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PROPÓSITO
Compreender as mudanças do pensamento artístico nas primeiras décadas do século XX a
partir do estudo dos movimentos artísticos e suas principais características formais e
conceituais.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
MÓDULO 3
MÓDULO 4
INTRODUÇÃO
A citação é de Gustave Courbet (2009) e foi apresentada em uma assembleia junto a outros
artistas em 18 de março de 1871, durante a Comuna de Paris, da qual era partidário. O artista
francês, eleito presidente de um comitê responsável por fiscalizar a administração pública das
Belas Artes, especialmente da École des Beaux-Arts, alertou os artistas para a necessidade da
liberdade não só da vida, mas da própria arte.
GUSTAVE COUBERT
Gustave Courbet (1819-1877) foi um pintor pioneiro do estilo realista francês. Acima de
tudo, um pintor da vida camponesa de sua região. Ergueu a bandeira do realismo contra
a pintura literária ou de imaginação.
Fonte: Wikipedia
Para saber mais, leia a Carta aos artistas de Paris, escrita por Gustave Courbet, em
1871.
COMUNA DE PARIS
O que isso significava? Que os artistas deveriam governar a si mesmos assegurando direitos,
razões e propósitos próprios. Pois até aquele momento, a prática e a exposição das obras de
arte obedeciam às normas e diretrizes das instituições oficiais de arte. E essa situação não
atendia mais aos interesses de muitos artistas que desejavam se emancipar dos regimes
estéticos estabelecidos por uma tradição artística formulada ao longo de aproximadamente
quatro séculos.
Fonte: Wikipedia
Figura 1. O Ateliê do Artista, de José Malhoa.
MÓDULO 1
Fonte: Nasjonalmuseet
Figura 2. O Grito, de Edvard Munch
Segundo Norbert Wolf (2004), foi o marchand e editor alemão Paul Cassirer quem utilizou, pela
primeira vez, o termo ao entrar em contato com as obras do artista norueguês Edvard Munch
(1863-1944). Você provavelmente conhece uma de suas pinturas. A obra O grito (1893), da
qual a imagem se tornou umas das mais populares da história da arte e da cultura visual, está
entre as mais reconhecidas do artista e se tornou uma referência quando mencionamos a
emoção como matéria de expressão e representação na arte.
Para Giulio Carlo Argan (2010) foi Wilhelm Worringer (1881-1965), historiador e teórico da arte,
que criou o termo para definir um conjunto de obras de Vincent van Gogh (1853-1890), Paul
Cézanne (1839-1906) e Henri Matisse (1869-1954). Afirmar que uma pintura, por exemplo,
apresenta características expressionistas era o mesmo que reconhecer que a representação
da realidade não partia somente da observação da natureza, mas da atitude do artista diante
dela e, sobretudo, diante do desenvolvimento de uma prática da arte que vinha se distanciando
dos modelos acadêmicos. Segundo o historiador da arte, o movimento francês fauvismo e o
vocabulário plástico dos grupos Die Brücke (A ponte) e Der Blaue Reiter (O cavaleiro azul)
caracterizaram o momento no qual a arte é comumente chamada de expressionista.
Fonte: WikiArt.org
Figura 3. Castelo Negro, de Paul Cézanne
A emancipação da razão impactou o pensamento e o modo como se pratica a arte, pois muitos
artistas perceberam a necessidade de construir a sua relação com o mundo, com as coisas,
distanciados de padrões de moralidade que confinavam a cultura. No entanto, para
compreendermos o enfrentamento à realidade e o novo modo de representá-la, precisamos
conhecer a obra de Vincent van Gogh, cujas pinturas são usualmente citadas como
antecedentes dessa mudança de paradigma na prática artística da virada do século XIX para o
século XX.
VINCENT VAN GOGH (1853 – 1890)
Fonte: Wikipedia
Em uma das cartas a seu irmão Théo, van Gogh conta que embora estudasse as cores e os
tons a partir da observação da natureza, para a tela pouco lhe interessava transpô-las de forma
idêntica. Para o artista, as cores da sua palheta são mais pertinentes que as da natureza, pois
são fruto de uma investigação que aliava experimentação e razão, ou seja, a formulação de
sua própria verdade. Ele diz: “A cor por si só exprime alguma coisa. Não se pode prescindir
disto, é preciso tirar partido.”
A série de estudos dos camponeses que realizou quando viveu na cidade de Nuenen, na
Holanda, ilumina as questões trazidas pelo artista sobre a gradual renúncia aos códigos
estéticos pautados pelas referências clássicas do belo e do bom. A pintura Os comedores de
batatas (1885), reconhecida pelo próprio artista como uma de suas obras-primas, sofreu
diversos julgamentos por deformar a anatomia das figuras humanas e representá-las de
maneira sombria e grosseira. Para a crítica de arte especializada, a pintura não passava de um
estudo repleto de erros e excessos de tons escuros que comprometiam a visualidade e a
compreensão da cena.
Fonte: The Van Gogh Museum
Figura 5. Cabeça de mulher, Vincent van Gogh
No entanto, ao lermos a carta em que van Gogh detalha o processo de criação da pintura,
percebemos claramente o que Argan (2008) definiu sobre o Expressionismo ser um movimento
do interior para o exterior formulado a partir da produção de subjetividade do artista. Nesta
perspectiva, é o sujeito que constrói uma dada realidade com base no modo como a percebe,
acionando seus estados sensíveis e racionais. Mesmo sendo realista, não se restringe à
representação do mundo material tal como se apresenta. A miséria nos campos, em
decorrência dos processos de industrialização das cidades, toca o corpo e o espírito do artista,
que opera a partir daquilo que observa, mas se autoriza a subvertê-lo, seja na forma e/ou no
conteúdo, de acordo com o que sente, percebe e interroga na realidade.
O que foi visto como distorção, van Gogh viu com acerto na escolha do tema e no modo como
representou aquela realidade. Acentuou o esforço do trabalhador do campo com cores “sabão
verde-escuro”, maduras, borradas, desbotadas e iluminadas apenas com a luz do candeeiro,
tal como a cena que testemunhou nas cartas. Pelo tom de alguns escritos, percebe-se o seu
dilema entre se posicionar no mercado de arte assumindo determinados padrões e códigos
estéticos para que a sua obra encontrasse um comprador e as revoluções visuais que vinha
provocando na sua pesquisa pictórica.
Fonte: The Van Gogh Museum
Figura 6. Sapatos, por Vincent van Gogh
Van Gogh confia na série de estudos que vinha desenvolvendo e firma seus propósitos. Opõe-
se à massificação do trabalho mecânico e solta o gesto, a pincelada, os contornos e desloca a
prática da pintura para outros níveis de compreensão, tal como afirma Argan (2008), “[...] o
quadro não representa: é.”
Nesta esteira, verificaremos como os artistas dos grupos Die Brücke e Blaue Reiter
desenvolveram a sua linguagem artística com base em uma realidade atravessada pela guerra
em que a forma e a cor distorcem as cenas com a consciência e o objetivo de se distanciar
cada vez mais das convenções estéticas das belas artes, das representações naturalistas,
além dos temas apontarem também para uma crítica social.
Esse ano foi considerado o marco do Expressionismo como movimento artístico, e a primeira
exposição de van Gogh, onde a mostra da sua linguagem pictural organizada pela galeria Ernst
Arnold, na Alemanha, impactou os artistas. Seis anos depois, o grupo migra para Berlim, a
cidade de luz elétrica e ritmo dinâmico, onde os contornos trágicos, melancólicos, tensos das
cores e da gestualidade marcaram a expressão pictórica e gráfica do grupo. Die Brücke se
desfez em 27 de maio de 1913 marcando a presença de uma juventude artística fervorosa pela
liberdade de criação e pelo distanciamento dos imperativos estilísticos da tradição acadêmica
da pintura.
O grupo organizou mais de oitenta exposições que circularam por várias cidades alemãs e com
a produção gráfica divulgou as obras por meio de impressos como pôsteres, cartazes, convites
e cartões.
Os temas das obras estão relacionados à vida cotidiana, à cidade, ao campo, à vida noturna,
porém longe de apenas representá-los, os expressionistas criaram realidades e as
direcionaram criticamente à sociedade. É uma pintura que rejeita a verossimilhança com o
mundo concreto e utiliza a intensidade das cores e a distorção como expressão máxima.
