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CUBISMO 223

GUiLLAUMe .APoLLiNAiRE

rMéditations Esthétiques

Les Peintres Ciibistes


PREMIÊRE SÉRIE

l)uchamp.x71LI.CN, etc.

í)UVR.Ar;E Ai;r:ilSIPAG:ié 1)1; +1} Ptalt'FR;\TTS


E'r Rb;l'RODUCT10XSHORA TEliTll

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a4 TEORIAS DA ARTE h10DERNA

No Casoem apreço, às vezes os artistas éondescendem em usar palavras


vagamente explicativas, como re/ra/c', paisagem, na/zz/eza-moda,mas muitos
Jovens pmtores empregam apenas o vocábulo geral püzfura.
Essespintores, se ainda observam a natureza, já não a imitam e evitam
cuidadosamente a representação de cenasnaturais observadase reconstruídas
pelo estudo.
A .verossimilhançajá não tem nenhuma importância, pois o artista sacri-
fica tudo às .verdades, às necessidades de uma natureza superior que ele apõe
sem descobrir. O assuntojá não conta, ou conta muito pouco.
A arte modéma repele, de um modo geral, a maioria das técnicasde
agradar utilizadas pelos grandes artistas do passado.
Se a finalidade da pintura é sempre, como outrora, o prazer dos olhos,

Ihe pode ser proponionado pelo espetáculo das coisasnaturais.


Estamos caminhando para uma arte inteiramente nova, que será para
a pintura, tal como aconhecemos até agora, o que a música é para a literatura.
Será pintura pura, assim como a música é literatura pura.
O amador de músicaexperimenta, ao ouvir um concerto, uma alegria
de ordem totalmente distinta da alegria experimentada ao ouvir os roídos
naturais, como o murmúrio de um diacho,o estrépito de uma torrente, o
sibilar do vento numa floresta ou as harmonias da linguagem humana fundadas
narazão e não na estética.
Do mesmo modo, os novos pintores hão de proporcionar aos seusadmira-
dores sensaçõesartísticas que decorrem unicamente da harmonia das luzes
unpares.
O objetivo secreto dos jovens pintores das escolasextremistas é fazer
pintura pura. Trata-se de uma arte plágica inteiramente nova. Ela está apenas
em seu começo e alada não é tão abgrata como gostaria de ser. A maioria
dos novos pintores faz matemática sem o ou a saber, mas ainda não abando-
naram a natureza, qüe eles interrogam pacientemente para que lhes ensine
o caminho da vida.
Um Picasse estuda um objeto como o cirurgião dissecaum cadáver.
Essa arte da pintura pura, se conseguir libertar-se da arte do passado,
não causará necessariamente o desaparecimento desta última, da mesma for-
ma .que o desenvolvimento da música não provocou o desaparecimento dos
diferentes géneros literários, nem a acridez do tabaco substituiu o sabor dos
alimentos.

lllts
Os novos artistas foram violentamente atacadospor suaspreocüt)açõesgeomé-
tricas. Noentanto, as figuras geométricas são a essênciado desenho. A geome

15. Partes lll, IV e V adaptadasde "La peinture modems'', Zes Soiréesde País, 1: 3
(abril de 1912), pp. 89-92,e n': 4 (maio de 1912): pp. 113-115.
CUBISMO 225

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&

Ma &coó, Retrato de Guilllume Apollinaire,

tria, ciência que tem par objetq a extensão, suas dimensões e rclarões sem
determinou as n(irmãs e regra; da pintura. "' -- - '---vv-'-, "'"'F''-'
Até agora, as três dimensões da geometria euclidiana bastavam para as
uiquntaçoes que o sentimento do infinito desperta na alma dos grandes arts-

'define lma perspectiva livre. móvel, da qual Qengenhosomatemático Miurice Princet deduziu
toda uml geometria''. (Pan[lhris], outubro-novembro
de 1910,p. 650.)Essaatitude foi conân.
mada en conversas comigo én maio de 1952, quando Metzinger declarou que as suas ''idéias
em pintura precisavamde mds de três dimensões,já que estasmostramapenasos aspectos
visíve.is(b um corpo num dado momento. A pintura cubista. .. precisa de uma dimensão maior
226 TEORIASDAARTEMoDERNA

Ê:T3:h.:::.r;::: 1:;3'i»j«. Ú;.ia;';a.i;=:;:


NiFtzsche adivinhara a possibilidade de tal arte:

Ao contar essaanedota, Nietzsche faz pe]a boca de ])ioniso uma conde-


nação implícita da arte grega.
Acrescente-se, enfim, que a qüarfa dome/zsão-- essa expressão iltópica

taras egípcias, negas e oceânicas, meditam sobre os vários trabalhos cientí-


fbos e esperam por uma arte sublimet7

lv
Desejando atingir as proporções do ideal, não mais se limitando à humani-

AfastaM.se cada vez mais da antiga arte das nus(5esde óptica e das proporções
locais para exprimir a grandeza das formas metafísicas. Eis por que a arte
anual, se não é a emanação direta de crenças religiosas específicas, apresenta
não obstante algumas das características da grande ane, ou seja, da arte reli.

V
Os grandes poetas e artistas têm por função social renovar incessantemente
a aparência de que a natureza se reveste aos olhos dcs seres humanos.

