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a Vida · a Obra

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VAN GOGH
WLADIMIR ALVES DE SOUZA

VANGOGH
a Vida . a Obra

Tese apresentada ao concurso


para professor catedrático de
História da Arte - Estética,
da Escola Nacional de Belas
Artes da Universidade do
Brasil.

1955
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A memória de meu pai
"L:a [asnille maqnijique ct lamcniable des uer-
'<'cu:\:"est le sel de Ia terre. Ce S01lt eux et uoti pas
d'outres que oni [oudé lcs rcliqions et composé lcs
chefs d'oeuurcs. Jamais le monde ne saura iout ce
qu'il lcur doit, ni Sl!1'tOUt cc qu'ils ont souffert pour
/c fui doniier ...

MARCEL PROCST
INTRODUÇÃO

A elaboração de uma tese sôbre arte conduz, freqüente-


mente, o autor à forma monográfica, visto que a obra artística
existe em si própria, com uma finalidade que se exprime em
têrmos plásticos, desprovidos de intenção filosófica, literária
ou especulativa. A pintura, a escultura, a arquitetura não pre-
tendem enunciar nem demonstrar proposições, quaisquer que
sejam, e sim manifestar um estado de consciência cósmica, que
o artista traduz, não apenas em virtude de imperativos socio-
lógicos, porém compelido por uma fôrça interior profunda. A
autonomia do sentimento artístico surge, irresistivelmente,
mesmo nos períodos em que a dependência do artista, relativa-
mente ao programa, é mais estrita.
A Antiguidade e a Idade Média, por exemplo, em que -
salvo casos raros -, o anonimato do criador é absoluto, não
excluem profunda diversidade entre expressões contemporâ-
neas, assinalada, embora, por fatores locais que permitem à
classificação da História o agrupamento em escolas. A partir
do Renascimento, as condições de produção da obra de arte evo-
luem no sentido de desenvolver o individualismo do artista, e
de lhe conferir, não apenas a aura do prestígio, mas uma pro-
gressiva autonomia.

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Uma das características da era contemporânea é a do ar-
tista que escreve sôbre arte e sôbre si mesmo. Ingres, Dela-
croix, Cézanne, deixaram o seu pensamento estético em textos
que contribuem, em parte considerável, para a compreensão da
sua pintura.
Julgamos do maior interêsse, entre os pintores do nosso
tempo, a figura de Vincent Van Gogh, tanto pelo valor excep-
cional da sua contribuição na evolução final do impressionismo,
como pelo que ela representa, face a algumas das mais im-
portantes correntes estéticas do Séc. XX. Por outro lado, a
complexa personalidade de Van Gogh compreende o "pintor-
poeta", cujas confissões, idéias e sonhos, surgem, através de
vasta correspondência, trazendo a marca de um gênio extraor-
dinário, consumido pela urgência e pela abundância da fôrça
\

criadora que trazia dentro de si.


Pelas ricas informações que, tanto a obra pintada como es-
crita, apresentam sôbre o .homem, tentou-nos a idéia de escla-
recer, até que ponto, o estado psíquico pode ter influído na
criação artística. Isto é, se a arte, no caso específico de, Vau
Gogh, resulta das anomalias, em uma palavra, da loucura, ou se,
ao contrário, esta é um obstáculo ao processo criador, perma-
necendo a supremacia do gênio consciente, sempre que um
novo quadro surge à luz do mundo.
Não se pode separar em Van Gogh o ser humano da obra,
tão solidários se apresentam num artista cujo trabalho contem
a própria vida. Consumido pela chama interior, o homem pa-
rece abrasar-se, transfigurar-se na pintura, no momento exato
em que esta concluiu a sua mensagem de visualização do Uni-
verso.

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-- --- ~-------

A VIDA

Sôbre a planície que se estende pelo Brabante setentrional,


na Holanda, por entre córregos e urzes, surgem, aqui e ali, pe-
quenos casais, de cujas chaminés se elevam, no céu grisalho e
fino, fumaças transparentes, a revelar a presença humana. Den-
tre essas aldeias, ao sul de Breda ergue-se o casario de Groot
Zundert. Aí nasceu, a 30 de Março de 1853, Vincent Wilhelm Van
Gogh, cuja obra extraordinária, impregnada de dor, miséria e
sangue, é uma das expressões mais altas do sofrimento humano
e do gênio da arte.
A origem conhecída dos Van Gogh remonta ao Séc. XVI.
Amadores de arte, comerciantes de quadros, se encontram nessa
família. Há, no Séc. XVIII, em Haya, Van Goghs fabricantes
estabelecidos em manufatura de fio de ouro.

INFÂNCIA

A certidão de nascimento de Vincent atesta a sua origem:


filho do pastor reformado Theodoro Van Gogh e de sua mu-
lher, Ana Cornélia Carbentus. Vincent é o mais velho de seis
filhos.

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Não há dados seguros sôbre a sua infância. Êle parece,
entretanto, ter sempre sido um solitário, nunca tomando parte
nos brinquedos dos irmãos. "Passeava sozinho, conta sua irmã.
Êles não ousavam segui-Ia. Ia ao rio, e pescava insetos aquá-
ticos. Espetava-os numa caixa branca onde escrevia o nome de
cada animal, muitas vêzes em latim. Conhecia os lugares onde
crescem as flores dos campos. Herborizava, chorava, sonha-
va" e) Imaginamo-Ia, deitado, por vêzes, na relva, a cismar
diante do longo cortejo das nuvens, ou, ainda, a caminhar,
sem destino, ao sabor da descoberta e do imprevisto.
Temperamento estranho o dêsse menino! Alternando longas
horas de devaneio mudo com freqüentes cenas de violência e
rebeldia, trazia já em si o gérmen da revolta e do protesto.
Conta-se que, um dia, sua avó, tendo vindo de Breda passar
alguns dias em Zundert, presenciou uma das explosões 'do jovem
Vincent. Sem maiores explicações, a digna senhora agarrou-lhe
o braço, e com dois tapas nas orelhas escorraçou-o da sala.
Isto determinou um drama familiar com a mãe, logo pacifi-
cado pela intervenção paterna, pois o pastor Van Gogh, "pelo
fim da tarde, atrelou um carro, e levou as duas senhoras a pas-
sear por entre as urzes em flor. E elas se reconciliaram, conclui
a Sra. Theo, na magnificência de um suntuoso crepúsculo". (2)

ADOLESCÊNCIA

Aos doze anos, Vincent estuda na pensão Provily em Ze-


venbergen próximo a Zundert. Durante quatro anos aí per-
manece, interno, vindo passar em casa as férias de verão.
(1) Duquesne - Van Gogh, E. - Persoonlijke herinneringen aan Vin-
cent Van Gogh. Baarn, Van der Ven, 1910. Apud P. Courthion, Genebra, Pierre
Cailler, Ed. 1947.
(2) V. Doiteau et E. Leroy - La Folie de Van Gogh. Paris. Ed. Aesculape,
1928.

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Em Julho de 1869, tendo completado 16 anos, começa a tra-
balhar, a pedido do rico tio Vincent, que vivia ,repousadamente,
em Princenhage, antigo negociante de objetos de arte, na su-
cursal de Haya da casa Goupil. Eis mais um Van Gogh num
ramo de comércio tradicional na família. Pontual no trabalho,
consciencioso no cumprimento de suas obrigações, pouco a
pouco se lhe vão abrindo a inteligência e a imaginação, em con-
tacto com as obras de arte da galeria e as visitas aos museus.
Em 1873, Theo parte para Bruxelas, a trabalhar também
na sucursal da firma Goupil. Aos 15 anos já é um rapaz sério,
cheio de bom senso e boa vontade. Pela identidade do tra-
balho estreitam-se, assim, os laços entre os dois irmãos.

LONDRES

Em maio do mesmo ano, Vincent é enviado à sucursal de


Paris, e logo a seguir a Londres. A vida lhe corre tranqüíla e
modesta. Mergulha, horas a fio, em leituras intermináveis: a
Bíblia, os poetas, os romancistas.
Após o trabalho diário volta a casa, e desenha, ao longo
do Tamisa, rápidos croquis fixados ao acaso. Sem que êle pró-
prio se dê conta, sua verdadeira vocação desperta e cresce,
lentamente experimentando então, ao considerar os esboços
ainda informes, um sentimento de humildade.
É singularmente interessante observar os seus pintores pre-
feridos, nessa época. O "Angélus" de Millet já o impressiona,
e guardará a êsse pintor, até o fim da vida, uma grande fi-
delidade. De uma lista extensa onde se encontram Scheffer,
Delaroche, Leys, de Groux, Breton, Israéls, Meissonnier, Fro-

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mentin, Diaz e Corot, entre muitos outros, aparece, também,
Eugêne Boudin. Até que ponto, nesse tempo, Van Gogh terá
conhecido o pré-impressionista Boudin, as suas paisagens da
Bretanha, de Normândia e da Holanda, e o sentido anunciador
de sua pintura?
Em Londres, porém, onde está instalado numa pensão
familiar, Vincent vai sentir a primeira e trágica decepção.
A filha de sua hospedeira é uma linda loura, alegre e
jovial, Ursule Loyer. Ursule cuida de crianças, na pequena
pensão, e Vincent que aos poucos sente crescer dentro do peito
uma paixão ardente pela jovem, chama-a ''l'ange aux poupons".
Começa a cortejá-Ia, criando na imaginação todo um mundo de
ilusões, alimentadas pelos sonhos quotidianos de uma união pró-
.xíma . Porém, sem que êle soubesse, Ursule está noiva, há mais
de um ano, dum rapaz, que então trabalhava no país de Gales .
.À intolerável ansiedade que o faz sofrer, pela timidez, sucede
um momento de arrebatamento, no qual Vincent, desajeitada-
mente, propõe casamento a Ursule. A resposta é uma risada
sonora e divertida, e os planos mais secretamente acariciados
caem, dolorosamente, por terra. Mas Vincent, que se acreditava
correspondido, não se quer convencer, torna-se, finalmente,
agressivo, até que, repelido brutalmente, tem de abandonar o
quarto e recalcar o sofrimento.

DÚVIDAS

Após êsse amor infeliz Vincent se sente desesperado, sem


fôrças para sufocar, no esquecimento, a terrível e irremediável
decepção.
O seu trabalho lhe parece agora odioso, e em Julho de 1874,
.parte para a Holanda, profundamente magoado. E' o início

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de um período, em sua vida, em que começam a fermentar
sentimentos de frustração e dúvida de si mesmo.
Depois de uma permanência de algumas semanas em Hel-
voirt, Vincent volta a Londres, em companhia de uma irmã.
Porém, a atmosfera londrina lembra-lhe os sofrimentos ainda
próximos. É o início de sucessivos conflitos com a clientela e com
os patrões. Vincent, decididamente, começa a sentir a mesqui-
nhez da sua vida de comerciante, fadado a vender uma mer-
cadoria que despreza e a bajular o mau gôsto do público. Parte
então, a trabalhar na sucursal de Paris.
Há dois anos, já, que êle se corresponde com Theo. Numa
carta refere-se a uma visita à exposição Corot e aos Museus do
Louvre e do Luxemburgo. Em Julho de 1875 escreve a Theo:
"Aluguei um pequeno quarto em Montmartre, de que havias de
gostar. É pequeno, mas abre para um jardimzinho recoberto
de hera e parreira". (1) O quarto tem as paredes forradas com
gravuras de Ruysdael, Rembrandt, Philippe de Champaigne,
Corot, Bonnigton, Troyon, e muitas outras, cuja lista comunica
a Theo.

LEITURAS

A leitura ocupa seu tempo. Michelet e Renan, especial-


mente. E a crise religiosa se desenha. Há um pensamento de
Renan que o preocupa: "Morrer para si mesmo, realizar grandes
coisas, alcançar a nobreza, e ultrapassar a vulgaridade em que
se arrasta a existência de quase todos os indivíduos ... " e)
(1) Carta 30.
(2) Correspondência com Theo. Nota biográfica de Charles Terrasse.
Gr8.8$et. Paris, 1937.
NOTA. As cartas, mencionadas pelo número, pertencem à correspondência
de Van Gogh com seu irmão Theo.

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Porém, a vida continua. O trabalho é quotidiano e ener-
vante. Pelo fim do ano, Vincent parte, bruscamente para a Ho-
landa, volta a Paris, torna a partir para Etten. E é, finalmente,
depois de todos êsses avatares, despedido do emprêgo. Tenta
nova ocupação, empregando-se como preceptor numa escola na
Inglaterra, em Ramsgate, e depois em Isleworth, onde ajuda o
ministro metodista Jones na redação de sermões. Será ainda um
fracasso, desta vez, como pregador. E' despedido por incapaci-
dade, e pelo aspecto rústico e desajeitado que apresenta.

o PASTOR

Então uma dúvida começa a despertar em seu espírito. A


existência de artista lhe aparece como coisa nobre, porém a vida
do pastor será de finalidade mais elevada, sublime, pela dedi-
cação à humanidade e assistência à infinita miséria do mundo:
"Sinto-me atraído pela religião", escreve êle a Theo. "Quero
consolar os humildes. Penso que ser pintor ou artista é uma
bela profissão, porém, creio que a profissão de meu pai é mais
sagrada. Quero ser como êle".
Ei-lo novamente em Etten, com seus pais, para o Natal, dei-
xando definitivamente a Inglaterra, com seu cortêjo de decep-
ções e sofrimentos.
O tio Vincent não o abandona, ainda. Arranja-lhe um em-
prêgo de caixeiro de livraria em Dordrecht, perto de Rotterdam,
onde permanece por três meses.

INICIAÇÃO PASTORAL

A vocação religiosa se manifesta, então, irresistivelmente,


e, em maio, Vincent está em Amsterdam, a fim de preparar a

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admissão ao seminário de Teologia da Universidade. A sua
carta de 27 de julho de 1877 a Theo se queixa das lições de
gregodo helenista Mendesda Costa, nas tardes de verão, quentes
e pesadas, ao mesmo tempo que lembra os campos de trigo do
Brabante. Um dia almoça um pedaço de pão sêco e um
copo de cerveja, e comenta: " ... é um meio recomendado por
Dickens àqueles que estão no ponto de se suicidar, como sendo
particularmente indicado para desviá-los dêsse projeto durante
algum tempo." (1)
A correspondência com Theo é, nessa época, bastante con-
fusa. Mixto de citações e comentários de textos sacros e de
pintura. A Bíblia, Dickens e Michelet, a Odisséia, Rembrandt,
t e Jules Breton se misturam com os anseios de se tornar
bom pregador: "Deve-se amar o quanto se puder, pois aí
reside a verdadeira fôrça, e aquêle que muito ama realiza
gnllldes coisas... " Mais adiante diz: "Quanto mais procuramos
qualificar num. certo terreno de atividade ou de ofí-
, adotando um. modo de pensar e de agir relativamente in-
deJJeD1dente, e mais nos conformando com regras fixas! tanto
firme se tornará o caráter, não sendo preciso para isto
ujnhar nosso espírito. É bom fazer essas coisas porque a
é curta e o tempo passa depressa. Se nos aperfeiçoarmos
wna só coisa e bem a compreendermos,adquirimos além disso
a compreensão e o conhecimento de muitas outras". e).
Vincent se sente tomado por um profundo ardor religioso.
asceu para dar tudo de si, busca sua verdadeira vocação, sem
compreender ainda que lhe está reservado trazer ao mundo, não
a palavra da redenção pela presença divina, mas a revelação
da alma humana pela pintura.

(1) carta 106.


(1) Carta 121.

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Assim é que se lança, de corpo e alma no estudo. Mas, para
que tanto latim e tanto grego? Não seria possível levar a pa-
lavra de Deus aos humildes, com simplicidade, e de coração
aberto?

o BORINAGE

Mais uma vez falha, não consegue obter missão alguma,


e volta ao lar paterno, em Etten. Pensa então em seguir um
curso de três meses em Bruxelas. Apesar dos tropeços com o
francês e a mediocridade dos resultados, obtem, com grande di-
ficuldade, uma missão por seis meses. Em Novembro de 1878 êle
chega a Mons, capital do Borinage, como evangelista voluntário
junto aos mineiros.
O Borinage é uma pequena região da Bélgica, no Hainaut,
também chamada "le couchant de Mons", prolongando o norte
da França, encravada nas altas planícies da Bélgica média.
A única produção do Borinage é a hulha, e a natureza ali
conserva um luto perpétuo. A paisagem é atulhada pelas pi-
râmides negras dos "terrils", montes de escórias e detritos.
restos da exploração subterrânea. A vegetação, enegrecida pela
fuligem, cresce rala sôbre a terra preta.
No coração do Borinage a vida conta apenas pelo presente,
de tal forma o trabalho extenuante dos mineiros lhes veda
qualquer outra ocupação. O mineiro, indiferente ao perigo, vive
com êle, lado a lado. A ameaça do grisú, o desmoronamento
que sepulta vivos os homens, e os condena à longa espera, ao
desespêro, e por vêzes à morte lenta, não constituem, para o
Borain, senão o motivo de uma rebelião brutal e rápida. Rá-
pida, porque a necessidade imperiosa do trabalho impõe a volta

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formidávele terrível tarefa, até que um dia a miséria, a doença,
velhice consumam sua obra: a morte, consolação suprema.
Pela noite as tavemas se enchem, e o álcool faz esquecer
pouco da tragédia da vida. À madrugada seguinte, através
bruma fria e pegajosa, dentro da escuridão, o negro formi-
gwdro humano se escoa, por entre os caminhos lamacentos, as
torres de elevadores e as linhas aéreas, a mergulhar no seio da
o trabalho continua.
paisagem tétrica, não desprovida de grandeza hu-
l.:J_.lt chega, corretamente vestido, ainda afeito aos há-
1lâll1OI. De Mons parte para Pâturages e logo a seguir
tro da mineração. Vai começar uma vida de
ltacto com a miséria negra. Aí viverá cêrca de
pouco, suas boas roupas vão desaparecendo.
IfJlfler6ftis tudo que possui. Deixa o quarto limpo
•• CllCUlp&.l3, primitivamente, em casa de um casal,
~'<1JWIlI& cabana infecta, dormindo sôbre palha
é o mesmo dos mineiros. Compar-
1II1êr1as, tomou-se agora um dêles. E todos o
_.~-.. re&Illei'to.

'" Itlecllclaçi-~o abrasa, e a sua obra de evange-


umUdade, na ânsia de dar, de dar

qn., é feita com sacos de embalagem, desde


pressa nas costas de um mineiro, a palavra
o compreendem, e no ingênuo testemunho
••• ~ellro do lugar, que o conheceu, respondia, a
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quem lhe perguntava porque agia assim: "Eu sou o amigo do
pobre, como era o Senhor Jesus".
:E:lepróprio descreve uma visita à mina Marcasse, uma das
mais velhas e perigosas da região. "Os operários dessa mina
são geralmente emaciados e pálidos de febre, têm aspecto can-
sado e usado, queimado e velho antes da idade, as mulheres em
geral são lívidas e murchas. Em tôrno da mina se encontram
as miseráveis habitações dos mineiros, com algumas árvores
mortas, completamente enfumaçadas, cêrcas de arbustos, montes
de detritos e cinzas, montanhas de carvão inutilizável". C)
Uma epidemia de tifo assola a região. Vincent se desvela
e dá aos doentes tôda a assistência de que é capaz. Porém, chega
a sua vez, e também adoece.
Louis Piérard nos descreve o que então se passou: "ime-
diatamente, o pai partiu de Nuenen para Wasmes. Encon-
trou seu filho deitado sôbre um saco de palha, horrivelmente
enfraquecido e ·emagrecido. Vincent deixou-se levar, como uma
criança. O filho do padeiro teve de prometer que continuaria
as reuniões na sala de festas, ao lado do tôrno , Um último en-
contro teve lugar à tarde, antes da partida de Vincent para a
Holanda. Alguns mineiros, de rostos esfaimados e sofredores
se reuniram, em tôrno de Vincent e seu pai, na sala fracamente
iluminada por uma lâmpada pendurada do teto. E grandes
sombras fantásticas dansavam sôbre as paredes caiadas de
verde ... " e) .
Em julho de 1880 está de volta ao Borinage, como tes-
-temunha a carta a Theo, depois de se ter tornado para a família
"uma espécie de personagem impossível e suspeito". É ainda
êle quem diz: "eu sou um homem sujeito a paixões, capaz de

(1) Carta 129.


(2) L. Piérard. Van Gogh ao Pays Noir. Mercure de France. 1913.

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de .que me sucede ar-

CONTINUAR SEMPRE

Mergulhadoem melancolia profunda, ao invés de se deixar


arrastar ao desespêro, prefere continuar a esperar, a aspirar,
a buscar, em vez de permanecer na estagnação. "Continuar,
continuar sempre", de modo que o objetivo definitivo se desenhe
aos poucos, "como o croquis se torna esbôço, e o esbôço qua-
dro... " e).
A sua situação, entretanto, é crítica. Os seus superiores se
mostraram escandalizados com.a forma estravagante pela qual
se conduziu. É a volta à miséria. E nesse mesmo mês de julho
começapara Vincent um dos períodos mais angustiosos de sua
vida, marcado pela afirmação definitiva ,do destino. Já no.
Borinage êle desenhara febrilmente, com traço forte e denso as
imagens sombrias dos mineiros. E é nessa carta de julho, co-
movente apêlo, em que conta, longamente, suas angústias e
suas esperanças, que se firma, para sempre, a sua aliança com
Theo. A partir daí nunca lhe faltará o apôío do irmão admi-
rável, que o sustentará até o fim.

CUESMES

Nessa ocasião, Vincent está morando perto de Mons, em


Cuesmes, "8, rue du Pavillon, chez Mr Decrucq". Aí começa

(1) Carta 133.


(2) Id.