A cultura material dos grupos étnicos da África e da Oceania, reunida nos acervos dos museus
etnográficos, chamou a atenção dos artistas, assim como os cubistas, pela simplificação e
expressividade das formas. Os termos instinto ou instintivo, por vezes, são utilizados
superficialmente e, em alguns casos, pejorativamente para nomear a assimilação desse
contato, especialmente nas obras, onde os artistas se apropriaram do vocabulário formal
desses objetos culturais para criar suas composições.
Fonte: Wikipedia
Figura 9. Marinheiro Ferido, por Erich Heckel
SAIBA MAIS
Para aprofundar essas questões, busque na internet por: Arte Primitiva-Arte Moderna,
Encontros e Desencontros, de José António B. Fernandes Dias, da Escola Superior de Belas
Artes de Lisboa.
Fonte: WikiArt.org
Figura 10. Banhistas no Gramado, por Ernst Ludwig Kirchner
O uso desses termos definia também uma juventude artística inconformada com o
conservadorismo da sociedade alemã. Nesse ponto, cenas de nu com uma conotação erótica
são frequentes, porém a distorção das formas gera outros tipos de sensação como mal-estar,
fragilidade, solidão e angústia. Mesmo que as suas composições não toquem diretamente nos
avanços catastróficos, causados pela revolução industrial alemã, que culmina na Primeira
Guerra Mundial, a descarga de tensão é imediata. Percebemos isso pelo contraste das cores,
pelos contornos e pelas pinceladas bem marcadas e uma liberdade na criação das formas
figurativas.
Podemos observar, nas obras dos artistas André Derain (1880-1954) e Ernst Ludwig Kirchner
(1880-1938), por exemplo, essas características bem marcadas, porém cada um desenvolve
sua linguagem artística. Derain integra o fauvismo considerado parte do Expressionismo na
França, movimento sobre o qual comentaremos adiante; e Kirchner é o representante do
Expressionismo alemão. Para conhecermos com mais detalhes os desdobramentos da
pesquisa do Die Brücke na obra de Kirchner, destacaremos duas pinturas bastante
comentadas do artista como expressionistas.
SAIBA MAIS
No website Itaú Cultural você poderá encontrar mais informações sobre The International
Exhibition of Modern Art (1913).
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial e o fim do grupo, Kirchner resolve se alistar como
voluntário no exército alemão, mas sofre um colapso nervoso que comprometerá toda a sua
vida. Contudo, mesmo após essa crise, não deixou de produzir pinturas, gravuras, desenhos e
esculturas que, segundo Argan (2008), “extrai penosamente de si, um fragmento vivo de sua
própria existência.”
Observe a obra Rua (1913) do acervo do MoMA NY. Segundo a descrição técnica, essa obra
foi realizada em Berlim e representa um “período de solidão e insegurança, logo após o grupo
Brücke se separar [...].” De acordo com o museu, as mulheres representadas na pintura estão
na condição de prostitutas, tema frequente dos artistas desse período, justamente por
simbolizar a cidade moderna, o cenário de glamour e risco, intimidade e excitação.
O modo como o artista pintou o quadro se aproxima da estética futurista que acentuava o
movimento e a rapidez faiscante da velocidade das máquinas. Preste atenção nos movimentos
da pincelada, na composição dinâmica das linhas, dos personagens que parecem se articular
simultaneamente. Os rostos foram estilizados a ponto de compararmos às máscaras no sentido
formal e simbólico, já que se trata de um tema que contorna a vida noturna e boêmia das
cidades.
Fonte: Wikipedia
Figura 11. Street, de Ernst Ludwig Kirchner
Fonte: Wikipedia
Figura 12. Potsdamer Platz, de Ernst Ludwig Kirchner
Esse tema também pode ser visto em sua obra Potsdamer Platz (1914), porém com mais
dados quanto à sua localização. O título da obra significa “A praça de Potsdam” na qual
Kirchner tinha um ateliê nas proximidades, logo era um lugar onde frequentemente circulava e
observava.
Esta é uma pintura de aproximadamente 2,00m x 1,50m de dimensão. Uma obra monumental
que destaca a relação entre as pessoas no quadro e o modo como estão posicionadas. As
duas mulheres, no centro da composição, foram pintadas conforme as cores do céu e das ruas.
Tons azuis e verdes cobrem suas roupas e peles, respectivamente. A intensidade do azul no
vestido e o uso do véu da mulher à esquerda associa-se ao luto, rito do qual as mulheres eram
socialmente conduzidas a seguir a fim de lamentar a perda do marido, o que parece uma
contradição dada a condição dessas mulheres. Uma interpretação possível foi dita por Nobert
Wolf (2004), sobre a pintura ter sido concluída logo após a eclosão da Primeira Guerra
Mundial, portanto o luto também foi imposto às mulheres em prostituição que andavam pelas
ruas de Berlim nomeadas de “viúvas de guerra”.
Os danos da guerra poderiam estar expressos indiretamente nesse quadro, mas foram citados
de forma explícita pelo artista em seu autorretrato como soldado, onde aparece com a mão
amputada à frente de um quadro de nu feminino. Self-portrait as a soldier (1915) pode ser lido
tanto como um testemunho individual dos seus sofrimentos psíquicos em decorrência da
guerra, mas também como metáfora da crise e da instabilidade alemã no conflito.
Fonte: Wikipedia
Figura 13. Autorretrato como soldado, de Ernst Ludwig Kirchner
As gravuras de Käthe Kollwitz, uma das únicas artistas mulheres citadas no Movimento
Expressionista, primam pela deformidade, pela redução de cores, pelo uso frequente do preto e
do branco na representação da condição humana, no período da guerra, em que o luto e
sofrimento são temas recorrentes. A série de xilogravuras Krieg (Guerra) responde aos anos
indescritíveis da tragédia que abalou diversos artistas e, logo, impactou a sua maneira de
expressar em imagens a compreensão do seu próprio tempo.
SAIBA MAIS
No website do Museu Käthe Kollwitz, uma nota informa que uma das gravuras, Die Freiwilligen
(Os voluntários), de 1921, mostra seu filho Peter Kollwitz e seus amigos iluminados por raios
de luz que emanam de suas cabeças convencidas que a defesa e o sacrifício pela pátria são
atitudes de fé. A gravura está disponível em duas versões.
Fonte: WikiArt.org
Figura 15. As Mães, de Käthe Kollwitz
Em 1933, o crítico de arte Mario Pedrosa (1900-1981) realizou uma conferência sobre a obra
da artista no Clube de Artistas Modernos, em São Paulo, aproveitando o momento político no
Brasil para falar da arte como expressão crítica da realidade. Pedrosa desenvolveu uma
reflexão sobre a função social da arte ao tratar de temas tão impactantes e, ainda assim, o
artista se manter fiel à construção de uma realidade expressiva distanciada de manifestações
ideológicas ou tendenciosas. Ele diz: “A guerra de Kollwitz só tem sacrifícios anônimos e
monstruosos, só tem viúvas a quem não resta mais nada, na miséria e na dor.”
COMENTÁRIO
No texto O efeito da cor (1911), Kandinsky comenta que o modo como estabelecemos nossa
relação com a cor pode desencadear uma série de sensações psíquicas que estão para além
do contato visual que, na maioria dos casos, ocorre de uma maneira superficial quando se trata
de realidades familiares. Ele diz: “[...] os objetos com os quais deparamos pela primeira vez
exercem imediatamente sobre nós uma impressão que nos toca a alma.” O artista compara
essa experiência com o encanto das crianças que se deslumbram com as descobertas do
mundo!
SAIBA MAIS
Entre 1911 e 1912, Wassily Kandinsky e Franz Marc publicaram o Almanaque Der Blaue Reiter,
um livro com xilogravuras pintadas a mão e textos sobre a questão da forma e da cor.
O Museu Boijmans Van Beuningen exibiu uma edição excepcional do Der Blaue Reiter
Almanac adquirido pelo escritor, historiador e anarquista holandês Arthur Lehning.
Fonte: WikiArt.org
Figura 17. Gabriele Münter Pintando, de Wassily Kandinsky
Outro estágio é o da associação da cor a outros sentidos como paladar e tato, quando alguns
tons rementem às sensações quentes, frias, ásperas ou aveludadas. Nesse ponto, o artista
considera que pensar sobre a harmonia das cores e o toque dos seus efeitos na percepção
sensível, especialmente no espírito, caracteriza um dos seus propósitos na arte.