(b que a Terceira paraexpressar uma síntee de opiniões e sentinentQSem relação ao objeto.


iso se e posstvet numa dimensão 'poética', na qual todas as dimensõestradicionais são supe-

17 Neste parágrafo que escreveu para o livro e inseriu num manuscrito anterior, Apolli-
naire modificou sua Opinião quanto ao papel da .Quarta Dimensão, tal como a havia exposto
nü artigo original, de abril de 1912,e em Z,ayfe (Pauis),n?6, de 8 de fevereiro de 1913,
CUBISMO 227

Sem os poetas, semos artistas, a monotonia natural não tardaria a abor-


recer os homens. A ideia sublime que eles têm do universo desabaria com
rapidez vertiginosa. A ordem que encontramos na natunza, e que não passa
de um efeito da arte, em breve se des;vaneceria.Tudo mergulharia no caos.
Não haveria mais estações,civilização, pensamento, humanidade; até a üda
desapareceria, e em toda parte reinaria o vazio impotente.
Os poetas e os artistas determinam as características de sua época, e
o futuro se dobra dodlmente aos seus desejos.
A estrutura geral de uma múmia egípciaobedece àsâgurastraçadas pelos
artistasegípcios, e no entanto os antigos egípcios eram muito diferentes uns
dos outros. Eles se canfomiaram à arte de sua época.
É próprio da arte, é seupapel socialcriar estailuMo: o tipo. SÓDeus
sabecomo se zombou dos quadros de Manet, de Renoirl Pois beml Basta
dar uma olhada nas Ê)tografias da época para perceber a confomlidade das
pessoase coisas aos quadros pintados por essesgrandes artistas.
Essa ilusão me parece absolutamente natural, já que as obras de ate
são o que uma época produz de mais enérgico do ponto de vista plástico.
Essaenergia se impõe aos homens e é para eles o papão plástico de uma
época. Assim, os que zombam dos novospintores estãozombandode sua
própria figura, pois a humanidade vindoura há de imaginar a humanidade
de hoje segundo as representações que os artistas da ante mais viva, isto é,
mais nova, tiverem deixado do nossotempo. Não me digam que existem
hoje outros pintores que pintam de tal maneira que a humanidadepode se
reconhecer pintada à sua imagem. To(]as as obras de arte de uma época ba-
bam por assemelhar-e às obras produizidaspela arte mãs enérgica, mais ex-
pressiva,mais típica. As bonecasproadem de uma arie popular; parecem
sempreinspiradas pelasobras da grande arte da mesma época. Eis uma verda-
de que se pode veriâuar facilmente. Entretanto, quem ousaria dizer que as
bonecas que se vendiam nos bazares l:.orvolta de 1880foram fabricadas com
um.sentimento análogo ao de Renoir quando este pintava os seus retratos?
Ninguém,então, se apercebiadisso. No entanto, issosignificaque a arte
de Renoir era bastante enérgica, bastante viva para seimpor aos nossossenti-
dos, ao passo que, para o grande público da época em que ele começava,
suasconcepções se afiguravam loucas e absurdas.

Vli8

Por vezesse tem aventado, especialmelntea propósito dospintores mais recen-


tes, a possibilidadede uma mistificaçã.oou de um erro coletivos.
Ora, não se conheceem toda a Ihistóriada arte um único exemplo de
iniitificação ou erro artístico coletivos, Existem casoscolados de fraude e
erro; idas os olementcs convencionais qne em grande parte compõem as obras
de cite garantetn a impossibilidade de que tais exemplos se generalizem.

18. Adaptado e reesçíito sobre material de l.es Soirées de Paria (ninio de 1912), pp. 113-115
228 Tl:01{1z\S l)/\ /\RT'l.: Mo1)1CRN.f\

'Vll19

A nova escola de pintura é conhecida como cubismo20. O nome Ihe foi dado
zombeteiramente, no outono de 1908, por Henri Matisse, que acabava de
vivamente. epresentanao casascuja aparência cúbica o impressiomu

quejpar:coram nos /ndépendanfs quadros de Robert ])elaunay, Made Lau-


rencin e Le Fauconnier, que pertenciam à mesma escola. '"'
A primeira exposiçãocoletiva dos cubistas, que se iam tornando mais
numerosos, ocorreu em 1911 no /ndigpe/zda/zzs,'
a sala 41, reservada aos seus
trabalhos, causou profunda impressão. Viam-se ali obras eruditas e sedutoras
de kan Metzinger; paisagens,,f/amem Nu e .A/u//zercom PA/ox de Albert
Glebes; o Re/raro de Mme. terna/zde X e as Mocin/zas de Made Laurencin,
a Tar/e de.Robert Delaunay, a .4bündê/leia de Le Fauconnier, os .Nlzs /zzepza
Paisagem de Femand Léger.
A primeira manibstação dos cubistasfora da França ocorreu em Bruxelas
no mesmoano, e no prefácio ao catálogodessaexposiçãoaceitei, em nane
dos expositores, as denominações cublfmo e cublsfas.
Em fins de 1911, a exposição dos cubistas no Sa/oiz d'..4a/om/zefez um

19. A l)reve história do cubismo que abn este capítulo foi, de acordo com a note de
Apolinairc, acrescentada is provas em setembro de 1912. Baseou-se num antigo que, segundo
Bnuug. foi publicado em lt) de outubro de 1912em l,'/we/médias? desChercAeunef des Cüzüüu
11J.$
l

20. Apollinairc analbou detalhadamente l ''nova pintura" (porém não citou nomesl na
primeira parte do.livro, masesta é a primeira menção da palavra cubismo. '
CUBISMO 229

ruídoconsiderável e não se pouparam escámios nem a Glelzes ( 4 Caça, Re/ra-


/o de /actue.ç ,Nayra0, lem a Metzinger (.A/u//zercom Co/hr) , nem a Femand
Légei. A estes artistasveio juntar-se um novo pintor, Marcel Duchamp, e
um escultor-arquiteto, Duchamp-Villon.
Outras exposiçóescoletivas tiveramlugar em novembro de 1911(na Gab.
rie d'4rí Confemporain, rua Tronchet, Pauis); em 1912, no Sa/on des /ndêpetz-
da/zQ assinalada pela adesão de Juan Gris; no mês de maio, na Espanta
(Barcelona acolheu entusiasticamente os jovens franceses); enfim, no mês
de junho, em Ruço, exposição organizada pela Socléíédei.4r/isles ,Nbrmands,
marcada pela adesão de FrancêsPicabia à nova escola. (No/a escrífaem se/em.
bro de 1912.)