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uma série de desenhos: "rabisquei um desenho que representa
homens e mulheres catadores de carvão, indo ao fosso, pela
manhã, na neve, por um atalho ao longo de uma cêrca de es-
pinheiros, sombras que passam, vagamente perceptíveis no cre-
púsculo; ao fundo se esbatem contra o céu as grandes constru-
e)
ções da jazida e o "terril"."
Há, já nesses primeiros desenhos, alguns dos elementos que
caracterizarão sua arte; o sentimento da realidade e a imensa
compaixão humana. Porém, o artista é humilde, cheio de dúvida,
da técnica.

o VAGABUNDO

Por êsse tempo começa uma vida de sombria vagabun-


dagem. Êle sai, pelos campos, sem destino, com os cabelos ao
vento, no outono ou no inverno. Dorme ao acaso, pelos ca-
minhos, pelos celeiros. Um dia parte a pé, para Courríêres,
no Pas-de-Calais, na esperança de encontrar Jules Breton, de
obter talvez assistência, algum conselho, ou, quem sabe, algum
trabalho. Com dez francos no bolso, caminha durante oito
dias. "Eu vi Courríêres, e o exterior do atelier do Sr. Jules
Breton. O exterior dêsse atelier me decepcionou um pouco,
visto que é um atelier novo em fôlha, recentemente construído
em tijolos, com uma regularidade metodista, e um aspecto
inóspito, regelador e irritante". (2) E volta, sem ter ousado ver
o pintor. Vence, penosamente, a etapa de volta, esgotado de

(1) Carta 134.


(2) Carta 136.

20
-
cansaço, com os pés magoados e feridos, trocando por pedaços
de pão duro alguns desenhos.
Nessa grande miséria sente voltar a-energia interior e'
diz: "seja como fôr, sairei de mais essa dificuldade, e reto-
marei o lapis" (1).
Alguma coisa resta dessa penosa excursão: as aldeias dos
tecelões. "O homem do fundo do abismo, de proiundis, é o car-
voeiro: o outro, de ar sonhador, quase abstrato, quase sonâm-
bulo, é o tecelão" (2) .
Em Outubro de 1880, Vincent se instala em Bruxelas, onde
começa a trabalhar, e encontra o pintor Alexandre Van Rap-
pard, de quem se torna amigo, e a quem escreverá durante cinco
anos.
Rappard é o artista aristocrata, Vincent é o vagabundo mi-
serável. Porém, seus pontos de vista coincidem. Buscam o
mesmo ideal de verdade na observação. dos motivos populares.
Impossível trabalhar, no seu pequeno aposento do boule-
vard du Midi. A casa de Rappard lhe está aberta, e é lá que
desenha. Qualquer modêlo lhe serve: operário, menino de rua,
soldado, paisagem . "Nem um só dia sem uma linha", como
dizia Gavarni. e).

K.

Em abril do ano seguinte Vincent volta a Etten, onde seu


pai procura dissuadí-lo da profissão de artista, o que resulta
num esfriamento progressivo das relações entre os dois. Porém.

(1) Carta 136.


(2) Idem.
(3) Carta 140.

21
outra decepção mais grave o espera. O encontro com a prima
K. (Kee) , viúva, com um filho, que lhe parece encarnar, por fim,
o ideal da mulher sonhada .. Sua imaginação exaltada constrói,
imediatamente, a quimera de um lar, no qual possa trabalhar,
amparado por uma afeição ardente e durável. Mas êle é feio,
desgracioso, de maneiras bruscas, e a prima Kee não concorda
com seus projetos, rejeita-o, violentamente, com uma recusa ca-
tegórica e definitiva. "Não, não, nunca". Kee não pode esquecer
a memória do marido morto e não sente nenhuma atração por
êsse estranho primo, de cabelos de tôgo e olhar ardente.
A carta de setembro, escrita por Theo, é um testemunho do-
loroso do esfôrço feito por Vincent para se fazer amar. E o
trabalho continua, persistente. As "Cabanas perto de Nuenen",
hoje no Museu Boymans, datam dessa época.

MAUVE E HAYA

Apesar de tudo êle se sente feliz em amar. "Eu considero


provísóríamente êsse "nunca, não, nunca", como um pedaço de
gêlo, que aperto de encontro ao meu coração até que esteja
derretido" e). Mais uma vez, sua intensa fome de afeto se pro-
jeta contra o muro da negativa. As falências seguem seu rumo,
ininterruptamente. Magoado por tudo e por todos, o pobre
Vincent parte para Haya, onde se encontrará com o primo
Anton Mauve, pintor de renome na ocasião, cujo grande mé-
rito será ter sido o primeiro a reconhecer a gênio de Vincent.

(1) Carta 154.

22
PRIMEIRA ENCOMENDA

Pela primeira vez parece que o destino vai lhe ser favorável.
Mauve o recebe bem, aconselha-o, e em janeiro de 1882 êle re-
//y cefe a primeira encomenda, do tio Comelius Marinus: doze
pequenos desenhos a pena, representando vistas de Haya, a
dois e meio florins cada.
Êsses dias representam, para Vincent, alguma coisa de mi-
lagroso. A simpatia de Mauve, que o faz pintar a aquarela, as
primeiras encomendas, isso, para êle, habituado a receber ape-
nas a indiferença ou a repulsa, é quase inacreditável. E envia
a Theo as palavras de Millet: "A arte é um combate - na
arte se deve arriscar a pele. Trata-se de trabalhar como vários
negros: preferiria nada dizer a me exprimir fracamente". (1)
Para conseguir progressos na técnica encontra métodos
compreensivos de perspectiva no "Guide de l'A. B. C. du Dessin",
de Cassagne, e fica em êxtase por ter conseguido desenhar o in-
terior de uma cozinha, com o fogão, a cadeira e a mesa, tudo em
seu lugar. Há no seu ingênuo entusiasmo todo o sabor de uma
descoberta.
Porém, o gênio rebelde não tarda a se manifestar. No in-
verno daquele ano, um dia, Vincent entra em conflito com
Mauve. O primo famoso lhe impõe a cópia de uma moldagem
de gêsso, e como a crítica, diante do resultado, seja um pouco
acerba, surge uma troca de palavras desagradáveis. Vincent,
irritado ,exclama: "eu sou um artista !", afirmando, veemente-
mente, o seu díreáto de expressão. E, num rasgo de violência,
atira o gêsso ao chão, fazendo-o em pedaços. Mauve, homem
calmo e refletido, chocado pela brutalidade do primo, encara-o,
severamente, e diz: "és um perverso, teu caráter é mau! " .

(1) Carta 180.

23
SIEN

Aliás, de tempos para cá, já Vincent passou a constituir


motivo de escândalo. Conheceu, nesse inverno uma mulher
grávida, ébria, abandonada pelo homem cujo filho trazia nas
entranhas.

Chama-se Christine, porém para Vincent é Sien. Toma-a
como modêlo e trabalha durante todo o inverno. Trata-a com
humanidade, e, dividindo com ela o seu pão, consegue salvá-Ia,
juntamente com a criança. Leva-a a Leyde, onde uma operação
indispensável, torna possível o parto em meiados do ano se-
guinte. Sien posa para o extraordinário desenho "Sorrow", sob
o qual o artista escreve a frase ingênuamente sentimental de
lVIichelet: "Comment se fait-il qu'il y ait sur Ia terre une
femme seule délaissée?". Nesse corpo miserável, estigmatizado
pela miséria, êle infunde todo o desespêro e tôda a dor uni-
versal. É o mesmo sentimento de abandono e isolamento que
encontraremos, anos mais tarde, na figura desesperada de 1889:
"No limiar da eternidade".
As complicações, porém,se acumulam. Vincent se endi-
vida, a pensão que recebe de Theo é insuficiente, e, apesar de
que Sien está agora ligada a êle "como uma pomba mansa" e),
e de que êle a quer tornar sua mulher, os problemas se vão
agravando.'
Escreve a Theo, contando-lhe tudo, pedindo-lhe que não o
abandone, numa carta cheia de simplicidade e emoção. Re-
nuncia ao amor da prima, para se dedicar à redenção da
pobre prostituta, abandonada, com 5 filhos de pais anônimos.
O que parece às suas relações incrível escândalo, é, para êle,
perfeitamente natural: "achei tão simples e tão evidente ... "

(l) Carta 192.

24
«Parece-me que cada homem que /velha o couro dos seus sa- /,;)
patos, teria agido da mesma forma". E tem então um pensa-
mento de admirável bondade: "ela nunca viu o que é bom,
como pode ser boa?" e).
As coisas, porém, vão mal. A mãe de Christine é uma velha
proxeneta, bêbada e crivada de vícios. E, ao cabo de ano e meio
de martírio e miséria em comum, Sien sai definitivamente de
.sua vida.

"TERRA LAVRADA"

Porém, a arte é a sua grande fôrça. Das excursões a Sche-


veningen, Rijswijk, Leidschendam, Woorburg êle traz desenhos
e pinturas vigorosas, cheirando a natureza, cheios do profundo
drama que lhe agita o espírito. Num dêsses dias êle pinta a
«Terra lavrada", cuja descrição é tão viva quanto o próprio qua-
dro: "Aquêle (dos estudos diversos, feitos na mesma semana)
que me pareceu melhor realizado, nada mais é do que um pe-
daço de terra revolvida a enxada, areia branca, negra e parda,
após uma chuvarada, tanto que os montes de terra pegam fogo
aqui e ali, e falam melhor.
"Depois de ter desenhado durante algum tempo êsse pe-
daço de terra, houve um temporal com uma chuva formidável,
que durou uma hora. Porém, eu tomara tal gôsto pela coisa,
que busquei, de qualquer jeito, um abrigo atrás de uma árvore.
Quando o temporal passou, e as gralhas recomeçaram a voar,
não me arrependi de ter esperado, por causa do admirável tom
escuro que o solo do bosque tomou, depois da chuva". e).

(1) Carta 192.


(2) Carta 227.

25
SCHEVENINGEN

Os estudos de Scheveningen, com céus de um gríseo fino


e areia dourada, os bosques de faias, de um vermelho outonal,
aparecem em sua obra dêsse tempo, sem fazer prever ainda as
rutilâncias de Arles. .
Vincent se confessa contente por não ter "aprendido" a
pintar. Êle mesmo não sabe como faz. Esmaga o tubo de en-
contro à tela, modela troncos em plena pasta com o pincel, e
se diz, diante do painel branco, que alguma coisa deve sair
dali.

PRIVAÇÕES

Nos últimos tempos dessa estadia em Haya, Vincent es-


creve uma carta patética a Theo. Confessa-se acabrunhado,
com a saúde comprometida pelas privações e pela fome:
"Digo-te, com franqueza, que começo a temer o resultado
de tudo isso, pois minha constituição seria bastante boa se não
tivesse de jejuar durante tanto tempo, mas sempre tive, ou de
jejuar, ou de trabalhar menos, e, tanto quanto possível, escolhi
a primeira solução, até o momento em que me sinto muito
fraco. Como continuar a resístír ?" e).

DRENTHE

Parte, então, para Drenthe, no extremo norte, lembrando a


frase de Gustave Doré: "tenho a paciência de um boi". Está
(1) Carta 304.

26
firmemente decidido a levar por diante a sua concepção da
pintura, pintando na terra de Drenthe, seus campos de tojo
e de trigo, seus cemitérios.
De madrugada, uma vez, tem a sensação de ver "os verda-
deiros Corot", mergulhados na doçura e no mistério da névoa
argentina da manhã. e).
Noutra ocasião êle contempla um rebanho de carneiros,
conduzido pelo pastor ao aprisco. É o crepúsculo. No largo ca-
minho lamacento, por entre as altas árvores meio despidas pelo·
outono, avança, lentamente, o rebanho, formando corpo com
a terra lodosa, entre montes de palha e de turfa. Abre-se a
porta do abrigo, como uma negra caverna, onde bruxoleia uma
lâmpada de azeite. A porta se fecha. A noite está presente,
na paz e no silêncio.
É como um sonho, que leva Vincent a esquecer de tudo,
até de comer.

NUENEN

E, pela última vez, êle volta ao lar paterno, em Nuenen,


antes do Natal de 1883, onde permanece, pelo espaço de dois
anos. Instala seu atelier num depósito, ao lado do presbitério de
seu pai. Entre êle e a família uma atmosfera cerimoniosa se
estabelece. Há, por parte do pastor, o desejo de manter rela-
,oÇçõescordiais, sem que seja possível evitar as conseqüências
latentes de uma profunda incompatibilidade, que vai estabe-
lecendo, gradativamente, uma sensação de dúbio mal estar.

(1) Carta 340.

·27
Nuenen é uma pequena povoação, nos campos brabanteses,
próximo a Etten: duas fileiras de casas, marginando a estrada
'para Eindhoven.

-os TECELÕES

Mais uma vez, Vincent retoma seu trabalho febril e obsti-


nado. Os camponeses dos arredores, seus humildes utensílios,
e principalmente os tecelões, desfilam diante de nossos olhos.
-O trabalho doméstico dos tecelões o interessa extraordinària-
'mente. A geometria dos teares, os gestos índefinídamente re-
petidos, a vida rude e dura dêsses artesãos, sujeitos a um sa-
lário baixo, tudo isso êle traduz, nos estudos severos de Nuenen,
ressaltando o contraste de verticais e horizontais.
Ao mesmo tempo cresce, na sua alma, uma revolta surda
-contra o conformismo dos que o cercam, contra a injustiça so-
cial. Êle se sente, em 84, como um revolucionário de 48. Uma
das suas cartas descreve uma visão sombria e melancólica da
natureza:

.MELANCOLIA

"O tempo é tristonho, os campos são uma verdadeira char-


.neca, feita de blocos de terra negra e de um pouco de neve, e,
muitas vêzes há dias inteiros em que se vê, apenas, bruma e
lama; à tarde, o sol vermelho, e "pela manhã" os corvos, a herva
.sêca e a verdura maculada apodrecendo, os bosques negros e os
.ramos dos álamos e dos salgueiros erriçados, destacando-se
sôbre um céu triste, como um amontoado de arames far-
pados". e).

(1) Carta 392.

28
A sua sensibilidade cromática se impressiona pela busca do
azul. Azuls claros e escuros nas fôlhas e nas sombras em opo-
sição aos tons dourados ou avermelhados dos trigais. O azul
da roupa dos camponeses, severamente tramado com negro,
mais belo ainda quando velho e usado, justo o necessário para
fazer cantar os alaranjados sutis da pele, constitui, para os seus
olhos, tema para longas meditações.

MARGOT

Em agôsto de 1884, se esboça novo idílio. Desta vez com


uma vizinha solteirona, Margot, que se apaixonou por êle, com
tôda a energia e o desespêro de uma alma ávida de afeição.
Vincent não está muito cheio de entusiasmo. Porém, entre os
dois se esboçam planos de casamento.
Uma forte oposição nasce, entre as duas famílias. A união
é impossível, com um homem que não tem meios de vida pró-
prios, que vive à custa do irmão. Ê a ruptura, e em conse-
qüência uma tentativa de suicídio da pobre Margot, desespe-
rada com a ruína dos seus sonhos.
A vida mesquinha de Nuenen, a hostilidade surda que sente
em volta de si, vão tornando a vida, para Vincent, cada vez
mais difícil e desagradável. Falido na amizade dos seus, repu-
diado pelos amigos, repelido no amor, fecha-se, cada vez mais,
em si próprio e na sua obra.
Em março de 1885 o pastor Theodoro é encontrado agoni-
zante, na soleira da porta. Ana Cornélia corre a socorrê-Ia,
mas já encontra um cada ver. Theo, avisado, vem de Paris para
o entêrro. O corpo é sepultado no jardim, ao lado da igreja,
numa cerimônia singela.

29
"ARDAPPELETER"

Nos meses seguintes Vincent continua a trabalhar. A "Ca-


beça de camponesa" é de junho, e os "Ardappeleter" (Os Come-
dores de batatas), de abril e maio. A sua pintura é impregnada
de um cheiro forte vindo da terra, e do trabalho humano. Uma
pintura de camponeses deve cheirar a cozinha, a toucinho e
a batatas. Os "Ardappeleter" são pintados em plena sombra,
como espectros brotados da terra. Vincent desejou "dar a idéia
de que essa gente que, debaixo do Iampeão, come batatas com
as mãos ... também lavrou a terra, e que o quadro exalte o
trabalho manual e o alimento honestamente ganho". (1)
Para pintar os camponeses, sente que é necessário ser um
dêles, participar da sua vida penosa e fecunda. É a busca in-
tensa do "caráter", através de uma pintura escura e enfuma-
çada, com sombras azuis e luzes em acre dourado.

DEFORMAÇÕES

Os ideais de Vincent estão bem traçados, e sintetizados por


êle próprio, numa frase em que se compreende o seu desejo de
superar a realidade pelas deformações voluntárias e cons-
cientes:

"Meu grande desejo é aprender a fazer tais inexatidões, tais:


anomalias, tais correções, tais transformações da realidade, que
daí resultem mentiras, sim, se quiserem, porém mais verda-
deiras do que a verdade literal". (2)

(1) Carta 404.


(2) Carta 418.

30
ANTUÉRPIA

Em novembro dêsse ano, Vincent parte da Holanda para


Antuérpia. Theo pensa que êle vai em busca de Rubens, porém
o que o interessa mais, no momento, são as decorações da sala
de jantar de Leys. Apesar disso, Rubens, Van Dyck e Jordaens
não deixam de ser, para êle, uma revelação. O seu ponto de
vista é absolutamente pessoal, porque, no fundo, é o "seu" ideal
que busca, na pintura do passado. Êle deixa de lado, por exemplo,
a "Virgem do papagaio" de Rubens para contemplar o "brutal re-
trato de homem - pintado por mão admiràvelmente firme -
não longe da "Saskia" de Rembrandt" e). Fascina-o a aparente
facilidade de Rubens, a sua extraordinária mestria, e a simpli-
cidade e qualidade da sua técnica.
Durante algum tempo trabalha na classe de pintura da
Academia, porém, cêdo, se afirma a sua incompatibilidade com
Sibert e Verlat, seus mestres, cujo ensino convencional não o
satisfaz.
Nas cartas de Antuérpia começa, então, a crescer o desejo
de partir para Paris. Com efeito, seria magnífico retomar a
vida, junto com Theo, de quem êle sempre viveu separado. O
ambiente seria muito mais favorável ao seu desenvolvimento.
Poderia conhecer os impressionistas, de quem tanto lhe fala o
irmão, e abrir à sua pintura, ávida de viver novos aspectos do
mundo, um outro campo de expressão.
Vincent está impaciente, ansioso por partir. Consulta
Theo sôbre a possibilidade de viajar em junho ou julho, talvez
mais cedo. Pensa trabalhar com Cormon, talvez desenhar no
Louvre ou na Ecole des Beaux Arts. Talvez passe o mês de
março em Nuenen, com a mãe viúva, e no comêço de abril es-
teja em Paris.
(1) Carta 443.

31
PARIS

Porém, o eterno ambulante tem pressa. Não resiste à es-


pera, abrevia os prazos, e, subitamente, num dia de março,
Theo recebe um bilhete de Vincent, já chegado, marcando um
encontro no Salon Carré, do Louvre, ao meio-dia.
Vincent se delicia com Paris. Mora com Theo, num pe-
queno apartamento, rue de Laval, hoje rue Jean Massé. Tôdas
as manhãs êle sai, a pintar. Montmartre e os moínhos, então
existentes, o encantam.
Porém, humilde por essência, Vincent acredita que muito
lhe falta ainda que aprender. Entra para o atelier Cormon,
pintor acadêmico, mas que mantém uma escola livre. Lá en-
contra Toulouse Lautrec, pequeno monstro de espírito sarcás-
tico, com quem estabelece boa amizade. Mostra-lhe os traba-
lhos, discutem, estimam-se à primeira vista. Há, entre os
dois diferenças profundas. Lautrec é o "grand seigneur, fin de
race", cuja incapacidade física limita a iniciativa. Sua obra é
sutil, mordaz, requintada. É a maior acusação contra o mundo
contemporâneo, pela dureza e inflexibilidade com que procura
as profundidades da expressão. Debaixo de uma simplicidade
aparente, êle abriga um amargor profundo, e tem, realmente, a
sensação de estar conferindo às coisas e aos seres provisórios
um sentido eterno.

o IMPRESSIONISMO

Vincent conhece, finalmente, os impressionistas. O seu en-


contro com a "pintura clara" lhe abre novos horizontes,
bem como a descoberta da arte japonesa. Pela esquematização
dos motivos, pela concepção de uma perspectiva convencional

32
e a virtuosidade da execução, os japoneses exercem grande in-
fluência na nova criação espacial de um Lautrec, de um Degas,
de um Seurat. Van Gogh não se furta a essa influência. As
suas telas daí em diante o revelarão. O "Pont d'Asniêres' é
bem característico dessas novas tendências. E, pouco a pouco,
à grafia japonesa êle infunde o delírio da côr, de uma côr iri-
sada, cintilante pela pujança dos contrastes e a riqueza da
matéria.
A vida com Theo, em Paris, se inicia sob bons auspícios.
Theo sonha com a possibilidade de "lançar" os impressionistas,
porém o público não compreende as audácias dos novos, e a
firma Goupil nem quer ouvir falar nesses loucos.
Por êsse tempo Vincent encontra Seurat, Signac, Pissarro,
Degas, e, finalmente, Gauguin. Expõe alguns quadros em casa
do "pêre" Tanguy. O seu trabalho, febril e fecundo, (mais de
200 quadros pertencem a essa fase parisiense), não o impede
de elaborar os planos de uma espécie de república de artistas,
trabalhando em comum, como num falanstério. Lautrec lhe
falou do sul da França, da Provença, cuja luz extraordinária
transfigura as coisas. Ali os artistas se poderiam reunir, pondo
os bens em comum e trabalhando numa grande obra coletiva.
Os planos, porém, não surtem efeito. Por outro lado, o gênio
irascível de Van Gogh, o absintismo, fazem alternar períodos de
excitação violenta e de depressão, e, apesar da infinita paciência
e bondade de Theo, um dia, subitamente, Vincent parte para
o Sul.