Fonte: WikiArt.org
Figura 18. Nina Kandinsky in Akhtyrka, de Wassily Kandinsky
Após a primeira exposição do grupo em Munique, Kandinsky desenvolve uma longa reflexão
sobre a forma como “matéria” que “oculta o espírito criador”, considerando que a liberdade está
na busca pelo caminho da abstração. Afirma: “A forma é a expressão exterior do conteúdo
interior”, ou melhor, a arte é expressão da alma, do espírito do artista que pode se dar de
maneiras distintas. Se essa expressão for elaborada a partir das referências já existentes no
mundo concreto, essa liberdade criadora não acontece, pois não há fórmulas, modelos ou
padrões a seguir. Contudo reconhece que cada época imprime pelo menos três formas de
expressão: da criação do “elemento nacional”; do “estilo” e do “movimento”, do qual reconhece,
neste último, a inter-relação dos artistas dominados pelo “espírito da época”.
Na passagem do texto Sobre a questão da forma [1912] (2013), o artista é bastante enfático: “o
mais importante não é a forma (a matéria), mas o conteúdo (o espírito). [...] o mais importante
não é se a forma é pessoal ou nacional, ou se tem estilo; nem se ela corresponde ou não aos
principais movimentos contemporâneos; nem se ela guarda ou não semelhanças com muitas
ou poucas outras formas. O mais importante, na questão da forma, é se ela se originou ou não
de uma necessidade interior.” Para Kandinsky, essa necessidade interior estava ligada
diretamente a esta dimensão espiritual como realidade psíquica, não racional, tão importante
para a existência quanto a realidade física.
Fonte: WikiArt.org
Figura 19. Sonhador, por Wassily Kandinsky
A série Improvisação, de Kandinsky, e as pinturas de Klee que remetem aos grafismos infantis
retomam o conceito de “primitivismo” como estágio inicial da vontade de expressão do artista
na construção de um vocabulário visual que toque, de outro modo, a própria realidade.
Tanto na obra de Kandinsky quanto na de Klee é possível estabelecer uma relação com a
música por causa da impressão rítmica e sonora que as composições expressam. Suas obras
nos convidam a uma interação. Há um aspecto lúdico importante a ser considerado. Na obra
de Klee, ao tratar da atividade gráfica da infância coloca em cena também a região do
inconsciente, apresentada pelas pesquisas de Sigmund Freud (1856-1939), como impulso
expressivo, onde imagens e signos se conectam sem obedecer à lógica racional.
No texto Credo criativo, de 1920, Paul Klee (2004) tem uma frase bem conhecida que diz: “A
arte não reproduz o visível, mas torna visível.” A construção dos elementos gráficos de sua
obra conduz, nas palavras do artista, a uma “sinfonia formal” em que as linhas, os planos, as
estruturas e, especialmente, o espaço são operados pelo conceito de tempo.
Fonte: WikiArt.org
Figura 20. Women in their Sunday Best, de Paul Klee
COMENTÁRIO
EXPRESSIONISMO
Fonte: Wikipedia
A arte vanguardista é fortemente autoral como você deve ter percebido. Os autores passam a
dialogar, mas ao mesmo tempo criam suas expressões, sua própria maneira de discutir o
mundo. Optamos por conhecer o Expressionismo circulando pela autoria e propostas dos
artistas. Afinal a ideia de que não existe arte, mas sim artistas é fundamento de nossas
perspectivas.
B) A subjetividade do artista como base para a pintura, tendo a cor como expressão do seu
estado sensível.
C) A pintura é a representação do que está diante do pintor em uma situação externa ao ateliê.
GABARITO
Parte da obra de Vincent van Gogh é enquadrada pela história da arte como pós-
impressionista ou expressionista. Na perspectiva pós-impressionista, por exemplo, a
sua pintura partia da prática en plein air (ao ar livre) e incorporava os gestos rápidos, as
pinceladas curtas e irregulares. Essa maneira de pintar também estava contida na
estética expressionista, sentido do qual assumimos para a obra do artista neste módulo.
A partir da reflexão acima e do trecho da carta de Vincent van Gogh a Émile Bernard, de
junho de 1888, indique a alternativa que apresenta outra característica marcante que
aproximaria a obra do artista à estética expressionista.
A obra de Van Gogh é elaborada a partir do seu estado sensível, ou seja, do modo como
percebe e sente a realidade vivida, tendo a cor como resposta das suas emoções. O exercício
de reconhecimento aqui é perceber, nas obras de Van Gogh, as características do movimento
expressionista e o local proposto desse movimento na transição do século XX.
Cada artista constrói princípios particulares de como formulam o espaço pictórico, ou seja, da
escolha do tema aos elementos visuais: linha, cor, forma etc. em diálogo com as sensações
que percebia e transmitia à composição. Kirchner se manteve à forma figurativa, enquanto
Kandinsky caminha para a abstração.
MÓDULO 2
Fonte: Wikipedia
Figura 22. Fábricas em Eauplet, de Robert Antoine Pinchon
A École de Paris foi formada nos primeiros anos do século XX por diversos artistas franceses e
de diferentes nacionalidades que viviam na cidade, dentre os quais estavam o espanhol Pablo
Picasso (1881-1973), os franceses Georges Braque (1882-1963), Henri Matisse, Fernand
Léger (1881-1955), André Derain e Pierre Bonnard (1867-1947), o italiano Amedeo Modigliani
(1884-1920) e Marc Chagall (1887-1985) natural da Rússia.
O ambiente cultural cosmopolita produzido pelo grupo não determinava nenhuma diretriz
estética, pois preservava a liberdade artística como princípio fundamental. Os artistas filiados
buscavam se atualizar sobre as tendências e revoluções na própria prática e no modo de se
expor as obras de arte. Nesse ponto, foi refúgio de diversos artistas que viviam sob regimes
totalitários e, também aqueles que queriam renunciar aos imperativos acadêmicos. Não foi uma
instituição concreta, física, mas “abrigou” as ideias, as inovações de importantes artistas da
história da arte moderna europeia.
SAIBA MAIS
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a experiência da École de Paris, leia o artigo
“École de Paris” – In and out of Paris (1928-1930), de Annabel Ruckdeschel.
Vale notar que, em 1930, o artista brasileiro Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) e o crítico
Géo-Charles (1892-1963) organizaram uma exposição itinerante da École de Paris no Brasil. A
exposição seria inaugurada em Recife e depois seguiria para São Paulo e Rio de Janeiro. As
obras de Picasso, Braque e Léger foram exibidas pela primeira vez no país.
Residindo na Europa há quase uma década, Monteiro pôde construir uma rede de amizades e
contatos, entre colecionadores, marchands e artistas o que possibilitou a ideia da mostra
Exposição de Arte Francesa com o objetivo de apresentar ao público sua obra ao lado “da
pintura de meus companheiros da Escola de Paris, da qual fazia parte.”
Embora a mostra tenha apresentado um caráter inédito, a sua recepção se revelou um
fracasso de visitação. Moacir dos Anjos e Jorge Ventura Morais (1998), ao analisarem a
recepção negativa dessa mostra em Recife, argumentaram que o desinteresse do público
pelos arlequins (s/d) de Picasso, por exemplo, não se referia à falta de acolhimento ou desdém,
mas era “o resultado de uma divergência entre os códigos culturais a que os quadros faziam
referência” e o não reconhecimento da arte moderna, da qual o público, que ali esteve
presente, tivesse mais familiaridade.
Diferente dos outros movimentos, o Dada migrou para outros lugares em virtude dos impactos
gerados pela Primeira Guerra Mundial. Paris é uma das cidades onde essa vanguarda também
se desenvolveu. Tristan Tzara (1896-1963), líder do grupo, chega à cidade e se une a André
Breton (1896-1966) e outros artistas e produzem uma série de manifestações dadaístas
criticando, inclusive, o modo como as outras vanguardas vinham se conformando no campo
artístico. A partir de agora, veremos cada movimento, suas principais ideias e artistas e os
desdobramentos de cada proposta na prática artística.
Fonte: Wikipedia
Figura 24. Retrato de Tristan Tzara, de Robert Delaunay
TRISTAN TZARA
Tristan Tzara foi um poeta e ensaísta romeno de vanguarda, além de jornalista,
dramaturgo, crítico literário e de arte, compositor e diretor de cinema. Adquiriu maior
notoriedade por ser um dos fundadores e figuras centrais do movimento Dadaísta.