O que diferencia o cubismo das velhas escolasde pintura é que ele não
é uma arte de imitação, mas uma arte de concepçãoque tende a elevarse
às alturas da criação.
Representando a realidade concebidaou a realidade criada, o pintor pode
dar a aparência de três dimensões. Pode, de certa forma, cabícar. Não pode
fazê-lo expressando s&nplesmente a realidade vista, a menos que utilize o
zrompe-/'oei/ em escoiço ou em perspectiva, o que deformada a qualidade
da forma concebida OE criada.
Possodiscernir quatro tendências no cubismozt, duasdas quais são putas
e paralelas. l
D cubismo cienf@coé uma dessastendênciaspuras.É a arte de pintar
novas estruturas com elementos tomados de empréstimo, não à realidade

ZI. As conhecidas, masenganosas,quatro ategorias do cubismomencionadaspor Apolh-


naire foram vigorosamente condenadas desde o seu aparecimento em letra de forma. Criaram
também muita confusão entre aqueles que as interpretaram literalmente. Observaçõesposte-
riores de Apollinaire permlem deduzir (ver Breunig) que ele náo congderava essa classificação
definliva, pois, como no casode suas ambíguasreferências à Quarta l)imensão, estava apenas
tentando lembrar o espírita das novas direções (h pintura.
Note-se que suas classificações foram apresentadas pela primei:a vez numa conferência
intitubda "0 Esquartejamelto do Cubismo" (l,'Ecarlé/emePírdu CKbisppe),
feita em ll de out\bro
cle 1912na primeira exposição da Secllo/i d'Or. Essa exposição foi organizada exatamente pelos
artistasque estavamreagindocontra o cubismode Picassee Braquce que tentavamdelnir
novasdireções cuja motivação, em geral, era mais intelectual. Fala\am de geometria (cano
indicltva o nome escolhido Para o grupo), de pintura ''pura'' e da cor cano o constituinte essencial
(]íi fomta. O escândalo provocado pelo cubismo nos quatro salões que cle havia dominado desde
\ primavera de 1911desap.recera. e poucos mesesdepois Apollinaire podia escrever (e rara-
tór-ià apressadamente): ''l,e Cublsme esf mor/, v/ve /e Cubfsme"
A exposição da Secrím d'Or não pode ser dlamada com exatidãode manifestação cubata;
rcÍ)rolentou antes a multiplicidade de direções abertas pelas inovações do cubismo de 1909
ti-191L,tül como se evidencia nos trabalhos de artistas tão diferentes quanto Duchamp, Vilbn,
Piêablae Frest\aye. Os cubistasortodoxos, como Metzinger, Gleizet, Léger e Gris, também
ostüvlm,. é claro, representados, mas o caráter da exposição foi esübelecido por uma mva
ideõlpgia.
Eín suas..tentativasü descrever a difusão do cubismo, porém, Apollinaire forçou quase
tódosos artisttis contcmpoíâneos a entrar numa desuascategorias, atémesmoMatasse,Roumlt,
2Í.io I'EoitIAS l)A ARTE MODERNA

l E mn ::?:n:n :
O aspectogeométrico que tão üvamente impressionouos que viram as
prime ras,telas clentíEcas pro:linha do fato de a realidade esencial ser expressa
com grande pureza, com a eliminação do acidente visual e anedótico.

;:Bg : glg llmautm


O czzÓlsmoJhlco, que é a arte de pintar novas estruturas com elementos
tomados de empréstimo, em sua maioria, à realidade de visão. Essa arte.
porém, pertence ao m(cimento cubista pela disciplina construtiva Tem xi;
grande futuro como pintura de história. Seu papel social é bastante'
--":--
claro.
"'' 'l
mas não constitui uma arte pura. .Nela seconfunde o tema com as imagens.
O pintor-físico que criou essatendência íoi Le Fauconnier
O cubismo ó/Pco é a outra grande tendência da pintura moderna. É
a arte de pintar .novas estruturas cujos elementos não foram tomados de em.
préstimo à realidade visual, mas totalmente criados pelo artista e dotados
por ele de uma realidadeplena. As obras dos artistas órficosdevem apresentam
simultaneamente um prazer estético puro, uma construção que se patentes
aos sentidos e um significado sublime, ou seja, o tema' É arte pura A luz
que contemplamos nas obras de Picassocontém essaarte, para a qual muita
contribuíram as invenções de Robert Delaunay e os esforços de Femand Lé.
ger, Fiancis Picabia e Marcel Duchamp.
O cubismo ínsü/zíívo, arte de pintar novas estruturas tomadas de emprés
temo não à realidade visual, mas'àquela que o instinto e a intuição sugerem
ao artista, há muito tende ao orfismo. Falta aos artistas instintivos a lucidez
e um ideário estético; o cubismo instintivo compreendeum grande numero
de artistas. Saído do impressionismo frands, esse movimento se estende hoje
por toda a Europa. ' ' ''''
Os últimos quadros de Cézanne e suasaquarelas pertencem ao cubismo,
mas Courbet é o pai dcs novos pintores e André Deram, de quem um dia
voltará a falar, foi.o mais velho de seusfilhos bem-amados, pois vamos encon-
tra-lo aa origem do movimento dos Fauces,que constituiu uma espéciede
preâmbulo ao cubismo? etambém no princípio dessegrande movimento subje-
tiVo; mas seria demasiado difícil, hoje em dia, escrever com discemimento
sobre ixn homem que seisolou voluntariamentede tudo e de todos.
A moderna escola.de pintura me parece a mais audaciosajá surgida
até aqui. Foi ela que colocou a questão do belo em si. ''' '' '-''
Pretende visualizar o belo independente do deleite que o homem causa

Boccionie Made Laurencin. Numa nota no final do livro, chegoua relacionar'\ maioria dos
críticos de acordo com as suasquatro categorias. Toda essa nova parte, portanto, é mais uma
palestra informal e entusiasta, feita ante um pública bastante simpático ao movimento, do que
umí! tcnütiva cuidadosa de discernir os diferentes estilos. ' ' '
CUBISMO 231