ARLES

Em fevereiro de 1888 chega a Arles. É uma terra es-


tranha, essa Provença, varrida pelo mistral, vento terrível e ir-

33
ritante, que induz à violência e aos maus preságios. Porém, já
tinha êle dito, uma ocasião, a Emile Bernard, que no sul da
França é que se deveria instalar o atelier do futuro.
Nos campos cobertos de neve começam a florir as amen-
doeiras. E ao lado de um trabalho imenso e incessante, re-
começa a correspondência com Theo. Preocupa-o a circuns-
tância de que a sua pintura não encontra amadores. Sente-se
um pêso morto para o irmão, porém a tarefa que tem a de-
sempenhar não lhe dá tréguas. Escritas em francês, as cartas
revelam, dia a dia, as suas preocupações, os seus tormentos, a
alegria da luz e da côr. Instala-se numa casa amarela, sua
côr favorita, e continua a pensar na velha idéia da coopera-
tiva de pintores. Depois de muito sacrifício consegue atrair
o seu amigo Gauguin.
O bom Theo é inesgotável. Não basta .sustentar Vincent.
Deverá também suportar as despesas com Gauguin. Êste está
doente, abandonado, em Pont-Aven, na Bretanha, e não tem
sequer recursos para pagar as dívidas e a viagem. Ao chegar a
Arles, Gauguin encontra o amigo esgotado pelo excesso de tra-
balho, e com os nervos à flor da pele, porém, alegre pelas espe-
ranças que lhe sorriem. Parece a Vincent que um primeiro
passo decisivo está dado, para a cooperativa de pintores que
sonha fundar, e a casa amarela se alegra com a chegada do
grande amigo.
Contudo os dois temperamentos divergem por completo.
Gauguin é irônico, sarcástico, acredita em sua superioridade,
julga-se realmente o iniciador de Vincent, enquanto êste é hu-
milde e sofredor, impetuoso e susceptível das maiores violências.
A ascendência de Gauguin é forte, e tirânicamente exercida.
Nas discussões sai sempre vencedor, o que, progressivamente,
vai oprimindo Vincent.

34
Não conseguem entrar em acôrdo, quanto às idéias sôbre
arte. Enquanto Gauguin admira Rafael, Ingres, Degas, Vincent
os detesta, e conserva a fidelidade de sempre a Daumier, Millet
e Rousseau, desprezados irônicamente por Gauguin.
/~ Após um/visita ao Museu de Montpellier, em que os dois
se extasiam diante dos Delacroix da sala Bruyas as altercações
recomeçam, a respeito de Rembrandt. "A discussão é de uma
eletricidade excessiva, e às vêzes saímos de cérebro cansado,
·comouma bateria elétrica depois da descarga" e). Ao cabo de
dois meses a crise está próxima.
Na ante-véspera de Natal, Gauguin termina o retrato, já co-
meçado, de Vincent. Não é' a melhor de suas obras, e o modêlo
não' se reconhece, talvez porque já nêle exista, estampado, o
facies da loucura. À noite, no café, sem qualquer motivo, brus-
camente, quando ambos tomam seu absinto, Vincent atira o
copo à cabeça de Gauguin, que consegue desviar o golpe, e, em
seguida, agarra-o pelo braço e o arrasta para casa.
Nessa noite, Gauguin, dormindo, entrevê confusamente,
alguém que o espreita, imóvel. É Vincent, mudo, e de olhar
fixo. O outro se levanta, encara-o com firmeza. Vincent vai
se deitar, sem dizer paiavra, e dorme, esmagado por um sono
de chumbo.

A TRAGÉDIA

No dia seguinte, Gauguin resolve voltar a Paris, definitiva-


mente, apesar das desculpas e dos protestos de Vincent. O dia
passa, numa atmosfera carregada. À noite, Gauguin sai a pas-
sear, e ouve, súbitamente, passos precipitados atrás de si. Vol-

(1) Carta 564.

35
ta-se, e depara com Vincent, de olhos esgazeados, empunhando
uma navalha aberta. Guaguin fita-o com severidade. Vincent
dá meia volta e corre para casa, onde, de um golpe, corta a
orelha esquerda, embrulha-a cuidadosamente em diversos trapos
e vai levá-Ia de presente a uma prostituta conhecida, num
bordel, com um bilhete: "Aqui está uma lembrança minha".
Volta para casa e se deita, tendo deixado uma lâmpada acesa
na janela.
Passa a noite desacordado. Pela manhã, o bairro está em
reboliço. A mulher, ao receber o estranho presente desmaiou e
amotinou a casa de tolerância. Chamada a polícia, as investi-
gações conduzem a Vincent e Gauguin. Êste último passara a
noite num hotel, para evitar complicações. É prêso e levado à
casa amarela, onde está Vincent, deitado, enfraquecido pela he-
morragia, porém perfeitamente lúcido. Esclarecido o caso,
apesar das súplicas do amigo, Gauguin parte para Paris, en-
quanto o bom Theo, chega, avisado do que acontecera.

HOSPITAL DE ARLES

Levado ao hospital de Arles, Vicent passa ali duas se-


manas, internado. Conhece o r». Rey, um dos primeiros a com-
preender o gênio do artista. O diagnóstico do Dr. Rey tende a
admitir um desequilíbrio mental, produzido por longa perma-
nência ao sol, e, também, epilepsia, de vez que na família de
Vincent havia casos semelhantes.
Tendo tido alta, Vincent volta ao atelier, e recomeça a tra-
balhar. Pinta então o auto-retrato: "o homem da orelha cor-
tada". Porém voltam as alucinações, a angústia, e o pintor,
depois de uma cena penosa com a vizinhança, é forçado a
voltar ao hospital, em conseqüência de uma petição. Theo está

36
para casar, em Paris, e de lá escreve, inquftto pela falta de no- .i/
tícias. I /

ST-RÉMY

Os dias se passam, e Vincent compreende que a melhor so-


lução é internar-se. Em St. Rémy, pequena povoação perto dos.
Alpilles, existe um antigo convento, transformado em casa de
saúde. Recomendado pelo Dr. Rey e pelo Dr. Salles, amigos de
Theo, Vincent parte para St. Rémy, onde é bem recebido e ins-
talado num pequeno quarto, com relativo confôrto. Perma-
nece no asilo de St. Rémy cêrca de um ano, com três graves.
e longas crises, intercaladas com fases de trabalho intenso. A
vida no asilo é monôtona, porém Vincent se habitua ao con-
tacto com os insanos, consolado pelo sentimento coletivo da
desgraça.
Entretanto, a produção dêsse homem espantoso não esmo-
rece. Em prêsa de verdadeiro furor, pinta como se sentisse es-
vair-se-rhe a vida, pinta como se tivesse a sensação de que é ne-
cessário empregar o tempo a fundo e urge cumprir a sua missão.
Em maio de 1890 êle se sente melhor. É como se saísse de
um longo pesadêlo . Escreve a Theo, pedindo-lhe que o tire de
onde está: "é preciso sair daqui, mas, para onde ir?" (1).

AUVERS

O irmão está agora casado, e continua a trabalhar em


Paris. Pissarro lhe recomenda uma pequena localidade, Auvers-
(1) Carta 629.

37
-sur-Oise, a 6 quilômetros de Pontoise. Lá vive o Dr. Gachet,
psiquiatra, amador de pintura e amigo dos artistas. Ali Vincent
terá confôrto, assistência e compreensão.
Depois de tantos anos de sofrimento, por fim uma boa no-
tícia. Theo lhe anuncia a venda de um quadro: "A parreira
vermelha", única tela vendida em tôda a vida do pintor. Ao
mesmo tempo Albert Aurier escreve sôbre a obra de Víncent
um longo e expressivo artigo, análise cheia de profunda sim-
patia humana e compreensão estética.

DR. GACHET

Vincent parte para Auvers e se hospeda perto do Dr. Ga-


chet. Fazem logo boas relações, e o médico posa para Vincent.
O trabalho recomeça novamente. O contacto com a natureza é
sedativo, para o vagabundo das estradas que êle sempre foi.
Desenhos e pinturas se sucedem: trigais e casario, camponeses
e pradarias, numa extraordinária intensidade de colorido. Vin-
cent alcançou a mestria total.
O retrato do Dr. Gachet despertou tal entusiasmo no mé-
dico, que pediu a Vincent uma cópia. Os planos de trabalho
parecem ter retomado um ritmo normal. Vincent está aparen-
temente tranquilo e parece ter voltado à normalidade, apesar
de algumas cenas VIolentas com Gachet.
Porém o Dr. Gachet está constantemente ausente, e uma
dúvida insidiosa atormenta o artista, que se sente inquieto e
perseguido, embora pareça ter voltado à tranqüilidade normal.
A propósito de uma tela de Guillaumin, que o Dr. Gachet deixou
'abandonada, num desvão de escada, sem moldura, Vincent se

38
exalta e intima o médico, com olhar alucinado, a que dê ime-
diatas providências para proteger o quadro. Gachet se sente
ameaçado pela terrível expressão da loucura, porém promete
tudo, na esperança de que a crise se desvaneça.

OS CORVOS

Uma tarde, Vincent pinta um trigal. O céu é turvo e tem-


pestuoso, sôbre o mar ondulante das espigas douradas. Um
bando de corvos passa, agoureiro, voando baixo. Nessa tela es-
tranha em que o céu e a terra se fundem, numa unidade ator-
mentada, o pintor deixará sua última visão do mundo.
E, a 27 de julho de 1890, êle sai, pelo campo afora. O sol
está alto. No campo de trigo, ouro a ondular lentamente, sem
fim, Vincent se deita. Seus olhos estão voltados para o céu,
onde se acumulam nuvens escuras. Seu sofrimento se exterío-
riza, como sempre, em têrmos de pintor. O céu é belo, miste-
rioso, profundo. Assim são a vida e a morte. Uma lassidão in-
finita o invade. Seus membros estão cansados de viver, can-
sados de sofrer.
Um estampido corta, secamente, o ar. É o início do fim.
Vincent conquistará, agora, a paz. Ninguém lhe contestará o
direito de interromper o esplendor e o martírio de uma vida,
da sua vida. Ninguém verá no seu rasgo a expressão de um
momentâneo desespêro, senão a necessária ruptura de um fio
invisível que ainda o ligava à existência. Êle já pertencia ao
futuro.
Porém, o tiro não é mortal, e êle se arrasta até o seu quarto
de pensão, abotoando o casaco, para que não se veja o sangue

39
sôbre a camisa. Num supremo esfôrço êle se atira à cama, o'
rosto voltado contra a parede.
Assim o encontra o hospedeiro Ravoux, que, não o tendo-
visto descer para jantar, vem avisá-lo . Vincent se volta, mostra.
o peito sangrando, e diz: "Quiz me matar, mas errei o tiro."
Ravoux, apavorado, manda avisar o médico de Auvers, o Dr. Ma-
zery, porém Vincent pede a presença do Dr. Gachet, que, logo
prevenido, chega, aflitíssimo, segura suas mãos, toma-lhe o
pulso. Pouco há que fazer. O caso é gravíssimo. Porém, a ro-
busta constituição do pintor possa, talvez, reagir. O doutor pede-
lhe o enderêço de Theo. Vincent nega-se a dá-lo , Não
sofre. Sua serenidade é imensa, diante da proximidade da
morte. Pede um cachimbo. Outro, e mais outro. E fuma, e
cisma. Talvez lhe desfilem diante dos olhos, nesses segundos
essenciais, o espectro enfumaçado dos mineiros do Borinage, os
campos de Brabante, e a floresta molhada pelo sôpro da bor-
rasca, húmida e sombria após a chuva, reanimada pelo vôo das:
gralhas. Talvez, seus olhos queimados pela luz meridional vejam,
a girar, lentamente superpostos, como grandes discos luminosos,
os girassóis de ouro.
Theo chega, desolado, implora uma palavra, uma expli-
cação. É o próprio transbordamento do amor humano de Vin-
cent que o interroga e que o' suplica. É o infinito da bondade
diante do gênio criador. Dos lábios de Vincent saem, como
num murmúrio, as palavras que significam a condenação da
injustiça eterna: "a miséria não acabará nunca."
Vincent agoniza, sem sofrimento. Últimas imagens fu-
gidias desfilam diante de seus olhos: "Aluguei um pequeno
quarto, em Montmartre, do qual gostarias muito. É pequeno,.
mas dá para um jardimzinho, recoberto de hera e de parreiras".
Como tudo está, agora, distante! Um cansaço imenso o invade,.

40
o último cansaço. Sobe-lhe pelos membros lassos, fecha-lhe os
olhos, para sempre.
Sôbre o trigal, descem, do céu de chumbo, 'os corvos do des-
tino, a colher, na tempestade, os derradeiros grãos de sol.

Gustave Coquiot nos conta o modesto entêrro de Vincent,


no cemitério de Auvers, cêrca de meio dia de 30 de julho. É o
depoimento de André Bonger, testemunha ocular: "Tínhamos
almoçado silenciosamente numa pequena sala do albergue. No
quarto mortuário, os amigos tinham pendurado as últimas telas
do pintor, o que dava uma impressão dolorosa.
"Theo e eu conduzimos o cortêjo.
Deixamos cair uma pá de terra sôbre o caixão, já descido
na cova. O Dr. Gachet pronunciou um breve discurso, ao qual
Theo respondeu com estas palavras, que me ficaram gravadas
na memória: "Senhores, não poderia fazer um discurso, mas
eu lhes agradeço do fundo do coração". e)
Alguns poucos amigos estavam presentes: O "Pere" Tan-
guy, Emile Bernard, Laval, ao todo cêrca de uma dúzia de
pessoas.
Menos de seis meses mais tarde, Theo morria louco, em
Utrecht, numa casa de saúde. O seu corpo, anos depois, seria
transportado da Holanda, para ser sepultado ao lado de Vin-
cento Unidos na vida e na morte, os dois irmãos repousam,
no humilde cemitério de aldeia, por entre a herva rala, en-
quanto, bem alto, no céu, lentamente, as nuvens enrolam e de-
senrolam os seus arabescos, e, quem sabe, o vento traz, de bem
longe, do Sul ou do Norte, o eco do mistral ou o frêmito dos
campos de Brabante.

(1) Gustave Coquiot, ap. P. Courthion, Genebra, Pierre Cailler, Ed. 1947.

41
II

A NEUROSE

Para o historiador de arte a psiquiatria moderna se apresen-


ta como uma ciência. extremamente atraente, meio pelo qual se
pode investigar a origem de certas manifestações psíquicas, apa-
recidas na obra dos artistas, contribuindo, assim, para o seu
mais claro conhecimento.
Não seria possivel, em se tratando da investigação e aná-
lise crítica da pintura de Van Gogh, deixar de referir - embo-
ra sem descer aos subterrâneos, para nós inviolados, da psi-
quiatria, - o subsídio trazido pelos especialistas sobre o caso,
como um dos fatôres indispensáveis à compreensão da obra.
pictural.
--)o Van Gogh foi um doente da alma, ao mesmo tempo que
um desajustado, em relação ao meio em que viveu. Existência em
perpétuo conflito com os outros, e consigo próprio, não há que
disfarçar as dificuldades de ordem técnica que apresenta, para
o crítico, o seu problema psicopatológico. Assim, não nos lan-
çaremos à aventura espinhosa de opinar pessoalmente, senão de
explanar as teorias principais suscitadas pelo assunto. Não'
parece que exista um acordo entre as diferentes teses desen-
volvidas até bem pouco tempo. Seria, por certo, de valor ines-

43
timável, uma conclusão que fixasse o diagnóstico do mal, e
esclarecesse o papel que êste poderia ter desempenhado na evo-
lução da arte de Van Gogh. Não é nossa pretensão dar ao es-
tudo dêsse assunto, orientação fora do terreno da história da
arte. Preferimos conservar ao palpitante mistério do problema,
as incógnitas que constituem alguns dos seus dados de maior
fascínio.
Entre os elementos de que podemos dispor, para a forma-
ção de um critério psicopatológico, temos de considerar o teste-
munho dos contemporâneos do artista, a sua correspondência,
e as diferentes teses posteriormente apresentadas pelos espe-
cialistas .

.oPINIÕES DOS CONTEMPORÂNEOS

o Dr. Urpar, do hospital de Arles, diagnostica: "mania


aguda com delírio generalizado". O Dr. Rey, interno do hospital
de Arles e o Dr. Peyron, de St. Rémy, opinam pela epilepsia.
Em maio de 1889, o Dr. Peyron escrevia no registro de St.
Rémy: (1)
"Sou de opinião que o Sr. Van Gogh sofre de ataques de
epilepsia, bastante afastados um dos outros (certificado de vinte
e quatro horas). O que se passou com êle não seria senão a
continuação do que se passou com diversas pessoas de sua fa-
mília" (certificado de quinzena)". O Dr. Gachet atribui a lou-
-cura à intoxicação pela terebentina, e às consequências de uma
insolação excessiva sôbre um cérebro nórdico.

(1) Doiteau et Leroy - La Folie de Van Gogh.

44
CORRESPONDÊNCIA

A correspondência com Theo é, também, fonte preciosa de


informações. A 3 de fevereiro de 1889, Van Gogh escreve, de-
pois de ter saído do hospital: "Devo dizer que os vizinhos, etc.,
são de particular bondade comigo, e tôda a gente por aqui
sofre, ora de febre, ora de alucinação ou loucura, e todos se en-
tendem como pessoas de uma mesma família". e) E, adiante:
"Quanto a me considerar como completamente são, não se pode
pensar". e)Êle tem consciência de sua moléstia, e fala resig-
nadamente a respeito, nos intervalos de lucidez: "sofrer sem
se queixar é a única lição a aprender nesta vida". (3)

TESES

Baseadas nesses elementos construiram-se numerosas teses.


Os principais estudos se devem a Joachim Beer, Karl Jaspers,
Walter Riese, Westermann Holstijn, Evensen, Doiteau e Leroy,
Thurler, entre outros.
Parece-nos, de modo geral, que tôdas essas doutrinas se
aplicam em rotular desta ou daquela maneira o complexo pro-
blema psicológico de Van Gogh. Os dados de que podemos dispor
são, preliminarmente, incompletos. Um estudo psicanalítico de
tipo freudiano ou post-freudiano necessitaria de informações
precisas, especialmente sôbre a infância - que não existem.
É de se considerar, também, a soma enorme de imponderáveís
que contribuiu para o agravamento do estado mental e o trá-

(1) Carta 576.


(2) Idem.
(3) Carta 580.

45
gico fim do artista. Miséria, alcoolismo, privações, agravados
pela incompreensão dos contemporâneos, dúvidas terríveis, até
o encontro consigo mesmo, sentido místico e mórbido da sua
dedicação aos humildes, tantos e tantos fatores que obscurecem e
x. dedicação aos humildes, tantos são os fatores que obscurecem e
O exame das teses principais nos levará a classificá-Ias em
quatro grupos:
1.0) - tese da epilepsia.
2.°) - tese de um processo paralítico de fundo sifilítico,
(sífilis contraída dessas "femmes à quarante sous").
3.°) - tese da esquizofrenia.
4.°) - tese das perturbações solares.
Além dessas, outras teoriàs ou outros dados têm intervido
na questão, principalmente o problema do alcoolismo.
No caso da primeira tese, os mais notáveis partidários re-
conhecem que não há caracterização perfeita dos sintomas epi-
lépticos. Mesmo o diagnóstico de epilepsia não convulsiva não
é totalmente satisfatório, segundo Beer, desde que, além de
outros sinais sintomáticos, falta o principal: amnésia e perda
total de consciência. Apesar disso, o diagnóstico não está longe
da verdade, pois os estados alternados de elação e depressão, os
paroxismos da agitação motora, parecem confírmá-lo ,
Entre os partidários da hipótese da epilepsia, além dos mé-
dicos de Arles (os Drs. Urpar, Rey) , e de St. Rémy (Dr.
Peyron), encontramos os Drs. Thurler, Doiteau e Leroy, e
Evensen ..

THURLER

Este psiquiatra defendeu a tese de um tipo de epilepsia,


"sem ataques convulsivos, porém com diversos equivalentes tí-

46
picos". E, também, que "a obra de Van Gogh foi a vitória par-
cial do seu "eu" (vontade consciente), sobre o outro "eu" (de-
lírio)". e)

DOITEAU E LEROY, EVENSEN

No seu estudo: "La Folie de Van Gogh" e), os especialistas


franceses se empenham na demonstração de equivalentes psíqui-
cos da crise epiléptica (fugas, perda total ou parcial de memória,
perda de consciência, automatismo ambulatório, etc.). Quanto ao
Dr. Evensen, (3) assinala o agravamento da epilepsia pelo al-
coolismo e pela sífilis.

JASPERS

Jaspers (4) rejeita, liminarmente, a hipótese da epilepsia,


com argumentos que parecem concludentes: "não encontro ne-
nhum sintoma: nem crises epileptiformes, nem a imbecilidade
característica dessa moléstia". Diverge também da tese de pa-
ralisia geral, apesar da vida de Van Gogh tê-lo pôsto diante
de inúmeras ocasiões de contágio sifilítico. Entretanto, a ma-
nutenção do senso crítico e auto-disciplina, apesar das violentas
crises de psicose durante dois anos, invalida as possibilidades de
um caso de paralisia.

(1) Thurler, J. - Apud J. Beer.


(2) Doiteau et Leroy - Apud J. Beer.
(3) Evensen, H. - Apud J. Beer.
(4) Karl Jaspers - Strindberg et Van Gogh; Hoelderlin et Swedenborg.
trad. Hélêne Naeff. Les Editions de Minuit - Paris, 1935.