Integrou ainda, a partir de 1919, a equipe da revista Littérature, o que representou o
primeiro passo na evolução do movimento rumo ao surrealismo.
MOVIMENTO FAUVISTA
Fonte: Wikipedia
Como vimos, o fauvismo é associado ao movimento expressionista por partir da cor como
expressão máxima da formulação de uma linguagem artística e do compromisso com a
pesquisa que Vincent van Gogh, Paul Gauguin (1848-1903) e Cézanne vinham desenvolvendo
quanto à construção do espaço pictórico cada vez mais distanciado da mimese da natureza.
O artista Henri Matisse é o nome de referência deste movimento que, segundo Argan (2008),
sobreviveu física e emocionalmente às duas guerras e não alterou sua pesquisa em virtude das
dores e dos sofrimentos percebidos diante de tamanha catástrofe. A sua linguagem artística
permaneceu fiel a uma poética construída sobre as bases de uma simplificação das formas
figurativas acentuadas pela vivacidade das cores, dos tons e da expressão das suas próprias
emoções.
A tradução de fauve significa fera e os termos são análogos a selvagem, feroz, bárbaro e
passou a corresponder às pinturas que apresentam uma potência mediada pela cor, tal como
uma força apaixonada de uma sensação percebida. Além de Matisse, os franceses Maurice de
Vlaminck (1876-1958), André Derain, Othon Friesz (1879-1949), Georges Rouault (1871-1958),
Albert Marquet (1875-1947), Raoul Dufy (1877-1953) e o holandês Kees van Dongen (1877-
1968) adotaram as ideias do fauvismo para a pintura. Alguns desses artistas transitaram entre
o impressionismo e o próprio fauvismo, mas sempre tendo a cor como fonte principal da
pesquisa formal.
Matisse sofre uma influência direta das obras de Gauguin que, assim como van Gogh,
desenvolveu uma poética de trabalho bastante singular, sobretudo quando decide sair de Paris
no final do século XIX e firma residência no Taiti, à época, província francesa. Na obra Vision
after the Sermon or Jacob wrestling with the angel, de 1888 (Visão após o Sermão ou Jacó
lutando com o anjo), de Gauguin, a cor se apresenta emancipada da representação natural.
Fonte: Wikipedia
Figura 26. Mulheres à beira-mar ou Maternidade I, de Paul Gauguin
O uso do vermelho na pintura é muito marcante. Cobre todo o plano de fundo e, pelas
tonalidades, podemos associar a uma situação de violência, de luta ou energia. É um vermelho
bem marcante e mesmo que produza sensações que encontramos em nosso cotidiano, a
composição se distancia de uma tentativa de construir uma ilusão de realidade. No momento
dessa pintura, ele ainda se encontrava na França, mas longe da efervescência cultural
parisiense. Embora o tema da obra seja religioso, a experiência visual, logo sensorial encontra-
se em primeiro plano no ato da observação.
Fonte: Wikipedia
Figura 27. The Red Studio, de Henri Matisse
O vermelho saturado que cobre grande parte da pintura de Gauguin, também está presente na
tela The red studio (Ateliê vermelho), de 1911, de Matisse. Não são os mesmos tons, mas
convergem para um ponto em comum: confundem os planos que constroem a arquitetura do
espaço. Percebemos que há um espaço insinuado pela relação entre os outros elementos da
composição: linhas, formas, texturas. Não há incidência de luzes ou sombras, assim como
percebemos, ainda que sutilmente na obra de Gauguin.
A obra de Matisse não sofreu apenas o impacto das pesquisas de Gauguin, mas também de
Cézanne, que trabalhou intensamente na quebra da janela renascentista, ou seja, quando a
composição é organizada segundo as leis da perspectiva linear, cujas formas convergem para
um ou mais pontos de fuga.
Para o artista, a tarefa da arte àquela altura era a de interpretar e submeter a natureza ao
espírito do quadro e não o contrário, copiá-la servilmente. Seus desenhos, por exemplo,
revelam essa busca. Os contornos não obedecem à aparência externa do objeto ou da pessoa
representada, mas o que importa é a caligrafia construída a partir do que se vê independente
da exatidão anatômica.
Essas pesquisas revisaram o único modo de se representar a realidade até aquele momento.
Os objetos representados nesse quadro podem ser vistos de diferentes ângulos, frontalmente,
lateralmente e até do alto, como o prato e a caixa de lápis sobre a mesa. Isso significa que o
artista insere ângulos simultâneos em uma mesma cena e nos convida a observar a mesma
pintura em situações distintas e a refletir sobre as convenções artísticas.
Esse vocabulário visual seria absorvido também por Picasso e Braque com o Cubismo, que
renunciaria cada vez mais ao ilusionismo renascentista que se perpetuou durante tantos
séculos. No entanto, antes mesmo de avançarmos para as obras desses dois artistas, se
pretendemos compreender as intenções do programa Cubista, algumas questões da obra de
Cézanne ainda precisam ser ressaltadas.
PAUL CÉZANNE
A partir dessas palavras de Cézanne, citadas por Mario de Micheli (2004), percebemos que o
uso das cores e das formas, em van Gogh, não se aplica à prática de Cézanne, que investiu
sua pesquisa pictórica na justaposição de formas e planos na superfície da tela, no rompimento
com uma perspectiva linear comentada há pouco. Argan (2008) conclui com a pesquisa de
Cézanne que, “a arte não é efusão lírica, é problema, e Cézanne era totalmente problemático.”
O artista investiga o problema da forma no espaço pictórico. A sua obra não apresentou
conteúdos sociais ou políticos, mas provocou uma revolução nos códigos visuais e,
especialmente na tradição da pintura de paisagem.
Fonte: Wikipedia
A série de pinturas sobre o Monte Santa Vitória é fruto de uma pesquisa avançada sobre a
prática da pintura e da visualidade. A realidade é apresentada como uma estrutura, em que o
objetivo principal é produzir uma visualidade e não apenas representá-la. Esta petite sensation,
à qual o artista se refere, foi formulada juntamente à construção de um pensamento analítico,
racional, expresso junto a cor como elemento estrutural. Percebemos o volume das formas
pela densidade matérica da tinta, da pincelada e da relação entre as cores que, postas lado a
lado, produzem contrastes, delimitam formas ou convergem diluindo seus limites. Não há a
intenção de produzir emoções pelas escolhas dos tons. Podemos até sentir ao observarmos a
pintura, mas esse não era o objetivo do artista.
Os planos que compõem a paisagem de Cézanne se fundem com o ritmo impresso nas
pinceladas, possibilitando novas experiências visuais divergentes do ultra-acabamento das
pinturas de paisagem do século XVIII, em que havia uma tentativa de se reproduzir
mimeticamente as cores e texturas observadas do mundo natural. O espaço é construído a
partir de uma massa cromática estrategicamente elaborada. Empastes e veladuras produzidas
pela densidade da tinta e pelo gesto da pincelada produzem uma ilusão de profundidade a
partir dos contornos das formas geometrizadas que se organizam em meio a linhas
perpendiculares. E, dependendo da distância que tomamos da obra ou do zoom que podemos
realizar na imagem, encontraremos uma pintura figurativa ou abstrata.
Fonte: Wikipedia
Figura 29. Mont Sainte-Victoire, de Paul Cézanne
SAIBA MAIS
Micheli (2004) resume: “No fundo, seu drama não era muito diferente de van Gogh; porém,
enquanto em van Gogh a explosão dos sentimentos acabara se sobressaindo, Cézanne
comprimiria os sentimentos, encerrando-os numa definição formal.” Esta desconstrução do
espaço pictórico e a prática da pintura como questão central, na obra de Cézanne, irá
influenciar a obra de Picasso e o nascimento do Cubismo como um movimento revolucionário
que impactou a tradição artística ocidental.
CUBISMO
Estas palavras são de Guillaume Apollinaire (1880-1918), escritor e crítico de arte francês,
reconhecido por teorizar o movimento no livro Pintores cubistas: meditações estéticas, de 1913
(APPOLINAIRE, 1997).
