo alterou o
estado da arte nacional.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: Abaporu é uma das mais conhecidas obras de Tarsila do Amaral e inspirou a criação do
Movimento Antropofágico.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: no texto, o professor afirma que o movimento transforma nossas deficiências (reais ou
não) em superioridades. Não se trata da idealização da natureza nem dos elementos nacionais, como
ocorreu no Romantismo, mas da valorização da cultura brasileira.

Questão 2. Leia o poema de Carlos Drummond de Andrade e observe o quadro de Pablo Picasso.

Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto


desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens


que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:


pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode


é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

156
HISTÓRIA DA ARTE

Meu Deus, por que me abandonaste


se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,


se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer


mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

DRUMMOND DE ANDRADE, C. Alguma poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 11.

Figura 138

Disponível em: https://bit.ly/359aFUg. Acesso em: 24 an. 2022.

157
Unidade II

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.

I – O quadro, que se insere na estética cubista, altera a perspectiva tradicional, mostrando a vista de
diversos ângulos, o que também acontece no poema de Drummond.

II – O quadro filia-se ao movimento renascentista, pois expressa nítida preocupação com a


representação realista.

III – O poema, representante do Modernismo, revela, em sete estrofes, faces do eu-lírico.

É correto o que se afirma apenas em:

A) I e III.

B) II e III.

C) I e II.

D) III.

E) I.

Resposta correta: alternativa A.

Análise da questão

O quadro de Picasso é um exemplo de obra cubista, em que a noção de perspectiva tradicional


é abandonada. Essa técnica é transportada por Drummond para a linguagem verbal, ao construir
faces (como em um poliedro) que revelam aspectos do eu-lírico. Essas sete faces correspondem às
estrofes do poema.

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