47
A opinião de Jaspers é de que se trata nitidamente de esqui-
zofrenia. O seu estudo é dos mais interessantes, tanto pela alta
categoria do filósofo e psiquiatra, como pela clareza de argu-
mentação. Êle declara: " ... a comparação entre Hoelderlin e
Van Gogh se revelou rica em ensinamentos. Êsses dois homens,
tão essencialmente diferentes um do outro, não o são apenas
pelas condições disparatadas de esferas de atividade. O lado
etéreo, ideal, de Hoelderlin se opõe exatamente ao lado ter-
restre, ao realismo de Van Gogh. Ambos se adaptam penosa-
mente, porém Hoelderlin é delicado, excessivamente suscep-
tível, enqua.nto Van Gogh, mais vigoroso, reage violentamente,
quando irritado ou acuado. Essa dessemelhança entre suas duas
naturezas não exclui certas analogias, no momento em que
entra em jôgo a esquizofrenia, o que torna tais analogias ainda
mais notáveis. Analogia no desenvolvimento: um estágio pre-
liminar, assinalado por certa excitação interior, por preocupa-
ções filosóficas; o paciente se sente mais seguro de si próprio,
menos preocupado com o efeito que produz; é impressionante a
mudança na produção artística, que parece crescer e alcançar
um cume, aos olhos, tanto do autor, como do público. Êsse es-
tágio é seguido por uma primeira crise aguda da psicose, que
se vai renovar em intervalos cada vez mais próximos. Porém,
essas crises trazem apena.sum débil prejuízo à atividade cria-
dora que continua, trazendo, em parte, elementos novos. Du-
rante todo êsse período, há uma forte tensão entre a vivacidade
das impressões sofridas na psicose e o esfôrço de estilização que
as disciplina. Uma resistência desesperada se opõe às fôrças
deletéreas que progridem lentamente. Os dois artistas têm, en-
tão, uma visão mística do mundo; experimentam a evidência
dessa realidade mística, o que faz que ela se íncarne, para cada
um dêles, dentro de aparências ideais ou, realistas. A arte e a
vida se impregnam, para êles, ainda mais do que nos primeiros

48
tempos, com um sentido que se pode chamar metafísico ou re-
ligioso. As obras perdem o seu polimento. A "grosseira mon-
tagem", em Hoelderlin, tem seu equivalente, em Van Gogh, na
crueza agressiva de certas telas. O que se chama sentido da
vida, da natureza, do universal, se tornou, em ambos, mais real,
mais atual, mais cheio de significação metafísica.
"Porém, no mundo da esquizofrenia, tudo é possível. Muitos
outros fantasmas o habitam. Não vemos apenas surgir no início
da doença um demônio libertador; vemos, também, os efeitos
mais terríveis de empobrecimento e tôda espécie de devastações;
à paranoia, em sua pureza inicial, sucedem os automatismos".
Como se pode verificar, por essa página notável de Jas-
pers, a tese da esquizofrenia pode ter fundamento, no caso de
Van Gogh, reservas feitas de que não se trata de um caso puro
e perfeitamente caracterizado daquela psicose. Jaspers, aliás,
é o primeiro a sentí-lo, e a compreender a impossibilidade de
se reduzir os casos conhecidos de artistas esquizofrênicos a um
denominador comum.

HOLSTIJN

Westermann Holstijn concorda com a tese de Jaspers, e


talvez vá além, assinalando em Van Gogh sintomas evidentes
de "demêntia precox" dez anos antes da morte, enquanto Jas-
pers os situa em 1888. Holstijn acredita que a origem da mo-
léstia se funda na sexualidade infantil e no complexo de Edi-
po. A preferência marcada pelo amarelo simbolizaria, em Van
Gogh, a sua "libido".
Parece-nos, contudo, que a xantopsia de Van Gogh é antes
um estágio da sua evolução artística (período de Arles: a

49
"Maison Jaune", os "Girassóis" etc.) , do que a hipótese de, "pri-
vado da possibilidade, primeiro, da transferência hétero-eró-
tíca, e, depois, da homo-erótica, êle mergulhar na psicose, de-
pois do recal que da sua libido". Há sempre perigo em se atri-
buir ao artista sentimentos ou impulsos que êle seria o primeiro
a não reconhecer, intenções explícitas ou implícitas que, fora
do terreno da simples hipótese, dificilmente se mantêm de pé.
A preferência pelo amarelo, de que o próprio Van Gogh dá ra-
zões suficientes, constitui, a nosso ver, o amor pela luz pura,
representada pela mais luminosa das côres. Tudo, na claridade
deslumbrante da Provença, seus campos crestados, suas estradas
ardentes, seu firmamento cintilante, convidava o pintor a ex-
primir o delírio da luz. e)

GACHET E GREY

A tese das perturbações resultantes de uma insolação per-


manente nos parece a mais fraca de tôdas. Podemos atribui-Ia
a uma época em que os estudos psicológicos não tinham alcan-
çado o desenvolvimento atual. O bom Dr. Gachet, colecionador
e amigo dos artistas, êle próprio artista amador, é quem a sus-
tenta. O médico da Compagnie des Chemins de fer du
Nord, enciclopédico e eclético, não era, realmente, um psi-
quiatra, tendo se dedicado, sucessivamente, a diferentes espe-
cialidades. A sua idéia de que o envenenamento pela tereben-
tina seja também causa da loucura de Van Gogh não pode mais
ser sustentada. Outro partidário da teoria da heliopatia é Roch

(1) Carta 522: "Que c'est beau le jaune!"

50
Grey, que também acredita numa insolação crônica, causa da
famosa xantopsia e do delírio. Tôdas essas idéias se ressentem
bastante da infância da psiquiatria. Aliás, o Dr. Beer, criticando
o diagnóstico póstumo de Grey diz: " (O médico) ... asseverou
que Van Gogh era sifilítico - o que nunca foi provado - e fez
um diagnóstico de "meningo-encefalite difusa, de forma disfar-
çada, e, de certo modo, incaracterística", que não parece ter
sido paralisia geral e definitiva. Van Gogh nunca mostrou si-
nais de demência (perda das faculdades intelectuais)".

BEER

Estudioso do caso psicológico de Van Gogh, o Dr. Joachim


Beer, (1) analisa vários dados do problema, para concluir que
se trata de moléstia degenerativa, psicopatia constitucional,
oriunda de fatores hereditários. Beer mostra o artista como ví-
tima de violentas explosões de natureza maníaca, e chama a
atenção para a hereditariedade, tanto do lado paterno (morte
do pastor Van Gogh por ataque apoplético), como pelo materno
(existência na família de casos de epilepsia). Assinala, também,
a singular dromomania de Van Gogh, que o leva em certas oca-
siões ao delírio ambulatório, (exemplo: a viagem de Courríêres,
para visitar o atelier de Jules Breton); e, em princípio, o torna
um constante e inquieto viajante. "Uma certa instabilidade,
diz Joachim Beer, alternâncias de excitação e depressão, es-
pecialmente sob a influência do álcool, do tabaco e do café, com
paroxismos de agitação motora, de violentos acessos de raiva,
ataques de desespêro, por motivos insatisfeitos, mencionando

(1) Joachim Beer - Diagnosis of the Tragedy. Arts News Annual - 1950.

51
traços pouco marcantes como estigmas de degeneração, tais
como assimetria facial e acentuada deformação craniana, com-
pletam o retrato dos sintomas que apresenta a psicopatia cons-
titucional de Van Gogh". E, mais além: "sem desejar estender,
indevidamente, a classificação de esquizofrenia, devemos adian-
tar a opinião que êsse pintor de gênio sofreu de uma psicopatia
constitucional, com ataques que vão crescendo de intensidade
através de sua vida. A hereditariedade mórbida, manifestada
pelo irmão de Vincent, fornece uma base para a teoria de que
a moléstia do pintor não foi adquirida, tal como esquizofrenia,
porém uma doença degenerativa".
Aliás, é também Joachim Beer, quem, analisando a crise
da orelha cortada, assevera: "Tendo já sofrido em Amster-
dam perturbações mentais, o seu cérebro não podia resistir a
uma exaltação mórbida. As insolações, o nervosismo e o excesso
de trabalho que se impôs, trouxeram acessos de loucura, que
existiam nêle em estado latente." e)
Como se pode depreender do estudo de Beer, êste não define
com clareza a sua posição, limitando-se a assinalar uma "psi-
copatia constitucional", de origem hereditária. Parece, aliás, que
a maioria dos autores que investigaram o problema, fizeram-
no levando em consideração. mais o seu aspecto medical, do que
propriamente os complexos fatores da personalidade do artista,
e, também, as condições sociais em que se desenvolveu a sua
vida tão dolorosa. À pura e simples patografia de Van Gogh se
devem, conseqüentemente, incorporar tantas e tão diversas ou-
.tras causas, que contribuiram, senão para determinar, pelo
menos para acelerar e condicionar a evolução da crise e seu
trágico destêcho ,

(1) Joachim Beer - Essai sur les rapports de l'Art et de Ia Maladie de


Vincent Van Gogh (These de doctorat) Strasbourg. 1935.

52
DUAS ORDENS DE FATORES
,
Em face das teorias expostas, parece-nos que se devem con-
siderar, em conjunto, os diferentes fatores que conduziram Van
Gogh à loucura, considerando o caso, preliminarmente, no seu
aspecto patológico, e, depois, em face dos agentes exteriores,
condições de existência e choques emocionais.

EPILEPSIA

Parece-nos, por exemplo, cabível, a existência da epilepsia,.


em primeiro lugar pela sua hereditariedade comprovada, e, a
seguir pelo episódio da orelha cortada. Devemos dizer que, na
opinião dos especialistas, não ha uma necessária incompatibili-
dade entre a epilepsia e a existência de outros fatores psíco-
patológicos.
Em confirmação do diagnóstico de epilepsia, vale citar, ainda
uma vez, um relatório do Dr. Peyron, do asilo de St. Rémy,
referindo-se a Van Gogh e consignando: "Êste doente chega do
Hospital de Arles, onde deu entrada em conseqüência de um
acesso de mania aguda, que sobreveio bruscamente, acompa-
nhado por alucinações da visão e da audição, que o apavo-
ravam. Durante êsse acesso, cortou a orelha esquerda, porém
conserva de tudo isso apenas uma lembrança muito vaga, e)
e não consegue se dar conta do que se passara. Contou-nos que
uma irmã de sua mãe era epiléptica e que se contam âioersos
casosna sua família. (2) O que se passou com êste doente seria

(1) o grifo é nosso.


(2) O grifo é nosso.

53
apenas a continuação do que se passara com diversos membros
de sua família." e)
Além dêsse testemunho, que nos parece capital, acresce o
fato, que contraria a opinião de Beer, da ausência de amnésia.
Esta se produziu, por mais de uma vez, inclusive no dia em
que Van Gogh é encontrado, deitado e desacordado, entre Ta-
rascon e St. Rémy, com o rosto dentro de uma vala.

ESQUIZOFRENIA

A presença da epilepsia não invalida a existência da es-


quizofrenia, de que tantos sintomas podem ser encontrados, es-
pecialmente na última fase da pintura, em que as formas en-
tram numa vibração inquietadora, como se a natureza fôsse
contemplada através de uma atmosfera superaquecida. Ado-
tando as razões expostas por Jaspers, somos de opinião que a
esquizofrenia se manifestou, plenamente, nos dois últimos anos,
embora não sejam impossíveis crises anteriores. Não se tem,
porém, notícia de nenhum trauma perfeitamente identificado.

A LUTA VITAL

Além do problema patológico, deve-se considerar que Van


Gogh é um temperamento de exceção cujas componentes são ex-
tremamente contraditórias. Tendência ao isolamento e desejo
de se integrar na miséria humana, pela pregação de fé ou pela
pintura. Capacidade de se dedicar, corpo e alma, apaixo-
nadamente, (episódios sentimentais de Ursule Loyer, a prima
Kee e Christine), ao mesmo tempo que abandona bruscamente
(1) Dr. Peyron, apud Joachim Beer: Essai sur les Rapports de l'Art et
de Ia MaIadie de Vincent Van Gogh (These de doctorat) Strasburgo, 1935.

54
Sien, grávida de um filho, que talvez seja seu. Alternância de
entusiasmo e depressão, relativamente à sua própria obra. Todos
êsses fatores, já de per si, mostram algumas faces do intrin-
cado problema que é a personalidade de Van Gogh.
O que é incontestável é a reação de sua hipersensibilidade,
especialmente diante da rejeição persistente que parece acom-
panhá-lo por tôda a vida. "Van Gogh despertava o riso pelo
seu modo de ser e de se comportar, pois agia, pensava, sen-
tia e vivia de modo diverso dos rapazes de sua idade ... Ti-
nhasempre uma expressão ausente, grave ou melancólica. Po-
rém, quando ria, fazia-o com gôsto, e todo o seu rosto se ilu-
minava e)".
É realmente extraordinária a fôrça espiritual do seu tem-
peramento. Êle tem a certeza de estar destinado a uma elevada
missão, embora não saiba ainda qual possa ser. Há uma Iôrça
irresistível que o anima, através de tôdas as desilusões, de tôdas
as repulsas e rejeições que a vida lhe reserva. É, por conse-
guinte, um forte. "Um louco? Não, porém, um ser muito
complexo. Como homem, êle se encontra desarmado diante da
vida: sem a compreensão e a ajuda do irmão, teria certamente
naufragado. Mas, como artista, é terrivelmente independente,
quer tornar-se pioneiro de uma arte nova, é persistente, cioso
de sua independência, e, para mantê-Ia, sabe lutar e sofrer com
uma coragem inegualada". e).

INTERMÉDIO PASTORAL

Há, sem dúvida, na sua adolescência, o forte desejo de imitar


o pai, seguindo-lhe o mesmo destino, e, talvez, à custa de sa-
(1) M. S., Brusse - Van Gogh als Buchhandlungsgehilfe. Kunst unt
KünstIer, 1914, 12.0 ano. Apud Jaspers.
(2) L. Roelandt - Lettres de Van Gogh à Van Rappard - (Préface),
Paris, 1950.

55
crífícío e dedicação, superá-Io. Custará a descobrir que essa
competição não tem sentido, e que não nasceu para a vida pas-
toral. Seria, para nós, difícil concordar com a tese de Holstijn, de
que existia em Van Gogh o complexo de Edipo, embora se saiba
que sempre foi o preferido de sua mãe.
Um outro sentimento, profundamente comovente, que bri-
lha nessa vida como um puro diamante, é a sublime dedicação
de Theo, bem como a amizade dos dois irmãos. Theo com-
preende que o seu destino é associar-se ao trabalho de Vincent,
e que deve sacrificar-lhe tudo. Desde cedo êle se dá conta que
a pintura do irmão não é "vendável", mas não cessa, por isso,
de fornecer os parcos recursos que lhe permitirão subsistir,
embora com as maiores privações ,através de todos os contra-
tempos. A união é tão perfeita, que, após a morte de Vincent,
o elo se parte, e Theo sobrevive apenas seis meses.

o REVOLTADO

A época é hostil aos artistas revolucionários, e Van Gogh


é, por essência, e visceralmente, um rebelde. Aliás o século XIX
é fértil nesse combate dos artistas contra o meio social e a
sua incompreensão. A luta dosimpressionistas demonstra, am-
plamente, o fato essencial de que a arte deixou de obedecer às
determinações da sociedade, para estabelecer, com ela, um con-
flito que perdura, de certa forma, até nossos dias.
Diversas causas se congregam para determinar êsse divórcio,
entre Arte e Meio Social. Primeiramente, o advento de uma
burguesia, sem substância tradicional e cultura artística sufi-
cientes para impor ao artista, - já emancipado como ser so-
cial, desde o Renascimento -, temas, programas, inspirações,
compatíveis com os novos tempos. Voltada para o culto de um

56
falso passado, julgando ser tradicional o que nada mais era '1
I

do que uma cópia servil das obras primas de outrora, a socie-


dade do S. XIX endeusará os piores maneiristas do gênero
Bouguereau e Cabanel, em nome de um bom gôsto, cuja fal-
sidade os anos se encarregarão de demonstrar.
Em segundo lugar, o poder criador da Arte é eterno, e os
artistas darão, das diversas sociedades, um retrato fiel, ex-
pressão da própria vida, isso por um processo inelutável, no
qual a obra artística fixa, como num mágico espêlho, a imagem
do presente fugaz e transitório e a projeta no futuro como mais
uma face da eternidade.

o INCOMPREENDIDO '

Não se pode, conseguintemente, desprezar o fato de que


Van Gogh penou, a vida inteira, não só para realizar sua obra
dentro da geral incompreensão, (o próprio Gauguin não lhe en-
tendeu o gênio), mas também sofreu o repúdio mais brutal
por parte do meio em que viveu. Para um hipersensível como
êle, falido no amor, na fé, na fortuna, na amizade, é evidente
que a ausência de entendimento do público em geral, e de quase
todos seus amigos, deveria determinar uma úlcera profunda,
incessantemente reavivada.

o ISOLADO

No último ano de vida, quando Albert Aurier, vibrando


de admiração, publica, no "Mercure de France", "Un isolé", o
único artigo impresso a seu respeito até então, Van Gogh lhe
responde, grato, dizendo, de St. Rémy, a Theo: "Peça a Mr.

57
Aurier que não escreva mais artigos sôbre a minha pin-
tura, diga-lhe, com insistência, que, primeiro, êle está enganado
comigo, e, depois, que me sinto excessivamente desgostoso para
enfrentar a publicidade. Fazer quadros me distrai, porém
se ouço falar disto, sinto-me mais triste do que êle possa ima-
ginar". (1)
Não é isso demonstração de falsa modéstia ,ou falta de gra-
tidão por quem, finalmente, o compreende e aprecia. É, no
fundo, o sentimento de inutilidade que lhe desperta essa estima
tardia, bem como a certeza de que sua obra já pertence ao fu-
turo.
Mesmo depois da morte, a má sorte persegue sua memória.
Quando em 1897, Ambroise Vollard organiza uma das pri-
meiras exposições de suas obras, - cêrca de sessenta telas, pro-
venientes de Amsterdam, além de numerosos desenhos e aqua-
relas -, o resultado é pouco animador. "O preço dos quadros
mais importantes, como o célebre "Champ de Coquelicots", diz
Vollard, não alcançava quinhentos francos. O público não
se mostrou muito entusiasmado. Não eram chegados os bons
tempos ... Lembro-me, entretanto, de um casal, que parecia par-
ticularmente interessado. Subitamente, o homem, segurando
a mulher pelo braço: "Você,,que pretende sempre que a minha,
pintura doi nos olhos ,então! que diz você desta ?" (Z).

o REJEITADO

Nesse meio tremendamente hostil, que o recusa sempre, Van


Gogh pinta, desesperadamente, lutando contra a neurose cres-

(1) Carta 629.


(2) Ambroise Vollard. Souvenirs d'un Marchand de Tableaux - Albin
Michel - Paris, 1948.

58
cente. o artista não é, necessàriamente, um neurótico, porém
não tardará a sê-Io , O seu desajustamento, ao mesmo tempo
que a riqueza das idéias picturais, cria uma atmosfera de
ânsia crescente para a angustiante conquista do absoluto. Daí,
ao mesmo tempo, a revolta contra a sociedade que o ignora, a
sua concentração sôbre si mesmo, e a sensação de que o tempo
que lhe resta é pouco, e de que é necessário trabalhar, trabalhar
sem tréguas, até que se apague, definitivamente, a chama
vital.

CONFLITO INTERIOR

Além dos fatôres de ordem familiar, a formação cultural


pela leitura, anos a fio, da Bíblia, e dos autores mais diversos
e, mesmo, opostos, de Shakespeare a Zola, de Dickens a Loti,
de Renan a Carlyle, de Erckmann-Chatrian aos Goncourt, acen-
tua-lhe o caráter contraditório até o ponto do desafio.
Êsse conflito interior, de uma cultura literária caótica e auto-
didata, é bem sensível na natureza morta de Nuenen, 1885, em
que, ao lado de uma Bíblia maciça e pesada, o pintor colocou
um exemplar de "La Joie de Vivre", de Zola, símbolo dos polos
entre os quais se situam a sua vida intelectual e os fatores
emocionais que o dirigem.
Ainda no sentido contraditório da sua formação cultural,
é interessante observar a admiração que despertam, em Van
Gogh, os pintores mais diversos e opostos. Os holandeses seus,
contemporâneos, cuja pintura, sombria, hoje, para nossos olhos,
lhe parecia luminosa, tais Mauve, - por quem sentiu o maior
respeito, até o fim da vida -, exercem uma relativa influência
na primeira fase. Mesdag, Breitner, De Bock, Israêls, Artz,

59
os dois Maris, Willem e Jaap, Van der Weele, Bilders, Leys,
entre outros, são os seus preferidos. Desde cêdo êle coleciona
gravuras e reproduções, obras de tendências opostas ou valores
desiguais, (1) em que se encontram representados artistas in-
gleses, Green, entre outros, e desenhistas do "Punch", junto
com Millet, Breton, Gavarni, Doré, Lançon.
Ao mesmo tempo que êsses artistas, cuja fama, em boa
parte, desapareceu, mergulhada no esquecimento, os seus deuses
são Rembrandt, Delacroix, Dupré, Monticelli. Isso nos faz
sentir que, através dêsse caos aparente, o artista busca uma de-
terminada ordem de sensações que é "a sua própria", alguma
coisa que lhe compete dizer. E é, nesse sentido, extrema-
-mente interessante considerar as cópias livres, verdadeiras cria-
ções, da época de St. Rémy. Delacroix, Millet, Doré, lhe ser-
-vem de "suporte" para realizar obra essencialmente pessoal,
em que as formas, ainda reconhecíveis do original ,aparecem
transformadas em elementos plásticos de uma simbologia au-
tônoma. Após a descoberta da "pintura clara", novos entusias-
mos aparecem: Manet, Monet, Renoir, Pissarro, Seurat, Signac
e Gauguin.