Quando nos deparamos com uma pintura do Cubismo, podemos ter a mesma impressão que
Matisse teve ao observar o quadro. À primeira vista, as composições parecem ter sido criadas
a partir de um conjunto de formas geométricas, no entanto, precisamos compreender que
essas pinturas investigam as formas a partir da sua realidade geométrica e não o contrário. É
outro ângulo de percepção. A natureza do Cubismo é essencialmente mental. Os temas são
mero pretextos. O que interessava aos artistas era a própria prática da pintura que poderia
valer-se da memória e também do que era percebido pela própria visão diante de uma
realidade concreta.
Fonte: Wikipedia
Figura 30. Vista da baía, de Juan Gris
O interesse dos artistas do Cubismo pelas formas e pelos volumes vinha da consciência
objetiva da pintura de Cézanne. Os artistas Fernand Léger, Juan Gris (1887-1927), Pablo
Picasso e Georges Braque integraram as pesquisas cada um desenvolvendo seu próprio
método de trabalho. Perceberam a superfície da pintura como uma arquitetura, onde as formas
e os planos são articulados de outra maneira. Os objetos são representados de variados
pontos de vista, como enunciamos em Matisse.
Tanto na pintura de Cézanne quanto dos artistas cubistas vemos que a perspectiva ganha
outras soluções formais. Não olhamos apenas para uma ou duas direções, mas para várias ao
mesmo tempo. Foi uma ruptura com um modo de se construir a realidade diante dos nossos
olhos sem precedentes na história da arte.
Acrescenta-se ainda o modo como o artista representou o rosto das mulheres. Uma
apropriação direta das sínteses encontradas nos objetos, nas máscaras dos grupos étnicos
africanos que tanto interessaram os artistas franceses àquele momento. As regras de imitação,
os fundamentos da perspectiva linear foram completamente suprimidos. Os volumes se
encontram reduzidos, há ainda incidência de luz e sombra sugerindo volume, mas o que
perceberemos em algumas fases da pintura cubista é o seu total desaparecimento.
Fonte: PabloPicasso.org
Figura 32. A Mulher que Chora, de Pablo Picasso
Para tanto, as formas necessariamente precisavam ser simplificadas ao seu máximo. No lugar
de volumes, vemos linhas horizontais, verticais, diagonais, curvas abertas que imprimem um
ritmo, o que possibilita a observação da pintura em outras direções. Em algumas pinturas, ao
girarmos a imagem, observamos outro arranjo composicional.
SAIBA MAIS
Picasso e Braque são considerados os pioneiros do movimento Cubista. Entre 1989 e 1990, o
Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) organizou uma exposição com obras dos dois
artistas, que se encontra disponível na página do museu. Acesse o site, clique nas imagens da
exposição Picasso and Braque: Pioneering Cubism e veja alguns destaques.
Outro dado importante é a redução da paleta de cores, pois o que interessa aos artistas e,
especialmente a Picasso, é a estrutura da linguagem artística criada junto a seus
contemporâneos. O sorriso da Mona Lisa ou um violino estilhaçado são mais reais do que tudo
aquilo que se encontra fora da obra, pois não há nada mais concreto do que uma pintura ser
compreendida pelo estado sensível e racional dos nossos sentidos.
Fonte: WikiArt.org
Figura 33. Violin Melodie, de Georges Braque
Sobre esta revolução diante da tradição da arte que remonta pelo menos quatro séculos,
concluiremos com o movimento Dada, nomeado de antiarte pelos artistas, pois começou pela
própria arte das vanguardas os seus protestos e as suas renúncias.
DADA
Fonte: WikiArt.org
Figura 34. Abstract Construction, de Marcel Janco
O movimento Dada nasce em Zurique, na Suíça, em 1916, com um grupo de artistas alemães
e franceses refugiados da guerra. Fundado por Hugo Ball (1886-1927), Jean Arp (1886-1966) -
já reconhecido como artista por ter integrado o movimento Der Blaue Reiter -, Tristan Tzara,
Marcel Janco (1895-1984) e Richard Huelsenbeck (1892-1974). De todas as vanguardas, o
Dada é o único movimento que se estendeu às cidades de Nova York e Paris. No mesmo
período, os artistas franceses Marcel Duchamp (1887-1968) e Francis-Marie Martinez Picabia
(1879-1953) migram para os Estados Unidos e, três anos depois, Tzara chega à França
divulgando as ideias dadaístas.
Você deve estar se perguntando sobre o significado da palavra Dada, certo? É possível que até
hoje algumas hipóteses sejam lançadas sobre a “descoberta” desse termo. Os próprios artistas
insinuaram algumas probabilidades, mas o sentido do movimento vinha da incompreensão e
intolerância de um grupo que, reconhecendo a guerra como não tendo fim, revolta-se contra as
necessidades humanas que àquela altura soavam demasiadamente contraditórias. E essa
reflexão incluía o próprio campo da arte.
Segundo Micheli (2004), Tzara, teórico do movimento, elege como epígrafe das publicações do
movimento a seguinte frase do filósofo, físico e matemático francês René Descartes (1596-
1650): “Não quero nem saber se antes de mim houve outros homens.” Isso significa que se
instaurava àquele momento um desejo pelo novo rompendo radicalmente com tudo que
correspondesse às aspirações e convenções passadas. Por outro lado, foi um movimento que
enfatizava sua própria inutilidade, indiferença e espontaneidade da prática artística, mesmo se
colocando contrário a qualquer definição de arte.
Fonte: WikiArt.org
Figura 35. Café Concert, de Marcel Janco
SAIBA MAIS
Quer ter uma ideia de como eram as performances dadaístas? Procure assistir ao vídeo Dada
and Cabaret Voltaire na internet.
Tzara, em uma conferência sobre o Dada, em 1924, responde sobre as pretensões do grupo
que, de todas as vanguardas, foi a proposta que mais exigiu uma tomada de posição dos
artistas diante das contradições sociais, políticas e artísticas àquele momento: “Não é a nova
técnica que nos interessa, mas o espírito. Por que vocês querem que nos preocupemos com
uma renovação pictórica, moral, poética, literária, política ou social? Temos perfeita consciência
que de que essas renovações de meios são meramente sucessivos mantos de várias épocas
da história, questões desinteressantes e de fachada. [...]” (TZARA, 2018).
Fonte: WikiArt.org
Figura 36. Von oben, de Hannah Höch
Como poeta e escritor, menciona que o Dada buscava uma maneira de responder aos
absurdos do mundo. Nesse ponto, faz sentido o uso da palavra que nomeia o movimento que
foi encontrada por acaso em um dicionário e que, dependendo do seu contexto cultural, pode
conter significados distintos como o rabo de uma vaca, um cubo, uma mãe, um cavalo de
madeira etc.
“Pegue um jornal.
Pegue uma tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar ao seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num
saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que
incompreendido do público.”
Marcel Duchamp, com uma trajetória singular na arte do século XX, simpatizava-se com o
Dada, pois havia um aspecto niilista, ou seja, uma descrença total que rompia radicalmente
com as tradições e convenções sociais para libertar os artistas dos lugares comuns, das zonas
de conforto. Eram contrários às pesquisas que primavam apenas pela natureza formal, física
da pintura sem problematizar o próprio ambiente da arte atravessado pela guerra. Como
pensar apenas na pintura como um problema formal se o mundo desmoronava com a grande
guerra?
Fonte: WikiArt.org
Figura 37. The Chess Players, por Marcel Duchamp
No entanto, Duchamp se distancia desta posição de revolta e acabou não produzindo ideias
novas para a prática da arte. Sofreu mais influências do Cubismo do que do Dada, mas
provocou uma reflexão oportuna e, por vezes, excêntrica sobre o posicionamento dos artistas
absorvidos pelo próprio sistema da arte.
Em 2006, o Museu de Arte Moderna, de Nova York, sediou a primeira exposição organizada
pela National Gallery of Art concentrada no grupo. Nomeada simplesmente de “Dada” reuniu as
obras dos principais integrantes do movimento: Sophie Taeuber-Arp (1889-1943), Hans Arp
(1886-1966), Marcel Duchamp, Max Ernst (1891-1976), Raoul Hausmann (1886-1971), Hannah
Höch (1889-1978), Francis Picabia, Kurt Schwitters (1887-1948) entre outros artistas.
Atualmente, ao passarmos o olho pelas imagens da exposição e por algumas obras em
destaque, não notamos toda essa irreverência. São pinturas abstrato-geométricas, colagens,
altos-relevos de formas orgânicas, máscaras, marionetes, esculturas, objetos etc. Porém, ali
estavam exibidas propostas artísticas que renunciavam às técnicas artísticas tradicionais e ao
uso de materiais e objetos da produção industrial.