Amo essaaluz: POel&eamo antesde lido a luz, porqueo homemama

NOVOSPINTORES
PICASS022
S

Essasmulheres que ninguém mais ama selembram. Hoje elas repassaram


repetidamente suas idéias quebradiça.s. Não rezam; são devotas das recorda-
ções..Agacham-seao crepúsculocomo uma velha igreja. Essasmulheres re-
tluuciam a tudo e seus dedos anseiam por tecer coroas de palha. Com o dia
elas desaparecem;vão consolar-seno silêncio. Quantas portas não atraves-
sar:ailtl As mães protegiam os berços para que os recém-nascidos não fossem
mald{)ta(k)s; quando se inclinavam, as criancinhas sorriam por sabe-las tão

Mui:kls vezes elas agradeceram, e os gestos de seus antebraços tremiam


c'tIHn $uú l)álpcl)ras.

i#i+.4i!
#:::u:ll ;f;;==':=::n:;:;u::=m.::=e=';;:.e
]liXcütt>QÜI.:ligcirn condensaçãodos três últimos parágrafos.foi reproduzia tal como havia
sido óri8indlticnte escrita
232 Teor?lAS l)A ARTE MODERNA

Num dia claro, mulheres se calam; de corpos angelicais,os olhares lhes

Diante do pe: go seussorrisossão interiores. Precisamser amedrontadas

amido do abismo e dleia de piedade. sapintura molhada, azul como o fundo

: €
lâm Em quartos Tiseiáveis,'pintores desenhavamnus lanosossob a luz da
pressaentemecida. aos sapatosde mulher perto da cama significava uma

A calma sucedeu a esse frenesi.

u:::=:=;: n l:l:BWTBl=
:;..;=

;.d$HIf: nn;:a'm:;
As mães, primipaias, já não esperavam a chegada do bebé. talvez nQF
Jm
causadeunscorvostagarelaseagourentos. ' '' ' '-''--r-'
Natal! Deram à luz futuros acrobatasem meio a macacosde estimação,
cavalos brancos, cachorros e ursos. " ''-' -- :"»-""'vu"'
As irmãs adolescentes,pisando em perfeito equilíbrio as pesadasbolas
dos saltimbancos, impõem a essas esferas o movimento irradiante dos mundos.
Impúberes, essasadolescentestêm as inquietudes da inocência, os animais
lhes ensinam o mistério religioso. Arlequins acompanham a glória das mulhe
res, parecem-se com elas, nem machos nem fêmeas. '
CUBISMO 233

exemplooquase Picassopelontas.secasrerearmutávele penetrante produziu

:d
..
ii E3:'::::: : :
E os que o conheceram antes lembravam-se de truculâlcias ránjdas nuc
Já estavam além do estágio experimental. "'"'' '-r''" 'í"
Suainsistência na bascada beleza mudou tudo na arte.
Então ele interrogou sevcramentt30 uaiverso23.Acostumou-se à luz imen-
sa das profundezas. E às vezes$nâodesdeiíhou usar de objetos autênticos,
uma canção de dois vinténs, um selo de correio verdadeiro, um pedaço de
lona impermeável sobre o qual se imprimiram as estrias de uma cadeira. A
arte do pintor não acrescentavanenhum elemento pitoresco à verdade desses
objetos.
A surpresa ri selvagemente na pureza da luz, e é legttmamente que alga-
:sismose letras de comia Aparecemcomo elementos pitorescos; novos na arte,
há muito tempo já estão impregnados de humanidade ' "' '' "- --'

Não é possível adivinhar todas as possibilidades e tendências de uma


arte tãõ profunda e minuciosa.O obtjetoreal ou o /rompe..Z'oel/
é chamado
sem dúvida a desempenhar.umpapel cadavez mais importante. O objeto
é a moldura interior do quadro e assirxalaseuslimites profundos, assim como
a moldara Ihe marca os limites exteriores.
Imitando os planos para representam
os volumes, Picassofornece dos
diversos elementos que compõem os objetos uma enumeração tão completa
e aguda que estes não assumem a forma de objetos, graças ao trabalho dos
espectadores, que são forçados a perct3bersimultaneamente todos os elemen-
tos cxalamente em razão do modo como foram ananjados.
Essaarte seria mais profunda que elevada?Ela nãõ dispensaa observação
da naturezae atua sobre nós tão intimamente quanto esta última.

23..O restante da parte febre Picasseapareceuem .A/on4ale/11, 3, 14 de março de 1913,


ti'ês dias antes da publicação do livro.
234 ['Eo]tIAS ].)A AitrE MODERNA

fH: H :ã:;: H:::='":::.:=::,:=::==:


:
- Para Picasse, o desígnio de morrer seformou quandoele olhou assobran-
celhascircunflexas de seu melhor amigo cavalgando amiosamenteos seus
olhos. Outm de seus amigos o levou cedo dia aos confins de um país místico
cujos habitantes eram ao mesmo tempo tão simples e tão gmtescos que se

reinventa-la e executar seu próprio assassinatocom a ciência e o método


de um grande cirurgião.
A grande revolução das artes, que ele realizou quasesozinho, consistiu
em fazer do mundo sua nova representação. '* ' ''''""-'
Enomie conflagração.
Novo homem, o mundo é sua nova representação. Enumera-lhe os ele-