A DUPLA PERSONALIDADE

Diante dos fatores expostos, sentimos a complexidade do


problema, e somos levados a admitir uma dupla personalidade
-em Van Gogh. Há, dentro dêle, o homem que desejaria ser,
e o homem que efetivamente é. O estado de perpétuo conflito
em que vive, torná-lo-á durante tôda a vida, um ser terrivel-
mente isolado. Se, por um lado, o desejo de seguir a carreira

(1) Carta 205.


paterna determina uma poderosa crise religiosa, cujas conse-
qüências já conhecemos, por outro lado, a vocação artística ir-
rompe, com tal violência, que o pintor não pode deixar de ser
êle próprio, embora a auto-censura constante tente impedir o
impulso artístico.
E, tôdas as vezes em que um dilema se lhe apresenta, obri-
gando-o a optar entre a pintura, de um lado, e do outro lado
o amor, a religião, a família, é sempre pela pintura que pende,
sem hesitação, a sua escolha.

o ALTRUÍSTA

Porém, o espírito pastoral derrotado, retorna, pelo anseio


de dedicação e sacrifício, através dos planos da colônia artís-
tica de Arles, da pintura em colaboração, - de que tanto escar-
neceu Gauguin, - pelo esfôrço para trazer êste último perto de
aí, pelo amor com que procurou harmonizar impossíveis rela-
ções e entendimentos. Van Gogh é um ser susceptível de sacri-
ficar seu bem estar, sua saúde, de reduzir suas necessidades
ao mínimo, porém, em nenhuma ocasião êle sacrificará a sua
arte. O altruísmo imenso tem sua compensação num egoísmo
quase feroz, que o contrabalança. Êle se sente em luta contra
poderosas fôrças adversas: indiferença, incompreensão, escár-
neo, hostilidade. E, num ensimesmamento desesperado, lança
à tela, com suas côres violentas, a essência do conflito, resu-
mida em gritos de revolta.
A crise atinge ao máximo com o episódio de Natal de 88.
Não tendo fôrças suficientes para ofender Gauguin, êle se volta
contra si mesmo, pratica a auto-mutilação, para, voltando à
consciência, mergulhar no arrependimento.

61
Devemos compreender, conseqüentemente, que à margem
dos fatores próprios do temperamento do artista, muito con-
tribuíram para o seu trágico destino, as causas devidas às con-
dições sociais e econômicas em que viveu. Desde 1885 queixa-se
de "mal estar físico". Seus modestíssimos recursos quase não
lhe permitem comprar alimento. A maior parte é absorvida
pelas telas e tintas. É o drama da fome, complicado pelo abuso
do álcool. Quando partiu para Arles êle se sentia" ... magoado,.
quase doente, quase alcoólico, à fôrça de procurar estimulantes".
E, também, "estava seguramente a ponto de apanhar uma pa-
ralisia quando deixei Paris ... Quando deixei de beber, e reduzi
o fumo, quando comecei a refletir, em vez de procurar esquecer,
meu Deus! quanta melancolia, e que abatimento!" (l) Entre-
tanto, o alcoolismo vai recomeçar em Arles, contribuindo para
tornar o problema mais agudo ainda. Queixa-se de dores de es-
tômago, contraídas em Paris, "em grande parte devido ao mau
vinho, de• que bebi muito" e) . Mas é, principalmente, o absinto
que agravará o seu estado, e será o principal responsável pelos
fenômenos epileptiformes posteriormente observados. Veneno
terrível, criador de tantas psicoses, o absinto opera em Van
Gogh uma terrível devastação, ao mesmo tempo que ergue
muito alto o tom da sua pintura, nos amarelos deslumbrantes.
dos girassóis.

ALCOOLISMO

o álcool é assim, ao mesmo tempo que um tóxico, um re-


fúgio e um remédio para o grande neurótico. Porém, êle próprio

(1) Carta 48l.


(2) Carta 480.

62
não se dá ou não se quer dar conta do seu estado" ... agora
podes compreender que, se o álcool foi, certamente, uma das
grandes causas da minha loucura, isto veio, então, lentamente,
deveria voltar também lentamente ... " (8)
Parece-nos que o problema psicológico de Van Gogh deve
ser considerado sob os seus diferentes ângulos, e não apenas
com a preocupação evidente, por parte da maioria dos seus
comentadores, em lhe apor um rótulo. Esquizofrenia, catatonia,
epilepsia, não explicam, no nosso modesto' entendimento, senão,
parcialmente, a neurose do artista. Êle é o grande isolado, porque
não se pode adaptar, e o meio rejeita quem não compreende e o
ultrapassa. Por êsse motivo a sua correspondência é uma es-
pécie de solilóquio, dá-nos a impressão de alguém a falar alto,
para si mesmo, numa solidão sem fim. A existência de Theo, no
fundo, não o preocupa muito, embora o seu amor fraternal seja
imenso e comovente, e êle sente perfeitamente divididas as duas
tarefas. Compete-lhe pintar, pintar sempre até a morte. • Ao
irmão cabe simplesmente sustentá-lo. Sabe que o seu destino
é sublime, mas não ignora o esfôrço que exige o humilde dever
do seu associado.
Porém, mais significativa e elucidativa ainda, do que a pre-
ciosa correspondência, pelas intenções tão claramente manifes-
tadas, é a própria obra, em que os elementos do subconsciente
afIoram, sem contrôle da vontade do artista.

EVOLUÇÃO DA TÉCNICA

o período arlesiano assinala a fase aguda da moléstia,


pelos caracteres de intensa liberação das próprias condições da

(3) Carta 588.

63
matéria. O quadro mantem ainda uma estrutura perceptível,
um esqueleto de perspectiva, que estabelece um ponto de con-
tacto com a realidade. Porém as formas se tornam tumul-
tuosas, simbólicas, eruptivas como as bolhas de um "solfatare".
O ritmo linear ondula, vertiginosamente, num balancear in-
quietante. O grafismo pontilhado, vermiculado, arrasta, em tor-
velinho, árvores, figuras, céu, e terra, numa fusão ardente de
esmaltes liquefeitos. No auto retrato azul, do Louvre, doado pelo
Sr. Paul Gachet, a massa pictural se enrola e desenrola em vo-
lutas, o que dá ao quadro a estranha expressão de olhos pers-
crutadores e angustiados, culminando nos próprios olhos do
modêlo.

A REPRESENTAÇÃO OCULAR

Por uma associação natural, não podemos deixar de lem-


brar a importância psicológica que, em arte, ocupa a repre-
sentação ocular. A associação do ôlho com o símbolo de Deus,
consciência e censura, vigilância e observação, é hoje fato am-
plamente verificado, tanto nas manifestações gráficas dos psi-
copatas, quanto na obra de muitos dos grandes artistas con-
temporâneos. Cunningham Dax nos diz: "a razão para o uso
do símbolo pode ser tão simples quanto seja, por exemplo,
a significação do "ôlho espiritual" da pessoa. Também o ôlho
pode ser usado sem ter necessàriamente uma significação psi-
quiátrica e seu aparecimento não é infreqüente na arte mo-
derna, por exemplo nas pinturas de Chagall, Dali, Magritte,
nas figuras significativas monoculares de Brauner, nos quadros
de Miró, ou na notável "Arvore do Paraíso" de Séraphine". (1)

(1) Experimental Studies in Psychiatric Art. Faber & Faber. London, 1953.

64
A simbologia ocular não se pode, contudo, aplicar a Van
Gogh senão com certas restrições, embora a "Noite estrelada",
o "Café de Nuit", os "Ciprestes" possam, a nosso ver, constituir
exemplos bastante claros.
Sejam quais tenham sido os fatores que levaram Van Gogh
à loucura, não temos, porém dúvida em afirmar:

CONCLUSÕES

1.0) - O gênio, em geral, não é, necessàriamente, um de-


sequilibrado, embora se deva reconhecer que obedece a leis pró-
prias de sua evolução, diferentes das que regem o comum dos
homens.
2.0) - A obra de arte é sempre a expressão de qualidades
próprias, inatas ao artista, e manifesta um estado superior da
consciência, o que não impede o afloramento misterioso do sub-
consciente e do inconsciente.
3.°) - A obra de arte é a revelação de uma forma superior
de realidade, e determina um "modus" de conhecimento do
mundo exterior, um novo "estado" da consciência universal.
4.°) - Nesse sentido ela é essencialmente. anunciadora,
inovadora, profética, o que torna pouco accessível aos contem-
porâneos a "verdadeira" imagem que ela representa.
5.°) - A psicose, no invés de ser um motivo de inspiração
fecunda, é um fator negativo, e o artista, para produzir, deve
emergir, como um fênix, das suas próprias e provisórias cinzas.
Tanto é verdadeiro, que os períodos de crise são estéreis.
6.°) - O gênio não nasce necessàriamente neurótico, e se
pode manter, até o fim, numa lucidez como a de Goethe. Pode,

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entretanto, tornar-se um neurótico, em virtude de condições
constitucionais, ou em consequência de fatôres adquiridos, ou,
ainda, mercê de problemas complexos de vida, em conflito com
uma hipersensibilidade em perpétua vibração. E' nesse sentido,
a nosso ver que se pode enquadrar o apaixonante problema psi-
cológico de Van Gogh, resultando da soma de fatôres diversos:
epilepsia, esquizofrenia, dupla personalidade, precárias condi-
ções de existência, e conflitos com o grupo social.

I.

66
III

PERÍODOS E INFLUÊNCIAS

Não. se pode assinalar, com absaluta precisão, a data em


que Van Gagh cameça a desenhar. Já em Londres, de 1872 a
1875 sabe-se, pela carrespandência cam Thea, da seu interêsse
pelas caisas de arte. Desejaria tornar-se um artista e, ínsensí-
velmente, é levada a fazer as primeiras craquis, ainda infarmes
e grasseiras. Porém, a parte realmente impartante de sua abra
se inicia, seguramente, em 1880.
E', par canseguinte, de 1880 a 1890, durante êsses dez anas,
intensas, febris, acupadas par uma praduçãa cada vez mais rá-
pida e nervasa, cama se Van Gagh tivesse a sensação. indefinida
de que a tempo. era curta demais para aquilo. que tinha a fazer
e dizer, que se estende uma abra vasta, variada, campreendenda
cêrca de seiscentas pinturas e mais de aitacentas desenhas.

1880

De 1880 em diante, a vocação se vai tarnanda irresistível


e a artista irrampe de dentro. da pastar. O desejo de seguir a

67
carreira paterna, a busca de si mesmo, que tantos dissabores
lhe trarão, vão sendo gradativamente substituídos, absorvidos
por aquilo que o destino lhe reserva. O que julgava poder
conseguir no plano da vida religiosa, isto é, a dedicação a um
ideal humanitário, êle o realizará no plano da criação artística.
O primeiro período da obra de Van Gogh se estende a 1886.
É a fase da pintura escura. A paleta do pintor é cheia de bistre,.
betume, negro, acre, terras, que lhe dão um aspecto de pro-
funda melancolia, a própria tristeza do ser humano diante do
destino. Millet e os pintores de Barbizon, bem como os holan-
deses Mauve, Maris, Israêls, são os seus principais modelos.
Porém, é de notar-se que sempre desponta, de forma evidente,.
a forte personalidade do artista. Desde os primeiros desenhos
o traço é robusto, possante, incisivo, numa grafia .não cur-
siva, mas reticente, em golpes curtos e nervosos. As cópias --
como, por exemplo, a do "Semeador" de Millet - são livre-
mente interpretadas. Van Gogh visa menos os efeitos de claro
escuro, modelado, anatomia, do que a fôrça expressiva.
A pintura começa, na obra de Van Gogh, cronolàgicamente,
depois do desenho. Êle tem de vencer as dificuldades da técnica
por si próprio, pois que o auto didatismo está na base do seu
temperamento. Em novembro de 1880, por exemplo, êle se con-
fessa satisfeito por ter desenhado a bico de pena um esqueleto
completo, em 5 fôlhas de papel Ingres, copiado de um manual
de anatomia artística. e)
Isso lhe custou muito esfôrço, como
escreve a Theo: "Podes ver que continuo com certa energia, e
essas coisas não são fáceis, exigem tempo, e, principalmente,
muita paciência." e).

(1) John: Esquisses anatomiques à l'usage des artistes.


(2) Carta 138.

68
"L'EFFRAY ANTE VÉRITÉ"

Com .tudo isso, não se pode dizer que Van Gogh sofra, pro-
fundamente, alguma influência por parte dos artistas que es-·
tima e admira. Melhor será verificar que é um "certo modo"
de expressão própria que investiga, nos seus modelos, e observar
que, nessa época, êle fala, constantemente, de Gavarni, Dau-
mier, Henri Monnier, Gustave Doré, de Groux, e, precisamente,
êle encontra, nos desenhos dêsses artistas a "effrayante verité"
que êle busca.
Dentro da "maneira escura" do primeiro período, podería-
mos admitir épocas diversas, como a dos mineiros do Borinage,
dos tecelões de Nuenen, culminando nos "Ardappeleters".
Porém, esta obra capital é, no fim de contas, o ponto conclusivo
de uma fase de gestação em que os estudos de tipos, as natu-
rezas mortas, as paisagens, concorrem para aquêle resultado
final.
Para Van Gogh a pintura é um veículo de atividade espi-
ritual, a afirmação de uma verdadeira missão. As suas idéias
de uma espécie de república de artistas, organizados sob forma
corporativa, pintando em conjunto, em algum sítio do sul da
França, representam uma tendência a dar à pintura um verda-
deiro sentido social. Tem a idéia perfeitamente nítida do
que lhe compete fazer. A princípio, sente-se angustiado, cheio
de escrúpulos, por viver às custas de Theo, sem que nunca se
consiga vender um só quadro seu. Pouco a pouco, porém, com-
preende a coisa de forma diversa. Há muito tempo. para en-
contrar amadores e pouco para pintar. Não importam a fome,
as privações, os sacrifícios, e, entre êle e Theo, o que existe, é,
em verdade, uma associação sólida, na qual os sacrifícios são
partilhados, a fim de que possa surgir, sôbre a terra, uma obra.
impregnada de imenso significado universal.

69
EXPRESSA O PELA CÕR

É, conseqüentemente, a pesquisa ardente de um modo ex-


pressivo, que transcende a própria realidade aparente, para
encontrar uma realidade mais profunda. Isso será conseguido
por forma inteiramente nova: a expressão autônoma da côr.
Esta, por si só, pode ser elemento determinante não apenas de
uma "sensação", porém, ter, por si própria, uma "expressão.".
"Não poderia imaginar que se pode ser tão terrível com azul e
com verde", é uma frase de Paul Mantz, à qual Van Gogh se
refere, a propósito do esbôço "violento e exaltado" de Delacroix,
"o Barco do Cristo", que o preocupá constantemente e sôbre o
qual fala diversas vêzes. Falando do "Café de Nuit" de Arles
Van Gogh diz: "procurei exprimir com verde e vermelho as ter-
ríveis paixões humanas" e). E não se poderá dizer que seja
influência direta do impressionismo, pois já em 1885, isto é,
antes de conhecer as obras dos impressionistas e os seus ideais
cromáticos, dizia, textualmente: "A côr por si própria, exprime
alguma coisa". _e).

PARIS 1886

A segunda fase, de Paris, compreende obras em que a luz


vai participar do quadro, não mais de um modo caravaggesco,
porém, com harmonias frias e sutis. A "Vista de Montmartre"
do Art Institute de Chicago, um dos primeiros quadros pari-
síenses, é de técnica leve e delicada, pintada com poucos em-
pastamentos, em esfregaços que deixam aparente o granula-
do da tela. É uma harmonia de gríseos, verdes preciosos em

(1) Carta 533.


(2) Carta 4-29.

70
tons rompidos, uma nota de violeta ao lado de ocre luminoso
e um toque de azul ao lado de uma terra tendendo para o ala-
ranjado. Os dois retratos do "Pêre Tanguy", o da coleção
Edward G. Robinson e o do Museu Rodin, constituem uma ho-
menagem à arte japonesa, estabelecendo um contraste propo-
sitado entre os "à plats" do fundo e a forte construção em pin-
celadas curtas e justapostas da figura central.
A lição de Pissarro, de Lautrec, de Seurat e Gauguin, en-
tre outros, foi rápidamente absorvida, e, não diremos superada,
mas· que já serviu para mostrar a Van Gogh os seus meios
próprios e o seu verdadeiro caminho.

o IMPRESSIONISMO

Em Paris, a sua posição, em face do impressionismo,se de-


fine claramente. Não é a "pintura da luz" que procura, nem a
desmaterialização da forma que dela decorre, como na pintura
de um Monet, de um Renoir, porém, o sentido profundo da côr,
e da expressão através da côr.
O impressionismo já é um movimento pràticamente triun-
fante. A oitava e última exposiçãodo grupo impressionista tem
lugar, precisamente, em 1886,bem como a grande exposição de
Nova York, organizada por Durand-Ruel. Felix Fenéon publica,
na mesma ocasião "Os ímpressíonístas em 1886". Manet é
morto há cinco anos e está consagrado. Os museus da Alema-
nha e da Inglaterra já possuem obras capitais dêsses artistas
que, durante tanto tempo, a França rejeitou. Os quadros de
Renoir, Monet, Manet, começaram a tomar o caminho do es-
trangeiro, adquiridos por conservadores de museus mais pers-
picazes e inteligentes.
71
A batalha pela nova pintura vai continuar. Cézanne, Van
Gogh, Lautrec, Gauguin, Seurat, Signac, Bonnard, Vuillard, con-
tinuarão a semear em novos terrenos, abrindo diferentes estra-
das que levarão à pintura dos nossos dias.
Simultâneamente, a poesia e a música tomam novas dire-
trizes. Morto Baudelaire em 1865,o "frisson nouveau", por êle
revelado, reflorirá nos novos poetas: Verlaine, Mallarmé, Rim-
baud, Lautréamont. Debussy e Fauré estão em plena elabora-
ção musical. Há um plano espiritual comum àsartes que faz:
Verlaine recomendar: "de Ia musique avant toute chose"; bem
como Debussy compor as imagens esbatidas do "Prélude á

I'Aprês-Mídí d'un Faune".


A interpenetração das artes é tão evidente que poesia e mú-
sica buscam efeitos picturais:

"Car nous voulons Ia Nuance encor


Pas Ia couleur, rien que Ia nuance !
Oh ! Ia nuance seule.fiance .
Le rêve au rêve et Ia flüte au cor!"

A audição colorida encontra em Rimbaud o seu Anjo anun-


ciador, e a desmaterialização da forma pela luz faz evocar, diante
de um Monet, de um Sisley ou de um Pissarro, as harmonias di-
fusas e sutis de Debussy. Impregnada de essência musical e poé-
tica, por sua vez, a pintura se arrisca a sair do seu terreno pró-
prio, renunciando à união com o real para se perder no fogo de
artifício das aparências cromáticas. .
Nesse complexo movimento das artes da visão e das artes
do som, Van Gogh segue um destino paralelo, trazendo à imensa
72
- ------ ---

e variada caudal do pensamento da época, uma visao integral


e autêntica, mais filiável, talvez, às tendências populares e pa-
téticas de um expressionismo centro-europeu. do que aos re-
quintes e refinamentos da cultura franceza, mais naturalmente
voltada para o campo da razão e menos para o do instinto.
O contacto de Van Gogh com o impressionismo dar-lhe-á,
contudo, uma espécie de chave dos problemas da côr, antes tão
intensamente pressentidos. O estudo dos museus, o conheci-
mento direto da obra de Delacroix, a freqüentação de um teo-
rista como Seurat, formulador da volta às leis fundamentais
da composição matemática, e também do pontilhismo, tudo
isso, enfim, contribui para que êle se sinta de posse de todos
os recursos para enfrentar os problemas de uma nova visua-
1idade.
Mais de duas centenas de obras datam do período de Paris,
incluíndo auto retratos, recantos de Montmartre, imagens dos
subúrbios leprosos, flores, naturezas mortas. Na ilha da Grande
Jatte, onde vive e trabalha Seurat, Van Gogh executa diversas
telas, profundamente diferentes do espírito claro e preciso, um
-pouco hierático, do mestre pontilhista .

.A PROCURA DA LUZ

Essa pintura representa, igualmente, a pesquiza de uma


nova luz,' de uma luz irra diante e interior, servida por um gra-
fismo nervoso, diferente da arte japonesa; por uma esquematí-
.zação, diversa das construções cezanianas. E' arte do seu
tempo, sem dúvida, refletindo os ideais em curso, destacando-se,
porém, pela vibração inconfundível, de tôda a produção ímpres-
.sionista. Finalmente, Van Gogh encontrou-se com o sol, e, dêsse

73
encontro, surgirão telas cada vez mais intensas pela côr. Des-
lumbrado pela descoberta da luz, Van Gogh se deixa atrair e se
volta para ela, tal como as grandes heliânteas de ouro que mais
tarde tornará imortais.
Uma das telas dêsse período parisiense, o "Quatorze Juillet
à Paris" realiza um tema luminoso dentro do objetivo procurado,
e, pela intensidade de tons puros, já traz resolvidas as buscas
futuras da pintura dos "Fauves".
Van Gogh considera que a sua permanência em Paris não
é mais oportuna ao fim de 1887 e, em Fevereiro do ano seguinte,
busca a Provença.

ARLES

Apesar do mistral frio e cortante, que começa a varrer a


planície arlesiana, consegue trabalhar, com alguma dificul-
dade. E' particularmente interessante, para o holandês que
continua a ser, observar os tipos meridionais que o cercam.
Os primeiros dias da chegada a Arles assinalam uma série
de pomares em flor, pecegueiros, amendoeiras, em que as ru-
tilâncias do impressionismo fazem o quadro cintilar. Especi-
almente o pomar da coleção Payson, em Nova York, "abso-
lutamente claro, e absolutamente feito de uma vez. Uma fúria
de empastamentos, apenas tocados de amarelo, e lilaz dentro
da primeira base branca" e). Aliás, ainda declara: "Estou
numa fúria de trabalho, desde que as árvores estão em flor, e
queria fazer um pomar da Provença com uma alegria mons-
tro" e)

(1) Carta 478.


(2) Carta 473.