Fonte: WikiArt.org
Figura 38. The Gray Day, de Georg Grosz
A crítica dadaísta era mais ampla. Voltava-se para a cultura capitalista, burguesa e os valores
da sociedade moderna. Não por acaso, vemos diversos movimentos artísticos contemporâneos
remeter à experiência dadaísta justamente por ter sido uma das vanguardas mais
contestadoras.
COMENTÁRIO
Duchamp reproduz a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, de bigodes em L.H.O.O.Q (1919) e cria
uma série de instalações que nomeou de ready-mades a partir de objetos encontrados em lojas
ou em quintais. Altera a posição, a apresentação de uma roda de bicicleta, de um mictório, de
uma pá de neve e apresenta como uma obra de arte. Segundo a análise de Argan (2008), “não
há um procedimento operativo, e sim uma alteração de juízo, intencionalmente arbitrária. [...]
Para os dadaístas, o ambiente não traz em si qualquer qualidade estética, mas cada qual pode
interpretar e experimentar esteticamente, isto é, livremente, as coisas que o compõe,
desviando-as da finalidade utilitária que lhes é atribuída por uma sociedade utilitária.”. Para o
historiador da arte, os ready-mades ofereciam um modelo de comportamento diante da arte
liberto de qualquer regra ou condicionamento cultural.
DISTINGUINDO MOVIMENTOS
Esses movimentos fazem parte de um grande momento para a arte, mas muito triste para a
humanidade. A pressão das guerras, a crítica à fragilização humana e a destruição e
atrocidades promovidas levaram o homem a mergulhar sobre si, criticar seu mundo e
transformar a arte em uma forma densa de crítica e reflexão social.
No próximo módulo, faremos uma aproximação de como esses movimentos nos levam e se
materializam também no Brasil.
Assista agora ao vídeo A Arte da Guerra? A Arte sofrendo e lutando contra a Guerra!
VERIFICANDO O APRENDIZADO
B) A construção da profundidade pela relação das cores e a sugestão de volume pelo uso de
luz e sombra, respectivamente.
A) “A essência da arte gráfica seduz o artista, facilmente e não sem razão, para a abstração.”
B) “Entre os vários pecados que fui acusado de cometer, nenhum é mais falso do que o de
dizer que tenho como objetivo principal de meu trabalho o espírito da pesquisa.”
C) “A arte não é a manifestação mais preciosa da vida. A arte não tem o valor celestial e
universal que as pessoas gostam de lhe atribuir. A vida é muito mais interessante.”
GABARITO
Os fauves utilizavam a cor como estrutura da pintura para formulação do espaço pictórico,
onde a relação entre os tons irá estabelecer o contorno e o sentido da narrativa seja pela forma
figurativa ou abstrata. Os cubistas reduzem a paleta de cores para ressaltar a construção ou
desconstrução dos planos em linhas verticais, horizontais, curvas etc.
Com base no texto, identifique, entre as citações de diferentes artistas, o choque como
provocação para a reflexão sobre a arte e sociedade.
MÓDULO 3
BAUHAUS
Dos processos de reconstrução da Europa devastada pela Primeira Guerra Mundial, a criação
da Bauhaus, em 1919, pelo arquiteto alemão Walter Gropius (1883-1969), na República de
Weimar, foi de grande importância, não somente para o campo da arte, da arquitetura e do
designer, mas também para a educação artística. O programa metodológico previa uma
reforma da linha academicista presente na educação alemã, cujas atividades ali desenvolvidas
deveriam acompanhar o mundo do trabalho.
Fonte: Wikipedia
Figura 39. Memorial aos que caíram em março, projeto do arquiteto Walter Gropius, no
Cemitério de Weimar, na Alemanha
COMENTÁRIO
Fonte: Wikipedia
A escola foi planejada por Gropius como um centro funcional de formação da sociedade com
foco na questão do urbanismo, do planejamento da cidade do micro para o macro, ou seja, do
projeto da casa, da mobília, dos objetos a um plano urbanístico maior. O vasto campo da
comunicação visual e da cidade estava no escopo do programa da Bauhaus que atuava em
todas as escalas: urbana, construção civil, desenho industrial e da expressão artística
permeando todas essas esferas. Um programa que partia da esfera individual para a coletiva.
Diferentemente da proposta dos ready-mades, a forma (estética) e a função dos utilitários
deveriam estar no mesmo projeto de criação.
A forma predominante é a geométrica que funciona como um padrão a ser reconhecido por
qualquer pessoa pela sua familiaridade. Não há um signo, uma simbologia, um significado a
ser codificado para seu uso ou sua apreciação. O que modula são as combinações entre as
cores e, nesse sentido, podem produzir diferentes sensações e experiências visuais. A cor,
como estrutura espacial, tal como vimos em Cézanne; porém, nesse caso, aplicada a objetos e
ambientes.
Fonte: WikiArt.org
Figura 41. Bauhaus Stairway, de Oskar Schlemmer
A didática da Bauhaus prima por uma racionalidade advinda de um pensamento que procurou
responder às experiências da vida, da relação com o mundo. Não se trata de uma atividade
mecânica própria da rotina industrial, mas da arte como mediadora do estado racional e
sensível na criação de meios que não se distanciassem de uma consciência social e política.
Oskar Schlemmer (1888-1943) foi um artista alemão plural; convidado por Gropius para
compor o corpo docente da escola, ministrou aulas de pintura, escultura, design e, também,
artes cênicas. Coreografou Das Triadisches Ballett (Balé triádico), de 1922, considerado um de
seus trabalhos mais importantes, e desenhou seus figurinos com formas cônicas, cilíndricas,
esféricas e espiraladas. O termo “triádico” se refere à divisão do balé em três atos, com três
bailarinos e três cores. Essa experiência influenciou suas pinturas, que passaram a apresentar
mais volume, profundidade e movimento.
Fonte: WikiArt.org
Figura 42. Crystal Gradation, por Paul Klee
Além de Schlemmer, outros artistas ministraram aulas na escola como Paul Klee, Wassily
Kandinsky e os arquitetos Mies van der Rohe (1886-1969) – que inclusive assumiu a direção
da Bauhaus com a saída de Gropius em 1928 – e Frank Lloyd Wright (1867-1959).
Alfred Barr (1902-1981), então diretor do MoMA NY, realizou visitas à escola em Dessau,
reconhecendo a sua importância para a educação, sobretudo para os métodos de ensino de
história da arte moderna integrada a outras práticas, tais como a pintura, a escultura, a
fotografia, as artes gráficas e o cinema.
A exposição Bauhaus: 1919-1928 organizada pelo MoMA NY, em 1939, popularizou as ideias
da escola alemã sobre o par arquitetura/design, além de ser utilizada como referência para a
estruturação dos departamentos multidisciplinares do museu e de escolas americanas de
design.
Houve algumas filiações às ideias da Bauhaus, no Brasil, manifestadas nas décadas de 1920 e
1930, como por exemplo, o projeto da residência (1927) do arquiteto Gregori Warchavchik
(1896-1972), considerada por muitos historiadores de arquitetura moderna como a pioneira dos
princípios construtivos. O mobiliário residencial (1932) criado por Lasar Segall (1889-1957)
também nos indica esta proximidade formal e a introdução do concreto armado, tendo a
Alemanha como pioneira no seu uso, dos arquitetos Alexander Siegfried Buddeüs e Alexander
Altberg (1908-2009). Este último, ex-aluno da Bauhaus, em Weimar, organizou, junto aos
arquitetos Alcides da Rocha Miranda (1909-2001) e João Lourenço Silva, o I Salão
Internacional de Arquitetura Tropical (1933) no Rio de Janeiro, cuja organização intentava
deflagrar definitivamente na capital federal um movimento antiacademicista pela
“racionalização da arte de construir em nosso país.”
O catálogo do Salão trazia um texto de Walter Gropius, além de uma fotografia da Bauhaus,
em Dessau, acompanhada da legenda “fechada pela situação política”. A revista Base de arte,
técnica e pensamento (1933) foi editada por Altberg que, segundo Pedro Moreira (2005), foi “ao
mesmo tempo seu editor, financiador, designer gráfico, ilustrador, autor, ‘curador’ de textos e –
por motivo de redução de custos – até mesmo tipógrafo.”