É,um recém-nascido que põe ordem no universo para seuuso pessoale tam
bém para facilitar suasrelações com seussemelhantes. Essa enumeração tem
a grandeza da epopéia e, com a ordem, explodirá em drama. Pode-se contestar
um sÉtema, uma idéia, uma data, uma semelhança;masnão vejo como se
haveria de contestar a simples ação do enumerador. Do ponto de vista plástico,
podese argumentar que poderíamos passarsem tanta herdade; mas, urna
vez aparecida, essa verdade se torna necessária. E depois há ofpaíses.' Uma
gruta numa floresta onde se faziam cabriolas, uma passagemem lombo de
mula à beira de um precipícioe a che@daa uma aldeiaonde tudo cheira
a óleo quente e a vinho rançoso. Há ainda o passeio a um cemitério, a compra
CUBISMO 235


g
l Le ....ef «;ll'Pt' t"e cG'}-e
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Gzzí//pune.4po//Ina/re, O bandolim, a violeta


e o bambu. c. /9.r3. ca/lgrama.
'l'l.:oRlAS l)A ARTE MODERNA

centocontra a mime a Ar:e npaio


me mete medo e não lenho nenhum precon-

GEORGB BRAQUE

As aparências pacíficas na generalização plástica foram novamente reunidas


numa região temperada pela arte de Georges Braque. "''--- --"u'u"-

com o público após B e o pl:meirosdestóocaspintores a entrar em contato


1908 sseacontecimentocapital teve lugar no Sa/on des/ndépePzdanis,
em
CUBISMO 237

m$:B;= :r=üezã:n
ã:='::H='==== =

..;:-«',Bn=EmETm;
:BB

Georges Braque deve ser chamado ''o verificador''. Ble verificou todas
as nonGades da arte moderna, e ainda há de verificar outras. ' '''- ----

gli$$igHlf HB11::1:j3
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2:18 1'iCoitiAS DA ARTE MODERNA

JEAN MEIZ[NGER

Nenhumjovem pintor contemporâneosofreu tanta injustiça nem mostrou


.'
tanta obstinação quanto Jean Metzinger, esseartista requintado, um dos mais
pliroi do nosso tempo. Nunca se recusoua aceitar a lição dos acontecimentos.
Na dolorosa viagem qle empreendeu à procura de uma disciplina, Jean Met-
zinga se deteve em todas as localidadlesbem policiadasque encontrou em
seu caminho.
De início vamos elcontrá-lo na mo(hma e elegante cidade do neo-impres-
sionismo, cujo fundador e arquiteto foi Georges Seurat. '

O verdadeiro valor dessegrande pintor ainda não foi compreendido.


No desenho, na compclsição, na própria discrição de suas luzes contrastantes.
suasobras têm um estilo que as coloca à parte e talvez acima da matara
dos trabalhos de seus contemporâneos.
Nenhum pintor ne faz pensarem Moliêre como Seurat,no Moliêre do
B lrgKês./ida/go, que institui um balé cheio de graça, lirismo e bom senso.
E telas como O circo ou O ca/zuf são também balés cheios de graça, lirismo
e bom senso.
Os pintores neo.impressionistas são os que, para citar Paul Signac, ''im-
tauraíam e, desde 1886,desenvolverama técnicaconhecidacomo d/vüáo empn-
gandacomo modo de «pressão a mistura óptica dos tons e das tintas''2ó.Essa
técnica poderia ser associada à arte dos mosaístas bizantinos, e lembra-me
que um dia, em carta endereçada a Charles Morice, Signacse referia também
à Livraria de hiena.
Essatécnica tão luminosa e que pulha ordem nas novidadesimpressio-
nistasfoi adivinhada e mesmo aplicada por Delacroix, a quem ela fora revelada
pelo exame dos quadros de Constable.
Foi Seurat quem, em 1886, expôs o primeiro quadro dividido: C/mZ)o-
mlngo /za Grande-Jar/e. Foi ele quem levou mais longe o contraste das cores
complementares na construção dos quadros. Hoje a influência de Seurat s:
faz sentir até na École des Beaux-Ans e ainda há de fecundar a pintura.

JeanMetzinger tew um papel entre osdivisionistas requintados e laborio-


sos. Entretanto, as minúcias coloridas do neo-impressionismo serviam apenas
para indicar os elementos que formavam o estilo de uma época que, em qual
todas as suas manifestações artísticas ou industriais, parecia desnudada'dele
aos olhos dos contemporâneos. Seurat, oom uma precisão que se pode quali-
ficar de genial, traçou de sua época alguns quadros em que a firmeza do
estilo é igual à nitidez quasecientífica (llaconcepção (O caiar, O circo quase
pertencem ao cubismo de/z/isco). Reorganizou quase toda a arte do seu tempo

2é. Declaração de abertura de Signac, Z7Eulê/zeZ)e/acroix au Néafmpresslonlsme.Esses


pariígfdos sobre o neo-impressionismobaseiam-sena crítica de Apollinaire ao livro de Signac
en}.l,TdraPislgeaní, 7 de agos&)de 1911, reproduzida em Breunig, CAronfquesd'.4rf, pp. 192-193.
CUBISMO 239

para fiar os gestos que caracterizam .ésse./!n de s/êc/e, essefinal do século


A -, qn que [uao era anguloso, puerilmente insolente e entimentalmente

:dm':g=EEi=E:lXli:l
:S:
.De sua experiência com os neo-iml)ressionistas, Jean Metzinger conser-
vou um gosto pela minada, gosto que não é, de forma alguma, medíocre
Nada há de inacabadoem sua obra, nadaque não sejao fruto de uma
l?ÊE'tlgl?l':l',' ;e alg«m,«z el. s. e«g,-«l o'dÚ.ião'=Ú.:li ;: imp;;;;
saber, atou certo de que não foi por acas:o.Sua obra será um dos documentos
mais autorizados quando se quiser explicar a arte da nossaépoca. E graças
aos quadros de Metzinger que se poderá distinguir entre o que tem e o que
não tem valor estético em nossaarte. Uma pintura de Metzinger contém
sempre sua pr(5pria explicação. Trata-se, quem sabe, de uma nobre fraqueza,
mas é certamente o resultado de uma alta consciência, e creio ser este um
caso único na história dasartes.
Quando.se contempla um quadro cleMetzinger, sente-seque o artista
teve o firme desejo de não levar a sério o qiie é sério e que osacontecimentos,
segunda um método que me parece excelente, Ihe fornecem os elementos
plásticos de sua arte. Mas, embora não :rejeite nenhum deles, não os utiliza
ao acaso. Sua obra é sã, mais sã, sem dúvida, que a da maioria das obras
de .seuscontemporâneos. Ele encantará aqueles que querem conhecer as ra-
zões das coisas; e suas razões satisfazem ao espírito.
240 '!'lCoRIAS l)A z\RI'E MODERNA

As obras de Jean Metzinger têm pureza. Suas meditações assumem balas


formas, cuja hamionja tende a aproximar-se do sublime. AS novas estruturas
que ele está compondo são inteiramente despojadas de tudo o que se conhecia

Sua arte cada vez mais abstrata, mas sempre agradável, aborda e trata
de resolver os problemas mais difíceis e imprevistos da estética.
Cada um de seustrabalhos encerra um julgamento sobre o universo,
e a totalidade de sua obra assemelha-seao límpido firmamento noturno onde
cintilam luzes adorávds.
Nada há de inacabado em suas obras; nelas a poesia enobrece os mais
pequenosdetalhes.