74
"Urna das numerosas telas em que representou a ponte de
l'Anglois data dessa época. E' a da Galeria Wildenstein, em
Nova York: "uma ponte levadiça, com um carrinho amarelo e
grupo de lavadeiras, um estudo em que os terrenos são alaran-
e) .
jado 'vivo,a herva muito verde, e o céu e a água azuis" Ainda
aqui é o "seu" Oriente que Van Gogh encontra, pelo uso dos
tons puros e a grafia recortada em elementos plásticos autô-
nomos. As áreas coloridas se justapõem com decisão, os amare-
los de cromo desenhados sôbre o azul, os vermelhos dentro dos
verdes, e modulações secundárias sustentando a festa cromática
das complementares.
De uma rápida viagem a Saintes-Maries de Ia Mer, pequena
povoação próxima a Arles, Van Gogh traz diversos estudos: con-
junto da velha igreja fortificada, barcos sôbre a areia, óleos e
aquarelas de um colorido exaltado, em que se sente a proxi-
midade do sol africano.

"LA MOUSMÉ"

A primeira fase de Arles é marcada, também, por numerosos


estudos, paizagens, aspectos urbanos, interiores. Entre os pri-
meiros, a Mousmé" da Galeria Nacional de Washington, in-
fluência de "Mme. Chrysanthême" de Pierre Loti. E' uma japo-
neza. .. provençal, de 12 a 14 anos, e que o ocupou por cêrca
de uma semana. Sôbre o fundo, de um tom .esverdeado sutil, a
figura é pintada em espessos empastamentos de azul da Prussia
e vermelhâo, o rosto e as mãos modeladas em tons rompidos,
gríseos e rosados, matizados em gradações quase imperceptíveis.
de ocres e verdes.
(1) Carta 473.

75
A família do carteiro Roulin, de quem se tornou amigo, e
que estima pela sua simplicidade e sinceridade, é pintada por
Van Gogh, numa série de retratos, de técnica tôda peculiar. O
modelo é tratado com um sentido simultâneamente decorativo,
(pelo brilho das côres e pelo arabesco), plástico-autônomo (pela
inserção de elementos de fundo, e o contorno energicamente es-
quematízado) , o que nos faz pensar em alguns casos, como no
do retrato de Roulin, ou melhor ainda no do "Zouave", nas
composíções e retratos de Matisse.

o CONSCIENTE E O SUBCONSCIENTE

Compete à crítica estabelecer as correntes obscuras e as ten-


-dências plásticas que o artista, por instinto, adivinhou e traz à
tona na sua luta interior com o mundo do subconsciente. Mes-
mo em Van Gogh, cuja correspondência é um repositório pre-
cioso, do ponto de vista do julgamento crítico, rica em informa-
ções sôbre os ideais e intenções, o mecanismo da produção ar-
tística permanece um enigma. A obra do subconsciente e do
inconsciente supera os desígnios do programa traçado pela
conscíêncía.
Há, em Van Gogh, entretanto, uma busca deliberada da ex-
pressão forte. O retrato do velho camponês Patience Escalier é
por êle descrito, na correspondência a Theo assinalando a sua
intenção de "não evocar o brilho misterioso de uma pálida es-
trêla no infinito. Porém, supondo o homem terrível, que eu de-
veria fazer em plena fornalha da colheita, em pleno meio-dia.
Dai os alaranjados fulgurantes como ferro em braza, dai os tons
de ouro velho luminosos nas trevas". e)
(1) Carta 520.

76
CÓR E SÍMBOLO

A consciência do programa a realizar é evidente. A própria


°
oposição crua das complementares: o azul e alaranjado; a in-
serção de pinceladas de vermelhão dentro dos tons neutros do
rosto ou da barba; o contôrno vermelho do chapéu, tornando
mais intensa a passagem do alaranjado para o amarelo, tudo
isso, sem dúvida, é consciente. Entretanto, há algo de profundo
nesse retrato: a expressão, "pela côr", de um tipo de existência,
destinado através das gerações ao trabalho do campo, sob o sol
duro da Provença.
A côr não murmura os acordes de um Debussy, porém
o fretinir das cigarras provençais. Possui, também, um valor
simbólico. Os problemas tradicionais do retrato estão supe-
rados, pela consecução daquela "outra realidade", superior à
realidade visível e' verificável pelos sentidos.

GIRASSÓIS

A série de flores dêsse mesmo ano inclui, ao lado de ramos


de tons frescos, os soberbos girassóis, em diversas telas, de fundo
ore azul rei, ora amarelo cromo. E' o triunfo dos amarelos, em
tons resplendentes, ramos de fogo, extraordinárias criações so-
lares. Nos girassóis da National Gallery, de Londres, por
exemplo, encontramos, triunfalmente, o máximo de luminosi-
dade exposto com meios sucintos: amarelo sôbre amarelo, tons
lisos em "à plats" vibrantes, apoiados numa sólida estrutura
linear e num empastamento, quase de baixo relêvo, a ressaltar
a textura das pétalas e dos pistilos.

77
E' ainda o amarelo que faz cantar a "casa de Vincent, em
Arles", amarela, sôbre um céu azul puro. As indicações valem
como elemento indispensável à unidade.

OS "CAFÉS"

As pinturas de cafés: "Le Café de nuit" e "Le Café de Sair"


traduzem, com incrível veemência, as intenções de Van Gogh:
"No meu quadro "Le Café de Nuit", procurei exprimir que o
café é um lugar em que alguém se pode arruinar, enlouquecer,
cometer crimes. Enfim, tentei, - por meio de contrastes de
rosa suave e vermelho côr de sangue e borra de vinho, de verdes
suaves Luiz XV e Veronese, contrastando com os verdes amarelos
~ os verdes azuis duros, tudo isso numa atmosfera de fornalha
infernal, de enxofre pálido, - exprimir como se fôsse a fôrça
das trevas de um "assommoír". e)
o "Café le Sair" é uma estranha visão de Arles noturna. O
terraço do café se aprofunda, na metade da tela, tendo como
ponto de fuga uma porta, iluminada em alaranjado, cercada de
verde. A luz pastosa desce do toldo e ilumina a calçada, for-
mando um contraste intenso com o casaria mergulhado na
sombra, enquanto no céu profundo, as estrelas brilham, com
o esplendor de halos lunares. E' um mundo de formas total-
mente novas, em que as aparências exteriores se recream numa
realidade de sonho.
A pintura de Van Gogh começa, por êsse tempo, a tomar um
caráter de comunhão com o universo, que se vai, gradativamente,
acentuando. As noites estreladas da Provença lhe sugerem uma
visão cósmica, sentida com um fervor profundo. Sai, pelas

(1) Carta 534.

78
ruas escuras, a pintar, transportando o seu material às costas
com um chapéu sui-generís, e velas plantadas acesas em
torno da copa. E' a noite arlesiana que êle transpõe para a
tela, noite densa e profunda, povoada por miríades de astros,
como pérolas, rubis, opalas e diamantes, sôbre o fundo de co-
balto escuro.
A comunhão com a natureza, de quando em quando, é per-
turbada pelo terrível mistral, que varre, então, a terra crestada,
enchendo o ar de estranhos agouros. Porém, "que compensa-
ção, quando há um dia sem vento. Que intensidade das côres,
que ar puro, que vibração serena" e).

GAUGUIN

No imenso esfôrço despendido durante a primeira fase de


Arles, Van Gogh atingiu ao limite das energias, porém a che-
gada de Gauguin, recebida com alegria, vai marcar a recrudes-
cência da produção. Para se ter idéia da atividade do pintor
durante o mês de outubro de 1890, basta citar um lote de quinze
telas, entre as quais dois "Girassóis", a "Ponte de Trinquetaille",
a "Ponte da estrada de ferro", a "Diligência de Tarascon", a
"Noite estrelada", a "Vinha".
Com Gauguin presente, talvez sob sua influência, Van
Gogh executa o retrato de Mme Ginoux, "A Arlesiana", pintado
numa única sessão de uma hora. Esta obra capital marca mais
uma renovação técnica, tanto pela simplicidade dos meios uti-
lizados, como pela segurança na obtenção dos efeitos: "Fundo
limão pálido, o rosto cinza, a roupa negra, negra, negra, feita
com azul da Prussia cru. Está apoiada numa mesa verde e sen-
tada numa cadeira alaranjada" (2).
(1) Carta 539.
(2) Carta 559.

79
AS "CADEIRAS"

As duas "cadeiras", de Van Gogh e de Gauguin datam dêsse


período. Instintivamente êle confere a êsses humildes accessó-
rios, uma alta hierarquia, emprestando-lhes atributos simbó-
licos. Na "cadeira amarela" hoje na National Gallery, de Lon-
dres, há um cachimbo e. um trapo humilde esquecido; o piso de
ladrilhos vermelhos forma contraste com os verdes, azuis e ama-
relos da composição. E' um efeito diurno. A "Cadeira de Gau-
guin" na coleção de V. W. Van Gogh, de Laren, é diferente .. E'
escura, efeito noturno, sôbre fundo verde escuro, e sôbre ela há
uma vela acesa e dois livros. Nesses dois quadros, comparados,
se pode sentir o desejo de simbolizar dois espíritos opostos, como
a noite e o dia. Num brilha ainda o reflexo atenuado dos gira-
sois, no outro já a noite baixou, e a luz do gás e da vela brilham
como o símbolo da vigília angustiosa.

o ESPAÇO

E' importante notar que, já nessa época, a maneira de Van


Gogh progrediu enormemente, no sentido de uma nova criação
espacial, previsível nas últimas telas anteriores. O objeto é
deformado, disotrto, e aplicado a um fundo quase abstrato,
em que se destacam, através de formas ainda identificáveis, va- \
lores plásticos independentes, como simples unidades coloridas
justapostas.
Da crise de 24 de Dezembro, de que resultam a tragédia da,
orelha cortada e a partida de Gauguin, resta-nos o estranho
documento que é o auto-retrato, tão reproduzido, "O Homem do

80
cachimbo", com a cabeça envolta em ataduras e a carapuça de
pelúcia. A repartição da superfície pictural é, aqui, evidente,
pela oposição de tons puros, com raro modelado. Subsistem,
em movimento, nesse conjunto inquietante, a perfuração dos
olhos, vivos como verrumas, e o arabesco da fumaça do cachim-
bo' ràpidamente indicado, em toques levemente empastados. A
côr alcança, nessas obras, pela primeira vez na história da pin-
tura' não apenas um sentido simbólico, mas uma verdadeira
construção espacial. Com Cézanne - sem nenhuma dúvida -,
mas também com Van Gogh, o cubismo já encontra, esboçadas
por instinto, as linhas essenciais das pesquisas futuras para
a destruição do espaço convencionado pela Renascença.

"BERCEUSES"

À primeira crise, e à permanência de duas semanas no hos-


pital de Arles, Van Gogh vai fazer suceder os retratos do Dr. Rey,
e as "Berceuses", puros estudos cromáticos, que êle mesmo
chama "pequena música de côr", " ... disparates agudos de rosa
cru, alaranjado cru, verde cru, atenuados pelos bemois dos ver-
melhos e verdes". e)
Corresponde o encerramento da fase arlesiana, em Feve-
reiro de 1889, à segunda internação, antes da partida para St.
Rémy. Neste asilo, durante um ano, e no intervalo de crises mais
ou menos prolongadas, Van Gogh trabalha intensamente. E'
f

necessário considerar que, apesar das interrupções motivadas


pelos ataques ,restam cêrca de duzentas telas, o que faz do pe-
ríodo de St. Rémy o mais produtivo depois de Arles. Além dos

(1) Cartas 574 e 576.

81


retratos do pessoal do asilo, podemos contar diversas cópias,
segundo Delacroix, Millet, Daumier, Doré e Rembrandt, bem
como o reaparecimento das flores e das paizagens, num sentido
diferente das obras anteriores.

OS CIPRESTES

No grupo das paizagens, os "Ciprestes" famosos ocupam o


primeiro lugar. A "Noite estrelada", do Museu de Arte Moderna
de Nova York, é, por exemplo, uma conquista extraordinária
pelo sentido dinâmico da côr , A superfície da tela é percorrida
por arabescos em movimento, num delírio de azuis, violetas e
amarelos. Céu e terra se unem, numa unidade massiça de curso
pastoso e lento, nebulosas de luz deslumbrante e sombra pro-
funda, são cortadas pela massa dos ciprestes, negros círios in-
flamados. A simbologia da côr é também poderosamente acen-
tuada pelo grafismo nervoso, em malhas flexíveis que se enca-
Ia. deiam, no "Caminho de Ciprestes" da coleção Krôller Müller,
e nos "Ciprestes" do Museu Metropolitano de Nova York. O tema
das estrêlas, envolvidas num halo de luz, e da lua enorme e dou-
rada reaparece, intensamente, com um poder luminoso repas-
sado de mistério.
Participam dessas telas, os elementos de um irrealismo fan-
tástico, que nos levam aos confins da consciência, bem como o
vigor profundo do colorido, que realiza a penetração de um
mundo do além, expresso, embora, pelas aparências identificá-
veis da realidade exterior.
A PINTURA PURA
,
I
Não se poderá afirmar, com segurança, que Van Gogh tenha
procurado fixar, nesses quadros, como nas paizagens de oli-
veiras, ou nos campos de trigo, uma visão obliterada do mundo
externo. Parece-nos, ao contrário, que, tendo em vista a evo-
lução lógica das suas descobertas no domínio da plástica e da côr,
Van Gogh transpõe voluntàriamente as aparências visíveis em
valores visuais tendendo à pintura pura. Rochedos, céus, terre-
nos, plantas, nuvens, se agitam, numa tempestade colorida, num
desmantelamento articulado, retido pela rede cerrada do gra-
fismo. Os golpes do pincel são rápidos, precisos, o tom local
cede ao cromatismo arbitrário, que não reclama senão a lei do
próprio quadro.
Não menos interessantes do que os ciprestes são as cópias,
livremente interpretadas, igualmente de St. Rémy. Os famosos
"tons rompidos" de Delacroix, tomam sentido diverso nas cópias
da "Pietà" e do "Bom Samaritano". Na primeira, por exemplo,
é de se notar a cabeça do Cristo, verdadeiro auto-retrato, os
azuis, violetas e verdes cadavéricos, envolvendo amarelos de cro-
mo, dentro de uma densa construção linear, que transcende o
simples contorno definindo o interior da própria forma.
Na sua busca de maior intensidade da côr Van Gogh já
deixou o ímpressíonismo à distância, na caudal irresistível de
um verdadeiro esmalte em fusão.

, .~ AUTO-RETRATOS·

Dos diversos retratos destacam-se os do próprio artista. Van


Gogh, como Rembrandt representou-se inúmeras vêzes, e os re-
tratos de St. Rémy são documentos preciosos, não apenas quanto

83
à maneira do pintor, mas também quanto à sua evolução mental.
O olhar é inquieto, a expressão veemente e angustiada, todo o
aspecto de uma consciência em luta contra a tragédia de viver.
O "auto-retrato" do Louvre, o último de todos, e que é, de certa
forma, o mais importante, como suma pictural, é tratado em
tons claros, em azuis esverdeados, sôbre os quais ressaltam os
tons alaranjados da barba ruiva e a forte construção da cabeça,
sumàriamente tratada. Há nesse retrato, espantoso pela ver-
dade psicológica e pela riqueza do efeito cromático, obtido com
um mínimo de recursos, um parentesco com a "Noite estrelada".
A mesma grafia ondulante, a mesma dominante azul, o mesmo
sentido das formas, enrolando-se sôbre si próprias.

AUVERS

Em Maio de 1890,Van Gogh deixa o asilo de se. Rémy. Res-


tam-lhe ainda dois meses de vida. Êle os passará em Auvers-sur-
Oise. Tal como os moribundos, que se sentem reviver na vés-
pera da morte, por um estranho fenômeno de reversão, sua pin-
tura entra numa fase serena e contemplativa. A sua produção
é excepcionalmente fecunda: setenta telas e trinta e dois de-
senhos.
Parece haver ,no último período, uma volta aos temas nór-
dicos. A aldeia holandesa ressurge, em nova transcrição, numa
estranha serenidade, sucedendo aos clangores orquestrais da
Provença. Transfigurada pela visão. do artista, a modesta igrejaj
romano-gótica de Auvers, por exemplo, se torna em monu-
mento flamejante, onde linhas e massas, serpenteiam e se
agitam sôbre um céu azul intenso. A visão de Arles e St. Rémy
superpõe-se, funde-se, incorpora-se à plácida paizagem do Oise.
Temos a impressão de que VanGogh consegue reunir suas úl-
timas energias em obras definitivamente libertas de teorias e
idéias, para criar, por fim, uma síntese pictural.
De Auvers partirá o seu testamento estético, último legado-
da terrível experiência. A pintura alcança um "tonus" mais
denso e concentrado, e para isso é necessário afinar, ainda mais,
os matizes, e a qualidade dos contrastes. O retrato do Dr. Ga-
chet, por exemplo, é de certa forma uma versão oposta à "Ar-
lésienne". Sôbre fundo azul escuro, o boné branco, o rosto claro,
em tons de ocre pálido e gríseos verdes dão uma nota calma e·
reflexiva. A posição do modêlo é de repouso, com uma nota .le-
vemente melancólica. Tôda uma escala de azuis e violetas mu-
sicais encerra e sustenta, pela oposição, - apenas indica da -,
de alaranjados e vermelhos, a expressão meditativa.

((LA PAYSANNE"

Há, na fase de Auvers, um grupo de figuras que indica, de


certa forma, um dos rumos a serem seguidos pela nova pintura:
o "Menino dà laranja" e, principalmente, a "Camponesa", pin-
tada no mês de Junho, com a blusa azul pontilhada de alaran-
jado, grande avental neutro, chapéu amarelo, sôbre fundo de
trigal verde e flores do campo vermelhas. A esquematização do
desenho é totalmente diversa da grafia ondulante que notamos
na fase de St. Rémy. Aqui é, ao contrário, angulosa, marcando
ritmos alternados, num verdadeiro contraponto pictural que
nos fará lembrar Picasso.
Além dessas telas, devemos notar as que veem de ingressar.
recentemente, no patrimônio artístico da França, pela doação
de Paul Gachet, filho do médico, e que conheceu Van Gogh.

85
Nessas obras, algumas das quais ainda não reproduzidas em li-
vro, se afirma a tendência à serenidade, à contemplação, através
do deslumbram ente de um colorido untuoso e fulgurante.
E não é sem emoção que referimos a última tela, "Os corvos
sôbre o trigal", pintada, angustiosamente, antes do suicídio. Ex-
trema tensão na perspectiva invertida da paizagem, e violento
contraste, entre os azuis agoure iros do céu, os amarelos cintilan-
tes do trigal e os vermelhos e verdes do que seriam caminhos,
marcam o fim da evolução pictural do artista. Efetivamente,
Van Gogh deveria ter sentido que não podia ir mais além. Sua
missão estava terminada, restava-lhe apenas partir, definiti-
vamente. Seu último estôrço, sua última notação permanecem
como um testamento de pintor, apesar de tudo.
---~-----_.

IV

A TÉCNICA

A obra de arte se distingue das demais criações do gênio


humano, por um conteúdo emocional, capaz de transmitir,
através do espaço e do tempo, um aspecto da vida, de tal modo
perceptível e concreto, que permite a comunhão da humanidade
com o artista criador. E' pela fixação de um sentimento pas-
sageiro, de uma imagem imponderável, de uma harmonia fugaz.
que o artista transfigura a realidade perecível, e a restitui, -
indefinidamente renovada, - à existência permanente e de-
finitiva.
As gerações que se sucedem vão incorporando, ao seu acêrvo
cultural, a obra dos antecessores, reencontrando-se nela em tudo
que contêm de peculiar à espécie, em tudo que lhes é inherente-
mente ligado. Com profundo sentimento de identificação, par-
ticipamos do ritual que envolve o ato de contemplação, de tal
sorte o exige um estado de receptividade, em que possa expandir,
a obra, sua complexa e multíforme opulência.
Porém, a absorção do contemplador, a sua fusão, por assim
dizer, na obra, não prescinde do exercício da atividade paralela,
constituída pelo critério de julgamento, e todos os elementos

87
de análise que reclama e comporta, bem como o exame das con-
dições materiais, que permitiram, num dado momento da his-
tória, o aparecimento de uma sinfonia, .de uma estátua, ou de
um quadro. Integrada, assim, na sua época, sem prejuizo da
substância espiritual que contém, a obra artística aparece apoia-
da em bases de matéria mais ou menos perecível. Quem nos po-
derá mostrar, na integridade inicial a Acrópole de Atenas, tal
como apareceu aos olhos do homem do V Século A. C. ? Quem
nos falará dos afrescos de Giotto, ou de Piero della Francesca,
ainda na juventude com que se puderam extasiar os seus con-
temporâneos. Como pareceria a tragédia Shakesperiana, re-
presentada no Bull Theater, com os meios limitados da época?
Isto nos conduz a considerar a obra poética ou musical,
renovando-se incessantemente, através da interpretação, como
uma unidade capaz da ressurreição indefinida, desde que pode
sôbreviver pela transmissão oral. ,
Para atravessar os séculos, as artes plásticas necessitam,
ao contrário, de certas condições materiais, sem as quais não
conseguiriam romper o limbo, ou desapareceriam na bruma im-
penetrável das conjecturas e das restituições hipotéticas; seja
exemplo a pintura grega. No caso da pintura de cavalete)
meio de expressão relativamente recente, presenciamos 'a ruína
progressiva de obras que deveriam ser, inicialmente, frescas de
colorido. Quem nos assegura, para tantas sublimes criações da
pintura uma perenidade comparável, por exemplo, à da escul-
tura egípcia? Os grandes primitivos têm resistido à ação des-
truidora dos séculos, em melhores condições do que tantos pin-
tores mais recentes. A pressa da execução, o emprêgo de tintas
não secativas, como o betume, tem operado em tantas ;;>bras
mais novas, devastações cujos efeitos não podemos ainda avaliar.
Por êsse motivo é impossível esquecer o papel desempenha-
do pela técnica na criação pictural. Pela compreensão do "mo-

88
dus faciendi" do artista, podemos julgar, não só do processo em-
pregado, mas, também, penetrar nos segredos da sua persona-
lidade. Não se trata apenas da identificação de tais ou tais
tintas, óleos, vernizes ou substratos utilizados, mas também da
densidade dos empastamentos ou transparência das veladuras,
do nervosismo ou serenidade da pincelada, da construção dos
fundos, sôbre os quais o artista superpõe, pacientemente, cama-
das em veladura ou pasta lançada diretamente à tela, no fogo
da improvização.
A macrofotografia, a fotografia em luz rasante, os raís X,
revelam aspectos do quadro, insusceptíveis de serem apreciados
a olho nú, e trazem uma contribuição preciosa para a compre-
ensão dos resultados finais da pintura.
A análise técnica da obra de Van Gogh é extremamente in-
teressante' como confirmação do que se conhece das suas inten-
ções e dos seus processos. Sôbre poucos artistas se possuem
dados técnicos tão precisos, revelados através da correspon-
dência. Em inúmeros casos é possível confirmar, com os recursos
da ciência atual, o que as cartas descrevem.
Não se pode deixar de considerar a abundância da pro-
dução de Van Gogh, durante os dez anos em que se exerce a
sua atividade artística. O "Catalogue raisonné de l'oeuvre de
Van Gogh", de J. B. de Ia Faille, que data de 1928, identifica
mais de 1.600 telas, desenhos e aquarelas. E' uma obra imensa,
mormente se considerarmos o prazo em que foi criada, e os ter-
ríveis obstáculos que o artista teve de vencer. Na febre de pro-
duzir, por vêzes, dois quadros são pintados num só dia. A parte
que se pode atribuir à improvisação, nessa fecundidade, deve
ser, contudo, reduzida pelo fato de que a facilidade dos últimos
anos resulta de longa e penosa experiência, de mestria laborio-
samente conquistada.