O periódico tinha o propósito não só de compartilhar conteúdos sobre arquitetura e design, mas
apresentar-se como uma revista moderna, no sentido estético e funcional. A abertura da
primeira edição foi escrita por Mário de Andrade (1893-1945) que trazia em suas palavras o
fomento à integração da arte à vida, considerando os problemas de ordem estética
aproximados às questões científicas, tecnológicas e sociológicas. Nas suas palavras: “Hoje a
arte quer penetrar nos escaninhos mais ásperos da vida coletiva; entra nos laboratórios, nos
hospitais, nas fábricas, nunca se fez tanta arte no mundo [...]” (MOREIRA, 2005).
Fonte: Wikipedia
Figura 45. Biblioteca da FAU-USP
Na década de 1950, a primeira iniciativa diretamente associada à Escola, foi do Museu de Arte
de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) na criação do Instituto de Arte Contemporânea
(IAC). A arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) e Pietro Maria Bardi (1900-1999), então diretor,
coordenaram as atividades durante apenas dois anos (1951-1953), tendo como objetivo formar
jovens artistas a serviço das demandas da indústria nacional. Esperava-se que os objetos de
design correspondessem ao gosto e ao progresso com ênfase à racionalidade.
O envolvimento com as ideias da Bauhaus no país se deu mais pela via da citação e da
adaptação ao contexto artístico e social, sobretudo carioca que aqui se desenvolveu, do que
uma apropriação direta. Observamos que alguns princípios metodológicos foram incorporados
pelos cursos teóricos e práticos, como o ateliê de pintura de Ivan Serpa (1923-1973), por
exemplo, mas que não se restringiu aos seus domínios e, que, sob a formulação teórica de
Mario Pedrosa (1900-1981), a dupla arte e sociedade deveria vincular-se aos propósitos da
criação como revolução ética e estética. Mas a absorção de um projeto político pedagógico
baseado em ideias socialistas e comunistas, alternativo aos avanços de um capitalismo
industrial, não teria campo imediato no contexto brasileiro, colonizado pela cultura capitalista
americana, que acabou absorvendo ou recepcionando conferências sobre a Bauhaus na
intenção de se formar tecnicamente o artista nos fundamentos do design.
VANGUARDAS E O MUNDO
As vanguardas europeias foram uma via importante de consolidação do domínio europeu,
ainda que tenham experimentado a crise das guerras, permaneciam fortes nas décadas
seguintes. O movimento Bauhaus é excelente para explicar essa disseminação nos projetos de
arte no mundo!
A cidade de São Paulo, no Brasil, tentando ser um espaço mais industrial e artisticamente
moderno, mergulhou, uma vez mais, nessas vanguardas.
C) Partir da forma geométrica como uma figura canônica a ser reproduzida e replicada.
GABARITO
1. “[...] formar jovens que se dediquem à arte industrial e se mostrem capazes de
desenhar objetos nos quais o gosto e a racionalidade das formas correspondam ao
progresso e à mentalidade atualizada."
Essa citação é da arquiteta Lina Bo Bardi a respeito dos objetivos do Instituto de Arte
Contemporânea (IAC) do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), de
1951, formulados com base nos modelos de ensino da Bauhaus Dessau. Assinale a
alternativa em que o programa pedagógico da escola foi assimilado com receptividade
pelo IAC.
2. Esta imagem se refere ao mobiliário criado por Lasar Segall com filiações aos
designers dos móveis criados na Bauhaus. Observe a imagem e assinale a alternativa
que aponta essa aproximação.
MÓDULO 4
SURREALISMO
“Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação”
escreve André Breton (2020), escritor francês, poeta e teórico do Manifesto Surrealista (1924).
Além das suas atividades intelectuais, Breton estudou Medicina e se formou em Psiquiatria, e
teve contato com as teses de Sigmund Freud sobre a investigação do inconsciente como uma
região da psique e com o encarceramento das pessoas consideradas loucas nos hospitais
psiquiátricos.
Psiquiatra brasileira que recriou dinâmicas de tratamento de pacientes internados com o uso da
arte para as doenças mentais.
A composição, o conjunto da obra, pode nos causar uma confusão mental entre o que parece
real ou ilusório, mas esta é uma das maiores habilidades dos artistas desse movimento:
Salvador Dalí (1904-1989), René Magritte (1898-1967) e Man Ray (1890-1976) estimularam os
limites da razão e da irracionalidade. A técnica usualmente utilizada foi a trompe-l’oeil (pintura a
óleo) que possibilitou a construção de imagens com uma expressão figurativa bastante
verídica, porém subvertida das coisas do mundo concreto.
Até onde conseguimos compreender o que está sendo exposto? Tal como os sonhos, as
imagens se justapõem, as temporalidades – passado-presente-futuro – se fragmentam, se
embaralham, se desconectam. Não é possível compreender racionalmente todos os
pormenores de uma pintura surrealista. Os historiadores da arte nos orientam com as suas
interpretações e análises, mas o mecanismo psicológico ou as particularidades presentes na
subjetividade de cada artista nos parece poder ser acessadas até certo ponto.
Figura 48. Subúrbios de uma Cidade Paranoica Crítica, Tarde na Periferia da História
Europeia, de Salvador Dalí
Outra possibilidade que a pintura surrealista nos oferece é o reino das maravilhas, do
fantástico, liberto de qualquer princípio de realidade concreta e debilitada. Ao violar as leis da
coerência e da lógica, operações criativas colocadas nas fotomontagens, nas pinturas, nas
esculturas e nos objetos divertem nossos sentidos e nos conduzem a outras esferas da
imaginação e da reflexão do artista diante do mundo.
BRETON
Breton definiu o Surrealismo, na sua primeira fase, ainda como linguagem: “é automatismo
psíquico puro através do qual nos propomos exprimir tanto verbalmente quanto por escrito ou
de outras formas o funcionamento real do pensamento; é o ditado do pensamento com a
ausência de todo o controle exercido pela razão, além de toda e qualquer preocupação estética
e moral” (BRETON, 2020).
Mas o que significa a palavra automatismo neste contexto artístico? Diferentemente do Dada,
que também praticava o automatismo na construção de poesias, no Surrealismo esse exercício
ganha uma dimensão conceitual. Para o escritor, a estrutura do pensamento é revolucionária
na medida em que a mecânica psíquica inicial não obedece ao reino da lógica. Porém, para
fins de organização mental, criamos métodos racionais a fim de obter algum acesso, controle e
domínio daquilo que nomeia de “profundeza do espirito” ou “inconsciente”.
Veremos o sonho e a realidade física em um mesmo arranjo formal. Mesmo que as pinturas
expressem uma aparente desconexão e sentido, as escolhas do artista possuem uma lógica,
uma razão, um sentido no momento em que medita sobre a criação da obra.
Figura 49. Sonho Causado Pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo
Antes de Acordar, de Salvador Dalí
EXEMPLO
O artista vai considerar que uma obra de arte é a prova de uma “realidade metafísica”, isto é,
uma realidade capaz de ser produzida a partir do nosso espírito, de uma dimensão misteriosa
dos nossos mecanismos internos independentes da relação que estabelecemos com o mundo
concreto. Ele diz: “o que conta é apenas o que meus olhos veem quando estão abertos, e mais
ainda quando estão fechados.”
Na esteira de Chirico, Breton também refletiu sobre a importância do ver, mas provoca uma
distinção da prática do olhar. Para o escritor, o ato de ver dependia da ativação de distintos
graus de sensações, da realidade e, sobretudo da necessidade de se revolucionar a relação
secular estabelecida entre a imitação e a criação para a fixação de imagens visuais. Afirma que
foi um erro considerar que toda obra de arte é resultado de um único modelo tomado da
realidade exterior. Constata enfaticamente, quatro anos após a publicação do Manifesto
Surrealista, que a obra plástica, para atender à necessidade de revisão absoluta dos valores
reais, se referirá, pois, a um modelo puramente interior ou deixará de existir. Esse “modelo
interior” do qual se refere também está associado ao compromisso e à responsabilidade dos
artistas com o seu próprio tempo e ao alcance revolucionário que determinadas obras
poderiam ter.
Argan (2008) considera que o Surrealismo foi um contraponto à agenda racionalista dos
movimentos construtivistas, especialmente a vanguarda russa que integrou os programas
políticos de reconstrução e reforma das estruturas sociais. A experiência surrealista decidiu
ironizar o que considerava escandaloso e irremediável na sociedade burguesa.