ALBERT GLEIZES

As obras de Albert Gbizes constituem poderosasharmonias que não devem


ser confundidas com o cubismo teórico dos pintores cieMíficos. Lembro-me
de suasprimeiras experiências.Nelas já se sentia a vontade de reduzir a ante
aos elementos mais simples. Em seus'começos, Albert Gleizes se viu diante
das escolasque então floresciam: os últimos impressionistas, os simbolistas.
alguns dos quais se tinham tornado intimistas, os neo-impiessiomstas, os divi-
sionistas e os Fauves; sua.situação era aproximadamente a mesma em qae
se encontrava o DouaRier Rousseau em relação aó acadernismo e ao inteln.
tualisno dos salões ofbiais.
E então que ele canpreende os trabalhos de Cézanne, que influenciaram
as obras dos primeiros cubistas.
Gleizes desenvolveu harmonias que se contam entre o que as artes pl&-
ticas produziram de mais sério, de maÉ digno de atenção'nos últimos dez
anos
Seusretratos mostram claramente que em sua arte, omo na da maioria
dos avos pintores, a Individualizaçãodos objetos não é tarefa apenasdos
espedadores.
Costuma-se considerar os quadros de Albert Gleizes e os de muitos jovens
pintores como tímidas generalizações.
E, no entanto, na maioria dos novosquadros os caracteresindividuais
são ainda marcados por uma firmeza? uma minúcia que não pode escapar
aQp::qteviram os novos pintores trabalhar, que observaram sua pintura com
üm pouco de atenção.
A generalização lânguida caracteriza antes os pintons intelectuais das
períodos decadentes. Que caracteres individuais existem na pintura de um
Heüry de Groux, que generalizao sentimento decadentedos imitadores de
Baud+laire.,.nos quadros de um Zuloaga, que generaliza a Espanha convea-
eional:dosúltimos românticos? A verdaddra generalização impliéà uma indivi-
dualiação mais profunda, que vive na luz, assimcomo ncspróprios quadras
dos impressionistas à Claude Monet, à Seurat (e mesmo à Picasso), que gene-
ralizam sua sinceridadee renunciaram a definir os caracteressuperficiais.
CUBISMO 241

Não há lula árvoreoumapcasauma personagemcujas característicasindivi-


Foium pintor impressionista que ,;ntesde executar um retrato COHcnâl,â
alzenao que ele nâo se pareceria muito COm o original. '-'-, -'"vyu'a

ido ppreocs P:lmo com a realidade. com os traços individuais, poderiam


Em muitos dos novos pintores cada concepçãoplástica é ainda individua-
lizada ni generalização com uma paciência realmente notável.

um grau de plasticidade tal que todos os elementos que constituem seus carac-
teres individuais são representados com a mesma majestade dramática.

A majestade, eis o que caracteriza antes de tudo a arte de Albert Gleizes.


Desse modo ele introduziu na arte contemporânea uma emocionante novida.
de. Antes dele, só vamos encontra-la nuns poucos pintores modernos.
Essamajestade desperta a imaginação, provoca a imaginação e, encarada
do ponto de vista plástico, constitui a imensidadedas coisas.

Essa arte é vigorosa Os quadros; de Albert Gleizes são realizados por


iça cuja naturezaé a mesma-quepermitiu construiras pirâmides e
as catedrais, as edificações metálicas, as pontes e os túneis.
Essasobras revelam por vezes uma certa habilidade, como as encon-
tradas nas grandes obras da humanidade, porque, com efeiü), o desígnio da-
quele qBe as fez era sempre faze-las o menor possível. E o mais puro senti-
mento.que um artista pode ter em su.aante é faze-la o mdhor possível; só
um artista inferior se contenta em realizar suasobras sem esforço, sem traba-
lho, sem dar o melhor de si.
'!'li{)leIAS r)A AltTl: MODERNA

]'iKNKI li.0USSEAU27

A juventude artística já testemunhou o alto apreço em que tinha as obras


dessepobre anjo queera Henri Rou!;icau, o Douanier, que morreu no final
do grão de 1910. Poderíamos também chama-lo de o Mestre de Plaisance28.

i==iT:i:=:i;.f=3=:=S:
==1'"""". '" « ;. ,úú-ai;'iú;
Poucos artistas faltamtão ridicularizados durante a vida quanto o Doua-
nier. e poucos homem enfrentaram com mais calma os escárnios e gmsseiias
com que o cumularam. Esse velho cortês conservou semprea mesma sereni-
dade de humor e, por um traço feliz de eu caráter. via nas próprias zombarias
A :.A-- .

quere considerava o mais vigoroso pintor do seu tempo. E é possível We


em muitos pontos ele não estivesseenganado. Pois, se Ihefaltou na juventude
uma educação.artística (e isso pode ser sentido), parece'me que, mais tarde
quando quis pintar, ele estudou os m€1s:rescom paixão, sendo talvez o únno
moderno que lhes adivinhou os segredosmais recônditos.
Seus defeitos consistem apenas num ocasional excesso de sentimento
quasesempre numa bonomia popular acima da qual ele não conseguia elevar.
se e que contrastava fortemente com !;uasempresas artísticas e com a atitude
que assumira em relação à arte contemporânea.
Mas, ao lado disso, quantas qualidades! E é significativo que a juventude
artística as tenha percebidos Pode-se lelicitá-la por isso, sobretudo se sua
intenção não é apenas honra-las, mas também realiza-las. O Douanier ía até
o fim de seus quadros, coisa muito rara hoje em dia. Neles não se encontra
nenhum maneirismo, nenhum método, nenhum sistema. Daí a variedade de