89
~----

OS DESENHOS E AQUARELAS

Durante tôda sua atividade pictórica Van Gogh não aban-


dona o lápis. Nos primeiros estudos do Borinage, a carvão, o
traço é ainda empastado e pesado, os contrastes de claro escuro
violentamente acentuados. Porém o trabalho obstinado, sem
desfalecimentos vai, aos poucos, abrindo novas possibilida-
des. "Cinco vêzes seguidas desenhei um camponez com uma pá,
um "cavador" em tôdas as posições, duas vêzes um semeador,
duas vêzes uma mulher com uma vassoura". "Diante da natu-
reza já não me sinto incapaz como antes". e)
o material que usa, então, é o lápis Conté, de madeira, e,
também,o grafite, ao mesmo tempo que começa a experimentar
o pincel e o esfuminho.
Sob a influência de Mauve começam os desenhos aquare-
lados e, em 1882, diversos estudos estão concluídos. Giz. pincel,
esíumínho e principalmente, o que é muito do temperamento de
Van Gogh, o lapis duro e largo, lapis de carpinteiro, com o qual
pode exprimir, mais intensamente, sua concepção da paizagem
e dos modelos humildes e grosseiros.
O desenho de Van Gogh é vigoroso, decomposto em pequenas
indicações curtas e enérgicas, acumuladas em traços sucessivos,
ou pontos repetidos. Desenha sempre, incessantemente, e a
correspondência, tanto com Theo, como com Van Rappard e
Emile Bernard, é cheia de pequenos croquis, esquematizando,
por vêzes, as pinturas com anotações cromáticas, que são pre-
ciosos documentos para sereconstituir a construção colorida.

(1) Carta 150.

90
ALINHA

Nas últimas fases, -a partir de Arles, a linha é livre, inter-


rompida, porém envolvente, numa sucessão de traços curtos e
paralelos, modelando as formas por justaposição. Dos desenhos
de Etten, em 1881, Haya em 1882, Nuenen em 1884 e 85, aos de
Paris e Arles a diferença é sensível. O entusiasmo pela "craie
de montagne" desapareceu diante do conhecimento das estampas
japonezas, algumas das quais copia. Com efeito, a influência
oriental se faz sentir no seu desenho. E' êle próprio que o con-
firma: "A arte japoneza, em decadência na sua pátria, retoma
raízes nos artistas franceses impressionistas. E' algo como os
primitivos, como os gregos. .. Não acaba' nunca ... " e)
Porém, para Van Gogh, a técnica é apenas um veículo para
revelar a expressão, e, com o mínimo de elementos, fazendo valer
o branco do papel pela construção possante do traço negro e
profundo, exprimir tôda a imensa desolação do sofrimento hu-
mano.
Torna-se, por 'isso, difícil separar da obra do artista os fa-
tores morais e existenciais, tal o perfeito entrosamento que
faz dele o primeiro dos grandes expressionistas modernos. O
que é curioso observar é, ao mesmo tempo que a busca da ex-
pressão, um forte desejo de disciplina, quando diz: "penso
que precisamente para fazer figuras de camponeses, é muito bom
desenhar o antigo ... " e logo acrescenta: "com a condição de
que não se proceda pela maneira habitual". e).
Quando da sua passagem pelo atelier de Sibert e Verlat, em '
Antuerpia, em 1886, um dos alunos, que tinha visto os seus de-
senhos de camponeses, começou a desenhar, na classe de modelo-

(1) Cartas '510 e 511. v. também carta 512.


(2) Carta 436.

91
vivo, com um modelado mais enérgico, marcando fortemente as
sombras. Disso resultou um belo estudo, que despertou o entu-
siasmo geral, salvo do professor, que considerou o trabalho como
uma desconsideração pessoal.
A arte de Van Gogh resulta de um tremendo esfôrço inicial,
de uma longa e penosa conquista, através de árduos estudos .
.Perspectiva, anatomia, proporções do corpo humana, são devo-
radas ansiosamente. O pintor possui, dentro de si, alguma coisa
que êle busca, e cujos elementos vai, aos poucos, reunindo,
.à medida do seu aparecimento.

A CIÊNCIA DA ARTE

Van Gogh é uma das melhores demonstrações da ver-


dade que o artista é um ser destinado a revelar uma face da rea-
lidade universal, e, por essa razão, é um grande armazenador de
elementos diversos, que incorpora a si próprio como um bem
nativo reencontrado. Não há, para êle, uma anatomia, uma
-perspectiva, uma ciência da pintura, porém, isto sim, a sua ana-
tomia, a sua perspectiva, a sua ciência da pintura. Não é
inovador apenas pelo prazer de inovar, - embora .isto constitua,
para si, um dos encantamentos que mantêm a sua febre
criadora -, porém, e principalmente, porque não pode agir
de outro modo. Experimenta a presença excitante, inc'tmoda
mesmo, da obra a criar, como o ventre materno sente mexer-se,
inquieto, o novo ser que dará à luz. E' êste sentido maternal do
.artísta, - maternal, mais ainda no sentido físico e animal, do
que no sentido afetivo -, que faz, para êle, da obra criada; um
.ato de libertação.

92
FECUNDIDADE

Gestação perfeita, rápida, fulgurante, é o traço predomi-


nante de Van Gogh, na sua fase de mais intensa produção.
Assistimos ao espetáculo de uma fecundidade espantosa, ima-
ginação ilimitada, sem fronteiras, em que o tumulto das imagens,
# num tropel angustiado, irrompe, violentamente, servido por von-
tade obstinada e por mão dócil.
Os desenhos de Van Gogh mostram, mercê do seu sentido
.Jie primeiro jato, como flor de inspiração imediata, a evolução
espiritual e a busca estética, talvez com mais intensidade, ainda,
do que a própria pintura. Êles se incorporam à correspondência
corno um eco dos comentários e descrições, transbordam da ati-
vidade febricitante do artista, como na corrida do aço, estouram,
.aqui e ali, estrelas cintilantes de metal em fusão.

A GRAFIA

Notam-se diferenças profundas entre os primeiros e os úl-


timos desenhos. No início, a forma é laboriosamente procurada
.àrduamente construída, a golpes de carvão, lapis ou tinta, e,
gradativamente, a grafia se torna cada vez mais nervosa, inci-
.siva, erigindo, em toques rápidos e densos, os elementos essen-
.ciais do motivo. Do "Charbonnage de Lacken" de 1878, do "Se-
meador" que data de 1880, da "Camponesa abaixada" de 1884-
.85, do "Quarto de Vincent em Arles", aos "Campos de trigo
após à chuva", de 23 de Julho de 1890, menos de uma se-
mana antes da morte, a evolução demonstra o "crescendo" de
uma visualidade, cada vez mais preocupada em fixar, não as

93
formas, mas em extrair delas um conteúdo sensível e a delimi-
tação de zonas plásticas, desagregadas por um estranho ven-
daval ou consumidas por um incêndio imaginário.
Os efeitos tentaculares que se podem observar, por exemplo.
nos desenhos de St. Rémy, especialmente na representação das
formas vegetais, são conseguidos pelo uso de um instrumento
extremamente simples: a caneta de bambú. Entre os objetos ge-
nerosamente doados ao Louvre pelo Dr. Paul Gachet, se encon-
tram algumas dessas canetas; trata-se de um simples bambú,
aparado em bísel, a "plume de roseau", adaptável ao traço ro-
busto e impaciente do artista, exigindo porém uma singular se-
gurança e mestria.

AS AQUARELAS .

, A mesma evolução se faz sentir nos desenhos -aquarelados


e nas aquarelas. Nestas últimas, a fórmula japonesa diferen-
ciará, fundamentalmente, as "Barcas de Stes. Maries-de-la-
Mer", por exemplo, período de Arles, dos tecelões de Nuenen, ou.
dos estudos de Scheveningen.
Na última fase, Van Gogh opera uma "compartimentação'"
de formas, que destroi o espaço plástico convencional e restitui
um conjunto de elementos coloridos justapostos, em contrastes
harmoniosamente violentos, de azuis, laranjas' e amarelos, de
verdes e vermelhos. Tons lisos, sem efeitos de modelado, con--
trastes poderosos, que conferem à obra, simultâneamente, um
sentido decorativo e emocional de tal ordem que nos obrigam a
reencontrar o motivo na natureza, talo seu poder de evocação,

94
As aquarelas de Van Gogh nos fazem lembrar as expressões
ele Hugo von Hoffmannsthal, e)
quando, em 1901, visitou a
exposição de Van Gogh, a de Bernheim Jeune: "Indo de um
quadro a outro, sentia o que os unia, a vida íntima que desa-
brochava na côr, e as relações das côres entre si; via-as viver
uma pela outra, e, sempre, havia uma, misteriosamente vigo-
rosa, que sustentava tôdas as outras". É'precisamente êste fato,
- de que na pintura de Van Gogh as côres se subordinam a
uma dominante básica, - que dá ao quadro a densidade da
composição tonal, a sólida integração cromática, na fixação, em-
bora, de efeitos contraditórios. Por êsse poder mágico do ins-
tinto de colorista, Van Gogh consegue criar algo de inédito, de
nunca visto na pintura, algo em que a côr se torna chama e
braza, envolve a forma e a incendeia sem a consumir.

II

A PINTURA

{
Falar da técnica pictural de Van Gogh implica o conhe-
cimento do que o próprio artista informa nos seus escritos.
Efetivamente, sabemos pela correspondência, não apenas a data,
- às vêzes precisa -, das obras, mas, também, a escôlha do tema
e sua execução. Além disso, o artista assinala, à medida do de-
senvolvimento da obra, a sua concepção da côr, as suas obser-
vações sôbre a p.intura do passado e a contemporânea, o que põe
a correspondência, quer do ponto de vista técnico como crítico,
num plano tão importante quanto o "Diário" de Delacroix, em-
bora o espírito seja muito diverso.
(1) Hugo Von HoffmannsthaI - Ecrits en prose. Editions de Ia Pléíade,
traduction de E. H. Paris, 1927.

95
PER!ODOS TÉCNICOS

Podemos dividir a obra vangoghiana em dois grandes pe-


ríodos: antes e depois da chegada a Paris, ou sejam: a maneira
escura e a maneira clara. No primeiro período a influência da
pintura holandesa é manifesta. A "calda de ameixas" domina
as obras, culminando nos "Adappeleters". No segundo período,
a arte japoneza e os ímpressíonistas libertam a paleta de terras.
betumes e brunos sombrios, introduzem a côr como fogo líquiao,
fazendo dela não a vestimenta da forma, mas a própria forma.
Em 1882, Van Gogh escreve: "O negro absoluto não exis-
te. O negro, como o branco, existe em quase tôdas as côres
e forma a variação infinita de gríseos, diferentes em tom e vi-
gor. Tanto isto é certo que na natureza não se vê senão êsses
tons ou intensidades".

AS 3 CÔRES

"As côres fundamentais são apenas três, vermelho, amarelo,


azul. O alaranjado, o verde e o violeta são tons "compostos".
Pelo acréscimo de negro e de um pouco de branco, êles produ-
zem as variações infinitas do gris: Gris-vermelho, gris-amarelo,
gris-azul, gris-verde, gris-alaranjado, gris-violeta. Dizer ,por
exemplo, quantos grís-verdes diferentes existem, é impossível,
pois é coisa que varia até o infinito". (1)
Comose vê, o pintor investiga, nessa época, a representação
dos gríseos da natureza. A luz coada da Holanda fá-lo sentir a

(1) Carta 221.

96
côr através de tons que são quase valores. O seu temperamento
de colorista é contido por uma disciplina sóbria e severa, embora
haja, em carta da mesma época, uma frase que nos faz supor
uma espécie de presciência -das harmonias ígneas de Arles:
" . .. eu sinto que há coisas de côr que surgem em mim quando
pinto, que antes não possuia, coisas largas e intensas ... " e)
A análise dos "Comedores de batatas", obra capital do pri-
meiro período, que podemos considerar, de certa forma, como
a suma pictórica desta fase, nos mostra um interior escuro,
sombras modeladas em -azul. A influência de Rembrandt e de
Hals é manifesta, porém, a grafia nervosa, acentuada pelas luzes
contrastadas, quase sem modelado, a expressão atormentada-
mente caricata das figuras, nos sugerem uma aproximação - ao
primeiro contacto imprevista, - com a pintura de Goya, ou,
melhor ainda, de Magnasco. e).
A comparação dêsse último pintor com o Van Gogh da pri-
meira fase, poderá demonstrar o perigo da influência que se
costuma, por vezes, assinalar na obra de certos artistas. Evi-
dentemente, Magnasco foi desconhecido de Van Gogh. Êste-
nunca se refere àquele, e é de todo improvável que tivesse con--
tem plado, alguma vez, obra do mestre barroco genovês. A apro--
ximação que ora fazemos não tem outro objetivo senão assina-
lar, em dois artistas diversos no tempo e no espaço, bem como-
no espírito, uma semelhança técnica bastante curiosa, pela na-
tureza do grafismo rugoso e contrastado. Se, em Magnasco, a
expressão é singularmente fantástica, e não desprovida de ele-
gância e movimento, em Van Gogh o espírito é totalmente di-
ferente, as figuras são grosseiras, massiças, feitas de um magma.
espesso, denso, imóvel.

(1) Carta 225.


(2) "Frades que se aquecem". Veneza. Cal. particular.

97
'APASTA

Nessa primeira pintura a pasta é espêssa, mas não tem


ainda a consistência e o corpo que alcançará nas obras de 1888
a 90. A maneira do artista é bem discutida por êle mesmo,
quando fala do "Bosque de faias": "Deu-me muito trabalho pa-
ra pintar. Há no fundo um tubo e meio de branco - e no entanto
êste fundo é muito escuro - depois ocre vermelho, amarelo,
pardo, negro, terra de Siena, bistre, e o resultado é um pardo
avermelhado que varia do bistre ao bordeaux profundo e ao róseo
pálido e louro. Há ainda musgos e uma pouca de grama fresca,
que recebe a luz, e brilha fortemente, muito difícil de repre-
sentar". e) Como se pode ver, as tonalidades outonais recebem a
sombra de uma paleta ainda obscurecida por terras e negros.
O estudo de certas telas, fotografadas em luz rasante mos-
tra a natureza atormentada dos empastamentos. O último au-
to-retrato, por exemplo, doação Gachet, hoje pertencente às co-
leções do Louvre, apresenta o aspecto nítido de uma cortina
de chamas que se elevam. O gosto pela pasta espêssa, tão de-
tratado por Gauguin, é em Van Gogh um veículo da expres-
são quase tão importante quanto a simbologia da côr. Arvores,
terrenos, montanhas, nuvens, são, por assim dizer, modelados
na pasta, quase em baixo relevo.

OS TONS

Será salutar, para a pintura de Van Gogh, a prática dessa


técnica "escura", que lhe dará, através dos "tons rompidos",

(1) Carta 228.

98
uma severa disciplina, dentro de uma riqueza cromática, ate-
nuada embora, na qual já se anunciam, aqui e ali, as fanfarras
coloridas da Provença. Van Gogh é, assim, o pintor em busca
da luz, e não resistirá à atração do sol meridional.
Antes da chegada a Paris, êle desenvolve uma longa
teoria sôbre as côres, especialmente o problema do negro e do
branco, "Já se disse, justamente, mais de uma vez, falando de
Millet, Rembrandt, e, por exemplo Israéls, que êles são mais
harmonistas do que coloristas. Dize-me agora: o preto e o branco
podem ser empregados ou não? São por acaso frutos proibidos?
)

.o BRANCO E O NEGRO

"Creio que não. Franz Hals possui, pelo menos, vinte e sete
negros. Branco? Sabes perfeitamente os quadros extraordi-
nários feitos por alguns coloristas modernos, intencionalmente;
branco sôbre branco. Que quer pois dizer: não se deve? Dela-
croíx chamava a isso repousos, e os empregava como tais. Não
se deve ser parcial, pois é possível empregar todos os tons, desde
que estejam no lugar apropriado e em relação com o resto, o
que é evidente.
" ... Não, o preto e o branco têm sua razão de ser e sua
significação, e os que pensam ocultá-los não encontram saída:
"O mais lógico, certamente, é considerá-los neutros: o
branco, a mais alta combinação de vermelho, azul, amarelo o
mais luminoso possível; o negro, a mais alta combinação de ver-
melho, azul, amarelo o mais escuro; nada tenho a contestar
nessa asserção, e ela me parece verdadeira.

99
"Portanto o luminoso e o pardo, o tom no que se refere ao
valor, está em relação direta com esta 4.a escala do branco ao
preto.
"Temos, com efeito:

Escala 1 do amarelo ao violeta


Escala 2 do vermelho ao verde
Escala 3 do azul . ao alaranjado

Soma:

Uma 4.a escala

a dos tons do branco ao preto


(neutros, vermelho (vermelha + azul (vermelho + azul
'+ azul + amarelo) + amarelo) + amarelo)
extrema luz extremo preto (1)

Trata-se, como se pode ver, de uma verdadeira exegese que ,


o pintor faz em relação a sua própria obra. E' a chave do pro-
blema, que nos abre a porta do cofre de segredos. Não caberá,
aqui, a citação completa da carta, porém, é curioso notar como
a arte de Van Gogh, brutal e rude na aparência, resulta de longa
meditação e de um trabalho aprofundado e refletido.

OS IMPRESSIONISTA.S

A descoberta do impressionismo, é, para Van Gogh, uma


forma de finalmente se encontrar. A maneira irisada de Renoir,
a pasta luminosa de Monet, a cintilação de uma pintura essen-

(1) Carta 428.

100
cialmente subsidiária ..do sol, despertam nele, e fazem desabro-
char, as qualidades inatas do colorista.
Na fase brilhante da pintura clara, os tons são voluntá-
riamente exacerbados, levando em conta que, com o tempo,
deverão atenuar-se. Além disso, os quadros são lavados, para
retirar o excedente de óleo, e, em alguns casos, o próprio artista
prepara as tintas, moendo o pigmento em grãos não muito fi-
nos, para reduzir a absorção excessiva do óleo.
Desde os primeiros estudos de Paris, a paleta se transfigura,
numa resultante de luz, como se a sombra tivesse levantado o
seu véu triste e noturno. A frescura e a limpidez dos tons vêm,
assim, renovar e transformar a visualidade do pintor.

A MANEIRA CLARA

A "maneira clara" exige côres luminosas e brilhantes. E' o


que se depreende, aliás, de uma encomenda de tintas, feita por
Van Gogh, de Arles: (1) Os brancos, (de zinco e de prata),
verdes Veronese e esmeralda, amarelos de cromo em três gra-
dações, vermelhâo, laca gerânio, carmim, azul da Prussia, etc.
Os anos que vão de 86 a 90 verão surgir o cortejo deslum-
brante dos pomares em flor, dos girassóis, dos trigais, dos cipres-
tes e dos campos em chama. O sol entrou definitivamente na
pintura.
Um estudo recente, (2) feito por Murray Pease, chefe do
Laboratório Técnico do Metropolitan Museum of Art, de Nova
York, nos traz uma contribuição extremamente importante para
a elucidação da técnica de Van Gogh, no último período.

(1) Carta 475.


(2) Murray Pease: The Hand and the Brush. Art News Annual - XIX,
1950.