Em 1931, Dalí, artista catalão que vai morar em Paris, sugere aos surrealistas uma proposta
coletiva e experimental, onde enumera e sistematiza uma série de itens a serem desenvolvidos
pelos artistas considerando todas as ações que se adequam a uma prática surrealista, tais
como:
Produzir experiências relativas ao conhecimento irracional das coisas
Desenvolver um estudo coletivo da fenomenologia
Criar uma escultura automática
Descrever oralmente os objetos percebidos pelo tato etc.
Esses exercícios propunham alterar o modo como percebemos as coisas ao nosso redor.
Compreender como os objetos operam simbolicamente.
À primeira vista identificamos uma paisagem árida, desértica, com o mar ou uma lagoa ao
fundo. Há uma predominância de tons terrosos e azulados. A incidência de luz sobre os objetos
nos remete a um fim de tarde. E é nesse ponto que o reconhecimento da imagem começa a
ganhar outras impressões quando tocamos na questão do tempo. É possível identificar quatro
relógios: três deles parecem derreter ou amolecer; o único supostamente íntegro é o que está
invertido sobre a mesa, coberto por formigas. Parece um relógio de bolso ou algo semelhante.
O que constatamos é que se trata de um objeto de metal e, então, é possível estabelecer uma
relação com a passagem do tempo que, àquela época, alterava-se com a cultura industrial.
Há ainda uma forma estranha que está embaixo de uns dos relógios “moles”. Para alguns
historiadores da arte, trata-se de uma alusão ao autorretrato do artista, pois é possível
reconhecer um olho com cílio e até mesmo o nariz. É uma situação onírica, sem dúvida, mas
revela o quanto os artistas estavam interessados em subverter a lógica e, esta pintura,
especialmente, o tempo lógico do sujeito. O que isso quer dizer?
Em um terceiro momento, tentamos chegar a algumas conclusões para dar uma forma
coerente às nossas impressões. O que ocorre é que com as obras surrealistas esta
última fase pode nunca ocorrer e é nesse ponto que o seu sentido começa.
Múltiplas interpretações podem ser feitas, assim como acontece com os sonhos. Nunca
chegamos a uma conclusão definitiva. A pintura surrealista encontra-se no campo da
imaginação.
CHAGALL
Marc Chagall era contrário às palavras “fantasia” e “simbolismo” para definir superficialmente
as pinturas surrealistas, pois para o artista o mundo interno é realidade. Considerava sua
pintura “abstrata”, pois partia de uma comunhão de cores, formas e elementos bem
particulares. Ao chegar em Paris, em 1910, entra em contato com as cores dos fauves, mas
nota o domínio da pintura cubista no meio artístico. Não se identifica com aqueles excessos de
racionalismo como princípios da composição, mas absorve e adapta-se a algumas soluções
formais do Cubismo.
Argan (2008) define a obra de Chagall como uma “fabulação visual” onde o espaço pictórico é
construído com uma “perspectiva arbitrária”, ou seja, uma organização meio absurda,
impossível das figuras nos planos, em que não há uma ordem lógica para a disposição das
coisas e, ao mesmo tempo, há um lirismo encarnado no modo como constrói os personagens,
criaturas fantásticas, que dão vida às suas histórias. Os temas populares das obras do artista,
em grande parte, pertenciam à sua memória visual. Vinham da sua terra natal, Bielorrússia, à
época pertencente ao Império Russo.
Chagall criticou a associação das pinturas surrealistas à primeira fase do automatismo, pois,
mesmo que a narrativa dos seus quadros pareça ilógica, suas composições não obedeciam a
esses métodos. O mesmo ocorre com René Magritte. Suas pinturas são verdadeiros enigmas
meticulosamente calculados.
A pintura A traição das imagens, de 1929, de Magritte, também conhecida como Ceci n’est pas
une pipe (Isto não é um cachimbo), diverte e ao mesmo tempo nos coloca em reflexão sobre a
tradição da pintura. Vemos uma pintura realista de um cachimbo, quase ilustrativa, e logo
abaixo a afirmação de que não se trata de um cachimbo. Pois, de fato, não é um cachimbo,
mas a representação de um cachimbo. É uma pintura, porém ao mesmo tempo, acreditamos
que se trata de um cachimbo pela veracidade da imagem. Então, devemos guiar nosso
pensamento para a imagem ou para a frase que a nega? O que mais chama a sua atenção? A
figura ou o texto? Perceba que a ideia do cachimbo se apresenta duplamente na pintura: pelo
seu aspecto simbólico, icônico e linguístico pela palavra pipe.
Figura 53. A traição de imagens [isto não é um cachimbo], de René Magritte
A obra de Magritte opera o tempo todo em torno dessas provocações que também têm a
finalidade de discutir os ilusionismos e a relação entre realidade e ficção construída ao longo
de toda uma tradição artística.
Assista agora ao vídeo Surrealismo para o Mundo Irreal.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
A) Realista
B) Abstrato geométrico
C) Naturalista
D) Fauvista
E) Sonho e fantasia
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este estudo, conhecemos por meio dos movimentos e de algumas práticas artísticas as
principais ideias que mobilizaram as revoluções do pensamento artístico nas primeiras décadas
do século XX.
PODCAST
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
ANJOS JR, M.; MORAIS, J. V. Picasso 'visita' o Recife: a exposição da Escola de Paris em
março de 1930. In: Estudos Avançados, v. 12, n. 34, p. 313-335, 1998.
ARGAN, G. C. A arte moderna na Europa: de Hogart a Picasso. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
COURBET, G. Carta aos artistas de Paris. In: verve. Revista Semestral Autogestionária do
Nu-Sol., n. 15, p. 123 – 124, 2009.
KLEE, P. Credo criativo. Da imitação à expressão. São Paulo: Editora 34, 2004.
EXPLORE+
Para se aprofundar no conteúdo deste tema, recomendamos:
Procure na internet a emblemática obra Spirit of the Age: Mechanical Head (Espírito da
época: cabeça mecânica), 1919, de Raoul Hausmann, que nos apresenta a fusão do
corpo com engrenagens que remetem às máquinas industriais, como uma espécie de
autômato.
O Philadelphia Museum of Art possui uma extensa coleção de obras de arte de Duchamp,
artista que viveu nos EUA durante a Primeira Guerra Mundial e, depois de alguns anos,
se estabeleceu em Nova York permanentemente.
Na série Descubra esse artista, do Google Arts & Culture, veja um conjunto de obras de
Kandinsky.
Sobre a École de Paris, veja a seleção de artistas e obras da Tate Gallery, na internet.
Busque na internet e leia o texto Picasso 'visita' o Recife: a exposição da Escola de Paris
em março de 1930, de Moacir dos Anjos e Jorge Ventura Morais.
Visite a galeria de imagens dedicada a obras do movimento Fauvista no Google Arts &
Culture.
Para conhecer mais obras, pinturas, esculturas, colagens e desenhos de Matisse, visite
os acervos dos seguintes museus: Musée Matisse, MoMa, MetMuseum, Musée de
l’Orangerie.
Conheça a seleção de obras cubistas criada pelo Google Arts & Culture.
Hanna Höch foi uma artista precursora da fotomontagem. Junto a Sophie Taeuber-Arp
enfrentou o meio artístico predominantemente masculino e criou colagens que
denunciavam a falência do sistema político mundial, especialmente alemão. Conheça a
sua história pelos acervos dos sites dos museus: MoMa e MetMuseum.
Veja uma seleção de imagens das obras do grupo Die Brücke no Google Arts & Culture.
Procure ler o arquivo Triadisches Ballett von Oskar Schlemmer – Bauhaus como parte da
proposta do artista.
Visite o Bauhaus Archive, uma coleção de obras de arte, objetos, documentos e literatura
correspondentes à Escola Bauhaus na internet.
Para saber mais sobre o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), visite o site do Itaú
cultural.
Para conhecer mais sobre o trabalho da Dra. Nise da Silveira, visite a página do Museu
Imagens do Inconsciente.
Destacamos a fotomontagem Cut with the Kitchen Knife—Dada and political chaos (Corte
com a faca de cozinha - Dada e caos político), de 1919. Você pode assistir às análises
dos pormenores no vídeo na internet.
CONTEUDISTA
Ana Paula Chaves Mello
CURRÍCULO LATTES