Daí agraça e a riqueza de suascomposições decorativas. Tendo feito a campa-


nha do México, guardara uma lembralnça plástica e poética bastante precba
davegetaçãoedafauüatropicais2P. ' ' ' ''" ''''-'''' r

27. Este ensaio apareceuna primeira das várias críticas de Apollnaire sobre o Sa/on des
Indép danes (L'l/:!raw em1, 20 de abria de 19].1). Rousseau falecera en 4 de setembro de 1910
e uma exposição de seusquadros foi organizada, em homenagem a ele, no Salão. Os quadros
tiveram uma localização.de honra, na sala 42, entre a histórica sala 41, onde os cubistas apare-

:lãBI :% ili :l: ::: : ;üÉÊ


Não recebeu um título em separado em Z,esPelnlresCzzbfsles,mai foi colocado sob Maíie
Laurencin (nao incluído aqui), com.trechos sobe Laurencin tanto antescomo depois dde.
Embora todos os outros artistasexaminados no livro tivessemsuaobra illstradaz nenhum quarto
de Rousseau foi reproduzido. '' '' '''&''""'"' 'x
28. Rousseau morava no bairro de Plaisartce, ao sul da Gare Moatparnasse.
29. Rousseau teria servido no México durante seu serviço militar Alguns historiadores
sel;uem Apo1linaire ao atribuir as cenas da sel-/a a reminiscências da ocupação francesa, nns
CUBISMO 243

infante, dos quadros dos mestres. ' ' " ""''' '-'-'
A vontade desse pintor era das mais fortes. Como duvidar disso, tendo
visto suasminúcias que rúo são fraquezas,quando diante de nós se eleva
o cântico dos azuis, a melodia dos brancos em sua .Nzípcías,onde uma figura
de velhacamponesa faz pensar em certos holandeses? '' ' '"'- "'
-. Como pintor de retraos, Rousseau é incomparável. Um retrato de mu-
lher em meio corpo com negros e cinzas delicados«élevado mais longe que
um retrato de Cézanne. Por duas vezes tive a honra de ser pintado por Rous-
seau em seu pequeno ateliê da rua Perrel; muitas vezes o vi trabalhando
e conheçoa preocupaçãoque ele tinha can os detalhes,saafaculdadede
preservar a concepção primitiva e:definitiva de cada quadro até a sua conclu-
são, e sd também que elc nada deixava ao acaso, nada, sobretudo, do que
era essencial. '
Entre os belos esboçosde Rousseau,nenhum é tão espantosocomo a
pequena tela intitulada .4 CarmanAo/a. Trata-se do esboço do Centenário
da ande/zndência, sob o qual Rousseau escrevera:

Aupràs de ma blortde
Qu'l faia bon, faia bon, fait bon

O desenho nervoso, avariedade, o encanto e a delicadeza dos tons fazem


a excelência dessaobra. Seusquadros de flores mostram os recursosde encan-
to e ênfase que estavam na alma e na mão do velho Douanier.

JUAN GRIS

Eis o homemque meditousobre tudo o que é modemo, eis o pintor que


não quemconceber senãoestruturas novas, que não gostaria de desenhar,
de pintar senão formas materialmente puras.

recentemente Charles Chassé descobriu, nos arquivos militares, que o punk)r nunca esteve ali
e que as formas florais de seus quadros são tão generalizadas que não podem ser localizadas,
ou então que podiam ser enconbadas no Jardin des Plantei, onde ele costumavadesetüar.
2fÍ..l. Tl!oRlAS l)A ARTE MODERNA

11HB$:E
nR%BBIBH::ll$
CUBISMO 245

enquanto a arte de Picassoé concebida xa luz (iinpressiooismo\ a de Jua-


uris secontenta com a pureza cientificamente concebida. /'

dia, san dúvida, dessapureza hão de brdar paralelasa aparênciapura e um

FERNAND LÉGER

Banhistasda noite, um mar horizontal, cabeçassemeadas,como nas difí.


cais ccinposições que só Henri Matisse havia realizado.
Em seguida, após desenhosinteiramente novos, Légel decidiu entregar.

::::li;l;:====fi=.:=; =f2=.=i E
A obra de Léger transformou-se depois num paísencantado onde sorriam
personagens afogadas ern perfumes. Personagensindolentes que, voluptuo
::l:ente, transformam l luz dai cidade em múltiplas e delicadas colorações
uyv-"
sombreadas, lembrança dos vergéis normandos. Todas as cores fervem. De..
pois sobe um vapor e, quando ele se dÉsipa, lá estão as cores escolhidas.
Uma espécie de obra-palma nasce desse ardor: chama.se O Fumaníe.
1%, po:s: em Léger um desejo de extrair de uma composiçãotoda a
emoçãopelstéticaque ela pode dar. Ei-lo que eleva a paisagemao mais alto
Léger descarta.tudo o.que não ajuda a dar à sua coacepçâoo aspecto
aprazível de uma feliz simplicidade. ' ' ' "'
E um dos primeiros que, resistindo ao velho instinto da espécie, da raça,
seabaadonaram alegrementeaoinstintodacivilização. ' '
Esseinstinto é objeto de uma resistência muito maior do que se imagina.
Em um ele se torna um frenesi grotesco,o frenesi da ignorância.Em outros.
enfim, consisteem tirar partido de tudo o que nos vem através dos caco
sentidos.
Fico contente quando vejo um quadro de Léger. Não é uma transposição

pouco de uma obra cujo autor fez o que todos querem fazer hoje em dia.
Há. os que querem refazer uma alma, um ofício como no século XIV OE
XV.; há os que, mais hábeis,forjam uma alma do século de Augusto ou de
Périclesem.menos tempo que aquele que uma criança necessitapara aprender
a ler. Não, não se trata, ao caso de Léger, de um desseshomens que acreditam
que a humanidade de um século é diferente da de outro séculoe que confun-
dem -Deuscom um guada-roupa, desejososde identificar suasroupas eom
sua alma. Trata-se de um artista semelhmte aos dos séculosXIV e IXV,laoi
246 TEORIAS DA ARTE MODERNA