101
ANALISE DOS CIPRESTES

As observações foram feitas sôbre "os Ciprestes", quadro


pintado em St. Rémy, em Junho de 1889, recentemente adqui-
rido pelo Metropolitan Museum.
A macro fotografia, comentada por Pease, mostra a prepa-
ração dos fundos e a técnica, bem caracterizada, de partes super-
postas sôbre camada ainda úmida, bem como a pasta fortemente
modelada, quase esculpida. Diz o autor: " ... as superfícies ás-
peras captam a luz como um baixo-relêvo, sugerindo um tronco
de árvore. Essa pesada textura foi construida numa rede de
pigmento úmido sôbre azuis e violetas claros". E, também, "A
intensidade do esfôrço é profundamente evidente nos "Cipres-
tes". Pode se observar, na pintura torturada, a luta para ex-
primir a emoção experimentada. O método é de natureza a não
comportar termos objetivos, porque não é, na verdade, um mé-
todo real, porém, melhor, um abarcamento poderoso, captando
a substância da impressão. "Pode-se, entretanto, reconhecer
certas características familiares. A pincelada larga, curva,
"duck-tailed", (cauda de pato); trabalhada na pintura fresca,
pode ser vista na folhagem com auxílio de raios X. Se imaginar-
mos o movimento da mão que produziu essas pinceladas, tanto
quanto as espirais contorcidas na forma das nuvens, podemos
sentir quão longe ficaram os ritmos ordenados do pontilhismo".
O estudo feito pelo técnico norte-americano é também no-
tável pelo fato de que a análise técnica vem confirmar as infor-
mações dadas pelo próprio artista quanto à forma como mode-
lou, por exemplo, os primeiros planos: "pintados em espessura,
trabalhando os planos anteriores com empastamento de branco
de chumbo, o que dá firmeza aos terrenos". e)
(1) Carta 596.

102
A PINCELADA

Outro aspecto interessante do problema técnico é a análise


evolutiva da pincelada. Às vêzes o tubo é espremido de encontro
à tela, e a tinta nervosamente modelada, em golpes rápidos de
brocha ou pincel, aliás, desde a primeira fase. A influência dos
pontilhistas franceses, especialmente Seurat e Signac modifica,
a partir de Paris, o processo pictural. A tela é construida em
plena pasta, com um tipo de pincelada curta e inconfundível, em
toques nervosos, que, ora se sucedem, ora se justapõem, num ver-
dadeiro delírio cromático. Representa essa técnica uma inova-
ção relativamente à pintura da luz, de Monet, - desintegração
da forma no desejo de captar a própria atmosfera - ou ao pon-
tilhismo de Seurat, - na sua estruturação calma e ordenada.
Van Gogh incorpora, do pontilhismo, justo aquilo de que ne-
cessita para completar a sua maneira própria. A proposito de
um quadro de flores de Manet, visto há tempos, no hotel Drouot,
pintado em plena pasta, sôbre um simples fundo branco, e que
lhe parece conter os elementos da técnica pontilhista, escreve:
"Para o pontilhado, para aureolar, ou coisa semelhante, acho
isso uma verdadeira descoberta; contudo, já se pode prever que
essa técnica, como, aliás, qualquer técnica, não se pode promo-
ver à categoria de dogma universal. Razão a mais para consi-
derar que a "Grande Jatte", de Signac, o barco de Anquetin,
com o tempo, parecerão, ainda mais pessoais e originais". (1)
"Je prends mon bien ou je le trouve", poderia repetir Van
Gogh no sentido de que a influência, recebida das diversas

(1) Carta 529.

103
técnicas, é, por êle, adaptada às suas próprias condições de
sensibilidade.
E é por essa pintura de tons puros e vibrantes, que se irá
abrir, para a arte do nosso tempo, um dos caminhos fecundos.
que lhe estava reservado trilhar.

104
- ------~--'

v
RESSONÂNCIAS

o impressionismo se liga ao naturalismo de Courbet através


de Monet e Degas. Os deuses do Olimpo saem da pintura para
dar lugar às cenas da vida moderna. À composição piramidal se
substitui uma livre disposição das figuras, - tal como nos dois
"Déjeuner sur l'herbe", de Manet e Monet. A luz é o tema essen-
cial, tanto na pintura de ar livre como na de interior; a luz,
coada, através das tardes de Fontainebleau, rutilando na bru-
ma de Argenteuil, espoucando nos fogos de ribalta da Ópera,
ou nos bailes populares e nas "guinguettes". Sempre a luz. Não
mais se trata de imobilizar o definitivo, porém de fixar o tran-
sitório. Monet pintou, dezenas de vêzes, a mesma catedral de
Rouen, em tôdas as horas do dia, em tôdas as estações, re-
creando-lhe as aparências fugazes, dentro de uma substância
pictural feita de pedras preciosas, banhada em reflexos irisados,
verdadeira transfiguração do sólido espaço da Renascença.
Irradiações, reflexos, vibrações cromáticas devoram a forma, en-
volvendo-a, reduzindo-a à pura sensação luminosa.

105
A TEORIA DA CÔR

"Esta mudança de tonalidades é ainda insuficiente. Estas


côres claras, é necessário fazê-Ias vibrar. Assim, seguindo os
conselhos de Chevreul (os impressionistas) decompõem os tons
em seus elementos; êles não colocarão (na tela) um violeta, po-
rém vermelho ao lado de azul, nem um verde, porém azul ao lado
de amarelo. Não é mais o artista que prepara o tom na paleta,
é o olho do espectador que realiza a "mistura ótica" (1)

O POST-IMPRESSIONISMO

o movimento impressionista é, verdadeiramente, uma revo-


lução pictural, porém, não corta as amarras com a visualidade
dos pintores da Renascença. Há, menos a criação de um novo
modo de apreciar a realidade, do que uma substituição de con-
venções. Com Cézanne, Gauguin e Van Gogh, surgem, entretanto,
elementos que vão arrancar, ao mundo das formas, novos segre-
dos, em acôrdo com o movimento geral das idéias científicas.
O espaço de Cézanne, por exemplo, é um espaço imaginário, cons-
truido segundo uma realidade intelectualizada. Quanto a Gau-
guin, êle propõe uma simbologia da côr, um sentido místico, su-
gerido pelo requinte de tons harmoniosamente dispostos, que,
em grande parte, são subsidiários das grandes inovações de Van
Gogh. "Mais do que Gauguin, e antes dele, Van Gogh teve
a sensação do papel que desempenhava a percepção imediata e
diferenciada da côr pura na apreciação do espaço". e)

(1) Louis Hautecoeur - Le XIXe Siécle: Le Réalisme - ln Histoire Gé-
nérale de !'Art - Flammarion - Paris 1951.
f1) P. Francastel - Destruction d'un espace plastique. ln "Formes de
l'Art. Formes de l'Esprit". Presses Universitaires de France - Paris - 1951.

106
A EXPOSIÇÃO DE 1901

Matisse, Braque, Derain, Vlaminck, dão, ao poder próprio da


côr os prolongamentos e ressonâncias anunciados por Van Gogh.
"A história da pintura moderna não deixou de registrar, como
fato significativo, o encontro de Matisse, Vlaminck e Derain no
"vernissage" da exposição Van Gogh, na Galeria Bernheim-
Jeune em 1901. Foi nesse dia que Vlaminck disse: "J'aime
mieux Van Gogh que mon pêre". (1).
E definirá melhor a impressão causada por essa exposição,
escrevendo: "Até aquêle dia, tinha ignorado Van Gogh. Suas.
realizações me pareceram definitivas, porém, como consequência
da admiração sem limites que experimentava, pelo homem e pela
obra, êle surgia, diante de mim, como adversário. Sentia-me feliz
com as certezas que me trazia, mas, de qualquer modo, aca-
bava de receber um golpe violento! Encontrava nele certas as-
pirações minhas. Sem dúvida, as mesmas afinidades nórdicas?
E, ao mesmo tempo que um sentido revolucionário, um senti-
mento quase religioso da interpretação da natureza".

((FAUVES"

A influência de Van Gogh, do ponto de vista da côr pura,


no início do "fauvismo" foi, assim, enorme. Pouco a pouco, po--
rém, ela se dilui nas diferentes personalidades, visto que a busca
plástica transcendeu a lição Vangoghiana, nos diversos ca-
racteres dos "fauves", marcando apenas uma fase inicial na
obra de Matisse, Derain, Vlaminck Braque, Marquet, Friesz,
(1) Peinture Moderne - Maurice Raynal - Editions d'Art Albert Skira,
- Genêve - 1953.
(2) Maurice Raynal - op. cit.

107
Dufy. o lado trágico e mórbido da pintura de Van Gogh nao
penetrou a fundo nesses artistas essencialmente sadios.
Matisse, por exemplo, que acaba de falecer, após uma vida
longa e fecunda, é o artista de obra tranquila, reflexiva. Sua
arte é requintada, meditada, e, sob a aparente facilidade, re-
sulta de longa e exaustiva elaboração. E' o anti-tumulto, por ex-
celência, dentro das mais extraordinárias nuanças e incríveis
oposições de tons. O seu poder de luminosidade cromática fez
dizer a Picasso: " ... il porte le soleil dans le ventre". E, por outro
lado, a sua finura natural o conduz a um certo aristocratismo
sensível.
Derain é, por sua vez, o enorme e robusto homem do povo,
estuante de saúde. Suas audácias iniciais o levarão, mais tarde,
a outras harmonias mais tranquilas, de onde não estará, por
vêzes, ausente, a influência da pintura espanhola com seus tons
.sombrios.
Vlaminck, após a fase "fauve", evoluirá, dentro de uma téc-
.nica de violentos empastamentos, para uma pintura escura, de
caráter nórdico, evocando as imagens holandesas de Van Gogh.
Paisagens urbanas, feitas de lama e neve, dramática desola-
ção, que se integrará, por êsse aspecto, na grande corrente ex-
pressionista. Quanto a Braque, sua arte severa e equilibrada,
vai, desde cedo, abandonando as rútilâncias do "fauvismo", para
se integrar numa busca de construção intelectual, dentro_ da
corrente cubista, ao mesmo tempo que sua paleta vai se atenuar,
em harmonias de gríseos, ocres, negros, e tons extremamente
finos.
A mensagem cromática de Van Gogh vai se esbatendo
em acordes cada vez mais matizados. Marquet e Dufy, êste,
especialmente, conservarão dela um "rappel", expresso no liris-
mo da côr, dando origem às imagens irradiantes da alegria vital.
_E Friesz não encontrará, na parte subsequente de sua obra, tô-
108
nica superior à das magníficas orquestrações que assinalam a
sua fase "fauve".

Os anos de 19G5 e 1906 são extremamente frutíferos para a


produção "fauve". E' por êsse tempo que as obras mais mar-
cantes aparecem ,como um último jato luminoso da cor de Van
Gogh. A "Pastoral", a "Leitura", o "Retrato de risca verde", de
Matisse, o último, especialmente, com seus verdes crus, seus ver-
melhos intensos e rosas sutis, manifestam, mau grado o que o
artista possa ter dito, uma herança visível de Van Gogh. Os
"Personagens num prado", de Derain, os "Bateaux-lavoirs" e a
"Casa de Campo", de Vlaminck, o "Porto de Ciotat", de Braque,
o "Faubourg" de Derain, o "14 de Julho" de Dufy, são, entre
numerosas obras, subsidiários de Van Gogh.

A CÔR PURA

Entretanto essas decorrências não devem ser consideradas


como o puro e simples aproveitamento de receitas Vangoghia-
nas, por parte de artistas, alguns dos quais não reconhecem, êles
próprios, a direta filiação à corrente do pintor dos girassóis. Não
se trata de uma Escola, e, sim, das naturais consequências de uma
obra, cujo alcance profundo vai além do simples plano técnico
e teórico, para constituir uma verdadeira revolução. Uma tão
preciosa descoberta, - o papel desempenhado pela côr pura na
criação do espaço -, que só pode ser avaliada pela angústia e
o irresistível sofrimento do seu revelador, não decorrem de sim-
ples acaso.
Absolutamente consciente do valor dessa descoberta, Van
Gogh, chegado ao limiar de um novo e misterioso mundo, ine-

109
briado pelas harmonias que finalmente percebe e abraça, na sua
totalidade, cai, fulminado, e deixa, unicamente, o trágico teste-
munho do bilhete que trazia, ao peito, no dia da morte: " ... nous
ne pouvons faire parler que nos tableaux". "Mon travail à moi,
j'y risque ma vie et ma raison y a fondré à moitié ... " C).

OS EXPRESSIONISTAS

Van Gogh pode, hoje, ser considerado como o grande gênio


inovador da época, apreciando-se o modo pelo qual sua in-
fluência se fez sentir nas correntes picturais posteriores. Pelo
seu sentido trágico, é, também, o precursor do expressionismo.
Kokoschka, Munch, Soutine, por exemplo, são por êste lado,
seus irmãos em espírito, embora Soutine tenha declarado não
o estimar.
Ao falar de expressionismo, não podemos deixar de reconhe-
cer que Van Gogh corresponde aos fundamentos espirituais dessa
corrente, de forma evidentíssima. Para os expressionistas a pin-
tura deixa de ter uma finalidade em si própria, e se transforma
no meio, pelo qual o artista pode expressar suas emoções indivi-
duais, de ordem afetíva, sentimental, filosófica ou metafísica,
resultando, da obra, a exposição crua e violenta de um estado de
alma, frequentemente doloroso, extremado, neurótico, em que
a presença das paixões mais terríveis se plasma no quadro, car-
regado de uma confidência espiritual despida de artifícios.
A obra de arte é, assim, consequente de um egocentrismo
exasperado, em conflito com as leis da técnica pictural e as

(1) Carta 652 - última carta.

110
exigências de ordem plástica e compósitiva. O gosto pela au-
to- introspeção, através de inúmeros auto-retratos faz, da pin-
tura expressionista, um verdadeiro "Speculum hominis". O
drama, expresso com tanta violência de paixão, não decorre da
idéia de escola, porém é consequência da neurose universal que
inquieta os espíritos do tempo. Os mais autênticos expressio-
nistas são neuróticos (Munch, Van Gogh, Kirchner, Pascin,
Soutine), e representam a renovação da luta eterna entre o es-
pírito nórdico, a sondar as profundezas do desespero humano, e
o espírito latino e mediterrâneo, preciso, tranquilo, bem assen-
tado em bases de pensamento claro, a pesquisar as relações racio-
nais dos valores plásticos.
E' bastante eloquente o fato de que os grandes expressio-
nistas, sejam, quase todos, homens do norte, ou de regiões em que
~I o Oriente penetrou, aty<résdo homem da estepe, com seu fatalis-
mo e sua metafísica do desespero vital. Austria, Noruega, Bél-
gica, Lituânia, Alemanha, Bulgária, Holanda, Russia, são países
onde nascem êsses artistas, que trouxeram para a tela a expres-
são trágica da existência: Kokoschka, Munch, Ensor, Soutine,
Nolde, Kirchner, Pascin, Van Gogh, Vlaminck e Segall.
Por uma coincidência apreciável, renovando o conflito "clás-
sico - barroco", vem de Espanha o maior dos pintores do dra-
ma humano. A fase "azul", de Picasso, e mais tarde "Guerni-
ca", 'a cruel "Mulher chorando", o "Crânio de boi", e tantas.
telas de inaudita violência, formarão, novamente, a ponte es-
tética Ibéria-Centro e Norte Europa ..
Vale também citar, agora, na pintura brasileira, o caso de
Portinari, cujos "Retirantes" e "Enterros" podem ser compreen-
didos como magnificos exemplos do expressionismo contempo-
râneo, sem que seu forte sabor brasileiro lhe diminua o sentido.
universal.

111
A vida trágica de Van Gogh tem atraido o interêsse como-
vido da época atual, no que possui de conteúdo emocional pró-
prio. Deve-se considerar, entretanto, que a importância dessa
. vida decorre da magnitude de uma obra, que exprime, essen-
cialmente, o conflito eterno do Ser com o Meio social e consigo
mesmo.
Feita de sofrimento e sacrifício, a obra de Van Gogh, im-
pregnada de presença humana, vazada em linguagem universal-
mente inteligível, não permanecerá como criação da loucura,
porém, ao contrário, como o triunfo luminoso da Consciência
sôbre o espírito das trevas, "Modus" novo de entendimento da
Natureza, através do Espaço e do Tempo.

/-

112
BI BLlOGRAFIA

Dentre os pintores modernos, Van Gogh é, atualmente, quem


reúne maior número de publicações. Biografias, estudos críticos, cien-
tíficos, etc., se multiplicam, incessantemente, em diversos países. É
também, como observa J. Leymarie, o primeiro (dos modernos), cuja
obra completa foi inventariada e reproduzida em repertórios (especial-
mente o catálogo de J. B. de Ia Faille) .
Citamos abaixo, resumidamente, algumas obras que nos parecem
fundamentais.
Para uma análise bibliográfica minuciosa aconselharíamos o es-
tudo especial de Charles Mattoon Brooks Jr.: "Vincent Van Gogh: A
bigliography comprising a catalogue of the litterature published jrom.
1890 through 1940, the Museum of Modern Art, New York, 1942" (777
números), e a excelente bibliografia comentada, de Jean Leymarie, em
"Van Gogh, collection Prométhée, Editions Pierre Tisné, Paris, 1951".
Consideramos mais interessante seguir a ordem alfabética dos au-
tores, dentro de uma ordem cronológica, que conduzirá desde o artigo
de Aurier, único publicado em vida do artista, até às obras mais re-
centes.
I

CATÁLOGOS

DE LA FAILLE, J. B. - L'oeuvre de Vincent Van Gogh, Catálogo comentado


em 4 volumes, Van Oest, Paris e Bruxelas, 1928.
DE LA FAILLE, J. B. - Les taux Van Gogh, Van oest, Paris e Bruxelas, 1930.

113
SCHERJON, W. - Catalogue tles tableaux par Vincent Van Gogh âécrits dans
(Bt. Rémy et Auvers) , Oesthoek, Utrecht, 1932.
ses lettres
SCHERJON, W. e GRUYTER, Jos. - Vincent Van Goqti, Great Period, Artes,
St. Rémy, Auvers sur Oise, De Spiegel, Amsterdam, 1937.
VANBESELAERE,Walter - De nouanãsene Perioâe (1880-1885) in het Werk
van Vincent Van Gogh, Vermeylen, Wereldbibliotheek, Amsterdam,
1938.
HAMMACHER,A. M. - Catalogus van 264 werken van Vincent Gogh, Rijks-
museum Krõller-Müller, Otterlo, 1949.

II

CORRESPOND~NClA

Briete Emile Bernarâ, Paul Gauguiu, Paul Signac und anâere, Benno
an
Schwabe, Basileia, 1938.
Brieven aan ziin. Broetier, de Théodore a Vincent, Amsterdam, 1932. Intro-
dução de V. W. Van Gogh e biografia de V. Gogh Bonger ,
Brieven aati zf1n broeâer, prefácio e notas de J. Van Gogh Bonger, 3 vols,
maatschappy voor goede en geodkoope Lectur, Amsterdam, 1914-1925.
Edição alemã, Berlim, 1914 - Edição inglesa, Londres, 1927-1929.
Brieven aan Ridder Van Rappard, Edição holandesa, Amsterdam, 1937.
Letters to an ariist, jrorn. Vincent Van Gogh to Anton Ridder Van Rappard,
Tradução do holandês por Rela Van Messel, The Viking Press, N.
York, 1936.
Lettres de Vincent Van Goçh. à Emile Bernard, Editions Vollard, Paris, 1911,
Edição inglesa, Londres, 1938, Edição americana, N. York, 1938.
Lettres de Vincent Van Goçh. à son trére Théo, Seleção por Georges Philippart,
Introdução de Charles Terrasse, Paris, Grasset, 1937.
Lettres de Vincent Van Gogh à Van Rappard, Tradução e seleção de L. Roelandt,
Paris, Grasset, 1950.
lU

DE 1890 A 1900

AURIER, C. Albert - Un Isolé: Vincent Van Gogh, "Mercure de France", Paris,


Janeiro, 1890. Incorporado nas "Oeuvres Posthumes", Edição do "Mer-
cure de France", Paris, 1893.
BERNARD,Emile - Vincent Van Gogh, "Hommes d'Aujourd'hui", Vanier, Paris,
1891.
BERNARD,Emile - Vincent Van Gogh, "La Plume", Paris, 1/9/1891.

114
MIRBEAU, Octave - Van Gogh, "L'Echo de Paris", Paris, 31/3/1891 e "Le
Journal", Paris, 17/3/1901.
BERNARD, Emile - Van Gogh, "Mercure de France", Paris, Abril de 1893.
BERNARD, Emile - Préface aux lettres de Vincent Van Gogh, "Mercure de
France", Agôsto de 1893.

DE 1901 A 1910

MORICE, Charles - Gauguin, "Mercure de France", Paris, Outubro, Dezembro


de 1903.
STEENHOFF, W. - Van Gogh, J. L. Veen, Amsterdam, 1905.
VAN BEVER, Adrien, - Conjérence sur Van Goqh; "La Plume", Paris, 1'905.
MEIER-GRAEFE, J. - Ueber Vincent Van Goçh, "Sozialistische Monatshefte",
Fevereiro de 1906.
MENDES DA COSTA, N. B. - Herinneringen aan Van Gogh, "Algemeen
Handelsblad", 30/11/1910, Tradução alemã, 1912.
MEIER-GRAEFE, J. - Vincent Van Gogh, Munich, R. Piper & CO., 1910, 1912,
1918, 1921, 1922 1925. Tradução espanhola Pablo Simon, Ed. Poseidon,
B. Aires, 1945.
nu QUESNE-VAN GOGH, E. - Persoonliike h.erinnerinçen. aan Vincent Van
Gogh, Baarn, Van der Ven, 1910, 2.a ed. 1923, Trad. alemã, Munich,
1911 Trad. inglesa Londres e Boston 1913.

DE 1911 A 1920

BREMMER, H. P. - Vincent Van Gogh, Inleuieruie Beschouunnçen; Versluys,


Amsterdam, 1911.
GODET, Pierre - Van Goqh, "L'Art décoratif", iParis, Setembro de 1911.
KERSSEMAKERS,A. - Herinneringen aan Van Gogh, "De Amsterdammer" 14
e 21 de Abril de 1912.
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íNDICE
PÁGs.

Introdução 7
A Vida 9
A Neurose 13
Períodos e Influências 67
A Técnica 87
Ressonâncias IaS

Bibliografia . 113

/

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Av. Rio Branco, 117 - Rio de Janeiro. 19

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