rejubilo-me tanto com sua simplicidade quanto com a solidez de seu julga-

Amo sua arte porque ela não é desdenhosa,porque não conhece baixezas
e porque não raciocina. Amo suas ares leves, ó Femand Léger. A fantasia
o elevará ao reino das fadas, mu proporciona-lhe todas as suas a egrias.
Aqui a alegria se expressa tanto na intenção como na execução Ek en-
contrará outros pontos de fervura. Os mesmos vergéis terão cores mais lives.
Outras famílias se dispersarão como gotículas de uma queda-d'água e o arco-
íris virá vestir suntuosamente as minúsculas dançarinas do corpo de baile.
OBhóspedes da boda dissimulam-se uns atrás dos outros. Ainda um pequeno
esforço para libertar-se da perspectiva, do miserável truque da perspectiva,
dnsa quarta dimensão às avessas, dessemeio infalível de tudo apequenar.
Mas essapintura é líquida: o mar, o sangue,os rk)s, a chuva. um copo
de água e também as nossas lágrimas, a umidade dos beijos, com o suor
dos grandes esforços e das longas fadigas. ' ' ''

FRAN(;I; PICABIA

Vindo do impressionismo, como a maioria dos pintores contemporâneos,


Francis Picabia, como os Fauves, traduziu a luz em cores. Desse modo ele
chegou a uma arte inteiramente nova, onde a cor já não é meramente colori-
zago, nem tampoum uma .transposiçãoluminosa, para a qual, enfim, a cor
Já aão tem nenhuma significação simbólica, já que eh própria é a forma
e aluz daquilo que serepresenta.
ssemodo ele abordava uma arte da qual , como nade Robert Delauaay,
a dimensão ideal é a cor. Por isso ela tem todas as Detrás dimensões''Em
Picabia, porém, a fomla é ainda simbólica, quando a cor deveria ser formal:
arte perfeitamente legítima e que pode ser considerada como extremamente
elevada. Nessa arte a cor se apresenta. saturad-a de energia e suas extremidades
continuam no espaço.A realidade aqui é a matéria. A cor já não depende
dastrês dimensões conhecidas; é ela qae as cria. ' ' ''
Essa arte está tão próxima da música quanto poderia estar o oposto desta
última. Pode-sedizer que a arte de Hcabia gostariade ser para a pintura
antiga o que a música é para a literatura, mas não se pode afirmar que ela
seja musical. Com efdto, a música procede por sugestão; aqui, ao contrário,
nos sáo apresentadascores que deveriam impressionar.nos não mais como
símbolos, mas como R)rmas concretas31.Entretanto, sem abordar meios no-

30. A teoria de Picabia nlacionava-se com o ciráter "musical" de suapintura quase abstrata,
assumoque os dois homenshaviam discutido. Ver seu "cubismo pcr um cubista", For üd
Agaínl, yfewson rAe/nre/mriopza/
ExA/bidon#e/d fn /Vewyork ald CAlcagolaExposi$o
Armcry] (Nova York, AmericanAssociationof ?aintersand Sculptors,Inc., 1913).
CUBISMO 247

$
2.1.8 I'lCORlzl.S l)A 'ARTE MODERN/\

MARCEL DUCHAMP

$f E !E ;l=;:mf'ulv;:

Traços dessesseresestão presenes nos quadros de Marcel Duchamp.

Essa arte que seempenha em estetizar percepções tão musicais da natu-


rezaproíbe a si mesmao capricho e o arabescoinexpressivoda música.

Po Enclusive desenpenhar um papel social. rça da qual não fazemos ideia.


CUBISMO 249

APÊNDICE

DUCHAMP-\4LLON32

mente a arquitetura. '


Quando os elementos que compõem uma escultura já üão encontram sul
justiãcação na. natureza, esta arte se converte em arquitetura. A escultura
pura está sujeita a uma necessidadesingular: deve ter uma finalidade prática,
ao passo que é possível conceber uma arquitetura tão desinteressada como
a música, a arte que mais se Ihe assemdha. A Torre de Babel, O Colosso
de.Redes, a estátua de Menon, a Esfinge, as Pirâmides, o Mausoléu, o LabP
Tinto, os blocos esculpidos do bléxico, obeliscos, menires, etc.; e ainda ai
colunastriunfais ou comemorativas,a Arco do Triunfo, a Torre Ei#el --

32 nuchampliuzion expdeers recenu mente 10 salão modelos arquitetõnicos e desenhos,


'l'BoRlAS l)A ARTE MODERNA

:...:===.:;:=:.ã
ÜE:l:Ê:::.fH:b?H:.:::
=U=

:: iÍW :Êl=='ü!::: .::'=!!::


NOTA

A11-nn- ''":. o físico, defendido na imprensa pelos escritoresacima, Rogar


"."alu ç vuvler nourcaae, pode reivindicar os talentos de Marchand, Herbin
V lT \f4 Ç+.
CUBISMO 251

: O cubismo órüco, que foi defenddo por Max Goül e pelo autor deste
trabalho, parece congítuir a tendência puré que Dumont e Valensi seguirão.
O cubismo instiiÉivo forma um mwimento importante, iniciado há muito
tempo, e já irradia fora da Fiança. Lauis Vauxcelles, René Bluiü, Adolphe
Basler#Gustãve Kahü, Marinetti e Michel Puy defenderam algumas persona-
lidades cujas obras estão ligadas a essacorrente: Ela et81oba artistas nume-
rosas, como lienri Matisse, Rouault, André Deram, Raoul Dufy, Chabaud,
JeaaPuy, Van Dongen, Severini, Boccioni, etc.
Entre os escultores que aderiram à escola cubista, cumpre mencionar,
além de Duchamp-Villon, Auguste AIÉro, Archipenko e Brancusy.

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